Práticas Discursivas: Olhares da Linguística Aplicada

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PrĂĄticas discursivas

Olhares da LinguĂ­stica Aplicada

Organizadores

Maria da Penha Casado Alves Orlando Vian Jr


Governo Federal Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Vice-Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministro da Educação Aloízio Mercadante Oliva

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Reitora Ângela Maria Paiva Cruz

Diretora da EDUFRN Maria da Conceição Fraga

Vice-Reitor José Daniel de Mel

Diretor Adjunto da EDUFRN Wilson Fernandes de Araújo Filho

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva – CRB-15/692.

Conselho Editoral Maria da Conceição Fraga (Presidente)

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Ana Karla Pessoa Peixoto Bezerra

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Anna Emanuella Nelson dos S. C. da Rocha

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Tarcísio Gomes Filho

Supervisora Editorial

Revisor da EDUFRN

Alva Medeiros da Costa

Francisco Wildson Confessor

Supervisor Gráfico

Revisão de Língua Portuguesa

Francisco Guilherme de Santana

Andreia Maria Braz da Silva

Práticas discursivas : Olhares da Linguística Aplicada / Organizado por Maria da Penha Casado Alves e Orlando Vian Jr. – Natal: EDUFRN, 2015.     430 p : il. color.    ISBN - 978-85-425-0517-7    1. Gênero do Texto. 2. Gênero do Discurso. 3. Ensino – Língua. 4. Linguística Aplicada. 5. Linguística. I. Alves, Maria da Penha Casado. II. Vian Jr, Orlando. III. Título.

CDU 81’33 P912

© Copyright 2015. Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRN Av. Senador Salgado Filho, 3000 | Campus Universitário | Lagoa Nova | 59.078-970 | Natal/RN Design Editorial

Brasil E-mail: edufrn@editora.ufrn.br | www.editora.ufrn.br | Telefone: 84 3215-3236

Ivana Lima

Fax: 84 3215-3206



Práticas discursivas

Olhares da Linguística Aplicada

Os organizadores

Possui doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente, é professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, atuando na graduação e nos programas de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e Mestrado Profissional em Letras. Realiza pesquisa e orienta trabalhos na área da Linguística Aplicada a partir das reflexões de Bakhtin e o Círculo, nos seguintes temas: estilo, ensino de Língua Portuguesa, livro didático, leitura e escrita. Maria da Penha Casado Alves

É mestre e doutor e Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC- SP. Realizou estágios pós-doutorais na PUC-SP, sob supervisão de Antonieta Celani, e na Universidade de Sydney, Austrália, sob supervisão de James R. Martin. É

Orlando Vian Jr

professor do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas e do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFRN. Coordenou o Procad/Casadinho “Análise de práticas discursivas em Linguística Aplicada: abordagens teórico-metodológicas no trabalho com gêneros, identidades, tecnologias e ensino de línguas” entre UFRN, Unicamp e UFSC. É bolsista em produtividade CNPq Nível 2.

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Práticas discursivas

Olhares da Linguística Aplicada

Prefácio

Este livro é umas das ações resultantes do projeto interinstitucional MCTI/CNPQ/MEC/ CAPES – Ação Transversal nº 06/2011/Casadinho/PROCAD – UFRN – UFSC- UNICAMP, Análise de práticas discursivas em Linguística Aplicada: abordagens teórico-metodológicas no trabalho com gêneros, identidades, tecnologias e ensino de línguas, que envolveu três programas de pós-graduação: o Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (programa não consolidado) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Programa de Pós-Graduação em Linguística (programa consolidado) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (programa consolidado) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no período de 2012 a 2015. Considerando que as práticas discursivas dos sujeitos contemporâneos tornam-se cada vez mais híbridas e complexas, fazendo emergir

a necessidade de compreensão, pela perspectiva da Linguística Aplicada, dos diferentes aspectos relacionados a tais práticas, dentre elas as práticas escolares e de outras esferas relacionadas à escola; que as interações são guiadas pelos gêneros do discurso, instrumentos semiótico-discursivos que são essenciais nas interações sociais; que nas interações sociais imiscuem-se as identidades dos sujeitos nelas envolvidos; e que muitas dessas interações são mediadas pelas tecnologias da informação, o projeto teve como objeto principal o estudo de práticas discursivas contemporâneas em que se engajam sujeitos, em especial aquelas que se dão em situações escolares no ensino de línguas. Além disso, considerando-se a finalidade do PROCAD, o objetivo central foi incrementar a prática de pesquisa dos professores e pós-graduandos do programa da UFRN, para fortalecimento e consolidação de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, em associação com os pesquisadores de dois

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b) Programa de Pós-Graduação em Linguística, área de concentração Linguística Aplicada, linhas de pesquisa: Ensino e Aprendizagem de Língua Materna e de Língua Estrangeira1: Adair Bonini, Adja Balbino de Amorim Barbieri Durão, Marcos Antonio Rocha Baltar, Maria Inêz Probst Lucena, Rosângela Hammes Rodrigues (Coordenadora) e Rosely Perez Xavier.

programas de pós-graduação consolidados, da UFSC e da UNICAMP, estimulando, assim, a formação pós-graduada e a mobilidade docente e discente de seus membros, por meio de ações conjuntas de cooperação. Assim, este projeto envolveu dezoito professores desses três Programas e seus orientandos, que atuam em seis linhas de pesquisa, duas de cada Programa:

c) Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, área de concentração Linguagem e Educação, linhas de pesquisa Linguagem e Educação Linguística e Linguagem, Culturas e Identidades: Inês Signorini, Márcia Rodrigues de Souza Mendonça, Roxane Helena Rodrigues Rojo (Coordenadora) e Terezinha de Jesus Machado Maher.

a) Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, área de concentração Linguística Aplicada, linhas de pesquisa Linguagem e Práticas Sociais e Ensino-aprendizagem de Línguas: Ana Graça Canan, Janaina Weissheimer, Maria da Penha Casado Alves, Maria Bernadete Fernandes de Oliveira, Marília Varella Bezerra de Faria, Orlando Vian Junior (coordenador), Renata Archanjo e Selma Alas Martins.

1  Após reformulação do Programa, essas duas linhas se reagruparam numa só: Ensino e Aprendizagem de Língua Materna e de Língua Estrangeira.

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A partir da articulação de professores e pós-graduandos desses três Programas, o projeto delineou os seguintes objetivos específicos:

pesquisa e projetos) visando ao enfoque do ensino de línguas. 5. Ampliar a formação de mestres e doutores e a produção científica das equipes participantes na área de ensino de línguas.

1. Consolidar o Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. 2. Fortalecer os grupos de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN por meio do intercâmbio científico-acadêmico com os grupos de pesquisa oriundos da UFSC e da UNICAMP.

6. Promover a mobilidade inter-regional docente e discente das equipes participantes. 7. Incrementar a produção científica das equipes envolvidas por meio de publicações e produtos resultantes das pesquisas dos docentes e discentes participantes deste projeto.

3. Fortalecer e consolidar a área de concentração em Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN.

8. Construir conhecimento visando à ressignificação do ensino de línguas, tendo como referência o campo da Linguística Aplicada e os temas articuladores deste projeto, quais sejam: práticas discursivas, gêneros do discurso, tecnologias e identidades.

4. Criar uma rede de cooperação científico-acadêmica entre UFRN – UFSC – UNICAMP (pós-graduações, graduação, linhas, grupos de

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Para dar conta desses objetivos, foram propostas uma série de ações, dentre as quais destacamos: missões de estudo e docência, realização de eventos internos envolvendo docentes e pós-graduandos do Projeto, participação em eventos e bancas de dissertações e teses, publicação de artigos em periódicos, publicação de livros. Nesse contexto, este livro Práticas discursivas: olhares da Linguística Aplicada é uma das ações apresentadas como resultado do Projeto. Considerando que os objetivos desse Projeto foram atingidos, ressaltamos a importância de ações dessa natureza para o fortalecimento da pós-graduação no Brasil e para a consolidação de redes de pesquisa. Rosângela Hammes Rodrigues (UFSC) Roxane Helena Rodrigues Rojo (UNICAMP)

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Sumário Os organizadores 4 Prefácio 5 Apresentação 10 Os autores 15 Tema 1 – Gêneros do texto e do discurso   23 Texto 1: Novos multiletramentos na era digital: a questão das metodologias de pesquisa 24 Texto 2: Por uma análise dialógica de discurso: reflexões 61 Texto 3: Portfolios, Flash Fiction e Podcasts: a inserção de novos gêneros no ensino de inglês na universidade 85 Texto 4: O gênero piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de inglês 115

Texto 5: A polêmica velada nos diários de leitura: o que os jovens têm a dizer sobre o comportamento feminino 132 Texto 6: Construção identitária da cidade de Santa Cruz/RN: ordem ou desordem? 154

