NARRATIVAS URBANAS: Timóteo, Cidade In-formal SILVA, RONALDY. (1); BARBOSA, KÊNIA. (2) 1. Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILESTE-MG). Escola Politécnica - Curso de Arquitetura e Urbanismo Av. Tancredo Neves, 3500, B. Universitário, 35170-056 - (31) 3846-5500 Ronaldy.silva@hotmail.com 2. Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (UNILESTE-MG). Escola Politécnica - Curso de Arquitetura e Urbanismo Av. Tancredo Neves, 3500, B. Universitário, 35170-056 - (31) 3846-5500 Keniabarbosa@gmail.com
RESUMO Estudar e compreender a cidade contemporânea têm sido um exercício de complexas abordagens, onde depara-se com a necessidade de buscar novas formas de narrativas urbanas. Desse modo, utilizamos do conceito de deriva defendido pelo situacionista Guy Debord como a prática onde se pretende apreender o espaço como uma experiência vivida contra espetacular. No entanto, com uma análise crítica voltada para os espaços livres urbanos e suas relações com as múltiplas formas de experiência e estruturação da vida urbana, o presente artigo busca narrar o método da deriva como princípio de apreensão e experimentação da cidade vivida. Vislumbrando uma cidade que se emerge diante da macroescala hegemônica (cidade invisível) e se impõe como uma resistência ou micropolítica, fortalecendo a ideia de espaços biopotentes – responsável pela inclusão dos múltiplos atores que constroem e experimentam a cidade de fato. Contudo, a aplicação e análise do método da deriva sofre uma série de problematizações no decorrer de sua pesquisa, onde devido à complexidade do tema abordado acaba se focando somente na cidade de Timóteo-MG. O trabalho divide-se em: Introdução (abordagem acerca dos espaços livres urbanos e suas contradições com um enfoque na relação corpo-cidade); Forma Urbana e a Cidade Espetáculo (inter-relação entre desenho urbano e cidades excludentes); Política de Resistência como Método de Apreensão Urbana (o corpo como um processo contra hegemônico); Teoria da Deriva (explicação do conceito de deriva defendido por Guy Debord); A Construção da Narrativa (apresentação da experiência inicial, pautada em uma apreensão urbana realizada na Região Metropolitana do Vale do Aço - RMVA e seus desdobramentos); Deriva In-formal (a relação entre corpo e cidade na prática tendo como campo de estudo a cidade de Timóteo); e Conclusão (observações acerca das experiências realizadas e a importância da abordagem de novas metodologias para o reconhecimento da cidade invisível/informal e respectivamente para a construção de fato da cidade democrática). Palavras-chave: Narrativas Urbanas; Espaços Livres; Deriva; Espaços Biopotentes.
Introdução Partindo da cidade como um espetáculo teatralizado da vida urbana, encontra-se nos espaços livres urbanos um potencial valor de ativação da vida pública, onde o constante caos entre diferentes meios de locomoção, pessoas, sons, aromas e entre outros, fazem do espaço urbano um lugar de pertencimento, memória, mercadoria e variados significados. Os espaços livres que segundo Miranda Magnoli (2006), no início de seu estudo era tratado como espaços ociosos e vazios a serem edificados, evoluiu para o lugar que se manifesta diante da paisagem ganhando novos sentidos. Um contraponto a esta discussão é a vida moderna com sua cultura de massa que passa a artificializar as próprias relações sociais que têm sido cada vez mais efêmeras. Contudo, a cidade que deveria ser o palco das experiências efetivas, tornou-se o lugar da resistência ou micropolítica do corpo espetacularizado – influenciável e violentado pela macroescala hegemônica. Portanto, torna-se fundamental problematizar a questão das relações entre corpo e cidade, pois ambos se relacionam, inscrevendo assim experiências nesse corpo humano quanto no corpo desencarnado impregnado de vida que chamamos de cidade. Essa relação é tratada por Fabiana Britto e Paola Jacques (2008) – em seus estudos junto à Universidade Federal da Bahia (UFBA) – como corpografia, onde acreditam que a prática urbana é o princípio para construção de cidades democráticas, vivas e resistentes à espetacularização da macroescala.
