Consultas em Psiquiatria - 2ª Edição - Ricardo Alberto Moreno - 2018

Page 1

RICARDO ALBERTO MORENO TÁKIATHANÁSSIOS CORDÁS ORGANIZADORES


Nota: A Medicina é uma ciência em constante evolução. À medida que novas pesquisas e a própria experiência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias modificações na terapêutica, onde também se insere o uso de medicamentos. Os autores desta obra consultaram as fontes con­ sideradas confiáveis, num esforço para oferecer informações completas e, geralmente, de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciências médicas, os leitores devem confirmar estas informações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são aconselhados a conferir a bula completa de todo medicamento que pretendam administrar, para se certificar de que a informação contida neste livro está correta e de que não houve alteração na dose recomendada nem nas precauções e contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é particularmente importante em relação a medicamentos introduzidos recentemente no mercado farmacêutico ou raramente utilizados.

ASSO C IA Ç Ã O BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS

C745

C o n d u ta s em p s iq u ia tria : c o n su lta rápida [re cu rso e le trô n ic o ] / O rganizadores, R ica rd o A lb e rto M oreno, T á ki A th a n á ssio s C ordás. - 2 . ed. - P orto A legre : A rtm e d , 2 0 1 8 . xii, 4 4 4 p. ; 2 0 cm . E d ita d o co m o liv ro im p re sso em 2 0 1 8 . ISBN 9 7 8 - 8 5 - 8 2 7 1 - 4 5 9 - 1 1. M e d ic a m e n to s - P s iq u ia tria . 2 . P sico fá rm a co s I. M oreno, R ica rd o A lb e rto . II. C ordás, T á ki A th a n á ssio s. CDU 6 1 6 .8 9

C a ta lo g ação na p u b lic a ç ã o : P oliana S anchez de A ra u jo - C R B 1 0 /2 0 9 4


RICARDO ALBERTO MORENO TÁKIATHANÁSSIOS CORDÁS ORGANIZADORES 2* EDIÇÃO

CONDUTAS EM

PSIQUIATRIA CONSULTA RAPIDA

Versão impressa desta obra: 2018

2018


© Artmed Editora Ltda., 2018 G e re n te e d ito ria l-, Letícia B ispo de Lim a C o la b o ra ra m nesta ediçã o: C o o rd e n a d o ra e d ito ria l: C lá u d ia B itte n c o u rt Capa-, T atiana S perhacke - TAT S tu d io Ilu stra çã o -, G iln ei da C osta C unha P re p a ra çã o d o o rig in a l: C a m ila W is n ie s k i H eck L e itu ra fin a l: L isa n dra Cássia P edruzzi Picon E d ito ra ç ã o : TIPO S - design e d ito ria l e fo to g ra fia

R eservados to d o s os d ire ito s de p u b lic a ç ã o à A R T M E D E D ITO R A LTD A ., um a em presa do G R U PO A ED U C AÇ ÃO S.A. Av. J e rô n im o de O rneias, 6 7 0 - S antana 9 0 0 4 0 - 3 4 0 - P orto A legre - RS Fone: (5 1 ) 3 0 2 7 - 7 0 0 0 Fax: (5 1 ) 3 0 2 7 - 7 0 7 0 SÃO PAU LO Rua D o u to r C esário M o ta J r., 6 3 - V ila B ua rq u e 0 1 2 2 1 - 0 2 0 - S ã o P a u lo - S P Fone: (1 1 ) 3 2 2 1 - 9 0 3 3 SAC 0 8 0 0 7 0 3 - 3 4 4 4 - w w w .g ru p o a .c o m .b r É p ro ib id a a d u p lic a ç ã o ou re p ro d u çã o deste v o lu m e , no to d o ou em p arte, sob q u a is q u e r fo rm a s ou por q u a is q u e r m eios (e le trô n ic o , m e câ n ico , gravação, fo to c ó p ia , d is tri b u içã o na W eb e o u tro s), sem p erm issã o expressa da E ditora.


Organizadores Ricardo Alberto Moreno: Psiquiatra. Diretor do Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) do Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de M edicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP). Táki Athanássios Cordás: Psiquiatra. Coordenador da Assistência Clínica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP). Coordenador do Programa de Transtornos Alim entares (A m bulim ) do IPq-HCFMUSP Professor dos Programas de Pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da USP, do Programa de Neurociências e Com portam ento do Instituto de Psicologia da USP e do Programa de Fisiopatologia Experimental da FMUSR Alexandre Pinto de Azevedo: Psiquiatra. Mestre em Ciências pela FMUSR Coordenador do Grupo de Estudos em Comer Compulsivo e Obesidade (GRECCO) e do Grupo de Atendim ento a Homens com Transtorno Alim entar (GAHTA) do Programa de Transtornos Alim entares do IPq-HCFMUSP Supervisor de médicos residentes em Psiquiatra do IPq-HCFMUSP Ana Clara Franco IPq-HCFMUSP

Floresi: Psiquiatra.

Colaboradora

do

A m bulim ,

Andre Malbergien Psiquiatra. Mestre em Saúde Pública - Epidemiologia e Bioestatística - pela Universidade de Illinois, Chicago. Doutor em Psi­ quiatria pela USP Professor colaborador médico do Departam ento de Psiquiatria da FMUSR Coordenador executivo do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (GREA) do IPq-HCFMUSP Andre R. Brunoni: Psiquiatra. Especialista em Neuromodulação Não Invasiva pela Harvard Medicai School, Estados Unidos. Doutor em Neurociências e Com portam ento pela USP Chefe do Serviço Interdisciplinar de Neurom o­ dulação do IPq-HCFMUSP Andréa Cecília Toscanini: Médica clínica. Especialista em M edicina do Sono. Doutora em Ciências Médicas pela FMUSR Médica do Am bulatório de Sono do IPq-HCFMUSP Antonio Carlos Lopes: Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Doutor em Psiquiatria pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSR Professor colaborador do Departamento de Psi­ quiatria da FMUSR Antonio Egidio Nardi: Psiquiatra. Professor titu la r de Psiquiatria da Univer­ sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Membro da Academia Nacional de M edicina (ANM ). v


AUTORES

Bernardo Sampaio-Junion Psiquiatra. Doutorando em Psiquiatria no IPq-HCFMUSR Psiquiatra e pesquisador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação, Laboratório de Neurociências (LIM -2 7), IPq-HCFMUSR Bruno Pinatti Ferreira de Souza: Psiquiatra. Psiquiatra assistente do Grupo de Interconsultas do IPq-HCFMUSR Cássio Bottino (in memoriam)■ ■ Psiquiatra. Livre-docente e professor adjunto do Departam ento de Psiquiatria da FMUSR Clarice Gorenstein; Psicofarmacologista. Mestre e Doutora em Farmacologia pela USR Professora associada do Departamento de Farmacologia do Ins­ titu to de Ciências Biomédicas da USR Pesquisadora do Laboratório de Psicofarmacologia, Psicopatologia Experimental e Terapêutica Psiquiátrica (LIM -2 3) do IPq-HCFMUSR Daniel Kawakamh Psiquiatra. Coordenador adjunto do Serviço de Pronto-socorro do IPq-HCFMUSR Assistente do Serviço de Interconsultas do IPq-HCFMUSR Débora Luciana Melzer-Ribeiro : Psiquiatra. Mestre em Ciências pela FMUSR Supervisora do Am bulatório de Esquizofrenia (PROJESQ) e do Grupo de Interconsultas em Psiquiatria do IPq-HCFMUSR Diego Freitas Tavares: Psiquiatra. Especialista em Transtornos do Hum or pela USR Doutorando em Psiquiatria na USR Coordenador do Am bulatório de Transtorno Bipolar do GRUDA, IPq-HCFMUSR Coordenador do Programa de Transtorno Bipolar (PROTAB) da Faculdade de M edicina do ABC (FMABC). Doris Hupfeld Moreno: Psiquiatra. Especialista em Transtornos do Hum or pelo GRUDA, IPq-HCFMUSR Mestre em M edicina pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSR Doutora em Ciências pelo Departamento de Psiquiatria da FMUSR Médica assistente do IPq-HCFMUSR Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo: Residente em Psiquiatria no Departamento de Psiquiatria da FMUSR Pesquisador do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-compulsivo do IPq-HCFMUSR Eduardo de Castro Humes: Psiquiatra. Doutorando no Departamento de Psi­ quiatria da FMUSR Coordenador do Am bulatório da Divisão de Psiquiatria e Psicologia, e responsável pelo Am bulatório Didático dos Internos do HCFMUSR Eduardo W. Aratangy: Psiquiatra. Professor do Centro Brasileiro de Pós-gra­ duações (CENBRAP). Médico supervisor do IPq-HCFMUSR Fábio Tapia Salzano: Psiquiatra. Mestre em M edicina pela USR Vice-coordenador do A m bulim , IPq-HCFMUSR Fernando Fernandes: Psiquiatra. Mestrando em M edicina no Departamento de Psiquiatria da FMUSR Pesquisador do GRUDA, IPq-HCFMUSR Coorde­ nador do Programa de Tratamento em Depressão. Florindo Stella: Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geriátrica pela Uni­ versidade Estadual de Campinas (Unicam p). Mestre em Psicologia da Saúde pela Unicamp. Doutor em Saúde Mental e em Ciências Médicas -

vi


VII

AUTORES

Neurologia - pela Unicam p. Professor visitante e pesquisador do LIM -27, IPq-HCFMUSR Giovani Missio = Psiquiatra. Pesquisador e colaborador do GRUDA, IPq-HCFMUSR Doutorando em Psicofarmacologia na FMUSR Hewdy Lobo Ribeiro: Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Forense pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Mestre em Adm inistração de Empresas pela Universidade Paulista (UNIP). Membro da Comissão de Saúde Mental da M ulher da ABP Diretor da Vida Mental Serviços Médicos. João Guilherme de Mello e Gallinaro : Psiquiatra. Especialista em Medicina do Sono pelo HCFMUSR Joel Rennó Jr.= Psiquiatra. Doutor em Ciências pela FMUSR Professor colaborador médico do Departamento de Psiquiatria da FMUSR Diretor do Programa Saúde Mental da M ulher do IPq-HCFMUSR Coordenador da Comissão de Estudos e Pesquisa da Saúde Mental da M ulher da ABP Lee Fu-h Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria pelo HCFMUSR Doutora em Medicina pela FMUSR Responsável pelo Programa de Transtorno Afetivo na Infância e Adolescência (PRATA), IPq-HCFMUSR Lis Gomes Silva: Neurologista. Médica voluntária no LIM -27. Márcia Radanovic: Neurologista. Mestre e Doutora em Neurologia pelo Departamento de Neurologia da FMUSR Pós-doutoranda no Departamento de Psiquiatria da FMUSR Docente de Pós-graduação do Departamento de Neurologia da FMUSR Marco Antonio Moscoso Aparício : Psiquiatra. Chefe do Departamento de Tratamento, Reabilitação e Saúde Mental do Instituto de Prevención, Tratamiento, Rehabilitación e Investigación de Drogodependencias y Salud Mental (INTRAID), Bolívia. Professor associado da Universidad Autónoma Juan Misael Saracho (UAJMS), Bolívia. Maria Antônia Simões Rego: Psiquiatra. Psiquiatra do A m bulim , IPq- HCFMUSR e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Mario R. Louzã = Psiquiatra. Doutor em Medicina pela Universidade de W ürzburg, Alemanha. Médico assistente do IPq-HCFMUSR Coordenador do Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto (PRODATH) e do PROJESQ, IPq-HCFMUSR Miguel Angelo Boarati: Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela FMUSR Médico assistente do IPq-HCFMUSR Coordena­ dor do PRATA, IPq-HCFMUSR Montezuma Pimenta Ferreira: Psiquiatra. Mestre em Psiquiatria Geral pela FMUSR Orestes V. Forlenza: Psiquiatra. Especialista em Psiquiatria Geriátrica pela Universidade de Londres, Inglaterra. Mestre e Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Psiquiatria da FMUSR Professor associado (Livre-docente) do Departamento de Psiquiatria da FMUSR Renato Luiz Marchetth Psiquiatra. Doutor em Psiquiatria pela FMUSR Médico assistente supervisor do IPq-HCFMUSR Coordenador do Projeto


AUTORES

de Epilepsia e Psiquiatria (PROJEPSI) do IPq-HCFMUSR Coordenador da Residência Médica em Psiquiatria do Instituto Bairral de Psiquiatria. Renério Fráguas: Psiquiatra. Doutor em Medicina pela FMUSR Pósdoutorado na Harvard University, Estados Unidos. Livre-docente pela FMUSR Ricardo Barcelos-Ferreira = Psiquiatra. Especialista em Psicogeriatria pelo IPq/HCFMUSR Doutor em Psiquiatria pela FMUSR Professor adjunto de Psiquiatria Geriátrica da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pes­ quisador do Programa Terceira Idade (PROTER) da FMUSR Roberta Catanzaro Perosa: Psiquiatra. Médica assistente e preceptora no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Psiquiatra do A m bulim , IPq-HCFMUSR Stella Tavares: Neurofisiologista. Neurofisiologista clínica do Hospital Israelita Albert Einstein. Tania Marcourakis: Farmacêutica bioquím ica. Mestre e Doutora em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USR Professora associada do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USR Teng CheiTung: Psiquiatra. D outorem Medicina pela USR Professor colabo­ rador do IPq-HCFMUSR Vice-coordenador da Comissão de Emergências Psiquiátricas da ABR Wagner de Sousa Gurgel: Médico. Residente de Psiquiatria no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro (CPRJ).

VIII


Nas últim as duas décadas a psiquiatria tem passado por transformações importantes em função do avanço do conhecimento na área. Como especiali­ dade médica, ela segue diretrizes e algoritmos que auxiliam a prática clínica. Nesse sentido, o livro Condutas em p siq u ia tria , ao longo de quase 25 anos desde o lançamento de sua primeira versão, traz, aos profissionais da área da saúde mental e da saúde em geral, as informações mais recentes da psiquiatria clínica e de seus recursos terapêuticos. Esta nova edição - deste que se consagrou como livro de referência e de consulta rápida em vários programas de residência médica, bem como em cursos de especialização - foi totalm ente revisada e atualizada. Tivemos o cuidado de manter como autores profissionais do corpo clínico e docente do Instituto e Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo que são referência em suas respectivas áreas de especialização. Certamente, eles nos trazem capítulos que contemplam as mais recentes diretrizes de tratamento, bem como a experiência clínica de seus grupos e programas de atuação em temas como psicoses, transtornos afetivos e alimentares, entre outros. Também são abordadas as bases farmacológicas dos psicofármacos, suas interações medicamentosas e os fármacos que provocam sintomas psiquiátricos. Medi­ camentos antidepressivos, antipsicóticos, estabilizadores do humor, ansiolíticos, hipnóticos e psicoestimulantes são revisados, incluindo farm acodinâm ica e farmacocinética, indicações e modo de uso específico nos diferentes transtornos psiquiátricos, além de indicações e usos fora de bula tanto na prática psiquiátrica como na medicina de forma geral. Terapias de neuromodulação, como as intervenções por estimulação elétrica ou magnética, são abordadas, incluindo suas indicações e modo de uso de acordo com as diretrizes atuais. E, como não poderia ficar de fora para uma boa prática médica psiquiátrica, foram incluídos capítulos sobre o manejo das síndromes psiquiátricas (como dependências químicas, transtornos do sono, cognitivos, alimentares e os associados à epilepsia), casos especiais (urgências e emer­ gências, infância e adolescência, gravidez e lactação, e idosos) e cuidados em pacientes com comorbidades clínicas. Por fim , nossos agradecimentos aos autores, que, mais uma vez, emprestaram seu prestígio e saber para engrandecer esta obra, e à Artmed Editora, que manteve a parceria e continuou acreditando no projeto. Salientamos aqui nossa homenagem a nossos mestres, colegas, funcionários e pacientes do Instituto e Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os organizadores

IX


Esta página foi deixada em branco intencionalmente


1

8

p r in c íp io s g e r a is da

AÇÃO DE PSICOFÁRMACOS

1

Clarice Gorenstein, Tania Marcourakis

2

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

TERAPIAS DE NEUROMODULAÇÃO INVASIVA: ECT E DBS. ESTIMULAÇÃO ENCEFÁLICA PROFUNDA EM PSIQUIATRIA 205 Antonio Carlos Lopes, Edoardo Filippo

19

de Queiroz Vattimo

Bruno Pinatti Ferreira de Souza,

9

Renério Fráguas

3

ANTI PSICÓTICOS

33

Mario R. Louzã

TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

215

Bernardo Sampaio-Junior, Andre R. Brunoni

4

ANTIDEPRESSIVOS

49 10

Ricardo Alberto Moreno, Fernando Fernandes, Doris Hupfeld Moreno

5

ESTABILIZADORES DO HUMOR

5.1

LÍTIO

MANEJO DAS SÍNDROMES PSIQUIÁTRICAS

10.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS 233 101

Ricardo Alberto Moreno,

Andre Malbergier, Montezuma Pimenta Ferreira

Giovani Missio, Doris Hupfeld Moreno

5.2

ANTICONVULSIVANTES

122

Ricardo Alberto Moreno, Diego Freitas

ANTIPSICÓTICOS

257

Lis Gomes Silva, Márcia Radanovic, Florindo Stella, Orestes V. Forlenza

Tavares, Doris Hupfeld Moreno

5.3

10.2 COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

146

Ricardo Alberto Moreno, Diego Freitas Tavares, Doris Hupfeld Moreno

10.3 TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

264

Andrea Cecilia Toscanini, João Guilherme de Mello e Gallinaro, Stella Tavares

6

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPIN ICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

177

Wagner de Sousa Gurgel, Antonio Egidio Nardi

7

PSICOESTIM ULANTES Mario R. Louz, Táki Athanássios Cordas

10.4 TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

287

Renato Luiz Marchetti

197

10.5 CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

315

Ana Clara Franco Fioresi, Eduardo Vf. Aratangy, Maria Antônia Simões Rego, Alexandre Pinto de Azevedo, Fábio Tapia Salzano, Táki Athanássios Cordás

XI


SUMÁRIO

11

MANEJO EM SITUAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ESPECIAIS

11.4 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

11.1 EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA 331 Daniel Kawakami, Débora Luciana

Cássio Bottino {in memoriam), Ricardo Barcelos-Ferreira,

Melzer-Ribeiro, Teng Chei Tung

Marco Antonio Moscoso Aparício

11.2 CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES Lee

12 350

PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA Bruno Pinatti Ferreira de Souza, Eduardo de Castro Humes, Renério

fu-l,Miguel Angelo Boarati

Fráguas

11.3 PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇÃO

373

Hewdy Lobo Ribeiro, Fábio Tapia Salzano, Roberta Catanzaro Perosa, Táki Athanássios Cordas, Joel Rennó Jr.

XII

392

413


CAPÍTULO 1

CLARICE GORENSTEIN TANIA MARCOURAKIS

Os psicofármacos distinguem-se de outros tipos de medicamentos por atua­ rem obrigatoriamente no sistema nervoso central (SNC). Isso im plica a ne­ cessidade de que eles e/ou seus metabólitos atravessem uma barreira adicio­ nal - a barreira hematencefálica. Os princípios básicos que determinam os demais processos, ou seja, absorção, distribuição, biotransformação e excre­ ção, são essencialmente os mesmos que para os demais fármacos (Fig. 1.1). Alguns desses conceitos básicos de farmacologia serão brevemente revistos, com ênfase em sua aplicação na psicofarmacoterapia. FARMACOCINÉTICA ► /V

ABSORÇAO ► Todos os processos que ocorrem desde a administração de um fármaco até sua eliminação envolvem a passagem por meio de barreiras representadas pelas membranas celulares. A absorção refere-se à passagem do fármaco de seu sítio de aplicação para a corrente sanguínea.

Os principais mecanismos por meio dos quais os psicofármacos atravessam membranas são difusão aquosa e difusão lipídica. A difusão aquosa consiste na passagem através dos poros aquosos e ocorre principalm ente em função do tam anho da molécula. Moléculas grandes difundem-se mais lentamente do que as pequenas. Como o peso molecular da maioria dos fármacos não varia muito, em geral é a passagem pelas barreiras não aquosas que deter­ mina a velocidade de absorção.1’2 Para que ocorra a difusão lipídica, é necessário que a molécula seja lipossolúvel e esteja na forma não ionizada. Como muitos fármacos são ácidos ou ba­ ses fracas (em geral, os psicotrópicos são bases fracas), eles se apresentam sob duas formas em equilíbrio dinâm ico: não dissociada ou não ionizada e dissociada ou ionizada. Para a maioria dos fármacos, a lipossolubilidade da fração não dissociada é suficiente para perm itir uma absorção considerável. A proporção de moléculas que se encontra na forma não ionizada, ou seja, o grau de dissociação, depende das propriedades físico-quím icas do fármaco (que determinam seu pKa) e do pH do meio em que está dissolvido. Em consequência dessas propriedades, sabe-se que fármacos de caráter ácido são mais bem absorvidos no estômago, enquanto os básicos tendem a ser absorvidos no intestino.3

1


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

Destaca-se, entre os vários fatores que modificam a velocidade de absorção, a influência da via de administração. A via intravenosa, embora possibilite um melhor controle da quantidade administrada e seja, sem dúvida, a rota mais rápida para obtenção de efeitos, apresenta risco de efeitos adversos ou de superdosagem relativa m uito maior do que as demais vias. Efeitos tóxicos autonômicos e cardíacos podem ser observados com fármacos como clorpromazina ou am itriptilina, cuja administração intravenosa deve ser cautelosa.2 A via intram uscular permite a administração de volumes moderados de solu­ ções, veículos oleosos (p. ex., enantato e decanoato de flufenazina) e solu­ ções irritantes, o que já não é possível com injeções subcutâneas. Essa via é particularm ente útil para a administração de antipsicóticos com formulação de liberação prolongada (p. ex., flufenazina, risperidona, paliperidona, aripripazol). Por sua vez, o diazepam adm inistrado por via intram uscular resulta em absorção lenta e errática, com picos de concentração plasmática inferio­ res aos obtidos após administração oral, provavelmente devido à cristaliza­ ção do fármaco no local da injeção. A via oral é a mais amplamente utilizada. A absorção se processa em toda a extensão do trato gastrintestinal, sendo o estômago e o intestino os locais de maior absorção. A absorção depende da variação de pH do meio, da irriga­ ção e das características anatômicas, bem como das propriedades físico-químicas do fármaco. Um dos fatores que favorece a absorção no intestino é a presença de microvilosidades altamente irrigadas, que proporciona grande área de superfície.3

Local de ação

D. ligada

í

i

D. livre

◄------------------► Receptor

Barreira hematencefálica

Plasma —

Excreção

► Droga livre

f

Droga ligada

u

Metabólitos

Absorção

Via de administração

FIGURA 1.1 ► ETAPAS DO FÁRMACO NO ORGANISMO APÓS A ADMINISTRAÇÃO.

2


rs j

DISTRIBUIÇÃO ► A etapa seguinte à absorção é geralmente a distribuição para os diversos tecidos. A velocidade de distribuição depende do grau de perfusão do órgão. O equilíbrio de distribuição é atingido mais facilm ente nos tecidos que recebem grande circulação de fluidos (coração, cérebro, fí­ gado) e mais lentamente nos órgãos pouco irrigados (ossos, unhas, dentes e gorduras).3

A água corpórea, que corresponde a aproximadamente 60% do peso do indivíduo, distribui-se por dois com partim entos funcionais principais: o líqui­ do intracelular (40% ) e o líquido extracelular (20% : 15% intersticial, 5% vascular). O volume de distribuição aparente (Vd) de um fármaco constitui o volume de fluido no qual ele está aparentemente distribuído. Portanto, a distribuição de um fármaco depende do com partim ento pelo qual ele se distribui. De modo geral, os fármacos que se distribuem pelo líquido extra­ celular e exercem efeitos em membranas têm início de ação mais rápido do que aqueles que devem penetrar na célula para atuar. A maioria dos psicofármacos distribui-se pela água corpórea to ta l.2 A distribuição tam bém é regulada pela ligação do fármaco às proteínas plasmáticas (principalm ente albumina). Quando dois fármacos que se ligam às proteínas plasmáticas são administrados concomitantemente, eles compe-

3

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

Qualquer fator que acelere o esvaziamento gástrico aumentará a velocidade de absorção do fármaco, tanto para fármacos absorvidos a partir do estôma­ go, porque seu contato com a parede mucosa será favorecido, quanto para os absorvidos a partir do intestino, que o atingirão mais rapidamente. Para a maioria dos fármacos não irritantes da mucosa gástrica, quando se deseja a absorção rápida, a administração deve ocorrer em jejum . No entanto, a pre­ sença de alimentos pode favorecer a absorção, como é o caso da ziprasidona, cuja absorção é reduzida em até 50% quando administrada em jejum . Outro exemplo é a sertralina, cuja biodisponibilidade é maior na presença de alimento. Para os fármacos administrados por via oral, a formulação farmacêutica exer­ ce grande influência na absorção. As soluções são absorvidas mais rapida­ mente, enquanto cápsulas, com prim idos ou drágeas são mais lentamente, porque dependem da velocidade de dissolução da forma sólida. As form ula­ ções de liberação prolongada, SR (sustained release), liberação estendida, XL (extended release) e CR (co ntrolle d release) foram desenvolvidas com o objetivo de perm itir que os níveis plasmáticos sejam mantidos ao longo do tempo, possibilitando uma administração menos frequente do medicamento (p. ex., bupropiona, venlafaxina, paliperidona, metilfenidato). Nem toda a concentração do fármaco ingerido chega à circulação geral. Para avaliar o quanto será disponível no sítio de ação, a biodisponibilidade da formulação farmacêutica deve ser determinada. A biodisponibilidade indica a fração de um fármaco ingerido que tem acesso à circulação sanguínea. A biodisponibilidade pode ser baixa se a absorção for incompleta ou se o fár­ maco for metabolizado na parede do intestino ou no fígado antes de atingir a circulação sistêmica (metabolismo de primeira passagem).1


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

tem por essa ligação, de forma que o que tem maior afinidade desloca o de menor afinidade, aumentando sua fração livre. Agudamente, pode ocorrer um aumento do efeito terapêutico ou do efeito tóxico do fármaco deslocado. No entanto, a fração livre se torna mais disponível para a biotransformação, e, com o tempo, pode ocorrer uma dim inuição de seu nível sérico total, le­ vando à redução do efeito terapêutico. Teoricamente, esse tipo de interação seria im portante para, por exemplo, anticonvulsivantes (fenitoína, ácido valproico, tiagabina) e antipsicóticos (risperidona, olanzapina e ziprasidona). No entanto, em doses utilizadas clinicamente, esse tipo de interação em geral não resulta em alteração significativa dos efeitos terapêuticos.4 O fármaco pode também se acum ular no tecido adiposo. O tecido adiposo constitui aproximadamente 15% do peso corpóreo, e seu volume é de cer­ ca de 25% do volume de água total, representando, portanto, um grande com partim ento não polar do organismo. Uma molécula não polar, com alto coeficiente de partição óleo/água, tende a acumular-se consideravelmente no tecido adiposo, não exercendo ação farmacológica. O acúmulo em deter­ minado tecido pode prolongar a permanência de um fármaco no organismo, como ocorre, por exemplo, após administração intravenosa de tiopental, que se acumula no tecido adiposo e sofre redistribuição.2 BARREIRA HEMATENCEFÁLICA ► Embora o cérebro represente apenas 2% do peso corpóreo de um indivíduo, ele recebe aproximadamente 16% do débito cardíaco. Devido a seu alto suprimento sanguíneo, era de se esperar que os fármacos passassem rapidamente da corrente circulatória para o espaço extracelular cerebral, mas isso não ocorre, devido à restrição imposta pela barreira hematencefálica. Embora não verdadeiramente definida do ponto de vista anatômico, a barreira caracteriza-se pela justaposição das células do endotélio dos capilares cerebrais. É provável que o arranjo característico das células pericapilares da glia também contribua para a difusão lenta dos ácidos e bases orgânicas para o SNC. Além disso, a vascularização das di­ versas áreas cerebrais não é uniforme (p. ex., o córtex é mais vascularizado do que a substância branca), e os fármacos entram mais rapidamente nas áreas mais vascularizadas.2 Além da barreira hematencefálica, existe uma via indireta de passagem, que é a barreira hematoliquórica, constituída por células epiteliais do plexo coroide, que regulam o acesso de fármacos ao líquido cerebrospinal. Os principais fatores que determinam a passagem dos fármacos pela barreira hematencefálica são semelhantes aos que interferem em sua passagem pelo endotélio gastrintestinal para o sangue, ou seja, a lipossolubilidade, o grau de ionização e a ligação a proteínas plasmáticas. Quanto maior a lipossolubilidade, mais facilm ente o fármaco penetra no cérebro. A maioria dos psicofármacos consiste em aminas secundárias ou terciárias que, sendo lipossolúveis, não encontram dificuldade na passagem para o cérebro. Para aumentar as concentrações cerebrais de substâncias com baixa lipossolubilidade, como dopamina e serotonina, é necessária a administração de seus precursores, L-dopa e L-triptofano, respectivamente,

4


/w

BIOTRANSFORMAÇAO ► Biotransformação, ou metabolismo, é o conjunto de alterações químicas que o fármaco sofre no organismo sob a ação de enzi­ mas. O principal objetivo da biotransformação é facilitar a eliminação. A maioria dos fármacos tem coeficiente de partição óleo/água elevado, isto é, é altamente lipossolúvel, o que favorece sua reabsorção pelos túbulos renais e aumenta seu tempo de permanência no organismo. Assim, fármacos lipossolúveis são biotransformados em compostos mais polares passíveis de eliminação. Fármacos de baixa lipossolubilidade ou altamente ionizados são excretados in natura pelos rins (p. ex., barbital e lítio).3 A biotransformação geralmente transforma fármacos ativos em metabólitos inativos (p. ex., haloperidol). Entretanto, os metabólitos também podem ser ativos (p. ex., desipramina, metabólito da im ipram ina) ou até mais ativos do que o composto original (p. ex., hidrato de cloral).

O fígado é o principal órgão no qual ocorre a biotransformação. Suas enzimas localizam-se na fração mitocôndrica (monoaminoxidase - MAO), na fração microssômica, responsável pela biotransformação dos fármacos lipossolú­ veis (sistema do citocromo P450, que participa principalm ente de reações

5

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

que atravessam a barreira. No caso de fármacos polares, a velocidade de difusão para o SNC é determinada pela solubilidade da forma não iônica.5 Em relação ao grau de ionização, sabe-se que apenas moléculas neutras são capazes de atravessar barreiras lipídicas, e, portanto, o transporte será tanto mais rápido quanto maior for a concentração de moléculas. Já a passa­ gem dos íons é determinada pelo seu tamanho: íons pequenos como o lítio são capazes de atravessar os poros das membranas, enquanto íons maiores dependem da presença de algum tipo de transporte ativo. Substâncias alta­ mente ionizadas, como as aminas quaternárias, são geralmente incapazes de penetrar no SNC. A ligação a proteínas plasmáticas lim ita a concentração do fármaco nos tecidos e no sítio de ação, uma vez que apenas a fração não ligada tem a capacidade de atravessar as membranas. Fármacos altamente ligados a pro­ teínas plasmáticas tendem a penetrar no cérebro e no líquido cerebrospinal de forma mais lenta. A maioria dos psicofármacos apresenta alta taxa de li­ gação às proteínas plasmáticas e teciduais, e, portanto, pequenas alterações de sua fração livre, como em estados carenciais decorrentes de desnutrição ou no envelhecimento, podem levar à intensificação de seu efeito farm aco­ lógico.5 Vale ressaltar que recentemente foi identificada uma série de proteínas trans­ portadoras de moléculas expressas nas membranas celulares, as quais têm conferido proteção ou toxicidade dependendo de sua localização (células intestinais, renais, hepáticas, placentárias e endoteliais do cérebro) e do agente envolvido. Um exemplo são as m u ltid ru g resistant proteins (mdr), ou glicoproteínas P, cuja superexpressão, geneticamente definida, na barreira hematencefálica pode ser um dos mecanismos que explicam a resistência ao tratam ento anticonvulsivo em alguns pacientes.1


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

oxidativas e algumas redutivas), e na fração solúvel (p. ex., desidrogenases, amidases, transferases). As principais reações químicas que os fármacos sofrem por ação enzimática são: a) reações de fase I: oxidação, redução e hidrólise; e b) reações de fase II: conjugação, que normalmente produz compostos inativos. Embora grande parte das reações oxidativas se processe nos microssomas hepáticos, elas tam bém podem ocorrerem outros locais. Por exemplo, a enzima mitocondrial MAO está presente em vários órgãos e tecidos, como cérebro, fígado, rins, coração e plaquetas sanguíneas, e é responsável pela degradação oxidativa de dopamina, norepinefrina (NE), serotonina e tiram ina. Já o álcool etílico é oxidado, transformando-se em acetaldeído, principalm ente pela álcool desidrogenase e, em menor quantidade, pelas oxidases microssômicas.2 Enquanto as reações de redução e hidrólise não são comuns nos psicofármacos, as de conjugação são frequentes. Elas consistem na combinação do fármaco ou de seus metabólitos com moléculas pequenas que existem no organismo, como o ácido glicurônico (glicuronidação), o ácido acético (acetilação), o ácido sulfúrico (sulfatação), os radicais metila (metilação), a glicina, etc. Seu objetivo é tornar o fármaco menos lipossolúvel e mais facilm ente excretável pela bile ou pelos rins. A acetilação de fármacos como a fenelzina parece geneticamente determinada, sendo que pacientes que a acetilam rapidamente tendem a apresentar menor resposta terapêutica do que os acetiladores lentos.2 Alguns fármacos podem sofrer metabolismo de primeira passagem, ou meta­ bolismo pré-sistêmico, no qual a concentração do fármaco é significativam en­ te reduzida antes de ele atingir a circulação sistêmica. Após administração oral, o fármaco passa pelo fígado por meio da veia porta hepática, onde parte dele é metabolizada, o que exige doses maiores do fármaco quando é adm inistrado por via oral. Por exemplo, mais que 80% de uma dose oral de cloropromazina pode ser metabolizada por esse processo, o que explica por que a adm inistração por via intram uscular resulta em níveis plasmáticos cin­ co vezes maiores do que os obtidos com a mesma dose oral. Fármacos como im ipram ina, doxepina, levodopa e m etilfenidato também sofrem o efeito de primeira passagem.5 As enzimas do citocromo P450, representadas pela sigla CYR são responsá­ veis pela maioria das reações oxidativas. Embora essa classe conte com mais de 50 isoenzimas, a subfamília 3A do citocrom o P450 e as isoformas 3A3 e 3A 4 (CYP3A3/4) são particularm ente importantes em psicofarmacologia de­ vido a seu envolvimento no metabolismo de antidepressivos, benzodiazepínicos, antipsicóticos, entre outros agentes. Nem todos os indivíduos têm as mesmas enzimas do CYP450, o que explica a variabilidade individual na taxa de metabolismo dos medicamentos.6 INDUÇÃO E INIBIÇÃO ENZIMÁTICA ► Alguns fármacos são capazes de promover estimulação da atividade das enzimas hepáticas, particularm ente pelo au­ mento da síntese de enzimas. A indução enzimática acelera a biotransformação de muitos fármacos, dim inuindo a intensidade e a duração de seus

6


EXCREÇÃO ► Os processos básicos mais importantes para a excreção renal de psicofármacos são a filtração glomerular e a reabsorção tubular.

A filtração glomerular permite a elim inação de moléculas não m uito grandes (peso molecular inferior a aproximadamente 20 mil) e não ligadas às proteí­ nas plasmáticas. As substâncias lipossolúveis, após sofrerem filtração glomerular, são reabsor­ vidas por difusão passiva nos túbulos renais. A reabsorção tubular é altam en­ te influenciada pelo pH urinário. Como na absorção, as formas não ionizadas tendem a ser reabsorvidas pelos túbulos renais. Assim, ácidos fracos são excretados melhor em urina alcalina, e bases fracas, em urina ácida. Daí as vantagens de alcalinizar a urina de pacientes com superdosagem de barbi­ túricos e de usar cloreto de amónio para acidificar a urina de indivíduos intoxicados por anfetam ina.1

7

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

efeitos. O fenobarbital e a carbamazepina são exemplos de fármacos que têm essa capacidade. A indução da CYP3A4 ocorre geralmente após alguns dias de tratam ento e desaparece cerca de uma semana depois da suspensão de seu uso. A consequência mais comum da indução enzimática é que vários fármacos podem estim ular o próprio metabolismo, levando, assim, à ineficá­ cia farmacológica e à necessidade de aumento da dose para obtenção dos efeitos originais (tolerância). Como essas enzimas são inespecíficas, o uso de um indutor pode acelerar a biotransformação de outros fármacos adm inistra­ dos concomitantemente. Em fumantes, por exemplo, pode ser necessário o ajuste de dose de fármacos metabolizados pela CYP1A2A, que é induzido pela nicotina.2 O fenômeno oposto é a inibição enzimática, que determina o acúmulo das substâncias degradadas pela enzima inibida. O exemplo mais típico em psiquiatria é o dos antidepressivos inibidores da MAO (IMAOs). Esses fármacos, além de acarretarem acúmulo dos neurotransmissores, que são seus substratos naturais, potencializam os efeitos pressóricos de aminas sim patom im éticas de ação indireta administradas (descongestionantes na­ sais, broncodilatadores) ou ingeridas na alimentação, como é o caso da tiramina. A inibição da MAO intestinal e hepática leva ao acúmulo de tiram ina, que libera NE da terminação nervosa, desencadeando crises hipertensivas. Esse risco é m inim izado pela contraindicação de fármacos de ação indireta e pela restrição dietética (alimentos ricos em tiram ina, como queijos enve­ lhecidos, arenque defumado, etc.).2 Com os inibidores reversíveis da MAO, como a moclobemida, essas interações são m uito menos perigosas. Outro exemplo é o dissulfiram, que inibe a aldeído desidrogenase, promovendo, assim, o acúmulo de aldeído acético, responsável pelas manifestações de­ sagradáveis da ingestão de álcool. O sistema enzimático P450 tam bém é alvo de inibição enzimática. Por exemplo, antidepressivos, como fluoxetina e fluvoxamina, inibem a CYP3A3/4, aumentando a concentração de outros substratos da enzima, o que pode ocasionar intoxicação.


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

A excreção de fármacos na bile e sua consequente reabsorção intestinal ge­ ram o chamado ciclo êntero-hepático, que é parcialmente responsável pela longa permanência de fármacos como a cloropromazina no organismo. Os psicofármacos podem tam bém ser excretados no leite materno, mas seus efeitos no lactente são pouco conhecidos. Sabe-se, por exemplo, que o diaze­ pam excretado dessa maneira pode produzir efeitos sedativos na criança. DURAÇAO DA AÇAO ► Conforme já abordado, o início de ação dos fármacos de­ pende da via de administração, da formulação farmacêutica, da velocidade de absorção e da passagem para o cérebro, que, por sua vez, depende, entre outros fatores, da lipossolubilidade. Já a duração dos efeitos depende principalm ente das meias-vidas de elim ina­ ção (p) do fármaco ou da de seus metabólitos ativos. Quando a adm inistra­ ção é repetida, a meia-vida de eliminação determina a ocorrência ou não de acúmulo do fármaco e/ou de seus metabólitos. Fármacos de meia-vida de elim inação curta em geral são completamente elim inados antes da adm inis­ tração seguinte. Intervalos de administração inferiores a aproximadamente quatro vezes a meia-vida de elim inação (tempo necessário para a eliminação completa) produzem acúmulo. Fármacos de meia-vida curta são os que cos­ tum am determinar fenômenos rebote, isto é, a expressão exagerada da con­ dição original (insônia rebote, insônia de fim de noite, ansiedade diurna), e cuja síndrome de abstinência se manifesta mais rapidam ente.5 Alguns fármacos, como os IMAOs, exercem efeitos m uito mais prolongados do que sua meia-vida biológica. A tranilciprom ina, por exemplo, tem uma meia-vida plasmática de apenas algumas horas, mas doses únicas de 10 mg desse composto promovem intensa inibição da atividade da MAO de plaquetas, que somente retorna aos valores pré-tratamento após mais de uma semana. Assim, quando se emprega o term o “ m eia-vida” , deve-se especificar meia-vida farmacológica como o tempo necessário para que os efeitos de um fármaco sejam reduzidos pela metade; meia-vida plasmática como o tempo para que concentrações plasmáticas sejam reduzidas em 50% ; e meia-vida biológica para o tempo no qual as concentrações corpóreas totais de uma substância são reduzidas em 50% . FATORES QUE MODIFICAM 0 EFEITO DOS FÁRMACOS ► Vários fatores intrínsecos e extrínsecos podem alterar os processos que ocorrem desde a administração até a eliminação, alterando, portanto, o efeito dos fármacos. Entre os fatores intrínsecos (dependentes do organismo), destacam-se os constitucionais, ou seja, variabilidade individual, fatores genéticos e idiossin­ crasia, idade, peso e composição corpórea. A variabilidade individual é res­ ponsável pela variação na intensidade dos efeitos observados com determ i­ nada dose dentro de uma população. Os fatores genéticos são os principais determinantes da insensibilidade ou sensibilidade exagerada a um fármaco, decorrentes do aumento ou da dim inuição da quantidade de enzimas de biotransformação.3

8


9

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

Diferenças genéticas podem afetar a resposta aos fármacos, já que são responsáveis por variações nas atividades de enzimas e de transportadores envolvidos na absorção, na distribuição, no metabolismo e na excreção de fármacos. A grande variabilidade genética (étnico-racial) decorrente do poli­ morfismo de diferentes isoformas do CYP pode alterar a metabolização dos fármacos. Os polimorfismos podem tam bém interferir no padrão de efeitos colaterais, como, por exemplo, o aumento de peso observado com antipsicóticos, que apresenta alta correlação com o dim orfism o na região promotora do receptor de serotonina 5-HT2o Os fatores ambientais (tabagismo) e o polimorfismo genético do receptor de dopamina (D3) e da isoforma CYP1A2 envolvida no metabolismo dos antipsicóticos típicos (haloperidol) contri­ buem para o maior risco de discinesia tardia.5 A idade assume um papel im portante principalm ente nos extremos, quando os sistemas enzimáticos responsáveis pela biotransformação não estão de­ senvolvidos por completo (recém-nascidos) ou a capacidade de excreção renal pode estar dim inuída (idosos). O peso e a constituição corpórea são relevantes para indivíduos m uito magros e para obesos, casos nos quais a proporção entre água e gordura é diferente da normal. Por exemplo, o indiví­ duo obeso necessita de uma dose mais alta de fármacos que se acumulam no tecido adiposo e menor de fármacos que se distribuem de modo preferen­ cial no com partim ento extracelular, pois seu volume de água é relativamente menor.3 Os fatores condicionais são os ligados a condições especiais do organismo, como estado patológico e psicológico. Entre os estados patológicos, desta­ cam-se as condições que podem interferir na biotransformação (insuficiên­ cia hepática), ligação dos fármacos a proteínas plasmáticas (subnutrição), distribuição (edema, desidratação) e excreção (insuficiência renal, diarreia, acidose, alcalose). O estado emocional, por sua vez, pode m odificar ou mes­ mo inverter os efeitos de um fármaco. Por exemplo, a administração de um benzodiazepínico pode levar a um efeito ansiogênico paradoxal em um indi­ víduo que está m uito ansioso e agitado. Além disso, na gravidez, a presença de quantidades anormais de hormônios pode interferir no efeito de alguns fármacos.3 No caso particular dos psicofármacos, o efeito placebo, isto é, o efeito não atribuível à ação farmacológica, assume uma dimensão maior. Esse efeito inespecífico, presente na adm inistração de qualquer medicamento, resulta, entre outros fatores, da interação médico-paciente e da expectativa do pa­ ciente em relação ao resultado do tratam ento em termos de efeitos benéficos e colaterais. Estudos de neuroimagem em pacientes deprim idos demonstra­ ram que, ao menos em parte, a remissão dos sintomas depressivos produ­ zida pelo placebo é mediada pelas mesmas alterações cerebrais que as pro­ duzidas por antidepressivos ativos. Os fatores extrínsecos são os dependentes do fármaco, como suas caracterís­ ticas físico-químicas e sua formulação farmacêutica, e das condições de uso, ou seja, via de administração, dose, administração aguda ou crônica e interação com outros fárm acos.3


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

FARMACODINAMICA ► MECANISMOS DE AÇAO ► Os psicofármacos, em últim a análise, interferem na neurotransmissão. É crescente o número de neurotransmissores ou neuromoduladores identificados no SNC (Quadro 1.1). Os neurotransmissores mais envolvidos na ação desses fármacos são a NE, a dopamina (DA), a serotonina (5-HT), a acetilcolina (ACh), o glutamato e o ácido gama-aminobutírico (GABA).1'2 É im portante lembrar que os sistemas neurais que regulam a atividade do SNC formam interações complexas entre si. Os neurotransmissores que exercem funções excitatórias interagem com os que desempenham fun­ ções inibitórias, modulando as funções nervosas de forma balanceada. Consequentemente, qualquer manipulação que afete um ou mais componen­ tes desses sistemas interfere no equilíbrio, produzindo alterações funcionais. Assim, dificilm ente pode-se pensar de forma sim plista e julgar que apenas uma ação farmacológica seja a responsável pelo efeito terapêutico de um psicofárm aco.1’2 A alteração produzida por um fármaco pode decorrer de uma ou m últiplas ações em alguma das etapas ou processos que ocorrem nas terminações ner-

QUADR01.1 ►NEUROTRANSMISSORES/NEUROMODULADORES DO SNC Aminas • Serotonina (5-HT) • Dopamina (DA) • Norepinefrina (NE) • Epinefrina • Acetilcolina (ACh) • Histamina • Melatonina • Feniletilamina • Octopamina Peptídeoshipofisários • Corticotrofina (ACTH) • Hormônio do crescimento (GH) • Lipotrofina • Ocitocina • Vasopressina • Prolactina N eurocininas/T aquicininas • Substância P • Neurocinina A • Neurocinina B

10

Aminoácidos • Ácido gama-aminobutírico (GABA) • Glicina • Ácido glutâmico (glu­ tamato) • Ácido aspártico (aspartato) Hormônios circulantes • Angiotensina • Calcitonina • Glucagon • Insulina • Leptina • Fator natriurético atrial • Estrogen ios • Andrógenos • Progestinas • Hormônios tireoidianos Gases • Óxido nítrico (NO) • Monóxido de carbono (CO)

Peptídeos opioides • Dinorfina • p-endorfina • Met-encefalina • Leu-encefalina Outros peptídeos • Bombesina • Bradicinina • Carnosina • Neuropeptídeo Y • Neurotensina • Galanina Hormônios intestinais • Colecistocinina (CCK) • Gastrina • Motilina • Secretina • Peptídeo vasoativo intestinal Neurotransmissor lipídico • Amandamida


Terminação pré-sináptica precursor do transmissor

Enzima

[ [ canal iônico

ativação de proteínas quinases

Terminação pós-sináptica

fosforilação proteica

FIGURA 1.2 ► PRINCIPAIS EVENTOS SINÁPTICOS.

li

princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

vosas. Como as ações não são exclusivas, isto é, a maioria desses fármacos não tem uma ação seletiva, interagindo com vários sistemas sim ultanea­ mente, a possibilidade de efeitos colaterais e a potencialidade das interações medicamentosas são maiores. Em relação a seu local de ação na terminação nervosa, os mecanismos ati­ vos de um fármaco podem ser pré e pós-sinápticos (Fig. 1.2). Por meio da ação pré-sináptica, o fármaco vai interferir na regulação da liberação de um neurotransmissor. Desse modo, um fármaco pode aumentar ou dim inuir a síntese do neurotransmissor, sua liberação, sua estocagem, sua recaptação e sua biotransformação. A síntese pode ser aumentada por meio da maior dis­ ponibilidade de substratos ou cofatores, como é o caso da L-dopa, precursor da síntese de dopamina. Em contrapartida, a síntese pode ser dim inuída pela administração de inibidores enzimáticos, como a p-clorofenilalanina, que bloqueia a síntese de serotonina. Certas substâncias podem, ainda, facilitar a liberação, como os psicoestimulantes anfetamina e fencanfamina, que aumentam a liberação de DA e NA, ou, tam bém , inibir o armazenamento de neurotransmissores, como, por exemplo, a reserpina. Os antidepressivos de primeira geração, como a tranilcipromina e a fenelzina, inibem irreversivelmente a MAO, e os tricíclicos, como a im ipram ina, a am itriptilina e clom ipram ina, inibem a recaptação


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

de NA e 5-HT em diferentes proporções. As gerações seguintes de antidepressivos são compostas por grupos heterogêneos de fármacos que inibem seletivamente a recaptação de 5-HT (fluoxetina, paroxetina, sertralina), de NA (reboxetina), de DA (bupropiona), de NA e 5-HT (venlafaxina, duloxetina) ou que têm outros mecanismos de ação (p. ex., mirtazapina, agomelatina, vortioxetina).5 Qualquer alteração na liberação do neurotransmissor pode interferir também nos mecanismos inibitórios de controle de sua concentração exercidos pelos autorreceptores pré-sinápticos. Esses receptores também podem ser esti­ mulados ou inibidos de modo direto por substâncias como a clonidina e a iombina, respectivamente. Em resumo, um fármaco com ação pré-sináptica pode, por exemplo, promo­ ver um efeito excitatório quando, por meio de um ou mais dos mecanismos mencionados, aumenta a concentração de um neurotransmissor excitatório na fenda sináptica ou dim inui a concentração de um neurotransmissor ini­ bitório. Da mesma forma, a ação de um psicofármaco pode ocorrer em algum dos eventos pós-sinápticos. Mais uma vez, o efeito final vai depender da ativação ou da inibição de vias excitatórias ou inibitórias. O fármaco pode interferir na própria ligação do neurotransmissor a seus receptores ou nos mecanismos moleculares pelos quais o neurotransmissor produz alterações na membrana pós-sináptica (potencial de membrana ou segundo mensageiro) ou, ainda, atuar diretamente nos receptores de um ou mais neurotransmissores.7 A ação pós-sináptica direta requer que a substância tenha um grau de afinida­ de relativamente alto pelos receptores. Fármacos que mimetizam a ação dos neurotransmissores endógenos em seus receptores são denominados agonistas. Os agonistas têm afinidade pelos receptores e, além disso, apresentam atividade intrínseca (ou eficácia), uma vez que sua interação determina um efeito. O agonista pode ser total quando exerce o efeito máximo ocupando ou não 100% dos receptores disponíveis (p. ex., apomorfina, LSD e muscimol, agonistas nos receptores de DA, 5-HT e GABA, respectivamente). Já o agonista parcial, mesmo ocupando 100% dos receptores, produz efeito sempre menor que o efeito máximo exercido pelo agonista total (p. ex., ação do aripiprazol nos receptores dopam inérigicos).1 Os fármacos também podem se ligar ao receptor e não desencadear qual­ quer resposta (sem atividade intrínseca), sendo, nesse caso, denominados antagonistas. Seu efeito resulta da inibição da ação do neurotransmissor ou de um fármaco agonista por im pedir o acesso dessas substâncias a seus receptores.1 Acredita-se que o efeito antipsicótico dos neurolépticos deva-se a sua ação antagonista nos receptores dopaminérgicos mesolímbicos do tipo D2 (clorpromazina, haloperidol, flufenazina, olanzapina, risperidona). Um efeito inibitório também pode ser observado com agonistas parciais, isto é, fármacos que têm a capacidade de se ligar aos receptores (afinidade), mas cuja atividade intrínseca é menor que a de um agonista forte.

12


13

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

Os agonistas inversos, por sua vez, ligam-se a receptores e promovem efeitos opostos aos dos agonistas, como, por exemplo, as p-carbolinas, que atuam em receptores de benzodiazepínicos e induzem ansiedade, rigidez muscular, perturbações do sono e convulsões. Esses efeitos são bloqueados tanto por agonistas como por antagonistas.1 A primeira etapa na ação de um fármaco em receptores específicos envolve a formação de um complexo farmacorreceptor reversível. Os receptores podem ser classificados em quatro tipos principais: os canais iônicos, os ligados à proteína G ou metabotrópicos, os que controlam diretamente sistemas enzimáticos (p. ex., receptor de insulina e de fatores de crescimento, receptor de tirosina quinase) e os intracelulares (p. ex., receptores para hormônios esteroidais e tireoidianos).7 O canal iônico acoplado ao receptor abre-se quando o receptor é ocupado por um agonista. Esse é o caso dos benzodiazepínicos cujos receptores pró­ prios formam um complexo molecular com os receptores GABA a e o ionóforo de cloro, modulando a frequência de abertura do canal de cloro. Já os barbitúricos modulam a função do canal de cloro pela ligação direta a um sítio do canal.7 Receptores de dopamina, serotonina e adrenérgicos, por sua vez, pertencem à fam ília de receptores acoplados às proteínas G (assim denominadas devido a sua interação com os nucleotídeos guanínicos, GTP e GDP). Nesse caso, a ligação receptor-agonista desencadeia a ativação de uma proteína G localiza­ da na face citoplasm ática da membrana. A proteína G liga o receptor a uma via intracelular específica, dependente do tipo de proteína G presente, ou seja, estimulatória (Gs), inibitória (Gi/o) ou ativadora do sistema fosfolipase C (Gq). A proteína G ativada altera a atividade de um elemento efetor (enzima ou canal iônico), que, por sua vez, modifica a concentração do segundo mensageiro intracelular (p. ex., AMPc, diacilglicerol). Para a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), a enzima efetora é a adenililciclase, uma proteína que converte o trifosfato de adenosina (ATP) intracelular em AMPc. A ativação da AMPc pode ser feita a partir de diferentes sistemas de neurotransmissores e de tipos distintos de receptores, sendo que as respostas variam de acordo com o tipo de proteína G ativado pelo receptor. Por exemplo, os receptores dopaminérgicos D i e D2 estão acoplados a proteínas G que, respectiva mente, ativam e inibem a adenilil­ ciclase. Os agonistas de receptores p-adrenérgicos e serotonérgicos 5-H T j ativam a proteína G estim ulatória, aumentando a formação de AM Pc.7' 10 Outro exemplo de sistema de segundo mensageiro é o fosfoinositídio. Ele en­ volve receptores acoplados a proteínas G que ativam a fosfolipase C, uma en­ zima responsável pela formação de diacilglicerol e 1,4,5-trifosfato de inositol (IP3). O IP3 libera cálcio, que, por sua vez, gera uma série de estímulos, entre eles a ativação da enzima responsável pela formação do óxido nítrico, a óxido nítrico sintase. A ativação da guanililciclase solúvel pelo óxido nítrico leva à formação do segundo mensageiro, a guanina monofosfato cíclico (GMPc; Fig. 1 .3 ).7' 10


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

n Efetores

Enzimas, proteínas transportadoras

Proteínas contráteis

Canais iônicos

FIGURA 1.3 ► REGULAÇAO DA PROTEÍNA G E DOS SEGUNDOS MENSAGEIROS EM SISTEMAS EFETORES CE­ LULARES. Fonte: Adaptada de Rang e colaboradores.2 GMPc: guanina monofosfato cíclico; AMPc: adenosina monofosfato cíclico; IP3: trifosfato de inositol; DAG: diacilglicerol; AA: ácido araquidônico; [Ca+2]i: cálcio intracelular; PKG: proteína quinase G; PKA: proteína quinase C; PKC: proteína quinase dependente de AMPc.

Um exemplo de psicofármaco que interfere diretamente nos sistemas de segundos mensageiros é o lítio, que bloqueia a formação do fosfatidilinositol pela inibição da enzima inositol monofosfatase e a modificação das respos­ tas mediadas pelo sistema adenililciclase e AM Pc.2 FENÔMENOS DE NEUROADAPTAÇÃO ► A administração crônica de fármacos leva a alterações adaptativas, por exemplo, nos receptores. Os receptores não só iniciam a regulação de uma função fisiológica ou bioquímica como também são alvos de controles regulatórios e homeostáticos. A estimulação contínua de um receptor por um agonista geralmente resulta em um estado de dessen­ sibilização ou subsensibilidade (dow n-regulation), isto é, uma dim inuição do efeito obtido em condições normais. Essa alteração de resposta pode envolver uma modificação do receptor, sua destruição ou dim inuição de sín­ tese ou, ainda, sua realocação na célula. A subsensibilidade é muitas vezes responsável pela tolerância observada após uso crônico.11 O contrário também é frequentemente observado, ou seja, a hipersensibilidade do receptor quando exposto de modo crônico a uma redução no nível de estimulação. Em alguns casos, essa hiper-reatividade decorre do aumento de síntese do receptor. A hipersensibilidade resultante do bloqueio prolongado

14


TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA ► O uso contínuo de um fármaco pode levar à dim inuição da resposta, sendo necessário adm inistrar doses crescentes para obtenção do efeito original. Esse fenômeno, denominado tolerância, pode ser inato, ou seja, uma sensibilidade preexistente, ou adquirido e, nesse caso, pode ser farmacocinético (metabólico) ou farm acodinâm ico.2 A tolerância farmacocinética decorre da indução enzimática, com consequen­ te aumento da biotransformação e dim inuição da concentração do composto ativo no sangue. Por exemplo, a atividade das enzimas hepáticas aumenta após um período prolongado de consumo de fenobarbital, acelerando sua elim inação.1 Já a tolerância farmacodinâmica depende dos fenômenos de neuroadaptação, isto é, ocorre por dim inuição do número dos receptores ou da sensibilidade neuronal. Por exemplo, os efeitos anoréxicos das anfetaminas e os sedativos

15

PRINCÍPIOS g er a is da açao de psic o farm ac o s

de receptores dopaminérgicos está envolvida no desenvolvimento da discinesia tardia observada no tratam ento crônico com antipsicóticos.11 Os mecanismos de neuroadaptação têm sido relacionados não só com fenô­ menos de tolerância e dependência como tam bém vêm sendo propostos como subjacentes ao mecanismo de ação de muitos psicofármacos, além de possivelmente im plicados na fisiopatologia dos próprios transtornos psi­ quiátricos. Por exemplo, sabe-se que a administração crônica de muitos tratam entos antidepressivos leva, entre outras consequências, ao desenvol­ vimento de subsensibilidade de receptores a 2 pré-sinápticos e de receptores P-adrenérgicos e hipersensibilidade de receptores a l . A dim inuição na den­ sidade e na função dos receptores p-adrenérgicos é tem poralm ente relacio­ nada com o efeito clínico e é observada após administração prolongada de antidepressivos IMAOs, tricíclicos e outros, bem como com eletrochoque. Os mecanismos subjacentes a essa subsensibilidade envolvem mecanismos de fosforilação do próprio receptor por proteínas quinases, como, por exemplo, a quinase do receptor p-adrenérgico (p-ARK) e o acoplamento de proteínas associadas, como a p-arrestina.11’12 Outro exemplo dessas alterações adaptativas envolve o sistema serotonérgico. No tratam ento agudo com antidepressivos que bloqueiam a recaptação de 5-HT, os autorreceptores inibitórios 5-H T 1A, localizados nos corpos celu­ lares dos neurônios serotonérgicos no núcleo da rafe, estão expostos a uma concentração mais alta de 5-HT em função de seu bloqueio de recaptação. Em consequência, há uma dim inuição no disparo neuronal e liberação de 5-HT. Já no tratam ento prolongado, ocorre uma dessensibilização desses receptores, levando a um aumento na liberação de serotonina, que se corre­ laciona tem poralmente com a melhora clínica. Tem sido proposto que esse efeito adaptativo esteja im plicado na eficácia clínica de tais com postos.11 É im portante considerar que muitas das alterações descritas envolvem a regulação da expressão gênica neural por meio de fatores de transcrição, como a proteína de ligação ao elemento de resposta à AM Pc (CREB), o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), Fos e Jun, que modulam a ativida­ de de proteínas celulares específicas.11,12


princípios g er a is da açao de psic o farm ac o s

dos benzodiazepínicos podem dim inuir de intensidade após administração crônica. Fatores ambientais tam bém são capazes de desencadear um tipo de tolerân­ cia, conhecido como tolerância com portam ental. Um indivíduo habituado a consum ir o fármaco no mesmo ambiente pode apresentar efeitos mais intensos quando o fármaco é adm inistrado em um ambiente diferente. Vários psicofármacos apresentam tolerância cruzada com outros fármacos da mes­ ma classe ou entre compostos de efeitos semelhantes (barbitúricos e benzo­ diazepínicos). O fenômeno oposto à tolerância é a sensibilização, também conhecida como tolerância reversa, que determina um aumento da resposta inicial após ad­ ministração crônica (p. ex., anfetamina). É possível que a sensibilização te­ nha um papel na manutenção da dependência, tornando os dependentes mais suscetíveis a recaídas mesmo após longos períodos de descontinuação. A sensibilização é uma forma de plasticidade neuronal e está associada com mudanças neuroadaptativas no circuito de recompensa decorrentes do uso crônico de substâncias de abuso, sendo a dopamina o principal substrato neuronal envolvido nesse fenôm eno.13 O estado de adaptação induzido pelo uso contínuo de um fármaco pode manifestar-se pelo aparecimento de síndrome de abstinência após a retirada absoluta ou relativa de uma substância psicoativa consumida de modo pro­ longado. A gravidade da síndrome de abstinência é variável e específica para cada fármaco ou conjunto de fármacos. Considera-se que a dependência esteja associada à ativação de sistemas de recompensa relacionados ao reforço positivo e negativo. De acordo com os princípios de reforço, a autoadministração de um fármaco se mantém por suas consequências positivas, ou seja, o prazer que ele proporciona, bem como para evitar as consequências negativas decorrentes de sua retirada, isto é, a síndrome de abstinência. As evidências experimentais sugerem que o sistema dopaminérgico mesolímbico e o hipotálamo lateral, via receptores dopaminérgicos e opioides, estejam envolvidos nos mecanismos de recom­ pensa. Fármacos que mantêm a autoadministração em animais, como anfetaminas, barbitúricos, cocaína, etanol, heroína, nicotina, etc., promovem ativação do sistema dopaminérgico mesolímbico, aumentando a liberação de dopamina no nucleus accum bens.1 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► As combinações de fármacos para a potencia­ ção do efeito ou para dim inuir a latência da ação terapêutica são muito frequentes. Entretanto, muitas vezes, essas interações não são benéficas ou são potencial mente perigosas, devido a efeitos aditivos ou ao antagonismo entre os fárm acos.3

Na interação farm acodinâm ica, os fármacos envolvidos atuam no mesmo sítio de ação, podendo ocorrer sinergismo, potenciação ou antagonismo. Já nas farmacocinéticas, as interações acarretam alterações na concentração do fármaco em seu local de ação. Esse tipo de interação decorre de altera­ ções na absorção, na distribuição, na biotransformação ou na excreção do

16


REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

Brunton LL, Chabner BA, Knollmann BC. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman e Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH; 2012. Rang HR Dale MM, Ritter JM, Flower RJ, Henderson G. Rang & Dale: farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016. Oga S. Fundamentos de toxicologia. 4. ed. São Paulo: Atheneu; 2007. Preskorn SH, Flockhart D. 2004 guide to psychiatrie drug interactions. Prim Psychiatr. 2004;ll(2):39-60. Davis KL, Charney D, Coyle JT, Nemeroff C. Neuropsychopharmacology: the fifth generation of progress. Philadelphia: Lippincott, Williams & Wilkins; 2002. Stingl JC, Brockmoller J, Viviani R. Genetic variability of drug-metabolizing enzymes: the dual impact on psychiatric therapy and regulation of brain function. Mol Psychiatry. 2013;18(3):273-87. Iversen LL, Iversen SD, Bloom FE, Roth RH. Introduction to neuropsychopharmacology. Oxford: Oxford University; 2009. Greengard, R The neurobiology of slow synaptic transmission. Science. 2001 ;294(5544): 1024-30. Nestler EJ, Hyman SE, Malenka RC. Molecular pharmacology: a foundation for clinical neuroscience. 2nd ed. New York: MacGraw-Hill; 2009. Popoli M, Brunello N, Perez J, Racagni G. Second messenger-regulated protein kinases in the brain: their functional role and the action of antidepressant drugs. J Neurochem. 2000;74(l):21-33. Hyman SE, Nestler EJ. Initiation and adaptation: a paradigm for understanding psychotropic drug action. Am J Psych. 1996;153(2):151-62. Stahl, S.M. Psicofarmacologia: bases neurocientíficas e aplicações práticas. 4. ed. Rio de Janeiro: Gua­ nabara Koogan; 2014. Wise RA. The role of reward pathways in the development of drug dependence. Pharmacol Ther. 1987 ;35(l-2):227-63.

17

PRINCÍPIOS GERAIS DA AÇA0 DE PSIC0FARMAC0S

fármaco. Por exemplo, fármacos que retardam o esvaziamento gástrico e a m otilidade intestinal, como os que apresentam efeitos anticolinérgicos, interferem na velocidade de absorção de outros fármacos. Outros exemplos de mecanismos pelos quais os fármacos podem interagir quando adm inistra­ dos simultaneamente são a competição por ligação proteica e a indução (barbitúricos) ou a inibição enzimáticas (IMAOs), que levam a modificações na concentração dos fármacos metabolizados pelas enzimas cujos conteúdos foram alterados.3 No caso de fármacos com faixa terapêutica estreita, as interações m edi­ camentosas devem ser particularm ente cautelosas para não desencadear efeitos tóxicos caso sua faixa terapêutica seja ultrapassada.


Esta página foi deixada em branco intencionalmente


CAPITULO 2

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS BRUNO PINATTI FERREIRA DE SOUZA RENÉRIO FRÁGUAS

A associação entre medicamentos e sintomas psiquiátricos é bastante exten­ sa. No entanto, a literatura relacionada a esse tema, de modo geral, apresen­ ta limitações metodológicas importantes, sendo composta principalm ente por relatos de caso e estudos observacionais. Diante da suspeita de sintomas psiquiátricos induzidos por medicamentos, deve-se ter em mente não só o potencial do fármaco de induzir tais sintomas, mas tam bém o potencial do quadro clínico e/ou psiquiátrico do paciente de ser o responsável pelos sintomas. Essa diferenciação nem sempre é simples. Um exemplo clássico é o paciente com lúpus eritematoso sistêmico (LES) que recebe tratam ento com corticoide: os sintomas psiquiátricos podem de­ correr tanto do corticoide como do acom etim ento do sistema nervoso central (SNC) pelo LES. Outro aspecto a ser considerado é a semelhança entre sinto­ mas psiquiátricos e sintomas de outras patologias. Como exemplo, pode-se citar a perturbação do sono decorrente de insuficiência cardíaca que é inter­ pretada como insônia devida a algum medicamento. Tais sintomas também podem ser decorrentes de um transtorno psiquiátrico não diagnosticado pre­ viamente ou de fatores psicossociais. Por fim , vale lembrar que ansiedade, sintomas psicóticos, agitação, depressão ou mesmo d e liriu m podem decor­ rer da interrupção de certos medicamentos, e não da introdução de um novo fármaco. Também é im portante ter em mente que transtornos mentais estão associados à maior taxa de comorbidades clínicas, e, consequentemente, pacientes sob tais condições estão mais propensos a fazer uso de medica­ mentos fora do âm bito psiquiátrico. Assim, como em qualquer efeito colateral, a suspeita de sintomas psiquiátri­ cos induzidos por medicamentos ganha força diante de uma relação tem po­ ral, mas nem sempre segue essa regra. Apesar de a relação causal ser incon­ clusiva para a maioria dos medicamentos, deve-se atentar para o surgimento de novos sintomas psiquiátricos ou para a piora deles nos pacientes sob farmacoterapia, considerando, quando apropriado, a retirada dos agentes. Transtornos mentais induzidos por medicamentos apresentam curso e prog­ nóstico diferentes patologias “ puramente” psiquiátricas. Por exemplo, o prog­ nóstico de um paciente que apresenta um quadro psicótico induzido por 19


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

corticoide é totalm ente diferente do prognóstico de um paciente em surto psicótico devido à esquizofrenia. Nesse contexto, os dois sistemas classificatórios de diagnósticos utilizados em psiquiatria, a Classificação in te rn a cio ­ n a l de doenças e problem as relacionados à saúde, 10a edição (C ID -10),1 e o M anual diagnóstico e estatístico de transtornos m entais, 5 a edição (D SM -5),2 apresentam especificações para transtornos induzidos por substâncias/medicamentos. Neste capítulo, categorizamos as principais manifestações psiquiátricas as­ sociadas com medicamentos da seguinte forma: (1) cardiologia, (2) infectologia, (3) neurologia, (4) anti-inflam atórios, antineoplásicos e im unomoduladores e (5) outros medicamentos.

CARDIOLOGIA

► Diversas classes de medicamentos utilizadas no âm bito cardiológico podem causar sintomas psiquiátricos, entre elas: anti-hipertensivos, antiarrítmicos, diuréticos e estatinas (Quadro 2.1). Um exemplo clássico de medicamento utilizado em cardiologia que pode causar sintomas psiquiátricos é a reserpina. Ela foi amplamente aceita como protótipo de medicamento que pode causar depressão, apesar de essa associação não ter sido confirmada de modo adequado por pesquisas empíricas. O mecanismo

QUADRO 2.1 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO ÂMBITO CARDIOLÓGICO MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Acetazolamida

Depressão, delirium , confusão, estupor

Especialmente em idosos ou em pacientes com doença renal e hipoalbuminemia ou que fazem uso concomitante de salicilatos.

ß-bloqueadores

Depressão, psicose, delirium , ansiedade, pesadelos, alucinações

Bloqueadores dos canais de cálcio

Depressão

Flunarizina e cinarizina podem reduzir a liberação de dopamina no núcleo caudado.3

Captopril

Mania, ansiedade, alucinações

Alguns relatos sugeriram associação com depressão, principalmente em idosos, enquanto outros apontaram melhora do humor.4

Cinarizina

Ver Bloqueadores dos canais de cálcio

Clonidina

Depressão, delirium , psicose

Diltiazem

Ver Bloqueadores dos canais de cálcio

Podem melhorar com uso contínuo.

(Continua)

20


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.1 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO ÂMBITO CARDIOLÓGICO MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Diuréticos

Depressão, ideação suicida

Após semanas a meses de uso de tiazídicos; estudos mais recentes não sugerem associação.

Digoxina

Delirium, depressão, psicose, mania, alucinações visuais

Dose-dependentes; idosos sob maior risco.

Digitálicos

Delirium, depressão, diminuição da libido, psicose, mania, alucinações visuais

Dose-dependentes; idosos sob maior risco.

Disopiramida

Alucinações, paranoia, depressão, pânico

Nas primeiras 24 a 48 horas após início.

Estatinas

Depressão, ansiedade, tendências suicidas, sintomas psicóticos

Estudos dos anos de 1990 encontraram associação com suicídio e mortes violentas. No entanto, dados mais recentes da literatura sugerem, inclusive, redução de risco de depressão em pacientes que fazem uso de estatinas.5

Flunarizina

Ver Bloqueadores dos canais de cálcio

Vários relatos de sintomas parkinsonianos, acatisia e depressão.