Tema 2 – Formação de professores 171 Texto 1: O desempenho de alunos de inglês em prática repetida de tarefa de compreensão oral apoiada em vídeo 172

Texto 2: Formação inicial de professores e construção identitária: um estudo com graduandos de curso de licenciatura em letras 198 Texto 3: O problema [ana]crônico da formação inicial do professor de língua portuguesa [brasileira] 225 Texto 4: Práticas de leitura no ensino fundamental: uma construção coletiva 252

Tema 3 – Ensino
e aprendizagem de línguas 287 Texto 1: Produção oral e escrita em inglês como L2 mediada por tecnologias digitais 288

Texto 2: Educação plurilíngue: delimitação do campo de pesquisa sobre a intercompreensão entre línguas românicas 311 Texto 3: O ensino de LEs nos documentos oficiais brasileiros: um breve histórico 339 Texto 4: O papel da atividade lúdica como motivadora da aprendizagem da língua inglesa: análise de um livro didático 358 Texto 5: A contribuição do estudante de ensino médio ao processo avaliativo de língua inglesa 401


Práticas discursivas

Olhares da Linguística Aplicada

Apresentação

A forma como este volume foi concebido está ligada diretamente às experiências desenvolvidas durante os intercâmbios entre os pesquisadores da UFRN e seus pares da Unicamp e da UFSC, objetivando a união de trabalhos que abordassem os temas que guiaram as ações propostas e realizadas pelo projeto: gêneros, identidades, tecnologias e ensino de línguas, que funcionaram como a base do Projeto Procad/Casadinho, desenvolvido no período de 2012 a 2015. Os textos aqui apresentados, a partir desses motes, foram organizados como forma de mostrar as diferentes pesquisas que se desenvolveram ou se consolidaram no âmbito do projeto nas três instituições, adotando como norte a análise de práticas discursivas a partir do escopo da Linguística Aplicada. O volume encontra-se organizado em três seções. A primeira delas, Gêneros do texto/ discurso, contempla trabalhos relacionados a aspectos metodológicos e teóricos de diferentes

práticas discursivas e os aspectos teóricos e práticos envolvidos no uso dos gêneros em diferentes contextos. Nessa seção, o artigo de Roxane Rojo, Eduardo de Moura Almeida e Jezreel Gabriel Lopes intitulado Novos multiletramentos na era digital: a questão das metodologias de pesquisa aborda, como tem sido a tônica do grupo de pesquisa liderado pela Profa. Dra. Roxane Rojo, a questão dos novos multiletramentos na era digital e de como as práticas escolares, os currículos e os materiais didáticos para o ensino de Língua Portuguesa/Linguagens e Códigos podem incorporá-los. Rosângela Hammes e Rodrigo Acosta em seu artigo Por uma análise dialógica de discurso: reflexões abordam os diversos escritos do Círculo de Bakhtin a fim de apresentar um dispositivo teórico-analítico para uma Análise Dialógica do Discurso, especificamente, para o campo da Linguística Aplicada.

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A proposta do artigo Portfolios, flash fiction e podcasts: a inserção de novos gêneros no ensino de inglês na universidade de Orlando Vian Junior, Jennifer Sarah Cooper e José Mauro de Souza Uchôa, associa os gêneros aos novos contextos digitais, nos quais circulam novas ferramentas fornecidas pelas novas tecnologias e que propiciam novas práticas. Os autores partem do contexto de gênero conforme utilizado na Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday. No texto, A polêmica velada nos diários de leitura: o que os jovens têm a dizer sobre o comportamento feminino, Rhena Raíze Peixoto de Lima e Maria da Penha Casado Alves analisam, a partir de princípios bakhtinianos, enunciados sobre como autores se posicionam em seus textos a respeito do comportamento feminino. Ainda no campo dos gêneros do texto/discurso, o texto O gênero piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de inglês apresentado por Paulo

Rodrigo Pinheiro de Campos e Ana Graça Canan enfoca o componente cultural do ensino-aprendizagem de línguas, com vistas à elaboração de atividades para a sala de aula. Os autores elegeram a piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de Inglês como modo de identificar e interpretar aspectos culturais nelas contidos. Encerrando essa seção, o texto Construção identitária da cidade de Santa Cruz/RN: ordem ou desordem?, de Marília Varella Bezerra de Faria e Magda Renata Marques Diniz, aborda o modo como os enunciados que remetem à padroeira de Santa Cruz, no estado do Rio Grande do Norte, contribuem para a construção da identidade da cidade. A segunda seção, centrada em aspectos relacionados à Formação de professores, traz pesquisas ligadas a diferentes aspectos envolvidos na formação de professores de línguas e no que diz respeito às pesquisas em formação de professores desenvolvidas no âmbito do projeto.

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O artigo O desempenho de alunos de inglês em prática repetida de tarefa de compreensão oral apoiada em vídeo, de Rosely Perez Xavier e Clarita Gonçalves de Camargo apresenta um estudo de caso de base qualitativa e conduzido em sala de aula, cujo objetivo é investigar se a repetição de uma mesma tarefa de compreensão oral influencia o desempenho de alunos de língua inglesa no que se refere ao seu entendimento de informações gerais e específicas de um texto apoiado por imagens. Deny de Sousa Gandour e Maria Bernadete Fernandes de Oliveira abordam, em Formação inicial de professores e construção identitária: um estudo com graduandos de curso de licenciatura em Letras, questões relacionadas aos saberes docentes e à construção da identidade profissional no contexto da formação inicial de professores de línguas. O estudo dos autores revela que as marcas identitárias profissionais são predomi-

nantemente constituídas e expressas a partir de experiências vividas nos espaços de socialização acadêmico-profissionais. O artigo O problema [ana]crônico da formação inicial do professor de língua portuguesa [brasileira] de Marcos Baltar, Milene Peixer Loio e Camila Farias Fraga expõe as inquietações sobre o fato de, apesar de as pesquisas em Linguística e em Linguística Aplicada terem avançado muito nas últimas décadas no Brasil, o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa [brasileira] nas escolas, refém de uma concepção autônoma de letramento (STREET, 1984), não apresenta respostas para o analfabetismo funcional. Concluindo essa seção, o artigo Práticas de leitura no ensino fundamental: uma construção coletiva de Ivone Rodrigues Diniz Monteiro e Maria da Penha Casado Alves aborda as práticas de leitura a partir das vozes sociais de professores e de estudantes do Ensino Fundamental das es-

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colas públicas estaduais do Rio Grande do Norte que apresentam resultados exitosos, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2009. Por fim, a terceira seção, Ensino e aprendizagem de línguas, agrupa trabalhos que tomam como objeto de pesquisa o ensino e a aprendizagem de línguas a partir de diferentes concepções e abordagens. O artigo Produção oral e escrita em inglês como l2 mediada por tecnologias digitais de Janaína Weissheimer, Lorena Azevedo de Sousa e Diêgo Cesar Leandro com enfoque na teoria da Hipótese do Output proposta por Swain (1985, 1993), baseada na Teoria de Noticing desenvolvida por Schmidt (1990), visa a reportar resultados de um estudo semi-experimental (NUNAN, 1992) para o desenvolvimento da produção oral e da produção escrita em inglês como L2.

O artigo Educação plurilíngue: delimitação do campo de pesquisa sobre a intercompreensão entre línguas de Selma Alas Martins, Carmélia Pereira de Lima, Janaína Michelle França de Oliveira, Luíza de Marilac Veras Uchôa e Maria Carolina Lúgaro Izuibejeres objetiva apresentar pesquisas centradas na intercompreensão entre línguas românicas e que procura desenvolver a capacidade de compreensão escrita e oral em várias línguas estrangeiras tipologicamente aparentadas, vizinhas ou próximas, tendo como ponto de partida a própria L1 do aprendiz, língua materna ou da família, com base em línguas do seu conhecimento. O artigo O ensino de LEs nos documentos oficiais brasileiros: um breve histórico de Ana Graça Canan e Bruno Ferreira de Lima tem como objetivo discutir como se apresenta o ensino de línguas estrangeiras nos documentos oficiais brasileiros, fazendo um histórico dessa trajetória

