Consultas em Psiquiatria - 2ª Edição - Ricardo Alberto Moreno - 2018

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RICARDO ALBERTO MORENO TÁKIATHANÁSSIOS CORDÁS ORGANIZADORES


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TERAPIAS NÂOINVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO ________ (EMT E ETCC) BERNARDO SAMPAIO-JUNIOR ANDRE R. BRUNONI

O uso da eletricidade como forma de tratam ento para doenças psiquiátricas não é novo. Há relatos de utilização médica da neuromodulação mesmo antes da invenção de armazenamento e descarga de energia elétrica. Por exemplo, Scribonius Largus, médico do imperador romano Claudius (4 3 -4 8 d.C.), descreveu a descarga elétrica do “ peixe torpedo” para o tratam ento da cefaleia em seu livro Com positiones M edicae. A partir do século XVIII, após o desenvolvimento da “ pilha voltaica” , de Alessandro Volta, a investigação do uso terapêutico da estimulação elétrica foi impulsionada. O maior avanço nessa área, entretanto, acontece no século XX, com o desen­ volvimento da técnica de eletroconvulsoterapia (ECT), introduzida por Ligo Cerletti e Lucino Bini, como uma forma mais segura de induzir convulsão em pacientes com transtornos psiquiátricos graves em comparação às alter­ nativas vigentes na época, como injeção intram uscular de óleo de cânfora ou choque insulínico. Quase 50 anos depois, o desenvolvimento da estim u­ lação magnética transcraniana (EMT), por Barker, em 1985, a reutilização da estimulação transcraniana por corrente contínua (ETCC), novas formas de ECT e EMT profunda revelaram a im portância da neuromodulação como modalidade terapêutica. Nesse sentido, a aprovação do uso clínico (não experimental) da estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) em vários países apresentou mais alternativas para o tratam ento de diversos transtornos psiquiátricos, como depressão unipolar, depressão bipolar e alguns sintomas da esquizofrenia. Pulsos simples de EMT sobre o córtex motor produzem contrações muscula­ res na mão contralatéral devido ao campo eletromagnético potente gerado pela bobina. Por sua vez, pulsos repetitivos de EMT (EMTr) podem induzir efeitos facilitatórios ou inibitórios de longo prazo sobre a atividade do cérebro de acordo com a frequência aplicada: a alta (geralmente > 5 Hz) induz au­ mento na excitabilidade cortical, enquanto a EMTr lenta ou de baixa frequên­ cia (geralmente < 1 Hz) tem efeitos opostos. Outras modalidades emergentes de tratam ento dos transtornos psiquiátricos são a ETCC, que consiste na aplicação de uma corrente elétrica contínua que circula entre dois eletrodos relativamente grandes, do ânodo para o cátodo, 215


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

induzindo alterações corticais polaridade-dependentes (o ânodo aumenta, e o cátodo dim inui, a excitabilidade cortical)1, e a EMT profunda, capaz de atingir, com a geração de um campo eletromagnético, regiões subcorticais mais profundas, não alcançadas diretamente por outras técnicas.2 Com o desenvolvimento da pesquisa clínica e da neurociência nos últim os 50 anos, o campo da neuromodulação experimentou um im portante avanço. A ampliação do entendimento do funcionam ento do sistema nervoso central (SNC) permitiu que fossem desenvolvidos diversos tipos de aparelhos biomédicos com diferentes propostas terapêuticas. As abordagens tam bém se especializaram com diferentes graus de “ invasão” : desde a ETCC e a EMTr (grau pequeno), a ECT (grau moderado), até chegar às técnicas propriamente invasivas, como a estimulação da medula espinal e a estimulação cerebral profunda. Essas técnicas vêm se mostrando extremamente promissoras no tratam ento de vários transtornos psiquiátricos, entre eles o transtorno de­ pressivo maior (TDM), o transtorno bipolar (TB), o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a esquizofrenia e a dependência de substâncias. Vale lembrar que, no Brasil, a EMT é indicada para as seguintes condições clínicas (não experimentais) na psiquiatria: depressão unipolar, depressão bipolar e alucinações auditivas na esquizofrenia. A ETCC tem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não está regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

EMTr EMTr NO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR ►

Pascual-Leone e colaboradores3 conduziram um dos primeiros ensaios clínicos randomizados avaliando o uso da EMTr no tratamento de depressão. Os autores estimularam diferentes áreas corticais, obtendo resposta clínica apenas quando a EMTr de alta frequência era aplicada sobre o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo (CPFDLE). A partir de 1996, diferentes grupos de pesquisa têm demonstrado resultados favoráveis com EMTr ao redor do mundo. Nesse contexto, dois estudos m ulticêntricos envolvendo EMTr são dignos de nota. Um deles é o de 0 ’Reardon e colaboradores,4 que avaliou 301 pacientes com TDM sem uso concomitante de antidepressivos. A aplicação da EMTr foi realizada sobre o CPFDLE na frequência de 10 Fiz (120% do lim iar motor), 3 mil pulsos por sessão, de 4 a 6 semanas. A EMTr ativa foi estatisticamente superior à estimulação simulada para a melhora de sinto­ mas depressivos nas semanas 4 e 6, avaliada com a Escala de Depressão de Montgomery-Asberg (MADRS). Em uma análise secundária desses dados, Lisanby e colaboradores5 demonstraram que os pacientes que apresentavam falha terapêutica a um antidepressivo (versus mais de um antidepressivo) apresentavam resposta terapêutica significativa. Posteriormente, um estudo m ulticêntrico realizado por George e colaborado­ res6 avaliou a eficácia desse mesmo protocolo em 199 pacientes deprimidos sem o uso concom itante de antidepressivos. O desfecho prim ário revelou um efeito significativo da EMTr ativa em relação ao placebo, considerando as taxas de remissão clínica (1 4 ,1 % EMTr ativa e 5,1% placebo, p = 0,02). 216


EMTr NO TRANSTORNO BIPOLAR ► EMTr NA MANIA ► Foram publicados, até o momento, cinco ensaios clínicos utilizando a EMTr. Todos esses estudos têm em comum o tam anho pequeno da amostra e o uso concomitante de estabilizadores do humor. Ainda, a maioria consistiu em estudos abertos, havendo apenas dois estudos rando­ mizados e controlados por estimulação simulada. Dessa maneira, os estudos realizados até o momento apresentam baixa qualidade metodológica e foram essencialmente exploratórios. O primeiro estudo foi realizado em 1998 por Grisaru e colaboradores.11 Nesse estudo “ parcialmente” duplo-cego (o estudo teve uma fase inicial não cega), com estimulação de 20 Hz (sequências de 2 segundos de duração, 20 sequências por dia, por 10 dias seguidos), 16 pacientes em mania foram randomizados para receber estimulação no córtex pré-frontal direito ou es­ querdo, sendo que a estimulação à direita foi mais efetiva em dim inuir os sintomas de mania (embora a estimulação à esquerda também tenha sido eficaz). Alguns anos depois, o mesmo grupo12 fez um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por estimulação simulada, com 13 pacientes em ma­ nia. Os resultados não mostraram diferença entre os grupos. Em 2 0 0 4 , foram publicados dois estudos abertos que utilizaram estimulação de alta frequência no córtex pré-frontal direito em o ito 13 e nove14 pacientes em mania, com resultados favoráveis para essa modalidade de intervenção. Em 2 0 0 9 , Praharaj e colaboradores,15 em um estudo randomizado, placebo-controlado, duplo-cego, estudaram a eficácia da EMTr em alta frequência 217

TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

Em uma metanálise recente, Berlim e colaboradores7 realizaram uma revisão de ensaios clínicos, randomizados, duplos-cegos, para EMTr de alta frequên­ cia empregada como estratégia aditiva para antidepressivos no TDM. Os au­ tores encontraram taxas significativam ente mais elevadas de resposta para EMTr ativa (43,3% , 8 4 -/1 9 4 ) em comparação com a EMTr placebo (26,8% ; 5 3 /1 9 8 ) (OR = 2,5, 1C 95% , 1 ,1 2 -5 ,5 6 , p = 0 ,0 2 5 ), porém as taxas de remissão não diferiram significativam ente entre os grupos (p = 0 ,3 3 ). Lam e colaboradores8 avaliaram a eficácia da EMTr para depressão resistente ao tratamento. Os autores revisaram 2 4 estudos (n = 1.092 pacientes) e observaram que as taxas de resposta e de remissão foram de 2 5 e 17% e 9 e 6% para EMTr ativa e placebo, respectivamente. Os autores também ressaltaram que desistências e taxas de eventos adversos foram baixas. Uma questão im portante é o uso da EMT no seguimento (fo llo w -u p ) após a remissão ser adquirida. Aqui, estratégias possíveis envolvem a manutenção do uso de antidepressivos, a realização de sessões de EMTr de 1 a 2 vezes por semana ou a observação cuidadosa, com novo ciclo de estimulação na recaída. Apesar de ainda pouco explorados, os principais preditores de resposta clíni­ ca para EMT parecem ser idade e refratariedade a tratamentos antidepressi­ vos, sendo que maior idade e maior número de tratamentos malsucedidos são preditores de má resposta clínica na depressão unipolar e de maior nú­ mero de tratamentos malsucedidos na depressão bipolar.9’10


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

(20 Hz, 110% do lim iar motor, 20 sequências, 10 segundos de intervalo en­ tre as sequências) no córtex pré-frontal dorsolateral direito em 41 pacientes em mania. Houve redução dos sintomas maníacos em 72% no grupo de estimulação ativa versus 43% no grupo de controle, a qual foi estatistica­ mente significativa. EMTr NO EPISÓDIO DE DEPRESSÃO BIPOLAR ► A justificativa para o uso de EMTr no tratam ento da depressão bipolar é semelhante à da depressão unipolar. O primeiro ensaio clínico relevante sobre depressão bipolar foi realizado com 20 pacientes alocados aleatoriamente para EMTr ativos ou placebo, com resultados que favorecem o grupo ativo. No entanto, um estudo semelhante com o mesmo projeto não conseguiu demonstrar efeitos de EMTr sobre os sintomas depressivos para pacientes com T B .16 Nahas e colaboradores,17 em um estudo de mesmo desenho e com 23 pa­ cientes, não demonstraram eficácia da técnica. O estudo também utilizou escalas para avaliação de mania e não mostrou indução maníaca nos pa­ cientes. Tamas e colaboradores15 realizaram um pequeno estudo com cinco pacientes diagnosticados com TB do tipo I que estavam em episódio de depressão, com humor estabilizado sem uso de antidepressivos, mas com a manutenção de outros medicamentos, como lítio, risperidona, valproato, entre outros. O estudo teve baixo rigor metodológico, mas foram demons­ trados resultados positivos após seis semanas de seguimento. Não houve indução de mania. Um estudo recente, aberto, envolveu 11 participantes com depressão bipo­ lar resistente ao tratamento. Os autores encontraram melhora dos sinto­ mas depressivos com a EMTr de baixa frequência sobre o CPFDL direito (CPFDLD).18 O mesmo grupo também informou que a remissão imediata (i.e., a resposta clínica ideal para o tratam ento da depressão bipolar com EMTr) previu benefícios sustentados para um seguimento de um ano de du­ ração.19 Também são dignos de nota alguns estudos de EMTr com partici­ pantes inscritos com episódios depressivos tanto unipolares como bipolares. Em geral, não foram observadas diferenças significativas quanto à eficácia clínica nesses subgrupos.

Dell’Osso e colaboradores19 estudaram 11 pacientes resistentes a tratam ento medicamentoso com TB do tipo I ou II durante episódio depressivo. Nesse estudo aberto, foi utilizada EMTr de baixa frequência no CPFDLD durante três semanas. Os autores observaram que a técnica foi efetiva e bem-tolera­ da pelos pacientes.

EMTr NA ESQUIZOFRENIA E EM TRANSTORNOS RELACIONADOS ► ALUCINAÇÕES AUDITIVAS ► Considerando sintomas positivos, o córtex tem po­ roparietal esquerdo tem sido apontado como fator estrutural im portante na topografia dos sintomas alucinatórios auditivos.20 A escolha desse local é baseada em estudos de neuroimagem que descrevem aumento da atividade nas áreas de percepção da fala, relacionando-se com as alucinações audi­ tivas. Hoffman e colaboradores21 realizaram um estudo com três pacientes esquizofrênicos que apresentavam alucinações auditivas persistentes, nos 218


SINTOMAS NEGATIVOS ► Os sintomas negativos da esquizofrenia incluem afeto embotado, apatia e anedonia.31,32 Vários estudos mostram que esses sin­ tomas estão relacionados a um funcionam ento global pré-mórbido baixo, quociente de inteligência (Ql) baixo33 e pior prognóstico clínico. Embora os antipsicóticos sejam efetivos no manejo dos sintomas positivos, os sintomas negativos geral mente persistem ou até pioram, em alguns casos, com esses tratam entos.34 219

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quais aplicaram EMTr de baixa frequência (1 Hz) na área temporoparietal esquerda (80% do lim iar motor, total de 2 .8 8 0 pulsos). Os três pacientes mostraram melhora na intensidade das alucinações, e dois tiveram remissão quase completa das alucinações durante duas semanas. Resultados seme­ lhantes foram encontrados por d 'Alfonso e colaboradores.22 0 córtex temporoparietal esquerdo troca conexões funcionais com o córtex temporal e a área de Broca durante a percepção da fala. A redução das alucinações auditivas secundárias à estimulação do córtex temporoparietal esquerdo pode, então, refletir em efeitos propagados para essa rede de distri­ buição.23 Fox e colaboradores24 observaram que a EMTr a 1 Hz aplicada no córtex motor prim ário aumenta o fluxo sanguíneo no local estim ulado e cau­ sa diversos efeitos distantes pela conectividade excitatória ou inibitória. Esse fenômeno im plica que o efeito da EMTr pode se espalhar para o hemisfério oposto por meio de conexões inter-hemisféricas. Os achados de Lee e cola­ boradores25 sugerem que o circuito auditivo responsável pelas alucinações auditivas engloba ambos os hemisférios, direito e esquerdo. De modo al­ ternativo, a estimulação do hemisfério direito pode afetar o córtex auditivo esquerdo por meio de fibras transcalosas, da mesma forma que a estim ula­ ção de uma região cortical pode induzir um foco de espelho no hemisfério oposto.26 Li e colaboradores27 demonstraram que a EMTr também causa alterações subcorticais. Em 2 0 0 5 , Hoffman e colaboradores randomizaram 20 pacientes com esqui­ zofrenia ou transtorno esquizoafetivo que apresentavam alucinações auditi­ vas refratárias para receber EMTr ou placebo. A estimulação foi realizada a 1 Hz durante nove dias, com 90% do lim iar motor. Os autores encontraram uma resposta (redução de pelo menos 50% nos sintomas) em 10 dos 12 pacientes tratados com EMTr (r = 0 ,0 0 4 ).28 Pelo menos duas metanálises20’29 demonstraram a eficácia da estimulação com baixa frequência no córtex temporoparietal esquerdo no tratam ento das alucinações auditivas na esquizofrenia. No entanto, um ensaio clínico tam bém apontou eficácia quando a mesma região no hemisfério direito foi estimulada. Recentemente, Slotema e colaboradores30 realizaram uma metanálise na qual avaliaram os resultados de 25 estudos, de 1966 a 2 0 1 3 , sobre a eficá­ cia do tratam ento com EMTr para alucinações auditivas na esquizofrenia. Foi encontrado resultado significativam ente satisfatório para o tratam ento desse sintoma em relação ao placebo, sobretudo em pacientes resistentes ao tratam ento medicamentoso, com aplicação de baixa frequência no córtex temporoparietal esquerdo. A estimulação no córtex temporoparietal direito, por sua vez, não apresentou resultados superiores ao placebo.30


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

Estudos de neuroimagem têm demonstrado redução no metabolismo do cór­ tex pré-frontal em pacientes com esquizofrenia tanto medicados como não medicados35 e não parecem se relacionar com o desempenho na realização de tarefas ou com a duração do transtorno. Em um estudo, foi demonstrado que a EMTr induz mudanças dopaminérgicas nas regiões pré-frontais ipsilaterais em pessoas saudáveis. O uso de EMTr, no CPFDLE, a 10 Hz, e de tomografia por emissão de positrons (PET) resultou em aumento dos níveis extracelulares de dopamina 9 minutos após uma aplicação.36 Os protocolos em EMTr têm sido usados em duas áreas cerebrais principais. A hipoativação nas regiões pré-frontais parece estar relacionada com a pre­ sença de sintomas negativos na esquizofrenia. Assim, surgiu a hipótese de que o aumento da atividade no CPFDL com EMTr de alta frequência poderia melhorar os sintomas negativos.37 Metanálises recentes que avaliaram a eficácia de EMTr em ensaios clínicos randomizados mostraram ou uma eficácia ou uma tendência20 de efeitos pequenos a médios nos sintomas negativos, com resultados estatisticamente significativos.38

EMTr NO TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO

► Vários estudos têm rela­ cionado o TOC a uma alteração que envolve principalm ente estruturas subcorticais, como os gânglios da base e, em particular, o núcleo caudado.39 Entretanto, novas investigações com o uso de neuroimagem funcional têm revelado um hipermetabolismo de regiões do córtex pré-frontal,40 que é re­ vertido após o tratamento. A EMT de pulso pareado foi empregada para demonstrar aumento na excitabilidade cortical em pacientes com TOC.41 A partir de 2 0 0 1 , foram realizados 12 ensaios clínicos controlados, visando inicialm ente aos CPFDLD e CPFDLE, usando alta e baixa frequências, com resultados pouco convincentes. Recentemente, um estudo apresentou resul­ tados interessantes utilizando 1 Hz aplicado na área motora suplementar,42 sendo replicado tam bém com resultados mais convincentes após o aumento do número de pulsos e o prolongamento do seguimento dos pacientes.43 Mais recentemente, uma metanálise44 identificou que a EMTr ativa versus a simulada seria eficaz no TOC, porém não foi capaz de identificar definitiva­ mente os parâmetros de melhor eficácia. Foi sugerido que a EMTr de baixa frequência seria superior à de alta frequência e que a estimulação de áreas que não o CPFDL seria superior. Essa abordagem abriu uma nova frente de pesquisa e alimenta esperanças para que, em um futuro próximo, a EMTr configure-se como ferramenta no arsenal terapêutico para o TOC. Estudos com EMTr profunda no tratam ento do TOC também estão em andamento.

EMTr NO TRANSTORNO DE ESTRESSE POS-TRAUMATICO

► O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma condição psiquiátrica grave que tem como opções de tratam ento o uso de psicofármacos e psicoterapia (sobretu­ do baseada em exposição). Todavia, os índices de refratariedade e a má ade­

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EMTr NO TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA E NO TRANSTORNO DE PÂNICO ► Poucos estudos foram realizados com EMT no transtorno de A

ansiedade generalizada (TAG) e no transtorno de pânico. Apenas um estudo foi realizado no TAG,51 mas apresentou resultados contraditórios, com cri­ térios de inclusão, parâmetros de estimulação e métodos de avaliação bas­ tante heterogêneos. No transtorno de pânico, Mantovani e colaboradores51 realizaram um estudo controlado com 25 pacientes, usando frequência de 221

TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

são são altos, o que impõe aos pesquisadores o desafio de encontrar novas alternativas. Nesse contexto, diversos estudos com EMT no TEPT têm sido realizados nos últim os 18 anos. Em 1998, dois grupos de pesquisa realiza­ ram estudos abertos em que foi estimulado o córtex motor, bilateralmente, em baixas frequências.45 As melhoras obtidas nas primeiras sessões tende­ ram aos padrões basais após 28 dias de estimulação. Macann e colaboradores46 relataram dois casos de pacientes com TEPT tra­ tados com EMTr, a 1 Hz, no CPFDLD. Ambos obtiveram melhora significa­ tiva, com base na escala Post-Traumatic Stress Disorder Checklist (PCD, durante as primeiras quatro semanas (paciente 1: p = 0 ,0 5 ; paciente 2: p = 0 ,01 ). Houve piora dos sintomas na avaliação realizada um mês após a ú lti­ ma estimulação. Esse estudo, apesar de pequeno, foi o primeiro indicativo de que a EMTr poderia ser uma excelente opção no tratam ento do TEPT. Cohen e colaboradores47 realizaram um estudo duplo-cego, controlado por placebo, em que compararam a eficácia da EMTr em alta frequência no CPFDLE e em baixa frequência no CPFDLD. O grupo de alta frequência obteve melhores resultados, com base na PCL e na Escala de Hamilton para Ansiedade, dos sintomas nucleares (reexperiência e evitação) em compara­ ção com o grupo de baixa frequência (p < 0 ,05 ). Os resultados do estudo, entretanto, são controversos, devido à diferença entre o número de pulsos aplicados nos grupos. Em outro estudo controlado, Boggio e colaboradores48 compararam EMTr excitatória (CPFDLE) e inibitória (CPFDLD) com o grupo de placebo (sham ). Após 10 semanas, com base na escala PCL, houve melhora superior no grupo que realizou EMTr à direita, em comparação com o grupo que aplicou à esquerda (p = 0 ,03 ). Na Escala de Hamilton para Ansiedade, apenas o grupo com EMTr inibitória apresentou resposta significativa (p = 0 ,0 0 9 6 ), enquanto na Escala de Hamilton para Depressão, o grupo com EMTr excita­ tória foi o único a atingir tal resultado (p = 0 ,0 0 0 6 ). Após esse estudo, diversos outros se ativeram à estimulação de baixa frequência à esquerda, com o objetivo de tratar a sintomatologia do espectro ansioso. Duas metanálises recentes foram realizadas com base na eficácia da EMT no TEPT. Berlim e colaboradores49 incluíram três estudos controlados, nos quais encontraram superioridade da EMT sobre o CPFDLD (p < 0 ,0 0 1 ). Karsen e colaboradores50 tam bém incluíram três estudos controlados, com o tamanho de efeito g de Hedges variando entre 0 ,7 3 e 3 ,7 8 , o que foi estatisticamente significativo. Não foram encontradas diferenças entre estimulação de alta e de baixa frequência.


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

1 Hz no CPFDLD, e mostraram resultados estatisticamente significativos nos sintomas de pânico, mas não nos depressivos.

EMT NA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS

► A dependência de substâncias causa diversos impactos físicos e sociais para os usuários, assim como para a sociedade como um todo. O tratam ento das diversas dependências geral­ mente é insatisfatório e m uito difícil. Parece existir uma via de recompensa central que explica todas as dependências. Essa via compreende o sistema mesocorticolímbico dopaminérgico, com projeções da área tegmentar ventral para o nucleus accum bens e para o córtex pré-frontal.52 Estudos de neuroimagem mostram função im portante do córtex pré-frontal no comportamento de busca por droga, sendo uma estrutura relevante na memória operacional e em funções executivas, geralmente prejudicadas na dependência. EMT NA DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL ► Alguns estudos avaliaram a eficácia da EMTr na fissura pelo álcool. Mishra e colaboradores53 realizaram EMTr a 10 Hz no CPFDLD, 10 sessões consecutivas, em 30 pacientes de forma ativa, versus placebo em 15 pacientes; todos recebiam medicamentos para tratar a fissura pelo álcool. Foi demonstrada redução na fissura nos pacientes que receberam estimulação ativa em comparação ao placebo. Outro estudo se­ m elhante54 também usou EMTr no mesmo local por apenas uma sessão e não conseguiu demonstrar diferença entre o grupo ativo e o simulado. Outro estudo, ainda, aplicou EMTr à esquerda no por 10 sessões e tam bém não encontrou diferença entre os grupos ativo e sim ulado.55 EMT NA DEPENDÊNCIA DE COCAÍNA ► Existem poucos estudos que correlacionam neuromodulação não invasiva com cocaína. Camprodon e colaboradores55 realizaram um estudo no qual aplicaram uma sessão de EMTr de alta fre­ quência no CPFDL, em ordem randomizada à esquerda ou à direita, em seis pacientes.55 Aqueles que receberam estimulação à direita tiveram redução significativa da fissura em comparação aos que receberam à esquerda; o efeito durou quatro horas. Outro estudo avaliou o efeito da EMT de alta frequência no CPFDL esquerdo durante 10 sessões, mostrando redução da fissura após a sétima sessão.57 Entretanto, o estudo não foi controlado, o que lim ita seus achados. EMT NO TABAGISMOS Entre as dependências de substâncias, a de nicotina é a mais bem-estudada com técnicas de neuromodulação. Alguns estudos foram feitos com EMTr de alta frequência sobre o CPFDLE, mostrando redução da fissura e, alguns, até redução do consumo de cigarro.58,59

SEGURANÇA EM EMT

► Os pulsos únicos de EMT são considerados relativa­ mente e, provavelmente, seguros. A EMTr, em especial a de alta frequência e alta intensidade, é mais passível de causar efeitos colaterais. O efeito cola­ teral mais grave da EMTr é o desencadeamento de crises epilépticas, apesar de ser, na verdade, bastante raro. Não há relato de crises convulsivas nos estudos publicados com EMT em depressão, assim como não há relato de a EMT causar ou agravar a epilepsia. Em uma conferência para produzir um consenso sobre segurança da técnica,61 foi descoberto que as crises con222


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

De acordo com o consenso internacional de segurança em EMT,61 a única contraindicação absoluta para EMTr é a presença de material metálico e eletrônico em contato próximo com a bobina, como implantes cocleares.

ETCC ETCC NO TRANSTORNO DEPRESSIVO MAIOR

► Apesa r de vários estudos en­ contrarem resultados promissores para a redução de sintomas depressivos em pacientes tratados com protocolos de ETCC, duas metanálises recentes apresentaram resultados contrastantes. Enquanto a metanálise realizada por Kalu e colaboradores64 apontou melhora dos sintomas depressivos no grupo de tratam ento ativo em comparação com ETCC simulada, Berlim e colabo­ radores65 não detectaram diferenças significativas entre as taxas de resposta ativa contra ETCC placebo. É im portante ressaltar que essas metanálises consideraram resultados distintos. Kalu e colaboradores64 adotaram o tam a­ nho do efeito com base nos escores de classificação de depressão, enquanto Berlim e colaboradores65 focaram a resposta e as taxas de remissão. O maior estudo controlado até a presente data sobre a depressão usando ETCC foi publicado recentemente por Brunoni e colaboradores.66 Os auto­ res realizaram um estudo controlado em 120 pacientes com depressão. Os resultados desse estudo fatorial, em que os indivíduos foram randomizados para receber ETCC ativa/simulada e sertralina ativa/simulada, mostraram melhora significativa dos sintomas depressivos para ETCC isolada ou com ­ binada com sertralina.

ETCC NO TRANSTORNO BIPOLAR ► ETCC NO EPISÓDIO DE DEPRESSÃO BIPOLAR ► Um estudo recente com 31 pa­ cientes (1 4 com depressão bipolar e 17 com depressão unipolar) submeteu todos os participantes a um protocolo específico de ETCC com cinco sessões com duração de 20 minutos cada, utilizando estimulação anódica sobre o CPFDLE. O tratam ento foi bem-tolerado por todos os participantes, e não foram observados efeitos adversos significativos. Após a quinta sessão de ETCC, os sintomas depressivos dim inuíram em ambos os grupos e o efeito benéfico persistiu por um mês.68

ETCC NA MANIA ► Schestatsky e colaboradores69 publicaram um relato de caso de um paciente de 41 anos, sexo masculino, em quadro de mania psicótica, tratado durante cinco dias com sessões diárias de ETCC, com duração de 20 minutos, intensidade da corrente de 2 mA, ânodo sobre o CPFDLD e cátodo sobre a região supraorbital esquerda. O paciente teve resposta rápida nos sintomas de agitação psicomotora, mensurada pela Observation Scale for Inpatient Evaluation (NOSIE), a qual se manteve até o 20° dia. Em relação aos sintomas maníacos, mensurados pela Escala de Mania de Young, houve resposta rápida nos primeiros sete dias, mas não se sustentou nas duas semanas seguintes de avaliação.

ETCC NA ESQUIZOFRENIA

► Há apenas um estudo com ETCC que demons­ trou melhora de sintomas negativos na esquizofrenia,70 o qual apresentou 224


FERRAMENTAS

RECOMENDAÇÃO GERAL

FASE AGUDA

FASE DE MANUTENÇÃO

EMT

I a linha

Nível A (Uma vez/dia entre 5 e 20 sessões)

ETCC

3a linha

Nível B (Uma vez/dia 10 sessões)

USO

INTENSIDADE

Nível C

Alta frequência no CPFDLE OU baixa frequência no CPFDLD

Campo magnético: 110-120% do limiar motor

Nível C

Ânodo no CPFDLE e cátodo extracefálico OU ânodo no CPFDLE e cátodo no CPFDLD

Corrente: 2m A

Fonte: Milve e colaboradores.67

dim inuição total na Escala para Avaliação da Síndrome Positiva e Negativa (PANSS) de 7 6 ,9 para 6 6 ,9 no grupo ativo em relação ao simulado (que variou de 8 2 ,8 a 8 0 ,5 ). A dimensão da PANSS que foi modificada com o tratam ento foi a de sintomas negativos (d = 1,07; 95% Cl = 0 ,3 0 -1 ,8 4 , p = 0 ,0 1 ), sendo que as dimensões positivas e depressivas não mostraram diferença entre o tratam ento simulado e o ativo.

ETCC NA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS ► ETCC NA DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL ► Um estudo com ETCC dividiu os pacientes em três grupos: simulado, ânodo no CPFDLD e ânodo no CPFDLE esquerdo, randomizado. Foi demonstrado que a estimulação ativa dim inuiu a fissura pelo álcool em ambos os lados.71 ETCC NO TABAGISMO ► Em um estudo com ETCC, 24 pacientes receberam sessão única em ordem randomizada de simulado, ânodo sobre o CPFDLD e ânodo sobre o CPFDLE.72 Nesse estudo, houve redução da fissura nos dois grupos ativos em relação ao simulado. Outro estudo com ETCC realizou cinco sessões consecutivas sobre o CPFDL. Os 27 pacientes foram divididos em dois grupos: ânodo esquerdo e sim ulado.73 Os resultados demonstraram um efeito significativo, mas pequeno, no consumo de cigarros do grupo ativo em relação ao simulado, assim como dim inuição da fissura. Ainda utilizan­ do ETCC, um estudo apontou que a estimulação anódica sobre o CPFDLE melhorou o afeto negativo relacionado ao tabagismo, mas não a fissura.74 ETCC NA DEPENDÊNCIA DE MACONHA ► Um estudo com ETCC avaliou o efeito da técnica na dependência de maconha.75 Os 2 5 pacientes foram divididos em

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TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

TABELA 9.2 ► TRATAMENTO DA DEPRESSÃO COM ETCC E EMT


TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUROMODULAÇÃO (EMT E ETCC)

TABELA 9.3 ►COMPARAÇÃO GERAL ENTRE EMT E ETCC MECANISMO DE AÇÃO

EFEITOS ADVERSOS

EMT

Estímulo acima do lim iar de membrana neuronal - disparo neuronal

Desconforto local, dor de cabeça e tontura (transitórios)

Absoluta: presença de materiais ferro­ magnéticos (implante coclear) Relativas: marca-passo cardíaco e epilepsia

Ambulatorial e hospitalar

ETCC

Estímulo abaixo do lim iar de membrana neu­ ronal - aumenta a probabilidade de disparos espontâneos

Prurido, rubor e sensação de queimação no local da aplicação (tran­ sitórios)

Relativos: implantes metálicos e epilepsia

Ambulatorial e domiciliar (perspectiva)

FERRAMENTAS

CONTRAINDICAÇÕES

LOCAIS PARA APLICAÇÃO

três grupos distintos: ânodo esquerdo/cátodo direito, ânodo direito/cátodo esquerdo e simulado. Os resultados demonstraram que a estimulação anódica direita dim inuiu significativam ente a fissura pela maconha.

SEGURANÇA EM ETCC

► Em uma metanálise de efeitos adversos que exa­ minou 117 estudos com ETCC, apenas em 74 deles foram relatados efei­ tos adversos, e os mais comuns foram, para o grupo de ETCC ativa versus placebo: prurido (39,3% vs. 32 ,9 % , p > 0 ,0 5 ), formigamento (22,2% vs. 18,3% ), dor localizada na cabeça (14,8% vs. 16,2% , p > 0 ,0 5 ), sensação de queimação (8,7% vs. 10%, p > 0 ,0 5 ) e desconforto (10,4% vs. 13,4% , p > 0 ,0 5 ).76 Em outras palavras, não houve maior frequência de efeitos colaterais no grupo ativo em relação ao grupo placebo. Não foram descritos, até o mo­ mento, efeitos colaterais adversos do ponto de vista cognitivo, como ocorre com a ECT e alguns psicofármacos. Pelo contrário, estudos que avaliaram a memória operacional mostraram aumento de desempenho nos testes em voluntários saudáveis77 e em pacientes com doença de Parkinson.78 Não há estudos que avaliaram a segurança da ETCC na gestação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As técnicas de neuromodulação não invasiva surgem como novos procedi­ mentos no arsenal terapêutico da psiquiatria no tratam ento de transtornos mentais, notadamente a EMTr no TDM. Apesar de haver várias incertezas sobre os melhores parâmetros de uso, tanto em termos metodológicos quan­ to em termos clínicos, a EMTr apresenta vantagens, como praticamente au­ sência de efeitos colaterais ou interações farmacológicas, podendo ser usada

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FÁRMACOS

ETCC

EMTr

Eficácia

+ + +

+ + /+ + +

+ + +

Segurança

+ + + /+ + + +

+ + + +

+ + + /+ + + +

Custos

+ + +

+ + + /+ + + +

+ +

Facilidade de uso

+ + + + +

+ + + +

+ + +

+ + = regular; + + + = bom; + + + + = muito bom; + + + + + = excelente.

como substituta ou, preferencial mente, como terapia adjuvante aos psicofármacos. Nos dias atuais, a técnica tem nível A de evidência no tratam ento da depressão unipolar.60 Diversas pesquisas em andamento darão respostas mais claras, nos pró­ ximos anos, sobre a abrangência do uso da EMTr em demais transtornos mentais, bem como da ETCC no tratam ento do TDM.

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TERAPIAS NÃO INVASIVAS DE NEUR0M0DULAÇÃ0 (EMT E ETCC)

TABELA 9.4 ► COMPARATIVO ENTRE PSICOFÁRMACOS. ETCC E EMTr


TERAPIAS NÂOINVASIVAS DE NEUROMODULAÇÂO (EMT E ETCC)

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TERAPIAS NÂ0INVASIVAS DE NEUR0M0DULAÇÂ0 (EMT E ETCC)

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TERAPIAS NAOINVASIVAS DE NEUROMODULAgAO (EMT E ETCC)

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TERAPIAS NAOINVASIVAS DE NEUROMODULAgAO (EMT E ETCC)

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MANEJO DAS SÍNDROMES PSIQUIÁTRICAS

ANDRE MALBERGIER MONTEZUMA PIMENTA FERREIRA

Os transtornos por uso de substâncias (TUSs) geram custos enormes na área da saúde, na economia e na esfera social, bem como grande sofrimento pessoal e familiar. Apesar disso, o nível de eficácia dos tratam entos farm aco­ lógicos ainda parece insuficiente para abordar o problema. Para exemplificar, no caso da dependência de álcool, a adição de farmacoterapia adjuvante aos tratam entos psicossociais tradicionais pode melhorar significativamente (do ponto de vista estatístico) o sucesso terapêutico. Todavia, os efeitos são modestos, com números necessários para tratar na faixa de 10 e tamanhos de efeito na faixa de 0,1 a 0,3. Os efeitos módicos dos medicamentos podem contribuir, em parte, para a baixa taxa de uso das farmacoterapias por parte dos médicos no tratam ento da dependência.1 Um dos fatores que dificulta o desenvolvimento de medicamentos mais efi­ cazes é a extrema complexidade dos mecanismos biológicos responsáveis pelos TUSs, em que a vulnerabilidade genética, os fatores de risco am bien­ tais e suas interações atuam de forma complexa. Visando aumentar nosso conhecimento na área, ao longo das últim as décadas, uma grande quantida­ de de informações vem sendo acumulada na tentativa de desvendar os me­ canismos neurobiológicos responsáveis por comportamentos desadaptados associados ao uso de substâncias. A pesquisa nesse campo tem avançado enormemente, e as funções de vários sistemas de neurotransmissores, vias moleculares e mecanismos transcricionais e epigenéticos começam a ser reveladas.2 As substâncias que produzem dependência atuam, de modo geral, na via de recompensa mesolímbica. A ativação dessa via gera um efeito prazeroso, es­ tim ulando o uso recreativo que, muitas vezes, culm ina em abuso ou depen233


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

dência. O principal neurotransmissor envolvido nesse circuito é a dopamina. No entanto, tal modelo vem sendo questionado mais recentemente, sobretu­ do no caso de dependência de opioides e maconha.3 Conforme os indivíduos se expõem às substâncias de forma prolongada, con­ tínua e intensa, o reforço positivo (prazer) anteriormente descrito vai perden­ do força e os estados emocionais negativos associados à ausência da droga, como anedonia, disforia e ansiedade, começam a surgir. Após essa mudan­ ça, o uso de substâncias já não é tão agradável, e a droga é usada para aliviar as condições aversivas (reforço negativo) associadas à abstinência. No nível neuroanatômico, os circuitos que medeiam os efeitos gratificantes das substâncias são parcialmente diferentes daqueles associados à busca de droga e às recaídas. Por exemplo, a recompensa da substância é, em grande parte, controlada pelo sistema de dopamina mesolímbico que se origina na área tegmental ventral (VTA) e envia aferências para o nucleus accum bens (Nac). Por sua vez, a busca de droga e a recaída são mediadas por uma rede complexa, incluindo a amígdala estendida, o hipocampo, o estriado dorsal, as estruturas corticais pré-frontais e a ínsula. Além disso, vários sistemas de neurotransmissores e mecanismos celulares parecem m odular a função desses circuitos. Esses novos conhecimentos têm estim ulado o desenvolvimento de medica­ mentos visando melhorar a eficácia dos tratam entos existentes.4 A seguir, serão apresentadas as condutas farmacológicas para o tratam ento dos transtornos associados às substâncias mais comuns no Brasil.

ÁLCOOL O etanol (CH3CH2OH) é uma substância de baixo peso molecular, hidrossolúvel, que é rapidamente absorvida no estômago (20% ) e no intestino delgado (80% ). As concentrações máximas de álcool são obtidas em pessoas em je­ jum entre 30 minutos e duas horas (média de 0 ,7 5 a 1,35 hora, dependen­ do da dose e da hora da últim a refeição). Pessoas que não estão em jejum apresentam concentrações máximas de álcool no sangue entre 1 e 4 horas (média de 1,06 a 2 ,1 2 horas). Vários fatores podem influenciar a absorção do álcool, sendo que o tempo de esvaziamento gástrico e o início da absorção intestinal podem ser conside­ rados os principais fatores para explicar as taxas de absorção diferentes encontradas em indivíduos ou circunstâncias distintos. Se o tem po de esva­ ziamento gástrico é retardado, por exemplo, pela presença de alimentos, par­ ticularm ente os com alto teor de gordura, a absorção intestinal também será. Essa é a razão para as pessoas sentirem mais os efeitos das bebidas quando as ingerem em jejum . Uma vez no intestino delgado, o etanol é absorvido rá­ pida e por completo, mediante a difusão para o sangue, independentemente da presença de alimentos no intestino ou no estômago. A distribuição do etanol absorvido tam bém é rápida. Por ser hidrossolúvel, ele distribui-se por praticamente todos os tecidos, intra ou extracelularmente, variando de acordo com a composição hídrica deles.

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

0 etanol se difunde rapidamente pelas barreiras hematencefálica e placentária. Como consequência, as concentrações no sistema nervoso central (SNC) e na circulação fetal são similares às no sangue. É possível estabelecer uma relação entre níveis plasmáticos e efeitos comportamentais, que é mais visí­ vel quando a alcoolemia está em ascensão, sendo menos evidente na fase de declínio. As mulheres absorvem e metabolizam o álcool de forma diferente do que os homens. Em geral, elas têm menos água no corpo do que os homens de peso corporal semelhante. Dessa forma, atingem maiores concentrações de álcool no sangue depois de beber quantidades equivalentes. Em geral, quanto menor o peso, mais o indivíduo vai ser afetado por determ i­ nada quantidade de álcool. Como descrito, o álcool tem uma afinidade eleva­ da pela água. Assim, quando comparamos dois indivíduos com composições corporais semelhantes e pesos diferentes, o mais leve irá alcançar maior con­ centração de álcool do que o mais pesado se ambos ingerirem uma mesma quantidade da substância. No caso de pessoas com o mesmo peso, aquela mais musculosa apresentará menor alcoolemia, já que a distribuição do ál­ cool se dará mais facilm ente no músculo do que na gordura. A velocidade de ingestão do álcool também influencia suas concentrações sanguíneas. Quanto mais rápida for a ingestão, maior o nível sanguíneo e maior o efeito do álcool. A Tabela 10.1.1 apresenta os sintomas e sinais associados aos diferentes níveis de alcoolemia. O álcool é elim inado do corpo por várias vias metabólicas. As principais enzi­ mas envolvidas são a álcool desidrogenase (ADH), a aldeído desidrogenase (ALDH), as enzimas do sistema do citocromo P450 (CYP2E1) e a catalase. Variações nos genes para essas enzimas (aumentando ou dim inuindo as taxas de metabolização) podem influenciar o consumo de álcool, os danos aos tecidos e a dependência. Deficiências genéticas das enzimas ADH e ALDH, diabetes, hipertensão, carência de tiam ina e outros problemas de saúde podem dim inuir a capacidade do organismo para processar o álcool e, portanto, gerar maiores riscos à saúde. Por sua vez, a baixa metabolização do álcool pode ser um fator protetor para o desenvolvimento da dependência, sobretudo nos primeiros contatos com a bebida. Nesse caso, a baixa meta­ bolização gera mal-estar e desconforto, sensações que podem levar o indiví­ duo a evitar a bebida. O fígado é responsável pela metabolização - por meio da oxidação - de 95% do álcool ingerido. O restante do álcool é elim inado pela excreção na respira­ ção, na urina, no suor, nas fezes, no leite e na saliva. Como regra, uma pessoa metabolizará uma quantidade média de 10 a 15 g de álcool por hora. Esse volume é o presente em um drinque-padrão: uma taça de vinho, uma lata de cerveja ou uma dose de 40 mL de destilado. Vários fatores influenciam essa taxa. A taxa de eliminação tende a ser mais elevada quando a concentração de álcool no sangue é m uito alta. Outrossim, usuários crônicos podem (dependendo da integridade do fígado) metabolizar o álcool a uma taxa significativam ente mais elevada do que a média.


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TABELA 10.1.1 ► EFEITOS DO CONSUMO DE ÁLCOOL EM UM INDIVÍDUO QUE NÃO DESENVOLVEU TOLERÂNCIA CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL NO SANGUE (G/L)

EFEITOS

0,2

Atingido aproximadamente depois de um drinque; usuários leves ou moderados sentem alguns efeitos: sensação de calor e relaxamento.

0,4

A maioria das pessoas sente-se relaxada, alegre e falante; a pele pode se tornar ruborizada.

0,5

Primeiras alterações significativas começam a ocorrer; despreocupa­ ção, vertigem, desinibição e menor controle dos pensamentos tornam-se evidentes; o autocontrole e a capacidade de julgamento estão diminuídos; a coordenação pode estar levemente comprometida.

0,6

Julgamento e crítica encontram-se prejudicados; a avaliação das ca­ pacidades individuais e o processo de tomada de decisão racional são afetados (p. ex., ser capaz de dirigir).

0,8

Comprometimento evidente da coordenação motora e diminuição da velocidade dos reflexos; capacidade para dirigir torna-se prejudicada; sensação de dormência das bochechas e dos lábios; mãos, braços e pernas começam a formigar até se tornarem dormentes (esse nível é considerado legalmente como incapacitante no Canadá e em alguns estados dos Estados Unidos).

1,0

Discurso vago, indistinto, com dificuldade na articulação das palavras; “ lentificação" dos reflexos e deterioração do controle dos movimentos voluntários tornam-se evidentes (este nível é considerado como em­ briaguez na maioria dos estados dos Estados Unidos).

1,5

Prejuízo definitivo do equilíbrio e do movimento.

2,0

Centros de controle motor e emocional são consideravelmente afe­ tados; fala pastosa, cambaleante, perda do equilíbrio (quedas são frequentes) e visão dupla podem ocorrer.

3,0

Dificuldade de entendimento do que é visto ou ouvido; indivíduos ficam confusos ou em estupor e pode ocorrer perda da consciência.

4,0

Geralmente, o indivíduo está inconsciente; a pele torna-se fria e úmida.

4,5

Frequência respiratória diminui, podendo ocorrer apneia.

5,0

Morte por depressão do centro respiratório.

Fonte: Adaptada de M ilhorn.5

Finalmente, a capacidade do organismo para metabolizar álcool tende a di­ m inuir com a idade. O metabolismo do álcool inicia com a oxidação da substância pela enzima ADH, gerando acetaldeído, que é posteriormente oxidado para acetato por

236


TRATAMENTO

► Como em toda doença crônica, o tratam ento do alcoolismo inicia com o estabelecimento de uma boa relação médico-paciente. A motivação para o tratam ento é fator decisivo para a eficácia terapêutica. O profissional deve avaliar a motivação do paciente logo na primeira consulta e discuti-la antes de propor as estratégias de promoção de abstinência. Várias técnicas motivacionais já foram estudadas e mostraram-se eficazes no tra­ tam ento do alcoolismo. O profissional da saúde deve ser empático, evitar r

r'

Fígado (90%)

Metabolismo

Restante eliminado inalterado por meio de urina, hálito e suor

V FIGURA 10.1.1 ► METABOLIZAÇAO DO ETANOL NO FÍGADO. ADH = álcool desidrogenase; NAD = dinucleotídeo de nicotinamida e adenina; NADH = dinucleotídeo de nicotinamida e adenina em sua forma reduzida; ATP = adenosina trifosfato; C02 = gás carbônico; H20 = água; Acetil-CoA = acetilcoenzima A. Fonte: Metabolismo do etanol.6

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meio da ação da enzima ALDH. Em humanos, existem pelo menos oito isoenzimas de ADH e quatro de ALDH. ADH é uma família de enzimas citosólicas presentes principalm ente no fígado, mas tam bém no trato gastrintestinal, no rim, na mucosa nasal, nos testículos e no útero. Elas são classificadas em cinco classes (ADH 1-5) que diferem em suas características estruturais e cinéticas. A ADH1 desempenha o principal papel no metabolismo do etanol no fígado. O acetaldeído é o responsável por algumas das manifestações desagradáveis do uso do etanol (rubor facial, náuseas e ressaca) e, possivel­ mente, por algumas de suas ações tóxicas nos tecidos. Normalmente, o ace­ taldeído é convertido em acetilcoenzima A (acetil-CoA), que é usada como substrato em diversas vias metabólicas. A Figura 10.1.1 apresenta esquematicamente o metabolismo do álcool no fígado. A excreção do etanol não metabolizado não é significativa, ficando normal­ mente em torno de 2% do total ingerido. O restante é utilizado como subs­ trato em diversas vias metabólicas (via acetil-CoA).


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julgam entos e preconceitos, tolerar recaídas e estim ular a sensação de autoeficácia do paciente.

INTOXICAÇÃO

► Embora a maioria dos pacientes intoxicados pelo álcool seja cooperativa, alguns podem ser agressivos, abusivos e violentos. A prio­ ridade, nessa situação, é garantir a segurança do paciente, dos profissionais e dos familiares. É igualmente im portante tentar avaliar se o paciente está agressivo ou desinibido pela intoxicação ou por outros fatores, como trauma craniencefálico, infecções ou outros quadros associados ao desenvolvimento de d e li ri um. Deve-se atender os pacientes intoxicados em um ambiente calmo e com privacidade. O médico deve se certificar de que há uma saída desobstruída para fuga, se ameaçado. Objetos que podem ser jogados ou usados como armas devem ser retirados da sala. O médico deve mostrar empatia e usar um tom calmo e não ameaçador. Deve-se evitar confronto e discursos mo­ ralistas nesse momento. Se a abordagem inicial falhar, ajuda da equipe de enfermagem deve ser solicitada. O uso de sedativos deve ser feito com cautela devido ao risco de sedação e de mascaramento de outras condições que afetam a atividade cerebral. Se o paciente recusar ajuda e continuar agressivo, deve-se isolá-lo em um ambiente seguro e fazer uma contenção se ele representar risco para si e para terceiros. A contenção deve ser realizada por pessoal treinado nos pro­ cedimentos adequados.7 O medicamento de escolha nessa situação é o haloperidol intramuscular.

SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA DO ÁLCOOL (SAA)

► Os sintomas de abstinência começam a aparecer, em geral, 6 a 8 horas após a últim a dose, alcançam o pico entre 24 e 28 horas e tendem a rem itir em até sete dias. A abstinência do álcool tem quadro clínico bastante variado, cuja gravidade pode ser as­ sociada a fatores como tempo de consumo, quantidades de álcool ingeridas, associação com o consumo de outras substâncias e existência de condições clínicas comórbidas associadas. Uma minoria de pacientes (em torno de 5%) desenvolve síndrome de abstinência m uito grave com o aparecimento de um quadro confusional (d e liriu m trem ens ). O d e liriu m trem ens caracteriza-se por confusão mental e mortalidade de até 20% quando não tratado, devendo ser considerado uma indicação de internação. Os sintomas da SAA incluem manifestações psíquicas e físicas. As alterações psíquicas mais comuns são: ansiedade, irritabilidade, agressividade, insônia, julgam ento prejudicado, desorientação auto e alopsíquica e alterações de sensopercepção. As alterações físicas mais comuns são: sudorese, tremores de extremidades, perda de coordenação motora, alterações da fala, hiperten­ são arterial e, em quadros graves, nistagmo, convulsões, coma e morte. Distúrbios metabólicos tam bém podem ocorrer. Os sintomas e sinais da SAA são devidos à alteração súbita dos padrões de neurotransmissão no SNC após a redução ou a interrupção do consumo do álcool. Diversos sistemas neurotransmissores estão implicados, mas predo­

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

minam as alterações nos sistemas gabaérgico (receptores do ácido gama-am inobutírico [GABA]) e glutamatérgico (receptores do N-m etil-D-aspartato [NM DA]). Com a exposição crônica ao álcool, os receptores GABA tornam-se menos responsivos e maiores concentrações de álcool são necessárias para atingir o mesmo nível de supressão, denominado “tolerância” . Na ausência do ál­ cool, as alterações da sensibilidade, a dim inuição da ativação dos receptores GABA e a ativação dos sistemas de glutamato levam à hiperatividade do SNC. O sistema hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal (circuito de estresse) também é normalmente ativado na abstinência de substâncias psicoativas e se relaciona a estados aversivos e ansiosos. Na ocorrência da abstinência, há um aumento de corticosterona, hormônio adrenocorticotrófico e fator li­ berador de corticotropina (CRF) na amígdala. Essa excitação do SNC é clinicam ente observada por meio de sintomas de abstinência como taquicardia, hipertensão arterial, tremores, sudorese e complicações neuropsiquiátricas, como, por exemplo, insônia, agitação psi­ comotora e convulsões. A SAA é diagnosticada após a obtenção de uma história adequada e um exa­ me clínico completo. O diagnóstico requer investigação detalhada da quan­ tidade e da frequência do consumo de álcool e da relação temporal entre a cessação/redução da ingestão de álcool e o início dos sintomas. Quando o início dos sintomas se dá após uma semana da cessação do álcool, o diagnóstico de SAA deve ser reavaliado e outras patologias devem ser inves­ tigadas. Os benzodiazepínicos (BZDs) continuam o tratam ento de escolha para a SAA de qualquer nível de gravidade, sendo que o diazepam apresenta o perfil farmacocinético mais favorável.8 Os BZDs mais utilizados são o clordiazepóxido e o diazepam. Se houver suspeita de insuficiência hepática, o lorazepam deve ser indicado, pois seu metabolismo não depende da integridade hepática. Em indivíduos com doença pulmonar grave ou idosos, deve-se usar BZDs de vida curta, como o lorazepam de 3 mg/dia. Os BZDs devem ser ministrados por via oral a cada hora até melhora de alguns sintomas (ansiedade, agitação, insônia, tremores de extremidades, taquicardia e hipertensão arterial) e continuados por cerca de 10 dias em doses decrescentes. Há dois modelos de tratam ento: doses fixas de BZDs ou doses variáveis de acordo com os sintomas de abstinência. Nesse caso, a presença e a intensi­ dade dos sintomas avaliados clinicam ente ou por meio da escala Clinicai Institute W ithdrawal Assessment for Alcohol, Revised (CIWA-Ar) orientam o uso de BZDs (Fig. 10.1.2). A gravidade dos sintomas é medida por hora. A dose é ajustada (5 a 10 mg de diazepam) de acordo com a gravidade dos sintomas e pode ser repetida a cada hora até a pontuação de CIWA-Ar dim inuir para abaixo de 8.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

Clinical Institute W ithdrawal Assessment for Alcohol, Revised (CIWA - Ar) Data:

Nome: Pulso

OU

FC:

Hora:

Você sente um m al-estar no estômago (enjoo)? Você tem vomitado?

0 1 4 7

Não Náusea leve e sem vômito Náusea recorrente com ânsia de vômito Náusea constante, ânsia de vômito e vômito

Tremor com os braços estendidos e os dedos separados:

0 1 4 7

Não Não visível, mas sente Moderado, com os braços estendidos Intenso, mesmo com os braços estendidos

n

Sudorese:

0 4 7

Não Facial Profusa

4- Tem sentido coceiras, sensação de insetos andando no corpo, formigamentos, pinicações?

Código da questão 8

5- Você tem ouvido sons a sua volta? Algo perturbador, sem detectar nada por perto?

6

-

Código da questão 8

As luzes tem parecido muito brilhantes? De cores diferentes? Incomodam os olhos? Você tem visto algo que tem lhe perturbado? Você tem visto coisas que não estão presentes? 0 1 2 3

Não Muito leve Leve Moderado

4 5 6 7

□ □ □

Alucinações moderadas Alucinações graves Extremamente graves Contínuas

Você se sente nervoso(a)? (observação) Não Muito leve Leve Ansiedade grave, um estado de pânico, semelhante a um episódio psicótico agudo?

8-

Você sente algo na cabeça? Tontura, dor, apagamento? 0 1 2 3

Não Muito leve Leve Moderado

4 5 6 7

Moderado/grave Grave Muito grave Extremamente grave

Agitação: (observação) 0 1 4 7

Normal Um pouco mais que a atividade normal Moderadamente Constante

Que dia é hoje? Onde você está? Quem sou eu? (observação)

0 1 2 3 4

Orientado Incerto sobre Desorientado Desorientado Desorientado

a data, não responde seguramente com a data, mas não mais do que 2 dias com a data, com mais de 2 dias com o lugar e a pessoa Escore Q

FIGURA 10.1.2 ► ESCALA CLINICAL INSTITUTE WITHDRAWAL ASSESSMENT FOR ALCOHOL. REVISED (CIWA-AR). Fonte: Sullivan e colaboradores.9

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

Os escores são classificados da seguinte maneira: 1 a 9, SAA leve; 10 a 18, SAA moderada; e maior que 18, SAA grave. Com frequência, o tratam ento começa com BZDs quando as pontuações da CIWA-Ar atingem 8 a 10. Alguns protocolos incluem transferência para a unidade de tratam ento intensivo (UTI) para pontuações superiores a 2 0 .9 O efeito dos BZDs na SAA ocorre a partir da estimulação dos receptores GABA-A. As equivalências dos BZDs são: 5 mg de diazepam - 25 mg de clordiazepóxido - 1 mg de lorazepam. Em 2 0 0 0 , a Revista B rasileira de P siquiatria apresentou um consenso bra­ sileiro sobre o tratam ento da SAA.10 É im portante ressaltar que a manutenção dos BZDs por períodos longos pode ser associada ao desenvolvimento de dependência, não sendo, por essa razão, recomendada. O baclofeno e o divalproato tam bém podem ser indicados em algumas si­ tuações específicas para o tratam ento da SAA. Clonidina, p-bloqueadores, carbamazepina e neurolépticos não são recomendados como monoterapia, embora possam ser usados como adjuvantes.11,12 Nos casos de d e li ri um trem ens, investigações clínicas e neurológicas asso­ ciadas aos exames de sangue devem ser feitas em todos os pacientes para descartar outras causas comuns de d e liriu m , como hipoglicemia, desequilí­ brio hidreletrolítico, trauma craniano levando à hemorragia subdural, septi­ cemia e falências renal e hepática. Exames de imagem cerebral podem ser realizados em suspeitas de alterações neurológicas. Na SAA, recomenda-se a reposição de tiam ina (vitamina B l) intram uscular nos primeiros dias para a correção da possível carência. Se não tratada, o risco de desenvolvimento da síndrome de Wernicke-Korsakoff aumenta. Essa síndrome é caracterizada por alterações neurológicas como nistagmo, ataxia e oftalmoplegia (Wernicke) associadas a amnésias retrógrada e anterógrada persistentes (Korsakoff). É im portante o m onitoramento dos níveis de mag­ nésio, pois esse íon é um cofator para o metabolismo da tiam ina, e sua deficiência pode ocasionar neuropatia e confusão mental. A reposição de magnésio deve ser indicada nesses casos. Nos casos graves (< 1 mg/dL) e sintomáticos com manifestações neuromusculares e neurológicas ou arrit­ mias, a reposição deve ser de 2 g de sulfato de magnésio diluídos em 100 mL de solução, por via venosa, em 5 a 10 minutos, seguidos por infusão contínua de 4 a 6 g/dia durante 3 a 5 dias se a função renal for próxima ao normal. O magnésio se distribui nos tecidos lentamente, mas a eliminação renal é rápida, com até 50% de uma dose, por via venosa, excretados na urina. Portanto, o tem po de infusão é importante, e suplementação adicional pode ser necessária após a dose inicial, com reposição total em vários dias. Em virtude do equilíbrio lento de magnésio entre os espaços séricos e intra­ celulares e tecidos (p. ex., osso, hemácias, músculo), os níveis séricos de magnésio podem aparecer artificialm ente elevados se medidos m uito cedo após uma dose administrada. Recomenda-se adm inistrar 50% ou menos da dose de magnésio empírica em pacientes com insuficiência renal para


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

dim inuir o risco de hipermagnesemia. Para administração venosa, a concen­ tração de sulfato de magnésio deve ser diluída a 20% (20 g/100 mL) ou menos, mas a solução a 50% , não diluída, pode ser administrada por via muscular nos adultos. Levando-se em consideração a existência de um li­ m iar renal para o magnésio, com até 50% de dose venosa elim inada na urina, o sulfato de magnésio deve ser adm inistrado a uma taxa máxima de 1 g/h (8 mEq de magnésio por hora).13 O estado do paciente deve ser reavaliado constantemente para detecção de sinais de doença médica ou neurológica que, no início do quadro, não estavam evidentes. A investigação de alterações metabólicas, nutricionais, hepáticas, pancreáticas, infecciosas e neurológicas pode ser necessária de acordo com cada caso. A American Psychiatric Association recomenda o uso de haloperidol (0,5 a 2 mg), via oral, como coadjuvante dos BZDs na presença de alucinações, delírios e confusão mental. O haloperidol intram uscular pode ser indicado em quadros de agitação psicomotora grave.14' 17 Após a fase de tratam ento da SAA, inicia-se o processo de prevenção de re­ caídas (tratamento de longo prazo). Tal processo inclui estratégias farm aco­ lógicas e psicoterápicas. Na atualidade, os dois medicamentos específicos para o tratam ento do al­ coolismo disponíveis no Brasil são o dissulfiram e a naltrexona. DISSULFIRAM ► O dissulfiram é um inibidor irreversível e inespecífico da enzi­ ma ALDH. Como visto anteriormente neste capítulo, a ALDH é a enzima responsável pela metabolização do acetaldeído. Uma vez que o indivíduo ingere álcool e há uma inibição dessa enzima, ocorre um acúmulo de acetal­ deído, gerando uma série de sinais e sintomas desagradáveis, como mal-estar, náusea, taquicardia, rubor facial, sudorese e hipotensão. Entre as contraindicações para o uso do dissulfiram destacam-se cirrose hepática com hipertensão portal; gravidez, devido ao risco de anomalias congênitas; doenças cardiovasculares e síndrome mental orgânica. Os pacientes devem estar plenamente cientes de que não devem consum ir qualquer dose de álcool e a respeito dos riscos. O dissulfiram tam bém bloqueia a dopamina P-hidroxilase no SNC, aumentando os níveis de dopamina e reduzindo os de norepinefrina, o que pode contribuir para os efeitos clínicos na depen­ dência tanto do álcool quanto da cocaína. Os pacientes devem abster-se totalm ente do álcool e estar abstinentes há pelo menos 24 horas para iniciar o tratam ento com dissulfiram . O profissional, antes de fazer a prescrição, deve assegurar-se de que o paciente e seus fam iliares entenderam os riscos quanto ao uso do medicamento e os princípios do tratamento. O uso deve ser supervisionado por fam iliar ou membro da equipe terapêutica. No caso de não haver confiança do profissional quanto à capacidade do paciente de se manter abstinente, o dissulfiram deve ser evitado. A hepatite é um efeito adverso raro e ocorre sobretudo nos primeiros meses de tratamento. Por esse motivo, deve-se monitorar a função hepática do paciente a cada duas semanas no primeiro mês e a cada três meses na fase de manutenção. A

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NALTREXONA ► A naltrexona é um antagonista não seletivo de receptores opioides. Os receptores opioides estão envolvidos na regulação da liberação de dopamina em circuitos cerebrais associados aos efeitos prazerosos e ao desenvolvimento da dependência. A naltrexona reduz a estimulação dopaminérgica do álcool e, consequentemente, seus efeitos prazerosos, além de auxiliar no controle da impulsividade. A posologia recomendada é de 50 a 150 mg/dia. O esquema terapêutico consiste na prescrição de 25 mg/dia inicialm ente e no aumento gradativo de acordo com a tolerância do paciente. Deve-se realizar o monitoramento mensal dos valores da bilirrubina total e frações e das transaminases séricas nos três primeiros meses. A naltrexona deve ser suspensa se houver elevação das transaminases de maneira persis­ tente. Contraindicações: doenças hepáticas agudas e crônicas. O principal efeito colateral desse medicamento é a náusea, que geralmente coincide com os níveis plasmáticos atingidos em um período de até 90 m inutos após a ingestão do medicamento. A naltrexona reduz as taxas de recaída e a quantidade ingerida de álcool nos dias em que o paciente bebe. A naltrexona é metabolizada sobretudo pela di-hidrodioldesidrogenase, e as meias-vidas da naltrexona e de seu metabólito ativo (6B-naltrexol) são de 4 e 13 horas, respectivamente. Deve-se ter cuidado com o uso de naltrexona associada a outras substâncias potencialmente hepatotóxicas.19 Além desses dois medicamentos, o acamprosato tam bém é aprovado nos Estados Unidos para tratam ento do alcoolismo, mas não está disponível co­ mercialmente no Brasil. O topiram ato20 parece ter algum efeito positivo no tratam ento da dependência de álcool, mas ainda não foi aprovado pelas agências reguladoras de medica­ mentos para esse fim . Estudos mais recentes e com metodologia mais rigo­ rosa não vêm conseguindo replicar os resultados positivos do baclofeno no tratam ento da dependência de álcool.21 O tratam ento medicamentoso deve ser sempre associado à abordagem psicoterápica. A fam ília deve ser estimulada a se envolver no tratam ento, já que os conflitos fam iliares são m uito comuns. Grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA), podem ser m uito eficazes para pacientes que se adaptam ao modelo de 12 passos.

GRAVIDEZ

► Não há estudos publicados sobre a segurança ou eficácia de qualquer formulação de naltrexona para uso em mulheres grávidas. A naltre­ xona é classificada como um medicamento de categoria C pela Food and Drug Adm inistration (FDA) dos Estados Unidos, o que significa que estudos com animais demonstraram efeitos adversos sobre o feto, mas não há es243

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

posologia habitual é de 2 5 0 a 500 mg/dia em dose única diária. Devido ao efeito prolongado da ação do dissulfiram , o uso irregular (perda de doses) não impede sua indicação e efetividade. Devido à inibição irreversível da ALDH, o paciente deve aguardar até 14 dias após a interrupção do medicamento para voltar a beber sem os efeitos indesejáveis da reação dissulfiram -álcool.18


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

tudos adequados sobre os efeitos reprodutivos e a segurança na gravidez humana. O dissulfiram tam bém é um medicamento da categoria C. Há evidências, embora inconsistentes, de que a exposição a ele no primeiro trim estre pode aumentar o risco de malformações fetais. Além disso, a intensidade da rea­ ção dissulfiram -álcool, que pode incluir instabilidade da pressão arterial, tam bém é considerada um risco para a gestante e o feto, embora não haja estudos que avaliem especificamente a magnitude desse risco.22 A

ADOLESCÊNCIA

► Em adolescentes, um estudo comparativo entre naltrexona e dissulfiram observou que, em fam ílias com bom suporte, o segundo foi mais eficaz que o primeiro no tratam ento do alcoolismo em tal faixa etária. Ambos os medicamentos foram bem-tolerados nessa população.23

NICOTINA A nicotina fumada de um cigarro é absorvida m uito rapidamente, atingindo o cérebro em 10 a 20 segundos e sua concentração máxima em 10 a 20 m i­ nutos. Sua meia-vida de eliminação é de cerca de duas horas, mas a maioria dos fumantes repete o uso de cigarros a intervalos menores. A maioria dos fumantes regulares consome mais de 12 cigarros por dia e apresenta sinto­ mas de abstinência. A síndrome de abstinência da nicotina caracteriza-se por ansiedade e irritabilidade, sintomas depressivos, inquietação, dificuldade de concentração, alterações do sono e sonolência diurna, além de aumento do apetite e do peso. Essa síndrome instala-se poucas horas após o últim o cigarro, atinge o auge em poucos dias e pode durar até 4 a 6 semanas. O aumento do apetite pode durar alguns meses. No caso da dependência de ni­ cotina, o uso de medicamentos tem papel central. A princípio, todo paciente que cogite parar de fum ar deve ser aconselhado a usar medicamento, a menos que haja contraindicação específica. Os medicamentos comprovadamente eficazes para o tratam ento do tabagismo são: reposição de nicotina, bupropiona, vareniclina e nortriptilina. A farmacoterapia para a cessação do tabagismo visa principalm ente reduzir os sintomas de abstinência de nicotina e a fissura pelo cigarro.

