CENTRO UNIVERSITÁRIO DO LESTE DE MINAS GERAIS CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
RONALDY LOPES ALMEIDA SILVA
ESPAÇOS LIVRES Da Corpografia à Cenografia Urbana
Coronel Fabriciano 2015
RONALDY LOPES ALMEIDA SILVA
ESPAÇOS LIVRES: Da Corpografia à Cenografia Urbana
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
Orientador: Vinícius Ávila
Coronel Fabriciano 2015
RONALDY LOPES ALMEIDA SILVA
ESPAÇOS LIVRES: Da Corpografia à Cenografia Urbana
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Arquitetura e Urbanismo.
Aprovada em _____ de ___________________ de ________. BANCA EXAMINADORA: Nome do Professor __________________________________
Nome do Professor __________________________________
Nome do Professor __________________________________
Dedico este trabalho a todos que acreditam na arte da vida.
A arte da vida consiste em fazer da vida uma obra de arte. Mahatma Gandhi
RESUMO
O
processo
de
desenvolvimento
urbano,
principalmente
nos
países
em
desenvolvimento, é uma das formas mais agressivas e contraditórias do relacionamento entre o homem e o meio ambiente. No entanto, nesse processo de urbanização, verifica-se a maior parte da população mundial vivendo em cidades, onde a busca por melhores condições de vida vem influenciando diretamente no crescimento das cidades e consequentemente na degradação do meio ambiente e da qualidade de vida. Contudo, o presente trabalho visa desenvolver um diálogo crítico a respeito da produção dos espaços livres de edificação dentro da malha urbana brasileira, sendo eles espaços públicos utilizados ou não pelas pessoas. Destacando a importância dos cheios e vazios – espaços edificados e não edificados – na estruturação da vida urbana. Porém, nesse processo de desenvolvimento urbano, temos por um lado a construção da cidade formal (cidade projetada) e por outro lado a consolidação da cidade informal (cidade sem lei), onde as políticas públicas vem lutando para a reestruturação e integração dessas duas malhas urbanas. Apesar disso, é claro a visualização de um processo de espetacularização do espaço urbano, o qual a cidade virou palco da exclusão, com espaços degradados, mal habitados e seletivos, contribuindo para que pessoas vivam cada vez mais isoladas, sejam em casas, apartamentos ou condomínios fechados. Nesse sentido, entra no escopo deste trabalho discutir a relação homemespaço, tratando a corpografia e cenografia como possível compreensão da espetacularização dos espaços livres intra-urbanos, e buscando assim novas formas de apreensão e experimentação desses espaços concebidos às pessoas.
Palavras-chave: Espaços Livres. Relação homem-espaço. Corpografia. Cenografia.
RESUMEN
El proceso de desarrollo urbano, especialmente en los países en desarrollo, es una de las formas más agresivas y contradictoria relación entre el hombre y el medio ambiente. Sin embargo, este proceso de urbanización, hay mayoría de la población mundial que vive en las ciudades, donde la búsqueda de mejores condiciones de vida viene influyen directamente el crecimiento de las ciudades y en consecuencia la degradación del medio ambiente y calidad de vida. Sin embargo, este estudio tiene como objetivo desarrollar un diálogo crítico sobre la producción de espacios de construcción gratuitas dentro de la red urbana brasileña, es decir, los espacios públicos utilizados o no por el pueblo. Destacando la importancia de llenos y vacíos espacios construidos y no construidos - la estructuración de la vida urbana. Sin embargo, en este proceso de desarrollo urbano, tenemos por un lado la construcción de la ciudad formal (ciudad proyectada) y, por otro lado, la consolidación de la ciudad informal (ciudad sin ley), donde la política pública ha estado luchando por la reestructuración e integración de estas dos telas urbano. Sin embargo, observando un proceso espectáculo del espacio urbano, por supuesto, que la ciudad se convirtió en el escenario de la exclusión, con espacios degradados, poco habitadas y selectiva, ayudando a la gente a vivir cada vez más aislado, ya sea en casas, apartamentos o comunidades cerradas. En este sentido, entra en el ámbito de este trabajo se presenta la relación entre el espacio humano, el tratamiento de la bodygraphy y escenografía de lo posible la comprensión del espectáculo de los espacios libres intra-urbano, y por lo tanto la búsqueda de nuevas formas de aprehensión y enjuiciamiento de estos espacios diseñados para la gente.
Palabras
clave:
Escenografía.
Espacios
libres.
Relación
hombre-espacio.
Bodygraphy.
LISTA DE FIGURAS FIGURA1.....................................................................................................................20 FIGURA2.....................................................................................................................21 FIGURA3.....................................................................................................................26 FIGURA4.....................................................................................................................28 FIGURA5.....................................................................................................................31 FIGURA6.....................................................................................................................31 FIGURA7.....................................................................................................................32 FIGURA8.....................................................................................................................32 FIGURA9.....................................................................................................................32 FIGURA10...................................................................................................................33 FIGURA11...................................................................................................................34 FIGURA12...................................................................................................................34 FIGURA13...................................................................................................................36 FIGURA14...................................................................................................................36 FIGURA15...................................................................................................................39 FIGURA16...................................................................................................................40 FIGURA17...................................................................................................................41 FIGURA18...................................................................................................................42 FIGURA19...................................................................................................................43 FIGURA20...................................................................................................................43 FIGURA21...................................................................................................................44 FIGURA22...................................................................................................................44 FIGURA23...................................................................................................................46 FIGURA63...................................................................................................................48 FIGURA24...................................................................................................................54 FIGURA25...................................................................................................................57 FIGURA26...................................................................................................................59 FIGURA27...................................................................................................................59 FIGURA28...................................................................................................................60 FIGURA29...................................................................................................................61 FIGURA30...................................................................................................................67 FIGURA31...................................................................................................................68
FIGURA32...................................................................................................................70 FIGURA33...................................................................................................................71 FIGURA34...................................................................................................................71 FIGURA35...................................................................................................................72 FIGURA36...................................................................................................................73 FIGURA37...................................................................................................................74 FIGURA38...................................................................................................................75 FIGURA39...................................................................................................................76 FIGURA40...................................................................................................................76 FIGURA41...................................................................................................................77 FIGURA42...................................................................................................................77 FIGURA43...................................................................................................................79 FIGURA44...................................................................................................................81 FIGURA46...................................................................................................................81 FIGURA45...................................................................................................................81 FIGURA47...................................................................................................................83 FIGURA48...................................................................................................................84 FIGURA49...................................................................................................................86 FIGURA65...................................................................................................................87 FIGURA64...................................................................................................................87 FIGURA66...................................................................................................................91 FIGURA67...................................................................................................................92 FIGURA68...................................................................................................................93
SUMÁRIO 1INTRODUÇÃO..........................................................................................................12 1.1PROBLEMÁTICA...................................................................................................14 1.2OBJETIVOS...........................................................................................................15 1.2.1Objetivo geral.....................................................................................................15 1.2.2Objetivos específicos.......................................................................................16 1.3JUSTIFICATIVA......................................................................................................16 2ACERCA DOS ESPAÇOS LIVRES: SITUAÇÕES DE SOCIABILIDADE...............18 2.1URBANIDADE, MOBILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS.....................................19 2.2MUDANÇAS NA ECONOMIA, CULTURA E ESPAÇOS PÚBLICOS....................23 3.OS ESPAÇOS LIVRES NA PERSPECTIVA DA CENOGRAFIA E CORPOGRAFIA URBANA.....................................................................................................................28 3.1CONTEXTO E ESCALA.........................................................................................29 3.2CHEIOS E VAZIOS................................................................................................48 3.3PERCEPÇÃO AMBIENTAL....................................................................................51 3.4NOVOS CENÁRIOS URBANOS E AS CIDADES PARA PESSOAS.....................56 3.5SEMINÁRIO TCC1.................................................................................................68 4ANÁLISE DE OBRAS ANÁLOGAS.........................................................................73 4.1ROSÁRIO CIDADE EDUCADORA........................................................................73 4.2ARQUITECTURA EXPANDIDA..............................................................................76 4.3REAPROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES.......................................................79 5A REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO AÇO COMO ESTUDO DE CASO. .89 5.1CONSOLIDAÇÃO DA REGIÃO DO VALE DO AÇO..............................................89 5.2A CIDADE OPERÁRIA...........................................................................................92 5.3PROCESSO DE CONURBAÇÃO URBANA..........................................................95 5.4A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTRUÇÃO DA CIDADE..........................99 6PROPOSTA DE TCC2............................................................................................101 6CONCLUSÃO..........................................................................................................111 REFERÊNCIAS.........................................................................................................114 APÊNDICE A.............................................................................................................116 ANEXO A...................................................................................................................117 ANEXO B...................................................................................................................118 ANEXO C...................................................................................................................119
ANEXO D..................................................................................................................120
1
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa visa desenvolver uma reflexão crítica a respeito da ocupação do espaço urbano – como lugar de sociabilidade – dentro do contexto de corpografia urbana, levando em conta a materialização destes como possíveis desdobramentos de cenários urbanos. Partindo da análise de dados históricos e levantamentos atuais, tenta-se compreender a nova cidade contemporânea brasileira. O estudo de conceitos relativos a sociabilidade urbana se faz necessário, para entender o atual contexto em que se inserem os espaços livres de caráter social dentro da cidade. É neste sentido que o presente trabalho trata a urbanidade, mobilidade urbana, políticas públicas, economia, cultura e espaço público como conceitos introdutórios para o estudo dos espaços livres. Os “espaços livres de edificação” dentro das cidades, convive hoje com planos urbanos onde a ideia seria ordenar um desenvolvimento mais sustentável na garantia da construção de uma cidade mais alinhada com os anseios humanos atuais. Porém os mesmos acabam por generalizar a construção do espaço e determinando o desenvolvimento de acordo com o zoneamento da cidade. No entanto, a grande contradição verificada na maioria das cidades é a determinação de grandes equipamentos na área central e a construção de habitações para a população de baixa renda em locais isolados e sem apoio socioeconômico. Contudo, a área central é o maior alvo da especulação imobiliária, onde a implantação de mega-empreendimentos e a gentrificação do espaço vem contribuindo diretamente na degradação do meio ambiente e da qualidade de vida. Desse modo, a experiência de vivenciar a cidade se torna cada vez mais caótica. A corpografia urbana tratada neste trabalho se refere as experiências do corpo através do vivenciamento da complexa malha urbana. Neste sentido foca-se na arquitetura dos espaços livres de uso público que colocam as pessoas (ou não) 12
como protagonistas do mesmo. Para isso utiliza-se como metodologia, uma revisão bibliográfica e a análise de obras análogas aplicado a um estudo de caso. Contudo, Fabiana Britto e Paola Jacques, docentes e pesquisadoras da faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia – UFBA, estabelecem um diálogo onde relacionam corpo e cidade com os conceitos de cenografias e corpografias urbanas. Fazendo a seguinte afirmação: A corpografia é uma cartografia corporal (ou corpo-cartografia, daí corpografia), ou seja, parte da hipótese de que a experiência urbana inscrita, em diversas escalas de temporalidade, no próprio corpo daquele a experimenta, e dessa forma também o define, mesmo que involuntariamente […]. (BRITTO; JACQUES, 2008, p.79)
A corpografia diferencia-se portanto da cartografia e coreografia. Começando pela diferenciação do projeto urbano. Onde a cartografia refere-se a atualização das informações planificadas em um mapa, já a coreografia pode ser vista como um mapeamento dos movimentos corporais a serem realizados pelo corpo. “Uma coreografia pode ser vista como um projeto de movimentação corporal, ou seja, um projeto para o corpo (ou conjunto de corpos) realizar, o que implica, como no projeto urbano, em desenho (ou notação), composição (ou roteiro) etc.” (BRITTO; JACQUES, 2008, p.79) No entanto, o termo cenografia urbana presente no título desta pesquisa é tratado como uma crítica a concepção dos cenários ou espaços que vem negando as diferentes corpografias. Onde a reprodução de cenários em contextos distintos confirma um processo de espetacularização dos espaços livres de uso público. Nesse sentido, a cenografia deve complementar às análises do corpo na concepção dos diferentes espaços intra-urbanos, valorizando seu potencial integrador de pessoas. As cenografias urbanas, ao contrário [da corpografia], são frutos do hoje hegemônico processo de espetacularização urbana, e estão diretamente relacionadas a uma diminuição da experiência corporal das cidades enquanto prática cotidiana, estética ou artística no mundo contemporâneo. (BRITTO; JACQUES, 2008, p.80) 13
Trabalha-se assim com a hipótese de que em um cenário de escassez fundiária, os espaços livres, podem e devem receber novos usos quando se têm como premissa de projeto, o corpo que ocupará e vivenciará tal espaço.
1.1
PROBLEMÁTICA
O ponto central a ser ressaltado aqui, é o empobrecimento da experiência urbana nos espaços livres, onde estes vem perdendo seu caráter social e integrador de pessoas, para cenários da espetacularização e gentrificação humana. Cabendo assim, se fazer alguns questionamentos, onde o presente trabalho busca responder. - Porque os espaços públicos, como uma das poucas áreas livres na cidade contemporânea, não vêm sendo incluídos nas politicas urbanas? - As pessoas percebem os espaços livres como potencial reestruturador da vida humana? - O território brasileiro têm buscado a valorização dos espaços livres? - Como apreender as pessoas nos espaços urbanos? - É possível influenciar boas práticas urbanas pela arquitetura e urbanismo? - Seria utopia pensar o espaço a partir do corpo? - Porque continuam produzindo cenários da espetacularização e gentrificação humana? Muitas perguntas são questionáveis, talvez algumas não tenham respostas, mas hipóteses são formuladas, podendo também mudarem com o tempo e a constante ressignificação do espaço urbano. Contudo, temos a hipótese de que os governos 14
estão atentos aos anseios humanos, porém movidos pela especulação imobiliária, estas vem fazendo o que querem com nossas cidades, onde a lei maior vem sendo o capitalismo avançado. No entanto, as pessoas, se também influenciadas pelo modelo econômico, podem negar o convívio coletivo, fazendo dos espaços públicos lugares sem vínculos e sem significados. Espaços sem vida, dando lugar para a marginalidade. Outra questão colocada é que o Brasil como país subdesenvolvido têm tentado valorizar a vida urbana, porém é todo um sistema a mudar, e assim os resultados são lentos e mínimos. Portanto, para apreender ou revalorizar os espaços livres urbanos talvez seja necessário, amplas políticas urbanas voltadas para cada contexto. Entretanto, a arquitetura e urbanismo poderia sim influenciar boas práticas na cidade, mas também depende do estado consolidar um cenário propício ao desenvolvimento das mesmas. E se o corpo é quem corresponde a todas as ações internas e externas, por que não pensar o espaço a partir do corpo? A espetacularização e gentrificação é a negação ao corpo, no entanto, uma possível explicação à produção desses cenários, deve-se a consolidação de um processo econômico denominado de capitalismo avançado. Onde quem detém maior concentração de poder acabam por criar cidades excludentes.
1.2
OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Como objetivo geral, o trabalho pretende buscar respostas a não espetacularização e gentrificação dos espaços livres urbanos, com base nos conceitos de corpografia e
15
cenografia urbana.
1.2.2 Objetivos específicos
- Analisar de maneira mais aprofundada os espaços livres de edificação; - Analisar a configuração do território brasileiro e a influência na ocupação dos espaços livres; - Verificar a influência da arquitetura dos espaços livres e públicos na vida das pessoas, levando em consideração os conceitos de corpografia e cenografia; - Buscar novas formas de apreensão da vida humana aos espaços públicos; - Verificar o porque da vitalidade de alguns espaços livres em relação a outros; - Analisar a relação entre espaço edificado e não edificado na estruturação da sociabilidade urbana.
1.3
JUSTIFICATIVA
A escolha pelo tema se deu através da própria experiência vivida nos constantes deslocamentos, em especial nos centros urbanos, onde observa-se o grande número de espaços gentrificados, espetacularizados ou mortos por natureza. Tendo como motivação maior a descoberta da cidade como uma extensão do corpo. Onde o uso da calçada, mesmo que em um processo de micro-resistência, observa-se as relações afetivas e inter-pessoais. Contudo, as observações se confirmam nos estudos de Fabiana Britto e Paola Jacques (2008). A cidade é lida pelo corpo como um conjunto de condições interativas e o corpo expressa a síntese dessa interação descrevendo em sua corporalidade, o que passamos a chamar de corpografia urbana. Esta cartografia corporal pode ser vista como um pequeno contraponto, ou 16
desvio, à atual espetacularização das cidades contemporâneas, processo globalizado produtor de gigantescas cenografias urbanas. (BRITTO; JACQUES, 2008, p.79)
Desse modo, a esperança em reverter o atual quadro vivenciado diariamente, é grande, porém sabe-se das várias contradições existentes, onde as politicas públicas vem negando a vida sustentável em suas diversas abordagens. Contudo, acredita-se em uma arquitetura e urbanismo projetada a partir da dimensão humana que possa influenciar na reocupação dos espaços livres urbanos, contribuindo na manutenção da vida humana.