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nesses documentos que tanto orientam como parametrizam o ensino de LEs no Brasil. Ana Graça Canan e Vitória Maria Avelino da Silva Paiva no artigo A contribuição do estudante de ensino médio ao processo avaliativo de língua inglesa discutem a avaliação da aprendizagem de língua inglesa desenvolvida em uma escola pública de ensino médio do município de Lajes/ RN, em 2011, a partir de uma proposta qualitativa de avaliação, objetivando a produção de conhecimento acerca do processo de avaliação desenvolvido nas aulas de língua inglesa, envolvendo as contribuições dos estudantes. Por fim, o artigo O papel da atividade lúdica como motivadora da aprendizagem da língua inglesa: análise de um livro didático de Luis Ferdinando Silva Patriota e Ana Graça Canan tem como objetivo, dada a importância que atribui à escolha de atividades lúdicas, analisar o livro On Stage (MARQUES, 2010), destinado aos alunos do pri-

meiro ano do ensino médio e adotado em um instituto federal no Rio Grande do Norte. Este ebook apresenta-se, portanto, como resultado das ações de um projeto que propiciou o diálogo, a troca, o intercâmbio de saberes e de práticas em três instituições nas quais pesquisadores de diferentes formações, mas compartilhando interesses comuns, encontraram-se para a produção de conhecimento sobre práticas discursivas, considerando, para tanto, gêneros discursivos/textuais diversos, identidades, tecnologias e ensino de línguas, sob a perspectiva da Linguística Aplicada. Os organizadores

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Práticas discursivas

Olhares da Linguística Aplicada

Os autores

Ana Graça Canan possui mestrado e doutorado em estudos da linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN e pós-doutorado pela Universidade de Brasília/UnB, no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada. Professora associada da UFRN, tem experiência na área de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, com ênfase em língua inglesa. Desenvolve pesquisas com o objetivo de elaborar atividades para a sala de aula de línguas estrangeiras, com base na metodologia comunicativa do ensino de línguas, nas suas várias possibilidades de utilização.

Camila Fraga é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), área de concentração em Linguística Aplicada. Exerce o cargo de Pedagoga no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC - Campus Florianópolis) desde 2009. Licenciada em Letras Língua Portuguesa pela UFSC em 2013. Especialista em Educação pela UFSC em 2011. Graduada em Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em 2009.

Bruno F. de Lima é graduado em Letras (2003) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Em 2012 terminou o Mestrado e atualmente desenvolve seus estudos de Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem na mesma universidade, além de atuar como docente de Língua Inglesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – Campus Natal Zona Norte.

Carmélia Pereira de Lima é graduada em Letras licenciatura – habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2005. Especialista em Ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, pela UFRN, em 2006. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL-UFRN), com pesquisa em andamento sobre o uso da Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) em leituras literárias no Ensino Fundamental. É professora efetiva da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte.

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Clarita Gonçalves de Camargo é mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina e especialista em Literatura e História Nacional pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Atua como professora de língua portuguesa e inglesa na rede pública e particular de ensino do estado do Paraná. Trabalha ainda com produção de material didático de língua portuguesa para o preparatório em concurso público do Aprovação.

Diêgo César Leandro possui graduação em Administração pela Faculdade Estácio de Natal (2011). Pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte possui graduação em Letras Língua Inglesa e Literaturas (2013), especialização em Ensino-Aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira (2014) e mestrado em Estudos da Linguagem (2015), na área de Linguística Aplicada – Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Atualmente, é professor substituto no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, onde atua como professor de inglês nos cursos técnicos em Guia de Turismo e Eventos.

Deny de Souza Gandour possui o título de doutor em Linguística Aplicada junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. É professor adjunto do Departamento de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, onde atua nas atividades de pesquisa e ensino de graduação. No âmbito do ensino, atua nas disciplinas relacionadas com o campo da didática de línguas estrangeiras e na orientação de pesquisas que abordem temas ligados à identidade profissional. No âmbito da pesquisa, coordena projeto voltado para a investigação dos processos de construção da identidade de professores de língua inglesa durante a formação inicial.

Eduardo de Moura Almeida é formado em Arte e Cultura Fotográfica pela Faculdade SENAC e em Letras Português/Francês pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Desenvolve pesquisa de Mestrado em Linguística Aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP sob orientação da Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo. Trabalha com produção de materiais didáticos para ensino de Língua Portuguesa, criando sequencia didáticas e oficinas de leitura e produção de História em Quadrinhos, Fotonovela, Fanzine, Rádio, Cinema e Animação.

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Ivone Rodrigues Diniz Monteiro possui graduação em Letras - Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1985), mestrado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2001) e doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2013). Atualmente é permanente - Secretaria de Estado da Educação e da Cultura. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Aplicada.

Janaina Weissheimer possui mestrado em Linguística Aplicada pela UNISINOS e doutorado em Letras pela UFSC. Realizou estágio pós-doutoral no Kutas Cognitive Electrophysiology Lab na University of California at San Diego. É professora do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas na UFRN em Natal, membro do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem e colaboradora no Instituto do Cérebro. Seus interesses de pesquisa são: o estudo dos correlatos neurais e comportamentais da leitura; o papel das funções executivas no processamento linguístico em L1 e L2; e a aprendizagem de L1 e L2 mediada por tecnologias digitais.

Janaina Michelle França de Oliveira graduada em Letras Inglês e Literaturas - Licenciatura Plena, Especialista em Ensino-aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira e mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com pesquisa em andamento sobre a Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) como proposta pedagógica para o aumento da autoestima de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas aulas de Inglês. É professora efetiva do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN).

Jennifer Sarah Cooper possui doutorado em Estudos da Linguagem pela UFRN, mestrado em Literatura Comparada pela Universidade Estadual de São Francisco, California (SFSU), e graduação em Inglês – Creative Writing (SFSU). É professora Adjunta do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas da UFRN. Atua na área de Linguística Aplicada e ensino/aprendizagem da língua inglesa. As principais temáticas e áreas de pesquisa, nas quais atua, incluem: “Englishes” na língua e na literatura pós-colonial, gêneros de discurso, práticas de ensino da compreensão e produção escrita da língua estrangeira por uma perspectiva de gêneros baseada nas teorias de gênero e registro da Escola de Sydney e modelos de writer’s workshops.

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Jezreel Gabriel Lopes possui graduação em Letras pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (2011). Atualmente, é mestrando no programa de pós-graduação do departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas. Desenvolve pesquisa em Linguagens e Tecnologias, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Rojo.

Lorena Azevedo possui graduação em Letras Língua Inglesa e Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010), graduação em Turismo pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2011), especialização em Docência para a Educação Profissional pelo SENAC RN (2013) e mestrado pelo programa de Estudos da Linguagem da UFRN (2014) na área de Linguística Aplicada - Ensino e Aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Atualmente, é professora de inglês do Instituto Metrópole Digital, onde atua no Bacharelado e nos cursos técnicos em Tecnologia da Informação.

José Mauro Souza Uchôa possui graduação em Letras Inglês pela Universidade Federal do Acre, especialização em Língua Inglesa pela PUC-Minas, mestrado em Letras (Linguagem e Identidade) pela Universidade Federal do Acre e doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Estudas da Linguagem, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Acre, Campus Floresta em Cruzeiro do Sul. Atua na área de Linguística Aplicada. Está envolvido principalmente com as seguintes temáticas: ensino de língua inglesa como língua estrangeira, gêneros do discurso, letramento digital, Pesquisa Narrativa e a prática de podcasting no ensino de Língua Inglesa.

Luiz Ferdinando Silva Patriota possui graduação em Letras-Língua Inglesa e Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte- UFRN (2002). Possui especialização em Educação pela Universidade Castelo Branco (2006). É mestre em Estudos da Linguagem, Linguística Aplicada pelo PPGEL/Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2013) e é doutorando no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da UFRN. Atualmente é professor efetivo de língua inglesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, campus Zona Norte, desde 2010. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística Aplicada, atuando principalmente nos seguintes temas: ensino-aprendizagem de língua inglesa, ensino de literatura e cultura.

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Luiza de Marilac Veras Uchôa graduada em Licenciatura Plena em Letras Português/Francês pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEL/UFRN), com pesquisa em andamento sobre a Intercompreensão no ensino-aprendizagem de línguas: uma estratégia para desenvolver a competência leitora e compreensão oral plurilingues em alunos de cursos profissionalizantes da área de hotelaria.

Marcos Baltar é graduado em Letras, português-francês, pela Universidade Federal de Pelotas (1992), mestre em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (1995), doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e pós-doutor pela Universidade de Genebra, Suíça (2006) e pela Academia de Versailles – ESPE (2015). Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, atua no campo da Linguística Aplicada: teorias do agir humano, teorias de gêneros textuais/discursivos, estudos do letramento, mídia e formação de professores.

Magda Renata Marques Diniz é licenciada em Letras/Língua Portuguesa e Literaturas, especialista em Ensino/Aprendizagem de Língua Portuguesa, mestra e, atualmente, doutoranda em Estudos da Linguagem, da área de Linguística Aplicada, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sua experiência profissional abrange os ensinos médio e superior no Instituto Federal do Rio Grande do Norte nas áreas do Ensino de Língua Portuguesa e Literaturas e da Prática do Ensino de Língua Portuguesa. É integrante destes Grupos de Pesquisa registrados no CNPQ: Grupo de Estudos da Linguagem, Memória, Identidade e Território; Uma visão interdisciplinar da Educação nos Institutos Federais de Educação e Práticas discursivas na contemporaneidade.