Forma Urbana e a Cidade Espetáculo O tratamento dado a forma urbana tem construído cidades higienizadas, homogêneas, excludentes e rebeldes. Onde as pessoas vêm deixando as ruas para viverem trancafiadas em muros, condomínios fechados e centros comerciais. Todavia, a rua como espaço emancipatório do cidadão passa a ser local de passagem e competição, seja por vagas de estacionamento ou disputa pela melhor imagem – fachadas comerciais, propagandas sonoras, entre outras artificializações sociais. Esse desenho urbano nos permite então ler a cidade, seja uma macroescala ou microescala, onde ambas se cruzam e formam a cidade como um todo. Porém a leitura e sua compreensão exige um exercício prático que deve narrar uma situação-problema enfrentado pelo cotidiano de nossas cidades. Entretanto, o que criticamos aqui não é a luta HABITAR 2016 Belo Horizonte, de 23 a 25 de novembro de 2016
pela melhor imagem, e sim a falta de singularidades que é excluída com a inclusão de uma cultura hegemônica homogeneizadora, onde: Sua morfologia global é sentida de maneira orgânica, antes de qualquer construção da representação, pelo imediatismo de nossos modos de apreensão. Ao contrário, a exposição da cidade, as maneiras de pensá-la, de representá-la, se cristalizam em torno da imagem. Somos forçados a olhá-la como imagem de si mesma, a vê-la como exposição (JEUDY, 2005, p. 118).
Contudo, é clara a construção de cidades díspares que se inter-relacionam em suas diferenças e processos de inclusão. É preciso assim, desconstruir essa imagem de cidade ideal ou utópica que vem excluindo culturas locais e suas singularidades.
Política de Resistência como Forma de Apreensão Urbana A cidade que por um lado exclui diferenças, por outro lado constrói um universo paralelo ao espetáculo hegemônico. Desse modo, na base da resistência, corpos e espaços ordinários são constantemente construídos e reinventados na tentativa de serem incluídos na cidade dita “formal” e “democrática”. Uma cidade inclusive para poucos, onde se prioriza interesses individuais e hegemônicos. Entretanto, a ideia de corpografia prevalece como uma “[…] microresistência ao empobrecimento da experiência urbana pelo processo citado de espetacularização das cidades […]” “[…] que vai da estética do espaço urbano (cidade como obra de arte) à estética no espaço urbano (obra de arte na cidade) […]” (BRITTO; JACQUES apud SILVA, 2015, p.57-58).
Nesse contexto, nota-se a urgência de apreender as micropolíticas impostas no espaço urbano, entendendo as potencialidades das mesmas e as deficiências dos projetos urbanísticos, na proposição de intervenções pontuais que possam dialogar de forma mais humana com as pessoas que de fato ocupem tais espaços. No entanto, sabendo das inúmeras complexidades envolvidas nesse contexto, é necessário buscar diferentes métodos para a compreensão dessa questão que têm aniquilado as diferentes formas de relações sociais que são construídas no vasto sistema de espaços livres urbanos – sobretudo nas centralidades urbanas.