TRATAMENTO ► REPOSIÇÃO DE NICOTINA24 ► Três formas de reposição de nicotina são comer­ cializadas no Brasil: goma de mascar, pastilha sublingual e adesivo transdérmico. De modo geral, a efetividade das diferentes formas é semelhante, aumentando em 1,5 a 2 vezes as chances de parar de fum ar em comparação a tentativas sem usar a reposição. GOMA DE MASCAR A goma pode ser encontrada nas apresentações com 2 e 4 mg de nicotina. Seu uso é simples, mas requer alguns cuidados em relação a dosagem, poso­ logia e técnica de mascar. O emprego de doses insuficientes ou a ocorrência de erros na técnica de mascar podem comprometer sua eficiência. Para a maioria dos fumantes, a apresentação de 2 mg é adequada para uma prim ei­

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PASTILHAS DE NICOTINA As pastilhas de nicotina são uma alternativa para as pessoas que não podem ou não querem mascar a goma. Na verdade, elas não devem ser mascadas. Caso sejam, poderá haver alterações da acidez do estômago. As pastilhas são apresentadas em 2 e 4 mg e tam bém não requerem receita para compra. Formas de uso: I a a 6 a semanas - uma pastilha de hora em hora ou de 2 em 2 horas; 7 a a 9 a semanas - uma pastilha de 2 em 2 horas ou de 4 em 4 horas; 10a a 12a semanas - uma pastilha de 4 em 4 horas ou de 8 em 8 horas. Essas posologias podem ser alteradas de acordo com cada caso. ADESIVOS TRANSDÉRMICOS Os adesivos transdérmicos são comercializados nas doses de 7, 14 e 21 mg por unidade e devem ser usados por 2 4 horas. Pacientes que fum am mais de 10 cigarros por dia podem receber os adesivos de 21 mg no começo do tratamento. A dose pode ser dim inuída a cada 2 a 4 semanas ou mantida por todo o período de tratam ento (tipicam ente, 6 a 12 semanas). Os adesivos são colados pela manhã sobre regiões limpas de pele íntegra e sem pelos dos braços ou do tronco, geralmente sobre o deltoide ou a escápula. O local de aplicação deve ser mudado a cada dia. Mesmo com esse cuidado, cerca de um terço dos pacientes apresenta irritação local, controlável, quando neces­ sário, com corticosteroide tópico. Pacientes que apresentam insônia podem se beneficiar com a retirada do adesivo à noite. Há evidências de que a associação de goma e de sistemas transdérmicos pode aumentar as taxas de sucesso. De modo geral, evita-se o uso de reposição de nicotina em pessoas com úlcera gastroduodenal ativa, doenças cardiovasculares instáveis (como in245

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

ra tentativa de tratamento. No entanto, fumantes que apresentem maior grau de dependência (i.e., aqueles que fum am mais de 20 cigarros/dia) podem se beneficiar do uso da goma de 4 mg. A goma é mais eficiente se usada regularmente em dose fixa do que se mascada conforme a necessidade de responder à vontade de fumar. A dose inicial é uma unidade de 2 mg a cada 1 ou 2 horas ao longo do dia, podendo ser ajustada conforme a necessidade. Geralmente, não se utilizam mais do que 2 4 gomas de 2 mg/dia. Os pacientes devem ser instruídos a não ingerir líquidos um pouco antes e até 15 m inutos depois de usar a goma, pois a acidificação da mucosa oral prejudica a absorção da nicotina. Deve-se ter especial atenção à não inges­ tão de refrigerantes, sucos cítricos e café. Depois de 10 a 15 movimentos mastigatórios, o paciente deve sentir um forte sabor, e a nicotina liberada começará a produzir uma sensação de formigam ento ou adormecimento. A goma deve, então, ser “estacionada” entre os dentes e a parede oral, até que essa sensação dim inua. A sequência de mascar e descansar (ou “ morder e estacionar” ) é repetida até que a goma perca o sabor, quando deve ser des­ cartada. Os principais efeitos colaterais específicos da goma relacionam-se à via de uso, como dor na articulação temporomandibular, ulcerações na boca, inflamação dos óstios dos duetos salivares e dispepsia. No Brasil, a goma pode ser vendida sem receita médica.


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farto recente) e durante a gestação. Se for necessário usar nicotina durante a gestação, dá-se preferência à goma, para evitar a exposição contínua do concepto à substância. No Brasil, os adesivos de nicotina são vendidos sem receita médica. BUPROPIONA25 ► A bupropiona é um inibidor da recaptação de dopamina e de norepinefrina, introduzido originalmente para o tratam ento da depressão em 1989. Também atua como antagonista da nicotina em receptores colinérgicos. É possível que essas características sejam relevantes para o tratam ento do tabagismo, embora o mecanismo de ação ainda não seja bem-conhecido nesse campo. O uso da bupropiona deve começar em torno de 15 dias antes da interrupção do cigarro. A dose nos primeiros três dias deve ser de 150 mg pela manhã. A partir do quarto dia, acrescentam-se outros 150 mg à tarde, oito horas depois do com prim ido matinal. Seu uso é m antido por 7 a 12 se­ manas, mas pode ser prolongado de acordo com a necessidade clínica. Hoje em dia, a bupropiona está disponível no mercado também nas apresenta­ ções de 150 e 3 0 0 mg de liberação prolongada, perm itindo o uso em dose única diária pela manhã. Entre as contra indicações ao uso da bupropiona, destacam-se condições que predisponham os pacientes à ocorrência de con­ vulsões, como uso ou retirada recente de substâncias que afetam o lim iar convulsivo (p. ex., álcool e barbitúricos), além de traum atism o craniencefálico e história de epilepsia e de transtornos alimentares. Os principais efeitos colaterais da bupropiona são insônia, náusea e boca seca. O risco de convul­ sões é estimado em 1 /1 .0 0 0 . Evidências sugerem que o modo de ação de bupropiona é independente de seu efeito antidepressivo e que sua eficácia é semelhante à da terapia de reposição de nicotina. A bupropiona é prim ariam ente metabolizada pela CYP2B6, sendo um mo­ derado inibidor da CYP2D6. Ela é rapidamente absorvida, com pico plasmático ocorrendo em cerca de três horas, e tem altas taxas de ligação às proteínas plasmáticas (80 a 85% ). Sua meia-vida de elim inação é de 11 a 14 horas. Seus efeitos adversos resultam do antagonismo de receptores H l e al-adrenérgicos. Altas doses podem levar a efeitos como confusão, déficit de concentração, alucinações e delírios. Agitação e ansiedade também po­ dem ocorrer.

Outros antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) e os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), não são consi­ derados eficazes no tratam ento do tabagismo. VARENICLINA26 ► A vareniclina é um agonista parcial dos receptores a 4 p 2 de nicotina. Esses receptores parecem ser os mais relevantes sítios de ligação da nicotina. A ativação de receptores a 4 p 2 situados no mesencéfalo leva à liberação de dopamina no nucleus accum bens, o que reforça o uso da subs­ tância. Com o tempo, a via passa por neuroadaptação, e a disponibilidade de dopamina precisa ser mantida pelo uso constante de cigarros. Quando o indivíduo suspende abruptamente esse uso, há uma redução im portante na liberação de dopamina, situação que gera desconforto, mal-estar e aumento da vontade de fumar. A vareniclina, como agonista parcial dos receptores

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NORTRIPTILINA ► A nortriptilina apresenta efetividade semelhante à da bupro­ piona no tratam ento do tabagismo, sendo, no entanto, um medicamento de segunda linha para tal indicação devido a seus efeitos colaterais. No entanto, nas doses usadas no tratam ento do tabagismo (75 a 150 mg), ela parece ser tão bem-tolerada quanto a bupropiona. O uso de nortriptilina deve ser inicia­ do 10 a 14 dias antes da data escolhida para o paciente parar de fumar. A dose inicial é de 25 mg, chegando a 75 mg em poucos dias. Os principais efeitos colaterais são sedação, hipotensão postural e efeitos anticolinérgicos, como boca seca e intestino preso. Como ocorre com outros tricíclicos, a nor­ triptilina pode alterar a condução cardíaca e causar arritmias. A nortriptilina é metabolizada pela CYP2D6, e seu uso concomitante com outros medicamentos relacionados a essa isoenzima deve ser feito com cui­ dado.

SUICÍDIO O risco aumentado de suicídio durante o tratam ento da dependência de nicotina vem sendo discutido há anos. A FDA adicionou rótulos de adver­ tência nos medicamentos para cessação do tabagismo, alertando uma possível associação entre comportamentos suicidas e uso de bupropiona e vareniclina. O alerta destaca um risco aumentado de sintomas psiquiá­ tricos como agitação e pensamentos suicidas. Estudos recentes vêm con­ tradizendo tais suspeitas, mas é sempre bom ter cautela no tratam ento de pessoas com história de transtornos psiquiátricos, sobretudo depressão.27 247

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a 4 p 2 , promove uma estimulação mais fraca desses receptores e gera uma secreção reduzida (40 a 60% da associada ao uso de nicotina) de dopamina apesar da ausência da nicotina. Com isso, os sintomas de abstinência ficam mais leves. A vareniclina é absorvida rapidamente, atingindo concentrações máximas em 3 a 4 horas, e 90% dela são excretados pelos rins sem sofrer metabolização. Ela não apresenta ligação significativa a proteínas plasmáticas, nem interage com medicamentos metabolizados pelo sistema do citocromo P450. Pacientes com insuficiência renal grave podem precisar de ajuste de dose. De modo análogo ao que ocorre com a bupropiona, a vareniclina é iniciada em torno de 10 a 15 dias antes da data escolhida para o paciente parar de fumar. As embalagens do medicamento já contêm a quantidade exata de com prim idos de 0,5 e de 1 mg para o aumento gradual da dose até atingir 1 mg duas vezes ao dia. O uso da vareniclina é mantido por 12 semanas, mas há aumento da efetividade se for prolongado por mais outras 12 semanas nos pacientes que tenham apresentado boa resposta ao tratamento inicial. Os principais efeitos colaterais da vareniclina são náusea, insônia, sonhos anormais e flatulência. Os efeitos colaterais dim inuem se a vareniclina for administrada com um copo inteiro de água e após as refeições. Alguns pou­ cos pacientes particularmente sensíveis aos efeitos colaterais podem reque­ rer redução de dose.


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OUTROS TRATAMENTOS

► Acupuntura e hipnose não se mostraram mais eficientes do que os placebos correspondentes.28’ 29 CIGARROS ELETRÔNICOS ► Uma recente metanálise reunindo os resultados de dois ensaios clínicos randomizados, abrangendo 662 participantes, mos­ trou que os fumantes que usaram cigarros eletrônicos de nicotina foram significativam ente mais propensos a parar de fum ar do que aqueles usando cigarro eletrônico placebo. O tam anho do efeito (5% ), todavia, foi pequeno. São necessários mais estudos para avaliar o papel do cigarro eletrônico no tratam ento da dependência de nicotina.30 REPOSIÇÃO DE NICOTINA S U R E VB UPROPIONA le S Í/S VARENICLINA ► Embora guns estudos tenham sugerido que a vareniclina é superior a outras formas de tratam ento para a dependência de nicotina, outros não encontraram di­ ferenças na eficácia dos diversos tratam entos,32'34 e a questão permanece aberta. A

ADOLESCÊNCIA

► Apesar dos tratam entos para cessação do tabagismo serem considerados seguros em adolescentes, eles não são recomendados devido à falta de estudos de boa qualidade nessa população.31 A

DIFERENÇAS DE GENERO

► Os homens parecem responder melhor ao tra­ tam ento com reposição de nicotina e as mulheres, com bupropiona e vare­ niclina.34

GRAVIDEZ

Apesar de a gravidez frequentemente m otivar as mulheres a parar de fumar, de 20 a 25% mantêm o uso do cigarro até o parto. Em uma revisão sobre o tema, os incentivos (gerenciamento de contingências com recompensas em dinheiro) combinados com a terapia comportamental parecem ser a estratégia mais eficaz para parar de fum ar na gravidez. A terapia de substituição de nicotina administrada na forma de goma pode ser melhor do que usar formas transdérmicas para evitar altos níveis de nicotina na circulação fetal. Um pequeno estudo demonstrou que a bupropiona pode ser um auxílio eficaz para a cessação do tabagismo e que não parece estar associada a um risco aumentado de malformações congênitas. Os estudos atualmente disponíveis sobre a vareniclina durante a gravidez são insuficien­ tes para evidenciar a segurança ou a eficácia de sua utilização.35

OPIOIDES Embora o uso de heroína ainda não seja comum no Brasil, o abuso e a dependência de analgésicos opioides têm gerado uma busca crescente de tratamento.

INTOXICAÇÃO

► A intoxicação por opioides caracteriza-se por alteração da consciência, depressão respiratória e pupilas em miose. A intoxicação leve normalmente não requer tratam ento específico. No entanto, os episódios mais graves exigem cuidados de emergência em instalações apropriadas. A intoxicação por opioides pode ser revertida pela naloxona, um antagonista de receptores p, k e ô. A dose varia de 0 ,0 5 a 0 ,4 mg por via endovenosa, 248


SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA

O tempo para o aparecimento dos sintomas de síndrome de abstinência após a descontinuação de opioides pode variar de acordo com a meia-vida da substância. Quanto menor a meia-vida, mais cedo (quatro horas) aparecem os sintomas. Os sintomas mais comuns são: ansiedade, fissura pela substância, inquietu­ de, irritabilidade, midríase, anorexia, sudorese, bocejos, espirros, náuseas, rinorreia, lacrimejamento, dores, tremores, piloereção, insônia, diarreia, hi­ pertensão arterial e taquicardia. Os sintomas podem variar de acordo com a substância, o período e a intensidade do uso, sendo mais intensos nos primeiros 10 dias, havendo, no entanto, relatos da presença de sintomas por várias semanas (fadiga, anedonia, falta de apetite e insônia). A Tabela 10 .1 .2 apresenta uma lista de opioides, suas vias de administração e suas meias-vidas.

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de acordo com a gravidade e o grau de dependência do paciente (indivíduos mais dependentes recebem doses menores para evitar a instalação de uma síndrome de abstinência). A dose sugerida quando há depressão respiratória é de 2 ,0 mg por via endovenosa. A dim inuição da depressão respiratória e a reversão da miose devem ocorrer em até dois minutos. Caso contrário, a dose pode ser aumentada.


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Para o tratam ento da abstinência, os opioides usados são substituídos pelos de ação prolongada (geralmente metadona ou buprenorfina) para aliviar os sintomas. Após a estabilização do quadro, reduz-se gradativamente a dose dos opioides substitutos até sua retirada completa. METADONA ► A metadona, um agonista p-opioide oral, tem meia-vida de 15 a 4 0 horas. Ensaios controlados mostram que o uso de metadona em pacientes com abuso de outros opioides é superior ao placebo e aos regimes com base em agonistas a2-adrenérgicos para o manejo dos sintomas de abstinência e retenção de pacientes em programas de tratamento. Os sintomas iniciais são controlados com a prescrição de doses variáveis e de acordo com o quadro clínico de cada paciente. Para auxiliar o estabele­ cimento da dose inicial de metadona, utiliza-se um padrão de equivalência entre os opioides: 1 mg de metadona corresponde a: 1 a 2 mg de heroína; 3 a 4 mg de morfina; 3 0 mg de codeína; 2 0 mg de meperidina; 0 ,5 mg de dilaudid; e 7 a 8 mL de elixir paregórico.

A seguir, é apresentado um esquema posológico para uso da metadona para tratam ento da síndrome de abstinência de opioides 37 •

Dia 1: Administrar a dose inicial sob supervisão quando estiverem presentes sintomas de abstinência. • Dose inicial: 2 0 a 3 0 mg por via oral. Uma dose adicional de 5 a 10 mg pode ser adm inistrada por via oral após 2 a 4 horas se os sinto­ mas de abstinência não tiverem sido suprim idos ou reaparecerem. • Dose inicial máxima: 3 0 mg. • Dose máxima dia 1: 4 0 mg. • Ajustar a dose durante a prim eira semana com base no controle dos sintom as de abstinência 2 a 4 horas após a adm inistração da últim a dose. • Cuidado com os níveis de metadona que acum ulam durante os pri­ meiros dias de tratam ento. • Desintoxicação de curto prazo: • Após 2 ou 3 dias, d im in u ir gradualm ente a dose (10 a 20% ) a inter­ valos de dois dias durante 3 a 4 semanas de acordo com a evolução clínica. As doses diárias devem ser suficientes para manter os sintomas de abstinência em um nível tolerável. No Brasil, são comercializados com prim idos de 5 e 10 mg. Há uma variação interindividual da farmacocinética da metadona, assim como potencial para promover toxicidade tardia devido a sua longa meia-vida de eliminação. O acúmulo de metadona durante os dias ou semanas de tratam ento pode causar risco de vida, como depressão respiratória, sobretu­ do durante o sono. Assim, essa dose de início pode ser perigosa para acetiladores lentos da metadona ou pacientes com apneia do sono. Além disso, há relatos de cardiotoxicidade (aumento de intervalo QT e ritmo de torsades de pointes) com morte súbita.38' 39 BUPRENORFINA ► A buprenorfina é um analgésico, agonista parcial do recep­ tor p-opioide (ligando-se apenas parcialmente ao receptor p-opioide com o 250


TRATAMENTOS DE MANUTENÇÃO ► NALTREXONA (VER TAMBÉM TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL) ► A naltrexona é um antagonista dos receptores p-opioides que bloqueia os efeitos opioides e ajuda a manter a abstinência em pacientes altam ente motivados. Em geral, o paciente não sofrerá os efeitos ou, se sofrer, eles serão reduzi­ dos se recair e usar novamente o opioide. A naltrexona está disponível em com prim idos diários de 50 mg com efeitos duradouros de 2 4 a 36 horas. O tratam ento medicamentoso é mais eficaz quando adm inistrado como parte de uma abordagem cognitivo-com portam ental.40 Os efeitos colaterais incluem distúrbios gastrintestinais, fadiga e insônia, bem como níveis altos nos testes de função hepática em doses mais ele­ vadas. Os pacientes que iniciam o tratam ento com naltrexona devem estar livres dos sintomas agudos de abstinência de opioides há pelo menos sete dias. As pessoas dependentes graves de opioides, que relutam ou são incapa­ zes de interrompê-los, podem melhorar sensivelmente seu funcionamento diário com o tratam ento de substituição de opioides. Em geral, os agentes de dependência são substituídos por metadona ou buprenorfina, e elas são mantidas por tempo prolongado. Também a mudança da via injetável, es­ pecialmente de heroína, para via oral proporciona melhorias na saúde e prevenção de infecções como o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e a hepatite C. Os programas de manutenção são m uito comuns nos Estados Unidos e na Europa. A

ADOLESCÊNCIA ►

A utilização de buprenorfina e metadona em adolescentes (1 5 -1 8 anos) ainda não foi suficientemente estudada, e os pacientes per­ tencentes a esse grupo etário devem ser atentamente monitorados durante o tratamento. 251

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

antagonismo com petitivo resultante de fármacos agonistas completos ad­ ministrados de modo simultâneo) e antagonista do receptor k . Tal como a metadona, ela apresenta vantagens na administração oral e meia-vida longa. A metadona e a buprenorfina têm eficácias semelhantes, embora a buprenorfina induza menos sedação e depressão respiratória. As doses iniciais variam de 4 a 8 mg. Podem ser adm inistradas doses adicionais até 16 mg, dependendo da resposta do paciente. Depois que a condição do paciente é estabilizada por 3 a 5 dias, a dose é dim inuída ao longo de duas ou mais semanas. No Brasil, a buprenorfina é comercializada em forma de com prim idos su­ blinguais, adesivos transdérmicos e ampolas para injeção. Os com prim idos sublinguais são os mais indicados para o tratam ento da síndrome de abs­ tinência. Os medicamentos que inibem a enzima CYP3A4 podem produzir um au­ mento das concentrações de buprenorfina, promovendo a necessidade de redução da dose. Por sua vez, indutores da CYP3A podem dim inuir as con­ centrações plasmáticas e a dose pode ter que ser aumentada.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

GRAVIDEZ

► Todos os opioides atravessam a barreira placentária e, se usa­ dos durante o parto, podem causar depressão respiratória no neonato. O uso crônico pela gestante pode resultar em dependência física fetal, com síndrome de abstinência grave no pós-parto imediato. Até o momento, não foram descritos efeitos teratogênicos. A metadona tem sido considerada a substância de escolha na gravidez, embora estudo recente tenha indicado que a buprenorfina é igualmente segura se tomados os devidos cuidados com a síndrome de abstinência neonatal.41

COCAÍNA A cocaína é um estim ulante que pode ser aspirado, inalado (fumado na for­ ma de crack) ou injetado. O uso de uma dose de cocaína geralmente causa uma sensação de bem-estar, euforia e aumento da energia e da atividade psicomotora. A absorção da cocaína aspirada é rápida, atingindo a concen­ tração máxima em 30 a 4 0 minutos. Fumada, a cocaína é absorvida ainda mais rapidamente, e o pico de concentração é atingido em menos de 10 m i­ nutos, o que ajuda a explicar por que o crack e o free base (pasta base) cau­ sam dependência mais rapidamente. A cocaína sofre extensa metabolização por colinesterases hepáticas e plasmáticas, sendo excretada principalm ente pelos rins, na forma de ecogninas e diversos outros metabólitos. A meia-vida de elim inação da cocaína é de cerca de 60 minutos.

INTOXICAÇÃO

► A intoxicação por cocaína é caracterizada por inquietude, agitação, agressividade e aumento da atividade simpática, podendo ocor­ rer taquicardia, arritm ias cardíacas, hipertensão, espasmo das artérias co­ ronárias, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico e convulsões. Alucinações e delírios também podem estar presentes. As alucinações po­ dem ser auditivas, visuais ou táteis (p. ex., a sensação de que há insetos andando sob a pele), e seu conteúdo com frequência é persecutório. A duração da intoxicação por cocaína costuma ser curta, da ordem de pou­ cas horas, e o tratam ento é, em geral, de suporte. Pacientes intensamente agitados podem se beneficiar do uso de BZDs. Sintomas psicóticos também costumam ter curta duração, mas muitas vezes é necessário o uso de antipsicóticos por via intramuscular. O haloperidol é um medicamento eficaz e seguro nesses casos.

TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA

► Diversos medicamentos têm sido testa­ dos no tratam ento da dependência de cocaína, mas os resultados ainda não foram suficientemente robustos para a substância ser indicada como intervenção terapêutica para esse transtorno pelas agências reguladoras de medicamentos dos diversos países. Revisões sistemáticas de estudos que avaliaram a eficácia de várias classes de medicamentos para o tratam ento da cocaína serão mostradas a seguir. Não há evidência atual apoiando o uso clínico de anticonvulsivantes, incluin­ do o topiram ato.42’ 43

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MACONHA /V

INTOXICAÇÃO

► A intoxicação por maconha pode levar a pessoa ao atendi­ mento médico devido a sintomas ansiosos (sobretudo crises de pânico), psi­ cóticos ou mal-estar físico (arritm ias cardíacas). O tratam ento é feito com BZDs para os sintomas ansiosos e com antipsicóticos para as manifestações psicóticas. Os sintomas cardíacos devem receber atendimento especializa­ do.46

TRATAMENTO DA DEPENDENCIA

► Não há evidências consistentes para to ­ das as farmacoterapias investigadas para o tratam ento da dependência de Cannabis. Os estudos, em sua maioria, apresentaram qualidade baixa. As análises quantitativas possíveis, combinadas com os achados gerais dos es­ tudos revisados, indicam que os antidepressivos inibidores de recaptação de serotonina, antidepressivos de ação mista, antidepressivos atípicos (bupropiona), ansiolíticos (buspirona) e inibidores da reabsorção da norepinefrina (atomoxetina) são provavelmente de pouco valor no tratam ento da depen­ dência de Cannabis. As preparações contendo delta-9-tetraidrocanabinol (THC) parecem apresentar algum benefício terapêutico, mas, dada a evidên­ cia lim itada, ainda são consideradas experimentais. Os estudos com gabapentina e com N-acetilcisteína ainda são incipientes e merecem investiga­ ções adicionais.47 No Brasil, ainda não está disponível o uso de canabinoides para tratam ento desse transtorno. Em outros países, há pesquisas com canabidiol, dronabi­ nol e nabilone. Alguns antidepressivos também foram testados sem sucesso. Mirtazapina, bupropiona, fluoxetina e venlafaxina não se mostraram eficazes em estudos com dependentes de Cannabis. Buspirona, divalproato e lítio também não apresentaram eficácia.

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

Também não existem evidências que apoiem o uso clínico de medicamentos antipsicóticos no tratam ento da dependência de cocaína, embora os resulta­ dos tenham sido obtidos em apenas 14 ensaios, com amostras pequenas e de qualidade moderada a baixa.44 O uso de psicoestimulantes para tratam ento da dependência de cocaína pa­ recia, inicialmente, uma estratégia promissora, já que as duas substâncias apresentam algumas características semelhantes. O m etilfenidato (MPH), como a cocaína, aumenta a dopamina sináptica pela inibição de sua reab­ sorção. As propriedades discrim inativas, o potencial de reforço e os efeitos subjetivos do MPH e da cocaína são semelhantes, e o MPH tem sido estu­ dado como substituto para a cocaína em animais e voluntários humanos em condições laboratoriais. Todavia, os dados positivos encontrados na literatu­ ra vieram sobretudo de relatos de caso e estudos abertos. Os resultados de ensaios clínicos randomizados têm sido decepcionantes até agora e não corroboram o uso de MPH como tratam ento para a dependência de cocaína em pacientes sem transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Deve-se também ter em mente o risco de abuso desse medicamento, que pode ser dim inuído com o uso de MPH de liberação prolongada.45


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO DAS DEPENDÊNCIAS QUÍMICAS

A N-acetilcisteína, moduladora do sistema glutamatérgico, sinalizou alguma efetividade quando usada em doses de 1.200 a 2 .4 0 0 mg em dois estudos, um aberto e outro duplo-cego, randomizado e controlado com placebo. Outro medicamento que parece promissor é a gabapentina. Em um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado com placebo, com duração de 12 semanas, em 50 adultos com dependência de Cannabis, a dose de 1.200 mg de gabapentina dividida em três administrações diárias foi as­ sociada à redução estatisticamente significativa na quantidade e nos dias de uso. Também houve dim inuição dos sintomas de abstinência, fissura, perturbações do sono e escores de depressão.48

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LIS GOMES SILVA MÁRCIA RADANOVIC FLORINDO STELLA ORESTES V. FORLENZA

O com prom etim ento cognitivo leve (CCL) é considerado a fronteira entre alterações cognitivas relacionadas ao envelhecimento e demência. Seu diag­ nóstico requer a percepção de declínio por parte do indivíduo, de alguém de seu convívio ou do médico que o assiste, associada a alterações objetivas em testagem cognitiva.1 Tais alterações, no entanto, não devem ter intensidade suficiente para comprometer a funcionalidade, o que caracterizaria a de­ m ência.1 O uso da terminologia está presente na literatura desde a década de 1980 e surgiu com o desenvolvimento de escalas clínicas para avaliação da doença de Alzheimer (DA), adm itindo-se a condição de CCL como um estágio dentro do continuum da doença. Dessa forma, os indivíduos portadores de tal qua­ dro eram classificados no estágio 3 da Global Deterioration Scale (GDS)2 e 0,5 na Clinicai Dementia Rating (CDR).3 Na mesma linha de entendimento, os critérios da Mayo Clinic de 1 9 9 9 4 tiveram foco no déficit de memória e foram desenvolvidos para detectar está­ gios precoces de DA. Com o passar do tempo, ficou claro que nem todos os pacientes com CCL tinham DA, podendo evoluir com reversão das alterações cognitivas ou ainda com outras doenças neurodegenerativas. Além disso, a prática mostrou que outros domínios cognitivos, além da memória, poderiam ser acometidos nesses estágios transitórios. O Key Symposium em Estocolmo, em 2 0 0 3 , teve como objetivo discutir es­ sas limitações. Em 2 0 0 4 , foram publicados critérios diagnósticos mais am ­ plos,5 adm itindo-se a heterogeneidade da apresentação clínica do CCL, as­ sim como a possibilidade de outras etiologias subjacentes além das doenças neurodegenerativas, como vascular, metabólica, traum ática ou psiquiátrica. O algoritmo diagnóstico proposto no Key Symposium ainda é utilizado na prática clínica e está resumido na Figura 10.2.1. Para a determinação do subtipo de CCL, deve ser feita uma avaliação neuropsicológica abrangente, embora não tenham sido recomendados instrumentos específicos. Os dom í­ nios cognitivos a serem avaliados consistem em memória episódica, que é a memória relacionada a situações vividas pelo indivíduo, atenção, linguagem, funções executivas e habilidades visuoespaciais. Os escores obtidos nos tes-

257


COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

Queixa cognitiva

I Anormal para idade Declínio em relação ao desempenho prévio Sem perda (ou perda mínima) de funcionalidade

CCL

CCL

Não amnéstico

Não amnéstico

Múltiplos domínios

Domínio unico

FIGURA 10.2.1 ► ALGORITMO DIAGNOSTICO DE COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE. Fonte: Adaptada de Winbland e colaboradores.5

tes são, em geral, 1 a 1,5 desvio-padrão abaixo da média populacional para idade e escolaridade. O CCL é classificado em subtipos, de acordo com o número e o tipo de alterações cognitivas apresentadas. Dessa forma, o indivíduo que cursa com com prom etim ento exclusivo de memória episódica recebe o diagnóstico de CCL amnéstico de domínio único, enquanto indivíduos com alteração de me­ mória e de outras funções cognitivas recebem o diagnóstico de CCL am nésti­ co e de m últiplos domínios. Os que têm memória episódica preservada, mas apresentam com prom etim ento de um ou mais domínios cognitivos, cursam com CCL não amnéstico de domínio único ou m últiplos domínios. Tal caracterização diagnóstica se baseia na hipótese de que processos fisiopatológicos distintos apresentam manifestação clínica d istinta.1 Assim, formas amnésticas puras supostamente progridem com mais frequência para DA, e o acometimento de m últiplos domínios - sobretudo na presença de déficit de memória - associa-se a DA ou demência cerebrovascular. O diag­ nóstico de CCL não amnéstico representa um grupo etiológico mais hetero258


CCL COMO CONDIÇÃO PRODRÔMICA DA DOENÇA DE ALZHEIMER Desde 2 0 1 1 , entidades de pesquisa como o National Institute on Aging (NIA) e a Alzheim er’s Association vêm desenvolvendo critérios diagnósticos para DA pré-clínica.7 Esses critérios se apoiam na existência de biomarcadores que refletem a patologia de DA in vivo. Em 2 0 1 4 , o International Working Group, liderado por Dubois,8 propôs um avanço na categorização desses marcadores, classificando-os em fisiopatológicos ou topográficos e propondo uma hierarquização entre os grupos. Dessa forma, a dosagem do peptídeo Ap, proteína tau total ou fosforilada no líquido cerebrospinal (LCS), assim como o acúmulo de proteína amiloide, avaliado por meio de tomografia por emissão de positrons (PET) com traçador específico, foram classifica­ dos como marcadores fisiopatológicos e com maior especificidade para o diagnóstico de DA, enquanto atrofia hipocampal ou de lobo temporal mesial na ressonância magnética (RM), hipom etabolismo ou hipoperfusão tem poro­ parietal, vistos em PET ou tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT), foram classificados como marcadores topográficos, relacio­ nados à progressão da doença (ver Quadro 10.2.1). Os marcadores topográ­ ficos podem ser utilizados, ao lado do seguimento clínico, como elementos de suporte para estimar a chance de conversão de CCL para demência.

FATORES DE PROGRESSÃO

► Fatores como idade avançada, alterações cog­ nitivas relativamente acentuadas na avaliação inicial, níveis baixos de es­ colaridade, presença do alelo g4 da apolipoproteína E (APOE), redução do volume do hipocampo verificada por meio de RM, bem como as alterações no LCS já descritas, constituem os principais preditores de conversão para demência, em especial DA. A taxa de progressão anual vista em uma coorte brasileira acompanhada no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo foi de 6% .9 259

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

gêneo, incluindo desde condições transitórias, como depressão ou uso de medicamentos, até doenças neurodegenerativas, como degeneração lobar frontotemporal (DLFT) e demência com corpos de Lewy (DCL). Um estudo realizado no Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo6 avaliou a estabilidade do diagnóstico de CCL em uma coorte de 115 pacientes com média de idade de 6 8 anos após um ano de seguimento. Na avaliação inicial, 54 pacientes receberam diagnóstico de CCL e 61 pacientes apresentavam cognição normal. Entre os pacientes diagnosticados com CCL, 23% evoluíram com reversão do quadro, migrando para o grupo-controle. A análise da estabilidade diagnóstica entre os subtipos de CCL mostrou que houve reversão do quadro em 37 ,5 % dos pacientes com com prom etim ento amnéstico puro, enquanto apenas 13% dos sujeitos com acometimento de m últiplos domínios evoluíram com reversão. Os pacientes que mantiveram o diagnóstico após um ano eram mais velhos e com com prom etim ento cog­ nitivo mais amplo. A partir da interpretação dos dados, concluiu-se que o acometimento de m últiplos domínios pode ser mais representativo da transi­ ção do CCL para DA inicial do que a apresentação amnéstica isolada, como originalmente proposto.1


COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

QUADR010.2.1 ►DEFINIÇÃO DE BIOMARCADORES PARA DA DIAGNOSTICO:

MARCADORES DE PROGRESSÃO:

• • • •

• •

Marcadores fisiopatológicos Refletem a patologia da doença in vivo Presentes em todos os estágios da doença Observáveis mesmo no estado assintomático Podem não se correlacionar com a gravidade clínica Indicados para inclusão em protocolos de ensaios clínicos

• • • • •

Marcadores topográficos ou de lesão à jusante Pouca especificidade em relação à doença Indicam gravidade clínica Podem não estar presentes em estágios precoces Quantificam tempo até os marcos da doença Indicados para avaliação de progressão de doença

Fonte: Adaptado de Dubois e colaboradores.8

EPIDEMIOLOGIA

► Existe grande variabilidade na prevalência de CCL na literatura em decorrência de diferentes estratégias metodológicas de investi­ gação, como aglutinação ou separação dos subtipos de CCL, aplicação re­ trospectiva versus prospectiva dos critérios diagnósticos, da própria variabili­ dade desses critérios, da idade da população estudada, além da utilização de instrumentos de avaliação cognitiva distintos.10,11 Um estudo prospectivo de base com unitária estimou uma prevalência de 2,8% e incidência de 9 ,9 por 1.000 pessoas-ano, durante cinco anos de seguim ento.12 Nesse estudo, observou-se, ainda, que o CCL foi um bom preditor de DA, com taxa de conversão anual de 8,3% , mas uma condição m uito instável ao longo dos anos, com reversão em mais de 40% dos casos. Em um estudo realizado em uma comunidade m ultiétnica,13 incluindo 2 .3 6 4 hispânicos, negros e brancos, com idades a partir de 65 anos, avalia­ dos a cada 18 a 2 4 meses, observou-se: incidência anual de 5,1% , taxa de conversão anual para DA de 5,4% , estabilidade diagnóstica de 47% e reversão do quadro em 31% dos casos. Déficit de memória associado a envolvimento de pelo menos um domínio cognitivo diferente se relacionou a risco maior de progressão para DA. Estudos epidemiológicos na população brasileira ainda são escassos. Um es­ tudo transversal realizado em nosso meio, na clínica de memória de um cen­ tro universitário, revelou que um terço dos idosos atendidos preenchia crité­ rios diagnósticos de CCL, sendo que 60% apresentavam CCL de m últiplos domínios; 30% , CCL amnéstico; e 10% , CCL não am néstico.12,14 Um estudo brasileiro realizado em Porto Alegre,15 em população idosa sau­ dável, com seguimento de oito anos, mostrou incidência de CCL de 13,2 por 1.000 pessoas-ano. Baixa escolaridade e escores mais baixos no Miniexame do Estado Mental (MEEM) na avaliação inicial foram fatores de risco associa­ dos ao desenvolvimento de CCL.

260


► O diagnóstico inicia a partir da queixa de declínio cognitivo por parte do paciente ou de alguém de seu convívio. É comum que as pessoas se refiram a alterações em várias esferas da cognição, como aten­ ção ou linguagem (p. ex., não lembrar nome de pessoas ou não encontrar a palavra exata para continuar uma conversação), como queixa de memória. O examinador deve coletar exemplos de situações cotidianas do paciente em que essas alterações tenham sido notadas. A partir de então, aplicam-se testes cognitivos com tarefas relativas aos vários domínios para classificar essas alterações.10 O uso de instrumentos de rastreio é útil, uma vez que nem sempre há tempo para uma avaliação pormenorizada no consultório. Tais instrumentos contêm os itens relativos a atenção, funções executivas, habilidades visuoespaciais, memória e linguagem. Para esse fim , podem ser utilizados o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) ou o MEEM, ambos com versões disponíveis em português.16,17 Para uma avaliação mais específica da memória, pode ser empregado, ainda, o teste das figuras que integra a Bateria Breve de Rastreio Cognitivo, desenvolvida por Nitrini e colaboradores. O teste consiste na memorização de 10 figuras que representam objetos comuns e não sofre interferência do grau de escolaridade, podendo ser aplicado em indivíduos não alfabetizados.18 Mesmo com a utilização dos testes descritos, frequentemente é necessário o encaminhamento para uma avaliação neuropsicológica especializada, uma vez que os instrumentos de rastreio não têm sensibilidade suficiente para de­ tecção de alterações m uito sutis, sobretudo em pessoas com maior grau de escolaridade. A avaliação neuropsicológica indica se o nível de funcionam en­ to do paciente é adequado para sua idade, sexo e escolaridade. Pacientes que apresentam alterações sugestivas de declínio devem ser reava­ liados clinicam ente a cada seis meses a um ano, a fim de que piora objetiva do quadro ou indícios de conversão para um quadro demencial sejam detec­ tados o mais precocemente possível, perm itindo a implementação de m edi­ das terapêuticas disponíveis. Nessa avaliação longitudinal, é extremamente im portante averiguar evidências de declínio na funcionalidade do paciente, seja em atividades profissionais, sociais e instrumentais, seja em ativida­ des básicas da vida diária. A funcionalidade pode ser avaliada por meio de escalas ou de baterias de testagem específicas, como o Questionário de Atividades Funcionais de Pfeffer19 e a Direct Assessment of Functional State - Revised (DAFS-R),20 validada para a população brasileira.21 É im portante pesquisar causas potencialmente tratáveis de com prom etim ento cognitivo, como doenças somáticas (hipotireoidism o, anemia), efeito colate­ ral de medicamentos (p. ex., fármacos com ação anticolinérgica ou sedativa), fatores de risco cerebrovasculares modificáveis (diabetes, dislipidem ia, hi­ pertensão), doença psiquiátrica (depressão) e deficiência vitamínica (B12, ácido fólico). Na avaliação complementar, a neuroimagem tem o papel não só de avaliar causas potencial mente reversíveis, como hidrocefalia de pressão normal

261

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

AVALIAÇÃO CLÍNICA


COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

(HPN) ou hematoma subdural crônico, como também de auxiliar no diagnós­ tico diferencial, podendo favorecer algumas etiologias. Uma RM de encéfalo evidenciando atrofia nas regiões perisilvianas no hemisfério dominante asso­ ciada a um quadro clínico de alteração de linguagem, por exemplo, favorece o diagnóstico de uma afasia progressiva primária. Um estudo por meio de PET com fluorodesoxiglicose (FDG-PET) evidenciando hipom etabolismo em região temporoparietal bilateral associado a com prom etim ento amnéstico e de m últiplos domínios pode sugerir CCL como condição prodrômica de DA. Com maior especificidade para esse diagnóstico, biomarcadores de LCS ou de neuroimagem tam bém são úteis na avaliação complementar, se dispo­ níveis.

PREVENÇAO/TRATAMENTO

► Até o momento, não existe tratam ento farm a­ cológico para CCL que tenha sido aprovado pelas agências reguladoras in­ ternacionais. Uma revisão sistemática recente22 avaliou 41 ensaios clínicos randomizados, incluindo intervenções farmacológicas e não farmacológicas. A evidência mais robusta foi a de que o uso de anticolinesterásicos não reduz o risco de conversão para demência. Da mesma forma, nenhum fator de risco modificável foi associado à redução do risco para DA. Uma grande lim itação é a distinção de fatores associados verdadeiramente à DA daqueles que também podem ocorrer com o avanço da idade - por exemplo, com prom etim ento vascular. Também não está claro se associações como depressão não refletem, na verdade, manifestações precoces da doença. Existe uma tendência de resposta favorável a intervenções cognitivas de longo prazo (pelo menos seis meses de atividades), como realização de trei­ no de memória (uso de mnemónicos, calendários, anotações, exercícios de associação de nomes a faces), associadas a recreação psicomotora e inte­ ração social.23 Modificações no estilo de vida, como a prática de exercícios aeróbicos, podem ser efetivas em reduzir a taxa de progressão de CCL para dem ência.24 A despeito da falta de recomendações específicas, é im portante estimular medidas gerais de promoção à saúde, visando à prevenção de doenças car­ diovasculares, uma vez que patologias como hipertensão e diabetes estão associadas a declínio cognitivo.25

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263

COMPROMETIMENTO COGNITIVO LEVE

6.


ANDREA CECILIA TOSCANINI JOÃO GUILHERME DE MELLO E GALLINARO STELLA TAVARES

TRANSTORNOS DE INSÔNIA A insônia pode ser definida como uma dificuldade persistente no início, na duração, na consolidação ou na qualidade do sono, ocorrendo apesar de circunstâncias e oportunidade adequadas, resultando em algum tipo de pre­ juízo diurno. É o transtorno do sono mais comum, e sua prevalência está estimada em 10 a 15% da população em geral, dependendo do critério diagnóstico utilizado.1 Acomete principalm ente mulheres, idosos e pessoas com transtornos mentais.2 Existem diversos modelos que tentam explicar a fisiopatologia da insônia, porém sabe-se que ela é dependente de fatores neurobiológicos e com portam entais.3 Na últim a edição da Classificação in ­ ternacional dos distúrbios do sono (ICSD), a insônia foi dividida em três subtipos: insônia crônica, insônia de curto prazo e outros transtornos de insônia. A

A

INSÔNIA CRÔNICA

► Casos que preenchem todos os critérios estabelecidos pela Classificação intern acion al dos distúrbios do sono (Quadro 10 .3 .1), exceto os de frequência ou duração, para transtorno de insônia crônica de­ vem ser especificados como transtorno de insônia de curto prazo. Outros transtornos de insônia devem ser atribuídos a casos raros que não conseguem preencher os critérios para transtorno de insônia de curto prazo, mas que, ainda assim, apresentam sintomas de insônia suficientes para jus­ tificar atenção clínica.

TRATAMENTOS NÃO FARMACOLÓGICOS ► HIGIENE 00 SONO • •

• •

Evitar ingestão de bebidas alcoólicas ou cafeinadas ou uso de medicamentos estimulantes ou hipnóticos até três horas antes de dormir. Transformar o quarto em um ambiente apropriado para o sono, consideran­ do luminosidade, temperatura e conforto adequados. Utilizar o quarto apenas para dorm ir e ter relações sexuais. Ir para a cama apenas com sono. Estabelecer uma rotina calma e relaxante uma hora antes de dormir, criando um “ ritual de sono” .

264


Os critérios A a F devem estar presentes. A. O paciente relata, ou pais ou cuidador do paciente observam, um ou mais dos seguintes: 1. Dificuldade para iniciar o sono. 2. Dificuldade para manter o sono. 3. Despertar antes do desejado. 4. Resistência em ir para a cama no horário apropriado. 5. Dificuldade para adormecer sem a intervenção de parente ou cuidador. B. O paciente relata, ou pais ou cuidador do paciente observam, um ou mais dos seguintes sinais relacionados a dificuldade para o sono noturno: 1. Fadiga/mal-estar. 2. Alteração de atenção, concentração ou perda de memória. 3. Prejuízo social, familiar, ocupacional ou de desempenho acadêmico. 4. Perturbação do humor ou irritabilidade. 5. Sonolência diurna. 6. Problemas de comportamento (p. ex., hiperatividade, impulsividade, agressividade). 7. Redução da motivação, energia ou iniciativa. 8. Propensão a erros ou acidentes. 9. Preocupações sobre ou insatisfação com o sono. C. As queixas de sono/vigília relatadas não podem ser explicadas unicamente pela oportunidade inadequada (tempo suficiente destinado para o sono) ou circunstâncias inadequadas (ambiente seguro, escuro, silencioso e confortável) para o sono. D. As perturbações do sono e os sintomas diurnos associados ocorrem pelo menos três vezes na semana. E. As perturbações do sono e os sintomas diurnos associados ocorrem pelo menos há três meses. F A dificuldade do sono/vigília não é mais bem explicada por outro transtorno do sono. Notas: (1) Relatos de dificuldade em iniciar o sono, dificuldade em m anter o sono ou acordar muito cedo podem ser observados em todas as faixas etárias. Resistência em ir para a cama em um horário apropriado e dificuldade em dorm ir sem a intervenção de um parente ou cuidador são mais comumente observados em crianças e adultos mais velhos que requerem a supervisão de um cuidador, devido a um nível significativo de comprometimento funcional (p. ex., aqueles com demência). (2) Alguns pacientes com insônia crônica podem apresentar episódios recorrentes de problemas no sono/vigília com duração de várias semanas ao longo de muitos anos e, ainda assim, não satisfazer o critério de duração de três meses para um único episódio. No entanto, a esses pacientes deve ser atribuído o diagnóstico de transtorno de insônia crônica, dada a persistência de suas dificuldades de sono interm itentes ao longo do tempo. (3) Alguns pacientes que usam medicamentos hipnóticos regularmente podem dorm ir bem e não satisfazem os critérios para um transtorno de insônia quando tom am tais medicamentos. No entanto, na ausência desses medicamentos, podem satisfazer os critérios mencionados. Esse diagnóstico se aplicaria aos pacientes se eles apresentassem preocupações com sua incapacidade de dorm ir sem esses medicamentos. (4) Muitas comorbidades, como transtornos de dor crônica ou doença do refluxo gastresofágico (DRGE), podem causar as queixas de sono/vigília apresentadas aqui. Quando essas condições são a única causa da dificuldade para dormir, um diagnóstico de insônia separado pode não se aplicar. No entanto, em muitos pacientes, essas condições são crônicas e não são a única causa da dificuldade para dormir. Os fatores determinantes na decisão de aplicar um diagnóstico separado de insônia incluem: “ Quanto tempo dentro da dificuldade para dorm ir surge como resultado de fatores diretamente atribuíveis à comorbidade (p. ex., dor ou DRGE)?“ ou “ Existem períodos em que as queixas de sono/vigília ocorrem na ausência desses fatores?“ . “ Existem fatores perpetuadores cognitivos ou com portam entais (p. ex., expectativas negativas, despertares condicionados, hábitos perturbadores do sono), sugerindo um aspecto autônomo da insônia em curso?“ . Se houver evidência de que as queixas de sono/vigília do paciente não são causadas exclusivamente pela condição médica e merecerem atenção e tratam ento, então o diagnóstico de transtorno de insônia crônica deve ser feito.

265

TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.1 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA INSÔNIA CRÔNICA*1234


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

• • • • •

Utilizar a luz natural para sincronizar o oscilador circadiano com o meio externo. Estabelecer horários regulares de sono, mesmo nos fins de semana, que supram a necessidade individual de sono. Ingerir quantidades adequadas de líquido durante o dia, especialmente após as 18h. Jantar cedo e fazer refeições leves, evitando digestões lentas. Praticar atividade física preferencial mente pela manhã.

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL PARA INSÔNIA (TCCl) A TCCi pode ser estruturada entre 4 e 8 sessões, com intervenções educa­ cionais, com portam entais e cognitivas que têm como base teórica o modelo de insônia proposto por Spielman. A TCCi tornou-se o tratam ento de escolha, tanto na forma isolada quanto associada à terapia farmacológica.4 As prin­ cipais técnicas utilizadas na TCCi são higiene do sono, terapia de controle de estímulos, restrição de tem po de cama e sono, técnicas de relaxamento, reestruturação cognitiva e intenção paradoxal.5

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ► As principais classes farmacológicas para o tratam ento da insônia são hipnóticos agonistas seletivos de receptores do ácido gam a-am inobutírico A (GABA-A), antidepressivos sedativos e agonistas melatoninérgicos.6 Os hipnóticos agonistas seletivos de receptores GABA-A são considerados os medicamentos de escolha, principalm ente em insônia de curto prazo, enquanto os antidepressivos sedativos, em doses baixas, são indicados quando existe comorbidade com depressão ou no caso de insuces­ so no tratam ento inicial.6 Outras classes de medicamentos têm efeito hipnó­ tico e sedativo, como antipsicóticos, anti-histam ínicos e anticonvulsivantes, mas não são recomendadas como tratam ento de escolha, salvo em casos em que haja comorbidade que justifique seu uso. As recomendações de acordo com o Consenso Brasileiro de Insônia encontram-se na Tabela 1 0 .3 .1 .5

TRANSTORNOS CENTRAIS DE HIPERSONOLENCIA A hipersonolência refere-se à sonolência diurna. Esta não é uma experiência incomum para a maioria das pessoas, mas, para algumas, a sonolência diurna é suficientemente impactante a ponto de causar prejuízo à saúde. Dessa forma, uma avaliação cuidadosa pode perm itir a distinção entre os indivíduos que apresentam sonolência leve e transitória daqueles que têm a sonolência excessiva diurna (SED) e requerem tratam ento.7 A SED é definida como a inabilidade de permanecer acordado e alerta durante os períodos do dia considerados adequados para a vigília, resultando em momentos de necessidade irrepreensível de dormir, lapsos ou crises de sono. Diante de um paciente que apresenta SED, deve ser investigada a causa. A seguir, são apresentadas algumas condições clínicas associadas à SED.

NARCOLEPSIA (TIPOS 1 E 2)

► A narcolepsia, de acordo com a ICSD,8 é um distúrbio de hipersonolência central, dividido em tipos 1 e 2. Na narcolepsia do tipo 1, há deficiência de hipocretina e clinicam ente se observa a presença de cataplexia (perda do tônus muscular com manutenção da consciência 266


TRANSTORNOS 00 S0N0 E DA VIGÍLIA

TABELA 10.3.1 ► FÁRMACOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA INSÔNIA5 AGENTE

DOSE RECOMENDADA (MG/DIA)

MEIA-VIDA

ZolpidemA

5-10

2,5 horas

ZopiclonaA

3,7-7,5

5,3 horas

Trazodona8

50

7-8 horas

Doxepina8

1-6

6-17 horas

Mirtazapina8

7-30

21,5 horas

Amitriptilina8

12,5-50

21 horas

Mianserina8

15-30

7-9 dias

Agomelatinac

25-50

2-3 horas

Ramelteonc

8

1,3 hora

Classes: A = hipnóticos agonistas seletivos de receptor GABA A; B = antidepressivos sedativos; C = agonistas melatoninérgicos.

após fator desencadeante emocional). Sintomas de narcolepsia incluem epi­ sódios de paralisia do sono, alucinações hipnagógicas ou hipnopômpicas e com portam ento estereotipado, sendo que cerca de metade dos pacientes apresenta sono noturno fragm entado.9

TRATAMENTO ► O tratam ento da narcolepsia tem como objetivos o controle dos sintomas de vigília, dos sintomas noturnos de sono e a adaptação psi­ cossocial. Para tanto, são utilizados agentes estimulantes do sistema nervo-

QUADR010.3.2 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA NARCOLEPSIA 00 TIPO I a Os critérios A e B devem estar presentes. A. 0 paciente apresenta diariamente necessidade irreprimível de dormir ou lapsos diários de sono, que ocorrem há pelo menos três meses. (1) B. Presença de um ou ambos os critérios: 1. Cataplexia e latência de sono média < 8 minutos com presença de sono REM precoce, registrado nos 15 minutos iniciais do sono (SOREMP) em dois ou mais períodos avaliados no Teste de Latências Múltiplas do Sono (TLMS), realizado de acordo com as técnicas-padrão. A presença de SOREMP na polissonografia (PSG) realizada na noite anterior pode substituir um dos SOREMP do TLMS. (2) 2. Concentração de hipocretina-1 no líquido cerebrospinal (LCS) medida por imunorreatividade < 110 pg/mL ou < 1/3 dos valores médios obtidos em indivíduos sadios com o mesmo ensaio padronizado. Notas: (1) Em crianças pequenas, a narcolepsia pode, por vezes, apresentar-se como uma noite de sono excessivamente longa ou como a retomada de um cochilo diurno interrompido. (2) Se há forte suspeita clínica de narcolepsia do tipo 1, mas os critérios do TLMS e do item B I não foram preen­ chidos, uma possível estratégia é repetir o TLMS.

267


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.3 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA NARCOLEPSIA DO TIPO 24 Os critérios A a E devem estar presentes. A. O paciente apresenta diariamente necessidade irreprimível de dormir ou lapsos diários de sono, que ocorrem há pelo menos três meses. B. Uma latência de sono média < 8 minutos com presença de SOREMP em dois ou mais períodos avaliados no TLMS, realizado de acordo com as técnicas-padrão. Um SOREMP (nos 15 minutos iniciais do sono) na PSG realizada na noite anterior pode substituir um dos SOREMP do TLMS. C. Ausência de cataplexia. (1) D. Concentração de hipocretina por imunorreatividade no LCS não foi medida ou a concentração de hipocretina-1 é > 110 pg/mL ou > 1/3 da média dos valores obtidos em indivíduos sadios com o mesmo ensaio padronizado. (2) E. A hipersonolência ou os achados do TLMS não podem ser mais bem explicados por outras cau­ sas, como sono insuficiente, apneia obstrutiva do sono (AOS), distúrbio do atraso de fase do sono, efeito de substâncias ou sua retirada. Notas: (1) Se a cataplexia aparecer tardiam ente, o transtorno deve ser reclassificado como narcolepsia do tipo 1. (2) Se a concentração de hipocretina-1 é realizada posteriormente e apresenta resultados > 1 1 0 pg/mL ou < 1/3 dos valores médios obtidos em indivíduos sadios com o mesmo ensaio padronizado, o transtorno deve ser reclassificado como narcolepsia do tipo 1.

so central (SNC), antidepressivos e hipnóticos, além de medidas de higiene do sono, apoio psicossocial e psicoterapia.10

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO •

Medidas de higiene do sono: manter horários regulares de sono e vigília, evitar álcool e sedativos, evitar abuso ou abstinência de cafeína e chocola­ te, evitar privação de sono, abster-se de tabaco, evitar refeições ricas em carboidratos e praticar atividade física regularmente. Cochilos: com duração entre 15 e 2 0 minutos, devem ser programados a cada quatro horas. Além de reparadores, auxiliam na redução da dose dos agentes estim ulantes.11 Medidas sociais, como adaptação dos horários de trabalho, ou do tipo de trabalho, terapia cognitivo-comportamental (TCC)12 e suporte psicológico para adaptação e aceitação dos sintomas de sonolência e cataplexia, quando presentes.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

• Tratamento da SED (Tab. 10.3.2) Os efeitos dos agentes estimulantes variam amplamente entre os indivíduos, portanto a dose e a hora da administração devem ser individualizadas para otim izar a ação do medicamento. Doses adicionais, quando necessárias, de­ vem ser introduzidas de maneira a antecipar os sintomas. O tratam ento de primeira escolha para a SED é o modafinil nas doses de 2 0 0 a 4 0 0 mg/dia, podendo chegar a 6 0 0 mg, mas sem efeito no controle da 268


AGENTE

DOSE TERAPÊUTICA (MG/DIA)

DOSE MÁXIMA (MG/DIA)

MEIA-VIDA (H)

Modafinil*

200-600

800

12-14

Metilfenidato**

10-60

100

2-5

Anfetamina

5-60

100

16-30

Mazindol

2-8

12

10

Selegilina

10-40

50

1

Agente estim ulante de p rim e ira * e s e g u n d a ** escolha para tratam ento.

cataplexia. Em doses de até 6 0 0 mg/dia, são observados efeitos colaterais em apenas 5% dos usuários, sendo os mais frequentes cefaleia (13% ), diar­ reia (8% ), náusea (5% ), sintomas de rinite, hipertensão, redução do apetite e perda de peso.13 A literatura atual sugere que o modafinil não apresenta risco de abuso e dependência em doses terapêuticas, sendo classificado como risco IV pela Food and Drug Adm inistration (FDA) (baixo potencial de abuso e dependên­ cia física e psicológica lim itada). No Brasil, o modafinil é classificado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como receita A3. O modafinil está contraindicado em crianças com idade inferior a 16 anos, gestantes, lactantes e em pacientes com hipertensão arterial não controla­ d a .14’15

• T ratam en to da catap lexia, paralisia do sono e alu cin açõ es O tratam ento farmacológico da cataplexia não deve ser sistematizado, e sim fundamentado em sua gravidade (intensidade, frequência e natureza dos fatores desencadeantes). Os antidepressivos são o tratam ento de escolha para a cataplexia e demais sintomas 16’17(Tab. 10.3.3). De acordo com as Diretrizes Brasileiras para o Tratamento da Narcolepsia,18 os agentes antidepressivos mais eficazes são reboxetina, venlafaxina, clom ipramina, nortriptilina e suas combinações. Para consolidar o sono noturno fragmentado de alguns pacientes, pode ser utilizado um hipnótico de meia-vida curta (p. ex., zolpidem).

HIPERSONIAIDIOPÁTICA (Hl)

► Na Fll, os pacientes apresentam queixas de SED com meses de duração. Também é descrito tempo total de sono noturno prolongado com dificuldade para despertar, mesmo após até 10 horas de sono. Os pacientes relatam que fazem cochilos longos (mais de 60 minutos) e frequentes, porém não reparadores. Na PSG, apresentam, de forma geral, eficiência do sono alta (entre 90 e 94% ). Sintomas como cefaleia, hipotensão postural, percepção de temperatura desregulada e queixas de vascularização periférica (fenômeno de Raynaud) 269

TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

TABELA 10.3.2 ► AGENTES ESTIMULANTES UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA SED DA NARCOLEPSIA


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

TABELA 10.3.3 ►ANTIDEPRESSIVOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA CATAPLEXIA GRUPO FARMACOLÓGICO

AGENTE

DOSE TERAPÊUTICA (MG/DIA)

Tricíclicos

Nortriptilina

25-200

Clomipramina

25-150

Imipramina

10-100

Fluoxetina

20-80

Paroxetin a

20-60

Sertralina

50-150

Citalopram

20

Inibidor da recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSN)

Venlafaxina

75-225

Inibidor seletivo da recaptação de norepinefrina (ISRN)

Reboxetina

Até 10

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

sugerem a presença de disfunção do sistema nervoso autônomo. Paralisia do sono e alucinações hipnagógicas podem estar presentes, com incidência de 4 a 40% . A idade média de início varia entre 16 e 22 anos. Uma vez estabelecido, o transtorno é estável e de longa duração, com pequena taxa de remissão espontânea (14% ). As maiores complicações estão no âm bito social e pro­ fissional.

TRATAMENTO ► O tratam ento da Hl é individualizado e depende das caracte­ rísticas específicas de cada caso. Medidas de higiene do sono e mudanças com portam entais devem ser implementadas, porém o sucesso é menor que na narcolepsia. Exposição à luz solar é uma boa opção para dim inuir a sono­ lência, em especial pela manhã. Farmacologicamente, o tratam ento se baseia no uso de substâncias estim u­ lantes, como modafinil e m etilfenidato (Tab. 10.3.2). Antidepressivos como a bupropiona, que costumam causar insônia como efeito colateral, podem ser úteis no tratam ento de casos mais leves.

SÍNDROMEDEKLEINE-LEVIN

► Éum distúrbio do sono raro caracterizado por episódios recorrentes de hipersonolência com alterações cognitivas e com ­ portamentais associadas. Afeta entre 1 e 5 milhões de pessoas, geralmente com início na adolescência.19 Meninos são quatro vezes mais afetados que meninas.20 Não existem marcadores biológicos ou métodos objetivos para o diagnóstico da síndrome de Kleine-Levin, sendo muitas vezes difícil ex­ cluir condições psiquiátricas como depressão atípica ou transtorno bipolar. Outras condições que devem ser descartadas no diagnóstico diferencial são distúrbios respiratórios do sono, narcolepsia, hipersonia relacionada à mens270


Os critérios A a F devem estar presentes. A. O paciente apresenta períodos de necessidade irreprimível de dormir ou lapsos de sono diários há pelo menos três meses. (1) B. Ausência de cataplexia. C. O TLMS indica menos de dois SOREMR ou ausência de SOREMP caso a latência para o início do sono REM < 15 minutos na PSG da noite anterior. (2) D. Presença de pelo menos um dos seguintes: 1. TLMS evidenciando latência de sono média < 8 minutos. 2. Tempo total de sono nas 24h > 660 minutos (em geral 12-14 horas) (3) em 24h de monitoração polissonográfica (realizada após a correção da privação crônica de sono) ou por actigrafia no pulso associada ao diário de sono (em média com mais de sete dias sem restringir o sono). (4) E. A síndrome do sono insuficiente está descartada (se necessário, pela ausência de melhora dos sintomas de sonolência após o aumento adequado do tempo de cama, preferencialmente confir­ mado por resultados obtidos com o uso de actigrafia de pulso por ao menos uma semana). E A SED ou os achados do TLMS não podem ser mais bem explicados por outro transtorno do sono, outra condição médica ou psiquiátrica ou uso de substâncias. Notas: (1) Inércia do sono grave e prolongada, conhecida como embriaguez do sono (definida como a dificuldade prolon­ gada em acordar, com repetidos retornos para dormir, irritabilidade, comportamento automatizado e confusão) ou cochilos prolongados ( > 1 hora), não reparadores são características clínicas adicionais. (2) Alta eficiência do sono ( > 90% ) na PSG da noite anterior é um achado de apoio (desde que a privação de sono esteja descartada). (3) O tem po total de sono das 24 horas requerido para o diagnóstico pode exigir adaptações para explicar as m u­ danças normais do tem po total de sono associadas aos estágios de desenvolvimento de crianças e adolescentes, bem como à variabilidade entre as culturas em todas as faixas etárias. (4) Ocasionalmente, pacientes que preencham critérios de SED podem te r uma latência média de sono no TLMS m aior que 8 m inutos e tem po total de sono nas 24 horas menor que 660 minutos. A avaliação clínica deve ser utilizada para decidir se esses pacientes devem ser considerados como portadores de Hl ou outras patologias que possam m im etizar o transtorno. Repetir o TLMS em uma data posterior é aconselhável se a suspeita clínica para Hl permanece alta.

truação, crises parciais complexas, síndrome de Klüver-Bucy, encefalopatias metabólicas, encefalite herpética, doença de Lyme e porfiria interm itente.21

TRATAMENTO ► Nenhum medicamento mostrou-se consistentemente eficaz no tratam ento da Síndrome de Kleine-Levin. O tratam ento farmacológico baseia-se na descrição de casos isolados, uma vez que a raridade da condição im possibilita a realização de estudos controlados. Assim, exceto em episódios m uito graves, o tratam ento é de suporte. O pa­ ciente deve permanecer em um ambiente seguro e livre de estresse; os pais não devem tentar acordar o paciente, e as atividades estudantis ou profissio­ nais devem ser adiadas até a remissão dos sintomas. Sintomas de depressão ou ansiedade devem ser tratados quando presentes.

271

TRANSTORNOS 00 S0N0 E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.4 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA HIPERSONIAIDIOPÁTICA*1234


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.5 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARASÍNDROME DE KLEINE-LEVIN4 Os critérios A a E devem estar presentes. A. O paciente experimenta ao menos dois episódios recorrentes de sonolência excessiva e aumento do tempo de sono, persistindo por dois dias a cinco semanas. B. Os episódios ocorrem, geralmente, mais que uma vez por ano e ao menos uma vez a cada 18 meses. C. O paciente apresenta estado de alerta, função cognitiva, comportamento e humor normais entre os episódios. D. O paciente deve demonstrar ao menos uma das seguintes opções durante os episódios: 1. Disfunção cognitiva 2. Percepção alterada 3. Transtorno alimentar (anorexia ou hiperfagia) 4. Comportamento desinibido (hipersexualidade) E. A sonolência excessiva e os sintomas relacionados não podem ser mais bem explicados por outro transtorno do sono, outra condição médica ou psiquiátrica (especialmente transtorno bipolar) ou uso de substâncias.