Maria Bernadete Fernandes de Oliveira possui o título de Doutor em Linguística pela Universidade de São Paulo. Atua junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, exercendo atividades de ensino, pesquisa e orientação de dissertações e teses no campo da Linguística Aplicada. Desenvolve projetos de pesquisa nas linhas temáticas Linguagem e Educação; Linguagem, Alteridade e Ética, nas esferas escolar e midiática. É líder do Grupo de Pesquisa Práticas Discursivas na Contemporaneidade, inscrito no CNPq, e participa de Conselhos Editoriais de Revistas na área da Linguística Aplicada e dos Estudos da Linguagem.

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María Carolina Lúgaro Izuibejeres é graduada em Letras Espanhol e Literaturas - Licenciatura Plena, mestranda do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), com pesquisa em andamento sobre a Intercompreensão de Línguas Românicas (ILR) nas aulas de espanhol como língua estrangeira. É professora de espanhol como língua estrangeira no colégio Salesiano e no Senac; Professora Temporária do Magistério Superior junto ao Departamento de Práticas Educacionais e Currículo da UFRN na área de Didática e Ensino de Espanhol.

Milene Peixer Loio é mestre em Linguística pelo Programa de Pós Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/2014), bacharel em Letras/Língua Portuguesa e Literatura Vernáculas pela UFSC (2012) e licenciada em Letras/Língua Portuguesa e Literatura Vernáculas também pela UFSC (2010). Tem como interesse de pesquisa o ensino e aprendizagem de língua materna e a Educação, atuando na área de Linguística Aplicada, com ênfase nos seguintes temas: letramento, gêneros do discurso, linguagem, formação de professores, currículo, educação do campo, educação nos movimentos sociais, educação na cultura digital, entre outros.

Marília Varella Bezerra de Faria possui doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e pós-doutorado em Linguística Aplicada pela Unicamp. Atua no curso de Licenciatura em Letras/Inglês da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e na Pós-Graduação da mesma universidade, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. É pesquisadora do Grupo de Pesquisa/CNPq “Práticas Discursivas na Contemporaneidade”, tendo como interesses centrais questões de identidade, discurso, cultura, crenças, língua inglesa.

Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos é Professor D-301 de Língua Inglesa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). É Doutorando e Mestre (2013) em Estudos da Linguagem, Linguística Aplicada, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Possui especialização em Gramática, Texto e Discurso pela UFRN (2010). É graduado em Letras com habilitação em Língua Inglesa e Literaturas também pela UFRN (2008). Interessa-se principalmente por metodologias, abordagens e métodos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras e por análise de discurso. Atualmente desenvolve sua tese intitulada Inglês com humor e tarefas: uma proposta intercultural para o ensino médio.

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Rhena Raíze Peixoto de Lima Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Trabalha como professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. Especialista em Texto, Gramática e Discurso e em Literatura Brasileira pela UFRN.

Rosângela Hammes Rodrigues é mestra em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Atua como docente e pesquisadora na UFSC desde 1994. Desenvolve pesquisas no campo da Linguística Aplicada, nas áreas de ensino e aprendizagem das práticas de linguagem, formação de professores e estudos dialógicos da linguagem. Foi coordenadora do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada (NELA), do Programa de Pós-Graduação em Linguística e do Programa Mestrado Profissional em Letras, foi vice-presidente da ANPOLL e editora-chefe de periódicos acadêmicos.

Rodrigo Acosta Pereira é professor de Linguística Aplicada no Departamento de Língua e Literatura Vernáculas (DLLV), no Programa de Pós-graduação em Linguística (PPGLg) e Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) na UFSC. Pesquisa temas voltados à análise de discurso e de gêneros discursivos sob o matiz dos escritos do Círculo de Bakhtin. Atualmente integra o grupo de pesquisa Práticas discursivas na contemporaneidade (UFRN) e Núcleo de Estudos em Linguística Aplicada - NELA (UFSC). Lidera o Grupo de Estudos em Linguagem e Dialogismo - GELID (UFSC).

Rosely Perez Xavier é doutora em Linguística Aplicada pela Unicamp. Atua no Curso de Licenciatura em Letras Inglês da Universidade Federal de Santa Catarina nas disciplinas de Metodologia de Ensino e Estágios Supervisionados (I e II), e no Programa de Pós-Graduação em Linguística na linha de pesquisa ‘Ensino e aprendizagem de língua materna e de língua estrangeira’. Na pesquisa, seus interesses centram-se na área de aprendizagem de língua estrangeira em contextos formais e informais, ensino baseado em tarefas, relação entre material didático e aprendizagem e formação de professores.

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Roxane Rojo possui graduação em Letras Neolatinas Português-Francês/Língua e Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado e doutorado em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas pela PUC-SP. Fez estágio de Pós-Doutorado em Didática de Língua Materna na Université de Genève, Suíça, sob a direção do Prof. Dr. Jean-Paul Bronckart. Atualmente, é professora associada livre docente do Departamento de Linguística Aplicada da UNICAMP e pesquisadora 1C do CNPq. Atua principalmente nos seguintes temas: (multi)letramentos, gêneros do discurso, ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa e avaliação e elaboração de materiais didáticos.

Vitória Maria Avelino da Silva Paiva é professora de Língua Inglesa nas Escolas Estaduais Pedro II (município de Lajes) e Francisco de Assis Bittencourt (município de João Câmara), no Rio Grande do Norte. É Doutoranda e Mestre (2012) em Estudos da Linguagem, Linguística Aplicada, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Possui especialização em Ensino de Língua Inglesa pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) (2008). É graduada em Letras/Língua Inglesa e Literaturas também pela UERN (2002). Interessa-se principalmente por avaliação, metodologias, abordagens e métodos de ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras. Atualmente desenvolve sua tese, pesquisando a autoavaliação para a aprendizagem de língua inglesa .

Selma Alas Martins é Professora Associada de Língua Francesa (UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem- PPgEL. Possui pós-doutorado em Ciências da Educação pela Université de Lyon 2, França (2010); doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (FEUSP-2002); experiência nos temas relacionados ao ensino e aprendizagem de línguas, com foco na formação de professor, metodologia de ensino e intercompreensão entre línguas românicas.

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Tema

GĂŞneros do texto e do discurso


Texto

1

Novos multiletramentos na era digital: a questão das metodologias de pesquisa

Roxane Rojo Eduardo de Moura Almeida Jezreel Gabriel Lopes

Roxane Rojo e pelas Profas. Dras. Jacqueline Peixoto Barbosa (PUC-SP) e Rosineide Melo (CUFSA), tem-se debruçado, desde 2010, sobre a questão dos novos multiletramentos na era digital e de como as práticas escolares e os currículos e materiais didáticos para o ensino de Língua Portuguesa/ Linguagens e Códigos podem incorporá-los. Juntos, temos já publicado alguns volumes e artigos/capítulos2 que resenham, descrevem e reinterpretam os conceitos de novos letramentos e de multiletramentos, buscando refletir sobre sua entrada na escola e no ensino-aprendizagem de línguas/linguagens na contemporaneidade. Por essa razão, não retomaremos aqui essas definições e discussões anteriormente citadas, mas, complementarmente, pretendemos enfocar neste texto os desafios metodológicos

Nosso grupo de pesquisa, composto essencialmente pelos mestrandos e doutorandos1 do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP, sob a orientação da Profa. Dra. 1  O grupo é composto pelos doutorandos sob orientação de Profa. Dra. Roxane Rojo, Profa. Marly Aparecida Fernandes e Profa. Liliane P. Da Silva (DO, ambas pesquisando repositórios de objetos digitais); Profa. Ana Amélia Calazans da Rosa e Prof. Adolfo Tanzi Neto (DO, ambos pesquisando Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) em cursos EaD e seu impacto nos multiletramentos); Prof. Eduardo de Moura Almeida (DO) e Profa. Nayara Moreira Santos (ME) (ambos pesquisando dois gêneros de vidding – os AMV e os vídeo-minuto); Profa. Kátia Sayuri Fujisawa (ME, pesquisando a arquitetônica das redes sociais, em especial o Facebook, e suas propiciações em relação aos novos multiletramentos); Prof. Jezreel Gabriel Lopes (ME, pesquisando os objetos e livros didáticos digitais interativos e seu impacto no ensino e na dinâmica de sala de aula) e Prof. João Reynaldo Pires Jr. (ME, pesquisando os games e a aprendizagem baseada em games – game based learning). Já a Profa. Dra. Jacqueline P. Barbosa, foi professora de alguns dos pesquisadores antes mencionados na Iniciação à Pesquisa e compartilha com Profa. Dra. Roxane Rojo a autoria de algumas publicações, e a Profa. Dra. Rosineide Melo realizou seu Pós-Doutoramento em interlocução com Profa. Dra. Roxane Rojo, avaliando o valor do conceito bakhtiniano de “arquitetônica” para esses estudos.