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Teoria da Deriva A deriva surge nos discursos de Guy Debord quando ainda pertencente ao movimento Letrista, onde o mesmo se desliga por julgar as atividades do grupo e principalmente por ser mais uma tentativa de renovação estética das artes, fundando-se assim um novo grupo que se intitulou como um “movimento de esquerda” do letrismo, propondo vivenciar a revolução cultural e elaborar novos métodos de intervenção na vida cotidiana. O grupo utilizava-se, no entanto, de uma plataforma denominada de Potlatch, onde todos os diálogos e ideais dos letristas eram publicados. Em contrapartida, o Movimento Internacional por uma Bauhaus Imaginicista (MIBI) teve forte contribuição para os ideais do grupo, no entanto, com o texto “Uma Arquitetura da Vida” publicado no boletim Potlath, Asger Jorn como fundador do MIBI, estabeleceu uma aproximação com a Internacional Letrista, onde propuseram a realização do “Primeiro Congresso Mundial de Artistas Livres” no ano de 1956 na Itália. Dessa experiência têm-se a origem da Internacional Situacionista, fundada de fato no ano de 1957 (HOME, 2004 apud LIMA, 2014). Contudo, “O termo situacionista, no sentido da Internacional Situacionista, é exatamente o contrário do que se chama agora em português um ‘situacionista’, isto é, um partidário da situação existente” (IS, 1958 apud SOUSA, [20--], p.3). O movimento buscava então uma subversão da cidade como espetáculo do capital, estabelecendo a criação de novas formas de experimentar e intervir no espaço cotidiano das pessoas. Defendiam assim um Urbanismo Unitário – “teoria do emprego conjunto de artes e técnicas que concorrem para a construção integral de um ambiente em ligação dinâmica com experiências de comportamento” (IS, 1958). Contudo, a ideia de construir situações como forma de mudar e emancipar as pessoas pelo próprio cotidiano não era algo simples. “A construção de situações é uma ideia complexa que envolve um conjunto de ações e conceitos que a compõe, esses são: comportamento experimental, deriva, psicogeografia, jogo permanente, desvio, urbanismo unitário e arquitetura situacionista” (LIMA, 2014, p.1). Desse modo, a deriva compreende em assumir uma ação de forma experimental e consciente pela técnica da passagem rápida por ambiências variadas. Por fim, a deriva é a prática onde se pretende apreender o espaço como uma experiência vivida contra-espetacular. Debord afirma assim em seu texto “Teoria da Deriva” que essa experiência é construída por duas ações indissociáveis, onde temos o “[…] reconhecimento de efeitos de natureza psicogeográfica e a afirmação de um comportamento lúdico-construtivo.” (DEBORD, 1958 apud JACQUES, 2003, p. 87). Ressaltamos, porém, que a origem da prática de apreender o espaço vivido HABITAR 2016 Belo Horizonte, de 23 a 25 de novembro de 2016
pela ação do andar, foi tratada por Walter Benjamin pela figura do flâneur, vivido por Charles Baudelaire. [...] uma distinta figura do começo do século XIX em Paris, retratado como um observador lento e desinteressado do cenário urbano, saboreando o prazer de perder-se entre a multidão, se tornando um espectador secreto das transformações da cidade em seu processo de modernização (LIMA, 2014, p.1).
Assim como na deriva, Walter Benjamin apreendia o espaço vivido com a utilização de técnicas na busca de um sentido e criação de uma narrativa. Sendo três procedimentos, representados em três figuras: o arqueólogo, o colecionador e o flâneur. Onde o arqueólogo assume seu papel de escavador do passado, enquanto o colecionador coleta o objeto de seu contexto original, revelando a sua essência escondida pelo espetáculo urbano, através de técnicas como a montagem – processo que fazia emergir novas possibilidades de experiência. O flâneur pode ser considerado, portanto, como o personagem que atravessa a cidade procurando através dos labirintos das passagens e das massas, as imagens, as quais serviram de ponto de partida para a complexa noção de Benjamin de “imagem dialética”. “No momento em que essas imagens sobrepõem o passado e o presente, elas iluminam uma “constelação”, a qual promove um instante de iluminação e o despertar do mundo dos sonhos coletivos das mercadorias” (BASSETT, 2004 apud LIMA, 2014, p.1). Constatamos assim, que a deriva enquanto método de apreensão pautada em determinada narrativa, pode nos dar indícios e caminhos para a compreensão de tal problemática. Tratando do sistema de espaços livres, buscamos analisar a cidade que de fato sobrevive diante da espetacularização urbana ou está no mundo dos sonhos das pessoas.