Agentes estimulantes podem ser utilizados para o tratam ento sintom ático se prescritos durante a fase inicial dos episódios. O modafinil tem sido utilizado para dim inuir a gravidade dos sintom as.22’23 É im portante lembrar que em ­ bora os agentes estimulantes possam reduzir a duração dos episódios, eles não interferem na taxa de recorrência e podem induzir agitação paradoxal especialmente quando administrados no fim de um episódio.24

SÍNDROME DO SONO INSUFICIENTE

► A síndrome do sono insuficiente, ou privação de sono, ocorre quando um indivíduo não consegue obter a quan­ tidade de sono necessária para manter os níveis de alerta ou vigília. O pa­ ciente é cronicamente privado de sono como resultado da incapacidade de atingir o tempo de sono necessário, devido, principalm ente, ao tempo de cama reduzido. Em geral, esses pacientes dormem mais nos fins de semana ou nas férias. São comuns queixas de irritabilidade, déficit de concentração e atenção, fadiga, oscilação de humor, dor muscular, desconforto gastrintes­ tinal e distúrbios visuais. A privação de sono pode ser voluntária ou involuntária, temporária ou per­ manente, relacionada ou não ao trabalho, a medicamentos e a condições médicas ou psiquiátricas. Dormir regularmente menos de sete horas por dia associa-se fortemente a riscos para a saúde, entre os quais ganho de peso e obesidade, diabetes, hipertensão, cardiopatias, acidente vascular cerebral (AVC), depressão e au­ mento do risco de vida.20 O diagnóstico é realizado principalm ente durante a anamnese, porém a polissonografia (PSG) pode ser indicada em casos de suspeita de patologia as-

272


Os critérios A a F devem estar presentes. A. O paciente tem períodos diários de necessidade irreprimível de dormir ou lapsos de sono durante o dia, ou, no caso de crianças pré-púberes, há queixa de comportamento anormal atribuível à sonolência. B. O tempo de sono do paciente, estabelecido por história pessoal, diário de sono ou actigrafia (1), é geralmente mais curto que o esperado para a idade. (2) C. O padrão de sono reduzido está presente na maioria dos dias por pelo menos três meses. D. O paciente reduz o tempo de sono por medidas como uso de despertador ou ser despertado por outra pessoa e geralmente dorme mais quando tais medidas não são usadas, como fins de semana ou férias. E. Aumento do tempo total de sono resulta em solução dos sintomas de sonolência. F Os sintomas não são mais bem explicados por outro transtorno do sono não tratado, por efeito de substâncias ou por outra condição médica, neurológica ou mental. Notas: (1) Se houver dúvidas quanto à precisão da história pessoal ou dos diários de sono, a actigrafia deve ser utilizada, preferencialmente durante duas semanas. (2) No caso de dormidores longos, o relato do tempo de sono pode ser normal com base na idade. Entretanto, tais períodos de sono podem ser insuficientes para esses pacientes.

sociada, em especial apneia obstrutiva do sono (AOS). No caso de síndrome do sono insuficiente, a PSG indica uma boa eficiência de sono (> 90% ) com latência para o início do sono encurtada devido ao rebote de sono.

TRATAMENTO ► 0 tratam ento da síndrome do sono insuficiente baseia-se em higiene do sono e medidas com portam entais que objetivam aumentar o tempo total de sono estimado em sete horas,25 o que, por vezes, torna-se difícil devido à grande variabilidade das causas. 0 diário de sono pode ser uma ferramenta útil no acompanhamento do tratamento. Medidas de higiene do sono (ver “ Tratamento não farmacológico” da insônia) são fundam entais na reestruturação da rotina desses pacientes.

TRANSTORNOS DO RITMO CIRCADIANO Os transtornos do ritmo circadiano são causados por alterações do sistema circadiano e de seus mecanismos de arrastamento ou por dessincronização do ritm o circadiano endógeno com o ambiente externo.

SÍNDROME DO ATRASO DE FASE DO SONO

Essa condição se caracteriza por início do sono e despertar geralmente atrasados (3 a 6 horas) em relação aos tempos convencionais. 0 paciente encontra dificuldade em adormecer antes das 2 horas da madrugada e, se possível, desperta naturalmente entre 10 e 13 horas. Quando são acordados antes disso, apresentam inércia do sono. Apesar de inúmeras tentativas, os pacientes são incapazes de antecipar o horário de sono e relatam, muitas vezes, uso prolongado de hipnóticos ou se­ dativos, álcool, intervenções com portam entais e, até mesmo, psicoterapia.25 273

TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.6 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARASÍNDROME DO SONO INSUFICIENTE4


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.7 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA SINDROME DO ATRASO DE FASE DO SONO4 Os critéros A a E devem estar presentes. A. Há atraso significativo na fase do episódio de sono principal em relação ao horário de dormir e despertar desejado ou necessário, conforme evidenciado por uma queixa crônica ou recorrente, relatada pelo paciente ou cuidador, de incapacidade de adormecer e dificuldade em despertar no horário desejado ou indicado pelo despertador. B. Os sintomas estão pesentes há pelo menos três meses. C. Quando os pacientes estão autorizados a escolher seu cronograma de sono ad libitum, eles apresentam melhor qualidade e duração de sono para sua idade e mantêm uma fase atrasada do padrão sono-vigília de 24 horas. D. O diário de sono e, quando possível, o monitoramento por actigrafia durante ao menos sete dias (preferencialmente 14 dias) demonstram um atraso no período de sono habitual. Dias de trabalho ou escola e dias livres devem ser inclusos nesse acompanhamento. E. O distúrbio do sono não pode ser mais bem explicado, no momento, por outro transtorno do sono, condição médica ou neurológica, transtorno mental ou uso ou abuso de substâncias. Notas: (1) Questionários padronizados de cronótipo são ferram entas úteis para avaliar os cronótipos vespertino e m a tu ti­ no. Pessoas com esse transtorno geralmente pontuam mais para cronótipos vespertinos. Essa ferram enta também pode ser útil para determ inar se uma preferência circadiana vespertina contribui para dificuldade no início do sono entre aqueles que não cumprem todos os critérios para o transtorno. (2) A demonstração de atraso de fase em outros ritmos circadianos, como o da melatonina (medida pelo dim light

m elatonin onset [DLMO]), ou dosagem urinária de 6-sulfatoxim elatonina nas 24 horas, é desejável para confirm ar o atraso circadiano de fase do sono.

P o d e m a p re s e n ta r m a io r p ro p e n s ã o a o a p a re c im e n to d e tra n s to rn o s d o h u ­ m o r ou s in to m a s d ep ressivo s.

TRATAMENTO

► O o b je tiv o m a io r d o tra ta m e n to é a lin h a r o o s c ila d o r c irc a d ia ­

no in te rn o c o m o p e río d o c íc lic o d e 2 4 h o ras d o a m b ie n te e x te rn o . A a d e s ã o às boas p rá tic a s d e h ig ie n e d o sono e a id e n tific a ç ã o e o tra ta m e n to d e c o m o rb id a d e s m é d ic a s e p s iq u iá tric a s são e s s e n c ia is . C ro n o te ra p ia , te ra p ia c o m lu z e a g e n te s fa rm a c o ló g ic o s c o m o a m e la to n in a (n ã o d is p o n ív e l no B ra sil) tê m sid o ú teis p ara o tra ta m e n to dessa c o n d iç ã o .27

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO •

M e d id a s d e h ig ie n e d o sono: m a n te r h o rário s reg u la res d e sono e v ig ília , e v ita r o c o n s u m o d e álco o l e s e d a tiv o s , e v ita r a b u s o ou a b s tin ê n c ia d e c a fe ín a e c h o c o la te , e v ita r p riv a ç ã o d e sono, a b s te r-s e d e ta b a c o , e v ita r refeiçõ es ricas e m c a rb o id ra to s , m a n te r a m b ie n te a d e q u a d o p ara d o rm ir e p ra tic a r a tiv id a d e física re g u la rm e n te .

C ro n o te ra p ia : co n sis te no a tra s o sucessivo d o h o rá rio d e d o rm ir e m três ho ras por d ia d u ra n te 5 a 6 d ia s a té q u e o h o rário d e s e ja d o seja a lc a n ç a d o . Essa e s ca la é seg u id a por u m a a d e s ã o rígida aos h o rário s e s tip u la d o s p ara d o rm ir e d e s p e rta r e por h ig ien e d o sono a d e q u a d a . O g ra n d e fa to r lim ita n te

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Não existem agentes farmacológicos específicos para o tratam ento da síndrome do atraso de fase do sono. Alguns autores descrevem resultados promis­ sores quando a melatonina (ainda não disponível no Brasil) é utilizada em conjunto com medidas comportamentais. Nessa linha, a agomelatina (agonista do receptor melatoninérgico M T1/M T2 e antagonista HT2c), antidepressivo com características farmacológicas úni­ cas, pode ser uma opção terapêutica em alguns casos, uma vez que é capaz de interferir na sincronização do ritmo circadiano. A dose administrada deve estar entre 25 e 50 mg/dia.

SÍNDROME DO AVANÇO DE FASE 00 SONO

► Essa condição é menos frequen­ te que a síndrome do atraso de fase do sono e caracteriza-se por horários habituais e voluntários de dorm ir e despertar em média três horas antes do socialmente esperado. A queixa é a presença de uma vontade de dorm ir persistente e irresistível no fim da tarde ou início da noite, muitas vezes antes de atividades vespertinas ou noturnas desejadas. Devido ao início precoce do sono, os pacientes se queixam de despertar em horários indesejados (entre 2 e 5 h da manhã), mesmo se voluntariam ente dormirem em horários so­ cialm ente adequados. Essas pessoas têm mais facilidade em se adaptar a seu oscilador interno que aquelas com síndrome do atraso de fase do sono, pois há melhor adequação em âm bito profissional. Devido ao despertar matinal precoce, muitos pacien­ tes podem ser erroneamente diagnosticados como deprimidos. TRATAMENTO ► Existem diversas abordagens terapêuticas para o tratam ento do avanço de fase do sono, todas elas com limitações práticas e recidiva da condição após a suspensão do tratamento. TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO •

Cronoterapia: consiste em avançar o horário de ir para a cama em três horas a cada dois dias até que seja alcançado o horário desejado de dormir. Entretanto, as recaídas são rápidas.28 • Terapia com luz: deve ser aplicada no fim da tarde com o objetivo de atrasar a liberação endógena de melatonina e todos os fatores endógenos favorecedores do sono. Embora dados de eficácia da terapia com luz no avanço de fase sejam escassos, em idosos com queixas de sono fragmen­ tado e despertar precoce, foi utilizada terapia com luz das 19 às 21 horas, resultando em avanço de fase e redução dos despertares.29 275

TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

dessa abordagem é a exposição à luz solar em horários não sincronizados com a escala proposta. Terapia com luz: deve ser utilizada em conjunto com o diário de sono para estimar o ritmo endógeno de cada paciente. 0 objetivo é expor o paciente à luz ao despertar e privá-lo de luz ao anoitecer. Assim, um pulso lum i­ noso de 2 .5 0 0 a 1 0 .0 0 0 lux durante 1 a 2 horas é aplicado assim que o paciente desperta. Após as 18h, o paciente deve utilizar óculos laranja bloqueador de luz azul.


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.8 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA SINDROME DO AVANÇO DE FASE DO SONO4 Os critérios A a E devem estar presentes. A. Há um avanço na fase do episódio de sono principal em relação ao horário de dormir e despertar desejado ou necessário, conforme evidenciado por uma queixa crônica ou recorrente de dificuldade de permanecer acordado até o horário convencional, desejado ou requerido em conjunto com uma incapacidade de permanecer dormindo até o tempo desejado ou exigido normalmente para despertar. B. Os sintomas estão pesentes há pelo menos três meses. C. Quando os pacientes estão autorizados a dormir de acordo com seu oscilador circadiano interno, eles apresentam melhor qualidade e duração de sono, porém com avanço do período principal de sono. D. Odiário de sono e, quando possível, o monitoramento por actigrafia durante ao menos sete dias (preferencialmente 14 dias) demonstram um avanço estável no período de sono habitual. Os dias de trabalho ou escola e dias livres devem ser inclusos nesse acompanhamento. E. Odistúrbio do sono não pode ser mais bem explicado, no momento, por outro transtorno do sono, condição médica ou neurológica, transtorno mental, uso ou abuso de substâncias. Notas: (1) Questionários padronizados de cronótipo são ferramentas úteis para avaliar os cronótipos vespertino e m atuti­ no. Pessoas com esse transtorno geralmente pontuam mais para cronótipos matutinos. (2) A demonstração de avanço de fase (em geral superior a duas horas) em outros ritmos circadianos, como o da melatonina (medida pelo dim lightmelatoninonset [DLMO]) ou dosagem urinária de 6-sulfatoximelatonina nas 24 horas, confirma o avanço circadiano de fase do sono.

TRANSTORNOS DO MOVIMENTO RELACIONADOS AO SONO Os transtornos do movimento relacionados ao sono são caracterizados prin­ cipalm ente por movimentos relativamente simples, em geral estereotipados, que perturbam o sono. A síndrome das pernas inquietas (SPI) é uma exceção a essa regra, pois os pacientes geralmente iniciam a marcha ou os movimen­ tos não estereotipados dos membros inferiores para reduzir seu desconforto. No entanto, a SPI está intim am ente associada aos movimentos periódicos dos membros (MPM), que são em geral simples e estereotipados.9

SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS (SPI)

► A SPI é o principal transtorno desse grupo e tem uma prevalência estimada entre 5 e 10%. Seu diagnósti­ co é clínico (Quadro 10 .3 .9), diferentemente do transtorno dos movimentos periódicos dos membros (TMPM), que depende da PSG.30 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO ► Não há evidência científica suficiente para avaliar o uso das principais terapias não farmacológicas para SPI, in­ cluindo estratégias de acomodação, higiene do sono, terapias comportamentais e de estimulação, dispositivos de compressão, exercícios e práticas nutri­ cionais.31 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ► Os agonistas dopaminérgicos e os agentes alfa-delta ligantes constituem os medicamentos de primeira linha para o 276


Os critérios A a C devem estar presentes. A. Urgência em movimentar as pernas, geralmente acompanhada por sensação de desconforto ou incômodo nas pernas. (1,2) Esses sintomas devem: 1. Iniciar ou piorar durante períodos de repouso ou inatividade, como deitar ou sentar. 2. Ser parcialmente ou totalmente aliviados com movimento, como andar ou alongar, pelo menos enquanto essas atividades ocorrerem. (3) 3. Ocorrer exclusivamente ou predominantemente à tarde ou à noite. (4) B. As características mencionadas não são explicadas apenas como sintomas de outra condição médica ou comportamental (cãibras nas pernas, desconforto posicionai, mialgia, estase venosa, edema nas pernas, artrite, batimento dos pés habitual). C. Os sintomas de SPI causam preocupação, angústia, perturbação do sono, prejuízo mental, físico, social, educacional, comportamental ou em outras áreas importantes do funcionamento. (5) Notas: (1) Às vezes, o desejo de mover as pernas está presente sem as sensações desagradáveis e, em certas ocasiões, os braços ou outras partes do corpo, além das pernas, também estão envolvidos. (2) Em crianças, a descrição desses sintomas deve ser feita pelas palavras delas. (3) Quando os sintomas são muito graves, alívio pela atividade pode não ser perceptível, mas deve ter estado presente anteriormente. (4) Como resultado da gravidade, tratamento ou aumentação induzida pelo tratamento, a piora no período da tarde ou noite pode não ser perceptível, mas deve ter estado presente anteriormente. (5) Para certas aplicações em pesquisa, como estudos genéticos ou epidemiológicos, pode ser apropriado omitir o critério C. Se assim for, isso deve ser claramente relatado no relatório de pesquisa.

tratam ento da SPI. A escolha do tratam ento inicial deve se basear em carac­ terísticas clínicas individuais, momento de início dos sintomas e tempo de ação do medicamento.32 A levodopa, embora efetiva no tratam ento da SPI, apresenta alto risco de efeitos colaterais, como aumentação e rebote matutino. Atualmente, os agentes dopaminérgicos são os mais utilizados (Tab. 10 .3 .4). Os agentes alfa-delta ligantes utilizados para o tratam ento da SPI são a gabapentina (30 0 a 2 .4 0 0 mg/dia) e a pregabalina (50 a 6 0 0 mg/dia). Seu uso deve ser considerado em pacientes com distúrbio do sono grave (des­ proporcional aos sintomas de SPI), insônia ou síndrome dolorosa comórbida, história prévia de transtorno do controle de impulsos ou transtorno de ansie­ dade generalizada. Por fim , podem ser utilizados opioides em casos refratários ou com desenvol­ vimento de aumentação pelo uso de outros agentes (Tab. 10 .3 .5). A reposição de ferro não é recomendada como tratam ento para a SPI prim á­ ria. Entretanto, em pacientes com valores baixos de ferritina (< 75 mcg/L) ou em casos refratários, a reposição deve ser utilizada conforme estabele­ cido.30

AUMENTAÇAO ► E uma complicação clínica que pode ocorrer durante o trata­ mento para SPI/TMPM com agentes dopaminérgicos e produzir exacerbação grave dos sintomas. 277

TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.9 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA SÍNDROME DAS PERNAS INQUIETAS4


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

TABELA 10.3.4 ►AGENTES DOPAMINÉRGICOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DA SPI AGENTE

DOSE RECOMENDADA (MG/DIA)

Pramipexol*

0,25-1,5

Piribedil*

100

Cabergolina

0,5-3

Lisurida**

7,5-10

*Agentes dopaminérgicos não ergolínicos e **e rg o lín ico . Cabergolina e lisurida são agentes opcionais no tra ta ­ mento da SPI.

TRATAMENTO O tratam ento envolve identificar e elim inar os possíveis fatores de exa­ cerbação (mudanças no estilo de vida, uso de substâncias, ferritina sérica < 50 jug/L). Caso não haja melhora, deve-se adiantar o horário e/ou reduzir e/ou dividir a dose em várias administrações diárias. Por últim o, deve-se optar por substâncias não dopaminérgicas (gabapentina e pregabalina) ou opioides (metadona ou oxicodona) (Tab. 10.3.5).

TRANSTORNO DOS MOVIMENTOS PERIÓDICOS DOS MEMBROS

► A Academia Americana de Medicina do Sono (AASM) utiliza critérios específicos para de­ term inar um movimento de perna (M P ).9 Quando ele ocorre em uma série de quatro movimentos consecutivos, além de outras regras de intervalo e tempo mínimos, pode-se classificá-lo como MPM. O TMPM é caracterizado por episódios de movimentos periódicos e repetitivos dos membros, altamente estereotipados, que ocorrem durante o sono, estão associados a perturbação do sono ou fadiga e não podem ser explicados por outra causa. O diagnós­ tico depende do registro polissonográfico, e estudos demonstram que um

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TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.10 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA AUMENTAÇÃO4 A. Sintomas sensitivo-motores ocorrem ao menos duas horas mais cedo que o habitual. B. Dois ou mais dos seguintes observados: 1. Piora dos sintomas com o aumento da dose e melhora com sua redução. 2. Menor latência de aparecimento dos sintomas após a entrada em repouso. 3. Expansão espacial (necessidade de mexer se estende a regiões do corpo previamente não atingidas). 4. Menor duração do efeito da dose em relação ao início do tratamento. 5. Movimentos periódicos de membros surgem durante a vigília ou se agravam. Notas: (1) Os sintom as da aumentação devem estar presentes por, no mínimo, duas semanas em cinco dias/sem ana. (2) Ausência de condições psiquiátricas, com portamentais, médicas ou farm acológicas que justifiquem os sin­ tomas.

índice de cinco ou mais MPM por hora de exame ocorre em 80 a 90% dos pacientes com SPI. TRATAMENTO ► Os estudos existentes afirmam que alguns medicamentos usados no tratam ento para SPI podem reduzir os MPM, porém não há evi­ dência científica que dê suporte a um tratam ento específico para TM PM .9

SÍNDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO A síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é caracterizada por epi­ sódios recorrentes de obstrução parcial (hipopneia) ou total (apneia) da via aérea superior (VAS) durante o sono. A SAOS é identificada pela redução ou ausência de fluxo aéreo, apesar da manutenção dos esforços respiratórios, geralmente resultando em dessaturação da oxiemoglobina e despertares no­ turnos.33 Estudos epidemiológicos demonstraram que a AOS é uma patologia prevalente, e seus dados estatísticos variam de acordo com os critérios utilizados para o diagnóstico. Em um estudo realizado na cidade de São Paulo, a pre­ valência de AOS foi estimada em 3 2 ,8 % .34 Atualmente, sabe-se que a AOS é um fator de risco independente para o de­ senvolvimento de doenças cardiovasculares e metabólicas.9

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO

► As principais formas de tratam ento para SAOS não envolvem o uso de medicamentos, e a escolha terapêutica depende de fatores como sintomatologia diurna, comorbidades do paciente e gravidade da AOS determinada pela PSG, de acordo com o índice de apneia/ hipopneia (IAH): apneia leve, IAH > 5 e < 15; apneia moderada, IAH > 1 5 e < 30; e apneia grave, IAH > 3 0 .35

APARELHO DE PRESSÃO AÉREA POSITIVA CONTÍNUA (CPAP) ► 0 CPAP é a princi­ pal forma de tratam ento para SAOS e o dispositivo de escolha entre os de ventilação não invasiva, devido a experiência acumulada, menor custo e equivalência aos dispositivos binível e de pressão aérea positiva de ajuste automático (APAP). É indicado principalm ente para pacientes com apneia 279


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.11 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DOS MOVIMENTOS PERIÓDICOS DOS MEMBROS4 Os critérios A a D devem estar presentes. A. A PSG demonstra MPM, conforme definido na versão mais recente do manual da AASM para estagiamento do sono e eventos associados. B. A frequência é > 5/hora em crianças ou > 15/hora em adultos. (1) C. Os MPM causam perturbação do sono clinicamente significativa ou prejuízo mental, físico, social, ocupacional, educacional, comportamental ou em outras áreas importantes do funcionamento. (2 ,3 ) D. Os MPM e os sintomas não são mais bem explicados por outro distúrbio do sono, condição médica ou neurológica ou transtorno mental (p. ex., MPM que ocorrem associados a apneias ou hipopneias não devem ser anotados). (4, 5) Notas: (1) O índice de MPM deve ser interpretado no contexto das queixas relacionadas ao sono do paciente. Em adultos, valores normativos maiores que 5/hora foram encontrados em estudos que não excluem despertares relacionados a eventos respiratórios (usando monitoração respiratória sensível) e outras causas para MPM. Os dados sugerem uma sobreposição parcial dos valores do índice de MPM entre indivíduos sintom áticos e assintom áticos, enfatizan­ do a importância do contexto clínico sobre um valor de corte absoluto. (2) Se MPM estão presentes, sem perturbação do sono ou prejuízo diurno, podem ser considerados como um achado polissonográfico, mas sem critérios para o diagnóstico de TMPM. (3) A presença de insônia ou hipersonia com MPM não é suficiente para estabelecer o diagnóstico de TMPM. Estudos têm mostrado que, na maioria dos casos, a causa da insônia ou hipersonia associada é algo diferente de TMPM. Para estabelecer o diagnóstico de TMPM, é essencial determ inar uma relação de causa e efeito razoável entre a insônia ou hipersonia e os MPM. Isso requer que outras causas de insônia, como ansiedade, ou outras cau­ sas de hipersonia, como apneia obstrutiva do sono (AOS) ou narcolepsia, sejam descartadas. MPM são comuns, mas TMPM é raro em adultos. (4) O TMPM não pode ser diagnosticado no contexto de SPI, narcolepsia, AOS não tratada ou transtorno compor­ tam ental do sono REM. Os MPM costum am ocorrer nessas condições, mas a queixa de sono é mais facilm ente atribuída ao quadro que o acompanha. O diagnóstico de SPI tem precedência sobre o de TMPM quando MPM potencialmente perturbadores do sono ocorrem no contexto de SPI. Em tais casos, o diagnóstico de SPI é feito, e os MPM são anotados. (5) Quando houver certeza de que os MPM tenham sido induzidos por medicamento e os critérios para TMPM são satisfeitos, é preferível que um diagnóstico mais específico de TMPM seja utilizado, em vez de transtorno do movimento relacionado ao sono devido a medicamento ou substância.

moderada a grave. A redução dos eventos respiratórios com o CPAP produz melhora significativa da sonolência diurna e dos prejuízos cognitivos e traz benefícios como tratam ento adjuvante em pacientes com doença cardiovas­ cular e distúrbios metabólicos. A máscara nasal é a primeira escolha, e sua boa adaptação é fundamental para a adesão ao tratam ento.*12345

TRATAMENTO COMPORTAMENTAL ► O tratam ento comportamental pode ser in­ dicado como terapia adjuvante no tratam ento da AOS. As principais medidas utilizadas envolvem evitar bebidas alcoólicas, sedativos e privação de sono, cessar o tabagismo, perder peso e realizar atividade física regular e terapia posicionai.

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(A e B) ou C satisfazem os critérios: A. Presença de um ou mais dos seguintes: 1. O paciente tem queixa de sonolência, sono não reparador, fadiga ou sintomas de insônia. 2. O paciente acorda com pausas respiratórias, engasgos ou asfixia. 3. O parceiro de cama ou outro relata ronco frequente, pausas respiratórias ou ambos durante o sono do paciente. 4. O paciente foi diagnosticado com hipertensão, transtorno do humor, déficit cognitivo, doença arterial coronariana, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva, fibrilação atrial ou diabetes melito tipo II. B. PSG ou exames domiciliares (ED) (1) demonstram: 1. Cinco ou mais eventos respiratórios predominantemente obstrutivos (2) (apneias obstrutivas e mistas, hipopneias ou esforço respiratório relacionado ao despertar [RERA]) (3) por hora de sono durante uma PSG ou por monitoração (ED). (1) OU123 C. PSG ou ED (1) demonstram: 1. Quinze ou mais eventos respiratórios predominantemente obstrutivos (apneias, hipopneias ou RERAs) por hora de sono durante uma PSG ou por monitoração (ED). Notas: (1) Os ED em geral subestim am o número de eventos respiratórios obstrutivos por hora em comparação com a PSG, porque o tempo real de sono, conforme determinado principalmente pelo eletrencefalograma (EEG), muitas vezes não é registrado. O termo “ índice de eventos respiratórios” (IER) pode ser usado para denotar frequência de eventos com base no tempo de monitoração em vez de no tempo total de sono. (2) Eventos respiratórios definidos de acordo com a versão mais recente do M anual da Academia Americana de

M edicina do Sono para estagiamento do sono e eventos associados.9 (3) Os RERAs e as hipopneias com base em despertares do sono não podem ser registrados com ED, pois desper­ tares por critérios de EEG não podem ser identificados.

APARELHO INTRAORAL (AIO) ► O AIO é um dispositivo que melhora a patência da VAS, pois aumenta seu tam anho e reduz a colapsabilidade. É indicado a pacientes com SAOS leve a moderada ou que não se adaptaram ao CPAP ou não responderam às medidas comportamentais.

CIRURGIA ► As modalidades de tratam ento cirúrgico envolvem cirurgias faríngeas, avanço m axilom andibular e traqueostomia, com resultados variáveis, portanto é fundamental uma seleção rigorosa dos pacientes para essa moda­ lidade terapêutica.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

► Não existem medicamentos eficazes para o tratam ento da SAOS. Os fármacos podem ser utilizados de forma com plem entar e visam tratar sintomas ou comorbidades relacionados. Entre as substâncias utilizadas, podemos citar o m odafinil, para o tratam ento de sonolência diurna residual, ou descongestionantes, para obstrução nasal.

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TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.12 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA SINDROME DA APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO4


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

PARASSONIAS Parassonias são eventos físicos ou experiências indesejáveis que ocorrem durante a transição para o sono, durante o sono (NREM ou REM) ou ao despertar. Envolvem comportamentos e experiências sobre os quais não há deliberação e controle e resultam da dissociação dos estados de consciência (vigília, sono NREM e REM) quando um ou mais ocorrem ao mesmo tempo. Embora sejam mais comuns em crianças, as parassonias podem ocorrer em qualquer idade. São consideradas distúrbios clínicos devido a lesões resul­ tantes, perturbação do sono e efeitos adversos para a saúde do paciente, do parceiro de cama ou de am bos.36

TRANSTORNOS DO DESPERTAR

► Essas parassonias do sono NREM incluem despertar confusional, sonambulismo e terror noturno. Caracterizam-se por despertares incompletos do sono de ondas lentas (N3) e geralmente ocorrem em pacientes entre 5 e 25 anos de idade. Esses eventos envolvem atividade física e verbal de complexidade variável; o paciente volta a dorm ir e tem amnésia do ocorrido durante o sono ao despertar. Nos indivíduos suscetíveis, fatores como privação de sono, SPI ou apneia podem ser desencadeantes dos episódios.37 •

Despertar confusional: observado com frequência em crianças, caracteriza-se por movimentos na cama, debatendo-se ou chorando incondicional­ mente. Em adultos, a prevalência é de 4% , e o evento tem início quando o indivíduo se senta na cama e olha ao redor de maneira confusa. A embriaguez do sono é, provavelmente, uma variação dessa condição. Sonambulismo: os episódios de sonambulismo normalmente começam como despertares confusionais. Os indivíduos podem sair da cama e ca­ m inhar calmamente ou apresentar comportamentos agressivos e agitados. A complexidade das atividades realizadas pelo sonâmbulo pode variar. A deambulação pode se encerrar de forma espontânea, às vezes em locais inadequados, ou o indivíduo pode voltar para a cama, deitar-se e conti­ nuar dorm indo sem tom ar conhecimento do ocorrido. O sonâmbulo está desorientado no tempo e no espaço e apresenta lentificação da fala e do raciocínio, embora possa parecer acordado. Terror noturno: difere dos demais transtornos do despertar, pois geralmente é acompanhado por choro ou gritos com manifestações comportamentais de medo intenso e inconsolável. Pode haver descarga autonômica com presença de taquicardia, taquipneia, rubor, sudorese, midríase e aumento do tônus muscular. Em adultos, pular ou correr para fora da cama é comum, e há associação com comportamentos violentos, especialmente se forem feitas tentativas de restringir ou bloquear o indivíduo.

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO ► Episódios de parassonia em crianças e adolescentes saudáveis geralmente não requerem tratamento, apenas orien­ tação aos pais ou companheiros para não acordarem o indivíduo, apenas conduzi-lo de volta para a cama. Algumas medidas com portam entais podem evitar o desencadeamento dos episódios. São elas:38

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TRANSTORNOS 00 SONO E DA VIGÍLIA

QUADR010.3.13 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNOS DO DESPERTAR4 Os itens A a E devem estar presentes. A. Episódios recorrentes de despertar incompleto do sono. (1) B. Resposta inadequada ou ausente perante esforços alheios para intervir ou redirecionar a pessoa durante o episódio. C. Limitação ou ausência de cognição ou imagem onírica. D. Amnésia total ou parcial do episódio. E. O distúrbio não é mais bem explicado por outro transtorno do sono ou mental, condição médica ou uso de substância. (1) Os eventos ocorrem, em geral, durante o primeiro terço do maior período de sono. (2) O indivíduo pode continuar confuso ou desorientado por vários minutos ou horas após a ocorrência do episódio.

• • • • •

Manter ciclos regulares de sono, evitando a privação de sono. Evitar estímulos que possam contribuir para despertares parciais, como ruídos, ilum inação inadequada, dor ou noctúria. Evitar excesso de atividade física, fadiga e estresse emocional. Investigar e tratar outros distúrbios do sono, como SPI, AOS, DRGE. Evitar ingestão de álcool, antipsicóticos, antidepressivos, anti-histamínicos, sedativos, hipnóticos e benzodiazepínicos, quando possível.

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ► O tratam ento farmacológico é restrito aos casos em que as atividades relacionadas ao sono são violentas ou prejudiciais ao indivíduo ou a outros membros da fam ília. Antidepressivos tricíclicos e benzodiazepínicos são os medicamentos de escolha para casos em que a atividade noturna é frequente e violenta. Paroxetina e trazodona são efetivas em casos isolados de transtornos do despertar.39

TRANSTORNO COMPORTAMENTAL DO SONO REM (TCSREM)

► Trata-se de uma parassonia caracterizada por uma história de atuação onírica noturna recor­ rente e perda da atonia da musculatura esquelética durante o sono REM, havendo presença de tônus muscular nessa fase. O TCSREM é uma parassonia complexa e m ultidim ensional, frequentemente associada a outros distúrbios do sono (apneia não tratada, narcolepsia com cataplexia), transtornos neurodegenerativos, farmacoterapia e condições mé­ dicas. Há associação entre TCSREM e a-sinucleinopatias, principalm ente doença de Parkinson, demência com corpos de Lewy e atrofia de m últiplos sistemas (Quadro 1 0 .3 .1 4 ).

TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO ► Aplicam-se as medidas com portam entais citadas no tratam ento não farmacológico das parassonias NREM, além de medidas protetoras para o ambiente e o parceiro de cama. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO ► A primeira escolha é o clonazepam em do­ ses baixas (0 ,5 -2 mg ao deitar). 0 tratam ento é eficaz, mas pode haver recidiva do com portam ento motor caso ocorra suspensão do medicamento. 283


TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

QUADRO 10.3.H ►CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO COMPORTAMENTAL DO SONO REM4 Os critérios A a D devem estar presentes. A. Episódios repetidos de vocalização relacionados ao sono ou comportamentos motores complexos. (1,2) B. Esses comportamentos são documentados na PSG e ocorrem durante o sono REM, ou, com base na história clínica, infere-se que aconteçam durante o sono REM. C. A PSG mostra REM sem atonia. (3) D. O distúrbio não é mais bem explicado por outro transtorno do sono, transtorno mental ou uso de substância. Notas: (1) Esse critério pode ser cumprido pela observação de episódios repetidos durante uma única noite de videopolissonografia. (2) As observações ou os comportamentos evidenciados frequentemente se correlacionam com a ocorrência sim ultânea de sonhos, levando com frequência ao relato de “ atuação do s o n h o ". (3) Como definido pelas orientações para estagiamento de achados de PSG de TCSREM na versão mais recente do

M anual for the S coringofS leep and Associated Events da Academia Americana de Medicina do Sono.9 (4) Ao acordar, o indivíduo está alerta, coerente e orientado. (5) Na ocasião, pode haver pacientes com história clínica típica de TCSREM, com comportamentos de atuação dos sonhos, que também exibem comportamentos típicos de TCSREM durante a videopolissonografia, mas não demonstram REM sem atonia suficiente com base nos critérios atuais para satisfazer o critério polissonográfico de REM sem atonia para TCSREM. O TCSREM deve ser diagnosticado tendo como base a avaliação clínica. O mesmo critério se aplica quando a videopolissonografia não está disponível. (6) Medicamentos podem desm ascarar TCSREM latente com ausência de REM sem atonia, de acordo com a opinião de especialistas. Portanto, TCSREM induzido por medicamentos pode ser diagnosticado como TCSREM com base na avaliação clínica até que se façam estudos subsequentes.

Melatonina (3-12 mg)40 e pramipexol (0 ,1 8 -0 ,7 2 mg)41 ao deitar também podem ser efetivos nos casos em que, por alguma razão, não pode ser ad­ ministrado clonazepam.

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TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

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TRANSTORNOS DO SONO E DA VIGÍLIA

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286


RENATO LUIZ MARCHETTI

EPILEPSIA: CONCEITO. EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA

► Uma crise epiléptica resulta de uma descarga síncrona anormal e excessiva de uma rede neuronal do cérebro. Os mecanismos normalmente presentes são desregulação neuro­ nal (membranas neuronais anormais) ou defeito de rede (desequilíbrio regio­ nal ou global do sistema excitação-inibição). Suas manifestações clínicas dependem do local e da extensão da descarga. Uma crise epiléptica sinto­ mática aguda pode ocorrer em associação a eventos sistêmicos ou cerebrais agudos, em geral de maneira isolada, o que não representa epilepsia. Quando ocorrem crises epilépticas de maneira recorrente e sem associação com eventos sistêmicos ou cerebrais agudos, então há epilepsia. As possí­ veis etiologias da epilepsia são: causas genéticas, malformações congênitas, trauma de parto, infecções e infestações do sistema nervoso central (SNC), traum atism o craniencefálico (TCE), doença cerebrovascular, doenças dege­ nerativas do SNC e tumores do SNC. As taxas de prevalência na população em geral, na maioria dos estudos, ficam entre 0 ,4 e 1%. As taxas de prevalência na vida variam entre 1,5 e 5%. Na maioria dos estudos, as taxas de incidência anual variam entre 4 0 e 7 0 /1 0 0 m il.1

DIAGNÓSTICO DE EPILEPSIA

O diagnóstico de epilepsia é prelim inarm ente clínico. Anamnese clínica, exame físico, neurológico e de estado mental po­ dem ser suficientes. No entanto, em muitas ocasiões, é necessário o recurso de exames subsidiários para a confirmação do diagnóstico. O eletrencefalograma (EEG) se destaca como o exame mais importante. O EEG interictal (no período entre crises) fornece um retrato momentâneo da atividade elétrica cortical do cérebro. Pacientes com epilepsia apresentam um EEG interictal positivo (com a presença de atividade epiléptica interictal) em pelo menos 50% dos casos ao realizarem um primeiro exame. Se forem realizados ao menos quatro exames, o EEG interictal será positivo em 90% dos pacientes com epilepsia.2 Todavia, em ao menos 10% dos pacientes com epilepsia, o EEG interictal não será positivo. O contrário também é verdadeiro. Uma parcela de até 2% da população sadia apresenta EEG interictal positivo.3 Assim, sempre é im portante lembrar que não se diagnostica o exame, e sim 287


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

o paciente. O principal exame para a investigação da etiologia da epilepsia é a ressonância magnética (RM) cerebral, por meio da qual é visível uma parcela de 80% das lesões epileptogênicas.4 O mesmo afirmado para o EEG vale para a RM: uma RM sem “ lesões” não afasta epilepsia, e o achado de uma “ lesão” na RM não significa automaticamente que ela está relacionada à epilepsia.

CLASSIFICAÇÃO DAS EPILEPSIAS

► O primeiro aspecto a ser considerado é a classificação das crises epilépticas. As crises epilépticas são classifica­ das como focais ou generalizadas de acordo com o modo de início (Quadro 10.4.1). As crises focais apresentam evidências clínicas e/ou eletrencefalográficas de um início local (foco) restrito a um hemisfério cerebral. As ma­ nifestações clínicas e eletrencefalográficas das crises generalizadas indicam envolvimento inicial simultâneo de ambos os hemisférios. As crises focais podem cursar com fenômenos observáveis de natureza motora ou autonôm i­ ca e fenômenos subjetivos sensoriais ou psíquicos (também chamados de aura). Também podem cursar com com prom etim ento da consciência ou do contato, que pode ocorrer desde o início ou após o período inicial com cons­ ciência preservada (podem ser chamadas de discognitivas). As crises focais podem evoluir para crises convulsivas bilaterais. O segundo aspecto a ser considerado é a causalidade reconhecida ou pre­ sumida da epilepsia. As causas das epilepsias são divididas em genéticas, estruturais/metabólicas ou desconhecidas. O terceiro aspecto a ser considerado inclui o conjunto de dados clínicos e eletrográficos que compõem a entidade clínica classificada, caracterizando as chamadas síndromes eletroclínicas, constelações distintas, epilepsias atri­ buídas à causa estrutural-metabólica e epilepsias de causas desconhecidas (Quadro 10.4.2).

QUADR010.4.1 ►CLASSIFICAÇÃO DAS CRISES EPILÉPTICAS •

Crises focais -

Crises generalizadas -

Sem comprometimento da consciência ou do contato Com comprometimento da consciência ou do contato (discognitiva)

Tonico-clônica (CTC) Ausência Mioclônica Clônica Tônica Atônica•

Crises epilépticas não classificadas -

Espasmos epilépticos

Fonte: Adaptado de Berg e colaboradores.5

288


• • • •

Síndromes eletroclínicas organizadas pela idade de início Período neonatal (p. ex., epilepsia fam iliar benigna neonatal) Lactente (p. ex., síndrome de West) Infância (p. ex., epilepsia ausência da infância) Adolescência-adulto (p. ex., epilepsia mioclônica juvenil) Relação menos específica com idade (p. ex., epilepsias reflexas) Constelações distintas (p. ex., epilepsia mesial temporal com esclerose hipocampal) Epilepsias atribuídas a causa estrutural-metabólica (p. ex., epilepsias por malformações do desenvolvimento cortical) Epilepsias de causa desconhecida (p. ex., crises febris)

Fonte: Adaptado de Berg e colaboradores.5

TRATAMENTO DA EPILEPSIA

► O objetivo principal do tratam ento é a elim i­ nação das crises epilépticas, a fim de obter redução da morbidade e m orta­ lidade associadas à epilepsia e qualidade de vida satisfatória para pacientes e familiares. Para obter resultados positivos, o tratam ento não deve se res­ tringir à simples prescrição de agentes antiepilépticos, mas envolver temas como controle de fatores precipitantes e mudanças de estilo de vida, uso regular e risco de interrupção abrupta dos antiepilépticos , uso e abuso de álcool e outras substâncias, restrições (direção e profissões), abordagem do prognóstico e tempo de tratamento, casamento, gestação e aconselhamento genético, educação a respeito da epilepsia e estigma e conduta durante as crises. Os antiepilépticos constituem o tratam ento principal. Com seu uso, aproxima­ damente três quartos das pessoas com epilepsia podem se tornar livres de crises.6,7 Em torno de dois terços das pessoas que obtiveram controle podem interromper o tratam ento com antiepilépticos após um período aproximado de dois anos, continuando em remissão posteriormente.7 Alguns pacientes continuam a apresentar crises incapacitantes ou apenas obtêm controle na presença de toxicidade grave. Há, atualmente, vários procedimentos cirúrgicos para alguns pacientes nessas condições, os quais podem ser encaminhados para centros especializados para avaliar a possibi­ lidade de tais indicações.8 TERAPÊUTICA DA EPILEPSIA COM ANTIEPILÉPTICOS ► Os seguintes princípios ge­ rais e estratégias no manejo das crises epilépticas pelos antiepilépticos de­ vem ser observados (ver também a Fig. 10.4.1):

• •

Confirmar o diagnóstico de crises epilépticas antes do início do tratamento. Em geral, indicar tratam ento somente após a ocorrência de ao menos duas crises. Também levar em conta a probabilidade de uma nova crise, os riscos associados e a preferência do paciente. Iniciar tratam ento com apenas um medicamento (controle em 60 a 70% dos casos). Selecionar o antiepiléptico inicial com base individual, levando

289

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

QUADR010.4.2 ►CLASSIFICAÇÃO DE SÍNDROMES ELETROCLÍNICAS E OUTRAS EPILEPSIAS


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

• • •

• •

em conta o diagnóstico de crises (ver Quadro 10.4.3), a toxicidade, o perfil psicofarmacológico, as interações farmacológicas, a sim plicidade de uso, a segurança, o custo, o acesso e a experiência pessoal. Usar o número mínimo possível de administrações diárias e titulação gradual até o controle das crises ou o surgimento de efeitos colaterais. Se houver controle das crises, manter a dose efetiva, sem dim inuição. Se ocorrerem efeitos colaterais incapacitantes antes do controle das crises, retroceder para doses não tóxicas e considerar a substituição ou a adição de antiepilépticos. A associação de dois ou três antiepilépticos leva ao controle em 10 a 15% dos casos. Esquemas com quatro ou mais antiepilépticos são desaconselhados, porque se associam a toxicidade elevada, incapacidade de se avaliar o efeito individual dos antiepilépticos, interações farmacológicas e exacerbação das crises. Após 2 ou 3 antiepilépticos sucessiva mente ou em associação, considerar indicação de cirurgia de epilepsia. Usar níveis séricos de antiepilépticos como guias, não como objetivos terapêuticos. Dosar os antiepilépticos nas seguintes situações: crises refratárias ou perda de controle (verificar adesão e nível); antiepilépticos com farmacocinética complicada (fenitoína); suspeita ou intoxicação por antiepilépticos; gestação; e pacientes com insuficiência renal ou hepática, retardo mental ou autismo.

FIGURA 10.4.1 ► FLUXOGRAMA DE TRATAMENTO COM ANTIEPILÉPTICOS.

290


CRISES FOCAIS

AUSÊNCIAS

MIOCLONIAS

CRISES TÔNICO-CLÔNICAS

I a linha

Carbamazepina Oxcarbazepina

Valproato

Valproato

Valproato

Valproato

2a linha

Fenitoína Valproato Lamotrigina Topiramato Fenobarbital Primidona

Etosuximida Lamotrigina

Lamotrigina Topiramato Fenobarbital Primidona

Carbamazepina Oxcarbazepina Fenitoína Lamotrigina Topiramato Fenobarbital Primidona

Lamotrigina

Apenas adição

Levetiracetam Clobazam

Levetiracetam Clonazepam Nitrazepam Clobazam

Levetiracetam Clonazepam Nitrazepam

Levetiracetam

Levetiracetam

DESCONHECIDO

Com pacientes em remissão, continuar tratam ento com antiepilépticos por ao menos dois anos. Também considerar a probabilidade de uma nova crise (30 a 40% em geral), o risco associado às crises e a preferência do paciente. Retirar os antiepilépticos de maneira lenta e um de cada vez.

PERFIL PSICOFARMACOLÓGICO DOS ANTIEPILÉPTICOS Vários antiepilépticos apresentam efeitos terapêuticos ou adversos sobre o psiquismo, caracterizando o que chamamos de perfil psicofarmacológico, que deve ser considerado no momento da prescrição. Em algumas ocasiões, observamos perfil psicofarmacológico benéfico, como, por exemplo, o perfil ansiolítico dos benzodiazepínicos, o perfil estabilizador do humor da carbamazepina, do valproato, da lamotrigina e da oxcarbazepina, e o perfil antiagressivo da carbamazepina e do valproato. Em contrapartida, o perfil psicofarmacológico adverso está associado a sedação, depressão, piora para­ doxal de hiperatividade/agitação/agressividade observados com politerapia, barbitúricos, topiram ato, levetiracetam, benzodiazepínicos ou associado à psicose possivelmente induzida por topiram ato, vigabatrina, etosuximida, levetiracetam e fenitoína. PRINCIPAIS ANTIEPILÉPTICOS A carbamazepina é considerada medicamento de primeira linha para crises focais. É eficaz nessas crises e tem perfil psicofarmacológico favorável, mas pode induzir alguns efeitos idiossincráticos graves e várias interações farm a­ cológicas clinicam ente significativas. Deve-se ter atenção para autoindução no primeiro mês, intoxicação pelo metabólito ativo (epóxido) e possível piora de ausências e mioclonias. A fenitoína tam bém é eficaz em crises focais,

291

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

QUADR010.4.3 ►ESCOLHA DOS ANTIEPILÉPTICOS EM FUNÇÃO 00 TIPO DE CRISE EPILÉPTICA


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

QUADR010.4.4 ►RISCO EPILEPTOGÊNICO DOS PSICOFÁRMACOS CLASSE DO PSICOFÁRMACO

RISCO BAIXO

RISCO MODERADO

RISCO ALTO

Antipsicóticos

Aripiprazol Haloperidol Pimozida Olanzapina Quetiapina Risperidona Sulpirida Tiotixeno

Flufenazina Perfenazina Sertindole Tioridazina Trifluoperazina Zuclopentixol

Clorprozamina Clozapina Loxapina Zotepina

Antidepressivos

Desipramina Doxepina IMAOs ISRSs Mirtazapina Nortriptilina Protiptilina Reboxetina Trazodona Triptofano

Mianserina Nefazodona Amitriptilina Imipramina Venlafaxina

Amoxapina Bupropiona Clomipramina Maprotilina

Ansiolíticos e hipnóticos

Benzodiazepínicos ß-bloqueadores Hidrato de cloral Clometiazol Zolpidem Zopiclona

Buspirona

Outros

Acamprosato Anticolinérgicos Dexanfetamina

Dissulfiram Donepezila Rivastigmina

Lítio

apresenta baixo custo e causa pouca sedação, mas tem como desvantagens a possível indução de efeitos cosméticos e a farmacocinética complicada que causa interações frequentes e clinicam ente significativas. É fundamental dar atenção para intoxicação tardia e atípica, bem como realizar monitoração de nível sérico. O valproato é um antiepiléptico de am plo espectro e perfil psicofarmacológico favorável, particularm ente útil para crises generalizadas. Apresenta alguns efeitos idiossincráticos graves, aumento de risco de teratogenicidade, obesidade e alopecia. Deve-se ter cuidado com disfunção hepá­ tica em crianças menores de 2 anos e com elevação do nível sérico de outros antiepilépticos. Se possível, deve-se evitar o uso de valproato em mulheres em idade fértil. O fenobarbital apresenta baixo custo e sim plicidade de uso, mas não é mais considerado um antiepiléptico de primeira linha pela maioria dos autores. Esse medicamento produz sedação e apresenta perfil psicofar-

292


CLASSIFICAÇÃO E DIAGNÓSTICO DOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA ► RELAÇÃO TEMPORAL COM CRISES EPILÉPTICAS ► Os transtornos mentais asso­ ciados à epilepsia (TMAEs) são tradicionalm ente divididos em peri-ictais e interictais. A característica principal dos transtornos mentais peri-ictais é a relação temporal estreita entre eles e as crises epilépticas, ocorrendo im edia­ tamente antes, durante ou depois delas. Nos transtornos mentais interictais, não há essa relação temporal (Fig. 10.4.2). Os transtornos mentais peri-ictais em geral apresentam início agudo ou abrupto, curta duração (horas a dias) e remissão completa, com a possibilidade de recorrências. Também são mais frequentes alterações no EEG de base associadas a esses quadros. Os transtornos mentais peri-ictais são divididos em pré-ictais, ictais, pós-ictais, paraictais e alternantes (Fig. 10.4.3). Os transtornos mentais pré-ictais iniciam no período prodrômico das crises epilépticas, com a antecedência de algumas horas ou dias, e normalmente melhoram ou se encerram após sua ocorrência. Os transtornos mentais ic­ tais são a manifestação psicopatológica de estados de mal epilépticos não convulsivos. Os transtornos mentais pós-ictais iniciam após a ocorrência de crises epilépticas, de maneira imediata, ou mesmo após um intervalo “ lúci­ do” de algumas horas ou dias. Normalmente, cessam após algumas horas a 293

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

macológico desfavorável. Sua retirada do regime medicamentoso deve ser lenta e gradual para evitar recorrência de crises ou estado de mal epiléptico (25 mg a cada duas semanas). A oxcarbazepina tem eficácia semelhante à da carbamazepina e tolerabilidade melhor, mas custo mais alto. Pode-se tentar usar em pacientes que tiveram intolerância à carbamazepina, mesmo se decorrente de rash cutâneo (com cuidado). A lamotrigina é um antiepiléptico de am plo espectro, causa pouca sedação, sendo boa alternativa para epilepsias generalizadas. Desencadeia rash cutâneo em 10% dos casos, que talvez seja evitado por meio de titulação lenta. Doses de introdução devem ser divididas ao meio na associação com valproato. O topiram ato tem amplo espectro, eficácia como fármaco adjuvante em crises focais e perfil farm aco­ lógico favorável, além disso induz perda de peso. Todavia, pode causar dé­ ficits cognitivos e nefrolitíase e apresenta perfil psicofarmacológico adverso. Sua titulação deve ser lenta e gradual. O levetiracetam tem am plo espectro e perfil farmacológico favorável, mas apresenta perfil psicofarmacológico desfavorável. O clobazam tem am plo espectro e pode ser usado de maneira interm itente em situações especiais (epilepsia catamenial, agrupamento de crises), com início rápido de ação e perfil psicofarmacológico favorável. Sua retirada deve ser gradual. O clonazepam também tem am plo espectro e perfil psicofarmacológico favorável, mas causa sedação e tolerância. Pode ser útil para crises de ausência, crises mioclônicas e agrupamento de crises, e sua retirada tam bém deve ser gradual. Os sumários sobre os antiepilépticos usados em nosso meio estão descritos nas Tabelas 10.4.1 a 1 0 .4 .1 4 (os sumários se referem às propriedades dos antiepilépticos em seu uso na terapia crônica oral).


TERAPÊUTICA NOSTRANSTORNOS MENTAISASSOCIADOSÀ EPILEPSIA

INTERICTAL CRÔNICO

BIM ODAL

TRANSFORMAÇÃO PÓS-ICTAL/INTERICTAL

FIGURA 10.4.2 ►TRANSTORNOS MENTAIS INTERICTAIS.

CRISE

PRÉ-ICTAL

CRISE

CRISE

E pisódios de tra n sto rn o m ental

ICTAL

PARAICTAL Novo antiepiléptico

ALTERNANTE

E ncerram ento abrupto das crises

Encerram ento abrupto das crise s

FIGURA 10.4.3 ►TRANSTORNOS MENTAIS PERI-ICTAIS. dias. Os transtornos mentais paraictais iniciam em períodos de frequência de crises significativam ente aumentada. Normalmente, obtêm resolução com a volta das crises aos padrões habituais. Os transtornos mentais alternantes iniciam alguns dias após a redução significativa ou a interrupção completa de crises epilépticas espontâneas ou, o que é mais comum, desencadeadas pelo uso de antiepilépticos. Podem ou não ser acompanhados por atenuação das alterações eletrencefalográficas de base, fenômeno denominado “ nor-

294


DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL ► O diagnóstico multiaxial dos TMAEs traz infor­ mações importantes para seu manejo. É composto por seis eixos, conforme ilustrado na Figura 10.4.4.

Ao fim da avaliação diagnóstica m ultiaxial, é possível chegar às seguintes possibilidades de categorias diagnósticas de TMAEs: transtornos mentais epilépticos peri-ictais (p. ex., psicose pós-ictal), transtornos mentais epilép­ ticos interjetais (p. ex., psicose interictal), transtornos mentais orgânicos não epilépticos interjetais (p. ex., demência por m últiplos infartos associada à epilepsia), transtornos mentais iatrogênicos peri-ictais (p. ex., psicose al­ ternante causada pelo uso de etosuximida), transtornos mentais iatrogêni­ cos interjetais (p. ex., depressão interictal causada pelo uso de topiram ato), transtornos mentais funcionais interjetais (p. ex., depressão causada por per­ das sociais significativas) e transtornos mentais interjetais não classificáveis (p. ex., autism o associado à epilepsia). Cada uma dessas categorias diagnos­ ticas abarca uma série de possibilidades terapêuticas e de manejo. Na Figura 10 .4 .4, tam bém são apresentados os principais TMAEs, considerados do

EIXOS •

Eixo 1 - Epilepsia (crises, síndrome)

• Eixo 2 - Psicopatologia (apresentação clínica) •

Eixo 3 - Relação temporal com crises (peri-ictal ou interictal)

Eixo 4 - EEG (crítico, status, normalização forçada, alterações não epilépticas)

Eixo 5 - Etiologia (genética, causas orgânicas cerebrais, iatrogenia por antiepiléptico ou cirurgia de epilepsia, estressores psicossociais)

• Eixo 6 - Avaliação funcional (gravidade e impacto médico e social) CATEGORIAS E PRINCIPAIS TMAEs • TMs orgânicos epilépticos peri-ictais: status não consulsivo, psicose pós-ictal • TMs orgânicos epilépticos interjetais: psicose interictal, disforia interictal crônica (associação com ELT), transform ação orgânica da personalidade da ELT (síndrome de Gastaus-Geschwind)

• TMs orgânicos não epilépticos interjetais: transform ação orgânica da personalidade do lobo frontal (associação com ELF), demências degenerativas da idade avançada (Alzheimer e vascular)

• TMs iatrogênicos peri-ictais: psicose alternante induzida por antiepiléptico • TMs iatrogênicos interjetais: depressão interictal induzida por antiepiléptico • TMs funcionais interjetais: depressão, ansiedade e suicídio, transtornos da personalidade do Grupo B (associação com ELT e EMJ)

• TMs interjetais não classificáveis: retardo, autism o, TDAH, transtorno da conduta FIGURA 1 0 .U ►DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL DOS TMAES.

295

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

malização” forçada ou paradoxal. Normalmente, remitem após o retorno das crises aos padrões habituais.


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

ponto de vista de sua gravidade, seu impacto funcional e seu manejo clínico ou sua prevalência.

PREVENÇÃO E TRATAMENTO DOS TMAEs ► PREVENÇÃO PSICOLÓGICA ► A prevenção psicológica dos TMAEs está baseada nas seguintes diretrizes: fornecimento de informação sobre epilepsia e estí­ mulo a um estilo de vida saudável e independente. Os pacientes devem ser treinados para o convívio com a doença, ao mesmo tempo que sua aceitação psicológica é trabalhada. São combatidos o estigma, a baixa autoestima e o isolamento social. Quando for necessário, deve-se indicar alguma aborda­ gem de natureza psicológica. PREVENÇÃO FARMACOLÓGICA ► A prevenção farmacológica baseia-se na identi­ ficação dos indivíduos com risco de TMAEs e suicídio, na prescrição baseada no perfil psicofarmacológico de antiepilépticos e na adoção das seguintes medidas preventivas:

• • • •

Prescrever antiepilépticos de forma cuidadosa (atenção especial a quanti­ dade, índice terapêutico, dose inicial e velocidade de titulação). Evitar politerapia quando possível. Dar atenção especial para os efeitos colaterais neuropsiquiátricos dos antiepilépticos. Dar atenção especial para intoxicação por antiepilépticos (m onitorar níveis séricos, particularm ente nos pacientes em politerapia, em uso de fenitoína, por ocasião de mudanças com portam entais ou sintomas neuropsiquiátricos). Considerar o perfil psicofarmacológico na prescrição de antiepilépticos, evitando-se aqueles com perfil adverso e beneficiando-se dos com perfil benéfico.

ESTRATÉGIA DE TRATAMENTO ► A estratégia de tratam ento dos TMAEs é apre­ sentada na Figura 10 .4 .5. Ela prioriza a realização ou a exclusão de certos diagnósticos para a tomada de medidas terapêuticas adequadas e possivel­ mente urgentes. O primeiro passo é o diagnóstico ou a exclusão de estados de mal epilépticos não convulsivos que requerem tratam ento de urgência com antiepilépticos (Fig. 10.4.5). Eles podem se apresentar nas seguintes formas clínicas: es­ tados de obnubilação da consciência ou redução da responsividade e sinais cognitivos significativos, episódios catatônicos (m utism o, estupor, rigidez e negativismo), fugas e estados crepusculares, episódios psicóticos alucina­ tórios agudos, delirium e outros episódios confusionais, bem como estados comatosos. Os principais elementos de diagnóstico são: história de epilepsia (não obriga­ tória), presença de fatores de risco remotos (TCE, acidente vascular cerebral [AVC], tum or cerebral, neurocirurgia, demência, meningite e encefalite) e fatores de risco atuais ou recentes (TCE, AVC, tum or cerebral, neurocirurgia, meningite e encefalite, eletroconvulsoterapia [ECT], intoxicação ou abstinên­ cia por drogas de abuso, psicofármacos e antiepilépticos, distúrbios tóxico296


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA FIGURA 10.4.5 ► ESTRATÉGIA DE DIAGNÓSTICO E DIRECIONAMENTO DE TRATAMENTO DOS TMAEs.

-metabólicos, infecções, doenças autoimunes, uso de antibióticos, imunossupressores ou quim ioterápicos e não adesão aos antiepilépticos), exame neurológico com sinais motores sutis (automatismos, posturas tônicas, ver­ são cefálica, mioclonias, clonias faciais ou apendiculares, atonia) e altera­ ções oculomotoras (staring [olhar fixamente], piscamento rítmico, hippus pupilar, nistagmo, desvio ocular tônico). A certeza do diagnóstico se dá pelo EEG crítico, porém esse exame nem sempre pode ser realizado no início da investigação ou mesmo não está disponível como recurso auxiliar. O trata­ mento dos estados de mal epilépticos não convulsivos com antiepilépticos intravenosos é semelhante ao dos estados de mal convulsivos, mas está fora do escopo deste capítulo. O segundo passo é a exclusão de transtornos mentais orgânicos epilépticos peri-ictais, principalm ente as psicoses pós-ictais (Fig. 10.4.5). Suspeita-se de psicose pós-ictal quando há relação estreita ou persistente com crises epilépticas ou com a retirada ou redução de antiepilépticos, início agudo e um período de intervalo lúcido entre a ocorrência das crises e o início do quadro psicótico. Em uma parcela significativa de casos, há algum grau de confusão e delirium associado aos sintomas psicóticos, e com frequência o paciente apresenta amnésia para o episódio. O quadro é caracterizado por combinações de transtorno formal do pensamento, com portam ento bizarro ou desorganizado, alucinações auditivas e visuais, delírios de diferentes 297


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

conteúdos, alterações afetivas com característica depressiva ou maníaca e auto e heteroagressividade. As psicoses pós-ictais, em comparação com as interictais, apresentam mais alucinações visuais e delírios religiosos e gran­ diosos, os quais duram alguns dias. A maioria dos casos responde bem e de maneira rápida à administração de antipsicóticos de forma isolada ou em associação com benzodiazepínicos. O diagnóstico de um transtorno mental pós-ictal pode direcionar o tratam ento para a melhora do curso da epilepsia, se possível com remissão das crises epilépticas. A recorrência de psicoses pós-ictais pode im plicar a necessidade de uso profilático de antipsicóticos. O terceiro passo é a exclusão de transtornos mentais iatrogênicos interictais ou peri-ictais, principalm ente a depressão iatrogênica interictal (Fig. 10.4.5). As depressões iatrogênicas ocorrem após a introdução ou o aumento recente de antiepilépticos e podem estar associadas a sinais neurológicos de into­ xicação por esses medicamentos ou nível sérico elevado. No caso das de­ pressões iatrogênicas peri-ictais alternantes, ocorre redução significativa ou remissão das crises epilépticas, precedendo o início do quadro, ou, ainda, a normalização do EEG (normalização forçada ou paradoxal). No caso das depressões iatrogênicas, cogita-se, se possível, a retirada do antiepiléptico causador do problema. O quarto passo é a exclusão de transtornos mentais orgânicos não epilépti­ cos (Fig. 10.4.5). Eles podem ser induzidos por outras substâncias, por doenças somáticas sistêmicas com repercussão sobre o SNC ou tam bém ser o resultado de outras afecções não epilépticas do SNC. Nesse caso, o trata­ mento deve ser dirigido para a doença de base, embora a epilepsia não deva ser negligenciada. Um exemplo seria um paciente com doença de Alzheimer com epilepsia associada, que deve receber o tratam ento específico para Alzheimer e também o tratam ento antiepiléptico. O últim o passo da estratégia “ passo a passo” de diagnóstico e tratam ento é o diagnóstico de transtornos mentais epilépticos interictais ou transtornos mentais funcionais interictais (Fig. 10.4.5). Os tratamentos, nesses casos, se assemelham aos dos transtornos mentais funcionais não associados à epilepsia, mas, em ambas as situações, a presença da epilepsia e seu tra­ tam ento devem ser considerados e influenciam as decisões de escolha de abordagens terapêuticas, como relatado a seguir. r

ANTIEPILEPTICOS E TMAEs ► Qualquer antiepiléptico, mas especialmente aque­ les com perfil psicofarmacológico adverso (fenobarbital, vigabatrina, etosuximida, topiram ato e levetiracetam), pode estar associado ao desencadeamen­ to de transtornos mentais iatrogênicos. São fatores de risco: doses altas de antiepiléptico, politerapia, titulação rápida, tempo prolongado de uso, epi­ lepsia de início precoce e refratária, epilepsia focal, epilepsia de lobo tem po­ ral mesial, genética para transtornos mentais, antecedentes de transtornos mentais, base orgânica desfavorável (retardo mental, danos aos SNC, lesão cerebral), desnutrição, doença somática (porfiria, insuficiência hepática ou renal) e extremos de idade (infância e velhice).

298


Boa parte dos psicofármacos interfere no LE, facilitando (por dim inuição do LE) ou dificultando (por elevação do LE) a ocorrência de crises. De maneira geral, deve-se ter o cuidado de escolher os psicofármacos que aumentem menos o LE. É necessário cuidado na introdução dos psicofármacos que d i­ minuem o LE e na retirada daqueles que aumentam o LE. Os psicofármacos que dim inuem o LE devem ser usados com especial cautela quando o au­ mento da frequência de crises for um dos fatores precipitantes do transtorno mental. De maneira resumida, pode-se afirm ar que o lítio e os antipsicóticos dim inuem (fenotiazinas mais que butirofenonas e atípicos) e os benzodiazepínicos aumentam o LE. Os antidepressivos geralmente dim inuem o LE (tricíclicos mais que inibidores seletivos da recaptação de serotonina [ISRSs]), com a possível exceção dos inibidores da monoaminoxidase (IMAOs). Os psicofármacos podem ser divididos em grupos de baixo, moderado e alto risco para uso em pacientes com epilepsia, de acordo com suas propriedades epileptogênicas (Tab. 10 .4 .4), embora essas informações não devam ser consideradas dogmaticamente ou como definitivas. A possibilidade de interações farmacológicas deve ser sempre considerada. Elas podem ser de natureza farmacocinética ou farmacodinâmica. Interações farmacocinéticas podem ocorrer em dois sentidos: antiepilépticos afetando psicofármacos (mais frequentemente dim inuindo eficácia por redução dos níveis séricos) e/ou psicofármacos afetando antiepilépticos (mais frequente­ mente produzindo toxicidade por elevação dos níveis séricos ou deslocamen­ to proteico). As interações farmacodinâmicas normalmente envolvem in­ tensificação de efeitos neurotóxicos, como, por exemplo, sedação. Pode-se afirmar, de maneira breve e sim plificada, que a carbamazepina, a fenitoína e os barbitúricos dim inuem os níveis séricos dos psicofármacos por indução enzimática; o valproato de sódio eleva os níveis séricos dos psicofármacos por inibição enzimática não com petitiva, podendo tam bém apresentar inte­ rações por deslocamento proteico; os antidepressivos tricíclicos elevam os níveis séricos dos antiepilépticos; os ISRSs (particularm ente fluoxetina e fluvoxamina) elevam os níveis séricos dos antiepilépticos; os IMAOs apresen­ tam efeitos inconsistentes sobre antiepilépticos , com potencial aumento da sedação ocasionada por barbitúricos; e os fenotiazínicos também po­ dem causar a elevação dos níveis séricos de fenitoína e valproato de sódio. 299

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TRATAMENTO PSICOFARMACOLÜGICO ► Os princípios básicos do tratam ento psicofarmacológico nos pacientes com epilepsia são semelhantes aos que se aplicam aos pacientes sem epilepsia. No entanto, há o acréscimo de quatro aspectos problemáticos: adesão, risco de suicídio, interferência no lim iar epileptogênico (LE) e interações farmacológicas. Para melhorar a adesão, a sim plificação máxima do esquema medicamentoso deve ser a meta, sem dispensar o uso intensivo de esquemas escritos e o engajamento do acompanhante. Deve-se ficar especialmente atento para o risco de suicídio em pacientes com epilepsia e considerar o uso de psicofármacos com índice terapêutico elevado e a prescrição de apenas pequenas quantidades de antiepilépticos e psicofármacos.


