PLANEJAMENTO URBANO SUSTENTÁVEL ÁREA NA ZONA SUL DIVIDE OPINIÕES ENTRE CRESCIMENTO ECONÔMICO E PRESERVAÇÃO DA BAÍA DA BABITONGA
Um porto para Joinville? U
ma área equivalente a 1.250 campos de futebol com eucaliptos, manguezais e ranchos de pesca, nos fundos do bairro Paranaguamirim e às margens da baía da Babitonga, na zona Sul de Joinville, poderá receber uma zona portuária no futuro. É o que prevê o zoneamento ecológico econômico (ZEE), uma lei que planeja a cidade segundo critérios ambientais e que a Prefeitura quer enviar neste ano à Câmara de Vereadores. O documento vem sendo elaborado desde 2007 pela Fundação Municipal de Meio Ambiente (Fundema) e faz parte do gerenciamento costeiro, um plano maior que disciplina o uso e a ocupação do litoral brasileiro. A reserva de uma área logística (portuária) em Joinville é só uma das tantas polêmicas do planejamento da cidade, mas resume a complexidade desse desafio, que precisa ser encarada e debatida, segundo especialistas, e divide opiniões entre quem acredita em crescimento ordenado à beira da Babitonga e quem vê na ocupação uma ameaça à baía. Morador de uma vila onde vivem sete pessoas, no rio Paranaguamirim, limite natural de Joinville com Araquari, o pes-
cador Salvador Santana, 58 anos, é um dos que temem a ocupação da área. “Acabaria com o sossego e a beleza do mangue. É só ver o que aconteceu com o rio lá em cima, atrás do Jardim Edilene e outros loteamentos. Virou uma vala com lixo e esgoto.” Outro pescador, Oládio Pinotti, 64, que mora há mais de 40 anos em outra vila onde pescadores esportivos guardam barcos, já na baía, diz que a área deveria ser loteada e a pesca, transformada em atrativo turístico. “Aqui é tudo terra firme, o mangue é que avançou com o tempo. É bom para lotear e valorizaria os terrenos.” Vigilância dos moradores, fiscalização ambiental com alguma frequência e carência de serviços – não há linha de ônibus e a rua era um lamaçal quando a reportagem esteve no local, em 21 de maio – contribuem para que a região não sofra ocupações irregulares, segundo os pescadores. Técnicos do poder público e donos de terras temem que isso ocorra enquanto o uso da área não é definido, até pela pressão populacional que a zona Sul sofre e que já resultou em invasões como a de um terreno entre o Paranaguamirim e o Jarivatuba, levando à retirada das pessoas com o auxílio de intervenção policial, em 2011.
A defesa do projeto O agrônomo da Prefeitura Giampaolo Marchesini, que atua no ZEE, defende a zona logística porque permite à cidade se antecipar com planejamento às pressões econômicas. “Não quer dizer que vai ter um porto lá hoje, mas se houver essa pressão daqui a 30, 50, 100 anos, vai existir uma área definida e com regras”, afirma. Para ele, enquanto cria usos especiais na zona Sul, o ZEE restringe ocupações no Norte, mais frágil e perto da Serra Dona Francisca, berço da água de Joinville. Ele afirma, inclusive, que o Distrito Industrial Norte deveria ser desestimulado por isso. A conurbação de Araquari com Joinville, a instalação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da fábrica da General Motors (GM) na zona Sul são justificativas para que o porto fique nessa região, segundo estudos. Outra razão é o fato de o local ser um dos poucos da zona costeira degradado por plantio de eucaliptos no passado – o bairro Espinheiros e a localidade da Vigorelli, também afetados, teriam só turismo e
esportes náuticos, e o restante da costa permaneceria conservada. “É bobagem querer ir contra o crescimento econômico. O que o ZEE faz é discipliná-lo e dizer o que deve acontecer e onde vai ter menos impacto. Os empreendedores apoiam, porque evita confusão jurídica, direciona investimentos. E não passa por cima das leis ambientais: se dentro da área portuária tiver uma nascente, ela continua uma área de preservação permanente e, por lei, não pode ser mexida”, argumenta Giampaolo.
Exemplo de Itapoá O arquiteto Carlos Henrique Nóbrega, gerente de projetos da OAP, consultoria contratada pela Fundema para os estudos do ZEE, é da mesma opinião. Itapoá, a primeira cidade do Brasil a adotar esse zoneamento, segundo o Ministério do Meio Ambiente, conseguiu agilizar a instalação do porto e de pátios para contêineres porque o ZEE estabeleceu critérios e evitou problemas nos licenciamentos, segundo Carlos.
FOTOS PENA FILHO
ONDE SERÁ A ZONA PORTUÁRIA* O local fica nos fundos do Paranaguamirim, entre o limite com Araquari e o Morro do Amaral. O tamanho da zona logística ou portuária é de 5,12 km².
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6
2 1
3
4
1
Zona portuária [lilás]
2
Zona de navegação / baía da Babitonga [azul]
3
Área de preservação permanente / mangues [verde-escuro]
4
Rio Paranaguamirim / limite com Araquari
5
Zona de uso restrito [verde-claro]
6
Bairro Paranaguamirim / zona residencial de baixa densidade
7
Morro do Amaral
8
Morro do Boa Vista / região central * IMAGEM MERAMENTE ILUSTRATIVA, REPRESENTA LIMITES APROXIMADOS E NÃO EXATOS DE CADA ZONA.