A Construção da Narrativa O andar como forma de apreensão urbana e análise do espaço psicogeográfico exige certo posicionamento crítico do artista devido à complexidade de cada contexto histórico. Portanto, apresentaremos aqui a origem e desenvolvimento da deriva que foi adotada inicialmente na Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA). Com a constatação de uma expressiva diminuição da experiência urbana – sobretudo nos espaços livres urbanos que se manifestam diante da paisagem e ganham novos significados – e o estudo de alguns autores já retratados aqui, ficou claro a necessidade de vivenciar o espaço urbano buscando um sentido que pudesse explicar tamanha complexidade. Desse HABITAR 2016 Belo Horizonte, de 23 a 25 de novembro de 2016
modo, parte-se para a construção da deriva, onde foi escolhido três centros urbanos distintos, sendo eles pertencentes à cidade de Coronel Fabriciano, Ipatinga e Timóteo – ambos localizados na RMVA –, com o objetivo de apreender as micropolíticas estabelecidas pelo corpo nos espaços livres urbanos. Entretanto, como a cidade é um espaço vivo que se transforma variadas vezes devido às ações realizadas em seu espaço geográfico – influenciadas inclusive pelo dia, horário, lugar, não-lugar, etc –, as variáveis de análise se focaram inicialmente nos dias da semana – sendo um dia de segunda à sexta, um sábado e um domingo – e nos diferentes horários que compõem o dia – manhã, tarde e noite. Salientamos que as derivas não eram feitas necessariamente em todos os horários em um mesmo dia e nem em uma mesma cidade, pois essas três cidades da região metropolitana são próximas e assumem uma dinâmica de interdependência, mesmo com suas peculiaridades. No entanto, a estratégia para documentação da ação se dava pelo uso de mapas impressos (FIG. 1) que eram utilizados pelo pesquisador como base para localização e demarcação dos pontos referentes às ações, espaços, corpos, etc. Sobretudo o registro de culturas e micropolíticas emergentes – ocupações e gestos urbanos que não foram pensados ou negligenciados pelos macroprojetos urbanos.
FIGURA 1 - Deriva10 (16/03 no Centro de Timóteo, de 16:00h à 17:35h) Fonte: Acervo pessoal do autor, mar. 2016.
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Contudo, como objeto de apoio à esta cartografia, era utilizado uma máquina fotográfica para o registro da imagem e um celular na gravação do áudio-ambiente – quando julgado necessário devido apreensões que estavam muitas vezes na voz ou no próprio som do local. Contudo, descobriu-se – no decorrer das derivas – que o tempo de deriva, quantidade de micropolíticas e qualidade das mesmas são processos distintos, porém interrelacionados. No entanto, percebeu-se uma clara dicotomia entre espaços espetaculares e micropolíticas de resistência que mesmo em um processo de precariedade são ainda assim resistentes. Dando indícios de espaços biopotentes – “[...] modos de espacialização singulares, alternativos àqueles calcados na mera reprodução dos modelos de sujeição capitalísticos” (BERQUÓ, 2015, p.9). Outra questão de extrema complexidade observada são os modos de relações de corpos entre corpos, onde focamos na questão do gênero e observamos a figura do homem e da mulher – não desmerecendo outras identidades de gênero e sabendo da problematização do tema. Onde constatamos uma maior ocupação dos espaços livres urbanos pela figura do homem. Um problema que já vem sendo discutido pelo pesquisador Júlio Assis Simões (2008), chegando numa proposição de desconstrução dessa ideia de inferioridade dada à certos corpos, portanto propõe a criação de espaços que representem outras possibilidades de conexões entre a sexualidade, o desejo e o território. Nessa experiência do artista tradutor de experiências, verifica-se uma repetição dos processos emergenciais nas três cidades analisadas (FIG. 2), onde podemos observar que os centros urbanos devido a concentração de um grande número de serviços – o que faz desse lugar um grande aglomerado de pessoas –, possui variadas formas de relações sociais em seus espaços livres, e em contrapartida constatamos também uma homogeneização da pobreza – seja ela nas formas de trabalho ou nas experiências urbanas estabelecidas nesses espaços. Contudo, o corpo que predispõe à interpretar o outro é constantemente influenciável por desejos individuais. Desse modo, nota-se a necessidade de colocar os atores sociais para fazerem o papel do artista enquanto narrador de suas próprias histórias.