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

Quando medicamento psicotrópico é prescrito para pacientes em tratam ento antiepiléptico, deve-se ficar atento para a possibilidade de interações me­ dicamentosas. Os psicofármacos devem ser introduzidos lentamente e na menor dose eficaz possível. A deterioração do comportamento após a in­ trodução de psicofármacos pode significar intoxicação por antiepiléptico. A monitoração de dosagens séricas é particularmente importante. A ECT tem as mesmas indicações que para pacientes sem epilepsia e consis­ te em uma indicação adicional àqueles pacientes com depressão ou mesmo outros transtornos alternantes, em que a obtenção de uma crise convulsi­ va em condições seguras pode representar a única alternativa viável para melhora do estado mental do paciente. Esse efeito, porém, nem sempre acontece. Em algumas ocasiões, o quadro clínico pode responder a crises espontâneas, porém não à ECT. Nessas condições extremas, pode ser con­ siderada cuidadosamente uma redução dos antiepilépticos, caso não haja uma opção melhor. Alguns autores relatam que pacientes com epilepsia apresentam um lim iar convulsivo paradoxalmente alto por ocasião da realização da ECT. De modo geral, a ECT é um procedimento seguro em pacientes com epilepsia, embora ocasionalmente possa haver aumento da frequência de crises epilépticas após sua administração.

ESCOLHA DO ANTIEPILÉPTICO DE ACORDO COM A CRISE ANTIEPILÉPTICA

► Ver

Tabelas 10.4.1 a 1 0 .4 .1 4 .

(Continua)

300


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.1 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A FENITOÍNA EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais comuns:

lentificação/embotamento cognitivo apatia/embotamento afetivo depressão sedação cefaleia nistagmo diplopia tremor ataxia disartria neuropatia periférica assintomática em 10 a 30% dos casos hirsutismo hiperplasia gengival embrutecimento das feições faciais com uso prolongado. os efeitos colaterais graves são raros com doses abaixo de 120 pimol/L (30 pg/mL), mas pode ocorrer grande variabilidade individual; em níveis tóxicos, há piora de crises e síndromes mentais orgânicas agudas (letargia, estupor, delirium e psicoses transitórias). Toxicidade:

anorexia, náusea, vômitos, epigastralgia, cutâneos leves (comumente morbiliformes), anemia megaloblástica, leucopenia, linfadenopatia e osteomalacia/ hipocalcemia (raramente com repercussões ósseas sintomáticas). Efeitos colaterais incomuns:

lesões cerebelar e/ou frontal, toxicidade hepática, rashs cutâneos graves (exfoliativo, purpúrico, etc.), reação lúpica e hiperglicemia/glicosúria. Efeitos colaterais raros:

inúmeras interações foram descritas, e muitas decorrem de suas propriedades indutoras enzimáticas; a fenitoína reduz os níveis séricos ou efeito terapêutico de anticoagulantes e contraceptivos orais, carbamazepina, benzodiazepínicos e outros.* Efeitos sobre outras substâncias:

a carbamazepina reduz níveis séricos de fenitoína por indução enzimática; o valproato de sódio interage de maneira complexa, deslocando ligação proteica e inibindo metabolismo de fenitoína, resultando em fração livre aumentada com níveis séricos totais inalterados ou reduzidos (possibilidade de intoxicação com níveis séricos totais baixos); os salicilitos podem deslocar ligação proteica; ocorre inibição do metabolismo e elevação de níveis séricos na presença de sulthiame, feneturide, cloranfenicol, propoxifeno e isoniazida. Efeitos de outras substâncias sobre a fenitoína:

* Dosagem sérica é essencial para terapia satisfatória por causa da cinética de saturação (pequenos incrementos em doses orais levam a grandes elevações de níveis séricos), possibilidade de toxicidade não aparente e frequência de interações medicamentosas.

301


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.2 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE O FENOBARBITAL FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

Adultos: 20-240 mg/dia Crianças: 2-6 mg/kg/dia

Frequência diária mínima

Uma vez/dia

Níveis séricos terapêuticos*

70-180 /jmol/L (15-40 pig/mL)

Absorção oral

Completa, mas velocidade lenta e variável

Pico sérico

l-6h

Ligação proteica

45%

Volume de distribuição aparente

0,5 L/kg

Meia-vida de eliminação

Adultos: 50-160h Crianças: 30-70h

Tempo para atingir steady-state

Até 30 dias

Metabólitos principais

Para-hidroxifenobarbital (inativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

a ingestão excessiva pode produzir depressão respiratória profunda e morte; podem ocorrer síndromes de retirada com crises de difícil controle/estado de mal, além de dependência, comportamento de adição e abuso.

Toxicidade e retirada:

sedação (pode ocorrer tolerância), insônia, hipercinesia e transtornos do comportamento em crianças/desinibição comportamental e excitação paradoxal em idosos ou lesionados cerebrais, nistagmo, disartria, ataxia, lentificação cognitiva e depressão. Efeitos colaterais comuns:

síndromes mentais orgânicas agudas (delirium, psicose), macrocitose, anemia megaloblástica e rash cutâneo. Efeitos colaterais incomuns:

Efeitos colaterais raros:

osteomalacia.

na maior parte das vezes, dependem da estimulação enzimática; pode diminuir níveis da varfarina e dos contraceptivos orais; induz o metabolismo de carbamazepina para seu derivado epóxido, tornando difícil a avaliação das dosagens séricas da carbamazepina. Efeitos sobre outras substâncias:

Efeitos de outras substâncias sobre o fenobarbital:

o valproato de sódio pode aumentar os

níveis séricos do fenobarbital. * Tolerância pode se desenvolver, tornando os níveis terapêuticos duvidosos.

302


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.3 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A PRIMIDONA FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

Adultos: 250-1.500 mg/dia Crianças: 15-30 mg/kg/dia

Frequência diária mínima

Duas vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos* Absorção oral

Mais rápida que o fenobarbital

Pico sérico

2-5h

Ligação proteica

Menos que 20%

Volume de distribuição aparente

0,6 L7kg

Meia-vida de eliminação

Primidona 4-12h (adultos) Fenobarbital 50-160Í1 Feniletilmalonamida (FEMA) 29-36h

Tempo para atingir steady-state

Até 30 dias para fenobarbital derivado de metabolização

Metabólitos principais

Fenobarbital (ativo) FEMA (ativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Muitos pacientes experimentam a chamada “síndrome do primeiro comprimido", com extrema hipersonia e letargia, frequentemente durando mais de 24 horas, que se desenvolve após administração do primeiro comprimido de 250 mg. Para evitar isso, começar com 50 mg/dia e aumentar muito lentamente. Seus efeitos colaterais e interações medicamentosas são semelhantes aos do fenobarbital. * Fenobarbital é o metabólito principal e, portanto, deve ser monitorado se indicado; dosagem de primidona pode ser útil em pacientes metabolizadores lentos.

303


FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

Adultos: 400-1.800 mg/dia Crianças: 10-30 mg/kg/dia Duas vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos*

20-40 pimol/L (5-10pig/mL)

Absorção oral

Lenta e errática

Pico sérico

4-8h (mas pode se retardar para 24h)

Ligação proteica Volume de distribuição aparente

1,2 L7kg

cn

Frequência diária mínima

---- 1

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.4 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A CARBAMAZEPINA

Meia-vida de eliminação Dose única

20-55h

Terapia crônica

10-30h (adultos) 8-20h (crianças)

Tempo para atingir steady-state

Até 10 dias (mas pode ocorrer queda posterior porautoindução enzimática)

Metabolites principais

10,11-epóxido (ativo) Di-hidrodiol (inativo) Hidroximetabólitos (inativos) Iminostilbeno (inativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Toxicidade:

semelhante à dos antidepressivos tricíclicos.

anorexia, náusea, vômitos, tontura, visão borrada, diplopia, ataxia, sedação e lentificação cognitiva (menos importante do que a que ocorre com barbitúricos e fenitoína), e rashs cutâneos leves. Efeitos colaterais comuns:

hiponatremia (em geral assintomática, raramente ocasiona intoxicação aquosa com ganho de peso, edema periférico, letargia, vômitos, cefaleia, rebaixamento da consciência, piora do controle de crises e anormalidades neurológicas), rashs cutâneos graves (dermatite esfoliativa, necrólise epidérmica tóxica e síndrome de Stevens-Johnson), reação lúpica e diminuições transitórias de eritrócitos, leucócitos e plaquetas (não têm relação com supressão medular). Efeitos colaterais incomuns:

anemia aplástica, agranulocitose (prevalência aproximada 1/125 mil), toxicidade hepática (muito rara). Efeitos colaterais raros:

pode induzir o metabolismo de outras substâncias, incluindo outros antiepilépticos e outros medicamentos, como varfarina e contraceptivos orais. Efeitos sobre outras substâncias:

(Continua )

304


seus níveis sericos são rebaixados por fenitoína, barbitúricos e outras substâncias que causem inibição enzimática, como cimetidina, propoxifeno e verapamil. Efeitos de outras substancias sobre a carbamazepina:

Devido a sua semelhança estrutural com os tricíclicos, pacientes com glaucoma, cardiopatias e prostatismo devem ser avaliados antes e durante o tratamento (raramente podem se desenvolver sintomas na ausência dessas pré-condições), sobretudo se estiver associado tratamento com tricíclicos. Observação:

* Dosagem sérica é útil para prevenir intoxicação aquosa e piora de crises, que podem ocorrer com doses elevadas.

(iContinua )

305

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.4 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A CARBAMAZEPINA


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.5 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE O VALPROATO DE SÓDIO hepatotoxicidade grave (ocasionalmente fatal em menores de 10 anos; elevação assintomática das transaminases pode ocorrer mais comumente), encefalopatia/ hiperamonemia (ocasionalmente fatal; elevação moderada assintomática dos níveis séricos de amónia pode ocorrer mais comumente), pancreatite aguda hemorrágica (ocasionalmente fatal), pseudoatrofia cortical, acompanhada por sintomas cognitivos e quadro parkinsoniano. Efeitos colaterais raros:

não induz o metabolismo hepático, parece agir como inibidor inespecífico do metabolismo de outras substâncias; pode elevar níveis séricos de fenobarbital e primidona; interações com carbamazepina e etosuximida são inconsistentes; interação com fenitoína é complexa (além da inibição metabólica, ocorre o deslocamento da ligação proteica), podendo levar à elevação da fração livre da fenitoína sem elevação dos níveis séricos totais. Efeitos sobre outras substancias:

outros antiepilépticos reduzem seus níveis séricos; os salicilatos podem deslocar ligação proteica e aumentar fração livre.

Efeitos de outras substâncias sobre o valproato de sódio:

* Ligação proteica é dose-dependente (fração livre aumenta com aumento da concentração total), o que torna o valor dos níveis séricos terapêuticos duvidoso (com base em concentração total).

(Continua)

306


EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais comuns:

náusea, soluços, desconforto abdominal, sonolência, anorexia o

cefaleia. pode exacerbar vários tipos de crises, particularmente crises generalizadas tônico-clônicas; há relatos de desencadeamento de episódios psicóticos, rashs cutâneos graves (eritema multiforme, síndrome de Stevens-Johnson) e reação lúpica. Efeitos colaterais incomuns:

como não se liga a proteínas e não induz metabolismo hepático, produz poucas interações medicamentosas. Efeitos da etosuximida sobre outras substâncias:

ocasionalmente, o valproato de sódio eleva os níveis séricos da etosuximida; a carbamazepina e outras substâncias que causam indução enzimática podem reduzir os níveis séricos da etosuximida. Efeitos de outras substâncias sobre a etosuximida:

* Dosagem sérica é útil para o acompanhamento adequado.

TABELA 10.4.7 » SUMÁRIO DE DADOS SOBRE 0 CLONAZEPAM FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

Adultos: 1-10 mg/dia

Frequência diária mínima

Uma vez/dia

Níveis séricos terapêuticos*

?

Absorção oral

Rápida

Pico sérico

l-3h

Ligação proteica

85%

Volume de distribuição aparente

2-5 tykg

Meia-vida de eliminação

20-60h

Tempo para atingir steady-state

Até 14 dias

Metabólitos principais

7-aminoclonazepam (inativo)

7-acetaminoclonazepam (inativo) EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Efeitos colaterais comuns: sonolência, ataxia, tontura, irritabilidade, desatenção, sedação e hipotonia (mais comuns em crianças).

Efeitos colaterais incomuns: rashs cutâneos. Dependência: pode ocorrer reação de retirada com agitação, ansiedade, insônia, tremor e eventualmente alucinose e crises generalizadas tônico-clônicas. * Sedação em geral é o fator limitante; dosagem sérica é inútil por causa do desenvolvimento de tolerância.

307

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.6 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A ETOSUXIMIDA


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.8 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE O CLOBAZAM FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

20-60 mg/dia

Frequência diária mínima

Uma vez/dia

Níveis séricos terapêuticos*

?

Absorção oral

Completa

Pico sérico

l-4h

Ligação proteica

Aproximadamente 90%

Volume de distribuição aparente

?

Meia-vida de eliminação

18h (42h para N-desmetilclobazam)

Tempo para atingir steady-state

1 semana para clobazam

Até 4 semanas para N-desmetilclobazam Metabólitos principais

N-desmetilclobazam (ativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Efeitos colaterais são semelhantes aos de clonazepam e outros benzodiazepínicos, embora o clobazam cause menos prejuízo psicomotor. * Dosagem sérica é inútil por causa do desenvolvimento de tolerância.

TABELA 10.4.9 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A VIGABATRINA FARMACOCINÉTICA*

Dose de manutenção

2-4 g/dia

Frequência diária mínima

Uma vez/dia

Níveis séricos terapêuticos

Irrelevantes

Absorção oral

Rápida e completa

Pico sérico

l-2h

Ligação proteica

Insignificante

Volume de distribuição aparente

0,8 L7kg

Meia-vida de eliminação

5-7h

Tempo para atingir steady-state

2 dias

Metabólitos principais

Nenhum (Continua)

308


EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais comuns:

sonolência, fadiga, irritabilidade, tontura, cefaleia e ganho de peso.

constrição persistente do campo visual (estudos recentes indicam a possibilidade de que seja um efeito colateral mais comum do que se pensava a princípio). Efeitos colaterais incomuns:

psicose (parece haver predisposição aumentada para pacientes com história psiquiátrica positiva).

Efeitos colaterais raros:

Efeitos sobre outras substâncias:

pode reduzir os níveis séricos da fenitoína (na maior parte das

vezes sem importância prática). Efeitos de outras substâncias sobre a vigabatrina:

não foram descritos.

* Devido ao modo de ação irreversível, o curso temporal dos efeitos farmacológicos e a eficácia terapêutica não correspondem aos dos níveis séricos (dosagem sérica é irrelevante no acompanhamento do tratamento).

TABELA 10.4.10 » SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A LAMOTRIGINA FARMACOCINÉTICA

Dose de manutenção

50-400 mg/dia

Frequência diária mínima

1 ou 2 vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos*

Desconhecidos

Absorção oral

Rápida e completa

Pico sérico

2-3 h

Ligação proteica

55%

Volume de distribuição aparente

1,1 L7kg

Meia-vida de eliminação 15-50h

Em monoterapia

Em associação com indutores enzimáticos 8-33h

Em associação com valproato de sódio

30-90h

Tempo para atingir steady-state

3-15 dias

Metabólitos principais

Glucoronídeo (inativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

astenia, diplopia, cefaleia, sonolência, tontura, ataxia, rash cutâneo (pode ser evitado introduzindo-se o medicamento lentamente, em especial quando administrado em associação ao valproato de sódio). Efeitos colaterais comuns:

náuseas/vômitos,, nervosismo, depressão, hostilidade, tremor, vertigem, calafrios e ambliopia. Efeitos colaterais incomuns:

(iContinua )

309

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.9 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A VIGABATRINA


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.10 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A LAMOTRIGINA Efeitos sobre outras substancias: insignificantes, pois não inibe ou induz enzimas hepaticas e tem taxa de ligação proteica relativamente baixa. Efeitos de outras substâncias sobre a lamotrigina: antiepilépticosindutores enzimáticos, como fenitoína, fenobarbital, primidona e carbamazepina, aceleram o metabolismo da lamotrigina, enquanto o valproato de sódio, um inibidor enzimático, diminui o metabolismo da lamotrigina (quando associada ao valproato de sódio, as doses devem ser reduzidas). Dados disponíveis são insuficientes para estabelecer níveis séricos terapêuticos

TABELA 10.4.11 ►SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A OXCARBAZEPINA* FARMACOCINÉTICA Dose de manutenção •

Em monoterapia

600-1.200 mg/dia

Em politerapia ou epilepsias resistentes

900-3.000 mg/dia

Frequência diária mínima

Duas vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos*

Não conhecidos

Absorção oral

Rápida e quase completa - 95%

Pico sérico*

4h

Ligação proteica*

40%

Volume de distribuição aparente*

0,7-0,8 L7kg

Meia-vida de eliminação*

9h

Tempo para atingir steady-state*

3 dias

Metabólitos principais*

Mono-hidroxiderivativo (MHD) glucoronídeo (inativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

0 perfil de efeitos colaterais da oxcarbazepina é semelhante ao da carbamazepina, sendo os efeitos colaterais mais frequentes fatigabilidade, sedação, tontura e cefaleia. 0 perfil de efeitos colaterais parece, em geral, mais benigno do que para carbamazepina, com reações adversas menos frequentes. A ocorrência de rash cutâneo é significativamente menos frequ oxcarbazepina. Além disso, apenas 25% dos pacientes que apresentaram rash cutâneo com carbamazepina desenvolvem essa condição com oxcarbazepina. A ocorrência de hiponatremia é significativamente mais frequente com oxcarbazepina, embora, em geral, assintomática. Raramente ocasiona intoxicação aquosa com ganho de peso, edema periférico, letargia, vômitos, cefaleia, rebaixamento da consciência, piora do controle de crises e anormalidades neurológicas. (iContinua )

310


Efeitos sobre outras substâncias: insignificantes. * * Efeitos de outras substâncias sobre a oxcarbazepina: insignificantes.** * Após sua absorção, a oxcarbazepina é rápida e quase completamente metabolizada por um processo de redução para seu metabólito ativo MHD, que é responsável por suas propriedades terapêuticas. A oxcarbazepina deve ser considerada um pró-fárm aco. Os dados marcados com * se referem ao MHD. * * Isso decorre de seu metabolismo predominantemente não oxidativo que não depende do sistema enzimático do citocromo P450 e de sua relativam ente baixa taxa de ligação proteica. A oxcarbazepina não induz nem inibe sistemas enzimáticos. Também não apresenta fenômeno de autoindução enzimática, como ocorre com a carbamazepina.

TABELA 10.4.12 » SUMÁRIO DE DADOS SOBRE 0 TOPIRAMATO FARMACOCINÉTICA Dose de manutenção

200-600 mg/dia

Frequência diária mínima

Uma vez/dia

Níveis séricos terapêuticos*

Irrelevantes

Absorção oral

100%

Pico sérico

l-4 h

Ligação proteica*

15%

Volume de distribuição aparente*

0,6-1 L7kg

Meia-vida de eliminação*

18-23h (dose-dependente)

Tempo para atingir steady-state*

4-8 dias

Metabólitos principais*

Metabólitos inativos

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais comuns: sedação, ataxia, cefaleia, parestesias, tremores, sonolência, déficit cognitivo, confusão, agitação, amnésia, depressão, labilidade emocional, náusea, diarreia, diplopia e perda de peso. Efeitos colaterais incomuns: psicose e nefrolitíase.* Efeitos sobre outras substâncias: o topiramato tem pouco efeito sobre as concentrações de carbamazepina, fenitoína e valproato de sódio. Pode reduzir os níveis séricos de digoxina e de contraceptivos orais à base de estrogênio/progestogênio. Efeitos de outras substâncias sobre o topiramato: níveis séricos de topiramato são diminuídos por carbamazepina e fenitoína. * Diuréticos, vitam ina C (m ais de 2 g/dia), acetazolamida e outros inibidores da anidrase carbônica aumentam o risco de nefrolitíase.

311

TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.11 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A OXCARBAZEPINA*


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.13 ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE A GABAPENTINA FARMACOCINÉTICA Dose de manutenção

900-3.600 mg/dia

Frequência diária mínima

Três vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos

Não conhecidos

Absorção oral

60% (variável)

Pico sérico

2-4h

Ligação proteica

Ausência de ligação proteica

Volume de distribuição aparente

0,9 L7kg

Meia-vida de eliminação

5-9h

Tempo para atingir steady-state

2 dias

Metabólitos principais

Nenhum

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais comuns: sonolência, sedação, ataxia, fadiga, nistagmo, cefaleia, tremor, diplopia, náusea/vômitos, rinite e exacerbação de crises epilépticas. Efeitos colaterais incomuns: rash cutâneo, neutropenia, trombocitopenia, angina e alterações eletrocardiográficas. Efeitos sobre outras substâncias: a administração concomitante de gabapentina não modifica as concentrações plasmáticas de carbamazepina ou seu metabólito ativo, fenobarbital, fenitoína ou valproato. A gabapentina não alterou o metabolismo de contraceptivos orais no único estudo realizado a respeito. Efeitos de outras substancias sobre a gabapentina: os antiepilepticos tradicionais não alteram as doses séricas da gabapentina. A administração de hidróxido de magnésio ou de alumínio em horário próximo ou ao mesmo tempo que a gabapentina levou a redução de sua biodisponibilidade em 10 a 20%. Esse efeito foi considerado de pouco impacto clínico. A administração concomitante de cimetidina diminui o clearance renal da gabapentina em 12%, contudo sem importância clínica.

312


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

TABELA 10.4.H ► SUMÁRIO DE DADOS SOBRE O LEVETIRACETAM FARMACOCINÉTICA Dose de manutenção

Adultos: 1.000-3.000 mg/dia Crianças: 60 mg/kg/dia

Frequência diária mínima

Duas vezes/dia

Níveis séricos terapêuticos

Não estabelecidos

Absorção oral

Rápida e completa

Pico sérico

l,3 h

Ligação proteica

Menos de 10%

Volume de distribuição aparente

0,5-0,7 L7kg

Meia-vida de eliminação

6-8h

Tempo para atingir steady-state

2 dias

Metabólitos principais**

Derivado de ácido carboxílico (inativo)

EFEITOS COLATERAIS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS Efeitos colaterais muito comuns: nasofaringite, sonolência e cefaleia. Efeitos colaterais comuns: anorexia, depressão, hostilidade, agressividade, ansiedade, insônia, nervosismo, irritabilidade, convulsão, desequilíbrio, tonturas, letargia, tremores, vertigens, tosse, dor abdominal, diarreia, dispepsia, vômitos, náuseas, erupção cutânea e astenia. Efeitos colaterais incomuns: trombocitopenia, leucopenia, perda de peso, aumento de peso, ideação suicida, tentativa de suicídio, psicose, alucinações, alterações comportamentais, ira, confusão, ataques de pânico, labilidade emocional, variações de humor, agitação, déficit de memória, incoordenação, ataxia, parestesia, perturbação da atenção, diplopia, visão desfocada, alteração em testes de função hepática, alopecia, eczema, prurido, fraqueza muscular, mialgia e ferimentos acidentais. Efeitos colaterais raros: infecção, pancitopenia, neutropenia, suicídio, perturbações da personalidade, alterações do pensamento, coreoatetose, discinesia, hipercinesia, pancreatite, insuficiência hepática, hepatite, necrólise epidérmica tóxica, síndrome de Stevens-Johnson e eritema multiforme. Efeitos sobre outras substancias: não relatados Efeitos de outras substâncias sobre o levetiracetam: não relatados. * Ausência de metabolização pelo citocromo P450. Maior parte do fárm aco (66% ) é excretada inalterada pelos rins.

313


TERAPÊUTICA NOS TRANSTORNOS MENTAIS ASSOCIADOS À EPILEPSIA

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314


10.5

CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES ANA CLARA FRANCO FLORESI EDUARDO W. ARATANGY MARIA ANTÔNIA SIMÕES REGO ALEXANDRE PINTO DE AZEVEDO FÁBIO TAPIA SALZANO TÁKIATHANÁSSIOS CORDÁS

Os transtornos alimentares (TAs) são síndromes psiquiátricas que acometem principalmente mulheres durante a adolescência e o início da idade adulta. Tais transtornos se associam a im portante aumento de morbidade e m orta­ lidade e causam grande prejuízo no funcionam ento global do paciente.1 Pacientes com TA apresentam comportamentos alimentares disfuncionais, como restrição alimentar, práticas purgativas (vômitos autoprovocados, uso de laxativos e diuréticos), atividade física extenuante com a intenção de per­ der peso e compulsão alim entar,1 em alguns casos. A combinação de alguns desses comportamentos promove a identificação de diagnósticos como ano­ rexia nervosa (AN), bulim ia nervosa (BN) e transtorno de compulsão alim en­ tar (TCA), de acordo com a quinta edição do M anual diagnóstico e estatís­ tico de transtornos m entais (DSM-5), da American Psychiatric Association.2 Foram incluídas, no capítulo Transtornos Alimentares, categorias diagnós­ ticas outras que faziam parte do M anual diagnóstico e estatístico de transtornos m entais, quarta edição, texto revisado (DSM-IV-TR) no capítulo Transtornos Alimentares da Primeira Infância, como o transtorno de rum ina­ ção e a pica, que mantiveram critérios semelhantes, mas foram revisados para que pudessem ser aplicados a indivíduos de qualquer idade. O antigo transtorno da alimentação da primeira infância, de descrição pouco precisa antes, no DSM-5, foi substituído pelo transtorno alim entar restritivo/evitativo.2 O quadro clínico se manifesta por um fracasso persistente em atender às necessidades nutricionais ou a energia necessária, associado a um ou mais dos seguintes sintomas: perda significativa de peso; deficiência nutricional significativa; dependência de nutrição enteral ou suplemento nutricional oral; acentuada interferência na função psicossocial. Em função da relevância epidemiológica e clínica, serão discutidas apenas as questões referentes a AN, BN e TCA.

315


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

ANOREXIA NERVOSA A AN se caracteriza por um medo excessivo de ganhar peso, associado a comportamentos para a manutenção de um peso abaixo do normal, por uma perturbação no modo de vivenciar o próprio corpo e por um não reconheci­ mento da gravidade do baixo peso corporal alcançado.2 A AN acomete 0,3 a 2,6% das mulheres e 0,2 a 0,3% dos homens ao longo da vida.3' 5 Cerca de 90% dos pacientes são do sexo fem inino, e a maioria tem entre 15 e 25 anos. Estima-se que a incidência de casos novos em mulheres jovens seja de cerca de 8 por 100 mil pessoas. Em homens, o índice é menor que 0 ,5 por 100 m il,6 mas a prevalência do transtorno está aumentando, em especial entre homossexuais.7 Algumas profissões apresentam risco aumentado para o de­ senvolvimento desse transtorno, em especial aquelas ligadas à estética e ao corpo, como bailarinas, atletas, profissionais de moda, atores, estudantes de nutrição, medicina e psicologia.7 Frequentemente, o quadro inicia após uma dieta com a evitação de alimentos considerados “engordativos” , e, progressiva mente, o paciente aumenta a restrição alimentar, abolindo a ingestão de grupos alimentares e reduzindo o número de refeições.1 Alguns pacientes também passam a apresentar episódios de compulsão alim entar (ECA), ingerindo grande quantidade de alimentos em curto intervalo de tempo, com sensação de perda de controle para comer. Em resposta a essa ingestão alim entar vigorosa, os pacientes adotam práticas purgativas como indução de vôm itos e/ou uso de laxativos e diuréticos. Quando se envolvem regularmente nesses comportamentos com ­ pulsivos e purgativos, são classificados com AN subtipo purgativo.2 Tanto o DSM -52 quanto a 10a edição da Classificação in te rn a cio n a l de doenças e problem as relacionados à saúde (C ID -10)8 reconhecem o baixo peso autoinduzido e as perturbações da imagem corporal como critérios ne­ cessários ao diagnóstico da AN, porém há uma diferença entre eles no que diz respeito ao critério de amenorreia, que era considerado um critério obri­ gatório no DSM-IV e deixou de ser no DSM-5, mas permanece na C ID -108 (Quadros 1 0 .5 .1 , 10 .5 .2 e 10.5.3). As comorbidades psiquiátricas mais prevalentes em pacientes com AN são os transtornos depressivos (40% dos pacientes com o subtipo restritivo e 82% daqueles com o subtipo purgativo), seguidos pelos transtornos de an­ siedade (24% dos pacientes com o subtipo restritivo e 71% daqueles com o subtipo purgativo).1,7 O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) tam bém é frequentemente encontrado.1,7 A dependência de álcool e outras substâncias atinge até 25% dos pacientes com TA.1 Entre os transtornos da personalidade, pacientes com AN subtipo purgativo apresentam mais frequentemente comorbidade com transtorno da persona­ lidade borderline, enquanto os transtornos da personalidade evitativa e obsessivo-compulsiva exibem prevalência aumentada no subtipo restritivo da A N .1,7

316


A. Restrição da ingesta alimentar em relação às necessidades diárias, levando a um peso significativamente baixo para idade, sexo, saúde física e desenvolvimento. B. Medo intenso do ganho de peso ou de se tornar gordo, ou um comportamento persistente que impede o ganho de peso, mesmo que o paciente apresente um peso significativamente baixo. C. Perturbação no modo de vivenciar o peso, tamanho ou forma corporais; excessiva influência do peso ou da forma corporais na maneira de se autoavaliar; negação da gravidade do baixo peso. Especificar subtipo: Restritivo: Nos últimos três meses não houve episódio de compulsão ou prática purgativa. Purgativo: Nos últimos três meses houve episódios de compulsão e/ou purgação. Especificar se: Em remissão parcial: Depois de todos os critérios diagnósticos para AN terem sido preenchidos por um período de tempo, o Critério A (baixo peso corporal) não se manteve mais, mas o Critério B (medo intenso de ganhar peso ou de se tornar gordo ou comportamento que impede o ganho de peso) ou o Critério C (perturbação no modo de vivenciar o peso, o tamanho ou a forma corporais) ainda se mantêm. Em remissão completa: Depois de todos os critérios diagnósticos para AN terem sido preenchidos por um período de tempo, nenhum dos critérios se apresenta mais, por um período de tempo. Especificar a gravidade atual: Leve: IMC > 17 kg/m2 Moderada: IMC entre 16 e 16,99 kg/m2 Grave: IMC entre 15 e 15,99 kg/m2 Extrema: IMC < 15 kg/m2 Fonte: Com base em American Psychiatric Association.2

O tratam ento da AN deve ser sempre realizado por uma equipe m ultidisciplinar, que requer m inim am ente profissionais das áreas de psiquiatria, nutrição e psicologia e, com frequência, uma equipe de enfermagem, em razão da necessidade de internação ou estabelecimento de hom e-care no caso de pacientes mais graves e refratários ao tratam ento am bulatorial. Devem ser abordadas as complicações e comorbidades clínicas e psiquiá­ tricas, assim como o medo mórbido de engordar e a insatisfação com a imagem corporal. Também é m uito im portante o envolvimento dos fam iliares no tratam ento, em suas diversas m odalidades.1,7 O papel da abordagem farmacológica na AN é menor do que nos demais TAs que serão discutidos adiante. No entanto, o uso de medicamentos é extre­ mamente frequente e útil para o tratam ento das comorbidades psiquiátricas. Devido à desnutrição e ao com prom etim ento clínico que acompanham o quadro, o risco de efeitos tóxicos dos medicamentos nesses pacientes é maior que na população em geral, sendo fundamental estar alerta ao surgi­ mento deles.1 Enfatizamos que há pouca evidência da abordagem farmacológica na AN pura.1,7 Estudos com a fluoxetina em pacientes com AN após terem atingido peso adequado não evidenciaram resultados positivos. 317

CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

QUADR010.5.1 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA ANOREXIA NERVOSA DE ACORDO COM O DSM-5


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

QUADR010.5.2 ► CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA ANOREXIA NERVOSA DE ACORDO COM ACID-10 A. O peso corporal é mantido em pelo menos 15% abaixo do esperado (tanto perdido quanto nunca alcançado) ou o índice da massa corporal de Quételet em 17,5 ou menos. Pacientes pré-púberes podem apresentar falhas em alcançar o ganho de peso esperado durante o período de crescimento. B. A perda de peso é autoinduzida por abstenção de “ alimentos que engordam" e 1 ou mais do que se segue: vômitos autoinduzidos; purgação autoinduzida; exercício excessivo; uso de anorexígenos e/ou diuréticos. C. Há uma distorção da imagem corporal na forma de uma psicopatologia específica, por meio da qual um pavor de engordar persiste como uma ideia intrusiva e sobrevalorada, e o paciente impõe um baixo limiar de peso a si próprio. D. Um transtorno endócrino generalizado envolvendo o eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal é manifestado em mulheres como amenorreia e, em homens, como uma perda de interesse e potência sexuais (uma exceção aparente é a persistência de sangramentos vaginais em mulheres anoréticas que estão recebendo terapia de reposição hormonal, mais comumente tomada como uma pílula contraceptiva). Pode também haver níveis elevados de hormônio do crescimento, níveis aumentados de cortisol, alterações no metabolismo periférico do hormônio tireoidiano e anormalidades de secreção da insulina. E. Se o início é pré-puberal, a sequência de eventos da puberdade é demorada ou mesmo detida (o crescimento cessa; nas garotas, as mamas não se desenvolvem e há uma amenorreia primária; nos garotos, os genitais permanecem juvenis). Com a recuperação, a puberdade é com frequência completada normalmente, porém a menarca é tardia. Fonte: Com base em World Health Organization.8

Quando se faz necessário o uso de medicamento antidepressivo devido a uma demanda comórbida, a preferência é pelos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), por sua boa eficácia associada à baixa to ­ xicidade.1 Quando se faz necessário o emprego de antipsicóticos, olanzapina, clorpromazina e loxapina podem ser usadas com cautela.6 Em outros estudos abertos, o uso de olanzapina resultou em dim inuição da ansiedade e melhora dos aspectos psicopatológicos da AN, bem como auxiliou no ganho de peso. No entanto, não há estudos controlados para comprovar tais evi­ dências.1 Os benzodiazepínicos podem ser utilizados por sua ação ansiolítica, em es­ pecial quando administrados antes das refeições.1 Estudos iniciais com técnicas de neuromodulação ainda são incipientes, mas sugere-se um potencial para o tratam ento de pacientes refratários e com risco de vida.9 O tratam ento da AN sem comorbidades psiquiátricas é fundam entado na renutrição criteriosa, preferencial mente por via oral, visto que a terapia nutri­ cional por essa via tende a ser mais efetiva na recuperação a longo prazo. Eventualmente, a nutrição parenteral ou enteral, exclusiva ou complementar, pode ser necessária. O monitoramento do peso é um instrumento importante, e a referência nutricional mais utilizada em adolescentes e adultos é o índice

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ITENS AVALIADOS

DESCRIÇÃO

Pele e anexos

Pele com aspecto amarelo-alaranjado por hipercarotenemia, pele seca, lanugo, cabelos finos e quebradiços, perda de cabelo

Sistema digestório

Retardo no esvaziamento gástrico, diminuição de peristaltismo intestinal, pancreatite e constipação intestinal, alterações de enzimas hepáticas, lesões esofágicas causadas por vômitos, perda dentária

Sistema circulatório

Bradicardia, diminuição da pressão arterial, arritmias, insuficiência cardíaca, parada cardíaca, hipotensão postural, aumento do intervalo QT, miocardiopatias

Sistema excretor

Edema, cálculo renal, aumento de ureia sérica, poliúria, desidratação

Sistema hematológico

Anemia, leucopenia, trombocitopenia

Sistema reprodutivo

Infertilidade, recém-nascidos com baixo peso, partos prematuros, complicações perinatais

Eletrólitos

Hipocalemia, hiponatremia, hipofosfatemia e hipomagnesemia

Sistema endocrinológico

Amenorreia, diminuição de gonadotrofinas, hormônio luteinizante (LH) e estrogênios, hipotireoidismo, aumento do hormônio do crescimento, do cortisol e das leptinas

Outras alterações

Hipotermia e intolerância ao frio, convulsões, osteopenia/ osteoporose, hipoglicemia, atrofia cerebral, alterações neurocomportamentais

Fonte: Salvano e colaboradores.1

de massa corporal (IMC), calculado pela divisão do peso (kg) pela altura (m) elevada ao quadrado, expresso por kg/m2. A terapia nutricional deve ser precocemente iniciada, com o estabelecimento de um plano alim entar individualizado com refeições estruturadas e orienta­ ções nutricionais sem muitas restrições dietéticas.1’10 Também é necessário abordar as crenças errôneas e ajudar o paciente a ter percepções e interpre­ tações mais adequadas sobre dieta, nutrição e relação entre desnutrição e sintomas físicos.10 Durante a fase de renutrição, é necessário monitorar o paciente clínica e laboratorial mente, para evitar o desenvolvimento da síndrome da realimentação. Essa síndrome é caracterizada por uma grave e potencialmente fatal troca de fluidos e eletrólitos, resultando em depleção eletrolítica, sobretudo de fósforo, potássio e magnésio, intolerância à glicose, disfunção gastrintes­ tinal e arritm ias cardíacas. A retenção hídrica pode acontecer durante a realimentação, sendo comum a ocorrência de edemas.10’11 Pode ocorrer em pacientes sob regime ambulatorial ou de internação, sendo mais comum neste últim o grupo. Para m inim izar a chance de ocorrência da síndrome da 319

CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

QUADR010.5.3 ► COMPLICAÇÕES CLÍNICAS DA ANOREXIA NERVOSA


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

realimentação, devem ser solicitados, no início do tratamento, os exames listados no Quadro 1 0 .5 .4 ,1,7 e possíveis alterações precisam ser corrigidas. Recomenda-se a aferição diária das dosagens séricas de potássio, fósforo e magnésio na primeira semana de tratamento. Após esse período, sugere-se acompanhamento regular das dosagens séricas até que o quadro se estabi­ lize.1 O tratam ento psicológico tam bém é fundamental para o sucesso terapêutico, já que a restauração do peso não significa a cura da doença. Apesar de, para adultos, nenhuma abordagem específica ter-se mostrado efetivamen­ te superior,12 tem sido indicada a terapia cognitivo-comportamental (TCC), pois ela aborda os pensamentos disfuncionais e as crenças distorcidas, além de trabalhar a autoestima do paciente.1 Psicoterapia interpessoal (IPT)12 e psicoterapia individual de fundamentação psicodinâmica tam bém podem ser utilizadas.1'6 No caso de adolescentes, as evidências apontam para o benefício da psicote­ rapia fam iliar.12 A terapia fam iliar em adultos jovens ou a terapia de casal são recursos que, quando disponíveis, podem ser empregados no tratam ento da A N .1 Em alguns achados, a terapia comportamental dialética (DBT)13 e a de m in d fu ln e ssu demonstraram utilidade para pacientes com TA, apesar de mais estudos ainda serem necessários. Os estudos que utilizam essas técni­ cas ainda são escassos e estão mais focados em TCA e BN. Um estudo recentemente avaliou a intervenção baseada em meditação m indfulness em um grupo de pacientes da Enfermaria de Comportamento Alim entar do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universi­ dade de São Paulo, portadores de AN, BN e transtorno alim entar não espe­ cificado (TANE). Após protocolo de oito sessões, foi evidenciada diferença significativa para índices de ansiedade, depressão, capacidade de agir com

QUADR010.5.4 ►AVALIAÇÃO LABORATORIAL E ALTERAÇÕES COMUNS Hemograma completo: anemias, alterações no número de células brancas e outras alterações hematológicas decorrentes de carências nutricionais Potássio, cálcio ionizável, magnésio, sódio e fósforo séricos: desequilíbrios iônicos Glicose sérica: hipoglicemia e diabetes comórbido Proteínas totais e frações: sinais mais graves de desnutrição e carência proteica Ureia e creatinina: função renal pode estar alterada TSH e T4 livre: alteração comórbida ou secundária da função tireoidiana Amilase: o aumento pode estar relacionado à ocorrência de vômitos TGO, TGP e gama-GT: anormalidades da função hepática Eletrocardiograma: arritmias e outras alterações cardiológicas Densitometria óssea: osteopenia e osteoporose Exames de neuroimagem (RM ou TC): quando houver suspeita de quadro neurológico asso­ ciado Fonte: Salvano e colaboradores 1

320


• • • • • • • • • • • • •

Desnutrição grave (peso menor que 75% do esperado) Desidratação grave Distúrbios eletrolíticos Arritm ia cardíaca Instabilidade fisiológica Bradicardia, hipotensão e hipotermia (< 36° C) Mudanças ortostáticas (pulso e pressão sanguínea) Estagnação do crescimento e desenvolvimento Falha no tratam ento am bulatorial Recusa alim entar persistente Descontrole de purgações e compulsões Emergências psiquiátricas (p. ex., ideação suicida e sintomas psicóticos) Comorbidadesque podem interferir no tratam ento do TA (p. ex., depressão grave, TOC e disfunção fam iliar grave)

Durante a internação, em linhas gerais, busca-se, por meio da atuação da equipe m ultidisciplinar, a implementação dos seguintes aspectos:1 • • • • • • • •

Retorno ao peso mínimo correspondente ao IMC de 20 kg/m2. Reabilitação do estado nutricional com o restabelecimento de um padrão alim entar adequado e controle de métodos purgativos. Tratamento das complicações clínicas. Tratamento das comorbidades psiquiátricas. Aceitação da mudança corporal e reconstrução da autoimagem decorrente do ganho de peso pelo tratamento. Pleno envolvimento da família no tratam ento do paciente. Suporte e aconselhamento familiar, por meio do trabalho de orientação de pais e parentes. Ampliação do repertório com porta mental do paciente nos contextos fam i­ liar, social, acadêmico e profissional.

BULIMIA NERVOSA A BN é um TA caracterizado pela ocorrência de ECA frequentes, durante os quais o paciente ingere grande quantidade de alimentos em um curto perío­ do com a sensação de perda de controle, associados a compensações inade­ quadas, como vômitos autoinduzidos, dietas compensatórias, uso indevido de medicamentos e atividade física exagerada,16 com o objetivo de prevenir o ganho de peso.1 Pacientes com BN apresentam preocupação excessiva com o peso e a forma corporal, que invariavelmente afeta seus sentimentos e atitudes.1 321

CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

atenção e comportamentos alimentares relacionados à dieta em pacientes expostos ao tratam ento em relação ao grupo de controle.15 Vale lembrar sempre que a restauração clínica e nutricional feita prim eiram en­ te torna a psicoterapia mais efetiva.1 A modalidade ideal de tratam ento depende da gravidade e da cronicidade clínica e/ou com porta mental do paciente, podendo ser realizada em regime de internação, hospital-dia ou am bulatorial.1,10 A internação hospitalar deve ser indicada na presença d e :1’6


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

O paciente com BN geralmente refere insatisfação com o peso e as formas corporais, mas sem o desejo de emagrecer cada vez mais ou buscar ideais de beleza, como observado na A N .15 Assim, o indivíduo inicia uma dieta restritiva, com evitação de alimentos que julga facilitar o ganho de peso, mas sem haver a restrição sem lim ites observada em pacientes anoréxicos.1 Outros métodos adotados para realizar essa compensação para os episódios compulsivos da BN são o uso de laxantes ou diuréticos, hormônios tireoidianos, inibidores de apetite, orlistat, maconha e cocaína ou o abuso de exercícios físicos.1 Os critérios diagnósticos, de acordo com o DSM -52 e a C ID -10,8 são apresentados nos Quadros 1 0 .5 .5 e 10.5.6. A incidência de BN éde 13 para 100 mil habitantes por ano, com prevalência entre 0 ,5 e 4% da população.17 Esses números podem ser maiores se TA sem outra especificação (os chamados quadros parciais) forem considerados e tam bém em populações específicas, como jovens universitários. Esse transtorno tam bém é mais frequente nas mulheres em relação aos homens, acometendo cerca de 90 a 95% dos pacientes do sexo feminino.

QUADR010.5.5 ►CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA BULIMIA NERVOSA DE ACORDO COM 0 DSM-5 A. Episódios recorrentes de consumo alimentar compulsivo, tendo as seguintes características: 1. Ingestão em pequeno intervalo de tempo (i.e., aproximadamente em duas horas) de uma quantidade de comida definitivamente maior do que a maioria das pessoas comeria no mesmo tempo e nas mesmas circunstâncias. 2. Sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante os episódios (i.e., a sensação de não conseguir parar de comer ou controlar o que e quanto come). B. Comportamentos compensatórios inapropriados para prevenir ganho de peso, como vômito autoinduzido, abuso de laxantes, diuréticos ou outras drogas, dieta restrita ou jejum ou, ainda, exercícios vigorosos. C. Os episódios de compulsão e os comportamentos compensatórios ocorrem pelo menos uma vez por semana, por três meses. D. A autoavaliação é indevidamente influenciada pela forma e peso corporais. E. A perturbação não ocorre exclusivamente durante episódios de AN. Especificar se: Em remissão parcial: Após todos os critérios para BN terem sido preenchidos, alguns, mas não todos, se mantiveram por um período de tempo. Em remissão completa: Após todos os critérios para BN terem sido preenchidos, nenhum é mais encontrado. Especificar a gravidade atual: Leve: Média de 1 a 3 episódios de métodos compensatórios inapropriados por semana. Moderada: Média de 4 a 7 episódios de métodos compensatórios inapropriados por semana. Grave: Média de 8 a 13 episódios de métodos compensatórios inapropriados por semana. Extrema: Média de 14 ou mais episódios de métodos compensatórios inapropriados por semana. Fonte: Com base em American Psychiatric Association.2

322


A. Há uma preocupação persistente com o comer e um desejo irresistível por comida; o paciente sucumbe a episódios de hiperfagia, nos quais grandes quantidades de alimento são consumidas em curtos períodos de tempo. B. O paciente tenta neutralizar os efeitos “de engordar" dos alimentos por meio de um ou mais do que segue: vômitos autoinduzidos; abuso de purgantes; períodos alternados de inanição; uso de drogas como anorexígenos, preparados tireoidianos ou diuréticos. Quando a bulimia ocorre em pacientes diabéticos, eles podem escolher negligenciar seu tratamento insulínico. C. A psicopatologia consiste de um pavor mórbido de engordar, e o paciente coloca para si mesmo um limiar de peso nitidamente definido, bem abaixo de seu peso pré-mórbido, que constitui o peso ótimo ou saudável na opinião do médico. Há, frequentemente, mas não sempre, uma história de um episódio prévio de anorexia nervosa, o intervalo entre os dois transtornos variando de poucos meses a vários anos. Esse episódio prévio pode ter sido completamente expressado ou pode ter assumido uma forma “disfarçada” menor, com uma perda de peso moderada e/ou uma fase transitória de amenorreia. Fonte: Com base em World Health Organization.8

A doença costuma ter início no fim da adolescência ou no início da idade adulta, atingindo as diferentes classes sociais.1 A exemplo do que se observa na AN, a etiologia da BN é m ultifatorial, assim como na maioria das doenças psiquiátricas. As complicações clínicas são mais frequentes em pacientes com BN que apresentam maior número de episódios compulsivos e práticas purgativas1 (Quadro 10.5.7).

QUADR010.5.7 ►COMPLICAÇÕES FÍSICAS DA BULIMIA NERVOSA ITENS AVALIADOS

DESCRIÇÃO

Pele e anexos

Sinal de Russell: calosidade no dorso da mão por escoriação dentária, retração gengival, erosão do esmalte dentário, cáries, hipertrofia de glândulas parótidas em decorrência dos vômitos, podendo ter aumento da fração salivar da amilase

Sistema digestório

Dor abdominal, dispepsia, gastrite, esofagite, erosões gastresofágicas, hérnia de hiato, metaplasia de Barrett, sangramentos, obstipação, síndrome do cólon irritável, prolapso retal

Sistema metabólico

Desidratação, alterações hidreletrolíticas, como hipocalemia

Sistema reprodutivo

Irregularidade menstrual, risco de aborto espontâneo, maior frequência de parto cesariano, depressão pós-parto, baixo peso do recém-nascido

Sistema cardiovascular

Arritmias cardíacas

Fonte: Salvano e colaboradores.1

323

CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

QUADR010.5.6 ►CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA BULIMIA NERVOSA DE ACORDO COM ACID-10


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

A comorbidade mais frequentemente encontrada em pacientes com BN é a depressão, com prevalência ao longo da vida variando de 50 a 6 5 % .1 A pre­ valência ao longo da vida do abuso de substâncias psicoativas varia de 30 a 60% , sendo a segunda comorbidade mais frequente na B N .1 Taxas mais altas de transtorno bipolar também têm sido encontradas em pacientes com BN, atingindo 14,3% deles.18 A prevalência de transtorno da personalidade, principalm ente do grupo B, é significativam ente maior na BN do que na A N .1’19 O transtorno da personalidade borderline é o mais prevalente, aco­ metendo 25 ,4 % dos indivíduos com BN ao longo da vida.1 Os pacientes com BN e transtorno da personalidade borderline apresentam taxas de tentativas de suicídio maiores e comportamentos suicidas mais frequentes.2 O tratam ento da BN deve ser conduzido por uma equipe m ultidisciplinar, com, no mínimo, atendimento psiquiátrico, nutricional e psicológico. Os objetivos do tratam ento incluem a regularização do padrão alim entar e a redução da im pulsividade alim entar característica desse transtorno, com consequente interrupção das compulsões alimentares e dos comportamentos com pensatórios.1 O papel da farmacoterapia para o tratam ento da BN tem sido amplamente pesquisado nos últim os anos.1 O uso de antidepressivos, sobretudo os ISRSs, é eficaz para o tratam ento da BN, resultando na redução de compulsões, vômitos autoinduzidos e sintomas depressivos, quando presentes. O uso de topiram ato tam bém vem mostrando resultados bastante eficazes.1 O ISRS mais utilizado é a fluoxetina, com maior benefício na dose > a 60 m g/dia.1 Os antidepressivos tricíclicos devem ser evitados, visto que podem ter como efeito colateral uma voracidade por doces. Também não são indicados os inibidores da enzima monoaminoxidase (IMAOs), devido ao risco de desen­ cadearem crise hipertensiva durante uma com pulsão.1,14 O seguimento psicoterápico é imprescindível para o tratam ento da BN, sen­ do a TCC a abordagem que tem demonstrado melhores resultados, havendo tam bém boa resposta com a |PT.14,20,21 A técnica de terapia fam iliar de Mausdley pode ser eficaz para adolescentes com BN.20 Em 2 0 0 3 , Fairburn e colaboradores22 desenvolveram a Enhanced Cognitive Behaviour Therapy (CBT-E), para abordagem de pacientes com TAs com foco na psicopatologia nuclear da doença e nos mecanismos mantenedores adicionais.22 Achados suportam o uso dessa técnica com significativa melho­ ra da psicopatologia alim entar em pacientes com BN e outras síndromes alimentares relacionadas.21,23 Estudos têm mostrado que pacientes com esse transtorno podem se benefi­ ciar de abordagens de autoajuda com aplicação de manuais de TCC altam en­ te estruturados na primeira etapa do tratam ento.21,24 A melhor resposta no tratam ento da BN resulta da combinação de TCC com o uso dos medicamentos já citados.1 De acordo com a gravidade do quadro, o tratam ento pode ser feito em regime am bulatorial, em hospital-dia ou em internação hospitalar.14

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O TCA, também conhecido como comer compulsivo, é caracterizado por ECA recorrentes, durante os quais o paciente ingere grande quantidade de alimentos em um período lim itado de tempo, com uma sensação de perda de controle sobre o que ou o quanto com eu.1 Diferentemente da AN e da BN, o indivíduo com TCA, após a ocorrência dos episódios de descontrole alimentar, não se envolve em comportamentos compensatórios inadequados para promover a perda e/ou evitar o possível ganho de peso.1 O TCA esteve presente como uma possível categoria diagnóstica no DSM-IV em 1994 (Apêndice B), com critérios, na ocasião, considerados provisórios. Já no DSM -5,2 os critérios diagnósticos foram revisados e ele se consagrou como um transtorno psiquiátrico independente no capítulo dedicado aos TCAs (Quadro 10 .5 .8). QUADR010.5.8 ►CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA TRANSTORNO DE COMPULSÃO AUMENTAR DE ACORDO COM 0 DSM-5 A. Episódios recorrentes de consumo alimentar compulsivo, tendo as seguintes características: 1. Ingestão em pequeno intervalo de tempo (i.e., aproximadamente em duas horas) de uma quantidade de comida definitivamente maior do que a maioria das pessoas comeria no mesmo tempo e nas mesmas circunstâncias. 2. Sensação de perda de controle sobre o comportamento alimentar durante os episódios (i.e., a sensação de não conseguir parar de comer ou controlar o que e quanto come). B. Os episódios de compulsão periódica estão associados com três (ou mais) dos seguintes critérios: 1. Comer muito mais rapidamente que o normal. 2. Comer até se sentir incomodamente repleto. 3. Comer grande quantidade de alimentos, quando não fisicamente faminto. 4. Comer sozinho, em razão do embaraço pela quantidade de alimentos que consome. 5. Sentir repulsa por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após comer excessivamente. C. Acentuada angústia relativa à compulsão periódica. D. A compulsão periódica ocorre, em média, pelo menos uma vez por semana, por três meses. E. A compulsão periódica não está associada com o uso regular de comportamentos compensatórios inadequados nem ocorre exclusivamente durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa. Especificar se: Em remissão parcial: Após todos os critérios para TCA terem sido preenchidos, as compulsões ocorrem em uma média de menos de uma vez por semana por um período de tempo. Em remissão completa: Após todos os critérios para TCA terem sido preenchidos, nenhum é mais encontrado. Especificar a gravidade atual: Leve: Média de 1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana. Moderada: Média de 4 a 7 episódios de compulsão alimentar por semana. Grave: Média de 8 a 13 episódios de compulsão alimentar por semana. Extrema: Média de 14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana. Fonte: Com base em American Psychiatric Association.2

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CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

O TCA é o TA mais frequente, afetando 3% dos indivíduos adultos nos Estados Unidos. É mais comum em mulheres (3,5% ) do que em homens (2,0% ) e mais prevalente entre indivíduos obesos (5 a 30% ), em especial aqueles que estão gravemente obesos e aqueles que procuram tratam ento para obesidade, podendo atingir uma prevalência de até 50% em obesos de grau 3 .25 Os sintomas iniciam normalmente na idade adulta, mas podem tam bém surgir em adolescentes e persistir ao longo da vida quando não tratados de modo adequado.25 O indivíduo com TCA refere uma sensação de perda de controle durante o episódio, caracterizada como um sentimento de que não é possível parar de comer ou controlar o que ou o quanto está comendo.2 Além disso, o compor­ tam ento alim entar do comedor compulsivo é caracterizado por comer muito mais rápido do que o habitual, até se sentir incomodamente repleto e ingerir grandes quantidades de alimentos quando não está fisicamente fam into, pre­ ferindo comer sozinho devido ao constrangimento em relação à quantidade de alimentos que ingere.2 Além dos sintomas alimentares, são descritos sin­ tomas afetivos no TCA. Sentimentos de tristeza, vergonha e culpa, além de angústia acentuada, fazem parte dos critérios diagnósticos citados pelo DSM -5.2 Além dos episódios de im pulsividade alimentar, os indivíduos cos­ tum am apresentar um padrão alim entar hiperfágico (exagero alim entar sem perda de controle) nas refeições não com pulsivas.1 As comorbidades psiquiátricas mais frequentemente encontradas em pacien­ tes com TCA são transtornos do humor (transtornos depressivos e transtorno bipolar), transtornos de ansiedade e uso de substâncias psicoativas.1 Além da associação conhecida com a obesidade, novos estudos têm demonstrado associação de TCA com componentes da síndrome metabólica, como dislipidemia, hipertensão arterial e diabetes m elito tipo 2, independentemente do risco conferido pela própria obesidade.25 Para a escolha do tratam ento do TCA, deve-se inicialm ente avaliar se há co­ morbidades psiquiátricas ou clínicas associadas. A associação com quadros depressivos e ansiosos pode definitivam ente exigir prescrição m edicam ento­ sa específica, assim como a comorbidade com obesidade, diabetes ou hiper­ tensão pode ser determinante para a opção terapêutica.1 O tratam ento do TCA inclui várias abordagens que visam a mudanças nas ca­ racterísticas com portam entais e psicológicas fundam entais dessa condição. As intervenções psicológicas e com portam entais incluem a TCC, a IPT e a DBT. Segundo ensaios clínicos, o tratam ento de eleição para o TCA, na au­ sência de associação com outros transtornos psiquiátricos, é o psicoterapêutico.27 A TCC é a técnica mais pesquisada e, atualmente, configura-se como o padrão-ouro no tratam ento desse transtorno. Menos estudadas, a IPT e a DBT parecem tam bém obter bons resultados. Estudos de eficácia avaliam apenas os resultados ao fim do tratam ento (entre 8 semanas e 6 meses), sem acompanhamento a longo prazo. No entanto, estudos de eficácia com ­ parativa tiveram acompanhamento em longo prazo (aos seis meses, aos 12 meses e até seis anos, em alguns casos).27

326


Metanálise fornece forte evidência de que a DBT reduz a frequência e aumenta períodos sem novos episódios de ECA. • A TCC tem sido comparada com o tratam ento comportamental para perda de peso (TCPP). Evidências de nível moderado demonstram que o TCPP promove dim inuição do IMC superior à DBT ao final da intervenção. No entanto, deve ser reconhecido que o TCPP não está claramente associado à melhora do TCA. • Evidências não são suficientes para determinar com confiança a eficácia de outras intervenções psicológicas. Contudo, estudos de IPT e DBT têm sido promissores. De modo geral, o tratam ento farmacológico do TCA tem como objetivo o con­ trole da impulsividade alim entar e inclui basicamente escolhas consideradas o ff-la b e l das seguintes classes de medicamentos: (a) antidepressivos, (b) es­ tabilizadores do humor e (c) promotores de saciedade.28 Mais recentemente, a Food and Drug Adm inistration (FDA) aprovou um psicoestimulante como o primeiro medicamento aprovado on-label para o tratam ento do TCA.29 A Task Force on Eating Disorders of the World Federation of Societies of Biological Psychiatry30 identificou 2 6 estudos randomizados e controlados de tratamentos farmacológicos para o TCA. Essa força-tarefa concluiu que o grau A de evidência suporta o uso de im ipram ina e topiram ato (com relação risco-benefício moderada) e de sertralina e citalopram/escitalopram (com re­ lação risco-benefício satisfatória). A força-tarefa descobriu que existe grau D de evidência para fluvoxamina e fluoxetina (i.e., resultados inconsistentes). Em sua metanálise de 2 0 1 0 , Vocks e colaboradores31 avaliaram essencial­ mente a mesma literatura. Os autores combinaram eficácia para os ensaios disponíveis randomizados e controlados, principalm ente relacionados com antidepressivos, e encontraram resposta considerada média para redução da compulsão alimentar. Estudos randomizados e controlados não incluídos em 2011 pela força-tarefa não conseguiram fornecer suporte para a utilidade de outros medicamentos para o tratam ento do TCA, incluindo o acamprosato32 e a lam otrigina.33 Segundo o guia terapêutico da American Psychiatric Association (APA),28 evi­ dência substancial sugere que o tratam ento com medicamentos antidepres­ sivos, particularmente ISRSs, está associado com pelo menos uma redução em curto prazo no com portam ento alim entar compulsivo, mas não com a perda de peso substancial em maior parte dos casos. A dosagem do m edi­ camento é geralmente titulada no lim ite mais alto da faixa recomendada. A sibutram ina, medicamento promotor de saciedade, é eficaz para supressão dos ECA, pelo menos em curto prazo, e também está associada com perda de peso significativa.28 O topiramato, medicamento anticonvulsivante, é efi­ caz para a redução da compulsão alimentar, embora efeitos adversos pos­ sam lim itar sua utilidade clínica para alguns indivíduos.28

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CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

As evidências científicas sobre a intervenção psicoterápica no TCA são re­ sumidas em :27


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

Na prática clínica, os ISRSs, cujo representante mais conhecido é a fluoxetina (doses de até 80 mg/dia), são a classe mais estudada e devem ser a pri­ meira escolha no tratam ento farmacológico desses pacientes. Alguns ensaios clínicos revelaram outras opções terapêuticas, como sertralina (doses de até 2 0 0 mg/dia) e fluvoxamina (doses de até 3 0 0 m g/dia).28 O topiram ato (doses de até 4 0 0 mg/dia), agente estabilizador do humor e anticonvulsivante, tem-se revelado uma opção entre os demais fármacos, favorecendo o controle dos ECA e auxiliando na perda de peso, quando necessária.28 Alguns estudos abertos tam bém sugerem que, na presença comórbida de obesidade, o uso de sibutram ina (doses de até 15 mg/dia), agente promotor de saciedade de ação serotonérgica e noradrenérgica, torna-se uma conduta medicamentosa adequada.28 A sibutram ina, embora não esteja proibida no Brasil, tem sua venda mais restrita, controlada e m oni­ torada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2 0 1 1 . Em janeiro de 2 0 1 5 , a FDA aprovou a lisdexanfetamina29 para o tratam ento do TCA. As doses recomendadas são as mesmas indicadas para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e, segundo a recomendação, devem chegar progressivamente à dose de 70 mg/dia. A lisdexanfetamina continua sendo considerada uma indicação o ff-la b e l no Brasil, uma vez que a Anvisa ainda não autorizou sua indicação para o TCA. Segundo recomen­ dações da FDA, esse medicamento deve ser considerado com cautela em pacientes com história pessoal ou fam iliar de transtorno depressivo, trans­ torno bipolar ou psicose.29 Estudos de eficácia de intervenções farmacológicas apresentam resultados medidos no fim do tratam ento (6 a 16 semanas), e não há seguimento em longo prazo. As evidências científicas sobre a intervenção farmacológica no TCA são resumidas em :27 •

Metanálise fornece forte evidência de que a lisdexanfetamina promove abstinência de ECA e que a segunda geração de antidepressivos também aumentou a abstinência de ECA e reduziu a frequência de ECA, de preo­ cupações e de comportamentos relacionados com a alimentação. Avaliações qualitativas forneceram evidências adicionais de que a lisdexan­ fetamina e o topiram ato reduziram a frequência de ECA, de preocupações e de comportamentos relacionados com a alimentação e a redução de peso. O topiram ato também aumentou a abstinência de ECA. Os efeitos adversos dos tratamentos de TCA estavam associados sobretudo a medicamentos e raramente foram graves.

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CONDUTAS PARA TRANSTORNOS ALIMENTARES

5.


CONDUTAS PARA TRANSTORNOS AUMENTARES

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1 1

MANEJO EM SITUAÇÕES PSIQUIÁTRICAS ESPECIAIS

DANIEL KAWAKAMI DÉBORA LUCIANA MELZER-RIBEIRO TENG CHEITUNG

/w

DEFINIÇÃO

► Emergência psiquiátrica é definida como uma situação na qual existe uma alteração do com portam ento ou do estado mental, percebi­ da por alguém (não necessariamente pelo próprio afetado), que pode culm i­ nar rapidamente em uma situação catastrófica. Nela, há o risco iminente à integridade física ou psíquica do paciente ou de outras pessoas.1 A definição de emergência psiquiátrica difere um pouco da de outras emer­ gências médicas uma vez que o risco à sociedade tam bém é levado em conta.2

SERVIÇOS DE EMERGÊNCIAS PSIQUIÁTRICAS

► Os serviços de emergências psiquiátricas (SEP) são os locais mais preparados para tais situações e de­ sempenham um im portante papel na articulação da rede de saúde m ental.3 Diversos motivos têm levado ao aumento da procura por atendimentos nos SEP no Brasil (o aumento da violência, o maior conhecimento do público em relação aos transtornos mentais, a epidemia do uso de álcool e drogas e a política de fechamento de leitos hospitalares) e no m undo.4’5 Entre os objetivos da avaliação nos SEP, estão:6 • • • • • •

Excluir causas orgânicas para os sintomas Estabilizar rapidamente a crise aguda Evitar medidas coercitivas Tratar em ambiente o menos restrito possível Formar uma aliança terapêutica Assegurar tratam ento adequado e um plano terapêutico após alta.

No entanto, independentemente dos locais onde as emergências psiquiátri­ cas ocorrem, seja em um SEP, seja em uma enfermaria, um am bulatório de saúde mental ou até mesmo no próprio consultório particular, o psiquiatra 331


EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

deve estar capacitado quanto aos aspectos médico-legais e de manejo clíni­ co para atuar de maneira rápida e eficaz. Entre as situações de emergências psiquiátricas mais importantes para a prática clínica, discutiremos o suicídio e a tentativa de suicídio; a agitação psicomotora; os quadros ansiosos, conversivos e dissociativos; a síndrome serotonérgica; e a síndrome neuroléptica maligna.