Lovastatina

Ver Estatinas

Metildopa

Depressão, amnésia, pesadelos, sintomas psicóticos

Nifedipina

Ver Bloqueadores dos canais de cálcio

Pravastatina

Ver Estatinas

Propafenona

Agitação, delirium, desorientação, mania, paranoia

Propranolol

Ver p-bloqueadores

Quinidina

Confusão, agitação, psicose

Geralmente dose-dependentes.

Reserpina

Depressão

Pode ocorrer síndrome depressiva em até 20% dos pacientes e depressão psicótica em até 7%; evitar uso em hipertensos deprimidos ou com depressão prévia; geralmente dose-dependentes.

Sinvastatina

Ver Estatinas

Depressão leve ou moderada em até 10% dos pacientes, recomenda-se evitar prescrição para hipertensos deprimidos ou com depressão prévia.

Vários relatos.6' 7

21


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

seria a depleção de aminas biogênicas do SNC. Desde então, outros anti-hipertensivos tam bém têm sido foco de atenção, como p-bloqueadores, clonidina, metildopa, bloqueadores dos canais de cálcio e inibidores da enzima conversora da angiotensina (lECAs). Os p-bloqueadores estão entre os mais bem estudados. W aal8 relatou uma incidência de 50% de depressão em pacientes tratados com propranolol por mais de três meses. Uma série de relatos de casos também apontou os P-bloqueadores como causa de depressão. No entanto, estudos mais contro­ lados e artigos de revisão da década de 1990 em diante têm concluído que os p-bloqueadores provavelmente não causam depressão na maioria dos pacientes. Gerstman e colaboradores9 não encontraram maior ocorrência de depressão em pacientes que utilizavam anti-hipertensivos p-bloqueadores do que naqueles que faziam uso de anti-hipertensivos não p-bloqueadores. Ried e colaboradores,10 de modo prospectivo, observaram menos sintomatologia depressiva após um ano de uso de verapamil em comparação ao atenolol. De modo semelhante, em um estudo prospectivo, van Melle e colaboradores11 não encontraram associação entre o uso de p-bloqueadores e a incidência de depressão pós-infarto do miocárdio. Ried e colaboradores12 realizaram uma revisão da literatura e concluíram não existir associação entre o uso oral de P-bloqueadores e o humor depressivo. Ko e colaboradores,13 em sua revisão da literatura, concluíram que os p-bloqueadores estariam associados a um pequeno aumento na ocorrência de fadiga e de disfunção sexual, mas não à ocorrência de depressão. Contudo, é im portante lembrar que a ausência de aumento da incidência de depressão em estudos com grandes amostras u tili­ zando propranolol não exclui a existência de indivíduos com suscetibilida­ de para desenvolver depressão induzida por p-bloqueadores.14 As estatinas foram associadas tanto a aumento como redução do risco de depressão. A explicação para o aumento do risco seria decorrente da redução do colesterol e da consequente influência nos receptores de serotonina,8 na redução da exocitose de vesículas sinápticas e no sistema de sinalização da proteína G. Já a redução do risco seria decorrente do efeito na m inimização do estado inflam atório pelas estatinas.

DOENÇAS INFECCIOSAS

► A maior prevalência de d e liriu m em pacientes com quadros infectocontagiosos pode dificultar a identificação de sintomas psiquiátricos induzidos por medicamentos, especialmente no caso de sinto­ mas psicóticos. Vale lembrar tam bém que os sintomas psiquiátricos associa­ dos a antibióticos e a antirretrovirais não se lim itam à psicose. Eles podem produzir sintomas como depressão, ansiedade, euforia, insônia e agressivi­ dade (Quadro 2.2). Uma revisão investigou três principais classes de antibióticos associadas à psicose no tratam ento de infecções do trato urinário: fluoroquinolonas, peni­ cilinas e trimetoprima-sulfametoxazol. Verificou-se que tanto o início dos sin­ tomas psicóticos como sua resolução ocorrem, na maioria das vezes, dentro de uma semana após o início e a suspensão do antibiótico, respectivamente. O uso de antipsicóticos foi relatado em metade dos casos analisados.25

22


MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Abacavir

Mania, psicose15

Aciclovir

Alucinações, hiperacusia, paranoia, depressão, medo, confusão, insônia

Em altas dosagens, particularmente em pacientes com insuficiência renal aguda.

Antibióticos fluoroquinolônicos

Psicose, confusão, agitação, depressão, alucinações, paranoia, mania, sintomas semelhantes a transtorno de Tourette

Maioria dos relatos inclui psicose com ciprofloxacina.

Cefalosporinas

Euforia, delírios, despersonalização

Doença renal é um fator de risco.

Ciprofloxacina

Ver Antibióticos fluoroquinolônicos

Claritromicina

Mania

Dois casos relatados.16

Cloroquina

Perturbações do sono, mudanças de humor e personalidade, impulsividade, fuga de ideias, comportamentos inadequados, delírios persecutórios e paranoides, despersonalização, alucinações visuais e auditivas, mania

Vários relatos.17

Efavirenz

Sonhos vívidos ou pesadelos, alucinações, ansiedade, psicose, confusão

Vários relatos.18

Ganciclovir

Psicose, delirium

Vários relatos.19

Isoniazida

Psicose, alucinações

Vários relatos.20' 21

Mefloquina

Astenia, melancolia, ansiedade, fobias, sentimentos de agitação, aumento da autoestima, desinibição social, alteração da libido, mania, delírios paranoicos, psicose, hiper-religiosidade, despersonalização, déficits cognitivos, desorientação, amnésia, confusão, perturbações do sono, pesadelos graves, paralisia do sono, flashbacks, ideação suicida e suicídio

Vários relatos17

Metronidazol

Depressão, agitação, choro incontrolável, desorientação, alucinações

Dois casos com uso oral; alucinações em alta dosagem intravenosa em um caso.

Norfloxacina

Ver Antibióticos fluoroquinolônicos

Ofloxacina

Ver Antibióticos fluoroquinolônicos (i

Continua)

23

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.2 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO ÂMBITO DE DOENÇAS INFECTOCONTAGIOSAS


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.2 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS UTILIZADOS NO ÂMBITO DE DOENÇAS INFECTOCONTAGIOSAS MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Penicilina G procaína

Procaína e derivados

Sulfonamidas

Confusão, desorientação, depressão, euforia, alucinações

Vários relatos.22

Tiabendazol

Psicose

Ocasionalmente.

Trimetoprimasulfametoxazol

D elirium , psicose

Vários relatos.23’ 24

Zidovudina

Mania, psicose15

Já em relação aos antirretrovirais, o efavirenz, um inibidor da transcriptase reversa não análogo dos nucleosídeos, é talvez o antirretroviral mais comumente associado com toxicidade do SNC, sendo associado a insônia, irritabi­ lidade e sonhos vívidos. Os inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa, particularm ente a zidovudina e o abacavir, também podem produzir quadros psiquiátricos, incluindo mania e psicose.15

NEUROLOGIA

► Apesa r de alguns anticonvulsivantes serem eficazes no tra­ tam ento de psicopatologias, como transtorno bipolar e compulsões, eles po­ dem induzir sintomas psiquiátricos. Há relatos de diversas manifestações relacionadas a esses medicamentos, como agitação, confusão, depressão, psicose, agressividade e mania (Quadro 2.3). Em relação à doença de Parkinson (DP), quadros psicóticos chegam a ocor­ rer em 20 a 30% dos pacientes que fazem uso crônico de medicamentos antiparkinsonianos.29 Apesar de os sintomas psicóticos serem os sintomas psi­ quiátricos induzidos por medicamentos mais importantes nessa população, tam bém são descritas mania, ansiedade e hipersexualidade. A ocorrência de depressão, apesar de ser comum na DP, é um efeito colateral improvável de medicamentos antiparkinsonianos.30

ANTMNFLAMATÓRIOS, ANTINEOPLÁSICOS E IMUNOMODULADORES

► O Qua­ dro 2 .4 lista os medicamentos anti-inflam atórios, antineoplásicos e imunomoduladores, e os sintomas psiquiátricos associados a eles. A seguir, descre­ vemos com mais detalhes a ocorrência de sintomas psiquiátricos associados a corticoides e interferon (IFN). CORTICOIDES ► Os sintomas mais frequentes são agitação, ansiedade, medo, hipomania, indiferença, insônia, irritabilidade, letargia, labilidade emocional e inquietação. Duas metanálises32 encontraram reações psiquiátricas graves em 6% dos pacientes e reações leves e moderadas em 28% dos casos. No 24


MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Amantadina

Ilusões, alucinações visuais, delírios

Risco aumenta conforme a duração do tratamento.

Anticonvulsivantes

Agitação, confusão, delirium, depressão, psicose, agressividade, mania, encefalopatia tóxica, pesadelos

Geralmente, em altas dosagens ou alta concentração plasmática.

Baclofeno

Alucinações, paranoia, pesadelos, mania, depressão, ansiedade, confusão

Às vezes, em altas dosagens, mas depois de retirada súbita geralmente.

Carbamazepina

Ver Anticonvulsivantes

Menor associação com depressão entre os anticonvulsivantes.

Fenobarbital

Ver Anticonvulsivantes

Altamente associado à depressão.

Levodopa

Alucinações, delirium, mania, depressão, ansiedade, ataques de pânico, confusão

Dose-dependentes.

Metisergida

Despersonalização, alucinações, agitação

Vários relatos.

Pergolida

Ansiedade, paranoia, confusão, depressão, alucinações

Durante tratamento ou na retirada.

Primidona

Ver Anticonvulsivantes

Selegilina

Alucinações, mania, pesadelos, confusão, transtorno do comportamento, delirium, hipersexualidade

Sumatriptano

Sintomas somáticos similares a pânico28

Topiramato

Depressão, alucinações visuais, psicose

Vários relatos.26’ 27

Relacionado a altas doses iniciais, elevação rápida da dosagem, história psiquiátrica prévia e epilepsia grave.

início do tratamento, hipomania e euforia tendem a aparecer mais do que sintomas depressivos, que são mais característicos da corticoterapia de lon­ go prazo. Sintomas psicóticos polimorfos são mais comuns em mulheres e em condições como LES e pênfigo. Existem relatos de d e liriu m e demência. Pode haver, ainda, déficits cognitivos da memória declarativa decorrentes 25

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.3 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS NO ÂMBITO NEUROLÓGICO


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.4 ►MANIFESTAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ASSOCIADAS COM MEDICAMENTOS ANTI-INFLAMATÓRIOS, ANTINEOPLÁSICOS EIMUNOMODULADORES MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Anti-inflamatórios não esteroides

Depressão, psicose, delirium e alucinações

Sintomas relevantes, porém raros; principalmente em idosos.

Asparaginase

Confusão, depressão, paranoia

Podem ocorrer com frequência.

Citarabina

Confusão

Especialmente em altas dosagens.

Clorambucil

Alucinações, letargia, convulsões, estupor, coma

Em altas dosagens.

Corticoides

Psicose, hipomania, euforia, ansiedade, depressão, irritabilidade, insônia, labilidade emocional, déficits cognitivos leves da memória declarativa ou verbal, delirium

Ibuprofeno

Ver Anti-inflamatórios não esteroides

Depressão, principalmente em idosos.

Ifosfamida

Encefalopatia, alucinações, labilidade emocional

Vários relatos.31

Indometacina

Ver Anti-inflamatórios não esteroides

Reações parecem ser dosedependentes, mas seu aparecimento é relativamente raro.

lnterferon-a

Irritabilidade, labilidade emocional, depressão, agitação, paranoia

lnterleucina-2

Alucinações, desorientação

Naproxeno

Ver Anti-inflamatórios não esteroides

Salicilatos

Agitação, confusão, alucinações, paranoia

Sulindaco

Ver Anti-inflamatórios não esteroides

Vimblastina

Depressão, ansiedade

Podem ocorrer comumente.

Vincristina

Alucinações

Podem ser dose-dependentes.

26

Podem estar relacionadas com metástases cerebrais.

Intoxicação crônica.


INTERFERON - a ► A prevalência de depressão induzida por IFN varia de 23 a 45% . Inúmeras hipóteses explicam os mecanismos biológicos da depressão induzida por IFN, como disfunção das monoaminas, principalm ente dim inui­ ção dos níveis de 5-HT, ação sobre os sistemas noradrenérgico e dopaminérgico, distúrbio na ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenocortical, ati­ vação das citocinas pró-inflamatórias, dim inuição dos níveis de peptidases, aumento dos níveis de óxido nítrico e aumento da adesão intercelular molécula-1. Por meio da estimulação de produção de citocinas pró-inflamatórias, o IFN ocasiona a síndrome comportamental de doença (sickness behaviour syndrom e), caracterizada por fadiga, anedonia, lentificação psicomotora, anorexia, hiperalgesia, alteração do sono e isolamento social.35 Efeitos adversos neuropsiquiátricos induzidos pelo IFN, incluindo depressão, parecem estar relacionados com a dose e a duração do tratamento. O sur­ gimento de depressão ocorre, em média, 8 a 12 semanas após o início do tratamento, e a via de administração intravenosa está mais associada com maior taxa de depressão após um mês de tratam ento do que a administração subcutânea. Diversas condições médicas podem contribuir para a propensão ao desenvolvimento de depressão durante tratam ento com IFN, como ane­ mia, doenças tireoidianas, e transtornos do humor e outros transtornos psi­ quiátricos, principalm ente episódios prévios de transtorno depressivo maior. Além da ocorrência de depressão, relatos de caso têm descrito a perda de resposta ao tratam ento antidepressivo com o uso de IFN.36

27

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

da disfunção hipocampal. Déficits cognitivos durante tratam ento de curta duração parecem ser dose-dependentes e reversíveis com a descontinuação do corticoide. A dosagem do corticoide é o fator de risco mais im portante para o desenvol­ vimento dos sintomas psiquiátricos. A prednisona tem sido associada a maior risco de depressão33 e outros quadros psiquiátricos em pacientes com LES, principalm ente quando utilizada em doses acima de 2 0 mg/dia. O tratam ento de transtornos psiquiátricos induzidos por corticoides deve ini­ ciar, se possível, com a redução da dosagem ou a interrupção do medicamen­ to. Pacientes que não toleram a retirada ou a redução do corticoide ou que desenvolvem sintomas psiquiátricos graves devem receber tratam ento far­ macológico. Os antipsicóticos atípicos são recomendados como tratamento de primeira escolha por serem seguros e efetivos e apresentarem menos reações distônicas ou efeitos extrapiramidais do que os antipsicóticos típicos. Brown e colaboradores observaram que a olanzapina foi eficaz em 92% dos pacientes tratados por quadro maníaco ou misto induzido por corticoide.34 Embora os estabilizadores do humor, como carbonato de lítio, ácido valproico, gabapentina e lamotrigina, pareçam efetivos, a carbamazepina deve ser evitada, pois induz o metabolismo de alguns corticoides, podendo reduzir os níveis plasmáticos do esteroide e aumentar os sintomas da doença de base. Caso haja necessidade de uso de antidepressivos, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são os mais indicados, pois os tricíclicos podem exacerbar a agitação e a psicose.


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

A depressão ocorre com frequência maior nos pacientes tratados com IF N -a -n l e menor naqueles tratados com IFN -a-n3, enquanto os pacientes tratados com IFN -a-2b apresentam sintomas depressivos mais graves. Fumaz e colaboradores37 confirmaram a maior ocorrência de sintomas neuropsiquiátricos com o uso de interferon peguilado a -2 b comparado com o uso de IFN peguilado a-2a. Um estudo realizado por Rasenack e colaborado­ res38 demonstrou que o IFN-a-2a peguilado pode ser menos depressivogênico que sua forma não peguilada. O IFN-p é utilizado principalm ente no tratam ento de esclerose m últipla nos Estados Unidos, e parece não haver correlação com depressão. No entanto, são necessários estudos com m oni­ toram ento dos sintomas depressivos e de outros efeitos neuropsiquiátricos. Vários antidepressivos são eficazes para tratar a depressão por IFN. O tra­ tam ento deve ser instituído sempre que houver indicação clínica. Tanto na avaliação inicial como no acompanhamento, deve ser dada atenção especial ao risco de suicídio, uma vez que casos de suicídio têm sido descritos em pacientes com depressão associada ao uso de IFN. Apesar de ser eficaz de modo geral, o tratam ento antidepressivo parece ter pouca ação sobre sintomas vegetativos, como fadiga.35 O tratam ento antidepressivo profilático tem sido indicado para pacientes com história anterior de depressão ou com história de depressão associada a tratam entos prévios com IFN.39

OUTROS

► O Quadro 2 .5 lista medicamentos que não se enquadram nas classes descritas anteriormente, mas que também podem cursar com sinto­ mas psiquiátricos.

QUADRO 2.5 ►OUTROS MEDICAMENTOS QUE PODEM CAUSAR SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Anabolizantes esteroides

Psicose, mania, depressão, ansiedade, agressividade, paranoia

Maioria dos casos decorrente de uso abusivo.

Anfetamina

Comportamento bizarro, alucinações, paranoia, agitação, ansiedade, mania, pesadelos

Geralmente com overdose ou abuso inalatório; depressão na retirada.

Antagonistas de receptores histamínicos H2

Delirium, confusão, psicose, mania, agressividade, diminuição da libido, depressão

Especialmente em idosos e em doentes graves.

Anticolinérgicos

Confusão, perda de memória, desorientação, despersonalização, delirium, alucinações visuais e auditivas, medo, paranoia, agitação, comportamento bizarro

Mais frequentes em idosos e em crianças sob altas dosagens; podem ocorrer com escopolamina transdérmica {Continua)

28


MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Atropina

Fala incoerente súbita, delirium com febre alta, alucinações, amnésia retrógrada tópica

Em colírios e particularmente quando administrada por via nasal.

Barbitúricos

Excitação, hiperatividade, alucinações visuais, depressão, síndrome semelhante ao delirium tremens

Especialmente em crianças e em idosos, ou na retirada.

Bloqueadores anti-histamínicos H2

Delirium, confusão, psicose, mania, agressividade, depressão, pesadelos

Especialmente em idosos e em doentes graves.

Bromocriptina

Mania, ilusão, alucinações, paranoia, comportamento agressivo, depressão, ansiedade

Não são dose-dependentes; podem persistir semanas após interrupção do medicamento.

Cimetidina

Ver Antagonistas de receptores histamínicos H2

Codeína

Ver Narcóticos

Dextrometorfano

Psicose

Vários relatos em altas dosagens.40

Eritropoietina

Alucinações visuais

Relatadas em pacientes em diálise e que receberam transplante de medula.

Estrogênios

Ataques de pânico, depressão

Vários relatos; alguns estudos demonstram melhora do humor na pós-menopausa.41

Fenfluramina

Ver Anfetamina

Fenilpropanolamina

Psicose, mania, irritabilidade, confusão, agressividade, alucinações, depressão, ansiedade

Geralmente em uso combinado com outros agentes; paciente com história de transtorno psicótico ou do humor corre maior risco.

Isotretinoína

Depressão, suicídio

Vários relatos.42

Cetamina

Pesadelos, alucinações, delirium, labilidade emocional

Agudos, frequentes em doses habituais.

Levonorgestrel

Depressão maior e transtorno de pânico

Vários relatos (implante).

(i

Continua)

29

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.5 ►OUTROS MEDICAMENTOS QUE PODEM CAUSAR SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

QUADRO 2.5 ►OUTROS MEDICAMENTOS QUE PODEM CAUSAR SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS MEDICAMENTO

MANIFESTAÇÃO

OBSERVAÇÃO

Lidocaína

Alterações do humor, ansiedade, estados confusionais, alucinações e delírios

Vários relatos.43

Meperidina

Ver Narcóticos

Metadona

Ver Narcóticos

Metandrostenolona

Ver Anabolizantes esteroides

Metiltestosterona

Ver Anabolizantes esteroides

Metoclopramida

Depressão, ansiedade, mania

Morfina

Ver Narcóticos

Nalorfina

Ver Narcóticos

Narcóticos

Pesadelos, ansiedade, agitação, euforia, disforia, depressão, paranoia, alucinações

Ondansetrona

Disforia, ataques de pânico

Oxandrolona

Ver Anabolizantes esteroides

Oximetolona

Ver Anabolizantes esteroides

Pilocarpina

Confusão, agitação, perda de memória

Propoxifeno

Ver Narcóticos

Pseudoefedrina

Alucinações, paranoia, transtorno bipolar

Ranitidina

Ver Antagonistas de receptores histamínicos H2

Teofilina

Isolamento, mutismo, hiperatividade, ansiedade, mania

Em alta dosagem sérica.

Tizanidina

Alucinações

Relatos de alucinações visuais ou delírio em 3% dos pacientes.

30

Vários relatos.44' 45

Geralmente em altas dosagens.

Uso ocular tópico em idosos e em pacientes com demência.

Relato em crianças sob dosagens habituais e em adultos com uso abusivo.


1. 2. 3. 4. 5.

Organização Mundial da Saúde. Classificação de transtornos mentais e do comportamento da CID-10. Descrições clinicas e diagnosticas. 10. ed. São Paulo: Artes Médicas; 1993. American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed; 2014. Hullett FJ, Potkin SG, Levy AB, Ciasca R. Depression associated with nifedipine-induced calcium channel blockade. Am J Psychiatry. 1988;145(10):1277-9. Gajula RR Berlin RM. Captopril-induced mania. Am J Psychiatry. 1993;150(9):1429-30. Parsaik AK, Singh B, Murad MH, Singh K, Mascarenhas SS, Williams MD, et al. Statins use and risk of depression: a systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2014;160:62-7.

6. 7.

Jack RA. A case of mania secondary to propafenone. J Clin Psychiatry. 1985;46(3): 104-5. Jones RJ, Brace SR, Vander Tuin EL. Probable propafenone-induced transient global amnesia. Ann Pharmacother. 1995;29(6):586-90. 8. Waal HJ. Propranolol-induced depression. Br Med J. 1967;2(5543):50. 9. Gerstman BB, Jolson HM, Bauer M, Cho R Livingston JM, Platt R. The incidence of depression in new users of beta-blockers and selected antihypertensives. J Clin Epidemiol. 1996;49(7):809-15. 10. Ried LD, Tueth MJ, Handberg E, Kupfer S, Pepine CJ, Group IS. A study of antihypertensive drugs and depressive symptoms (SADD-Sx) in patients treated with a calcium antagonist versus an atenolol hyper­ tension treatment strategy in the international verapamil sr-trandolapril study (INVEST). Psychosom Med. 2005;67(3):398-406. 11. van Melle JR Verbeek DE, van den Berg MR Ormel J, van der Linde MR, de Jonge R Beta-blockers and depression after myocardial infarction: a multicenter prospective study. J Am Coll Cardiol. 2006;48(11):2209-14. 12. Ried LD, McFarland BH, Johnson RE, Brody KK. Beta-blockers and depression: the more the murkier? Ann Pharmacother. 1998;32(6):699-708. 13. Ko DT, Hebert PR, Coffey CS, Sedrakyan A, Curtis JR Krumholz HM. Beta-blocker therapy and symptoms of depression, fatigue, and sexual dysfunction. JAMA. 2002;288(3):351-7. 14. von Kanel R, Begre S. Depression after myocardial infarction: unraveling the mystery of poor cardiovascu­ lar prognosis and role of beta-blocker therapy. J Am Coll Cardiol. 2006;48(ll):2215-7. 15. Abers MS, Shandera WX, Kass JS. Neurological and psychiatric adverse effects of antiretroviral drugs. CNS Drugs. 2014;28(2):131-45. 16. Nightingale SD, Koster FT, Mertz GJ, Loss SD. Clarithromycin-induced mania in two patients with AIDS. Clin Infect Dis. 1995;20(6):1563-4. 17. Nevin RL, Croft AM. Psychiatric effects of malaria and anti-malarial drugs: historical and modern pers­ pectives. Malar J. 2016;15:332. 18. Welch KJ, Morse A. Association between efavirenz and selected psychiatric and neurological conditions. J Infect Dis. 2002;185(2):268-9. 19. Southworth MR, Dunlap SH. Psychotic symptoms and confusion associated with intravenous ganciclovir in a heart transplant recipient. Pharmacotherapy. 2000;20(4):479-83. 20. Krauthammer C, Klerman GL. Secondary mania: manic syndromes associated with antecedent physical illness or drugs. Arch Gen Psychiatry. 1978;35(ll):1333-9. 21. Alao AO, Yolles JC. Isoniazid-induced psychosis. Ann Pharmacother.. 1998;32(9):889-91. 22. Sternbach H, State R. Antibiotics: neuropsychiatrie effects and psychotropic interactions. Harv Rev Psychiatry. 1997;5(4):214-26. 23. Gregor JC, Zilli CA, Gotlib IH. Acute psychosis associated with oral trimethoprim-sulfamethoxazole thera­ py. Can J Psychiatry. 1993;38(l):56-8. 24. McCue JD, Zandt JR. Acute psychoses associated with the use of ciprofloxacin and trimethoprim-sulfa­ methoxazole. Am J Med. 1991;90(4):528-9. 25. Mostafa S, Miller BJ. Antibiotic-associated psychosis during treatment of urinary tract infections: a sys­ tematic review. J Clin Psychopharmacol. 2014;34(4):483-90.

31

MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

REFERENCIAS


MEDICAMENTOS QUE CAUSAM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS

26. Cummings JL. Behavioral complications of drug treatment of Parkinson’s disease. J Am Geriatr Soc. 1991;39(7):708-16. 27. Young BK, Camicioli R, Ganzini L. Neuropsychiatrie adverse effects of antiparkinsonian drugs. Characte­ ristics, evaluation and treatment. Drugs Aging. 1997;10(5):367-83. 28. Loi V, Lai M, Pisano MR, Del Zompo M. Sumatriptan and panic-like symptoms. Am J Psychiatry. 1996; 153(11): 1505. 29. Kuzuhara S. Drug-induced psychotic symptoms in Parkinson’s disease. Problems, management and di­ lemma. J Neurol. 2001;248 Suppl 3:11128-31. 30. Factor SA, Molho ES, Podskalny GD, Brown D. Parkinson's disease: drug-induced psychiatric states. Adv Neurol. 1995;65:115-38. 31. Merimsky 0, Reider-Groswasser I, Wigler N, Chaitchik S. Encephalopathy in ifosfamide-treated patients. Acta Neurol Scand. 1992;86(5):521-5. 32. Lewis DA, Smith RE. Steroid-induced psychiatric syndromes. A report of 14 cases and a review of the literature. J Affect Disord. 1983;5(4):319-32. 33. Huang X, Magder LS, Petri M. Predictors of incident depression in systemic lupus erythematosus. J Rheu­ matol. 2014;41(9):1823-33. 34. Brown ES, Chamberlain W, Dhanani N, Paranjpe P Carmody TJ, Sargeant M. An open-label trial of olanza­ pine for corticosteroid-induced mood symptoms. J Affect Disord. 2004;83(2-3):277-81. 35. Martin KA, Krahn LE, Balan V, Rosati MJ. Modafinil’s use in combating interferon-induced fatigue. Dig Dis Sei. 2007;52(4):893-6. 36. McAllister-Williams RH, Young AH, Menkes DB. Antidepressant response reversed by interferon. Br J Psychiatry. 2000;176:93. 37. Fumaz CR, Munoz-Moreno JA, Ballesteros AL, Paredes R, Ferrer MJ, Salas A, et al. Influence of the type of pegylated interferon on the onset of depressive and neuropsychiatrie symptoms in HIV-HCV coinfected patients. AIDS Care. 2007; 19(1): 138-45. 38. Rasenack J, Zeuzem S, Feinman SV, Heathcote EJ, Manns M, Yoshida EM, et al. Peginterferon alpha-2a (40kD) [Pegasys] improves HR-QOL outcomes compared with unmodified interferon alpha-2a [Roferon-A]: in patients with chronic hepatitis C. Pharmacoeconomics. 2003;21(5):341-9. 39. Asnis GM, De La Garza R 2nd. Interferon-induced depression in chronic hepatitis C: a review of its prevalence, risk factors, biology, and treatment approaches. J Clin Gastroenterol. 2006;40(4):322-35. 40. Price LH, Lebel J. Dextromethorphan-induced psychosis. Am J Psychiatry. 2000;157(2):304. 41. Hubbard JR, Levenson JL, Patrick GA. Psychiatric side effects associated with the ten most commonly dispensed prescription drugs: a review. J Fam Pract. 1991;33(2): 177-86. 42. Byrne A, Hnatko G. Depression associated with isotretinoin therapy. Can J Psychiatry. 1995;40(9):567. 43. Saravay SM, Marke J, Steinberg MD, Rabiner CJ. “ Doom anxiety” and delirium in lidocaine toxicity. Am J Psychiatry. 1987; 144(2): 159-63. 44. Patten SB, Love EJ. Drug-induced depression. Incidence, avoidance and management. Drug Saf. 1994; 10(3):203-19. 45. Patten SB, Love EJ. Neuropsychiatrie adverse drug reactions: passive reports to Health and Welfare Canada's adverse drug reaction database (1965-present). Int J Psychiatry Med. 1994;24(l):45-62.

32


CAPÍTULO 3

ANTI PSICÓTICOS MARIO R. LOUZÀ

A descrição do efeito antipsicótico da clorpromazina feita por Delay e colabo­ radores1 revolucionou o tratam ento dos quadros psicóticos, especialmente o da esquizofrenia. Alguns anos depois, em 1958, Divry e colaboradores2 publicaram os primeiros resultados do uso do haloperidol na agitação psi­ comotora. Surge, então, uma nova classe de medicamentos psicotrópicos, inicialm ente denominada neurolépticos ou tranquilizantes maiores. Nos dias atuais, o termo utilizado de forma mais corrente para denominar esses medi­ camentos é antipsicóticos. /v

CLASSIFICAÇAO

► Os antipsicóticos podem ser classificados segundo sua estrutura química (Quadro 3 .1 ) ou seu mecanismo de ação (Quadro 3.2). Os antipsicóticos sintetizados logo após a descoberta da clorpromazina, ao longo das décadas de 1 9 5 0 a 1980, são denominados antipsicóticos tra­ dicionais, típicos ou de primeira geração. Sua característica principal é o bloqueio intenso de receptores dopaminérgicos de tipo D2, o que acarreta os efeitos colaterais extrapiramidais e o aumento da prolactina sérica. Considera-se que seu efeito terapêutico principal seja o controle de sintomas positivos, como delírios, alucinações, agitação psicomotora, não tendo efeito significativo sobre os sintomas negativos, como embotamento afetivo, apatia e abulia. Em 1970, surgiu o primeiro antipsicótico que não produzia efeitos colaterais extrapiramidais: a clozapina. No entanto, somente na década de 1990, ou­ tros antipsicóticos com essas características foram sintetizados. Esses novos antipsicóticos, denominados atípicos ou de segunda geração, caracterizam-se por um bloqueio menos intenso de receptores dopaminérgicos, além de atuarem sobre outros sistemas de neurotransmissão, especialmente o serotonérgico. Eles teriam uma eficácia mais ampla: além dos sintomas positivos, agiriam também em sintomas negativos, cognitivos e depressivos. Em geral, provocam menos efeitos extrapiramidais e exercem menor influência na pro­ lactina sérica em comparação com os de primeira geração. A classificação segundo o mecanismo de ação do antipsicótico permite uma visão mais detalhada de sua eficácia e dos possíveis efeitos colaterais, como será descrito adiante.

FARMACOCINETICA

► Os antipsicóticos utilizados por via oral (exceção: asenapina de uso sublingual) são absorvidos rapidamente no trato gastrintes­ tinal. Eles sofrem metabolização hepática (metabolização de primeira pas­ sagem) com bastante variação interindividual e alcançam concentração plasmática máxima em cerca de 1 a 3 horas. São altamente lipofílicos, 33


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 3.1 ►CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS SEGUNDO SUA ESTRUTURA QUÍMICA Fenotiazínicos • Alifáticos: clorpromazina, levomepromazina • Piperidínicos: tioridazina, propericiazina, pipotiazina • Piperazínicos: flufenazina, trifluoperazina Difenilbutilpiperidínicos: pimozida, penfluridol Butirofenonas: haloperidol Tioxantenos: zuclopentixol Benzamidas: sulpirida, amisulprida Dibenzodiazepínicos: clozapina Benzisoxazólicos: risperidona, paliperidona Tienobenzodiazepínicos: olanzapina Dibenzotiazepínicos: quetiapina Benzisotiazilpiperazínicos: ziprasidona Quiloninonas: aripiprazol Dibenzo-oxepino pirrole: asenapina

distribuindo-se em com partimentos lipídicos do organismo. Sua meia-vida, em geral, é de cerca de 2 0 a 4 0 horas, podendo ser utilizados em dose única diária (exceções: ziprasidona, quetiapina, asenapina e amisulprida, com meia-vida em torno de 6 a 8 horas, requerendo duas doses ao dia). São eliminados após metabolização hepática, por excreção renal (exceção: paliperidona, que é excretada diretamente pelo rim). Demoram alguns dias para atingir o equilíbrio (steady-state) de concentração plasmática. As formulações de ação imediata utilizadas por via intram uscular são absor­ vidas rapidamente e atingem concentração máxima cerca de quatro vezes maior que as respectivas formulações orais. Por serem medicações lipofílicas, não devem ser utilizadas por via intravenosa. As formulações intramusculares de longa ação (ação prolongada ou depot) são absorvidas lentamente (em geral, levam dias) e demoram algumas se­ manas ou meses para atingir o steady-state. Fatores como idade, gênero, tabagismo, doenças hepáticas ou renais, uso de indutores ou inibidores do metabolismo hepático (sistema CYP450) podem modificar o nível sérico dos antipsicóticos e, portanto, sua ação terapêutica.

MECANISMOS DE AÇÃO

► Os principais mecanismos de ação dos antipsicó­ ticos estão relacionados no Quadro 3.2. De modo geral, os antipsicóticos de primeira geração agem sobre o sistema dopaminérgico de modo inespecí34


/v

INDICAÇÕES

► Os antipsicóticos têm uma ampla gama de indicações em psiquiatria e em outras áreas da medicina. São utilizados no tratam ento dos quadros de agitação psicomotora, independentemente de sua etiologia, no quadro agudo e no tratam ento de manutenção da esquizofrenia e de outras psicoses esquizofreniformes, nos transtornos delirantes crônicos, no quadro agudo de mania e, possivelmente, na profilaxia do transtorno bipolar, bem como na depressão bipolar e na depressão psicótica. São utilizados, tam ­ bém, em transtornos mentais orgânicos, em transtornos mentais da infância e da adolescência, em sintomas com portam entais dos quadros demenciais e em transtornos da personalidade.

MANEJO CLÍNICO ► ANTIPSICÓTICOS ORAIS ► As doses habituais dos principais antipsicóticos es­ tão relacionadas na Tabela 3.2.

QUADRO 3.2 ►CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIPSICÓTICOS SEGUNDO SEU MECANISMO DE AÇÃO Antagonistas inespecíficos dos receptores dopaminérgicos D2: haloperidol, flufenazina, clorpromazina Antagonistas dos receptores serotonérgico 5-HT2A e dopaminérgico D2: risperidona, ziprasidona, asenapina, paliperidona, lurasidona Antagonistas de múltiplos receptores (5-HT2A, D2, histaminérgico, colinérgico): clozapina, olanzapina, quetiapina Antagonistas dos receptores dopaminérgicos D2 e D3 límbicos: amisulprida Agonista parcial do receptor dopaminérgico D2: aripiprazol

35

ANTIPSICÓTICOS

fico, bloqueando tanto as vias mesolímbica e mesocortical (que estariam relacionadas aos sintomas da esquizofrenia) quanto as vias nigroestriatal (produzindo os efeitos extrapiramidais) e hipotálam o-hipofisária (levando ao aumento da prolactina sérica). Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam mecanismos de ação variados. Sua afinidade pelos receptores dopaminérgicos seria menor que a dos antipsicóticos de primeira geração. Além disso, agiriam sobre outros sistemas de neurotransmissão, resultando do equilíbrio entre a ação sobre os vários neurotransmissores a sua ação terapêutica. Ainda quanto à afinidade, a velocidade de ligação e de dissociação no receptor varia conforme o antipsicótico, havendo a hipótese de que a rápida dissociação do receptor (fast K -off) seria tam bém um mecanismo de atipicidade dos antipsicóticos.3'5 A partir da afinidade por vários tipos de receptores (Tab. 3.1), é possível deduzir a ação terapêutica dos antipsicóticos e sua propensão aos diferentes efeitos colaterais.


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.1 ► AFINIDADE (NMOL/L)* DOS ANTIPSICÓTICOS PELOS DIVERSOS RECEPTORES RECEPTORES SER0T0NÉRGIC0S

RECEPTORES HISTAMINÉRGICOS

RECEPTORES MUSCARÍNIC0S

d2

5-HTa

5"HTja

5-HT2C

oc 2

a 1

Hi

m3

Amisulprida

1,3

2.000

> 10.000

> 10.000

1.600

7.100

> 10.000

10.000

Aripiprazoi

0,66

8,7

5,57

22,4

74

26

29,7

4.677

Asenapina

1,3

0,07

2,7

0,034

n.d

1,2

1,0

n.d

Clozapina

256

5,4

104,8

17

142

1,64

12

25

Flufenazina

0,6

80

2.829

658

304

9

67

> 10.000

Haloperidol

4

53

1.202

10.000

1.130

12

1.800

10.000

Clorpromazina

6,7

12

3.115

6,1

184

0,3

0,18

67

Olanzapina

34

2

2.063

6,8

314,1

115

2

105

Quetiapina

245

101

431,6

2.502

3.630

22

2,2

10.000

Risperidona

65

0,17

427,5

35

150,8

5

15

10.000

Lurasidona

1,68

2,03

6,75

n.d

40,7

47,9

>

Ziprasidona

9,7

0,3

76

13

160

18

43

n.d = não determinado. * Constante de afinidade: quanto maior o número, menor a afinidade. Fonte: Adaptada de Horacek e colaboradores 6 e Roerig e colaboradores . 7

RECEPTORES ADRENÉRGIC0S

1.000

>

1.000

10.000

Clique aqui para visualizar este conteúdo na horizontal

RECEPTORES DOPAMINÉRGICOS


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.2 ►DOSES HABITUAIS DE ANTIPSICÓTICOS ORAIS DOSE HABITUAL (MG/DIA)

FAIXA TERAPÊUTICA (MG/DIA)

EQUIVALÊNCIA (MG)

Clorpromazina

400-800

25-1.200

100

Levomepromazina

100-400

25-600

50

Propericiazina

10-20

5-60

n.d

Tioridazina

100-300

50-600

100

Trifluoperazina

10-20

5-40

5

Flufenazina

5-10

1-30

2

Pimozida

4-8

1-12

n.d

Haloperidol

5-10

1-30

2

Risperidona

4-6

2-16

2

Clozapina

300-500

50-900

n.d

Olanzapina

10-20

5-30

5

Quetiapina

400-600

100-800

75

Amisulprida

200-600

50-800

n.d

Ziprasidona

80-160

40-160

60

Aripiprazol

15-30

10-30

7,5

Lurasidona

40-80

40-120

n.d

Paliperidona

6

3-12

n.d

Asenapina

5-10

5-20

n.d

PRIMEIRA GERAÇÃO

SEGUNDA GERAÇÃO

n.d = não determinado.

De modo geral, os antipsicóticos orais devem ser introduzidos em dose baixa, aumentada gradualmente conforme a resposta clínica do paciente. As doses devem ser ajustadas individualm ente, já que há bastante variação farmacocinética interindividual. Estudos recentes mostram que a ação antipsicótica começa a surgir já nas primeiras duas semanas de tratam ento, e, em quatro semanas, uma significativa porcentagem de resposta clínica é alcançada nos pacientes em tratam ento.8’9 Tem sido proposto que a resposta clínica após duas semanas de tratam ento é um preditor de resposta clínica após quatro semanas. Logo, pacientes que não apresentam melhora clínica após duas semanas se beneficiariam com a troca do antipsicótico.10 Diretrizes interna­ cionais adotaram o intervalo de 2 a 8 semanas de uso do antipsicótico antes 37


ANTIPSICÓTICOS

de se considerar que o paciente não respondeu ao tratam ento.11’12 Uma vez obtida a resposta terapêutica desejada, os antipsicóticos orais devem ser mantidos por tem po prolongado, pelo menos dois anos, para evitar recaídas. A dose de manutenção pode ser reduzida de modo gradual, desde que a sintomatologia seja monitorada adequadam ente.11’12 A maneira de utilização dos antipsicóticos varia conforme a doença. Na es­ quizofrenia, o tratam ento costuma ser de longo prazo, no quadro agudo e no tratam ento de manutenção, para prevenção de recaídas. Já em quadros psicóticos agudos de outra etiologia, o uso em geral se restringe ao período psicótico. Em indivíduos com transtorno bipolar, a indicação mais frequente do antipsicótico é no quadro maníaco. Alguns antipsicóticos, no entanto, apresentam ação semelhante à de estabilizadores do humor, podendo ser utilizados no tratam ento de manutenção, e tam bém ação antidepressiva, sendo indicados na depressão bipolar. Em idosos, os antipsicóticos são frequentemente utilizados para o controle dos sintomas psicológicos e com porta menta is da demência. No entanto, uma metanálise recente aponta um risco mais elevado de mortalidade com antipsicóticos de segunda geração nessa indicação,13 portanto seu uso deve ser feito com cautela. ANTIPSICÓTICOS INTRAMUSCULARES DE AÇÃO RÁPIDA ► A utilização dos antipsicó­ ticos intramusculares de ação rápida ocorre principalm ente em situações de emergência psiquiátrica, para controle rápido de agitação psicomotora ou quadro psicótico agudo. As doses empregadas são apresentadas na Tabela 3 .3 . Em geral, os medicamentos intramusculares são utilizados por algumas ho­ ras ou dias, até que seja possível migrar para tratam ento com antipsicóticos por via oral. ANTIPSICÓTICOS INTRAMUSCULARES DE LONGA AÇÃO ► Os antipsicóticos de longa ação (Tab. 3 .4) são indicados principalm ente no tratam ento de manutenção da esquizofrenia. Sua utilização com intervalos de 2 a 4 semanas, conforme o medicamento, garante a presença do antipsicótico no organismo, reduzin­ do o risco de recaída. Na substituição de um antipsicótico oral por um m edi­ camento intram uscular de longa ação, pode ser necessário manter, concom i­ tantemente, o antipsicótico oral por algum tempo (dias ou semanas), até que o antipsicótico de longa ação tenha atingido o equilíbrio (steady-state). Em geral, a aplicação da injeção é feita na musculatura glútea (exceção: paliperidona, cuja injeção pode ser aplicada também no músculo deltoide), alternando-se o lado da injeção.

EFEITOS COLATERAIS

► O perfil de efeitos colaterais varia conforme o antip­ sicótico, a dose utilizada e a sensibilidade do indivíduo (Tab. 3.5). Embora, em geral, os antipsicóticos de primeira geração desencadeiem principalm ente efeitos extrapiramidais e hiperprolactinem ia; e os antipsicóticos de segunda geração, ganho de peso e alterações metabólicas, há muita variação entre os m edicam entos.14

38


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.3 ►PRINCIPAIS ANTIPSICÓTICOS INTRAMUSCULARES DE AÇÃO RÁPIDA DOSES HABITUAIS E ESQUEMA DE TRATAMENTO DOSE IM HABITUAL (MG)

RECOMENDAÇÕES

Clorpromazina

25

Dose máxima diária: 200 mg

Haloperidol

2,5-5

• •

Dose máxima diária: 30 mg Aplicações a cada 2 horas, se necessário

Olanzapina

2,5-10

Dose máxima diária: 30 mg Uma 2a dose de até 10 mg pode ser administrada 2 horas após a I a dose Uma 3a dose de até 10 mg pode ser administrada 4 horas após a 2a injeção

Ziprasidona (mesilato)

10-20

Zuclopentixol (acetato)

50-150

Dose máxima diária: 40 mg Doses de 10 mg podem ser aplicadas a cada 2 horas Doses de 20 mg podem ser aplicadas a cada 4 horas*• • • • •

Dose máxima total: 400 mg (ou, no máximo, 4 aplicações) A aplicação pode ser repetida a cada 2-3 dias Concentração máxima atingida após cerca de 36 horas Meia-vida de eliminação: aproximadamente 30 horas

De modo geral, os efeitos colaterais dos antipsicóticos são dose-dependentes, de maneira que, diante da presença de um efeito colateral, a dim inuição da dose do antipsicótico é a primeira estratégia terapêutica a ser adotada. Se isso não for possível, a segunda estratégia é a troca do antipsicótico por outro com um perfil de efeitos colaterais diferente do anterior. A terceira estratégia é o acréscimo de um medicamento, se houver, que reduza ou controle o efeito colateral em questão. EFEITOS EXTRAPIRAMIDAIS ► Os principais efeitos extrapiramidais agudos são distonia aguda, acatisia e síndrome parkinsoniana. Os principais efeitos ex­ trapiram idais crônicos são discinesia e distonia tardias (Tab. 3.6). Esses efeitos ocorrem principalm ente com os antipsicóticos de primeira geração e podem ser evitados por meio da introdução do medicamento em doses baixas, com aumento progressivo da dose até o lim iar do aparecimento de efeitos extrapiramidais, estabilizando o medicamento nessa dose. Sabe-se que a taxa de ocupação de receptores D2 necessária para a eficácia dos antipsicóticos é menor que a taxa de ocupação quando os efeitos extrapiramidais surgem. Assim, não é preciso desenvolver esses efeitos colaterais para que haja resposta terapêutica ao antipsicótico. Os antipsicóticos de segunda ge­ ração, em geral, não produzem efeitos extrapiramidais ou os provocam em 39


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.4 ► PRINCIPAIS ANTIPSICÓTICOS INTRAMUSCULARES DE LONGA AÇÃO

Haloperidol (decanoato)

DOSE HABITUAL (MG)

INTERVALO ENTRE AS INJEÇÕES (SEMANAS)

OBSERVAÇÕES

50-200

2-4

• • •

Paliperidona (pamoato)

50-150

4

• •

Risperidona (microesferas em solução aquosa)

25-50

2

Zuclopentixol (decanoato)

100-400

2-4

Concentração plasmática máxima em 3-9 dias Meia-vida de cerca de 3 semanas Steady-state alcançado em 2-4 meses Iniciar com 150 mg com aplicação no músculo deltoide Após uma semana, 100 mg, com aplicação no músculo deltoide A partir da 3a injeção (1 mês após a 2a): dose flexível conforme indicado clinicamente Manter (ou introduzir) antipsicótico oral durante 15 dias após a aplicação da I a injeção

frequência e intensidade menores. A discinesia tardia é uma complicação do uso de antipsicóticos (sobretudo os de primeira geração). Ainda não há um tratam ento bem-estabelecido para ela, por isso a detecção precoce e o uso de antipsicóticos de segunda geração são a melhor maneira de dim inuir o risco de aparecimento desses sintom as.15’15 HIPERPROLACTINEMIA ► O aumento da prolactina sérica é responsável por vários efeitos colaterais: aumento das mamas, galactorreia e amenorreia na m ulher e ginecomastia no homem. Além desses efeitos, é frequente a pre­ sença de disfunções sexuais. Embora isso ainda seja controverso, é possível que a hiperprolactinem ia crônica aumente o risco de osteoporose e de carci­ noma de mama. A principal estratégia de tratam ento da hiperprolactinemia é a substituição do antipsicótico por outro com menor propensão ao aumento da prolactina.17 GANHO DE PESO E ALTERAÇÕES METABÓLICAS ► O ganho de peso é induzido por vários antipsicóticos em proporções variadas (Tab. 3.7). Ligado a ele (embo­ ra nem sempre), surgem alterações metabólicas que causam im pacto prin­ cipalm ente sobre o sistema cardiovascular. Hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia são frequentes, além de hiperglicemia e diabetes melito. Alguns 40


TABELA 3.5 ►PERFIL DE EFEITOS COLATERAIS DOS ANTIPSICÓTICOS HALOPERIDOL

RISPERIDONA

OLANZAPINA

ZIPRASIDONA ARIPIPRAZOL CLOZAPINA

ASENAPINA LURASIDONA

AMISULPRIDA

Efeitos extrapiramidais

+ +

+ + +

+ /+ +

-/ +

-/+

-/+

-/+

-/+

+ /+ +

Discinesia tardia

+ +

+ + +

+

+

+

+

+

+

+

Sedação

+ + +

+

-/ +

+ /+ +

+ /+ +

-/+

Hiperprolactinemia

+ +

+ + /+ + +

+ /+ +

-/ +

-/+

Ganho de peso

+ +

+

+

+ + +

+ +

Alterações metabólicas

+

+

+

+ + +

+

Hipotensão ortostática

+ + +

+

+ +

+ +

+

-

-

+ + /+ + +

+

+ -/+

+

++

+ /+ +

+++

++

-/+

+ /+ +

+++

++

-/+

+

++

+

- = ausente ou mínimo; + = leve; + + = moderado; + + + = marcante. Fonte: Adaptada de Hasan e colaboradores 11 e Galletly e colaboradores . 12

ANTIPSICÓTICOS

Clique aqui para visualizar este conteúdo na horizontal

QUETIAPINA

CLORPROMAZINA


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.6 ► EFEITOS EXTRAPIRAMIDAIS DOS ANTIPSICÓTICOS MANIFESTAÇÃO CLÍNICA

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

Parkinsonismo

Rigidez, tremor de extremidades, dificuldade de marcha (marcha em bloco, marcha a p e titp a s ), salivação excessiva, hipomimia; em casos graves, a lentificação pode chegar a acinesia.

Anticolinérgicos (p. ex., biperideno, 2-6 mg/dia via oral)

Distonia aguda

Contração muscular intensa, pode atingir diferentes grupos musculares (crise oculógira, contrações de língua, torcicolos, opistótono). Tende a reduzir ao longo do tratamento.

Biperideno intramuscular ou prometazina intramuscular

Acatisia

Inquietação motora, especialmente nos membros inferiores, dificuldade de permanecer sentado, movimento alternado dos membros inferiores (marcha no próprio lugar), sensação subjetiva de inquietação.

p-bloqueadores (p. ex., propranolol, 40-80 mg/dia via oral) Benzodiazepínicos via oral

Discinesia tardia

Movimentos hipercinéticos involuntários coreoatetóticos em geral iniciam na região orofacial (síndrome buco-línguomastigatória); outras áreas do corpo podem ser afetadas.

Nenhum tratamento claramente efetivo • Redução gradual do antipsicótico • Substituição por antipsicótico de segunda geração • Clozapina • Vitamina E • Benzodiazepínicos

Distonia tardia

Contrações musculares localizadas contínuas (torcicolo, opistótono, síndrome de Pisa).

Nenhum tratamento claramente efetivo • Redução gradual do antipsicótico • Substituição por antipsicótico de segunda geração • Clozapina • Tratamento local com toxina botulínica

antipsicóticos de segunda geração apresentam maior risco para o desenvolvi­ mento de alterações do metabolismo de lipídeos e de glicose. Sabe-se que tais alterações estão presentes desde o uso de antipsicóticos de primeira geração, porém faltam estudos sistemáticos sobre esses medicamentos (Tab. 3.7). Em comparação com os antipsicóticos de primeira geração, alguns de

42


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.7 ► GANHO DE PESO INDUZIDO POR ANTIPSICÓTICOS GANHO DE PESO (KG)#

PIORA 00 PERFIL LIPÍDIC0*

RISCO DE DIABETES*

Amisulprida

0,8

+

+

Aripiprazol

0,71

0/+

0/+

Asenapina

1,25

+

+

Clozapina

5,67

+ + +

+ + +

Olanzapina

4,17

+++

+++

Paliperidona

1,8

+ +

+ +

Quetiapina

2,49

+ + /+ + +

+ + /+ + +

Risperidona

1,67

+ /+ +

+ /+ +

Ziprasidona

0,28

0/+

0/+

Clorpromazina

4,19

?

?

Haloperidol

0,51

?

?

SEGUNDA GERAÇÃO

PRIMEIRA GERAÇÃO

# Períodos variáveis de *

0

10

a

2 4

semanas.

= ausente; + = baixo; + + = moderado; + + + = alto; ? = dados insuficientes ou inconclusivos.

Fonte: Adaptada de Bak e colaboradores 2 1 e De Hert e colaboradores . 2 2

segunda geração parecem apresentar um risco maior de alterações lipídicas e de glicem ia.18 Há diretrizes para monitoração periódica dos pacientes que recebem antipsicóticos de segunda geração quanto ao ganho de peso, por meio de exa­ mes físicos e laboratoriais (Tab. 3.8). A abordagem terapêutica desse efeito colateral envolve a própria prevenção do ganho de peso desde o início do tratamento, com orientação dietética, atividade física e medidas comportam entais.19 Se houver ganho de peso, além das orientações já citadas, é im portante avaliar a resposta clínica do paciente, visando à substituição eventual do antipsicótico por outro com menor propensão a esse efeito. O uso de medicamentos para redução de peso é a medida indicada se a respos­ ta clínica for satisfatória ou não houver outra opção de tratamento. Entre as estratégias medicamentosas sugeridas, está a adição de aripiprazol, metformina, topiram ato ou orlistat.20 SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA ► Trata-se de um quadro grave que ocorre com maior frequência no uso de antipsicóticos de primeira geração e é poten­ cialm ente fatal. Caracteriza-se por hipertermia, rigidez muscular, alterações da consciência e disfunção autonômica (taquicardia, sudorese excessiva e

43


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 3.8 ►MONITORAÇÃO CLINICA E LABORATORIAL DE PACIENTES SOB USO DE ANTIPSICÓTICOS

INÍCIO

43 SEMANA

8i

12l

SEMANA

SEMANA

TRIMESTRAL

X

X

X

X

ANUAL

História pessoal e familiar (fatores de risco cardiovasculares e metabólicos)

X

Peso (IMC)

X

Circunferência da cintura

X

Pressão arterial

X

X

X

Glicemia (jejum)

X

X

X

Hemoglobina glicosilada (HbAlc)

X

X

X

Perfil lipídico (colesterol total e frações, triglicerídeos) em jejum

X

X

X

X

Fonte: Adaptada de Ventriglio e colaboradores . 2 3

labilidade de pressão arterial). Pode haver agitação psicomotora ou estupor. Os exames laboratoriais mostram aumento da creatinoquinase (CK) e leucocitose. O diagnóstico diferencial deve ser feito com quadros catatônicos, hipertermia maligna ou outras causas de agitação psicomotora. Alguns fato­ res de risco incluem agitação psicomotora, temperatura ambiente elevada, desidratação e presença de transtorno mental orgânico. A síndrome instala-se em geral agudamente, em horas ou dias, e requer interrupção imediata do antipsicótico. A detecção precoce é fundamental. Pacientes em tratam ento com antipsicóticos devem realizar o controle diário da temperatura corporal. O tratam ento deve ser feito em unidade de trata­ mento intensivo (UTI), pois complicações como insuficiência renal aguda, infecções e coagulação intravascular, além de desequilíbrio hidreletrolítico, podem ocorrer. Além da interrupção do antipsicótico e das medidas gerais de redução da temperatura e hidratação, devem ser administrados medi­ camentos de ação dopaminérgica (brom ocriptina, até 4 0 mg/dia via oral, ou amantadina, até 3 0 0 mg/dia via oral), miorrelaxantes (dantrolene, até 10 mg/kg/dia via intravenosa ou até 2 0 0 mg/dia via oral) e benzodiazepínicos. A eletroconvulsoterapia (ECT) tem sido utilizada com sucesso. Como a sín­ drome neuroléptica maligna está associada ao antagonismo dopaminérgico D2, se houver necessidade de reintrodução de antipsicóticos, deve-se optar por aqueles com menor bloqueio de receptores D2.24 /w

SEDAÇAO ► A sedação decorre da ação histaminérgica dos antipsicóticos. Embora possa ser bem-vinda durante o tratam ento do quadro agudo, quando 44


ALTERAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS ► Diversos medicamentos, entre eles alguns antidepressivos tricíclicos e antipsicóticos, podem causar aumento do intervalo QTc (intervalo QT do eletrocardiograma [ECG], corrigido pela frequência cardíaca). O prolongamento do intervalo QTc é fator de risco para o desencadeamento de arritm ias ventriculares (torsades de p o in te s), poten­ cialm ente fatais. O risco é maior tam bém quando esse intervalo ultrapassa 500 mseg. A extensão do prolongamento QTc varia conforme o medicamen­ to. Logo, o risco de arritm ia tam bém é variável, sendo que, para alguns medicamentos, não há relatos de torsades de pointes ou de morte súbita. Na maioria das vezes, o prolongamento do intervalo QTc ocorre dentro do intervalo normal. Os antipsicóticos que causam maior prolongamento do intervalo QTc e propensão ao desenvolvimento de torsades de pointes são citados no Quadro 3.3. É im portante lembrar que outros medicamentos (p. ex., alguns antibióticos e antiarrítm icos classes la e 3) também aumentam o intervalo QTc, de modo que sua associação com antipsicóticos que tam bém causam esse prolon­ gamento é contraindicada. Essa e outras interações medicamentosas com agentes que possam inibir o metabolismo desses antipsicóticos devem ser sempre consideradas. Fatores de risco individuais, como idade, sexo fem ini­ no, distúrbios hidreletrolíticos, presença de cardiopatia prévia e obesidade também devem ser considerados. ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS ► A clozapina demanda controle hematológico periódico, devido à incidência de agranulocitose (neutrófilos < 5 0 0 /m m 3)

QUADRO 3.3 ►RISCO DE PROLONGAMENTO 00 INTERVALO QTc DE ALGUNS ANTIPSICÓTICOS Risco elevado (inclui relatos de torsades de pointes e de morte súbita) • Tioridazina, haloperidol (via intravenosa), pimozida Risco moderado (aumento do intervalo QTc, sem relatos claros de torsades de pointes e de morte súbita) • Ziprasidona, clozapina, haloperidol (via oral) Risco baixo (aumento discreto do intervalo QTc) • Quetiapina, risperidona, olanzapina, asenapina, paliperidona *• Risco mínimo (sem prolongamento significativo do intervalo QTc) • Aripiprazol Fonte: Adaptado de Beach e colaboradores , 2 5 Hasnain e Vieweg 2 6 e W enzel-Seifert e colaboradores . 2 7

45

ANTIPSICÓTICOS

o paciente está frequentemente agitado e insone, sua persistência a longo prazo causa desconforto e prejudica as atividades da vida diária, além de aumentar o risco de quedas. Alguns pacientes desenvolvem tolerância ao longo das primeiras semanas de tratamento. Em caso de persistência da sedação, as estratégias possíveis para m inim izar esse efeito colateral consis­ tem na redução da dose do antipsicótico ou da concentração da ingestão do medicamento no período noturno.


ANTIPSICÓTICOS

de cerca de 1% no primeiro ano de tratamento, além de leucopenia (leucó­ citos < 3 .0 0 0 /m m 3) e plaquetopenia (plaquetas < 1 0 0 .0 0 0 /m m 3). Antes de iniciar o tratamento, é preciso solicitar um hemograma completo, depois, um hemograma semanal durante as primeiras 18 semanas de tratam ento e, posteriormente, um hemograma mensal durante todo o tempo de tratam ento com clozapina. Os demais antipsicóticos apresentam baixo risco para discrasias sanguíneas, sendo, entretanto, esse risco maior com as fenotiazinas. OUTROS EFEITOS COLATERAIS ► São relatados muitos efeitos colaterais com antipsicóticos na literatura médica. De modo geral, eles são de intensidade leve e não prejudicam o tratamento.

Alguns efeitos colaterais são mais graves e devem ser monitorados com maior cautela. • •

• • • • • • • •

Alterações gastrintestinais: obstipação intestinal, hipersalivação ou boca seca, náuseas. Diminuição do lim iar convulsivo, especialmente com clozapina e fenotia­ zinas de cadeia alifática, com alterações do eletroencefalograma (EEG) e risco de convulsões. Alterações hepáticas, com aumento transitório de enzimas hepáticas, observadas no início do tratam ento, em geral sem consequências clínicas. Reações alérgicas cutâneas, associadas à exposição aos raios solares, com exantemas e eritemas. Secreção inapropriada do hormônio diurético, com polidipsia e hiponatremia. Tontura e hipotensão ortostática, particularm ente em idosos, com risco de queda. Retenção urinária, particularmente em idosos com hipertrofia prostática; priapismo (raro, porém requer intervenção imediata). Glaucoma de ângulo fechado (requer intervenção imediata). Retinite pigmentosa desencadeada por tioridazina em doses acima de 6 0 0 mg/dia. Déficits de memória e quadros confusionais com antipsicóticos que te­ nham ação anticolinérgica significativa, especialmente se associados a anticolinérgicos centrais ou antidepressivos tricíclicos. Prejuízo da m otricidade fina, devendo o paciente ser orientado quanto ao risco de lidar com máquinas ou conduzir veículos.

REFERÊNCIAS 1.

Delay J, Deniker R Harl JM. Traitement des états d’excitation et d'agitation par une méthode médicamen­ teuse dérivée de l’hibernothérapie. Ann Med-psychol. 1952;110:267-73.

2.

Divry R Bobon J, Collard J. Le R 1625, nouvelle thérapeutique, symptomatique de l'agitation psychomotorice. Acta Neurol Psychiatr Belg. 1958;58(10):878-88. Seeman R Atypical antipsychotics: mechanism of action. Can J Psychiatry. 2002;47(l):27-38. Miller R. Mechanisms of action of antipsychotic drugs of different classes, refractoriness to therapeutic effects of classical neuroleptics, and individual variation in sensitivity to their actions: part I. Curr Neuropharmacol. 2009;7(4):302-14.

3. 4.

46


6. 7. 8. 9. 10. 11.

12.

13.

14.

15. 16. 17. 18.

19. 20.

Miller R. Mechanisms of action of antipsychotic drugs of different classes, refractoriness to therapeutic effects of classical neuroleptics, and individual variation in sensitivity to their actions: part II. Curr Neuropharmacol. 2009;7(4):315-30. Horacek J, Bubenikova-Valesova V, Kopecek M, Palenicek T, Dockery C, Mohr F) et al. Mechanism of action of atypical antipsychotic drugs and the neurobiology of schizophrenia. CNS Drugs. 2006;20(5):389-409. Roerig JL, Steffen KJ, Mitchell JE. Atypical antipsychotic-induced weight gain: insights into mechanisms of action. CNS Drugs. 2011;25(12):1035-59. Leucht S, Busch R, Hamann J, Kissling W, Kane JM. Early-onset hypothesis of antipsychotic drug action: a hypothesis tested, confirmed and extended. Biol Psychiatry. 2005;57(12): 1543-9. Agid O, Seeman P Kapur S. The “delayed onset” of antipsychotic action: an idea whose time has come and gone. J Psychiatry Neurosci. 2006;31(2):93-100. Leucht S, Busch R, Kissling W, Kane JM. Early prediction of antipsychotic nonresponse among patients with schizophrenia. J Clin Psychiatry. 2007;68(3):352-60. Hasan A, Falkai P Wobrock T, Lieberman J, Glenthoj B, Gattaz WF, et al. World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for biological treatment of schizophrenia, part 1: update 2012 on the acute treatment of schizophrenia and the management of treatment resistance. World J Biol Psychiatry. 2012;13(5):318-78. Galletly C, Castle D, Dark F, Humberstone V, Jablensky A, Killackey E, et al. Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists clinical practice guidelines for the management of schizophrenia and related disorders. Aust N Z J Psychiatry. 2016;50(5):410-72. Ma H, Huang Y, Cong Z, Wang Y, Jiang W, Gao S, et al. The efficacy and safety of atypical antipsychotics for the treatment of dementia: a meta-analysis of randomized placebo-controlled trials. J Alzheimers Dis. 2014;42(3):915-37. Ames D, Carr-Lopez SM, Gutierrez MA, Pierre JM, Rosen JA, Shakib S, et al. Detecting and mana­ ging adverse effects of antipsychotic medications: current state of play. Psychiatr Clin North Am. 2016;39(2):275-311. Lerner PP Miodownik C, Lerner V. Tardive dyskinesia (syndrome): current concept and modern approa­ ches to its management. Psychiatry Clin Neurosci. 2015;69(6):321-34. Young SL, Taylor M, Lawrie SM. “ First do no harm.” A systematic review of the prevalence and manage­ ment of antipsychotic adverse effects. J Psychopharmacol. 2015;29(4):353-62. Ajmal A, Joffe H, Nachtigall LB. Psychotropic-induced hyperprolactinemia: a clinical review. Psychosomatics. 2014;55(l):29-36. Das C, Mendez G, Jagasia S, Labbate LA. Second-generation antipsychotic use in schizophrenia and associated weight gain: a critical review and meta-analysis of behavioral and pharmacologic treatments. Ann Clin Psychiatry. 2012;24(3):225-39. Manu P Dima L, Shulman M, Vancampfort D, De Hert M, Correll CU. Weight gain and obesity in schi­ zophrenia: epidemiology, pathobiology, and management. Acta Psychiatr Scand. 2015;132(2):97-108. 20. Cooper SJ, Reynolds GP Barnes T, England E, Haddad PM, Heald A, et al. BAP guidelines on the management of weight gain, metabolic disturbances and cardiovascular risk associated with psychosis and antipsychotic drug treatment. J Psychopharmacol. 2016;30(8):717-48.

21. Bak M, Fransen A, Janssen J, van Os J, Drukker M. Almost all antipsychotics result in weight gain: a meta-analysis. PLoS One. 2014;9(4):e94112. 22. De Hert M, Yu W, Detraux J, Sweers K, van Winkel R, Correll CU. Body weight and metabolic adverse effects of asenapine, iloperidone, lurasidone and paliperidone in the treatment of schizophrenia and bipolar disorder: a systematic review and exploratory meta-analysis. CNS Drugs. 2012;26(9):733-59. 23. Ventriglio A, Gentile A, Stella E, Bellomo A. Metabolic issues in patients affected by schizophrenia: clinical characteristics and medical management. Front Neurosci. 2015;9:297. 24. Nagel M, Freisberg S, Junghanns K, Moll CK, Willenborg B. The neuroleptic malignant syndrome. Fortschr Neurol Psychiatr. 2015;83(7):373-80. 25. Beach SR, Celano CM, Noseworthy PA, Januzzi JL, Huffman JC. QTc prolongation, torsades de pointes, and psychotropic medications. Psychosomatics. 2013;54(1):1-13.

47

ANTIPSIC0TIC0S

5.


ANTIPSICÓTICOS

26. Hasnain M, Vieweg WV. QTc interval prolongation and torsade de pointes associated with second-generation antipsychotics and antidepressants: a comprehensive review. CNS Drugs. 2014;28(10):887-920. 27. Wenzel-Seifert K, Wittmann M, Haen E. QTc prolongation by psychotropic drugs and the risk of torsade de pointes. Dtsch Arztebl Int. 2011;108(41}:687-93.

LEITURAS RECOMENDADAS Gareri P Segura-García C, Manfredi VG, Bruni A, Ciambrone P Cerminara G, et al. Use of atypical antipsychotics in the elderly: a clinical review. Clin Interv Aging. 2014;9:1363-73. Mauri MC, Paletta S, Maffini M, Colasanti A, Dragogna p Di Pace C, et al. Clinical pharmacology of atypical antipsychotics: an update. EXCLIJ. 2014;13:1163-91. Schneider LS, Dagerman KS, Insel P Risk of death with atypical antipsychotic drug treatment for dementia: meta-analysis of randomized placebo-controlled trials. JAMA. 2005;294(15): 1934-43. Witchel HJ, Hancox JC, Nutt DJ. Psychotropic drugs, cardiac arrhythmia, and sudden death. J Clin Psychopharmacol. 2003;23(l):58-77.

48


RICARDO ALBERTO MORENO FERNANDO FERNANDES DORIS HUPFELD MORENO

A depressão tornou-se uma condição médica tratável farmacologicamente, tal qual doenças como o diabetes e a hipertensão arterial sistêmica, a partir da descoberta acidental das substâncias antidepressivas (iproniazida e im ipramina) na década de 1950. Esses fármacos atuavam m odificando o me­ tabolism o das aminas biogênicas e aumentando a disponibilidade de neurotransmissores na fenda sináptica. A partir disso, estava lançada a base da teoria monoaminérgica da depressão.1 Nos últim os 60 anos, a psicofarmacologia da depressão evoluiu m uito e rapidamente. Até a década de 1980, havia duas classes de antidepressivos, os tricíclicos (ADTs) e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). Os ADTs apresentavam boa eficácia devido a sua ação de aumentar a biodisponibilidade de norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT) na fenda sináptica. Porém, sua ação não era seletiva, atuando em outros sistemas monoaminérgicos (histam ina, acetilcolina [ACh], a l e a2-adrenérgicos) (Fig. 4 .1) e, por conseguinte, produzindo efeitos colaterais indesejados, levando a baixa tolerabilidade e risco de toxicidade.2 Os IMAOs são antidepressivos igualmente eficazes e têm como mecanismo de ação a inibição irreversível da enzima MAO, o que tam bém eleva a biodisponibi­ lidade de monoaminas. Essa inibição, contudo, requer do paciente uma dieta pobre em tiram ina para evitar interação farmacológica que cause crises hipertensivas potencial mente fatais. A eficácia dos antidepressivos tradicionais no tratam ento da depressão levou a indústria farmacêutica a pesquisar novos compostos que tivessem eficácia semelhante à dos ADTs e fossem desprovidos dos efeitos adversos deles ou, pelo menos, mais bem tolerados (Fig. 4 .2 ).4’7 O lançamento da fluoxetina, em 1988, revolucionou o tratam ento da depressão, promovendo uma alter­ nativa aos antidepressivos tradicionais, de eficácia equiparável, com melhor perfil de tolerabilidade e segurança na superdosagem (crucial na prevenção do suicídio por ingestão excessiva do antidepressivo prescrito), obtida pela seletividade da ação em receptores serotonérgicos. A partir do sucesso al­ cançado pela fluoxetina, foi dada a largada para o lançamento de novos ini­ bidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), que foram substituin­ do os ADTs. No campo da pesquisa com inibidores seletivos, na década de 1990, surgiram compostos de espectro de ação amplo, semelhante aos ADTs e IMAOs, os chamados de duais, que inibem a recaptação de 5-HT e NE (ISRSNs), como a venlafaxina, a mirtazapina e o milnaciprano. A seguir, surgiram os chamados rem akes or m e-too, fármacos em que a modificação da molécula principal levou a compostos com características diferenciadas, 49


ANTIDEPRESSIVOS FIGURA 4.1 ► EFEITOS COLATERAIS CORRELACIONADOS COM A AÇÃO NOS RECEPTORES. Fonte: Richelson,3 Schatzberg e DeBattista,4Sadock e colaboradores,5 e Padder.6 Recap. = recaptação; 1^ = receptor de histamina tipo 1; DA = dopamina; 5-HT = receptor de serotonina; 5-HT2 = receptor de serotonina tipo 2; 5-HT3 = receptor de serotonina tipo 3; NE = receptor de norepinefrina; a l = receptor a 1-adrenérgico; a 2 = receptor a2-adrenérgico; ACh = receptor de acetilcolina.

como o escitalopram (citalopram) e a desvenlafaxina (venlafaxina). Também foi desenvolvida a duloxetina, outro antidepressivo de ação dual. Em 2 0 0 9 , foi comercializada a agomelatina, o primeiro antidepressivo melatoninérgico que atua como um potente agonista de receptor M T j/IV ^ e com proprieda­ des antagonistas de 5-HT2c. 0 sinergismo das propriedades contribui para a ação antidepressiva da agomelatina. Em 2 0 1 3 , foi lançada a vortioxetina, que age de forma distinta em diferentes receptores serotonérgicos (antago­ nista 5-H T 1D, 5-HT3 e 5-H T7, agonista parcial 5-H T 1B e agonista 5-H T 1A), além de inibir a ação dos transportadores de 5-HT.8

A evolução dos antidepressivos

1970 Iproniazida

Imipramina

Fluoxetina

Nefazodona

Escitalopram

Fenelzina

Clomipramina

Sertralina

Mirtazapina

Duloxetina

Isocarboxazida

Nortriptilina

Paroxetina

Reboxetina

Desvenlafaxina

Tranilcipromina

Amitriptilina

Fluvoxamina

Venlafaxina

Agomelatina

Desipramina

Citalopram

Tianeptina

Bupropiona

Milnaciprano

Moclobemida

FIGURA 4.2 ► EVOLUÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS.