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FIGURA 2 - Homogeneização de espaços emergentes, da direita para a esquerda, Timóteo, Coronel Fabriciano e Ipatinga. Fonte: Acervo pessoal do autor, mar. 2016.
DERIVA IN-FORMAL Deriva In-formal surge assim como um evento, onde se propõe a introdução do ator social no processo de deriva, com o objetivo de fazer desta ação uma revolução do cotidiano usando a própria cidade como espaço emancipatório e educativo das pessoas. No entanto, passa-se à adotar somente o Centro-Norte da cidade de Timóteo-MG, devido a complexidade do assunto abordado, repetição das micropolíticas de resistência e as fortes características modernistas presentes no Centro-Norte de Timóteo. Desse modo, trabalhamos na produção de um questionário que foi disponibilizado em uma plataforma online. Onde o mesmo nos possibilitou entender a grande diversidade de público que estávamos trabalhando, formado por características divergentes e complementares. Contudo, partimos para um processo de análise e montagem de uma deriva-guiada pelo proponente da atividade. Nesse processo emergem símbolos, memórias, significados, resistências, cultura hegemônica, singularidades, etc. Onde tira-se algumas informações – pelo fato de não corresponderem ao intuído da pesquisa – e assim cria-se uma deriva teatralizada pelas próprias pessoas. Confirmamos o forte marco cultural da cidade de Timóteo no imaginário das pessoas e a grande vontade de viverem tais experiências novamente, mas percebemos também uma grande contradição nas propostas de cidade na qual elas queriam, onde podemos ressaltar a criação de mais estacionamentos para dar lugar a mais carros. Desse modo, o evento foi formulado na proposição de criar um posicionamento crítico das pessoas em relação à cidade em que estabelecem diferentes relações sociais. No entanto, na tentativa de abranger um número razoável de participantes que se interessavam com a HABITAR 2016 Belo Horizonte, de 23 a 25 de novembro de 2016
proposta, o evento foi disponibilizado em plataforma do facebook e aberto à população em geral, entretanto, divulgado pela página Cidade In-formal e abordado por mídia local. Como precaução e estratégia pensada, estabeleceu-se contato com as Brigadas Populares - Vale do Aço, para intermediarem o contato entre pesquisador e a ocupação Terra de Canaã – ocupação urbana localizada na periferia da cidade de Timóteo. Para tanto, teve como objetivo colocar essa população vivente em condições precárias de moradia e em situação de resistência para estabelecerem um contato experimental com esse centro que é ainda mais espetacularizado para as mesmas. Selecionamos assim, um público de 18 pessoas formado por diferentes idades e gênero, pertencentes ao contexto das ocupações urbanas. A ação marcada para iniciar ás 9 horas do dia 14 de maio em uma manhã de sábado é quase adiada pelas condições temporais, mas devido à uma trégua da chuva, dá-se prosseguimento à atividade. Assim sendo, com os imprevistos do acaso, a ação acontece com oito pessoas – sendo sete da ocupação Terra de Canaã e um colaborador que se propôs a vivenciar tal experiência. Frisamos que todos são colaboradores nesse processo inter-relacional que se constrói e desconstrói em sua prática pelos atores sociais. Portanto, a ação projetada com uma ocupação cultural marcada para acontecer ao final da caminhada é colocada como abertura e o lanche distribuído antes de dar início ao processo de deriva (FIG. 3).