2  (ROJO; BARBOSA; COLLINS, 2005; ROJO; MOURA, 2012; ROJO, 2013; ROJO; BARBOSA, 2013; no prelo a; no prelo b; MELO; ROJO, 2014).

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a que estão sujeitos os pesquisadores desse campo3. Na última vez em que tivemos oportunidade de levar a efeito a discussão sobre as metodologias de pesquisa no campo dos multiletramentos e dos novos letramentos, em uma disciplina de Pós-Graduação sobre Metodologias de Pesquisa4, buscamos inspiração em dois manuais de metodologias de pesquisa, organizados respectivamente por Someck e Lewin (2005) e Coiro, Knobel, Lankshear e Lew (2008). Iniciamos por Research Methods in the Social Sciences (SOMECK; LEWIN, 2005), pelo fato de a disciplina atender a alunos que adotavam os mais variados tipos de metodologia, enfocando

diferentes objetos e campos, com diferentes objetivos e interesses primários de pesquisa. No que diz respeito ao que aqui nos interessa, ou seja, a pesquisa sobre os novos e multiletramentos na era digital, o manual de Someck e Lewin tinha pouco ou quase nada a acrescentar. Três capítulos se destacavam a esse respeito: Carson et al. (2005), Kress e Mavers (2005) e Lankshear e Leander (2005). No primeiro deles (CARSON et al., 2005), os autores recorriam a Saussure (Cours), a Barthes (1977) e a Chaplin (1994), para sustentar que a teoria da representação e a “sociologia visual” poderiam se apoiar nos insights dessa semiologia. Os autores concluíram que,

3  Agradecemos aos organizadores do 11º Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância – ESUD 2014 que, ao proporem que realizássemos um Workshop intitulado “Metodologias de pesquisa: Letramento na era digital” (ROJO; MOURA; LOPES), provocaram as reflexões que integram este texto.

[...] se você trabalha com imagens visuais ou em movimento, você irá utilizar essencialmente a mesma “gramática” [de Saussure, de Barthes] para dar su-

4  LP030 – Metodologia de Pesquisa, 2º/2013, única disciplina obrigatória do Mestrado no PPG-LA/IEL/UNICAMP.

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especialmente se relida à luz dos trabalhos de Barthes (1987, 1964). Ora, nossa tendência era naturalmente rejeitar uma posição como essa. Entendíamos que os autores eram da área de Ciências Sociais e não de Ciências da Linguagem e que estavam se referindo a métodos de pesquisa em Sociologia, Antropologia e História que, por exemplo, baseavam-se em documentação fotográfica ou em vídeo. Mesmo assim, supor que a proposta estruturalista feita para a descrição do sistema semiótico verbal (la langue) possa se estender com ganhos a outras semioses (imagem estática ou em movimento, música) leva a uma análise metaforizada que se arrisca a perder o caráter

porte a sua análise e examinar os modos pelos quais as práticas sociais criam significado e como mesmo a mais aparentemente natural das significações carregará marcas de poder (CARSON et al., 2005, p. 166, grifos nossos).

Ou seja, os autores buscavam sustentar que, embora esses textos (“representações”) fossem compostos ou entremeados por imagens estáticas ou em movimento, embora pertencessem a outras semioses, poderiam ser analisados com base nas descobertas sobre a língua do Curso de Ferdinand de Saussure, ou ainda com base na Semiologia barthesiana. Logo, a metodologia de análise da materialidade dos textos multissemióticos poderia ser a “mesma” da do estruturalismo francês com sua rede de conceitos (língua e fala; motivação e arbitrariedade; paradigma e sintagma; significado e significante),

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topológico e não tipológico desses outros sistemas (ver LEMKE, 1998, s/p5). Para nós, que estávamos definindo os multiletramentos como uma multiplicidade de semioses que compõem os textos contemporâneos e que, ainda mais, incorpora e hibridiza/ mescla uma grande diversidade cultural em sua tesscitura (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000/1996]) e os novos letramentos não somente como novos artefatos digitais (new stuff), mas principalmente como uma nova mentalidade e um novo ethos que norteiam os letramentos, as práticas e os enunciados multissemióticos/pluriculturais que deles resultam (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007),

era difícil acatar que o sistema estrutural arquitetado por Saussure para a análise da língua ou mesmo a semiologia (inicialmente estrutural) de Roland Barthes que reinterpretava esse sistema para a análise da fotografia, por exemplo, pudessem nos valer. Desconfiávamos que não. Já antes havíamos resistido às sugestões de uma semiótica social (e não estrutural) proposta por Gunther Kress e colaboradores, apoiados na Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday para o verbal, como uma base de análise potente para os textos contemporâneos. Por exemplo, Kress e Mavers (2005, p. 172, grifos do autor), no mesmo volume, defendiam que a Semiótica Social

5  “Começo a acreditar que criamos significação de duas maneiras fundamentalmente complementares: (1) classificando coisas em categorias mutuamente exclusivas e (2) distinguindo variações de grau (ao invés de tipo) em vários contínuos de diferença. A linguagem opera principalmente da primeira maneira, que chamo de tipológica. A percepção visual e gestual/espacial (desenhar, dançar) opera principalmente da segunda maneira: a topológica. Como já disse, a real criação de significação geralmente envolve combinações de diferentes modalidades semióticas e, logo, também combinações desses dois modos gerais” (LEMKE, 1998, s/p).

[...] desafia a pressuposição – implícita ou explícita – de que a teoria linguística pode prover uma abordagem satisfatória da representação e da comunicação que possa ser aplicada

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em geral e defende que precisamos de uma teoria que possa dar conta igualmente dos gesto, da fala, da imagem, da escrita, de objetos tridimensionais,

e analogia. Ao mesmo tempo, precisamos descrições que focam nas características de modos específicos, categorias tais como verbos ou vetores

da cor, da música – uma teoria que se aplique a todos os modos – e que a linguística não nos pode fornecer um modelo apropriado.

(para tratar de dinamismo, ação, movimento), sujeito ou entidades salientes (para tratar de funções de tipo gramatical), nomes ou retratos (para tratar com representações de tipo objetal).

No entanto, logo abaixo no mesmo texto, Kress (p. 172-173, grifos do autor) afirmava que a Semiótica Social é capaz de prover categorias que,

Ou seja, o autor parecia aceitar que os achados das teorias da língua/linguagem relativos à semântica e ao discurso podem ser aplicados às diversas modalidades de linguagem, mas que os achados da Linguística de níveis mais baixos – lexical ou sintático – têm de achar seus elementos correspondentes em cada modalidade. E parece ser mesmo o que é feito, por exemplo, em Kress e Van Leeuwen (2006), já desde o título da obra: Uma “gramática” (aspas nossas) do design visual.

[...] em um nível, aplicam-se a todos os modos igualmente, à fala assim como à imagem, ao gesto assim como à música, à escrita assim como a objetos tridimensionais e assim por diante: categorias tais como signo, texto, gênero, discurso, ou ainda metáfora

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•• estudos de análise de texto e discurso de comunicação e interação em espaços online baseados em texto;

Já Lankshear e Leander (2005, p. 326), no mesmo volume, alertavam para o fato de que “a pesquisa no ciberespaço envolve a internet de dois modos: como uma ‘ferramenta de pesquisa’ e como uma ‘mídia social’ que apresenta fenômenos a serem pesquisados (JONES, 1999, p. X)”. Tendíamos, nosso grupo, ao segundo modo. Mas então, os autores passavam a enumerar os principais tipos de pesquisa levadas a efeito na internet – e neles, novamente não víamos o segundo modo (“uma ‘mídia social’ que apresenta fenômenos a serem pesquisados”). Os principais tipos de pesquisa enumerados incluíam:

•• estudos baseados em entrevistas sobre práticas sociais online; •• Surveys sobre fenômenos sociais diversos pertencentes a ambientes online e offline, usando questionários online; •• Pesquisa documental que usa a internet principalmente como uma ferramenta para coletar dados e/ou para levar a cabo análise e interpretação (muitas vezes colaborativamente).

•• estudos etnográficos e outras formas de observação participante de práticas sociais nos espaços e “comunidades” online;

Ora, mesmo aqui, o que víamos era o uso das tecnologias digitais como uma ferramenta de coleta e análise de dados, mas baseadas em metodologias (e teorias, supomos) anteriores ao

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advento da cibercultura – e que, logo, ignoram as mudanças que esta trouxe às linguagens e práticas: etnografia (ou, pior, netnografia6 como querem alguns); observação participante; pesquisa documental; análises de texto/discurso/ interação; surveys. Claro fique que não estávamos aqui querendo “reinventar a roda redonda”. É claro que, mesmo com um objeto inusitado na história da humanidade como os novos multiletramentos, teremos de nos valer do conhecimento acumulado, seja em termos metodológicos ou teóricos. Mas não para reencontrar o velho e sim para vislumbrar uma sombra do novo.