50

Vortioxetina


O objetivo do tratam ento antidepressivo é a remissão dos sintomas, dim inuin­ do o risco de recorrência, melhorando a qualidade de vida e a capacidade funcional e indicando um bom prognóstico.9 O tratam ento da depressão é d i­ vidido em três fases: aguda, continuação e m anutenção.10 A fase aguda dura de 8 a 12 semanas e visa à remissão dos sintomas da síndrome depressiva (ausência de sinais ou sintomas do episódio índice que preencha o diagnós­ tico de transtorno depressivo) e à promoção inicial da recuperação do funcio­ namento psicossocial. Em uma fração considerável dos casos, pode ser ob­ servado o início da melhora em 1 a 2 semanas, um bom valor preditivo para o sucesso no tratamento. Em contrapartida, caso não haja resposta parcial em até quatro semanas, são poucas as chances de resposta ou remissão.4 A fase de continuação dura de 6 a 12 meses e tem como objetivo a preven­ ção de recaídas (retorno dos sintomas do episódio índice) e a recuperação funcional. A divisão em fase aguda e continuação é meramente didática, pois ambas as fases são mandatórias no tratam ento de qualquer episódio depressivo. O paciente assintomático por seis meses é considerado como recuperado do episódio atual. O tratam ento de manutenção visa à prevenção de recorrências (surgimento de novo episódio depressivo). O tratam ento de manutenção está indicado a pacientes com grande risco de recorrência ao longo da vida, como é o caso de depressões crônicas (duração acima de dois anos), episódios graves (com tentativas de suicídio ou sintomas psicóticos), depressões resistentes a tratam ento, depressões recorrentes (três ou mais episódios ao longo da vida) e depressão no idoso (de início após os 65 anos), presença de sintomas residuais e história de recorrência na interrupção do antidepressivo. Nesses casos, o tratam ento deve se estender por pelo menos 3 a 5 anos ou, em algumas situações, ser vitalício ou continuar enquanto houver risco de recorrência. Recomenda-se manter durante todo o tempo a mesma dose que foi necessária para atingir a remissão dos sintomas nas fases aguda e de continuação (Quadro 4 .1 ).11-14 Em pacientes sob tratam en­ to de manutenção, a retirada abrupta do medicamento pode ocasionar a síndrome de descontinuação abrupta, caracterizada por sintomas diversos (como tontura, perturbação sensorial e do equilíbrio, náusea ou vômitos, fa­ diga, cefaleia, instabilidade de marcha, irritabilidade, vertigem, sensação de desmaio e insônia) que geralmente ocorrem com ADTs, IMAOs irreversíveis, ISRSs ou venlafaxina, não havendo relatos com agomelatina e vortioxetina. A síndrome costuma ser de intensidade leve, mas pode ser grave no caso dos IMAOs.11 Essa reação deve ser diferenciada de uma recorrência depressiva (retorno dos sintomas do transtorno depressivo maior - TDM) e do efeito re­ bote (retorno da sintomatologia original, mas com grande intensidade - algo semelhante ao que ocorre com a retirada abrupta de lítio), e, para tanto, recomenda-se reduzir o antidepressivo de forma gradativa ao longo de 3 a 4 meses. O paciente deve ser monitorado de perto até dois meses após a suspensão completa do medicamento. As fases do tratam ento do TDM estão ilustradas na Figura 4.3.

51

ANTIDEPRESSIVOS

PRINCÍPIOS GERAIS DO TRATAMENTO ANTIDEPRESSIVO


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.1 ►FATORES ASSOCIADOS COM RISCO ELEVADO DE RECORRÊNCIA NO TOM Três ou mais episódios depressivos Taxa pregressa de recorrências elevada (p. ex., dois episódios em cinco anos) Episódios prévios nos anos anteriores Sintomas residuais durante a fase de continuação do tratamento Sintomas residuais subsindrômicos na remissão Transtorno distímico concomitante (depressão dupla) - atualmente transtorno depressivo persis­ tente Gravidade dos episódios (inclui risco de suicídio e psicose) Episódios pregressos longos Recaída após interrupção do medicamento Abuso de substância concomitante Transtorno de ansiedade concomitante História fam iliar de TDM em parente de primeiro grau Início antes dos 30 anos Fonte: Bauer e colaboradores11 e Lam e colaboradores.12

Atualmente, dispomos de mais de 30 compostos com evidência de eficácia que podem ser usados no tratam ento do TDM (Tab. 4.1). A escolha do antidepressivo deve se basear no acúmulo de evidências de eficácia do medica­ mento, no perfil de efeitos adversos, nas comorbidades (clínicas e psiquiátri­ cas) e na história pessoal ou fam iliar de resposta anterior a determinado fármaco. Além disso, devemos considerar as interações medicamentosas e

Resposta

Remissão

Recaída

Recuperação Recaída

i

Sem depressão ♦ ♦ ♦

Síndrome

% &

Gravidade

..................................................

JV"""* Sintomas

♦ • • ■ • • ■ • • • •

w

4-12 semanas

4-9 meses

1 ou mais anos

Aguda

Continuação

Manutenção

FIGURA 4.3 ► AS FASES DO TRATAMENTO DO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR. Fonte: Kupfer.10

52

Recorrência

♦ • ■


TABELA 4.1 ► ANTIDEPRESSIVOS DISPONÍVEIS NO BRASIL. FAIXA TERAPÊUTICA E APRESENTAÇÕES MEDICAMENTOS

APRESENTAÇÕES (MG)

FAIXA TERAPÊUTICA (MG/DIA)

Tranilcipromina

Drágeas: 10

20-60

Imipramina

Drágeas: 10,25

150-300

Pamoato de imipramina

Cápsulas: 75,150

150-300

Amitriptilina

Comprimidos: 25

150-300

Nortriptilina

Cápsulas: 10,25, 50, 75

25-150

Clomipramina

Drágeas: 10,25 Comprimidos: 75 Ampolas (2 mL): 25

150-300

Maprotilina

Comprimidos: 25,75 Ampolas (5 mL): 25

75-225

Mianserina

Comprimidos: 30

30-90

Amineptina

Comprimidos: 100

100-200

Fluoxetina

Cápsulas: 20

20-80

Paroxetina

Cápsulas: 20

20-40

Citalopram

Comprimidos: 20

20-40

Escitalopram

Comprimidos: 10

20-60

Sertralina

Comprimidos: 50

50-200

Fluvoxamina

Comprimidos: 100

50-300

Trazodona

Comprimidos: 100

150-300

Venlafaxina Desvenlafaxina

Cápsulas XR: 37,5,75 e 150 Comprimidos: 50,100

75-375 50-200

Milnaciprano

Cápsulas: 25 e 50

100

Duloxetina

Cápsulas: 30 e 60

60-120

Mirtazapina

Comprimidos: 1 5 ,3 0 ,4 5

15-45

Tianeptina

Comprimidos: 12,5

12,5-50

Reboxetina

Comprimidos: 4

8-10

Agomelatina

Comprimidos: 25

25-50

Vortioxetina

Comprimidos: 10

10-20

Fonte: Hillhouse e Potter,1 Schatzberg e De Battista ,4 Sadock e colaboradores, 5 Padder,6 Millan e colaboradores,7 Moreno e colaboradores16 e Stahl.29

53

ANTIDEPRESSIVOS

o uso dos fármacos em populações específicas (crianças, idosos, gestantes e associado a outras comorbidades clínicas). Uma metanálise comparou a


ANTIDEPRESSIVOS

eficácia de 12 dos principais antidepressivos e destacou os quatro mais eficazes: sertralina, escitalopram, mirtazapina e venlafaxina. Os demais exi­ biam potência equivalente (citalopram , bupropiona, paroxetina, fluvoxamina, duloxetina, fluoxetina e milnaciprano). A reboxetina apresentou a menor eficácia. Os de melhor tolerabilidade foram sertralina, escitalopram e bupro­ piona.14 Para uma boa prática clínica, recomenda-se usar o antidepressivo em dose terapêutica, incrementando-a conforme eficácia e tolerabilidade até a dose máxima indicada pela posologia (Tab. 4 .1 ), por um período adequa­ do de no mínimo 6 a 8 semanas antes de considerar que o paciente seja resistente ao composto. Se não houver resposta depois de duas semanas, pode-se trocar o antidepressivo. A retirada do medicamento deve ser gradual para evitar o aparecimento de sintomas de descontinuação abrupta. Existem poucas evidências para a escolha do antidepressivo em função do subtipo clínico.17 Um ensaio clínico com 1 .0 0 8 pacientes não mostrou di­ ferença de resposta com uso de sertralina, escitalopram e venlafaxina nos diferentes subtipos depressivos.18 A base de dados mais robusta para a es­ colha do antidepressivo em função da gravidade e da apresentação clínica está listada no Quadro 4.2.

INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR A investigação clínica prelim inar do TDM envolve a avaliação de função tireoidiana, glicemia de jejum , colesterol total e frações, triglicerídeos, hemo-

QUADRO 4.2 ► ANTIDEPRESSIVOS DE ACORDO COM 0 SUBTIPO DEPRESSIVO • • • • • • • • •

Depressão grave: ADTs, IMAOs, venlafaxina, duloxetina, mirtazapina, escitalopram, sertralina e ECT. Depressão moderada: todos os antidepressivos. Depressão leve: todos os antidepressivos, entretanto, outras opções de abordagem devem ser consideradas. Depressão subsindrômica: todos os antidepressivos; terapia com luz brilhante em caso de depressão subsindrômica sazonal. Depressão melancólica: antidepressivos de ação dual - ADTs, IMAOs, ISRSNs e potencialização com lítio. Depressão psicótica: combinação de ISRSs, ADTs com antipsicóticos, ECT, potencialização com lítio; poucas evidências de ISRSs em monoterapia. Depressão sazonal: terapia com luz brilhante, ISRSs. Depressão atípica: ISRSs, IMAOs, RIMAs. Recomenda-se usar ISRSs e, em caso de ausência de resposta, trocar para tranilcipromina. Depressão bipolan ISRSs (exceto paroxetina) e bupropiona em associação com EH; evitar venlafaxina e ADTs; não usar na presença de sintomas mistos ou ciclagem rápida; monoterapia com antidepressivo não é recomendada; IMAO irreversível tranilcipromina no caso de resistência terapêutica.

ADTs = antidepressivos tricíclicos; IMAOs = inibidores da monoaminoxidase; ISRSNs = inibidores seletivos da recaptação de serotonina e norepinefrina;

ECT = eletroconvulsoterapia; EH = estabilizador do humor; RIMAs =

inibidores reversíveis da MAO-A.

Fonte: Cipriani e colaboradores,14 Bezchlibnyk-Butler e Jeffries,15 Gartlehner e colaboradores,17 Arnow e colaboradores,18 Baghai e colaboradores19 e Gentil e colaboradores.20

54


MANEJO DA DEPRESSÃO RESISTENTE A TRATAMENTO Dos pacientes tratados com medicamento antidepressivo, 20 a 40% não atingem remissão. Desse total, 10 a 30% apresentam sintomas residuais resistentes ao tratamento, disfunção social e ocupacional, declínio da saúde física, pensamentos suicidas e aumento da utilização de serviços de saúde. Em geral, 50% dos pacientes necessitam de tratam ento adicional.22 Várias definições e modelos de estadiamento têm sido propostos para a descrição de depressão resistente ao tratam ento (DRT),23 que levam em conta o núme­ ro de falhas de farmacoterapia em dose e tempo adequados, a cronicidade e as modalidades de tratam ento utilizadas (ECT, classes dos medicamentos, etc.).24 Recomenda-se reavaliação médica geral e psiquiátrica para identi­ ficar comorbidades e revisar o diagnóstico. A confusão diagnóstica entre depressão unipolar e bipolar é comum e contribui para resposta pobre ao tratam ento antidepressivo. Exames clínicos como hemograma e dosagem de eletrólitos e hormônios tireoidianos devem ser solicitados, bem como ECG e avaliações hepática e renal, além de teste de gravidez, quando pertinente. Deve-se verificar a adesão ao tratam ento e as possíveis interações medica­ mentosas, que podem exigir mudança de posologia ou ajuste de dose25 (Quadro 4.4). Para pacientes com resposta parcial, deve-se aumentar a dose do antide­ pressivo (algumas vezes em níveis superiores aos sugeridos na posologia, conforme tolerabilidade e eficácia) para atingir um nível plasmático adequa­ do, e, em metabolizadores rápidos, isso pode ser imperativo. Doses baixas podem produzir efeito serotonérgico específico, enquanto doses altas promo-

QUADRO 4.3 ► INVESTIGAÇÃO CLINICA PRELIMINAR Todos os pacientes: hemograma completo, TSH e T4 livre, glicemia de jejum, colesterol total e frações, triglicerídeos. Antes de iniciar ADTs: eletrocardiograma (ECG), principalmente em pacientes acima de 40 anos e/ou com antecedente de doença cardiovascular e/ou história fam iliar de morte súbita, síndrome de Brugada ou Wolff-Parkinson-White (considerar avaliação cardiológica). Uso de antidepressivos com ação dual ou inibidores da recaptação de norepinefrina (ISRNs): medir pressão arterial (PA) antes de iniciar o tratamento e monitorar periodicamente, sobretudo após aumentos de dose. Pacientes com déficits neurológicos focais, história de trauma recente ou indícios de alteração da personalidade (em adultos): tomografia computadorizada de crânio ou, preferencialmente, ressonância magnética de crânio. Sintomas sistêmicos sugestivos de doenças autoimunes ou depressão resistente: perfil reumatológico. Outros exames, dependendo do direcionamento diagnóstico. Fonte: Moreno e colaboradores.21

55

ANTIDEPRESSIVOS

grama, função renal e hepática. Outros exames complementares devem ser solicitados em caso de comorbidade clínica, na presença de outros sintomas, conforme indicação médica ou para monitorar a segurança do uso de alguns antidepressivos (Quadro 4.3).


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.4 ► AVALIAÇÃO NA DEPRESSÃO RESISTENTE AO TRATAMENTO AVALIAÇÃO

CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS

Diagnóstico

Rever diagnóstico; considerar e reavaliar comorbidades clínicas; levarem conta comorbidades psiquiátricas.

Adesão

Efeitos colaterais; confirmar doses e posologia; outras influências e vieses

Farmacologia

Interações medicamentosas; metabolizadores rápidos; tabagismo.

Fonte: Lam e colaboradores.12

vem ação dual, como no caso da venlafaxina. O aumento gradual da dose inclui titulação de 50 a 100% da dose a cada 3 a 7 dias, dependendo da resposta e dos efeitos adversos. Em caso de ausência de resposta ou respos­ ta insatisfatória, recomenda-se trocar o medicamento por outro antidepressivo com maior evidência de eficácia. Outra estratégia para os casos em que há resposta parcial é a introdução de medicamento adjuvante, como o lítio ou os antipsicóticos atípicos (aripiprazol, quetiapina, olanzapina e, com me­ nor grau de evidência, risperidona). Os antipsicóticos atípicos mostraram eficácia na potencialização, com dim inuição de ansiedade e agitação.26’27 Outras associações possíveis, mas com menor grau de evidência, são com tri-iodotironina (T3) ou outro antidepressivo. O algoritmo que resume essas estratégias, assim como os medicamentos que podem ser utilizados e o res­ pectivo grau de evidência deles são apresentados nas Figuras 4 .4 e 4 .5 .

Iniciar um antidepressivo de primeira linha

I

FIGURA 4.4 ► ALGORITMO DE TRATAMENTO DO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR. Fonte: Lam e colaborad ores.12

56

*


f

X

I alinha Troca por AD mais eficaz Nível 1 Sertralina Escitalopram Venlafaxina

Combinação Nível 1

f

fraca por AD mais eficaz, mas com mais EC

LfUo Aripiprazol

Nível 1

Quetiapina Olanzapina

X

2alinha

Clomipramina IMAO

(

Combinação

)

/Combinação

Nível 2

Nível 2

Bupropiona

Buspirona

Mirtazapina

Modafinila

Mianserina Tri-iodotironina

Nível 2 Duloxetina

3alinha

Nível 3 Nível 2

Nível 3

Estimulantes

Risperidona

Outro AD

Ziprasidona

Mirtazapina

FIGURA 4.5 ► MEDICAMENTOS INDICADOS NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR EM CASO DE FALHA TERAPÊUTICA E SEUS NÍVEIS DE EVIDÊNCIA. Fonte: Lam e colaborad ores.12

CLASSIFICAÇÃO Nos dias atuais, os antidepressivos são preferencial mente classificados em função da ação farmacológica, o que é mais útil na prática clínica, porque os antidepressivos de nova geração não com partilham estruturas comuns. Podemos dividi-los de acordo com o mecanismo de ação por meio do qual aumentam a eficiência sináptica da transmissão monoaminérgica, particu­ larmente de neurônios noradrenérgicos e/ou serotonérgicos (Fig. 4 .6 ).15’28 Os medicamentos antidepressivos produzem aumento na concentração de neurotransmissores na fenda sináptica por meio de inibição do metabolismo, bloqueio de recaptura neuronal ou atuação em autorreceptores pré-sinápticos (Quadro 4.5).

ANTIDEPRESSIVOS INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE (iMAOs) ► FARMACOLOGIA ► A tranilciprom ina, único IMAO irreversível disponível em nosso meio, atinge o pico plasmático em 2 horas e apresenta plasmática de 2 a 3 horas, mas meia-vida tecidual mais longa.5 A inativação da enzima MAO, responsável pelo efeito terapêutico, ocorre com dose única e durante até 14 dias. Já a moclobemida, um RIMA, é rapidamente absorvida e tem meia-vida de 0 ,5 a 3,5 horas.5

MECANISMO DE AÇÃO ► Os IMAOs agem no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso simpático, no fígado e no trato gastrintestinal. Existem dois tipos de MAOs; a MAO-A metaboliza NE, 5-HT e epinefrina, ao passo que ambas as MAOs, A e B, metabolizam dopamina (DA) e tiram ina. Apresentam, portanto, amplo espectro de ação. A estrutura farmacológica da tranilciprom ina se assemelha à da anfetamina, com perfil de efeito farm a­ cológico similar, uma vez que tende a apresentar ação estimulante no cére­ bro mediante a liberação de DA e NE.5

57

ANTIDEPRESSIVOS

c


ANTIDEPRESSIVOS

Seletividade

Seletividade

FIGURA4.6 ► SELETIVIDADE NA RECAPTAÇÃO V IT R O m ANTIDEPRESSIVOS. Fonte: Bezchlibnyk-Butler e Jeffries15 e Feighner.28

EFEITOS COLATERAIS ► Devido ao risco de efeitos adversos e interações me­ dicamentosas graves, os IMAOs caíram em desuso no Brasil. A seguir, são descritos seus efeitos colaterais (Quadro 4 .6), incluindo a síndrome serotonérgica (Quadro 4 .7), suas interações medicamentosas (Quadro 4 .8) e a sín­ drome hipertensiva. O efeito adverso mais comum é a hipotensão postural, que pode ser atenuado com início gradual do medicamento. A insônia decor­ rente do uso de tranilciprom ina, pode ser tratada com trazodona ou hipnóti­ cos. Os IMAOs devem ser administrados pela manhã e no almoço.

SÍNDROME SEROTONÉRGICA Esse efeito colateral pode ocorrer na associação com outros antidepressivos e na substituição entre antidepressivos quando não se observa período de lavagem (w ash-out) adequado para a elim inação da substância. Foram des­ critas alterações cognitivas e com porta menta is (confusão, hipomania, agita­ ção), do sistema nervoso autônomo (diarreia, febre, diaforese, efeitos na pressão arterial, náusea e vômitos) e neuromusculares (mioclonias, hiper-reflexia, incoordenação e tremores). A melhora é rápida com a retirada das substâncias. Pelo fato de os IMAOs inibirem a MAO de forma permanente, é necessário adotar dieta pobre em tiram ina e aminoácido precursor de catecolaminas para evitar uma crise hipertensiva potencialmente fa ta l.5,6

CRISE HIPERTENSIVA Os sintomas da crise hipertensiva decorrentes da interação de IMAOs com substâncias ricas em tiram ina ou aminas biogênicas são: cefaleia intensa, palpitações, dor torácica intensa, dilatação das pupilas, taquicardia ou bradicardia e aumento da fotossensibilidade. Pode haver aumento da sudorese, febre ou sensação de frio, pele viscosa, náusea ou vôm itos e rigidez da nuca. Existem relatos de hemorragia intracraniana (algumas vezes fatal) em con­ sequência das crises hipertensivas. Palpitação ou cefaleia frequente consti­ tuem sintomas prodrômicos da reação hipertensiva.5’5,16’28

58


CLASSE

ANTI DEPRESSIVO

Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)

Não seletivos e irreversíveis Iproniazida, isocarboxazida, tranilcipromina e fenelzina Seletivos e irreversíveis Clorgilina (MAO-A) Inibidores reversíveis da MAO-A (RIMAs) Brofaromina, moclobemida, toloxatona e befloxatona

Inibidores não seletivos da recaptação de monoaminas (ADTs)

Inibição mista da recaptação de 5-HT/NE Imipramina, desipramina, clomipramina, amitriptilina, nortriptilina, doxepina e maprotilina

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

Fluoxetina, paroxetina, sertralina, Citalopram, fluvoxamina e escitalopram

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina e norepinefrina (ISRSNs)

Venlafaxina, milnaciprano, duloxetina e desvenlafaxina

Inibidores da recaptação de serotonina e antagonistas a -2 (IRSAs)

Nefazodona e trazodona

Estimulantes da recaptação de serotonina (ERSs)

Tianeptina

Inibidores seletivos da recaptação de norepinefrina (ISRNs)

Reboxetina e viloxazina

Inibidores seletivos da recaptação de dopamina (ISRDs)

Amineptina,; bupropiona e minaprina

Antagonistas a-2-adrenorreceptores

Mianserina e mirtazapina

Agonista de receptores melatoninérgicos MTt e MT2 e antagonista de 5-HT2c

Agomelatina

Inibidor da recaptação e modulador de receptores de serotonina

Vortioxetina

5-HT

= serotonina; NE = norepinefrina; MT = melatonina; SERT = transportador de serotonina.

Fonte: B ezch libnyk-B u tle r e Je ffrie s,15 Moreno e colaboradores,21 Feighner28 e S ta h l.29

ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS (ADTs) ► FARMACOLOGIA ► Os ADTs são bem absorvidos pelo trato gastrintestinal, metabolizados em grande parte (55 a 80% ) pelo efeito de primeira passagem no fígado. O pico plasmático é atingido mais rapidamente (1 a 3 horas) por aminas terciárias (como a am itriptilina) do que por aminas secundárias (desipramina e nortriptilina), que levam 4 a 8 horas para atingi-lo. Os ADTs são 59

ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.5 ► CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIDEPRESSIVOS


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.6 ► EFEITOS COLATERAIS DOS IMAOs Frequentes

Hipotensão ortostática (40-60% dos pacientes); cefaleia sem aumento da pressão arterial; disfunção sexual (anorgasmia em homens e mulheres, alterações ejaculatórias, raramente impotência masculina); fraqueza; ganho de peso e edema nos pés e tornozelos (pode ceder espontaneamente em semanas); mioclonia; aumento de apetite.

Raros

Hepatite; leucopenia; parkinsonismo; síndrome serotonérgica na combinação com medicamentos serotonérgicos (ver a seguir); anorexia; calafrios; constipação; confusão; boca seca; parestesia; mioclonia; dor muscular.

Fonte: Schatzberg e Debattista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Moreno e colaboradores.16'21

QUADRO 4.7 ► DIETA PARA PACIENTES SOB USO DE IMAOs Alimentos proibidos

Todos os queijos maturados ou envelhecidos, muçarela, frios embutidos, defumados ou que sejam conservados fora da geladeira; carnes, peixes e aves conservados de modo inadequado; fava e doce de casca de banana; extrato de levedura concentrado; chucrute; molho de soja (shoyu)-, eoutros alimentos ou condimentos com soja.

Alimentos permitidos

Queijo prato, minas, ricota, cremoso, muçarela, desde que sejam frescos; queijo brie e cam em bert moderadamente (baixa concentração de tiramina); todos os laticínios armazenados adequadamente (iogurte, creme de leite, sorvete); produtos industrializados e empacotados frescos (frango, etc.); leite de soja.

Bebidas alcoólicas proibidas

Chope.

Bebidas alcoólicas permitidas

2 latas OU 2 copos de cerveja (incluindo cerveja sem álcool) OU 4 cálices de vinho tinto OU branco por dia (baixa concentração de tiramina).

Substâncias proibidas

Antidepressivos; dolantina, cocaína, inibidores do apetite, anfetamina e outros estimulantes; medicamentos para gripe, descongestionantes em comprimidos e spray para o nariz, xaropes para tosse e medicamentos para asma; anestésicos locais com epinefrina.

Medicamentos permitidos

Aspirina, paracetamol, dipirona, Rinosoro, Sorine.

Fonte: Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Moreno e colaboradores16 e Feighner.28

altam ente lipofílicos, concentrando-se sobretudo no miocárdio e em tecidos cerebrais, e ligam-se a proteínas plasmáticas. Muitos ADTs apresentam farmacocinética linear, isto é, mudanças na dose levam à alteração proporcio­ nal no nível plasmático. A vida média de eliminação varia (im ipram ina de 4 a 3 4 horas, am itriptilina de 10 a 4 6 , clom ipram ina de 17 a 37 e nortriptilina de 13 a 88), e o estado de equilíbrio é atingido em cerca de cinco dias. A

60


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.8 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS IMAOs MEDICAMENTOS/SUBSTÂNCIAS

INTERAÇÕES

Anticolinérgicos

Potencialização dos efeitos.

Antidepressivos

A associação, quando indicada, deve respeitar algumas regras: início simultâneo e emprego de doses menores. Risco menor: amitriptilina, nortriptilina. Risco considerável: imipramina, clomipramina, ISRSs.

Anti-hipertensivos: Reserpina Clonidina Tiazídicos Guanetidina

Excitação autonômica, agitação. Hipertensão. Potencialização dos efeitos hipotensores. Inibição dos efeitos anti-hipertensivos.

Álcool

Crises hipertensivas com bebidas ricas em tiramina (ver Quadro 4.7).

Agentes hipoglicemiantes

Pode haver potencialização do efeito hipoglicemiante de insulina e hipoglicemiantes contendo sulfonilureia.

Aminas simpatomiméticas

Hipertensão, agitação, febre, convulsões, coma.

Suplementação dietética

Cuidado com suplementações que contenham tirosina.

Succinilcolina

0 uso de fenelzina pode ocasionar apneia prolongada.

Triptofano

Delirium , mioclonias, hipomania.

Fontes: Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Moreno e colaboradores16 e Feighner.28

farmacocinética pode variar entre os sexos, e a concentração pode dim inuir antes da menstruação.4'6’16’28 /V

MECANISMO DE AÇAO ► O mecanismo de ação comum aos ADTs em nível pré-sináptico é o bloqueio da recaptação de monoaminas, principalm ente NE e 5-HT, e, em menor proporção, DA. As aminas terciárias inibem preferen­ cialm ente a recaptação de 5-HT, e as secundárias, a de NE, sem diferenças significativas na seletividade do bloqueio de recaptação pré-sináptico. Entretanto, a atividade pós-sináptica varia de acordo com o sistema neurotransmissor envolvido e geralmente é responsável pelos efeitos colaterais. Os ADTs bloqueiam receptores muscarínicos (colinérgicos), histaminérgicos de tipo 1, a 2 e p-adrenérgicos, serotonérgicos diversos e mais raramente dopaminérgicos, resultando em efeitos colaterais (Fig. 4.1). O bloqueio do recep­ tor 5-H T! deveria contribuir para o efeito terapêutico. Contudo, essa ação aguda na transmissão monoaminérgica, por si só, não explica a demora para o início da ação antidepressiva, observável clinicam ente após duas semanas de uso. Embora o mecanismo de ação exato não tenha sido elucidado por completo, sistemas de mensageiros secundários, assim como efeitos na ex­ pressão genética, estão envolvidos nas mudanças que os ADTs promovem de modo agudo, aumentando a eficiência da transmissão monoaminérgica (e

61


ANTIDEPRESSIVOS

possivelmente gabaérgica), e cronicamente, dessensibilizando receptores p-1 adrenérgicos, serotonérgicos 5-HT2 e provavelmente 5-H T1A no SNC. A adenosina monofostato cíclica (AMPc), o cálcio, o diacilglicerol eosfosfolipídeos estim ulam a fosforilação de proteínas quinases, possivelmente envolvidas na síntese de catecolaminas. Os ADTs podem aumentar a ligação de proteína G a receptores subsequentemente dessensibilizados, exercendo ação regulado­ ra no receptor. Alguns hormônios (como estradiol e progesterona) também estão im plicados na alteração da sensibilidade ou no número de receptores pelos ADTs, interferindo na capacidade de ligação da im ipram ina ao hipotálamo. A ação antienurética da im ipram ina não está totalm ente estabelecida e pode estar associada com seu efeito anticolinérgico. A ação antiobsessiva da clom ipram ina no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) talvez se correlacio­ ne com a inibição da recaptação de 5-HT e consequente subsensiblização compensatória dos subtipos de receptores serotonérgicos. No transtorno de pânico, os estudos sugerem prejuízo no funcionam ento do sistema nervoso autônomo, que causa liberação excessiva de NE do locus ceruleus. Pensa-se que os ADTs dim inuam a taxa de disparo do locus ceruleus por regulação na função de receptores a 2 e p-adrenérgicos e no metabolismo de NE. A ação antineurálgica dos ADTs não está necessariamente relacionada à melhora da depressão. A analgesia pode ser mediada por mudanças na concentração central de monoaminas, particularm ente 5-HT, além de pelo efeito direto ou indireto dos ADTs nos sistemas opioides endógenos. Na úlcera péptica, os ADTs são eficazes na melhora da dor e ajudam na cicatrização completa devido a sua capacidade de bloquear receptores H2 nas células parietais e ao efeito sedativo e anticolinérgico. Na bulim ia nervosa, parece haver ação independentemente da melhora da depressão. O mecanismo de ação envol­ vido na incontinência urinária pode incluir atividade anticolinérgica, resul­ tando no aumento da capacidade vesical, estimulação direta p-adrenérgica e atividade agonista a-adrenérgica, levando a aumento do tônus esfincteriano e tam bém por bloqueio central de recaptação. Outras ações dos ADTs in­ cluem efeito anticolinérgico periférico e central devido à potente e elevada afinidade de ligação por receptores muscarínicos; efeito sedativo pela forte afinidade por receptores de histamina H 2; e hipotensão ortostática devida a bloqueio a-adrenérgico. Além disso, os ADTs são agentes antiarrítm icos da classe IA que, como a quinidina, em doses terapêuticas, dim inuem mode­ radamente a condução intraventricular e, em doses elevadas, podem causar bloqueio grave de condução e arritm ias ventriculares.5’6'16’28 EFEITOS COLATERAIS DOS ADTs ► Os efeitos colaterais dos ADTs estão associa­ dos com sua afinidade pelos receptores muscarínicos, histaminérgicos, sero­ tonérgicos, noradrenérgicos e a 1-adrenérgicos (Fig. 4 .1 , Quadro 4.9).

• A nticolinérgicos: associados ao bloqueio muscarínico, são os mais efeitos colaterais mais frequentes e melhoram com o tem po ou com a redução da dose. São eles: boca seca (estim ular higiene bucal frequente), visão turva (por dificuldade de acomodação visual), constipação (em idosos, há risco de íleo paralítico) e retenção urinária.

62


Cardiovasculares: aumento da frequência cardíaca, achatamento da onda T, raramente prolongamento do intervalo PR e aumento do complexo QRS, dose-dependentes e observados em concentrações plasmáticas acima dos níveis terapêuticos; hipotensão postural (idosos devem ser orientados e monitorados pelo risco de quedas, e, nesses casos, a nortriptilina estaria mais indicada); as propriedades antiarrítm icas quinidina-sím ile dos ADTs favorecem seu uso em pacientes com extrassístoles ventriculares. Neurológicos: tremores de mãos, sedação (principalm ente am itriptilina e m aprotilina), latência para evocar lembranças, dificuldade para encontrar palavras e gagueira, mioclonias, parestesias, agitação e hiperestimulação paradoxal; estados confusionais podem ocorrer em idosos, raramente convulsões (em caso de doses elevadas, aumento rápido, sobretudo com m aprotilina e clom ipram ina), movimentos coreoatetoides e acatisia. Os pacientes devem ser orientados a não operar máquinas perigosas ou dirigir veículos e a evitar o consumo de álcool. M etabólicos e endócrinos: aum ento da secreção de prolactina, mas galactorreia e amenorreia secundárias são raras. Outro efeito raro é a hiponatremia da síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético, descrita com am itriptilina e clom ipram ina. Reações cutâneas: exantemas, urticária, eritema m ultiform e, dermatite esfoliativa e fotossensibilidade; ocorrem em 2 a 4% dos pacientes nas duas primeiras semanas de tratamento. G astrintestinais: raramente ocorrem alterações de função hepática.

63

ANTIDEPRESSIVOS


ANTIDEPRESSIVOS

Outros efeitos colaterais, não menos importantes, se referem àqueles que podem ser confundidos com a própria sintomatologia depressiva. Entre eles estão: ganho de peso, associado ou não à preferência por carboidratos, prin­ cipalm ente com am itriptilina e im ipram ina; disfunções sexuais (redução de libido; retardo ou inibição ejaculatória; e inibição do orgasmo); alterações do sono (pesadelos, alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas). Aumento de ansiedade e “síndrome tricíclica precoce” podem ocorrer nos primeiros dias de tratamento, principalm ente em pacientes com ataques de pânico, e me­ lhoram com associação de benzodiazepínicos. Déficits de memória são mais comuns em idosos e no curso do tratam ento profilático.

SÍNDROME de d e s c o n tin u a ç ã o a b r u p ta A síndrome de descontinuação abrupta do medicamento pode levar a sin­ tomas nas primeiras 4 8 horas (ver “ Princípios gerais do tratam ento antidepressivo” ). Podem ocorrer ataques de pânico, arritm ias cardíacas, d e liriu m e, menos frequentemente, agitação. Para evitar esse desconforto, o antidepressivo deve ser reduzido de forma gradativa em 3 a 4 meses, caso o pa­ ciente esteja em uso crônico do medicamento (tratamento de manutenção). O paciente deve ser monitorado de perto inclusive em até dois meses após a suspensão completa do medicamento. O esquema sugerido no Programa de Transtornos Afetivos (GRUDA) da Universidade de São Paulo (USP) consiste na retirada imediata de 50% da dose e de 25% a cada três dias caso o pa­ ciente esteja usando o medicamento há pouco tempo.

INTOXICAÇÃO (SUPERDOSAGEM) Caracterizada por confusão, convulsões, alterações de concentração, sono­ lência grave, dilatação de pupilas, alteração da frequência cardíaca, febre, alucinações, inquietação ou agitação, respiração curta ou difícil, cansaço e fraqueza intensa e vômitos. O tratam ento da intoxicação consiste em d im i­ nuição da absorção (esvaziamento gástrico com lavagem), aumento da eli­ minação (administração de pasta de carvão ativado seguida de estimulação catártica) e intervenção específica das intercorrências cardiopulm onares.5’6

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES ► É possível utilizar ADTs durante a ges­ tação, evitando-os preferencialmente no primeiro trimestre. Em estudos de reprodução em animais, os antidepressivos am itriptilina, clom ipram ina, desipramina e nortriptilina mostraram algum efeito adverso no feto, mas não há estudos adequados e bem-controlados em humanos. Contudo, não há rela­ tos de associação significativa entre ADTs e malformações congênitas descri­ tos até o momento, mesmo no primeiro trim estre.6 Os ADTs devem ser sus­ pensos duas semanas antes do parto, a fim de evitar problemas cardíacos, irritabilidade, desconforto respiratório, espasmos musculares, convulsões ou retenção urinária em neonatos. Mulheres lactantes podem tom ar ADTs, preferencial mente im ipram ina e am itriptilina, mas tam bém nortriptilina e clom ipram ina. A m aprotilina deve ser evitada, devido a sua meia-vida longa.

CONTRAINDICAÇÕES ► Os ADTs estão contraindicados no glaucoma de ângulo fechado. Efeitos na condução cardíaca normalmente não apresentam signi­ ficado clínico, mas os ADTs são contraindicados em bloqueios de ramo es­ 64


INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► As interações medicamentosas de maior importância entre ADTs e outros medicamentos (comumente utilizados em idOSOS) S ã 0 :4-6’16'28

• Analgésicos: os ADTs têm efeito antiálgico, perm itindo que doses menores de analgésicos sejam empregadas. • Anestésicos: a administração de halotano e pancurônio requer cautela pelo efeito anticolinérgico dos ADTs; recomenda-se o uso de relaxantes musculares sem efeitos vagolíticos e simpatom iméticos. • Agentes anticolinérgicos: a administração conjunta de ADTs e antiparkinsonianos pode levar à potencialização de efeitos atropínicos. Sintomas de síndrome anticolinérgica podem ocorrer, como: ansiedade, agitação, desorientação, disartria, déficits de memória, alucinações, mioclonias, convulsões, taquicardia, arritm ias, midríase, elevação da temperatura corporal, constipação intestinal e retenção urinária. • Anticoagulantes: relatos de casos isolados sugerem cuidados na interação entre anticoagulantes e ADTs, especialmente na análise do tem po de protrom bina em pacientes que recebem tratam entos combinados. • A nticonvulsivantes: a carbamazepina pode aumentar o metabolismo de im ipram ina, doxepina e am itriptilina, reduzindo em 42 a 50% os níveis plasmáticos; os ADTs reduzem o lim iar convulsivo e podem comprometer o efeito de barbitúricos; os níveis plasmáticos da fenitoína podem ser elevados pela im ipram ina, mas não pela nortriptilina ou am itriptilina. • A nti-hipertensivos: a guanetidina não deve ser utilizada em pacientes sob uso de antidepressivos bloqueadores da recaptação de NE; a clonidina tam bém deve ser evitada; metildopa e diuréticos tiazídicos podem ser empregados, evitando hipotensão e hipocalemia; verapamil e diltiazem inibem a metabolização da im ipram ina por interação no sistema citocromo P450, podendo ser necessário reduzir a dose do antidepressivo. • Bloqueadores histam ínicos H 2: a cim etidina pode inibir a metabolização hepática de ADTs, elevando seus níveis séricos e risco de toxicidade; ela pode aumentar a biodisponibilidade da im ipram ina, mas não da nortripti­ lina; suspender a cim etidina em paciente sob uso crônico de ADTs pode reduzir os níveis séricos terapêuticos; sugere-se monitoração plasmática ao introduzir e retirar a cim etidina. • Levodopa: a associação pode ter efeito sinérgico nos sistemas colinérgicos e catecolaminérgicos, aumentando os efeitos colaterais. • Q uinidina: associação com desipramina pode aumentar os níveis séricos e o risco de toxicidade. • Reserpina: a reserpina depleta agudamente monoaminas intraneuronais; a associação pode levar a efeitos colaterais como diarreia, vasodilatação cutânea ou mesmo sintomas maniformes; recomenda-se cuidado nessa combinação. 65

ANTIDEPRESSIVOS

querdo, bloqueio AV total, alterações na condução intracardíaca e infarto agudo do miocárdio. O ECG constitui um método sensível e deve ser soli­ citado na suspeita de alterações cardíacas e em pacientes acima de 50 anos.4 ,5,16


ANTIDEPRESSIVOS

• Am inas sim patom im éticas: a administração de NE ou outras aminas simpatomiméticas em pacientes recebendo ADTs pode levar a efeito sinérgico, aumentando o tônus simpático.

ANTIDEPRESSIVOS INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA (ISRS s )4"6 16 28 ► Os ISRSs fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina, citalopram e escitalopram inibem de forma potente e seletiva a recaptação de 5-HT, resultando em potencialização da neurotransmissão serotonérgica. Embora com partilhem o principal mecanismo de ação, divergem no perfil farm acodinâm ico e farmacocinético, bem como na potência da inibição da recaptação de 5-HT (Fig. 4 .2) e na seletividade por NE e DA. Todos os ISRSs apresentam alta ligação proteica (fluvoxamina e citalopram em me­ nor grau). Em função de sua ação seletiva, apresentam perfil mais tolerável de efeitos colaterais, resultante da inibição da recaptação de 5-HT: gas­ trintestinais (principalm ente enjoo, diarreia), de ativação do SNC (agitação, ansiedade, insônia, ciclagem para mania, nervosismo), alterações do sono, fadiga, efeitos neurológicos (tremores, efeitos extrapiramidais), perda ou ga­ nho de peso, disfunções sexuais, reações dermatológicas (Quadro 4 .1 0 ). Contraindicações absolutas aos ISRSs são raras e incluem hipersensibilidade conhecida ao composto ou a outros componentes da formulação e em asso­ ciação com IMAOs. A seguir, são apresentadas as particularidades dos principais ISRSs quanto a indicações, farmacologia, efeitos colaterais e uso em populações espe­ ciais.4' 6’16’28 As posologias habituais já estão descritas na Tabela 4 .1 . São comuns a todos os ISRSs a síndrome serotonérgica e a síndrome de descontinuação abrupta (mais comum com paroxetina e fluvoxamina), já descritas anteriormente. Por fim , as principais interações medicamentosas dos ISRSs estão descritas no Quadro 4 .1 1 .

QUADRO 4.10 ► EFEITOS COUTERAIS DOS ANTIDEPRESSIVOS ISRSs Gastrintestinais

Náusea, vômitos, dispepsia, dor abdominal (cólicas), diarreia, perda de apetite, perda ou ganho de peso

Ativação do SNC

Ansiedade, agitação, inquietação, nervosismo, insônia, tontura, sonolência, ciclagem para mania

Neurológicos

Cefaleia, tremores, alterações de sono (insônia, sonolência), fadiga

Autonômicos

Sudorese

Disfunção sexual

Diminuição da libido, retardo de orgasmo ou anorgasmia, retardo ejaculatório

Pouco frequentes

Indução de mania, ideação intensa e intrusiva de violência ou suicídio, síndrome de rash cutâneo, artralgia e linfadenopatia, inchaço de face e mãos, sintomas extrapiramidais (acatisia, discinesia, distonia)

Fonte: Schatzberg e DeBattista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Moreno e colaboradores16 e Feighner.28

66


MEDICAMENTO/ SUBSTÂNCIA

EXEMPLOS

INTERAÇÃO/EFEITOS

Anorexígenos

Fentermina Sibutramina

Aumento de efeitos serotonérgicos; relato de casos de mania e psicose na combinação.

Antiarrítmicos

Propafenona, flecainida

Aumento do nível plasmático de antiarrítmicos devido à inibição do metabolismo.

Antibióticos

Eritromicina

Aumento do nível plasmático de citalopram devido à inibição do metabolismo via CYP3A4.

Anticonvulsivantes

Barbitúricos

Inibição do metabolismo de barbitúricos por fluoxetina; diminuição dos níveis plasmáticos de ISRSs devido à indução enzimática.

Carbamazepina Fenitoína

Aumento no nível plasmático de carbamazepina ou fenitoína por inibição do metabolismo com fluoxetina e fluvoxamina; elevação no nível de fenitoína por sertralina. Diminuição nos níveis plasmáticos de ISRSs; meia-vida da paroxetina reduzida em 28%. Aumento de náusea com fluvoxamina e carbamazepina.

Valproato de sódio

Aumento no nível de valproato ( > 50%) com fluoxetina; valproato pode aumentar o nível plasmático de fluoxetina.

Anticoagulantes

Varfarina

Perda do controle anticoagulante com fluoxetina - dados contraditórios. Aumento de 65% no nível plasmático de varfarina com fluvoxamina e paroxetina; aumento de sangramento. Aumento do tempo de protombina com a razão de normatização internacional (INR) com paroxetina e sertralina.

Antidepressivos

Amitriptilina Desipramina Imipramina Trazodona Clomipramina

Elevação do nível plasmático de tricíclicos com fluoxetina, fluvoxamina e paroxetina devido à liberação da fração ligada a proteínas e à inibição do metabolismo oxidativo; pode correr com doses elevadas de sertralina. Aumento no nível de desipramina (aproximadamente 50%) com citalopram.

IMAOs irreversíveis

Fenelzina Tranilcipromina

Efeito aditivo em depressão resistente. Aumento dos efeitos serotonérgicos. Relatos de casos de síndrome serotonérgica e morte.

RIMA

Moclobemida

Efeito aditivo em depressão resistente; risco de síndrome serotonérgica. (iContinua)

67

ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSs


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSs MEDICAMENTO/ SUBSTÂNCIA

EXEMPLOS

INTERAÇÃO/EFEITOS

ISRD

Bupropiona

Efeito aditivo em depressão resistente. Bupropiona pode reverter as disfunções sexuais dos ISRSs. Casos de ansiedade, pânico, delirium e mioclonia têm sido relatados com fluoxetina devido a inibição do metabolismo da bupropiona (via CYP3A4 e 2D6), competição pela ligação proteica e efeito farmacológico aditivo.

Antifúngicos

Cetoconazol Itraconazol

Aumento no nível de citalopram devido à inibição metabólica via CYP3A4.

Antipsicóticos

Clorpromazina Flufenanzina Haloperidol Pimozida Clozapina Risperidona Olanzapina

Aumento no nível de neurolépticos (mais que 100% relatado com haloperidol e fluvoxamina ou fluoxetina, 2-7 vezes com clozapina e fluvoxamina, 76% com fluoxetina e 40-50% com paroxetina e sertralina); os efeitos extrapiramidais e a acatisia podem piorar. Podem ser úteis para sintomas negativos da esquizofrenia. Efeito somatório no TOC.

Buspirona

0 efeito ansiolítico da buspirona pode ser antagonizado. Aumento no nível de buspirona (três vezes) por fluvoxamina.

Ansiolíticos benzodiazepínicos

Alprazolam Diazepam Bromazepam

Podem potencializar o efeito antiobsessivo. Aumento no nível de alprazolam, bromazepam e diazepam por fluvoxamina e fluoxetina devido à inibição do metabolismo; pequena diminuição (13%) na depuração de diazepam foi relatada com sertralina. Aumento de sedação e de prejuízo psicomotor e de memória.

ß-bloqueadores

Propranolol Metoprolol Pindolol

Diminuição da frequência cardíaca e síncope (efeito aditivo) foram relatadas. Aumento de efeitos colaterais, letargia e bradicardia com fluoxetina e fluvoxamina devido à diminuição do metabolismo de p-bloqueadores (aumento de cinco vezes no nível de propranolol com fluvoxamina). Aumento no nível de metoprolol (100%) com citalopram. Aumento na concentração de 5-HT em sítios pós-sinápticos; aumento no início da resposta terapêutica. Aumento na meia-vida do pindolol (28%) com fluoxetina; aumento no nível plasmático com paroxetina devido à inibição do metabolismo via CYP2D6. (Continua)

68


MEDICAMENTO/ SUBSTÂNCIA

EXEMPLOS

1NTERAÇÃO /EFEITOS

Benztropina

Aumento no nível plasmático de benztropina com paroxetina.

Cafeína

Aumento nos níveis de cafeína com fluvoxamina devido à inibição do metabolismo via CYP1A2; a meia-vida aumenta de 5 a 31 horas. Aumento do nervosismo e da insônia.

Bloqueadores dos canais de cálcio

Nifedipina Verapamil Diltiazem

Aumento de efeitos colaterais (cefaleia, rubor, edema) devido à inibição na depuração de bloqueadores dos canais de cálcio por fluoxetina. Bradicardia em combinação com fluvoxamina.

Cimetidina

Inibição do metabolismo e aumento nos níveis de sertralina (aproximadamente 25%) e paroxetina (aproximadamente 50%).

Cisaprida

Interação com fluoxetina e fluvoxamina; inibição do metabolismo de cisaprida via CYP3A4, resultando em aumento nos níveis do medicamento-mãe com possível efeito cardiovascular.

Claritromicina

Relato de aumento nos níveis de fluoxetina com delirium .

Depressores do SNC

Álcool Anti-histamínicos Hidrato de cloral

Potencialização do efeito depressor do SNC; risco baixo. A taxa de absorção de fluvoxamina aumenta com etanol. Aumento de sedação e efeitos colaterais com fluoxetina devido à inibição do metabolismo de hidrato de cloral.

Ciclobenzaprina

Aumento dos efeitos colaterais da ciclobenzaprina com fluoxetina devido à inibição do metabolismo.

Ciproeptadina

Relato de reversão do efeito antidepressivo e antibulímico de fluoxetina e paroxetina.

Digoxina

Diminuição no nível de digoxina relatada com paroxetina.

Di-hidroergotamina

Aumento do efeito serotonérgico com o uso intravenoso - EVITE. Uso oral, retal ou subcutâneo pode ser feito com monitoração. [Continua)

69

ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSs


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSs MEDICAMENTO/ SUBSTÂNCIA

EXEMPLOS

1NTERAÇÃO/EFEITOS

G inkgo b ilo b a

Possível aumento de petéquias e sangramentos devido à combinação do efeito anti-hemostase.

Suco de toranja

Diminuição no metabolismo de fluvoxamina e sertralina, resultando em aumento nos níveis plasmáticos.

Insulina

Relato de aumento de sensibilidade à insulina.

Lítio

Aumento do efeito serotonérgico. Relato de mudanças no nível e na depuração de lítio. Cuidado com fluoxetina e fluvoxamina, neurotoxicidade e convulsões relatadas. Aumento de tremor e náusea com sertralina e paroxetina. Efeito antidepressivo aditivo na depressão resistente.

L-triptofano

Pode resultar em toxicidade central e periférica; síndrome serotonérgica.

IMAO-B

L-deprenil (selegilina)

Casos de síndrome serotonérgica, hipertensão e mania quando combinado com fluoxetina.

Narcóticos

Codeína Oxicodona Hidrocodona

Diminuição do efeito analgésico com fluoxetina e paroxetina devido à inibição do metabolismo da substância ativa - morfina, aximorfona e hidromorfona, respectivamente. Relatos de toxicidade excitatória (serotonérgica) com fluoxetina e pentazocina; com paroxetina, sertralina e tramadol.

Pentazocina Tramadol Dextrometorfano Metadona Morfina Fentanil

Relatadas alucinações visuais com fluoxetina. Elevação no nível de metadona de 10 a 100% com fluvoxamina. Aumento de analgesia.

Omeprazol

Aumento no nível de citalopram devido à inibição do metabolismo via CYP2C19.

Prociclidina

Aumento no nível de prociclidina com paroxetina (aproximadamente 40%).

Inibidor de protease

Ritonavir

Aumento no nível de sertralina devido à competição pelo metabolismo; aumento moderado no nível de fluoxetina e paroxetina. Efeitos colaterais cardíacos e neurológicos relatados com fluoxetina devido à elevação no nível de ritonavir (aumento de 19% AUC). (Continua)

70


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSs MEDICAMENTO/ SUBSTÂNCIA

EXEMPLOS

Fumo-tabagismo

1NTERAÇÃO /EFEITOS Aumenta o metabolismo de sertralina em 25% via CYP1A2.

Estimulantes

Anfetamina Metilfenidato

Potencialização do efeito na depressão. Distimia e TOC em pacientes com comorbidade de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).

Sulfonilureia

Gliburida

Agentes antidiabetes

Tolbutamida

Aumento de hipoglicemia relatado em diabéticos. Aumento no nível de tolbutamida devido à redução (até 16%) na depuração com sertralina.

Sumatriptano Zolmitriptano

Possível aumento de efeitos serotonérgicos; exacerbação de enxaqueca relatada na combinação.

Tacrina

Aumento no nível de tacrina com fluvoxamina; pico plasmático aumenta até cinco vezes e diminuição na depuração em 88% devido à inibição do metabolismo via CYP1A2.

Teofilina

Aumento no nível de teofilina com fluvoxamina devido à diminuição do metabolismo via CYP1A2.

Substâncias tireoidianas

Zolpidem

Tri-iodotironina (T3)

Potencialização do efeito antidepressivo. Elevação sérica de tirotropina (e redução na concentração da tiroxina livre) relatada com sertralina. Relato de alucinações e delirium quando combinado com sertralina e paroxetina.

Fonte: Schatzberg e DeBattista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Moreno e colaboradores16 e Feighner.28

PAROXETINA ► Foi lançada em 1993 para tratam ento do TDM. Também é indicada para transtorno de pânico, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), TOC, fobia social e transtorno de ansiedade generalizada (TAG). FARMACOLOGIA Tem boa absorção oral e liga-se amplamente às proteínas plasmáticas. O tempo para a concentração máxima é de 5 a 10 horas, e sua meia-vida é de 15 a 21 horas. A metabolização é hepática, e a excreção é renal e pelas fezes. Não tem metabólitos ativos. É potente na inibição da recaptação de 5-HT, mas também inibe a recaptação de NE (a maior entre os ISRSs) e tem efeito anticolinérgico. É o mais potente inibidor da isoenzima 2D 6 do 71


ANTIDEPRESSIVOS

CYP450 entre os ISRSs e, em menor grau, também de 1A2 e 3A4. Inibe, ainda, a óxido nítrico sintetase. Não tem farmacocinética linear. Por inibir a própria metabolização, incrementos sucessivos de dose podem aumentar desproporcionalmente o nível sérico, podendo levar a aumento dos efeitos colaterais, sem aumento correspondente da eficácia.

EFEITOS COLATERAIS Além dos efeitos colaterais típicos dos ISRSs (Quadro 4 .1 0 ), a paroxetina pode apresentar com mais frequência efeitos colaterais anticolinérgicos e noradrenérgicos, como boca seca, tremores, vista borrada, confusão e cons­ tipação intestinal. Está associada à maior incidência de efeitos colaterais se­ xuais, o que poderia ser explicado por sua potência na inibição da recaptação de 5-HT e atividade dopaminérgica mínima. A síndrome da retirada abrupta é comum, sendo recomendada a redução gradual (25% da dose por sema­ na). Foi associada a ganho de peso no início do tratamento. Diferentemente dos demais antidepressivos, não está relacionada a aumento do intervalo QT e torsades de pointes (definido como um tipo especial de taquicardia ventricular polimórfica, de natureza paroxística, em que os complexos QRS invertem sua polaridade de tal forma que parecem estar girando em torno de seu eixo).

SITUAÇÕES ESPECIAIS Na gestação, a paroxetina está na categoria de risco D. Apesar de não haver risco de teratogenicidade, o uso no terceiro trimestre está relacionado a tra­ balho de parto prematuro e sintomas de descontinuação no recém-nascido, como tremores, irritabilidade, inquietação e nervosismo. É encontrada em níveis baixos no leite materno, sendo seu uso liberado no aleitamento. Não tem aprovação para uso em crianças. Em idosos, inicia-se o uso em doses menores, sem outras restrições. Em hepatopatias, a dose deve ser reduzida. Em pacientes com com prom etimento renal grave, a dose deve ser dim inuída pela metade.

FLUOXETINA ► A fluoxetina foi o primeiro ISRS aprovado nos Estados Unidos, inicialm ente para o transtorno depressivo maior, em adultos e crianças. Posteriormente, também foi aprovada para TOC, transtorno de pânico, bulim ia nervosa, transtorno disfórico pré-menstrual (TDPM) e, em associação com olanzapina, para a fase depressiva do transtorno bipolar. Sem indica­ ções formais, há evidências de que seu uso pode ser útil no TEPT, na ejacu­ lação precoce, nas síndromes dolorosas e no transtorno dismórfico corporal (TDC). Assim como o citalopram, a fluoxetina é uma mistura racêmica de isômeros que têm perfis farm acodinâm ico e farmacocinético variados.

FARMACOLOGIA Além da inibição da recaptação de 5-HT, há ação agonista 5-H T2c e, em menor, grau, inibição da recaptação de NE.30 A metabolização é hepática no citocromo P 450 (CYP2C19). A fluoxetina apresenta meia-vida de 4 a 6 dias, e seu metabólito ativo, a norfluoxetina, de 4 a 16 dias (é o único ISRS com metabólito ativo). A excreção é renal. Exerce inibição potente da CYP2D6 e, em menor grau, da CYP3A4, o que pode produzir interações m edicam ento­ 72


EFEITOS COLATERAIS Além dos efeitos colaterais típicos dos ISRSs, a fluoxetina parece estar mais relacionada a agitação, insônia, ansiedade e nervosismo (outros ISRSs po­ dem apresentar os mesmos efeitos com o emprego de doses mais elevadas). Parece mais potente na inibição do apetite, com maior perda de peso no iní­ cio do tratamento. Devido à meia-vida longa, a síndrome de descontinuação é incomum. Reações dermatológicas são mais frequentes com a fluoxetina e aparecem na forma de urticária, que pode estar acompanhada de febre, artralgia e eosinofilia.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Na gestação, tem risco C (o benefício do medicamento pode justificar o risco potencial durante a gestação). Não há risco de malformação. Assim como os demais antidepressivos, os riscos são maiores no terceiro trimestre, com complicações no periparto e sintomas de descontinuação no recém-nascido. Seu uso depende da relação risco-benefício. Deve ser evitada na lactação. Em idosos e pessoas com com prom etim ento hepático, a dose deve ser re­ duzida. Em pessoas com com prom etim ento renal, não é necessário ajuste de dose.

CITALOPRAM ► Foi lançado em 1989, e suas indicações formais incluem TDM, TOC e transtorno de pânico. Há tam bém evidência de eficácia na fobia social. Não foi aprovado para uso pediátrico. É uma mistura racêmica na qual apenas um dos isômeros é ativo. O citalopram e o escitalopram são os mais seletivos dos ISRSs.

FARMACOLOGIA Tem boa absorção oral e ligação de 50% a proteínas plasmáticas. O tem po para a concentração plasmática máxima (C máX.) é de 4 horas, e a meia-vida é longa, de 35 horas. É metabolizado pelas isoenzimas 3A 4 e 2D 6, mas tem ação m uito pequena sobre o citocrom o P450 (inibe fracamente 2D6) e, por isso, apresenta um bom perfil de interação medicamentosa. Nas doses habituais, possui farmacocinética e curva dose-resposta lineares.

EFEITOS COLATERAIS Apresenta poucos efeitos colaterais, além daqueles comuns a todos os ISRSs. Está relacionado a ganho de peso no início do tratamento. Foram relatados aumento do intervalo QT e torsades de pointes com o uso de citalopram , o que deve ser considerado em pacientes com risco de arritm ia.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Na gestação, tem risco C (o benefício do medicamento pode justificar o risco potencial durante a gestação), igualmente aos demais ISRSs. Na lactação, deve ser usado com cautela. Em idosos, deve-se iniciar com dose baixa, e os incrementos de dose devem ser instituídos com cautela (risco de aumento do intervalo QTc). Em pacientes com comprometimento hepático, a dose máxima 73

ANTIDEPRESSIVOS

sas. A curva dose-resposta da fluoxetina não é linear, e níveis séricos mais elevados de fluoxetina/norfluoxetina não parecem estar relacionados à maior resposta.


ANTIDEPRESSIVOS

recomendada é de 20 mg/dia, e em pacientes com com prom etim ento renal, não é necessário ajuste de dose.

SERTRALINA ► É indicada para o tratam ento de TDM, TOC (adultos e crian­ ças), transtorno de pânico, TEPT, fobia social e TDPM. Está entre os mais potentes inibidores seletivos.

FARMACOLOGIA Boa absorção oral, porém lenta, e atinge o pico de concentração plasmática em 6 a 8 horas. Liga-se quase totalm ente a proteínas plasmáticas. Além da inibição da recaptação de 5-HT, inibe, em bem menor grau, a recaptação de DA (entretanto, em altas doses, essa ação pode ser relevante). A recap­ tação de NE é desprezível em relação à da 5-HT. Apresenta, além disso, uma ação antagonista no receptor sigm a.30 Tem metabolização hepática e inibição discreta da isoenzima 2D 6 do CYP450. A farmacocinética e a curva dose-resposta são lineares, ou seja, aumentos de dose são acompanhados por aumento proporcional do nível sérico e maiores taxas de resposta ao tratamento. O pico plasmático é atingido entre 5 e 8 horas; a meia-vida de elim inação é de 26 horas; e o estado de equilíbrio é alcançado após sete dias. O pico plasmático da sertralina aumenta 30% quando o medicamen­ to é ingerido com alimentos, pela dim inuição do metabolismo de primeira passagem.

EFEITOS COLATERAIS Além dos efeitos colaterais comuns aos ISRSs, há aumento do intervalo QT e torsades de pointes, porém com menor frequência que o citalopram e o escitalopram. Alguns estudos sugerem maior incidência de diarreia com a sertralina em relação à fluoxetina e ao citalopram , assim como uma perda de peso discreta no início do tratamento.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Mantém o mesmo padrão de risco na gestação que os demais ISRSs, ou seja, risco C. O uso na lactação exige cautela, assim como em pacientes com com prom etim ento hepático. Em idosos, recomenda-se usar doses bai­ xas inicialmente, e, em pacientes com com prom etim ento renal, não são ne­ cessários ajustes de dose.

FLUVOXAMINA ► É indicada no tratam ento do TDM e TOC. Em crianças, ape­ nas para o tratam ento do TOC. Existem evidências sugerindo seu uso no transtorno de pânico e no TDC.

FARMACOLOGIA Tem boa absorção oral, e sua biodisponibilidade média é de 53% , devido ao metabolismo de primeira passagem. O pico plasmático ocorre em 3 a 8 horas, e a meia-vida é de 16 a 20 horas. Além da inibição da recaptação de 5-HT, apresenta ação agonista do receptor sigma, que pode estar asso­ ciada a sua ação antiobsessiva e no trofism o neuronal. Apresenta inibição forte da isoenzima CYP1A2 e, em menor grau, mas também considerável, das CYP2C4, CYP3A4 e CYP2D6. Isso confere um perfil desfavorável de

74


EFEITOS COLATERAIS Além dos efeitos colaterais comuns aos ISRSs, a fluvoxamina pode produzir aumento do intervalo QT e torsades de pointes, em menor grau do que com o citalopram e o escitalopram. A fluvoxamina apresenta um perfil favorável para ganho de peso.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Na gestação, tem risco C. É segura na lactação, podendo ser preferida nesse caso. Em idosos e pacientes com com prom etimento hepático, recomenda-se doses baixas inicialmente, e, em pacientes com com prom etimento renal, não é necessário ajuste de dose.

ESCITALOPRAM ► Indicado para o tratam ento de TDM, transtorno de pânico, TAG e fobia social. O escitalopram é composto pelo isômero ativo do citalo­ pram, o S-citalopram. É um inibidor da recaptação de 5-HT potente e muito seletivo.

FARMACOLOGIA O escitalopram é extremamente seletivo, e a afinidade por outros recep­ tores é quase nula. Tem metabolização hepática e não exerce influência relevante nas isoenzimas do CYP450, o que confere pouquíssima interação medicamentosa. Atinge o pico sérico em aproximadamente cinco horas, e a meia-vida de eliminação é de 27 a 32 horas. Apresenta farmacocinética linear nas doses habituais, ou seja, aumentos de dose levam a aumentos proporcionais de nível sérico.

EFEITOS COLATERAIS Tem uma ação potente e muito seletiva, o que confere um padrão de efei­ tos colaterais tipicam ente atribuído à classe dos ISRSs (Quadro 4 .1 0 ). Há relatos mais recentes de aumento do intervalo QT e torsades de pointes dose-dependentes.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Tem o mesmo perfil dos demais ISRSs quanto ao uso na gestação, ou seja, risco C (o benefício do medicamento pode justificar o risco potencial durante a gestação). É seguro na lactação, podendo ser uma escolha nesses casos. Para idosos e pessoas com com prom etimento renal ou hepático, a dose má­ xima sugerida é de 10 mg/dia.

SÍNDROME DE DESCONTINUAÇÃO ABRUPTA ► Os sintomas que aparecem na reti­ rada dos ISRSs são clinicam ente benignos, podendo ocorrer dentro de 1 a 10 dias após a retirada do medicamento (embora, no caso da fluoxetina, possam aparecer várias semanas depois, em função de seu perfil farmacocinético) e persistir por até três semanas. Os sintomas mais frequentes são tonturas, vertigens, ataxia, distúrbios gastrintestinais (náuseas e vômitos), sintomas gripais, distúrbios sensoriais (parestesias), alterações de sono (in­ sônia, sonhos vívidos) e quadros psíquicos (irritabilidade, agitação, ansieda-

75

ANTIDEPRESSIVOS

interação medicamentosa. Não apresenta farmacocinética linear, sendo que, em doses mais altas, o nível sérico pode aumentar desporporcionalmente.


ANTIDEPRESSIVOS

de). Assim como ocorre em outras substâncias psicoativas, esses sintomas podem ser resultantes de alterações adaptativas que mais frequentemente envolvem o ajustamento de receptores para compensar a atividade farm a­ cológica do medicamento (efeito rebote). O aparecimento dos sintomas se correlaciona com a queda nos níveis plasmáticos do ISRS, o que explica a maior incidência deles na retirada de paroxetina e fluvoxamina do que du­ rante a retirada de fluoxetina, que tem meia-vida longa. Entretanto, a maior ocorrência desses sintomas com a paroxetina pode ser explicada não apenas pelo perfil farmacocinético, mas tam bém por seus efeitos anticolinérgicos.

SÍNDROME SEROTONÉRGICA ► A síndrome serotonérgica resulta do uso con­ com itante de substâncias com atividade serotonérgica (p. ex., triptofano) e IMAOs. Outras substâncias im plicadas incluem ADTs, trazodona, lítio, meperidina, buspirona e fenfluramina (Quadro 4 .1 1 ). A síndrome ocorre em graus variados de intensidade e pode ser fatal. Os sinais e sintomas podem ser confundidos com síndrome neuroléptica maligna. Sintomas sugestivos da síndrome incluem mudanças no estado mental do paciente (confusão, hipomania), agitação, mioclonias, hiper-reflexia, diaforese, arrepios ou calafrios, tremor, diarreia, incoordenação e febre. O tratam ento consiste na retirada das substâncias serotonérgicas, intervenção de suporte e observação da re­ solução espontânea do quadro, o que geralmente ocorre em 2 4 horas. Em casos graves, o tratam ento com propranolol ou metisergida pode ser útil.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► Assim como o perfil farmacocinético, o potencial para interações medicamentosas difere entre os vários ISRSs. O principal mecanismo das interações medicamentosas envolve a inibição de diferentes isoenzimas do citocromo P450: CYP2D6, CYP3A3/4, CYP1A2, CYP2C9/10 e CYP2C19 (Quadro 4 .1 1).4 6' 16’2s

INIBIDORES SELETIVOS DA RECAPTAÇÃO DE 5-HT/NE (iSRSNs) (VENLAFAXINA. DESVENLAFAXINA. DULOXETINA, MILNACIPRANO LEVOMILNACIPRANO) ► MECANISMO DE AÇÃO DOS ISRSNs ► Os ISRSNs subsensibilizam rapidamente receptores p-adrenérgicos acoplados o AMPc. Esse efeito pode estar rela­ cionado a um início de ação precoce. Diferentemente dos ISRSs, o bloqueio potente na recaptação de 5-HT pela venlafaxina e desvenlafaxina é comple­ mentado por um efeito leve e moderado na recaptação de NE. Já a duloxetina é um potente inibidor da recaptação de 5-HT e NE. O m ilnaciprano inibe de modo consistente 50 a 90% da recaptação de 5-HT e NE; o levomilnaciprano, enantiômero do agente racêmico milnaciprano, tem potencial de inibi­ ção de recaptação de NE maior que o de 5-HT. Indicados no tratam ento do TDM, pode-se assumir que todos os ISRSNs tenham alguma utilidade na intervenção terapêutica da fibrom ialgia e de outras condições dolorosas. As principais características de cada um dos antidepressivos dessa classe estão descritas a seguir. O perfil de interações medicamentosas dos ISRSNs está incluído no fim da seção.4_6’16’2o,31,32

VENLAFAXINA E DESVENLAFAXINA ► A venlafaxina é uma feniletilam ina que co­ meçou a ser comercializada em 1994, e sua formulação de liberação esten­ 76


VENLAFAXINA É rapidamente absorvida, e sua biodisponibilidade é de 45% . A ingestão com alimentos retarda, porém não compromete, sua absorção. A liberação da venlafaxina da formulação XR é controlada pela membrana e independe do pH gástrico. Embora a absorção da formulação XR ocorra mais lentamente e em concentrações plasmáticas inferiores, o total absorvido é o mesmo. A ligação proteica é moderada em cerca de 30% . A venlafaxina sofre metabolização hepática com im portante efeito de primeira passagem. Estudos in vitro evidenciam o envolvimento da CYP2D6 na metabolização da venlafaxina. EFEITOS COLATERAIS. Náuseas, tonturas, sonolência são os principais, podendo ocorrertam bém anorexia, ansiedade, astenia, constipação, boca seca, fadiga, cefaleia, insônia e nervosismo. Com doses acima de 2 2 5 mg/dia, podem apa­ recer sintomas como hipertensão, sudorese abundante e tremores. A hiperten­ são aparece como resultado da inibição da recaptação de NE, desenvolven­ do-se em 3% dos pacientes que fazem uso de 100 mg/dia; 5% dos pacientes em uso de doses entre 101 e 2 0 0 mg/dia; 7% dos pacientes em uso de doses entre 201 e 3 0 0 mg/dia; e 13% dos pacientes em uso de doses acima de 3 0 0 mg/dia. Porém, em menos de 1% dos pacientes, o tratam ento deve ser in­ terrom pido por esse motivo. A magnitude do aumento nos níveis da pressão arterial é de 2 mmHg com doses de 2 2 5 mg/dia e de 7,5 m m Hg com doses de 3 7 5 mg/dia. O tratam ento da hipertensão, quando necessário, inclui o FARMACOLOGIA.