17
2
ACERCA DOS ESPAÇOS LIVRES: SITUAÇÕES DE SOCIABILIDADE
O conceito de espaços livres como lugar da prática das relações pessoais e interpessoais a que o presente trabalho busca discutir, dentro da atual concepção contemporânea, passou por constantes mudanças decorrentes da própria evolução humana. Onde o “espaço livre de edificação” – visto durante muito tempo como a parte do tecido urbano de apropriação pública e democrática com extremo potencial integrador de pessoas – englobava apenas a área urbana e entorno que não estava coberto por edificações, não considerando a paisagem como manifestação do ambiente. Neste contexto Magnoli (2006), professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAUUSP, afirma que quando iniciaram os estudos sobre “espaços livres de edificação” em 1970, este inseria-se em um conceito de paisagem, enquanto dimensão operativa, ou seja, um espaço vazio onde poderia manipular e edificar. A paisagem como plano de fundo para a manifestação do ambiente levando em conta a totalidade de sua natureza e cultura ainda não era discutido pelas pessoas. Contudo o espaço livre em toda sua história teve um papel muito importante na dinâmica das cidades. Pois foi nestes espaços que o homem se expressou e desenvolveu seu lado social. Por outro lado a urbanização que o próprio homem implementou – a partir da exploração da terra – acabou por criar cidades “não urbanizadas”. Visto políticas excludentes e centralizadas que confirmaram-se que morar na cidade têm sido tarefa cada vez mais difícil. Desse modo, para entender como se dá a relação do homem contemporâneo nesses espaços de caráter social e democrático, julga-se necessário entender alguns conceitos base – mas não cabendo a este trabalho aprofundar em tais contextos – no objetivo de identificar algumas formas de socialização do homem com o espaço e estabelecer uma ponte a discussão do tema principal dessa 18
pesquisa.
2.1
URBANIDADE, MOBILIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS
O desenvolvimento urbano e humano a princípio pareciam caminhar lado a lado, mas sua história nos mostra uma outa realidade. Pois com um enfoque no território brasileiro, é fácil observar uma grande diferenciação entre as duas variáveis. Onde a economia
capitalista
de
subsistência
apoiada
em
políticas
econômicas
centralizadoras, fez do país um “vale” entre a população de classe média alta e a população mais miserável. Ressaltamos que o governo em toda sua história buscou implementar políticas públicas no sentido de reverter esse processo de subdesenvolvimento. Conforme Rolnik e Klink (2011), o período de 1999 e 2009 foi marcado pela mudança na condução da política econômica na intenção de descentralizá-la. De certo modo houve a expansão do mercado interno e consequentemente uma formação bruta de capital fixo. Portanto, através dessa acumulação de renda interna no âmbito das políticas socioeconômicas foram implementados programas dirigidos a população mais miserável na tentativa de retirá-los do nível de subsistência precário. Contudo, o ciclo econômico dentro da história brasileira apresentou-se em processos distintos; de início uma economia colonial agroexportadora até a industrialização dos anos de 1930. Assim, com o processo de industrialização temos um cenário nacional. Onde de acordo com Oliveira (1984), este processo configurouse na transformação macroespacial do espaço. Consolidando na formação de uma rede urbana mais densa e fragmentada. Nesse contexto, Rolnik e Klink (2011) cita estudos sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) onde apontam que as políticas federais só ajudaram na fragmentação do território nacional. Por outra análise, encontra-se a configuração macroespacial, as chamadas centralidades urbano-regionais. 19
Exemplificando esse contexto urbano-regional, temos na região Sudeste a concentração das cidades mais populosas, onde a mesma é considerada a região com maior número em domicílios sem urbanidade. Segundo Rolnik e Klink (2011), a desigualdade socioespacial está diretamente ligada a uma expressão regional, tendo também uma dimensão intra-urbana apoiada no modelo de desenvolvimento urbano do país. Observa-se por outro lado que o processo de urbanização no mundo têm sido um mito. Porto-Gonçalves (2006) afirma que a maior parte da população urbana mundial – apesar da ideologia urbano-industrializadora – nem sempre se encontra nos países industrializados. Aponta também para o fato de que apesar do crescente número da população urbana, esta vem caindo a taxa de crescimento anual (exceto a América do Norte); sendo maior a urbanização nos países em desenvolvimento do que os já desenvolvidos. Pode-se observar assim no quadro 1 a mudança do paradigma, com o aparecimento das oito maiores cidades em termos de população pertencendo a países da África e Ásia. Quadro 1 – Maiores Concentrações Urbanas no Mundo
Fonte: Martin B. Brockerhoff, An Urbanizing World. (Population Reference Bureau, Washington, DC, 2000) apud Gobbi, s. d.) 20
Um outro estudo estimativo feito pelo The Economist com base em dados da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra a evolução urbana desde 1950 até projeções para 2030 em um mapa interativo. Onde observando a figura 1, nas projeções para 2030, podemos ver a consolidação do Rio de Janeiro e São Paulo como megacidades; e uma população global ainda de 40% vivendo no campo. FIGURA 1 – PROJEÇÃO URBANIZAÇÃO 2030
Fonte: The Economist (2015)
O homem portanto – um corpo fruto da urbanização dispersa – precisa locomover-se dentro da complexa malha urbana (formada por cheios e vazios). Nesse sentido a mobilidade é um fator intrinsecamente relacionado à socialidade urbana. Pois em toda a história da urbanização, a mobilidade se desenvolveu com a abertura de novas infraestruturas e a criação de novos meios para se locomover (seja para o trabalho ou lazer). Continuando com o raciocínio de Magnoli (2006), o homem é um nômade com alguma parada, onde deve saber fazer o correto uso do tempo em cada espaço. Consequentemente é parte do ser deste homem conhecer melhor o espaço em que se move, criando um vínculo nesse processo. 21
Todavia, o processo de desenvolvimento urbano assistido no campo da mobilidade junto com a globalização – fruto da revolução industrial – trouxe uma nova configuração urbana. Onde o sinônimo de desenvolvimento era a abertura e pavimentação de ruas para carros. Contudo, esse processo até mais recente no território brasileiro, se consolidou com a abertura econômica vivenciada de forma mais abrangente no governo Lula, onde o carro foi comprado em larga escala. Ressaltamos aqui, a crítica ao “carro” que se tornou objeto “individualista excludente”, parte do ciclo vicioso homem-trabalho-lazer que fez dos centros urbanos espaços caóticos. Por isso, a falta de políticas públicas na valorização do transporte público de qualidade só agravou os problemas na cidade. E “Por fim a engenharia urbana mecânica que procurou transformar a cidade em máquina de produção e circulação tratou sua geografia natural […] como obstáculo a ser superado […]” (ROLNIK; KLINK, 2011, p.103-104). Assim na maioria das vezes tivemos cidades que se urbanizaram dando as costas para seus rios e recursos naturais, onde hoje tentam reverter seus impactos ambientais. A exemplo, temos São Paulo com 3 mil quilômetros de rios escondidos debaixo de suas avenidas, ruas e becos. Segundo Camargo (2015), por séculos os paulistanos usaram os rios na prática de atividades econômicas e lazer, além de todas as necessidades da casa. Observamos assim que os rios faziam parte da vida da cidade, e conforme é possível verificar no ANEXO A, algumas das principais vias de São Paulo encontram-se sobre rios canalizados. Contudo, isso afetou o paulistano até do ponto de vista psicológico, pois é mais fácil esquecer aquilo que não se vê – para quem tinha conhecimento dos rios – e para a população mais jovem que não teve conhecimento dos rios, já o ignoram por esse caráter fenomenológico do lugar. A princípio, as soluções ou tentativas que nos parecem mais viáveis para reverter os atuais problemas impostos por esse modelo de desenvolvimento, talvez esteja presente na política do desenvolvimento urbano sustentável. “Uma forma de desenvolvimento que vai de encontro às necessidades da geração atual sem comprometer a possibilidade (ou capacidade) das gerações futuras em satisfazer as 22
suas necessidades.” (PLUME, 2003, apud CAMPOS, 2006, p.100). Para Affonso (2012), se tratando da mobilidade urbana, acredita que o sonho de uma era pósautomóvel seja viável, precisando porém que a indústria automobilística viabilize, voluntariamente ou não, o desenvolvimento tecnológico para energia limpa em transportes públicos. E também é viável sob o ponto de vista econômico constituindo um fundo para investimento em transporte público, calçadas e ciclovias, como define a Lei da Mobilidade Urbana, em vigor desde abril de 2012, com recursos provenientes de uma contribuição da venda de cada automóvel, da taxação da gasolina e uma política de taxação dos estacionamentos (com gestão pública) nas áreas centrais, e, ainda, quando possível e recomendável, a implantação de sistemas de pedágio urbano, como Londres e outras cidades estão fazendo. (AFFONSO, 2012, p.1)
Apesar dos diversos empecilhos, é possível construir uma cidade mais justa, democrática e sociável para todos. Pois alguns instrumentos foram dados, agora resta enfrentar a pressão social dependendo da coragem política dos governos na implementação de novas configurações urbanas que resultem em cidades mais humanizadas,
valorizando
seus
deslocamentos;
pausas,
paradas
e
consequentemente os espaços livres urbanos. Fazendo desses espaços uma “ponte” no sentido integrador da paisagem, congregando e fortalecendo os laços sociais do homem com o “outro” e esses com o espaço.
2.2
MUDANÇAS NA ECONOMIA, CULTURA E ESPAÇOS PÚBLICOS
De acordo com os conceitos tratados na seção anterior, observamos que o desenvolvimento urbano e humano estão relacionados e dispersos. Onde a cidade contemporânea vive uma espécie de efemeridade, mais presente nos espaços públicos; com vínculos fracos decorrentes da violência e consequentemente medo do conhecer o “outro”. Entretanto a lógica capitalista também contribuiu para uma vida individual; as crianças trocaram as ruas pelos shopping centers, onde há uma inclusão selecionada de pessoas, definidas por um sistema de consumo chamado processo de “gentrificação”, o qual poderíamos chamar de uma falsa ideia de inclusão social. Nas palavras de Carlos “Os aparelhos de TV, por exemplo, 23
substituíram as cadeiras nas calçadas de antigos bairros de São Paulo, assim como os vídeo-games [sic] substituem o outro nas brincadeiras infantis […]” (CARLOS, 1996, p.58-59 apud CERQUEIRA, 2013, p.55). Podemos dizer assim que tivemos a formação de uma nova personalidade urbana, que interfere diretamente na relação das pessoas entre si e com o espaço em que se relacionam socialmente. Desse modo, a dinâmica do homem com os espaços livres da cidade têm sofrido constantes mudanças com a aceleração das informações ocasionadas pela introdução da internet – um novo espaço social – transformando a maneira como as pessoas vivenciam e experimentam a cidade. É o caso da “economia colaborativa e compartilhada” discutida recentemente por Carpanez e Ferreira ([20--]) onde dizem que esta se baseia na reputação e na rede de recomendações que surge na internet e se fortalece fora dela. Assim tudo isso é uma relação gerada entre desconhecidos a princípio, mas que se baseia na experiência de outros, ou seja, Confirmando um vínculo no momento da experiência de seu usuário. Portanto o grande atrativo além de
financeiro, está
em viabilizar o que se precisa no momento, sem
necessariamente ter que comprar o objeto, mas paga-se pelo tempo de consumo. No entanto, podemos, por exemplo, andar de Ferrari sem comprar uma, mas viabilizá-la
para
o
tempo
que
precisarmos.
Contudo, temos
assim uma
materialização da vida efêmera. Assim, nesse cenário o qual se materializa a vida efêmera, a tendência é que se venda menos carros, bicicletas e entre outros objetos de consumo. Para Lucas Foster ([20--?] apud CARPANEZ; FERREIRA, [20--]), especialista em economia criativa, afirma que esse modelo se baseia no desenvolvimento sustentável. Onde os excessos (bens sem uso ou parados por um determinado tempo) são compartilhados com outras pessoas – por meio de empresas utilizadas como intermediadoras no compartilhamento – e assim são alugados por um preço determinado por quem está compartilhando o produto. Ressalta-se que nesse processo o mesmo objeto é compartilhado uma série de vezes, diferente do que acontece na economia formal, onde o produto é destinado a uma única pessoa durante toda sua vida útil. Contudo o mais curioso nesse processo todo é que as 24
empresas responsáveis pelo compartilhamento (ou que oferecem a base para se compartilhar), têm apenas o sistema e não o objeto final em si. Por fim, seria esse o sistema capaz de mudar o mundo? Samy Dana ([20--?] apud CARPANEZ; FERREIRA, [20--]), professor de finanças e criatividade da FGV-SP, afirma que a economia compartilhada existe a centenas de anos, desde quando as cidades eram pequenas e seus moradores compartilhavam a terra com o vizinho. Portanto o que contribuiu nessa retomado do modelo e sua evolução foram as tecnologias digitais. Onde hoje o modelo permite compartilhar serviços, comida, bens, transporte, espaço e dinheiro. Mas, uma oposição têm alegado que este sistema seria a “oficialização do bico”. Chegando assim ser uma precarização do capitalismo no mundo desenvolvido. Segundo Leite (2015),em palestra ao TEDxJardimBotânico, esse modelo é uma revolução colaborativa que está mudando de forma estrutural e irreversível o mundo, sendo inevitável a forma como as pessoas se relacionam, aprendem, produzem e consomem. Complementa ainda, ter clareza do seu impacto positivo para o mundo inteiro. Com a convicção de que podemos tornar juntos essa dinâmica como o grande legado para o território brasileiro em 2016. Afirma assim que este sistema surgiu devido à consciência pós-crise, onde ficou evidente que o atual sistema já não funciona mais pra ninguém. Outro fato, importante a ser salientado, é a cultura que sempre acompanhou e mudou devido a uma série de revoluções ocorridas dentro e fora do território brasileiro, que também alterou-se com a atual crise econômica, onde os valores que haviam sendo praticados – baseados na ganância, escassez, competição – mudaram com a percepção da realidade, vendo nessa a urgência de novos modelos. E assim, consequentemente com o barateamento tecnológico e a expansão da internet foi possível que pessoas com valores, interesses e insatisfações em comum se conectassem, configurando a “geração G” – geração que não está em busca da ganância, mas sim da generosidade – onde não têm limite de idade e outros preconceitos que haviam sendo alimentados. 25
Contudo, nessa mudança cultural e econômica, as relações sociais retomaram com mais força em causas que de fato melhorassem a experiência do corpo nesse novo cenário urbano. Assim, os projetos públicos por exemplo – antes em sua maior parte dependentes do estado – no atual modelo implementado foi possível usar ferramentas no financiamento desses. Entretanto nesse contexto, configurou-se uma economia mais sustentável e democrática. Como exemplo desse modelo econômico, temos um casarão do início do século 20 (situado no bairro Santa Efigênia – Belo Horizonte) que foi ocupado e restaurado em partes, através da plataforma do Catarse – onde é disponibilizado o serviço de financiamento coletivo, figura 2. Assim após décadas em situação de abandono pelo poder público, e consequentemente sem função social, foi possível a reocupação desse espaço livre na cidade de Belo Horizonte. Concebendo na formação do Espaço Comum Luiz Estrela – um espaço comum de criação e compartilhamento artístico, político e cultural, aberto e autogestionado –, figura 3.
Figura 2 – Ocupação espaço livre urbano
Fonte: Jornal O Tempo (2014, p.1) 26
Figura 3 – Espaço Comum Luiz Estrela
Fonte: Catarse
Por isso, nessa trajetória de desenvolvimento, revolução e crise, talvez poderíamos dizer que estamos vivendo um momento único na história das cidades brasileiras, onde as pessoas têm tentado reapropriar os espaços livres urbanos, reativando-os e fazendo destes lugares, espaços mais sociáveis e democráticos. Valorizando assim a experiência corporal no atual cenário urbano.
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3
OS ESPAÇOS LIVRES CORPOGRAFIA URBANA
NA
PERSPECTIVA
DA
CENOGRAFIA
E
Os conceitos e mudanças de paradigmas no decorrer da história urbana contribuíram para a importância de se estudar os diferentes cenários urbanos, sempre observando o tempo e espaço em que estes estão inseridos. E assim nunca esquecer do protagonista de transformação social e espacial destes espaços – o homem. Por isso, o presente capítulo pretende aprofundar na relação deste homem – enquanto corpo humano e fator social – com os diferentes espaços livres intraurbanos, pelos quais mantém ou não suas relações sociais, investigando como se dá a escolha entre um cenário e outro ou até mesmo o que faz de um espaço mais sociável que outro. Sabemos assim, que o homem sendo um nômade-sedentário, ele em suas pausas é capaz de apropriar dos espaços e reapropriá-los a seu favor. Como diz Magnoli “[…] cria a artificialização da paisagem; altera o contexto de sua relação ecológica.” (MAGNOLI, 2006, p.145). Onde começa a ver no lugar, sua característica de “ligante” a uma determinada comunidade. Portanto pertencer a uma comunidade passa a ter significado. Nessa produção do espaço coletivo, se recria e recreia-se de acordo com a fusão do espaço-tempo. Onde a edificação do cheio e vazio alterna-se em suas diferentes escalas. Mas nesse processo cada um – parte do coletivo – possui sua “sensação de si” no mundo. Com suas diferentes percepções da vida humana, se aproximam e convergem na formação de um contexto ambiental. Porém nesse sentido de lugar tratado por Tuan (1980) como topofilia, que possui característica de ligação com o meio por suas infinidades de valores pessoais (coletivo) e valores do meio ambiente, pouco fizeram parte da formação dos arquitetos e urbanistas até as últimas décadas do século XX. Mas sempre esteve intrinsecamente relacionado ao “fazer arquitetônico”.