SUICÍDIO

É im portante definir conceitualmente suicídio e tentativa de suicídio, por representarem populações diferentes, porém com sobreposição importante. • •

Suicídio: morte provocada pela própria pessoa em decorrência de um ato deliberado em que fica evidente a intenção de morrer. Tentativa de suicídio: todo ato não fatal praticado deliberadamente com a intenção de causar morte a si mesmo.

O suicídio é a 15a causa de morte no mundo. A cada dia, aproximadamente 25 suicídios ocorrem no Brasil, e, nas últim as décadas, esse número vem crescendo.7 No período de 2 0 0 0 a 2 0 1 1 , a taxa de suicídio aumentou de 4 para 5,1 casos por 100 mil habitantes.8 Esse aumento ocorreu principal­ mente na faixa etária jovem, pois, enquanto a taxa geral de suicídio cresceu 30% nos últim os 25 anos, a faixa etária de 15 a 2 4 apresentou crescimento de 1 .9 0 0 % .9 Diariamente, os serviços de emergência recebem pacientes sobreviventes de tentativas de suicídio por intoxicação exógena, traum atism os, queimaduras, ferimentos por arma de fogo ou arma branca e acidentes automobilísticos. Estima-se que as tentativas de suicídio sejam 30 vezes superiores ao ato le­ tal em si, sendo que as pessoas que fizeram tentativas de suicídio sem êxito compõem um grupo heterogêneo em relação aos diagnósticos psiquiátricos de base (transtornos do humor, psicóticos, da personalidade, por abuso e dependência de álcool e de outras substâncias).8

AVALIAÇÃO DE RISCO ► A avaliação do risco suicida é complexa e controversa, pois abrange diversos fatores (quadro psiquiátrico de base, perfil socioeconômico, fam iliar e cultural, doenças clínicas preexistentes e história psiquiátri­ ca). Portanto, o ambiente da emergência psiquiátrica não é o mais adequado para essa avaliação. Já a avaliação da intencionalidade pode ser feita pela análise do método utilizado (métodos mais agressivos indicam maior risco), mas nunca se deve encarar tentativas “ brandas” (ingerir com prim idos, pedir ajuda depois ou cortar os pulsos) como simples atitudes para chamar a aten­ ção, sem risco de vida, pois essas atitudes indicam algum sofrimento com desestruturação suficiente para uma nova tentativa, a qual pode im plicar chance relevante de sucesso. Erros comuns nos cuidados com pacientes suicidas:10 • • • •

Falha em tom ar a intenção suicida relatada com seriedade Falha em diagnosticar um transtorno mental Demora ou omissão de internação hospitalar Interpretação errônea da tendência do paciente a m inim izar seu estado

332


• • • • •

A não investigação adequada das circunstâncias atuais e (possivelmente) prévias que levaram à tentativa Atenção inadequada à história fornecida por outras pessoas que não o paciente Apresentação excessivamente rápida de sinais de mudança Superestimação das próprias capacidades terapêuticas (sentimento de onipotência do médico ou terapeuta) Má interpretação do período de tranquilidade entre a decisão de cometer suicídio e o suicídio planejado Recomendações de tratam ento não abrangentes e não vinculativas.

FATORES DE RISCO E DE PROTEÇÃO ► Pacientes que apresentam tentativas de suicídio com alto grau de intencionalidade (enforcamento, queda de alturas, uso de armas de fogo ou arma branca) e que não demonstram arrependi­ mento devem ser encaminhados para tratam ento em ambiente de internação (hospital-dia ou internação fechada). Já os pacientes que apresentam arre­ pendimento e que não exibem quadro de im pulsividade suficiente para uma nova tentativa podem ser acompanhados em ambulatório. A aliança terapêutica é fundamental para aumentar as chances de controle do quadro com porta mental sem que o suicídio realmente ocorra. O Quadro 11.1.1 apresenta os fatores de proteção para o com portam ento suicida, e o Quadro 1 1 .1 .2 , os fatores de risco para suicídio. CONDUTA ► A tentativa de suicídio é um problema de difícil manejo, que frequentemente provoca nos médicos e profissionais da saúde irritação e sentimento de rejeição ao paciente, podendo até surgir involuntariamente pensamentos ou mesmo desejos de que o paciente tivesse morrido. Embora a tentativa de suicídio seja considerada uma manifestação de intenso sofri­ mento, quando o método usado é de baixa letalidade, frequentemente os profissionais da saúde não veem a situação como grave e tendem a achar que foi um recurso que o paciente usou para cham ar a atenção e m anipular as pessoas. Trata-se de um erro grave, pois os dados epidemiológicos reve-

333

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA


EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

QUADR011.1.2 ► FATORES DE RISCO PARA SUICÍDIO DOENÇA MENTAL

Depressão, dependência de substâncias, esquizofrenia, transtorno bipolar

ANTECEDENTE DE SUICÍDIO

• •

Expressão de intenção suicida Tentativa e suicídio prévia (especialmente se há pouco tempo)

EM IDOSOS

• • •

Solidão, viuvez Dor crônica Doença que prejudica a qualidade de vida

EM JOVENS

• • •

Dificuldades de relacionamento e de desenvolvimento Problemas na família, na escola ou no emprego Problemas com uso de substâncias

EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS

• • • • •

Luto devido a término de relacionamento, fragilidade afetiva Perda ou diminuição do status social, cultural ou político Crises de identidade, dificuldade de adaptação Desemprego por muito tempo, falta de perspectivas Criminalidade, acidentes de trânsito (com prejuízo físico ou fatal para outra pessoa)

DOENÇAS FÍSICAS QUE INTERFEREM DE MODO IMPORTANTE NA QUALIDADE DE VIDA Fonte: Mavrogiorgou e colaboradores.11

Iam que, dos casos registrados de suicídio, aproximadamente 50% vinham de tentativas anteriores.12 0 Quadro 11 .1 .3 apresenta os critérios para internação.

AGITAÇÃO PSICOMOTORA ► A /

DEFINIÇÃO ► Agitação psicomotora pode ser definida como uma atividade motora excessiva associada a um sentimento de tensão interna. A atividade é geralmente não produtiva e repetitiva, consistindo em comportamentos como bater de pés, batucar de mãos, girar os pulsos, mexer nas roupas e incapacidade em ficar sentado.14 Mesmo que a agressão e a violência não sejam características próprias da agitação, a progressão da intensidade da agitação pode levar a comportamentos agressivos e violentos.15 Podemos entender a agitação psicomotora pertencente a um continuum que vai da ansiedade para a agitação e a agressão.16 Estudos demonstram que cerca de 20 a 50% dos atendimentos psiquiátricos em SEP são de pacientes que estão em risco de agitação psicom otora.17’18 Dados epidemiológicos acerca dos quadros de agitação psicomotora são es334


INDICAÇÃO DE INTERNAÇÃO APÓS TENTATIVA DE SUICÍDIO

• • • • • • • • •

O paciente está psicótico. Usou método violento. Tomou precaução para não ser descoberto ou não receber ajuda. Apresentou arrependimento por ter sobrevivido. Demonstra persistência na intenção suicida. Manifesta ideação suicida com as seguintes características: planejamento com alta letalidade e alta intencionalidade suicida. É homem, com mais de 45 anos, especialmente com transtorno mental e pensamento sui­ cida. Possui baixo suporte social e familiar. Exibe comportamento impulsivo e agitação marcante, e se recusa a receber ajuda.

POSSIBILIDADE DE INTERNAÇÃO APÓS TENTATIVA DE SUICÍDIO

Presença de ideação suicida acompanhada de: Transtorno psiquiátrico primário História de tentativa anterior de suicídio, especialmente se grave Presença de doença física agravante (p. ex., câncer, doença neurológica, etc.) Ausência de resposta ou dificuldade para se envolver em um tratamento ambulatorial ou de hospital-dia Necessidade de equipe especializada para supervisão do uso de medicamento Necessidade de observação especializada em âmbito hospitalar Baixo suporte social e fam iliar Ausência de ideação suicida, mas a avaliação psiquiátrica ou informações de familiares sugerem alto risco de suicídio*• POSSIBILIDADE DE LIDERAÇÃO PARA TRATAMENTO AMDULATORIAL APÓS TENTATIVA DE SUICÍDIO

• • • •

Quando a tentativa foi uma reação a um evento estressante precipitante (p. ex., perda de familiar, desemprego), sobretudo se o paciente mudou a percepção da situação. O planejamento, o método e a intenção são de baixa letalidade. O suporte fam iliar e social é estável. O paciente está em condições de cooperar com as orientações médicas.

Fonte: American Psychiatric Association.13

cassos, mas evidências demonstram que a prevalência da agitação nos SEP varia de 4 ,3 19 a 10% .20 0 manejo imediato e o rápido abortamento da es­ calada para um possível quadro de agressividade e violência são os objetivos clínicos finais que o psiquiatra deve buscar.

DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

► A agitação é associada a muitos quadros psi­ quiátricos (Quadro 11 .1 .4), incluindo esquizofrenia, transtorno bipolar, transtornos da personalidade (especialmente o antissocial e o em ocional­ mente instável), transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico e depressão maior, assim como a uso e abstinência de álcool ou outras subs­ tâncias. Além disso, a agitação pode também ser a principal manifestação clínica de diversas condições orgânicas, como as doenças do sistema nervo335

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

QUADR011.1.3 ► CRITÉRIOS PARA INTERNAÇÃO


EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

so central (SNC), incluindo as doenças de Parkinson e Alzheimer, outros tipos de demências, encefalites e meningites e muitas condições médicas ge­ rais (p. ex., tireotoxicose, hipoglicemia), assim como de traumas cerebrais, intoxicações por substâncias (atropínicos, corticoides, alucinógenos, etc.), patologias neurológicas intracranianas (traum atism o craniencefálico, infec­ ções, neoplasias e acidente vascular cerebral [AVC]), patologias sistêmicas (hipoglicem ia, doenças endócrinas, hipovitaminoses e infecções e doenças reumatológicas). Também podem estar presentes rebaixamento do nível de consciência, alterações da atenção, da orientação e do pensamento, agitação psicomotora e alucinações visuais, o que caracteriza o quadro de d e liriu m , m uito comum nos idosos.

AVALIAÇÃO DOS FATORES DE RISCO PARA 0 COMPORTAMENTO AGRESSIVO ► Há alguns fatores que podem ser levados em consideração ao se avaliar um paciente com potencial agressivo. Considera-se que, quanto mais jovem for o indivíduo, maior o risco de agressividade e de violência.22 Em geral, as mulheres apresentam comportamentos agressivos em menor intensidade, entretanto, naquelas com transtornos mentais graves, o grau de violência 336


CONDUTAS ► LOCAL DE ATENDIMENTO Os profissionais devem ser treinados de acordo com as boas práticas clínicas e com os procedimentos descritos na literatura, incluindo os agentes de se­ gurança e a equipe médica e de enfermagem. A sala de atendim ento deve ter poucos móveis e não deve ter objetos com potencial de serem arremessados ou usados como possíveis armas, e deve-se ter cuidado especial em relação às janelas de vidro. A porta do consultório deve permanecer destrancada, e o entrevistador deve sentar-se junto a ela, enquanto o paciente permanece no fundo da sala. É im portante avaliar a presença de armas, com a ressalva de jam ais tentar tirar uma arma da mão de um paciente.

POSTURA DO AVALIADOR A postura do avaliador deve ser firme, mas compassiva e acolhedora. Deve-se sempre ouvir a versão que o paciente traz e evitar elevar o tom de voz. Quanto ao manejo dos pacientes, as diretrizes a seguir são im portantes:25 • Evitar movimentos bruscos • Olhar diretamente para o paciente • Manter distância segura • Evitar fazer anotações • Apresentar-se e apresentar outros membros da equipe • Falar pausadamente, mas firm e • Fazer perguntas claras e diretas • Apresentar alguma flexibilidade na condução da entrevista, mas sem barganhas • Colocar lim ites de maneira objetiva, mas acolhedora • Não fazer ameaças ou humilhações • Não confrontar • estim ular o paciente a expressar seus sentimentos em palavras • assegurar o paciente de que você pretende ajudá-lo a controlar seus impulsos.

ABORDAGEM INICIAL Inicial mente, deve-se determ inar se a agitação ou a agressividade são de­ correntes de uma condição médica (quadro orgânico), o que inclui as intoxi­ cações agudas e as abstinências, ou de um transtorno psiquiátrico primário (quadro funcional). Deve-se suspeitar de causa orgânica quando o quadro for agudo, quando houver flutuação do nível de consciência, desorientação no 337

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se aproxima ao dos homens. Histórias prévias de com portam ento agressivo devem ser valorizadas. Episódios psicóticos agudos, particularm ente os com alucinações auditivas de comando, têm risco significativam ente aumentado. Além disso, a presença de alucinações em comorbidade com o uso de subs­ tâncias aumenta o risco de violência em pacientes adultos com qualquer transtorno mental, incluindo esquizofrenia.23 O nível de adesão ao trata­ mento psiquiátrico, assim como a disponibilidade de leitos e internação para quadros agudos, é inversamente proporcional ao nível de violência.24


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tem po e no espaço, presença de alguma condição médica e, por fim , quando o paciente não apresentar história prévia de transtornos psiquiátricos.26

TÉCNICAS DE ATENUAÇÃO VERBAL Os princípios de atenuação verbal27 consistem em: • • • • • • • • • •

Respeitar o espaço individual Não ser provocativo Estabelecer contato verbal Ser conciso Identificar desejos e necessidades Ouvir atentamente o que o paciente está falando Concordar ou estar de acordo com a discórdia Pontuar a lei e estabelecer lim ites claros Oferecer opções e otim ism o Realizar de briefing (reunião e fechamento) com o paciente e equipe após o incidente.

A avaliação inicial inclui anamnese e exames físico, neurológico e mental. Os exames de laboratório e de imagem são solicitados conforme as situações clínicas específicas. Deve-se pesquisar história de alergias, reações adversas a medicamentos e doenças de base (p. ex., epilepsia) e investigar o uso de substâncias (lícitas e ilícitas). Deve-se também avaliar as histórias psiquiá­ tricas prévia e familiar. Diante de quadro de agitação e com portam ento agressivo, vários tipos de in­ tervenções são possíveis e incluem técnicas verbais, ambientes com dim inui­ ção de estímulos, contenção física e abordagem psicofarmacológica. Um paciente agitado, mas que não perdeu o controle pode responder favoravel­ mente a uma intervenção verbal. Entretanto, um paciente agitado que tem um transtorno psicótico pode necessitar de medicamento. O Quadro 1 1 .1 .5 apresenta o atual consenso psiquiátrico da avaliação e do manejo da agitação psicomotora.

ABORDAGEM PSICOFARMACOLÓGICA Nos pacientes que continuam agitados e nos quais as medidas não farm aco­ lógicas não funcionaram ou não foram indicadas, o medicamento pode ser o tratam ento de escolha efetivo. O medicamento ideal para o manejo agudo dos pacientes agitados deve: • • • •

Ser fácil de adm inistrar e o menos traum ático possível. Alcançar tranquilização rápida sem ser sedativo excessivamente. Alcançar início de ação rápido e proporcionar duração suficiente de ação. Ter baixo risco para efeitos colaterais adversos ou interações medica­ mentosas.

No arsenal medicamentoso utilizado no manejo da agitação aguda, estão os antipsicóticos típicos (ATs), os BZDs e os antipsicóticos atípicos (AAs). Nos últim os anos, foram desenvolvidas novas formulações de AAs, com a possi­ bilidade de administração intram uscular (IM ), e também diferentes tipos de formulações de medicamentos: oral, sublingual e inalatória. 338


RECOMENDAÇÃO

Avaliação: etiologia e

1. A agitação sem diagnóstico provisório ou sem informações disponíveis deve ser presumida como uma condição médica geral até prova em contrário. 2 .0 exame médico de rotina em um paciente agitado deve incluir, além de investigação de todos os sinais vitais, medição de glicemia capilar, determinação do nível de oxigenação (oximetria) e um teste toxicológico de urina. 3. Depois de tratar a agitação, deve ser realizada a avaliação sistemática dos níveis de sedação.

diagnóstico diferencial

Avaliação: ferram en tas de avaliação M anejo: Intervenção não farm aco lógica

M anejo: intervenção farm acológica

4. Para um paciente com agitação, a abordagem deve sempre começar com medidas de atenuação verbal, modificações ambientais e outras estratégias que priorizem o engajamento do paciente, e não sua contenção física. 5. A atenuação verbal deve ser sempre utilizada em caso de agitação suave a moderada, evitando, assim, a necessidade de contenção física. 6. A restrição física deve ser usada apenas como último recurso, quando essa estratégia é o único meio disponível para evitar danos iminentes. 7. Diante de risco de violência, a segurança dos pacientes doentes, funcionários e outras pessoas deve ser garantida. 8. Se a contenção e o isolamento são necessários, além de serem realizados com um acompanhamento adequado, devem ser também monitorados por meio de processos e de indicadores de qualidade. 9. No caso de restrição física, o monitoramento documentado vigilante é obrigatório. Os sinais vitais devem ser medidos a cada 15 minutos por 60 minutos e, depois, a cada 30 minutos durante 4 horas ou enquanto acordado. 10. A restrição física deve ser removida assim que o paciente é avaliado como sem risco de ser perigoso para si ou para terceiros. 11. Os tratamentos não invasivos devem ter preferência sobre os invasivos sempre que possível. 12. Pacientes agitados, sempre que possível, devem ser envolvidos na escolha tanto do tipo como da via de administração de qualquer medicamento. 1 3 .0 principal objetivo do tratamento farmacológico deve ser acalmar rapidamente o paciente agitado, sem excesso de sedação. 14. Ao planejar o tratamento farmacológico involuntário, o consenso da equipe deve ser alcançado, e a ação, cuidadosamente preparada. 15. Os medicamentos orais, incluindo soluções e comprimidos de dissolução, devem ser preferidos ante os intramusculares no caso de pacientes levemente agitados. (iContinua)

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PROCESSO


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QUADR011.1.5 ► CONSENSO PSIQUIÁTRICO DA AVALIAÇÃO E DO MANEJO DA AGITAÇÃO PSICOMOTORA PROCESSO

RECOMENDAÇÃO 16. Um rápido inicio do efeito e a confiabilidade da distribuição farmacológica são os dois fatores mais importantes a considerar na escolha de uma via de administração para o tratamento de agitação intensa. 17. No caso de agitação secundária a síndrome de abstinência alcoólica, o tratamento com BZDs deve ser preferido a tratamento com antipsicóticos. 18. No caso de agitação associada à intoxicação alcoólica, o tratamento com antipsicóticos deve ser preferido em relação ao tratamento com BZDs. 19. Em casos de agitação leve a moderada e quando são necessários efeitos rápidos de medicamentos, antipsicóticos inalatórios podem ser considerados (não disponíveis no Brasil). 2 0 .0 uso concomitante de olanzapina intramuscular e BZDs deve ser evitado devido aos possíveis efeitos perigosos induzidos pela interação dos dois medicamentos em combinação (hipotensão, bradicardia e depressão respiratória). 2 1 .0 tratamento intravenoso deve ser evitado, exceto nos casos em que não haja alternativa.

Subpopulações especiais

22. Pacientes idosos agitados devem ser tratados com doses mais baixas: normalmente entre 1/4 e metade da dose-padrão para adultos.

Fonte: Garriga e colaboradores.27

A via de administração depende da cooperação do paciente. A via IM tem a vantagem de ser utilizada sem a cooperação do paciente. A administração via oral (VO) tem relativamente os mesmos resultados que a IM, e, nas emergências, a maioria dos pacientes aceita medicamento por VO.28 O uso de medicamentos parenterais intravenosos (IV) pode ser inviável e de maior risco de toxicidade aguda pelo fármaco. De qualquer forma, é sempre im por­ tante conversar com o paciente sobre as vias de administração dos medica­ mentos e registrá-las devidamente em prontuário. ANTIPSICÓTICOS TÍPICOS. Os ATs são relativamente bem-absorvidos quando adm i­ nistrados por VO e via parenteral, embora por VO tenham uma absorção mais lenta e com resultados menos previsíveis. A administração IM da m aio­ ria dos ATs acarreta um pico plasmático de concentração sérica efetiva em aproximadamente 3 0 minutos, enquanto a administração por VO necessita de pelo menos 1 a 4 horas para alcançar o pico plasmático desejado.28 Em geral, os ATs de alta potência, representados principalm ente pelo haloperidol, são considerados mais seguros do que os ATs de baixa potência, como a clorpromazina.

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EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

Os efeitos colaterais comumente associados aos ATs incluem a síndrome parkinsoniana (tremores, rigidez muscular, marcha em bloco, hipom im ia fa­ cial), a acatisia, a distonia aguda, a discinesia tardia, a hipotensão postural, as alterações eletrocardiográficas e a síndrome neuroléptica m aligna.26 Haloperidol. O haloperidol é utilizado por VO, via IM e via IV. A dose média oral é de 7,5 a 10 mg/dia. O uso de haloperidol está associado a um risco maior de sintomas extrapiramidais, incluindo a acatisia, que é uma razão m uito comum para o abandono do tratam ento.29 Embora a administração IV apresente um início de ação mais rápido, a via IM é mais viável na situação de emergência. O início da ação por essa via ocorre de 30 a 60 minutos após a aplicação. Podem-se utilizar 2 a 5 mg, a cada 1 a 4 horas.25 Para com bi­ nações por via IM, a combinação haloperidol mais prometazina foi mais eficaz do que o haloperidol sozinho ou o lorazepam sozinho. Levomepromazina. Disponível em apresentações VO e IM, com dose média oral de 4 0 0 a 6 0 0 mg. Quando aplicado por via IM, tem efeito sedativo e analgésico após 20 a 40 minutos. Apresenta ação sedativa e hipotensora intensa, efeito anticolinérgico moderado e ação extrapiramidal e antiemética fraca. Clorpromazina. A clorpromazina é utilizada em apresentações VO e IM, com dose média oral entre 2 0 0 e 6 0 0 m g/dia.28 O uso por via IM deve ser desestimulado devido aos riscos de lesão muscular local e toxicidade cardíaca. Há evidência de que o haloperidol é superior à clorpromazina no controle da agitação, apesar da maior incidência de efeitos extrapiramidais e hipotensão, além de sedação. Podem ser utilizados 25 a 50 mg, a cada 1 a 4 horas.26 Droperidol. Além do antagonismo dopaminérgico, também apresenta blo­ queio al-adrenérgico e colinérgico. Em relação ao haloperidol, tem início de ação mais rápido, menor duração do efeito antipsicótico e maior potencial sedativo. Toda butirofenona pode aumentar o intervalo QT, o que foi associa­ do com mortes súbitas nos Estados Unidos. No entanto, uma revisão recen­ te30 indicou que seu uso em até 10 mg se configurou seguro e eficaz para o controle comportamental de pacientes agitados. A dose média habitual para agitação psicomotora é de 2 ,5 a 10 mg IM. Zuclopentixol. É um medicamento com início de ação rápido, que mantém sedação leve com eficácia prolongada, mas apresenta sintomas extrapira­ midais e ainda não tem sua segurança estabelecida por estudos adequados. Loxapina. Trata-se de um antipsicótico tricíclico que recentemente recebeu uma formulação inalatória em aerossol. Há estudos que comprovam sua superioridade em relação ao placebo. Entretanto, ainda são necessários mais estudos para verificar sua verdadeira eficácia.27 ANTIPSICÓTICOS ATÍPICOS. Os benefícios dos AAs no tratam ento dos quadros de agressão e violência estão cada vez mais bem-estabelecidos.29 Risperidona. Apresenta efeito no tratam ento da agressividade em pacientes com esquizofrenia.31 Encontra-se disponível no Brasil em apresentação líqui­ da e em com prim idos, sendo que a formulação IM de ação prolongada não é indicada em situações de emergência psiquiátrica. Nos Estados Unidos,


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onde está disponível VO, ODT ( orallydisintegrating tablet), sua igual ao uso de haloperidol IM. Olanzapina. Promove bloqueio não seletivo dos receptores dopaminérgicos, preferencial mente na região mesolímbica. Além disso, bloqueia tam bém re­ ceptores serotonérgicos, muscarínicos, a-adrenérgicos e histamínicos, o que justifica a sedação e o ganho de peso.32 Durante os episódios de agitação psicomotora, associados ou não à agressividade, as propriedades anti-histaminérgicas da olanzapina podem promover um efeito sedativo. No Brasil, está disponível sob as formas VO, ODT e IM. As duas últim as apresentações parecem ser mais efetivas que o haloperidol no controle das agitações psico­ motoras agudas em pacientes com esquizofrenia.33 No controle da agitação, doses de 10 mg VO ou ODT podem ser repetidas de 2 em 2 horas se a agitação não ceder, podendo chegar até doses de 4 0 mg por dia, sem aumento significativo de efeitos adversos.27 Ziprasidona. A ziprasidona tem alta afinidade pelos receptores D2 e afinida­ de substancial mente maior pelos receptores de serotonina do tipo 5-H T2A. Também interage com os receptores de serotonina 5-H T2C, 5-H T 1D e 5-H T 1A. No mercado nacional, a ziprasidona é comercializada apenas VO, sendo que a formulação IM foi descontinuada em 2 0 1 5 . Há evidências sobre a eficácia da ziprasidona IM no tratam ento das agitações psicomotoras agudas. As doses de 10 a 20 mg por essa via de administração permitem controle rápido, em cerca de duas horas, sem causar sedação ex­ cessiva ou outros efeitos colaterais.17,18 Devido a um possível prolongamen­ to do intervalo QTc, é aconselhável a realização de eletrocardiograma (ECG) de controle antes do uso de ziprasidona IM .29 BENZODIAZEPÍNICOS (BZDs). O princípio de ação dos BZDs baseia-se na atuação junto ao principal neurotransmissor inibitório do SNC, o ácido gama-aminobutírico (GABA). Os BZDs administrados por VO são bem-absorvidos pelo trato gastrintestinal. Os picos de concentração plasmática são atingidos en­ tre 30 minutos e 6 a 8 horas após a adm inistração.34 No Brasil, há apenas dois BZDs com apresentação IM: o diazepam e o midazolam. Nos Estados Unidos, o BZD de escolha para o tratam ento nas emergências psiquiátricas é o lorazepam.35 Diazepam. O diazepam não tem sido a primeira escolha no tratam ento das agitações, com exceção daquelas relacionas à abstinência de álcool. Isso se dá, principalm ente, pela longevidade de sua meia-vida, a qual pode ul­ trapassar 20 horas, e pela baixa afinidade pelos receptores específicos. A absorção do diazepam pelo trato gastrintestinal é rápida, atingindo a con­ centração plasmática após 30 a 90 minutos, sendo biotransformado pelo fígado, produzindo metabólitos ativos.34 O uso do diazepam é geralmente realizado por VO, porque sua utilização por via IM promove uma cristalização no local da aplicação, podendo resultarem absorção lenta e errática, com pi­ cos de concentração plasmática inferiores aos obtidos após a administração por VO. A utilização IV não é indicada nas emergências psiquiátricas pela dificuldade do acesso rápido. Vale lembrar que o diazepam não deve ser diluído antes da aplicação em função de sua cristalização.34 342


Lorazepam. O lorazepam é um BZD cuja metabolização ocorre por meio de conjugação direta, sem metabólitos ativos. Por esse motivo, é o BZD de es­ colha para pacientes com prejuízo de função hepática. Tem meia-vida inter­ mediária (8 a 20 horas) e é utilizado, nos Estados Unidos, para o tratam ento das emergências psiquiátricas por sua rápida ação e segurança.34 Sabe-se que 2 a 4 mg de lorazepam por via IM são suficientes para o controle da maioria das agitações psicomotoras.35 No Brasil, não é comercializado em formulação injetável, dada sua instabilidade em altas tem peraturas.5 Midazolam. Este BZD pode ser adm inistrado por VO e por via IM. Após apli­ cação IM, sua absorção torna-se m uito rápida, dando início à ação hipnótica de curta duração.34 Há evidências de que o midazolam é mais rápido no controle da agitação psicomotora quando comparado ao haloperidol e ao lorazepam.36

DELIRIUM ►

O d e liriu m é uma síndrome caracterizada por prejuízo cogni­ tivo global, associado a outras alterações comportamentais, de início agu­ do e curso flutuante, sendo sempre secundário a algum distúrbio físico (p. ex., distúrbio metabólico ou infeccioso, traum atism o craniano, intoxicação por álcool e outras substâncias, irritação das meninges). Apesar de repre­ sentar uma condição de rebaixamento do nível global de consciência, pode apresentar-se com um quadro de agitação psicomotora que o confunde com condições psiquiátricas primárias, prejudicando a intervenção adequada na procura por uma causa orgânica. INTERVENÇÕES ESPECÍFICAS ► ANTIPSICOTICOS

Deve-se sempre dar preferência aos antipsicóticos de alta potência, por te­ rem menos efeitos anticolinérgicos. •

Haloperidol: pode ser usado por VO, IM ou IV. Pode-se administrar 1 a 2 mg a cada 2 a 4 horas. No caso de infusão IV de haloperidol, a monitoração com ECG é necessária, pois QTc maiores que 4 5 0 ms ou 25% maiores que o basal requerem interrupção da aplicação e interconsulta cardiológica. • AAs: não existem ensaios clínicos randomizados ou duplos-cegos contro­ lados que embasem seu uso no d e liriu m . BENZODIAZEPÍNICOS Em monoterapia, os BZDs são usados para tratar pacientes em d e liriu m por abstinência de álcool (d e liriu m trem ens) e tam bém abstinência de BZDs. Uma boa opção para pacientes que não toleram doses maiores de antipsicó­ ticos é a associação com BZDs. 343

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

Clonazepam. O clonazepam é um BZD com alta afinidade pelos receptores específicos, caracterizado por início de ação rápido e meia-vida longa. Supõe-se, ainda, que atue por intermédio da serotonina, o que tem importância para o efeito ansiolítico.34 No Brasil, só existe a apresentação oral em com ­ primidos (para ingestão ou absorção sublingual [SL]) e líquida. A opção pela forma de gotas ou absorção SL pode ter utilidade prática por garantir uma absorção mais rápida e um efeito terapêutico precoce.


EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

TABELA 1 1 .1 .1 ►COMPARAÇÃO ENTRE MEDICAMENTOS, DOSES E VIAS DE ADMINISTRAÇÃO MEDICAMENTOS E APRESENTAÇÕES

CARACTERÍSTICAS

O lanzapina VO, ODT e IM

Melhor eficácia IM e V0, medicamento de primeira escolha na agitação psicomotora. A V0 da olanzapina tem maiores evidências em comparação ao haloperidol e pode chegar à dose de 40 mg por dia. Melhor que haloperidol, midazolam e droperidol IM.

Comprimidos de 2 ,5 ,5 e 10 mg

H aloperidol VO e IM

Comprimidos de 1 e 5 mg Líquido 2,5 mg/mL Ampolas de 5 mg em 1 mL M id azo lam VO e IM

Comprimidos de 7,5 e 15 mg Ampolas de 3 mL com 15 mg Risperidona VO e ODT

Comprimidos de 1 ,2 e 3 mg Líquido 1 mg/mL Lorazépam VO

Comprimidos de 1 e 2 mg Droperidol IV e IM

Ampolas de 1 mL com 2,5 mg Levom eprom azina VO e IM

Comprimidos de 25 e 100 mg Líquido 4 mg/mL Ampolas de 25 mg em 5 mL Q uetiapina V 0

Comprimidos de 2 5 ,1 0 0 ,2 0 0 e 300 mg

Por V0 é tão eficaz quanto a olanzapina; no entanto, por IM, é inferior à olanzapina. Associado à prometazina apresenta maior eficácia.

Foi mais eficaz que o haloperidol IM, mas apresenta menor tempo de efeito.

Literatura atual não apoiou superioridade sobre qualquer outro antipsicótico tanto para a administração ODT como para a formulação líquida. Eficaz por via IM, mas a apresentação não está disponível no Brasil. Início de ação mais rápido e melhor que o haloperidol IM, mas é inferior à olanzapina. Quando combinado por V0 com o haloperidol, apresentou eficácia superior à monoterapia com haloperidol.

A quetiapina V0 foi superior ao placebo em três ensaios, mas não se mostrou superior ao haloperidol.

Fonte: Adaptada de Garriga e colaboradores.27

SITUAÇÕES ESPECIAIS ►

• • •

D elirium causado por anticolinérgicos: o uso de fisostigmina e donepezila é uma opção. D elirium em pacientes com don quando o fator dor é um agravante, a utilização de opioides deve ser levada em consideração. Pacientes alcoolistas devem receber reposição de tiam ina (uma ampola de 100 mg por via IM).

QUADROS ANSIOSOS, CONVERSIVOS E DISSOCIATIVOS

► Os transtornos de an­ siedade e fóbicos constituem os quadros psiquiátricos mais prevalentes nos serviços de atenção primária e de emergência psiquiátrica. Associada à alta prevalência, observamos uma quantidade insuficiente de trabalhos que indi­

344


CONDUTAS ► ATAQUE DE PÂNICO/TRANSTORNO DE PÂNICO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Deve-se sempre excluir, inicialmente, todas as possí­ veis causas clínicas. Muitos quadros não psiquiátricos podem sim ular ata­ ques de pânico. Pacientes com mais de 4 5 anos ou que não tenham história de manifestação de quadro semelhante requerem atenção especial. Alguns exames subsidiários podem ser solicitados, e a escolha deles depende da hi­ pótese diagnóstica feita pelo clínico ao observar a apresentação do paciente. Por exemplo, se a queixa principal do paciente for dor e opressão torácica, deve-se solicitar ECG e enzimas que avaliam lesão de musculatura cardíaca (CK e CK-mb).37 ADORDAGEM. A abordagem deve ser séria e respeitosa, sempre levando em con­ sideração que o paciente não tem controle sobre a situação. Se possível, deve-se levá-lo a um local protegido e assegurá-lo da não gravidade do quadro. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO. O clonazepam é o agente de primeira escolha para o tratam ento agudo do transtorno de pânico. Tem eficácia estabelecida, no entanto, como tratam ento de longo prazo, não é a melhor opção por apre­ sentar risco de abuso, dependência e prejuízos cognitivos. As doses habituais são de 2 a 6 mg por dia. Prescreve-se 2 mg nos primeiros 30 m inutos e, se necessário, mais um com prim ido a cada 30 minutos, até o máximo de 30 comprimidos. Em pacientes idosos, deve-se usar metade da dose, devido à eliminação plasmática mais lenta. Também podem ser ministrados alprazolam (2 a 6 mg), lorazepam (1 a 2 mg) e diazepam (10 mg), todos como segunda opção.37 Os BZDs podem causar sonolência, confusão, desorientação e, em alguns pacientes, agitação (reação paradoxal). O uso de doses maiores em pacien­ tes idosos e com problemas clínicos deve ser monitorado pelo risco de de­ pressão respiratória. É discutível iniciar o tratam ento farmacológico do trans­ torno de pânico na emergência psiquiátrica. Pacientes que tiveram ataques de pânico e ainda não têm diagnóstico de transtorno de pânico devem ser encaminhados para acompanhamento psiquiátrico e psicológico em am bula­ tório. Nesses casos, podem-se prescrever BZDs para uso eventual até que a consulta se realize, mas deve-se evitar iniciar o tratam ento com antidepressivo. Já os pacientes com diagnóstico estabelecido de transtorno de pânico po­ dem receber a prescrição de antidepressivos, preferencial mente os inibidores seletivos da receptação de serotonina (ISRSs).37 TRANSTORNO DE ESTRESSE AGUDO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL. Deve-se excluir traum atism o craniano, que pode cur­ sar com confusão mental e agitação psicomotora (d e liriu m ). Epilepsia, into­ xicação e abstinência de álcool e outras substâncias também podem ocorrer com um quadro ansioso. Portanto, é necessário investigar o uso de álcool e de outras substâncias e solicitar eletrencefalograma (EEG) na suspeita de epilepsia.38 345

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

quem resultados confiáveis para o tratam ento de emergência, principalm en­ te dos quadros conversivos e dissociativos.


EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

TRATAMENTO FARMACOLOGICO. O uso de BZDs após eventos traum áticos não tem base sólida na literatura em relação ao risco ou ao benefício na prevenção do desenvolvimento de quadros ansiosos. Entretanto, alguns trabalhos mostram que, além de ineficaz, essa técnica aumenta o risco de desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT; 69 vs.15% com placebo). Alguns estudos apontam para o uso de dexametasona e p-bloqueadores logo após o evento traum ático como possível medida preventiva em relação ao surgimento posterior de TEPT. A escolha de p-bloqueador ou de corticosteroide deve ser feita pelo clínico, levando-se em consideração a existência de alguma patologia associada que possa vir a se com plicar com o uso de um ou de outro, como, por exemplo, o emprego de p-bloqueador em pacientes com doença pulm onar obstrutiva crônica (DPOC) ou de corticosteroides em pacientes com quadros infecciosos associados. Na ausência desses tipos de complicações, as evidências de resposta são similares tanto para p-bloqueadores quanto para corticosteroides.39 TRANSTORNOS CONVERSIVOS E TRANSTORNOS DISSOCIATIVOS Excluindo-se todas as possíveis outras causas, a abordagem e o tratam ento farmacológico dos transtornos dissociativos pouco diferem em relação aos quadros conversivos. ABORDAGEM. Deve-se sempre questionar se, de fato, o paciente não apresenta alguma condição orgânica que poderia ser a causadora da sintomatologia, inclusive em indivíduos que já têm história prévia de quadros conversivos ou dissociativos. Deve-se realizar uma abordagem de acolhimento, levando o paciente para um local com menos estímulos, inclusive separado da família e/ou de acompanhantes, e reforçando que tais sintomas irão melhorar e desaparecer de forma lenta e gradual. Além disso, deve-se tranquilizar o paciente em relação à não gravidade de seus sintomas físicos ou das alte­ rações com portam entais dos transtornos dissociativos. Em seguida, deve-se encaminhá-lo para seguimento em psicoterapia am bulatorial. CONDUTA FARMACOLÓGICA. Quando apenas a abordagem não é suficiente, o uso de medicamentos pode ser necessário para resolver a crise. O uso de BZDs IV é o sugerido: diazepam 10 mg, uma ampola IV de forma lenta, não diluí­ do, até resolução do quadro (não é necessário usar toda a ampola, apenas até o quadro conversivo ceder, geralmente após sedação). Deve-se ter cuida­ do especial para o risco de parada respiratória.

SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA

► A síndrome neuroléptica maligna (SNM) é caracterizada por hipertermia, rigidez muscular, sinais extrapiramidais, estupor, taquiarritm ias cardíacas (ECG alterado), sudorese excessiva, elevação da enzima creatinofosfoquinase (CPK) e leucocitose com desvio à esquerda, fatores associados a uma história de uso antipsicóticos. É rara e potencialmente fatal. Ela pode se desenvolver com o uso de qualquer antipsicótico, mas geralmente é mais comum com haloperidol. Não é dose-dependente e costuma se manifestar nas primeiras semanas de tratam ento com antipsicóticos.40

346


• • • • •

Dantrolene Bromocriptina Bloqueio neuromuscular com curare ou pancurônio para dim inuir a tem ­ peratura corporal por paralisia flácida BZDs Eletroconvulsoterapia (ECT), é uma alternativa em alguns casos de delirium causado por SNM.

A duração do tratam ento varia de acordo com a meia-vida do antipsicótico utilizado, sendo maior no caso de antipsicóticos de depósito.

SÍNDROME SEROTONÉRGICA

Trata-se de um quadro raro caracterizado pela tríade de alterações cognitivo-com portam entais (confusão ou agitação psicomotora), autonômicas (taquicardia, febre, midríase, hipo ou hiperten­ são) e neuromusculares (clônus, hiper-reflexia, tremor), podendo ocorrer também diarreia, dor abdom inal, vômitos e até d e liriu m . Não é o resultado de uma reação idiossincrática, e sim do agonismo excessivo no SNC, cau­ sado pelo excesso de estímulo de serotonina, decorrente do uso de antidepressivos. Na síndrome, há bloqueio da recaptação de catecolaminas e de serotonina com hiperestimulação de receptores 5-HT.41 Ocorre com maior frequência em pacientes idosos, hepatopatas ou polimedicados devido às interações medicamentosas em nível hepático. CONDUTAS41 ►

• •

• • •

Retirada imediata do medicamento. Manutenção dos sinais vitais, controle da temperatura e das alterações autonômicas, sendo que, nos casos mais graves, pode ser necessário acompanhamento em UTI. Correção hidreletrolítica (hidratação IV). Contenção da agitação com BZD (lorazepam, diazepam, midazolam), porém não fisicamente. Antagonistas 5-HT2 (ciproeptadina 12 mg, aumentando 2 mg a cada duas horas e, se necessário, até 32 mg/dia - manutenção de 8 mg a cada seis horas). A medida mais im portante no caso da síndrome serotonérgica é a preven­ ção, evitando-se o uso combinado de antidepressivos e fazendo trocas com tempo adequado de espera (w ash-out), principalmente diante de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) e ISRSs

347

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

CONDUTAS ► São necessários a suspensão imediata do antipsicótico e o resfriamento do paciente, utilizando fármacos ou medidas de resfriamento físico, como banhos de água gelada. A internação em unidade de terapia in­ tensiva (UTI) é providencial. A hidratação vigorosa e a dim inuição da rigidez muscular dim inuem o risco de rabdomiólise, que leva à mioglobinúria com consequente lesão renal (insuficiência renal aguda).40 Não há estudos controlados com abordagem específica para o tratam ento de SNM, mas alguns medicamentos são utilizados com sucesso:



349

EMERGÊNCIAS EM PSIQUIATRIA

25. Mantovani C, Migon MN, Alheira FV, Del-Bem CM. Management of the violent or agitated patient. Rev Bras Psiquiatr. 2010;32 Suppl 2:S96-103. 26. Lindenmayer JR Crowner M, Cosgrove V. Emergency treatment of agitation and aggression. In: Allen HM, editor. Emergency psychiatry. Washington: APA; 2002. p. 115-49. 27. Garriga M, Pacchiarotti I, Kasper S, Zeller SL, Allen MH, Vazquez G, et al. Assessment and management of agitation in psychiatry: expert consensus. World J Biol Psychiatry. 2016;17(2):86-128. 28. Marder SR. Antipsychotic medication. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB, editors. The American Psychiatric Publishing textbook of psychopharmacology. 2nd ed. Washington: APA; 1998. p. 309-21. 29. Currier GW, Trenton A. Pharmacological treatment of psychotic agitation. CNS Drugs. 2002; 16(4):219-28. 30. Perkins J, Ho JD, Vilke G, DeMers G. American Academy of Emergency Medicine Position Statement: Safely of Droperidol Use in the Emergency Department. J Emerg Med. 2015;49(l):91-7. 31. Czobor P Volavka J, Meibach RC. Effect of risperidone on hostility in schizophrenia. J Clin Psychopharmacol. 1995;15(4):243-9. 32. Casey DE. The relationship of pharacology to side effects. J Clin Psychiatry. 1997;58 Suppl 10:55-62. 33. Hsu W-X Huang S-S, Lee B-S, Chiu N-Y Comparison of intramuscular olanzapine, orally disintegrating olanzapine tablets, oral risperidone solution, and intramuscular haloperidol in the management of acute agitation in an acute care psychiatric ward in Taiwan. J Clin Psychopharmacol. 2010;30(3):230-4. 34. Lim HK, Kim JJ, Pae CU, Lee CU, Lee C, Paik IH. Comparison of risperidone orodispersible tablet and intramuscular haloperidol in the treatment of acute psychotic agitation: a randomized open, prospective study. Neuropsychobiology. 2010;62(2):81-6. 35. Ballenger JC. Benzodiazepines. In: Schatzberg AF, Nemeroff CB, editors. The American Psychiatric Pu­ blishing textbook of psychopharmacology. 2nd ed. Washington: APA; 1998. p. 215-24,271-86. 36. Allen MH. Managing the agitated psychotic patient. J Clin Psychiatry. 2000;61 Suppl 14:11-20. 37. Nobay F, Simon BC, Levitt MA, Dresnden GM. A prospective, double-blind, randomizade trial of midazolam versus haloperidol versus lorazépam in the chemical restrain violent and severely agitated patientes. Acad Emerg Med. 2004;ll(7):744-9. 38. Anderson C, Tauch D, Quante A. Diagnosis and treatment procedures for patients with anxiety disorders by the psychiatric consultation liaison service in a General Hospital in Germany: a retrospective analysis. Prim Care Companion CNS Disord. 2015;17(5). 39. Burbiel JC. Primary prevention of posttraumatic stress disorder: drugs and implications. Mil Med Res. 2015;2:24. 40. Baldwin DS, Anderson IM, Nutt DJ, Allgulander C, Bandelow B, den Boer JA, et al. Evidence-based phar­ macological treatment of anxiety disorders, post-traumatic stress disorder and obsessive-compulsive disorder: a revision of the 2005 guidelines from the British Association for Psychopharmacology. J Psychopharmacol. 2014;28(5):403-39. 41. Tse L, Barr AM, Scarapicchia V, Vila-Rodriguez F. Neuroleptic malignant syndrome: a review from a clini­ cally oriented perspective. Curr Neuropharmacol. 2015;13(3):395-406. 42. Volpi-Abadie J, Kaye AM, Kaye AD. Serotonin syndrome. Ochsner J. 2013; 13(4):533-40.


11.2

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES LEE FU-I MIGUEL ANGELO BOARATI

Diversos fatores devem ser levados em consideração para o planejamento e a instituição de tratam ento para crianças e adolescentes com sintomas ou transtornos psiquiátricos. Os procedimentos terapêuticos devem ser planeja­ dos para cada caso individualmente. Guias de tratamento, recomendações da literatura ou sugestões de especialistas não são suficientes se o psiquiatra responsável pelo paciente não tem a compreensão plena das particularida­ des do caso.1'3 Crianças e adolescentes que apresentam problemas emocionais e/ou comportamentais podem estar manifestando os primeiros sinais, muitas vezes inespecíficos, de algum transtorno psiquiátrico. Os sinais e sintomas psiquiá­ tricos podem se manifestar de forma insidiosa até atingir situação que pre­ judique o funcionam ento global da criança ou de forma aguda com ruptura inesperada e interrupção do funcionam ento habitual. É necessária a realiza­ ção de uma avaliação clínica abrangente para determ inar se o quadro em questão se refere a um episódio de um transtorno psiquiátrico que está se instalando (p. ex., um episódio de mania), se trata-se da reagudização de um quadro preexistente (p. ex., agitação psicomotora no autismo) ou se é reativo a alguma situação estressora aguda. O sucesso do tratam ento depende m ui­ to da fase inicial da avaliação, considerando o diagnóstico clínico, a presença de comorbidades e a observação de fatores de confusão, como a existência de estressores ambientais. É im portante também avaliar o curso da doença, o tipo de evolução (p. ex., episódica ou crônica) e a resposta a tratamentos realizados anteriormente. Convém destacar que condições médicas gerais ou uso de substâncias psicoativas, especialmente no caso de adolescentes, devem ser considerados. A avaliação psiquiátrica determina tam bém o nível de cuidado para o qual o paciente deve ser encaminhado (casos leves e moderados, para am bulató­ rios e centro de atenção psicossocial na infância [CAPS-lj; e casos mais graves com descompensação clínica, para hospital-dia infantil, serviços de emergência ou internação integral).1,3’4 Há transtornos psiquiátricos em que o uso de medicamentos é parte essen­ cial do planejamento terapêutico, como esquizofrenia, transtorno bipolar e 350


CONDUTAS PSIQUIÁTRICAS EM SITUAÇÕES DE EMERGÊNCIA É crescente o número de pacientes com problemas de saúde mental que busca atendim ento médico ou psicológico nos serviços de emergência ou de pronto atendim ento (PA) pediátrico ou psiquiátrico. Essa tendência tem sido atribuída, entre outras razões, a um aumento da incidência de problemas associados à saúde mental. O PA ou qualquer outro atendim ento em caráter emergencial pode representar uma porta de entrada para o cuidado em m o­ mento de crise para, em seguida, o paciente ser encaminhado a cuidados mais específicos. As manifestações mais comuns associadas à emergência psiquiátrica nos países ocidentais são abuso de substâncias, overdoses, transtornos do humor, transtornos de ansiedade e transtornos do com porta­ mento. Além disso, comparecem aos serviços de emergência pacientes com comportamentos suicidas e heteroagressividade, necessitando de avaliação rápida, concisa, sistemática e de contenção. No caso de crianças e adoles­ centes, também podem ocorrer situações de violência, abusos e negligência, que precisam ser adequadamente avaliadas e encam inhadas.2’6 O Quadro 11.2.1 descreve os objetivos da avaliação de emergência em crianças e adolescentes. É im portante lembrar que, dependendo da idade e do grau de desenvolvimen­ to, algumas crianças são incapazes de fornecer as informações históricas e clínicas necessárias. Portanto, pais e/ou cuidadores são, muitas vezes, a úni­ ca fonte de informação na situação de emergência, embora frequentemente seja necessária a obtenção de dados a partir de outros informantes, como

351

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH). Contudo, mesmo nesses casos, em crianças e adolescentes, o tratam ento psicofarmacológico sempre é m ultim odal, ou seja, envolve a atuação de outros profissionais es­ pecializados no trabalho de reabilitação e no desenvolvimento de estratégias de enfretamento e de recursos emocionais, além da atuação no ambiente escolar, pois o tratam ento psicofarmacológico tem lim ites, e devem-se evitar expectativas excessivas sobre a eficiência do uso de m edicam entos.5 As ou­ tras modalidades terapêuticas precisam ser planejadas e em geral ocorrem simultaneamente ao tratam ento farmacológico, estando relacionadas ao per­ fil cognitivo e emocional da criança ou do adolescente. Deve-se atentar aos aspectos da dinâm ica fam iliar e às questões ambientais que podem estar associados aos fatores desencadeantes ou ao agravamento e à manutenção das crises.4 As várias opções terapêuticas devem ser analisadas e discutidas com o mé­ dico psiquiatra, a família e, sempre que possível, com os próprios jovens, considerando os potenciais riscos e benefícios associados a cada uma das opções. O tratam ento farmacológico e a psicoterapia devem ser considerados em associação, pois estudos mostram, em diferentes quadros, que a com bi­ nação de ambas as abordagens se mostra mais eficaz.5 Aqui, serão abordadas condutas psiquiátricas em situações de emergência e cuidados específicos no uso de psicofármacos em crianças e adolescentes.


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

QUADR011.2.1 ►OBJETIVOS DA AVALIAÇÃO DE EMERGÊNCIA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Determinar se o paciente oferece risco iminente de danos a si ou a terceiros

->

Observar sinais que exijam intervenções imediatas, como agitação psicomotora, agressividade, alterações do nível de consciência e comportamento suicida.

Estabelecer a presença de um ou mais transtornos psiquiátricos

Muitas das situações de emergência psiquiátrica nessa faixa etária podem configurar o primeiro episódio de um transtorno psiquiátrico como o agravamento de um quadro preexistente.

Avaliar os fatores que podem ter causado ou contribuído para o início desses proble­ mas e sua persistência

Verificar aspectos em decorrência de fatores genéticos, de desenvolvimento familiar, social e/ou médico.

Avaliar o nível de funciona­ mento do paciente

->

Verificar o impacto da doença na vida do paciente e o prejuízo já estabelecido ou os riscos subsequentes.

Identificar pontos saudáveis e resilientes do paciente e do ambiente

->

Avaliar os potenciais pontos de apoio no ambiente fa ­ miliar e no ambiente social do paciente. 0 engajamento da família é fundamental desde a avaliação inicial, para obtenção de dados objetivos sobre a história e o ambiente do paciente, além da avaliação da situação familiar.

Identificar problemas clínicos e sintomas-alvo para o trata­ mento emergencial

->

Realizar exame físico e neurológico para o diagnóstico de complicações clínicas de transtornos psiquiátricos, como intoxicações em dependentes de substâncias e alterações metabólicas em tentativas de suicídio ou transtornos alimentares.

Determinar se a internação psiquiátrica é necessária

A presença ou ausência de apoio fam iliar e social constitui fator determinante na avaliação de risco do paciente, podendo definir a necessidade ou não de internação psiquiátrica.

Fonte: Carandang e colaboradores.2

outros familiares, professores, vizinhos, conselheiro tutelar. Isso, por vezes, requer tempo para a convocação desses informantes para a coleta de dados. A avaliação clínica na emergência psiquiátrica im plica uma história detalha­ da, um exame do estado mental, o exame físico e a avaliação do risco psi­ cossocial. A integração desses dados disponíveis permite a realização de um diagnóstico clínico amplo, considerando os aspectos médicos, psicológicos, sociais e legais para a formulação de um plano terapêutico emergencial.2’6

MANIFESTAÇÕES COMPORTAMENTAIS E EMOCIONAIS QUE DEMANDAM CUIDADOS NA EMERGÊNCIA PSIQUIÁTRICA Crianças e adolescentes podem ser leva­ 352


COMPORTAMENTO SUICIDA ► O com portam ento suicida envolve todo o proces­ so que vai desde o pensamento de morte, passando pela ideação suicida, pelo planejamento, até a tentativa de suicídio. Trata-se das manifestações clínicas de maior risco e letalidade nos casos que chegam a uma emergência psiquiátrica.6 Elas geralmente ocorrem associadas a situações de crises em pacientes com transtornos do humor, transtornos alimentares, psicoses e transtorno da conduta. Podem também ocorrer em situações de conflito fa­ m iliar e estresse devido a doenças crônicas. Na avaliação do comportam ento suicida, deve-se considerar que a elaboração e a compreensão que a criança ou o adolescente tem sobre a morte ou a autoeliminação são diferentes de acordo com a fase de desenvolvimento. As crianças podem estar tristes pela morte de um ente querido e desejar morrer apenas para reencontrá-lo e depois voltar, sem o desejo consciente de morrer, “em um acesso de raiva e frustração” . Os adolescentes podem ter claramente o desejo de morrer como um ato irreversível.2,6'8 A intenção de morrer pode ser explícita e forte ou ambígua e indefinida, manifestada por meio de verbalização direta ou indiretamente em desenhos ou linguagem corporal. Muitas vezes, o jovem pode confiar apenas a poucos amigos ou postar em uma rede social a intenção de se matar. Portanto, é fundamental reconhecer as características da criança/do adolescente e de seu ambiente para avaliar o potencial de letalidade do com portam ento sui­ cida.2,6’8 A etapa principal da avaliação médica no atendim ento de crianças e ado­ lescentes após tentativa de suicídio é o exame dos fatores pessoais de risco associados à intenção suicida, da letalidade, do estado mental do paciente e do suporte psicossocial e familiar, pois isso determina a conduta clínica adotada. É de extrema importância que as informações sejam confiáveis e o mais fidedignas possível, e que os esclarecimentos e as orientações sejam claros para garantir o apoio e a adesão do paciente.2,6 A intenção suicida deve ser investigada sempre que os jovens praticarem algum tipo de autolesão, procurando diferenciá-la dos casos de autolesão de­ liberada sem intenção suicida. Nessas situações, a produção de lesões cor­ porais geralmente tem por finalidade aliviar o sofrimento interno, servir como forma de autopunição ou chamar a atenção, mas não a de morrer realmente. Os fatores de risco pessoais podem estar relacionados a alguma condição psiquiátrica já instalada, diagnosticada ou ainda a ser definida. A história clínica e a avaliação do estado mental são importantes para verificar a condi­ ção emocional dos pacientes, determinar a existência de diagnósticos psiquiá­ tricos anteriores e tratam entos já realizados e identificar comportamentos suicidas anteriores. O médico e/ou a equipe precisam avaliar a letalidade da tentativa. Os profissionais da saúde sabem quais são os medicamentos po-

353

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

dos aos serviços de emergência apresentando ou não transtorno psiquiátrico. As possibilidades mais frequentes de manifestações clínicas que necessitam de cuidados emergenciais são descritas a seguir.


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

tencialm ente letais, ao contrário dos pacientes (p. ex., ingerir grande quanti­ dade de paracetamol), mas isso não significa que o paciente não tinha a intenção de morrer na tentativa de suicídio. A frequência da avaliação clínica do risco de suicídio deve levar em conside­ ração o estado do paciente no momento da primeira avaliação. Faz-se neces­ sário identificar se a “situação de risco” no momento inicial da avaliação é ou não modificável para orientar o médico e/ou a equipe quanto à frequência e ao intervalo de segurança para a realização de novas avaliações clínicas. Por exemplo, um adolescente com intoxicação por álcool e que manifesta com ­ portamento suicida é uma indicação de baixo nível de confiança na avaliação de risco e alta probabilidade de risco variável, pois as pessoas intoxicadas por álcool apresentam redução do autocontrole e, portanto, não fornecem informações confiáveis, e o risco terá de ser reavaliado após modificação de nível de consciência.9 Um risco altamente mutável ou variável implica a necessidade de cuidado, de reavaliação contínua e de maior vigilância no que diz respeito à segurança (p. ex., reavaliação no prazo de 12 ou 2 4 horas, mantendo o paciente em local seguro). A validade da avaliação de risco é influenciada por fatores no paciente (p. ex., incapacidade de cooperação devido a um estado de consciência alterado), aspectos do ambiente social (p. ex., divórcio com disputa de custódia de criança) e fatores na avaliação do clínico (p. ex., incapacidade de obter in­ formações colaterais). O Quadro 11 .2 .2 resume os parâmetros necessários para a avaliação de risco de com portam ento suicida.6 A prescrição de medicamento pode ser necessária quando uma alteração psicopatológica de algum transtorno psiquiátrico previamente existente, ou não, QUADR011.2.2 ►PARÂMETROS PARA AVALIAÇÃO DE RISCO DE COMPORTAMENTO SUICIDA PARÂMETRO

ALTO RISCO

BAIXO RISCO

C ircunstância do com portam ento suicida

Sozinho Planejamento Métodos letais

Próximo a alguém Não planejado Método de baixa letalidade

Intenção de m o rrer

Alta

Baixa

Psicopatologia

Presente e grave

Ausente ou leve

M ecanism o de

Julgamento fraco Controle de impulsos fraco Desesperança alta Impotência alta

Julgamento bom Controle de impulsos bom Desesperança baixa Impotência baixa

Com unicação

Fraca ou ambivalente

Boa e clara

Apoio fa m ilia r

Inconsistente

Consistente

Estresse am bien tal

Alto

Baixo

enfrentam ento

Fonte: Adaptado de Scivoletto e colaboradores.6

354


COMPORTAMENTO AGRESSIVO E AGITAÇÃO PSICOMOTORA ► O comportam ento agressivo é o principal motivo de busca por atendimento psiquiátrico emergencial na infância e adolescência. Comportamentos heteroagressivos, explosão de raiva incontrolável e agitação psicomotora são manifestações clínicas pouco específicas, pois podem estar presentes em praticamente to ­ das as categorias diagnósticas de transtornos psiquiátricos. A manifestação aguda de auto ou heteroagressividade pode ser resultado de reagudização de transtorno preexistente ou a primeira crise que determina o início de um qua­ dro psiquiátrico. Esses quadros geralmente apresentam desencadeantes que devem ser investigados tanto com o paciente quanto com os cuidadores. As crises isoladas e de menor intensidade geralmente não estão associadas ao transtorno psiquiátrico, podendo constituir com portam ento agressivo reativo a situações de crise familiar, social ou pessoal. Após o controle das altera­ ções de com portam ento agressivo, o diagnóstico pode ser melhor definido ou redefinido-2,10 Os diagnósticos psiquiátricos mais comumente associados a comportamento agressivo ou perda de controle incluem TDAH, transtorno de oposição de­ safiante (TOD), transtorno da conduta, transtornos do humor e abuso de substâncias (intoxicação).6 Outros diagnósticos associados a agressão são os transtornos do neurodesenvolvimento (como deficiência intelectual e au­ tism o), psicose e condições médicas gerais, como traum atism o craniano, principalmente se ocorrem no contexto de uma fam ília disfuncional ou de­ sorganizada.10,11 Ao adentrar em um serviço de emergência psiquiátrica, deve-se evitar a pro­ gressão do com portam ento agressivo, por meio de medidas como ter uma equipe de segurança presente, usar detectores de metal (detectar armas), dispor de quartos de isolamento e treinar os funcionários para a intervenção precoce de situações potencialmente violentas. A percepção do com porta­ mento agressivo é muito difícil, mesmo para profissionais mais experien­ tes.2,12 O Quadro 1 1 .2 .3 lista estratégias para lidar com situações potencialmente violentas.2

355

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

é detectada. Às vezes, a sedação pode ser providencial, sobretudo quando o paciente se apresenta agitado e contrário às medidas de contenção, que devem ser empregadas até que o risco de nova tentativa de suicídio seja eliminado. Sugere-se o uso de antipsicóticos de alta potência, como haloperidol ou risperidona, que apresentam ação rápida, eficaz e segura. Os benzodiazepínicos (BZDs) devem ser evitados, especialmente em crianças menores, devido ao risco de efeitos paradoxais e outros efeitos colaterais. Todas as crianças e adolescentes adm itidos por com portam ento suicida só podem receber alta após avaliação psiquiátrica e terapia medicamentosa. A alta do serviço de emergência somente pode ocorrer com a remissão comple­ ta da ideação suicida, instituição de um plano terapêutico eficiente, enca­ minhamentos para a continuidade do tratam ento em regime am bulatorial e estruturação de um suporte psicossocial adequado.2,6


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

QUADR011.2.3 ►ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM SITUAÇÕES POTENCIALMENTE VIOLENTAS • • • • • • • • • •

• •

Dê ao paciente espaço para sentir-se confortável. Não bloqueie as saídas e deixe a porta do recinto aberta. Situe-se entre o indivíduo e a porta (ou janela), com pelo menos 2 metros de distância. Evite contato visual direto ou movimentos bruscos. Fale devagar e com calma e de maneira simples e objetiva. Não interrompa a pessoa; ouça-a com atenção e seja empático. Abstenha-se de criticar ou discutir com a pessoa. Evite responder de forma defensiva e não confronte. Ofereça alimentos ou bebida e, se possível, forneça opções variadas. Estabeleça limites e deixe claro o objetivo do diálogo (p. ex., “ Estou aqui para ajudá-lo com suas dificuldades, mas não posso permitir que você continue com esse tipo de comportamento agressivo/inadequado” ). Tente, quando possível, atender às solicitações do indivíduo (p. ex., “ Claro que você pode comer/beber algo, mas primeiro precisamos combinar...” ). Não tome a emoção do paciente (p. ex., a raiva) para si.