77

ANTIDEPRESSIVOS

dida (XR), em 1998, ambas indicadas no TDM. A composição XR também foi aprovada no tratam ento do TAG e da ansiedade social (fobia social). A eficácia e o mecanismo de ação de ambas as formulações se assemelham m uito aos dos ADTs, sem as complicações de segurança e tolerabilidade. Seu principal metabólito, a desvenlafaxina, foi aprovado em 2 0 0 8 no trata­ mento do TDM, e, diferentemente da venlafaxina, tem uma ação mais poten­ te na inibição da recaptação de NE. Já com a venlafaxina, doses acima de 150 mg/dia são necessárias para obter efeitos noradrenérgicos clinicam ente observáveis. Tanto a venlafaxina como a desvenlafaxina com partilham com o citalopram e o escitalopram o baixíssimo potencial de interação medicamentosa, por não serem inibidores potentes de qualquer enzima hepática do citocromo P450. Entretanto, a venlafaxina é um substrato da CYP2D6. A desvenlafaxina não é, e seu metabolismo não é afetado por substâncias inibidoras (como a fluoxetina) ou indutoras (como a carbamazepina) da CYP2D6. A desvenlafaxina quase não possui metabolismo hepático. Ambas as substâncias estão associadas com a síndrome de descontinuação de antidepressivos, caracterizada por efeitos adversos devido ao incremento rápido ou à descontinuação abrupta da dose. Os sintomas incluem tontura, boca seca, insônia, náusea, nervosismo, sudorese, anorexia, diarreia, sono­ lência e alterações sensoriais. Recomenda-se um cronograma lento de retira­ da do medicamento, em geral de 2 a 4 semanas. Em alguns casos, usar fluoxetina pode ser útil para contornar a estratégia.


ANTIDEPRESSIVOS

uso de agentes anti-hipertensivos. Os efeitos colaterais na esfera sexual apa­ rentam ser dose-dependentes, e parece não haver desenvolvimento de tole­ rância. Podem ser relatados dim inuição da libido, anorgasmia, retardo ejaculatório e impotência. Para evitar a síndrome de descontinuação abrupta, remenda-se a redução gradativa de 2 0 a 25% da dose por semana. POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES. A venlafaxina entra na categoria C na gesta­ ção (efeito ainda não conhecido), e seu uso em lactentes deve ser instituído com cautela (atinge o leite materno). Em idosos, também deve ser usada com cautela. O uso em pacientes com doenças cardiovasculares e hiperten­ são deve ser bem-avaliado, uma vez que a indução de elevação nos níveis da pressão arterial ou a hipotensão postural podem agravar condições preexis­ tentes. O metabolismo da venlafaxina mostra-se alterado em pacientes com com prom etimento hepático, e deve-se considerar redução nas doses em até 50% no caso de com prom etim ento hepático grave ou moderado. A excreção da venlafaxina pode ser alterada em pacientes com com prom etimento renal. Pacientes com com prom etimento leve ou moderado devem receber 2 5 a 50% da dose. Pacientes em hemodiálise devem receber 50% da dose, que deve ser administrada após a sessão de diálise. Há interação farmacológica em idosos tomando cim etidina. Deve ser usada com cautela na associação com diuréticos e metoprolol. A venlafaxina dim inui os níveis plasmáticos de im ipram ina e indinavir e eleva os de haloperidol, risperidona e desipramina; potentes inibidores de CYP3A4 e 2D 6 devem ser vistos com cautela.

DESVENLAFAXINA FARMACOLOGIA. É um metabólito ativo da venlafaxina. Tem boa absorção oral, com pico plasmático em 6 a 10 horas. A meia-vida é de 11 horas, e o estado de equilíbrio é alcançado em 4 a 5 dias. A ligação a proteínas plasmáticas é baixa (30% ), apresenta forte metabolização de primeira passagem e não tem metabólitos ativos. A metabolização hepática ocorre por glicuronidação, e a excreção é renal. Apenas uma pequena parte é metabolizada pela isoenzima CYP3A4. A isoenzima CYP2D6 é im portante para a metabolização de venlafaxina para desvenlafaxina, mas não da desvenlafaxina. Apesar disso, há alguma evidência demonstrando que a desvenlafaxina é um inibidor fraco da CYP2D6. Apresenta farmacocinética linear para as doses recomendadas. EFEITOS COLATERAIS. São m uito comuns náusea, boca seca, constipação, cefaleia, tontura, insônia e sudorese excessiva. São relativamente comuns pal­ pitações, taquicardia, vertigem, zumbido, visão turva, dilatação da pupila, diarreia, vômitos, fadiga, irritabilidade, astenia, calafrios, aumento ou perda de peso, elevação da pressão arterial, redução do apetite, sonolência, tremor, parestesia, alteração do paladar, transtorno da atenção, sonhos anormais, ansiedade, nervosismo, dim inuição da libido, anorgasmia, disfunção erétil, ejaculação retardada, falha de ejaculação, bocejos, erupção cutânea e foga­ chos. Efeitos menos comuns são hipersensibilidade, aumento de colesterol e triglicerídeos, alteração da função renal e hiperprolactinemia. Raramente podem ocorrer hiponatremia, convulsões, distonia e hipomania.

78


DULOXETINA ► Após um longo período de demora, a duloxetina foi comercia­ lizada, em 2 0 0 4 . Assim como a venlafaxina e a desvenlafaxina, tem baixa afinidade por receptores muscarínicos ou histamínicos. A duloxetina é um potente inibidor da recaptação de 5-HT e NE, entretanto, é mais potente na inibição da recaptação de NE do que a venlafaxina. Está indicada como primeira linha no TDM, na dor neuropática associada com diabetes e na incontinência devida a estresse, assim como para pacientes com depressão grave, incluindo os subtipos melancólico e psicótico, no TAG e na dor musculoesquelética crônica. Pode estar associada à síndrome de descontinuação, porém em menor fre­ quência do que outros antidepressivos devido a sua meia-vida mais longa e à potente ligação proteica.

FARMACOLOGIA A duloxetina é bem-absorvida depois de administrada por via oral, e sua concentração plasmática máxima ocorre seis horas após a administração. Quando administrada com alimentos, o pico de concentração é atingido em 6 a 10 horas, ocorrendo também uma discreta dim inuição na absorção (aproximadamente 10%). Encontra-se altamente ligada em mais de 90% a proteínas plasmáticas, sobretudo à albumina e à glicoproteína a -l-á c id a . A duloxetina é extensiva mente metabolizada, e seus metabólitos são excreta­ dos sobretudo na urina. As principais vias de biotransformação envolvem a oxidação do anel naftil, seguida por conjugação e posterior oxidação. Tanto a CYP2D6 quanto a CYP1A2 catalisam a formação dos dois principais me­ tabólitos, o conjugado glicuronídeo da 4-hidroxiduloxetina e o sulfato conju­ gado da 5-hidróxi-6-m etóxi duloxetina. Os metabólitos circulantes não são farmacologicamente ativos. A meia-vida de eliminação é de 12,1 horas, e o clearance plasmático é de 101 L/h. A maior parte da duloxetina (70% ) é recuperada na urina na forma de metabólitos, e aproximadamente 20% são recuperados nas fezes.

EFEITOS COLATERAIS Constipação intestinal, boca seca, náusea, cefaleia, diarreia, vômito, d im i­ nuição do apetite, perda de peso, cansaço, tontura, sonolência, tremor, sudorese, ondas de calor, visão borrada, anorgasmia, insônia, dim inuição da libido, dificuldade de ereção e ejaculação, dificuldade em urinar (apenas no sexo masculino), dim inuição do apetite, fraqueza, taquicardia, tontura, 79

ANTIDEPRESSIVOS

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES. Contraindicada para pacientes que estão sob uso de IMAOs e pessoas com hipersensibilidade à desvenlafaxina ou a outros componentes da formulação. Não é indicada para pessoas com idade infe­ rior a 18 anos. Não há estudos controlados sobre o uso em gestantes, e a segurança não pode ser estabelecida. Não há evidência de teratogenicidade, mas o uso no terceiro trim estre pode causar complicações no periparto e síndrome de descontinuação no recém-nascido. A continuidade de uso deve levar em conta a relação custo-benefício. Tanto a venlafaxina como a des­ venlafaxina são excretadas no leite materno. Em idosos, a titulação de dose deve ser instituída com cautela.


ANTIDEPRESSIVOS

dilatação da pupila, alterações visuais, eructação, gastrenterite, estomatite, calafrios, sensação de calor e/ou frio, mal-estar, sede, aumento de peso, aumento da pressão arterial, alterações laboratoriais relacionadas à função hepática, desidratação, rigidez muscular, contração muscular, alteração do paladar, ansiedade, transtorno do sono, agitação, bruxismo, desorientação, aumento da frequência urinária noturna, bocejo, suores noturnos, fotossensibilidade, rubor facial e extremidades frias.

POPULAÇÕES ESPECIAIS Recomenda-se monitoração em pacientes com diabetes ou de risco pelo potencial de aumento do açúcar no sangue e da hemoglobina A1C no trata­ mento crônico; risco de efeitos hepáticos em pacientes com alcoolismo; na insuficiência hepática, doença renal em estágio term inal; ou em pacientes com glaucoma de ângulo estreito não controlado. Esse medicamento deve ser usado em gestantes somente quando o benefício potencial justificar o risco para o feto. Não é recomendada na amamentação. Deve-se ter cuidado especial com idosos (embora não seja necessário ajuste de dose), indivíduos com transtorno bipolar, história prévia de mania, con­ vulsão, aumento de pressão intraocular, doença cardíaca e hipertensão, e pa­ cientes com risco de hemorragia, em uso de anticoagulantes e antiagregantes plaquetários. Não deve ser usada em crianças ou pacientes com menos de 18 anos, com função hepática reduzida, dim inuição grave da função renal e hipertensão não controlada, pacientes que fizeram uso de IMAO nos últi­ mos 14 dias, pacientes em uso de fluvoxamina, ciprofloxacina ou enoxacina, com intolerância à frutose, má absorção de glicose-galactose ou insuficiência de sucrose-isomaltase (as cápsulas de duloxetina contêm sucrose).

MILNACIPRANO E LEVOMILNACIPRANO ► O m ilnaciprano foi aprovado em 2 0 0 9 para o tratam ento da fibrom ialgia. No TDM, os estudos foram variados, mas a eficácia ainda não foi bem-estabelecida. Em 2 0 1 3 , seu enantiômero, o levomilnaciprano, foi aprovado no TDM. A relativa equipotência do m il­ naciprano no transportador de 5-HT e NE o coloca como medicamento ade­ quado para o tratam ento de condições dolorosas. Em contraste, o levom il­ naciprano é um agente noradrenérgico mais potente e bem-estabelecido no TDM e pode ser menos tolerado do que outros ISRSNs no tratam ento de transtornos de ansiedade. Sua propriedade noradrenérgica teria utilidade no TDAH. À semelhança dos outros ISRSNs, eles apresentam risco de sintomas de descontinuação abrupta, e, nesse caso, recomenda-se redução gradativa da dose em 1 a 2 semanas.

MILNACIPRANO FARMACOLOGIA. Apresenta boa absorção após administração por via oral. Sua biodisponibilidade é da ordem de 85% , não sendo modificada pela alim enta­ ção. A concentração plasmática máxima (C máX.) é atingida por volta de duas horas (Tmáx) após a ingestão oral. Essa concentração é da ordem de 120 ng/mL após uma ingestão única de 50 mg. O aumento da concentração plasmática é proporcional à dose até a concentração de 2 0 0 mg por dose. Após ingestões repetidas, o nível plasmático do estado de equilíbrio é atin­ 80


G ra v id e z e la c ta ç ã o Por medida de precaução, é preferível não usar o m ilnaciprano durante a gravidez, pois não existem informações suficientes a respeito de seus efeitos sobre o feto. Como o m ilnaciprano passa para o leite em pequenas quan­ tidades, seu uso é contraindicado durante a amamentação. Estudos com animais evidenciaram a passagem de pequena quantidade do medicamento

81

ANTIDEPRESSIVOS

gido em 2 a 3 dias. A variação individual é pequena. A taxa de ligação a proteínas plasmáticas é baixa (13% ) e insaturada. A biotransformação do m ilnaciprano é simples, lim itando-se essencial mente à conjugação com ácido glicurônico. Não possui metabólito ativo. 0 m ilnaciprano tem um clea­ rance total da ordem de 40 L/h. Sua meia-vida de elim inação plasmática é de oito horas. A elim inação é essencialmente por via urinária (90% da dose ingerida), com secreção tubular do medicamento na forma inalterada. Após ingestões repetidas, o m ilnaciprano é totalm ente elim inado 2 a 3 dias após a interrupção do tratamento. EFEITOS COLATERAIS. Ensaios clínicos sugerem que o m ilnaciprano é um me­ dicamento seguro e eficaz, com rápido início de ação e boa tolerabilidade. Os efeitos colaterais mais comumente observados são disúria, palpitações, hipotensão, taquicardia, efeitos gastrintestinais (constipação, náusea, vôm i­ tos), boca seca, cefaleia, tremor, sudorese, tontura e nervosismo. A disúria foi mais frequente com m ilnaciprano do que com ADTs. Recomenda-se redu­ ção da dose em idosos e pacientes com insuficiência renal, mas não em hepatopatias. Em pacientes com disfunção renal, o medicamento apresenta concentraçãoo aumentada devido à redução significativa de sua depuração renal. POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES. É contraindicado nas seguintes condições: hipersensibilidade conhecida ao m ilnaciprano ou a outros componentes da formulação; pacientes com idade inferior a 15 anos; associação com IMAOs, inibidores seletivos da MAO-B, digitálicos e agonistas 5-H T 1D (p. ex., sumatriptano); hipertrofia prostática e outras disfunções geniturinárias. Embora interação com álcool não tenha sido evidenciada, recomenda-se evitar a ingestão de álcool, como com qualquer medicamento psicotrópico. Aumento na concentração do medicamento pode ser evidenciado em idosos e pacien­ tes com insuficiência renal. O m ilnaciprano deve ser prescrito com prudência nos seguintes casos: insufi­ ciência renal; pacientes com história de dificuldade para a passagem da uri­ na (hipertrofia prostática) e outros distúrbios geniturinários; hipertensão ou cardiopatia (reforçar a vigilância clínica, uma vez que o m ilnaciprano pode aumentar discretamente a frequência cardíaca em alguns pacientes); glau­ coma de ângulo estreito; e epilepsia ou história de epilepsia (descontinuar em caso de ocorrência de convulsão). Existem relatos de hiponatremia em pacientes sob uso de ISRSs, possivelmente devido à síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Cuidados especiais são recomenda­ dos em idosos, pacientes em uso de diuréticos ou outros medicamentos que possam induzir hiponatremia e pacientes com cirrose ou desnutridos.


ANTIDEPRESSIVOS

pela placenta. Atualmente, não há dados relevantes que demonstrem efeitos teratogênicos ou tóxicos do m ilnaciprano para o feto quando adm inistra­ do durante a gestação. Na ausência de efeitos teratogênicos demonstrados nos estudos com animais, não são esperadas malformações em humanos. Entretanto, por medida de precaução, é preferível não adm inistrar o m ilnaci­ prano durante a gestação.

LEVOMILNACIPRANO O levomilnaciprano é um enantiômero do agente racêmico m ilnaciprano com potencial de inibição da recaptação de NE maior do que o de 5-HT, não afetando diretamente a recaptura de DA ou de outros neurotransmissores. Foi aprovado em 2 0 1 3 no tratam ento do TDM, na formulação SR, na dose de 20 a 120 mg. Seu Tmáx é de 6 a 8 horas, e 11/2, de 12 horas. As prin­ cipais interações medicamentosas são as mesmas dos outros ISRSNs, e é recomendada dose baixa quando em uso concomitante com inibidores da CYP3A4 (p. ex., cetoconazol, claritrom icina, ritonavir). As reações adver­ sas mais comuns incluem náusea, constipação, hiper-hidrose, aumento da frequência cardíaca, disfunção erétil, taquicardia, vôm itos e palpitação. A taxa de efeitos colaterais foi consistente em todas as doses. Os efeitos adver­ sos relacionados à dose lim itaram -se a hesitação urinária e disfunção erétil. Embora não se conheçam os efeitos na gestação, seu uso deve superar o risco, e não é recomendado na amamentação.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ISRSNs ► Os ISRSNs podem desencadear síndrome serotonérgica quando combinados com IMAOs, e, portanto, essa combinação está contraindicada, sendo recomendável aguardar duas sema­ nas após a interrupção do IMAO para iniciar o ISRSN. Devido ao fato de a venlafaxina apresentar meia-vida curta (cinco horas para venlafaxina e 11 horas para seu principal metabólito, O-desmetilvenlafaxina), uma semana de w ash-out é suficiente antes de iniciar o IMAO. Venlafaxina, desvenlafaxina e duloxetina são inibidores fracos da CYP2D6, à semelhança de citalopram e escitalopram. Os ISRSNs não têm efeito potente de inibição de outras enzi­ mas hepáticas. Entretanto, todos são metabolizados pela isoenzima 2D 6 e, com menos relevância, pela isoenzima 1A2. Portanto, cim etidina, paroxetina e outros medicamentos que inibem a 2D 6 podem resultar em aumento pronunciado da pressão arterial e de outros efeitos colaterais. A venlafaxina pode aumentar os níveis de haloperidol, mas esse efeito não é mediado pelas isoenzimas 2D 6 ou 1A2. As interações medicamentosas de significado clínico estão descritas no Quadro 4 .1 2 .

INIBIDORES DA RECAPTAÇÃO DE SEROTONINA E ANTAGONISTAS gl 2 (IRSA s ) ► Esta classe inclui fenilpiperazina, nefazodona e triazolopiridina trazodona, que representam os primeiros agentes serotonérgicos específicos. A nefazo­ dona foi aprovada em 1980 para tratam ento do TDM e, devido aos efeitos de hepatotoxicidade, foi retirada do mercado norte-americano em 1995. A trazodona teve expectativa elevada como agente que substituiria os ADTs, entretanto seu efeito sedativo substancial, mesmo em subdoses, lim itou seu uso.4'7 ,15,16 82


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.12 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA VENLAFAXINA MEDICAMENTO

INTERAÇÃO/EFEITO

Fenelzina

EVITE; possibilidade de crises hipertensivas e serotonérgicas.

Moclobemida

Aumento do efeito em NE e 5-HT; cuidado: não há dados sobre a segurança da combinação.

Selegilina

Relato de reação serotonérgica.

Ritonavir

Diminuição moderada na depuração de venlafaxina.

Haloperidol

Aumento no pico plasmático e na AUC de haloperidol; sem alteração na meia-vida.

Cimetidina

Aumento no nível plasmático de venlafaxina devido à diminuição na depuração em 43%; aumento no pico de concentração em 60%.

Fonte: S chatzberg e D e B attista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,5 Moreno e cola borad ores,16 Gentil e colaboradores,20 B aldw in e colaboradores31 e Asnis e Henderson.32

TRAZODONA ► O efeito sedativo tornou a trazodona uma substância alternati­ va aos hipnóticos tradicionais, como um bom indutor de sono. Tem indicação no TDM e na insônia (à parte de sua qualidade sedativa, apresenta efeito favorável na arquitetura do sono). Potencializa a ereção resultante de estim u­ lação sexual e pode ser usada para prolongar a ereção e a turgescência em alguns homens com transtorno de disfunção erétil.

FARMACOLOGIA A trazodona é bem-absorvida pelo trato gastrintestinal, e se ingerida durante as refeições, ou imediatamente após, pode haver aumento na quantidade absorvida, redução na concentração máxima e aumento no tempo neces­ sário para atingir o pico plasmático. Em geral, os picos plasmáticos são atingidos em duas horas. Apresenta alta ligação proteica, de cerca de 90% , e sofre hidroxilação hepática. Sua meia-vida é de 6 a 11 horas. A eliminação é sobretudo renal (75% , predominantemente como metabólitos inativos) e biliar (20% ).

MECANISMO DE AÇÃO O mecanismo de ação postulado envolve a inibição da recaptação de 5-HT e NE. A longo prazo, ocorrem a dessensibilização e a dim inuição no número de receptores p-adrenérgicos e 5-H T2a . Apresenta atividade antagonista de receptores a 1-adrenérgicos e anti-histam ínicos mais relacionada a seus efei­ tos colaterais. O metabólito ativo, m-clorofenilpiperazina (mCPP), também apresenta algum grau de atividade serotonérgica pós-sináptica.

EFEITOS COLATERAIS Os efeitos colaterais mais frequentes da trazodona são: sedação, hipotensão ortostática, tontura, cefaleia, náuseas, boca seca. Reações alérgicas e irri­ tação gástrica podem ocorrem. Alguns relatos sugerem associação entre a trazodona e o aparecimento de arritm ias em pacientes que já apresentavam 83


ANTIDEPRESSIVOS

contrações ventriculares prematuras ou prolapso da válvula m itral. A trazodona está associada à ocorrência de priapismo (ereção peniana prolongada na ausência de estímulo). Nesse caso, deve-se suspendê-la. Sugere-se ava­ liar com o paciente a troca do antidepressivo caso perceba que a frequência e a duração das ereções estejam aumentadas. O tratam ento do priapismo consiste na injeção intracavernosa de solução de epinefrina (1 mcg/mL). Outras disfunções sexuais também podem ocorrer. Os casos de intoxicação por trazodona se caracterizam por sedação, hipo­ tensão, perda de coordenação muscular, náuseas e vômitos. O tratam ento consiste na redução da absorção com lavagem gástrica e na administração de carvão ativado, na tentativa de aumento da eliminação por meio de diu­ rese forçada, e na adoção de medidas de monitoração cardíaca e de suporte.

POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES O uso de trazodona na gestação está contraindicado; estudos com animais associam o medicamento a malformações fetais. A trazodona é excretada no leite materno, logo o aleitamento está contraindicado. Em pacientes com com prom etim ento hepático e/ou renal, o uso de trazodona deve ser feito com cautela, em função de alterações no metabolismo e na excreção do medicamento.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS As interações medicamentosas clinicam ente significativas envolvem subs­ tâncias depressoras do SNC e IMAOs (Quadro 4 .1 3 ).

INIBIDOR SELETIVO DA RECAPTAÇÃO DE NOREPINEFRINA (ISRN) ► REBOXETINA ► A reboxetina é o primeiro composto comercializado de uma nova classe de antidepressivos: os inibidores da recaptação de norepinefrina (ISRNs), estrutural mente semelhantes à viloxazina. Apresenta atividade se­ letiva sobre a recaptação de NE, com atividade antagonista a2-adrenérgica. Não tem efeitos significativos sobre receptores colinérgicos, histamínicos, al-adrenérgicos ou na inibição da monoaminoxidase, e sua ação antidepressiva foi descrita pela primeira vez na década de 1980. Em uma metanálise que comparou a eficácia de 12 antidepressivos de segunda geração (poste­ riores aos ADTs), a reboxetina foi considerada o antidepressivo menos eficaz, tendo papel secundário no tratam ento da depressão.4'6’12’16

FARMACOLOGIA A reboxetina é absorvida pelo trato gastrintestinal e apresenta alta ligação à glicoproteína a-1 plasmática. Atinge pico plasmático em 1,5 a 2,5 horas. Sofre metabolização hepática por hidroxilação e oxidação principalmente. Não interage com isoenzimas do sistema do citocromo P450. Sua meia-vida é de 12 a 13 horas, e a elim inação se dá pela urina (76% na forma inalte­ rada e metabólitos) e pelas fezes (7-16% ). Recomenda-se titulação de dose.

EFEITOS COLATERAIS Os efeitos colaterais mais significativos incluem: constipação, diaforese, ton­ tura, boca seca, cefaleia, aumento da sudorese, insônia, náusea, taquicar-

84


SUBSTÂNCIA

EFEITO

Álcool

Uso agudo ou de curta duração reduz o metabolismo de primeira passagem de antidepressivos e aumenta os níveis plasmáticos; o uso crônico induz metabolização enzimática e diminui o nível plasmático do antidepressivo.

Anticolinérgicos: antiparkinsonianos e anti-histamínicos

Aumentam o efeito anticolinérgico; aumento no risco de hipertermia e confusão. Anti-histamínicos: retenção urinária, etc.

Anticonvulsivantes: carbamazepina, barbitúricos, fenitoína

Aumento no nível de carbamazepina ou fenitoína devido à inibição do metabolismo; diminuição no nível de trazodona devido à indução enzimática.

Anticoagulante: varfari na

Diminuição no tempo de protrombina e UNIR.

ANTIDEPRESSIVOS IMAOs irreversíveis: fenelzina, tranilcipromina

Doses baixas de trazodona (25-50 mg) usadas no tratamento da insônia induzida pelo antidepressivo.

RIMA (reversível): moclobemida

Efeito antidepressivo aditivo na depressão resistente; observar efeitos serotonérgicos.

ISRD: bupropiona

Efeito aditivo na depressão resistente, aumenta o risco de crise convulsiva.

ISRSs: fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina

Elevação nos níveis de IRSA (devido a liberação da ligação proteica e inibição do metabolismo oxidativo); monitorar nível plasmático e sinais de toxicidade. Efeito aditivo na depressão resistente.

Anti-hipertensivos: betanidina, clonidina, metildopa, guanetidina, reserpina Acetazolamida, diuréticos tiazídicos

Diminuição do efeito anti-hipertensivo devido à inibição de receptores a-adrenérgicos. Aumento da hipotensão.

Antipsicóticos: clorpromazina, haloperidol, perfenazina

Aumento no nível de qualquer um deles. Potenciação do efeito hipotensor com trazodona.

Depressores do SNC: hipnóticos, anti-histamínicos, benzodiazepínicos

Aumento da sedação e depressão do SNC.

Colestiramina

Se administrados em conjunto, diminuição na absorção do antidepressivo.

Digoxina

Aumento no nível de digoxina, com possível toxicidade com trazodona.

Lítio

Efeito antidepressivo aditivo (iContinua)

85

ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.13 ►INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS IRSAs: TRAZODONA


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.13 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS IRSAs= TRAZODONA SUBSTÂNCIA

EFEITO

L-triptofano

Efeito antidepressivo aditivo; monitorar efeitos serotonérgicos.

IMAO-B: L-deprenil (selegilina)

Relato de reações serotonérgicas.

Inibidor de protease: ritonavir

Aumento no nível plasmático de trazodona devido à diminuição no metabolismo, aumenta a sedação e a fadiga.

Sulfonilureias: tolbutamida

Aumento da hipoglicemia.

Agentes tireoidianos: Tri-iodotironina (T3), L-tiroxina (T4)

Efeito aditivo antidepressivo em depressão resistente.

Fonte: Schatzberg e D e B attista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 M illan e colaboradores,7 B ezchlibnykB u tle r e Je ffrie s15 e Moreno e colaborad ores.16

dia, impotência e hesitação ou retenção urinária. Em geral, esses efeitos têm intensidade moderada, mesmo em doses acima de 8 mg/dia. Na superdosagem, podem ocorrer crise hipertensiva, confusão e convulsões. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A ausência de interação com as enzimas do citocrom o P450 e a seletividade de ação conferem à reboxetina baixo potencial de interações medicamen­ tosas. Embora ainda não haja estudos definitivos sobre o assunto, os já realizados demonstraram que a reboxetina não apresenta interação farmacocinética com o lorazepam em indivíduos saudáveis, e tam bém não se observou interação farmacodinâmica (desempenho psicomotor ou cognitivo) com o álcool em um estudo duplo-cego que incluiu número reduzido de pacientes. A reboxetina pode produzir síndrome serotonérgica em com bi­ nação com ISRSs, ISRSNs, ADTs, IMAOs ou outros agentes serotonérgicos. Pode elevar a concentração de tioridazina e pimozida, e causar arritm ias cardíacas. Eleva os níveis de alprazolam, buspirona, triazolam , sinvastatina, atorvastatina, lovastatina, ADT ep-bloqueadores. É contraindicada em casos de hipersensibilidade à substância. POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Apesar de não haver dados, seu uso na gestação e na lactação não é reco­ mendado. Em pacientes com problemas cardiovasculares, a reboxetina pode levar a aumento da frequência cardíaca e a um leve decréscimo na pressão arterial. Portanto, deve ser usada com precaução. Em pacientes idosos, não há estudos. Entretanto, indivíduos com hipertrofia prostática podem sentir-se especialmente incomodados pela retenção urinária. A meia-vida prolon­ gada requer ajustes de dose, ainda sem diretrizes definidas. A extensa metabolização hepática sofrida pela reboxetina tam bém sugere a necessidade de

86


INIBIDOR SELETIVO DA RECAPTAÇÃO DE DOPAMINA (ISRD) ► BUPROPIONA ► A bupropiona é um antidepressivo unicíclico que teve sua comercialização retardada devido a pendências acerca do risco de induzir convulsões. Foi liberada em 1989, quando ficou claro que esse risco é dose-dependente e tende a ocorrer em populações específicas. Em 1998, foi comercializada a formulação SR, que pode ser administrada duas vezes ao dia e apresenta menor risco de convulsão. Já em 2 0 0 3 , a formulação de XR proporciona uma única administração ao dia. A bupropiona está indicada no TDM, na prevenção de depressão com padrão sazonal e na interrupção do tabagismo. Na depressão bipolar do transtorno bipolar tipo I, apresenta menor risco de indução de mania e de exacerbar ou induzir ciclagem rápida no transtorno bipolar tipo II. Entretanto, seu uso na depressão bipolar é lim itado. Também pode ser empregada no TDAH, como agente de segunda linha, e na dim inuição da fissura em usuários de cocaína devido a seu efeito dopaminérgico. Pode elevar a excitação e a satisfação sexual e propiciar a finalização do orgasmo. Em 2 0 1 4 , a Food and Drug Adm inistration (FDA) aprovou a combinação da bupropiona com a naltrexona no tratam ento da obesidade com índice de massa corporal (IMC) superior a 30. As doses pre­ conizadas variam conforme a composição da substância: liberação imediata - iniciar com 100 mg, duas vezes ao dia, ou até 4 5 0 mg conforme eficácia e tolerabilidade; SR - iniciar com 150 mg inicial, duas vezes ao dia, ou até 4 0 0 mg conforme eficácia e tolerabilidade; XR - iniciar com 150 mg, uma vez ao dia, ou até 4 5 0 mg conforme eficácia e tolerabilidade.4'6’ 16,33 FARMACOLOGIA A bupropiona é rapidamente absorvida pelo trato intestinal, mas o metabo­ lismo pré-sistêmico elevado dim inui sua biodisponibilidade. A bupropiona e a hidroxibupropiona apresentam alta ligação proteica (8 4 e 77% , respecti­ vamente). A bupropiona cruza rapidamente a barreira hematencefálica e a placenta, sendo distribuída no leite materno. É extensiva mente metabolizada (inclusive metabolização pré-sistêmica), e três de seus metabólitos apresen­ tam alguma atividade, segundo estudos com animais: a hidroxibupropiona (formada principalm ente pela isoenzima 2B 6 do citocromo P450), com po­ tência equivalente à bupropiona, a treoidrobupropiona e a eritroidrobupropiona, formadas por hidroxilação e/ou redução e que apresentam de 1/10 a 1/2 da potência da bupropiona. Sua meia-vida de distribuição é de cerca de 3 a 4 horas, a meia-vida de elim inação após dose única é de 14 horas e, no estado de equilíbrio, de 21 horas (podendo variar entre 12 e 30 horas). A meia-vida de elim inação da hidroxibupropiona é de cerca de 20 horas. Os picos plasmáticos da bupropiona e da hidroxibupropiona são de 1,5 e 3 ho­ ras, respectivamente, passando para 3 e 6 horas na formulação de liberação prolongada. A elim inação renal é de 1% na forma inalterada, acima de 60% como metabólitos em 24 horas e acima de 80% em 96 horas; a eliminação fecal é de 10%, principalm ente na forma de metabólitos. 87

ANTIDEPRESSIVOS

ajustes de dose em pacientes portadores de hepatopatias, mas, nesse caso, também não há condutas definidas.


ANTIDEPRESSIVOS

MECANISMO DE AÇAO Embora não seja completamente conhecido, o mecanismo de ação da bupropiona se dá por meio de sua atividade noradrenérgica e dopaminérgica. A bupropiona aumenta a liberação de NE corpórea e é um fraco inibidor//? vitro da captação neuronal de NE e de DA, porém de relevância farmacológica. Sua ação inibitória da recaptação de DA é menor do que a observada com sertralina, entretanto sua ação dopaminérgica é im portante devido ao fato de níveis de ácido homovanílico, o metabólito prim ário da DA, dim inuírem em pacientes que respondem à bupropiona, mas não naqueles que não res­ pondem. Nos últim os anos, sua ação noradrenérgica ficou mais evidente. A hidroxibupropiona é seu metabólito ativo. A bupropiona não inibe a monoaminoxidase e tem pouca afinidade pelo sistema serotonérgico. Também não interage com receptores histamínicos e colinérgicos, levando a uma maior tolerabilidade. EFEITOS COLATERAIS A bupropiona apresenta boa tolerabilidade. Entre os antidepressivos de nova geração, manifesta o menor potencial de indução de efeitos colaterais e a menor incidência de descontinuação do tratam ento por intolerância.14 Os efeitos colaterais mais frequentemente observados são: agitação, ansiedade, rash cutâneo, dim inuição do apetite, boca seca e constipação intestinal. O aumento do risco de indução de convulsões é maior que o de outros antide­ pressivos e mais frequente com doses elevadas. A incidência de convulsões com a forma de liberação prolongada é de 0,1% com doses até 3 0 0 mg/ dia e de 0,4% com doses acima de 4 0 0 mg/dia. Com o uso da forma de liberação imediata, o risco passa para 0,4% com doses entre 3 0 0 e 4 5 0 mg/dia, podendo aumentar até 10 vezes em doses entre 4 5 0 e 6 0 0 mg/dia. Para m inim izar o risco de convulsões, recomenda-se composto de liberação imediata não exceda 150 mg e que cada dose do composto de liberação prolongada não exceda 2 0 0 mg. Deve-se observar um intervalo de quatro horas entre as doses do composto de liberação imediata e de oito horas entre as administrações do composto de liberação prolongada. Os efeitos clínicos da ingestão de doses elevadas de bupropiona são: alucina­ ções, dim inuição do nível de consciência, náuseas, vômitos, convulsões (em um terço dos casos) e taquicardia, que pode evoluir para bradicardia e assistolia. O tratam ento da intoxicação inclui medidas para dim inuição da absor­ ção. Pacientes estuporosos ou comatosos devem ser entubados; em seguida, deve-se realizar lavagem gástrica e adm inistrar carvão ativado a cada seis horas se a ingestão ocorreu nas últim as 12 horas. Não se recomenda o xa­ rope de ipeca para induzir vômitos, devido ao risco de convulsões. No caso de convulsões, deve-se adm inistrar benzodiazepínicos por via intravenosa. É fundamental monitorar ECG e eletrencefalograma (EEG) por pelo menos 4 8 horas e equilíbrio eletrolítico e acidobásico em pacientes sob estado de mal epiléptico. Medidas gerais de suporte, como diurese forçada, diálise ou hemoperfusão, não são indicadas, pois a bupropiona e seus metabólitos

88


POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES A bupropiona passa rapidamente para a placenta. Seu uso na gestação não é recomendado. Além disso, é distribuída para o leite materno, oferecendo risco potencial, como convulsões, para o lactente. Em pacientes geriátricos acima de 60 anos, não há limitações de uso, mas alterações metabólicas relacionadas à idade podem causar intolerância aos efeitos colaterais, e alte­ rações renais e hepáticas podem exigir redução nas doses prescritas. Não é recomendada para pacientes acima de 74 anos. Em pacientes com história de traum atism o craniano, tum or cerebral, quadros cerebrais orgânicos ou alterações eletrencefalográficas, o uso da bupropiona não é recomendado em função do risco de convulsões. Em doentes renais ou hepatopatas, a metabolização e a excreção da bupropiona podem sofrer alterações. Sugere-se iniciar o tratam ento com baixas doses e monitorar intensamente o paciente. Na anorexia e bulim ia, a bupropiona não é recomendada devido ao maior risco de convulsões.

ANTIDEPRESSIVO NORADRENÉRGICO E ESPECÍFICO SEROTONÉRGICO (NASSA) ► MIRTAZAPINA ► A mirtazapina é relacionada no âm bito clínico com a mianserina, um medicamento largamente utilizado durante anos na Europa. Foi aprovada em 1996 no tratam ento do TDM. Devido ao efeito sedativo im ­ portante e de longa duração e ao aumento do apetite e do peso, pode ser usada na depressão com características melancólicas cuja sintomatologia

89

ANTIDEPRESSIVOS

apresentam difusão lenta dos tecidos para o plasma. As interações medica­ mentosas clinicam ente significativas estão descritas no Quadro 4 .1 4 .


ANTIDEPRESSIVOS

inclui insônia, perda de peso e agitação. Idosos se beneficiam mais do que jovens deprim idos devido ao perfil de efeitos colaterais. Está disponível em com prim idos de 30 e 45 mg e com prim idos orodispersíveis de 15, 30 e 4 5 m g 4 -6 ,1 6 , 3 4 ,3 5

MECANISMO DE AÇAO

A ação da mirtazapina se dá por meio do aumento da atividade noradrenérgica e serotonérgica central. A mirtazapina é um antagonista de auto e heterorreceptores a2-adrenérgicos pré-sinápticos e antagonista 5-H T2 e 5-H T3 pós-sináptico. Apresenta fraca afinidade pelos receptores 5-H T 1A e 5-H T 1B pós-sinápticos. Sua afinidade pelos receptores histamínicos H i ex­ plica o efeito sedativo. Apresenta afinidade fraca por receptores muscarínicos e dopaminérgicos. FARMACOLOGIA A mirtazapina é bem-absorvida pelo trato gastrintestinal, mas, devido ao metabolismo de primeira passagem, sua biodisponibilidade é de 50% . Apresenta alta ligação a proteínas plasmáticas (85% ). Os picos plasmáticos são atingidos em cerca de duas horas, e o estado de equilíbrio, em cinco dias, apresentando relação linear com a dose ingerida. A mirtazapina sofre metabolização hepática, principalm ente desmetilação e hidroxilação, seguida de conjugação ao ácido glicurônico. Seus metabólitos são ativos e encontrados em níveis baixos. A meia-vida de elim inação é de 20 a 4 0 horas (mais longa em mulheres de todas as idades). Os metabólitos são eliminados na urina (75% ) e nas fezes (15% ). EFEITOS COLATERAIS A mirtazapina apresenta boa tolerabilidade. Os efeitos colaterais mais fre­ quentemente relatados são: sedação excessiva, ganho de peso (principal­ mente com o uso de doses baixas), boca seca, edema, constipação intestinal e dispneia. Foram relatados casos de neutropenia, e sugere-se que seja sus­ pensa em pacientes que apresentarem febre ou outros sinais de infecção e baixa contagem de leucócitos. Pode dim inuir o lim iar convulsivo, gatilho para glaucoma de ângulo estreito e interferir com desempenho cognitivo/motor. Tem risco de apresentar sintomas da síndrome de descontinuação e ativar mania/hipomania. Pode haver elevação dos níveis de colesterol/triglicerídeos e transa minases. A mirtazapina apresenta alguma segurança em casos de intoxicação (relato de ingestão de até 30 vezes a dose recomendada), sendo mais segura que a im ipram ina. Os sinais e sintomas presentes em casos de intoxicação por mirtazapina incluem desorientação, tontura, déficits de memória, taquicardia e sedação excessiva. O tratam ento inclui medidas de suporte geral e monitoração das funções vitais. Podem-se empregar medidas para reduzir a absorção, como indução de êmese e lavagem gástrica, seguidas da adm inis­ tração de carvão ativado. Apresenta risco de síndrome serotonérgica quando associada com outras substâncias com perfil de ação serotonérgico (p. ex., ISRSs, ISRSNs, ADTs). Indutores hepáticos como carbamazepina, fenitoína ou rifampicina requerem 90


POPULAÇÕES ESPECIAIS E PRECAUÇÕES Sugere-se evitar o uso na gestação, e, por ser distribuída para o leite mater­ no, sua administração na lactação é contraindicada. A dim inuição da elim i­ nação da mirtazapina em idosos (40% em homens e 10% em mulheres) e a dim inuição da função renal podem exigir ajustes de dose. Recomenda-se iniciar com 7,5 mg/dia e aumentar a dose para 15 mg em 1 a 2 semanas, dependendo da resposta e dos efeitos colaterais, e monitorar a sedação e o efeito anticolinérgico. Foram observadas elevações nas transaminases hepá­ ticas superiores a três vezes o valor normal em indivíduos sem com prom e­ tim ento hepático, sem o desenvolvimento de sinais e sintomas de alteração da função hepática, que retornaram aos parâmetros normais com a suspen­ são do medicamento. Pacientes com com prom etim ento da função hepática apresentam dim inuição de 30% da depuração após ingestão de dose única de 15 mg.

AGONISTA DE RECEPTORES MELATONINÉRGICOS MT, E MT2 E ANTAGONISTA DE 5-H T2C ► AGOMELATINA1415,36,37 ► A agomelatina foi aprovada no tratam ento do TDM na União Europeia em 2 0 0 9 . Estudos publicados com resultados positivos e não publicados com resultados negativos mostram que, em comparação com outros antidepressivos, a agomelatina mostra eficácia igual.1’ 4'7’36 MECANISMO DE AÇÃO O interesse em ter um medicamento capaz de m im etizar os efeitos da melatonina e que atravessasse facilm ente a barreira hematencefálica, que fosse benéfico para ressincronizar os ritmos biológicos alterados na depressão e exercesse efeito antidepressivo levou à síntese da agomelatina, um agonista com alta afinidade pelos receptores melatoninérgicos MT! e MT2 e com propriedades antagonistas no receptor 5-H T2c. A agomelatina não altera os

91

ANTIDEPRESSIVOS

ajuste de dose da mirtazapina. A cim etidina pode elevar em 50% ou mais seu nível plasmático. As principais interações medicamentosas da m irtaza­ pina estão sintetizadas no Quadro 4 .1 5 .


ANTIDEPRESSIVOS

níveis intracelulares de 5-HT, e sua ação se dá por meio do sinergismo do agonista de receptores de melatonina (M T! e MT2) e do antagonismo de 5-H T2c, que se traduz clinicam ente por ressincronizar o ritm o circadiano, não gerar embotamento afetivo, ter ação neurotrófica, dim inuir o efeito tóxico do glutamato, apresentar efeito ativador via liberação abrupta de NE e DA no córtex pré-frontal, bem como por possuir ação antidepressiva e ansiolítica e melhorar o padrão e a qualidade do sono (sem apresentar efeito sedativo im portante), com preservação da função sexual. Não é necessária titulação na retirada do medicamento. FARMACOLOGIA E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

A agomelatina é bem-absorvida pelo trato gastrintestinal. Apresenta metabolização hepática principalm ente pela isoenzima CYP1A2, e, portanto, inibidores da CYP1A2, como fluvoxamina e ciprofloxacina, podem elevar a concentração plasmática dela. Os picos plasmáticos são atingidos em cerca de 0 ,5 a 4 horas, e a meia-vida de eliminação, em 1 a 2 horas. EFEITOS COLATERAIS E POPULAÇÕES ESPECIAIS A agomelatina demonstrou um perfil favorável de efeitos adversos, são eles: náusea, cefaleia e fadiga os mais comuns, e ansiedade, sonolência, insônia, enxaqueca, diarreia, constipação, dor abdominal, vômito, aumento das enzi­ mas hepáticas, hiper-hidrose, dor dorsal e fadiga os menos comuns. A fun­ ção hepática deve ser monitorada. Em caso de elevação das transaminases mais que três vezes o valor de referência, recomenda-se a descontinuação do medicamento; nesse caso, os níveis voltam ao normal.

É contraindicada em pacientes com intolerância à galactose, deficiência da enzima lactose ou má absorção de galactose/lactose. Outras contraindicações incluem indivíduos com prejuízo renal ou hepático e pacientes sob uso de indutores da CYP1A2 e IMAOs. Não se recomenda o uso em idosos acima de 74 anos, na gestação e na amamentação. Recomenda-se dose única de 25 mg ministrada à noite, podendo ser aumentada para 50 mg conforme efeito clínico e tolerabilidade.

MODULADOR DOS RECEPTORES 5-HT E INIBIDOR 00 TRANSPORTADOR DE SEROTONINA (SERT) ► VORTIOXETINA ► Aprovada nos Estados Unidos em 2 0 1 3 e recentemente no Brasil no tratam ento do TDM, a vortioxetina tem ação farmacológica moduladora em vários receptores 5-HT envolvidos na fisiopatologia da depressão, além do bloqueio do transportador de 5-HT. É indicada para o tratam ento do TDM, apresentando evidência de eficácia para todas as fases terapêuticas, e para uso o ff labei no transtorno de ansiedade na dose de 10 mg/dia com possível incremento para 2 0 mg conforme resposta clínica e tolerabilidad e . 4 - 8 ,3 0

FARMACOLOGIA

A vortioxetina é bem-absorvida por via oral, com biodisponibilidade de 75% . O tempo para concentração máxima é de 7 a 11 horas. Tem alta ligação

92


EFEITOS COLATERAIS Os efeitos colaterais mais comuns são náusea, diarreia, constipação, vômito, inapetência, sonhos vívidos, tontura, flatulência, disfunção sexual e pruri­ do. Efeitos colaterais menos comuns incluem bruxismo e rubor. Os efeitos colaterais sexuais e de ganho de peso não se diferenciaram do placebo. Há um alerta na bula acerca da elevação do risco de pensamento suicida e de com portam ento suicida em crianças, adolescentes e adultos jovens. Pode dim inuir o lim iar convulsivo e disparar crises de glaucoma de ângulo estreito. Há risco de sangramento anômalo, hiponatremia (decorrente da síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético - SIADH) e síndrome serotonérgica. Pode ativar mania/hipomania. É recomendável cautela no transtorno bipolar. CONTRAINDICAÇÕES E PRECAUÇÕES As contraindicações incluem hipersensibilidade ao princípio ativo ou a outro componente e uso de IMAOs, azul de metileno intravenoso ou linezolida. Devido à meia-vida longa, não há síndrome de descontinuação. Não há ne­ cessidade de ajuste de dose em pacientes idosos e em caso de prejuízo hepático leve ou moderado ou com prom etim ento renal. O medicamento não foi testado na população pediátrica. Em gestantes, é de categoria C, e recomenda-se evitar na amamentação. Também deve ser evitada na insufi­ ciência hepática. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS A vortioxetina e seus metabólitos têm baixo potencial para causar interação medicamentosa, pois não induzem nem inibem as isoenzimas do CYP450. Como sua metabolização é sobretudo pela CYP2D6, pode sofrer interação de substâncias indutoras do CYP450, como rifam picina, carbamazepina e fenitoína, com dim inuição do nível sérico ou de substâncias inibidoras 2D 6, como bupropiona, quinidina, fluoxetina e paroxetina, com aumento do nível sérico. Substâncias que agem nas CYP3A4 e 2C9 não causam interação significativa. Há risco de síndrome serotonérgica na associação com ISRS, ISRSN, ADT, IMAO e outros agentes serotonérgicos.

93

ANTIDEPRESSIVOS

com proteínas (98% ). É rapidamente metabolizada pelo fígado e excreta­ da pela urina, sendo uma fração também excretada pelas fezes (26% ). É metabolizada sobretudo pela CYP2D6, mas tam bém , em menor proporção, pelas CYP3A4, CYP2C19, CYP2C9 e CYP-2A6. Não tem metabólito ativo. A meia-vida é de 66 horas, e o estado de equilíbrio é atingido em 12 dias. Não exerce inibição ou indução nas enzimas do CYP450. A vortioxetina é um inibidor do transportador de 5-HT e tam bém age em vários receptores 5-HT, com ações diversas em cada um deles. É agonista do receptor 5-H T 1A, agonista parcial do receptor 5-H T 1B e antagonista dos receptores 5-HT3, 5-H T7 e 5-H T 10. Não interage significativam ente com o transportador de NE ou DA, ou com receptores de ACh ou histamina.


ANTIDEPRESSIVOS

CONSIDERAÇÕES FINAIS E NOVAS PERSPECTIVAS DA TEORIA MONOAMINÉRGICA ÀS VIAS GLUTAMATÉRGICAS O avanço da pesquisa em psicofarmacologia de antidepressivos vem ofere­ cendo aos pacientes substâncias com perfis farmacocinéticos, de tolerância e de interações com outros agentes bastante diferentes entre si. Comparando os novos antidepressivos aos clássicos ADTs e IMAOs, verifica-se um es­ forço no sentido de aperfeiçoar cada vez mais a ação em sítios receptores determinantes de eficácia clínica, evitando aqueles responsáveis pelos efei­ tos colaterais. Do am plo espectro de ação dos antidepressivos clássicos, passou-se aos ISRSs, mais bem tolerados, seguros na superdosagem e de ação praticamente restrita à inibição da recaptação de 5-HT. Apesar de os estudos existentes igualarem sua eficácia à dos ADTs, há dúvidas em relação à resposta terapêutica em deprim idos graves. Diferenças em farmacocinética e potencial de interações medicamentosas tornam o grupo heterogêneo, pas­ sível de indicação em diferentes situações clínicas. Os novos antidepressivos buscaram aliar o amplo espectro de ação dos anti­ depressivos clássicos à tolerabilidade e à segurança dos ISRSs. Assim surgi­ ram moclobemida, trazodona, nefazodona, bupropiona, reboxetina, mirtazapina, venlafaxina, duloxetina, entre outros. Eles tam bém são diferentes nos aspectos farmacocinéticos e no potencial de interação com outras substân­ cias, tornando-se úteis clinicam ente em diversos grupos de pacientes. Para vários antidepressivos novos, a segurança em gestantes e lactentes ainda não foi estabelecida. Quanto à am plitute do espectro de ação neuroquímico, que corresponde a um ganho real em termos de eficácia clínica, este requer ser testado de maneira mais consistente. Todos esses agentes antidepressivos aprovados como medicamentos de primeira, linha atuam, até o m oment,o por meio de mecanismos monoaminérgicos. Variam quanto a afinidade por receptores, ação agonista ou antagonista e inibição da recaptação mais seletiva para 5-HT, NE ou DA. Desde a descoberta dos primeiros antidepressivos, no fim da década de 1950, o paradigma da teoria monoaminérgica tem norteado o desenvolvimento de substâncias antidepressivas. Substâncias que agem no metabolismo da monoaminas ou em seus receptores ainda estão sendo desenvolvidas. No entanto, nos últim os anos, o sistema de glutamato tem recebido muita atenção como uma via para o desenvolvimento de novas terapias. A cetam ina, um antagonista não com petitivo do receptor N-m etil-D-aspartato (NMDA), tem mostrado efeitos antidepressivos rápidos e potentes em de­ pressões resistentes ao tratam ento com uma única infusão. Isso vai de en­ contro a um dos grandes e custosos desafios no tratam ento da depressão: a latência para o início de resposta. A eficiência demonstrada tem inspirado estudos pré-clínicos e clínicos a explorar mecanismos glutamatérgicos de ação antidepressiva e identificar biomarcadores de resposta ao tratamento. Outros antagonistas do receptor NMDA têm sido estudados tanto pré-clínica como clinicamente. Há um grande interesse no desenvolvimento de novos 94


ADENDO O Quadro 4 .1 6 e as Tabelas 4.1 e 4 .2 apresentam os principais efeitos dos antidepressivos atualmente disponíveis na neurotransmissão, sua ação nos diferentes receptores, bem como suas apresentações e faixas terapêuticas preconizadas.

QUADRO 4.16 ►EFEITO FARMACOLÓGICO DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES Bloqueio da recaptação de NE

Efeito antidepressivo. Efeitos colaterais: tremores, taquicardia, sudorese, insônia, disfun­ ção erétil e ejaculatória. Potencialização do efeito pressórico de NE (p. ex., aminas simpatomiméticas). Interação com guanetidina (bloqueio do efeito anti-hipertensivo).

Bloqueio da recaptação de 5-HT

Efeito antidepressivo e antiobsessivo. Pode aumentar ou diminuir a ansiedade, dependendo da dose. Efeitos colaterais: desconforto gastrintestinal, náusea, dor de cabeça, nervosismo, acatisia, efeitos colaterais. Sexuais, anorexia. Potencialização de substâncias com propriedades serotonérgicas (p. ex., L-triptofano); cuidado com a síndrome serotonérgica.

Bloqueio da recaptação de DA

Efeito antidepressivo e antiparkinsoniano. Efeitos colaterais: ativação psicomotora, agravamento de psicoses.

Bloqueio de Hj

Ação mais potente dos ADTs. Efeitos colaterais: sedação, hipotensão postural, ganho de peso, fadiga, tontura, náusea. Potencialização de efeitos de outras substâncias com ação no SNC.

Bloqueio de ACh

Segunda ação mais importante dos ADTs. Efeitos colaterais: boca seca, visão turva, constipação, retenção urinária, taquicardia, alteração do QRS, déficit de memória, aumento da pressão ocular, ganho de peso, disfunção sexual, confusão. Potencialização dos efeitos de substâncias com propriedade anticolinérgicas.

Bloqueio d e p i

Efeitos colaterais: hipotensão postural, vertigens, tontura, ta­ quicardia reflexa, sedação, congestão nasal, disfunção erétil e ejaculatória. Potencialização da ação anti-hipertensiva via bloquei ode m (p. ex., prazosina). (iContinua)

95

ANTIDEPRESSIVOS

antidepressivos glutamatérgicos com maior especificidade de alvo e perfil favorável de efeitos adversos.1,25’37


ANTIDEPRESSIVOS

QUADRO 4.16 ► EFEITO FARMACOLÓGICO DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES Bloqueio depi2

Estimulação do SNC, possível diminuição de sintomas depressivos. Efeitos colaterais: disfunção sexual, priapismo. Antagonismo de anti-hipertensivos que atuam como estimulantes a 2 (p. ex., clonidina, metildopa).

Bloqueio de 5-HTi

Efeito antidepressivo, ansiolítico e antiagressivo.

Bloqueio de 5-HT2

Efeito ansiolítico (5-HT2C), antidepressivo (5-HT2A), antipsicótico, antienxaqueca, melhora do sono. Efeitos colaterais: hipotensão, disfunção ejaculatória, sedação, ganho de peso (5-HT2C), irritabilidade.

Bloqueio de D2

Efeito antipsicótico. Efeitos colaterais: extrapiramidal (p. ex., tremor, rigidez), distúrbios endócrinos, disfunção sexual (masculino).

Fonte: Hillhouse e Potter,1 Schatzberg e DeBattista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Millan e colaboradores,7 Moreno e colaboradores16 e Stahl.29

96


TABELA 4.2 ► EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES* CLOMIPRAMINA DESIPRAMINA

DOXEPINA

IMIPRAMINA

NORTRIPTILINA

PROTRIPTILINA

TRIMIPRAMINA

AMOXAPINA

MAPROTILINA

NE recaptação

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ + +

+ + +

+ + + +

+ + + + +

+ +

+ + + +

+ + + +

5-HT

+ + +

+ + + +

+ +

+ +

+ + +

+ +

+ +

+

+ +

+

DA recaptação

+

+

+

+

+

+

+

+

+

+

Bloqueio

+ +

+

+

+ +

+

+ +

+

+

+ +

+-

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ +

Bloqueio ACh

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ +

+ +

Bloqueio Hx

+ + + +

+ + +

+ +

+ + + + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ + +

+ + + +

Bloqueio Ui

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

Bloqueio |i2

+ +

+

+

+

+

+

+

+

+

+

Bloqueio D2

+

+ +

+

+

+

+

+

+ +

+ +

+ +

Seletivo

NE > 5-HT

NE < 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

NE > 5-HT

recaptação

5-HT!

Bloqueio 5-HT2

{Continua)

ANTIDEPRESSIVOS

Clique aqui para visualizar este conteúdo na horizontal

AMITRIPTILINA


ANTIDEPRESSIVOS

00

TABELA 4.2 ►EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES* NEFAZ0D0NA

BUPR0PI0NA

VENLAFAXINA

CITALOPRAM

FLUOXETINA

FLUVOXAMINA

SERTRALINA

PAROXETINA

MIRTAZAPINA

NE recaptação

+

+ +

+

+ +

+

+ +

+ +

+ +

+ + +

+

5-HT recaptação

+ +

+ +

+ -

+ + +

+ + + +

+ + +

+ + + +

+ + + +

+ + + + +

+

DA recaptação

+ -

+

+ +

+

+-

+

+

+ +

+

-

Bloqueio 5-HT!

+ + +

+ + +

+ -

+-

+-

+ -

+ -

+ -

+-

-

Bloqueio 5-HT2

+ + + +

+ + +

+ -

+-

+

+ +

+

+

+-

+ + + +

+-

+ -

-

+

+ -

+ +

+ +

+ +

+ -

+-

+ + + + +

Bloqueio ACh

-

-

Bloqueio Hj

+ +

+-

+

-

+ +

+

-

Bloqueio m i

+ + +

+ + +

+

-

+

+

+

+ +

+

+ +

Bloqueio m 2

+ +

+ +

+ -

+-

+ -

+

+

+

+ + +

Bloqueio D2

+

+ +

+-

+

+ +

+ -

+-

+

Seletivo

NE < 5-HT

NE < 5-HT

NE < 5-HT

NE < 5-HT

NE < 5-HT

NE < 5-HT

NE < 5-HT

+-

-

-

NE > 5-HT

NE < 5-HT

A razão de valores Ki (constante intrínseca de dissociação) entre vários neurotransmissores/receptores determina o perfil farmacológico de cada uma das substâncias, Chave: Ki (nM) > 100.000 =

10.000-100.000 = + - ; 1.000-10.000 = + ; 100-1.000 = + + ; 10-100 = + + + ; 1-10 = + + + + ; 0,1-1 = + + + + + .

1/Ki (M) < 0,001 = -; 0,001-0,01 = + - ; 0,01-0,1 = + ; 0,1-1 = + + ; 1-10 = + + + ; 10-100 = + + + + ; 100-1.000 = + + + + + . Fontes: H illhouse e Potter,1 Schatzberg e D eB attista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 M illan e colaboradores,7 Moreno e colaboradores16 e S tahl.29

-

Clique aqui para visualizar este conteúdo na horizontal

TRAZ0D0NA


1.

Hillhouse TM, Porter JH. A brief history of the development of antidepressant drugs: from monoamines to glutamate. Exp Clin Psychopharmacol. 2015;23(1):1-21. 2. MacGillivray S, Arroll B, Hatcher S, Ogston S, Reid I, Sullivan F, et al. Efficacy and tolerability of selective serotonin reuptake inhibitors compared with tricyclic antidepressants in depression treated in primary care: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2003;326(7397):1014. 3. Richelson E. Treatment of acute depression. PsychiatrClin North Am. 1993;16(3):461-78. 4. Schatzberg AF, DeBattista C. Manual of clinical psychopharmacology. 8th ed. Arlington: American Psychiatric Publishing; 2015. 5. Sadock VA, Sadock VA, Sussman N. Kaplan & Sadock' s pocket handbook of psychiatric drug treatment. 6th ed. New Work: Lippincott Williams &Wilkins; 2014. 6. PadderTA. Practical guide to psychiatric medications. Maryland: MTP; 2015. 7. Millan MJ, Goodwin GM, Meyer-Lindenberg A, Ogren SO. Learning from the past and looking to the future: emerging perspectives for improving the treatment of psychiatry disorders. Eur Neuropsychopharmacol. 2015;25(5):599-656. 8. Sanchez C, Asin KE, Artigas F. Vortioxetine, a novel antidepressant with multimodal activity: review of preclinical and clinical data. Pharmacol Ther. 2015;145:43-57. 9. Woo JM, Jeon HJ, Noh E, Kim HJ, Lee SW, Lee KK, et al. Importance of remission and residual somatic symptoms in health-related quality of life among outpatients with major depressive disorder: a cross-sectional study. Health Qual Life Outcomes. 2014; 12:188. 10. Kupfer DJ. Long-term treatment of depression. J Clin Psychiatry. 1991;52 Suppl:28-34. 11. Bauer M, Severus E, Kohler S, Whybrow PC, Angst J, Moller HJ, et al. World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for biological treatment of unipolar depressive disorders, part 2: maintenance treatment of major depressive disorder-update 2015. World J Biol Psychiatry. 2015;16(2):76-95. ■ ■

12. Lam RW, Kennedy SH, Grigoriadis S, McIntyre RS, Milev R, Ramasubbu R, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) clinical guidelines for the management of major depressive disorder in adults. III. Pharmacotherapy. J Affect Disord. 2009;117 Suppl l:S26-43. 13. Sim K, Lau WK, Sim J, Sum MX Baldessarini RJ. Prevention of relapses and recurrence in adults with major depressive disorder: systematic review and meta-analyses of controlled trials. Int J Neuropsycho­ pharmacol. 2015;19(2). pii: pyv076. 14. Cipriani A, Furukawa TA, Salanti G, Geddes JR, Higgins JP Churchill R, et al. Comparative efficacy and acceptability of 12 new-generation antidepressants: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet. 2009;373(9665):746-58. 15. Bezchlibnyk-Butler KZ, Jeffries JJ. Clinical handbook of psychotropic drugs. 20th ed. Seattle: Hogrefe; 2014. 16. Moreno RA, Moreno DH, Macedo-Soares MB. Psicofarmacologia de antidepressivos. Rev Bras Psiquiatr. 1999;21:S24-40. 17. Gartlehner G, Thaler K, Hill S, Hansen RA. How should primary care doctors select which antidepressants to administer? Curr Psychiatry Rep. 2012;14(4):360-9. 18. Arnow BA, Blasey C, Williams LM, Palmer DM, Rekshan W, Schatzberg AF, et al. depression subtypes in predicting antidepressant response: a report from the iSPOT-D Trial. Am J Psychiatry. 2015;172(8):74350. 19. Baghai TC, Blier P Baldwin DS, Bauer M, Goodwin GM, Fountoulakis KN, et al. General and comparative efficacy and effectiveness of antidepressants in the acute treatment of depressive disorders: a report by the WPA section of pharmacopsychiatry. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2011;261 Suppl 3:207-45. 20. Gentil V, Kerr-Correa F, Moreno R, D’Arrigo Busnello E, De Campos JA, Juruena MF, et al. Double-blind comparison of venlafaxine and amitriptyline in outpatients with major depression with or without melan­ cholia. J Psychopharmacol. 2000;14(l):61-6. 21. Moreno DH, Moreno RA, Soeiro-de-Souza MG. Transtorno depressivo ao longo da vida. In: Forlenza OV, Miguel EC. Compendio de psiquatria clinica. Barueri: Manole; 2012. p. 297-314.

99

ANTIDEPRESSIVOS

REFERENCIAS


ANTIDEPRESSIVOS

22. Al-Harbi KS. Treatment-resistant depression: therapeutic trends, challenges, and future directions. Pa­ tient Prefer Adherence. 2012;6:369-88. 23. McIntyre RS, Filteau MJ, Martin L, Patry S, Carvalho A, Cha DS, et al. Treatment-resistant depression: definitions, review of the evidence, and algorithmic approach. J Affect Disord. 2014;156:1-7. 24. de Sousa RT, Zanetti MV, Brunoni AR, Machado-Vieira R. Challenging treatment-resistant major depressi­ ve disorder: a roadmap for improved therapeutics. Curr Neuropharmacol. 2015;13(5):616-35. 25. lonescu DF, Rosenbaum JF, Alpert JE. Pharmacological approaches to the challenge of treatment-resistant depression. Dialogues Clin Neurosci. 2015;17(2):111-126. 26. Coplan JD, Aaronson CJ, Panthangi V, Kim Y. Treating comorbid anxiety and depression: psychosocial and pharmacological approaches. World J Psychiatry. 2015;5(4):366-78. 27. McIntyre RS, Weiller E. Real world determinants of adjunctive antipsychotic prescribing for patients with major depressive disorder and inadequate response to antidepressants: a case review study. Adv Ther. 2015;32(5):429-44. 28. Feighner JR Mechanism of action of antidepressant medications. J Clin Psychiatry. 1999;60 Suppl 4:4-11; discussion 12-3. 29. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical applications. 4th ed. New York: Cambridge University; 2013. p. 284-369. 30. Kelliny M, Croarkin PE, Moore KM, Bobo WV. Profile of vortioxetine in the treatment of major depressive disorder: an overview of the primary and secondary literature. Ther Clin Risk Manag. 2015;11:1193-212. 31. Baldwin D, Moreno RA, Briley M. Resolution of sexual dysfunction during acute treatment of major depres­ sion with milnacipram. Hum Psychopharmacol Clin Exp. 2008;23(6):527-32. 32. Asnis GM, Henderson MA. Levomilnacipran for the treatment of major depressive disorder: a review. Neuropsychatr Dis Treat. 2015;11:125-35. 33. U.S. Food and Drug. FDA approves weight-management drug Contrave [Internet], Silver Spring: FDA; 2014 [capturado em 15 mar. 2017]. Disponível erm http://www.fda.gov/NewsEvents/Newsroom/PressAnnouncements/ucm413896.htm. 34. Versiani M, Moreno R, Ramakers-van Moorsel CJ, Schutte AJ; Comparative Efficacy Antidepressants Stu­ dy Group. Comparison of the effects of mirtazapine and fluoxetine in severely depressed patients. CNS Drugs. 2005;19(2):137-46. 35. Alam A, Voronovich Z, Carley J. A review of therapeutic uses of mirtazapine in psychiatric and medical conditions. Prim Care Companion CNS Disord. 2013;15(5). pii: PCC.13r01525. 36. Taylor D, Sparshatt A, Varma S, Olofinjana 0. Antidepressant efficay of agomelatine: meta-analysis of published and unpublised studies. BMJ. 2014;348:1-19. 37. Beyer CE, Stahl SM. Next generation antidepressants: moving beyond monoamines to discover novel treatment strategies for mood disorders. New York: Cambridge University; 2010.

100


ESTABILIZADORES DO HUMOR

RICARDO ALBERTO MORENO GIOVANIMISSIO DORIS HUPFELD MORENO

O uso do lítio em psiquiatria data de meados do século XIX. Os primeiros trabalhos a respeito dessa substância foram esquecidos, e credita-se ao Dr. John Cade sua reintrodução na psiquiatria, em 1949, para o tratam ento da mania. Com essa indicação, o primeiro estudo controlado, randomizado, foi conduzido, em 1954, por Mogens Schou, que ficou curioso sobre seus efeitos na profilaxia da doença depressiva. Em 1970, os Estados Unidos se tornaram o 50° país a comercializá-lo. Nesse meio tempo, o interesse pelo lí­ tio na profilaxia da depressão teve um rápido aumento, e hoje o medicamen­ to é amplamente prescrito para tal indicação, embora não seja aceito pela Food and Drug Adm inistration (FDA), órgão regulador norte-americano. O lítio sofreu ataques de grupos oponentes ao seu uso, do Maudsley Hospital de Londres, e seu status é atualmente ameaçado pelos chamados “outros medicamentos estabilizadores do hum or” .1 Entre os fatores apontados como possíveis responsáveis pela dim inuição no uso do lítio estão a necessidade de conhecimento do psiquiatra sobre o manejo do medicamento e a necessi­ dade de monitoração sérica e do perfil de tolerância aos efeitos adversos. A atitude do psiquiatra em relação ao uso de lítio influencia diretamente a escolha terapêutica e, em consequência, a evolução clínica dos pacientes. Programas educacionais sobre transtorno bipolar (TB) e litioterapia voltados a médicos e profissionais da saúde em psiquiatria, com o objetivo de sanar dúvidas e capacitá-los para o uso adequado da substância, são fundamentais para aprim orar a eficiência do tratam ento nos transtornos do humor. Apesar disso, o lítio continua sendo medicamento de primeira escolha nas diretrizes de tratam ento dos transtornos do humor. O lítio é um dos metais alcalinos do grupo IA da tabela periódica e o terceiro elemento mais simples, seguindo o hidrogênio e o hélio.1 Seu uso se estende para além da psiquiatria, sendo aplicado em diversos ramos industriais. Encontram-se traços de lítio em alguns alimentos e na água e, portanto, em todos os tecidos vivos. Não se sabe se ele é essencial para o crescimento ou

101


o desenvolvimento, e não há evidências de sua deficiência no ser hum ano.2 Desse modo, não se justifica solicitar litemia em pessoas que não ingerem o sal, exceto em casos de suspeita de falta de adesão ao tratamento.