Assim, nós do grupo de pesquisa, insatisfeitos com o que esse manual nos trouxe, buscamos outro manual: Handbook of research on new literacies (COIRO et al., 2008). E aí nos reconhecemos em algumas observações em favor da inter ou transdisciplinaridade, tais como: As principais tendências, perspectivas teóricas e pesquisa interdisciplinar sobre os novos letramentos [...] reconceitualizam a pesquisa sobre o letramento a partir de um esforço interdisciplinar. Trata-se, muito mais de levantar perguntas que de fornecer respostas [...] Como a internet e outras tecnologias da informação e da comunicação (TDIC) alteram a natureza do letramento (novos letramentos)? [...]

6  “One methodology recently introduced in the consumer research literature is that of netnography, an interpretive method devised specifically to investigate the consumer behavior of cultures and communities present on the Internet. Netnography can be defined as a written account resulting from fieldwork studying the cultures and communities that emerge from on-line, computer mediated, or Internet-based communications, where both the field work and the textual account are methodologically informed by the traditions and techniques of cultural anthropology” (KOZINETS, 1998, p. 336).

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Como dissemos, não que fôssemos “reinventar a roda redonda”, mas um posicionamento como esse nos alertava principalmente para uma postura (metodológica) que deveríamos desenvolver, aliás já bastante valorizada na área de Linguística Aplicada: a busca pela inter ou transdisplinaridade; a tentativa de um olhar “fractal”, prismático, que revela o caráter múltiplo e multifacetado do objeto (novo); o apoio em teorias e metodologias já conhecidas que parecem úteis para desvelar facetas desse olhar prismático, mas não para reafirmá-las como tal e sim para desvelar um novo prisma; lidar de maneira tranquila com a diversidade desses prismas e suspender a busca por totalizações; buscar lidar com a complexidade. Embora sem dispormos de uma equipe interdisciplinar, buscar afinar um olhar transdisciplinar para os fenômenos. Assim, na continuidade de nossas pesquisas e discussões, concertamos um conjunto de princípios que tem nos servido de guia. En-

Novos letramentos são múltiplos, multimodais e multifacetados. Assim, são mais bem enfocados por análises que trazem múltiplos pontos de vista para entendê-los. Em um mundo de crescimento explosivo de tecnologias e práticas de letramento, torna-se cada vez mais difícil pensar o letramento como um construto singular que se mantém através de todos os contextos. Isso sugere que é mais interessante nos valermos de pesquisas que se movem na complexidade que múltiplas perspectivas trazem ao estudo da questão (Labbo & Reinking, 1999). Isso também sugere que a área é mais bem estudada em equipes interdisciplinares, na medida em que as questões se tornam demasiado complexas para o modo tradicional de investigação solitária. [...] (COIRO et al., 2008, s/p).

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•• buscar teorias de base amplas e abertas, que admitam novos objetos e outras semioses, como é o caso, por exemplo, da teoria dialógica do discurso do Círculo de Bakhtin;

quanto grupo de pesquisa, estamos de comum acordo de que devemos: •• fazer pesquisa aplicada – isto é, que busque interferir no mundo e na vida, e não teórica ou descritiva; no nosso caso, os principais campos de aplicação têm sido a educação e o ensino de línguas/linguagens, a gestão de currículos e da formação docente, a edição de objetos, cursos e protótipos de ensino digitais;

•• buscar teorias e metodologias demandadas pelos objetos específicos em seu campo original de elaboração (como artes plásticas, fotografia, cinema, dança, música, games etc.); e •• buscar derivar da pesquisa objetos aplicados com impacto social.

•• fazer pesquisa transdisciplinar, recorrendo a várias teorias de diferentes áreas a partir das demandas do objeto de estudo e do interesse primário (aplicado) de pesquisa;

Na continuidade deste texto, apresentamos duas diferentes pesquisas do grupo – uma voltada à descrição de um gênero de vidding muito apreciado pelos jovens (o AMV) e aos novos multiletramentos que sua recepção/produção requerem (MOURA, no prelo) e outra que testa protótipos de materiais didáticos interativos

•• reconhecer os novos multiletramentos como um novo universo e com isso buscar não transpor teorias/metodologias à revelia dos objetos e interesses de pesquisa;

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para dispositivo móvel (tablet) em seu uso em sala de aula, tanto para avaliar os materiais em si e seu efeito na aprendizagem como as alterações que o uso do dispositivo acarreta para a dinâmica de sala de aula (LOPES, em prep.). O leitor poderá então avaliar se esse conjunto de princípios fundamentais antes mencionado tem mesmo norteado nossa ação de pesquisa.

partilhada que percorre as redes, que escolhem um mesmo espaço para distribuir, divulgar e estabelecer contato. Segundo Jenkins (2012), o YouTube, por exemplo, promove uma espécie de casa para diferentes comunidades que representam tradições diversas, mas também cria outras intersecções: desenvolve uma nova ecologia de mídias, comunidades, subgrupos e estéticas, estabelecidas no cruzamento cultural que o próprio site representa. Inovações estéticas e tradições formais transitam rapidamente de uma comunidade produtora para outra. Dessa forma, torna-se desafiador manter qualquer linha divisória entre os diferentes remixes de imagem em movimento que circulam no YouTube (JENKINS, 2012, s/p). Diante desse contexto, constatamos que algumas práticas e produções tornaram-se, de certa forma, parte de uma “cultura comum” do YouTube.

1. AMV: Estéticas de sampling em movimento Nos últimos anos, as práticas de remix e mashup têm tomado fôlego devido à proliferação de arquivos de vídeos digitais online e ao desenvolvimento e acesso aos softwares de edição. Esse momento ainda é potencializado por sites de compartilhamento e divulgação de vídeos que impactam no resultado final de subgrupos de remix, dando início a uma nova cultura com-

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Quadro 1 – Alguns exemplos de vídeos e práticas de edição que circulam no YouTube Prática

Definição

e seu real potencial criativo, devemos considerar como a gravação e a reprodução mecânicas evoluíram em uma estética de seleção e sampling7; de captura e manipulação de arquivos digitais. Navas (2012) reconhece quatro estágios na formação do remix como o reconhecemos e praticamos na atualidade. Em um primeiro momento, o próprio mundo é capturado e ressignificado. Uma vez que a gravação mecânica é difundida e torna-se mais comum, desenvolve-se um novo estágio em que materiais são gravados e arquivados em grande quantidade, o que viabiliza as fotocolagem, fotomontagem, found footage8 etc., durante os anos 20.

Exemplo

Legendagem

Vídeos virais feitos para serem redistribuídos em redes sociais. Consistem no remix de um mesmo fragmento de material audiovisual, acrescido de, somente, uma nova legenda.

Hitler fica sabendo: http://goo.gl/dPMLUh

Auto-tune

Recurso de áudio utilizado para alterar a altura e a afinação de vocais. Por meio desse recurso, vídeos são transformados em uma canção ou videoclipe.

Joel Santana http://goo.gl/VeAoJ6

Overdubbing

Vídeos que recebem o nome da técnica utilizada em sua produção: a seleção de som ou (re)dublagem de um filme, sincronizada com o movimento labial dos atores do material original.

Dunga em um dia de Fúria!: http://goo.gl/coUmsL.

Fonte: Elaboração dos autores com base no Youtube.

7  O sampling é, segundo Navas (2012), a cópia/captura de um determinado fragmento feita a partir de qualquer forma de gravação mecânica. 8  Found footage é o nome dado aos filmes que empregam a prática de

Contudo, Eduardo Navas (2012, p. 12) argumenta que, para compreendermos melhor o remix

apropriação de materiais audiovisuais preexistentes com o intuito de recontextualizar e inscrever novos significados, por meio de montagens criativas.