Se o paciente não responder de forma favorável às técnicas verbais, pode ser necessária contenção química ou física. Essas medidas devem ser usa­ das apenas se a criança ou o adolescente estiverem ativamente tentando machucar a si ou aos outros. O consentimento dos pais deve ser obtido na medida do possível.10,13 Como um primeiro passo, os medicamentos devem sempre ser adm inistra­ dos por via oral. A injeção intram uscular deve ser utilizada apenas como últim o recurso. A contenção física deve ser aplicada apenas por equipes treinadas e pode ser mobilizada se houver risco de dano iminente para o paciente ou a equipe. Outrossim, a contenção física deve ser utilizada pelo mínimo de tempo necessário para acalmar o paciente. Pacientes em conten­ ção física devem ser monitorados frequentemente, não só para garantir que eles não se machuquem enquanto contidos, mas tam bém para determ inar o momento em que as restrições possam ser removidas.2,10’14 AUTOLESÃO DELIBERADA ► Autolesão deliberada, mais conhecida como autom utilação, é um conjunto complexo de comportamentos que resultam na lesão deliberada do próprio corpo. Nos dias atuais, é cada vez mais comum os jovens se autolesionarem de forma deliberada sem intenção de suicídio, podendo esse com portam ento estar associado a condições orgânicas, psico­ lógicas ou psiquiátricas. As manifestações mais frequentes de autolesão deli­ berada são cortes ou queimaduras no braço, no pulso, nas coxas e nas per­ nas.2,7 No atendim ento desses casos, além de uma investigação minuciosa sobre a coexistência, ou não, de ideação suicida e outros transtornos psiquiá­ tricos, as feridas devem ser limpas, suturadas e cobertas (protegidas). O pa­ ciente deve ser abordado de uma forma que não se sinta julgado ou criticado. A vacina antitetânica deve ser aplicada ou sua validade verificada.2,6

356


357

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

INTOXICAÇÕES ► É cada vez mais comum crianças e adolescentes serem le­ vados a serviços de emergência em razão de intoxicação aguda pelo uso inapropriado ou abusivo de substâncias psicoativas. No Brasil, as substân­ cias mais frequentemente consumidas entre adolescentes atendidos nesses serviços são álcool, inalantes, cocaína ou associação de diversas substân­ cias. Nos últim os anos, observa-se também o aumento da ocorrência de emergências associadas a drogas sintéticas, como ecstasy (3,4-m etilenodioximetanfetamina [M D M A]), crank (metcatinona), cetamina e alucinógenos. Em crianças, intoxicações agudas geralmente são resultantes de acidentes domésticos por uso inapropriado de medicamentos prescritos por profissio­ nais da saúde.6 Quando detectado uso voluntário, é fundam ental a diferenciação com ten­ tativa de suicídio, já discutida anteriormente. Independentemente de a in­ gestão ter sido acidental ou intencional, durante o atendimento emergencial, a prioridade é garantir a estabilidade clínica do paciente. Os quadros de intoxicação aguda em jovens podem se manifestar com agitação psicomoto­ ra, agressividade, psicose aguda e, nos casos mais graves, confusão mental, coma e alterações cardiocirculatórias.2 Enquanto os jovens estão intoxicados, sua percepção, coordenação e capaci­ dade de tomada de decisão estão alteradas. Isso os coloca em um alto risco de sofrer lesões, e, portanto, um exame físico cuidadoso e completo é ne­ cessário para descartar lesão coexistente. Traumatismo craniano ou agressão física certamente podem coexistir com a intoxicação em um paciente com alteração do nível de consciência.2,6 O tratam ento das intoxicações deve ser realizado de acordo com as m ani­ festações clínicas presentes. As funções cardiorrespiratórias e o nível de consciência do paciente devem ser monitorados. A maioria dos casos de intoxicação por substância é tratada inicialm ente de forma conservadora. O tratam ento visa estabilizar os sinais vitais ou controlar os efeitos colaterais, como agitação. O emprego de medicamentos deve ser cuidadoso, para dim i­ nuir o risco de interações com a substância que causou intoxicação, e deve ser aplicado somente com o objetivo de controlar as alterações clínicas que o paciente apresenta. Nos casos de agitação grave, podem ser usados antipsicóticos de rápida ação, em doses baixas, e sempre com especial atenção a sintomas de sedação excessiva. Os sintomas agudos da intoxicação geral­ mente se resolvem em algumas horas, quando, então, o paciente pode ser encaminhado para acompanhamento e tratamento. Além disso, os responsá­ veis devem ser orientados sobre eventuais complicações do quadro agudo apresentado pelo paciente.2 Antes que seja realizada a avaliação psiquiátrica, é necessário avaliar e tratar problemas médicos gerais. Jovens com transtornos mentais também podem sofrer de doenças físicas agudas não relacionadas ao quadro psiquiátrico. As complicações médicas dessas doenças ou de seu tratam ento podem ter alta m orbim ortalidade se não forem detectadas e tratadas precocemente. Há, tam bém , as intoxicações que podem estar relacionadas ao tratam ento psi­ quiátrico, como síndrome serotonérgica (associada ao uso de antidepressi-


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vos), sintomas extrapiramidais agudos como, por exemplo, distonia e acatisia (associados ao uso de antipsicóticos ou intoxicação por lítio).4,15 DELIRIUM ► O d e liriu m , ou estado de confusão aguda, pode se manifestar em qualquer idade e é m uito comum na população pediátrica. Nos casos de d e liriu m , a criança apresenta alteração da consciência, com redução da percepção da situação ao redor e mudança nas funções cognitivas que se ar­ rastam ao longo de um período de horas ou dias, com flutuações. A apresen­ tação clínica de um paciente pediátrico com um quadro de d e liriu m é muito semelhante à de um adulto, e os sintomas mais comuns incluem irritabilida­ de e agitação, alteração no ciclo sono-vigília e labilidade do humor. Outras manifestações incluem regressão de marcos de desenvolvimento, contato visual reduzido e desconsolo apesar da presença constante do cuidador. A presença dos pais e de objetos fam iliares pode abreviar o tempo de recupe­ ração do estado de de liriu m . Há muita controvérsia sobre o tratam ento medicamentoso do d e liriu m em crianças e adolescentes. Quando julgar necessário, o médico pode utilizar haloperidol, 0 ,1 5 a 0 ,2 5 mg, por via intravenosa (m aior risco e de eficácia controversa). Atualmente, olanzapina, quetiapina e risperidona (0,1a 0,2 mg/kg por via oral), quando disponíveis, são escolhas de primeira linha para substituir o haloperidol. Outros agentes, como a melatonina, podem auxiliar na perturbação do sono decorrente do d e liriu m . A utilização de BZDs pode ter um efeito paradoxal de desinibição psicomotora no paciente e piorar o quadro.15 ABUSO E MAUS-TRATOS ► Existem muitas formas de maus-tratos contra crian­ ças e adolescentes. Algumas delas incluem abuso físico, verbal e sexual e negligência. Os médicos de serviços de PA em geral estão em condições de detectar maus-tratos em crianças. Ao observar indícios ou suspeita de maus-tratos, o médico pode encaminhar a criança a alguma entidade de proteção a menores, se disponível, o qual mostra-se de grande auxílio para a tomada de decisões relativa à conduta com a criança abusada e o acompanhante. A maioria dos países tem parâmetros legais em termos de notificação de suspeitas de abuso contra crianças às autoridades locais, e isso deve ser feito de acordo com a legislação local.2,6

TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS QUE PODEM DEMANDAR ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA ► PSICOSES NA INFÂNCIA/ADOLESCÊNCIA ► Crianças e adolescentes podem m ani­ festar o primeiro episódio psicótico com sintomas sutis e inespecíficos, mas tam bém com sintomas mais claros de alteração psíquica, como ideias deli­ rantes, alucinações, sintomas negativos, discurso e com portam ento desorga­ nizados ou catatônicos. Os casos com instalação mais insidiosa, ao fim da adolescência, podem ter desfecho clínico de diagnóstico definitivo de esqui­ zofrenia e de transtorno bipolar. Devido à grande sobreposição de sintomas de esquizofrenia e transtorno bipolar, sobretudo nos primeiros episódios, o diagnóstico diferencial geralmente é d ifíc il.17,18 Ao se investigar fatores as­

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CRISES DE ANSIEDADE, SINTOMAS SOMÁTICOS, FOBIAS E CRISES DISSOCIATIVAS ► Sintomas e sinais de transtorno de ansiedade e transtorno de sintomas so­ máticos muitas vezes não são reconhecidos até que a criança apresente alguma crise aguda de ansiedade ou quadro dissociativo. Frequentemente, essas condições geram solicitações de avaliação com o objetivo de explicar sintomas orgânicos que não apresentam achados físicos compatíveis. Crianças não costumam manifestar crises típicas de ansiedade, e sim, mais frequentemente, de sintomas somáticos (p. ex., cefaleia ou dor abdominal). A ausência de evidências orgânicas para sintomas somáticos pode ser indício de um transtorno de ansiedade, e, em determinado momento, deve-se inves­ tigar essa possibilidade. Deve-se estar especialmente atento a sinais como longa duração do quadro e sintomas neurológicos duradouros. Além disso, quadros conversivos e ansiosos podem sobrepor-se a patologias clínicas. Quadros dissociativos com perda de consciência, síncope, disfunções m oto­ ras ou sensoriais podem ser confundidos com crises epilépticas, e deve-se realizar exame neurológico e EEG.2’6

São recomendadas farmacoterapia em crianças e adolescentes com crises agudas de ansiedade ou de sintomas somáticos, para que se obtenha alívio sintom ático imediato, e reavaliação do quadro após melhora da crise. Sugere-se a utilização de BZDs em baixas dosagens, para não produzir sonolência excessiva, o que atrapalharia a reavaliação clínica, e com meia-vida curta, pois o efeito é imediato. Em quadros conversivos e dissociativos, há também a necessidade de suporte emocional, que deve ser iniciado já na situação de emergência, visando aliviar o sofrimento psicológico que gerou esse quadro e todo o evento estressor que se sucedeu ao processo. Após alta do serviço de emergência, o paciente deve ser encaminhado para atendim ento psiquiátrico e psicológico em regime am bulatorial. Deve também ser realizado trabalho com a equipe médica e de enfermagem para evitar ou m inim izar atitudes hostis contra a criança/o adolescente bem como contra os pais, que muitas vezes esperam pelo diagnóstico de eventual doença clínica do filho.2'6 TRANSTORNOS AUMENTARES ► Os transtornos alimentares, entre eles anorexia nervosa e bulim ia nervosa, apresentam as maiores taxas de m ortalidade entre os transtornos psiquiátricos e as situações emergenciais, geralmente devido a complicações clínicas associadas a desnutrição ou alterações meta­ bólicas ou devido à gravidade das alterações com portam entais resultantes

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sociados ao quadro psicótico, é fundam ental descartar alterações físicas por meio de avaliação clínica e neurológica adequada, exames laboratoriais, de neuroimagem e eletroencefalograma (EEG). O uso de substância psicoativa também deve ser descartado, por meio da dosagem de metabólitos no san­ gue ou na urina.19 O tratam ento medicamentoso dos quadros agudos envolve o uso de antipsicóticos em doses variáveis, dependendo da gravidade dos sintomas e da relação peso/altura da criança/do adolescente.20 Os antipsicóticos de perfil sedativo (como quetiapina) podem ser utilizados em casos de insônia ou agitação associadas.19


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do transtorno alimentar. O tratam ento emergencial de tais quadros deve ser realizado por pediatra ou clínico em ambiente monitorado. Cabe ao psiquia­ tra a identificação do quadro psiquiátrico e o encaminhamento precoce, com o objetivo de estabilização clínica. As alterações hidreletrolíticas decorrentes de hábito alim entar inadequado de um transtorno alim entar podem se ma­ nifestar por meio parestesias e outros sintomas neurológicos, confundindo-se com crises conversivas ou convulsivas. Essas complicações tendem a resolver-se completamente após a recuperação nutricional.2’6 As emergências psiquiátricas relacionadas aos transtornos alimentares em crianças e adolescentes são: risco de suicídio relacionado a insatisfação com a imagem corporal ou transtorno do humor associado, situações de intensa irritabilidade relacionadas ao com portam ento alim entar levando a auto/heteroagressividade, recusa alim entar completa e irredutível e vômitos ou sinto­ mas purgativos incontroláveis.6 Os transtornos alimentares devem ser distinguidos de outras causas clínicas de desnutrição, emagrecimento abrupto e excessivo, inapetência ou delírios associados a outros transtornos ou de doenças do trato digestório que cau­ sam vômitos. A chave para a definição de anorexia nervosa é investigar a distorção da autoimagem e a recusa em alimentar-se e ganhar peso. Na bulim ia nervosa, os vôm itos e as atitudes purgatórias geralmente são provo­ cados após com portam ento compulsivo de alta ingestão calórica (binge), como forma de compensação e punição.2 O tratam ento emergencial dos transtornos alimentares consiste na m onito­ ração do estado clínico - desidratação, hiponatremia e hipocalemia. A pre­ sença de complicações clínicas pode ser um critério de internação psiquiátri­ ca para início de programa de reeducação alimentar, que deve ser feito de maneira gradual e preferencial mente por via oral, para depois tentar enteral ou parenteral, de acordo com a gravidade do estado nutricional e da recusa alimentar. Durante a intervenção no serviço de emergência, sugere-se iniciar acompanhamento psiquiátrico, psicológico e fam iliar.2

CUIDADOS ESPECÍFICOS NO USO DE PSICOFÁRMACOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Cada vez mais são prescritos medicamentos para o tratam ento de trans­ tornos mentais em crianças e adolescentes. Essa prática tem sido foco de debate e controvérsia mesmo entre os profissionais da área de saúde mental. A principal preocupação recai sobre a adequação, a eficiência e a segurança do uso de medicamentos para o tratam ento de problemas emocionais e comportamentais durante o período de desenvolvimento.4’21 Com a exceção de medicamentos psicoestimulantes para o TDAH, que foram introduzidos pela primeira vez para uso pediátrico para posteriormente serem indicados para adultos, a prescrição de medicamentos para o tratam ento de crianças e adolescentes com depressão, ansiedade, mania ou psicose sem­ pre se espelhou no uso já definido para pacientes adultos.4 Tem havido uma grande preocupação especialmente sobre a adequação no que diz respeito à utilização em longo prazo e à dose administrada. Sabe-se 360


FARMACOCINÉTICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

► Em crianças, a absor­ ção de medicamentos pode ser mais rápida, e, consequentemente, o pico

QUADR011.2.4 ►EXAMES DE CONTROLE PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES ANTES E DURANTE PERÍODOS DE USO DE PSICOFÁRMACOS EXAMES LABORATORIAIS • • • •

• • • • • •

Hemograma completo Ferro sérico e ferritina Provas de função tireoidiana (T3, T4, T4 livre e TSH) Provas de função hepática (para uso de anticonvulsivantes) TGOeTGP Bilirrubina Gama-GT Amilase Provas de função renal (ureia e creatinina) Metabólitos (sódio e potássio) Teste de gravidez (adolescentes sexualmente ativos) Provas de função paratireoidiana (cálcio) Prolactina (antipsicóticos) Eletrocardiograma (ECG)

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que, dentro da especialidade psiquiátrica, os medicamentos raramente le­ vam à cura definitiva; em vez disso, promovem o controle de sintomas-alvo (p. ex., agressividade, alucinações, etc.). Considerando que muitos transtor­ nos tendem a persistir ou recidivar ao longo da vida, o tratam ento a longo prazo é muitas vezes necessário. Há preocupações crescentes tanto com a constância do efeito terapêutico como com a segurança para pacientes jovens quanto à exposição prolongada a agentes psicotrópicos.22 Outro foco de debate envolve a dúvida sobre se os benefícios do tratam ento iniciado na infância promovem uma melhor evolução nas fases subsequentes do desenvolvimento, resultando na melhora funcional e no prognóstico fi­ nal.23 Infelizmente, mesmo nos dias atuais, os ensaios clínicos controlados reali­ zados são em geral lim itados a apenas alguns meses de tratamento, e os efeitos terapêuticos a longo prazo não costumam ser documentados devido a dificuldades metodológicas.4 Na escolha do medicamento, deve-se conside­ rar principalm ente o nível de evidência já investigado em estudos sobre a eficácia e a segurança de transtornos específicos e a idade da criança.4 Para crianças e adolescentes, muitas vezes são necessárias altas doses de psicofármacos para controle de sintomas psiquiátricos, o que requer a reali­ zação de exames de sangue de monitoramento periódico e a análise dos efei­ tos colaterais. O Quadro 1 1 .2 .4 apresenta exames de controle que devem ser realizados antes do início do medicamento e também de forma trimestral ou semestral.2


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plasmático pode ocorrer mais cedo. Além disso, a formulação tipo solução oral, disponível em algumas classes de medicamentos (p. ex., inibidores seletivos da recaptação de serotonina [ISRSs]; risperidona), é ainda mais rapidamente absorvida quando comparada a formulações em com prim idos ou cápsulas. Embora as crianças tenham menor dimensão corporal do que os adultos, a massa relativa de tecido do fígado e dos rins é maior quando ajustada para o peso corporal. As crianças tam bém possuem relativamente mais água no corpo, menos gordura e menos albumina plasmática para se ligar aos medicamentos. Por conseguinte, o volume de distribuição de um medicamento tende a ser maior em crianças do que em adultos e o fluxo de filtração glomerular também é mais rápido nas crianças quando comparado ao de adultos.4,5 As vias de metabolização não diferem em adultos e crianças. O metabolismo hepático é a principal via de metabolização da maioria dos medicamentos. O sistema do citocromo P450 é imaturo no momento do nascimento, mas sua capacidade de metabolização aumenta rapidamente, de modo que, por volta dos 3 anos, já alcança cerca de 20% do nível de amadurecimento. Pelo fato de as crianças terem proporcionalmente mais parênquima hepático do que os adultos, elas têm maior capacidade metabólica ajustada ao peso. Em crianças, esse processo de metabolização hepática provavelmente é bem mais rápido quando comparado ao dos adultos (p. ex., entre 6 e 10 anos é duas vezes maior) e equivalente ao do adulto acima dos 15 anos. Em geral, as crianças têm maior extração de fármaco durante a primeira passagem pelo fígado, menor biodisponibilidade e metabolismo e eliminação mais rápi­ dos. Isso significa que apenas doses decrescentes de adultos com base no peso da criança podem resultar em subtratam ento.4’5’23 Em adolescentes, a puberdade e a presença de hormônios sexuais competem com as enzimas hepáticas, e esse fato deve ser considerado. Medicamentos lipossolúveis tendem a ser liberados mais lentamente devido à maior presen­ ça proporcional de gordura no primeiro ano de vida, que dim inui de modo gradativo até a puberdade. Em adolescentes do sexo fem inino sexualmente ativas, o uso de contraceptivos orais pode induzir enzimas CYP e, assim, aumentar o metabolismo e a eliminação de medicamentos.3

FARMACODINÂMICA EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

► A maioria dos psicofármacos age por meio de neurotransmissores, como dopamina, serotonina e norepinefrina, cujos receptores apresentam grandes alterações durante o de­ senvolvimento.8 A densidade do receptor tende a estar no pico máximo em idade pré-escolar e depois declina gradualmente para se estabilizar em níveis como de adultos no fim da adolescência.5 O im pacto dessas alterações du­ rante o período de desenvolvimento sobre a atividade de medicamentos e as possíveis implicações para a eficácia e a segurança de psicofármacos ainda não estão compreendidos plenamente, por exemplo: a densidade sináptica dopaminérgica apresenta seu pico por volta dos 3 anos. De forma geral, a resposta clínica tam bém pode diferir nas crianças quando comparadas aos adultos devido a esse e outros fatores farm acodinâm icos.4’5

362


► A seguir, serão apresentados os principais grupos de psicofármacos utilizados em crianças e adolescentes com sintomas e transtornos psiquiátricos. A Figura 11.2.1 mostra de forma resumida o raciocínio clínico recomendado para a tomada de decisão sobre quando e como usar psicofármacos em crianças e adolescentes. r

ANTIPSICOTICOS ► Os antipsicóticos atípicos, ou de segunda/terceira geração, são os psicofármacos que mais acumularam evidência de eficácia, seguran-

FIGURA 11.2.1 ► FLUXOGRAMA DE TOMADA DE DECISÃO SODRE A UTILIZAÇÃO OU NAO DE PSICOFÁRMACOS PARA TRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS. Fonte: Com base em Vitiello.4

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PSICOFÁRMACOS UTILIZADOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

ça e tolerabilidade no tratam ento de crianças e adolescentes com transtornos psiquiátricos graves, como esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão psi­ cótica, TDAH, transtorno do espectro autista (TEA), transtorno de Tourette, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtornos do comportamento, como o transtorno da conduta.1’24 Na prática clínica, a prescrição de antipsicóticos atípicos vai além de casos com sintomas psicóticos ou de mania evidentes. Eles tam bém podem ser m i­ nistrados no caso de sintomas inespecíficos, como comportamentos inade­ quados, agressividade, agitação, hiperatividade, im pulsividade e irritação. Esses medicamentos parecem promover melhora rápida, com alguns estu­ dos mostrando mudanças significativas no com portam ento em dias e melho­ ra clínica substancial já em um período de duas semanas.1’21’22 No entanto, seus efeitos adversos, alguns graves, como alterações metabóli­ cas (consequente aumento de apetite, peso, alteração do perfil lipídico e glicêmico), aumento da prolactina, sintomas extrapiramidais, acatisia e síndrome neuroléptica maligna, causam preocupação para um uso mais abrangente e prolongado. O fator risco-benefício deve sempre ser levado em consideração na escolha do antipsicótico a ser utilizado para determinado quadro clínico. A Tabela 11.2.1 mostra os principais antipsicóticos (e tam ­ bém outros psicofármacos que serão apresentados em seguida) utilizados em crianças e adolescentes e seus níveis de evidência.4’5’23’25 Diagnosticar sintomas psicóticos em crianças geralmente exige habilidade e experiência clínica do profissional. Muitas vezes, as crianças começam a manifestar sintomas de forma insidiosa, e, outras vezes, ocorre o agravamen­ to de outros problemas de com portam ento ou emocionais preexistentes. Por exemplo, algumas crianças podem iniciar com quadro sim ilar ao TDAH, com inquietação ou hiperatividade, e, após meses, evoluem para quadro de agravamento de intensidade e grau de desorganização. Outras crianças podem apresentar alterações inespecíficas na aprendizagem, que logo são seguidas pelo aparecimento de evidências de transtorno do pensamento ou alucinações. Também podem iniciar o transtorno psicótico alegando “ medos” e sentir “sensações estranhas” , começando gradativa mente a apresentar comportamentos bizarros.1’4 A maioria das crianças manifesta esses sinais e sintomas aos poucos. Observadores podem confundi-los com outras patologias psiquiátricas co­ muns da infância, como transtornos de ansiedade, e, consequentemente, submeter essas crianças a tratam entos farmacológicos inapropriados. Infelizmente, esses transtornos costumam persistir ao longo da infância e, muitas vezes, pioram conforme a criança fica mais velha.20 O uso de antipsicóticos deve ser considerado para as crianças com sintomas de estados mistos e mania ou hipomania, com sintomas psicóticos, ou que não responderam a estabilizadores do humor. Baixas doses de risperidona, olanzapina, quetiapina e aripiprazol também são usadas, muitas vezes, para reduzir a oscilação do humor e a instabilidade durante o dia ou como auxi­ liares para a adequação do ciclo sono e vigília à noite.19’25

364


PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS E CUIDADOS

MEDICAMENTO

DOSAGEM (MG)

PRINCIPAIS INDICAÇÕES

Haloperidol

0 ,5 '~ 20

Clorpromazina

1 0 -'200

Levomepromazina

2 5 -'200

Agitação psicomotora, sintomas psicóticos, agressividade

Tioridazina

1 0 -'200

Periciazina

2 ~ 16

Tipo V

Trifluoperazina

1 ~ 10

Tipo V

Risperidona

0,25 ~ 6

Paliperidona

3~ 9

Olanzapina

2 , 5 ' ~ 30

Quetiapina

2 5 -'600

Aripiprazol

5 ~ 30

Tipos 1 e II

Ziprasidona

4 0 - ' 160

Tipo III

Clozapina

2 5 -'800

Tipo V

Carbonato de lítio

300 ~ 1.500

Carbamazepina

200 - 8 0 0

Divalproato de sódio

250 ~ 1.250

Oxcarbazepina

300 ~ 1.200

Topiramato

2 5 -'200

Tipo V

Lamotrigina

2 5 --150

Tipo V

Fluoxetina

1 0 - '6 0

Sertralina

2 5 -'200

Citalopram

1 0 - '6 0

Escitalopram

5 ~ 30

Paroxetina

1 0 - '6 0

Fluvoxamina

2 5 -'300

Esquizofrenia, transtorno bipolar, irritação em TEA, agressividade

Transtorno bipolar, agitação psicomotora, agressividade

Depressão, ansiedade, fobias, autolesão deliberada, TOC, transtorno de pânico, tiques

Sintomas extrapiramidais, distonia aguda, sinal de roda denteada, crise oculógira, discinesia tardia

Sonolência, síndrome metabólica, ganho de peso, aumento do apetite, hiperprolactinemia e agranulocitose

Alteração cardíaca, da função tireoidiana, da função renal, hematológica, da função hepática e enzima pancreática e rash cutâneo

Alteração no apetite, virada maníaca e síndrome de ativação

NÍVEL DE EVIDÊNCIA* Tipos 1 e II Tipo V Tipo V Tipo V

Tipo 1 Tipo 1 Tipo II Tipo II

Tipo II Tipo V Tipo II

Tipo V

Tipos 1 e II Tipos 1 e II Tipo II Tipo 1 Tipo IV Tipos 1 e II (iContinua)

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CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

TABELA 11.2.1 ►TIPOS, DOSE-PADRAO, PRINCIPAIS INDICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS E NÍVEL DE EVIDÊNCIA DE PSICOFÁRMACOS UTILIZADOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

TABELA 11.2.1 ► TIPOS. DOSE-PADRAO. PRINCIPAIS INDICAÇÕES E EFEITOS ADVERSOS E NÍVEL DE EVIDÊNCIA DE PSICOFÁRMACOS UTILIZADOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM TRANSTORNOS PSIQUIÁTRICOS PRINCIPAIS EFEITOSADVERSOS ECUIDADOS

MEDICAMENTO

DOSAGEM (MG)

PRINCIPAIS INDICAÇÕES

Venlafaxina

37,5 - 2 2 5

Depressão

Duloxetina

30 - - 1 2 0

Depressão, dor crônica

Bupropiona

75 - '3 0 0

Depressão, TDAH

Tipos II eV

Mirtazapina

30 - ' 6 0

Depressão, insônia

Tipo V

Clomipramina

10 - ' 3 0 0

Depressão, transtorno de pânico

Imipramina

10 - ' 3 0 0

Depressão, enurese

Amitriptilina

1 2 ,5 - 3 0 0

Depressão, dor crônica

Tipo V

Nortriptilina

1 2 ,5 - 3 0 0

Depressão, insônia

Tipo V

Metilfenidato

10 - ' 8 0

TDAH

Lisdexanfetamina

10 - ' 7 0

Atomoxetina

10 - ' 6 0

Clonidina

0 ,1 '-0 ,4

Tiques

Propranolol

1 0 - '8 0

Ansiedade

Prometazina

2 5 - '5 0

Biperideno

2 -

*Nívelde evidência: tip o 1 =

6

NÍVEL DE EVIDÊNCIA*

Virada maníaca, Tipo V síndrome de retirada, Tipo V alteração no apetite e insônia/sonolência

Constipação intestinal, retenção urinária, hipotensão e alteração no ritmo cardíaco

Tipo III

Tipo V

Perda do apetite, insônia, tiques, cefaleia e irritação

Tipo 1

Hipo/hipertensão e piora após retirada

Tipo 1

Insônia, agi­ tação

Sonolência

Tipo V

Sintomas extrapiramidais

Déficit cognitivo

Tipo V

Tipo 1 Tipo 1

Tipo IV

fo rte s e v id ê n c ia s em re v is ã o s is te m á tic a de d iv e rs o s e n s a io s c lín ic o s ra n d o m iz a d o s

b e m -d e s e n h a d o s ; tip o II = fo rte s e v id ê n c ia s em e s tu d o ra n d o m iz a d o c o n tro la d o ; tip o III = e v id ê n c ia s se m ra n d o m iz a ç ã o , g ru p o de c o o rte , s é rie s te m p o ra is ou e s tu d o s de c a s o -c o n tro le p a re a d o ; tip o IV = e v id ê n c ia s em e s tu d o s não e x p e rim e n ta is de m a is de u m a e n tra d a ou g ru p o de p e s q u is a ; e tip o

V=

o p in iõ e s de a u to rid a d e s re s p e ita d a s .

Fonte: V itie llo ,4 A n d ra d e e c o la b o ra d o re s ,5 K ra n z le r e C oh e n 20 e D evlin e P a n a g io to p o u lo s .25

366


mente o lítio é aprovado para o tratam ento de transtorno bipolar em crianças e adolescentes em todas as fases da doença. Os demais são antiepilépticos aprovados apenas para o uso em crianças com epilepsia e são amplamente utilizados tanto em adultos como em crianças e adolescentes para a manu­ tenção da estabilidade do humor. Os antiepilépticos apresentam níveis de evidência variados para tratam ento de transtornos psiquiátricos, e alguns, como o divalproato de sódio, são considerados primeira escolha em casos de meninos com transtorno bipolar.1’4 Os antiepilépticos são m uito utilizados em crianças e adolescentes devido à alta prevalência de quadros de epilepsia nessa faixa etária, apresentando perfil de segurança e tolerabilidade bem-estabelecidos. O uso desses medicamentos na psiquiatria infantojuvenil está associado ao efeito estabilizador de humor no transtorno bipolar e também em quadros menos específicos, como agressividade, agitação e irritabilidade presentes em diferentes diagnósticos, como transtorno da conduta e TEA. Note-se que, apesar de esses medicamentos já estarem, em sua maioria, aprovados para adultos com transtorno bipolar, essa indicação não é form al­ mente aprovada para crianças e adolescentes. Diversos algoritmos indicam o lítio, o divalproato e a carbamazepina como agentes de primeira escolha nos casos de mania, hipomania e fases mistas, em conjunto com alguns antipsicóticos atípicos. Para a fase depressiva, já existem fortes evidências do uso da combinação olanzapina e fluoxetina.26 Também, a exemplo do que é proposto para adul­ tos, o lítio e a lamotrigina podem ser considerados como alternativas.1 A Tabela 11.2.1 apresenta os principais estabilizadores do humor utilizados no tratam ento de crianças e adolescentes com transtorno bipolar de início precoce, assim como em outras situações clínicas, e o nível de evidência. Sabe-se que o controle da instabilidade do humor pode demorar até três meses. Se, após esse período, a criança não apresentou melhora ou não foi capaz de tolerar o medicamento, deve-se considerar a possibilidade de substituí-lo ou fazer associações. Em casos de resposta parcial ao lítio ou a um antiepiléptico individualm ente, a criança pode necessitar da associação de dois agentes estabilizadores do humor. Os antiepilépticos e o lítio são fre­ quentemente combinados tam bém para crianças e adolescentes com trans­ torno bipolar. Ainda é possível optar pela utilização de uma dose máxima de um estabilizador do humor associada a uma dose inferior do segundo estabilizador.1

ANTIDEPRESSIVOS ► Transtornos de ansiedade e depressão constituem a maior parcela de problemas emocionais que afetam crianças e adolescentes de todos os níveis sociais e culturas. Os transtornos de ansiedade têm preva­ lência em torno de 15% em crianças e adolescentes. Eles se manifestam em quadros de fobia específica, ansiedade de separação, ataques de pânico, transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e m utism o seletivo, que foi in­ cluído na categoria de transtornos de ansiedade na quinta edição do M anual diagnóstico e estatístico de transtornos m entais (DSM-5), e, quando mais

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CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS EADOLESCENTES

ESTABILIZADORES DO HUMOR ► Na classe dos estabilizadores do humor, so­


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS EADOLESCENTES

próximo da adolescência, mais quadros de ansiedade social. Em 2 0 1 3 , o TOC foi separado em uma categoria distinta à dos transtornos de ansiedade. A incidência de depressão maior em crianças tem sido de 2,5% , aumentan­ do de modo significativo após a puberdade, chegando a 5,6% , assim como a incidência de tentativas de suicídio.14’24 Mesmo em crianças e adolescentes, a intensidade e a gravidade de um epi­ sódio depressivo podem variar de leve a moderada, passando por quadros graves e altamente incapacitantes, que aumentam o risco de outras comorbidades psiquiátricas, como uso e abuso de substâncias psicoativas,9 trans­ tornos alimentares e possibilidade de transtornos da personalidade, como transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva, transtorno da personali­ dade evitativa ou transtorno da personalidade dependente. Nos últim os anos, a prescrição de antidepressivos para crianças e adoles­ centes deprim idos gerou discussões, e as principais controvérsias giram em torno de suspeita de aumento no risco de suicídio em adolescentes deprim i­ dos após ingestão de ISRSs ou de virada maníaca naqueles que apresentam fatores de risco para transtorno bipolar.1 Em contrapartida, a possibilidade de ampla prescrição dessa classe de psicofármacos em razão de sua ne­ cessidade no tratam ento das diferentes condições clínicas encorajou novos estudos que tentaram elucidar vários aspectos do uso dos antidepressivos e esclarecer pontos relacionados a sua eficácia, tolerabilidade e segurança em crianças e adolescentes.14 Quadros de depressão leve e moderada e transtornos de ansiedade respondem m uito bem a abordagens psicossociais, como terapias (com especial desta­ que às abordagens com porta mental e cognitivo-com portam ental), terapia fam iliar e psicoeducação (Fig. 11.2.1). Já quadros de maior gravidade, com prejuízo de funcionam ento global, restrição social e declínio escolar ligado a fobia social ou com portam ento suicida (p. ex., ideação e tentativa de suicídio na depressão grave), necessitam de abordagens psicofarmacológicas.27 Os antidepressivos mais comumente usados em crianças e adolescentes são os ISRSs, os antidepressivos tricíclicos (ADTs) e, mais recentemente, a bupropiona e os de ação dual. Algumas pesquisas verificaram que os sistemas noradrenérgicos e dopaminérgicos da criança só estão inteiramente desen­ volvidos no fim da adolescência ou no início da idade adulta, ao passo que o sistema serotonérgico amadurece mais cedo.27 Esses dados sugerem que crianças e adolescentes possam ser mais responsivos aos ISRSs do que aos ADTs em determinadas indicações.1’16 Os antidepressivos têm sido largamente utilizados no tratam ento da de­ pressão e também de outros diagnósticos clínicos, como enurese noturna em crianças e adolescentes, bem como em casos de TDAH, transtornos de ansiedade, TOC, transtornos alimentares, alterações com portam entais em autistas, transtorno do controle de impulsos, entre outros. Entre as crianças e adolescentes que utilizam antidepressivos, 3 a 8% podem manifestar um conjunto de sintomas motores e emocionais, como aumento de impulsividade, agitação, inquietação e irritabilidade. Esse conjunto de sintomas que aparece simultaneamente e logo após o início do medicamento 368


PSICOESTIMULANTES ► Os psicoestimulantes são usados no tratam ento do TDAH desde a década de 1930, mas, a partir de 1980, houve um aumento significativo do emprego desse tipo de fármaco em crianças e adolescentes.4 Os psicoestimulantes são medicamentos com evidência de eficácia e tolerabilidade comprovada em crianças em inúmeros estudos e cuja indicação está bem-estabelecida no tratam ento do TDAH. Os agentes mais prescritos são metilfenidato e lisdexanfetamina,28 que são os únicos disponíveis no Brasil (Tab. 11 .2 .1). Os estimulantes promovem minimização dos sintomas centrais do TDAH, como desatenção, inquietação e impulsividade. Com melhora na motivação, na coordenação motora e na habilidade vasomotora, espera-se que haja me­ lhora no aprendizado de curto prazo e na habilidade de convivência social. O metilfenidato bloqueia a recaptação de dopamina, aumentando, assim, sua oferta na fenda sináptica. Por sua vez, as anfetaminas, além de bloquearem a recaptação de dopamina, também aumentam sua liberação no neurônio pré-sináptico.29 Os principais efeitos colaterais dos estimulantes são: perda de apetite, náusea, insônia, cefaleia, xerostomia, efeito rebote, ansiedade, pesadelos, irritabilidade, disforia, perda de peso e dores abdominais. Os efeitos colaterais em geral desaparecem espontaneamente após algum tempo de uso ou com a redução da dose. Quando ocorre intolerância persis­ tente, o estimulante deve ser substituído. No que se refere ao prejuízo no crescimento devido a dim inuição de apetite e outros efeitos colaterais, es­ tudos recentes ainda são divergentes, pois alguns mostram dim inuição do crescimento com alteração da estatura final, enquanto outros indicam d im i­ nuição do crescimento no início do tratamento, mas que é compensado com o tempo, não afetando a estatura fin a l.5 Ademais, o uso de psicoestimulan­ tes pode promover piora de tiques previamente existentes em 2 0 a 30% dos casos. Portanto, em casos de TDAH comórbido com tique, deve-se conside­ rar o risco-benefício para cada paciente. A Tabela 11.2.1 resume características dos psicoestimulantes que devem ser consideradas no momento de sua escolha no tratam ento do TDAH, bem

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é denominado ativação ( activon)e deve rem itir com pletam ente após a suspensão do fármaco. Caso contrário, devem-se investigar outras causas para esses sintomas (p. ex., virada maníaca). A manifestação de ativação deve ser diferenciada dos quadros de mania e hipomania em crianças com predisposição a transtorno bipolar.4’14’24 De maneira geral, os antidepressivos devem ser iniciados em doses baixas e aumentados gradualmente até obtenção do melhor efeito terapêutico possí­ vel e menor número de efeitos colaterais. Da mesma forma, a retirada deve ser gradual, pois há sempre o risco de efeitos colaterais por descontinuidade abrupta (p. ex., cefaleia, tontura, náusea, vômito, mialgia, calafrios, parestesias, irritabilidade, ansiedade intensa e transtornos do sono). A Tabela 11.2.1 apresenta os principais antidepressivos e as indicações e os cuidados mais importantes referentes aos efeitos adversos e riscos de virada maníaca, ativação e ideação suicida.4,5


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS EADOLESCENTES

como formas de manejo ao lidar com efeitos adversos. Também resume outros medicamentos adjuvantes no tratam ento de crianças e adolescentes. r

BENZODIAZEPINICOS ► Como mencionado anteriormente, é possível que crian­ ças e adolescentes com transtornos psiquiátricos precisem utilizar medica­ mento por períodos prolongados. Assim, os BZDs devem ser prescritos com reservas para crianças e adolescentes, devido ao potencial de dependência física e psicológica e de efeito paradoxal de desinibição com porta mental. O déficit cognitivo apresentado após o uso prolongado dessa classe de medi­ camentos, em conjunto com a presença de amnésia retrógrada e sonolência diurna residual, tam bém ocorrem em crianças e adolescentes e podem pre­ judicar o rendimento escolar e a realização de tarefas diárias.4’5

a-ADRENÉRGICOS E (3-BL0QUEAD0RES ► Para tratam ento de diversos trans­ tornos psiquiátricos com início na infância e adolescência, utilizam-se tam ­ bém medicamentos que são comumente prescritos em outras especialidades médicas. Os medicamentos a-adrenérgicos e p-bloqueadores são exemplos disso. Os medicamentos a-adrenérgicos promovem a estimulação dos receptores a2-adrenérgicos pré-sinápticos produzindo uma dim inuição na quantidade de norepinefrina liberada, o que acarreta o restabelecimento do tônus sináptico do organismo em um nível mais baixo, dim inuindo a excitação.30 A clonidina é um medicamento desse grupo frequentemente prescrito a crianças e adolescentes. Trata-se de um derivado imidazol com propriedades a-adrenérgicas, recentemente aprovado como coadjuvante no tratam ento do TDAH comórbido com tiques, agressividade ou oposição. Além disso, a clonidina tem sido prescrita há mais de três décadas para transtorno de Tourette, TEA e uso/abuso de substâncias psicoativas. A dose habitual é 3 a 10 pg/kg/dia. Os efeitos colaterais são sedação, boca seca e hipertensão de rebote. Os p-bloqueadores são usados na clínica psiquiátrica para controle dos sinto­ mas autonômicos e extrapiramidais. Experimental mente, parecem eficazes na contenção de acessos agressivos e violentos associados a lesões cerebrais em crianças e adolescentes.5

CONSIDERAÇÕES FINAIS Existem diferenças a serem observadas no tratam ento psicofarmacológico de crianças e adolescentes. Os pontos mais relevantes na prescrição de psicofármacos para essa população em comparação com adultos são diferenças na farmacocinética e na farmacodinâm ica, e a preocupação com a possibili­ dade de interferência no processo de desenvolvimento e no amadurecimento cerebral. O tratam ento farmacológico deve ser considerado como uma das estratégias terapêuticas fundam entais no controle de quadros clínicos gra­ ves, mas que sempre deve ser associado às outras modalidades terapêuticas (psicológica, psicopedagógica, fonoaudiologia, terapia ocupacional, etc.). Sempre ter em mente que o uso de psicofármacos em crianças e adolescen­ tes não é isento de risco, e é fundamental que sua aplicação seja feita após avaliação clínica criteriosa. O controle dos parâmetros clínicos e dos poten­ ciais efeitos colaterais, associado a uma boa relação médico-paciente, com o 370


REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

14. 15. 16. 17.

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371

CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS EADOLESCENTES

envolvimento da fam ília, possibilita que se obtenham os melhores resultados de seu uso, evitando-se abusos e negligências. As emergências de problemas associados à saúde mental e aos transtornos psiquiátricos na infância e adolescência estão relacionadas a situações de reagudização de transtornos psiquiátricos prévios ou podem ser a primeira manifestação de um transtorno psiquiátrico de início nessa faixa etária. Os objetivos do atendimento emergencial, além da avaliação diagnóstica, pre­ veem, na maioria das vezes, a prescrição de psicofármacos para o controle da agressividade, da irritabilidade e da agitação psicomotora, mesmo que o esquema medicamentoso não se mantenha ao longo do seguimento futuro.


CONDUTAS EM PSIQUIATRIA PARA CRIANÇAS EADOLESCENTES

19. Ferrin M, Gosney H, Marconi A, Rey JM. Using antipsychotic medication for the treatment of schizophrenia in children and adolescents. In: Rey JM, editor. IACAPAP textbook of child and adolescent mental health. Geneva: IACAPAP; 2016. 20. Kranzler HN, Cohen SD. Psychopharmacologic treatment of psychosis in children and adolescents: effi­ cacy and management. Child Adolesc Psychiatr Clin N Am. 2013;22(4):727-44. 21. Memarzia J, Tracy D, Giaroli G. The use of antipsychotics in preschoolers: a veto or a sensible last option? J Psychopharmacol. 2014;28(4):303-19. 22. Schneider C, Taylor D, Zalsman G, Frangou S, Kyriakopoulos M. Antipsychotics use in children and adoles­ cents: an on-going challenge in clinical practice. J Psychopharmacol. 2014;28(7):615-23. 23. Krill RA, Kumra S. Metabolic consequences of second-generation antipsychotics in youth: appropriate monitoring and clinical management. Adolesc Health Med Ther. 2014;5:171-82. 24. Whitney Z, Boyda HN, Procyshyn RM, Elbe D, Black T, Eslami A, et al. Therapeutic drug levels of se­ cond generation antipsychotics in youth: a systematic review. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2015;25(3):234-45. 25. Devlin AM, Panagiotopoulos C. Metabolic side effects and pharmacogenetics of second-generation antipsychotics in children. Pharmacogenomics. 2015;16(9):981-96. 26. Detke HC, DelBello MR Landry J, Usher RW. Olanzapine/Fluoxetine combination in children and adoles­ cents with bipolar I depression: a randomized, double-blind, placebo-controlled trial. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2015;54(3):217-24. 27. Wright BM, Eiland EH 3rd, Lorenz R. Augmentation with atypical antipsychotics for depression: a review of evidence-based support from the medical literature. Pharmacotherapy. 2013;33(3):344-59. 28. Boellner SW, Stark JG, Krishnan S, Zhang Y. Pharmacokinetics of lisdexamfetamine dimesylate and its active metabolite, d-amphetamine, with increasing oral doses of lisdexamfetamine dimesylate in children with attention-deficit/hyperactivity disorder: a single-dose, randomized, open-label, crossover study. Clin Ther. 2010;32(2):252-64. 29. Berman SM, Kuczenski R, McCracken JT, London ED. Potential adverse effects of amphetamine treatment on brain and behavior: a review. Mol Psychiatry. 2009;14(2):123-42. 30. Scahill L. Alpha-2 adrenergic agonists in children with inattention, hyperactivity and impulsiveness. CNS Drugs. 2009;23 Suppl 1:43-9.

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11.3

PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTACÃO HEWDYLOBORIBEIRO FÁBIOTAPIASALZANO ROBERTA CATANZARO PEROSA TÁKIATHANÁSSIOS CORBÁS JOEL RENNÓJR.

ASPECTOS GERAIS

► Desde os escândalos envolvendo a talidom ida, o uso de medicamentos durante a gravidez tornou-se um tópico sensível e contro­ verso entre pacientes, jornalistas e profissionais da área da saúde. Isso foi reforçado nos últim os anos pelo desenvolvimento de métodos científicos e muitas publicações de artigos na área de psicofarmacologia périnatal. Em 2 0 1 1 , por exemplo, quase cem artigos científicos sobre o uso de antidepressivos serotonérgicos durante a gravidez foram publicados. Apesar do volume de publicações ter aumentado consideravelmente, há ainda muita distância dos resultados consistentes necessários. O manejo medicamentoso durante a gravidez e a lactação é com plicado por vários riscos importantes a serem considerados pelo médico: teratogênese, abortamentos espontâneos, complicações neonatais (toxicidade néonatal), mudanças metabólicas dos fármacos ao longo da gravidez e do pós-parto, além de possíveis efeitos sobre o neurodesenvolvimento. É im portante des­ tacar que até 50% das gravidezes não são planejadas e, portanto, na desco­ berta da gravidez que pode ocorrer entre a 5a e a 7 a semana de gestação, a exposição aos psicotrópicos já foi consumada em muitas mulheres. O profissional deve tom ar m uito cuidado na interpretação dos resultados dos estudos devido aos diferentes métodos da área. Relatos de caso são lim ita­ dos e não podem demonstrar relações causais. Portanto, dados úteis a res­ peito da exposição a medicamentos na gravidez devem ser oriundos de es­ tudos epidemiológicos. Estudos de caso-controle, coorte e farmacovigilância sistemática podem produzir informação valiosa. Entretanto, nenhum desses métodos é ideal, e a qualidade dos dados e sua interpretação variam signifi­ cativamente. Os estudos de coorte prospectivos controlados são os melhores em termos de qualidade dos dados, porém costumam ser pequenos e insufi­ cientes para servirem como base significativa das estimativas dos riscos (em que o número maior de pacientes envolvidas seria fundam ental). Portanto, o

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

médico sempre vai se deparar com uma base de decisão complexa e lim itada ao escolher o melhor medicamento para sua paciente durante a gravidez e a lactação - precisando haver um compromisso entre a quantidade e a quali­ dade dos dados registrados. A decisão deve balancear sempre os riscos associados à exposição medica­ mentosa do feto com aqueles do transtorno mental não tratado. Essas infor­ mações devem estar acessíveis às mulheres e a seus familiares. A decisão deve ser com partilhada, cabendo ao profissional a elucidação técnica de todos os aspectos envolvidos sobre a psicofarmacologia perinatal. Abortamento espontâneo é definido como a perda da gravidez em um perío­ do anterior à 2 0 a semana de gestação1 e pode ocorrer em cerca de 10 a 20% das mulheres. Cerca de 80% dos abortos ocorrem, no entanto, nas primeiras 12 semanas e, entre os diferentes fatores de risco, incluem-se mulheres mais velhas, abortamento prévio, fumo, uso de álcool e outras substâncias, dieta pobre, obesidade, diabetes e abuso de cafeína.2 O risco de malformação espontânea em mulheres hígidas é de 2 a 3% , apro­ ximadamente, em 1 a cada 4 0 gravidezes. Qualquer transtorno psiquiátrico, em particular transtornos do humor e por uso de substâncias, é fator de risco independente para malformação congêni­ ta e aumento da mortalidade fetal e no período perinatal (da gestação até um ano do nascimento é um momento de risco para transtornos mentais). Alguns dos fatores de risco para doenças psiquiátricas constam no Quadro 11.3.1.3 Esses dados devem estar presentes quando se avaliam os riscos do uso de uma substância - no caso, psicofármacos - nesse período. Na presença de desejo ou planejamento de engravidar a curto ou médio pra­ zos, quando do início do tratam ento de um transtorno psiquiátrico, deve-se priorizar o uso de medicamentos com menor risco para uma gravidez futura e, sempre que possível, em monoterapia. Nunca deve ser feita a retirada abrupta de um medicamento, quando da confirmação de gravidez por parte da paciente, pelo risco de recaída e de efeitos deletérios para o feto e para o quadro psiquiátrico materno, que po­ dem ser superiores aos do uso de fármacos. A eventual suspensão deve ser feita apenas para psicofármacos com alto risco teratogênico comprovado. É sempre im portante destacar que a gravidez não protege de um quadro psiquiátrico qualquer. Pacientes com transtorno bipolar têm risco de 20% de psicose puerperal. Já na população geral, o risco é cem vezes menor, algo ao redor de 0,2% . O tratam ento e a prevenção de transtornos psiquiátricos são imperativos pelo risco imposto à mãe, ao feto e ao neonato.

ANTIPSICÓTICOS ► a/

GESTAÇAO ► Os antipsicóticos clássicos, ou de primeira geração, em geral são considerados seguros, embora os dados sejam m uito restritos e advindos 374


PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

QUADR011.3.1 ►FATORES DE RISCO PARA DOENÇAS PSIQUIÁTRICAS NA GESTAÇÃO ■

X

a

História prévia de doenga psiquiátrica Historia fam iliar de doença psiquiátrica Antecedentes de abortos, natimortos ou malformação fetal Fatores socioeconomicos: falta de suporte fam iliar e social Ausência de parceiro, dificuldades financeiras, gestação não planejada (sobretudo em jovens), multiparidade, história de violência doméstica e uso de álcool e outras substâncias Eventos estressantes Fonte: Tess 3

basicamente do tratam ento de hiperemese gravídica. Há relatos de que o haloperidol e as fenotiazinas poderiam estar associados a deformidade dos membros, discinesia e icterícia em neonatos.4 Embora os estudos sejam imprecisos, o uso desses agentes, bem como de butirofenonas e fenotiazinas, parece razoavelmente seguro. O estudo com os antipsicóticos atípicos, ou de segunda geração, oferecem dados mais precisos e recentes. A olanzapina e a risperidona são os antipsicóticos que alcançam níveis séricos mais altos de passagem da placenta para o feto. Enquanto a taxa de passagem da olanzapina chega a 72% , a da quetiapina é de apenas 24% (um terço menor). Não há dados precisos sobre ziprasidona, aripiprazol ou clozapina. Uma metanálise recente avaliando os efeitos obstétricos e neonatais asso­ ciados à exposição aos antipsicóticos (típicos e atípicos) durante a gravidez incluiu 13 estudos de coorte, com 6 .2 8 9 casos de gestantes expostas aos antipsicóticos e 1 .6 1 8 .0 3 9 não expostas. Os antipsicóticos como grupo (não houve análise por medicamento) estavam associados a discreto aumento do risco de malformações, defeitos cardíacos, baixo peso ao nascer e maior risco de parto prematuro. 0 uso de antipsicóticos durante a gravidez não se mos­ trou associado a bebês grandes para a idade gestacional ou abortamento. Os próprios autores concluíram que houve lim ites metodológicos na condução de tal metanálise, como a inclusão de poucos estudos e a presença de variá­ veis confundidoras, não sendo possível estabelecer uma relação causal entre as alterações encontradas e o uso de antipsicóticos na gravidez.5 Alguns antipsicóticos de segunda geração podem levar a ganho de peso e ris­ co de desenvolvimento de síndrome metabólica, com implicações possíveis na mortalidade perinatal, na prematuridade e em anormalidades congênitas. Porém, essa é uma questão ainda não estabelecida totalmente. De qualquer forma, o controle do peso, do apetite aumentado por doces e carboidratos e da glicemia e lipídeos deve ser rigoroso.6 rs j

LACTAÇAO ► Em contraste com a gestação, não há critérios adequados para a exposição dos lactentes aos psicofármacos, mas uma dose estimada abaixo 375


PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

de 10% é considerada compatível com a amamentação, sendo que a maioria dos medicamentos tem índice abaixo de 1% (Quadro 11.3.2). Não obstante, o uso de antipsicóticos no transtorno bipolar não pode ser suspenso ou representa um risco menor do que outros medicamentos em um período propício a recaídas. A observação de diferentes relatos de caso ou sequências de caso eviden­ ciou que risperidona, quetiapina e olanzapina não foram, até o momento, relacionadas a alterações no desenvolvimento da criança. A clozapina, por apresentar-se em doses elevadas no lactente, é, a princípio, contraindicada. A quetiapina é o medicamento mais estudado, sendo que, até o momento, constitui um fármaco de escolha em função da ausência de descrição de efeitos colaterais no lactente.

ANTIDEPRESSIVOS ► GESTAÇAO ► Estudos recentes apontam que a depressão não tratada em gestantes pode ocasionar mais prejuízos aos recém-nascidos, incluindo nas­ cimento prematuro, baixo peso do bebê ao nascer e complicações perinatais, do que o tratam ento dessas mulheres com antidepressivos.8 Essas situações podem ser decorrentes da alteração no eixo hipotalâm ico-hipofisário-adrenocortical que a depressão não tratada ocasiona, provocando aumento de cortisol e catecolaminas, e levando à hipoperfusão placentária, consequen­ temente havendo menor crescimento do feto e facilitando a prem aturidade.9 O uso de inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) (como grupo) e da venlafaxina (inibidor da recaptação de serotonina e norepinefrina [IRSN]) na gravidez é relativamente seguro, sem associação com m alform a­ ções fetais maiores, a não ser pela paroxetina, que pode aumentar o risco de

QUADR011.3.2 ►DOSE ESTIMADA NO LACTENTE EM RELAÇÃO À DOSE ANTIPSICÓTICA MATERNA Amissulprida

10,7%

Aripiprazol

0,9%

Asenapina

Não há dados

Haloperidol

0,2-12%

Clozapina

1,4%

Olanzapina

1-1,6%

Clorpromazina

0,3%

Quetiapina

0,09-0,1%

Risperidona

3,4-9,1%

Ziprazidona

0,07-1,2%

Fonte: Taylor e colaboradores.7

376


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malformação congênita cardíaca,8 embora algumas metanálises não tenham confirmado esse risco e o benefício do medicamento em determinadas con­ dições clínicas justifique sua manutenção. Byatt e colaboradores10 realizaram uma revisão de artigos no Medline/ Pubmed a respeito do uso dos antidepressivos na gestação, publicados entre 1966 e 2 0 1 2 . Como já citado, referem que o uso dos ISRSs é seguro, a não ser pela paroxetina, que poderia ocasionar alterações nos septos cardíacos atrial e ventricular. O uso de venlafaxina, bupropiona, mirtazapina e trazodona não aumentaria os riscos de malformação fetal, entretanto, o número de estudos com esses antidepressivos é bem pequeno, sendo mais pertinente, então, o uso de ISRSs como primeira escolha no tratam ento da depressão materna. Para Almeida e colaboradores,11 o estudo de 4 1 .9 6 4 gestantes no período de 1998 a 2 0 0 2 evidenciou maior número de abortamentos no primeiro trim estre com o uso concomitante de antidepressivos, sobretudo IRSNs. A causa dos abortamentos ainda é incerta, podendo ocorrer por uma ação direta dos antidepressivos nos cromossomos do feto ou no desenvolvimento da placenta. Um estudo populacional dinamarquês de 2 0 1 3 ,12 com análise de 1 .0 0 5 .3 1 9 gestações, não identificou maior número de abortamentos com o uso asso­ ciado de antidepressivos. A lim itação do estudo é que apenas 11% das gestantes com diagnóstico de depressão faziam uso de psicofármacos. Akioyamen e colaboradores13 realizaram uma revisão sistemática com análi­ se de 83 artigos científicos, de 1950 a 2 0 1 5 , além de 8 .5 8 7 citações sobre efeitos do uso de antidepressivos em gestantes que realizaram tratam ento de fertilização. Não observaram efeitos adversos atribuíveis ao uso dos an­ tidepressivos nos fetos ou nos recém-nascidos, mas indicam que o número de estudos era pequeno. Em um estudo de coorte norueguês que avaliou 6 3 .3 9 5 gestantes nas 17a e 3 0 a semanas de gestação - sobre uso de antidepressivos e aspectos m édi­ cos, sociodemográficos e psicológicos - , o número de gestantes que recebeu antidepressivos na gravidez foi de 6 9 9 (1,1% da amostra), sendo que 563 (0,9% da amostra) iniciaram a administração do medicamento até seis me­ ses antes de engravidar. Outras 1 .0 4 8 mulheres (1,7% da amostra) usaram antidepressivos antes de engravidar, porém não utilizaram os medicamentos durante a gravidez. Os antidepressivos usados foram: citalopram /escitalopram (n = 3 0 4 ou 0,5% da amostra), sertralina (n = 118 ou 0,2% da amostra), paroxetina (n = 92 ou 0,1% da amostra), fluoxetina (n = 74 ou 0,1% da amostra), fluvoxamina (n = 3 ou menos que 0,1% da amostra), tricíclicos (n = 38 ou 0,1% da amostra), venlafaxina (n = 66 ou 0,1% da amostra), outros tipos não especificados (n = 4 9 ou 0,1% da amostra). Os medicamentos mais utilizados, portanto, são os ISRSs. Esse estudo não apontou aumento no risco de malformações fetais em geral ou alterações cardiovasculares específicas com a exposição aos ISRSs na

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gestação, inclusive com seu uso no primeiro trimestre. Tampouco houve rela­ ção com aumento de risco de parto prematuro ou baixo peso ao nascimento. Três metanálises, estudando 1 0 0 .2 1 7 gestantes, não evidenciaram aumento de malformações em geral ou cardiovasculares após o uso de ISRSs, venlafaxina, tricíclicos e outros antidepressivos, como mirtazapina, trazodona e bupropiona.14’15 Entretanto, a quarta metanálise, que estudou apenas 2.621 gestantes, identificou que a paroxetina estaria associada a aumento das malformações fetais, porém sem a participação de outros ISRSs, bem como de tricíclicos, venlafaxina, mirtazapina, bupropiona e trazodona. Este últim o estudo teria alguns problemas no pareamento dos controles com os indivíduos expostos aos antidepressivos.15 Um estudo de caso-controle encontrou um aumento do risco de malformação com o uso de doses de paroxetina acima de 25 m g/dia.17 Ainda em relação à paroxetina, foram avaliadas 4 1 0 gestantes que fizeram seu uso no primeiro trim estre da gravidez, e não houve aumento de chance de malformações fetais.18 O uso da fluoxetina por 3 1 4 gestantes, no entanto, apontou aumento discreto de malformações cardíacas, que não foi descrito em um número m uito maior de estudos.19 É nítido que a maioria de estudos de metanálise, coorte (prospectivos e retrospectivos) e de caso-controle evidencia que antidepressivos de maneira geral (ISRSs, tricíclicos, IRSNs) não são teratogênicos. Duas metanálises sobre o uso de antidepressivos durante a gestação apon­ taram que haveria um aumento de abortamentos espontâneos. Entretanto, os estudos não foram adequadamente controlados para outros fatores que pudessem confundir os resultados, como abortos anteriores, uso de tabaco ou outras substâncias pela gestante, idade da mãe e presença de episódios depressivos.20 O uso de antidepressivos durante a gestação foi associado a parto prematu­ ro, sobretudo quando a administração se deu no segundo e no terceiro tri­ mestres. Entretanto, em uma metanálise recente, não foram identificadas diferenças de partos prematuros quando comparadas gestantes expostas aos antidepressivos com aquelas que não os tinham utilizado.21 A influência do uso desses fármacos no peso ao nascimento não é consensual, com alguns estudos apontando risco de baixo peso do bebê e outros não evidenciando essa alteração. Podem haver alguns efeitos adaptativos do recém-nascido devido à exposi­ ção aos antidepressivos na gravidez, como movimentos anormais ou de tônus muscular, que seriam relativamente benignos ou potencial mente mais graves, como aumento de risco de crises epilépticas.22 O uso de antidepres­ sivos após a 2 0 a semana de gestação pode facilitar o aparecimento de hiper­ tensão pulmonar no recém-nascido.23 Esses efeitos seriam pequenos em termos absolutos, não devendo contraindicar o uso de antidepressivos na gestação. Em dezembro de 2 0 1 1 , a Food and Drug Adm inistration (FDA) pronunciou-se, nos Estados Unidos, indicando que a literatura sobre o tema ainda era 378


fs j

LACTAÇAO ► O tratam ento de transtornos depressivos com antidepressivos em mulheres que estão amamentando suscita dúvidas quanto aos riscos da passagem desses fármacos no leite materno para o bebê. Também se teme os efeitos colaterais desses medicamentos nas crianças, bem como a inter­ ferência deles no desenvolvimento neuropsicomotor.8

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escassa e que a associação entre hipertensão pulmonar e uso de antidepressivos na gestação era m uito pequena e até mesmo inconclusiva. Um estudo populacional prospectivo de coorte finlandês analisou nascimen­ tos de bebês, com três grupos distintos: 1 5 .7 2 9 bebês expostos ao uso de ISRS na gestação; 9 .6 5 2 bebês cujas mães apresentavam diagnóstico psiquiátrico e que, no passado, haviam sido medicadas com ISRS, mas não fizeram uso na gestação; 3 1 .3 9 4 bebês cujas mães não fizeram uso de ISRS e não tinham diagnóstico psiquiátrico.24 Os ISRSs usados foram fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina, citalopram e escitalopram. O grupo com uso de ISRSs na gravidez teve 16% me­ nos chance de parto pré-termo (entre a 3 4 a e a 3 6 a semanas) e 48% menos chance de nascimento entre a 2 8 a e 3 2 a semanas de gestação, comparado ao grupo com transtorno psiquiátrico e sem uso de ISRSs. O grupo com uso de ISRSs tam bém necessitou de menor número de cesarianas, comparado ao grupo que não os utilizou. O escore de Apgar para o grupo que usou ISRSs chegou a ser mais baixo do que nos demais grupos, entretanto, com m oni­ toramento adequado na unidade de neonatologia, não houve consequências mais graves. Não ocorreu confirmação de maior risco de hipertensão pulm o­ nar associado ao uso de ISRSs. Conforme já citado em outros estudos, não houve maior risco de malformações fetais. Uma das preocupações com o uso de ISRSs na gestação são alterações epigenéticas, e não há estudos em bebês avaliando esse aspecto. Há um es­ tudo em ratos de laboratório que indicou que o uso de fluoxetina na gravidez alterou a metilação do DNA em um rato com 22 dias de vida, em especial no córtex cerebral e no hipocampo, mas não ficou claro se essa alteração se m anteria.25 Por sua vez, estressores intrauterinos têm sido relacionados também a alterações epigenéticas, o que não justificaria a omissão de trata­ mento em grávidas com transtornos mentais moderados e graves. Até o momento, os estudos que associam o autism o infantil ao uso de ISRSs são inconsistentes e inconclusivos. Há dois que indicaram associação entre o espectro autista e a exposição do bebê aos ISRSs, porém não foi possível isolar a própria depressão materna como fator etiopatogênico para o trans­ torno, assim, a causalidade não pôde ser bem-estabelecida.26 Embora um estudo tenha sugerido que, em crianças do sexo masculino, a exposição pré-natal a ISRS pode aumentar em até três vezes a suscetibilida­ de ao autismo em comparação a crianças com desenvolvimento neuropsicológico normal, um estudo dinamarquês que avaliou 6 6 8 .4 6 8 nascimentos, entre 1996 e 2 0 0 6 , não encontrou evidências de associação entre exposição a antidepressivos na gestação e autismo infantil.27

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

A concentração de ISRS é de baixa a indetectável no plasma e no leite ma­ terno. Não foram encontrados vestígios de três ISRSs: paroxetina, sertralina e fluvoxam ina.28 Citalopram e escitalopram foram observados em pequena concentração plasmática no bebê, já a fluoxetina chegou a ser detectada a uma taxa de concentração de cerca de 80% da encontrada no sangue materno em um trabalho, apesar de outro estudo apontar que a concentração plasmática seria menos de 10% na maioria dos bebês testados. Mas a fluoxetina não é a melhor escolha para a lactação. O uso da venlafaxina pela mãe produz sua detecção no plasma da criança amamentada, podendo alcançar cerca de 30% da concentração plasmática materna,29 mas sem ocorrência de efeitos adversos. Outros antidepressivos, como tricíclicos, desvenlafaxina, mirtazapina, duloxetina e bupropiona, são m inim am ente detectados no plasma do bebê ou até mesmo não observados. Os possíveis efeitos colaterais aos lactentes expostos aos antidepressivos no leite materno são escassos e podem, inclusive, ser uma coincidência, já que compreendem sintomas como maior irritabilidade e choro associado à fluoxetina e dim inuição de sono e apetite, além de cólicas que seriam se­ cundárias à exposição ao citalopram .30 Não foi evidenciado qualquer tipo de efeito colateral ao lactente cuja mãe era medicada com venlafaxina, que é detectada no plasma do bebê. Alguns estudos avaliaram possível com prom etim ento do crescimento do lactente com a exposição a ISRSs e venlafaxina, não havendo diferenças estatísticas com os controles normais nesse assunto.31 A exposição do lactente a antidepressivos no leite materno tam bém não se correlacionou a alterações neurocomportamentais de longo prazo, como inteligência, desenvolvimento comportamental e neurológico, e linguagem.32 A escolha do tratam ento de gestantes e mães amamentando com antidepres­ sivos deve ser feita após avaliação cuidadosa do com prom etim ento psicopatológico do caso, lembrando que um quadro depressivo moderado a grave pode trazer consequências danosas ao feto e ao lactente. Assim sendo, amamentação e uso de psicofármacos não são situações m u­ tuam ente excludentes. Nas depressões pós-parto, a recomendação é usar paroxetina, sertralina ou nortriptilina. Entretanto, caso o uso de fluoxetina, citalopram ou venlafaxina já esteja sendo feito durante a gestação com boa resposta clínica, pode-se mantê-lo, uma vez que a troca por um antidepressivo com menor ou pouca excreção no leite materno poderia não garantir a mesma eficácia para con­ trole do transtorno materno.33

INIBIDORES DA MONOAMINOXIDASE

► Os dados sobre a segurança do uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) na gestação e na lactação são lim itados devido aos poucos estudos envolvendo tais medicamentos nessa população.