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Contudo, entra nesse discurso o conceito de cenografia e corpografia urbana. Pois acredita-se assim que, com o estudo da escala humana e dos diferentes cenários urbanos, possamos conceber espaços que melhor sustentem a vida efêmera materializada, vivenciada na atual cidade contemporânea. E nas palavras de Britto e Jacques “[…] corpo e cidade se relacionam, mesmo que involuntariamente, através da simples experiência urbana.” ( BRITTO; JACQUES, 2008, p.79). Assim, a corpografia tratada aqui é o mesmo que um mapeamento corporal, onde parte-se da hipótese de que toda ação realizada pelo corpo em cenário urbano ou não, inscreve-se uma outra experiência no próprio corpo daquele que experimenta tal ambiente, em uma determinada escala de tempo e espaço. Entretanto, diferencia-se da cartografia, pois esta não precisa necessariamente de corpo para acontecer, e sim de dados já mapeados e planificados. Acredita-se assim, que com o uso da corpografia, estudando os movimentos e gestos desse corpo contemporâneo, possamos decifrar a experiência urbana que resultou nas diferentes configurações espaciais. Consequentemente aplicando estes estudos no desenho urbano, com cidades mais inclusivas e que permitam novos desdobramentos desse espaço efêmero resultante da fusão tempo-espaço.
3.1
CONTEXTO E ESCALA
Um fator a ser considerado na concepção e materialização dos espaços livres é a escala em que estes se encontram. Pois aparecem desde os primeiros assentamentos humanos; cedo evoluem ganhando uma significação de “contexto”. Onde a princípio a menor expressão escalar de um espaço livre de edificação passa a ser o conjunto de edificações que envolvem um espaço aberto ou são delimitados por estes (MAGNOLI, 2006). Contudo, o que garantirá a boa qualidade espacial em suas diferentes escalas sempre será a relação de complementariedade entre as duas variáveis, o espaço edificado e o não-edificado.
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Podemos assim, observar como exemplo mais primitivo desses espaços livres de edificação – presente no território brasileiro – a forma de apropriação do espaço estabelecida pelos índios. A qual ainda é uma cultura preservada por muitas formações indígenas. Sendo assim, a figura 4, mostra uma típica aldeia localizada na parte sul do Parque Indígena do Xingu (PIX) – uma das maiores preservações do povo nativo indígena –, encontrada na região nordeste do Estado do Mato Grosso, na porção sul da Amazônia brasileira. Onde as ocas em geral coletivas, são estruturadas e dispostas em relação a um espaço cerimonial – apresentado na figura 5 – que pode ser o centro ou não. Sendo assim todo o espaço é pensado de forma coletiva e o espaço livre é uma extensão da habitação – usado por todos. Figura 4 – Aldeia típica do Alto Xingu
Figura 5 – Cerimônia Indígena
Fonte: Cultura Brasil ([2012?], p.1)
Fonte: Guia Viajar Melhor ([20--?], p.1)
Fato é que, com a chegada do colonizador português no ano de 1500, tivemos a implantação de um sistema até então desconhecido pelos índios, onde estes assistiram a ocupação do território e viveram em constantes conflitos na defesa de sua cultura e espaço. Portanto, os contantes massacres e exploração desses povos, mudaram fortemente o modo de vida dessa população. Assim, o desenvolvimento desse novo modelo de vida resultou na escravização dos povos nativos. Segundo Fernandes, foram “Lutas e guerras sem fim contra a expropriação produzida continuamente no desenvolvimento do capitalismo.” (FERNANDES, 1999, p.1). De acordo com Suzuki (2012), o processo de colonização foi estabelecendo-se a partir da linha litorânea. E consequentemente foram sendo formadas aglomerações, 30
configurando-se os arraiais, vilas e cidades. Nas palavras de Abreu: Vilas e cidades diferenciavam-se, entretanto, bastante dos arraiais, pois só nelas estava a sede de um governo local. Ali fazia-se justiça em nome do Rei, prerrogativa que se materializava obrigatoriamente na paisagem urbana pela ereção de um pelourinho. Tinham direito, ademais, às dignidades e regalias conferidas pelas Ordenações aos conselhos e a seus cidadãos. E possuíam, finalmente, um termo, ou área de jurisdição, dentro da qual se situavam os arraiais, e um patrimônio fundiário: as terras do Conselho. (ABREU, 1997, p.214-215 apud SUZUKI, 2012, p.135)
Consequentemente, os espaços livres – na percepção do espaço construído – foram assim apropriados e reapropriados à favor desse novo modelo instaurado com a colonização do território brasileiro. Onde passou a existir a luta pela terra – até hoje com os mesmos fundamentos – e consequentemente a formação de grupos sociais e comunidades que negavam esse modelo, resultando em inúmeros conflitos e reconfigurações do espaço. A exemplo, temos a formação do Quilombo – figura 6, Guerra de Canudos – figura 7 e o Movimento Sem-Terra – MST, figura 8. Figura 6 – Ocupação Quilombola
Fonte: História Brasileira (2009, p.1)
Figura 7 – Guerra de Canudos
Fonte: História e Geografia ([20--?], p.1)
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Figura 8 – Primeiro Movimento MST
Fonte: Landless Voices ([19--?], p.1)
Nesse contexto, estabelecido pela implantação do capitalismo e colonização do território, temos a forte presença da cultura religiosa, onde a igreja tem importante símbolo na fundação dos aglomerados. Com sua localização privilegiada geograficamente em relação as outras edificações – figura 9 – representando assim um forte marco cênico na paisagem. Mas, se tratando da hierarquia dos aglomerados, os arraiais deviam submeter-se às Vilas e Cidades; e as Vilas por mais liberdade que ostentavam, não podiam instalar a cadeira de bispo. Isso muda com a primeira constituição estabelecida pela república, que dá direito ao estado tornar cidade toda sede de município – Transformando assim as vilas em cidades.
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Figura 9 – Caminho da Estação, 1882, Ouro Preto - MG
Fonte: Portal do Instituto Brasileiro de Museus (2015, p.1)
Temos assim como exemplo a cidade de Ouro Preto – conhecida também por vila rica, devido a descoberta do ouro e a consolidação de uma das vilas mais prósperas do período imperial – que formou-se a partir da junção de vários arraiais, passandose por vila e consequentemente estabelecendo como capital – centro políticoadministrativo da província de minas gerais. Contudo, na antiga cidade imperial, as ruas expressavam constante vida urbana – identificada em seus espaços livres – de uma sociedade que a princípio não conhecia o “automóvel popular”, figura 10 e 11. Mas, com o desenvolvimento e a mudança no sistema político, têm-se a implantação de uma contraditória urbanização, a qual Caion Natal ressalta que: A mudança do regime político brasileiro implicou numa série de projetos e políticas de transformações sociais, sejam elas de caráter moral, constitucional, institucional, estrutural ou, de maneira mais ampla, cultural. A partir daí, a cidade é problematizada e objetivada para mudar, para adquirir outra forma, outra dinâmica e outro sentido político, econômico e social; ou seja, a cidade erigida sob as forças e práticas provenientes de outros tempos históricos, a cidade que era produto das relações e padrões coloniais deveriam ser revistas e reurbanizadas, transformadas à luz dos códigos de então, dando lugar à urbanística moderna capitalista. (NATAL, 2012, p.4).
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Figura 10 – Praça Tiradentes
Fonte: Comunidade “Eu Amo Ouro Preto” (2009, p.1)
Figura 11 – Trecho rua Tiradentes
Fonte: Jornal O Liberal (2011, p.1)
Contudo, com a proclamação da república, para Ouro Preto entrar nesse discurso progressista e consequentemente não perder sua posição como capital de uma das províncias mais prósperas do século XVIII, foi criado em 1891 a “empresa de melhoramentos da capital”, na tentativa de viabilizar a modernização de ouro preto. Esta previa a urbanização de novas áreas ao redor da cidade, onde Coelho ressalta os seguintes pontos do projeto: Fazer uma grande avenida na Praia de Ouro Preto a começar na rua que vai para a estação, do caminho de ferro e terminando no fim da mesma 34
praia na subida do Beco dos Bois; construir um jardim ou passeio público no lugar do antigo matadouro, dotando-o de todos os embelezamentos e confortos compatíveis com a natureza e fins de tais estabelecimentos, pavilhões para café, cervejarias e restaurantes, cascatas, lagos, etc; canalizar o córrego que banha a praia fazendo para isso dois cais que servirão ao mesmo tempo de muro de amparo para o aterro; iluminar toda a avenida a luz elétrica, por sistemas aperfeiçoados e que se preste a uso doméstico; assentar pontezinhas de ferro por sobre o córrego e nos lugares em que forem exigidos pela facilidade e comodidade do trânsito público; construir um palacete para a câmara municipal com fachada nobre; construir um teatro com duas ordens de camarotes para seiscentos espectadores; construir no local do antigo Mercado do Rosário um mercado de ferro com bastante luz, em proporção às necessidades da população da capital; construir por conta própria ou de terceiros nas ruas laterais do boulevard casas do tipo elegante; construir uma linha de bonde para serviço especial do boulevard. (COELHO, 1987, p.3 apud NATAL, 2012, p.6).
As tentativas assim de modernização e expansão de ouro preto não surtiram efeito – devido as entraves da própria configuração geográfica da cidade – e a capital foi transferida para Belo Horizonte a partir de 1897, de acordo com o decreto da lei nº 3 aprovado em 17 de dezembro de 1893 que determinava a transferência da capital para um local ideal ao seu desenvolvimento. Com isso depois dessa antiga cidade se ver condenada ao esquecimento, passa a valorizar seu perfil histórico como símbolo de uma tradição e de uma história para a identidade do povo mineiro e brasileiro (NATAL, 2012). Onde devido ao reconhecimento da cidade como importante complexo cultural e arquitetônico, diante das políticas de modernização, recebe sua qualificação histórica para o tombamento na década de 1930. De acordo com o decreto nº 22.928 que elevou ouro preto a condição de monumento nacional (NATAL, 2007). A história, entretanto, altera-se assim como o contexto que ouro preto passa a configurar-se, onde o desenho urbano visto como uma problemática passa a expressar a evidencia de uma singularidade à ser apreciada. Tornando assim ouro preto um importante complexo arquitetônico e turístico da arquitetura colonial brasileira. Onde segundo Natal “O espaço urbano passa a ser teatralizado, ou seja, tido como um meio cenográfico onde se poderia ver o próprio passado. A cidade adquire a condição de palco da história.” (NATAL, 2012, p.10). Desse modo, como exemplo desse cenário urbano histórico – se tratando dos espaços livres sociais numa escala urbana e corporal – temos em ouro preto as pontes e chafarizes como 35
importante marco na estruturação das ruas da cidade, figura 12, 13 e 14. Figura 12 – bancos parapeito e cruz da Ponte de Pilar
Fonte: Lopes (2008)
Figura 13 – Chafariz de Marília
Fonte: Lopes (2008)
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Figura 14 – Chafariz do Rosário
Fonte: Lopes (2008)
As pontes e chafarizes, representam um importante recorte da “micro-escala” desse complexo histórico. Claudia Lopes complementa dizendo que: Esses monumentos também contavam com uma função social, sendo muitas vezes pontos de encontro e de convívio da população. Os chafarizes eram o local onde os escravos, incumbidos de buscar água logo pela manhã, tratavam de espalhar as notícias e principalmente as difamações sobre seus patrões, enquanto esperavam que seus tonéis fossem enchidos. Já nas pontes, a colocação de assentos nas laterais, criava espaços de permanência, onde a população se encontrava, conversava e aproveitava para apreciar o movimento dos transeuntes, num momento em que as ruas também passam a adquirir esse conceito. (LOPES, 2008, p.1).
No entanto, com a decisão da transferência da capital para o antigo arraial de Belo Horizonte – Curral del Rei – têm-se a configuração de um novo contexto coerente com as características modernistas e progressistas, dando início à construção da nova capital do estado no ano de 1894 e inaugurada em 1897, figura 15.
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Figura 15 – Inauguração de Belo Horizonte, em 12 de dezembro de 1897
Fonte: Arquivo Público Mineiro (1897, p.1)
A implantação da nova cidade projetada para o desenvolvimento do capitalismo, prometia assim romper qualquer tipo de tradição: A crença da elite republicana no progresso não era senão ressonância desse processo de escala mundial. As mudanças que ocorrem no País, a partir de 1870 – surgimento de estabelecimentos fabris, crescimento das cidades, aperfeiçoamento dos transportes, intensificação do comércio, fim da escravidão e organização do mercado de trabalho livre –, só vinham reforçar tais convicções. A implantação da República no Brasil, embora se saiba dos seus limites frustrantes, funcionou, pelo menos nos primeiros anos de sua existência, como uma espécie de aceno, no plano político, para esse processo de transformação que prometia romper com os laços de uma sociedade que permanecera, até então, encastelada em moldes arcaicos e conservadores. (JULIÃO, 2011, p.117).
Belo Horizonte, é assim consumida pelo capitalismo progressista, onde republicanos embasados em experiências que já vinham acontecendo em outras cidades europeias, argumentavam que o progresso só traria benefícios para o antigo arraial de Curral del Rei. Nesse sentido é negada a cultura de seu povo e a opinião de quem viveu e trabalhou no arraial. Como retrata o colunista do Jornal Minas Gerais, um encontro que tivera com um antigo alfaiate do arraial, em que este apresentou-se indiferente ao desenvolvimento proposto pela república, 38
[…] como indiferente lhe seria também a perfuração do istmo de Suez, a construção da Torre Eiffel, a invenção do fonógrafo e a descoberta das injeções de creosoto na traqueia, para cura ou paralisação da tuberculose (REVISTA DO ARQUIVO PUBLICO MINEIRO, 1985, p.47-48 apud JULIÃO, 2011, p.121).
Tal progresso foi projetado pelo engenheiro Aarão Reis, conforme apresentado no ANEXO B. Inspirado por influências urbanísticas americanas e europeias do século XIX, o tabuleiro proposto era amenizado por amplas artérias oblíquas e espaços vazios de caráter público, figura 16. De fato, nessa linha de raciocínio, o progresso aconteceu e a cidade cresceu tanto que ultrapassou os limites estabelecidos no projeto que levou em consideração o contexto do século XIX. Ressaltamos também que, com este dito “progresso”, os antigos morados foram expulsos da cidade, assim como a classe operária – visto a valorização da área central após a demolição completa do arraial na implementação do projeto –, formando as favelas na periferia da cidade, figura 17. Para a pesquisadora Berenice Martins Guimarães: As invasões foram consequências da inexistência, na planta geral da cidade, de um lugar definido para alojar os trabalhadores encarregados de construí-la. Tratava-se do projeto de uma cidade capital destinada ao aparato administrativo do governo e voltada para uma população específica – o funcionalismo público. A existência do trabalhador da construção civil era visto como temporária, o que talvez explique o fato do projeto não contemplar um local para alojá-lo. (GUIMARÃES, 2008, p.2)
Figura 16 – Praça Sete e Avenida Afonso Pena (1900)
Fonte: Arquivo Público Mineiro 39
Figura 17 – Cafua típica das imediações da região central (1920)
Fonte: Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte ([19--], p.1)
As favelas, como uma outra realidade da ocupação dos espaços livres, eram consolidadas por cafuas – habitações precárias de barro cobertas por capim – barracos ou barracões. Ambos improvisados e assentados, decorrente da falta de terra e descaso do poder público. Onde a população com menor poder aquisitivo ocupava áreas livres – espaços vazios – que deveriam cumprir sua função social da propriedade. Contudo, o problema persiste devido ao fato de as políticas criadas para contornar a situação terem sido de pouco e mínimo efeito no assentamento dessa população dentro do território brasileiro. Assim, a consolidação da metrópole mineira – processo verificado não só na cidade de Belo Horizonte –, trouxe a confirmação do descaso para com a população mais miserável. Pois com a nova expansão da cidade, novas áreas foram urbanizadas, ocupações foram extintas e mais pessoas foram morar na capital – visto um cenário 40
econômico bem consolidado e consequentemente a grande oferta de empregos. Desse modo, há também um aumento da população que não tinha condições de morar nas áreas próximas ao centro, se dando o estabelecimento de novas ocupações, figura 18. Figura 18 – Barracos às margens do ribeirão arrudas
Fonte: Arquivo Público da cidade de Belo Horizonte ([19--], p.1)
Na perspectiva dos espaços livres e públicos planejados, nos anos 1920, Belo Horizonte passava por constantes obras de reestruturação urbana, verificando-se assim uma cidade visualmente bem estruturada em sua parte central – infraestrutura básica, arborização, transporte público interligado e estruturado por bondes, espaços públicos arborizados e conservados –, figura 19 e 20. Contudo, as ruas e espaços públicos – apesar das reestruturações higienistas baseadas em modelos modernos –, em sua maior parte, eram ambientes propícios ao caminhar e permanecer humano, figura 21. 41
Figura 19 – Rua Pernambuco na esquina da Avenida Afonso Pena em 1928
Fonte: Curral Del Rey (2010, p.1)
Figura 20 – Rua São Paulo no cruzamento com a Av. Afonso Pena
Fonte: Curral Del Rey (2010, p.1)
Figura 21 – Praça 15 de Novembro, atual Hugo Werneck
Fonte: Curral Del Rey (2010, p.1) 42
No entanto, as cidades nesse processo de reurbanização, tiveram ainda a introdução do modernismo nos anos 1930, dando início ao processo de verticalização – a princípio influenciado pelos avanços nas técnicas construtivas em concreto armado – e a implantação da primeira crise urbana. Onde a mobilidade nas cidades já não vinham atendendo sua população, como ressalta Alessandro Borsagli (2010), um exemplo da crise no sistema de transporte público em Belo Horizonte: Os bondes, mesmo tendo suas linhas expandidas para diversas partes da zona suburbana no final dos anos 20 ainda apresentavam um déficit enorme em relação à demanda da população para tais serviços. Já os ônibus tiveram a sua frota aumentada ao longo da década de 30, porém a frota se apresentava em grande parte sucateada […] (BORSAGLI, 2010, p.1)
Portanto, nesse processo de evolução da mancha urbana – que pode ser observado no ANEXO C – desencadeado na maioria das vezes pela economia e configurações socioeconomicas, acabou criando duas escalas e contextos de cidades. Conforme Léo Rodrigues e Luiza Lages (2009) escrevem sobre a reinvenção da favela em Belo Horizonte, e comparam esse modelo de cidade como o legal e ilegal lado a lado, onde: […] não só os conceitos de cidade formal e informal surgem juntos, um existindo apenas na presença do outro, como o avanço das duas dimensões de cidade também é paralelo: na década de 1940, as favelas cresceram ao longo de três grandes vias (avenidas Amazonas e Antônio Carlos e Anel Rodoviário), enquanto o restante se expandia igualmente. (LAGES; RODRIGUES, 2009, p.1).