FARMACOLOGIA ►

Após a administração oral, o lítio é rápida e completamente absorvido pelo estômago e pelo intestino, sem interferência da alimentação, atingindo pico de concentração sérica em 1 a 1,5 hora com a composição de liberação imediata e, em 4 a 4 ,5 horas, com a formulação de liberação controlada (Tab. 5.1.1 ).2-3 A evidência de que as formas de liberação contro­ lada produziriam níveis plasmáticos mais estáveis ainda é controversa. O lítio não se liga a proteínas nem sofre metabolismo, diferindo de muitas substâncias usadas em psiquiatria. Sua excreção é renal, mas uma pequena quantidade é eliminada no suor e nas fezes. Esse medicamento é filtrado pe­ los glomérulos renais, e boa parte dele é reabsorvida nos túbulos proximais, sobretudo por competição com o sódio, a ponto de o clearance (depuração) de lítio equivaler a cerca de um quinto do clearance de creatinina. Quando o equilíbrio de sódio é negativo, o que pode ser evidenciado por transpiração, diarreia, vômitos excessivos ou uso de diuréticos, entre outros, o clearance de lítio cai, levando a risco de intoxicação. O lítio tem um índice terapêutico estreito, entre 0,5 e 1,5 mEq/L, e segue cinética de primeira ordem em 80% dos pacientes; portanto, à medida que a dose aumenta ou dim inui, o estado de equilíbrio se eleva ou se reduz proporcional mente. A meia-vida de

102


eliminação é de 18 a 24 horas, sendo mais prolongada em idosos, devido à queda na taxa de filtração glomerular. Consequentemente, idosos tendem a necessitar de doses menores para obter nível sérico terapêutico e levam em torno de uma semana para atingir o estado de equilíbrio. Durante o tratam ento de manutenção, as litemias podem se alterar. A duração do tra­ tam ento aumentou a vida média de 1,3 dia no início para 2 ,4 dias em mais de um ano de litioterapia. 0 lítio se distribui amplamente pelo corpo, embora a taxa e a extensão de absorção variem. Ele entra e sai lentamente do sistema nervoso central (SNC), o que explica o fato de a superdosagem aguda com elevados níveis sanguíneos de lítio poder ser bem tolerada e de as manifestações clínicas da intoxicação crônica persistirem após a queda dos níveis séricos.2 /v

MECANISMO DE AÇAO

► O lítio apresenta um complexo conjunto de ações envolvendo neurotransmissão e vias de sinalização celular que se traduzem em vários efeitos clínicos (Quadro 5 .1 .1 ).4-7 Ele atua em inúmeras moléculas do sistema de segundo mensageiro, sustentando seus efeitos em neurotrans­ missão e propriedades neuroprotetoras. Modula a neurotransmissão atuando como moderador das concentrações de adenilciclase e AMP cíclico e lim itan­ do as de monofosfato inositol (M l), proteína quinase C (PKC) e quinase C rica em alanina miristoilada (MARCKS). Com o tempo, essas regulações modificam a transcrição gênica nas células, produzindo a estabilização do humor em longo prazo.4’5 QUADRO 5.1.1 ►POTENCIAIS AÇÕES DO LÍTIO

Modulador de humor

Fase aguda de mania, depressão bipolar, estabilização do humor em longo prazo e profilaxia. Profilaxia de depressão unipolar recorrente

Proteção antissuicida

Diminuição do risco de suicídio

Melhora da cognição

Melhora do funcionamento cognitivo alterado; diminuição do risco para demência

Potencialização do efeito antidepressivo

Potencialização do efeito antidepressivo em depressões resistentes a tratamento

Melhora de estruturas cerebrais

Neuroproteção: aumento global do volume da substância cinzenta; aumento da amígdala, do hipocampo e de regiões do córtex pré-frontal

Modulação de neurotransmissão

Aumenta a inibição neurotransmissora (GABA); diminui a neurotransmissão excitatória (glutamato e dopamina)

Modulações celulares e intracelulares

Modulação da neurotransmissão do sistema de modulação de segundo mensageiro (sistema adenilciclase, depleção de inositol, PKC e MARCKS); defesa antioxidante; ação antiapoptótica (diminuição da GSK); estimulação de fatores de neuroproteção (aumenta BDNF, Bcl-2)

Fonte: Oruch e colaboradores,4 Mahli e colaboradores,5 Rybakowski6 e Tundo e colaboradores.7

103


Ao mesmo tempo, o lítio é capaz de reduzir a carga oxidativa causada pelos episódios da doença e proteger contra a apoptose por promover vias de neuroproteção, como Akt, facilitando a ação de proteínas neuroprotetoras, como o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) e células-B linfoma 2 (Bcl-2). Também inibe proteínas pró-apoptóticas, como a p53, e processos como a autofagia. Essas ações neuroprotetoras são reconhecidas como uma qualidade do lítio no tratam ento do TB e em outras doenças neurodegenerativas.3’5 Por se tratar de um cátion monovalente de semelhanças químicas com sódio, potássio, cálcio e magnésio e por facilm ente atravessar as membranas celu­ lares por meio da bomba de sódio, muitas são as possíveis ações farm acoló­ gicas do lítio. O efeito no tratam ento do TB resultaria de uma ação complexa, modulando o equilíbrio entre os efeitos excitatório e inibitório de vários neurotransmissores (serotonina [5-TH], norepinefrina [NE], glutamato, ácido gama-aminobutírico [GABA] e dopamina [DA]), interferindo em sistemas de mensageiros secundários (adenilciclase e fosfatoinositol) com efeitos sobre proteínas G e proteína quinase C e inibindo a atividade de determinadas enzimas, como a quinase 3-glicogênio-sintase (GSK-3), devido à competição com o magnésio.3,4 O mecanismo de ação proposto para a potencialização de seu efeito antidepressivo se deve a efeitos na neurotransmissão serotonérgica. O lítio pode atuar como agonista parcial ou exercer atividade moduladora em autorreceptores 5-H T 1B localizados na área cortical, em tratamentos de curto prazo, ou no hipocampo, se o uso for prolongado, e o efeito antim aníaco também estaria associado à ação nos receptores 5-H T 1B, nesse caso, nos receptores pós-sinápticos (heterorreceptores em vias dopaminérgicas).8 O lítio tem efeito na neurotransmissão excitatória do glutamato, cujas con­ centrações estão aumentadas na mania e dim inuídas na depressão.9 Estudos com ratos sugerem que a administração aguda de lítio aumente a disponi­ bilidade de glutamato em neurônios pós-sinápticos via estimulação dos re­ ceptores NMDA e inibição da recaptação pelos receptores. Isso explicaria, em parte, o efeito antidepressivo do lítio. De maneira interessante, após 1 a 2 semanas de utilização, o lítio produz dow n-regulation (subsensibilização) dos receptores NMDA, e a inibição da recaptação sofre up-regulation (suprassensibilização), possibilitando, em parte, seus efeitos antimaníacos. Posteriormente, a administração crônica de lítio leva a recaptação do gluta­ mato a níveis “ normais” , uma condição que é condizente com a propriedade estabilizadora do humor de longo prazo.5 Seu efeito no sistema de segundos mensageiros tem sido de particular inte­ resse. Por agir em diversos neurotransmissores, especula-se que sua princi­ pal ação esteja relacionada com a sinalização pós-sináptica de inúmeros neurotransmissores, por exemplo, nas proteínas G e no inositol, que funcio­ nam como transdutores de sinal. A depleção do inositol pela inibição da inositol monofosfatase é uma das principais hipóteses do efeito antimaníaco do lítio. O inositol é responsável por regular os níveis de m io-inositol, que, por sua vez, regula a concentração de fosfolipídeos na membrana celular, onde se ligam segundos mensageiros.3 O inositol é encontrado na dieta, e 104


sua restrição alim entar poderia potencializar a ação do lítio, beneficiando al­ guns pacientes com TB, o que foi apontado em estudo preliminar. Um dado interessante é que o lítio não inibe o inositol em pacientes eutímicos, o que reforça a hipótese de que o faz apenas quando há excesso.10 0 lítio tem ação direta na inibição da GSK-3, contribuindo, assim, para seu efeito antimaníaco. Essa ação tem efeito protetor sobre as células, na medida em que previne a morte celular causada por excesso de neurotransmissão excitatória que ocorre em um episódio maníaco. Ele regula a atividade dessa enzima, que está envolvida em diversos processos neurológicos, como regulagem da sobrevivência neuronal e resposta celular a glicocorticoides e estrogênios. Além disso, estudos genéticos indicam a GSK-3 como possível modulador de determinadas características do TB, inclusive da resposta ao lítio.11

USOS TERAPÊUTICOS DO LÍTIO

► O lítio é o estabilizador do humor (EH) mais estudado, o primeiro de eficácia comprovada no tratam ento das fases agu­ das e na manutenção do TB, e continua como medicação de primeira esco­ lha em algoritmos de tratam ento.12 Outros usos o ff-la b e l (fora de aprovação) incluem uma variedade de doenças episódicas recorrentes com ou sem ca­ racterísticas afetivas. Também tem sido utilizado no tratam ento combinado em pacientes com labilidade do humor; impulsividade, violência ou raiva episódica; ou mesmo com disforia pré-menstrual; alcoolismo; personalidade borderline ou esquizofrenia crônica. Além disso, é usado como adjuvante na potencialização do efeito em alguns transtornos resistentes a tratam ento.2’4’7 TRATAMENTO DA MANIA AGUDA ► O lítio apresenta eficácia superior em vários estudos randomizados controlados (RCT) comparado com placebo e com divalproato, carbamazepina, risperidona, olanzapina, quetiapina e aripiprazol, assim como com antipsicóticos de primeira geração.12,13 São fatores preditores de resposta positiva: boa resposta anterior, menos de nove episódios pré­ vios e sintomatologia maníaca pura (típica), além de ausência de ciclagem rápida, de sintomas psicóticos, de estados mistos e de comorbidades, como abuso de substâncias. A resposta também está relacionada às concentrações plasmáticas do lítio, com melhores respostas na faixa superior (entre 1,0 e 1,4 mEq/L), mas com consequente elevação dos efeitos colaterais. A con­ centração plasmática pode eventualmente ser reduzida para aumentar a adesão ao tratam ento após a remissão do episódio agudo. A melhora se dá, em média, entre os dias 7 e 14 de uso, assumindo uma titulação gradual para os níveis terapêuticos. Os principais efeitos colaterais associados ao uso de lítio incluem náusea, vômitos, tremores, sonolência, ganho de peso, lentidão cognitiva.13 TRATAMENTO DA DEPRESSÃO BIPOLAR AGUDA ► A comprovação da eficácia do lítio na depressão bipolar (DB) está comprometida por não haver nenhum estudo am plo em m onoterapia.14 Cerca de 80% dos pacientes apresentam alguma resposta antidepressiva, a qual é com frequência lenta, levando de 6 a 8 semanas, possível razão pela qual haja uma escassez de ensaios contro­ lados de boa qualidade com lítio na DB. Assim, é difícil avaliar sua eficácia 105


por meio de metanálises.15 Em um dos poucos estudos recentes de quali­ dade para DB aguda, o lítio não se diferenciou do placebo. Esse resultado, entretanto, pode ter-se dado pela utilização de dosagens mais baixas que o habitual.16 Uma metanálise mais recente para tratam ento de DB nem sequer incluiu o lítio entre suas opções, afirmando ser pouco estudado.17 Apesar disso, ele se mantém como um dos principais agentes para o tratam ento da depressão em todas as diretrizes mais importantes, seja em monoterapia, seja em com binação.12 TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO EM LONGO PRAZO 00 TB ► O tratam ento de manu­ tenção em longo prazo e a profilaxia são o ponto cardinal da abordagem terapêutica do paciente bipolar, lembrando que o racional é tratar a doença, e não apenas suas fases, devendo ser instituído logo na primeira consulta. O lítio é considerado há m uito tempo o padrão ouro de comparação na terapêu­ tica de manutenção em longo prazo no TB, sendo uma medicação de nível I de acordo com estudos de metanálise e RCT.4’18'20 Sua eficácia profilática foi comprovada em estudos longitudinais controlados: cerca de 70% dos pacientes têm algum tipo de resposta inicial à litioterapia, com dim inuição na gravidade dos sintomas e/ou na frequência e duração dos episódios, e so­ mente 4 0 a 50% apresentam recaída em dois anos, comparados com 80 a 90% do grupo-placebo. Com a interrupção abrupta da litioterapia, 80 a 90% dos pacientes apresentam recaída em um ano, sendo 70% nos primeiros 3 a 4 meses. A retirada gradativa em 15 a 30 dias reduz significativamente esse risco. Metade dos pacientes bipolares tem recaída em 2,5 meses com a interrupção abrupta e em 14 meses com a interrupção lenta do lítio. Após dois anos, 30% dos pacientes bipolares tipo II e apenas 5% dos bipolares tipo I permanecem sem novos episódios. Portanto, se o lítio for suspenso por qualquer motivo, essa retirada sempre deverá ser lenta. O TB pode destruir as relações fam iliares e profissionais do paciente e elevar o risco de morte em cinco vezes em relação ao da população em geral. Estudos naturalísticos evidenciaram que a litioterapia após cinco anos iguala esse risco ao da popu­ lação em geral. Pacientes que após esse período interromperam o lítio volta­ ram a correr o risco anterior, diferentemente dos que se mantiveram em litioterapia. A eficácia aparentemente se mantém mesmo após 20 anos de uso.18 A manutenção da litioterapia profilática por vários anos ou por toda a vida depende da gravidade da doença, da resposta terapêutica e das ca­ racterísticas do paciente, e a medicação deve ser mantida enquanto houver risco de recorrência. Em respondedores parciais, o lítio deve ser m antido por um período mínimo de cinco anos, pois a ação profilática pode ser atingida de forma parcial e lenta. O lítio reduz a morbidade depressiva e maníaca (hipomaníaca) em pacientes bipolares tipo I e II, mas sua eficácia parece ser maior em bipolares tipo I. A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta iniciar tratam ento preventi­ vo em deprim idos unipolares que tiveram três episódios, incluindo o atual, sobretudo se o anterior ocorreu nos últim os cinco anos (com ou sem lítio), e em bipolares após o segundo episódio. Quanto mais precoce o início da litioterapia, maior sua eficácia. O número de episódios anteriores e/ou o 106


tempo de doença se correlacionam de maneira inversamente proporcional à resposta terapêutica de manutenção à litioterapia em monoterapia. Aparentemente, a ocorrência de episódios repetidos acarreta processos fisiopatológicos que tornam o indivíduo sucessivamente mais vulnerável a novas recidivas. Descrições de refratariedade induzida pela suspensão do lítio não foram comprovadas em estudos prospectivos, mas podem ocorrer em al­ guns pacientes. Mesmo entre aqueles que tiveram melhora total nos prim ei­ ros cinco anos de profilaxia, em 13% houve perda da eficácia nos cinco anos seguintes. Provavelmente, isso se deve à gravidade da doença e a sua ocorrência em pacientes com maior número de episódios e hospitalizações prévias.2’4 Iniciar o tratam ento de manutenção com lítio após o primeiro episódio maníaco é uma abordagem sensata pelo seguinte: cada episódio de mania aumenta consideravelmente o risco de episódios subsequentes; entre os respondedores a lítio, as recaídas são 2 8 vezes maiores após a descontinuação do tratam ento; relatos de casos indicam que há pacientes respondedores a lítio que suspenderam o tratam ento, mas não tiveram o mesmo benefício anterior após sua reintrodução.2,4 Há vários motivos pelos quais os pacientes em tratam ento de manutenção em longo prazo e profilaxia o negligenciam ou o suspendem (Quadro 5 .1 .2 ),18’21'24 os quais devem ser observados a todo momento ao longo do tratamento. Para tanto, médico, paciente e família precisam conhecer o TB e seu tratamento. A orientação psicoeducacional sobre a doença e o lítio é uma das principais armas para enfrentar a falta de adesão. Devem ser fornecidos manuais sobre o assunto ao paciente e a seus familiares. O paciente pode interromper o tratam ento por intolerância a efeitos colaterais ou por presença ou ausência de resposta terapêutica, entre outros motivos. Também não está claro, até o momento, se a adesão do paciente ao tratam ento profilático deve-se à resposta clínica, ou vice-versa.

TRATAMENTO DA DEPRESSÃO RECORRENTE ► Duas metanálises da Cochrane comparando lítio com placebo e lítio com antidepressivos mostraram eficácia significativa do lítio na profilaxia de recorrências depressivas em pacientes unipolares, inclusive mostrando que ele foi superior a antidepressivos na

QUADRO 5.1.2 ► FATORES QUE CONTRIBUEM PARA A BAIXA ADESÃO AO TRATAMENTO COM LÍTIO Relativos ao paciente

Idade jovem, solteiro ou sozinho, gênero masculino, baixo nível educacional, baixo suporte ou sem suporte psicossocial

Relativos à doença

Negação da hipomania/mania, presença de psicose, comorbidade com transtorno da personalidade, comorbidade com abuso de substância, baixo discernimento (insight)

Relativos ao tratamento

Efeitos colaterais da medicação, atitudes pessoais desfavoráveis acerca do tratamento (p. ex., crenças)

Fonte: Kudlow e colaboradores,18 Moreno e colaboradores,21 Pellegrinelli e Antonio,22 Roso e colaboradores23 e Pellegrinelli e colaboradores.25

107


prevenção de recaídas que necessitaram de hospitalização.26 Seu uso no tra­ tam ento de manutenção na depressão recorrente está bem fundamentado e integra diretrizes de tratam ento.27 Já para o tratam ento agudo da depressão unipolar, os dados não foram tão robustos, e, portanto, a indicação de monoterapia com lítio não está estabelecida. DEPRESSÃO RESISTENTE ATRATAMENTO ► A potencialização do efeito antidepressivo com lítio consiste em sua adição a um antidepressivo que, após dose e tempo de uso adequados, não se mostrou eficaz. Há evidências suficientes que corroboram a indicação do lítio como estratégia de potencialização do efeito antidepressivo em não respondedores. O nível sérico recomendado é de 0 ,6 a 0 ,9 mEq/L; após atingir esse nível, a resposta se dá em duas semanas. Recomenda-se a combinação de lítio e antidepressivo por 6 a 12 meses em pacientes respondedores para evitar recaídas do episódio índice. Em pacientes com indicação de profilaxia, a combinação deve ser mantida devido ao curso recorrente da doença, na DB para evitar viradas para mania, ou em pacientes com ideação suicida. A potencialização com lítio e seu uso profilático em depressões recorrentes foram recomendados por várias diretrizes de tratam ento.26 EPISÓDIO MISTO E CICLAGEM RÁPIDA ► A ideia tradicional é a de que o lítio é me­ nos eficaz em estados mistos e em ciclagem rápida, principalmente na pre­ venção de recorrências. A eficácia isolada da substância cai para 3 0 a 40% nesses casos, mas, apesar disso, há evidências de que dim inua a morbidade e a gravidade dos sintom as.28 Entretanto, tendo em vista a necessidade de tratam ento de manutenção, o lítio é indicado a pacientes sem história prévia de falha de resposta à substância. Pacientes que evoluem com ciclagem rápida, ou seja, sofrem pelo menos quatro episódios distintos (depressão, hipomania, mania ou misto) no perío­ do de um ano, são mais difíceis de tratar com qualquer medicamento. O lítio tende a ser eficaz em cerca de 60% dos pacientes sem tratam ento anterior. Nos demais casos, é aconselhável associar anticonvulsivantes, como carbamazepina e ácido valproico, ou antipsicóticos atípicos.28 PREVENÇÃO DE SUICÍDIO ► Entre metade a dois terços das vítimas de suicídio sofrem de depressão. O lítio é a única substância com eficácia antissuicida estabelecida nos transtornos afetivos. Seu efeito antissuicida é corroborado por várias metanálises em pacientes bipolares e unipolares e por alguns estu­ dos que indicam redução de mortalidade cardiovascular, conforme Bschor,26 Wasserman e colaboradores29 e Guzzetta e colaboradores.30 O risco de suicí­ dio está aumentado em até 15 vezes em pacientes bipolares se comparados com a população em geral. Estima-se que até 20% daqueles com TB pos­ sam morrer por suicídio. Nesse aspecto, o lítio tem papel fundam ental por ser o único medicamento com efeito antissuicida bem estabelecido. Entre os pacientes, o risco de suicídio é seis vezes maior naqueles que não tomam lítio quando comparados com os que tom am . Clinicamente, o lítio dim inui mortes por suicídio em 60% , e o risco de autoagressão em até 70% . Além disso, mesmo pacientes que não respondem tão bem à ação antirrecorrência

108


com lítio ficam menos propensos a tentar suicídio.29 Uma metanálise de­ monstrou que pacientes deprim idos unipolares tiveram taxa de dim inuição em torno de 88 ,5 % nas tentativas de suicídio.30

PROPRIEDADES NEUROTRÓFICAS, NEUROPROTETORAS E NA COGNIÇÃO

► As propriedades neurotróficas e neuroprotetoras do lítio são atualmente conside­ radas um im portante mecanismo terapêutico nos transtornos do humor e também responsáveis pela melhora nas funções cognitivas e pelo aumento do volume da massa cinzenta cerebral em pacientes bipolares. Essas evidên­ cias apontam para o uso do lítio em doenças neurológicas degenerativas. A ação moduladora da ativação neuronal da substância acaba por proteger os neurônios contra neurotoxicidade e apoptose.5,31 O tratam ento com lítio pro­ move não só o aumento de proteínas neuroprotetoras, como BDNF e Bcl-2, como a dim inuição de enzimas pró-apoptóticas, como GSK-3. É interessante notar que o N-acetil aspartato, um marcador de função e viabilidade neuro­ nal, está aumentado em pacientes com níveis terapêuticos de lítio.5 Juntas, essas mudanças no metabolismo e no meio celular produzem, ao longo do tempo, alterações neurotróficas e na transcrição gênica.32 Exames de im a­ gem também revelam que o volume de substância cinzenta está aumentado em pacientes tratados com lítio quando comparados aos não tratados, prin­ cipalmente no hipocampo e na amígdala. Como resultado prático, o lítio poderia dim inuir o risco de deterioração cognitiva e dem ência.5’ 6’33

MODO DE USAR

É im portante realizar um check-up do paciente antes do início da litioterapia para verificar sobretudo a função renal e tireoidiana, afastar gravidez e avaliar hábitos dietéticos do paciente. Avaliam-se parâme­ tros clínicos, como exame físico, com atenção para peso corporal, pele e diâmetro do pescoço, e laboratoriais da função renal, tireoidiana e cardíaca, bem como hemograma completo, dosagem de eletrólitos, cálcio, fósforo, creatinina sérica, urinálise, T3, T4 e TSH séricos, anticorpos antitireoidianos e eletrocardiograma (ECG). Outros exames devem ser solicitados de acordo com os achados da história clínica e do exame físico. Quando há poucos recursos, as avaliações mais importantes são a renal (creatinina sérica) e a tireoidiana (TSH). Alguns aspectos importantes devem ser esclarecidos ao paciente para aumentar a segurança de uso do lítio (Quadro 5 .1 .3 ).3’4’26

DOSAGEM E ADMINISTRAÇÃO

► A dosagem ideal do lítio é aquela ajustada para atingir simultaneamente resposta terapêutica, nível plasmático adequa­ do (sugerido) e boa tolerabilidade, individualizada em função do quadro clí­ nico. O pressuposto geral é o de que níveis entre 0,7 e 1,0 mEq/L são apro­ priados para o tratam ento de manutenção, enquanto níveis acima de 1,5 mEq/L são algumas vezes necessários para o tratam ento da mania aguda.34 No tratam ento agudo da mania, recomendam-se litemias entre 0 ,8 e 1,2 mEq/L. Padronizou-se a coleta da litemia para 12 horas (± 2) após a últim a dose ingerida. Recomenda-se a dose inicial de 3 0 0 mg 2 ou 3 vezes ao dia em adolescentes e adultos sadios. O nível plasmático deve ser avaliado a cada 3 a 4 dias para assegurar a detecção precoce de eventuais níveis tóxi-

109


QUADRO 5.1.3 ►ASPECTOS IMPORTANTES QUE O MÉDICO DEVE COMUNICARÃO PACIENTE Não se esqueça de beber líquidos. Não faça dietas que excluam ou que restrinjam cloreto de sódio (sal de cozinha). Se você está perdendo grande quantidade de água (p. ex., sudorese devido a sol intenso, sauna, trabalho físico pesado ou esporte), beba mais líquidos. Se está com febre, diarreia ou vomitando, você perderá água também. Pare de tomar o lítio e faça uma litemia imediatamente ou, no máximo, em 24 horas, se possível. Você precisa conhecer os efeitos colaterais típicos do lítio (ver Quadro 5.1.4). Você precisa conhecer os sinais e sintomas típicos de intoxicação pelo lítio (ver Quadro 5.1.5). Se identificar algum deles, pare o lítio e procure fazer uma litemia assim que possível. Se for algo mais grave, vá para o hospital. Informe todos os seus médicos de seu tratamento com lítio. Voce deve saber que medicamentos como diuréticos, outros medicamentos para tratamento da hipertensão e anti-inflamatórios não esteroides podem aumentar os níveis de lítio. Fonte: M ahli e colaboradores,3 Oruch e colaboradores4 e Bschor.26

cos de lítio, e, posteriormente, a dose deve ser ajustada conforme a necessi­ dade para atingir níveis de aproximadamente 1,0 m E q/L Em pacientes aci­ ma de 60 anos ou com possível com prom etim ento renal, aconselha-se um início mais lento, com 150 mg duas vezes ao dia. A resposta antimaníaca aguda ocorre em 7 a 14 dias, mesmo com níveis plasmáticos adequados. Assim que houver estabilização, a frequência das litemias pode ser reduzida para duas por semana e, eventualmente, para uma por semana, assim que a relação entre nível plasmático e condição clínica estiver equilibrada. Se a resposta clínica em quatro semanas for insatisfatória, recomenda-se adicio­ nar um segundo EH. A dosagem única não é aconselhada na fase aguda do tratam ento ou para quantidades superiores a 9 0 0 mg. Entretanto, a dose única administrada ao deitar busca reduzir a poliúria e as possíveis alterações renais em longo pra­ zo; além disso, facilita a adesão terapêutica. Quando se adota o esquema de dose única à noite, a litemia aumenta em torno de 20% , perm itindo redução de 20% na dose. A composição de liberação lenta pode ser uma alternativa para utilizar dose única ou para dim inuir os efeitos adversos relacionados ao pico de concentração do lítio. Para o paciente que está em remissão e estabilizado com o lítio, o nível plasmático de manutenção pode ser aquele que foi necessário para atingir a remissão dos sintomas na fase aguda do tratamento. 0 objetivo é encontrar uma dose plasmática bem tolerada e próxima de 0 ,8 mEq/L, se possível. Parece razoável dizer que níveis plasmáticos maiores estejam associados a melhor profilaxia. De fato, em um estudo patrocinado pelo National Institute of Mental Health, pacientes em que o nível de lítio era m antido em 0 ,8 110


mEq/L ou mais tiveram significativam ente menos recorrências que aqueles estabilizados em níveis inferiores (0,6 mEq/L ou menos), mas apresentaram mais efeitos adversos.35’36 Uma vez que o paciente tenha sido adequadamente estabilizado com lítio, coletas mensais são suficientes; após 6 a 12 meses de estabilidade, elas podem ser feitas a cada seis meses ou quando clinicam ente indicadas (como em recaída, suspeita de toxicidade ou falta de adesão ao tratamento, intera­ ção de drogas, dietas ou doenças concomitantes, entre outras situações). Existe um consenso de que a ação profilática antimaníaca se mantém com litemias em torno de 0 ,8 a 1,2 mEq/L, o que não ocorre com a antidepressiva. Esses níveis séricos podem inclusive desencadear ou piorar sintomas depressivos. Para a otimização do efeito profilático antidepressivo, litemias em torno de 0 ,5 a 0 ,8 mEq/L podem ser tão eficazes ou mais que outros estabilizadores do humor. No tratam ento de manutenção, uma vez que o paciente atinge uma dose estável de lítio, esta pode ser distribuída ao longo do dia no regime mais adequado. A posologia duas vezes ao dia (de manhã e à noite) pode ser mais conveniente e bem tolerada, mas facilita o esquecimento. A dose única aumenta a adesão e está associada com menos poliúria. A irritação gástrica após cada dose é um dos principais motivos para a posologia fracionada. Doses menores e mais frequentes são comuns em pacientes internados. Entretanto, antes da alta, é necessário ter o cuidado de sim plificar a posolo­ gia, para aumentar a adesão. Alguns pacientes são aparentemente intoleran­ tes ao lítio porque receberam doses iniciais mais agressivas; em condições menos graves ou não agudas, níveis plasmáticos de 0 ,5 a 0 ,8 mEq/L podem bastar e ser mais bem tolerados. As litemias propostas nas fases aguda e profilática servem apenas como in­ dicadores. Na prática, a dose ideal deve ser individualizada para propiciar o máximo de eficácia com o mínimo de efeitos adversos, estimulando a adesão terapêutica.3’36 Alguns pacientes apresentam melhora com litemias de 0 ,5 mEq/L, e não se justifica aumentá-las sem que sintomas reapareçam com esses níveis mais baixos. Não é justificável do ponto de vista clínico manter o paciente cronicamente nauseado, embotado, entorpecido ou trêm ulo apenas para seguir o nível plasmático “ adequado” . Em geral, defendem-se níveis baixos de lítio (< 0 ,6 mEq/L) em idosos. Em pacientes crônicos (com depressão, esquizofrenia e ciclotim ia) e sintom á­ ticos, um ensaio de quatro semanas com litemia adequada (ou máxima tole­ rada) é suficiente para determinar a utilidade clínica do lítio. Se o paciente respondeu a lítio no passado e suspendeu o tratam ento por semanas ou me­ ses, é clinicam ente razoável reintroduzi-lo imediatamente na dose anterior, desde que não haja com prom etim ento renal ou intolerância.2’4’26 Crianças e adolescentes se beneficiam clinicam ente da litioterapia. Crianças apresentam clearance (depuração) renal relativamente maior do que adultos e toleram bem doses maiores de lítio. Naquelas acima de 12 anos, esse medicamento pode ser usado da mesma forma que em adultos (dosagem de 3 0 0 a 2 .4 0 0 mg/dia e litemias entre 0 ,5 e 1,2 mEq/L). Entretanto, em crian­ 111


ças menores, com peso inferior a 25 kg, é mais adequado iniciar com 150 a 3 0 0 mg/dia. A dose pode ser aumentada em 150 a 3 0 0 mg/dia a cada 3 a 7 dias e administrada em duas tomadas ao dia ou conforme tolerância. Não é incomum ver crianças usando mais de 2 .1 0 0 mg/dia em doses fracionadas para manter níveis séricos adequados. O nível sérico deve ser monitorado cuidadosamente e checado a cada 3 a 7 dias após cada aumento de dose. Os efeitos adversos em crianças são os mesmos observados em adultos.2,4

CUIDADOS NA GRAVIDEZ E LACTAÇÃO

► O manejo de medicamentos na gravi­ dez e lactação é uma preocupação devido a teratogenicidade (malformação congênita), complicações neonatais, teratogenicidade neurocomportamental (efeitos no neurodesenvolvimento) e mudanças no metabolismo das substân­ cias no curso da gravidez e da lactação. O lítio cruza livremente a placenta e se equilibra entre o soro materno e o cordão um bilical. A exposição a lítio no prim eiro trim estre de gravidez não se associou com aumento do risco de anomalias cardiovasculares comparado com controles expostos a condições não teratogênicas. Recomenda-se ultrassom de alta resolução e ecocardiografia fetal nas semanas 16 a 18 com base na possibilidade de o lítio aumentar o risco de alterações cardíacas.34 Ele passa pela placenta e para o leite materno. Na fase intrauterina, os níveis séricos são os mesmos da mãe, e, durante a amamentação, a litemia do bebê cai para cerca de 50% da materna, podendo ocorrer complicações perinatais. A “síndrome do lactente mole” , caracterizada por tônus dim inuído e cianose, pode ser dose-dependente, e níveis séricos acima de 0 ,6 4 mEq/L elevam o risco de proble­ mas neurológicos e respiratórios neonatais. Casos de hiperbilirrubinem ia, arritm ias cardíacas, hipotireoidism o e diabetes insípido foram observados, mas nenhum caso de morte neonatal foi relatado. Efeitos no neurodesenvol­ vim ento são uma preocupação, mas a exposição intrauterina ao lítio aponta para crescimento, com portam ento e desenvolvimento geral normais. As recomendações de monitoração na gravidez e no parto incluem: manter litemias em níveis terapêuticos durante a gravidez; checar os níveis mensal­ mente (devido ao risco de desidratação - por hiperêmese gravídica); aumen­ tar as doses de lítio no curso da gravidez, com checagem do nível semanal­ mente no últim o mês, em função do aumento do clearance e do potencial risco de toxicidade e na presença de pré-eclâmpsia; checar o nível de lítio no parto e m inistrar hidratação adequada; evitar o uso de substâncias nefrotóxicas, como anti-inflam atórios não esteroides; reduzir a dose do lítio em 30 a 50% , devido à dim inuição do clearance e ajuste dos fluidos durante o parto; averiguar litemias 2 4 horas após o parto e a cada ajuste de dose.34 Em pacientes com níveis terapêuticos, a descontinuação do lítio antes ou durante o parto não está recomendada. Na decisão de suspender o uso, o lítio deve ser descontinuado antes da gestação, e não apenas nas primeiras 14 semanas ou depois. No leite materno, a concentração do lítio é cerca de metade da materna, e a do bebê é de um quarto. Foram descritos casos de retardo motor fino e grosso, e recomenda-se monitorar TSH e função renal periodicamente em bebês amamentados por mães tom ando lítio.37

112


EFEITOS ADVERSOS

► O perfil de tolerabilidade do lítio consiste nos seus efeitos adversos, especialmente aqueles em doses elevadas. Os mais co­ muns, que em geral são transitórios e manejáveis mediante a redução da dose, incluem :3’38 gastrintestinais (náusea, disgeusia ou alteração do pala­ dar, vômitos, perda de apetite, diarreia), fadiga, letargia, polidipsia, poliúria e trem or periférico fino de repouso. Ocorrem no início do tratam ento ou na elevação rápida do nível sérico. Efeitos dermatológicos, como acne, estão presentes em 3 ,4 a 45% dos pacientes, especial mente em homens, e ten­ dem a aparecer na primeira semana após o início do lítio. Psoríase associada a lítio foi estimada em 1,8 a 6% dos pacientes. Sintomas cognitivos leves em doses elevadas são frequentes. Tremor, que afeta 65% dos pacientes, e tremores graves podem ser um sinal de toxicidade, assim como náusea, diar­ reia, visão turva. Alguns sintomas são difíceis de suportar, como ganho de peso e o risco de alterações cognitivas e embotamento emocional. Os efeitos cognitivos causam prejuízo leve. O uso prolongado de lítio pode afetar os rins, e, após anos de uso, podem ocorrer distúrbios renais. Apesar de a taxa de filtração glomerular ser comprometida, o prejuízo funcional não é clin i­ camente significativo na maioria dos pacientes. As manifestações de toxici­ dade renal do lítio incluem diabetes insípido nefrogênico, devido à inibição da sensibilidade da adenilciclase ao hormônio antidiurético, com progressiva redução na capacidade de concentração urinária, que progride para nefropatia intersticial crônica e com prom etim ento permanente da função renal. Estágios finais de doença renal são raros, afetando apenas 1% dos pacientes em litioterapia por mais de 15 anos e, em geral, 0 ,53 % dos pacientes, comparados com 0,2% da população em geral. Usuários de lítio com idade avançada apresentaram prevalência de doença renal crônica, lesão renal aguda e diabetes insípido nefrogênico de 13,9, 1,3 e 3% , respectiva mente, depois de seis anos de uso. A prevalência de hipotireoidism o foi estimada em cerca de 20% , e 50% podem desenvolver bócio; as mulheres são mais suscetíveis a disfunção tireoidiana (22% apresentam hipotireoidism o), e não há diferenças no tempo de uso de 10 a 20 anos ou acima de 20 anos. Os níveis de paratormônio e cálcio ionizado podem estar elevados em pacientes tom ando lítio, que podem apresentar hiperparatireoidismo (8,6% ) e hipercalcemia (24,1% ). O lítio pode ser uma opção interessante em pacientes bipolares com hiperprolactinem ia, considerando que reduz os níveis séricos de prolactina especialmente no tratam ento em longo prazo. Pode ocorrer ganho de peso (mais do que 7% do peso), e, em níveis terapêuticos, ele está asso­ ciado com instabilidade elétrica atrial e ventricular; essas alterações devem ser vistas como efeitos adversos do lítio, e não como anomalias cardiovascu­ lares. Aproximadamente um terço dos pacientes expostos ao lítio apresenta disfunção sexual (dim inuição dos pensamentos sexuais e do desejo, piora da função erétil e redução da satisfação sexual), o que se relaciona diretamente com baixa adesão ao tratamento. O risco teratogênico é baixo em termos ab­ solutos. Potenciais displasias cardíacas podem ser detectadas precocemente por ultrassonografia de rotina e podem ser corrigidas intraútero. A descon-

113


tinuação do lítio durante a gravidez não pode ser justificada pela relação custo-benefício. Os efeitos adversos estão descritos no Quadro 5 .1 .4 .2’3’38

INTOXICAÇÃO POR LÍTIO E SEU MANEJO

► Considerando que é o mais leve dos elementos da tabela periódica, o lítio se distribui totalm ente na água corporal e é um álcali como potássio e sódio, o que facilita sua distribuição. No organismo, só é absorvido, distribuído e eliminado. Devido ao estreito índice terapêutico, a intoxicação pelo lítio é um problema comum. O nível te­ rapêutico varia entre 0,6 e 1,0 mE/L, enquanto a administração prolongada em níveis de 1,2 mE/L pode ser tóxica. A intoxicação aguda está associada a sintomas gastrintestinais, efeitos cardiotóxicos e desenvolvimento tardio de sinais neurológicos, ao passo que formas crônicas se manifestam por sinto­ mas neurológicos, incluindo confusão, mioclonias e convulsões. O racional para a diferenciação clínica é a saturação de compartimentos. No caso da intoxicação aguda, a concentração do lítio tende a cair rapidamente devido à distribuição em diversos tecidos, e na intoxicação crônica há uma saturação nos tecidos. Por isso, a toxicidade depende do tem po de exposição ao lítio, o que determina as estratégias de tratamento. Os principais sinais e sinto-

QUADRO 5.1.4 ►EFEITOS ADVERSOS DO LÍTIO SNC (benignos e não tóxicos)

Tremor (postural e ocasionalmente extrapiramidal), sonolência, fraqueza muscular, lentidão cognitiva, diminuição do tempo de reação, perda da espontaneidade, dificuldades de memória

SNC (tóxicos)

Tremor grosseiro, disartria, ataxia, irritabilidade neuromuscular, convulsões, coma, morte

SNC (outros)

Neuropatia periférica, hipertensão intracraniana benigna, síndrome miastenia-símile, alteração da criatividade, diminuição do limiar convulsivo

Gastrintestinais

Perda de apetite, dispepsia, náusea, gosto metálico, dores no estômago leves, fezes amolecidas ou diarreia

Dermatológicos

Rashcutâneo, perda de cabelo, acne, piora de psoríase

Renais/Urogenitais

Distúrbios na concentração, alterações morfológicas, polidipsia, poliúria, redução da capacidade de concentração de urina, diabetes insípido nefrogênico, síndrome nefrótica, acidose tubular renal, redução da taxa de filtração glomerular

Cardiovasculares

Alterações benignas da onda T, disfunção do nó sinusal

Hematológicos

Leucocitose

Endócrinos

Bócio, hipotireoidismo clínico ou subclínico, exoftalmia, hipertireoidismo (raro), hiperparatireoidismo, adenoma

Outros

Alteração do metabolismo de carboidratos, ganho de peso, retenção de fluidos

Fonte: Sadock e colaboradores,2 Mahli e colaboradores3 e Murru e colaboradores.38

114


mas da intoxicação estão descritos no Quadro 5 .1 .5 , e as principais causas, no Quadro 5 . I . 6 . 2’38,39 Existem casos descritos de sequelas persistentes pós-intoxicação pelo lítio, denominadas syndrom e o f irreversible lith iu m -e ffe ctu a te d neurotoxicity (SILENT).40 Foram descritos 90 casos de 1965 a 2 0 0 4 , caracterizados pela manutenção de sintomas, mais comumente disfunção cerebelar, durante pelo menos dois meses após a cessação do uso. O mecanismo permanece incerto, mas a principal hipótese seria uma desmielinização causada pelo lítio em vários locais do sistema nervoso, inclusive o cerebelo. A intoxicação pelo lítio pode deixar sequelas, daí a necessidade de interven­ ção imediata e apropriada. Como não há um antídoto específico, a melhor estratégia é m inim izar o tempo de exposição aos níveis tóxicos de lítio. A abordagem geral consiste em medidas clínicas semelhantes às de outras intoxicações, incluindo permeabilidade das vias aéreas, em especial em ca­ sos de alterações do estado mental/nível de consciência, sonda nasogástrica e lavagem gástrica, especialmente quando o paciente tem pouco tempo de intoxicação. Carvão ativado oral não tem efeito porque não se liga aos íons de lítio, entretanto, pode ser útil quando há suspeita de intoxicação por m úl­ tiplas substâncias. Em caso de intoxicação por lítio de liberação lenta, recomenda-se irrigação do intestino como um todo usando polietileno glicol. Em caso de desidratação, indica-se reposição hídrica. Deve-se lembrar, tam bém , do risco de diabetes insípido nefrogênico e sua relação com perda de volu­ me por medidas de descontaminação gastrintestinal. Para m inim izar esse risco, recomenda-se hidratação intravenosa com solução salina isotônica. Em casos de diabetes insípido nefrogênico, os níveis de sódio devem ser monitorados durante a hidratação intravenosa para prevenir hipernatremia

QUADRO 5.1.5 ►NÍVEIS DE INTOXICAÇÃO PELO LÍTIO SUBTIPOS DE INTOXICAÇÃO AGUDA

INTOXICAÇÃO AGUDA A CRÔNICA E CRÔNICA

Intoxicação leve a moderada (litemia: 1,5- 2,0 mEq/L) Náusea grave ou vômitos, dor abdominal, diarreia persistente, boca seca, ataxia, tonturas, fala arrastada, nistagmo, letargia ou excitação, fraqueza muscular

Intoxicação moderada a grave (litemia 2,0-2,5 mEq/L) Anorexia, náuseas e vômitos persistentes, visão turva, fasciculações musculares, movimentos clônicos dos membros, reflexos tendíneos profundos hiperativos, movimentos coreoatetoides, convulsões, delirium , síncope, alterações eletrencefalográficas, estupor, coma, falência circulatória (queda de pressão arterial, arritmias cardíacas e anormalidades de condução) Intoxicação grave (litemia > 2,5 mg mEql/L) Convulsões generalizadas, oligúria, insuficiência renal e morte

Fonte: Sadock e colaboradores, 2 Murru e colaboradores3 8 e Haussmann e colaboradores. 3 9

115


QUADRO 5.1.6 ► FATORES DE RISCO PARA INTOXICAÇÃO PELO LÍTIO Ingestão excessiva acidental ou deliberada de lítio Ingestão oral pobre de líquidos/água Dieta pobre em sódio - restrição dietética Redução da excreção: insuficiência renal, diabetes insípido nefrogenico Interação medicamentosa com medicamentos que alteram a função renal: anti-inflamatorios não esteroides, inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA), diuréticos tiazídicos Volume de distribuição reduzido: desidratação por calor excessivo ou sauna Sensibilidade individual: idade avançada Organismo debilitado ou adoentado: febre, infecção viral, gastrenterites com diarreia e vômitos Fonte: Sadock e colaboradores,2 Murru e colaboradores38 e Haussmann e colaboradores.39

e risco potencial de sintomas de deterioração neurológica. A adição de água livre pode ajudar a im pedir o desenvolvimento de hipernatremia sob tais circunstâncias. A diurese forçada não aumenta a excreção de lítio e não é recomendada, exceto para pacientes verdadeiramente volume-depletados. O lítio é uma das moléculas mais dialisáveis: é pequeno e solúvel em água e tem pequeno volume de distribuição e insignificante ligação proteica, o que garante maiores taxas de clearance. Contudo, não há nenhuma recomenda­ ção consistente para iniciar hemodiálise, reservada apenas para pacientes com níveis séricos acima de 4 ,0 mEq/L, independentemente da sintom atolo­ gia e da etiologia da intoxicação. Quando o lítio excede 2 ,5 mEq/L, a hemo­ diálise deve ser iniciada se o paciente apresentar sinais e sintomas graves de intoxicação, se a função renal estiver comprometida ou se o paciente apresentar outra condição médica que comprometa a excreção do lítio ou condições físicas deteriorantes que requeiram infusão intravenosa. A decisão de hemodiálise deve ser tomada entre 8 e 12 horas após a admissão, e, em caso de dúvidas, o médico toxicologista deve ser consultado. Os Quadros 5 .1 .7 e 5 .1 .8 2’ 21-23,25,39 resumem os principais cuidados em caso de intoQUADRO 5.1.7 ►RECOMENDAÇÕES GERAIS NO TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO POR LÍTIO

MONITORAR

HIDRATAÇÃO PARA MAXIMIZAR 0 CLEARANCE DE LÍTIO

DESCONTAMINAÇÃO GASTRINTESTINAL

Vias aéreas superiores, respiração e aparelho circulatório. Sinais vitais, exame neurológico e do estado mental; nível de lítio, eletrólitos, função renal e ECG

Solução salina isotônica dependendo do estado dos fluidos corpóreos e da função cardíaca. Hidratação o manutenção do balanço eletrolítico

Descontaminaçãodetodo o intestino com grandes preparados de ingestão aguda ou soluções de liberação lenta de glicol polietileno, entre 2 a 4 horas após a ingestão do lítio

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Haussmann e colaboradores.39

116


xicação por lítio, e o Quadro 5 .1 .9 sugere medidas que auxiliam na adesão e nos cuidados com a litioterapia.

CONTRAINDICAÇÒES

► Antes do início da litioterapia, devem-se investigar as possíveis contra indicações ao tratamento. São poucas as absolutas: insu­ ficiência renal aguda, infarto agudo do miocárdio. Informações recentes dão conta de que, no primeiro trim estre de gravidez, o risco de malformação car­ díaca grave relacionada com a exposição a lítio não se associou a aumento do risco de anomalias cardiovasculares em comparação com controles ex­ postos a condições não teratogênicas. Entretanto, ainda assim, recomendam-se ultrassom de alta resolução e ecocardiografia fetal nas semanas 16 a 18, com base na possibilidade de o lítio aumentar o risco de alterações cardíacas outrora relatadas.34 O risco teratogênico do lítio não foi significati­ vamente superior ao de malformações na população em geral. Tendo em vis­ ta a possibilidade de recaídas graves no início da gestação, devem-se pesar os riscos e benefícios da manutenção ou não do tratam ento com lítio durante a gravidez. Entre as contraindicações relativas, estão doenças renais, como glomerulonefrite, afecções cerebelares, psoríase, hipotireoidism o clínico, leu­ cemia mieloide e disfunção do nó sinusal. Dieta hipossódica e uso de diuré­ ticos requerem cuidados especiais, principalm ente se forem intermitentes. O mesmo acontece com pacientes cuja adesão terapêutica é dificultada pelo ganho de peso.2’4

QUADRO 5.1.8 ► INDICAÇÕES DE HEMODIÁLISE Nível de lítio > 4 mEq/L todos os pacientes

Nível de lítio > 2,5 mEq/L em pacientes com insuficiência renal, intoxicação grave ou com necessidade de hidrata­ ção intensa (p. ex., falência cardíaca)

Nível de lítio < 2,5 mEq/L e intoxicação moderada ou leve, por decisão caso a caso

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Haussmann e colaboradores.39

QUADRO 5.1.9 ► INTERVENÇÕES PSICOEDUCACIONAIS PARA AUMENTAR AOESAO E CUIDADOS Educação sobre a doença afetiva e seu tratamento, incluindo conceitos e crenças errôneos (p. ex., a importância da farmacoterapia) Educação sobre os riscos potenciais associados à intoxicação por lítio Importância de fatores de risco como uso de drogas ilícitas e álcool Detecção de sinais de alerta de intoxicação Educação de parentes e cuidadores (incluindo o clínico geral) Fonte: Sadock e colaboradores, 2 Moreno e colaboradores, 2 1 Pellegrinelli e Antonío, 2 2 Roso e colaboradores, 2 3 Pellegrinelli e colaboradores2 5 e Haussmann e colaboradores. 3 9

117


INTERAÇÕES CLÍNICAS MEDICAMENTOSAS

► Fatores como idade, peso, su­ perfície corpórea, clearance de creatinina, estado afetivo e uso concomitante de outros medicamentos podem interferir nos níveis séricos.2’4 Por exemplo, idosos requerem doses menores para atingir níveis adequados e desenvolvem efeitos colaterais com doses mais baixas. Deve-se evitar a associação de lítio com neurolépticos em altas doses, porque foram descritos casos raros de neurotoxicidade. Não se sabe se tais casos foram devidos ao lítio, ao neuroléptico ou à combinação deles, pois os pacientes apresentavam outras pato­ logias associadas. Nas doses habituais, ambos podem ser combinados com segurança. Observou-se neurotoxicidade na associação com carbamazepina; contudo, o lítio compensa a leucopenia que ela pode causar. Além disso, a carbamazepina pode reduzir a poliúria lítio-induzida. Diuréticos tiazídicos reduzem o clearance renal do lítio, elevando a reabsorção e a litemia em 3 0 a 50% , o que não acontece com diuréticos poupadores de potássio ou que agem na alça de Henle, como a furosemida. O am iloride pode, inclusive, ser usado para tratar a poliúria e o diabetes insípido causados pelo lítio. Diuréticos osmóticos e acetazolamida elevam a excreção renal, podendo ser úteis no tratam ento da intoxicação pelo lítio. A litemia deve ser considerada na introdução de qualquer diurético, devido a possíveis alterações em seu volume de distribuição. A maior parte dos anti-inflam atórios não esteroides eleva o nível sérico do lítio. Esse aumento varia entre 12 e 66% , podendo causar intoxicação em indivíduos predispostos ou de risco. Não há interação com aspirina ou sulindac. Pode haver elevação da litemia por inibidores da ECA, como captopril, enalapril e lisinopril, que causam hiponatremia (Quadro 5 .1 .1 0 ).2’4 Outras interações incluem a coadministração de lítio com carbamazepina, valproato, lamotrigina e clonazepam, a qual pode ele­ var a concentração do lítio e agravar os efeitos neurológicos induzidos pela substância. Essas associações podem ser feitas, mas sempre com cuidado. A combinação de lítio e quetiapina pode causar sonolência, em geral bem tolerada; com ziprasidona, pode ocorrer aumento da incidência de tremor; com inibidores dos canais de cálcio, deve-se evitar a combinação, devido ao potencial neurotóxico; em caso de eletroconvulsoterapia, o lítio deve ser descontinuado dois dias antes, para reduzir o risco de de liriu m .

118


QUADRO 5.1.10 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS COM LÍTIO MEDICAMENTO

REAÇÃO

Antipsicóticos

Casos relatados de encefalopatia, piora de efeitos extrapiramidais, síndrome neuroléptica maligna. Dados inconsistentes de alteração dos glóbulos vermelhos e concentração plasmática de lítio e antipsicóticos ou ambos.

Antidepressivos

Relatos de síndrome serotonérgica com inibição pronunciada da recaptação de serotonina.

Anticonvulsivantes

Relatos de neurotoxicidade com carbamazepina. A combinação com carbamazepina ou valproato pode ser útil nos casos de resistência terapêutica.

Anti-inflamatórios não esteroides (indometacina, fenilbutazona, diclofenaco, quetrofen, oxifenbutazona, ibuprofeno, piroxican, naproxeno)

Podem reduzir o clearance de lítio e aumentar sua concentração. Toxicidade tem sido relatada (exceção de aspirina).

Diuréticos • Tiazídicos

Poupadores de potássio

Alça

Osmóticos (manitol, ureia)

Xantinas (aminofilinas, cafeína, teofilina)

Inibidores da anidrase carbônica (acetazolamida)

Está bem documentada a redução do clearance renal do lítio e o aumento de sua concentração. Casos de toxicidade têm sido relatados. Podem aumentar a concentração do lítio, e os dados são limitados. Não alteram o clearance do lítio (alguns relatos de elevação do nível de lítio). Aumento do clearance de creatinina e redução da concentração de lítio. Aumento do clearance de creatinina e redução da concentração de lítio. Aumentam o clearance renal do lítio.

Inibidores da ECA

Relatos de redução do clearance do lítio, aumento da concentração e toxicidade. Losartana e ibersatan (inibidores do receptor ECA II) não alteram a concentração do lítio.

Inibidores dos canais de cálcio

Relatos de casos de neurotoxicidade; sem interação farmacocinética consistente.

Diversos • Succinilcolina, pancurônio • Metronidazol • Metildopa • Bicarbonato de sódio • lodetos • Propranolol

Relatos de bloqueio neuromuscular prolongado. Aumento da concentração do lítio. Poucos relatos de neurotoxicidade. Aumento do clearance renal do lítio. Somatória de efeitos antitireoidianos. Usado para tremor causado pelo lítio. Possível elevação discreta da concentração do lítio.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Oruch e colaboradores. 4

119


REFERENCIAS 1. 2.

Shorter E. The history of lithium therapy. Bipolar Disord. 2009;ll(02):4-9. Sadock VA, Sadock VA, Sussman N. Kaplan & Sadock's pocket handbook of psychiatric drug treatment. 6th ed. New Work: Lippincott Williams &Wilkins; 2014. p. 139-54. 3. Mahli GS, Tanious M, Das R Berk M. The science and practice of lithium therapy. Aust N Z J Psychiatry. 2012;46(3):192-211. 4. Oruch R, Elderbi MA, Khattab HA, Pryme IF, Lund A. Lithium: a review of pharmacology. Clinical uses and toxicity. EurJ Pharmacol. 2014;740:464-73. 5. Mahli GS, Tanious M, Das P Coulston CM, Berck M. Potential mechanism of action of lithium in bipolar disorder. CNS Drugs. 2013;27(2):135-53. 6. Rybakowski JK. Neurobiological, cognitive, and neuroprotective effects of treatments used in bipolar di­ sorders. In: Yildiz A, Ruiz P Nemeroff CB, editors. The bipolar book: history, neurobiology and treatment. New York: Oxford University; 2015. p. 403-16. 7. Tundo A, de Filippis R, Proetti L. Pharmacologic approaches to treatment resistant depression: evidences and personal experience. World J Psychiatr. 2015;5(3):330-41. 8. Chenu F, Bourin M. Potentiation of antidepressant-like activity with lithium: mechanism involved. Curr Drug Targets. 2006;7(2): 159-63. 9. Berk M, Malhi GS. Should antipsychotics take pole position in mania treatment? Lancet. 2011;378(9799):1279-81. 10. Silverstone PH, McGrath BM, Kim H. Bipolar disorder and myo-inositol: a review of the magnetic resonan­ ce spectroscopy findings. Bipolar Disord. 2005;7(1):1-10. 11. Chiu CT, Chuang DM. Molecular actions and therapeutic potential of lithium in preclinical and clinical studies of CNS disorders. Pharmacol Ther. 2010;128(2):281-304. 12. Yatham LN, Kennedy SH, Parikh SV, Schaffer A, Beaulieu S, Alda M, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients withbipolar disorder: update 2013. Bipolar Disorders. 2013;15(l):l-44. 13. Keck PE, McElroy SL, Yildiz A. Treatment of mania. In: Yildiz A, Ruiz P Nemeroff CB, editors. The bipolar book: history, neurobiology and treatment. New York: Oxford University; 2015. p. 263-280. 14. Gao K, Wu R, Grunze H, Calabrese JR. Pharmacological treatments of bipolar depression. In: Yildiz A, Ruiz P Nemeroff CB, editors. The bipolar book: history, neurobiology and treatment. New York: Oxford University; 2015. p. 281-98. 15. Vieta E, Locklear J, Giinther O, Ekman M, Miltenburger C, Chatterton ML, et al. Treatment options for bipolar depression: a systematic review of randomized, controlled trials. J Clin Psychopharmacol. 2010;30(5):579-90. 16. Young AH, McElroy SL, Bauer M, Philips N, Chang W, Olausson B, et al. A double-blind, placebo-controlled study of quetiapine and lithium monotherapy in adults in the acute phase of bipolar depression (EMBOL­ DEN I). J Clin Psychiatry. 2010;71(2): 150-62. 17. Selle V, Schalkwijk SI, Vazquez GH1, Baldessarini RJ. Treatments for acute bipolar depression: meta-analyses of placebo-controlled, monotherapy trials of anticonvulsants, lithium and antipsychotics. Pharmacopsychiatry. 2014;47(2):43-52. 18. Kudlow PA, Cha DS, McIntyre RS, Suppes T. Maintenance treatments in bipolar disorder. In: Yildiz A, Ruiz P Nemeroff CB, editors. The bipolar book: history, neurobiology and treatment. New York: Oxford University; 2015. p. 299-318. 19. Moreno RA, Campos RN, Moreno DH. Transtorno bipolar: uma doença heterogênea que requer uma pers­ pective mais ampla de abordagem. Rev Debates Psiquiatria. 2012;2(6):26-32. 20. Missio G, Moreno DH, Fernandes F, Bio DS, Soeiro-de-Souza MG, Santos Jr DR, et al. The ARIQUELI study: potentiation of quetiapine in bipolar I nonresponders with lithium oraripiprazole. Trials. 2013;14:190-5. 21. Moreno RA, Stefanelli MC, Souza MGG, Oliveira AR, Taveira AC, Genti V. Comprendiendo la convivência familiar en presencia del trastorno bipolar. Index Enferm. 2009; 18(3): 156-60.

120


22. Pellegrinelli KB, Antonio R. Adesão versus desistência do tratamento. In: Moreno RA, Moreno DH, Bio DS, David DR organizadores. Aprendendo a conviver com o transtorno bipolar: manual educativo. Porto Alegre: Artmed; 2015. p. 110-9. 23. Roso MC, Moreno RA, Costa EM. Psycho-educational intervention in mood disorders: an experience of affective disorders study group. Rev Bras Psiquiatr. 2005;27(2):165. 24. Moreno RA, Moreno DH, Ratzke R. Diagnóstico, tratamento e prevenção da mania e da hipomania no transtorno bipolar. Rev Bras Psiquiatr. 2005;1(32):9. 25. Pellegrinelli KB, Roso MCM, Moreno RA. The relationship between non-adherence to treatment and false beliefs of bipolar patients and their families. Rev Psiqu Clin. 2010;37(4):183-4. 26. Bschor T. Lithium in the treatment of major depressive disorder. Drugs. 2014;74(8):855-862. 27. Bauer M, Whybrow PC, Angst J, Versiani M, Möller HJ; World Federation of Societies of Biological Psychia­ try (WFSBF) Task Force on Treatment Guidelines for Unipolar Depressive Disorders. World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) Guidelines for Biological Treatment of Unipolar Depressive Di­ sorders, Part 2: Maintenance treatment of major depressive disorder and treatment of chronic depressive disorders and subthreshold depressions. World J Biol Psychiatry. 2002;3(2):69-86. 28. Muzina DJ. Pharmacologic treatment of rapid cycling and mixed states in bipolar disorder: an argument for the use of lithium. Bipolar Disord. 2009; 11 Suppl 2:84-91. 29. Wasserman D, Rihmer Z, Rujescu D, Sarchiapone M, Sokolowski M, Titelman D, et al. The Euro­ pean Psychiatric Association (EPA) guidance on suicide treatment and prevention. Eur Psychiatry. 2012;27(2): 129-41. 30. Guzzetta F, Tondo L, Centorrino F, Baldessarini RJ. Lithium treatment reduces suicide risk in recurrent major depressive disorder. J Clin Psychiatry. 2007;68(3):380-3. 31. Machado-Vieira R, Manji HK, Zarate Jr. CA. The role of lithium in the treatment of bipolar disorder: conver­ gent evidence for neurotrophic effects as a unifying hypothesis. Bipolar Disord. 2009;11 Suppl 2:92-109. 32. Soeiro-de-Souza MG, Dias W, Figueira ML, Forlenza OV, Gattaz WF, Zarate Jr. CA, et al. Translating neu­ rotrophic and cellular plasticity: from pathophysiology to improved therapeutics for bipolar disorder. Acta Psychiatr Scand. 2012;126(5):332-41. 33. Hallahan B, Newell J, Soares JC, Brambilla P Strakowski SM, Fleck DE, et al. Structural magnetic reso­ nance imaging in bipolar disorder: an international collaborative mega-analysis of individual adult patient data. Biol Psychiatry. 2011 ;69(4) :326-35. 34. Khan SJ, Fersh ME, Ernst C, Klipstein K, Albertini ES, Lusskin SI. Bipolar disorder in pregnancy and postpartum: principles of management. Curr Psychiatry Rep. 2016;18(2):13. 35. Severus WE, Grunze H, Kleindienst N, Frangou S, Moeller H-J. Is the prophylactic antidepressant efficacy of lithium in bipolar I disorder dependent on study design and lithium level? J Clin Psychopharmacol. 2005;25(5):457-62. 36. Machado-Vieira R, Zanetti MV, de Sousa RT, Soeiro-DE-Souza MG, Moreno RA, Busatto GF, et al. Lithium efficacy in bipolar depression with flexible doses: a six-week, open-label, proof-of-concept study. Exp Ther Med. 2014;8(4):1205-8. 37. Grover S, Avasthi A. Mood stabilizers in pregnancy and lactation. Indian J Psychiatry. 2015;57(Suppl 2):S308-23. 38. Murru A, Popovic D, Pacchiarotti I, Hidalgo D, León-Caballero J, Vieta E. Management of adverse effects of mood stabilizers. Curr Psychiatry Rep. 2015;17(8):603. 39. Haussmann R, Bauer M, von Bonin S, Grof P Lewitzka U. Treatment of lithium intoxication: facing the need for evidence. IntJ Biol Psychiatr. 2015;3:23-8. 40. Adityanjee, Munshi KR, Thampy A. The syndrome of irreversible lithium-effectuated neurotoxicity. Clin Neuropharmacol. 2005;28(l):38-49.

121


5.2

ANTICONVULSIVANTES RICARDO ALBERTO MORENO DIEGO FREITAS TAVARES DORIS HUPFELD MORENO

Estabilizadores do humor são medicamentos utilizados no tratam ento das fases agudas e de prevenção de recorrências do transtorno bipolar (TB) e que, além de melhorar os episódios agudos de m ania/hipom ania, depressão e mistos, não induzem ciclagem para o polo oposto ao que está sendo trata­ do e nem aceleram os ciclos. Além do lítio, que trata adequadamente boa parcela dos pacientes, alguns anticonvulsivantes também figuram entre os fármacos internacionalmente reconhecidos no tratam ento do TB .1'4 Nos dias de hoje, o princípio que norteia a intervenção terapêutica é o de tratar o TB, independentemente da fase aguda atual, seja maníaca, seja hipomaníaca ou depressiva, com ou sem características mistas, visto que a doença é unitária e o uso de estabilizadores independentemente das fases controlaria a recor­ rência, que é um aspecto cardinal da psicopatologia. Isso im plica um pla­ nejamento terapêutico am plo agudo e em longo prazo. Nesta seção, vamos abordar os anticonvulsivantes aprovados pela Food and Drug Adm inistration5 (FDA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária6 (Anvisa) (Tab. 5.2.1).

CARBAMAZEPINA ►

A carbamazepina é um anticonvulsivante aprovado para nevralgia do trigêmeo e epilepsia do lobo temporal (crises parciais com ple­ xas) desde a década de 1970. Foi o primeiro anticonvulsivante aprovado no tratam ento da mania aguda no TB e, apesar de ter sua eficácia comparável com a do lítio na intervenção da mania aguda, é considerado uma terapia de segunda linha de escolha devido ao perfil de efeitos colaterais.3 A formulação de liberação prolongada exerce menos efeitos colaterais gastrintestinais e autonômicos, o que melhora sua tolerabilidade. FARMACOCINÉTICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos da carbamazepina são alcançadas em duas horas com a suspensão oral, em 12 horas com os com prim idos de liberação imediata e em 2 4 ho­ ras com os com prim idos de liberação prolongada, sendo que estes últim os apresentam picos de concentração da substância ativa 25% mais baixos no plasma e uma biodisponibilidade 15% mais baixa do que os com prim idos convencionais. A ingestão de alimentos não exerce influência significativa nas taxas de absorção. A substância se liga a proteínas plasmáticas em 70 a 80% , o que im portância é de extrema relevância quando adm inis­ trada em indivíduos com déficits de proteínas (hipoalbum inem ia). As concentrações plasmáticas de steady-state (estado de equilíbrio) são atin­ gidas em cerca de três semanas. Devido ao fenômeno de autoindução de seu metabolismo pela ação nas enzimas do sistema microssomal hepático 122


ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.1 ► ANTICONVULSIVANTES APROVADOS PARA O TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DE ACORDO COM A FASE DA DOENÇA (FDA-ANVISA) MANIA AGUDA Carbamazepina

+

Ácido valproico

+

Lamotrigina

DEPRESSÃO AGUDA

ESTADOS MISTOS

PROFILAXIA +

+ + (depressão)

Fonte: Accessdata.fda.gov5 e Anvisa.gov.6

CYP450, após esse período de três semanas, recomenda-se a dosagem sérica da substância e o ajuste da dose até obtenção do nível terapêutico preconizado (entre 6 e 12 mcg/mL). A carbamazepina é metabolizada no fí­ gado, onde a biotransformação via oxidação é a mais importante, tendo o de­ rivado 1 0 ,1 1-trans-diol e seu glicuronídeo como os principais metabólitos. A isoforma 3A 4 do citocromo P450 (CYP3A4) foi identificada como a principal isoforma responsável pela metabolização da substância. A meia-vida média de elim inação da carbamazepina, após três semanas de uso (fenômeno de autoindução), é de aproximadamente oito horas para as formulações de libe­ ração imediata e de 12 horas para a formulação de liberação prolongada. A excreção da substância ocorre principalm ente pela via renal (72% ) e pelas fezes (28% ) (Tab. 5 .2 .2 ).7 MECANISMO DE AÇÃO ► A carbamazepina bloqueia os canais de sódio vol­ tagem-dependentes pré-sinápticos e tem afinidade pelos canais de cálcio inativados, aumentando seu número. Acredita-se que o bloqueio dos canais de sódio e a ativação dos canais de cálcio inibam a liberação de glutam ato na fenda sináptica, o que seria responsável pelo efeito anticonvulsivante da substância e pela dim inuição da hiperexcitabilidade cerebral, mecanismo supostamente responsável pelos quadros de mania e hipomania no TB .7 /w

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA são epilepsia, neuralgia trigem inal, episódios de mania e com características mistas do TB, neuropatia diabética, diabetes insípido central e síndrome de abstinência alcóolica. A carbamazepina é utilizada, sem aprovação pelos órgãos regulamentadores, em combinação com antipsicóticos em alguns casos de es­ quizofrenia refratária, no transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), na síndrome do membro fantasma, na síndrome complexa de dor regional, no transtorno da personalidade borderline e no transtorno de es­ tresse pós-traumático (TEPT).5’6’8’9 Os fatores preditivos de boa resposta à carbamazepina na mania aguda são: resposta incompleta ao lítio (ou, presumivelmente, a outros agentes de pri­ meira linha), pacientes com comorbidade com doenças orgânicas, neurológi­ cas, diagnóstico de transtorno esquizoafetivo, ausência de história fam iliar de TB, ciclagem rápida e episódios de mania com características mistas (disfórica).10 123


ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.2 ► CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DA CARBAMAZEPINA Absorção (tempo para obtenção de pico plasmático médio)

Suspensão oral: duas horas; comprimidos de liberação imediata: 12 horas; comprimidos de liberação prolongada: 24 horas.

Biodisponibilidade

Comprimidos de liberação imediata e suspensão: 80%; comprimidos de liberação prolongada: até 15% mais baixa que as formulações de comprimidos de liberação imediata e suspensão.

Influência de alimentos na absorção

Não há.

Tempo de estado de equilíbrio (steady-S tate)

Três semanas.

Concentração no estado de equilíbrio (steady-S tate)

6-12 mcg/mL.

Taxa de ligação a proteínas plasmáticas

70-80%.

Metabolização

Hepática - fase 1 (oxidação via CYP3A4)

Meia-vida (após fenômeno de autoindução com três semanas de uso)

Suspensão oral: oito horas; comprimidos de liberação imediata: oito horas; comprimidos de liberação prolongada: 12 horas.

Excreção

72% por via renal e 28% pelas fezes.

Fonte: Sadock e colaboradores.7

Estudos recentes demonstraram a eficácia da carbamazepina de liberação imediata e prolongada nos episódios depressivos do TB .11’12 A ação antidepressiva da carbamazepina é obtida mais lentamente do que a ação antimaníaca, com efeito máximo em 4 a 6 semanas, e está indicada em monoterapia como terceira linha nas últim as diretrizes3 (Quadro 5.2.1). Evidências suportam o uso da carbamazepina como agente de segunda li­ nha, em monoterapia ou associada ao lítio, na terapia de manutenção visan­ do à profilaxia tanto de episódios de mania como de depressão3 (Quadro 5 .2.1 ). Essa evidência tem por base uma revisão sistemática com metanálise de quatro ensaios clínicos randomizados, na qual o medicamento mostrou eficácia sim ilar à do lítio para as taxas de recaída.13 A i

CONTRAINDICAÇOES ► Não se recomenda o uso da carbamazepina em casos de hipersensibilidade prévia ao medicamento ou a fármacos estrutural mente relacionados (p. ex., antidepressivos tricíclicos), em pacientes com bloqueio atrioventricular, com história de leucemia, com história de porfirias hepáticas (p. ex., porfiria interm itente aguda, porfiria cutânea tardia), no primeiro tri­ mestre de gestação e com insuficiência hepática grave. O uso da carbamaze­ pina é contraindicado em associação com inibidores da monoaminoxidase (IM AO s).14

124


INDICAÇÕES

PRIMEIRA LINHA

Mania aguda

SEGUNDA UNHA

TERCEIRA UNHA

NÃO RECOMENDADO

Carbamazepina em monoterapia

Carbamazepina + lítio

Carbamazepina + risperidona Carbamazepina + olanzapina

Depressão bipolar

Carbamazepina em monoterapia Carbamazepina + lítio Carbamazepina + lítio + ISRS + lamotrigina

Manutenção

Carbamazepina + lítio Carbamazepina em monoterapia

ISRS = inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Fonte: Yatham e colaboradores.3

MODO DE USAR ► O tratam ento deve iniciar com a realização de uma avalia­ ção laboratorial que deve incluir hemograma, transaminases hepáticas (TGO e TGP), proteínas totais e album ina, sódio sérico, ureia, creatinina, TSH, T4 livre e p-HcG (para mulheres em idade fértil). As doses para o tratam ento da mania aguda variam de 10 a 20 mg/kg/dia ou 4 0 0 a 1.600 mg/dia. A dose deve ser individualizada, sendo recomendado inicialm ente 2 0 0 mg à noite com aumentos de 2 0 0 mg a cada dois dias até resposta clínica e de acordo com a tolerabilidade. A posologia recomendada é de três vezes ao dia para com prim idos de liberação imediata e duas vezes ao dia para com prim idos de liberação prolongada. Após três semanas de tratamento, recomenda-se a realização de dosagem sérica da carbamazepina (12 horas após a última administração) para avaliar o ajuste da dose devido ao fenômeno de autoindução da substância, objetivando-se, portanto, um nível sérico entre 6 e 12 m cg/mL.4 Recomenda-se a realização de exames de seguimento mensal­ mente nos primeiros seis meses e semestral mente após os seis meses ini­ ciais de tratam ento (Tab. 5 .2 .3 ).7 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos adversos mais comuns observados durante o tratam ento com carbamazepina são ataxia da marcha, tontura, sonolência, cefaleia, visão dupla, visão borrada, urticárias benignas, leucopenia benig-

125

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.1 ► INDICAÇÕES DA CARBAMAZEPINA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT)


ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.3 ► MODO DE USAR A CARBAMAZEPINA Faixa terapêutica (mania aguda)

10-20 mg/kg ou 400-1.600 mg/dia.

Posologia

8/8h (liberação imediata) e 12/12h (liberação prolongada)

Introdução (mania aguda)

200 mg à noite com aumentos de 200 mg/dia a cada dois dias até 800-1.200 mg/dia, em média, observando resposta clínica etolerabilidade.

Exames de seguimento

Mensal (primeiros seis meses): hemograma, alanina aminotransferase (ALT/TGP), aspartato aminotransferase (AST/TGO), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, proteínas totais e frações (globulinas e albumina), sódio e potássio. Semestral (a partir de seis meses): mesmos exames.