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Durante os anos 70, máquinas de remix são criadas e apropriadas por DJs (segundo momento). Nesse contexto, desenvolve-se um terceiro momento na estética do sampling: a popularização de comentários socialmente reconhecidos, feitos a partir da manipulação de gravações musicais. O remix9, scratch10 e sampling tornam-se comuns e populares em movimentos como o Hip-Hop e transitam para outras manifestações culturais como a literatura, as artes plásticas e o cinema. Por fim, temos o estágio atual da estética do sampling, em que se privilegiam criações feitas a partir de materiais e arquivos preexistentes no lugar de representações do mundo em si. Com isso, os estágios anteriores combinam-se em um “metanível” em que é dada aos usuários a opor-

tunidade de criar seus remixes, por meio da combinação e recombinação de estéticas, linguagens e semioses tidas, anteriormente, como distintas. Diante das características aqui levantadas e do momento atual em que se encontra a estética do sampling, acreditamos que seja essencial buscarmos entender melhor as tradições de edição e montagem audiovisual em jogo nas “transcodificações”11 presentes nos remixes de imagem em movimento que circulam em sites de compartilhamento e divulgação de vídeos como o YouTube. Podemos, em um primeiro momento e de maneira provisória, destacar três grandes “referências culturais” importantes que antecedem o desenvolvimento das novas tecnologias de in11  Princípio que, para Manovich, descreve “a consequência mais substancial da computadorização da mídia” (MANOVICH, 2001, p. 44). Para o autor, a

9  Segundo Navas (2012), o termo remix só começa a ser usado nesse período

transcodificação resultaria em uma mistura de sistemas de significação

e em contexto musical.

“não digitais” e computacionais; uma hibridização entre “formas tradicio-

10  Scratch é uma técnica usada por DJs para produzir sons distintos, movendo

nais por meio das quais as culturas humanas modelam o mundo e o modo

um ou mais discos de vinil para frente e para trás. O scratch é, comumente,

próprio dos computadores representarem esses mundos” (MANOVICH,

ligado ao Hip Hop e está associado ao remix.

2001, p. 46)

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formação e comunicação e que têm os remix de vídeo como um discurso fundamental em suas interações sociais e culturais (ROJO; MOURA, 2013, p. 20-42). Cada uma dessas redes sociais assume relações e formas diferentes de se apropriar e reconverter os bens simbólicos e os diversos gêneros vindos da cultura pop em remixes variados de imagens em movimento.

Os Anime Music Videos (AMV, na sigla em inglês) são produções transformativas13 baseadas, principalmente, na edição de vídeo e áudio, criados pela combinação de materiais e elementos retirados de diferentes animações japonesas (animês) e montados com uma determinada música, com intuito de destacar uma leitura particular sobre um determinado material original. O videoclipe FLASH14 é um exemplo significativo de AMV. Segundo o autor, foi criado com objetivo de parodiar o herói Flash Gordon. O autor queria brincar com a trilha sonora, por julgar divertido o fato de a música criada pela

Quadro 2 – Referências culturais e tradições importantes para remixes de imagens em movimento Referência cultural Cultura Jamming12 Cultura de Fã Cultura otaku

Categoria de Remix de Vídeo Political Remix (PRV)

Exemplo A Thousand Points of Night – http://migre.me/f5NZp

Fan Vid

Closer – http://goo.gl/8jodN6

AMV

Safety Dance – http://migre.me/fojQh

13  Segundo o glossário do Organization for Transformative Works, produções transformativas são obras criativas desenvolvidas a partir de uma obra original. As produções transformativas acrescentam algo de novo com propósitos diferentes, alterando e agregando novos significados e/ou mensagem ao material fonte. São exemplos de produções transformativas: fanfictions, remixes, mashups, fan vids, AMV etc. Disponível em: <http://transformati-

Fonte: Adaptado de Rojo e Moura (2013, p. 233-263).

veworks.org/glossary/13 - lettert>. Acesso em: 20 ago. 2014.

12  Cultura que busca aplicar diferentes técnicas para propagar o anticonsumismo, romper e subverter a cultura “padrão”; normalmente, também é associada a movimentos de contracultura.

14  Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=zqJcn35ZMf4>. Acesso em: 20 ago. 2014.

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banda Queen ser mais popular do que o próprio filme e por considerar irônico Flash Gordon transformar-se em “cult”, apesar da “breguice” e da “estética duvidosa”. Vlad G. Pohnert comenta que, na verdade, só definiu seu projeto de fato quando constatou que a personagem do seu animê preferido, Tengen Toppa Gurren Ragan15, o jovem Kamina, compartilhava características com o próprio Flash Gordon. Vídeos como FLASH fazem, cada vez mais, parte do universo dos jovens de hoje em dia: representam novas práticas de letramentos, estão apoiados em novos valores, estéticas e em novas maneiras de se criar e compartilhar significados (LANKSHEAR, 2007; LANKSHEAR; KNOBEL, 2010; 2011). De maneira muito particular, diferente de outras redes de criação de produções transfor-

mativas e de remixes de imagens em movimento, as comunidades AMV organizaram-se em torno de um mesmo portal: o AnimeMusicVideos.org (http://www.animemusicvideos.org/). No the.org, como é conhecido o AnimeMusicVideos.org, os participantes promovem competições, encontros, projetos colaborativos de edição de vídeo, fóruns de discussão, entrevistas com criadores que se destacaram na comunidade, documentos sobre a estética AMV e tutoriais sobre criação e edição de vídeos que delimitam certos aprendizados dentro da comunidade. Os guias de técnicas de edição de vídeo e remix de imagem em movimento são divididos em três tópicos no the.org: “sincronização”, “conceito” e “efeitos”. A “sincronização” é apontada, dentro da comunidade, como um aspecto importantíssimo na criação de um bom AMV. Por meio de edição que promova uma sincronia adequada entre

15  Traduzido para o português como “Ultrapassando os céus com Gurren-Lagann”. É uma série de animê que narra a saga de uma civilização futurista em que os poucos sobreviventes humanos vivem no subterrâneo.

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“música”, “letra” e “clima” do material original, os editores conseguem dar vasão a inúmeros projetos e materializar diferentes categorias de AMV: terror, drama, humor, ação etc. Considerando a relevância que os remixes de imagem em movimento assumem nas culturas juvenis, temos, desde 2013, nos dedicado a descrever os AMV por meio da observação do próprio portal AnimeMusicVideos.org16. Para tanto, concentramo-nos no conjunto de princípios anteriormente mencionados neste artigo, os quais têm nos servido de guia enquanto grupo de pesquisa. Dessa forma, pautamo-nos nos materiais criados e distribuídos na comunidade, direcionando nosso olhar à prática de edição e montagem, principalmente, ao fenômeno da

“sincronização”. Centramos nossa abordagem interpretativa na perspectiva enunciativo-discursiva bakhtiniana (BAKHTIN/MEDVIÉDEV, 2012[1928]; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009 [1929]; BAKHTIN, 2010 [1934-35/1975]; 2003 [1952-53/1979]), a qual nos permite considerar contextualmente as culturas juvenis e otaku. Contudo, a descrição e análise de textos e enunciados contemporâneos multissemióticos que envolvem diversas linguagens, mídias e tecnologias, dentre eles os AMV, colocam novos desafios para a teoria de gêneros de discurso proposta pelo Círculo Bakhtiniano, que privilegiou em suas teorização o texto escrito, impresso e literário (ROJO, 2013, p. 26-27). Dessa forma, temos proposto um desenho de pesquisa misto, quantitativo-qualitativo, baseado em distribuições estatísticas de escolhas formais e estilísticas em que os AMV são preparados para descrição e análise a partir de técni-

16  Refere-se ao projeto Anime Music Video (AMV), multi e novos letramentos: O remix na cultura otaku. Doutorado em desenvolvimento, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo, vinculado à área de concentração Linguagem e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA/IEL/UNICAMP) e de autoria de Eduardo de Moura Almeida.

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cas de visualização de dados denominadas de media visualization por Manovich (2011, 2010). Manovich denomina de media visualization o desenvolvimento de processamentos computacionais combinados com “visualizações” (gráficos, infográficos, montagens e outras representações visuais de dados) que permitem uma “engenharia reversa” de aspectos de mídia baseadas em imagem em movimento (MANOVICH, 2011, p. 13). As diferentes técnicas de visualização desenvolvidas por Manovich e seus alunos (MANOVICH, 2011, 2010) nos permitem criar imagens e gráficos que revelam relações e padrões existentes no conjunto de dados audiovisuais dos AMV. Por exemplo, ao compararmos dois AMV de categorias diferentes, La tristesse durera toujours17 (drama) e Written in the spirals18 (ação), por meio de gráficos de desvio padrão referentes à variação de tons de cinza, rapidamente, comprovamos que o AMV de drama (La tristesse durera toujou-

rs) segue uma tendência de edição baseada em cenas escuras e menos contrastadas (Figura 1). Figura 1 – Gráfico de desvio padrão referente à variação de tons de cinza. Comparação entre La tristesse durera toujours e Written in the spirals.

Fonte: Comparação dos AMVs La tristesse durera toujours e Written in the spirals, disponíveis conforme notas 17 e 18, respectivamente.

No AMV La tristesse durera toujours, o ponto de concentração dos frames ocorre na área do gráfico com maior presença de tons escuros, en-

17 Disponível em: <http://goo.gl/2yBKB1>. Acesso em: 20 ago. 2014. 18 Disponível em: <http://goo.gl/IAMMSH>. Acesso em: 20 ago. 2013.