Observa-se assim, que na implantação desse modelo contraditório de urbanização, temos como resultado uma segregação socioespacial da cidade. Onde vilas e favelas só passaram a entrar em pauta nos projetos de urbanização na década de 80, com a definição de uma política habitacional. Para Romeiro, Sousa e Santos (2004), as favelas com ou sem urbanização, tornaram-se espaços permanentes de moradia e passaram a ter o município como protagonista de suas intervenções; argumentam que para enfrentar o problema da proliferação das favelas é necessário incluir essa população no mercado residencial legal e consequentemente colocar em prática uma gestão urbana inclusiva, ou seja, integrar esse tecido urbano a cidade formal. Nesse sentido surge em 1993 o órgão municipal denominado de Companhia 43
Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte – URBEL, tendo como principal ação de caráter social, o programa Vila Viva, figura 22. Porém, para a professora Silke Kapp, da escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, e coordenadora do grupo de pesquisa Morar de Outras Maneiras – MOM, ressalta que: Os projetos das empreiteiras não atendem aos interesses do lugar nem das pessoas que estão lá. Dessa forma, a urbanização, que se pretende inclusiva, acaba sendo exclusiva, não aponta para a democratização real. Por isso, essas obras, a exemplo de todo investimento na favela, são apoiadas num primeiro momento, mas acabam rejeitadas tão logo seu caráter interventor fique evidente. (KAPP, [20--] apud LAGES; RODRIGUES, 2009, p.1).
Figura 22 – Programa Vila Viva
Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte 44
O poder público nesse sentido, nem sempre consegue atingir as intervenções propostas, sendo cada vez mais eficaz as ações surgidas dentro da própria favela, onde podem contribuir para uma relação de maior vínculo entre a comunidade e os governos. Segundo Lages e Rodrigues (2009), um exemplo disso é a Rádio Favela que surgiu em 1981 e está sediada no aglomerado da Serra na capital mineira. A iniciativa baseia-se na economia compartilhada, onde se sustentam através do “apoio cultural” de estabelecimentos comerciais. A rádio tornou-se assim um importante
instrumento
de
comunicação
entre
os
moradores
e
governo,
consequentemente um meio de inclusão social da favela com o restante da metrópole. Contudo, os “espaços livres de edificação” representam uma trama de contextos urbanos dentro da cidade, com suas diferentes escalas, apresentam-se como papel de “ligante” na interação espaço – vida social – existência humana. Nas palavras de Miranda Magnoli, os espaços livres configuram-se, Desde o pequeno núcleo de povoamento, à cidade pequena, às cidades ampliadas com bairros, setores de bairros, zonas, às maiores cidades se têm desde o conjunto de edifícios – articulando-se pelos espaços entre eles; são espaços concretos com formas; formas-apropriação, diversas e múltiplas, no cotidiano e no eventual de cidades, tramas de contextos. (MAGNOLI, 2006, p.153).
Nota-se assim – em toda a história –, que estamos assistindo a uma busca incessante do homem pela ocupação e acumulação de capital, decorrente de um sistema econômico centralizador e excludente. Onde a população mais miserável viveu e vive constantes lutas por uma moradia digna. No entanto, o processo de urbanização brasileiro está intimamente ligado ao desenvolvimento econômico, onde tais recursos são determinantes na urbanização de uma região. Segundo Miranda (2006) o processo de industrialização é intensificado no Brasil a partir de 1956, tendo como característica principal uma rápida urbanização, impulsionada principalmente pela “política desenvolvimentista” imposta no governo Juscelino Kubitschek. Desse modo,
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[…] as unidades fabris eram instaladas em locais onde houvesse infraestrutura, oferta de mão-de-obra e mercado consumidor. No momento que os investimentos no setor agrícola, especialmente no setor cafeeiro, deixavam de ser rentáveis, além das dificuldades de importação ocasionadas pela Primeira Guerra Mundial e pela Segunda, passou-se a empregar mais investimentos no setor industrial. (MIRANDA, 2006, p.1)
Explica-se assim, o êxodo rural decorrente do processo de industrialização, onde a população rural abandona suas terras em busca de melhores condições de trabalho e consequentemente melhores condições de vida. Desse modo, segundo Miranda “O processo de urbanização no Brasil difere do europeu pela rapidez de seu crescimento.” (2006, p.1). Onde leva-se em conta que no Brasil, 70 anos foram suficientes para alterar a população rural e a população urbana. Por fim, esse tempo é muito curto se tratando do desenvolvimento urbano, o que resultou em graves problemas para as cidades. Portanto, A urbanização desordenada, que pega os municípios despreparados para atender às necessidades básicas dos migrantes, causa uma série de problemas sociais e ambientais. Dentre eles destacam-se o desemprego, a criminalidade, a favelização e a poluição do ar e da água. (MIRANDA, 2006, p.1)
Se tratando do processo de favelização, a construção da cidade informal continua sendo um dilema a ser vencido, pois segundo dados pesquisados a situação só tende a crescer. Relatório do Programa Habitat, órgão ligado à ONU, revela que 52,3 milhões de brasileiros - cerca de 28% da população - vivem nas 16.433 favelas cadastradas no país, contingente que chegará a 55 milhões de pessoas em 2020. (MIRANDA, 2006, p.1)
Outra questão observada, é que devido a extensão do território brasileiro, fica mais difícil estabelecer uma urbanização por igual e consequentemente temos uma terra de contrastes, quadro 2.
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Quadro 2 – Brasil: Índice de Urbanização por região (%)
Fonte: IBGE (2001)
Nesta análise de contextos, as cidades que surgiram a partir de povoados, algumas mantiveram-se preservadas – como ouro preto – e outras foram totalmente demolidas para dar lugar ao “progresso”, caso de Belo Horizonte. A cidade planejada seria então o futuro caos? Como urbanizar os espaços livres sem comprometer a vida urbana? Fabiana Britto e Paola Jacques (2008) continuam com a problematização do contexto e uma possível solução se tratando dos cenários urbanos: Quais seriam algumas alternativas possíveis ao espetáculo urbano? Como transformar as cenografias urbanas? Através da apropriação, da experiência efetiva ou prática dos espaços urbanos, pela própria experiência corporal, sensorial, da cidade. (BRITTO; JACQUES, 2008, p.80).
Acredita-se assim, que a prática corporal seja uma das formas de amenizar a espetacularização dos espaços livres intra-urbanos. Logo independente da escala, todo espaço depende do corpo. E nessa relação que visa a experiência urbana, a cidade não só ganha corpo, mas se torna outro “corpo”. Por último, “Dessa relação entre o corpo do cidadão e esse “outro corpo urbano” pode surgir uma outra forma
47
de apreensão urbana, e, consequentemente, de reflexão e de intervenção na cidade contemporânea.” (BRITTO; JACQUES, 2008, p.81).
3.2
CHEIOS E VAZIOS
Segundo Mirando Magnoli (2006), a urbanização dispersa – processo verificado na maioria das cidades brasileiras – apresenta-se em duas escalas de observação; uma verificada pelas “áreas metropolitanas”, com uma dispersão crescente de núcleos e polos – estremeados por vazios. A outra observação refere-se ao tecido urbano, onde acontecem as relações físicas e jurídicas entre espaços públicos e espaços privados. Contudo a materialização do “cheio e vazio” é de suma importância para o desenvolvimento urbano e humano. Já Schlee et al. (2009) explica que: Os espaços livres urbanos constituem um sistema complexo, interrelacionado com outros sistemas urbanos que podem se justapor ao sistema de espaços livres (sistema de objetos edificados e seu correspondente sistema de ações) ou se sobrepor, total ou parcialmente, enquanto sistemas de ações. Entre seus múltiplos papéis, por vezes sobrepostos, estão a circulação e a drenagem urbanas, atividades de lazer, conforto, preservação, conservação, requalificação ambiental e convívio social. O sistema de espaços livres de cada recorte espacial, tanto urbano como rural pode apresentar um maior ou menor grau de planejamento e projeto, um maior ou menor interesse da gestão pública em um ou em outro subsistema a ele relacionado. (SCHLEE et al., 2009, p.243).
Portando, não têm como excluir a materialização do vazio em relação ao cheio ou vice-versa, ambos se complementam formando o todo. Deve-se assim buscar uma solução sustentável nessa relação de complementaridade. Magnoli (2006), complementa: O movimento, diálogo constante da fusão espaço-tempo, ilumina vitalidades: tudo é pleno, não há o vazio; o espaço vazio é pleno de vida: neste, o coletivo, em suas muitas diferenças, coopera, convive, conflita, tolera-se. Além, o vazio não é imaterial e desprovido de significação. Prenhe de significado e valor, neste vazio o coletivo humano é posto perante a relação interpessoal na diferença de cada um e de cada um dos grupos, na diferença da variedade de espaços. (MAGNOLI, 2006, p.146).
48
As cidades que assim negaram essa complementaridade entre o cheio e vazio, urbanizaram-se sob um caos urbano, onde tiveram de redesenhar sua malha urbana e até retomar alguns espaços livres que foram tomados pela indústria automobilística. Nesse sentido, as cidades e as pessoas vem retomando os espaços livres na tentativa de uma melhor experiência urbana com espaços mais democráticos e heterogêneos, figura 23. Frederico de Holanda (2007) em seu ensaio sobre “arquitetura sociológica” complementa com uma outra análise do espaço, onde analisa a arquitetura como variável independente – a arquitetura com seu poder de impactar nossas vidas e o meio ambiente natural – optando pelo impacto da arquitetura sobre as pessoas. Por fim Holanda afirma que a paisagem natural – intocada pelo homem – apresenta uma configuração fomal-espacial, onde pode ser analisada e denominada como arquitetura, assim como o cenário urbano arquitetônico.
Explica
assim
os
componentes
presentes
no
conceito
de
“configuração formal-espacial”: […] a arquitetura tem “componentes-meio” (os elementos “escultóricos”, os “cheios”, os “sólidos” a “forma”) e “componentes-fim” (os “vãos”, os “vazios”, os “ocos”, os “espaços”). Curiosamente, a teoria e a história da arquitetura têm se detido mais nos “componentes-meio”: a volumetria, a composição das fachadas, texturas, cores, materiais etc. Todavia, estes pertencem especificamente à linguagem da escultura. Os elementos por excelência da linguagem arquitetônica são os “componentes-fim”, os espaços – cômodos no edifício; ruas, avenidas, praças, parques, na cidade; lugares abertos na paisagem natural. Afinal, é neles que estamos imersos! Caracterizam-se por localização relativa ante outros espaços a implicar certas topologias, permeabilidade ou fechamento, transparência ou opacidade, valores de luz e sombra, ruídos, temperatura, movimentos do ar, aromas. “Meios” ou “fins”, não podemos ignorar que somos afetados por uns e outros ao nos apropriarmos dos lugares. Há que teorizar portanto sobre “configuração formal-espacial” – ordenação conjunta dos dois tipos de componentes, todavia separáveis analiticamente. (HOLANDA, 2007, p.3, grifo nosso).
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Figura 23 – Rua para pedestre, Broadway (New York)
Fonte: Urban Ideas Podemos assim dizer, que estamos passando por um processo de reapropriação e ressignificação dos espaços livres. Sejam eles cheios ou vazios; componentes-meio ou componentes-fim. Mas há de tomar bastante cuidado nessas novas reapropriações, como ressalta Britto e Jacques (2009), esses projetos ditos de revitalização urbana, não têm levado em conta as diferentes corpografias urbanas, tornando espaços genéricos e homogêneos. Para isso, é importante a busca da interdisciplinaridade na proposição dessas novas ambiências urbanas.
50
3.3
PERCEPÇÃO AMBIENTAL
O homem em suas andanças adentra e sai por cheios e vazios, criando uma percepção do espaço. Essa percepção fenomenológica percebida, produz uma imagem boa ou ruim de lugar. Para Duarte e Gonçalves (2004) essa preocupação com a percepção ambiental passa a ser discutida a partir de meados dos anos 50 – onde o homem passa a ser visto como parte importante na produção do espaço. Assim a cidade com sua complexa malha urbana tornou-se objeto de estudo para alguns autores – influenciados por pensamentos psicológicos – que investigaram a questão da construção da imagem e da memória do lugar. Dentre eles destacam-se os trabalhos de Kevin Lynch e Aldo Rossi. Nesse contexto, segundo Duarte e Gonçalves (2005) a psicologia ambiental busca estudar a transação entre indivíduos e o cenário físico. Lynch (1997) em seu livro “A imagem da cidade”, ressalta que “Os elementos móveis de uma cidade, especialmente as pessoas e as suas actividades, são tão importantes como as suas partes físicas e imóveis.” (LYNCH, 1997, p.11). Já Rossi (2001), em “Arquitetura da Cidade”, fala sobre a teoria das permanências, dentre suas várias hipóteses, diz que “[…] elas são um passado que ainda experimentamos.” (ROSSI, 2001, p.49). A cidade portanto ganha “corpo”, onde o choque entre “corpo urbano” e “corpo humano” marcam as experiências e permanências que persistem e são identificadas no tempo-espaço, […] as cidades permanecem em seus eixos de desenvolvimento, mantêm a posição dos seus traçados, crescem segundo a direção e com o significado de fatos mais antigos, muitas vezes remotos, do que os fatos atuais. Ás vezes, esses fatos permanecem idênticos, são dotados de uma vitalidade contínua, às vezes se extinguem; resta, então a permanência da forma, dos sinais físicos, do “locus”. A permanência mais significante é dada, pois, pelas ruas e pelo plano; o plano permanece sob níveis diversos, diferenciase nas atribuições, muitas vezes se deforma, mas, substancialmente, não se desloca. (ROSSI, 2001, p.52).
Desse modo, os espaços livres – alvo da especulação imobiliária e desenvolvimento urbano – têm frequentemente perdido seu potencial fenomenológico integrador de pessoas – na busca do sentido de lugar – e tornando espaços mortos e sem significado, preservando-se apenas sua forma e sinais físicos, excluindo-se muitas 51
vezes seus símbolos que são determinados pelos fatos urbanos e culturais. Magnoli (2006) complementa que: Nessa ótica da busca, a relação entre a sociedade, a natureza e seu espaço pode compor uma teia de outros fundamentos a sugerir outras abordagens do processo universal de apropriação do espaço natural e de construção do espaço social pelas diferentes sociedades e suas culturas, em seus espaços próprios, ao longo da história. A relação entre o real e o simbólico (objetivo-subjetivo) tem se apresentado como verdadeiro desafio do conhecimento, já que a natureza se torna objeto de revalorização e ressignificação; é principalmente por via da natureza, pelas leituras da questão socioambiental hoje questionadas, inquirem-se, formas de apreensão do mundo da vida; são outras, são diferentes formas as quais estavam obscurecidas. (MAGNOLI, 2006, p.146).
Já o professor Pinheiro (1997), alerta que: […] o ciclo psicológico das pessoas no ambiente inicia-se através da percepção, ele observa que a percepção ambiental se distingue da percepção de objeto, tradicionalmente estudada em Psicologia, entre outros motivos, porque na percepção ambiental rompe a distinção sujeito-objeto, uma vez que o participante é parte da cena percebida, se desloca por ela, assumindo múltiplas perspectivas, onde seus interesses e objetivos transformam em partes ativas da observação. (PINHEIRO, 1997 apud DUARTE; GONÇALVEZ, 2004, p.5).
Contudo, nessa reestruturação dos espaços livres na cidade contemporânea – tentativa de mudança da percepção ambiental – temos criado espaços genéricos e sem vida – espaços não-civis. Onde Bauman diz que “os “espaços públicos, mas não-civis” se apresentam em duas categorias, que se afastam “do modelo ideal do espaço civil em duas direções opostas mas complementares” (BAUMAN, 2001, p.114, grifo do autor, apud CERQUEIRA, 2013, p.84). Por um lado são espaços que desencorajam a permanência, logo exclui a experiência corporal, tornando locais de passagem, figura 24 e 25.