Gestação

Contraindicada no primeiro trimestre da gestação (efeito teratogênico).

Lactação

Uso permitido (por períodos curtos) desde que longe das mamadas e observando-se nível de sedação do recém-nascido.

Idosos

Recomenda-se início e progressão lentos até por volta de 600-800 mg/dia na mania aguda. Posteriormente, a dose deve ser reduzida de forma gradual para o nível de manutenção mais baixo possível. A dose máxima recomendada nessa população é de 1.200 mg/dia.

Fonte: Sadock e colaboradores.7

na e transitória, elevação benigna e transitória de gama-glutamiltransferase e fosfatase alcalina, náuseas, boca seca, edema periférico e hiponatremia. A maioria dos efeitos colaterais surge no início do tratam ento e é dose-dependente e reversível. Dois eventos adversos raros, porém graves, são agranulocitose e anemia aplástica. A incidência desses eventos em pacientes que fazem uso de carbamazepina é de 5 a 8 vezes maior em relação à da população em geral. Outro evento adverso grave, porém raro, são reações dermatológicas como a síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérm i­ ca tóxica. Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10%; incomum: 0,1 a 1%; raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .2 .2 ).14’15

INTOXICAÇÃO

► Os sintomas de uma intoxicação leve por carbamazepina podem se confundir com os efeitos colaterais convencionais da substância (sonolência, tontura e turvação visual). Porém, quando o indivíduo se en­ contra francamente intoxicado, é comum a ocorrência de hipotensão grave e rebaixamento do nível de consciência e nistagmo. Em quadros leves, basta a redução da dose e a monitoração laboratorial e clínica do quadro. Em

126


LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

MUITO COMUM: ataxia, vertigem e sonolência. COMUM: cefaleia, diplopia e alterações de acomodação visual (visão borrada). INCOMUM: tremores e nistagmo.

Geralmente estão relacionados a doses elevadas ou incremento rápido. Recomenda-se aumento lento e gradual. Diminuem espontaneamente dentro de poucos dias ou após redução transitória da dose.

MUITO COMUM: urticárias benignas. INCOMUM: eritrodermia e dermatite esfoliativa. RARO: síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica.

Investigar acometimento sistêmico clínica e laboratorialmente. Suspender em casos graves.

MUITO COMUM: leucopenia benigna e transitória. COMUM: plaquetopenia e eosinofilia. RARO: agranulocitose e anemia aplástica.

MUITO COMUM: aumento de gama-GT. COMUM: aumento de fosfatase alcalina. INCOMUM: aumento de transaminases hepáticas. RARO: hepatite medicamentosa.

MUITO COMUM: náuseas e vômitos. COMUM: boca seca. INCOMUM: diarreia. RARO: pancreatite.

COMUM: edema, ganho de peso, hiponatremia e redução de osmolaridade do sangue (síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético [SIADH]). RARO: síndrome do ovário policístico.

Pele e anexos

• • •

Hematológico

• • •

Hepático

• • • •

Trato gastrintestinal

• • • •

Sistema endócrino

• • •

• •

Monitoramento clínico e laboratorial. Suspender em casos graves.

Monitoramento clínico e laboratorial. Suspender em casos graves. Avaliar hepatotoxicidade (aumento três vezes maior que o limite superior da normalidade). Usar com cautela se história de doenças hepáticas. Adm inistrarás refeições e formulação prolongada. Monitoramento clínico e laboratorial. Suspender em casos graves. Monitoramento clínico de sinais de hiponatremia (fraqueza muscular generalizada, tontura, cefaleia, etc.) e laboratorial. Suspender em casos graves.

(iContinua)

127

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.2 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE CARBAMAZEPINA


ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.2 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇAO DE CARBAMAZEPINA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Cardiovascular

RARO: distúrbios da condução cardíaca, bradicardia, arritmias e hipotensão.

Monitoramento clínico e por eletrocardiograma da frequência cardíaca.

Fonte: Vajda e Eadie14 e M ittal e Das.15

quadros graves, são necessárias a suspensão imediata da substância e a monitoração contínua em unidade de terapia intensiva (UTI). Durante as primeiras 12 horas, deve-se proceder à lavagem gástrica e à utilização de carvão ativado, estando contraindicadas a diurese forçada, a hemodiálise e a diálise peritoneal.16

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► Em função da ação sobre o sistema P450, a carbamazepina apresenta elevado potencial de interações medicamentosas, o que lim ita seu uso, especialmente considerando-se que o tratam ento do TB se caracteriza pela politerapia. De forma geral, as substâncias metabolizadas pela CYP3A4 têm seus níveis séricos reduzidos na interação com a carbama­ zepina (Quadro 5 .2 .3 ).14

ÁCIDO VALPROICO

► O ácido valproico foi sintetizado em 1882 e, durante 80 anos, permaneceu sendo utilizado em trabalhos laboratoriais apenas como solvente “ metabolicamente inerte” para compostos orgânicos. Em 1962, Pierre Eymard descobriu seu efeito anticonvulsivante ao tentar inves­ tigar outras moléculas utilizando o ácido valproico como solvente.12 O trata­ mento bem-sucedido em epilepsias generalizadas levou à aprovação do valproato pela FDA em 1 9 8 3 .17 No TB, foi Lambert que iniciou a terapia com valproato, e sua primeira publicação foi feita em 1975, baseada em uma década de observações não controladas em que enfatizou um antagonismo mais observável na mania do que nos estados depressivos e um sinergismo de efeitos clínicos na associação com lítio. Ensaios clínicos relativos ao uso de valproato na mania e na depressão começaram em 1990, e o ácido valproico foi aprovado no tratam ento da mania em 1995. O ácido valproico tam bém mostrou ser eficiente na profilaxia de enxaqueca crônica e foi apro­ vado pela FDA em 1 9 9 6 .18 Atualmente, estão disponíveis para comercialização no Brasil o ácido valproi­ co e o divalproato de sódio. Ambos se transformam em ácido valproico no or­ ganismo e são bioequivalentes. Existem apresentações de liberação imediata e lenta.

FARMACOCINÉTICA ► Após a administração oral, o ácido valproico é com pleta­ mente absorvido e tem uma biodisponibilidade próxima de 100% nas apre­ sentações de liberação imediata e 20% menor na apresentação de liberação prolongada. O ácido valproico e o valproato de sódio atingem o pico plasmático em aproximadamente duas horas, enquanto o divalproato de sódio pode demorar de 3 a 8 horas para atingir o pico plasmático após a ingestão. A 128


ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.3 ►INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA CARBAMAZEPINA SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES D E3A4:

Aumentam a carbamazepina

• • • • • •

Cetoconazol Eritromicina e claritromicina Doxiciclina Nefazodona Verapamil e diltiazem Fluvoxamina

INDUTORES DE 3A4:

• • • •

Diminuem a carbamazepina

Fenobarbital Fenitoína Primidona Carbamazepina (autoindução)

CARBAMAZEPINA

(indutora de 3A4)

Diminui substâncias que são metabolizadas pela CYP3A4: • Anticonvulsivantes: ácido valproico, lamotrigina, fenitoína etopiramato • Anticoncepcionais orais à base de estrogênio • Antipsicóticos: haloperidol, olanzapina, risperidona e clozapina • Benzodiazepínicos: exceto lorazépam • Antidepressivos: fluoxetina, tricíclicos

Fonte: Vadja e Eadie.14

ingestão de alimentos reduz as taxas de absorção do medicamento. O ácido valproico se liga fortem ente a proteínas plasmáticas (90% ), portanto, m ulhe­ res, desnutridos, pessoas com dieta pobre em gordura e idosos podem re­ querer uma dose menor do medicamento. As concentrações plasmáticas de estado de equilíbrio isteady-state) são atingidas em cerca de quatro dias. A substância é metabolizada no fígado; o mecanismo de conjugação por glicuronidação é responsável por 50% , e o mecanismo de oxidação pelas isoenzimas 2C9 e 2A6 do citocromo P450 fica responsável pelos 40% restantes. A meia-vida média de eliminação é de 8 a 12 horas (formulação de liberação imediata) e de 2 4 horas (formulação de liberação prolongada). A excreção da substância ocorre por via renal (85% ) e fezes (5% ) (Tab. 5 .2 .4 ).7’14 MECANISMO DE AÇÃO ► O ácido valproico dissocia-se no íon valproato no trato gastrintestinal. Seu mecanismo de ação ainda não foi estabelecido, mas sua atividade parece estar relacionada com o aumento dos níveis do ácido gamaaminobutírico (GABA) no cérebro, inibindo seu catabolismo, aumentando sua liberação, dim inuindo seu turnover e aumentando a densidade dos re­ ceptores GABA-B, além de aumentar a responsividade neuronal ao GABA. Além disso, parece inibir a função dos canais de cálcio e reduzir a ação excitatória do glutamato. Acredita-se que o aumento da atividade inibitória gabaérgica e a redução da atividade excitatória glutamatérgica seriam res-

129


TABELA 5.2.4 ► CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DO ÁCIDO VALPROICO • • •

Suspensão oral: 2 horas Comprimidos de liberação imediata: 12 horas Comprimidos de liberação prolongada: 24 horas

B iodisponibilidade

• •

Comprimidos de liberação imediata e suspensão: 100% Comprimidos de liberação prolongada: 80%

Influência de alim entos na

Sim (redução da absorção)

Absorção (tem po para obtenção de pico plasm ático m édio)

absorção Tempo de estado de

Quatro dias

eq u ilíb rio

[steady-State) C oncentração no estado de

45-125 mcg/mL

e q u ilíb rio [steady-State) Taxa de ligação a proteínas

90%

plasm áticas M etabolização

• •

Hepática - fase II (conjugação a ácido glicurônico) (50%) Fase 1 (oxidação via CYP2C9 e CYP2A6) (40%)

M eia -v id a (após fenôm eno

sem anas de uso)

Comprimidos de liberação imediata e suspensão: 8-12 horas Comprimidos de liberação prolongada: 24 horas

Excreção

• •

Renal: 85% Fecal: 5%

de autoindução com três

Fonte: Sadock e colaboradores7 e Vadja e Eadie.14

ponsáveis pela dim inuição da hiperexcitabilidade cerebral, mecanismo su­ postamente responsável pelos quadros de mania e hipom ania.7 r» j

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA e Anvisa são epi­ lepsia, profilaxia de enxaqueca e episódios de mania aguda e na fase de manutenção do TB. O ácido valproico é utilizado sem aprovação dos órgãos regulamentadores em pacientes bipolares com comorbidade com transtorno por uso de substância, ciclagem rápida, ciclotim ia e episódios de humor com características m istas.5’6’19 Foram descritos como fatores preditivos de boa resposta ao valproato: pre­ sença de sintomas depressivos; episódios de humor com características mistas; ciclagem rápida; comorbidade com transtornos de ansiedade, por abuso de álcool e outras substâncias e retardo mental; e história de traum a­ tism o craniano e de lesões neurológicas. Em contrapartida, a sintomatologia mais grave, o maior número de internações e o início precoce da doença foram associados à pior resposta ao ácido valproico.20’21 Evidências recentes suportam o uso de ácido valproico associado a antidepressivos (ISRSs ou bupropiona) como primeira linha no tratam ento da depressão bipolar aguda e em monoterapia ou associado à lamotrigina como 130


CONTRAINDICAÇÕES ► O uso de ácido valproico não é recomendado em: indi­ víduos com hipersensibilidade conhecida ao fármaco; doença ou disfunção hepática ou pancreática significativas; distúrbios mitocondriais causados por mutação na DNA polimerase mitocondrial gama (síndrome de AlpersHuttenlocher); distúrbios do ciclo da ureia (deficiência enzimática de ornitina transcarbamilase); porfirias; e primeiro trimestre da gestação.14 QUADRO 5.2.4 ►INDICAÇÕES DO ÁCIDO VALPROICO NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

SEGUNDA UNHA

TERCEIRA UNHA

M ania aguda

Divalproato em monoterapia Divalproato + risperidona Divalproato + olanzapina Divalproato + aripiprazol Divalproato + quetiapina

Divalproato + lítio Divalproato + asenapina

Divalproato + haloperidol

Divalproato + ISRS Divalproato + bupropiona

• •

Divalproato Divalproato + lamotrigina

Divalproato + venlafaxina Divalproato + tricíclicos Divalproato + ISRS + lamotrigina

• • • •

Depressão bipolar

• •

• •

M anutenção

• •

Divalproato em monoterapia Divalproato + quetiapina

• •

Divalproato + lítio Divalproato + olanzapina

Fonte: Yatham e colaboradores.3

131

ANTICONVULSIVANTES

segunda linha (Quadro 5 .2 .4 ).3 Essa evidência se apoia em quatro ensaios clínicos controlados e duas revisões sistemáticas que concluíram que o divalproato foi mais eficaz do que o placebo para o tratam ento da depressão bipo­ lar, embora a força de tal evidência seja lim itada pelo tam anho da amostra desses estudos. O divalproato está indicado para pacientes que apresentam comorbidade com transtornos de ansiedade e exibe, aparentemente, melhor resposta em episódios depressivos em pacientes com TB do tipo II.22’23 O uso de ácido valproico, em monoterapia ou associado à quetiapina, está indicado como agente de primeira linha na terapia de manutenção do TB (Quadro 5 .2 .4 ).3 Esses dados de evidência se apoiam em duas revisões sis­ temáticas sobre intervenções farmacológicas para a prevenção da recidiva no TB,24’25 e a conclusão dessas análises é a de que o ácido valproico apresenta eficácia considerável na prevenção dos sintomas depressivos e maníacos.


ANTICONVULSIVANTES

MODO DE USAR ► O tratam ento deve iniciar com a realização de uma avaliação laboratorial que deve incluir hemograma, transaminases hepáticas (TGO e TGP), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, proteínas totais e albu­ mina, bilirrubinas, amilase e p-HcG (em mulheres em idade fé rtil).7

As doses para tratam ento da mania aguda variam de 2 0 a 3 0 mg/kg/dia (para um paciente de 70 kg, de 1 .5 0 0 a 2 .0 0 0 mg/dia), e a dose máxima recomendada é de 60 mg/kg. A dose deve ser individualizada, sendo reco­ mendável iniciar com 5 0 0 mg/dia com aumentos semanais de 10 mg/kg até resposta clínica e de acordo com a tolerabilidade. A posologia recomendada é de três vezes ao dia para com prim idos de liberação imediata e uma vez ao dia para com prim idos de liberação prolongada.13 Após cinco dias de tra­ tamento, pode ser realizada a dosagem sérica do ácido valproico (12 horas após a últim a administração), sendo que o nível sérico recomendado varia entre 45 e 125 mcg/mL, embora a resposta clínica deva guiar a adequação da dose. A manutenção de níveis séricos na faixa terapêutica preconizada es­ taria associada a melhor resposta e tolerabilidade do que em níveis inferiores ou superiores (Tab. 5 .2 .5 ).7’26’27 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com ácido valproico são sonolência; tremores; alopecia; encaracolamento dos cabelos; elevação benigna das transaminases hepáticas e desidrogenase láctica (DHL); dispepsia; inapetência; náuseas; vômitos; aumento do apetite com ganho de peso; e edema periférico. A maioria dos efeitos colaterais surge no início do tratam ento e é dose-dependente e rever­ sível. Dois eventos adversos raros, porém graves, são síndrome de StevensJohnson e necrólise epidérmica tóxica. Há aumento do risco de malformação congênita (espinha bífida e outras malformações do tubo neural) quando o ácido valproico é adm inistrado no início da gestação. Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10% ; incomum: 0,1 a 1%; e raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .2 .5 ).7 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► O ácido valproico apresenta metabolização em função do sistema de conjugação (ácido glicurônico) e do sistema de oxidação pelo sistema microssomal hepático, isoenzimas 2C9 e 2A6. A inte­ ração de ácido valproico e lamotrigina é bastante relevante na prática clínica devido ao risco de elevação nos níveis séricos da lamotrigina (aproximada­ mente o dobro da dose), incrementando seu risco de efeitos colaterais, como a ocorrência de rash cutâneo (Quadro 5 .2 .6 ).14 LAMOTRIGINA ► A lamotrigina foi o terceiro anticonvulsivante aprovado para uso no TB, e, apesar disso, não está indicada como tratam ento das fases agudas, apenas para profilaxia de futuros episódios depressivos.3 Atualmente, existem duas modalidades de apresentações disponíveis para comercialização da lamotrigina no Brasil: com prim idos convencionais e com prim idos dispersíveis.

132


Faixa tera p ê u tic a (m ania

20-30 mg/kg.

aguda) Posologia

8/8h (liberação imediata) e uma vez/dia (liberação prolongada).

Introdução (m ania aguda)

250 mg à noite com aumentos de 250 mg/dia a cada dois dias até a dose de 20 a 30 mg/kg ou 1.200 a 1.500 mg, em média, observando resposta clínica e tolerabilidade.

Exames de seguim ento

Mensal (primeiros seis meses): alanina aminotransferase (ALT/TGP), aspartato aminotransferase (AST/TG0), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, proteínas totais e frações (globulinas e albumina) e amilase. Semestral (a partir de seis meses): mesmos exames (exceto amilase).

Gestação

Contraindicado no primeiro trimestre da gestação (efeito teratogênico).

Lactação

Uso permitido (por períodos curtos) desde que longe das mamadas.

Idosos

A dosagem deve ser aumentada mais lentamente, com monitoração regular do consumo de líquidos e alimentos, do peso, de desidratação e de sonolência. Reduções de dose ou descontinuação devem ser consideradas em pacientes com sedação excessiva. Risco aumentado de plaquetopenia associada ao medicamento.

• •

Fonte: Sadock e colaboradores,7 Stahl26 e Keck e colaboradores.27

FARMACOCINÊTICA ► Após a administração oral, a substância é rápida e com ­ pletamente absorvida pelo intestino, sem metabolismo de primeira passagem significativo. O pico de concentração plasmática ocorre aproximadamente 2,5 horas após a ingestão oral. O tempo necessário para que se atinja a concentração máxima é discretamente retardado após a alimentação, porém a extensão da absorção não é afetada. O perfil farmacocinético é linear até a dose de 4 5 0 mg. Apresenta ligação de 55% a proteínas plasmáticas, e é m uito improvável que seu deslocamento delas resulte em toxicidade. A metabolização ocorre exclusivamente no fígado mediante conjugação à enzima UDP-glicuronil transferase. A lamotrigina induz discretamente o próprio me­ tabolismo, dependendo da dose. Entretanto, não existem evidências de que ela afete a farmacocinética de outras substâncias antiepilépticas, e é pouco provável que haja interações entre a lamotrigina e as substâncias metabolizadas pelas enzimas do citocrom o P450. A meia-vida de elim inação média em adultos saudáveis é de 2 4 a 35 horas, que pode ser afetada de modo significativo por medicamento concomitante, sendo reduzida para aproxi­ madamente 14 horas quando é administrada com substâncias indutoras de

133

ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.5 ► MODO DE USAR O ÁCIDO VALPROICO


ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.5 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE ÁCIDO VALPROICO LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

MUITO COMUM: sonolência e tremor. INCOMUM: visão turva, ataxia, parestesias e incoordenação.

Geralmente estão relacionados a doses elevadas ou incrementos rápidos. Recomenda-se aumento lento e gradual. Diminuem espontaneamente dentro de poucos dias ou após redução transitória da dose.

MUITO COMUM: alopecia e encaracolamento dos cabelos. INCOMUM: rash cutâneo benigno. RARO: síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica.

Investigar acometimento sistêmico clínica e laboratorialmente. Suspender em casos graves.

INCOMUM: plaquetopenia benigna. RARO: hipofibrinogenemia.

Pele e anexos

• •

Hem atológico

• • •

H ep ático / Pancreático

Trato

gastrintestinal

Sistem a endócrino

MUITO COMUM: elevação benigna dastransaminases hepáticas e desidrogenase láctica (DHL). INCOMUM: hiperamonemia e pancreatite.

• •

MUITO COMUM: dispepsia, inapetência, náuseas, vômitos. COMUM: diarreia e dor abdominal.*•

COMUM: aumento do apetite com ganho de peso e edema periférico. RARO: hiponatremia e síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH); síndrome do ovário policístico e hipertrigliceridemia.

Fonte: Gierbolini e colaboradores.8

134

• •

Monitoramento clínico e laboratorial. Suspender em casos graves. Avaliar hepatotoxicidade (aumento superior a três vezes o limite da normalidade). Monitorar sinais clínicos e laboratoriais de pancreatite.

Armazenar o medicamento na geladeira. Administrar o medicamento às refeições. Trocar pelo divalproato de sódio ou divalproato de sódio de liberação prolongada. Monitoramento clínico de sinais de hiponatremia (fraqueza muscular generalizada, tontura, cefaleia, etc.) e laboratorial. Suspender em casos graves.


SUBSTANCIA

EFEITO

Anti-inflamatorios não hormonais: acido acetilsalicilico (AAS), ibuprofeno e ácido mefenâmico Fluoxetina

Aumentam os níveis séricos do ácido valproico.

Carbamazepina Fenobarbital Fenitoína Etossuximida

Diminuem os níveis sericos do ácido valproico.

Acido valproico

Aumenta o nível sérico de: Anticonvulsivantes: lamotrigina (maior risco de rash cutâneo). Antidepressivos tricíclicos: maior risco de efeitos colaterais Varfarina: maior risco de sangramento. Benzodiazepínicos (exceto lorazépam).

Fonte: Vajda e Eadie.14

glicuronidação, como carbamazepina e fenitoína, e aumentada para uma média de aproximadamente 70 horas quando coadministrada com ácido valproico. A excreção da lamotrigina ocorre por via renal (98% ) e fezes (2% ) (Tab. 5 .2 .6 ).28’29

MECANISMO DE AÇÂO ► A lamotrigina atua nos canais de sódio sensíveis à diferença de potencial, estabilizando as membranas neuronais. Acredita-se que a estabilização das membranas neuronais seja o mecanismo responsável pela estabilização do humor, principalm ente dos quadros depressivos.14 /w

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA e Anvisa para a lamotrigina são epilepsia (crises parciais e tônico-clônicas generalizadas) e fase de manutenção (profilaxia de depressão) do TB.5’6 A ação antimaníaca da lamotrigina é menos evidente do que a antidepressiva.30 Ela é o único anticonvulsivante superior ao placebo no tratam ento da depressão bipolar. Um estudo controlado31 prospectivo de 18 meses com pa­ rou lítio, lamotrigina e placebo no tratam ento de manutenção em pacientes com TB do tipo I com depressão ou mania, hipomania ou estado misto e en­ controu que, em pacientes cujo últim o episódio foi de mania, hipomania ou estado misto, aqueles que tomaram lítio demoraram significativam ente mais para desenvolver novos episódios, e os que tomaram lamotrigina demora­ ram mais para apresentar depressão. Na Canadian NetWork for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT)3, está indicada como primeira linha apenas na profilaxia de episódios depressivos (Quadro 5.2.7). As evidências recentes suportam o uso da lamotrigina como primeira linha em monoterapia e como segunda linha associada ao lítio ou ao divalproato no tratam ento da depressão aguda (Quadro 5 .2 .7 ).3 Essa evidência se apoia

135

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.6 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DO ÁCIDO VALPROICO


ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.6 ►CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DA LAMOTRIGINA Absorção (tem po para obtenção do pico

2-3 horas

plasm ático m édio) B iodisponibilidade

100%

Influência de alim entos na absorção

Não há

Tempo de estado de equ ilíb rio

3-15 dias

(steady-State) Taxa de ligação a proteínas plasm áticas

55%

M etabolização

Hepática - fase II (conjugação a ácido glicurônico)

M eia -v id a (após fenôm eno de autoindução

• •

com três sem anas de uso)

Excreção

• •

Média: 24-35 horas Administração concomitante a indutores: 15 horas Administração concomitante a inibidores: 70 horas Renal: 98% Fecal: 2%

Fonte: Inoue e colaboradores28 e Thomas.29

em uma revisão sistemática que avaliou a eficácia da lamotrigina isolada­ mente e em associação com outros fármacos.32 A lamotrigina, em monoterapia, está indicada como agente de primeira linha na terapia de manutenção do TB, evitando a recorrência de episódios de­ pressivos (Quadro 5 .2 .7 ).3 Um estudo recente demonstrou que o tempo mé­ dio de recorrência depressiva entre os pacientes que receberam lamotrigina em comparação com os que receberam placebo (ambos associados ao lítio) foi maior para os que receberam lamotrigina (10 meses para a recorrência) do que para os que receberam placebo (três meses para a recorrência).33 CONTRAINDICAÇÕES ► Não existem contraindicações absolutas na utilização da lamotrigina, a não ser no caso de hipersensibilidade prévia ao fármaco. Entretanto, deve-se ter um cuidado especial em indivíduos com comprome­ tim ento hepático grave.14 MODO DE USAR ► Em geral, a lamotrigina é um medicamento bem-tolerado, apresentando uma ampla janela terapêutica (1 0 0 a 4 0 0 mg/dia) e baixa toxicidade. A monitoração de seus níveis séricos não é necessária durante o tratamento. Inicia-se com 25 mg uma vez ao dia pela manhã na primeira semana devido à possibilidade de ativação da substância, com aumentos de 25 mg/dia a cada semana até atingir 100 mg/dia. A partir daí, a dose pode ser aumentada em até 100 mg por semana até a dose máxima ou o máxi­ mo tolerado pelo paciente. Quando administrada em associação ao ácido valproico, eleva sua meia-vida de eliminação para cerca de 60 horas, sendo necessária uma progressão mais lenta na dose para m inim izar os riscos de 136


INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

SEGUNDA UNHA

TERCEIRA UNHA

Mania aguda

Depressão bipolar

Manutenção

NÃO RECOMENDADO •

Lamotrigina em monoterapia

Lamotrigina em monoterapia (profilaxia de depressão)

• •

Lamotrigina + lítio Lamotrigina + divalproato

Lamotrigina (monoterapia)

Lamotrigina + lítio + carbamazepina + ISRS Lamotrigina + divalproato + carbamazepina + ISRS

Lamotrigina + lítio

Fonte: Yatham e colaboradores.3

aparecimento de efeitos cutâneos adversos. Preconiza-se, nesses casos, ini­ ciar a administração com 12,5 mg/dia a cada duas semanas, com aumentos de 12,5 mg/dia a cada semana até atingir a dose de 50 mg/dia. A partir de então, institui-se incrementos de 50 mg/dia por semana até a dose máxima de 2 0 0 mg/dia. Não há recomendações específicas de solicitação de exames prévios ou no seguimento do tratam ento com lamotrigina (Tab. 5 .2 .7 ).7’26’29 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos adversos mais comuns observados durante o tratam ento com lamotrigina são cefaleia, visão turva, insônia, vertigem, ativação psíquica, irritabilidade, agressividade, náuseas e rash cutâneo be­ nigno. Embora bastante temido, o rash cutâneo grave, como a síndrome de Stevens-Johnson, ocorre em menos de 0,1% dos pacientes. Na ocorrência de rash, é imprescindível avaliar sinais de alerta para rash cutâneo grave, como exantema disseminado e/ou confluente, máculas purpúricas dolorosas associadas a sinais de acometimento sistêmico (febre, adenomegalia, anore­ xia, mialgia, faringite e prostração) e alterações inflamatórias laboratoriais (leucocitose, elevação da proteína C reativa [PCR] e da velocidade de hemossedimentação [VHS]). No caso de rash cutâneo benigno (eritema discreto e pápulas não confluentes, indolores, sem febre ou outros sinais de acom eti­ mento sistêmico, sem alterações inflamatórias laboratoriais), é imprescindí­ vel investigar acometimento sistêmico clínica e laboratorialmente, reduzir a dose pela metade e aguardar uma semana para continuar o incremento com metade da dose padronizada. Em alguns casos, pode ser necessário associar anti-histam ínico por via oral e corticoide tópico. No caso de rash cutâneo

137

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.7 ►INDICAÇÕES DA LAMOTRIGINA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT)


ANTICONVULSIVANTES

TABELA 5.2.7 ►MCIDO DE USAR A LAMOTRIGINA Faixa terap êu tica

100-400 mg/dia.

Posologia

Uma vez/dia (pela manhã, devido à possibilidade de ativação desse medicamento).

Introdução

Iniciar com 25 mg/dia por duas semanas, passar para 50 mg/dia por mais duas semanas e depois aumentar para 100 mg/dia. A partir daí, a dose pode ser aumentada em até 100 mg/dia por semana até a dose máxima ou o máximo tolerado pelo paciente.

Gestação

Estudos de toxicologia reprodutiva com animais em doses maiores que as doses terapêuticas em humanos não mostraram efeitos teratogênicos. Entretanto, como a lamotrigina é um fraco inibidor da di-hidrofolato redutase, existe risco teórico de ocorrerem malformações fetais em humanos quando usada durante a gestação.

Lactação

Contraindicada devido à excreção elevada no leite materno.

Idosos

Nenhum ajuste de dose é necessário. A farmacocinética nessa faixa etária não difere significativamente daquela da população de adultos não idosos.

Fonte: Sadock e colaboradores,7 Stahl26 e Thomas.29

grave, recomenda-se suspender imediatamente a substância, proceder à in­ ternação hospitalar e introduzir anti-histam ínico e corticoide sistêmico. Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequên­ cia de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10% ; incomum: 0,1 a 1%; e raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .2 .8 ).7’34 Os fatores que reduzem a incidência de rash cutâneo são os seguintes:34 • • • • •

Incrementos graduais de dose (25 mg a cada duas semanas). Reinicio do esquema gradual de introdução após cinco dias sem o uso contínuo do medicamento. Introdução do medicamento após duas semanas de quadros virais ou vacinação. Redução da velocidade de incremento de dose quando associada com ácido valproico. Uso em indivíduos com idade superior a 12 anos.

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A lamotrigina apresenta metabolização em função do sistema de conjugação (ácido glicurônico). Dois agentes podem elevar os níveis da lamotrigina, aumentando o risco de seus efeitos colate­ rais: a sertralina e o ácido valproico, e substâncias que agem como indutores ou inibidores enzimáticos podem reduzir os níveis séricos dela (p. ex., carbamazepina) (Quadro 5 .2 .9 ).14

OXCARBAZEPINA

► Dois estudos controlados mostraram que a oxcarbazepina apresenta eficácia semelhante à do haloperidol e do lítio no tratam ento

138


LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

MUITO COMUM: cefaleia e visão turva. COMUM: insônia, vertigem e tremores, ativação, irritabilidade e agressividade. INCOMUM: ataxia.

Geralmente, estão relacionados a dose elevada ou incrementos rápidos. Recomenda-se aumento lento e gradual. Diminuem espontaneamente dentro de poucos dias ou após redução transitória da dose.

MUITO COMUM: rash cutâneo benigno. INCOMUM: rash cutâneo grave. RARO: síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica.

Rash cutâneo benigno: investigar acometimento sistêmico de forma clínica e laboratorial. Rash cutâneo grave: suspender imediatamente a substância; realizar internação hospitalar; introduzir anti-histamínico e corticoide sistêmico.

MUITO COMUM: náuseas, vômitos. COMUM: constipação intestinal.

• Pele e anexos

• • •

Trato gastrintestinal

Administrar às refeições. Associar antiemético.

Fonte: Sadock e colaboradores7 e Bowden e colaboradores.34

QUADRO 5.2.9 » INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA LAMOTRIGINA SUBSTÂNCIA

EFEITO

Ácido valproico

Aumentam os níveis de lamotrigina.

S ertralina C arbam azepina

Diminuem os níveis de lamotrigina.

Fenobarbital Fenitoína Prim idona A nticoncepcionais orais Fonte: Vajda e Eadie.14

da mania aguda.35 No entanto, até o momento, ela ainda não está aprovada como tratam ento do TB pelos órgãos regulamentadores. Atualmente, há duas modalidades de apresentação disponíveis para comer­ cialização no Brasil: com prim idos e solução oral. FARMACOCINETICA ► No mercado brasileiro, a oxcarbazepina pode ser encon­ trada na forma de com prim idos de 3 0 0 e 6 0 0 mg e suspensão oral de 60 mg/mL. Após a administração oral, a substância é absorvida por completo e metabolizada de modo extenso em seu metabólito farmacologicamente ativo 139

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.8 ►EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE LAMOTRIGINA


ANTICONVULSIVANTES

(10-m ono-hidroxi derivado, MHD). A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em seis horas com a suspensão oral e em 4 ,5 horas com os comprimidos. As formulações com prim idos e suspensão de oxcarbazepina são bioequivalentes. A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A substância está ligada a proteínas plasmáticas em apenas 40% . As concentrações plasmáticas de estado de equilíbrio (steady-state) da oxcarbazepina são atingidas em cerca de 2 a 3 dias. No steady-state, a farmacocinética do MHD é linear e de­ monstra uma proporcionalidade de dose na extensão da faixa terapêutica. A oxcarbazepina é metabolizada no fígado, onde a biotransformação ocorre por conjugação com ácido glicurônico. A meia-vida média de elim inação da oxcarbazepina é de duas horas, e a de seu metabólito ativo é de 9 horas. A excreção da substância ocorre principalm ente pela via renal (80% ) e pelas fezes (4% ) (Tab. 5 .2 .8 ).7 MECANISMO DE AÇAO ► Acredita-se que o mecanismo de ação da oxcarbaze­ pina seja fundamentado principalmente no bloqueio de canais de sódio voltagem-dependentes, resultando, então, na estabilização de membranas neurais hiperexcitadas, na inibição da descarga neuronal repetitiva e na dim inuição da propagação de impulsos sinápticos. Além disso, um aumento na condutância de potássio e na modulação de canais de cálcio voltagem-de­ pendentes ativados pode também contribuir para os efeitos anticonvulsivantes e prováveis ações antimaníacas. Não há, até o momento, evidência ro­ busta que indique seu uso na mania, embora evidências fracas apontem que a oxcarbazepina apresenta um efeito antimaníaco semelhante ao da substância original (carbamazepina).14

140


CONTRAINDICAÇÕES ► Não existem contraindicações absolutas na utilização de oxcarbazepina. Entretanto, deve-se ter cuidado especial em indivíduos que apresentaram previamente hipersensibilidade à carbamazepina ou à oxcarbazepina e história de bloqueio atrioventricular, além de no primeiro trim estre da gestação.14 MODO DE USAR ► O tratam ento deve iniciar com a realização de uma avaliação laboratorial que deve incluir hemograma, transaminases hepáticas (TGO e TGP), fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase, proteínas totais e albu­ mina, sódio sérico, ureia, creatinina e p-HcG (em mulheres em idade fértil). As doses para tratam ento variam de 9 0 0 a 2 .4 0 0 mg/dia. A dose deve ser individualizada, sendo recomendável inicialm ente 3 0 0 mg à noite com aumentos de 3 0 0 mg a cada três dias até resposta clínica e de acordo com a tolerabilidade. A posologia recomendada é de duas vezes ao dia (Tab. 5 .2.9 ). Não há recomendações específicas de solicitação de exames no se­ guimento do tratam ento com oxcarbazepina.7’14 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos adversos mais comuns observados durante o tratam ento com oxcarbazepina são sonolência, vertigem, cefaleia, rash cutâneo benigno, alopecia, acne, náuseas e vômitos, hiponatremia e redução de osmolaridade do sangue (síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético [SIADH]) (mais comum do que com a carbamazepina). Embora bastante temido, o rash cutâneo grave, como síndrome de Stevens-Johnson, é uma ocorrência rara. Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes

141

ANTICONVULSIVANTES

INDICAÇÕES ► A oxcarbazepina é aprovada pela FDA e pela Anvisa apenas na epilepsia (crises parciais). As evidências disponíveis até o momento na mania aguda ainda são insuficientes.3,5’6


ANTICONVULSIVANTES

de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10% ; incomum: 0,1 a 1%; raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .2 .1 0 ).7 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A oxcarbazepina apresenta metabolização em função do sistema de conjugação (ácido glicurônico). Deve ser dada atenção especial à interação entre oxcarbazepina e anticoncepcionais orais, porque pode ocorrer redução nos níveis do contraceptivo (Quadro 5 .2 .I I ) . 14’17 QUADRO 5.2.10 ►EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE OXCARBAZEPINA LOCAL

EFEITOS COUTERAIS

MANEJO

Sistem a nervoso

MUITO COMUM: sonolência, vertigem e cefaleia. COMUM: ataxia, tremor, nistagmo, concentração prejudicada e amnésia.

Geralmente estão relacionados a doses elevadas ou incrementos rápidos. Recomenda-se aumento lento e gradual. Diminuem espontaneamente dentro de poucos dias ou após redução transitória da dose.

MUITO COMUM: rash cutâneo benigno, alopecia e acne. INCOMUM: urticária benigna. RARO: síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica.

Investigar acometimento sistêmico clínica e laboratorialmente. Suspender em casos graves.

MUITO COMUM: náuseas e vômitos. COMUM: diarreia e dor abdominal.

Administrar às refeições.

INCOMUM: aumento de transaminases e fosfatase alcalina.

Avaliar hepatotoxicidade (aumento maior que três vezes o limite superior da normalidade).

central

Pele e anexos

• • •

Trato gastrintestinal

• •

Fígado

Endocrinológico

Fonte: Sadock e colaboradores.7

142

COMUM: hiponatremia e redução de osmolaridade do sangue (síndrome de secreção inapropriada do hormônio antidiurético [SIADH]) (mais comum do que com a carbamazepina).

Monitoramento clinico de sinais do hiponatremia (fraqueza muscular generalizada, tontura, cefaleia, etc.) e laboratorial. Suspender em casos graves


SUBSTÂNCIA

EFEITO

O xcarbazepina

Diminui substâncias que são metabolizadas por glicuronidação: anticoncepcionais orais à base de estrogênio

Fonte: Vajda e Eadie.14

CONSIDERAÇÕES FINAIS O tratam ento da doença bipolar é complexo e requer planejamento estraté­ gico para englobar todos os fatores envolvidos em sua fisiopatologia, como aspectos genéticos, celulares, moleculares, biológicos, físicos, sociais e psi­ cológicos do paciente e de sua família. A abordagem medicamentosa é mandatória, e as outras abordagens, não menos importantes, são adjuvantes. A pesquisa de novas substâncias eficazes e bem-toleradas é contínua, e, até o momento, dispomos de lítio, alguns anticonvulsivantes (objeto deste capí­ tulo), antipsicóticos atípicos e outras substâncias não consagradas (apenas experimentais). Neste capítulo, enfatizamos os aspectos farmacológicos, a posologia e o modo de uso, os cuidados clínicos a serem observados e as indicações do divalproato do sódio, da carbamazepina e da lamotrigina, de acordo com as diretrizes de tratam ento recentes.

REFERENCIAS 1.

2. 3.

Suppes T, Dennehy EB, Hirschfeld RM, Altshuler LL, Bowden CL, Calabrese JR, et al. The Texas imple­ mentation of medication algorithms: updateto the algorithms for treatment of bipolarldisorder. J Clin Psychiatry. 2005;66(7):870-86. National Collaborating Centre for Mental Health, bipolar disorder: the management of bipolar disorder in adults, children and adolescents, in primary and secondary care. Leicester: NCCMH; 2006. Yatham LN, Kennedy SH, Parikh SV, Schaffer A, Beaulieu S, Alda M, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients withbipolar disorder: update 2013. Bipolar Disorders. 2013;15(l):l-44.

4.

Coryell W. Maintenance treatment in bipolar disorder: a reassessment of lithium as the first choice. Bipolar Disord. 2009;ll(Suppl 2):S77-83. 5. Accessdata.fda.gov [Internet], Silver Spring: FDA; c2017 [capturado em 16 mar. 2017], Disponível em: http://www.accessdata.fda.gov/scripts/cder/daf/. 6. Anvisa.gov [Internet], Brasilia: Anvisa; 2017 [capturado em 16 mar. 2017], Disponível em: http://www. anvisa.gov.br/. 7. Sadock VA, Sadock VA, Sussman N. Kaplan & Sadock ' s pocket handbook of psychiatric drug treatment. 6th ed. New Work: Lippincott Williams &Wilkins; 2014. 8. Gierbolini JR, Giarratano M, Benbadis SR. Carbamazepine-related antiepileptic drugs for the treatment of epilepsy: a comparative review. Expert Opin Pharmacother. 2016;17(7):885-8. 9. Bezchlinbnyk-Butler KZ, Jeffries JJ. Clinical handbook of psychotopic drugs. Toronto: Hogrefe & Huber; 2003. 10. Grunze H, Vieta E, Goodwin GM, Bowden C, Licht RW, Moller HJ, et al. The World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for the biological treatment of bipolar disorders: update 2009 on the treatment of acute mania. World J Biol Psychiatry. 2010;10(2):85-116.

143

ANTICONVULSIVANTES

QUADRO 5.2.11 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA OXCARBAZEPINA


ANTICONVULSIVANTES

11. El-Mallakh RS, Salem MR, Chopra A, Mickus GJ, Penagaluri R Mowa R. A blinded, randomized compari­ son of immediate-release and extended-release carbamazepine capsules in manic and depressed bipolar subjects. Ann Clin Psychiatry. 2010;22(l):3-8. 12. El-Mallakh RS, Salem MR, Chopra AS, Mickus GJ, Penagaluri P Adverse event load in bipolar participants receiving either carbamazepine immediate-release or extended-release capsules: a blinded, randomized study. IntClin Psychopharmacol. 2009;24(3): 145-9. 13. Ceron-Litvoc D, Soares BG, Geddes J, Litvoc J, de Lima MS. Comparison of carbamazepine and lithium in treatment of bipolar disorder: a systematic review of randomized controlled trials. Hum Psychophar­ macol. 2009;24(l):19-28. 14. Vajda FJ, Eadie MJ. The clinical pharmacology of traditional antiepileptic drugs. Epileptic Disord. 2014;16(4):395-408. 15. Mittal A, Das S. Carbamazepine-induced hepato-splenomegaly with erythematous rashes in a child. Indian J Pharmacol. 2012;44(2):268-9. 16. Macedo-Soares MB, Almeida KM, Moreno RA. Procedimentos terapêuticos. In: Moreno RA, Moreno DH, editores. Da psicose maníaco-depressiva ao espectro bipolar. São Paulo: Segmento Farma; 2008. 17. Guerreiro CAM. História do surgimento e desenvolvimento das drogas antiepilépticas. J Epilepsy Clin Neurophysiol. 2006;12(1):18-21. 18. Henry TR. The history of valproate in clinical neuroscience. Psychopharmacol Bull. 2003;37 Suppl 2:5-16. 19. Tomson T, Battino D, Perucca E. Valproic acid after five decades of use in epilepsy: time to reconsider the indications of a time-honoured drug. Lancet Neurol. 2015. pii: S1474-4422(15)00314-2. 20. Cipriani A, Barbui C, Salanti G, Rendell J, Brown R, Stockton S, et al. Comparative efficacy and ac­ ceptability of antimanic drugs in acute mania: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet. 2011;378(9799): 1306-15. 21. Tamayo JM, Zarate CA Jr, Vieta E, Vazquez G, Tohen M. Level of response and safety of pharmacological monotherapy in the treatment of acute bipolar I disorder phases: a systematic review and meta-analysis. Int J Neuropsychopharmacol. 2010;13(6):813-32. 22. Bond DJ, Lam RW, Yatham LN. Divalproex sodium versus placebo in the treatment of acute bipolar depres­ sion: a systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2010;124(3):228-34. 23. Smith LA, Cornelius VR, Azorin JM, Perugi G, Vieta E, Young AH, et al. Valproate for the treatment of acute bipolar depression: systematic review and meta-analysis. J Affect Disord. 2010;122(l-2):l-9. 24. Beynon S, Soares-Weiser K, Woolacott N, Duffy S, Geddes JR. Pharmacological interventions for the prevention of relapse in bipolar disorder: a systematic review of controlled trials. Br J Psychiatry. 2008;192(1):5-11. 25. Vieta E, Giinther O, Locklear J, Ekman M, MiltenburgerC, Chatterton ML, etal. Effectiveness of psychotro­ pic medications in the maintenance phase of bipolar disorder: a meta-analysis of randomized controlled trials. Int J Neuropsychopharmacol. 2011;14(8):1029-49. 26. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical applications. 4th ed. New York: Cambridge University; 2013. 27. Keck PE Jr, McElroy SL, Tugrul KC, Bennett JA. Valproate oral loading in the treatment of acute mania. J Clin Psychiatry. 1993;54(8):305-8. 28. Inoue K, Yamamoto Y, Suzuki E, Takahashi T, Umemura A, Takahashi Y, et al. Factors that influen­ ce the pharmacokinetics of lamotrigine in Japanese patients with epilepsy. Eur J Clin Pharmacol. 2016;72(5):555-62. 29. Thomas SV. Controversies in contraception for women with epilepsy. Ann Indian Acad Neurol. 2015;18(3):278-83. 30. Ichim L, Berk M, Brook S. Lamotrigine compared with lithium in mania: a double-blind randomizd control­ led trial. Ann Clin Psychiatry. 2000;12(1):5-10. 31. Calabrese JR, Vieta E, Shelton MD. Latest maintenance data on lamotrigine in bipolar disorder. Eur Neu­ ropsychopharmacol. 2003;13(Suppl 2):S57-66. 32. Geddes JR, Calabrese JR, Goodwin GM. Lamotrigine for treatment of bipolar depression: independent meta-analysis and meta-regression of individual patient data from five randomised trials. Br J Psychiatry. 2009;194(l):4-9.

144


145

ANTICONVULSIVANTES

33. van der Loos ML, Mulder B Hartong EG, Blom MB, Vergouwen AC, van Noorden MS, et al. Long-term outcome of bipolar depressed patients receiving lamotrigine as add-on to lithium with the possibility of the addition of paroxetine in non-responders: a randomized, placebo-controlled trial with a novel design. Bipolar Disord. 2 0 1 1 ;1 3 (l):lll-7 34. Bowden CL, Asnis GM, Ginsberg LD, Bentley B, Leadbetter R, White R. Safety and tolerability of lamotrigi­ ne for bipolar disorder. Drug Saf. 2004;27(3): 173-84. 35. Ghaemi SN, Berv DA, Klugman J, Rosenquist KJ, Hsu DJ. Oxcarbazepine treatment of bipolar disorder. J Clin Psychiatry. 2003;64(8):943-5.


5. 3

RICARDO ALBERTO MORENO DIEGO FREITAS TAVARES DORIS HUPFELD MORENO

Os antipsicóticos de segunda geração (ASGs) são moléculas que se diferem dos antipsicóticos de primeira geração (APGs) pelo antagonismo simultâneo de receptores D2 e 5-HT2A, conferindo aos primeiros menor risco de efeitos extrapiramidais e maior ação em sintomas de cognição e humor.1 Os ASGs va­ riam farmacologicamente entre si e apresentam diferentes perfis de afinidade a receptores e de efeitos colaterais.2 A melhora dos sintomas positivos da esqui­ zofrenia e dos sintomas maníacos está relacionada ao bloqueio de receptores D2 nas vias do sistema nigroestriatal, que, por sua vez, se correlaciona com os efeitos colaterais extrapiramidais. Comparados ao protótipo dos APGs, o haloperidol, a maioria dos ASGs induz menos ciclagem para depressão depois de um episódio maníaco. Portanto, eles parecem superiores aos APGs como estabilizadores do humor no tratamento do transtorno bipolar (TB), além de serem úteis na potencialização antidepressiva na depressão resistente.3

RISPERIDONA ► FARMACOCIN ETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 1 a 2 horas, e a biodisponibilidade no plasma é em torno de 70% . A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A ligação da substância a proteínas plasmáticas é de 88% para a risperidona e de 78% para seu metabólito ativo (9-hidroxi-risperidona). O estado de equilíbrio é atingido em 2 4 horas para a risperido­ na e em 4 a 5 dias para a 9-hidroxi-risperidona, na maioria dos pacientes. É metabolizada no fígado, onde a biotransformação por oxidação é a via mais importante. A risperidona é metabolizada pela isoenzima CYP2D6 em 9-hidroxi-risperidona, que apresenta uma atividade farmacológica sim ilar à da risperidona. A fração antipsicótica ativa é, assim, formada pela risperi­ dona e pela 9-hidroxi-risperidona juntas. A meia-vida média de eliminação da substância e de seu metabólito ativo é de aproximadamente 24 horas. A excreção ocorre 70% pela urina e 14% pelas fezes (Tab. 5 .3 .1 ).2 A formulação de liberação prolongada foi aprovada em monoterapia no trata­ mento de manutenção do TB, sendo considerada alternativa de primeira linha em monoterapia ou combinada com lítio ou divalproato pelo Canadian NetWork for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT).4 As doses habituais de 25 mg por via intram uscular a cada duas semanas podem ser ajustadas até 3 7 ,5 mg ou, no máximo, 50 mg, quinzenalmente. Depois da injeção in­ tramuscular, a maior liberação de risperidona se dá após três semanas e se mantém por aproximadamente quatro semanas. A elim inação completa do 146


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.1 ► CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DA RISPERIDONA Absorção (tem po para obtenção de pico

1-2 horas

plasm ático m édio) Biodisponibilidade

70%

Influência de alim entos na absorção

Não há

Tempo de estado de equ ilíb rio

• •

Risperidona: 20 horas ( < 1 dia) 9-hidroxi-risperidona: 4-5 dias

Taxa de ligação a proteínas plasm áticas

• •

Risperidona: 88% 9-hidroxi-risperidona: 78%

M etabolização

Hepática - fase 1 (oxidação via isoenzima 2D6 do citocromo P450)

M eia -v id a

24 horas

Excreção

70% por via renal e 14% por via fecal

[steady-State)

organismo acontece depois de cerca de oito semanas.5 O estado de equilí­ brio plasmático ocorre após a quarta aplicação mensal. A risperidona não apresenta metabolismo hepático de primeira passagem, o que atenua as oscilações plasm áticas.5 MECANISMO DE AÇÃO ► A risperidona é um antagonista seletivo das monoaminas cerebrais, com propriedades únicas. Tem alta afinidade pelos receptores serotonérgicos 5-HT2 e dopaminérgicos D2. Liga-se igualmente aos recepto­ res a 1-adrenérgicos e, com menor afinidade, aos receptores histaminérgicos ea2-adrenérgicos (Tab. 5 .3.1 ). Não apresenta afinidade pelos receptores colinérgicos. Apesar de a risperidona ser um antagonista D2 potente, ação considerada como responsável pela melhora dos sintomas positivos da es­ quizofrenia, seu efeito depressor da atividade motora e indutor de catalepsia é menos potente do que o dos neurolépticos clássicos. O antagonismo balan­ ceado serotonérgico e dopaminérgico central parece reduzir a possibilidade de efeitos extrapiramidais e estende a atividade terapêutica sobre os sinto­ mas negativos e afetivos da esquizofrenia.6,7 a

/

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são tratam ento da esquizofrenia e do TB. A risperidona também é utilizada no tratam ento de transtornos do com portam ento em pacientes com demência cujos sintomas como agressividade (explosão verbal, violência física), trans­ tornos psicomotores (agitação, vaguear) ou sintomas psicóticos são proemi­ nentes. Também pode ser usada para o tratam ento de irritabilidade asso­ ciada ao transtorno autista, em crianças e adolescentes, incluindo desde sintomas de agressividade até outros, como autoagressão deliberada, crises de raiva e angústia e mudança rápida de humor.8,9

147


ANTIPSICÓTICOS

A risperidona está aprovada no tratam ento de episódios de mania ou mistos do TB em monoterapia. Está entre os tratamentos de primeira linha para 0 controle da mania aguda, em monoterapia ou combinada com lítio ou divalproato. Na prática clínica, é usada, ainda, para potencializar o efei­ to antidepressivo na depressão resistente a tratam ento na dose de 0 ,5 a 1 mg/dia, mas não demonstrou eficácia na depressão bipolar. Seu bloqueio D2 é tão potente quanto o do haloperidol, e o bloqueio de 5 -HT2a pode melhorar a cognição e as funções executivas, geralmente comprometidas na depressão (Quadro 5 .3 .1 ).4 CONTRAINDICAÇÕES ► Embora a maior parte das contraindicações seja relati­ va, existem condições como sintomas psicóticos associados a demência (au­ mento do risco de acidente vascular cerebral [AVC]) e agitação psicomotora na doença de Parkinson (risco de piora dos sintomas extrapiramidais), nas quais o uso de risperidona deve ser evitado.10,11 MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 2 a 6 mg/dia. A dose deve ser individualiza­ da, sendo recomendado inicialm ente 2 mg/dia com aumentos de 1 mg/dia a cada 2 4 horas até a resposta clínica e de acordo com a tolerabilidade. A po-

QUADRO 5.3.1 ►INDICAÇÕES DA RISPERIDONA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT)

INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

M ania aguda

• • •

SEGUNDA UNHA

Risperidona Risperidona + lítio Risperidona

Risperidona + carbamazepina

+ divalproato Depressão bipolar *• M anutenção

Risperidona de liberação prolongada Risperidona de liberação prolongada + lítio Risperidona de liberação prolongada

+ divalproato Fonte: Yatham e colaboradores.4

148

TERCEIRA UNHA

NAO RECOMENDADO

Lítio + risperidona


EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com risperidona são: sonolência leve, ganho de peso, náuseas e vômitos, hipotensão postural, disfunção erétil e orgástica, priapismo, hiper-

149

ANTIPSICÓTICOS

sologia recomendada da risperidona é de uma vez ao dia com administração à noite (devido ao efeito sedativo leve), embora possa ser administrada a cada 12 horas, a fim de reduzir possíveis efeitos colaterais. Em virtude do elevado potencial de ganho de peso e de síndrome metabólica, todo paciente deve ser avaliado antes do início do tratam ento quanto à história pessoal ou fam iliar de obesidade, diabetes, dislipidem ia, hipertensão e doença cardio­ vascular. Em todas as consultas, deve ser registrado o peso e a altura (para cálculo do índice de massa corporal [IM C]), a circunferência abdominal e a pressão arterial. A cada seis meses, devem ser solicitados exames laborato­ riais de monitoramento (glicemia de jejum , colesterol total e frações e triglicerídeos). O eletrocardiograma (ECG) só é necessário em casos de doença cardiovascular prévia ou doses elevadas (> 6 mg/dia) (Tab. 5 .3 .2 ).2’6’12


ANTIPSICÓTICOS

prolactinemia (mesmo em doses baixas) e sintomas extrapiramidais (doses elevadas). Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10%; incomum: 0,1 a 1%; raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .3 .2 ).2’6

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A risperidona é metabolizada pela isoenzima 2D 6. Dessa forma, as substâncias que inibem a CYP2D6 elevam os níveis séricos, e as que induzem a CYP2D6 reduzem os níveis séricos da risperido­ na (Quadro 5 .3 .3 ).2,6

PALIPERIDONA ► FARMACOCINÉTICA ► A paliperidona (9-hidroxi-risperidona) é o principal metabólito ativo da risperidona, mas apresenta menor potencial de hipotensão ortostática e costuma ser mais bem tolerada. A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 2 4 horas, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma de apenas 28% . A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A ligação da substância a proteínas plasmáticas é de 78% . O estado de equilíbrio é al­ cançado em 4 a 5 dias para a 9-hidroxi-risperidona (paliperidona) na maioria dos pacientes. Não sofre metabolização hepática. A meia-vida média de elim inação da substância é de 23 horas. A excreção ocorre 80% pela urina e 11% pelas fezes (Tab. 5 .3 .3 ).2

QUADRO 5.3.2 » EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE RISPERIDONA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

COMUM: sonolência, acatisia, distonia, discinesia e sintomas extrapiramidais (tremores, rigidez muscular, sialorreia e bradicinesia). INCOMUM: parestesias e convulsões.

• •

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Hematológico

INCOMUM: leucopenia e eosinofilia benignas e transitórias.

Monitoramento clínico e laboratorial.

Pele e tecido subcutâneo

COMUM: edema periférico localizado.

• •

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Sistema endócrino

COMUM: hiperprolactinemia.

Monitoramento laboratorial.

Sistema cardiovascular

• •

COMUM: hipotensão postural. INCOMUM: distúrbios de condução.

• •

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

150


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.3 ►INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA RISPERIDONA SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES DA 2D6:

Aumentam os níveis séricos da risperidona.

Potentes: Fluoxetina Paroxetina Ritonavir Moderados: Bupropiona Duloxetina

INDUTORES DA 2D6:

Reduzem os níveis séricos da risperidona.

Potentes: Dexametasona Rifampicina

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

A formulação de liberação prolongada foi aprovada no tratam ento da esqui­ zofrenia. A dose inicial recomendada é de 150 mg no primeiro dia de trata­ mento e 100 mg uma semana depois, ambas administradas no músculo deltoide. A dose mensal subsequente recomendada é de 75 mg e pode ser aumentada ou dim inuída no intervalo de 25 a 150 mg com base na tolerabilidade e/ou na eficácia do paciente. Após a segunda dose, as doses mensais podem ser administradas no deltoide ou no glúteo. O ajuste da dose de manutenção pode ser feito mensalmente.5

MECANISMO DE AÇÃO ► A paliperidona é um antagonista de ação central de receptores dopaminérgicos D2, com atividade antagonista serotonérgica 5-HT2a predominante. Também é ativa como um antagonista nos receptores a l e a2-adrenérgicos e histaminérgicos H j. Não tem afinidade por recepto-

151


ANTIPSICÓTICOS

res colinérgicos ou p i e p2-adrenérgicos. Acredita-se que o mecanismo de ação do medicamento ocorra por meio da combinação de antagonismo em receptores serotonérgicos tipo 2 (5-H T2A) e dopaminérgicos tipo 2 (D2).6,7 INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA e Anvisa são trata­ mento da esquizofrenia e do transtorno esquizoafetivo, apesar de a paliperidona figurar nas diretrizes de tratam ento do TB.8-11 Está indicada como alternativa de primeira linha na mania aguda e de segun­ da linha no tratam ento de manutenção segundo a CANMAT, mas só foi apro­ vada no tratam ento do transtorno esquizoafetivo (Quadro 5 .3 .4 ).4 Assim, clinicamente, é utilizada o ff-la b e l no tratam ento do TB em associação a estabilizadores do humor na dose de 6 a 12 mg/dia. Em doses baixas, pode ser eficaz na depressão devido a seu bloqueio de 5-H T2A, enquanto em do­ ses elevadas é semelhante aos outros ASGs no tratam ento de psicose ou m ania.1’13,14 MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 6 a 12 mg/dia. A dose deve ser individuali­ zada, sendo recomendado inicialm ente 3 a 6 mg/dia com aumentos de 3 mg/dia a cada cinco dias de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade. A posologia recomendada é de uma vez ao dia, administrada pela manhã. Assim como a risperidona, requer o monitoramento do peso e do perfil lipídico. O ECG só é necessário em casos de doença cardiovascular prévia ou doses elevadas (> 12 mg/dia) (Tab. 5 .3 .4 ).2’ 6’ 12 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com paliperidona são: hipotensão postural, taquicardia, sono­ lência, acatisia, distonias, ganho de peso, disfunção erétil e orgástica, priapismo, hiperprolactinemia (mesmo em doses baixas) e sintomas extrapiramidais (doses elevadas), prolongamento do intervalo QT (doses > 1 2 mg/dia e associação com substâncias que prolongam o intervalo QT, como tioridazina, fenotiazinas, am itriptilina, m aprotilina, eritrom icina, norfloxacina, moxifloxacina, amiodarona e sibutram ina). Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10%; comum: 1 a 10%; incomum: 0,1 a 1%; raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .3 .5 ).2’6

QUADRO 5.3.4 ► INDICAÇÕES DA PALIPERIDONA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

Mania aguda

SEGUNDA UNHA

Paliperidona

Depressão bipolar Manutenção Fonte: Yatham e colaboradores.4

152

*

Paliperidona

TERCEIRA UNHA


► MODO1 DE

ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.4

USAR A PALIPERIDONA

Faixa terapêutica

• • •

Posologia

Uma vez ao dia (pela manhã).

Introdução

Adultos: 3-6 mg/dia com aumentos de 3 mg/dia a cada cinco dias até um máximo de 12 mg/dia de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. Os benefícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Não recomendada.

Idosos

Mesmas recomendações para adultos se função renal normal.

Insuficiência hepática

Mesmas doses (não sofre metabolização hepática).

Insuficiência renal

Insuficiência renal leve ( clearned creatinina de 60-90 mL/min): a dose inicial recomendada é de 3 mg uma vez ao dia. A dose deve ser aumentada para 6 mg uma vez ao dia com base na tolerabilidade e na resposta clínica. Insuficiência renal moderada a grave (clearance de creatinina de 15-60 mL/min): a dose recomendada é de 3 mg uma vez ao dia. Insuficiência renal terminal (clearance de creatinina < 15 mL/min): não recomendada.

Adultos ( > 12 anos): 6-12 mg/dia. Idosos ( > 65 anos): 6-12 mg/dia (se função renal normal). Crianças ( < 12 anos): não recomendada.

Fonte: Sadock e colaboradores,2 Stahl6 e Galbally e colaboradores.12

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A paliperidona não sofre metabolização no organismo. As enzimas hepáticas CYP2D6 e CYP3A4 exercem efeito mínimo na metabolização e eliminação. Entretanto, em pacientes com insuficiência renal, a dose deve ser reduzida.2’6

OLANZAPINA ► FARMACOCINETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 5 a 8 horas, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma em torno de 70% . A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A ligação da substância a proteínas plasmáticas é de 93% . O estado de equilíbrio é alcançado em uma semana. É metabolizada no fígado, onde a biotransformação por oxidação é a via mais importante. A olanzapina é metabolizada pela isoenzima 1A2 e, em menor quantidade, pela 2D 6. A meia-vida média de elim inação da substância e de seu metabólito ativo é de 36 horas em mulheres e de 32 horas em homens. A excreção ocorre 65% pela urina e 14% pelas fezes (Tab. 5 .3 .5 ).2

153


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.5 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE PALIPERIDONA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

COMUM: sonolência, acatisia, distonia, discinesia e sintomas extrapiramidais (tremores, rigidez muscular, sialorreia, bradicinesia). INCOMUM: parestesias e convulsões.

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Hematológico

INCOMUM: leucopenia e eosinofilia benignas e transitórias.

Monitoramento clínico e laboratorial.

Pele e tecido subcutâneo

COMUM: edema periférico localizado.

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Sistema endócrino

COMUM: hiperprolactinemia.

Monitoramento clínico.

Sistema cardiovascular

• •

COMUM: hipotensão postural. INCOMUM: distúrbios de condução.

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

MECANISMO DE AÇAO ► A olanzapina é o ASG mais próximo da clozapina em termos de farmacodinâmica e apresenta baixa afinidade pelo receptor D2. Seu potencial antidepressivo e antipsicótico parece ser dose-dependente. Em

154


f+ j

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA são tratamento da esquizofrenia e do TB. É tam bém utilizada no tratam ento de transtornos do com portam ento em pacientes com demência nos quais sintomas como agressividade (explosão verbal, violência física), transtornos psicomotores (agitação, vaguear) e sintomas psicóticos são proeminentes.8’9

A olanzapina está aprovada no tratam ento da mania aguda e de estados mis­ tos em monoterapia e combinada com o lítio e o divalproato, bem como na prevenção de mania, depressão e estados mistos em monoterapia. A mono­ terapia com olanzapina não foi aprovada no tratam ento da depressão bipolar, embora seja em outros países, como, por exemplo, no Japão. Nos estudos controlados com placebo, demonstrou superioridade associada à fluoxetina, mas tam bém em m onoterapia.1’7’15 Segundo a CANMAT, está indicada como primeira linha em monoterapia ou associada a lítio e divalproato na mania aguda; associada a inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) na depressão bipolar; e em monoterapia na prevenção do TB. Na prevenção, a combinação com fluoxetina é opção de segunda linha; a monoterapia é alternativa de terceira linha na depressão bipolar (Quadro 5 .3 .6 ).4 A com ­ binação de olanzapina e fluoxetina em doses fixas (olanzapina 3 a 18 mg e fluoxetina 25 a 75 mg), embora não disponível no Brasil, foi aprovada no tratam ento da depressão bipolar.1’4 CONTRAINDICAÇOES ► Não existem contraindicações absolutas ao uso da olanzapina.10’11 MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 10 a 20 mg/dia. A dose deve ser individuali­ zada, sendo recomendado inicialm ente 10 mg/dia com aumentos de 5 mg/dia a cada sete dias de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade. A posologia recomendada é de uma vez ao dia administrada à noite (devido ao efeito sedativo). Em virtude do elevado potencial de ganho de peso e de síndrome metabólica, todo paciente deve ser avaliado antes do início do tratam ento quanto à história pessoal ou fam iliar de obesidade, diabetes, dislipidem ia, hipertensão e doença cardiovascular. Em todas as consultas, deve ser registrado o peso e a altura (para cálculo do IMC), a circunferência abdo­ minal e a pressão arterial. A cada seis meses, devem ser solicitados exames laboratoriais de monitoramento (glicemia de jejum , colesterol total e frações 155

ANTIPSICÓTICOS

doses baixas, tem maior ação antidepressiva, melhorando o humor, a cogni­ ção, a atenção, a concentração e as funções executivas.1 Em estudos pré-clínicos, a olanzapina exibiu uma gama de afinidades aos receptores de serotonina 5-H T2a , 5-H T2C, 5-H T3 e 5-H T6; aos receptores de dopamina D1( D2, D3, D4 e D5; aos receptores muscarínicos IV^ a M 5; aos re­ ceptores al-adrenérgicos; e aos receptores histamínicos do tipo H i. A olan­ zapina demonstrou uma maior afinidade tanto in vitro quanto in vivo pelos receptores serotonérgicos 5-HT2 do que pelos receptores dopaminégicos D2. Estudos eletrofisiológicos demonstraram que a olanzapina reduziu seletiva­ mente a ativação dos neurônios dopaminérgicos mesolímbicos, enquanto exerceu pouco efeito nas vias estriatais envolvidas na função m otora.6'7


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.6 ►INDICAÇÕES DA OLANZAPINA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

Mania aguda

Olanzapina

Depressão bipolar

Olanzapina + IS RS (exceto paroxetina)

Manutenção

Olanzapina

SEGUNDA UNHA

TERCEIRA UNHA

• •

• • •

Olanzapina Olanzapina + tricíclico

Olanzapina + lítio Olanzapina + divalproato Olanzapina + fluoxetina

Fonte: Schwartz e Bedynerman1 e Yatham e colaboradores.4

e triglicerídeos). O ECG só é necessário em casos de doença cardiovascular prévia ou doses elevadas (> 20 mg/dia) (Tab. 5 .3 .6 ).2,6’12 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com olanzapina são: sonolência, boca seca, tonturas, constipa-

TABELA 5.3.6 ► MODO DE USAR A OLANZAPINA Faixa terapêutica

• • •

Posologia

Uma vez ao dia (à noite).

Introdução

Adultos: iniciar com 10 mg/dia com aumentos de 5 mg/dia a cada sete dias até o máximo de 20 mg/dia de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. Os benefícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Não recomendada.

Idosos ( > 65 anos)

Sem recomendação específica para essa faixa etária se as funções renal e hepática estiverem normais.

Insuficiência hepática

Uma dose inicial mais baixa (5 mg/dia) deve ser considerada nos casos de insuficiência hepática moderada (cirrose classe A ou B de Child-Pugh) e aumentada com precaução.

Insuficiência renal

Uma dose inicial mais baixa (5 mg/dia) deve ser considerada nos casos de insuficiência renal moderada (clearance de creatinina: 15-60 mL/min) e aumentada com precaução.

Adultos ( > 12 anos): 10-20 mg/dia. Idosos ( > 65 anos): 10-20 mg/dia (se função renal normal). Crianças ( < 18 anos): não recomendada.

Fonte: Sadock e colaboradores,2 Stahl6 e Galbally e colaboradores.12

156


INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A olanzapina é metabolizada pelas isoenzimas 1A2 e 2D 6. Dessa forma, as substâncias que inibem a CYP1A2 e a CYP2D6 elevam os níveis séricos, e as que induzem a CYP1A2 e a CYP2D6 reduzem os níveis séricos da olanzapina (Quadro 5 .3 .8 ).2,6

QUETIAPINA ► FARMACOCINETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 5 a 8 horas, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma de 100% . A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A ligação da substância a pro­ teínas plasmáticas é de 83% . O estado de equilíbrio é atingido em dois dias. É metabolizada no fígado, onde a biotransformação por oxidação é a via mais importante. A quetiapina é metabolizada pela isoenzima 3A 4 do citocromo P450. A meia-vida média de elim inação da substância e de seu metabólito ativo (norquetiapina) é de 7 e 12 horas, respectivamente. A excreção ocorre 73% pela urina e 21% pelas fezes (Tab. 5 .3 .7 ).2 MECANISMO DE AÇÃO ► A quetiapina e seu metabólito ativo (norquetiapina) in­ teragem com uma ampla gama de receptores de neurotransmissores. Exibem afinidade pelos receptores de serotonina da família 5-H T2 e pelos receptores de dopamina D j e D2. É essa combinação de antagonismo ao receptor com alta seletividade para receptores 5-H T2 em relação ao receptor de dopamina D2 que, acredita-se, contribui para as propriedades antipsicóticas e reduz a suscetibilidade dos efeitos extrapiramidais. Além disso, a norquetiapina tem alta afinidade pelo transportador de norepinefrina (NE). A quetiapina e a nor­ quetiapina apresentam tam bém alta afinidade pelos receptores histamínicos e cd-adrenérgicos e afinidade mais baixa pelos receptores a2-adrenérgicos e receptores de serotonina 5-H T 1A. Apresenta baixa afinidade pelo receptor D2, o que explica a necessidade de doses maiores para o efeito antipsicótico/ antimaníaco e o menor risco de SER A quetiapina e seu metabólito ativo, a norquetiapina, atuam em diversos receptores, o que contribui para os efeitos terapêuticos ansiolíticos, antidepressivos e hipnóticos, mas também resulta em efeitos colaterais, principalm ente sonolência, hipotensão ortostática e tontura (Tab. 5 .3 .7 ) ,6’7 INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA são tratamento da esquizofrenia e do TB. É tam bém utilizada no tratam ento de transtornos do com portam ento em pacientes com demência nos quais sintomas como

157

ANTIPSICÓTICOS

ção, acatisia e tremores, aumento de transaminases, hipotensão ortostática, risco de quedas, sedação (dose-dependente) e sintomas extrapiramidais (SEPs) dose-dependentes. Apesar de seu perfil de eficácia, a olanzapina está associada a um dos maiores riscos de síndrome metabólica, que não depen­ de da dose e se mantém ao longo do tratamento. Os efeitos colaterais são divididos em quatro classes de acordo com a frequência de ocorrência (m uito comum: > 10% ; comum: 1 a 10%; incom um : 0,1 a 1%; raro: < 0,1% ) (Quadro 5 .3 .7 ).2,6


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.7 ►EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE OLANZAPINA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

• •

MUITO COMUM: sonolência. COMUM: vertigem, acatisia, discinesia e sintomas extrapiramidais. INCOMUM: convulsões, distonia aguda, discinesia tardia, disartria.