FONTE: OAP CONSULTORES ASSOCIADOS E FUNDEMA
A Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Morro do Amaral, criada recentemente, é a primeira desse tipo no País, na zona Sul de Joinville, teria sua zona de amortecimento (faixa de terras ao redor) afetada pela instalação de um porto na região, segundo o Ibama.
TERÇA-FEIRA, 5 DE JUNHO DE 2012 8 e 9
ESTUDOS Área no limite entre Joinville e Araquari é cobiçada para receber um porto no futuro
A NOTÍCIA
Zoneamento em discussão A discussão do zoneamento ecológico econômico (ZEE) é parecida com a da Lei de Macrozoneamento, aprovada em 2010, e a da Lei de Ordenamento Territorial, em discussão na Câmara de Joinville. Uma divide a cidade em grandes áreas, como rural e urbana, e a outra detalha a área urbana em zonas residenciais, comerciais e industriais. As leis já preveem o uso da região nos fundos do Paranaguamirim, mas como área rural de transição (ART ), capaz de ter “indústrias inovadoras” e condomínios, segundo a Fundação Instituto de Planejamento Urbano de Joinville (Ippuj). O assunto também é polêmico e fez a região sair do projeto por apelos ambientais e retornar em discussões recentes. Em 2004, três anos após a área ser anexada a Joinville – até então era de Araquari –, o escritório do arquiteto e ex-prefeito de Curitiba Jaime Lerner concluiu um estudo em parceria com a Prefeitura para a construção de casas de luxo, indústrias inovadoras, uma marina e um píer na região. O diagnóstico só foi feito para mostrar a viabilidade na região. Vale lembrar, porém, que o Parque da Ajorpeme, empreendimento de pequenas empresas na área planejada para
indústrias inovadoras, acabou abortado no fim do ano passado na região por excesso de exigências ambientais.
Porto e urbanização O gerente de planejamento do Ippuj, Gilberto Lessa, vê como poluidora uma área portuária na Babitonga e acredita que o mais viável ainda é a instalação de condomínios e indústrias de baixo impacto e reconhece que o debate sobre o porto é oportuno. Como o ZEE se sobrepõe ao Plano Diretor, isto é, vem antes das regras urbanísticas, Lessa afirma que o planejamento urbano pode sofrer adequações após o zoneamento ecológico ser aprovado. O presidente da Fundema, Eni Voltolini, diz que o ZEE estará na Câmara em até três meses, que a proposta é aberta a sugestões e espera um debate sensato. “As discussões das leis urbanísticas foram um aprendizado e acho que devem tornar a votação do zoneamento ecológico mais objetiva.” Pescadores como Oládio e Salvador gostariam de ser ouvidos antes das decisões. “A gente conhece como ninguém a baía, é um paraíso para a pesca e o turismo. Acho que o futuro está nisso.”
As discussões das leis urbanísticas foram um aprendizado e devem tornar a votação do ZEE mais objetiva. ENI VOLTOLINI, presidente da Fundema
VALORIZAÇÃO Oládio é favorável ao desenvolvimento da região
Ambientalistas e técnicos contra criação do porto
Iniciativa privada vê vantagens na ocupação
O chefe do Ibama em Joinville, Luiz Ernesto Trein, é um dos que são contra a criação da zona portuária. Segundo ele, a zona afeta manguezais, não tem profundidade para receber navios, só barcaças, colide com a recém-criada Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Morro do Amaral, interfere em terras indígenas na ilha do Mel – uma das ilhas da Babitonga perto da área – e fica de frente para um criadouro de toninhas (espécie de boto que habita a baía). “O Ibama, que licencia portos, vai levantar essas questões. Alerto que será muito difícil, quase impossível, licenciar um empreendimento desses naquela região”, afirmou em uma consulta pública sobre o ZEE, em 16 de maio. Para Trein, a sugestão é que se otimize o escoamento de cargas pelos trilhos de trem, que hoje cortam o bairro e que passarão em Araquari com o contorno ferroviário, e nos portos de São Francisco e Itapoá. Ambientalistas e técnicos do poder público também divergem da proposta.
A Hacasa Empreendimentos Imobiliários, braço do Grupo H. Carlos Schneider, de Joinville, dona de terrenos na região, apoia a ocupação. Os lotes imobiliários têm na maioria eucaliptos e pertenciam a uma empresa de reflorestamento, de acordo com a Prefeitura de Joinville. Segundo o gerente da Hacasa, Jean Pierre Lombard, a empresa produz diagnósticos ambientais de seus terrenos e constatou viabilidade não só logística e industrial, mas de urbanização da área com arruamento, casas e outros usos. “Todo o planejamento leva em conta leis ambientais. A existência do patrimônio natural da área não inviabiliza empreendimentos, e toda recomendação de proteção será respeitada e regulamentada”, diz. A imobiliária afirma ter projetos de urbanização para serem implantados ao longo de 30 anos entre Joinville e Araquari e defende a diversificação de usos em outras áreas rurais perto de zonas urbanas.
PROBLEMAS O pescador Salvador teme que a área seja degradada