52
Figura 24 – Praça da Estação, Belo Horizonte
Fonte: Ilha perdida (2013, p.1)
Figura 25 – Praça La Défense, Paris
Fonte: Derolle (2013, p.1) 53
A outra categoria de espaço não-civil ressaltada por Bauman (2001, apud CERQUEIRA, 2013) é o espaço com potencial de transformar o habitante da cidade em consumidor – cenário da espetacularização, figura 26 e 27. Figura 26 – Fachada Aeroclube Plaza Show, Salvador
Fonte: Wikipédia (2005, p.1)
Figura 27 – Interior Aeroclube Plaza Show
Fonte: Wikipédia (2005, p.1)
54
Afinal, as duas categorias se complementam a partir do momento que não foram espaços criados para a socialização das pessoas, logo a experiência nesses espaços pouco se importam. Onde um se torna o espaço da passagem e o outro espaço do consumo. Precisamos assim repensar como esses espaços são estruturados e percebidos pelas pessoas, na tentativa de se fazer intervenções que de fato iram proporcionar espaços mais humanizados e convidativos, na garantia de uma melhor corpografia urbana e sustentabilidade para esta e gerações futuras. Nesse sentido, Rovenir Duarte e Aurora Gonçalves (2004), relacionaram Arquitetura e Psicologia na estruturação de uma disciplina em regime especial, visando o aprofundamento nas relações de percepção homem-espaço. Onde apresentam algumas considerações a respeito da experiência adquirida com os exercícios propostos: A formação do arquiteto é realmente complexa envolvendo aspectos técnicos e artísticos, podendo oscilar entre uma leitura analítica pela continuidade e uma leitura vanguardista de ruptura. […] Diante de questões artísticas, simbólicas, funcionais, técnicas, econômicas, psicológicas, entre outras, por todas estas sobreposições, há a necessidade de um estado de alerta que o mantenha consciente de seu papel como arquiteto e de seu papel responsável na sociedade, buscando uma melhoria na vida como um todo, de um ser cultural no sentido mais amplo. (DUARTE; GONÇALVES, 2004, p.12-13).
Entretanto, se o homem contemporâneo convive com relações efêmeras em espaços públicos privatizados e excludentes. Como fazer desses espaços “lugares” da prática social e criativa na cidade? Vimos que tal fato têm sido utópico, espetacularizado e estetizado para a não permanência humana, figura 28.
55
Figura 28 – Espaços de exclusão, Rio de Janeiro
Fonte: Revista Fórum (2013, p.1)
3.4
NOVOS CENÁRIOS URBANOS E AS CIDADES PARA PESSOAS
As cidades e as pessoas tiveram seus “corpos” afetados pelo processo de urbanização. Onde, influenciadas por uma economia capitalista e individualista, os valores coletivos foram assim privatizados, transformando os espaços livres sociais em produtos de consumo e consequentemente as pessoas em consumidoras. Tivemos assim o que Fabiana Britto e Paola Jacques (2009) chamam de espetacularização urbana: Uma das principais reflexões críticas acerca do cotidiano da vida urbana contemporânea, tematizada em diferentes campos, refere-se ao processo denominado “espetacularização urbana”, em alusão às nefastas consequências do processo de privatização dos espaços públicos pela especulação imobiliária e a consequente gentrificação (enobrecimento de áreas com expulsão da população mais pobre) das cidades contemporâneas. (BRITTO; JACQUES, 2009, p.338).
Para Cerqueira (2013), a “auto-segregação” verificada nas cidades contemporâneas reflete-se na escolha de se viver cada vez menos nos espaços livres urbanos. Visto que nesse processo também verifica-se a busca pela sensação de segurança. Desse modo segundo Cerqueira (2013) diz que tivemos uma mercantilização do 56
medo e da sensação de insegurança, onde os elementos de segurança figuraram-se entre os produtos mais buscados dentre os empreendimentos imobiliários [que refletem também nos espaços comuns]. Mas estudos comprovam que tivemos uma generalização e banalização da violência: Santos e Ramires (2009, apud CERQUEIRA, 2013) após estudo em Uberlândia - MG, observaram que o índice de violência apresentava-se relativamente parecido nos diferentes bairros com perfis socioeconômicos
distintos
analisados.
Entretanto,
observa-se
também
que
“Chegamos a um impasse: tornar os espaços públicos mais seguros para serem mais convidativos; ou torná-los mais convidativos para serem mais seguros.” (CERQUEIRA,
2013,
p.104).
Contudo
é
claro
que
para
resolver
esse
questionamento deve-se vivenciar o local na busca do entendimento do grupo coletivo, sendo inegável a importância desses espaços livres de caráter social na manutenção da vida urbana. Consideram-se os espaços livres como um dos principais estruturadores urbanos pois neles e por eles grande parte da vida cotidiana tem lugar, assim como são um dos principais palcos dos conflitos e acordos da sociedade. O espaço livre público, a rua em especial, tem papel estruturador na constituição da forma urbana, pois reflete as formas de mobilidade, acessibilidade e circulação, parcelamento e propriedade da terra urbana. (CUSTÓDIO et al., 2013, p.9).
Nesse sentido, o presente trabalho vem tratando os espaços livres sob a perspectiva corporal e cenográfica, diante da sua relação social e cultural na estruturação da vida humana. O qual, baseasse nos estudos de Britto e Jacques, na tentativa de outros caminhos alternativos à espetacularização urbana, como vem sendo analisado em várias cidades pelo mundo. Ressaltamos porém, que essas novas formas de apropriação dos espaços livres intra-urbanos carecem de estudos, pois apresentam-se em sua maioria como projetos genéricos e homogêneos; não valorizando as diferentes corpografias urbanas e caracterizando-se em sua maior parte como espaços privatizados com base em uma economia capitalista. Entretanto, a ideia de corpografia prevalece como uma “[…] micro-resistência ao empobrecimento da experiência urbana pelo processo citado de espetacularização das cidades […]” (BRITTO; JACQUES, 2009, p.342). Buscando-se assim “[…] abranger aspectos da multiplicidade desse tema, que vai da estética do espaço 57
urbano (cidade como obra de arte) à estética no espaço urbano (obra de arte na cidade)[…]” (BRITTO; JACQUES, 2009, p.343). Entretanto, em uma analogia entre experiência urbana e filosofia, Jan Gehl (2013) inicia seu livro “Cidades para Pessoas” com a seguinte citação: Acima de tudo, nunca perca a vontade de caminhar. Todos os dias, eu caminho até alcançar um estado de bem-estar e me afasto de qualquer doença. Caminho em direção aos meus melhores pensamentos e não conheço pensamento algum que, por mais difícil que pareça, não possa ser afastado ao caminhar. (KIERKGAARD, [18--] apud GEHL, 2013).
Poderíamos assim, dizer que – nessa analogia – a experiência do caminhar pela cidade e a importância do exercício desta para o bem-estar humano, vai de encontro com as diferentes corpografias urbanas e diferentes filosofias de vida, onde se dá a formação do espaço coletivo e cenográfico. Portanto para garantir a sustentabilidade das cidades para pessoas, devem ser levados em conta outros aspectos defendidos por Gehl. Os quais destacamos a dimensão humana; sentido e escala; cidade viva, segura, sustentável e saudável. A dimensão humana – enquanto corpo/espaço, estudada nesse trabalho – é o foco para se alcançar cidades mais inclusivas e democráticas. Entretanto, foi algo desvalorizado com o modelo econômico adotado. Onde para reverter a atual situação, é necessário planejamento e ações imediatas, frente ao caos urbano estabelecido. Deve-se destacar, como objetivo-chave para o futuro, um maior foco sobre as necessidades das pessoas que utilizam as cidades. Esse é o plano de fundo para a proeminência da dimensão humana no planejamento urbano, neste livro. As cidades devem pressionar os urbanistas e os arquitetos a reforçarem as áreas de pedestres como uma política urbana integrada para desenvolver cidades vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. Igualmente urgente é reforçar a função social do espaço da cidade como local de encontro que contribui paro os objetivos da sustentabilidade social e para uma sociedade democrática e aberta. (GEHL, 2013, p.6).
A corpografia portanto, deveria estar intrinsecamente presente na concepção dos espaços livres de edificação – assim como o espaço edificado. Mas o que têm visto, 58
é a criação de cenários para a espetacularização. Onde os espaços estão sendo criados para a venda da melhor imagem. Entretanto, esquecidos como potencial de renovação da vida humana – refletindo em uma melhor qualidade de vida urbana. Desse modo, Gehl (2013) nos convida a repensar as cidades sem o carro – na valorização da vida urbana – e cita o exemplo de São Francisco, onde a cidade foi atingida por um terremoto em 1989 e teve de repensar uma das principais vias arteriais de tráfego intenso, em direção ao centro. Removendo assim uma importante via de ligação ao centro da cidade – a qual era uma via expressa de dois andares – e dando origem a um bulevar com bondes, árvores e amplas calçadas, figura 29. Contudo, de uma problemática, a cidade passou a repensar o espaço urbano, valorizando a escala humana. Outro ponto importante nesse processo é a aplicação de políticas públicas voltadas para a valorização da vida urbana. Como o exemplo de Londres, citado por Gehl. Em 2002, Londres instituiu um pedágio urbano para os veículos que se dirigiam ao centro da cidade. O efeito imediato da nova taxa foi a redução de 18% do trânsito nos 24 km² da zona central da cidade. Depois de alguns anos, o tráfego novamente aumentou nessa área, a taxa foi elevada de cinco para oito libras e, mais uma vez, o tráfego diminuiu. Esse pedágio acabou transformando o apelo de utilizar o carro para ir e vir ao centro em convite vigiado. Reduziu-se o trânsito naquele perímetro e as taxas ajudam na melhoria do sistema de transporte público que agora leva mais passageiros. Transformou-se o padrão de uso. (GEHL, 2013, p.11).
59
Figura 29 – Embarcadero antes e depois, San Francisco
Fonte: Blog Up Out (2015, p.1)
Sendo assim, a mudança de padrões não depende apenas de mirabolantes projetos de reestruturação urbana. Novas formas de apropriação e aumento da qualidade de 60
vida urbana, podem partir da micro-escala, como o caso do porto de Aker Brygge, em Oslo. Onde a melhoria do mobiliário urbano resultou no aumento do número de pessoas que utilizavam os bancos, figura 30. Figura 30 – Mobiliário Urbano, porto de Aker Brygge
Fonte: Expedia ([20--],p.1) O planejamento físico pode influenciar imensamente o padrão de uso em regiões e áreas urbanas específicas. O fato de as pessoas serem atraídas para caminhar e permanecer no espaço da cidade é muito mais uma questão de se trabalhar cuidadosamente com a dimensão humana e lançar um convite tentador. (GEHL, 2013, p.17).
A arquitetura e o urbanismo, é portanto o meio pelo qual moldamos a cidade e, esta por sua vez é capaz de inscrever/grafar uma nova experiência em quem a experimenta. Britto e Jacques complementa, “Entre o corpo e o ambiente em que este corpo vive, instaura-se, uma relação coadaptativa cujo caráter criativo não permite pensar em mero ajuste adequatório […]” (BRITTO; JACQUES, 2008, p.81). Os sentidos e escala, entretanto, é o meio de se ativar o corpo. Na possibilidade de apreender o mesmo, gerando novos desdobramentos e experimentações do espaço. Para Gehl (2013), “O natural ponto de partida do trabalho de projetar cidades para pessoas é a mobilidade e os sentidos humanos, já que estes fornecem a base 61
biológica das atividades, do comportamento e da comunicação no espaço urbano.” (GEHL, 2013, p.33). No entanto, o pedestre como nosso cliente, possui suas potencialidades e limitações. Trabalhar com a escala humana é, portanto, saber cruzar ambas variáveis na concepção de projetos que levem em consideração, tais possibilidades e limitações do corpo humano. A visão, como um dos sentidos mais desenvolvidos, está diretamente relacionada à percepção ambiental. Mas a mesma está limitada verticalmente. O que se observa quando olhamos um edifício de baixo para cima, onde os andares mais altos só são percebidos à distância e nunca de perto. Já o aparelho locomotor e o sistema de interpretação de impressões sensoriais, é capaz de perceber e interpretar uma séria de observações mesmo com o corpo em movimento – a velocidade está intrinsecamente relacionada a percepção da realidade. Contudo, os sentidos relacionados a comunicação entre pessoas, observa-se que “Em grandes distâncias, recolhemos grande quantidade de informações, mas das distâncias
curtas
recebemos
impressões
sensoriais
muito
intensas
e
emocionalmente significativas.” (GEHL, 2013, p.47). Ressalta-se assim, a importância da “[…] conexão entre distância, intensidade, proximidade e calor em várias situações de contato […]” (GEHL, 2013, p.51) pois apresentam-se como uma forma de decodificação e experimentação dos diferentes cenários urbanos. Gehl (2013), cita o exemplo da piscina como um bom espaço para a socialização, figura 31.
62
Figura 31 – Piscinas de Leça, Álvaro Siza - Portugal
Fonte: Arch Daily (2011, p.1) As Piscinas de Leça, projeto de Álvaro Siza, é um bom exemplo para referência das “conexões” citadas por Gehl, pois além da integração entre arquitetura e paisagem natural, Siza preocupa-se com as percepções do lugar, mostrando-se atendo a escala e aos sentidos. Onde a escala humana, desde a entrada do complexo é ativada pelos percursos, desafiando a visão, Siza cria um verdeiro cenário com suas diferentes corpografias. Entretanto, as últimas observações que ressaltaremos é justamento aquelas que mantém a manutenção da socialização do homem com esses espaços urbanos. Que são: uma cidade viva, segura, sustentável e saudável. No entanto, uma cidade viva “[…] precisa de uma vida urbana variada e complexa, onde as atividades sociais e de lazer estejam combinadas, deixando espaço para a necessária circulação de
63
pedestres e tráfego, bem como oportunidades para participação na vida urbana.” (GEHL, 2013, p.64-65), figura 32 e 33. Sendo assim, a cidade viva depende das pessoas, e para isso a arquitetura deve ser capaz de impor padrões de ocupação, com espaços convidativos e que inspirem o coletivo, onde estes queiram permanecer e consequentemente se socializarem. Logo, o sistema de espaços livres confirmam-se como importante contexto estruturador da vida humana, dependendo do seu caráter fenomenológico na criação das cidades vivas. Figura 32 – Calçada em Joannesburg, África do Sul
Fonte: We Blog The World (2013, p.1)
Figura 33 – Moore Street Markets, Dublin
Fonte: City Scouter ([20--, p.1]) 64
Assim, com cidades vivas, consequentemente teremos espaços mais convidativas e seguros. Portanto, com a consolidação do espaço seguro, mais pessoas iram ocupálo. Para isso, destaca-se a importância de se adotar políticas públicas, a fim de garantir a segurança no tráfego entre os diferentes modais de transporte e a prevenção à criminalidade. Tendo em vista que a popularização do automóvel não foi algo bom para as cidades, podemos assim nos embasar em experiências mais cedo vivenciadas por países desenvolvidos, onde o carro foi gradualmente abolido dos centros urbanos. Nesse contexto, muitas propostas foram implementadas, desde ruas exclusivas para automóveis ou pessoas, às ruas compartilhadas – mesmo que paisagem compartilhada – com os diferentes modais de transporte. Ressaltando que nessa escolha as soluções devem sempre partir da dimensão humana. “De projeto a projeto, os urbanistas devem refletir sobre quais tipos de ruas e o grau de integração de tráfego que seria uma boa solução. A segurança de pedestres, a real e a percebida, deve ser sempre o fator determinante.” (GEHL, 2013, p.94), figura 33. Figura 33 – Rua compartilhada em Londres
Fonte: Ponto Eletrônico (2011, p.1)
Outro ponto a ser considerado na segurança pública, é a vida que o espaço edificado mantém com a cidade, salientando que os edifícios abertos para a cidade 65
contribuem em uma maior relação social e diversidade cultural, consequentemente ruas mais seguras. O homem portanto, precisa se locomover pelos espaços intra-urbanos, sendo assim, o que influenciará diretamente na formação de uma cidade sustentável, será uma integração do maior número de modais e sua relação com bons espaços públicos. Pois a “Boa paisagem urbana e bom sistema de transporte público são dois lados da mesma moeda.” (GEHL, 2013, p.107). E assim daremos vitalidade ao ciclo homemtrabalho-lazer, criando vínculos nas relações de sociabilidade do homem com o espaço. De acordo com Gehl (2013) esse plano de desenvolvimento orientado pelo transporte (TOD), é uma forma de ligação entre pedestre e ciclistas e a rede coletiva de trasporte, baseado nas inter-relações de suas estruturas. A exemplo de Bogotá, Colômbia, as políticas direcionadas a pedestres e ciclistas, reforçaram no aumento destes e na redução dos impactos ambientais, gerado pelos automóveis, figura 34. Figura 34 – Ciclovia em Bogotá, Colômbia
Fonte: Wikipédia ([20--], p.1) 66
Com a implantação adequada de um sistema que leve em conta a escala humana, teremos uma cidade mais saudável e adequada com as reais necessidades das pessoas de cada contexto urbano. Uma vez que urbanismo, arquitetura e saúde se interagem, ao construirmos cidades doentes, consequentemente contribuiremos na formação de uma sociedade enferma, caminhando assim para a “morte”. Como descreve o arquiteto Avelino Neto, […] as nossas cidades sofrem de uma doença generalizada que afeta todos os seus sistemas num efeito dominó decadente e pouco promissor. […] Embora a violência urbana seja uma consequência direta dessa enfermidade que toma conta das cidades brasileiras no seu mais profundo âmago. Esse mal que assola as cidades é como um câncer que atua silenciosamente no cerne dos sistemas urbanos e que vem à tona sob os mais diversos sintomas. (NETO, 2015, p.1).