FIGURA 3 - Ocupação do Coreto da Praça Primeiro de maio em Timóteo. Fonte: Arquivo pessoal do autor, mai. 2016.
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Na ocupação do Coreto – ponto mais lembrado nas memórias das pessoas – tivemos a exposição do coletivo Enredo Urbano abordando personagens invisíveis da região; Projeto Literatura na Praça com livros e fantasias para a criançada vivenciar o lúdico das histórias; varal de poesias que questionavam a cidade-comércio; e muita troca de experiências. Após essa vivência que foi de suma importância como introdução ao processo de deriva, tivemos um rápido lanche ao ar livre – onde percebia-se que as pessoas estavam carregadas de informações e confusas com a proposta. Desse modo, iniciamos nossa caminhada pelo centro da cidade, experimentando cada espaço mapeado no trajeto elaborado e descobrindo novos espaços à medida que as memórias iam surgindo, e as dúvidas iam sendo questionadas. Viver o centro – pelo processo de deriva – para a maioria dessas pessoas estava sendo uma descoberta, por mais que algumas já haviam tido anos de experiência com esse centro, em sua maioria, relatavam nunca terem reparado nos detalhes, ou nas micropolíticas e resistências de tal centro urbano, e sentiam-se pertencidas a esse centro a cada imagem coletada. Contudo, nessa ação prática, puderam vivenciar as muitas contradições existentes no espaço urbano, inclusive, se tratando da população vivente em situação de informalidade, onde encontraram situações parecidas e relacionadas com as suas, ressaltando o caso do vendedor ambulante como um comércio informal resistindo a toda contradição que a própria cidade não dá conta de acolher com políticas públicas inclusivas e entre outras complexidades. Podemos verificar assim, que o objetivo da proposta foi alcançado, ainda mais, quando analisamos as imagens coletadas (FIG. 4) e vemos a singularidade no retrato de cada pessoa, que ao final se correlacionam na crítica que nos propomos a construir por um processo efetivado pela prática do caminhar, na apreensão das micropolíticas de resistência por dispositivos fotográficos, e nas etnografias descritas por alguns durante o caminhar.
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FIGURA 4 - Exemplo de algumas Cartografias Emergentes coletadas no centro de Timóteo. Fonte: Acervo pessoal do autor, mai. 2016.
Por fim, salientamos a necessidade de abordar uma linguagem de maior compreensão, utilizando-se talvez de outros artifícios para com as pessoas, que por mais interessadas e curiosas com a questão, nem sempre possuem uma escolaridade que dê conta de compreender tais complexidades – onde a questão é ainda mais crítica se tratando de pessoas que vivem em condições subnormais.
CONCLUSÃO Analisando o processo de deriva, nos deparamos com um mesmo problema de pesquisa, que é a dificuldade de traduzir experiências e transformar estas em um produto. Verificado na apreensão do artista enquanto narrador e observador; e quando entramos no campo da HABITAR 2016 Belo Horizonte, de 23 a 25 de novembro de 2016
antropologia – mais especificamente na antropologia do espaço – e estabelecemos uma relação com o outro ou vários outros, utilizando da etnografia como técnica de tradução do que se quer dizer com as apreensões dos vários autores. No entanto, Alessia de Biasse (2012) nos propõe a fazer uma articulação entre arquitetura e urbanismo com a antropologia do espaço na base da negociação. A cidade vista como algo profundamente material, em contínuo movimento e negociação, se tornou então o contexto adequado para nossa antropologia. Do nosso passado e de nossa estimulante ancoragem dentro de uma escola de arquitetura, nós escolhemos herdar o savoir-faire com esta “materialidade”, o saber trabalhar com o “concreto” que, como se sabe, deriva de cum + crescere, crescer junto (BERQUE, 2010 apud BIASE, 2012, p. 199).