Monitoramento clínico e laboratorial.

COMUM: leucopenia e eosinofilia benignas e transitórias. RARO: plaquetopenia.

• •

COMUM: rash cutâneo. INCOMUM: alopecia.

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Hematológico

Pele e tecido subcutâneo

Sistema endócrino

MUITO COMUM: ganho de peso, hiperprolactinemia, disfunção erétil e redução da libido (homens e mulheres). COMUM: aumento do apetite, hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, aumento da glicemia de jejum. INCOMUM: indução de diabetes, amenorreia egalactorreia. RARO: priapismo e hipotermia.

Monitoramento clínico.

COMUM: bradicardia e distúrbios de condução (prolongamento do intervalo QT). RARO: taquiarritmias malignas.

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

COMUM: boca seca, constipação intestinal, elevação benigna e transitória de transaminases, fosfatase alcalina, gama-glutamiltransferase. INCOMUM: distensão abdominal e aumento das bilirrubinas. RARO: pancreatite.

COMUM: retenção urinária.

• • Sistema cardiovascular

• Trato gastrintestinal

Trato geniturinário

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

agressividade (explosão verbal, violência física), transtornos psicomotores (agitação, vaguear) e sintomas psicóticos são proeminentes.8,9

158


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.8 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA OLANZAPINA SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES DA 1A2: • Potentes: Fluvoxamina Dissulfiram Cafeína Quinolonas Nelfinavir Propafenona Rifampicina Tiabendazol Verapamil Suco de toranja

Aumentam os níveis séricos da olanzapina.

INIBIDORES DA 2D6: • Potentes: Fluoxetina Paroxetina Ritonavir • Moderados: Bupropiona Duloxetina

Aumentam os níveis séricos da olanzapina.

INDUTORES DA 1A2: • Potentes: Brócolis Couve-flor Omeprazol Esomeprazol Tabaco Insulina Modafinil Ritonavir

Reduzem os níveis séricos da olanzapina.

INDUTORES DA 2D6: • Potentes: Dexametasona Rifampicina

Reduzem os níveis séricos da olanzapina.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

A quetiapina é o único ASG em monoterapia aprovado na depressão bipolar até o momento. A formulação de liberação prolongada foi aprovada na mania aguda e na depressão bipolar em monoterapia e associada a outros estabili­ zadores do humor. Na manutenção, está indicada apenas no tratam ento combinado com lítio ou divalproato na dose para alcançar a remissão.1,15,15 De acordo com a CANMAT, a quetiapina apresenta as mesmas indicações como primeira linha de tratam ento na mania, na depressão e na manuten­ ção. No tratam ento da depressão bipolar, é alternativa de segunda linha na 159


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.7 ►CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DA QUETIAPINA Absorção (tempo para obtenção do pico plasmático médio)

5-8 horas

Biodisponibilidade

100%

Influência de alimentos na absorção

Não há

Tempo de estado de equilíbrio [ste a d y-sta te )

2 dias

Taxa de ligação a proteínas plasmáticas

83%

Metaboiização

Hepática - fase 1 (oxidação via isoenzimas 1A2 e 3A4 do citocromo P450)

Meia-vida

• •

Excreção

73% por via renal e 21% por via fecal

Quetiapina: 7 horas Norquetiapina: 12 horas

Fonte: Sadock e colaboradores.2

associação com ISRS e de terceira linha combinada à lamotrigina. A form u­ lação de liberação prolongada (XRO) foi indicada em monoterapia nas fases agudas, tam bém como primeira linha (Quadro 5 .3 .9 ).4 CONTRAINDICAÇOES ► Assim com os outros ASGs, a maior parte das contraindicações é relativa, e, quando há sintomas psicóticos associados a demência (aumento do risco de AVC) e agitação psicomotora na doença de Parkinson

QUADRO 5.3.9 ► INDICAÇÕES DA QUETIAPINA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO 1(CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA LINHA

Mania aguda

• • •

Depressão bipolar

Manutenção

• •

• •

Fonte: Yatham e colaboradores/

160

SEGUNDA LINHA

Quetiapina Quetiapina de liberação prolongada Quetiapina + lítio Quetiapina + divalproato Quetiapina Quetiapina de liberação prolongada

Quetiapina Quetiapina + lítio Quetiapina + divalproato

• •

Quetiapina + ISRS Quetiapina + tricíclico

TERCEIRA UNHA


MODO DE USAR ► As doses de quetiapina variam de acordo com a fase de humor que se pretende tratar. A faixa terapêutica essencialmente hipnótica varia de 12,5 a 75 mg/dia; a antidepressiva, de 2 0 0 a 4 0 0 mg/dia; e a antim aníaca/antipsicótica, de 6 0 0 a 8 0 0 mg/dia. A dose deve ser individua­ lizada, sendo recomendado, na mania e na psicose, iniciar com 50 mg duas vezes ao dia, até atingir 2 0 0 mg no quarto dia, e realizar aumentos sub­ sequentes de 2 0 0 mg/dia a cada sete dias até 8 0 0 mg/dia. Na depressão, recomendam-se doses únicas à noite, iniciando com 50 mg/dia até atingir a dose de 3 0 0 mg/dia no quarto dia. No tratam ento de manutenção, adota-se a dose com a qual se obteve a remissão. Na mania, a formulação XRO pode ser iniciada com 3 0 0 mg à noite no primeiro dia e 6 0 0 mg do segundo dia em diante, ajustando-se a dose até 8 0 0 mg/dia dependendo da resposta clínica e da tolerabilidade. Na depressão bipolar, inicia-se com 100 mg/dia à noite no primeiro dia, 2 0 0 mg/dia à noite no segundo dia e 3 0 0 mg/dia do terceiro dia em diante.12 O perfil lipídico e o ganho de peso devem ser monitorados, assim como com os outros ASGs, e o ECG somente é necessário em casos de doença cardiovascular prévia ou doses elevadas (> 8 0 0 mg/dia) (Quadro 5 .3 .IO ).2,6 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com quetiapina são: boca seca, sonolência, tontura, hipotensão ortostática, constipação intestinal, taquicardia, visão borrada e sintomas co­ laterais metabólicos (ganho de peso, dislipidem ia e intolerância à glicose). É o ASG que menos causa SEP ou elevação da prolactina, independentemente da dose. Assim como ocorre com outros ASGs (asenapina, ziprasidona e paliperidona), deve-se ter cuidado com o prolongamento do intervalo QT e evitar o uso do fármaco em pacientes sob administração de medicamentos que interferem no ritmo cardíaco (Quadro 5 .3 .1 1 ).2,5 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A olanzapina é metabolizada pela isoenzima 3A4. Dessa forma, as substâncias que inibem a CYP3A4 elevam os níveis séricos, e as que induzem a CYP3A4 reduzem os níveis séricos da quetiapina (Quadro 5 .3 .1 2 ).2’6

ARIPIPRAZOL ► FARMACOCIN ETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 3 a 5 horas, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma de 87% . A ingestão de alimentos não tem influência significativa nas taxas de absorção. A ligação da substância a proteínas plasmáticas é superior a 99% . As concentrações plasmáticas de estado de equilíbrio (steady-state) são atingidas em 14 dias. O aripiprazol é metabolizado no fígado, onde a biotransformação por oxidação é a via mais im portante, e o derivado desidroaripiprazol é o principal metabólito ativo. As isoenzimas 3A 4 e 2D 6 do citocrom o P450 são as responsáveis pela metabolização da substância. A meia-vida média de eliminação é de

161

ANTIPSICÓTICOS

(risco de piora dos SEPs), o uso concom itante de quetiapina deve ser evi­ tado.10’11


QUADRO 5.3.10 ► Faixa terapêutica

DE USAR A QUETIAPINA •

• •

Adultos ( > 12 anos): Efeito hipnótico: 12,5-75 mg/dia. Mania ou psicose: 600-800 mg/dia. Depressão: 200-400 mg/dia. Idosos ( > 65 anos): mesma de adultos, mas com incremento mais lento. Crianças (10-18 anos): Mania ou psicose: 400-600 mg/dia.

Posologia

• •

Formulação de liberação imediata: 12/12 horas. Formulação de liberação prolongada: uma vez ao dia (à noite).

Introdução

Adultos: Mania e psicose: iniciar com dose de 50 mg duas vezes ao dia até atingir 200 mg no quarto dia e realizar aumentos subsequentes de 200 mg/dia a cada sete dias até 800 mg/dia. Depressão: iniciar com 50 mg/dia (noite 1), 100 mg/dia (noite 2), 200 mg/dia (noite 3) até atingir a dose de 300 mg/dia (noite 4) e manter por quatro semanas. Crianças: iniciar com 50 mg (dia 1), 100 mg (dia 2), 200 mg (dia 3), 300 mg (dia 4) e 400 mg (dia 5). Após o quinto dia de tratamento, a dose deve ser ajustada até atingir a faixa considerada eficaz, de 400 a 600 mg/dia, dependendo da resposta clínica e da tolerabilidade de cada paciente. Ajustes de dose devem ser em incrementos não maiores que 100 mg/dia.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. Os benefícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Não recomendada.

Idosos ( > 65 anos)

0 tratamento deve ser iniciado com 25 mg/dia de hemifumarato de quetiapina, aumentando-se a dose diariamente em incrementos de 25 a 50 mg até atingir a dose eficaz, que provavelmente será menor que a dose para pacientes mais jovens.

Insuficiência hepática

Pacientes com insuficiência hepática devem iniciar o tratamento com 25 mg/dia. A dose pode ser aumentada em incrementos de 25 a 50 mg até atingir a dose eficaz, dependendo da resposta clínica e da tolerabilidade de cada paciente.

Insuficiência renal

Não é necessário ajuste de dose.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

aproximadamente 75 horas. A excreção da substância ocorre principalm ente pelas fezes (55% ) e pela urina (25% ) (Tab. 5 .3 .8 ).2 MECANISMO DE AÇAO ► O aripiprazol apresenta grande afinidade pelos re­ ceptores de dopamina D2 e D3 e de serotonina 5-H T 1Ae 5-H T2A, afinidade moderada pelos receptores de dopamina D4, de serotonina 5-H T2Ce 5-H T7, 162


LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

MUITO COMUM: sonolência e tontura. COMUM: disartria, pesadelos e visão borrada. INCOMUM: convulsões, síndrome das pernas inquietas e discinesia tardia.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

• •

Hematológico

COMUM: leucopenia benigna e transitória.

Monitoramento clínico e laboratorial.

Pele e tecido subcutâneo

COMUM: edema periférico.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Sistema endócrino

MUITO COMUM: ganho de peso, hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia. COMUM: hiperprolactinemia, intolerância à glicose e aumento de apetite. RARO: priapismo.

Monitoramento clínico.

COMUM: hipotensão etaquicardia sinusal. INCOMUM: bradicardia e alargamento do intervalo QT.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

• •

MUITO COMUM: boca seca. COMUM: constipação intestinal e elevação benigna e transitória de alanina aminotransferase e gama-glutamiltransferase. INCOMUM: disfagia. RARO: obstrução intestinal.

INCOMUM: retenção urinária.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

• Sistema cardiovascular

• •

Trato gastrintestinal

Trato geniturinário

• •

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

al-adrenérgico e de histamina Hx e afinidade moderada pela bomba da recaptação de serotonina. Não apresenta afinidade relevante pelos receptores muscarínicos, o que resulta em baixo efeito sedativo e baixo risco de ganho de peso. Diferencia-se dos outros ASGs por agir como agonista parcial dos receptores D2 e 5-H T 1Ae como antagonista do receptor 5-H T2A.6 A eficácia do aripiprazol no tratam ento dos sintomas positivos da esquizofre­ nia e dos sintomas maníacos do TB é atribuída à combinação da atividade 163

ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.11 ►EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇÃO DE QUETIAPINA


SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES DA 3A4:

Aumentam os níveis séricos da quetiapina.

Potentes: Cetoconazol Eritromicina Nefazodona Toranja Ritonavir Moderados: Fluvoxamina Bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil e diltiazem)

INDUTORES DA 3A4:

Reduzem os níveis séricos da quetiapina.

Potentes: Carbamazepina Fenitoína Fenobarbital Moderados: Oxcarbazepina

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

TABELA 5.3.8 ► CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DO ARIPIPRAZOL Absorção (tempo para obtenção de pico plasmático médio) Biodisponibilidade

3-5 horas

oo

ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.12 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA QUETIAPINA

Influência de alimentos na absorção

Não há

Tempo de estado de equilíbrio [s te a d y -s ta te )

Duas semanas

Taxa de ligação a proteínas plasmáticas

99%

Metabolização

Hepática - fase 1 (oxidação via isoenzimas 2D6 e 3A4 do citocromo P450)

Meia-vida

75 horas para o aripiprazol e 94 horas para o metabólito ativo (desidroaripiprazol)

Excreção

55% por via fecal e 25% por via urinária

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

agonista parcial nos receptores D2 e 5-H T 1Ae da atividade antagonista nos receptores 5-H T2A. Interações com outros receptores explicam alguns efeitos colaterais (p. ex., a hipotensão ortostática pode ser explicada pela atividade antagonista do aripiprazol nos receptores al-adrenérgicos).6'7

164


INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA são tratamento da esquizofrenia e do TB.8’9 Diferentemente dos outros ASGs, o aripiprazol é agonista parcial de receptor D2. Está aprovado no tratam ento da mania aguda e de estados mistos em monoterapia e combinado a outros estabili­ zadores do humor, bem como na profilaxia de episódios de mania e mistos. Tem aprovação da FDA em ampla faixa terapêutica (2 a 30 mg/dia). É utilizado na potencialização do efeito de antidepressivos na depressão unipolar resistente a tratam ento em doses menores que as antipsicóticas recomendadas (< 15 mg/dia). Contudo, não demonstrou eficácia na de­ pressão bipolar em estudos controlados.1’15’16 De acordo com a CANMAT, figura como alternativa de primeira linha no tratam ento da mania aguda e na prevenção de novos episódios maníacos, seja utilizado isoladamente, seja associado a lítio ou divalproato (Quadro 5 .3 .1 3 ).4 a/ CONTRAINDICAÇOES ► O medicamento é m uito bem tolerado e apresenta as mesmas contraindicações relativas comuns aos outros ASGs.10’11 MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 15 a 30 mg/dia. A dose deve ser individuali­ zada, sendo recomendado inicialm ente 15 mg/dia com aumentos de 5 a 10 mg/dia a cada duas semanas de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade. A posologia recomendada é de uma vez ao dia com administração pre­ ferencial mente pela manhã, devido ao risco de ativação noturna e insônia. Em razão do baixo potencial de ganho de peso e de síndrome metabólica, não é necessário acompanhamento laboratorial rigoroso (Tab. 5 .3 .9 ).2’6’12 EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com aripiprazol são: cefaleia, náuseas, acatisia, insônia, in-

QUADRO 5.3.13 ► INDICAÇÕES DO ARIPIPRAZOL NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO 1 (CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

Mania aguda

• • •

TERCEIRA UNHA

Aripiprazol Aripiprazol + lítio Aripiprazol + divalproato

Depressão bipolar Manutenção

SEGUNDA UNHA

NÃO RECOMENDADO

• • •

Aripiprazol

Aripiprazol Aripiprazol + lítio Aripiprazol + divalproato

Fonte: Yatham e colaboradores.4

165

ANTIPSICÓTICOS

/w


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.9 ►MODO DE USAR O ARIPIPRAZOL Faixa terapêutica

• • •

Posologia

Uma vez ao dia (pela manhã).

Introdução

15 mg/dia com aumentos de 5-10 mg/dia a cada duas semanas até 30 mg/dia de acordo com a resposta clínica e a tolerabilidade.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. 0s benefícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Contraindicado.

Idosos

Sem recomendações específicas de dosagem para essa população. Atentar para o risco de hipotensão nessa faixa etária.

Insuficiência hepática

Sem recomendações específicas.

Insuficiência renal

Sem recomendações específicas.

Adultos: 15-30 mg/dia. Idosos ( > 65 anos): 15-30 mg/dia. Crianças: não recomendado.

Fonte: Sadock e colaboradores,2 Stahl6e Galbally e colaboradores.12

quietação/agitação psíquica e motora, síndrome extrapiramidal e redução do apetite (Quadro 5 .3 .1 4 ).2’6

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► O aripiprazol é metabolizado pelas isoenzimas 2D 6 e 3A4. Dessa forma, as substâncias que inibem as CYP2D6 e CYP3A4 elevam os níveis séricos do aripiprazol, e as que induzem a CYP2D6 e CYP3A4 reduzem seus níveis (Quadro 5 .3 .1 5 ).2’6

ZIPRASIDONA ► FARMACOCINETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 6 a 8 horas, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma em torno de 60% (desde que administrada com alimentos gordurosos, condição essencial para melhor absorção). A ingestão de alimentos tem influência significativa nas taxas de absorção. A absorção da ziprasidona é reduzida em até 50% quando é administrada em jejum . A ligação da substância a proteínas plasmáticas é superior a 99% . As con­ centrações plasmáticas de estado de equilíbrio isteady-state) são atingidas em três dias. É metabolizada no fígado, levando à formação de quatro prin­ cipais metabólitos circulantes: sulfóxido de benzisotiazol piperazina, sulfona de benzisotiazol piperazina, sulfóxido de ziprasidona e S-m etil-di-hidroziprasidona. É metabolizada por duas vias: redução e oxidação (metilação). A redução é responsável por aproximadamente dois terços do metabolismo, e o metabolismo oxidativo é responsável pelo outro terço. A CYP3A4 é a principal isoenzima do citocromo P450 catalisadora do metabolismo oxidati­ vo da ziprasidona. A ziprasidona, a S-m etil-di-hidroziprasidona e o sulfóxido de ziprasidona, quando testados in vitro, com partilham propriedades que podem ser preditivas de um efeito de prolongamento do intervalo QTc. Pelo 166


LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

• •

Monitoramento clínico Suspender em casos graves

COMUM: cefaleia, insônia, agitação, ansiedade, incoordenação motora, acatisia e discinesia. INCOMUM: transtornos na fala, parkinsonismo, comprometimento da memória, AVC e discinesia tardia. RAROS: convulsões e coreoatetose.

• •

COMUM: náuseas e vômitos. INCOMUM: diarreia e esofagite.

Administrar às refeições. Monitoramento clínico e laboratorial. Suspender em casos graves.

Trato gastrintestinal

• •

Hematológico

INCOMUM: leucopenia e plaquetopenia benignas e transitórias.

Monitoramento clínico e laboratorial.

Pele

• •

COMUM: rash cutâneo e hiperidrose. INCOMUM: prurido e alopecia.

• •

Monitoramento clínico. Suspender em casos graves.

Sistema endócrino

COMUM: apetite reduzido.

Monitoramento clínico.

fato de a meia-vida ser de 5 a 10 horas, a ziprasidona deve ser administrada duas vezes ao dia e com alimentos, o que dobra sua biodisponibilidade. A excreção da substância ocorre principalm ente pelas fezes (66% ) e pela urina (20% ) (Tab. 5 .3 .1 0 ).2 A

FARMACODINAMICA ► Apresenta ação antagonista D2 e 5-H T2a , como os de­ mais ASGs, mas o efeito no bloqueio da recaptação de serotonina e norepinefrina não é o bastante para ser eficaz na depressão bipolar. Tem alta afinidade pelos receptores de dopamina tipo 2 (D2) e afinidade substancial­ mente maior pelos receptores de serotonina tipo 2A (5-H T2A). A ziprasidona também interage com os receptores de serotonina 5-H T2C, 5-H T 1D e 5-H T 1A, sendo que a afinidade por esses receptores é igual ou maior a sua afinidade pelo receptor D2. Tem afinidade moderada pelos transportadores neuronais de serotonina e de norepinefrina e pelos receptores histamínicos H i e recep­ tores al-adrenérgicos. 0 antagonismo a esses receptores foi associado a sonolência e hipotensão ortostática, respectivamente. Tem afinidade irrele­ vante pelos receptores muscarínicos (Tab. 5 .3 .1 0 ) .6’7 /w

INDICAÇÕES ► Está aprovada para o tratam ento de esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtorno esquizofreniforme, estados de agitação psicótica, mania aguda do TB, bem como para manutenção da melhora clínica, pre167

ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5 .3 .U ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇAO DE ARIPIPRAZOL


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.15 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DO ARIPIPRAZOL SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES DA 3A4: • Potentes: Cetoconazol Eritromicina Claritromicina Nefazodona Toranja Ritonavir • Moderados: Fluvoxamina Bloqueadores dos canais de cálcio (verapamil e diltiazem)

Aumentam os níveis séricos do aripiprazol.

INIBIDORES DA 2D6: • Potentes: Fluoxetina Paroxetina Ritonavir • Moderados: Bupropiona Duloxetina

Aumentam os níveis séricos do aripiprazol.

INDUTORES DA 3A4: • Potentes: Carbamazepina Fenitoína Fenobarbital • Moderados: Oxcarbazepina

Reduzem os níveis séricos do aripiprazol.

INDUTORES DA 2D6: • Potentes: Dexametasona Rifampicina

Reduzem os níveis séricos do aripiprazol.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

v e n ç ã o d e r e c id iv a s d u r a n t e a c o n t in u a ç ã o d a te r a p ia e t r a t a m e n t o d e m a n u ­ te n ç ã o e m p a c ie n te s a d u lto s c o m T B . 8 ’9 E s tá a p r o v a d a n o t r a t a m e n t o d a m a n ia e d o e s ta d o m is to , n a fa s e a g u d a e

de manutenção do TB, em monoterapia e associada ao lítio. Contudo, as di­ retrizes da CANMAT indicam como alternativa de primeira linha a monotera­ pia na mania aguda e a combinação com lítio ou valproato na manutenção (Quadro 5 .3 .1 6 ).4 A ziprasidona não está indicada no tratam ento da depres­ são bipolar.4,15 r» j

CONTRAINDICAÇOES ► O m edicam ento é bem -tolerado e não apresenta contraindicações absolutas . 1 0 ’ 1 1

168


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.10 ► CARACTERÍSTICAS FARMACOCINÉTICAS DA ZIPRASIDONA Absorção (tempo para obtenção de pico plasmático médio)

6-8 horas

Biodisponibilidade

60% (administrada com alimentos)

Influência de alimentos na absorção

Sim (alimentos gordurosos aumentam a biodisponibilidade)

Tempo de estado de equilíbrio [ste a d y-sta te )

Três dias

Taxa de ligação a proteínas plasmáticas

99%

Metabolização

Hepática - 33% fase 1 (oxidação via isoenzima 3A4 do citocromo P450) e 70% fase II (redução via conjugação)

Meia-vida

6-10 horas

Excreção

66% por via fecal e 20% por via urinária

Fonte: Sadock e colaboradores.2

QUADRO 5.3.16 ► INDICAÇÕES DA ZIPRASIDONA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO 1 (CAN MAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA UNHA

Mania aguda

TERCEIRA UNHA

Ziprasidona

Depressão bipolar Manutenção

SEGUNDA UNHA

NÃO RECOMENDADO

• •

Ziprasidona

Ziprasidona + lítio Ziprasidona + divalproato

Fonte: Yatham e colaboradores.4

MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 80 a 160 mg/dia. A dose deve ser indivi­ dualizada, sendo recomendado inicialm ente 40 mg a cada 12 horas (sempre administrada com alimentos gordurosos). A dose diária pode ser subsequen­ temente ajustada com base na resposta clínica individual até uma dose máxima de 80 mg a cada 12 horas. Se houver indicação clínica, a dose máxima recomendada pode ser alcançada já no terceiro dia de tratamento. Pelo baixo potencial de ganho de peso e de síndrome metabólica, não é necessário acompanhamento laboratorial rigoroso como com os outros ASGs (Tab. 5 .3 .1 1).2’6

169


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.11 ►

DE USAR A ZIPRASIDONA

Faixa terapêutica

• • •

Posologia

12/12 horas.

Introdução

Iniciar com 40 mg 12/12 horas (sempre administrada com alimentos gordurosos). A dose diária pode ser subsequentemente ajustada com base na resposta clínica individual até uma dose máxima de 80 mg a cada 12 horas.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. 0s bene­ fícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Contraindicada.

Idosos

Sem recomendações específicas de dosagem para essa população.

Insuficiência hepática

• •

Insuficiência hepática de grau leve a moderado: doses menores devem ser consideradas. Insuficiência hepática grave: sem estudos.

Sem recomendações específicas.

Insuficiência renal

Adultos (> 18 anos): 80-160 mg/dia. Idosos (> 65 anos): 80-160 mg/dia. Crianças (< 18 anos): não recomendada.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com ziprasidona são: sonolência, cefaleia, tontura e náusea. O risco metabólico é baixo. A principal preocupação refere-se ao prolonga­ mento do intervalo QT, em média 10 ms na dose de 160 mg/dia. De forma semelhante a asenapina, paliperidona e quetiapina, recomendam-se cuida­ dos na combinação com outras substâncias que prolonguem o intervalo QT e em pacientes com síndrome do QT longo, arritm ias cardíacas, infarto agudo do miocárdio e insuficiência cardíaca descompensada (Quadro 5 .3 .1 7 ).2,6 INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A ziprasidona é metabolizada apenas par­ cialm ente pelas enzimas do citocromo P450 isoenzima 3A4. Dessa forma, o potencial de interações medicamentosas é baixo.2’6

ASENAPINA ► FARMACOCINETICA ► A absorção e as concentrações médias dos picos plasmáticos são alcançadas em 0 ,5 a 1 hora, e a substância apresenta uma biodisponibilidade no plasma em torno de 35% . A ingestão de água alguns m inutos após a administração da asenapina resulta em dim inuição na ex­ posição à substância. Portanto, a ingestão de alimentos ou bebidas deve ser evitada por 10 minutos após a administração dos com prim idos sublinguais. A ligação da substância a proteínas plasmáticas é da ordem de 95% . As con­ centrações plasmáticas de estado de equilíbrio (steady-state) são atingidas em três dias. As principais vias de metabolização da asenapina são a glicu170


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.17 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇAO DE ZIPRASIDONA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

• •

MUITO COMUM: sonolência. COMUM: acatisia, tontura, distonia aguda, síndrome extrapiramidal, cefaleia e visão borrada. RARO: convulsões.

• •

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

MUITO COMUM: náusea. COMUM: constipação, boca seca, dispepsia, aumento da salivação e vômitos.

• •

Administrar às refeições. Monitoramento clínico e laboratorial. Suspenderem casos graves.

• Trato gastrintestinal

• •

ronidação direta (mediada por UGT1A4), a oxidação mediada pelo citocromo P450, principalm ente pela isoenzima 1A2, com contribuições discretas das isoenzimas 2D 6 e 3A4, e a desmetilação. A atividade farmacológica se deve principalm ente à substância-mãe. A meia-vida é de 2 4 horas, embora seja recomendada administração duas vezes ao dia devido à baixa biodisponibilidade, de 5 a 10 horas. A administração duas vezes ao dia com alimentos dobra a biodisponibilidade da asenapina. A excreção da substância ocorre principalm ente pela urina (50% ) e pelas fezes (40% ) (Tab. 5 .3 .1 2 ).2

FARMACODINÂMICA ► Propõe-se que a eficácia da asenapina seja mediada pela combinação de uma atividade antagonista sobre os receptores D2 e 5-HT2a . A atividade em outros receptores, como, por exemplo, 5-H T 1A, 5-H T 1B, 5-HT2C, 5-HTg, 5-H T7, D3 e a2-adrenérgicos, tam bém parece con­ tribuir para os efeitos clínicos. Quimicamente, a asenapina se assemelha à mirtazapina, embora não esteja indicada para ansiedade ou depressão.6'7,17

INDICAÇÕES ► As indicações médicas aprovadas pela FDA são tratam ento da esquizofrenia e do TB.8' 10 A asenapina foi aprovada em monoterapia e combinada a lítio ou valproato na mania aguda e nos estados mistos. Segundo a CANMAT, é primeira linha nessas mesmas indicações e terceira linha no tratam ento de manutenção, em monoterapia e no uso combinado com estabilizadores do humor (Quadro 5 .3 .1 8 ).4 Tem efeito ansiolítico semelhante ao do aripiprazol e apresentou melhora também dos sintomas depressivos da mania nos estudos placebo-controlados.4'17

MODO DE USAR ► As doses para tratam ento da mania aguda são as mesmas doses antipsicóticas e variam de 10 a 20 mg/dia. A dose deve ser individua­ lizada, sendo recomendado inicialm ente 5 mg 12/12 horas, ajustada em 1 a 2 semanas para 10 mg 12/12 horas. O peso e o perfil lipídico devem

171


ANTIPSICÓTICOS

ser monitorados regularmente. O ECG só é necessário em caso de doença cardiovascular prévia ou doses elevadas (> 20 mg/dia) (Tab. 5 .3 .1 3 ).6,12

EFEITOS COLATERAIS ► Os efeitos colaterais mais comuns observados durante o tratam ento com asenapina são: sonolência, tontura, sintomas extrapiramidais (exceto acatisia) e aumento de peso. Pode elevar a prolactina e causar amenorreia, ginecomastia e impotência. Tem baixo potencial de efeitos cola­ terais anticolinérgicos (boca seca, visão turva ou constipação), não altera o perfil lipídico nem a glicemia de jejum . Nos estudos clínicos, observou-se au­ mento de 2 a 5 ms do intervalo QT em comparação com o placebo. Apesar de nenhum paciente ter apresentado elevações clinicam ente significativas,

QUADRO 5.3.18 ► INDICAÇÕES DA ASENAPINA NO TRATAMENTO DO TRANSTORNO BIPOLAR DO TIPO I (CANMAT) INDICAÇÕES

PRIMEIRA LINHA

Mania aguda

• • •

SEGUNDA UNHA

TERCEIRA UNHA

Asenapina Asenapina + lítio Asenapina + divalproato

Depressão bipolar Manutenção Fonte: Yatham e colaboradores.4

172

Asenapina

NÃO RECOMENDADO


ANTIPSICÓTICOS

TABELA 5.3.13 ► MODO DE USARAASENAPINA Faixa terapêutica

• • •

Posologia

12/12 horas

Introdução

Iniciar com 5 mg 12/12 horas e ajustar em 1-2 semanas para 10 mg 12/12 horas, de acordo com a tolerabilidade e a indicação clínica.

Gestação

Sem estudos adequados e bem-controlados até o momento. Os benefícios do uso devem compensar os riscos.

Lactação

Contraindicada.

Idosos

Sem recomendações específicas de dosagem para essa população.

Insuficiência hepática

• •

Insuficiência hepática de grau leve a moderado: doses menores devem ser consideradas. Insuficiência hepática grave: não recomendada.

Sem recomendações específicas.

Insuficiência renal

Adultos ( > 18 anos): 10-20 mg/dia. Idosos ( > 65 anos): 10-20 mg/dia. Crianças ( < 18 anos): não recomendada.

Fonte: Stahl6 e Galbally e colaboradores.12

não é recomendável a associação com substâncias que também tenham esse risco, como ziprasidona, paliperidona ou quetiapina, ou em pacientes com risco cardíaco (Quadro 5 .3 .1 9 ).2,6

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS ► A asenapina é metabolizada parcialmente pela isoenzima 1A2. Dessa forma, as substâncias que inibem a CYP1A2 elevam os níveis séricos, e as que induzem a CYP1A2 reduzem os níveis séricos da asenapina (Quadro 5 .3 .2 0 ).2’6

QUADRO 5.3.19 ► EFEITOS COLATERAIS DA ADMINISTRAÇAO DE ASENAPINA LOCAL

EFEITOS COLATERAIS

MANEJO

Sistema nervoso central

• •

MUITO COMUM: sonolência. COMUM: distonia aguda e síndrome extrapiramidal (exceto acatisia).

• •

Monitoramento clínico. Suspenderem casos graves.

Trato gastrintestinal

COMUM: hipoestesia oral.

Monitoramento clínico.

Sistema endócrino

COMUM: aumento de apetite e ganho de peso. INCOMUM: hiperprolactinemia.

Monitoramento clínico e laboratorial.

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

173


ANTIPSICÓTICOS

QUADRO 5.3.20 ► INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DA ASENAPINA SUBSTÂNCIA

EFEITO

INIBIDORES DA 1A2: • Potentes:

Aumentam os níveis séricos da asenapina.

-

Fluvoxamina Dissulfiram Cafeína Quinolonas Nelfinavir Propafenona Rifampicina Tiabendazol Verapamil Suco de toranja

INDUTORES DA 1A2: • Potentes: -

Reduzem os níveis séricos da asenapina.

Brócolis Couve-flor Omeprazol Esomeprazol Tabaco Insulina Modafinil Ritonavir

Fonte: Sadock e colaboradores2 e Stahl.6

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os ASGs são substâncias importantes no arsenal terapêutico do TB. Os me­ dicamentos diferem farmacologicamente entre si, e o clínico necessita co­ nhecer as características farmacocinéticas, as indicações, os eventos adver­ sos e de risco, e os principais cuidados a serem tomados na hora de escolher algum deles. Ao longo do tratamento, é necessária a monitoração de uma série de efeitos colaterais, principalm ente do ganho de peso e de alterações do perfil glicêmico e lipídico. Cabe ao clínico a escolha do estabilizador ou a combinação de estabilizadores ideais para cada paciente, levando em conta as características individuais. Neste capítulo, enfatizamos os aspectos far­ macológicos, a posologia e o modo de uso, os cuidados clínicos a serem observados e as indicações dos ASGs de acordo com as principais diretrizes de tratam ento disponíveis no momento.

REFERÊNCIAS 1.

Schwartz T, Bedynerman K. Utilizing pharmacodynamic properties of second-generation antipsychotics to guide treatment. Drugs Today (Barc). 2012;48(4) :283-92.

2.

Sadock VA, Sadock VA, Sussman N. Kaplan & Sadock 's pocket handbook of psychiatric drug treatment. 6th ed. New Work: Lippincott Williams &Wilkins; 2014.

174


4.

5. 6. 7. 8. 9. 10.

11.

12. 13. 14.

15. 16.

17.

Goikolea JM, Colom F, Torres I, Capapey J, Valenti M, Undurraga J, et al. Lower rate of depressive switch following antimanic treatment with second-generation antipsychotics versus haloperidol. J Affect Disord. 2013;144(3): 191-8. Yatham LN, Kennedy SH, Parikh SV, Schaffer A, Beaulieu S, Alda M, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD) collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients withbipolar disorder: update 2013. Bipolar Disorders. 2013;15(l):l-44. El-Hage W, Surguladze SA. Emerging treatments in the management of bipolar disorder - focus on rispe­ ridone long acting injection. Neuropsychiatr Dis Treat. 2010;6:455-64. Stahl SM. Stahl’s essential psychopharmacology: neuroscientific basis and practical applications. 4th ed. New York: Cambridge University; 2013. McIntyre RS, Cha DS, Kim RD, Mansur RB. A review of FDA-approved treatment options in bipolardepression. CNS Spectr. 2013;18 Suppl 1:4-20; quiz 21. Anvisa.gov [Internet], Brasilia: Anvisa; 2017 [capturado em 16 mar. 2017], Disponível em: http://www. anvisa.gov.br/. Accessdata.fda.gov [Internet], Silver Spring: FDA; c2017 [capturado em 16 mar. 2017], Disponível em: http://www.accessdata.fda.gov/scripts/cder/daf/. Vieta E, GiintherO, Locklear J, Ekman M, MiltenburgerC, Chatterton ML, etal. Effectiveness of psychotro­ pic medications in the maintenance phase of bipolar disorder: a meta-analysis of randomized controlled trials. Int J Neuropsychopharmacol. 2011; 14(8): 1029-49. Grunze H, Vieta E, Goodwin GM, Bowden C, Licht RW, Moller HJ, et al. The World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for the biological treatment of bipolar disorders: update 2009 on the treatment of acute mania. World J Biol Psychiatry. 2010;10(2):85-116. Galbally M, Snellen M, Power J. Antipsychotic drugs in pregnancy: a review of their maternal and fetal effects. Ther Adv Drug Saf. 2014.5(2):100-9. Marino J, English C, Caballero J, Harrington C. The role of paliperidone extended release for the treatment of bipolar disorder. Neuropsychiatr Dis Treat. 2012;8:181-9. Cipriani A, Barbui C, Salanti G, Rendell J, Brown R, Stockton S, et al. Comparative efficacy and ac­ ceptability of antimanic drugs in acute mania: a multiple-treatments meta-analysis. Lancet. 2011;378(9799): 1306-15. Taylor DM, Cornelius V, Smith L, Young AH. Comparative efficacy andacceptability of drug treatments for bipolar depression: a multiple-treatments meta-analysis. Acta Psychiatr Scand. 2014;130(6):452-69. Tamayo JM, Zarate CA Jr, Vieta E, Vazquez G, Tohen M. Level of response and safety of pharmacological monotherapy in the treatment of acute bipolar I disorder phases: a systematic review and meta-analysis. Int J Neuropsychopharmacol. 2010;13(6):813-32. Potkin SG. Asenapine: a clinical overview. J Clin Psychiatry. 2011;72 Suppl 1:14-8.

LEITURAS RECOMENDADAS Beynon S, Soares-Weiser K, Woolacott N, Duffy S, Geddes JR. Pharmacological interventions for the prevention of relapse in bipolar disorder: a systematic review of controlled trials. Br J Psychiatry. 2008;192(1):5-11. Buoli M, Serati M, Altamura AC. Is the combination of a mood stabilizer plus an antipsychotic more effec­ tive than mono-therapies in long-term treatment of bipolar disorder? A systematic review. J Affect Disord. 2014;152-154:12-8.

175

ANTIPSICÓTICOS

3.


Esta página foi deixada em branco intencionalmente


_____________________________________________ C A P I T U L O 6

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS BENZODIAZEPÍNICOS E NÂO BENZODIAZEPÍNICOS WAGNER DE SOUSA GURGEL ANTONIO EGIDIO NARDI

Após a descoberta do clordiazepóxido, no fim de 1950, por Leo Sternbach, e sua introdução na prática clínica, em 1961, os benzodiazepínicos (BZDs) tornaram-se amplamente disponíveis, sendo prescritos para milhões de pa­ cientes nas mais diversas situações clínicas. A maioria dos BZDs que chega­ ram ao mercado foi selecionada por sua elevada potência ansiolítica em de­ trim ento de sua função de depressão do sistema nervoso central (SNC). No entanto, todos os BZDs têm propriedades sedativo-hipnóticas em diferentes graus. Essas propriedades são exploradas extensivamente na clínica, em es­ pecial para facilitar o sono. Em função da ausência de efeitos tóxicos agudos, combinada com eficiência e segurança terapêutica, os BZDs substituíram os barbitúricos como os principais agentes sedativo-hipnóticos.1 No fim dos anos de 1980, a partir do lançamento do zolpidem, surgiram no mercado os hipnóticos não benzodiazepínicos, com ação agonista provavel­ mente mais seletiva sobre receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA), os mesmos receptores onde agem os BZDs, os barbitúricos, o álcool e outras substâncias ansiolíticas. O grupo que posteriormente passou a ser cham a­ do de “compostos Z” ou “ drogas Z” prometia eficácia terapêutica hipnótica com menor ação ansiolítica, miorrelaxante ou anticonvulsivante. Na últim a década, esses agentes substituíram em grande parte os BZDs no tratamento da insônia.2

BENZODIAZEPÍNICOS Os BZDs são m uito prescritos por todas as especialidades médicas com base no fato de, além de serem eficazes no combate à ansiedade, apresentarem efeitos de relaxamento muscular, sedação, hipnoindução e atividade anticon­ vulsivante. Até hoje, já foram lançados em todo o mundo mais de 40 BZDs diferentes, e suas propriedades ansiolíticas com baixa toxicidade garantiram a esses agentes lugar de destaque na prática neurológica, anestesiológica e psiquiátrica.

177


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

FARMACOLOGIA

► O term o “ benzodiazepínico” refere-se à estrutura base composta por um anel benzênico (A) fundido com um anel de sete membros diazepínico (B) (Fig. 6.1). As variações estruturais e as vias metabólicas de cada composto são responsáveis pelas diferenças nas propriedades farmacocinéticas e na ação clínica dos BZDs. Praticamente todos os efeitos dos BZDs são resultado de ação direta sobre o SNC. Os efeitos mais proeminentes são sedação, hipnose, dim inuição da ansiedade, relaxamento muscular, amnésia anterógrada e atividade anticonvulsivante. Apenas dois efeitos desses fármacos resultam de ações periféricas: vasodilatação coronariana, observada após a administração intravenosa (IV) de doses terapêuticas de certos BZDs, e bloqueio neuromuscular, visto apenas com doses m uito elevadas, não uti­ lizadas na prática clínica.3 As propriedades físico-químicas e farmacocinéticas dos BZDs afetam signifi­ cativamente sua aplicabilidade clínica. Todos eles têm elevados coeficientes de distribuição lipídeo-água na forma não ionizada, facilitando a passagem pela barreira hematencefálica. No entanto, a lipossolubilidade pode variar mais de 50 vezes de acordo com a polaridade dos vários substituintes do anel benzênico. Todos os BZDs são absorvidos de forma completa no trato gastrintestinal em sua forma original, com exceção do clorazepato (este é descarboxilado no suco gástrico para nordazepam antes de ser absorvido). As substâncias ativas no receptor benzodiazepínico podem ser divididas em quatro categorias com base em sua meia-vida (ti/ 2 ) de eliminação: • • • •

Agentes de ação ultracurta (t1/2 < 3 horas), como midazolam. Agentes de ação curta (ty 2 3-6 horas), incluindo 0 triazolam. Agentes de ação interm édia (ty 2 6 -2 4 horas), incluindo alprazolam , lorazepam e estazolam. Agentes de longa duração ( t1/2 > 2 4 horas), incluindo clonazepam, diazepam, flurazepam e clordiazepóxido. O flurazepam, na verdade, tem uma t y 2 curta (2,3 horas), mas seu principal metabólito é ativo, 0 N-des-alquilo-flurazepam , e apresenta meia-vida longa (ty 2 4 7 -1 0 0 horas).

FIGURA 6.1 ► MOLÉCULA DO CLORDIAZEPÓXIDO (7-CL0R0-2-(METILAMIN0)-5-FENIL-3H-U-BENZ0DIAZEPINE A-ÓXIDO, C16H14CLN30). <A) ANEL BENZÊNICO; (B) ANEL DE SETE MEMBROS DIAZEPÍNICO.

178


MECANISMO DE AÇÃO

► O GABA é o principal neurotransmissor inibitório do SNC. O GABA atua em todo o SNC e principalm ente no sistema límbico, onde é responsável pela modulação dos mecanismos de ansiedade adaptativa. A partir da ocorrência de um estímulo suficiente ou um somatório de estímulos subliminares, o sistema límbico é ativado, e uma resposta ansiosa se estabelece. Uma vez que seja cessada a causa, os receptores gabaérgicos ativados pela liberação de GABA extinguem a resposta ansiosa.

179

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

A Tabela 6.1 resume as principais características farmacológicas dos BZDs mais comuns na prática clínica no Brasil. É im portante lembrar que as preparações farmacêuticas e as circunstâncias clínicas (p. ex., a administração concomitante de antiácidos e a ingestão de alimentos que retardem o esvaziamento gástrico) podem m odificar deci­ sivamente os perfis de absorção dos BZDs. A aplicação intram uscular de BZDs geralmente leva à cristalização da substância, porém o lorazépam e o midazolam são exceções, apresentando absorção rápida por essa via. A administração IV tem maior risco de levar à depressão respiratória e pode ser dolorosa devido à trom boflebite causada pela baixa solubilidade em água dos BZDs. O diazepam e o midazolam estão disponíveis no Brasil para ad­ ministração IV.


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

Na ansiedade patológica, essa função frenadora está ausente ou fortemente prejudicada. Mesmo após a cessação da causa, o indivíduo continua ansioso, visto que a liberação de GABA não é mais suficiente para interromper o ciclo de ativação do sistema límbico. O receptor GABA do tipo A contém uma região específica de ligação de esteroides endógenos, onde também atuam os BZDs e outras moléculas, como anestésicos gerais, álcool e algumas substâncias de abuso. O receptor GABA A inotrópico consiste em cinco subunidades que se reúnem para form ar um canal de íons cloreto integrado. Existem diversos subtipos de receptores de GABA A, dependendo da combinação das sete fam ílias de suas subunidades componentes (a, p, y, ô, s, n ou 0). É importante entender que, dependendo de quais subunidades estão presentes, as funções de um receptor de GABA A podem variar consideravelmente. A ligação do GABA e de seus agonistas ao receptor GABA A produz uma modificação estrutural (alostérica) com abertura dos canais de cloreto au­ mentando o influxo desse íon e gerando uma inibição sináptica rápida e hiperpolarização de membrana celular (Fig. 6.2). Os BZDs são mais potentes em promover a abertura dos canais aniônicos do que o próprio GABA. Além disso, eles não têm sistemas metabolizadores no cérebro, o que permite que seus efeitos sejam muito mais persistentes do que aqueles induzidos pelo GABA. A segurança notável dos BZDs está relacionada com o fato de seus efeitos dependerem da liberação pré-sináptica de GABA. Na ausência de GABA, os BZDs não exercem efeito sobre a função do receptor GABA A. Os barbitú­ ricos, quando em doses mais elevadas, têm a capacidade de ativar diretaCl GABA

Esteroides

Barbitúricos

FIGURA 6.2 ► ESTRUTURA BASICA DO RECEPTOR GABA A MOSTRANDO SEUS PRINCIPAIS SÍTIOS DE LIGAÇAO QUE REGULAM 0 INFLUXO DE ÍONS CLORETO (Cl1 ). BZD = benzodiazepínico; GABA = ácido gama-aminobutírico.

180


/v

INDICAÇÕES

► Embora os BZDs sejam indicados no tratam ento de algumas formas de epilepsia e de espasmos musculares graves, e como pré-anestési­ cos em alguns procedimentos cirúrgicos, a maioria das prescrições está atre­ lada aos efeitos ansiolíticos e hipnóticos desses agentes.

TRANSTORNOS DE ANSIEDADE ► São indicações clínicas para o uso de BZDs: transtorno de ansiedade generalizada (TAG),4 transtorno de pânico,5 trans­ torno de ansiedade social (TAS)6 e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).7 O transtorno de pânico e o TAS respondem preferencial mente a alguns subtipos de BZDs. Nessas condições, os BZDs mais potentes, como clonazepam, lorazepam, cloxazolam e alprazolam, são mais eficazes. O TAS, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de pânico também respondem aos antidepressivos. A opção entre BZDs e antidepressivos no tratam ento de transtornos de ansiedade baseia-se mais no perfil de efeitos indesejáveis do que na eficácia terapêutica ou na resposta a longo prazo.8 Quando bem-indicado e com seguimento clínico adequado, o uso de clonaze­ pam em pacientes acompanhados por períodos de até três anos mostrou-se seguro e com efeito terapêutico sustentado.9 Os BZDs oferecem controle efi­ caz sobre os sintomas ansiosos, promovendo uma retomada mais acelerada da funcionalidade normal pelo paciente. Os BZDs são indicados no controle de manifestações ansiosas graves que cercam diversas circunstâncias médicas não psiquiátricas: pré e pós-opera­ tório, doenças crônicas e patologias cardiovasculares. Nesses casos, a dura­ ção do tratam ento com BZDs deve se lim itar ao período de ansiedade ma­ nifesta, devendo ser interrompido na elim inação dos sintom as.7 O paciente deve ser advertido a respeito do potencial para causar dependência desses agentes, de modo a coibir seu uso indevido para “ prevenir” supostas ansie­ dades, para produzir sensação de “ bem-estar” ou para evitar preocupações. A dependência se desenvolve rapidamente, e sempre que houver necessida­ de de tratam ento por tempo prolongado, os riscos e os benefícios devem ser avaliados com o médico assistente. A eficácia dos BZDs no TAG já foi avaliada em diversos ensaios clínicos randomizados. Uma metanálise recente que avaliou diferentes tratamentos do TAG recomenda que os BZDs sejam reservados para casos resistentes aos tratam entos de primeira linha, pois, apesar de sua alta eficácia no controle dos sintomas, faltam evidências acerca da tolerabilidade adequada, princi­ palmente no uso a longo prazo.4 O transtorno de pânico é, provavelmente, o transtorno de ansiedade com evidências mais robustas de eficácia dos BZDs tanto no tratam ento a curto prazo como no a longo prazo. Ensaios clínicos randomizados com alprazo­ lam, clonazepam, diazepam e lorazepam atestaram a eficácia em curto prazo desses compostos no controle dos sintomas nucleares do transtorno de pânico. Apesar de existirem boas evidências da segurança do uso dos BZDs no transtorno de pânico em longo prazo,9 ainda são necessários mais 181

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

mente os receptores GABA, o que pode promover uma inibição grave da função neuronal.


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

estudos que avaliem melhor a prevenção de recaída, a incidência de efeitos colaterais e o potencial de dependência.5 No TAS, os estudos publicados até o momento indicam que os BZDs (clonazepam, em particular) são eficazes em seu tratamento. Os BZDs não consti­ tuem primeira opção terapêutica devido ao espectro de ação lim itado, aos potenciais sintomas de retirada e às evidências pouco suficientes de sua ca­ pacidade de prevenção de recaída. Entretanto, eles apresentam início rápido de resposta terapêutica e boa tolerabilidade, e podem ser particularmente úteis para indivíduos com ansiedade de desempenho episódica.6 O uso de BZDs no TOC tem fraco suporte pela literatura, e uma análise mais criteriosa das evidências atuais pode apontar, até mesmo, sua contraindicação. Apenas alguns ensaios controlados estão disponíveis mostrando resulta­ dos inconclusivos quando os BZDs são utilizados em regimes de associação ou resultados negativos em estudos de BZDs em m onoterapia.3 Assim como o TOC, o TEPT é um dos transtornos com o menor nível de evidência apoiando o uso de BZDs. Na verdade, de acordo com estudos recentes com modelos animais, os BZDs não só têm-se mostrado ineficazes como tam bém podem ser potencialmente prejudiciais por contribuírem para o desenvolvimento e/ou a cronificação dos sintomas do TEPT. As evidências atualmente disponíveis não apoiam o uso de BZDs como monoterapia no TEPT, e persistem dúvidas sobre o benefício potencial na terapia de com ­ binação.3 A /

DEPRESSÃO

► Os BZDs não constituem um tratam ento para o transtorno depressivo. Entretanto, o uso associado a antidepressivos no início do trata­ mento é comum. Estudos mais recentes sugerem o uso de BZDs por, no máximo, duas semanas no início do tratamento, particularm ente em com bi­ nação com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), para auxiliar o sono e melhorar a tolerância da agitação induzida pelos ISRSs. Em geral, o uso além desse prazo não é recomendável.3

PSICOSE ► Os BZDs são comumente empregados

para tranquilização rápida, seja em monoterapia, seja em combinação com antipsicóticos. No entanto, uma revisão da Cochrane concluiu que não há evidências suficientes de que sa combinação de BZDs com um antipsicótico ofereça alguma vantagem so­ bre o uso deles em monoterapia na tranquilização rápida de pacientes psicó­ tico s.10 Outra revisão da Cochrane enfatizou que, não sendo com o intuito de sedação a curto prazo, não existem benefícios comprovados do uso de BZDs em pacientes com esquizofrenia.11 Há evidências de que alguns pacientes psicóticos resistentes ao tratam ento podem se beneficiar de uma associação de antipsicóticos e BZDs, seja por acentuar a resposta anti psicótica, seja por perm itir o emprego de doses menores do antipsicótico.10 ✓V

INSÔNIA ► Outra

condição em que os BZDs são correntemente utilizados é a insônia. A insônia, independentemente de sua etiologia, exige tratam ento por interferir de forma drástica no cotidiano e na qualidade de vida das pessoas. Os transtornos do sono são m uito frequentes. Em torno de 30 a 35% da po­ pulação mundial sofrem de insônia, e mais da metade desse grupo considera 182


DOSES

► As doses de BZDs devem ser individualizadas e mantidas baixas, desde que eficazes. O uso ocasional de BZDs por períodos curtos e limitados, além de ser eficaz para o controle de sintomas ansiosos, parece dim inuir o risco de dependência. Os BZDs diferem entre si em relação à meia-vida de eliminação e à potência. Existem BZDs com potência elevada - por exemplo, o clonazepam. Esse medicamento obtém o efeito ansiolítico com doses em média de 1 mg/dia, enquanto o clordiazepóxido necessita de até 60 mg/dia para a obtenção de efeito de igual intensidade. Os BZDs podem ser divididos em dois grupos em função da meia-vida e do tem po de início de ação: hipnóticos (ação rápida e meia-vida reduzida) ou ansiolíticos (tempo de início interm ediário e meia-vida longa). As doses terapêuticas dos BZDs ansiolíticos e hipnóticos mais utilizados no Brasil estão na Tabela 6.2.

EFEITOS COLATERAIS

► Dores de cabeça, confusão, ataxia, disartria, visão turva, distúrbios gastrintestinais, icterícia e excitação paradoxal são efeitos adversos possíveis, mas em geral de intensidade leve. A alta incidência de efeitos colaterais psiquiátricos mais preocupantes, como déficit mnêmico e síndrome depressiva, levou, por exemplo, à retirada do triazolam do merca­ do. A utilização de BZDs parece estar associada com aumento no risco de fratura de quadril em idosos. O risco é maior nos primeiros dias e após 30 dias de uso contínuo. O emprego de doses altas é particularmente problemá­ tico em idosos, e este parece um risco atribuível a todos os BZDs (o risco não é reduzido pelo uso de substâncias de meia-vida curta).13 O uso de BZDs em idosos será discutido em tópico específico. Os BZDs muitas vezes podem estar associados à amnésia anterógrada, causar desinibição (mais comum com substâncias de ação curta) e afetar o desempenho na condução de veículos.14 A depressão respiratória grave nunca foi descrita com a monoterapia oral de BZDs, mas é possível quando administrados por via IV. A ocorrência de efeitos paradoxais no emprego de BZDs é bastante frequente. Entre tais efeitos, destacam-se a agitação e a agressividade em pacientes

183

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

a insônia seu maior problema. A insônia crônica afeta mais as mulheres do que os homens (2:1), e as queixas aumentam com a idade.12 Os transtornos do sono podem ocorrer de forma isolada (prim ária), associa­ dos a fatores emocionais ou como sintomas de transtornos mentais primários (transtornos de ansiedade, depressão, mania e esquizofrenia). Além disso, as condições médicas associadas à dor e ao desconforto podem produzir insô­ nia (p. ex., neoplasias, lesões vasculares, infecções, condições degenerativas e traumáticas). O tratam ento dos transtornos do sono envolve medidas de higiene do sono e uso de medicamentos, principalm ente hipnóticos, por tem po lim itado, en­ quanto se investiga o transtorno primário. O risco de dependência e outros efeitos colaterais tornam o uso a longo prazo desses agentes indesejável.12


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

TABELA 6.2 ► DOSES HABITUAIS DE BENZODIAZEPÍNICOS CLASSIFICAÇÃO

SUBSTÂNCIA

DOSES DIÁRIAS MINIMA E MÁXIMA (MG/DIA)

Ansiolíticos

Alprazolam

0,25-3

Bromazepam

1,5-20

Clobazam

10-60

Clonazepam

0,5-8

Clordiazepóxido

5-75

Cloxazolam

1-8

Diazepam

2,5-30

Lorazépam

0,5-6

Estazolam

1-4

Flunitrazepam

0,5-2

Flurazepam

15-60

Midazolam

7,5-30

Nitrazepam

5-10

Triazolam

0,125-0,25

Hipnóticos

com demência e com retardo mental. O aumento de agressividade e de atos impulsivos, e mesmo de acessos maniformes, pode ser verificado em pacientes com quadro confusional subjacente e em crianças e idosos com distúrbios vasculares no SNC. Essas reações paradoxais são mais comuns em crianças e adolescentes (en­ tre 3 e 19 anos) e em idosos (acima de 65 anos). Parece não haver dife­ renças entre os sexos ou em relação ao diagnóstico psiquiátrico prim ário no aparecimento desses efeitos. Entretanto, há alguns relatos que associam a presença de transtorno da personalidade borderline com reações de desinibição, heteroagressividade e tentativas de suicídio. Existem poucos estudos que avaliam os efeitos indesejáveis dos BZDs no funcionamento sexual, porém efeitos adversos sexuais dos psicofármacos são uma importante causa de não adesão ao tratamento. Evidências na literatura demonstram a ocorrência de redução da libido, dificuldade na ereção, retardo da ejaculação e anorgasmia. Esses efeitos são mais frequentes nas doses elevadas dos BZDs de alta potência (clonazepam e alprazolam). Além disso, a associação de BZDs em pacientes sob tratam ento para disfunção erétil é comum, devido aos sintomas ansiosos associados a essa condição clínica.15 Os BZDs são medicamentos notavelmente seguros quando utilizados sob supervisão médica adequada. Apresentam baixa incidência de efeitos ad184


FLUMAZENIL

► Derivado do imidazobenzodiazepínico, o flum azenil foi o primeiro e ainda é o antagonista BZD mais utilizado. Liga-se com elevada afinidade a locais específicos do receptor GABA A, onde antagoniza com peti­ tivam ente os efeitos alostéricos dos BZDs e outros ligantes, podendo, assim, reverter os efeitos de intoxicação. O flumazenil é mais seguro pelo fato de não afetar a função do receptor GABA A na ausência de um agonista do sítio de ligação do BZD. O flumazenil está disponível somente para administração IV e tem uma meia-vida {\y 2 de cerca de uma hora) m uito mais curta do que a maioria dos BZDs. Dessa forma, torna-se essencial a observação clínica do paciente por várias horas no tratam ento dos estados de intoxicação de BZDs e sua administração em doses fracionadas. A dose de 1 mg de flum azenil infundi­ da lentamente ( la 3 minutos) costuma ser suficiente para abolir os efeitos de doses terapêuticas de BZDs. Pacientes com suspeita de overdose de BZDs, em geral, respondem adequadamente a uma dose cum ulativa de 1 a 5 mg administrada durante 2 a 10 minutos. A falta de resposta a 5 mg de flumazenil sugere fortemente que um BZD não é a principal causa de seda­ ção.17 Uma metanálise recente questiona o uso do flumazenil como rotina na emergência em pacientes com intoxicação, conhecida ou suspeita, por BZDs devido ao aumento significativo do risco de efeitos colaterais graves, como arritm ias supraventriculares e convulsões, sugerindo uma avaliação mais criteriosa caso a caso.18

USO INDEVIDO, ABUSO E DEPENDÊNCIA

► Os BZDs são uma das classes de medicamentos mais comumente prescritos em países desenvolvidos. Na Europa e no Canadá, as taxas mais altas de uso de BZDs têm sido relatadas em mulheres e idosos. Vários estudos mostram que os médicos de atenção primária e especialistas de outras áreas são responsáveis pela maior parte das prescrições de BZDs e que uma proporção substancial do uso de BZDs é de longo prazo.16 O uso indevido tanto pode estar vinculado à automedicação como pode ser iatrogênico, relacionado à crença de os BZDs serem dotados de “ação pro­ filática” sobre a ansiedade cotidiana. Isso é absolutamente inverídico: tais substâncias dim inuem a ansiedade existente, mas não podem preveni-la. A melhor técnica para prevenção de ansiedades situacionais é dim inuir a ex­ posição do indivíduo suscetível aos agentes estressores. De qualquer modo, cabe ao médico evitar possível iatrogenia deixando de prescrever “ profilaticamente” esses medicamentos. O abuso de BZDs raramente é iatrogênico. Esse abuso é comumente associa­ do com outros padrões de abuso de outras substâncias, como álcool, opioides e outras drogas de abuso. Devido à tolerância cruzada observada com o uso concomitante de depressores do SNC, os indivíduos dependentes ou que abusam de substâncias podem ingerir doses m uito elevadas de BZDs, aumentando o potencial de depressão fatal do SNC.19 185

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

versos, que são, na maioria das vezes, dose-dependentes e frequentemente resultam da interação com outros medicamentos ou álcool.16


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

Na dependência de BZDs, geralmente não ocorre aumento progressivo da dose, mas o usuário não consegue deixar de utilizar o medicamento, seja por ansiedade exacerbada em sua ausência, seja por aparição de sintomas adicionais, como insônia. Em ambas as situações, a interrupção de uso de­ sencadeia sintomas de retirada. O quadro de abstinência em geral aparece após o segundo dia da interrupção da substância e ocorre mais comumente com os BZDs de curta duração ou com a utilização de doses elevadas de qualquer BZD. Os sintomas de abstinência podem ocorrer após 4 a 6 semanas de uso contínuo, e cerca um terço dos usuários de longo prazo tem problemas na redução da dose ou na retirada (Quadro 6.1). Na maioria dos pacientes, os sintomas de abstinência são lim itados às primeiras semanas. Para evitar ou reduzir a gravidade desses sintomas, a boa prática exige que os BZDs não sejam prescritos como hipnóticos ou ansiolíticos durante mais de quatro semanas. O uso interm itente (i.e., não todos os dias) também pode ajudar a evitar a dependência e a tolerância.20 Para efeitos de tratam ento de retirada em am bulatório, várias referências da literatura recomendam que pacientes que usam BZDs de ação curta ou inter­ mediária tenham seu medicamento substituído para uma dose equivalente de um BZD de ação prolongada, como o diazepam. Substâncias com meia-

QUADRO 6.1 ► SINTOMAS DA RETIRADA DE BENZODIAZEPÍNICOS MUITO FREQUENTES

COMUNS

RAROS

Ansiedade

Náusea

Convulsões

Insônia

Coriza

Rebaixamento do nível de consciência

Agitação

Sudorese excessiva

Delírios paranoides

Irritabilidade

Letargia

Alucinações

Tensão muscular

Cansaço

Despersonalização

Parestesias

Hiperacusia

Desrealização

Tremor

Visão turva Depressão Pesadelos Hiper-reflexia Ataxia Taquicardia Tontura Diminuição do apetite

186


INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

► Os BZDs não induzem enzimas microssomais e, assim, não precipitam interações farmacocinéticas com outras subs­ tâncias com frequência. A maioria dos BZDs é metabolizada pela CYP3A4, que é inibida por eritrom icina, vários antidepressivos ISRSs e cetoconazol. Em teoria, é possível que a coadministração desses fármacos resulte em níveis séricos aumentados dos BZDs, levando à maior sedação. Os BZDs estão associados com uma im portante interação com metadona e devem ser usados com precaução em pacientes sob uso de clozapina (risco aumentado de depressão respiratória).

187

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

-vida mais longa produzem, em geral, sintomas de retirada menos graves.19 As doses de equivalência aproximada entre os BZDs são apresentadas na Tabela 6.3. A dose que vinha sendo utilizada por longos períodos deve ser reduzida se­ manalmente em cerca de 10 a 25% ao longo de 4 a 10 semanas. Entretanto, não existe consenso a respeito do período ideal de retirada. Metanálises mais recentes mostram que as recomendações sobre como proceder nesse cenário diferem amplamente, variando desde a retirada súbita da substância até a retirada gradual por períodos de até 12 meses.20 Na prática clínica, a reti­ rada brusca está associada a um risco aumentado de efeitos de abstinência graves, como convulsões generalizadas.


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

A cim etidina, os anticoncepcionais orais, o dissulfiram , a isoniazida, o pro­ pranolol e o álcool podem reduzir o clearance e aumentar a meia-vida dos BZDs. Deve-se atentar para o fato de que, com exceção do álcool e dos anticoncepcionais orais, as interações não se traduzem em efeitos clínicos significativos. Essas interações interferem na metabolização dos BZDs, seja por meio da redução do fluxo sanguíneo hepático, seja pela inibição com peti­ tiva da ação das enzimas oxidativas microssomais hepáticas. O álcool potencializa os efeitos dos BZDs, e vice-versa. Portanto, pacientes em uso desses medicamentos devem ser aconselhados a evitar totalm ente o consumo de álcool. Essa conduta, além de mais segura no sentido de evitar acidentes, baseia-se ainda na questão de que o abuso de álcool é frequente em pacientes com transtornos de ansiedade. Há autores que chegam ao ex­ trem o de contraindicar BZDs para pacientes que tenham casos de alcoolismo na fam ília, apesar de nunca terem abusado de álcool. Não há lugar para os BZDs no tratam ento do alcoolismo, salvo na abstinência grave. Além do álcool, outros sedativos do SNC têm seus efeitos potencializados pelos BZDs: barbitúricos, anticonvulsivantes, hipnoanalgésicos, anestésicos e neurolépticos.

USO EM POPULAÇÕES ESPECIAIS ► INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA ► O metabolismo dos BZDs diretamente conjugados (lorazepam) parece estar preservado de modo relativo nas hepatopatias. Já os BZDs que passam por reações de transformação da fase I (principalm ente desmetilação e hidroxilação) apresentam clearance reduzido. Recomenda-se o uso preferencial do lorazepam com doses reduzidas em hepatopatas, visto que fatores farmacodinâmicos alterados nessa população tam bém desempenham um papel significativo na ação dos BZDs. O cérebro do hepatopata crônico parece mais sensível à ação dos medicamentos de­ pressores do SNC, inclusive os BZDs. O uso de BZDs na vigência de hepatopatias graves deve ser evitado. Quando m uito necessária, sua utilização deve ser feita com extrema cautela.

GESTAÇÃO E LACTAÇÃO ► O uso de BZDs durante a gestação é relativamente seguro, caso a indicação clínica seja preponderante. A associação entre o uso de BZDs durante a gestação e os efeitos teratogênicos não é clara (talvez < 1%), havendo raros casos de anormalidades, como fenda palatina e/ou lábio leporino, em recém-nascidos. Caso a parturiente esteja fazendo uso de BZDs, deve-se ficar atento para o risco de sintomas de abstinência no recém-nascido. Os BZDs são excretados no leite materno, podendo produzir sonolência, apatia, letargia, dificuldade de sucção e sintomas de abstinência no lactente.

IDOSOS ► Os BZDs são usados frequentemente em pessoas idosas. Entre­ tanto, esse uso parece estar associado a uma frequência aumentada de complicações, entre as quais lesões decorrentes de quedas e depressão das funções do SNC. Os idosos parecem manifestar suscetibilidade aumentada aos efeitos clínicos dos BZDs. As possíveis explicações (não mutuamente ex188


NÃO BENZODIAZEPÍNICOS Outras substâncias hipnóticas utilizadas no tratam ento da insônia serão discutidas nesta seção. Zolpidem, zopiclona, eszopiclona e zaleplona são hipnóticos não benzodiazepínicos vulgarmente designados como “drogas Z” . A trazodona é um antidepressivo sedativo altam ente eficaz como hipnótico. A melatonina exógena, o ramelteon e a agomelatina atuam nos receptores melatoninérgicos tam bém com função hipnótica.

DROGASZ

► As “ drogas Z" são denominadas agonistas seletivos de recep­ tor GABA A, pois, apesar de possuírem o anel diazepínico, atuam seleti­ vamente no receptor GABA A. A seletividade dessas substâncias preserva a ação sedativa sem apresentar efeitos ansiolíticos e/ou miorrelaxantes de maneira significativa, além de sugerir um menor potencial de dependência, o que fornece benefícios na comparação com os BZDs. Podem apresentar, entretanto, efeito amnésico que parece depender da dose e da ocupação dos receptores. As “drogas Z” atuam nos receptores GABA A, potencializando a ação do GABA por meio de uma ligação a um sítio diferente daquele ao qual o próprio GABA se liga ao receptor. Existem seis isoformas (subtipos) diferentes de subunidadesa ( a l, a 2 , a 3 , a 4 , a 5 e a 6 ) para os receptores de GABA A locali-

189

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

cludentes) para tal fenômeno compreendem fatores de ordem farmacocinética e farmacodinâmica. A idade avançada pode m odificar as propriedades de distribuição, de elim i­ nação e de clearance dos BZDs. Os processos oxidativos microssomais apre­ sentam redução significativa de sua eficácia, especialmente em homens ido­ sos. Já os processos de conjugação e nitrorredução parecem menos afetados. O processo de envelhecimento leva a um aumento relativo da quantidade de tecido adiposo em relação ao peso corporal total. Essa mudança pode levar a um volume de distribuição aumentado. O aumento do volume de distribuição sem aumento compensatório do clearance leva ao prolongamento da meia-vida de eliminação. Com o uso crônico, o clearance reduzido no idoso pode elevar o nível plasmático estável da substância, o que, teoricamente, exporia o paciente a riscos aumentados de complicações. Embora seja tentador recomendar o uso de BZDs de meia-vida curta em idosos, ainda não foi demonstrado na prática o valor dessa recomendação.21 Apesar de existirem trabalhos mostrando risco aumentado de demência em pacientes em uso crônico de BZDs quando comparados com pacientes que nunca os utilizaram ,22 há inúmeros fatores não controlados nesses estudos, e é evidente uma tendência a associar os BZDs à síndrome dem encial.23 Entretanto, um estudo prospectivo com seguimento de mais de 3 mil pacien­ tes por um tempo médio de sete anos indicou risco de demência ligeiramente maior em pessoas sem ou com exposição mínima aos BZDs, mas não em pacientes com níveis mais elevados de exposição. Não é possível traçar uma associação causal entre o uso de BZDs e a dem ência.24


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

zadas em regiões cerebrais distintas, e observa-se especificidade de algumas “drogas Z” por essas subunidades, o que determina as diferenças dos efeitos clínicos e sedativo-hipnóticos desses agentes. O subtipo a l é reconheci­ damente im portante para produzir sedação e, portanto, serve de alvo para todos os hipnóticos. A Tabela 6 .4 resume a farmacologia das “drogas Z” . Os agonistas seletivos de receptor GABA A encurtam o tempo de indução do sono, reduzem o número de despertares noturnos e aumentam o tempo total de sono, melhorando a qualidade do sono como um todo.2 Em muitos países, o uso desses medicamentos vem se consolidando como primeira op­ ção de farmacoterapia a curto prazo da insônia, pois mostraram-se eficazes como hipnóticos e bem-tolerados, inclusive em idosos. Embora amplamente prescritas, as “drogas Z” não são isentas de riscos, e eles são muitos semelhantes aos dos BZDs. Esses riscos incluem os efeitos adversos como déficit cognitivo, manifestações psicomotoras (p. ex., quedas, fraturas, acidentes de trânsito), fadiga diurna, tolerância, dependência e au­ mento de m ortalidade,25 não havendo diferença significativa em relação aos BZDs quando utilizados em populações idosas.25 O uso prolongado desses fármacos ainda gera discussão sobre o risco de dependência e insônia rebo­ te. Esses agentes devem ser administrados somente ao deitar. Apenas o zolpidem e a zopiclona estão disponíveis no Brasil.