Por fim, como vimos, o homem é capaz de mudar seu espaço, mas a má utilização do mesmo contribuirá para o caos urbano na cidade. No entanto, se levado a sério o estudo das diferentes corpografias e cenários urbanos presentes na cidade, chegaremos na concepção de espaços que satisfação aos anseios humano, melhorando a vida na cidade, figura 35. Figura 35 – Av. Paulista aberta para pessoas, São Paulo
Fonte: Bol Fotos (2015, p.1) 67
3.5
SEMINÁRIO TCC1
O Seminário de TCC1 compreendeu na discussão e aplicação de alguns conceitos estudados no desenvolvimento deste trabalho. Para isso foi criado um cartaz – APÊNDICE A – como forma de convite para alunos, professores e população em geral. Ressaltamos que o Seminário faz parte da programação da Semana Integrada do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE. Um evento que têm o intuito de promover a integração e interação entre alunos, professores e população na exposição de trabalhos desenvolvidos pelo corpo discente e docente em forma de mini-curso, palestra, intervenção e entre outros. A atividade proposta com base no tema deste trabalho, seria a princípio a ocupação da rua para fins não viários. Mas com base em leituras acerca do tema, viu-se que os espaços livres de edificação com sua ampla escala de estudo, poderia ser discutido dentro da própria faculdade. Pois esta é dotada de um bosque – figura 36 – anexo ao bloco E – bloco referente ao curso de Arquitetura e Urbanismo. O bosque sendo um espaço livre de valor histórico e social dentro do curso. Figura 36 – Bosque Unileste
Fonte: Autor 68
A proposta foi assim estruturada em duas etapas: a proposição de um PIC NIC no deck do bosque como forma de socialização e debate acerca do tema – figura 37 e 38 –, estabelecido por um bate papo entre os presentes – ANEXO D. O segundo momento foi uma construção da memória coletiva do bosque – tendo como plano de fundo o bloco E – em cima de um desenho pré-definido que teria de ser completado e finalizado com base na experiência e memória de cada um com o espaço – como o grupo era relativamente grande, foi disponibilizado dois modelos que foram construídos em grupo. Figura 37 – PIC NIC e debate acerca do tema
Fonte: Costa, J. (2015)
69
Figura 38 – Debate tema tcc1
Fonte: Costa, J. (2015)
No bate-papo foi claro a importância social do bosque na sua relação entre cheio e vazio. Já as experiências corpográficas são variadas, onde cada um percebe o ambiente com base em suas vivências. Portanto a memória coletiva confirma-se como fundamental na concepção dos espaços. Contudo vivemos uma contradição na produção desses espaços, verificado por normas ou políticas que não consideram a sociabilidade requerida com estes. Nesse caso foi constatado a desvalorização da própria instituição com esse espaço, onde hoje vive-se quase que abandonado e servindo mais como espaço de passagem e confirmando-se como um espaço não-civil. O segundo momento que compreendeu no mapeamento da memória coletiva – figura 39 e 40 –, têm-se o confrontamento de ideias que se dá na individualidade de cada indivíduo e logo se complementam na formação do todo – figura 41. “Portanto, enquanto os indivíduos gozariam de liberdade extrema nas suas escolhas e decisões, os grupos sociais respeitariam certas orientações, as quais, ainda que sujeitas a mudanças, se manteriam fiéis e coerentes a si próprias.” (CERQUEIRA, 2013, p.57). 70
Figura 39 – Oficina memória coletiva
Figura 40 – Construção coletiva
Fonte: Autor
Fonte: Autor
Figura 41 – Desenho Final
Fonte: Autor 71
Após a conclusão da oficina e análise da mesma, observa-se que mesmo com a liberdade de criação proposta – onde o cenário base poderia ser alterado de acordo com as memórias e observações de cada um –, a estrutura do desenho foi pouco alterada e a memória coletiva mapeada durante o bate-papo é pouco retratada no desenho. Outro ponto importante é a não utilização ou pouca inserção do corpo ao cenário. Talvez essa seja a hipótese da concepção de espaços genéricos onde os projetos pouco atendem aos anseios das pessoas, tornando-se espaços sem significado e pouco habitáveis. Fabiana Britto e Paola Jacques ressalta que: O aspecto crucial dessa configuração contemporânea das cidades, que interessa salientar, é o do empobrecimento da experiência urbana dos seus habitantes, cujo espaço de participação civil, de produção criativa e vivência afetiva não apenas está cada vez mais restrito quanto às suas oportunidades de ocorrência, mas, inclusive, qualitativamente comprometido quanto às suas possibilidades de complexificação. (BRITTO; JACQUES, 2009, p.338-339).
72
4
4.1
ANÁLISE DE OBRAS ANÁLOGAS
ROSÁRIO CIDADE EDUCADORA
Rosário é uma cidade e município da província de Santa Fé, na Argentina. A qual, há mais de 15 anos assumiu o compromisso da orientação de suas políticas públicas locais através dos princípios e valores estabelecidos na carta da Associação Internacional de Cidades Educadoras. Contudo vem se destacando, na aplicação de políticas públicas contundentes com a realidade humana e seu contexto socioeconômico. Rosário foi incorporada em 1996 e é protagonista de destaque da AICE desde que foi criada a Delegação de Cidades Educadoras Cone Sul com o objetivo principal de organizar redes territoriais e temáticas entre cidades do Brasil, Paraguai, Chile, Uruguai, Bolívia e Argentina por meio da troca de experiências locais educadoras. A partir de 1999, foi formalmente constituída a Delegação América Latina da AICE com sede na Direção de Relações Internacionais da Prefeitura de Rosário e subordinada à Secretaria Geral da Associação Internacional de Cidades Educadoras localizada na Prefeitura de Barcelona. Atualmente, a Delegação para a América Latina da AICE conta com a participação de 60 cidades provenientes de 12 países da região e organiza suas ações em torno das redes territoriais e redes temáticas que foram constituídas a partir das propostas das próprias cidades-membro. Nesse mesmo ano, a cidade foi incorporada ao Comitê Executivo da AICE, do qual tem feito parte de forma contínua até hoje. Em 2001, Rosário foi designada para a Vice-presidência da Associação, cargo que continua sendo desempenhado atualmente. Ao longo de sua participação como membro da AICE, Rosário tem estimulado a edição de diversas publicações, entre as que mais se destacam as de “Políticas de juventud en América Latina. Experiencias locales innovadoras” em 2005, “Las acciones culturales y el deporte como herramientas para el desarrollo integral de las personas en las Ciudades Educadoras”(As ações culturais e o esporte como ferramentas para o desenvolvimento integral das pessoas nas Cidades Educadoras) em 2009 e “La problemática medio ambiental en las Ciudades Educadoras” (A problemática ambiental nas Cidades Educadoras) em 2011. (CIDADES EDUCADORAS, 2015, p.1)
O objetivo da AICE é portando o desenvolvimento de atividades e o 73
compartilhamento de ideias para tornar as cidades territórios educativos, com espaços mais justos que incentivem à convivência com o “diferente”, e proporcionem a valorização do comum e a integração social. Nesse sentido, podemos ressaltar algumas iniciativas colocadas em prática na cidade de Rosário: - Criação de parques, espaços de lazer, cultura e esportes (dando prioridade a bairros mais vulneráveis); - Mudanças no sistema de transporte público; - Desenvolvimento de mecanismos de participação social (hortas urbanas); - Desenvolvimento de atividades lúdicas e educativas para diferentes faixas etárias; - Valorização da criança como protagonista da cidade (Conselhos das Crianças). Com isso, têm-se a concepção de projetos bem específicos, como o “La Granja de La Infancia”, onde dispõe de uma área de experimentação para escolas, tropas e famílias, com uma proposta educacional que visa a criação de uma qualidade poética da vida, figura 42.
74
Figura 42 – La Granja de La Infancia, Rosário
Fonte: Montagem Autor É um espaço onde você pode interagir com a natureza, sentir-se parte dela e responsável por suas mudanças. Permite inúmeros passeios, jogos, sonhos, visões de mundo, é o lugar para aprender a respeitar tanto as várias formas de vida como ideias diferentes, e espera-se que todos os cidadãos possam conhecer e experimentar a desfrutar da liberdade e responsabilidade. Sua proposta promove a interação entre natureza e cultura, e incentiva seus participantes a assumir um papel de liderança no desenvolvimento do mesmo a partir de uma perspectiva ecológica e social. Caracteriza vários espaços integrados uns com os outros tentando ser um envolvimento produtivo e sustentável do sistema. Nestes espaços os visitantes são envolvidos através de várias atividades, como plantio, rega, capina e alimentação dos animais. (ROSARIO, [20--], P.1).
Logo, poderíamos denominar, este projeto de caráter social, como uma grande fazenda urbana contemporânea. Um casamento perfeito entre cenografia e corpografia, onde a visão sustentável de mundo apreende a todo momento, o corpo ao espaço. Por fim, é um cenário que realmente forma cidadãos para a vida nas cidades, utilizando o que temos de mais valioso – nossas crianças.
75
4.2
ARQUITECTURA EXPANDIDA
Arquitectura Expandida é um coletivo que tem centrado seu trabalho em bairros ocupados em Bogotá, Colômbia, e atuam através de uma equipe interdisciplinar composta por arquitetos urbanistas, gestores culturais, projetistas, artistas e educadores. Seu trabalho se baseia na autogestão dos próprios cidadãos ao entrar em contato com os profissionais, que, em conjunto, são os detonadores de todo o processo. A ideia é que sejam os mesmos habitantes da cidade os que defendam seu direito de utilizar os espaços públicos "participando ativamente da gestão cultural, política e social de seu âmbito territorial, se relacionando em rede, aprendendo uns com os outros e gerando uma massa crítica". (ARCHDAILY, 2014, p.1).
Para isso, o coletivo insiste na reflexão entorno da legalidade vs. legitimidade da construção da cidade. Em setores que a lei tem bloqueado as possibilidades de desenvolvimento territorial por privilegiar outros temas que não entregam benefícios diretos às pessoas. Sua arquitetura busca defender o direito de reunião e o espaço público como lugar de encontro democrático. CASA DA CHUVA [ideias] O projeto Casa da Chuva [ideias] faz parte de um processo de autoconstrução física e social, um espaço cultural e da comunidade em um posseiro de Bogotá, localizado na orla das colinas. Um lugar com recursos materiais limitados, mas inestimáveis recursos ecológicos e humano. É evidente que a capacidade de auto-gestão na cidade pode transcender moradia e serviços básicos para incluir o espaço público e comunidade, e seus próprios cidadãos que estão encarregados da gestão cultural, política, social e de infra-estrutura. Melhorando qualitativamente, em primeira mão a sua cidade, enriquecendo sua qualidade de vida e demonstrando o seu direito de ocupar a cidade. Dos arquitetos:
76
Este projeto, veio da iniciativa da comunidade como "um salão da comunidade", foi desenvolvido através de um processo de "construção física e social do território" para se tornar a “Casa de Chuva [de ideias]”; um espaço integrado, uma sala polivalente, mas que vai abrigar permanentemente a primeira associação cultural do bairro: a biblioteca comunitária que já está em rede com a rede de bibliotecas comunitárias na cidade. (ARQUITECTURA EXPANDIDA, 2013 apud ARCHDAILY, 2014, p.1).
O coletivo Arquitectura Expandida (2013), coloca essa experiência como uma oportunidade de refletir sobre arquitetura/cultura, onde as duas variáveis atuam como um processo apropriado e misturado, mostrando que a cultura pode ser um dispositivo para o ordenamento do território e da arquitetura de uma dinâmica social, figura 43, 44 e 45. Figura 43 – Casa da Chuva [ideias], Bogotá - Colômbia
Fonte: Arch Daily, (2014, p.1)
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Figura 44 – Vista externa Casa da Chuva [ideias]
Fonte: Arch Daily (2014, p.1)
Figura 45 – Vista interna Casa da Chuva [ideias]
Fonte: Arch Daily (2014, p.1)
No entanto, ressaltasse-se a segunda consideração com base na legalidade vs. legitimidade dos processos de construção da cidade. Neste caso, uma comunidade com uma situação jurídica ambígua em sua origem – onde nos anos 80 não havia nenhuma lei que bloqueava seu desenvolvimento, como o decreto de 2003, que criminaliza a invasão – que é bloqueada na possibilidade de desenvolvimento 78
territorial por lei triagem ambiental das colinas do leste de Bogotá, e da falta de decisão do Conselho de Estado sobre o assunto. Com isso, esta situação torna-se insustentável, é necessário assim rever os direitos urbanos básicos que se tornam direitos fundamentais, como o direito de reunião: espaço público como lugar de encontro democrático.
4.3
REAPROPRIAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES
HIGH LINE High Line é um parque linear de aproximadamente 2,5 Km construído em 2009 numa via férrea elevada de Nova York. Um espaço público que transmite uma nova sensação de percurso na cidade de Nova York, o High Line fica a 8 metros de altura e atravessa 3 bairros, figura 46 e 47. Figura 46 – Antiga linha férrea
Fonte: Arch Daily (2014, p.1) 79
Figura 47 – High Line, Nova York
Fonte: Site Nova York (2015, p.1)
A grande sacada do High Line foi reciclar uma linha de trem antiga e abandonada num parque verde, agradável e elegante. Além dos jardins, foram instalados bancos para leitura, descanso ou mera contemplação do Rio Hudson, gerando uma nova percepção do ritmo de vida dos nova-iorquinos.
O novo projeto do local, desde seus sistemas de materiais (a pavimentação linear, a reinstalação dos trilhos, a vegetação, a iluminação, o mobiliário, etc) até a coreografia do movimento; os caminhos sinuosos, os mirantes, pretende reinterpretar, amplificar, dramatizar e concentrar essas leituras do lugar. O projeto é extremamente site-specific; é irreproduzível em qualquer outro lugar sem que exista uma perda significativa de origem e localidade, em parte devido à história do próprio High Line, e em parte devido às características únicas de seu contexto urbano e adjacências. O projeto tem como objetivo concentrar essas condições encontradas, dramatizar e revelar o passado, o presente e os contextos futuros, criar um lugar inesquecível para todos os visitantes. (CORNER, 1990-2010, apud WALKER, 2014, p.1)
80
No entanto, o espaço quando é pensando levando em conta seu entorno, as especificidades do local, dados históricos e principalmente a inclusão das pessoas no processo de concepção, dificilmente teremos projetos genéricos. Contudo o projeto deve contemplar o maior número de experiências na tradução de um lugar inesquecível para as diferentes corpografias.
PLACEMAKING
A palavra Placemaking pode ser traduzida para o português como “fazer lugares”. Criado nos anos 1980, nos Estados Unidos, o Placemaking é um processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos, que estimula uma maior interação entre as pessoas e propõe a transformação dos pontos de encontro de uma comunidade (parques, praças, ruas e calçadas) em lugares mais agradáveis e atrativos. Onde os projetos debatem a criação de um lugar que melhore a qualidade de vida e a saúde pública, gerando mais bem-estar para as pessoas.
Como exemplo da promoção desse conceito, têm-se a organização Project for Public Spaces – PPS (Projetos para Espaços Públicos), uma referência no tema. Contudo, após diversos estudos em cerca de 43 países, 50 estados americanos e 3000 comunidades, o PPS identificou quatro qualidades comuns em espaços públicos bem-sucedidos: acessos e conexões; conforto e imagem; usos e atividades; e sociabilidade.
No Brasil, a discussão é centrada na disparidade entre uma cidade para o automóvel e uma cidade para as pessoas. Mas em visita ao território brasileiro, membros do PPS afirmaram que estamos copiando os mesmos erros do urbanismo ao construir ruas largas só para carros, excluindo a experiência urbana do próprio corpo. Pois, “Para quem anda a pé, a cidade deixa de ser interessante e convidativa e passa a ser assustadora.” (HEEMANN, [20--], apud MEKARI, [20--], p.1). 81
Portanto, as pessoas são parte constituinte do processo de concepção dos espaços urbanos públicos. Ouvir a comunidade e seus anseios deve ser algo priorizado na promoção de espaços que floresçam a convivência cidadã. Desse modo, a visão da comunidade é essencial para o processo de Placemaking, assim como a compreensão do espaço e das formas como ótimos lugares incentivam conexões sociais e iniciativas bem sucedidas. Usando as ferramentas que a PPS desenvolveu para transformar lugares (como o diagrama do lugar, figura 48, abaixo), a organização tem ajudado cidadãos a realizar grandes mudanças em suas comunidades.
Figura 48 – Diagrama do lugar
Fonte: Comunidade brasileira de placemakers ([20--], p.1)
Por fim, “aprimorar espaços públicos e a vida das pessoas que o utilizam significa ter paciência para dar pequenos passos, para realmente escutar as pessoas e para ver
82
o que funciona melhor, eventualmente transformando a visão de um grupo em um ótimo espaço público.” (PLACEMAKING, [20--], p.1). As atividades desenvolvidas pelo placemaking buscam assim – mais do que criar os melhores desenhos urbanos na construção do espaço –, facilitar a criação de atividades e conexões (culturais, econômicas, sociais, ambientais) que definem um espaço e dão suporte para a sua evolução, figura 49.