Desse modo, não podemos negar o autor observador do espaço e nem excluir as relações sociais. Devemos assim, percorrer os diferentes campos dos saberes para nos posicionarmos como críticos de uma arquitetura e urbanismo que se articule com os desejos humanos, havendo negociação entre as suas formas concretas e interações sociais, na proposição de fato da Cidade In-formal – a qual está em constantes transformações e a qual nos motiva em seguir em frente acreditando em uma cidade que de fato transforme a vida das pessoas. No entanto, se tratando da implementação de projetos que atendam ao sistema de espaços livres, para o seu real uso ou efetivação, será obrigatório uma equipe transdisciplinar, abordando suas inúmeras problemáticas, sendo de muita importância o apoio do município e políticas que favoreçam a ocupação de tal espaço na maior parte do dia, o que irá trazer movimento ao local, colaborando na diminuição dos índices de criminalidade e preservação do espaço. Portanto, é fundamental estabelecermos o contato com o outro ou vários outros, na busca do entendimento das diferentes realidades e contextos, utilizando-se de diferentes métodos, carga teórica e prática. Sempre pensando em diferentes negociações e soluções, com uma atenção ainda maior tratando-se do sistema de espaços livres, pois nestes trabalhamos com um público de maior complexidade, que se divergem e complementam, sejam em suas diferenças ou características comuns. No entanto, é nosso papel como construtor de cidades, pensar e elaborar tais projetos, articulando-os com a paisagem local, levando em consideração as diferentes políticas existentes, contribuindo assim para a construção de cidades sustentáveis e inteligentes.
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Por fim, nós como arquitetos e urbanistas não devemos desvincular a arquitetura do urbanismo, pois o fazer cidades requer pensar articulações, mediações e desdobramentos que nem sempre a arquitetura por si só consegue responder, precisando assim de uma transdisciplinaridade que passa por outros saberes. Poderíamos assim, pensar novas articulações para a implementação das micropolíticas nos projetos urbanos – lembrando assim que deve-se haver uma negociação durante esse processo. Portanto é preciso andar pelas cidades, sairmos dos escritórios e viver de fato essa cidade, estabelecendo relações efetivas, corpo a corpo, na proposição de uma arquitetura que desperte o viver as cidades, onde acredita-se que é o caminho para a construção de espaços democráticos, vivos e resistentes à espetacularização da macroescala.
REFERÊNCIAS BERQUÓ, Paula. A ocupação e a produção de espaços bipotentes em Belo Horizonte: entre rastros e emergências. Belo Horizonte: UFMG, 2015. BIASE, Alessia de. Por uma postura antropológica de apreensão da cidade contemporânea: de uma antropologia do espaço a uma antropologia da transformação da cidade. Redobra, Salvador, n. 10, p.190-206, 2012. BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Cenografias e Corpografias Urbanas: um diálogo sobre as relações entre corpo e cidade. Cadernos PPGAU/UFBA, v. 7, n. 2, 2008. IS - INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Situacionista: teoria e prática da revolução. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2002. JACQUES, Paola Bernstein (Org.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade/ Internacional Situacionista. Tradução Estela dos Santos Abreu.1. Ed. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. JEUDY, Henri-Pierre. Espelho das cidades. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2005. LIMA, Rodrigo. Surrealismo e a Internacional Situacionista: deambulações e derivas. In: XIII SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DE CIDADE E DO URBANISMO, 2014, Brasília. Anais … PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo. Brasília: Universidade Brasília Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014. Disponível em: <http://www.shcu2014.com.br/content/surrealismo-e-internacional-situacionistadeambulacoes-e-derivas>. Acesso em: mai. 2016. MAGNOLI, Miranda Martinelli. Em busca de "outros" espaços livres de edificação. Paisagem e Ambiente, n. 21, p. 141-173, 2006. SÁ, Teresa. Lugares e Não-lugares em Marc Augé. Artitextos 03, 2006.
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