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BENZODIAZEPÍNICOS ► /w

GESTAÇAO ► Os benzodiazepínicos (BZDs) estão entre os psicofármacos mais prescritos para gestantes. Apesar de estudos anteriores sugerirem a relação entre a exposição intrauterina a BZDs no primeiro trim estre e malformações congênitas ou fenda labial ou palatina, pesquisas recentes não identificaram essa associação de forma tão frequente. Um dos principais estudos foi reali­ zado no Reino Unido35 e verificou, a partir de um banco de dados de cuida­ dos primários, que, entre as crianças nascidas de 1990 a 2 0 1 0 , a presença de malformação congênita foi semelhante, naquelas expostas a diazepam (2,7% , n = 1.159) ou temazepam (2,9% , n = 37 9) no primeiro trim estre da gravidez, à observada em filhos de mães com depressão e/ou ansiedade não tratadas com medicamento (2,7% , n = 1 9 .1 9 3 ) e filhos de mães sem diagnóstico de transtorno mental durante a gravidez (2,7% , n = 3 5 1 ,7 8 5 ). Apesar de esses resultados indicarem que a prescrição de tais medicamentos durante o primeiro trim estre possa ser segura quanto ao risco do desenvolvi­ mento de malformação congênita, outros estudos são necessários antes que a segurança possa ser confirmada mais claramente. Estudos com todos os nascidos entre 1998 e 2001 (n = 1 1 9 .5 4 7 ) em British Columbia, Canadá, ressaltaram que a combinação de antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina e BZD (e não apenas a exposição ao BZD) aumenta o risco de doenças cardíacas congênitas. Estudos atuais tam bém não identificaram déficits cognitivos e motores. O Norwegian Mother and Child Cohort Study36 avaliou o desenvolvimento da linguagem aos 3 anos de idade em filhos de mães que reportaram uso de BZDs nas semanas 17, 18, 30 e em seis meses pós-parto. Das 5 1 .7 4 8 gestações de mulheres incluídas nos estudos, 3 9 5 (0,8% ) reportaram uso de BZDs, e os resultados refutam qualquer associação entre exposição pré-natal a ansiolíticos e menor competência na linguagem aos 3 anos de idade. Em revisão bibliográfica do PubMed, entre 2001 e 2 0 1 1 , os autores também identificaram que a exposição a BZD durante o primeiro trim estre de gravidez não parece estar associada com risco aumentado para malformações.37

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A ipronizida foi o primeiro IMAO introduzido como antidepressivo, no fim dos anos de 1950, sendo logo seguido por outros compostos sem o mesmo risco de hepatotoxicidade, como a isocarboxazida, a tranilciprom ina e, depois, a moclobemida. Entre as poucas pesquisas que foram realizadas com selegilina para o período gestacional, a maioria foi efetuada em modelo animal. Encontram-se poucos relatos de caso com fenelzina. Certamente, as dificuldades com seu manuseio clínico, que incluem a ne­ cessidade de dietas e o cuidado com interações medicamentosas, e não seu perfil de boa eficácia (em particular da tranilciprom ina), é que levaram esse grupo de medicamentos ao quase abandono. Dessa forma, recomenda-se que mulheres que desejem engravidar ou gestantes troquem o uso de IMAOs por outro antidepressivo com menor risco ou mais dados de estudo que au­ mentem a segurança da indicação.34

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

Ainda assim, o uso de BZD na gestação não deve ser considerado isento de risco. Calderon-Margalit e colaboradores38 verificaram, por meio de uma coorte de 2 .7 9 3 gestantes de Washington, associação entre o uso de BZD nesse período e maior incidência de parto prematuro, baixo peso ao nascer, baixo escore no Apgar, admissão em unidade de tratam ento intensivo (UTI) neonatal e síndrome do desconforto respiratório. Identificaram tam anho pe­ queno para idade gestacional, sobretudo relacionado ao uso de zolpidem, que também estava incluso. O estudo de Stutter-Dallay e colaboradores39 com 1.071 mães em 13 uni­ dades de atendimento à mãe e ao bebê na França também verificou que o risco de hospitalização do neonato é maior entre aqueles que foram expostos a BZD no pré-natal (OR = 1,89, 95% Cl = 1 ,3 0 -2 ,7 5 , P = 0 ,0 0 1 ), inde­ pendentemente do peso ao nascer e de ser prematuro. O alprazolam foi associado com lipomeningocele, fenda oral, hérnia inguinal, hipospádia, criptorquidism o e malformações cardíacas. O lorazepam pode causar atresia anal, Apgar baixo, depressão respiratória e icterícia. E o clona­ zepam está relacionado a malformações cardíacas, defeitos no septo, hérnia inguinal, ílio paralítico, cianose, letargia e apneia (estudos com uso de clo­ nazepam associado a outros anticonvulsivantes). É interessante frisar que tais associações têm riscos pequenos e não podem ser consideradas causais. Todos esses medicamentos podem ocasionar síndrome de abstinência. A segurança do uso de tais agentes está retratada na Tabela 1 1 .3 .1. Então, apesar da importância dos BZDs diante de quadros graves de ansie­ dade, insônia, e manejo agudo de agitação, mania e psicose, seu uso deve ser de curto prazo e sua dose m inim izada.40 Uma preocupação notória é com o risco de síndrome de abstinência no neonato. Se usado durante o terceiro trimestre, medidas para prevenir os

TABELA 11.3 .1 ► SEGURANÇA DO USO DE BENZODIAZEPÍNICOS NA GESTAÇÃO E NA LACTAÇÃO BENZODIAZEPÍNICOS

PRIMEIRO TRIMESTRE

NEONATAL

LACTAÇÃO

Bromazepam

---

---

Diazepam

---

---

Clonazepam

---

---

Lorazepam Midazolam Alprazolam Zolpidem Zopiclona

+

+

+

+ ---

+

+

+ ---

+

+ + + + +

(+ + ) = estudos de caso asseguram o uso; (+) = poucos relatos de caso asseguram o uso; (-) = uso deve ser evitado, evidências de prejuízo.

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• •

M inim izar a exposição a vários psicotrópicos, quando possível. Se a paciente está abusando de BZDs de meia-vida curta (como alprazo­ lam), trocar para um de meia-vida longa (como lorazepam ou diazepam), a fim de m inim izar o risco de sinais e sintomas graves de síndrome de abstinência na mãe e no feto ou recém-nascido. Se a paciente não tem história de síndrome de abstinência complicada (p. ex., com convulsões ou delírios) e não mostra sintomas de abstinência significativos, uma escala validada para guiar a administração de BZDs pode ser utilizada (p. ex., Clinical Institute W ithdrawal Assessment of Alcohol Scale, Revised [CIWA-Ar]). Se os sinais e sintomas de síndrome de abstinência piorarem, a dim inuição progressiva do BZD pode ser realizada. Se a gestante tiver histórico de síndrome de abstinência complicada ou condições clínicas que dificultam a cessação do BZD, deve ser feito um planejamento de retirada, trocando-se inicialm ente por um BZD de longa duração e administração adicional diante de sintomas específicos. Após monitoração da paciente por 2 4 horas, iniciar retirada de 20 a 33% da dose administrada diariamente, a cada 2 4 horas, até que a cessação esteja completa e seja segura. Manter a discussão de caso com a equipe e o obstetra para evitar falhas na comunicação e orientações diferentes para a gestante, bem como para verificar se não há contradição das informações fornecidas pela paciente, como maior uso de BZD do que comunicado inicialmente. O uso de qualquer medicamento durante a gravidez requer consentimento informado, por meio de uma apresentação detalhada dos potenciais riscos para o feto (p. ex., teratogenicidade, parto prematuro, baixo peso ao nascer e efeitos de longo prazo) versus os riscos associados à não utilização do 383

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

sintomas de abstinência no recém-nascido devem ser tomadas, como reduzir progressivamente as doses do medicamento antes do parto. O uso prolongado de altas doses de diazepam leva a seu acúmulo no recém-nascido, podendo ocorrer duas síndromes. A primeira é a do floppy baby, que cursa com hipotonia muscular, baixos escores de Apgar, hipotermia, reflexo de tosse prejudicado, dificuldade de sucção e depressão neurológica. A segunda é a síndrome de abstinência, que inicia de 8 a 4 8 horas após o nascimento e inclui: agitação, tremores, mioclonias, desconforto respiratório, dificuldade para alimentação, vômitos, dificuldade para dorm ir e hipo ou hipertonia. Assim, neonatos expostos a BZDs na gestação devem ser mantidos em observação no hospital por 4 a 7 dias, bem como deve ser realizado o follow -up com brevidade, reforçando a psicoeducação sobre possíveis sinais de síndrome de abstinência e a busca imediata de atendim ento hospitalar. Em geral, os sintomas de síndrome de abstinência no neonato são leves, de curta duração e autolim itados, sem necessidade de tratamento, e medidas de apoio, como alimentação em pequenas quantidades e frequentes e conta­ to pele a pele, são suficientes. Gopalan e colaboradores41 propõem as seguintes diretrizes para o manejo dos BZDs na gestação e na lactação:


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medicamento. A conversa deve abordar claramente os riscos associados ao transtorno não tratado. Rastrear abuso de substâncias psicoativas, incluindo tabaco, álcool e outras substâncias lícitas e ilícitas, para, em casos positivos, aplicar o tratam ento m ultiprofissional necessário com foco na abstinência e na prevenção da recaída. /w

LACTAÇAO ► Quanto ao aleitamento materno, um estudo de coorte42 de­ monstrou que efeitos adversos ou sedação no bebê de mães usuárias de BZDs não estiveram associados com dose de BZD, hora de amamentação, nem qualquer outra característica demográfica, concluindo que o aleitamen­ to materno deve ser realizado no pós-parto, ainda que a mãe esteja em uso do medicamento. Em revisão bibliográfica, poucos estudos sobre aleitamento materno e BZDs foram realizados. Identificaram-se relatos de caso que associaram o uso de diazepam pela lactante à sedação no neonato, de alprazolam com sedação e síndrome de abstinência, e de zolpidem (que, apesar de não ser BZD, estava incluso) com sedação e amamentação reduzida. Os neonatos metabolizam os BZDs mais lentamente que os adultos, e BZDs de longa duração podem acum ular e produzir sedação, náuseas e alim enta­ ção pobre na criança. Portanto, ressalta-se que, pela presença de BZDs no leite materno, tais medicamentos devem ser evitados nesse período (sobre­ tudo os de longa duração) ou deve-se optar por BZDs de curta duração com dosagem mínima, como alprazolam, midazolam, oxazepam, pinazepam e lormetazepam. Nem todos estão disponíveis no Brasil. Diante de sinais e sintomas de intoxicação e de síndrome de abstinência no neonato, a ama­ mentação deve ser interrompida. Em resumo, o ideal é que pacientes usando BZDs adiem a gestação até a interrupção do uso do medicamento. No primeiro trimestre, deve-se evitar o uso de BZDs para transtornos de ansiedade, sendo melhor a abordagem com ISRSs ou a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Se não for possível, recomenda-se BZD preferencial mente de alta potência e meia-vida curta, como alprazolam e lorazepam, com monitoração de sintomas de abstinência nos recém-nascidos de mães usuárias crônicas desses agentes.

ESTABILIZADORES DO HUMOR (ANTICONVULSIVANTES) ► CARBAMAZEPINA ► Diversos estudos demonstram que a carbamazepina está associada ao maior risco de malformações congênitas, ainda que seja consi­ derada menos teratogênica que o ácido valproico. A carbamazepina atraves­ sa a placenta e se acumula no tecido fetal. Tal exposição está associada às seguintes possíveis consequências para o neonato: aparência facial dismórfica, anomalias craniofaciais e cardíacas, espinha bífida, retardo do cresci­ mento intrauterino, náusea, vôm ito, dificuldade na alimentação e síndrome de abstinência.

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OXCARBAZEPINA ► Em revisão da literatura, verificou-se que a oxcarbazepina atravessa a barreira placentária e suas concentrações no sangue materno e fetal são equivalentes. Apesar disso, o tratam ento em monoterapia com oxcarbazepina não esteve associado a maior risco de malformações fetais em nenhum estudo revisado. Meischenguiser e colaboradores47 não observaram malformação fetal em um estudo prospective com 35 mulheres que usaram oxcarbazepina no primeiro trimestre da gestação. Um estudo retrospectivo evidenciou três abortos es-

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Em pesquisa conduzida com 2 .6 3 5 gestantes registradas no Australian Pregnancy Register, foi observado que a monoterapia com carbamazepina mais que dobrou o risco de malformação fetal.43 Uma revisão de oito estudos de coorte com 2 .6 8 0 gestantes expostas à car­ bamazepina no primeiro trimestre de gravidez comparada com uma base de dados europeia de registros de nascimentos e de malformações congênitas entre 1995 e 2 0 0 5 verificou que a teratogenicidade dessa substância está principalmente associada à espinha bífida, não tendo encontrado associação com retorno venoso pulmonar anômalo, lábio leporino, hérnia diafragmática ou hipospádia. O estudo sugere a possibilidade de maior risco de ventrículo único e defeito do septo atrioventricular.44 O uso da carbamazepina durante a gravidez está associado ao aumento do risco de malformação do tubo neural e da fenda palatina, bem como de alterações nos tratos cardiovascular e geniturinário. Tais resultados foram obtidos em uma metanálise de cinco estudos prospectivos, com amostra de 1 .2 5 5 casos. A exposição à carbamazepina no primeiro trimestre da gesta­ ção associa-se a um risco de 0 ,5 a 1% de defeitos no tubo neural. Em estudo com ratos, observou-se que doses maiores de carbamazepina pro­ vocaram anomalias congênitas nos fetos, como espinha bífida, meromelia, oligodactilia, anencefalia e neurodegeneração do cérebro e da medula espi­ nal. Concluíram que o efeito teratogênico de retardo de crescimento e to ­ xicidade do desenvolvimento neurológico da carbamazepina depende da dosagem. Em revisão sistemática que envolveu 51 pesquisas e 2 ,5 milhões de m ulhe­ res, foi identificado que a exposição à carbamazepina na gestação pode ser teratogênica e causar menor circunferência craniana, mas não esteve asso­ ciada a consequências no desenvolvimento como quociente de inteligência (Ql) reduzido, autismo ou déficits na memória ou na atenção.45 A Associação Americana de Pediatria considera compatível o uso da carba­ mazepina com a amamentação, no entanto, deve-se ter precaução devido às poucas informações sobre sua toxicidade em neonatos. Em relação às consequências de longo prazo, em revisão sistemática, foi verificado que as crianças expostas à carbamazepina na gestação apresenta­ vam um quociente de desenvolvimento menor do que aquelas de mães sem epilepsia ou de mães com epilepsia não tratada.46 Não houve associação significativa de Ql entre esses grupos de crianças.


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pontâneos, mas nenhuma malformação. O uso da oxcarbazepina durante a gestação ocasionou um caso de anomalia urogenital. Em um estudo sobre a potencial associação entre novos anticonvulsivantes e anomalias congênitas, não foi encontrada associação entre monoterapia com oxcarbazepina no primeiro trim estre e fenda labial ou palatina, hipospádia, anencefalia ou outras malformações.48 A revisão bibliográfica de Eisenschenk49 identificou 2 4 8 mulheres que u tili­ zaram essa substância na gestação, sendo reportados 2,4% de casos de malformação (maioria em uso associado com outro anticonvulsivante), a mesma taxa da população geral. Em estudo publicado no JAM A,50 que acompanhou 8 3 7 .7 9 5 recém-nasci­ dos na Dinamarca entre 1996 e 2 0 0 8 , a exposição à oxcarbazepina no pri­ meiro trim estre de gestação não foi associada a aumento de malformações congênitas. Ressalta-se que a falta de evidências maiores sobre os impactos da oxcar­ bazepina não deve ser considerada evidência de segurança. De qualquer forma, não deixa de ser um estabilizador do humor promissor segundo as pesquisas atuais.

ÁCIDO VALPROICO (VALPROATO) ► O primeiro relato sugestivo de teratogenicidade do ácido valproico é de 1980, com descrição de espinha bífida e meningocele como malformações associadas a seu uso vindo logo a seguir. Em estudo prospectivo de coorte, a prevalência de espinha bífida ultrapas­ sou 5% em bebês expostos ao ácido valproico durante a gestação, sendo indicado que o risco aumentava com doses acima de 1.000 m g/dia.51 Em 1984, descreveu-se a síndrome fetal relacionada ao uso do ácido val­ proico, que incluía malformações, frequentemente em região craniofacial, com déficit de crescimento e disfunções de neurodesenvolvimento. A prevalência de malformações fetais devido ao uso do ácido valproico variou entre 9,7 e 10,7% , com anomalias cardiovasculares, craniofaciais, geniturinárias e em membros. Uma metanálise de 11 estudos de coorte de fetos expostos ao ácido valproico no primeiro trim estre de gestação identificou um risco 2 ,5 9 vezes maior de ter malformações em comparação ao uso de outros anticonvulsivantes, che­ gando a ser 3 ,7 7 vezes maior em comparação à população geral.52 A politerapia com ácido valproico e outros anticonvulsivantes na gestação aumenta ainda mais o risco de malformações. A comparação de 154 ges­ tantes que usaram ácido valproico (na dose média de 6 0 0 mg, com 71,7% delas na dose abaixo de 1.000 mg/dia e 28 ,3 % na dose acima de 1.000 mg/dia) durante a gravidez com 1.315 controles mostrou prevalência de 6,7% de malformações no primeiro grupo, contra 2,5% nas gestantes que não usaram o anticonvulsivante.53 As malformações fetais mais observadas foram as de origem cardiovascular (5 das 8 observadas), retardo mental em dois casos, três com suspeita de síndrome fetal devido ao valproato e dois de bebês do sexo masculino com

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LITIO ► O lítio é, sem dúvida, o estabilizador de prim eira linha no tratam ento do transtorno bipolar, e seu uso durante a gravidez ainda é assunto de de­ bate. O risco habitualmente lembrado para contraindicá-lo nessa fase é a anomalia de Ebstein, uma malformação da válvula tricúspide com graus variados de gravidade, já adequadamente descrita na literatura como sendo resultado de uso do lítio.57

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

hipospádia (entretanto, não houve significância estatística nessa m alform a­ ção geniturinária). No grupo que usava ácido valproico, houve quatro vezes mais abortamentos devido ao tem or de haver malformações fetais ou por razões pessoais. Os autores sugerem que o ácido valproico seja evitado na gestação, mas, caso a gestante já esteja fazendo uso desse medicamento e haja tem or de que a troca prejudique o estado da paciente, recomenda-se a administração de doses abaixo de 1.000 mg/dia. Um estudo observacional, que avaliou 227 gestantes com epilepsia e com ­ parou-as com 3 1 5 controles normais, encontrou maior número de m alform a­ ções fetais quando havia uso de anticonvulsivantes (6,6 vs. 2,1% ). O uso de ácido valproico relacionou-se a maior número de malformações fetais entre os anticonvulsivantes (11,3% , bem maior do que os 5,4% observados com uso de lamotrigina e os 3% obtidos com carbamazepina).54 O uso dos anticonvulsivantes como um todo não causou complicações no parto, nem aumento de prematuridade ou interferência no peso ao nasci­ mento. As malformações fetais associadas ao uso de ácido valproico foram espinha bífida, coarctação da aorta, defeito em septo atrial ou ventricular cardíaco e polidactilia. O uso de ácido fólico não teve efeito protetor nas gestantes que utilizaram anticonvulsivantes. Os autores sugerem que a troca de ácido valproico por carbamazepina pode ser adequada em uma gestante com necessidade de uso de medicamento. Foram avaliados oito estudos de coorte com 1 .5 6 5 gestações cujas mulheres haviam recebido ácido valproico no decorrer da gravidez. As malformações relacionadas ao uso do anticonvulsivante foram: espinha bífida (com risco 12 a 16 vezes maior no grupo que usou o ácido valproico), defeito no septo atrial, fenda palatina, hipospádio, polidactilia e craniossinostose (risco 2 a 7 vezes maior para o grupo que usou o anticonvulsivante nas cinco últim as malformações).55 Com isso, os autores reforçam a recomendação de evitar o uso desse medicamento em gestantes, tese já apoiada pela Academia Americana de Neurologia. Um estudo prospectivo apontou que o uso de ácido valproico na gravidez produz déficits cognitivos nas crianças (avaliadas aos 6 anos de idade) ex­ postas durante a gestação, com prejuízo de Ql, habilidade verbal e não ver­ bal, memória e funções executivas. Novamente, é sugerido que o uso desse medicamento seja evitado na gravidez.56


PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

Não obstante, autores que defendem o uso do lítio nesse período lembram que sua incidência é de 1 a 2 casos por mil quando da exposição no primeiro trimestre, contra 0,5 a 1 em 10 mil casos na população geral. Serve como argumento de que se trata de uma anormalidade de correção cirúrgica. Do lado oposto, é necessário dizer que se trata de um quadro que, quando grave, oferece im portante risco cirúrgico.57 Neonatos expostos ao lítio podem apresentar hipoglicemia, hipotermia, letar­ gia, peso elevado e hipotonia muscular (floppy baby syndrome). Poliúria e polidipsia materna podem ser exacerbadas, bem como o risco de excesso de ganho de peso. Estudos de seguimento até a idade escolar com crianças de mães que fize­ ram uso de lítio durante a gravidez não evidenciaram qualquer risco neuro­ lógico ou do desenvolvimento. Em optando-se pelo uso dessa substância durante a gravidez, teoricamente é possível que dividir as doses ao longo do dia ou usar formulações de libera­ ção prolongada leve a níveis séricos menores, reduzindo o risco da hipotonia. É im portante ressaltar que as doses de lítio precisam ser elevadas durante a gravidez em função da redução de seus níveis séricos induzida pela melhora da filtração glomerular e pelo aumento do volume sanguíneo nesse período. No parto, deve-se voltar para as doses usadas antes da gravidez. Logo após o parto, é im portante uma redução de 30 a 50% da dosagem. Como conclusão, o lítio não deve ser descontinuado em pacientes bipolares moderadas ou graves estáveis por dois motivos: 1) riscos pequenos de ano­ malia de Ebstein; e 2) custos da recaída da doença mental elevados e danos significativos. O im portante é uma monitoração ampla do desenvolvimento fetal com ultrassonografia na 16a semana e ecocardiograma fetal entre a 18a e a 2 2 a semana de gestação, além do controle rigoroso dos níveis sérios ao longo dos três trimestres de gestação. No período da amamentação, os níveis séricos de lítio do lactente apresentam-se entre 10 e 50% dos níveis maternos. Há relatos de cianose, letargia, hipotermia, hipotonia e elevação dos níveis de hormônio tireoestim ulante (TSH). Vários fatores complexos estão associados ao uso de lítio durante a amamen­ tação e podem ser custosos ou danosos ao bebê. A continuidade do trata­ mento do transtorno mental deve ser a prioridade, pois a chance de recaída no puerpério é elevada e com prejuízos m uito sérios ao vínculo mãe-bebé. Portanto, cabe ao médico orientar as pacientes que usam lítio sobre todos os possíveis riscos envolvidos e desaconselhar o aleitamento materno nessa população, substituindo-o pelo aleitamento artificial. LAMOTRIGINA ► Há crescente literatura a respeito da segurança do uso da lamotrigina em grávidas. Inicialmente, houve descrições sobre fenda palatina e lábio leporino em neonatos de mães em uso da substância, mas, hoje, são refutadas.

388


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389

PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇA0

A gravidez, em função dos maiores níveis estrogênicos, induz aumento do metabolismo da lamotrigina, levando à necessidade de aumento da dose nesse período e de redução a parâmetros anteriores após o parto. A lam o­ trigina é excretada no leite materno e atinge, no lactente, níveis sanguíneos entre 9 e 18% dos encontrados na mãe, porém a amamentação não é contraindica na maioria das situações clínicas. Principalmente a partir dos dados de seguimento de mães utilizando lam otri­ gina para o tratam ento de epilepsia, é possível dizer que seu uso é relativa­ mente seguro durante a amamentação, embora existam descrições raras de trombocitose e rash cutâneo no lactente.


PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇAO

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PSICOFARMACOLOGIA DURANTE GRAVIDEZ E LACTAÇA0

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I


11.4

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO CÁSSIO BOTTINO (IN ) RICARDO BARCELOS-FERREIRA MARCOANTONIO MOSCOSOAPARÍCIO

Em idosos, existem mudanças fisiológicas relacionadas ao próprio envelheci­ mento, como dim inuição da água corporal, maior proporção de gordura e menos massa muscular, queda das funções hepática e renal e redução do número e do funcionam ento dos circuitos neurais mediados por vários neurotransmissores, como serotonina e norepinefrina. Em razão disso, os psicofármacos têm sua particularidade durante o tratam ento dos transtornos men­ tais em idosos, devendo seu uso ser feito respeitando-se as características individuais dessa população.1 Desse modo, no tratam ento do paciente idoso, adota-se o conceito geral de “começar devagar e ir devagar” , lembrando que, por “ idoso” , se subentende uma faixa etária m uito ampla, que vai dos 60 ou 65 anos de idade até mais de 90 anos. Portanto, nessa população heterogênea, teremos idosos hígidos e saudáveis, e outros frágeis e portadores de diversas comorbidades médicas. Outro aspecto relevante, como veremos em várias classes de medicamentos, é que as recomendações para os idosos são, muitas vezes, adaptações de evidências obtidas com pacientes adultos, ou baseadas em estudos não controlados e, até mesmo, em relatos de caso. De qualquer ma­ neira, compreender melhor as alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas que ocorrem com o envelhecimento e conhecer as evidências disponí­ veis sobre o uso de psicotrópicos nessa faixa etária são ações fundamentais para que o psiquiatra ou o clínico de outras especialidades atue com mais segurança e de maneira mais eficaz no tratam ento desses pacientes com transtornos mentais.2

FARMACOCINÉTICA, FARMACODINÂMICA E ENVELHECIMENTO

► Ao planejar o tratam ento farmacológico de transtornos mentais em pacientes idosos, deve-se lembrar das principais alterações farmacocinéticas que ocorrem com o envelhecimento e que podem afetar a absorção, a distribuição, a ligação a proteínas plasmáticas e o metabolismo dos psicotrópicos nessa população (Tab. 11.4.1). Como princípio geral, podemos dizer que a eficiência do metabolismo de psi­ cotrópicos dim inui com o envelhecimento, acarretando meia-vida de elim ina­ ção prolongada, depuração renal dim inuída e níveis plasmáticos elevados.

392


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

TABELA 11.4.1 ►ALTERAÇÕES FARMACOCINÉTICAS E ENVELHECIMENTO FASE

MUDANÇAS

EFEITO

Absorção

• •

Aumento do pH gástrico Diminuição das vilosidades da superfície Diminuição da motilidade gástrica e retardo do esvaziamento gástrico Redução do esvaziamento gástrico

Diminuição da água corporal eda massa muscular sem gordura Aumento da gordura corporal total, especialmente nas mulheres Redução da albumina e aumento da gamaglobulina

Redução do fluxo sanguíneo renal eda taxa de filtração glomerular Redução da atividade enzimática e da perfusão hepática

Redução do metabolismo aumenta a meia-vida se o volume de distribuição permanece o mesmo

Distribuição

• Metabolismo

Mudanças generalizadas pequenas Absorção lentificada, mas quase completa

Aumento do volume de distribuição de fármacos lipossolúveis, diminuição para fármacos hidrossolúveis Aumenta a porcentagem de fármaco-livre ou não ligado à albumina

Peso corporal total

Diminui

Converta peso em mg

Sensibilidade dos receptores

Pode diminuir

Efeito aumentado

Fonte: Pollock.2

Com o envelhecimento, ocorre uma redução geral nos mecanismos homeostáticos (p. ex., controle postural, respostas circulatórias, termorregulação), que interfere na adaptação a mudanças ambientais e pode se manifestar como reações adversas aos medicamentos. As alterações farmacodinâmicas que ocorrem com o envelhecimento tornam os idosos mais suscetíveis a efeitos adversos, como sedação, toxicidade anticolinérgica, efeitos extrapiramidais e hipotensão ortostática, que podem ocorrer mesmo com níveis plasmáticos modestos dos medicamentos utilizados. Todas essas alterações têm papel im portante na tendência apresentada pelos idosos de responderem exagerada mente aos psicotrópicos. As reações adversas são sete vezes mais frequentes em pacientes com 70 a 79 anos de idade em comparação àque­ les com 20 a 29 anos de idade.1

ANTIDEPRESSIVOS PARA IDOSOS

Clínicos e pesquisadores têm destacado que mais de 70% dos pacientes idosos, se tratados por tem po suficiente e com dose adequada de antidepressivos, recuperam-se do episódio índice de 393


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

depressão. Em revisão recente sobre o prognóstico da depressão em idosos,3 os autores destacaram que as diferenças nas taxas de resposta e remissão referentes à farmacoterapia e à eletroconvulsoterapia (ECT) não são clinica­ mente significativas, que os idosos parecem apresentar um risco maior de ter outros episódios e que idosos e pacientes com depressão tardia têm risco aumentado de comorbidades médicas (fator de pior resposta ao tratam ento e tolerabilidade pobre). Em estudo investigando o efeito do tratam ento farm a­ cológico associado à psicoterapia interpessoal em idosos deprimidos, os au­ tores mostraram que as taxas de recuperação chegaram a cerca de 8 0 % .4 Esses resultados mostram que a depressão em idosos é uma doença tratável, mas não podemos esquecer que as taxas de resposta ao tratam ento podem ser mais baixas, especialmente naqueles pacientes portadores de doenças físicas ou com prom etim ento cognitivo.5 Alguns fatores foram associados a desfechos favoráveis da depressão em pacientes idosos, como história de recuperação de episódios prévios, história fam iliar de depressão, sexo feminino, extroversão como característica de per­ sonalidade, emprego atual ou recente, ausência de abuso de substâncias, ausência de transtornos psiquiátricos graves prévios, sintomatologia depres­ siva menos grave e ausência de eventos vitais significativos. Outro aspecto que parece favorecer o tratam ento em idosos é a presença de suporte social adequado durante o episódio de depressão.5 É fundamental considerar o perfil de efeitos adversos dos antidepressivos an­ tes de prescrevê-los para idosos (Tab. 11.4.2). Os antidepressivos tricíclicos (ADTs) geralmente não são bem-tolerados, com exceção da desipramina e da nortriptilina. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) são mais bem-tolerados e não têm os efeitos adversos cardiovasculares poten­ cialm ente sérios dos ADTs. No entanto, os ISRSs apresentam efeitos gastrin­ testinais e podem precipitar uma síndrome de abstinência de serotonina. Os inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSNs), bem como a bupropiona, são geralmente bem-tolerados,7 como veremos a seguir. Em uma revisão publicada na The Cochrane L ib ra ry,9 foi avaliada a eficácia dos antidepressivos comparados com placebo no tratam ento da depressão em idosos. Foram incluídos na análise 17 ensaios clínicos, nos quais foram estudados 2 4 5 pacientes tratados com ADTs (22 3 com placebo), 3 6 5 pa­ cientes tratados com ISRSs (37 2 com placebo) e 58 pacientes tratados com inibidores da monoaminoxidade (IMAOs; 63 com placebo). O “e ffe c t size” estandardizado para os três grupos foi, respectivamente, ADTs - 0 ,3 2 (0,21 a 0 ,4 7 ), ISRSs - 0,51 (0 ,3 6 a 0 ,7 2 ) e IMAOs - 0 ,1 7 (0 ,0 7 a 0 ,39 ). As prin­ cipais conclusões dessa revisão independente foram: 1) as três classes de antidepressivos são efetivas no tratam ento de pacientes idosos residentes na comunidade e de pacientes internados, portadores de doenças físicas graves; 2) são necessárias ao menos seis semanas de tratam ento para se obter um efeito terapêutico ótim o; e 3) existem poucas evidências que recomendem o uso de ADTs sob baixas doses em idosos. Em outra revisão mais recente sobre o uso de antidepressivos em idosos, tam bém da base de dados Cochrane,10 foram avaliados 32 estudos em rela394


RITMO E FREQUÊNCIA CARDÍACA ALTERADOS

SEDAÇÃO

HIPOTENSÃO

EFEITOS ANTICOLINÉRGICOS

Amitriptilina

+ + +

+ +

+ + + +

+ + +

Amoxapina

+

+ +

+ +

+ +

Bupropiona

0 /+

0

0

0

Clomipramina

+ + +

+ + +

+ +

Desipramina

+

+ /+ +

+

+

Doxepina

+ + /+ + +

+ +

+ + +

+ +

Fluoxetina

0 /+

0

0

0

Fluvoxamina

0 /+

0

0

0

Imipramina

+

+ +

++/+++

+ +

Maprotilina

+ + /+ + +

+ +

+ +

+

Milnaciprano

0 /+

0

0

0

Nefazodona

+ +

0

0

0

Nortriptilina

+

+

+ +

+

Paroxetina

+

0

+

0

Sertralina

0 /+

0

0

0

Trazodona

+ +

+ +

+ 1

+/++

Venlafaxina

0 /+

0

0

0

Vortioxetina

+

0 /+

0 /+

0

+

+ + +

0 = nenhum; 0 / + = incomum; + = leve; + + = moderado; + + + = forte; + + + + = muito fo r te .1 Exceto para boca seca. Fonte: Alexopoulos e Salzman4 e Small e Salzman.8

ção a eficácia, abandono e efeitos adversos. Os autores não encontraram d i­ ferenças na eficácia comparando classes de antidepressivos (ADTs e ISRSs), mas os ADTs apresentaram um desempenho inferior aos ISRSs em relação ao número de abandonos por qualquer causa e devido a efeitos adversos. A análise qualitativa mostrou um pequeno aumento dos efeitos adversos gas­ trintestinais e neuropsiquiátricos associados ao uso dos ADTs. Os IMAOs, como a tranilciprom ina, são considerados seguros e efetivos para idosos deprimidos, com a vantagem de ter poucos efeitos anticolinérgicos e não interferir na condução cardíaca. No entanto, seu uso é lim itado a idosos que não estejam tom ando outros medicamentos que podem interagir com os IMAOs, bem como que possam seguir restrições de dieta. Os principais 395

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

TABELA 11.4 .2 ► EFEITOS ADVERSOS DE ANTIDEPRESSIVOS EM IDOSOS


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

efeitos adversos observados são hipotensão e hipertensão, insônia e sonolên­ cia .11 Outros antidepressivos, como bupropiona, duloxetina, mirtazapina e venlafaxina, são considerados efetivos e seguros para tratar idosos deprimidos, mas existem consideravelmente menos evidências sobre seu uso nessa faixa etá­ ria.11 As vantagens da bupropiona são a ativação, que estaria indicada em casos de idosos com depressão anérgica ou com retardo psicomotor importante, e a ausência de efeitos adversos cardiovasculares, anticolinérgicos ou cogni­ tivos. A bupropiona não causa sedação, mas pode interferir no sono em alguns pacientes. Não existem interações farmacocinéticas com esse medi­ camento, e, para os pacientes idosos, as doses iniciais podem ser de 50 a 75 mg, duas vezes ao dia, com um aumento gradual até 3 0 0 mg/dia, em 2 ou 3 adm inistrações.10 A formulação de liberação prolongada da bupropiona também foi utilizada em pacientes idosos, mostrando eficácia semelhante à da paroxetina e menor frequência de alguns efeitos adversos.12 A duloxetina foi avaliada em dois estudos multicêntricos, nos quais foram in­ cluídos pacientes idosos (idade > 55 anos) com transtorno depressivo maior, sendo 43 pacientes tratados com placebo e 47 com duloxetina, 60 mg/dia, por nove semanas. Os resultados combinados desses dois estudos mostra­ ram que a duloxetina foi significativam ente superior ao placebo em relação à mudança média na Escala de Depressão de Hamilton, e que a probabilidade estimada de remissão para os pacientes tratados com duloxetina (44,1% ) foi também significativam ente maior do que para aqueles tratados com placebo (16,1% ). A avaliação de reduções em dores generalizadas e dores lombares também mostrou melhores resultados no grupo tratado com duloxetina.13 A mirtazapina é um antidepressivo efetivo e seguro para idosos, com proprie­ dades ansiolíticas e sedativas, o que a torna útil também como hipnótico. Seu uso não está associado a interações medicamentosas ou inibições enzimáticas, e seu efeito adverso mais im portante é o ganho de peso.11 As do­ ses habitualmente utilizadas para tratar depressão em idosos vão de 15 a 4 5 mg/dia. Em dois ensaios clínicos randomizados (ECRs) com pacientes idosos, a mirtazapina foi comparada a am itriptilina (n = 115) e paroxetina (n = 2 4 6), apresentando eficácia semelhante à da a m itrip tilin a 14 e superior à da paroxetina.15 A venlafaxina tem um perfil farmacológico que a torna uma alternativa atraente para pacientes idosos devido a seu potencial lim itado para interagir com outros medicamentos, inibição fraca do citocromo P450 e baixo nível de ligação a proteínas plasmáticas. Em uma revisão,16 os dados de três en­ saios clínicos duplos-cegos e quatro ensaios clínicos abertos corroboraram a segurança e a eficácia da venlafaxina para idosos deprimidos. Os pacientes podem apresentar efeitos adversos toleráveis durante o curso do tratamento, como insônia, náuseas, agitação ou boca seca no início do tratamento, mas efeitos adversos mais sérios, como quedas ou alterações do ritmo cardíaco, parecem raros. A hipertensão pode ocorrer em uma pequena porcentagem de pacientes idosos, mas geralmente em doses acima de 150 mg/dia. Outros 396


ALGORITMO PARA TRATAMENTO DA DEPRESSÃO MAIOR ► Um grande estudo naturalístico, conduzido por Steffens e colaboradores, denominado “Sequenced Treatment Alternatives to Relieve Depression” (STAR-D), da Duke University, avaliou 2 2 8 pacientes, de várias faixas etárias, incluindo idosos, com de­ pressão maior sem sintomas psicóticos, tratados por 18 meses, e desenvol­ veu um algoritmo que orienta sistematicamente o tratam ento.17 PROPOSTA DE TRATAMENTO ANTIDEPRESSIVO (AD) Pacientes sem indicação para ECT são alocados nas seguintes fases terapêu­ ticas, conforme seu histórico prévio ou estado da doença atual (o fluxograma pode apresentar variações sequenciais em sua aplicação):

Fase 1: • Paciente sem histórico prévio de tratam ento e sem medicamento atual: - Sertralina até 150 mg/dia - Se em seis semanas estiver bem (tolerância), chegar a 2 0 0 mg/dia • Rever em 12 semanas (eficácia e tolerância) Fase 2: • Paciente com histórico prévio de sucesso terapêutico e sem m edi­ cam ento atual: - Repetir o m edicam ento de sucesso ou sim ilar por seis semanas • O tim izar se necessário • Rever em 12 semanas (tolerância e eficácia) Fase 3: • Resposta parcial em uso de sertralina na dose máxima, após seis semanas (sintom as residuais como anergia ou apatia): - Acrescentar bupropiona até 150 mg/dia, por seis semanas • Falha com uso de nortriptilina, ISRS, IMAO ou outros em uso atual: - Adicionar carbolitium até quatro semanas (litem ia ideal de 0 ,3 a 0 ,6 mEq/L) • Falha com sertralina na dose máxima até 12 semanas: 397

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

dados sugerem que a venlafaxina pode ser efetiva também para o tratam ento de outras condições, como ansiedade e dor neuropática.16 A vortioxetina é um novo antidepressivo, recentemente lançado no Brasil, que atua em diferentes receptores de serotonina no cérebro, bloqueando a ação de alguns desses receptores e tendo ação estimulante sobre outros. Além disso, bloqueia a ação do transportador da serotonina, responsável por sua elim inação de seus locais de atividade no cérebro, aumentando, assim, a atividade serotonérgica. Pode causar náuseas, diarreia, constipação, vôm i­ tos, tontura, sudorese noturna, sonhos anormais, redução do apetite, ranger de dentes, vermelhidão e aumento do risco de fraturas. Por se tratar de um medicamento que pode dim inuir os níveis de sódio, deve ser evitado em pacientes com maior risco de hiponatremia (cardiopatas, nefropatas, hipertensos, etc.). É contraindicado a pacientes em uso de lítio, selegilina, carbamazepina, fenitoína, entre outros medicamentos comumente usados por pacientes idosos com transtornos mentais. O uso de vortioxetina não é recomendado em pacientes com 65 anos de idade ou mais.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

- Iniciar m irtazapina (> 4 5 mg/dia) ou venlafaxina (> 150 mg/dia) por 6 a 12 semanas • Falha com m irtazapina ou venlafaxina por seis semanas: - Sertralina até 2 0 0 mg/dia por seis semanas • Falha com nortriptilina: - Iniciar ISRS (preferir sertralina) Fase 4: • Falha em monoterapia após tentativa com 2 antidepressivos (não venlafaxina ou m irtazapina): - Iniciar venlafaxina de liberação estentida (XR) por 6 a 12 semanas • Falha com IMAO: - W ash-out de duas semanas do IMAO e depois iniciar m irtazapina por até 6 a 12 semanas • Falha do lítio em associação com nortriptilina, ISRS, IMAO ou outros antidepressivos: - D escontinuar lítio e antidepressivo; in icia r venlafaxina XR ou m irtazapina • Falha do lítio em associação com venlafaxina ou m irtazapina: - M anter lítio e associar nortriptilina por até 6 a 12 semanas Fase 5: • Falha de no m ínim o três das estratégias anteriores: - Iniciar ISRS mais nortriptilina ou outro ADT por até 6 a 8 semanas • Falha na com binação de ISRS com nortriptilina e ISRS com lítio: - IMAO por 6 a 8 semanas ou ECT • Falha de nortriptilina, ISRS, IMAO, com binação com lítio ou de ISRS com nortriptilina: - ECT.

ESTABILIZADORES DO HUMOR PARA IDOSOS

► Ainda não existem evidências sistematizadas sobre o uso de estabilizadores do humor em pacientes ido­ sos, e, como em outras situações clínicas, a prescrição é feita com base nas informações disponíveis para pacientes jovens, com ajustes nas doses ou no esquema posológico. O lítio, que é considerado um tratam ento de primeira linha para o transtorno bipolar, pode ser menos útil em pacientes idosos devido à dim inuição de sua tolerabilidade. A alteração da farmacocinética do lítio com o envelhecimento provavelmente é responsável pelo aumento da frequência de casos de toxici­ dade associada a esse fármaco em tal faixa etária (1 1 a 23% ). Outro aspecto relevante são os relatos de neurotoxicidade em idosos, que pode ocorrer mesmo com níveis séricos considerados terapêuticos para adultos jovens. Portanto, nos pacientes idosos, recomenda-se levar em consideração a idade e o estado geral do paciente, e monitorar cuidadosamente a administração do lítio para se obter uma melhor resposta no tratam ento do transtorno bi­ polar.18 Em relação aos anticonvulsivantes, tam bém não existem dados de ECRs com pacientes idosos, e as evidências disponíveis foram obtidas a partir de

398


ANTIPSICÓTICOS PARA IDOSOS

Os antipsicóticos são medicamentos u tili­ zados em diversas situações clínicas envolvendo pacientes idosos, tanto na­ queles em tratam ento am bulatorial como nos internados em instituições de cuidados agudos ou de longa permanência. Em levantamento que investigou o uso de antipsicóticos em idosos (n = 2 .4 6 0 ) internados em 10 institui­ ções de longa permanência em Montreal, no Canadá, observou-se que o uso desses medicamentos variou de 15 a 37% , com média de 25 ,2 % dos pa­ cientes. Os antipsicóticos atípicos foram prescritos a 15,6% , os convencio­ nais a 7,6% , e uma combinação dos dois a 2% dos 2 .4 6 0 pacientes idosos TABELA 11.4 .3 ► ESTABILIZADORES DO HUMOR PARA IDOSOS COM TRANSTORNO BIPOLAR MEDICAMENTO

SUMÁRIO E BASE DE RESPOSTA CLÍNICA

EFEITOS ADVERSOS

Valproato

Relatos de caso e revisões retrospectivas sobre transtorno bipolar no idoso e ensaios controlados em demência confirmam eficácia na mania e em estados mistos. Pode ser preferível ao lítio no transtorno bipolar atípico e na mania secundária.

Náuseas, sintomas gastrintestinais e ganho de peso

Lamotrigina

Relatos de caso e análises prospectivas em transtorno bipolar em idosos confirmam eficácia em sintomas depressivos.

Cefaleia, náusea, tremor, reações de hipersensibilidade (rash cutâneo) com dosagem inicial elevada e titulação rápida

Carbamazepina

Os ensaios controlados em populações mistas de transtorno bipolar e os ensaios em populações de epilépticos sugerem eficácia na mania e no transtorno bipolar atípico.

Sedação/sonolência, ataxia, náusea, hiponatremia, incremento de risco de discrasias sanguíneas e déficits cognitivos

Gabapentina

Os estudos controlados em populações mistas não confirmam eficácia na mania.

Sonolência, vertigem, ataxia e fadiga

Oxcarbazepina

Os estudos sugerem boa tolerabilidade em pacientes idosos com epilepsia, mas não existe dado no transtorno bipolar em idosos.

Vômitos, vertigem, náusea e sonolência

Topiramato

Nenhum ensaio publicado sobre transtorno bipolar em idosos. Os estudos controlados em populações mistas não relatam eficácia na mania.

Efeitos cognitivos, sedação, perda do peso e possível incremento no risco de cálculos renais

Fonte: Adaptada de Steffens.17

399

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

estudos com populações mistas de bipolares, idosos com epilepsia e pa­ cientes com demência ou transtornos psicóticos. Um resumo das principais evidências disponíveis é apresentado na Tabela 11.4.3.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

internados.19 Esse levantamento constitui apenas um exemplo do amplo uso que é feito desses medicamentos em pacientes nessa faixa etária, e alguns princípios devem ser seguidos para perm itir sua prescrição efetiva e segura, como: a) prescrever antipsicóticos apenas para sintomas clínicos específi­ cos e bem-definidos; b) considerar que a relação dose-resposta apresenta uma grande variação individual; c) antecipar-se aos efeitos adversos, es­ pecialmente efeitos anticolinérgicos, hipotensores e extrapiramidais; d) dar preferência aos antipsicóticos atípicos, que têm perfil de efeitos adversos mais benigno que os antipsicóticos convencionais; e) considerar interações medicamentosas potenciais , considerando que cerca de 35 ,4 % dos idosos vivendo na comunidade usam, em média, 3 a 5 medicamentos cada; f) monitorar os efeitos do medicamento ao longo do tempo e fazer ajustes no plano de tratam ento (a “ não aderência” a esquemas posológicos em idosos varia de 4 0 a 75 % ).20’21 As principais indicações do uso de antipsicóticos em idosos são: esquizofre­ nia, esquizofrenia de início tardio, transtornos delirantes, transtornos do hu­ mor com psicose, mania, demência com sintomas neuropsiquiátricos, qua­ dros de d e liriu m e doença de Parkinson com psicose.20 Em revisão publicada recentemente, foram avaliados todos os ECRs com antipsicóticos para tratar esquizofrenia ou psicoses esquizofreniformes em idosos, sendo revisados três estudos controlados relevantes. Um estudo pe­ queno (n = 18) comparou tioridazina com remoxipride, indicando um RR de abandono precoce de 1,0 (IC 0 ,0 7 a 13,6). Em outro estudo (n = 175), a risperidona foi comparada à olanzapina, sendo que melhora global, sinto­ mas psicóticos e testes cognitivos não foram diferentes entre os dois gru­ pos. Em um terceiro estudo (n = 59) revisado, a olanzapina foi comparada ao haloperidol, e as diferenças dos escores da Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica (BPRS) e da Escala das Síndromes Negativa e Positiva (PANSS) não foram conclusivas. Como conclusão, os autores argumentaram que os antipsicóticos são amplamente usados para idosos com esquizofrenia, mas os dados não são robustos para orientar o clínico sobre qual a melhor opção de tratam ento.21 Na Tabela 1 1 .4 .4 , a seguir, apresentamos características de antipsicóticos usados em pacientes idosos. Como mencionamos anteriormente, os antipsicóticos são utilizados com bastante frequência para tratar os chamados sintomas neuropsiquiátricos dos pacientes com demência, ou sintomas psicológicos e comportamentais das demências, especialmente agitação, agressividade, delírios, alucinações, perambulação e insônia, que podem ocorrer durante a evolução de um idoso com demência. Em revisão (duas metanálises e dois ECRs) sobre o tratam ento dos sintomas neuropsiquiátricos em pacientes com demência, observou-se que, com os antipsicóticos convencionais, não houve diferença entre agentes específicos, com eficácia pequena e efeitos adversos comuns. Por sua vez, os estudos revisados com os antipsicóticos atípicos (seis ECRs) mostraram eficácia mo­ desta, mas significativa, de olanzapina e risperidona, com efeitos adversos 400


EFEITOS ADVERSOS

MEDICAMENTO

DOSE INICIAL (MG/DIA)

FAIXA DE USO (MG/DIA)

HIPOTENSÃO

EFEITOS ANTICOLI­NÉRGICOSi

EFEITOS EXTRAPIRAMIDAIS

GANHO DE PESO

SEDAÇÃO

Haloperidol

0 ,5

0 ,5 -4

+

+

+

+ + +

+

Clozapina

1 2 ,5

1 2 ,5 -1 0 0

+ + +

+ + +

+ + +

Risperidona

0 ,5

0 ,5 -4

+

+ +

+ /-

+

+ +

Olanzapina

2 ,5 -5

5 -1 5

+ +

+ +

+

+ /-

+ + +

Quetiapina

25

5 0 -3 0 0

+ +

+ +

+ /-

Ziprasidona

20

4 0 -1 2 0

+

+ +

+ /-

+ /-

+ /-

Aripiprazol

5

1 0 -1 5

+

+

+ /-

+ /-

+ /-

Asenapina

5

1 0 -2 0

+ + +

+ +

+ +

+ /-

+ + +

+ + +

-

+ +

-

Fonte: A d a p ta d a de S ilv a e c o la b o ra d o re s .20

mínimos em baixas doses e associação a aumento do risco para acidente vascular cerebral (AVC).22 O achado do aumento de efeitos adversos graves, associado ao uso dos antipsicóticos atípicos em pacientes idosos, motivou um alerta da Food and Drug Adm inistration (FDA) norte-americana dirigido aos clínicos que utilizam esses medicamentos. A partir desses achados, iniciou-se uma discussão so­ bre sua relevância e também sobre a indicação e as contraindicações do uso de antipsicóticos atípicos em pacientes idosos. Em outra revisão crítica sobre as evidências associadas ao uso de antipsicóti­ cos para tratar os sintomas neuropsiquiátricos dos pacientes com demência, os autores relataram que: 1) o uso dos antipsicóticos atípicos, comparados a placebo, causa pequeno ou nenhum aumento dos sintomas extrapiramidais (SEPs) e mudança de peso não significativa; 2) os antipsicóticos atípicos, comparados aos convencionais, estão associados a risco reduzido de SEPs, menor incidência de discinesia tardia e ganho de peso não significativo; 3) os antipsicóticos atípicos não foram associados a intolerância à glicose, diabetes ou hiperlipidem ia em pacientes idosos com demência; 4) os an­ tipsicóticos convencionais e atípicos foram associados a anormalidades da condução cardíaca, com a magnitude do aumento do intervalo QTc sendo levemente menor com os atípicos; 5) ECRs sugerem que os antipsicóticos atípicos estão associados a aumento do risco para eventos adversos cerebrovasculares, como AVC, e a aumento da mortalidade comparados com placebo, com riscos similares aos dos convencionais; 6) aumento do risco de eventos adversos anticolinérgicos e quedas deve sempre ser considerado com os dois grupos de medicamentos; 7) os antipsicóticos atípicos estão associados a eventos adversos potencialmente graves e, antes de prescrevê401

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

TABELA 11.4.4 ►DOSES E EFEITOS ADVERSOS DE ANTIPSICOTICOS EM IDOSOS


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

-los a pacientes idosos com demência, deve-se avaliar SEPs, anormalidades no ECG e medicamentos concomitantes. Ao fim dessa revisão, os autores concluíram que a presença de fatores de risco cardiovasculares, cerebrovasculares e metabólicos deve ser levada em consideração na avaliação dos benefícios e riscos potenciais dos antipsicóticos atípicos e convencionais.23

ANSIOLÍTICOS PARA IDOSOS

► Os estudos controlados que abordam o trata­ mento farmacológico dos quadros de ansiedade nos idosos ainda são escas­ sos. Enquanto não existir uma base de dados mais consistente para consulta, decidir sobre qual a melhor abordagem para seus pacientes torna-se, muitas vezes, uma tarefa angustiante para o clínico. Ainda mais se considerarmos que o uso de ansiolíticos ou hipnóticos é m uito frequente nessa faixa etária, tanto em indivíduos idosos na comunidade como naqueles pesquisados em instituições geriátricas, variando de 9 ,9 a 2 4 % .24 Apresentamos, a seguir, um resumo dos achados consensuais da literatura e algo de nossa experiên­ cia clínica, abordando especialmente os medicamentos benzodiazepínicos (BZDs). Em relação a aspectos farmacocinéticos, observa-se, após a ingestão oral de BZDs, uma discreta lentificação da absorção gastrintestinal nos idosos, em comparação a adultos jovens, com picos plasmáticos ocorrendo entre 4 5 m i­ nutos e 3 horas após a administração do m edicam ento.25 Devido à dim inui­ ção dos níveis de albumina plasmática, os idosos podem apresentar-se mais sedados com alguns BZDs, os quais se ligam fortemente à albumina. O volume de distribuição de muitos BZDs tende a aumentar com a idade, e o metabolismo também se altera com a idade, levando à produção de metabólitos que têm propriedades terapêuticas e tóxicas. O desmetildiazepam é um desses metabólitos clinicam ente significativos, produzido a partir da degradação de várias substâncias (clordiazepóxido, diazepam e clorazepato). Com o envelhecimento, ocorre uma lentificação do metabolismo hepático, causando um aumento da meia-vida, tanto do BZD como de seu metabólito ativo. Algumas substâncias têm a sua meia-vida de eliminação aumentada em 2 ou 3 vezes nos idosos, em comparação aos adultos jovens, podendo levar a um acúmulo potencialmente tóxico. Os BZDs com meia-vida curta são metabolizados principalm ente por meio da via da glucuronidação, que não é significativam ente afetada pela idade. Portanto, a elim inação desses medicamentos é, em geral, mais rápida que a dos BZDs de meia-vida longa, não ocorrendo acumulação significativa nos idosos.25 Fatores que influenciam a farmacodinâmica dos BZDs, como a idade, as comorbidades, a polifarmácia e a não aderência ao tratamento, são especial­ mente importantes nos pacientes idosos, os quais são mais sensíveis à toxi­ cidade potencial dessas substâncias. Os indivíduos idosos apresentam uma sensibilidade aumentada aos efeitos colaterais dos BZDs no sistema nervoso central (SNC), que não parece estar relacionada à meia-vida desses medica­ mentos. A presença de doenças físicas ou psíquicas, associadas ao quadro de ansiedade, pode predispor a um aumento da toxicidade dos BZDs nos pacientes idosos, e outro fator im portante, que pode aumentar os efeitos co-

402


ESCOLHA DO BENZODIAZEPÍNICO ► Os BZDs são geralmente classificados de acordo com sua meia-vida de eliminação, que é usada como um índice da taxa de elim inação de determinada substância do organismo, depois de ter atingido seu estado de equilíbrio plasmático. A meia-vida é determinada pelo clearance e pelo volume de distribuição da substância no corpo. De acordo com essa divisão, classificam-se os BZDs como de meia-vida (t1/^) ultracurta m < 5 horas), os quais são habitualm ente utilizados como hipnóticos nos idosos; meia-vida curta ou intermediária {tVi = 5 a 2 4 horas) e meia-vida longa (W 2 > 2 4 horas).24 Entre os BZDs que podem ser utilizados para tratar idosos com ansiedade, temos aqueles com meia-vida curta ou intermediária. Entre os representan­ tes desse grupo de medicamentos, podemos citar 0 oxazepam, que não pos­ sui metabólitos ativos e não tem sua farmacocinética afetada pelo envelhe­ cimento. O lorazepam, que tem estrutura semelhante à do oxazepam, é um medicamento bastante utilizado em nosso meio. O lorazepam é mais poten­ te, mas, como 0 oxazepam, tem meia-vida curta (10 a 12 horas) e não pos­ sui metabólitos ativos, não sofrendo alteração significativa em sua distribui­ ção e eliminação com 0 envelhecimento. Em idosos, éutilizado para tratar agitação e inquietação em indivíduos demenciados, para reduzir a ansiedade associada a doenças físicas e parece potencializar 0 efeito da nortriptilina associada à psicoterapia no tratam ento de depressão com ansiedade. A dose terapêutica sugerida é de 0 ,5 a 1,0 mg, 2 ou 3 vezes ao dia. Outro BZD bastante potente é 0 alprazolam, que tem meia-vida intermediária (12 a 15 horas) e dois metabólitos ativos. O clearance dessa substância é prolongado nos pacientes idosos, principalm ente devido ao aumento da meia-vida de eliminação observado em homens idosos. A possível ação antidepressiva e 0 tratam ento do transtorno de pânico com alprazolam não foram investigados

403

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

laterais desses psicofármacos, é sua potencial interação com diversos outros medicamentos. Devido à sensibilidade aumentada do SNC dos idosos aos BZDs, a interação tóxica com outros medicamentos pode ocorrer mesmo em doses consideradas seguras para adultos jovens. Os níveis plasmáticos dos BZDs podem aumentar com a administração concomitante de cim etidina ou dissulfiram , que inibem a atividade das enzimas microssomais hepáticas, ou dim inuir na presença de outras substâncias que induzem as enzimas hepáti­ cas (p. ex., anticonvulsivantes e esteroides). A administração concomitante de substâncias como a cim etidina afeta principalm ente os BZDs que sofrem metabolismo oxidativo, enquanto aqueles metabolizados pela via da glucuronidação (p. ex., lorazepam, oxazepam) praticamente não são afetados.24 Outro aspecto que deve sempre ser lembrado é a não aderência dos pacien­ tes idosos ao esquema terapêutico, o que pode ocorrer como resultado de esquecimentos, confusão devido ao uso de vários medicamentos em doses e horários diferentes, medo com relação aos efeitos colaterais das substâncias e crenças pessoais sobre os fármacos prescritos.25 Qualquer uma dessas situações pode levar ao uso exagerado ou inadequado dos medicamentos, dim inuindo a efetividade do tratam ento ou causando intoxicações.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

em idosos com estudos controlados. A dose terapêutica preconizada é de 0 ,2 5 a 2 ,0 mg/dia, em quantidades fracionadas.24 Os BZDs de meia-vida prolongada sofrem uma acumulação gradual e têm eliminação lenta nos pacientes idosos. Essas características podem constituir uma desvantagem, porque os eventuais efeitos tóxicos podem manter-se no organismo por dias ou até semanas em quantidades significativas, mas, quando bem-tolerados, esses medicamentos podem ser administrados uma vez ao dia ou até em dias alternados. O metabolismo do clordiazepóxido cria diversos metabólitos ativos, entre eles o desmetilclordiazepóxido e o desmetildiazepam, os quais têm meias-vidas de eliminação relativamente longas. O clordiazepóxido é uma substância eficaz para tratar a ansiedade em idosos, mas sonolência, apatia e ataxia são alguns dos efeitos colaterais observados. A dose preconizada é de 2 0 a 40 mg/dia, iniciando com 5 a 10 mg. A meia-vida do diazepam é em torno de 75 a 90 horas, enquanto a de um de seus metabólitos ativos, o desmetildiazepam, é de 8 0 a 100 horas. Portanto, apesar de ser uma substância efetiva no tratam ento de insônia, agitação e ansiedade, o diazepam pode causar sedação, com prom etimento de memória e lentificação psicomotora em indivíduos idosos, devendo ser prescrito em doses únicas diárias ou em dias alternados. A dose inicial pre­ conizada é de 2 mg, e a dose terapêutica é de 2 a 10 mg/dia. O bromazepam é uma substância bastante utilizada, com meia-vida de eliminação de 8 a 3 0 horas. O metabólito ativo hidroxibromazepam parece ter, assim como o com ­ posto principal, ação ansiolítica, com pouca tendência a acum ular com o uso contínuo. A dose preconizada para adultos jovens é de 1,5 a 3 mg até três vezes ao dia, devendo ser reduzida nos pacientes idosos. O clonazepam é um BZD de alta potência, com propriedade anticonvulsivante e meia-vida longa. É utilizado no tratam ento do transtorno de pânico, no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), na mania, na psicose e na agitação grave. A meia-vida nos idosos é de mais de 100 horas, sendo muito sedativo e podendo causar desequilíbrios e quedas mesmo em doses terapêuticas. A dose preconizada é de 0 ,2 5 a 2 mg, em administração única diária ou em dias alternados.24 A insônia é uma das queixas mais comuns apresentadas por indivíduos ido­ sos e, além das mudanças da arquitetura do sono, que habitualmente ocor­ rem com o envelhecimento, os idosos estão sujeitos a inúmeras doenças médicas e psiquiátricas que podem cursar com insônia. Portanto, é indis­ pensável investigar adequadamente as queixas de insônia dos idosos, pois, em muitas situações, o manejo não farmacológico pode aliviar e até mesmo resolver o problema. Quando essas abordagens não são efetivas, os BZDs constituem uma alternativa terapêutica eficaz, que deve ser utilizada sempre que necessário. Entre os BZDs, aqueles com meia-vida ultracurta, como o midazolam e o triazolam, são as substâncias com perfil farmacológico mais indicado para serem utilizadas como hipnóticos. O triazolam tem meia-vida de eliminação de 1,5 a 5 horas e metabólitos inativos. É uma das substân­ cias que se mostrou eficaz no controle da insônia, em estudos clínicos com idosos, mas pode causar insônia, ansiedade de rebote e amnésia anterógrada dose-dependente. O midazolam é outro BZD com meia-vida ultrarrápida 404


INIBIDORES DAS COLINESTERASES

► O tratam ento dos pacientes com de­ mência modificou-se a partir do final da década de 1980, quando foram fei­ tos os primeiros ensaios clínicos para pacientes com demência na doença de Alzheimer (DA), utilizando-se uma substância cujo mecanismo principal de ação é a inibição da enzima acetilcolinesterase. Portanto, inibindo a ativida­ de dessa enzima, que degrada a acetilcolina na fenda sinóptica, produzindo colina e acetato, seria possível aumentar a concentração de acetilcolina, um

TABELA 11.4.5 ►CARACTERÍSTICAS DE ALGUNS BENZODIAZEPÍNICOS UTILIZADOS EM IDOSOS METABQLITQS ATIVOS

MEIA-VIDA MÉDIA (HORAS)

DOSE (MG/DIA)

Oxazepam

Não

8

10-45

Lorazépam

Não

10-12

0,5-1,0

Alprazolam

Sim

12-15

0,25-2,0

Clordiazepóxido

Sim

> 12

20-40

Diazepam

Sim

75-90

2-10

Bromazepam

Sim

8-30

1,5-3,0

Clonazepam

-

> 100

0,25-2,0

7,5

BZD ANSIOLÍTICOS

HIPNÓTICOS Midazolam

Sim

2,4

Triazolam

Não

1,5-5

-

Flunitrazepam

-

35

1

Flurazepam

Sim

47-95

15

Fonte: Hermann e Lancôt.24

405

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

bastante utilizado. É eficaz no tratam ento da ansiedade, mas tem m etaboli­ tes ativos e pode causar amnésia anterógrada. A dose preconizada é de 7,5 mg à noite. O flunitrazepam é um BZD com meia-vida prolongada (cerca de 35 horas) utilizado como hipnótico. Parece ter como inconveniente um potencial para causar abuso. A dose utilizada para idosos é de 1 mg à noite. Outro medicamento m uito utilizado no Brasil é o flurazepam, que mostrou ser eficaz no tratam ento da insônia em indivíduos idosos, com um início de ação rápido. Entretanto, o flurazepam tem meia-vida de eliminação prolon­ gada, devido especialmente a seus metabolites ativos, que podem acumular-se, o que é observado sobretudos em idosos do sexo masculino. A dose preconizada é de 15 mg à noite.24 Na Tabela 11 .4 .5, resumimos os dados citados anteriormente sobre alguns BZDs.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

dos neurotransmissores envolvidos na fisiopatologia da DA. Apresentaremos, a seguir, as principais evidências sobre a utilização dos inibidores das colinesterases (IChEs) para o tratam ento dos pacientes com DA e outros tipos de demência, como a demência vascular (DV) e a demência com corpos de Lewy (DCL).

TACRINA ► O primeiro trabalho

publicado com resultados do tratam ento com anticolinesterásicos em pacientes com DA descreveu uma melhora im por­ tante e poucos efeitos colaterais em 17 pacientes com DA leve a moderada que foram tratados com tacrina. Outros estudos subsequentes demonstra­ ram efeitos terapêuticos modestos com a tacrina, sem haver um consenso sobre a im portância dos efeitos observados. Em um estudo m ulticêntrico com 30 semanas de duração, observou-se, na Subescala Cognitiva da Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer (ADAS-Cog), uma mudança significati­ va em 27% dos pacientes recebendo uma dose de 160 mg/dia do medi­ camento. Entretanto, a hepatotoxicidade, os efeitos colaterais colinérgicos frequentes e a meia-vida curta acabaram por lim itar o uso da tacrina, que já não mais é comercializada para o tratam ento da DA, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.26 Desde meados da década de 1990, foram lançados IChEs de segunda gera­ ção, que têm maior seletividade para inibir a colinesterase, menos efeitos co­ laterais periféricos colinérgicos e uma meia-vida mais prolongada. Na Tabela 1 1 .4 .6 , há um resumo de algumas das principais características farm acoló­ gicas da tacrina e dos IChEs de segunda geração (donepezila, galantamina e rivastigmina).

DONEPEZILA

► A donepezila foi o primeiro medicamento aprovado nos Estados Unidos para o tratam ento da DA e o segundo lançado no Brasil. Dois grandes estudos m ulticêntricos, de 12 e 24 semanas de duração, mostraram benefícios significativos para os pacientes com DA que tomaram donepezila TABELA 11.4.6 ►CARACTERÍSTICAS FARMACOLÓGICAS DOS INIBIDORES DAS COLINESTERASES TACRINA

DONEPEZILA

RIVASTIGMINA

GALANTAMINA

Classe

Acridina

Piperidina

Carbamato

Alcaloide fenantreno

Meia-vida (h)

2-4

~ 70

~ 1,5

~ 6

Biodisponibilidade (% )

17-37

100

40

100

Via de eliminação

Fígado

Fígado

Rim

50% fígado, 50% rim

Seletividade

AChE e BuChE

AChE

AChE e BuChE

AChE

Metabolismo CYP450

Sim

Sim

Mínimo

Sim

AChE = acetilcolinesterase; BuChE = butirilcolinesterase. Fonte: Bottino e Castilho.25

406


GALANTAMINA ► A galantamina é um inibidor reversível, com petitivo e especí­ fico da acetilcolinesterase (AChE), e um modulador alostérico em receptores colinérgicos nicotínicos, potencializando a neurotransmissão nicotínica colinérgica. Dois grandes ECRs, placebo-controlados, m ulticêntricos, publicados utilizan­ do a galantamina para o tratam ento de pacientes com DA leve a moderada, um deles com cinco meses de duração e envolvendo 9 7 8 pacientes, e outro com seis meses de duração e 6 3 6 pacientes, mostraram benefício do m edi­ camento ativo sobre a melhora global, a cognição, as AVDs e o com porta­ mento. Nos dois estudos, a taxa de abandono e a incidência de efeitos adversos foi baixa. Nesse segundo estudo, após 12 meses, os escores da escala ADAS-Cog e da Escala para AVDs DAD não haviam mudado signifi­ cativamente da linha de base para os pacientes tratados com 2 4 mg/dia de galantam ina.26 Em revisão sistem ática,28 avaliando ECRs com duração superior a quatro semanas, relatou-se efeito positivo nos estudos de 3 a 6 meses de duração, e as doses acima de 8 mg/dia estavam, na maior parte dos estudos, asso­ ciadas de modo consistente a benefícios estatisticamente significativos. Portanto, existem evidências de eficácia da galantamina em escores globais, testes cognitivos, AVDs e comportamento. A magnitude do efeito na cognição é sim ilar à de outros IChEs, incluindo donepezila, rivastigmina e tacrina. RIVASTIGMINA ► A rivastigmina é um IChE de segunda geração que inibe tan­ to a acetil (mais abundante no cérebro) quanto a butirilcolinesterase (BuChE; mais abundante em órgãos como intestino, fígado, coração e pulmões), mas o significado clínico dessa ação sobre a BuChE no tratam ento dos pacientes com DA ainda é desconhecido. Os estudos avaliando a eficácia e a segurança desse medicamento em pacientes com DA foram prospectivos, randomizados, m ulticêntricos, duplos-cegos e placebo-controlados, feitos nos Estados Unidos (n = 69 9) e nos Estados Unidos-Europa (n = 725). Os pacientes foram divididos em três grupos: dose baixa (1 a 4 mg/dia) e alta (6 a 12 mg/dia) de rivastigmina e placebo, sendo acompanhados por 26 semanas.