Figura 49 – Projeto Quadra Amiga, Vila Mascote/SP
Fonte: Conexão Cultural ([20--])
VAGA VIVA
A Vaga Viva consiste em uma ocupação temporária de algumas vagas de estacionamento de carros, transformando-as em área de convivência, de lazer e área verde. No entanto, o objetivo é provocar uma reflexão sobre o uso atual do espaço urbano, cada vez mais dedicado aos automóveis, em forma de avenidas, viadutos, estacionamentos, etc. Onde estes vem ocupando o espaço que até então não era reivindicado pelas pessoas. Contudo essa nova forma de apropriação do espaço urbano passou a ser chamada de Zona Verde em São Paulo. E logo mais tarde quando oficializadas permanentemente, passam a ser denominadas de 83
parklets, figura 50.
Figura 50 – Vaga viva em Aracaju
Fonte: Ciclourbano (2012)
A Vaga Viva surgiu em São Francisco, nos Estados Unidos, em 2005, com o nome de “Park(ing)”, como uma iniciativa do Rebar, estúdio que se declara trabalhar “na intersecção da arte, design e ecologia, criando projetos que inspiram as pessoas a reimaginarem o ambiente e seu lugar nele”. (CRUZ, 2012, p.1)
No Brasil, essa iniciativa de retomada do espaço público pelas pessoas ganhou diferentes configurações. Onde a vaga que era de domínio do automóvel particular, passa a valorizar a relação social em alguns metros de asfalto. Simbolizando assim “uma amostra do que a cidade pode vir a ser […]” (CRUZ, 2012, p.1).
Nesse sentido, como um projeto piloto em parceria com a empresa Fiat automóveis, 84
uma intervenção denominada de rotativos propunha ocupação transitória e móvel de espaços públicos. Onde segundo Wellington Cançado e Simone Cortezão (2006) foi produzido uma frota de veículos utilitários adaptados para receber programas variados de acesso público, configurando-se em um sistema de agenciamento de atividades culturais e cotidianas. Agindo assim na ocupação de vagas rotativas em horário comercial em regiões urbanas centrais, figura 51.
Figura 51 – Intervenção Rotativos
Fonte: Fiat Mostra Brasil (2006)
No entanto, repensar a cidade contemporânea, implica em uma mudança de paradigma. Uma vaga de estacionamento como parte constituinte da rua pode ganhar novos usos e contribuir para uma melhor experiência urbana.
85
PRAIA DA ESTAÇÃO
O movimento Praia da Estação surgiu em meio a uma decisão do atual prefeito da cidade de Belo Horizonte – Márcio Lacerda, ao proibir a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação. Onde segundo um jornal online, divulga informações referentes a tal atrocidade:
Em 9 de dezembro de 2009, o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, assinou o decreto nº 13.798 que proibiu, a partir de 1º de janeiro de 2010, a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação. Dois motivos foram apresentados por ele:
1) dificuldade em limitar o número de pessoas e garantir a segurança pública decorrente da concentração;
2) depredação do patrimônio público verificada em decorrência dos últimos eventos realizados na Praça da Estação. (JORNAL GGN, 2010, p.1)
Desse modo, inicia-se o movimento praia da estação, em 26 de janeiro de 2010, a princípio com o objetivo de derrubada do decreto que proibia a realização de ventos na Praça da Estação. Porém, o prefeito revogou tal decreto implementando a cobrança de encargos para utilização do espaço público. No entanto, em entrevista ao jornal contramão, o organizador do movimento, Fideles Alcantra (2012) diz que o movimento luta contra a privatização do espaço público e fala que a inclusão do evento na agenda da prefeitura é uma tentativa de desmoralizar o movimento, usando deste para beneficio próprio. Salienta portanto da importância de movimentos como este no desenvolvimento das cidades, figura 52.
86
Figura 52 – Praia da Estação
Fonte: Praça Livre BH (2010, p.1)
Portanto, há cinco anos, a Praça da Estação se torna Praia da Estação, um movimento considerado horizontal, sem liderança e sem porta-voz. Valorizando assim as diferentes corpografias na ocupação do espaço livre público.
Outra experiência parecida e inspirada no movimento Praça da Estação – BH, foi a ocupação de uma praça de mesmo nome na área central de Coronel Fabriciano – MG em 2011, durante a 17ª Semana Integra do curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, figura 53. No objetivo de reapropriação do espaço livre urbano, buscando a atenção de autoridades e população em geral para a valorização do espaço público.
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Figura 53 – Praia da Estação em Coronel Fabriciano
Fonte: Autor
88
5
A REGIÃO METROPOLITANA DO VALE DO AÇO COMO ESTUDO DE CASO
Entendendo os espaços livres de uso público como um complexo sistema urbano, escolheu-se a região metropolitana do vale do aço para um estudo de caso mais detalhado, observando-se os assuntos tratados nesta pesquisa. Deste modo, será analisado como se deu a formação da RMVA e sua conformação como região metropolitana. Levando em consideração os diferentes contextos de espaços livres na conformação de um cenário regional. E por fim, observa-se como os espaços livres públicos são apropriados pelas pessoas.
5.1
CONSOLIDAÇÃO DA REGIÃO DO VALE DO AÇO
A região do Vale do Aço, marcada historicamente pela concentração de grandes empresas produtoras de aço que desempenharam grande papel no desenvolvimento urbano da região, têm também uma importante história antes de seu desenvolvimento industrial. Onde possui uma forte relação com o processo de colonização do território brasileiro.
Portanto, no século XVI, quatro grandes expedições marcaram as primeiras tentativas portuguesas de ocupação do Vale do Rio Doce, onde todas estas não foram bem sucedidas em seu objetivo, o qual era encontrar recursos minerais. Dessa forma, as regiões percorridas pelas expedições não tiveram uma ocupação efetiva, ficando conhecida pelo vale verde e montanhoso e pelo rio de água doce.
Durante o século XVIII, com o desenvolvimento da exploração do ouro nas minas, a Coroa Portuguesa busca impedir a abertura de caminhos para as regiões mineradoras, tentando impedir o contrabando do material. Desse modo a região do Vale Verde assume o papel de barreira do contrabando de ouro, uma das justificativas a ocupação tardia do Vale do Aço. Outra observação deve-se ao fato da existência dos índios botocudos na região e a configuração espacial da mesma, que não favorecia ao desenvolvimento urbano devido sua porção de morros.
Contudo, no século XIX, é deliberada a colonização da região do Vale do Rio Doce, 89
decretado pela Carta Rédia de 13/08/1808 e reforçado pela Carta Régia de 02/12/1808, marcando assim o início da ocupação do vale verde (BARBOSA, 2010). Nesse período de colonização da região, com a declaração de guerra aos índios botocudos pela Coroa Portuguesa, foi travado contantes conflitos entre colonizadores e os povos nativos da região.
O governo colonial declarou guerra aos indígenas. Ofereceu benefícios fiscais e concedeu terras àqueles interessados em explorá-las. Os colonizadores, imigrantes e soldados, em busca de novas riquezas, destruíam as tribos indígenas e devastavam as florestas para se apossar das terras (BRITO; OLIVEIRA; JUNQUEIRA; 1997 apud BARBOSA, 2010, p.40).
Consolida-se assim, o processo de expropriação e ocupação da região. No entanto, segundo Barbosa (2010), em todo esse processo, desde as tentativas de exploração à ocupação mínima de fato, o vale verde teve uma participação insignificante na rede urbana mineira. Enquanto a região mantinha-se praticamente desocupada, várias outras regiões da província já desenvolviam atividades econômicas que demandavam de uma rede urbana de apoio. No entanto, o centro da província mineira já havia se estruturado em torno da atividade mineradora e concentrava as primeiras indústrias modernas; o sul explorava a cultura do café, algodão e do fumo; no oeste e norte predominava a pecuária de corte. Essas peculiaridades da região leste do Estado, podem ser observadas na figura 54, que tem como mapa base parte da planta geral da Capitania de Minas Gerais, adaptado por Barbosa (2010), com o vermelho representando os caminhos, o azul a hidrografia e o verde os municípios. Onde,
É possível perceber que o vale verde encontra-se numa posição estratégica entre os dois grandes pólos de exploração mineral daquele período: Diamantina (Tejuco) e Ouro Preto (Villa Rica). Seria natural que ao longo do Rio Doce e do Rio Piracicaba fossem sendo abertos caminhos de ligação com o litoral, se não fossem a proibição da Coroa, a presença dos gentios e a mata densa. (BARBOSA, 2010, p.41)
No entanto,
90
É perceptível que o vale verde ficou às margens da rede urbana formada em Minas Gerais no período colonial. Até o final do século XIX nenhum dos atuais municípios da região havia sido elevados à categoria de cidade. Essa situação de “figurante” desempenhada pelo vale verde começou a alterar-se somente a partir da construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas - EFVM. (BARBOSA, 2010, p.44)
Figura 54 – Capitania de Minas Gerais, 1800
Fonte: Barbosa (2010)
Com a criação da Companhia da EFVM em 1901, é contratado o engenheiro Pedro Nolasco para projetar a estrada férrea margeando o Rio Doce. Inicialmente ligaria o litoral do Espirito Santo até Diamantina, porém com a descoberta de minério de ferro na região de Itabira altera-se o projeto inicial.
91
A construção da linha férrea impulsionou de maneira significativa a ocupação da região do vale verde. E as estações da companhia contribuíram no surgimento de inúmeros assentamentos populacionais. Contudo, a região experimentou o primeiro crescimento populacional e econômico, o que consequentemente, influenciou na transformação do meio ambiente da região.
A segunda grande transformação do cenário da região, nos aspectos econômico e populacional, vem com a chegada das siderúrgicas Companhia Belgo-Mineira em João Monlevade, na década de 1930, ACESITA, na década 1940 e, em fins da década de 1950, a USIMINAS. Passando assim de Vale Verde à Vale do aço.
5.2
A CIDADE OPERÁRIA
No final da década de 1950, com a implantação da USIMINAS, reforça-se o processo de industrialização e urbanização da região do Vale do Aço, contribuindo para a ampliação da indústria de base no Brasil, uma ação prioritária do governo do presidente Juscelino Kubitschek, entre 1956 a 1961. Onde a implantação da USIMINAS fazia parte da meta de aumentar a produção de aço no país. Sua fundação ocorreu em 1956, tendo sido inaugurada em 1962.
Com a falta de uma infraestrutura local adequada para abrigar a nova população necessária à construção e funcionamento da siderúrgica, surge uma cidade operária junto à USIMINAS, com o objetivo de se criar condições para a fixação dos seus empregados. A Vila-Operária é portanto construída entre 1958 e 1962.
O plano urbanístico – figura 55 – implantado visava atender às demandas da reprodução coletiva da força de trabalho. Desse modo, a USIMINAS arcou com a construção inicial das unidades habitacionais e da infraestrutura básica, bem como 92
de vários equipamentos sociais coletivos: escolas, clubes, supermercado e hospital. Lembrando que cada bairro foi concebido com os equipamentos de comércio, serviço, lazer e a habitação. Contudo,
Desde a implantação das siderúrgicas, os dois distritos de Coronel Fabriciano - Ipatinga e Timóteo - tiveram um forte processo de urbanização/industrialização, seguido do grande crescimento populacional e econômico, culminando com a emancipação dos dois distritos em 1964. (BARBOSA, 2010, p.51)
Figura 55 – Pré-plano de urbanização: Zoneamento
Fonte: USIMINAS (1958)
Nesse
processo
de
desenvolvimento
urbano
decorrente
do
processo
de
industrialização e consequente aumento da população na região, é importante lembrar da degradação dos recursos naturais, onde as duas siderúrgicas – ACESITA E USIMINAS – se mantinham do carvão vegetal. Portanto, deve ser salientado, além 93
das transformações físicas, a completa reestruturação social, econômica e ambiental. Onde,
A construção da estrada de ferro e a instalação das siderúrgicas vieram dinamizar e orientar a forma de ocupação e a organização espacial da região. A ocupação do Vale do Aço aconteceu, principalmente, ao longo do eixo formado pela BR-381, paralela à EFVM, na planície do Rio Piracicaba, entre os extremos das duas siderúrgicas - ACESITA e USIMINAS. (BARBOSA, 2010, p.52)
No entanto, o rápido processo de urbanização não foi capaz de conter o contingente de pessoas, bem como assegurar melhores condições de vida na cidade.
As indústrias asseguraram um crescimento econômico significativo para a região, mas a rápida concentração populacional produziu uma ocupação inadequada do espaço urbano. O rápido processo de urbanização provocou uma série de problemas, tanto de ordem sócio-econômica, quanto de ordem físico-urbanística, indo desde o surgimento de favelas até a carência de equipamentos e serviços urbanos, principalmente, para a população de menor poder aquisitivo. (BARBOSA, 2010, p.53-54)
Desse modo, como na capital mineira, temos uma cidade projetada para um determinado número de pessoas, que rapidamente cresce além do controle, conformando os aglomerados subnormais ou o desenvolvimento da cidade informal, figura 56. Que diferentemente da experiência de Belo Horizonte, a Vila Operária é construída para abrigar os construtores da cidade. Entretanto, é verificado um maior número de espaços livres públicos “projetados” para a população assentada na cidade formal. Enquanto a população vivente na informalidade, em sua maioria, fica à mercê da atenção dos governos que entram e saem, sem ao mínimo sinal de políticas públicas voltadas especificamente para tal realidade constatada na cidade informal.
94
Figura 56 – Centro de Ipatinga nos anos 60
Fonte: Diário do Aço (2013)
5.3
PROCESSO DE CONURBAÇÃO URBANA
No caso do aglomerado urbano do Vale do Aço, devido as suas peculiaridades complementares, fica evidente a importância da integração dos municípios no desenvolvimento de políticas urbanas que orientem o desenvolvimento da região como um todo. Isso se torna mais evidente quando o mesmo extrapola os limites dos municípios de Coronel Fabriciano, Ipatinga e Timóteo, incorporando novos municípios – Santana do Paraíso, Belo Oriente, Ipaba e parte de Caratinga – em termos físico-territoriais e ou pela densidade de relações econômicodemográficas, figura 57.
95
Figura 57 – Mapa Aglomerado Urbano Vale do Aço
Fonte: MONTE-MÓR apud BARBOSA (2010)
É criado assim, de acordo com uma mobilização de vários prefeitos, vereadores, entre outras lideranças – apoiados no processo de conurbação urbana verificado no Vale do Aço – um Projeto de Lei que propõe a criação da Região Metropolitana do Vale do Aço no ano de 1994. Portanto, após quatro anos de tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG, é aprovada em dezembro de 1998, a Lei Complementar nº 51, já de autoria do deputado estadual Ivo José (PT), que cria a Região Metropolitana do Vale do Aço, composta por quatro municípios – Coronel Fabriciano, Ipatinga, Santana do Paraíso e Timóteo – e circundada por um 96
Colar Metropolitano formado por outros 22 municípios. Os municípios do colar são: Açucena, Antônio Dias, Belo Oriente, Braúnas, Bugre, Córrego Novo, Dionísio, Dom Cavati, Entre Folhas, Iapu, Ipaba, Jaguaraçu, Joanésia, Mesquita, Marliéria, Naque, Periquito, Pingo D'Água, São João do Oriente, São José do Goiabal, Sobrália e Vargem Alegre, figura 58.
Figura 58 – RMVA e Colar Metropolitano
Fonte: Eixo de Ordenamento Territorial PDDI ([201-] apud DIAGNÓSTICO FINAL VOL.1, p. 125)
Em 2007, é considerada a segunda aglomeração urbana de Minas Gerais, com cerca de quase 439.000 habitantes. Se considerarmos os municípios da RMVA e do Colar Metropolitano a população ultrapassa 600.000 habitantes. Porém Barbosa (2010) destaca:
97
Nos últimos dez anos tem acontecido um significativo espraiamento do tecido urbano da RMVA nas divisas dos municípios limítrofes Caratinga, Ipatinga e Santana do Paraíso. Essa área de expansão territorial, intensamente interligada à malha urbana do munícipio de Ipatinga, contribui para reforçar as relações intra e interurbanas no Vale do Aço nos aspectos da oferta de serviços públicos (saúde, educação, assistência social, transporte, etc), uso e ocupação do solo, entre outros. (BARBOSA, 2010, p.65)
Esse processo de transbordamento da cidade sobre seu entorno, verificado no atual cenário urbano, é definido por Monte-Mór como urbanização extensiva:
[…] mediante o qual o tecido urbano avança sobre o antigo espaço rural, redefinindo-o, subordinando-o e integrando-o ao sistema urbano-industrial gerado nas aglomerações metropolitanas e nos centros urbanos principais. A urbanização extensiva é assim a materialização sóciotemporal dos processos integrados de produção e reprodução, resultantes do confronto do industrial com o urbano, acrescida das dimensões sóciopolítica e cultural intrínsecas à polis. (MONTE-MÓR, 2003, p. 89 apud BARBOSA, 2010, p.66).
Nesse contexto, o processo de urbanização norteador da RMVA vai além dos limites das cidades, gerando e integrando diferentes corpografias urbanas em uma configuração urbano-industrial. O território portanto, é um complexo sistema de espaços edificados e não edificados, configurado para receber as diferentes atividades para o estabelecimento da vida humana, que relacionam-se com as diferentes escalas de tempo e espaço.