ZOLPIDEM

► O zolpidem é um hipnótico da classe da im idazopiridina, uti­ lizada na prática clínica desde a década de 1990. Possivelmente, por ser o primeiro agonista seletivo do receptor GABA A para a subunidade a l , foi apontado como o hipnótico mais prescrito no mundo. Apresenta alta afini­ dade por receptores centrais e baixa afinidade por receptores periféricos, propriedades que são consistentes com sua ação hipnótica e com a ausência de efeitos miorrelaxantes. É rapidamente absorvido por via oral (VO) em indivíduos sadios. Liga-se a proteínas plasmáticas em 92% . A metabolização é hepática, e a excreção é, principalm ente, renal (56% ) e fecal (37% ). É elim inado quase inteiramente por conversão em metabólitos inativos no fígado, mediante mecanismo de oxidação dos grupos metil, nos anéis fenil e im idazopiridina, em ácidos car-

TABELA 6.4 ► FARMACOLOGIA DAS “ DROGAS Z

IP

SUBSTÂNCIA

DOSES DIÁRIAS MÍNIMA E MÁXIMA (MG/DIA)

CONCENTRAÇÃO PLASMÁTICA MÁXIMA-VIA ORAL (HORAS)

Ti /2 (HORAS)

Zolpidem

5 -2 0

0 ,5 -2 ,5

1 ,5 -3

Zopiclona

3 ,7 5 -1 5

1 -2

5 -6

Eszopiclona

1 -6

1

6 -9

Zaleplona

5 -2 0

1

1

T i /2 = m e ia -v id a de e lim in a ç ã o .

190


191

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

boxílicos. O uso do zolpidem com alimentos produz dim inuição e atraso em sua absorção. Deve ser adm inistrado imediatamente antes de deitar. O zolpidem tem como principais ações dim inuir o tempo para início do sono, reduzir os despertares noturnos e aumentar o tem po total do sono. Além dis­ so, prolonga os estágios II, III e IV do sono e não tem efeitos sobre a duração total do sono paradoxal (fase REM). Não interfere na estrutura normal do sono e afeta pouco a memória e a psicomotricidade, além de apresentar ação reservada como anticonvulsivante. Possui indicação na insônia inicial ou de manutenção, com efeito na consolidação do sono, e tem evidências de eficácia na pré-anestesia. Para insônia aguda, o tratam ento deve ser o mais breve possível, não devendo exceder quatro semanas; para insônia ocasional (p. ex., viagens), o tratam ento é de 2 a 5 dias; e para insônia transitória (p. ex., incidente grave, hospitalização), de 2 a 3 semanas. Apesar de raros, foram descritos casos de tolerância e dependência que surgiram com história de abuso de substância; logo, é possível que ocorram sintomas de abstinên­ cia ou insônia rebote logo após a retirada. Em caso de uso prolongado, recomenda-se a interrupção do tratam ento de forma progressiva, com doses decrescentes.12 Indicações o ff-la b e l do zolpidem incluem a melhora de sintomas comportamentais e motores em casos de ataxia espinocerebelar, síndrome das pernas inquietas, paralisia supranuclear progressiva, doença de Parkinson e na descontinuação do haloperidol em pacientes com transtorno esquizoafetivo. O zolpidem também foi capaz de melhorar a afasia por curtos períodos em pacientes após acidente vascular cerebral (AVC). Também existem vários relatos de caso de melhora no estado de alerta em pacientes em estado vegetativo, porém faltam estudos controlados que confirmem tais achados.27 No Brasil, há apresentações de 10 mg, VO, de liberação imediata, com meia-vida curta, de 2 ,5 horas; de 6 ,2 5 e 12,5 mg, VO, de liberação prolonga­ da; com prim idos com uma parte de liberação imediata e outra de liberação controlada que mantêm a concentração plasmática sustentada após 3 a 6 horas; e de 5 mg, sublingual, de liberação rápida. A dose terapêutica média para insônia em adultos é de 10 mg. Vale salientar que, em pacientes com alterações de funções hepáticas e renais e em idosos, as doses devem ser ajustadas para 5 mg. A associação com BZDs é arriscada e desnecessária, pois aumenta o risco de dependência. A maioria dos efeitos adversos é dose-dependente. Os principais incluem sonolência (5% ), tontura (5% ), cefaleia (3% ), sintomas gastrintestinais (4% ), déficits de memória (1 a 2% ), pesadelos (1 a 2% ) e confusão mental (1 a 2% ). Ataxia, tontura, euforia, disforia, aumento do apetite, aumento da libido, déficit cognitivo, desinibição e im pulsividade podem ocorrer mais raramente. Amnésia retrógrada e, mais raramente, psicose e alucinação po­ dem se manifestar em pacientes com dificuldade em manter o sono e que excedem, então, a dose recomendada. Nesses casos, orienta-se optar pelo zolpidem CR. Amnésia anterógrada não pode ser excluída, em particular quando o sono é interrom pido (despertar precoce) ou quando o ato de se deitar é retardado após a ingestão do medicamento.


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

Estudos mostraram que o zolpidem pode estar associado a comportamentos atípicos, como lim par a casa de forma compulsiva, dirigir durante o sono, telefonar com amnésia, no dia seguinte, do ocorrido. Parece que o uso de álcool ou outros depressores do SNC pode aumentar o risco dos eventos adversos mais raros. Os níveis do medicamento podem permanecer elevados na manhã seguinte, prejudicando atividades que requerem atenção. Em idosos, uma metanálise mostrou a associação do uso do zolpidem a risco aumentado de fraturas, principalm ente de quadril. Talvez o risco seja menor do que com o uso de hipnóticos de ação prolongada, como os BZDs.28 O zol­ pidem deve ser evitado durante a gestação ou a lactação, pois são necessá­ rios mais estudos para avaliar a segurança do uso nesses períodos. Não deve ser utilizado em pacientes com idade inferior a 15 anos.

ZOPICLONA E ESZOPICLONA ► A zopiclona é uma ciclopirrolona e difere do zol­ pidem por ter uma meia-vida maior (5,3 horas) e por ser menos seletiva, atuando em receptores que contêm subunidades tanto c d quanto a 2 . Tem rápida absorção por VO. O pico de ação é atingido após 15 minutos da ingestão. Reduz a latência para o sono e aumenta o tem po total de sono. A zopiclona demonstrou eficácia igual ou superior aos BZDs de longa ação no tratam ento da insônia de início ou de manutenção do sono. No Brasil, há apresentações de 7,5 mg. A dose recomendada é de 3 ,7 5 a 7,5 mg. Ela é bem-tolerada em idosos, revelando-se eficaz e com poucos efeitos colaterais. A zopiclona tem efeitos adversos semelhantes aos do zolpidem, como cefaleia, tontura e sonolência, porém apresenta outros efeitos, como sabor desa­ gradável na boca e náuseas. Foi descrito que, em doses diárias de 10 mg ou superiores, apresenta maior potencial de sonolência residual e compromete significativam ente o desempenho psicomotor até 10 horas após a ingestão. Alguns estudos indicam a presença de insônia de rebote após a suspensão. A eszopiclona é um isômero da zopiclona utilizado para tratam ento da insô­ nia. Pode exibir diferentes propriedades de ligação no receptor GABA A, com ­ parada com o zolpidem, além de ser menos seletiva para o receptor GABA A que contém a subunidade a l . A dose recomendada é de 1 a 3 mg para adultos, e idosos não devem ultrapassar a dose de 2 mg. Primeiro hipnótico liberado para uso em insônia crônica, tem indicação para a dificuldade tanto em iniciar como em manter o sono. A eszopiclona mostrou-se efetiva no tratam ento da insônia crônica prim ária.29 Além disso, em um estudo duplo-cego, randomizado, placebo-controlado, melhorou o funcionam ento durante o dia, por pelo menos seis meses, na dose de 3 mg, sem evidência de tolerância, dependência ou abuso. Entretanto, causou déficits de memória leves e transitórios em alguns pacientes.2 Esse medicamento ainda não está disponível no Brasil.

ZALEPLONA ► A zaleplona é uma pirazolopirim idina que apresenta ligação com o receptor a l . É rapidamente absorvida por VO, e seu pico de concen­ tração plasmática é m uito rápido, em torno de uma hora. Apresenta meia-vida ultracurta (0,9 hora). A ingestão com alimentos pode retardar o tempo para que seja atingida a concentração sérica. Trata-se de um composto lipo-

192


HIPNÓTICOS SEROTONÉRGICOS

A trazodona é um antidepressivo sedativo com meia-vida de apenas cerca de 6 a 8 horas reconhecido clinicam ente por sua eficácia como hipnótico quando adm inistrado uma vez por dia no perío­ do noturno e em doses mais baixas do que as utilizadas como antidepres­ sivo. A função sedativa ocorre pela atuação da trazodona no antagonismo de receptores histaminérgicos H i e al-adrenérgicos. No entanto, em doses baixas, a trazodona perde sua capacidade de recaptação da serotonina e, por conseguinte, sua ação antidepressiva.12

HIPNÓTICOS MELATONINÉRGICOS

► A melatonina é o neurotransmissor secretado pela glândula pineal que atua na regulação do ritm o circadiano. Os efeitos hipnóticos da melatonina exógena e de substâncias melatoninérgicas agem principalm ente no núcleo supraquiasmático via receptores MT1 e MT2. Não são conhecidos seus efeitos em uso a longo prazo. A melatonina exógena tem meia-vida de elim inação m uito curta e ultracurta (30 a 4 5 minutos), sendo as formulações de liberação prolongada mais apropriadas para tratam ento da insônia primária. A melatonina tam bém não está dispo­ nível no Brasil, entretanto ela é vendida sem prescrição médica em países como Estados Unidos e Argentina. Uma metanálise recente, que incluiu seis ensaios clínicos randomizados, indicou que a associação de melatonina não teve efeito sobre a taxa de sucesso de descontinuação de BZDs em pacientes sob uso crônico.30 O ramelteon é um agonista seletivo dos receptores de melatonina com ações semelhantes à da melatonina na modificação de ritmos circadianos em in­ divíduos sem depressão, mas que sofrem de fase do sono atrasada (comum em adolescentes), fase do sono avançada (mais comum em idosos) ou na­ queles que experimentam je t lag induzido por viagens longas. O ramelteon é normalmente utilizado na dose de 8 mg cerca de 30 minutos antes de deitar, sendo rapidamente absorvido com concentração sérica máxima obtida den­ tro de uma hora. Não está disponível no Brasil. A agomelatina é um antidepressivo melatoninérgico com capacidade de favorecer a sincronização dos ritmos circadianos alterados em indivíduos deprimidos, atuando como agonista dos receptores MT1 e MT2 e antagonis­ ta dos receptores 5-H T2o Ela pode provocar o aumento de transaminases

193

ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

fílico bem-distribuído nos tecidos extracelulares. A zaleplona apresenta baixo nível de ligação proteica, cerca de 60% , e é quase completamente metabolizada no fígado e excretada na urina (70% ) e nas fezes (17% ). Sua principal indicação é para indução rápida de sono, com pouco efeito em sua manutenção, podendo ser utilizada no meio da noite, em caso de desper­ tar precoce.12 A dose terapêutica é de 10 mg para adultos. Recomendam-se doses menores em idosos (5 a 10 mg). Não se observa tolerância, insônia de rebote ou sintomas de abstinência após a interrupção do tratamento. A zale­ plona tem sido associada a tontura e cefaleia. O uso na gestação, lactação e em crianças não é bem-estabelecido.27 Esse medicamento já foi comer­ cializado no Brasil, mas, atualmente, só é comercializado em outros países.


ANSIOLÍTICOS E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃO BENZODIAZEPÍNICOS

hepáticas, sendo recomendado o acompanhamento da função hepática ao longo das primeiras semanas de tratam ento.12

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os BZDs são medicamentos m uito eficazes e farmacologicamente seguros que se mostraram um grande avanço em relação às substâncias anterio­ res usadas para tratar o transtorno de ansiedade e a insônia em termos de eficácia, efeitos adversos e uso indevido. Eles representam um capítulo im portante e particularm ente vital da psicofarmacologia clínica, com indica­ ções e aplicações no cotidiano da prática médica e psiquiátrica. Entretanto, é chegada a hora de dar um passo em frente no sentido de uma utilização consciente, racional e criteriosa dos BZDs. Os BZDs e as “drogas Z” podem ser de grande benefício no tratam ento de curta duração de diversos transtornos psiquiátricos, tanto em monoterapia como em associação. Entretanto, a relação custo-benefício do uso desses medicamentos a médio e longo prazos é m uito mais controversa, e o nível de evidência é significativam ente mais limitado.

REFERÊNCIAS 1. 2.

Lader M. Benzodiazepines revisited: will we ever learn? Addiction. 2011;106(12):2086-109. Huedo-Medina TB, Kirsch I, Middlemass J, Klonizakis M, Siriwardena AN. Effectiveness of non-benzodiazepine hypnotics in treatment of adult insomnia: meta-analysis of data submitted to the Food and Drug Administration. BMJ. 2012;345:e8343.

3.

Dell’osso B, Lader M. Do benzodiazepines still deserve a major role in the treatment of psychiatric disor­ ders? A critical reappraisal. Eur Psychiatry. 2013;28(l):7-20. Baldwin D, Woods R, Lawson R, Taylor D. Efficacy of drug treatments for generalised anxiety disorder: systematic review and meta-analysis. BMJ. 2011;342:dll99. Bandelow B, Zohar J, Hollander E, Kasper S, Mdller HJ; WFSBP Task Force on Treatment Guidelines for Anxiety, et al. World Federation of Societies of Biological Psychiatry (WFSBP) guidelines for the pharma­ cological treatment of anxiety, obsessive-compulsive and posttraumatic stress disorders - first revision. World J Biol Psychiatry. 2008;9(4):248-312. Versiani M, Nardi AE, Petribú KL, Figueira I, Marques C, Mendlowicz M, et al. Clonazepam in social phobia. J Bras Psiquiatr. 1997;46(2): 103-8. Mitte K. A meta-analysis of the efficacy of psycho- and pharmacotherapy in panic disorder with and without agoraphobia. J Affect Disord. 2005;88(l}:27-45. Offidani E, Guidi J, Tomba E, Fava GA. Efficacy and tolerability of benzodiazepines versus antidepressants in anxiety disorders: a systematic review and meta-analysis. Psychother Psychosom. 2013;82(6):355-62. Nardi AE, Valença AM, Nascimento I, Lopes FL, Mezzasalma MA, Freire RC, et al. A three-year follow-up study of patients with the respiratory subtype of panic disorder after treatment with clonazepam. Psychiatry Res. 2005;137(l-2):61-70. Gillies D, Sampson S, Beck A, Rathbone J. Benzodiazepines for psychosis-induced aggression or agitation. Cochrane Database Syst Rev. 2013;4:CD003079. Dold M, Li C, Tardy M, Khorsand V, Gillies D, Leucht S. Benzodiazepines for schizophrenia. Cochrane Database Syst Rev. 2012;11:CD006391. Bacelar A, Pinto Jr LR. Insônia: do diagnóstico ao tratamento. São Paulo: Omnifarma; 2013. Madhusoodanan S, Bogunovic OJ. Safety of benzodiazepines in the geriatric population. Expert Opin Drug Saf. 2004;3(5):485-93. Smink BE, Egberts AC, Lusthof KJ, Uges DRA, de Gier JJ. The relationship between benzodiazepine use and traffic accidents: a systematic literature review. CNS Drugs. 2010;24(8):639-53.

4. 5.

6. 7. 8. 9.

10. 11. 12. 13. 14.

194


16. Olfson M, King M, Schoenbaum M. Benzodiazepine use in the United States. JAMA. 2015;72(2):136-42. 17. Brogden RN, Goa KL. Flumazenil. A reappraisal of its pharmacological properties and therapeutic efficacy as a benzodiazepine antagonist. Drugs. 1991;42(6):1061-89. 18. Penninga El, Graudal N, Ladekarl MB, Jürgens G. Adverse events associated with flumazenil treatmentfor the management of suspected benzodiazepine intoxication: a systematic review with meta-analyses of randomised trials. Basic Clin Pharmacol Toxicol. 2016;118(l):37-44. 19. Voshaar RC, Couvée JE, van Balkom AJ, Mulder PG, Zitman FG. Strategies for discontinuing long-term benzodiazepine use: meta-analysis. Br J Psychiatry 2006;189:213-20. 20. Gould RL, Coulson MC, Patel N, Highton-Williamson E, Howard RJ. Interventions for reducing benzodiazepine use in older people: meta-analysis of randomised controlled trials. Br J Psychiatry. 2014;204(2):98-107. 21. de Vries OJ1, Peeters G, Elders R Sonnenberg C, Muller M, Deeg DJ, et al. The elimination half-life of benzodiazepines and fall risk: two prospective observational studies. Age Ageing. 2013;42(6):764-70. 22. Billioti de Gage S, Moride Y, Ducruet T, Kurth T, Verdoux H, Tournier M, etal. Benzodiazepine use and risk of Alzheimer’s disease: case-control study. BMJ. 2014;349:g5205. 23. Zhong G, WangY, Zhang Y, Zhao Y. Association between benzodiazepine use and dementia: a meta-analysis. PLoSOne. 2015;10(5):e0127836. 24. Gray SL, Dublin S, Yu 0, Walker R, Anderson M, Hubbard RA, et al. Benzodiazepine use and risk of incident dementia or cognitive decline: prospective population based study. BMJ. 2016;352:i90. 25. Kripke DF, Langer RD, Kline LE. Hypnotics’ association with mortality or cancer: a matched cohort study. BMJ. 2012;2(l):e000850. 26. Glass J, Lanctôt KL, Herrmann N, Sproule BA, Busto UE. Sedative hypnotics in older people with insomnia: meta-analysis of risks and benefits. BMJ. 2005;331(7526):1169. 27. Becker PM, Somiah M. Non-benzodiazepine receptor agonists for insomnia. Sleep Med Clin. 2015;10(l):57-76. 28. Park SM, Ryu J, Lee DR, Shin D, Yun JM, Lee J. Zolpidem use and risk of fractures: a systematic review and meta-analysis. Osteoporos Int. 2016;27(10):2935-44. 29. Sukys-Claudino L, Moraes WA, Tufik S, Poyares D. Novos sedativos hipnóticos. Rev Bras Psiquiatr. 2010;32(3):288-93. 30. Wright A, Diebold J, Otai J, Stoneman C, Wong J, Wallace C, et al. The effect of melatonin on benzodiaze­ pine discontinuation and sleep quality in adults attempting to discontinue benzodiazepines: a systematic review and meta-analysis. Drugs Aging. 2015;32(12):1009-18.

195

ANSI0LÍTIC0S E HIPNÓTICOS - BENZODIAZEPÍNICOS E NÃ0 BENZODIAZEPINICOS

15. Possidente E, Figueira I, Marques C, Nardi AE, Fontenelli L, Versiani M. Efeitos sexuais indesejáveis dos benzodiazepinicos. J Bras Psiquiatr. 1997;46(10):557-61.


Esta página foi deixada em branco intencionalmente


CAPÍTULO 7

PSICOESTIMULANTES MARIO R. LOUZÃ TÁKIATHANÁSSIOS CORDÁS

CONCEITO E HISTORIA

► Psicoestimulantes são medicamentos que aumen­ tam a atividade do sistema nervoso central (SNC) e do sistema nervoso periférico (SNP). A primeira anfetamina foi sintetizada pelo quím ico romeno Lazãr Edeleanu (1 8 6 1 -1 9 4 1 ), em Berlim, por volta de 1887, como parte de seu doutorado em Química. A substância existe na forma racêmica, dextro e levanfetamina (racêmico conhecido com o nome comercial benzedrina), sendo que, em 1937, Charles Bradley (1 9 0 2 -1 9 7 9 ) relatou melhora significativa em crian­ ças com transtornos do com portam ento tratadas com esse m edicam ento.1’2 O m etilfenidato foi sintetizado por Leandro Panizzon (1 9 0 7 -2 0 0 3 ) em 1944, mas, apenas em 1954, passou a ser utilizado como estimulante, inicialm ente em quadros geriátricos. Nos anos de 1950, os psicoestimulantes foram testados e aprovados para o tratam ento do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em crianças e, a partir dos anos de 1970, passaram a ser utilizados tam bém no TDAH em adultos. Já o m odafinil, considerado um medicamento “ promotor da vigília” e não propriamente um psicoestimulante, foi desenvolvido na França, na década de 1980, passando a ser comercializado em 1990, inicialm ente para o tra­ tam ento da narcolepsia.

FARMACOLOGIA ► ANFETAMINAS ► As anfetaminas de liberação imediata são absorvidas ra­ pidamente após ingestão oral, atingindo concentração máxima em 2 a 3 horas, tendo meia-vida em torno de 6 a 8 horas. Em vista disso, foram de­ senvolvidas várias formulações de liberação prolongada, principalm ente da D-anfetamina (três vezes mais potente que a L-anfetamina). No Brasil, está disponível apenas o mesilato de lisdexanfetamina, uma pró-droga inativa que, uma vez absorvida por via oral, é hidrolisada lentamente nas hemácias, liberando D-anfetamina. Atinge concentração máxima em 0 ,2 5 a 3 horas e sua meia-vida é de 12 a 14 horas. Seu mecanismo de ação é o bloqueio do transportador de dopamina (DAT) e de norepinefrina (NET), dim inuindo a recaptação desses neurotransmissores, resultando em sua maior concentração na fenda sináptica.3,4

METILFENIDATO ► O metilfenidato de liberação imediata é absorvido rapida­ mente após ingestão oral, atingindo concentração máxima em 1 a 2 horas,

197


PSICOESTIMULANTES

tendo meia-vida em torno de 2 a 4 horas. As formulações de liberação pro­ longada têm duração de ação mais longa, variando conforme o método de liberação. O mecanismo de ação do m etilfenidato é sim ilar ao das anfetaminas, bloqueando os transportadores de dopamina e de norepinefrina, o que resulta em aumento dos neurotransmissores na fenda sináptica. MODAFINIL ► O m odafinil (racêmico do R-modafinil [arm odafinil] e S-modafinil) não é propriamente um psicoestimulante, mas um medicamento promotor da vigília. Ele é absorvido após ingestão oral e atinge concentração máxima em 2 a 4 horas, e sua meia-vida é de 12 a 15 horas. Seu mecanis­ mo de ação é complexo, envolvendo os sistemas catecolaminérgico, serotonérgico, glutamatérgico, gabaérgico, orexinérgico e histaminérgico cerebrais.

MANEJO CLINICO

► As principais formulações dos psicoestimulantes e do modafinil e suas doses habituais são apresentadas na Tabela 7.1.

PRINCIPAIS INDICAÇÕES

► As indicações de bula dos psicoestimulantes e do modafinil são apresentadas na Tabela 7.2. Além delas, há estudos mos-

TABELA 7.1 ► PRINCIPAIS FORMULAÇÕES DOS PSICOESTIMULANTES E 00 MODAFINIL DISPONÍVEIS NO BRASIL DURAÇÃO DA AÇÃ0

DOSE MÉDIA DIÁRIA

DOSE MÁXIMA DIÁRIA

Crianças

0,6 mg/kg

1,0 mg/kg

Adultos

40 mg

60 mg

Crianças

0,6 mg/kg

1,0 mg/kg

Adultos

54 mg

72 mg

Crianças

0,6 mg/kg

60 mg

Adultos

40 mg

80 mg

Crianças ( > 6 anos)

30-50 mg

70 mg

Adultos

50-70 mg

70 mg

Crianças

Não tem indicação de bula

Não tem indicação de bula

Adultos ( > 17 anos)

10-200 mg

400 mg

PSICOESTIMULANTES Metilfenidato de liberação imediata

3-4 horas

Metilfenidato de liberação prolongada (sistema OROS)

12 horas

Metilfenidato de liberação prolongada (sistema SODAS)

8 horas

Lisdexanfetamina

14 horas

AGENTE PROMOTOR DA VIGÍLIA Modafinil

15 horas

0 R 0 S = O sm o tic -R e le a s e O ral S yste m ; SODAS = S p h e ro id a l O ral D rug A b s o rp tio n S yste m .

198


TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/HIPERATIVIDADE (TDAH) ► Os psicoestimulantes são usados, principalm ente, no tratam ento do TDAH em todas as faixas etárias. Sua eficácia tem sido demonstrada em numerosos estudos clínicos e metanálises.5’6 Foi observada tam bém melhora da inibição de resposta (ta­ manho de efeito 0 ,4 0 ), da memória operacional (tamanho de efeito 0 ,2 4 ) e da atenção sustentada (tamanho de efeito 0 ,4 2 ) tanto na população infantil quanto na adulta.7 O início do tratam ento deve ser feito com dose pequena para evitar os efeitos colaterais, com aumento progressivo da dose até que seja atingido o objetivo terapêutico.

TRANSTORNOS DO HUMOR ► Os psicoestimulantes reduzem a fadiga, pro­ movem alerta e elevam o humor de maneira diversa dos antidepressivos. Anfetaminas foram usadas no tratam ento da depressão desde 1930, mas foram abandonadas em função do risco elevado de dependência e tolerância e do desenvolvimento de quadros paranoides esquizofreniformes. O m etilfenidato tem sido usado quando se requer uma rápida melhora do humor em situações em que a dependência não é um problema a considerar, como no caso de pacientes com quadro term inal. Série de casos e estudos abertos usaram doses de até 30 m g/dia.8 Delbari e colaboradores9 utiliza­ ram doses de m etilfenidato de até 4 0 mg/dia no tratam ento de depressão pós-acidente vascular cerebral (pós-AVC) com melhora dos sintomas de hu­ mor já na primeira semana. Embora os antidepressivos, particularm ente os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), sejam a primeira escolha, o uso de estimulantes pode ter um efeito positivo sobre a cognição e a função m otora.9 TABELA 7.2 ►INDICAÇÕES DE BULA DOS PSICOESTIMULANTES E DO MODAFINIL BULA

OFFLABEL (NÃO INCLUÍDAS EM BULA)*

Metilfenidato de liberação imediata

TDAH, narcolepsia

Metilfenidato de liberação prolongada (sistema SODAS)

TDAH

Metilfenidato de liberação prolongada (sistema OROS)

TDAH

Lisdexanfetamina

TDAH

Modafinil

Narcolepsia

Transtornos do humor Fadiga/apatia (secundária a câncer) Sonolência excessiva diurna Transtorno de compulsão alimentar Doença de Parkinson e outras patologias neurológicas Déficits cognitivos em síndromes orgânicas (p. ex., HIV) Sequelas de trauma craniencefálico Risco de queda (idosos) Delirium apático Demências (apatia) Cuidados paliativos

Para as condições descritas, variam os medicamentos que foram estudados ou utilizados

199

PSICOESTIMULANTES

trando a utilidade desses medicamentos em outras condições médicas ou psiquiátricas, porém não incluídas em bula (o ff labei).


PSICOESTIMULANTES

Mais recentemente, o modafinil tem sido usado como potencializador do tratam ento da depressão associado aos antidepressivos, sem os riscos de tolerância, dependência ou indução de quadros psicóticos. O modafinil em doses diárias de até 4 0 0 mg e o m etilfenidato em doses de até 40 mg têm sido testados para o tratam ento de episódios depressivos em associação com ISRSs, seja para potencialização da resposta antidepressiva, seja para a intervenção terapêutica específica de sintomas de fadiga e hipersonia. Em pacientes com depressão refratária, relatos de caso sugerem uma resposta clínica com modafinil até 4 0 0 mg/dia, metilfenidato até 4 0 mg/dia e lidexanfetamina até 70 mg/dia associados a ISRS.10 Um estudo duplo-cego demonstrou a utilidade da associação da lisdexanfetamina em doses de 3 0 a 50 mg/dia no tratam ento de pacientes deprimidos com sintomas residuais que estavam em uso de escitalopram. O uso de psicoestimulantes como adjuvantes no tratam ento de episódio de­ pressivo em transtorno bipolar também tem sido testado.11 Um estudo duplo-cego randomizado associou 100 a 2 0 0 mg/dia de modafinil a estabiliza­ dores do humor em 8 5 pacientes com depressão bipolar (64 com transtorno bipolar do tipo I), mostrando efeito antidepressivo superior ao do placebo sem aumento de virada m aníaca.12 No prestigiado Canadian NetWork for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT), o arm odafinil foi associado a esta­ bilizadores do humor como um dos tratamentos a testar na fase depressiva do transtorno bipolar.

TRANSTORNO DE COMPULSÃO AUMENTAR ► O transtorno de compulsão alim en­ tar periódica, apresentado no M anual diagnóstico e estatístico de transtor­ nos m entais, quarta edição, texto revisado (DSM-IV-TR, Apêndice B) como proposta para estudos adicionais, foi validado como diagnóstico no M anual diagnóstico e estatístico de transtornos m entais, quinta edição (D SM -5)13 devido a sua utilidade clínica. Seu tratamento, realizado anteriormente com fármacos o ff lab ei (topiramato, diferentes tipos de antidepressivos, benzodiazepínicos), sofreu um grande impulso terapêutico com a aprovação da lisdexanfetamina pela Food and Drug Adm inistration (FDA) em 2 0 1 5 .14 A aprovação pela FDA deu-se após um trabalho controlado de 11 semanas em fase II e dois trabalhos controlados contra placebo em fase III. Nesses e em trabalhos posteriores, doses de 50 e 70 mg mostraram-se efetivas na re­ dução de dias com compulsão ao longo da semana, sendo que uma parcela dos pacientes obteve remissão dos episódios.15

OUTROS TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS OU CONDIÇÕES CLÍNICAS E NEUROLÓGICAS ► Conforme apresentado na Tabela 7.2, outras condições clínicas e psiquiátri­ cas têm sido abordadas com psicoestimulantes. De modo geral, o objetivo é melhorar a apatia e o alerta, reduzindo a sonolência diurna. Em linhas gerais, os princípios de uso dos psicoestimulantes são similares àqueles já descritos para o tratam ento do TDAFI ou dos transtornos do humor.

EFEITOS COLATERAIS ►

Os principais efeitos colaterais dos psicoestimulantes (m etilfenidato e anfetaminas) são a dim inuição do apetite e a insônia. A 200


USO INCORRETO, USO INDEVIDO, USO RECREATIVO, ABUSO E DEPENDÊNCIA DE PSICOESTIMULANTES ► O uso incorreto pode ocorrer em pacientes com in­ dicação médica para prescrição de psicoestimulantes, mas que não seguem a dosagem prescrita, em geral a aumentando por conta própria ou fazendo uso irregular, conforme sua “ necessidade” . O uso indevido de psicoestimulantes se dá em pessoas que não têm quadro psiquiátrico que justifique a prescrição desses agentes. Os medicamentos são utilizados como “sm a rt drugs", em geral em busca de um aumento de eficiência, por exemplo, para estudar para vestibular, na faculdade ou para

QUADRO 7.1 ► PRINCIPAIS EFEITOS COLATERAIS DOS PSICOESTIMULANTES (METILFENIDATO EANFETAMINAS) Perda de apetite Insônia Náusea Cefaleia Irritabilidade Sudorese excessiva Aumento da frequência cardíaca Aumento da pressão arterial

201

PSICOESTIMULANTES

dim inuição do apetite é mais im portante nas crianças, devendo seu peso ser regularmente monitorado. Nos adultos, o im pacto é menos relevante. A insônia ocorre principalm ente se o medicamento é tomado em horário inadequado. Isso é mais im portante no caso dos agentes de liberação pro­ longada, se tomados m uito tarde, pois, por conta de sua duração de ação, podem invadir o horário de sono do paciente. Outros efeitos colaterais estão listados no Quadro 7.1. Nas crianças, é essencial monitorar o crescimento, uma vez que alguns estu­ dos apontam dim inuição do ritm o de crescimento com o uso de psicoestimulantes. Se o peso e a altura estão abaixo do esperado na curva de de­ senvolvimento estato-ponderal, recomenda-se a suspensão do tratam ento durante os meses de férias escolares. Os psicoestimulantes produzem aumento discreto de pressão arterial e fre­ quência cardíaca, especialmente em adultos. O uso de psicoestimulantes não aumenta o risco de complicações cardiovasculares graves (AVC, infarto do miocárdio, morte súbita) nas populações infantil e adulta.15,17 Os principais efeitos colaterais do modafinil são: cefaleia, náusea, irritabilida­ de, dispepsia e insônia. De modo geral, é um medicamento bem-tolerado, com baixo potencial de risco de abuso ou dependência.


PSICOESTIMULANTES

concursos. A “ intensificação cognitiva” ( enhancem ent) tem sido questionada do ponto de vista ético, sendo considerada por alguns como um doping cerebral.18,19 O uso recreativo, o abuso e a dependência de psicoestimulantes é mais frequente com o m etilfenidato de liberação imediata, uma vez que esse fármaco alcança mais rapidamente um pico plasmático elevado, produzindo a desejada sensação de bem-estar ou prazer (“h ig h ” ). Os medicamentos de liberação prolongada, por suas características farmacocinéticas, não produ­ zem o “high" desejado, envolvendo, assim, baixo potencial de uso recreativo e abuso. De todo modo, o potencial dos psicoestimulantes em causar depen­ dência é m uito inferior ao de outros estimulantes do SNC, como a cocaína e a metanfetamina. Aparentemente, não induzem a fissura ou o craving nem apresentam tolerância significativa em longo prazo.

REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5.

Bradley C. The behavior of children receiving Benzedrine. Am J Psychiatry. 1937;94(3):577-85. Brown WA. Charles Bradley, M.D., 1902-1979. Am J Psychiatry. 1998;155(7):968. Mariotti KC, Rossato LG, Froehlich PE, Limberger RR Amphetamine-type medicines: a review of pharma­ cokinetics, pharmacodynamics, and toxicological aspects. CurrClin Pharmacol. 2013;8(4):350-7. Hutson PH, Pennick M, Seeker R. Preclinical pharmacokinetics, pharmacology and toxicology of lisdexamfetamine: a novel d-amphetamine pro-drug. Neuropharmacology. 2014;87:41-50. Cunill R, Castells X, Tobias A, Capellà D. Efficacy, safety and variability in pharmacotherapy for adults with attention deficit hyperactivity disorder: a meta-analysis and meta-regression in over 9000 patients. Psychopharmacology. 2016;233(2):187-97.

6.

Stuhec M, Munda B, Svab V, Locatelli I. Comparative efficacy and acceptability of atomoxetine, lisdexamfetamine, bupropion and methylphenidate in treatment of attention deficit hyperactivity disorder in children and adolescents: a meta-analysis with focus on bupropion. J Affect Disord. 2015;178:149-59. 7. Tamminga HG, Reneman L, Huizenga HM, Geurts HM. Effects of methylphenidate on executive functioning in attention-deficit/hyperactivity disorder across the lifespan: a meta-regression analysis. Psychol Med. 2016;46(9): 1791-807. 8. Macleod AD. Methylphenidate in terminal depression. J Pain Symptom Manage. 1998;16(3):193-8. 9. Delbari A, Salman-Roghani R, Lokk J. Effects of methylphenidate and/or levodopa combined with phy­ siotherapy on mood and cognition after stroke: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Eur Neurol. 2011;66(1):7-13. 10. Trivedi MH, Cutler AJ, Richards C, Lasser R, Geibel BB, Gao J, et al. A randomized controlled trial of efficacy and safety of Iisd exa mfeta mine dimesylate as augmentation therapy in adults with residual symptoms of major depressive disorder after treatment with escitalopram. J Clin Psychiatry. 2013;74(8):802-9. 11. Frye MA, Grunze H, Suppes T, McElroy SL, Keck PE Jr, Walden J, et al. A placebo-controlled evaluation of adjunctive modafinil in the treatment of bipolar depression. Am J Psychiatry. 2007; 164(8): 1242-9. 12. Yatham LN, Kennedy SH, Parikh SV, Schaffer A, Beaulieu S, Alda M, et al. Canadian Network for Mood and Anxiety Treatments (CANMAT) and International Society for Bipolar Disorders (ISBD)collaborative update of CANMAT guidelines for the management of patients with bipolar disorder: update 2013. Bipolar Disord. 2013;15(l):l-44. 13. American Psychiatry Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5. 5th ed. Washington: APA; 2013. 14. Accessdata.fda.gov [Internet], Silver Spring: FDA; c2017 [capturado em 16 mar. 2017], Disponível em: http ://www. accessd ata id a .gov/sc ri pts/cd er/d af/. 15. Citrome L. Lisdexamfetamine for binge eating disorder in adults: a systematic review of the efficacy and safety profile for this newly approved indication: what is the number needed to treat, number needed to harm and likelihood to be helped or harmed? Int J Clin Pract. 2015;69(4):410-21.

202


LEITURAS RECOMENDADAS Andrade ER, Louzã Neto MR. Psicofarmacologia em psiquiatria: psicoestimulantes. In: Miguel EC, Gentil V, Gattaz W. Clínica psiquiátrica. Barueri: Manole; 2011. p. 1232-5. Briars L, Todd T. A review of pharmacological management of attention-deficit/hyperactivity disorder. J Pediatr Pharmacol Ther.2016;21(3):192-206. Clemow DB, Walker DJ. The potential for misuse and abuse of medications in ADHD: a review. Postgrad Med. 2014;126(5):64-81. Elia J. Attention deficit/hyperactivity disorder: pharmacotherapy. Psychiatry (Edgmont). 2005;2(l):27-35. Faraone SV, Biederman J, Morley CR Spencer TJ. Effect of stimulants on height and weight: a review of the literature. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2008;47(9):994-1009. Heal DJ, Smith SL, Gosden J, Nutt DJ. Amphetamine, past and present--a pharmacological and clinical pers­ pective. J Psychopharmacol. 2013;27(6):479-96. Lange KW, Reichl S, Lange KM, Tucha L, Tucha 0. The history of attention deficit hyperactivity disorder. Atten Defic Hyperact Disord. 2010;2(4):241-55. Minzenberg MJ, Carter CS. Modafinil: a review of neurochemical actions and effects on cognition. Neuropsycho­ pharmacology. 2008;33(7):1477-502. Sinita E, Coghill D. The use of stimulant medications for non-core aspects of ADHD and in other disorders. Neuropharmacology. 2014;87:161-72.

203

PSICOESTIMULANTES

16. Martinez-Raga J, Knecht C, Szerman N, Martinez Ml. Risk of serious cardiovascular problems with medi­ cations for attention-deficit hyperactivity disorder. CNS Drugs. 2013;27(l):15-30. 17. Hammerness PG, Karampahtsis C, Babalola R, Alexander ME. Attention-deficit/hyperactivity disorder treatment: what are the long-term cardiovascular risks? Expert Opin Drug Saf. 2015;14(4):543-51. 18. Sahakian BJ, Bruhl AB, Cook J, Killikelly C, Savulich G, Piercy T, et al. The impact of neuroscience on society: cognitive enhancement in neuropsychiatrie disorders and in healthy people. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2015;370(1677):20140214. 19. Sahakian BJ, Morein-Zamir S. Pharmacological cognitive enhancement: treatment of neuropsychiatrie disorders and lifestyle use by healthy people. Lancet. 2015;2(4):357-62.


Esta página foi deixada em branco intencionalmente


CAPITULO 8

TERAPIAS DE NEUROMODULAÇÃO INVASIVA: ECT E DBS. ESTIMULAÇÃO ENCEFÁLICA PROFUNDA EM PSIQUIATRIA ANTONIO CARLOS LOPES EDOARDO FILIPPO DE QUEIROZ VATTIMO

Em 1888, Gottlieb Burckhardt, pela primeira vez, empregou um procedimen­ to neurocirúrgico para tratar seis pacientes psiquiátricos. Esse estudo, no entanto, não teve boa aceitação na literatura da época e acabou sendo praticamente esquecido. Em 1935, Egas Moniz, com base em estudos de neuroanatomia do sistema límbico de animais, propôs operar pacientes psi­ quiátricos com variados diagnósticos por meio de uma técnica denominada leucotomia pré-frontal. Os resultados preliminares sugeriam algum controle dos sintom as.1 Naquele período, dado o aumento vertiginoso de pacientes psiquiátricos internados de forma asilar e a inexistência de tratam entos far­ macológicos e psicoterápicos eficazes para transtornos mentais graves, as neurocirurgias psiquiátricas (mais conhecidas por “ psicocirurgias” ) torna­ ram-se uma das poucas intervenções disponíveis em psiquiatria. O emprego dessas técnicas se disseminou rapidamente na Europa e nos Estados Unidos. Houve, no entanto, até a primeira metade do século XX, uma explosão no número de procedimentos neurocirúrgicos em pacientes psiquiátricos, fre­ quentemente sem os devidos cuidados quanto a indicações, questões éticas e seguimento pós-operatório. A partir de meados da década de 1950, com a introdução dos primeiros psicofármacos e o aperfeiçoamento de técnicas psicoterápicas, as indicações de neurocirurgia dim inuíram vertiginosamente. Assim, especialmente da dé­ cada de 1960 e 1970 em diante, apenas os pacientes psiquiátricos mais graves e refratários a diversos tratam entos farmacológicos e psicoterápicos passaram a ser indicados para procedimentos neurocirúrgicos. De forma concomitante, na segunda metade do século XX, as técnicas cirúrgicas foram aperfeiçoadas, produzindo lesões cada vez menores, menos invasivas e com um perfil de eventos adversos consideravelmente melhor.

205


TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

No início da década de 1950, o neurofisiologista José Delgado e o psiquiatra Robert Heath descreveram de forma independente o que possivelmente fo­ ram os primeiros implantes de eletrodos em regiões subcorticais de seres humanos, visando, já naquela época, controlar os sintomas de pacientes psicóticos.2 No entanto, somente a partir de 1987, foram realizados estudos metodologicamente mais adequados para avaliar os efeitos de um im plante de eletrodo em regiões cerebrais, mais especificamente para o tratam ento de uma doença neurológica.3 Essa técnica era denominada estimulação encefá­ lica profunda (EEP, do inglês deep brain stim u la tio n ). O princípio da técnica é modular o funcionam ento de circuitos envolvidos na fisiopatologia de uma doença neurológica ou psiquiátrica, mediante estim u­ lação elétrica crônica diretamente nesses circuitos, com o mínimo possível de lesão tecidual. São instalados eletrodos em regiões cerebrais relacionadas à fisiopatologia de determinado transtorno mental, que, posteriormente, são conectados a um neuroestimulador (semelhante a um marca-passo), em ge­ ral localizado sob a pele na região subclavicular. A função do neuroestimu­ lador é transm itir estímulos elétricos para a região anatômica dentro do cérebro onde a ponta do eletrodo foi instalada, alterando o funcionamento daquela região. Na década de 1990, já era possível identificar que, apesar dos avanços da psicofarmacologia e do emprego da terapia cognitivo-comportamental (TCC), uma parcela de pacientes psiquiátricos não se beneficiava de sucessivos tratamentos. Somente a partir de 1999, no entanto, começaram a ser pu­ blicados estudos relativos à EEP em psiquiatria, iniciando por Vandewalle e colaboradores (no transtorno de Tourette) e Nuttin e colaboradores (no transtorno obsessivo-compulsivo [TOC]).4,5 Considerando a relativa eficácia e a segurança desses procedimentos cirúrgicos, outros transtornos mentais passaram a merecer atenção, principalm ente a depressão refratária. Mais recentemente, até mesmo a anorexia nervosa e o transtorno por uso de subs­ tâncias estão sendo investigados.

INDICAÇÕES

► As principais indicações da EEP em psiquiatria são o TOC, a depressão maior e o transtorno de Tourette. Recentemente, vem sendo inves­ tigado o emprego de EEP em outros transtornos, como a anorexia nervosa, os transtornos por uso de substâncias e os transtornos mentais que evoluem com agressividade refratária.5'8 Estes últim os, no entanto, não podem ser considerados indicações habituais de EER uma vez que existe ainda pouca evidência científica. Descrevemos, a seguir, princípios gerais das indicações da EEP em psiquiatria e os resultados do emprego dessa modalidade cirúrgica nos transtornos men­ tais mais indicados.

PRINCÍPIOS GERAIS DA INDICAÇÃO DE NEUROCIRURGIA EM PSIQUIATRIA ► Nas últi­ mas décadas, apesar dos consideráveis avanços relativos ao aumento da segurança dos procedimentos neurocirúrgicos em psiquiatria, vale sempre ressaltar que todo procedimento cirúrgico apresenta algum risco. Além disso, certas complicações de neurocirurgias, embora infrequentes, são potencial206


• O paciente encontra-se em faixa etária entre 18 e 65 anos. • A condição do paciente é m uito grave, e existe com prom etim ento psicossocial evidente em diversas esferas (ocupacional, educacional, familiar, afetiva, etc.) em decorrência do transtorno mental, sugestivo de prognóstico ruim. • A presença de evidências inequívocas de falha terapêutica de sucessivos tratam entos farmacológicos corretamente conduzidos (doses corretas, tempos de uso adequados), bem como de psicoterapias corretamente indicadas e conduzidas, com técnicas específicas para o transtorno mental do paciente. • O paciente compreende adequadamente as informações quanto à eficácia e aos riscos do procedimento e está de acordo em se submeter à moda­ lidade de neurocirurgia. • O paciente e a família se comprometem a manter o seguimento de longo prazo no pós-operatório no serviço médico especializado que o acompanha. Contrariamente, há presença de indícios de condições gerais que contraindicam o tratam ento com EEP em psiquiatria, como: • • •

Doença clínica ou neurológica grave em comorbidade Gestação Diagnóstico adicional em comorbidade mais grave que o diagnóstico que indicaria a cirurgia (p. ex., esquizofrenia, transtorno factício, retardo mental grave, transtorno da personalidade, etc.)

Quanto a questões éticas, devemos enfatizar que, segundo as Resoluções n° 1.407 e 1 .4 0 8 do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 1994, a neurocirurgia para tratam ento de transtornos mentais poderá ser realizada apenas após o consentimento informado do paciente e a aprovação por um comitê externo de especialistas.9’10 No Estado de São Paulo, a avaliação neurocirúrgica por esse corpo de especialistas exige que, além da história de­ talhada e do termo de consentimento do paciente, sejam anexados pedidos de indicação de cirurgia por dois psiquiatras e dois neurocirurgiões de insti207

TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

mente graves. Assim, em regra, apenas indicamos o tratam ento cirúrgico de um transtorno mental àqueles pacientes que comprovadamente tenham se submetido a várias abordagens farmacológicas e psicoterápicas anteriores conduzidas de forma adequada, mas que não obtiveram, contudo, a eficácia terapêutica esperada. Vale ressaltar que os efeitos benéficos do tratam ento neurocirúrgico não costumam ser observados a curto prazo, podendo levar de várias semanas a meses para que alcancem eficácia satisfatória. Possivelmente, a EEP e outras técnicas cirúrgicas atuam mais como potencializadores dos efeitos dos medicamentos e da própria psicoterapia de que o paciente já fazia uso. Resumindo, não são apenas a gravidade do transtorno mental e o grau de com prom etim ento psicossocial que determinam a indicação cirúrgica, mas sobretudo a refratariedade a tratam entos convencionais. Independentemente do diagnóstico de base, existem alguns princípios co­ muns quanto à indicação cirúrgica entre os diferentes estudos:

*


TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

tuições diferentes, mais um exame de ressonância magnética de crânio do paciente e uma avaliação neuropsicológica. De posse desses documentos, o comitê designado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) irá avaliar se autoriza ou não a realização da neurocirur­ gia. Somente poderão ser operados pacientes autorizados expressamente pelo CREMESP Detalhamos, a seguir, os resultados dos estudos de EEP nas principais indi­ cações em psiquiatria.

TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO ► O tratam ento convencional do TOC costuma ser realizado mediante o emprego da terapia comportamental (par­ ticularm ente com as técnicas de exposição e prevenção de resposta) e de medicamentos específicos. A literatura indica claramente a eficácia dos inibi­ dores da recaptação de serotonina (IRSs), seletivos ou não, em regra empre­ gados em doses m uito elevadas. Também são úteis os potencializadores de efeito de IRSs, como neurolépticos e medicamentos que atuam no sistema glutamatérgico (como memantina, lamotrigina e topiram ato). Acredita-se, no entanto, que provavelmente 10 a 15% dos pacientes não respondem a diversas tentativas farmacológicas e psicoterápicas conduzidas de modo adequado. Os critérios de refratariedade a tratam entos no TOC geralmente exigem o emprego de pelo menos três IRSs nas doses máximas, por pelo me­ nos 12 semanas, associados a, no mínimo, dois potencializadores de efeito e 20 sessões ou mais de terapia comportamental com técnicas específicas, sem melhora significativa dos sintomas. Nessas situações, a neurocirurgia é uma opção que merece ser considerada, especialmente quando os casos tam bém são graves e crônicos. A partir da década de 1950, várias técnicas neurocirúrgicas (ou radiocirúrgicas) ablativas estereotáxicas foram desenvolvidas para tratam ento do TOC, entre elas a capsulotomia anterior, a cingulotom ia, a tractom ia do subcaudado e a leucotomia lím bica.11 Por sua vez, a partir do trabalho pioneiro de Nuttin e colaboradores, em 1999, um número crescente de estudos tem-se dedicado a estudar os efeitos da EEP no TOC refratário.5 Em contraparti­ da, existem poucos ensaios clínicos randomizados e controlados sobre esse tema, em alvos cirúrgicos diferentes e frequentemente com desenhos de estudo distintos entre si. As principais regiões-alvo para o im plante de eletrodos de EEP no TOC têm sido o braço anterior da cápsula interna (mais conhecido por região ventral capsular/ventral estriatal - VC/VE), a transição entre a região do nucleus accum bens e a cápsula interna (na literatura, denominado accum bens deep brain stim u la tio n - NAcc), o núcleo subtalâm ico (NS) e, mais recentemente, o pedúnculo talâm ico inferior e o núcleo da cama da stria te rm in a lis .5'12' 15 Em qualquer uma dessas regiões, a estimulação estará atuando, direta ou indiretamente, em circuitos neurais que estão relacionados à fisiopatologia do TOC. As técnicas mais empregadas e com maior evidência científica são, respectivamente, a EEP nas regiões VC/VE e no nucleus accum bens e a EEP no núcleo subtalâmico.

208


TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR (TDM) ► Apesar dos grandes avanços no trata­ mento antidepressivo nas últimas décadas, os casos de TDM que apresen­ tam refratariedade às opções terapêuticas atuais representam um grande dilema clínico para a psiquiatria moderna, bem como uma fonte de gran­ de sofrimento para os pacientes e seus familiares. Estima-se que cerca de 30% dos pacientes não respondem a quatro ou mais tratamentos diferentes consecutivos, configurando a chamada depressão resistente ao tratamento (DRT). Atualmente, a principal alternativa para pacientes refratários ao trata­ mento farmacológico é a eletroconvulsoterapia (ECT). No entanto, 52% dos pacientes que não respondem a antidepressivos também não respondem à ECT. Semelhantemente ao que ocorreu em relação ao TOC, a partir da década de 1950, técnicas neurocirúrgicas ablativas começaram a ser empregadas na DRT, em especial a cingulotom ia, a capsulotomia anterior, a tractotom ia subcaudada e a leucotomia límbica. Com o aumento do entendimento da neurocircuitaria do TDM, por meio de estudos de neuroimagem, as primeiras experiências com EEP começaram a surgir a partir de 2 0 0 0 . Os atuais alvos, derivados das técnicas ablativas iniciais, são o giro do cíngulo subcaloso (GCS), o feixe prosencefálico medial (FPM) e a região ventral capsular/ventral estriatal da cápsula interna (VC/VE), composta pela porção ventral do braço anterior da cápsula interna (BACI) e pelo NAcc. O tratam ento com EEP permanece experimental para a DRT, e os critérios de inclusão variam entre os estudos. Contudo, é possível citar os principais critérios utilizados para selecionar os pacientes: diagnóstico de TDM grave, unipolar; idade entre 18 e 65 anos; mais de dois anos de sintomas ou mais de quatro episódios com no mínimo cinco anos desde o primeiro, resposta insatisfatória ao tratam ento por ao menos seis semanas com ao menos qua209

*

TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

Em relação à eficácia, a maioria dos ensaios clínicos randomizados e duplos-cegos realizados indica que foi observada melhora significativa de sintomas do TOC com as técnicas de EEP em VC/VE, NAcc e NS em, respectiva mente, 25 a 67% , 57% e 50% dos pacientes operados.12,13’16' 18 No entanto, houve diferenças em relação ao perfil de eventos adversos. A hipomania parece uma manifestação frequente, independentemente da técnica utilizada. Por vezes, aumento de peso, sintomas depressivos e cefaleia vêm sendo des­ critos nos ensaios clínicos de EEP em VC/VE. Semelhantemente, cefaleia, parestesias, algumas alterações de atenção e memória, aumento de peso, aumento da libido e insônia também costumam ser relatados na EEP em NAcc. Entretanto, na estimulação do NS, foram observados eventos adversos graves, como hemorragia cerebral (1 /1 6 casos operados), encefalite (dois casos), hipomania (três casos), diplopia (um caso), discinesia transitória (um caso) e disartria/disfagia transitórias (um caso). A maior vantagem da EEP em relação a outros procedimentos é o fato de que muitos desses eventos adversos são estímulo-dependentes, ou seja, uma vez reduzida ou desligada a estimulação, os eventos adversos tendem a rapidamente reduzir de intensi­ dade ou desaparecer. Logo, se bem-indicada, a EEP pode ser um recurso promissor no tratam ento do TOC refratário.


TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

tro medicamentos (incluindo duas classes diferentes de antidepressivos de segunda geração, um inibidor da monoaminoxidase e potencialização com lítio), ao menos 20 sessões de psicoterapia e seis sessões de ECT; gravidade dos sintomas maior que 21 na Escala de Ham ilton para Depressão (HAM-D) ou na Escala de Depressão de Montgomery-Asberg (MADRS); e funciona­ mento global prejudicado. Em contrapartida, os critérios de exclusão mais utilizados envolvem: diagnóstico atual ou prévio de transtorno afetivo bipolar, psicose não afetiva, esquizofrenia ou transtorno esquizoafetivo, transtorno da personalidade grave, comorbidade neurológica importante, cirurgia ablativa prévia nos alvos da estimulação e contraindicações cirúrgicas à EER Os desfechos clínicos nos estudos que tinham como alvo o NAcc se apro­ ximaram de 50% de eficácia em coorte com quatro anos de seguimento, enquanto os estudos envolvendo também o BACI, ou seja, tendo como alvo todo o complexo V C /V E , apresentaram resposta de 53% em coorte com 17 pacientes e 12 meses de seguimento, chegando a até 71% no seguimento de longo prazo.19’20 Em um estudo controlado, duplo-cego e randomizado, com fases de estimulação sham , com uma amostra total de 2 5 pacientes, foi obtida uma taxa de resposta durante a fase aberta de 4 0 % .21 Nesse estudo, os resultados demonstraram um aumento significativo dos sintomas depres­ sivos na fase sham , sendo necessário retomar precocemente a estimulação em todos os respondedores e em três dos não respondedores devido à piora significativa. Após um dia do reinicio da estimulação, por sua vez, a resposta nos respondedores foi retomada. Contudo, um estudo controlado com esti­ mulação sham recente, com duração total de 16 semanas, mas com menor período aberto de otimização, apresentou resultados preliminares negativos e foi descontinuado.22 Já nos estudos que tinham como alvo o GCS, as taxas de resposta variaram de 29% em um ensaio aberto m ulticêntrico a 92% em um ensaio com pe­ ríodo de quatro semanas de controle.23’24 Apesar de esse últim o estudo demonstrar recidiva dos sintomas depressivos durante a fase cega de descontinuação, um estudo duplo-cego randomizado, controlado e m ulticêntrico envolvendo o GCS também foi descontinuado precocemente por ineficácia. A estimulação do FPM, por sua vez, foi objeto de estudo de um ensaio controlado com fase de estimulação sham , que obteve resposta em três de quatro pacientes da amostra durante a fase ativa, sem melhora significativa durante a fase sham .25 Os efeitos colaterais da EEP no TDM podem ser divididos em complicações decorrentes da cirurgia em si e efeitos adversos da estimulação. A maioria dos casos de complicações operatórias envolveu infecções superficiais do sí­ tio cirúrgico, de fácil resolução, além de edema periorbital e efeitos colaterais como dor no local da incisão e cefaleia. Porém, em um caso envolvendo o FPM, foi relatada a ocorrência de hemiparesia temporária resultante de sangramento cerebral, e, em outro estudo envolvendo o BACI, foi relatada a ocorrência de d e liriu m no pós-operatório. O principal efeito adverso decor­ rente da estimulação, por sua vez, foram oscilações do humor, incluindo mania/hipomania, e piora dos sintomas depressivos. Outros efeitos observados 210


TRANSTORNO DE TOURETTE ► O transtorno de Gilles de la Tourette (TGT) é uma doença neuropsiquiátrica de início na infância, caracterizada por tiques motores e vocais, definidos como movimentos ou vocalizações súbitos, rápi­ dos, recorrentes e não rítmicos, com grande im pacto na funcionalidade e na qualidade de vida dos pacientes. Os tiques tendem a dim inuir ao longo da adolescência, mas em até 20% dos casos podem perdurar ou mesmo piorar na idade adulta. Em relação ao tratamento, geralmente são emprega­ dos ou agonistas a2-adrenérgicos de ação central (como a clonidina), ou antipsicóticos típicos (pimozida, haloperidol) e atípicos (risperidona, aripiprazol, ziprasidona) e, eventual mente, topiramato. A psicoterapia também é fundam ental, especialmente a terapia com porta mental com técnicas de treinamento de reversão de hábito e exposição com prevenção de resposta. A maioria dos estudos considera como refratários aqueles pacientes que não apresentaram melhora com ao menos três medicamentos de classes diferen­ tes indicados para o tratam ento da doença, associados à psicoterapia por ao menos dois anos. Ainda em fase experimental, a EEP constitui uma estratégia de tratam ento para os casos refratários. Com o objetivo de uniform izar os estudos, a Associação Americana de Tourette (TAA) criou critérios de consenso para inclusão de pacientes em ensaios com EER os quais incluem: tiques como principal causa de disfuncionalidade, pontuação na Escala de Gravidade Global de Tiques de Yale (YGTSS) superior a 35, idade superior a 18 anos, documentação em vídeo dos tiques, falha terapêutica com o uso de três medicamentos de classes diferentes, realização de terapia com porta mental, se possível, tratam ento e documentação das comorbidades psiquiátricas, estabilidade de comorbidade clínica, se presente, bom suporte psicossocial e ausência de ideação suicida ou homicida por ao menos seis meses. As primeiras intervenções neurocirúrgicas para o tratam ento do TGT inicia­ ram na década de 1970 com o uso de técnicas ablativas envolvendo núcleos talâm icos do complexo centromediano-parafascicular e os núcleos ventrais orais internos (CP/VO). A escolha desse alvo em particular se deve à hipótese 211

*

TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

foram diplopia vertical, cefaleia, agitação, desinibição, hiperidrose, fuga de ideias, aumento da libido, inquietude, alterações do paladar, alucinações e alterações do sono. Tais efeitos, contudo, foram passíveis de correção por meio de ajustes dos parâmetros de estimulação e apresentaram tolerância progressiva, rem itindo durante o seguimento. Também foram observadas tentativas de suicídio, incluindo casos com sucesso, durante os períodos de estimulação. No entanto, não é possível atribuir esses eventos diretamente à estimulação, uma vez que o mesmo foi observado quando o estim ulador estava desligado. Embora os estudos tenham buscado excluir pacientes com ideação suicida, essa manifestação é m uito prevalente no TDM, em especial nos casos refratários, sendo extremamente difícil evitá-la por completo. Os resultados obtidos até o momento em ensaios abertos demonstram efeitos promissores da EEP no TDM, porém a magnitude de efeitos dessa abordagem nos ensaios clínicos não parece tão evidente, sendo observados, inclusive, alguns resultados negativos.


TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

do envolvimento dos circuitos córtico-estriado-tálam o-corticais na fisiopatologia do TGT. Em 1999, Vandewalle e colaboradores4 descreveram o prim ei­ ro estudo de EEP nesses núcleos talâmicos. Seguiram-se estudos envolvendo alvos adicionais que pertencem ao mesmo circuito, como o NAcc/BACI, o NS, o núcleo dorsomedial do tálamo, o globo pálido externo (GPe) e o globo pálido interno (GPi), envolvendo tanto sua porção anteromedial (am) como a posterolateral (pl). O alvo ideal para EEP em TGT ainda não está bem-definido na literatura. Em uma revisão sistemática, Balderman e colaboradores identificaram o tálam o como o alvo escolhido em 78 estudos, enquanto 4 4 escolheram o GPiam, 20 escolheram o GPipl, e 9, o NAcc/BACI.25 Embora poucos estudos sejam controlados, constatou-se uma dim inuição mediana de 52 ,6 % da YGTSS nos estudos levantados. Ainda, cerca de 80% dos pacientes apresentaram melhora de ao menos 25% na escala YGTSS, enquanto 54% melhoraram mais de 50% . Comparando-se o alvo escolhido, não foi possível detectar diferença estatisticamente significativa das taxas de melhora de cada alvo. Os efeitos colaterais descritos nos estudos com EEP em TGT foram variados. Descreveram-se casos de complicações cirúrgicas inflam atórias e infecciosas, envolvendo o neuroestimulador e as feridas operatórias. É im portante consi­ derar que cerca de um terço dos tiques observados nos pacientes com TGT é autodirecionado, podendo aumentar o risco infeccioso da ferida operatória. Esse risco é ainda mais exacerbado na presença de comportamentos com ­ pulsivos de verificação, que podem ocorrer devido ao TOC comórbido. Os eventos adversos decorrentes da estimulação elétrica, por sua vez, variam de acordo com o alvo escolhido. Em relação ao tálamo, o alvo mais estu­ dado, foram descritos: sonolência excessiva, disfunção erétil (tanto hiper quanto hipoereção), sintomas psicóticos, movimentos oculares anormais e manifestações visuais transitórias. Sintomas depressivos, déficit de memó­ ria, astenia, ansiedade, ganho de peso e agitação foram descritos nos estu­ dos envolvendo o GPipl. Já os eventos adversos descritos para o GPiam foram ansiedade, náusea, hipotonia, sintomas depressivos e impulsividade. Alterações do humor, principalm ente hipomania, mas tam bém depressão, bem como agitação e vertigem, foram descritos para NAcc/BACI. Ademais, os eventos adversos variam conforme o padrão de estimulação, que pode ser ajustado para se obter o melhor perfil de tolerabilidade. Por fim , sintomas de apatia foram descritos em todos os alvos, enquanto alguns casos apresenta­ ram piora dos tiques. Apesar dos resultados promissores, existem grandes dúvidas relacionadas à EEP em TGT, o que ainda confere ao procedimento um caráter experimental. Até o momento, entre os estudos realizados, poucos foram controlados, tota­ lizando um número de participantes ainda pequeno. É fundam ental, portan­ to, que sejam realizados novos estudos nos próximos anos para que o proce­ dim ento se consolide na prática clínica. Apesar das dificuldades metodológicas e da complexidade técnica, a EEP para TGT tem-se mostrado um método válido para pacientes bem-selecionados, graves e refratários. Em particular, nos casos em que há risco à integri212


CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme discutido anteriormente, o emprego da EEP para o tratam ento de transtornos mentais graves está indicado de modo exclusivo aos casos nos quais existe refratariedade comprovada a tratam entos medicamentosos e psicoterápicos adequadamente conduzidos em termos de dose, técnica e tempo de intervenção. Todos os pacientes obrigatoriamente precisam assinar um termo de consentimento e ser avaliados por um comitê de especialistas designado pelo Conselho Regional de Medicina de cada estado antes do procedimento cirúrgico. Para alguns transtornos mentais, os desfechos clínicos em termos de eficácia do procedimento de EEP são promissores. Dependendo da técnica emprega­ da, existe uma baixa incidência relativa de eventos adversos graves, mas a EEP não é uma modalidade cirúrgica desprovida de complicações. O custo do procedimento também é elevado. Em contrapartida, vale lembrar que a EEP não é a única modalidade de neurocirurgia que pode ser empregada para o tratam ento de um transtorno mental grave e intratável. A radiocirurgia Gamma Knife, as neurocirurgias ablativas convencionais e, mais recentemente, a neurocirurgia por ultrassom de alta intensidade podem ser utilizadas para o tratam ento de diferentes transtornos mentais, com eficácia possivelmente semelhante à da EEP, em ­ bora com outros perfis de eventos adversos.

REFERÊNCIAS 1. 2. 3.

4. 5. 6. 7. 8.

9.

Mashour GA, Walker EE, Martuza RL. Psychosurgery: past, present, and future. Brain Res Brain Res Rev. 2005;48(3):409-19. Hariz Ml, Blomstedt R Zrinzo L. Deep brain stimulation between 1947 and 1987: the untold story. Neurosurg Focus. 2010;29(2):E1. Benabid AL, Poliak R Louveau A, Henry S, de Rougemont J. Combined (thalamotomy and stimulation) stereotactic surgery of the VIM thalamic nucleus for bilateral Parkinson disease. Appl Neurophysiol. 1987 ;50(l-6):344-6. Vandewalle V, van der Linden C, Groenewegen HJ, Caemaert J. Stereotactic treatment of Gilles de la Tourette syndrome by high frequency stimulation of thalamus. Lancet. 1999;353(9154):724. Nuttin B, Cosyns R Demeulemeester H, Gybels J, Meyerson B. Electrical stimulation in anterior limbs of internal capsules in patients with obsessive-compulsive disorder. Lancet. 1999;354(9189):1526. Israel M, Steiger H, Kolivakis T, McGregor L, Sadikot AF. Deep brain stimulation in the subgenual cingulate cortex for an intractable eating disorder. Biol Psychiatry. 2010;67(9):e53-4. Voges J, Müller U, Bogerts B, Münte T, Heinze H-J. Deep brain stimulation surgery for alcohol addiction. World Neurosurg. 2013;80(3-4):S28.e21-31. Torres CV, Sola RG, Pastor J, Pedrosa M, Navas M, García-Navarrete E, et al. Long-term results of pos­ teromedial hypothalamic deep brain stimulation for patients with resistant aggressiveness. J Neurosurg. 2013;119(2):277-87. Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 1.407, de 1994 [Internet]. Brasília: CFM; 1994 [capturado em 17 mar. 2017], Disponível erm http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1994/1407_1994. htm.

213

*

TERAPIAS DE NEUR0M0DULAÇA0INVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

dade física dos pacientes, por exemplo, com tiques envolvendo a região da cabeça e do pescoço e autoagressão, além de comorbidades graves, a EEP se configura como um recurso de grande valia.


TERAPIAS DE NEUROMODULAÇAOINVASIVAPROFUNDA EM PSIQUIATRIA

10. Conselho Federal de Medicina. Resolução n° 1.408, de 1994 [Internet]. Brasília: CFM; 1994 [capturado em 17 mar. 2017], Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/1994/1408_1994. htm. 11. Lopes AC, de Mathis ME, Canteras MM, Salvajoli JV, Del Porto JA, Miguel EC. Atualização sobre o trata­ mento neurocirúrgico do transtorno obsessivo-compulsivo. Rev Bras Psiquiatr. 2004;26(l}:62-6. 12. Denys D, Mantione M, Figee M, van den Munckhof P Koerselman F, Westenberg H, et al. Deep brain stimulation of the nucleus accumbens for treatment-refractory obsessive-compulsive disorder. Arch Gen Psychiatry. 2010;67(10):1061-8. 13. Mallet L, Polosan M, Jaafari N, Baup N, Welter M-L, Fontaine D, et al. Subthalamic nucleus stimulation in severe obsessive-compulsive disorder. N Engl J Med. 2008;359(20):2121-34. 14. Jimenez F, Velasco F, Salin-Pascual R, Velasco M, Nicolini H, Velasco AL, et al. Neuromodulation of the inferior thalamic peduncle for major depression and obsessive compulsive disorder. Acta Neurochir Su­ ppl. 2007;97(Pt 2):393-8. 15. Islam L, Franzini A, Messina G, Scarone S, Gambini 0. Deep brain stimulation of the nucleus accumbens and bed nucleus of stria terminalis for obsessive-compulsive disorder: a case series. World Neurosurg. 2015;83(4):657-63. 16. Nuttin BJ, Gabriels LA, Cosyns PR, Meyerson BA, Andréewitch S, Sunaert SG, et al. Long-term electrical capsular stimulation in patients with obsessive-compulsive disorder. Neurosurgery. 2008;62(6 Suppl 3):966-77. 17. Abelson JL, Curtis GC, Sagher 0, Albucher RC, Harrigan M, Taylor SF, et al. Deep brain stimulation for refractory obsessive-compulsive disorder. Biol Psychiatry. 2005;57(5):510-6. 18. Goodman WK, Foote KD, Greenberg BD, Ricciuti N, Bauer R, Ward H, et al. Deep brain stimulation for intractable obsessive compulsive disorder: pilot study using a blinded, staggered-onset design. Biol Psychiatry. 2010;67(6):535-42. 19. Bewernick BH, Kayser S, Sturm V, Schlaepfer TE. Long-term effects of nucleus accumbens deep brain stimulation in treatment-resistant depression: evidence for sustained efficacy. Neuropsychopharmaco­ logy. 2012;37(9):1975-85. 20. Malone DA, Dougherty DD, Rezai AR, Carpenter LL, Friehs GM, Eskandar EN, et al. Deep brain stimu­ lation of the ventral capsule/ventral striatum for treatment-resistant depression. Biol Psychiatry. 2009;65(4):267-75. 21. Bergfeld 10, Mantione M, Hoogendoorn MLC, Ruhé HG, Notten P van Laarhoven J, et al. Deep brain stimu­ lation of the ventral anterior limb of the internal capsule for treatment-resistant depression: a randomized clinical trial. JAMA. 2016;73(5):456-64. 22. Dougherty DD, Rezai AR, Carpenter LL, Howland RH, Bhati MT, O'Reardon JR et al. A randomized sham-controlled trial of deep brain stimulation of the ventral capsule/ventral striatum for chronic treatment-resistant depression. Biol Psychiatry. 2015;78(4):240-8. 23. Lozano AM, Giacobbe P Hamani C, Rizvi SJ, Kennedy SH, Kolivakis TT, et al. A multicenter pilot study of subcallosal cingulate area deep brain stimulation for treatment-resistant depression. J Neurosurg. 2012;116(2):315-22. 24. Holtzheimer PE, Kelley ME, Gross RE, Filkowski MM, Garlow SJ, Barrocas A, et al. Subcallosal cingulate deep brain stimulation for treatment-resistant unipolar and bipolar depression. Arch Gen Psychiatry. 2012;69(2): 150-8. 25. Fenoy AJ, Schulz P Selvaraj S, Burrows C, Spiker D, Cao B, et al. Deep brain stimulation of the medial forebrain bundle: distinctive responses in resistant depression. J Affect Disord. 2016;203:143-51. 26. Baldermann JC, Schiiller T, Huys D, Becker I, Timmermann L, lessen F, et al. Deep brain stimulation for tourette-syndrome: a systematic review and meta-analysis. Brain Stimulât. 2016;9(2):296-304.

214


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.