407

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

comparados aos que receberam placebo. O efeito terapêutico, avaliado com a ADAS-Cog, foi de 3,1 pontos no estudo de 2 4 semanas. Não ocorreu hepatotoxicidade, e 68% dos pacientes tom ando 10 mg/dia de donepezila completaram o estudo, comparados a 80% dos pacientes recebendo placebo e 85% dos pacientes tom ando a dose de 5 mg/dia. Efeitos colaterais colinérgicos importantes ocorreram apenas no grupo que recebeu a dose mais elevada do medicamento.26 Em uma revisão sistemática Cochrane,27 o uso de donepezil para DA leve e moderada tratadas por períodos de 12, 2 4 ou 52 semanas foi benéfico, observando-se melhora no estado clínico global, na função cognitiva, em ati­ vidades de vida diária (AVDs) e no comportamento. Relatou-se também que o uso da donepezila seria semelhante ao do placebo em relação aos custos totais dos cuidados com a saúde dos pacientes. Os benefícios da dose de 10 mg/dia foram pouco maiores do que os da dose de 5 mg/dia.


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

Os resultados indicaram que os pacientes tom ando doses altas de rivastigmina apresentaram resultados significativam ente melhores que o grupo de controle com relação a cognição (ADAS-Cog), avaliação global de mudança (CIBIC-Plus), AVDs (PDS) e gravidade da doença (GDS e MMSE). Os prin­ cipais efeitos colaterais observados foram gastrintestinais, sendo de intensi­ dade leve a moderada, descontinuando o tratam ento devido aos efeitos ad­ versos: 23% dos pacientes do grupo de dose alta, 7% do grupo de dose baixa, e 7% do grupo de controle.26 Em revisão sistemática com ECRs que utilizaram a rivastigmina por mais de duas semanas, o medicamento foi benéfico para pessoas com DA leve a mo­ derada. Em comparação com placebo, houve melhora na função cognitiva, nas AVDs e na gravidade da demência com doses diárias de 6 a 12 mg/dia. Os efeitos adversos foram consistentes com a ação anticolinérgica do me­ dicam ento.29 Em uma metanálise avaliando o efeito dos IChEs de segunda geração (donepezila, galantamina ou rivastigmina), foram revisados 16 estudos, nos quais 5 .1 5 9 pacientes foram tratados com fármaco ativo e 2 .7 9 5 com placebo por, ao menos, 12 semanas. A proporção média de respondedores (resposta global) aos IChEs comparados aos pacientes tratados com placebo foi de 9%, e a taxa de eventos adversos dos pacientes tratados com o fármaco ativo foi de 8% . O “ número necessário para tratar” (NNT) para se obter esta­ bilização ou melhora em um paciente adicional foi igual a 7. Em resumo, os autores concluíram que o tratam ento com IChEs pode resultar em efeito te­ rapêutico modesto, mas significativo; com NNT, para beneficiar um paciente adicional, pequeno; e taxas modestas, mas significativam ente mais altas, de eventos adversos.30 Algumas sugestões importantes para o manejo no tratam ento com IChEs para pacientes com DA são:26 • • • •

• • • •

Iniciar com dosagens baixas e aumentá-las a cada 4 a 6 semanas, de acordo com a resposta do paciente, até atingir as doses terapêuticas de cada IChE. Monitorar os eventuais efeitos colaterais e, se possível, tratá-los. Avaliar e tratar as alterações de comportamento, como agitação, caso ocorram após a introdução dos IChEs. Manter o tratamento, enquanto houver melhora, estabilização ou redução da velocidade de progressão do declínio cognitivo, funcional ou do com ­ portamento. Tentar atingir as doses máximas dos medicamentos, desde que o paciente tolere. Descontinuar o tratam ento caso os pacientes necessitem de anestesia geral para algum procedimento. Fazer reavaliações objetivas a cada seis meses. Para os pacientes nos quais não se evidencia uma pequena melhora ou, ao menos, uma interrupção da velocidade do declínio após os primeiros 3 a 6 meses de tratamento, está indicada a troca do medicamento, o que pode trazer algum benefício adicional.

408


• • •

Donepezila - 5 a lO mg/dia Galantamina - 16 a 24 mg/dia Rivastigmina - 6 a 12 mg/dia

USO DOS INIBIDORES DA COLINESTERASE EM OUTRAS DEMÊNCIAS ► O resultado po­ sitivo obtido com os IChEs no tratam ento dos pacientes com DA e as evidên­ cias do envolvimento de vias colinérgicas em outros tipos de demência m o­ tivaram a realização de ECRs para, por exemplo, pacientes com DV ou DCL.

Por exemplo, a galantamina foi avaliada em estudo m ulticêntrico, duplo-cego, no tratamento de pacientes com DV provável ou DA associada à doença cerebrovascular. Os pacientes foram randomizados para receber 2 4 mg/dia de galantamina (n = 3 9 6 ) ou placebo (n = 196) por seis meses. A galantamina foi bem-tolerada e mostrou maior eficácia do que o placebo nas escalas ADAS-Cog e CIBIC-Plus, e tam bém nas avaliações de AVDs e de alterações do com portam ento.26 Uma metanálise Cochrane, avaliando ECRs e controla­ dos com placebo que utilizaram 5 a 10 mg/dia de donepezila em pacientes com DV leve a moderada, apresentou os resultados de dois estudos grandes que incluíram 1.219 pacientes tratados por 2 4 semanas. As evidências dis­ poníveis mostraram benefícios da donepezila na melhora de função cogniti­ va, impressão clínica global e AVDs dos pacientes.31 A rivastigmina (até 12 mg/dia) foi comparada ao placebo em 120 pacientes com DCL, acompanhados por 20 semanas. Os resultados mostraram que os pacientes que receberam rivastigmina ficaram menos apáticos e ansiosos, tiveram menos delírios e alucinações, e apresentaram melhor desempenho cognitivo do que os do grupo que recebeu placebo. Os eventos adversos gas­ trintestinais foram mais frequentes no grupo que recebeu a rivastigmina, mas a segurança e a tolerabilidade do medicamento ativo foram consideradas aceitáveis.26 A eficácia da rivastigmina, de 3 a 12 mg/dia, tam bém foi estudada em 541 pacientes com demência associada a doença de Parkinson leve a moderada, por um período de 2 4 semanas.31 Os pacientes tratados com rivastigmina apresentaram benefícios avaliados pelas escalas ADAS-Cog e ADCS-CGIC comparados aos pacientes no grupo que recebeu placebo. Os efeitos adver­ sos mais frequentes foram náusea, vômitos e tremores, com maior incidência no grupo tratado com fármaco ativo. Portanto, nesse estudo placebo-controlado, a rivastigmina foi associada a melhoras moderadas nos pacientes com doença de Parkinson, porém com taxas mais elevadas de náusea, vômitos e tremores. A partir dos resultados dos estudos apresentados anteriormente, podemos concluir que os IChEs de segunda geração (donepezila, galantamina e rivas­ tigm ina) têm um efeito modesto, mas consistente, sobre a melhora global, a cognição, as AVDs e as alterações do com portam ento no tratam ento de curto prazo (seis meses) dos pacientes com DA. Os dados dos estudos mostram também que esses medicamentos são seguros e tolerados pelos pacientes, sendo os efeitos adversos principalm ente gastrintestinais. Existem também 409

TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

As doses recomendadas dos IChEs de segunda geração são:25


TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

evidências de seu benefício no tratam ento de médio (dois anos) e longo (mais de dois anos) prazos desses pacientes, mas estudos adicionais de difícil execução precisariam ser feitos para investigar melhor essa questão e auxiliar o clínico a decidir sobre a manutenção do tratam ento de seus pacientes com DA por tem po prolongado. As evidências existentes também sugerem um resultado benéfico da utiliza­ ção dos IChEs de segunda geração para pacientes com DV e mista (DA asso­ ciada à doença cerebrovascular), DCL e demência na doença de Parkinson.32

USO DA MEMANTINA NO TRATAMENTO DA DOENÇA DE ALZHEIMER

► A memantina é indicada para tratam ento de pacientes com DA moderada e grave. É um antagonista não com petitivo de afinidade moderada dos receptores N-m etil-D-aspartato (NMDA) de glutamato. A memantina está associada à dim inuição da excitotoxicidade neuronal induzida pelo glutam ato e mediada pelo cálcio. Sua meia-vida é de 60 a 80 horas, e sua metabolização hepáti­ ca é mínima. A administração deve ser iniciada com 5 mg/dia, e a dose aumentada em 5 mg/dia a cada semana, até atingir 20 mg/dia, divididos em duas doses. A memantina deve ser associada aos IChEs quando o paciente atingir a fase moderada da doença, e não há interação entre essas classes de medicamen­ tos. Geralmente, é bem-tolerada, e seus principais efeitos colaterais são agitação, insônia, diarreia, incontinência urinária, cefaleia e alucinações.33

REFERÊNCIAS 1.

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410


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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

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TRATAMENTO FARMACOLÓGICO NO IDOSO

LEITURAS RECOMENDADAS Bottino CMC, Aparício MAM. Atualização no uso de antidepressivos e estabilizadores de humor. In: Nitrini R, Rabello GD, Fortini I, Caramelli R Calderaro MR editores. Condutas em neurologia. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro; 2005. p. 178-90. Bottino CMC, Blay SL, Laks J. Diagnóstico e tratamento dos transtornos do humor em idosos. São Paulo: Atheneu; 2012. Lanctot KL, Herrmann N, Yau KK, Khan LR, Liu BA, LouLou MM, et ai. Efficacy and safety of cholinesterase inhibitors in Alzheimer’s disease: a meta-analysis. CMAJ. 2003;169(6):557-64.

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA BRUNO PINATTI FERREIRA DE SOUZA EDUARDO DE CASTRO HUMES RENÉRIO FRÁGUAS

De modo geral, 15% dos indivíduos atendidos por médicos não psiquiatras apresentam algum transtorno mental, e essa taxa fica ainda maior em pa­ cientes hospitalizados ou com condições médicas que acometam o sistema nervoso central (SNC). A tendência atual é que o médico não psiquiatra as­ suma o tratam ento de pacientes com os transtornos mentais mais comuns, cabendo a ele realizar a primeira hipótese diagnóstica do transtorno mental e estabelecer a estratégia terapêutica, incluindo ou não a solicitação de avalia­ ção psiquiátrica. Dessa forma, cabe ao médico não psiquiatra avaliar a pró­ pria competência para tratar transtornos mentais e a necessidade de enca­ minhamento a psiquiatra. O Quadro 12.1 apresenta algumas situações em que se recomenda o encaminhamento a uma avaliação psiquiátrica. Cabe lembrar que todas as manifestações psiquiátricas podem estar em comorbidade com outra condição médica. No hospital geral, encontramos elevada prevalência de pacientes com comorbidades clínicas e psiquiátricas, sendo a depressão, de modo geral, o transtorno mental mais frequente nesse ambiente. Em tal situação, o médi­ co deve dar atenção especial para a detecção e o tratam ento precoce da depressão. Não se deve considerá-la apenas como diagnóstico de exclusão, tampouco ver os sintomas depressivos automaticamente como uma reação normal à condição médica. Pacientes com depressão associada a outra con­ dição médica podem não se considerar deprimidos e mesmo não apresentar humor depressivo. Nesse, em particular, a anedonia (falta de prazer) é um sintoma fundam ental para o diagnóstico. Em vez de humor depressivo, tais pacientes podem apresentar humor irritável, que pode dificultar ainda mais a aceitação do diagnóstico de depressão. A perda de peso é outro sintoma rele­ vante nesse contexto, embora possa ser decorrente tanto da depressão como de outra condição médica associada, equivocadamente pode ser atribuída apenas à outra condição médica e não à depressão. Sintomas melancólicos, como despertar precoce e piora matinal, devem sempre ser investigados, pois, embora possam não ser frequentes, sua presença fortalece o diagnós­ tico. No Quadro 12.2 encontram-se os critérios diagnósticos de depressão segundo o M anual diagnóstico e estatístico de transtornos m entais, quinta edição (D SM -5).2

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

QUADR012.1 ►SITUAÇÕES EM QUE O MÉDICO NÃO PSIQUIATRA DEVE CONSIDERAR SOLICITAR INTERCONSULTA PSIQUIÁTRICA • • • • • •

Tentativa de suicídio ou ideação suicida atual Antecedente de tentativa de suicídio ou ideação suicida com transtorno mental atual Transtorno mental não responsivo a duas tentativas de tratamento Antecedente pessoal ou fam iliar de bipolaridade Presença de sintomas psicóticos Não aderência ao tratamento ou características de personalidade que o dificultem

Fonte: Adaptado de Nice.org.1

Vale ressaltar que o tratam ento eficaz do transtorno mental pode ser decisivo para o sucesso do tratam ento da outra condição médica. Por exemplo, a depressão está associada à dificuldade para aderir a tratam entos tanto medi­ camentosos como comportamentais, incluindo dietas e atividade física. Na maioria das condições, não há um corpo de evidências que permita a escolha clara de uma primeira linha de tratamento. No entanto, há pontos cruciais na abordagem farmacológica, incluindo efetividade do psicotrópico tanto para o controle dos sintomas mentais como em eventuais queixas do quadro clíni­ co (p. ex., alguns antidepressivos têm efeito terapêutico sobre dor crônica, outros podem auxiliar ou atrapalhar o controle glicêmico). Fatores que ta m ­ bém precisam ser levados em consideração incluem potenciais interações

QUADR012.2 ►DIAGNOSTICO 00 EPIS0DI0 DEPRESSIVO MAIOR SEGUNDO OS CRITÉRIOS DO DSM-5 Sintomas depressivos: 1. Humor deprimido 2. Interesse ou prazer diminuídos 3. Perda ou ganho significativo de peso ou diminuição ou aumento do apetite 4. Insônia ou hipersônia 5. Agitação ou retardo psicomotor 6. Fadiga ou perda de energia 7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada 8. Capacidade de pensar ou de concentração diminuídas ou indecisão 9. Pensamentos de morte, ideação suicida A. Cinco ou mais sintomas devem estar presentes por pelo menos 2 semanas, sendo que os sintomas 1 e/ou 2 são essenciais para indicar o diagnóstico. B. 0s sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. C. 0 episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica. D. A ocorrência do episódio depressivo maior não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia com outra explicação e não especificados e outros transtornos psicóticos. E. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco. Fonte: Com base em American Psychiatric Association 2

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CARDIOLOGIA Pacientes com morbidades cardíacas apresentam taxas significativamente maiores de depressão do que a população geral. Até 65% dos pacientes após um infarto agudo do miocárdio (IAM) apresentam sintomas depressivos,3 e 15 a 23% manifestam episódio depressivo maior (EDM) após síndromes co­ ronárias agudas.4 O sucesso do tratam ento antidepressivo nessa população tem grande importância para a evolução clínica do paciente. A depressão em pacientes com doença coronariana pode aumentar a morbidade e a m orta­ lidade.5 A depressão pode piorar o prognóstico por dim inuir a aderência ao tratam ento clínico, por aumentar os fatores de risco (sedentarismo, interrup­ ção do tabagismo) e por constituir um fator de risco independente para gravidade da doença coronariana.5'8 Quanto aos transtornos de ansiedade, pacientes com transtorno de pânico, devido à semelhança de sintomas com o IAM, frequentemente recorrem a serviços de atendimento clínico. Diante de um diagnóstico de IAM ou angina, o clínico/cardiologista deve afastar também a presença do transtorno de pânico, pois este pode ser até quatro vezes mais prevalente em pacientes com doenças das coronárias do que na população geral.

TABELA 12.1 ►EXEMPLO DE EFEITOS ADVERSOS DE PSICOTRÓPICOS A SEREM CONSIDERADOS EM PACIENTES COM COMORBIDADE CLÍNICA PSICOTRÓPICOS

EFEITOS ADVERSOS

Lítio

Diminuição do limiar convulsivo Potencial de nefrotoxicidade

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

Diminuição da agregação plaquetária

Benzodiazepínicos (BZDs)

Potencial de sedação excessiva em altas doses e/ou em combinação com outras substâncias depressoras do SNC

Antidepressivos tricíclicos (ADTs)

Potencial de cardiotoxicidade Potencial de induzir arritmias cardíacas Hipotensão postural Retenção urinária em pacientes com prostatismo

Bupropiona

Diminuição do limiar convulsivo

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

medicamentosas e possíveis efeitos colaterais agravando a outra condição médica. Na Tabela 12.1, estão listados exemplos de efeitos adversos de psicotrópicos a serem considerados em pacientes com comorbidades clíni­ cas. Várias intervenções psicoterapêuticas são eficazes para a depressão em pacientes com outra condição médica. A psicoterapia pode ser indicada como tratam ento único e/ou em conjunto à farmacoterapia, dependendo do julgam ento clínico.


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

Diante de paciente com comorbidades cardíacas, a escolha de um antidepressivo deve ser criteriosa, uma vez que as diferenças entre os antidepressivos podem ser cruciais na segurança do tratam ento nessa população. Alguns aspectos a serem considerados do ponto de vista clínico são alterações no intervalo QTc, bloqueios, arritm ias e alteração na pressão arterial (Tab. 12.2). Sob tal panorama, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) têm sido considerados relativamente mais seguros. Embora mais seguros, casos raros de arritm ia cardíaca foram descritos com o citalopram e a fluoxetina. Mulheres com idade avançada em uso de antiarrítm icos e com alterações de potássio constituem um grupo de risco. Os ISRSs reduzem a agregação plaquetária, o que pode favorecer sangramentos, especialmente gastrintestinais. Tal risco aumenta em pacientes que fazem uso de anticoa­ gulantes, ácido acetilsalicílico (AAS) e anti-inflam atórios não esteroides.10-14 A introdução de antidepressivos deve ser cautelosa naqueles que usam anti­ coagulantes não só devido à dim inuição da agregação plaquetária, mas tam ­ bém devido à interação de metabolização entre antidepressivos e anticoagu­ lantes. Em pacientes que utilizam varfarina, deve-se considerar o citalopram quando necessário um antidepressivo, uma vez que é o ISRS com menor risco de interação com a varfarina.15 A mirtazapina tam bém tem sido consi­ derada relativamente segura em pacientes com cardiopatia. Os benzodiazepínicos (BZDs) são uma opção segura e eficaz para o controle rápido de sintomas ansiosos. Não têm efeitos sobre o intervalo QT e apre­ sentam evidências de redução do tônus simpático, dim inuição dos níveis de catecolaminas, redução da resistência vascular coronariana, inibição da agregação plaquetária, aumento do lim iar de fibrilação ventricular e menores taxas de reinfarto.16 Já suas principais limitações são a sedação excessiva, com risco de depressão respiratória em doses demasiadas, especialmente por via intravenosa e/ou em associação com outras substâncias depressoras do SNC, e a dependência quando usados em longo prazo. No Quadro 12.3, encontram-se os efeitos que os antipsicóticos têm sobre o intervalo QTc. Além disso, nessa população, deve-se ter em mente o efeito dos antipsicóticos sobre o perfil metabólico. A clozapina e a olanzapina têm um pior perfil que os demais antipsicóticos quanto a ganho de peso, hipercolesterolemia, tolerância à glicose, diabetes e cetoacidose diabética.17,18

DERMATOLOGIA Sabe-se que o curso de muitas doenças cutâneas pode ser afetado por es­ tresse ou eventos psicológicos,19,20 e que doenças dermatológicas podem contribuir para a manifestação de transtornos psiquiátricos.21 Além disso, 30 a 40% dos pacientes que procuram tratam ento para doenças dermatológi­ cas apresentam um problema psiquiátrico ou psicológico que pode causar ou exacerbar a queixa cutânea.22 Também é im portante ter em mente que medicamentos utilizados no tratam ento de condições dermatológicas estão relacionados a manifestações psiquiátricas, tendo destaque os corticoïdes e os imunomoduladores, como a talidom ida. Da mesma forma, psicotrópicos

416


ANTIDEPRESSIVO

FREQUÊNCIA CARDÍACA

Citalopram

PRESSÃO ARTERIAL

QTc/ARRITMIAS

Pequena diminuição

Pequena queda na pressão sistólica

Aumento do QTc dose-dependente. Raros relatos de torsades de pointes, principalmente em doses elevadas em associação com antiarrítmicos em idosas com cardiopatia.

Duloxetina

Discreto aumento

Pode aumentar a pressão arterial

Relatos isolados de prolongamento do QTc. Relatos isolados de toxicidade.

Fluoxetina

Pequena diminuição na frequência cardíaca média

Mínimo efeito

Raros relatos de caso de torsades de pointes.

Inibidores da monoaminoxidase (IMAOs)

Diminuição

Hipotensão postural Risco de crise hipertensiva

Poucas evidências, mas pode encurtar o intervalo QTc. Raramente pode causar arritmia e diminuição da fração de ejeção ventricular esquerda.

Mirtazapina

Mínimo efeito

Mínimo efeito

Raros relatos de caso de torsades de pointes.

Paroxetina

Pequena diminuição na frequência cardíaca média

Mínimo efeito

Ausência de relatos de efeito significativo.

Sertralina

Mínimo efeito

Mínimo efeito

Relato de caso isolado de torsades de pointes.

Venlafaxina

Discreto aumento

Aumento de hipotensão postural Aumento da pressão arterial em doses altas

Possível, mas raro, prolongamento do QTc. Raros relatos de caso de torsades de pointes.

Trazodona

Diminuição é mais comum, mas também pode ocorrer aumento

Pode causar hipotensão postural significativa

Pode causar prolongamento do QTc.

Tricíclicos

Aumento

Hipotensão postural

Prolongamento dos intervalos QTc e QRS. Arritmia ventricular comum em overdose. Relatos de torsades de pointes.

Fonte: Adaptada de Taylor e colaboradores.9

417

PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

TABELA 12.2 ►EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS SOBRE O SISTEMA CARDIOVASCULAR


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

QUADR012.3 ►ANTIPSICÓTICOS E INTERVALO QTC SEM EFEITO • Aripiprazol

EFEITO BAIXO • Asenapina • Olanzapina • Clozapina • Paliperidona • Risperidona • Sulpirida

EFEITO MODERADO • Amissulprida • Clorpromazina • Haloperidol • Quetiapina • Ziprazidona EFEITO ALTO • Qualquer antipsicótico intravenoso • Pimozida • Qualquer fármaco ou combinação de fármacos acima da dose máxima recomendada

Fonte: Com base em Taylor e colaboradores.9

podem exacerbar quadros dermatológicos, como no caso do uso de lítio em pacientes com psoríase. De modo geral, a prevalência de transtorno depressivo maior (TDM) em pa­ cientes com problemas dermatológicos é de 9,6% . No entanto, a prevalência de depressão varia de acordo com a doença dermatológica, sendo, por exem­ plo, de 22% em pacientes com vitiligo e 29% em pacientes com psoríase. Sabe-se que há uma relação entre a depressão e a gravidade do quadro der­ matológico, especialmente em dermatite atópica e psoríase, mas a gravidade da depressão e o risco de suicídio não estão sempre relacionados à gravidade da doença de pele. A escolha do antidepressivo nessa população deve levar em conta alguns aspectos. O efeito anti-histam ínico dos antidepressivos tricíclicos (ADTs) pode reduzir os sintomas de urticária e prurido, no entanto, os ISRSs têm um melhor perfil quanto a tolerabilidade e interação medica­ mentosa. Nesse sentido, deve-se estar atento a possíveis interações entre medicamentos metabolizados pelo citocromo P450. Deve-se ter em mente que quase todos os grupos de antidepressivos apresentam risco de desenvol­ vimento de lesões cutâneas medicamentosas, como exantema, prurido e ur­ ticária. Outro aspecto a ser considerado é a melhora sobre a dor crônica que alguns antidepressivos proporcionam, havendo evidências para os ADTs e os inibidores da recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSNs).23 O transtorno de adaptação ocorre em cerca de 62% dos pacientes com pso­ ríase e em 56% dos pacientes com vitiligo. O acometimento da aparência e as alterações psicológicas ocasionadas por mudanças de imagem corporal em quadros dermatológicos podem levar a repercussões nas relações inter­ pessoais e na capacitação do paciente. De modo geral, pode-se observar baixa autoestima e com prom etimento da qualidade de vida, havendo evidên­ cias de que, em pacientes com psoríase, os fatores psicológicos podem ser mais determinantes de incapacitação do que as características da doença dermatológica. A abordagem de quadros de adaptação associados a doenças dermatológicas visa ao aumento e ao reforço dos recursos psicológicos e

418


ENDOCRINOLOGIA DIABETES MELITO

► A prevalência de depressão em pacientes com diabetes é de 11 a 15%, no entanto, quando se considera um critério mais amplo, como sintomatologia depressiva significativa, a prevalência varia de 2 1 ,8 a 60% . Além disso, o risco de pacientes com diabetes tipo 1 apresentarem depressão é três vezes maior do que o de pacientes não diabéticos, e, para pacientes portadores de diabetes tipo 2, o risco é duas vezes maior do que em pacientes não diabéticos.25 No diabetes tipo 2, observamos uma maior prevalência de depressão anterior ao diagnóstico de diabetes. Aspectos clíni­ cos comuns a diabetes e depressão dificultam o diagnóstico desta segunda, podendo facilm ente se atribuir o aumento ou a perda de peso, o cansaço ou o aumento do apetite apenas ao diabetes. A investigação de depressão nesses casos ganha maior confiabilidade quando sintomas cognitivos, como deses­ perança e desamparo, são levados em conta. Do ponto de vista fisiológico, sabe-se que a resistência à insulina pode ocorrer devido ao estresse emocio­ nal por meio de alterações em citocinas e do cortisol.26 Já do ponto de vista clínico, relatos de caso indicam uma associação entre estado depressivo e menor tolerância à glicose, aumento da secreção de insulina e dim inuição da sensibilidade à insulina, sendo que essas alterações se normalizam com a remissão da depressão. Em crianças, sintomas depressivos parecem afetar não só a adaptação psicológica à doença, mas também os índices de he­ moglobina glicosilada, evidenciando um pior controle metabólico. Sabe-se, também, que a presença de depressão em pacientes com diabetes pode contribuir para o aumento da ocorrência de outras comorbidades e o afasta­ mento do trabalho. Apesar de o tratam ento da depressão em pacientes com diabetes ser eficaz e seguro, apenas um terço deles recebe terapia antidepressiva. A escolha de antidepressivos nessa população requer algumas considerações, que estão listadas na Tabela 12.3. Os ISRSs tendem a dim inuir a resistência periférica à insulina e são bem-tolerados de forma geral. Sertralina, paroxetina e fluoxetina mostraram eficácia semelhante na redução dos sintomas depressivos em pacientes com diabetes.27 O escitalopram apresenta evidências de ser eficaz em reduzir a recorrência de episódios depressivos em pacientes com diabetes.30 Já no caso dos IRSNs, os dados são escassos, mas não aparen­ tam ter efeito sobre o equilíbrio glicêm ico.28’ 29 Vários estudos demonstram a eficácia da psicoterapia, da orientação psicoló­ gica e da psicoeducação para depressão em pacientes com diabetes. Na população infantil e adolescente com diabetes, há evidências de que a inter­ venção psicológica é positiva para o controle dos níveis glicêm icos.31 Já em pacientes adultos, a psicoterapia em grupo mostra-se não só capaz de redu419

PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

sociais do paciente. Uma estratégia de enfrentamento adequada e satisfató­ ria tem sido o principal objetivo na abordagem psicossomática, e técnicas de gerenciamento do estresse têm sido aplicadas nessa população com o intuito de lidar melhor com o estresse e, consequentemente, reduzir crises de exacerbação da doença.24


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

TABELA 12.3 ►TRATAMENTO DE TRANSTORNOS MENTAIS EM PACIENTES COM DOENÇAS ENDOCRINOLÓGICAS DOENÇA

TRANSTORNO

TRATAMENTO

Diabetes melito

Depressão

ISRSs (sertralina, fluoxetina, paroxetina): facilita o controle da hiperglicemia, a diminuição da resistência à insulina e a eficácia para prevenir recorrência.27 IRSNs (duloxetina, venlafaxina): aparentemente não afeta o equilíbrio glicêmico.28,29 ADTs: aumento de apetite, peso e ação hiperglicemiante. IMAOs: ação hipoglicemiante, restrição na dieta e risco de crise hipertensiva. Psicoterapia.1

Síndrome de Cushing

Depressão

Normalização da cortisolemia leva à melhora dos sintomas depressivos.9 Se necessário, recomenda-se uso de antidepressivos (ISRSs, IRSNs ou ADTs).

Hipotireoidismo e hipertireoidismo

Depressão

Maior sensibilidade a efeitos sedativos e anticolinérgicos. Melhora com tratamento da disfunção tireoidiana. Psicoterapia.

Distúrbio cognitivo

Melhora com tratamento da disfunção tireoidiana.

zir o estresse relacionado ao diabetes e o sentimento de vergonha, mas tam ­ bém de melhorar a forma como o paciente lida com a doença e de auxiliar na manutenção glicêmica adequada naqueles com diabetes tipo 1 e 2. A psicoterapia em longo prazo viabilizou melhor controle glicêmico e menor estresse psicológico em pacientes com diabetes tipo II, entretanto não apre­ sentou associação à redução do ganho de peso e à concentração glicêmica. Também há evidências de que a psicoterapia associada à atividade física melhora o manejo do controle glicêmico e a sintomatologia depressiva.32 Quando é necessário o uso de antipsicótico nessa população, deve-se ter em mente que a clozapina e a olanzapina têm um perfil pior que os demais antipsicóticos quanto a ganho de peso, hipercolesterolemia, tolerância à glico­ se, diabetes e cetoacidose diabética.17,18

SÍNDROME DE CUSHING

► O EDM acomete mais da metade dos pacientes portadores de síndrome de Cushing, sendo que a hipercortisolemia por cau­ sas endógenas é considerada a condição médica com maior incidência de depressão orgânica. A hipercortisolemia iatrogênica, relacionada à prescri­ ção de altas doses de corticoides, está associada ao desenvolvimento de transtornos mentais, principalm ente depressão. Níveis de cortisol aumenta­ dos estão relacionados ao TDM prim ário e tendem a retornar ao normal 420


HIPOTIREOIDISMO E HIPERTIREOIDISMO

► A presença de hipotireoidism o está associada a um maior risco de depressão que o observado na população geral,33 sendo que a prevalência de depressão no hipotireoidism o varia de 33 a 43% . Na doença de Graves, a prevalência de depressão chega a 23% , sendo 14% na fase prodrômica. No entanto, não há relação estabelecida entre a gravidade do hipertireoidism o e a prevalência de depressão. Os sin­ tomas depressivos podem preceder os sinais físicos do hipotireoidism o ou hipertireoidism o sem necessariamente preencherem critérios para TDM. No primeiro ano após o diagnóstico de hipotireoidismo, os pacientes apresentam risco aumentado de internação devido a depressão ou transtorno bipolar.34 Aspectos psicológicos tam bém podem trazer repercussões sobre o manejo do quadro clínico, sendo que eventos de vida, traços de personalidade e sin­ tomas depressivos estão associados a um pior prognóstico do tratam ento da doença de Graves.35 Vale lembrar a “tirotoxicose apática” , que compreende um quadro de curso lento e insidioso, mas que pode evoluir de modo grave, com perda de peso, fraqueza e alterações cardíacas, sendo mais frequente entre idosos. Independentemente da presença de sintomas ansiosos ou de­ pressivos típicos, níveis de tiroxina (T4) livre e hormônio tireoestim ulante (TSH) foram associados a bem-estar psicológico em pacientes com hipoti­ reoidismo tratados. Tanto no hipotireoidism o clínico quanto no tipo subclínico, os sintomas depressivos e ansiosos melhoram com o tratam ento e o eutireoidismo. No planejamento do tratam ento (Tab. 12.3), deve-se levar em conta que essa população pode apresentar grande sensibilidade aos efei­ tos sedativos e anticolinérgicos. A abordagem psicoterápica direcionada às estratégias de enfrentamento foi sugerida no tratam ento desses pacientes. Déficit cognitivo ocorre em 29% dos pacientes com hipotireoidismo, e ava­ liações neuropsicológicas apontam alterações cognitivas em pacientes com hipotireoidism o.36 A alteração cognitiva pode variar do com prom etim ento leve ao grave, incluindo a ocorrência de d e liriu m . Sabe-se, tam bém , que a prevalência de déficit cognitivo aumenta com a maior gravidade do hipoti­ reoidismo e que apresenta melhora com o tratam ento da disfunção tireoidiana (Tab. 12.3).

421

PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

após a recuperação da depressão. O quadro mental pode anteceder o início dos sintomas da síndrome de Cushing, e a população idosa mostra-se mais vulnerável ao efeito neurotóxico do cortisol. De modo geral, esses pacientes são mais irritáveis e emocionalmente instáveis do que os pacientes com depressão primária. A melhora da depressão está associada à redução do nível de cortisol em 70% dos pacientes. Um ano após o tratam ento efetivo da síndrome de Cushing, constatou-se redução significativa dos sintomas de­ pressivos. No entanto, mesmo com a normalização do nível de cortisolemia, o tratam ento com antidepressivo pode ser necessário (Tab. 12.3). A asso­ ciação de bloqueadores de cortisol por ser eficaz para pacientes deprimidos sem resposta ao tratam ento clássico.


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

MOLÉSTIAS INFECCIOSAS INFECÇÃO POR VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA/SÍNDROME DA IMUNO­ DEFICIÊNCIA ADQUIRIDA (HIV/AIDS) ► Estima-se que a depressão ocorra em 53% dos pacientes com infecção por HlV/aids sem manejo psiquiátrico ade­ quado.37 No âm bito psiquiátrico am bulatorial, a prevalência de transtorno de adaptação varia de 29 a 69% , sendo mais alta que na população geral, tendo destaque os sintomas ansiosos.38 Já no âm bito hospitalar, o d e liriu m é a complicação neuropsiquiátrica mais frequente entre os pacientes com HlV/aids. A abordagem farmacológica nesses pacientes deve seguir alguns princípios básicos: iniciar psicotrópicos em dose baixa e realizar aumentos graduais conforme a tolerabilidade; dar preferência a esquemas com poso­ logia mais simples possível; dar preferência a medicamentos com o menor número possível de interações medicamentosas e efeitos adversos; manter contato com os demais profissionais da saúde que dão suporte ao paciente. Os fatores de risco para depressão em pacientes com HlV/aids estão listados no Quadro 12.4. Na fase inicial da infecção por HIV, a realização do diagnós­ tico de depressão não difere m uito da feita na população geral. Mas na fase mais avançada da infecção, a presença de sintomas somáticos comuns ao quadro infeccioso e à depressão pode dificultar o diagnóstico desta últim a. Fadiga, perda de peso, anorexia, dificuldades cognitivas (concentração, me­ mória, atenção) e lentificação são frequentes nesse período da infecção. Dessa forma, devem-se levar em conta os outros sintomas da depressão que não os somáticos, como humor depressivo, dim inuição de interesse e prazer, sentimentos de desvalia ou culpa, indecisão, ideação ou tentativa de suicídio. Também é de suma im portância ter em mente a possibilidade de que o quadro depressivo possa ser secundário a uma infecção cerebral subclínica. A presença de sintomas depressivos está ligada ao com prom etim ento da qualidade de vida, a dificuldades de aderência aos medicamentos antirretrovirais, a menores níveis de CD4 e a um prognóstico clínico menos favorá­ vel.39'41 Já o tratam ento antidepressivo está associado a maior aderência aos antirretrovirais, melhora na qualidade de vida e melhora na capacidade funcional e de trabalho.42,43 Um ponto crucial na escolha do antidepressivo nessa população é a possibilidade de interação com antirretrovirais (Tab. QUADR012.4 ►FATORES DE RISCO PARA DEPRESSÃO EM PACIENTES COM HIV/AIDS • • • • • •

422

Sexo feminino Uso de medicamentos antirretrovirais História de depressão Luto não resolvido Estressores psicossociais Doenças sistêmicas com acometimento do SNC

• • • • •

Baixa escolaridade Baixa renda Desemprego Morar sozinho Não ter seguro de saúde


423

PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

12.4). De modo geral, recomenda-se iniciar com doses menores do que as utilizadas na depressão em pacientes hígidos e realizar um aumento gradual da dose conforme tolerância e necessidade. Há evidências de que os ADTs, os ISRSs e a bupropiona são eficazes para tratar a depressão em pacientes com infecção por HlV/aids.44 No entanto, os ISRSs parecem mais tolerados do que os ADTs44’45 e, entre eles, o citalopram e o escitalopram têm um menor perfil de risco de interação medicamentosa com os antirretrovirais. Também é im portante ter em mente o risco de síndrome serotonérgica em pacientes em uso de fluoxetina e antirretrovirais inibidores do citocromo P450. O m etilfenidato mostra-se útil para pacientes com fadiga e que ne­ cessitam de uma resposta terapêutica rápida, além disso está associado à melhora da depressão, das medidas de estresse psicológico e qualidade de vida.46 A psicoterapia e a intervenção psicoeducacional podem aumentar a aderência aos agentes antirretrovirais, assim como reduzir os sintomas depressivos.47 Diante de um quadro maniforme em paciente com infecção por HlV/aids, deve-se considerar que esse pode não ser apenas a manifestação do transtor­ no bipolar, mas sim decorrente de efeitos adversos de medicamentos ou condições relacionadas à aids.48 De modo geral, quadros de mania secundá­ rios à infecção por HlV/aids tendem a ocorrer nas fases mais tardias da infecção. Vale ressaltar que quadros clínicos com déficit cognitivo associado à infecção por HIV podem apresentar períodos de irritabilidade e hipomania. A abordagem farmacológica de sintomas maníacos inclui antipsicóticos e/ou estabilizadores do humor, sendo que a interação com antirretrovirais deve ser sempre considerada (Tab. 12.4). Deve-se dar preferência a antipsicóticos com menor efeito anticolinérgico e em baixas doses, sendo boas opções o haloperidol, a risperidona e o aripiprazol. Dependendo do estágio da doença e do medicamento em uso, o paciente pode ser mais vulnerável a sintomas extrapiramidais, sedação e confusão mental com uso de antipsicóticos. Cabe a ressalva de que esses pacientes podem desenvolver encefalopatia por lítio mesmo em doses terapêuticas, devendo-se estar atento a desidratação e diarreia. Independentemente do quadro de base, a presença de d e liriu m implica identificar e tratar os fatores etiológicos. Em pacientes com infecção por HIV/ aids, deve-se suspeitar de infecções oportunistas sistêmicas e do SNC, assim como de distúrbios metabólicos. Na presença de agitação, o tratam ento sin­ tom ático pode ser necessário, com evidências para o uso de haloperidol e clorpromazina.44 Ao longo da infecção por HlV/aids, os pacientes passam por vários momen­ tos que podem ser fonte de grande estresse psíquico. O transtorno de adap­ tação pode ocorrer mais facilm ente em pacientes com transtornos da per­ sonalidade uma vez que os recursos psicológicos podem não ser suficientes para lidar com as situações de estresse. Entre os fatores que precipitam o encaminhamento estão: a própria doença, privação, descoberta do estado sorológico, doença de companheiro ou parente, dilemas medicamentosos, testagem sorológica e problemas relacionados à infância.38’49 Não só a sin-


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

TABELA 12.4 ►EXEMPLOS DE INTERAÇÃO MEDICAMENTOSA ENTRE ANTIRRETROVIRAIS E PSICOTRÓPICOS ANTIRRETROVIRAL

INTERAÇÃO COM PSICOTRÓPICOS

Efavirenz • Substrato da CYP3A4 • Principalmente indutor, mas também inibidor da CYP3A4 • Inibidor da CYP2C19 • Inibidor da CYP2D6

Aumento no nível de: lorazépam, midazolam e pimozida. Redução no nível de: bupropiona, carbamazepina e sertralina Carbamazepina reduz nível de efavirenz

Ritonavir • Substrato da CYP3A4 • Potente inibidor da CYP3A4 • Modesto indutor da CYP3A4 • Modesto inibidor da CYP2D6 • Inibidor da CYP2C9, da CYP2B6 e da CYP2C19 • Indutor da CYP2C9

Aumento no nível de: alprazolam, amitriptilina, buspirona, carbamazepina, clozapina, diazepam, fluoxetina, haloperidol, imipramina, midazolam, nortriptilina, paroxetina, pimozida, quetiapina, risperidona, sertralina, trazodona, zolpidem Redução no nível de: ácido valproico, bupropiona, fenitoina, lamotrigina

Zidovudina

Ácido valproico aumenta o nível de zidovudina

Etravirine • Substrato da CYP3A4, da CYP2C9 e da CYP2C19 • Fraco indutor da CYP3A4 • Fraco inibidor da CYP2C9 e da CYP2C19

Aumento no nível de diazepam Carbamazepina, fenitoina e fenobarbital reduzem o nível de etravirine

Fonte: Adaptada de Taylor e colaboradores.9

tomatologia depressiva, mas também o com portam ento evitativo {avoidant coping) estão associados à dim inuição do número de CD4 e aumento da car­ ga virai.50 A abordagem do transtorno de adaptação pode ser feita por meio de psicoterapia e intervenções psicossociais. Apesar de não haver estudos controlados, eventualmente o uso de medicamentos, por exemplo, BZDs ou antidepressivos, pode ser feito com o intuito sintom ático.

NEUROLOGIA A interface entre os transtornos psiquiátricos e os quadros neurológicos é, além de bem-documentada, muitas vezes intuitiva, sendo que, a partir do momento em que os transtornos psiquiátricos deixaram de ser encarados como problemas dos humores, a associação entre lesões neurológicas e al­ terações com portam entais passou a ser amplamente reconhecida. A correla­ ção entre alterações estruturais cerebrais e alterações comportamentais já existe desde o século XIX, apresentando desenvolvimento marcante a partir da melhor compreensão do funcionam ento cerebral e do aperfeiçoamento de exames de neuroimagem. Entre as principais doenças neurológicas que cur­ sam em associação com síndromes psiquiátricas, encontram-se o acidente vascular cerebral (AVC), a doença de Parkinson (DP) e a lesão traum ática cerebral (TBI, traum atic brain inju ry). 424


► 0 AVC é uma das mais importantes causas de m orbim ortalidade no mundo, com um número crescente de pes­ soas sendo diagnosticadas anualm ente.51 Entre esses pacientes, manifesta­ ções psiquiátricas, como quadros depressivos e d e liriu m , são m uito prevalentes, podendo ser observadas, tam bém , taxas altas de sintomatologia ansiosa. A depressão tem uma relação dupla com o AVC, sendo tanto um fator de risco como uma complicação comum pós-AVC, acometendo 39 a 57% dos pacientes no primeiro ano após o evento.52 A depressão pós-AVC está asso­ ciada a maior mortalidade e pior qualidade de vida.52 Alguns estudos suge­ rem, ainda, menor investimento pessoal na reabilitação, maior permanência hospitalar e pior função cognitiva.52 O tratam ento dessa comorbidade psi­ quiátrica é central para a melhor evolução do quadro de base, assim como há evidências em relação à redução da m ortalidade.53 O d e liriu m pós-AVC ocorre em 10 a 48 ,3 % dos pacientes acima dos 65 anos, com instalação nos primeiros 10 dias após o evento, estando associa­ do a uma permanência hospitalar, na média, nove dias mais longa.54 A maior prevalência está associada a idade, gravidade do com prom etim ento do AVC, subtipo de mecanismo e indício de infecção.55 Transtornos de ansiedade pós-AVC ocorrem em menor proporção, aproxima­ damente 20 a 26% , estando associados com piora da reabilitação, assim como afetando de modo negativo a qualidade de vida e a recuperação em longo prazo.56 Para o manejo dos sintomas depressivos e ansiosos, o tratam ento é sim ilar ao dado à população geral, sendo fundam entado em prescrição de antidepressivos e encaminhamento para psicoterapia, apesar de menor corpo de evidências, em especial para esta últim a.53 Entre os antidepressivos, de maneira geral a escolha deve levar em conta a existência de evidência de sin­ tomas depressivos, bem como os riscos associados a seu uso, como efeitos sobre a pressão arterial e a frequência cardíaca. Em geral, a primeira escolha recaí nos ISRSs, que de modo excepcional podem estar associados a im ­ pactos no sistema cardiovascular (especialmente im portante em portadores de AVC), sintomas extrapiramidais ou convulsões, ao contrário de outras classes, como os tricíclicos ou os IRSNs.

DOENÇA DE PARKINSON (DP)

► A DP é a segunda forma mais comum de doença degenerativa cerebral. Formas precoces de instalação, antes dos 50 anos, são raras, havendo um aumento com a idade, sendo sua prevalência de 3% nas pessoas acima de 65 anos.57 Entre seus sintomas, incluem-se as alterações cognitivas relacionadas ao quadro primário, presentes em até 60% das pessoas acometidas, além de altas taxas de comorbidade com depressão (7 a 76% dos portadores) e psicose.58 A incidência de transtornos psicóticos na DP pode variar de 20 a 40% , sendo significativam ente mais elevada nos pacientes que recebem tratam ento dopaminérgico, e, nesses casos, a presença de alucinações visuais é alta.59

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL (AVC)


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

O manejo de transtornos psiquiátricos na DP envolve investigar se há asso­ ciação entre a piora dos sintomas e o uso da terapia dopaminérgica, assim, quando há suspeita de sintomatologia psiquiátrica, depressiva, ansiosa ou psicótica, o medicamento dopaminérgico deve ser usado na menor dosagem possível.57 O uso de antidepressivos geralmente privilegia aqueles com menor perfil de ligação a receptores colinérgicos e histamínicos, reduzindo, desse modo, o risco de confusão mental e a sedação excessiva, ou seja, geral mente os pacientes são medicados com ISRSs, IRSNs e m irtazapina.60 Uma metanálise61 recente mostrou que apenas os ISRSs apresentam evidência de eficácia, apesar de indicações de sociedades de especialistas do uso de am itriptilina para pacientes sem sintomas cognitivos.62 O tratam ento psicoterápico, em especial com terapia com porta mental, apresenta evidência de melhora nos sintomas depressivos.61 Em relação aos antipsicóticos, quando necessário seu uso, geralmente recomenda-se a prescrição dos de segunda geração, dando preferência àqueles com menor ação antagonista a receptores dopaminérgicos. Em geral, a clozapina é o medicamento de escolha, sendo a que apresenta maior corpo de evidências para tal indicação, entretanto, os riscos de convulsão e altera­ ções hematopoiéticas levam os clínicos a não considerá-la como primeira escolha, optando pela quetiapina.59’62,63 Medidas ambientais, similares àquelas utilizadas no manejo do d e liriu m , como estabelecimento de ciclo circadiano, uso de próteses para auxílio em deficiências sensoriais, manejo de desencadeantes, otimização de prescrição (em especial de medicamento para o manejo da DP), devem ser consideradas, além de eventual prescrição de anticolinesterásicos.63 No Quadro 12.5, estão relacionados os principais efeitos adversos relatados no uso de antipsicóticos em portadores de DR

TRAUMÁTICA CEREBRAL (TBI,

TRAINJURY)

► Um dos modelos iniciais é o de lesão traum ática, como no caso de Phineas Gage, trabalhador de rodovias que sofreu uma lesão nos lobos frontais em meados do século XIX. O padrão e a gravidade da lesão podem estar associados a di­ ferentes alterações com portam entais e cognitivas, que podem estar presen­ tes a partir de seis meses após a lesão (em especial depressão, mas também êxito suicida, ansiedade em geral e transtorno de estresse pós-traumático [TEPT]) ou, excepcional mente, em períodos superiores a um ano (no caso de psicoses e transtornos mentais relacionados ao álcool e outras substân­ cias).64 O adoecimento psiquiátrico está associado a piora da melhora global e prejuízo funcional.65 Atualmente no Brasil, com o im portante impacto da violência urbana, em especial a relacionada ao trânsito, esse tipo de altera­ ção comportamental vem se tornando mais prevalente, entretanto os estudos ainda são poucos em nosso meio. As principais alterações com portam entais relacionadas ao TBI são: depres­ são, TEPT, agressividade e psicose, sendo ainda relatados quadros maniformes.65,66 Há, tam bém , associação entre maior risco de êxito em suicídio e antecedente de TBI.65

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

QUADR012.5 ►PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS RELACIONADOS AO USO DE ANTIPSICÓTICOS EM PORTADORES DE DOENÇA DE PARKINSON • • • • • • • • • • • • • •

Efeitos adversos relacionados ao uso de neurolépticos em portadores de DP59 Tremor e parkinsonismo Síndrome neuroléptica maligna (rara) Convulsão (rara) Sonolência Astenia Constipação Ganho de peso Elevação de transaminases Hepatite (rara) Trombocitopenia (rara) Leucopenia (rara) Desequilíbrio hidroeletrolítico (raro) Síndrome das pernas inquietas

O manejo dos quadros relacionados à TBI é sintomático, mas, muitas vezes, é central para melhorar a adesão ao tratam ento global, bem como para me­ lhorar a qualidade de vida do paciente. Antidepressivos devem ser usados para o manejo de quadros depressivos e ansiosos devido à extrapolação de sua eficácia no manejo de transtornos psiquiátricos primários, podendo ser selecionados por potenciais sintomas-alvo que se deseje manejar (como sedação para o manejo de agressividade), uso em cluste r de sintomas específicos (ISRSs para o manejo de sintomas obsessivo-compulsivos) ou uso de antidepressivos com melhor perfil na cog­ nição (como ISRSs ou IRSNs).67 Carbamazepina e ácido valproico são recomendados como primeira linha de tratam ento em portadores de TBI para o manejo de agitação, agressividade, raiva e irritabilidade, em especial na presença de oscilação do humor.67 O uso de neurolépticos apresenta eficácia questionável para o manejo pre­ ventivo de quadros de agitação, agressividade ou irritabilidade, mas há evi­ dência para o manejo de quadros agudos.67 O uso de propranolol no manejo de agitação, agressividade ou irritabilidade (doses entre 4 0 e 8 0 mg/dia) apresenta evidências lim itadas.67 0 uso de BZDs deve ser realizado com cuidado, em especial pelo potencial de efeitos paradoxais e risco de sedação excessiva.67

REUMATOLOGIA As doenças reumatológicas, em regra, com partilham certas características centrais: caráter autoimune, curso crônico, associação à dor e limitações às atividades. De acordo com a literatura, se portadores de doenças crônicas têm um risco dobrado de apresentar depressão em um ano, esse número é ainda maior entre portadores de doenças reumáticas.

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PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

FIBROMIALGIA

► A fibrom ialgia é uma síndrome funcional caracterizada pela presença de sintomas dolorosos, associados a fadiga, sintomas cogniti­ vos, sensação de despertar não restaurado e sintomas somáticos.68 As comorbidades psiquiátricas mais comuns são transtornos do humor, depressão unipolar e transtorno bipolar, transtornos de ansiedade, em especial transtor­ no de pânico e fobia social, além de relatos de maiores prevalências de disfunção sexual.69-71 A alta comorbidade entre fibrom ialgia e depressão e a presença de associações bidirecionais temporais entre essas patologias le­ vam a uma extensa discussão sobre a possibilidade de fisiopatologia comum e origem sim ilar.69 A fibrom ialgia está associada, ainda, à personalidade tipo D (ou angustiada - distressed), caracterizada por uma combinação de tendências para experienciar negativamente emoções e para inibir a expressão das emoções devi­ do ao medo de rejeição ou desaprovação.72 A am itriptilina é frequentemente utilizada como primeira escolha, por apre­ sentar boa atividade como fármaco modulador de percepção de dor e indutor de sono, apesar da possibilidade de efeitos adversos, como xerostomia, obs­ tipação e aumento do apetite. Entre as outras possibilidades de antidepressivos, destacam-se a venlafaxina e a duloxetina, e, quando há comorbidade de sintomatologia depressiva, outra primeira opção é o uso de ISRSs.73-75 O uso de pregabalina associada a antidepressivos tem sido advogado como uma estratégia para o manejo da dor.76 Considerando que piora nos níveis de estresse na vida do paciente resulta em piora direta na dor, essas situações devem ser evitadas, e o uso de téc­ nicas de manejo, seja psicoterapia ou relaxamento, em especial meditação e m indfulness, é bastante ú til.77’78

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES)

► O LES é uma doença em que ocor­ re uma deficiência na regulação do sistema imune associada a um padrão de inflamação crônica e sistêmica, com períodos de atividade de doença con­ trastados com períodos de remissão. É um quadro extremamente polimórfico, com acometimento variável de órgãos e sistemas, incluindo o SNC. De acordo com o American College of Rheumatology, existem 19 síndromes neuropsiquiátricas principais no LES, incluindo a ocorrência de d e liriu m , transtorno de ansiedade, déficit cognitivo, transtornos do humor e psicose.79 Os quadros de humor, as psicoses e o déficit cognitivo são os responsáveis pelos sintomas psiquiátricos relacionados ao lúpus de maior impacto na prá­ tica clínica, podendo se apresentar como a primeira manifestação do LES, como manifestação ao longo da evolução da doença ou secundários ao uso de imunomoduladores (em especial os corticoides). Quadros comórbidos pri­ mários, em particular a depressão, estão presentes com frequência.80 As sín­ dromes neuropsiquiátricas parecem estar associadas a lesões da substância branca.81 Há, ainda, evidências de que, cronicamente, o LES está associado a um maior risco de evolução para quadros de dem ência.82 O manejo de condições neuropsiquiátricas no LES depende do quadro apre­ sentado e da gravidade dos sintomas, devendo incluir a investigação de etio428


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PACIENTE COM C0M0RBIDADE CLÍNICA

logia do processo fisiopatológico, que impacta inclusive no uso de novos medicamentos em desenvolvimento.83 0 manejo dos sintomas neuropsiquiátricos é sim ilar ao realizado em pa­ cientes não lúpicos. Geralmente, nos casos de transtornos psiquiátricos se­ cundários ao LES, ocorre boa resposta ao uso de imunomoduladores, em especial corticoides e medicamentos sintomáticos, como doses baixas de antidepressivos, para quadros depressivos e ansiosos, ou antipsicóticos, para psicoses.83 Para quadros de sintomas neuropsiquiátricos relacionados ao uso de imunomoduladores, o manejo envolve redução e eventual suspensão do medicamento clínico, além do uso de psicotrópicos, conforme a indicação específica.83 Psicoterapia, em especial cognitivo-com portam ental, está indi­ cada para o manejo de depressão, ansiedade e sintomas cognitivos, quando a reabilitação cognitiva tem papel central.83


PACIENTE COM COMORBIDADE CLÍNICA

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TABELA 3.1 ►AFINIDADE (NMOL/L)* DOS ANTIPSICÓTICOS PELOS DIVERSOS RECEPTORES RECEPTORES

RECEPTORES SER0T0NÉRGIC0S

DOPAMINÉRGICOS

RECEPTORES

RECEPTORES

RECEPTORES

ADRENÉRGICOS

HISTAMINÉRGICOS

MUSCARÍNICOS

d2

5-H T2A

5-H T1A

5-HT2c

a 2

a 1

Hi

m3

A m is u lp rid a

1,3

2 .0 0 0

> 1 0 .0 0 0

> 1 0 .0 0 0

1 .6 0 0

7 .1 0 0

> 1 0 .0 0 0

1 0 .0 0 0

A rip ip ra z o l

0 ,6 6

8 ,7

5 ,5 7

2 2 ,4

74

26

2 9 ,7

4 .6 7 7

A sen a pin a

1,3

0 ,0 7

2,7

0 ,0 3 4

n.d

1,2

1,0

n.d

C lo za p in a

256

5 ,4

1 0 4 ,8

17

142

1 ,6 4

12

25

F lu fe n a z in a

0 ,6

80

2 .8 2 9

658

304

9

67

> 1 0 .0 0 0

H a lo p e rid o l

4

53

1 .2 0 2

1 0 .0 0 0

1 .1 3 0

12

1 .8 0 0

1 0 .0 0 0

C lo rp ro m a z in a

6,7

12

3 .1 1 5

6,1

184

0,3

0 ,1 8

67

O la n za p in a

34

2

2 .0 6 3

6 ,8

3 1 4 ,1

115

2

105

Q u e tia p in a

245

101

4 3 1 ,6

2 .5 0 2

3 .6 3 0

22

2 ,2

1 0 .0 0 0

R is p e rid o n a

65

0 ,1 7

4 2 7 ,5

35

1 5 0 ,8

5

15

1 0 .0 0 0

L u ra s id o n a

1 ,6 8

2 ,0 3

6 ,7 5

n.d

4 0 ,7

4 7 ,9

> 1.000

> 1.000

Z ip ra s id o n a

9,7

0,3

76

13

160

18

43

1 0 .0 0 0

n.d = não determinado. * Constante de afinidade: quanto maior o número, menor a afinidade. Fonte: Adaptada de Horacek e colaboradores6 e Roerig e colaboradores.7


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T A B E L A 3.5 ► P E R F I L D E E F E IT O S C O L A T E R A IS D O S A N T IP S IC Ó T IC O S CLORPROMAZINA

HALOPERIDOL

RISPERIDONA

OLANZAPINA

QUETIAPINA

ZIPRASIDONA

ARIPIPRAZOL

CLOZAPINA

ASENAPINA

LURASIDONA AMISULPRIDA

+ +

+ + +

+ /+ +

-/ +

-/+

-/+

-/+

-/ +

+ /+ +

D is c in e s ia ta rd ia

+ +

+ + +

+

+

+

+

+

+

+

+

S edação

+ + +

+

-/+

+ /+ +

+ /+ +

-/+

H ip e rp ro la c tin e m ia

+ +

+ + /+ + +

+ /+ +

-/ +

-/+

G anho de peso

+ +

+

+

+ + +

+ +

A lte ra ç õ e s

+

+

+

+ + +

+

+ + +

+

+ +

+ +

+

E feitos e x tra p ira m id a is

+ + /+ + +

+

-/ +

+

+ +

+ /+ +

+ + +

+ +

-/ +

+ /+ +

+ + +

+ +

-/ +

+

+ +

+

m e ta b ó lic a s H ip o te n sã o o rto s tá tic a - = ausente ou mínimo; + = leve; + + = moderado; + + + = marcante. Fonte: Adaptada de Hasan e colaboradores11 e Galletly e colaboradores.12


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TABELA 4.2 ►EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES* AMITRIPTILINA

CLOMIPRAMINA

DESIPRAMINA

DOXEPINA

IMIPRAMINA

NORTRIPTILINA

PROTRIPTILINA

TRIMIPRAMINA

AMOXAPINA

MAPROTILINA

NE re c a p ta ç ã o

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ + +

+ + +

+ + + +

+ + + + +

+ +

+ + + +

+ + + +

5 -H T

+ + +

+ + + +

+ +

+ +

+ + +

+ +

+ +

+

+ +

+

DA re c a p ta ç ã o

+

+

+

+

+

+

+

+

+

+

B lo q u e io

+ +

+

+

+ +

+

+ +

+

+

+ +

+-

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ +

B lo q u e io ACh

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ +

+ +

B lo q u e io H j

+ + + +

+ + +

+ +

+ + + + +

+ + +

+ + +

+ + +

+ + + + +

+ + +

+ + + +

B lo q u e io (X!

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

+ +

+ + +

+ + +

+ + +

B lo q u e io fx 2

+ +

+

+

+

+

+

+

+

+

+

B lo q u e io D 2

+

+ +

+

+

+

+

+

+ +

+ +

+ +

S e le tivo

NE > 5 -H T

NE < 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

NE > 5 -H T

re c a p ta ç ã o

5 -H T i

B lo q u e io 5 -H T 2

(Continua)


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TABELA 4.2 ►EFEITOS DOS ANTIDEPRESSIVOS EM NEUROTRANSMISSÃO/RECEPTORES* TRA20D0NA

NEFAZODONA

BUPROPIONA

VENLAFAXINA

CITALOPRAM

FLUOXETINA

FLUVOXAMINA

SERTRALINA

PAROXETINA

MIRTAZAPINA

NE re c a p ta ç ã o

+

+ +

+

+ +

+

+ +

+ +

+ +

+ + +

+

5-H T

+ +

+ +

+-

+ + +

+ + + +

+ + +

+ + + +

+ + + +

+ + + + +

+

DA re c a p ta ç ã o

+ -

+

+ +

+

+-

+

+

+ +

+

-

B loqueio ã - H ^

+ + +

+ + +

+-

+-

+-

+-

+-

+-

+-

-

B loqueio 5-H T2

+ + + +

+ + +

+-

+-

+

+ +

+

+

+-

+ + + +

+-

+-

-

+

+-

+ +

+ +

+ +

+-

+-

+ + + + +

re c a p ta ç ã o

B lo q u e io ACh

-

-

B lo q u e io tii

+ +

+-

+

-

+ +

+

-

B lo q u e io p i!

+ + +

+ + +

+

-

+

+

+

+ +

+

+ +

B lo q u e io pi2

+ +

+ +

+-

+-

+-

+

+

+

+ + +

B lo q u e io D2

+

+ +

-

-

+-

+

+ +

+-

+-

+

S e le tivo

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

NE > 5 -H T

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

NE < 5 -H T

_

+-

A razão de valores Ki (constante intrínseca de dissociação) entre vários neurotransmissores/receptores determina o perfil farmacológico de cada uma das substâncias. Chave: Ki (nM) > 100.000 = 10.000-100.000 = + - ; 1.000-10.000 = + ; 100-1.000 = + + ; 10-100 = + + + ; 1-10 = + + + + ; 0,1-1 = + + + + + . 1/Ki ( M ) < 0,001 = -; 0,001-0,01 = + - ; 0,01-0,1 = + ; 0,1-1 = + + i 1 -1 0 = + + + ; 10-100 = + + + + ; 100-1.000 = + + + -M-. Fontes: Hillhouse e Potter,1 Schatzberg e DeBattista,4 Sadock e colaboradores,5 Padder,6 Millan e colaboradores,7 Moreno e colaboradores16 e Stahl.29


AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION M a n u a l d ia g n ó s tic o e e s ta tís tic o d e tr a n s to r n o s m e n ta is D S M -E AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION R e fe r ê n c ia r á p id a a o s c r it é r io s d ia g n ó s tic o s d o D S M -E BOTEGA (Org.) P r á tic a p s iq u iá tr ic a n o h o s p ita l g e r a l: in te r c o n s u lta e e m e r g ê n c ia - 4 .e d . BRUNONI (Org.) P r in c íp io s e p r á t ic a s d o u s o d a n e u r o m o d u la c ã o n ã o in v a s iv a e m p s iq u ia tr ia CARVALHO, NARDI & QUEVEDO (Orgs.) T ra n s to rn o s p s iq u iá tr ic o s r e s is t e n t e s a o tra ta m e n to : d ia g n ó s tic o e m a n e jo

CORDIOLI, GALLOI & ISOLAN (Orgs.) P s ic o fá r m a c o s : c o n s u lta r á p id a - E .e d . GORENSTEIN, WANG & HUNGERBÜHLER (Orgs.) In s tr u m e n to s d e a v a lia ç ã o e m s a ú d e m e n ta l ROSA & ROSA (Orgs.) F u n d a m e n to s d a e le tr o c o n v u ls o te r a p ia SADOCK, SADOCK & SUSSMAN M a n u a l d e fa r m a c o lo g ia p s iq u iá tr ic a d e K a p la n & E a d o c k - 6 .e d . SCHATZBERG& DEBATTISTA M anual de p s ic o fa r m a c o lo g ia c lín ic a - 8 .e d .


S o b re o G rupo A 0 Grupo A está p rep arad o para aju d ar pessoas e instituições a e n c o n tra re m resp o stas para os desafios da educação. Estudantes, p ro fesso res, m édicos, engenheiros, psicólogos. Profissionais das c a rre ira s que ainda não tê m nom e. Universidades, escolas, hospitais e em p resas das m ais d ife re n te s áreas. 0 Grupo A está ao lado de cada um . E ta m b é m está nas suas m ãos. Nos seus conteúdos virtuais. E no lu g ar m ais im p o rta n te : nas suas m entes.

□800 703 3444 sac@) grupoa.com .br Av. Jerônimo de Ornelas, 6 7 0 Santana CEP: 9 0 0 4 0 -3 4 0 ■Porto Alegre / RS

> EDUCAÇÃO <


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