O transbordamento do tecido urbano é definido pela constante reestruturação da vida humana entre seus diferentes contextos, podendo configurar-se como urbano ou rural. Que pode ser influenciado principalmente pela implantação de empreendimentos imobiliários para fins residenciais ou equipamentos de uso público.
No entanto, esse processo, têm configurado na região metropolitana como um contexto desordenado – onde a intensa produção da cidade é pouco vistoriada e na 98
maioria das vezes autogestionada pelos próprios protagonistas da cidade, sem a orientação por exemplo de um profissional do campo da Arquitetura e Urbanismo.
5.4
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA CONSTRUÇÃO DA CIDADE
A participação popular e a autonomia do movimento acabam criando novas formas de gestão do projeto, o que contribui para o barateamento do custo final e a qualidade das moradias edificadas. Pois o mutirante é operário e fiscal, é cliente e arquiteto. Portanto, a participação popular se dá desde a discussão para escolha e desapropriação do terreno, a elaboração do projeto urbanístico e das unidades habitacionais, passando pela gestão do empreendimento, a organização do trabalho na obra, num rico e importante processo de autogestão.
Em Ipatinga, a primeira experiência em sistema de mutirão habitacional foi iniciada no Mutirão Nova Conquista (onde foram beneficiadas 105 famílias), antes mesmo da criação da Associação Habitacional de Ipatinga, no período 1988/1989. O primeiro mutirão gerenciado pela AHI foi realizado em dois bairros ao mesmo tempo. Onde foram construídas duzentas unidades habitacionais no Bom Jardim e no Bairro Bethânia, cujos conjuntos foram denominados Novo Jardim e São Francisco, respectivamente.
No entanto, “o mutirão habitacional foi regido por um regulamento de obras que determinava direitos e obrigações de cada família mutirante.” (ALICERCE, 1998, p.7). Outro fator importante é que o mutirão mantinha um quadro de profissionais contratados que era escolhido primeiramente entre os próprios sem-casa, beneficiando, assim, o mutirante desempregado que além de ter sua casa garantida ia poder se manter. Nesse processo, os mutirantes tinham acompanhamento dos gastos e os custos de cada material ou serviço através da prestação de contas mensalmente em assembleia. 99
Desse modo, os empreendimentos implantados na cidade de Ipatinga em regime de mutirão por autogestão dos recursos públicos, a AHI conquistou o respeito e reconhecimento de várias entidades e organizações não governamentais de vários pontos do país e do mundo, além de parcerias dos governos municipal e federal (AHI, 2008).
Contudo, a inclusão das pessoas no processo de construção da cidade, é uma importante ferramenta de integração e valorização das diferentes corpografias que iram se apropriar do espaço, onde os mesmos são arquitetos de sua obra, além de um barateamento considerável no custo final da obra. Podemos dizer assim, que nesse processo é estabelecido uma via de mão dupla, onde há a transferência e o aprendizado entre os diferentes protagonistas urbanos e profissionais envolvidos na concepção do projeto. Por fim, podemos denominar tal processo como um projeto de caráter socioeducativo, figura 59.
Figura 59 – Horta comunitária
Fonte: PMI ([20--?])
100
6
PROPOSTA DE TCC2
CONTEXTUALIZAÇÃO Como requisito fundamental para obtenção do título de graduação em Arquitetura e Urbanismo, o Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – UNILESTE, propõe em sua grade curricular o desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso 2 – TCC2, o qual deve atender a uma demanda ressaltada na pesquisa de TCC1. Sendo assim, o presente trabalho notou uma deficiência de espaços livres de uso público principalmente quando se trata da escala de bairro, em especial comunidades com menos poder aquisitivo. Portanto a proposta de TCC2 irá se fundamentar na aplicação de tais conceitos pesquisados, com a proposição de um equipamento socioeducativo, em uma área localizada na região do bairro Bom Jardim, na cidade de Ipatinga, marcada pelo assentamento de habitações autogestionadas pelos seus próprios moradores, em parceria com uma assessoria técnica da AHI. ÁREA DE ESTUDO A área de estudo, constitui-se em um aglomerado de habitações construídas pelo processo de mutirão. No entanto, de acordo com fontes consultadas, localizam-se dois mutirões na região do Bom Jardim, um denominado de Mutirão Primeiro de Maio
– um projeto
de
implantação
urbanística
dividido
em três partes
individualizadas, que mais tarde é denominado de Nova Conquista, Primeiro de Maio e Novo Horizonte –, e outro mais recente denominado de Mutirão Morro do Meio, figura 60.
101
Figura 60 – Localização Área de Estudo
Fonte: Prefeitura Municipal de Ipatinga / adaptado
Segundo Malard et al. (2002), O projeto para a implantação urbanística do conjunto foi feito pelo arquiteto Cássio Veloso, de Belo Horizonte. Para acompanhar a construção, a associação contratou um engenheiro, Carlos Medeiros, também de Belo Horizonte, que tinha fortes vínculos com o movimento popular. Os dois técnicos trabalharam juntos durante toda a fase preparatória. A Associação Habitacional de Ipatinga, criada no bojo do movimento popular, sugeriu ao arquiteto que projetasse uma casa para ser ampliada, de modo a atingir até três cômodos, respondendo assim às necessidades das famílias numerosas, que eram a maioria. O arquiteto elaborou uma série de propostas, que foram apresentadas à diretoria da Associação. (MALARD, 2002, p.11)
No entanto, após a análise dos projetos, a diretoria da associação escolheu uma proposta para ser encaminhada e aprovada pelas famílias. Salientamos aqui que nesse processo não houve a participação dos usuários nas tomadas de decisão sobre os projetos. Porém como observado por Malard (2002), tais projetos não eram 102
entendidos pela população, devido sua linguagem muito técnica. Desse modo, a proposta apresentada, discutida e aceita pela assembleia da Associação previa a construção de unidades habitacionais de um andar, com uma área de 39 m2 cada, em lotes variando de 140 a 180 m2. A unidade habitacional compunha-se, inicialmente, de um quarto, uma sala, uma cozinha e um banheiro; a ampliação previa a construção de mais um andar, com um salão que cobria quase inteiramente o espaço do primeiro andar; nele seriam deixadas as amarrações e esperas para facilitar sua divisão em três quartos e um banheiro. A área total da casa seria de 78 m2. (MALARD, 2002, p.11)
Contudo, segundo Malard (2002), o projeto de implantação urbanística do conjunto conjuga com a racionalização do espaço disponível com as características morfológicas da área, como: declives íngremes, lençol freático muito superficial, uma nascente, um brejo e um morro com fortes processos de erosão. Onde sua implantação, ilustrada na figura 61, individualizam-se em três partes: A primeira − a mais periférica − possui 90 unidades habitacionais; localizase ao lado da parte inicial da estrada das Lavadeiras, uma estrada de terra que liga o bairro Bom Jardim com a rodovia BR 381, na direção Coronel Fabriciano − Timóteo. Nessa parte podem ser identificados três setores: um com 40 casas, que é o elemento de junção do conjunto com o bairro préexistente; outro, pouco articulado urbanisticamente, com uma fileira de casas ao longo da rua; um terceiro, na franja extrema do conjunto, no qual o projetista criou um pequeno agrupamento de 29 unidades habitacionais, articulando um espaço que favorecesse o convívio entre os moradores. A segunda parte do conjunto situa-se acima da nascente e inclui 58 casas, a maioria localizada numa área plana. As casas são articuladas como um pequeno núcleo urbano. É uma das partes mais bem cuidadas pelos moradores e, por isso, é a menos degradada de todo o conjunto. A terceira parte é composta por 52 casas dispostas ao redor do morro, ao longo de uma rua que liga o Novo Jardim São Francisco com a segunda parte do conjunto. Do ponto de vista espacial, essa terceira parte parece uma continuação do Novo Jardim São Francisco; somente o seu setor central é mais coeso, com vielas perpendiculares à rua, e casas geminadas formando pequenos agrupamentos. (Malard et al., 2002, p.12)
103
Figura 61 – Mapa do Conjunto Primeiro de Maio
Fonte: Conti (1999)
Após a implementação de todo o Conjunto Primeiro de Maio, surge a proposta do Mutirão Morro do Meio, que é entregue aos moradores no ano de 2005, figura 62. Figura 62 – Implantação Conjunto Morro do Meio
Fonte: Conti (1999), adaptado pelo autor
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O Mutirão Morro do Meio, em vermelho, não foi pensado de forma integrada com o que já havia ocupando o entorno. Nesse sentido, após a apropriação do espaço, uma escada é concebida no intuito de integrar o morro à paisagem circundante, melhorando o deslocamento entre a vizinhança. Segundo Lucigrei Souza (2015), moradora do Mutirão Morro do Meio e Auxiliar Administrativa da Associação Habitacional de Ipatinga, a escada encurtou o caminho de acesso a pé entre os morros vizinhos e os equipamentos públicos existentes (praça e creche), figura 63. Figura 63 – Integração Regionalizada
Fonte: Conti (1999), adaptado pelo autor
Podemos observar no diagrama acima, que a praça situa-se ao centro da aglomeração urbana, entretanto a mesma não é utilizada nem durante o dia. Lucigrei Souza (2015) complementa dizendo que durante a noite, a escada é ocupada por usuários de drogas, estabelecendo-se assim um processo de gentrificação do espaço pela marginalidade, o que contribui ainda mais no empobrecimento da experimentação dos espaços livres urbanos. 105
MAPEAMENTO FOTOGRÁFICO Em visita ao local, percebemos as constantes transformações decorrentes do modelo de autoconstrução. Onde o significado da coletividade se perdeu frente a uma construção individualista, estabelecida pelo próprio sistema econômico. Com calçadas obstruídas por materiais de construção, edificações que invadem o espaço público, praça e vazio urbano inabitado e ainda uma pequena tentativa de humanização de micro-espaços residuais, figura 64. Figura 64 – Configuração Atual do Aglomerado
Fonte: Autor 106
Entretanto segundo Malard et al. (2002), são identificados alguns conflitos que podem ter gerado tais configurações atuais. Sendo eles agrupados em: conflitos com a falta ou a precariedade da urbanização adjacente à habitação; conflitos decorrentes de expansão não programada em projeto; conflitos decorrentes da insuficiência ou falta de equipamentos e instalações domiciliares; conflitos decorrentes da inadequação dos acabamentos internos; e conflitos decorrentes da inadequação dos elementos determinantes da aparência externa da edificação. Contudo, observa-se um grande processo de transformação ambiental, quando comparado com o que foi entregue à população na época, figura 65, 66 e 67. Figura 65 – Área central do Conjunto 1º de Maio
Fonte: AHI ([20--]) 107
Figura 66 – Morro do Meio
Fonte: AHI (2004)
Figura 67 – Vista Morro do Meio à partir da Igreja
Fonte: AHI (2004) 108
PROPOSTA A proposta de concepção do projeto se baseia na estruturação do cenário já consolidado e projeções já estabelecidas pela própria prefeitura de Ipatinga. No entanto, o foco do projeto será a ressignificação do sistema de espaços livres com a implantação de um projeto socioeducativo em área livre ao lado da atual praça existente, criando um grande espaço de integração social, figura 68. Figura 68 – Diagrama proposta
Fonte: Conti (1999), adaptado pelo autor
Serão assim, realizadas oficinas e/ou intervenções junto ao grupo de extensão acadêmica da Unileste – Habitar, coordenado pela professora Kenia Barbosa (2015), que têm como objetivo a realização de atividades socioeducativas junto aos morados dessa aglomeração urbana.
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As atividades abordarão aspectos da arquitetura e urbanismo, em especial, percepção de paisagem e pertencimento, urbanização brasileira, acessibilidade, legislação urbanística, produção dos espaços públicos e das moradias. Nesse sentido, o projeto contribui para promover a autonomia e o protagonismo social dessas famílias. Essas atividades serão realizadas em parceira com o Departamento de Habitação da Prefeitura Municipal de Ipatinga. Ao trabalhar com as famílias, envolvendo adultos, crianças e jovens, permite que diferentes gerações possam dialogar e discutir sobre suas histórias e o território em que convivem. (BARBOSA, 2015, p.1)
Entretanto, as atividades propostas nortearão na concepção de tal equipamento socioeducativo. Que depois será gerido pelos próprios moradores.
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CONCLUSÃO
O espaço urbano como estrutura de constantes reestruturações e intervenções, desde os primórdios, é palco das manifestações culturais do homem com o mundo. Onde os espaços livres em processos de ressignificação vem ganhando novas abordagens na cidade contemporânea. Assim, os contextos urbanos, que sempre foram palcos de transformações e interações sócio-políticas, econômicas e culturais, se vêem envoltos em uma teia complexa de relações da qual a arte é parte constitutiva e construtora, podendo ser um importante agente estimulador e fazedor das mudanças dentro de uma sociedade. (FREITAS, 2005, p.2).
Para Daniel Portugal (2013), doutor em comunicação e cultura pela UFRJ, os elementos semióticos e estéticos além de suas particularidades materiais atuam na composição do espaço urbano – Onde comparando aos estudos de Fabiana Britto e Paola Jacques (2008) diz que a cenografia e corpografia tratada por ambas referemse a um espaço urbano imagicizado (espaço de circulação de imagens), ressaltando a cenografia como imagicização de ordem espetacular e a corpografia como ordem sensível (experiência corporal). Paola Berenstein Jacques (2008) define assim a corpografia como o corpo errante: O errante é então aquele que busca o estado de espírito – ou melhor, do corpo – errante, que experimenta a cidade por meio das errâncias, que se preocupa mais com as práticas as ações e os percursos do que com as representações, as planificações ou as projeções. O errante não vê a cidade somente de cima, em uma representação tipo mapa, mas a experimenta de dentro. (JACQUES, 2008, p.53).
A cenografia é então uma outra forma de representação abstrata da imagem que se sobrepõe à experiência corpográfica, inibindo-a. Processo pelo qual chamamos de espetacularização das cidades. Diante de tais fatos, Freitas (2005) afirma que: No pós-modernismo, o processo de estetização do cotidiano e, consequentemente, do espaço público, tem uma de suas bases apoiadas na aceleração promovida pelos novos meios tecnológicos, como a informática, que acelerou os modos de acumulação e produção de capital, proporcionando a divulgação ampla de informações. Instaura-se assim um 111
fluxo veloz de informações através de imagens, signos que saturam cada vez mais as relações da vida cotidiana e de todas as suas formas de reprodução social e que, para Baudrillard, constitui a cultura pós-moderna como um mundo simulacional, no qual se aboliu a distinção entre realidade e imagem, estetizando-se a vida cotidiana. (FREITAS, 2005, p.5).
Vivemos assim, a imagicização do espaço real e uma massificação cultural em resposta a um capitalismo avançado, onde “[…] a reafirmação das diferenças pela imagem da cultura local torna-se um importante elemento na reconquista da identidade de cada nação” (FESSLER; JACQUES, 2001 apud FREITAS, 2005, p.6). Porém, a mesma globalização que reafirmou identidades, trouxe também a mercantilização cultural pela lógica capitalista. “Neste sentido, Otília Arantes (2002) alerta para o uso mercadológico da cultura e da arte, e a política agressiva de marketing para vender os bens e serviços simbólicos produzidos pela cidadeempresa-cultural.” (ARANTES, 2002 apud FREITAS, 2005, p.6). Onde se vivência o território da espetacularização urbana e o processo de gentrificação do espaço. O qual, […] temos como resultante um limite tênue entre uma produção artística com propósitos puramente de visibilidade e a possibilidade de uma produção que constitua vínculos mais profundos com a cidade, tanto esteticamente, como socialmente. Ao pensarmos a relação entre arte e cidade, entendemos o fenômeno artístico como algo que transcende as suas dimensões estético-estruturais, inserindo-se em universos mais amplos da cultura e assumindo significados que se configuram como referenciais importantes para a caracterização da identidade dos contextos urbanos e para a formação do imaginário das pessoas que habitam e convivem cotidianamente nesses espaços. Deste modo, cabe questionarmos se estas investigações relacionam-se com valores construídos socialmente e historicamente pela participação ativa da sociedade, formando uma teia de significados que representam rupturas, continuidades e escolhas dos próprios cidadãos. (FREITAS, 2005, p.6-7).
Portanto, o desafio contemporâneo é como modificar os diferentes cenários, na proposição de espaços que vá de encontro com as diferentes sociedades e que sejam lugares da democratização e inclusão social das diversidades. Deste modo: […] a arte urbana deve atuar como mediadora responsável e competente em nível de sensibilização para que o diálogo entre cidadão- espaço urbano e obras artísticas seja íntimo e profundo, suplantando as leituras superficiais e proporcionando a formação do pensamento estético, histórico e social capaz de participar da construção de diferentes olhares sobre a cidade. (FREITAS, 2005, p.10) 112
Por fim, a Arquitetura e o Urbanismo desempenham um papel crucial na reestruturação das cidades, onde deve-se sempre buscar o planejamento e concepção de projetos a partir da dimensão humana. E mesmo com os diferentes contextos urbanos e socioeconômicos estruturadores na formação das cidades, percebemos em geral um empobrecimento das experiências urbanas. A qual, devido a dimensão e as variadas configurações do território brasileiro, ficam mais evidentes a dificuldade das políticas urbanas em reestruturar os diferentes sistemas de espaços livres. Por isso, ações pontuais devem partir da população civil, levando em conta os variados cenários em que se inserem.
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REFERÊNCIAS
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urbana
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APÊNDICE A
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ANEXO A
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ANEXO B
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ANEXO C
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ANEXO D
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