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quanto que, em Written in the spirals, o mesmo ponto de concentração encontra-se na região de tons de cinza médio e mais saturados. Se aproximarmos o Gráfico (Figura 2) no ponto em que se concentram o maior número de frames, podemos observar, ainda, tendência à seleção de imagens em closes e ambiente soturnos.

Acreditamos que técnicas de visualização de dados como as propostas por Manovich (2011, 2010) e refinadas em nosso trabalho podem iluminar produtivamente certos conceitos propostos por Bakhtin e seu Círculo, como os de forma de composição e estilo, por exemplo. No entanto, é importante frisar que os procedimentos técnicos aqui descritos devem ser subordinados à ordem metodológica de análise bakhtiniana que privilegia as instâncias sociais e que vai da situação social de enunciação à materialização do gênero/enunciado/texto. Portanto, só quando o nível de análise ligado ao “momento material” é atingido, é possível passarmos às técnicas desenvolvidas por Manovich (2011, 2010) e às interpretações e às teorias semióticas disponíveis de análise de edição de vídeo (AMIEL, 2001; 2007; DANCYGER, 2011; HORWATT, 2009; MACHADO, 2000; NAVAS, 2012; SANTAELLA, 2007).

Figura 2 – Zoom, Gráfico de desvio padrão referente a variação de tons de cinza –La tristesse durera toujours

Fonte: Aproximação em zoom pelos autores.

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2 Protótipos didáticos digitais interativos para tablets e interação em sala de aula

gundo Rojo (2013, p. 6), “estão relacionadas a uma nova mentalidade, que pode ou não ser exercida por meio de novas tecnologias digitais”. Tal constatação evidencia que apenas o uso de tecnologia nas escolas não significa a inclusão devida das novas práticas de multiletramento em seu currículo. Para que a instituição escolar apodere-se dessas novas práticas, é preciso, primeiramente, compreender que, associado aos novos letramentos, encontra-se um novo ethos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007), no qual paradigmas são superados e novas relações na produção e veiculação de informação se estabelecem (inclusive na docência). Nesse contexto, a pedagogia dos multiletramentos (COPE; KALANTZIS, 2006 [2000]), desenvolvida pelo Grupo de Nova Londres, enfoca a necessidade de uma profunda mudança de paradigmas no ensino, pois a análise do desen-

Ao considerarmos a popularização e consequente inserção de tablets e demais dispositivos móveis nas escolas, podemos perceber a emergência de questionamentos acerca de como promover uma integração eficaz entre tais tecnologias, as tecnologias do impresso e as práticas educacionais. Encontrar respostas para tais questões, além de analisar os impactos dessa integração nos principais componentes da docência, são os objetivos desta pesquisa. A convergência de semioses e discursos, o acesso à informação vasta e ilimitada por meio de hipertextos e hipermídias, além da democratização da autoria e da veiculação de discursos em diferentes modalidades, evidenciam um fenômeno maior que as consequências dos avanços tecnológicos. As novas práticas de letramento resultantes desse novo contexto, se-

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volvimento da forma escolar evidencia a preservação de um paradigma há muito cristalizado:

Como consequência da instituição de um espaço e tempo de ensino, Soares explica que surge, então, a necessidade de sistematizar esse tempo por meio do planejamento de atividades que, por fim, estende-se na sistematização do próprio conhecimento. A partir desse momento, nasce a escola como instituição burocrática, na qual alunos são organizados por categorias, que determinam um tratamento escolar específico como horários, volume de trabalho, saberes a aprender, processos de avaliação e de seleção (HUTMACHER apud SOARES, 2002, p. 156). Se a grande diferença entre o ensino medieval e o difundido no mundo ocidental está na instituição de um espaço e um tempo de ensino, percebe-se a permanência, em ambos os períodos, da figura de um professor – posteriormente a figura de um professor e a de um livro didático – detentor do conhecimento.

A diferença fundamental entre o aprendizado medieval e o aprendizado escolar que se difundiu no mundo ocidental a partir sobretudo do século XVI foi, segundo Petitat19, “uma revolução do espaço de ensino, pela substituição dos locais dispersos mantidos por professores “independentes” por um prédio único abrigando várias salas de aula”. Como consequência e exigência dessa invenção de um espaço de ensino, uma outra “invenção” surge: um tempo de ensino (SOARES, 2002, p. 155).

19  PETITAT, A. Produção da escola, produção da sociedade: análise sócio-histórica de alguns momentos decisivos da evolução escolar no ocidente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

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O advento de novas tecnologias, por meio das quais se estabelecem novas relações com a detenção, difusão e mesmo com a durabilidade desse conhecimento, torna o papel de professor, perpetuado ao longo das eras, algo sujeito a reflexões e reinvenções. Além disso, em uma sociedade digital na qual a dimensão espacial representa cada vez menos obstáculo, assim como, em muitos casos, a dimensão temporal, para se “estar” em algum lugar ou interagir com pessoas, percebemos que duas das bases fundamentais da escola ocidental moderna tornam-se, aos poucos, sujeitas a ressignificações. Ressignificações também necessárias à seleção de conteúdos e aos processos metodológicos, pois, na contemporaneidade, é permitido ao aluno fazer travessias (LEMKE, 2002), por meio do hipertexto e da hipermídia, a partir das quais ele mergulha em uma rede de informações materializadas em forma de textos, imagens estáticas ou em

movimento e sons. A partir de suas travessias, o aluno poderá criar seus próprios caminhos, sempre permeados por diversas vozes sociais (BAKHTIN, 1981 [1935] apud LEMKE, 2002, p. 323), das quais emergirão significações diversas. Essas novas formas de interação com a informação e a nova organização da economia (COPE; KALANTZIS, 2000) chamam atenção ainda para revisões dos processos avaliativos, de forma que eles possam levar em conta também o gerenciamento e a aplicabilidade de determinado conteúdo e questões relacionadas à colaboratividade. A instituição escolar, em cada momento histórico, define-se pelo contexto social, econômico, cultural (SOARES, 2002) e também tecnológico. Períodos de transição como o atual, em que se discutem novas relações culturais advindas da dissolução de fronteiras nacionais e do advento do multiculturalismo, novas formas de manifestação e veiculação da informação e, con-

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sequentemente, novas demandas educacionais e econômicas, exigem profunda observação, reflexão e ressignificação. Dessa forma, o processo de transição não pode limitar-se ao simples descartar e substituir, mas precisa estar embasado em análises da realidade e pesquisas que sejam capazes de apontar as demandas da educação na contemporaneidade. Norris e Soloway (2009, p. 243) afirmaram, em seu artigo A disruption is coming, que os anos vindouros seriam marcados por mudanças significativas no contexto escolar, a ponto de gerarem uma ruptura no sistema. Segundo os autores, a popularização e o barateamento de dispositivos móveis permitiria aos alunos, independentemente de sua classe social, que fossem às escolas equipados com celulares, por meio dos quais o mundo estaria literalmente em suas mãos. Se considerarmos a pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística entre

2005 e 2011, e divulgada em 2013, a respeito do uso de telefones móveis e do acesso à internet no Brasil20, as projeções de Norris e Soloway (2009) demonstraram-se precisas. Segundo os dados do IBGE, entre os anos pesquisados, o uso de celulares por pessoas com mais de 10 anos cresceu em 102,2%. O estudo ainda apontou que o percentual de pessoas de 10 anos ou mais de idade que acessam a internet passou de 20,9% (31,9 milhões), em 2005, para 46,5% (77,7 milhões) em 2011. Desse total de internautas, 72,6% eram estudantes. A disseminação de dispositivos móveis no ambiente escolar obrigou as instituições de ensino, inicialmente, a adotarem medidas drásticas para lidar com a situação. Em seu livro Mobile Technology for Children, Druin (2009), apresenta diversas experiências ao redor do mundo 20  Disponível

em:

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/im-

prensa/ppts/00000012962305122013234016242127.pdf>. 17 maio 2014.

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Acesso

em:


em que escolas baniram o uso de dispositivos móveis da sala de aula. No Brasil, observou-se movimento similar. Em 2008, o Distrito Federal aprovou o Projeto de Lei nº 4.131/2008, da deputada Eurides Brito, que proibia o uso de celulares, mp3 players e videogames nas escolas21. A justificativa para a medida consistia no fato de que os celulares podiam gerar desatenção em sala aula, conflito entre professores e alunos e mesmo conflito entre os próprios alunos. Na região de Campinas, ao longo de minha experiência docente, constatei nas escolas em que lecionei uma postura similar à encontrada na lei do Distrito Federal: proibição de dispositivos móveis, além de restrição ao acesso à internet ou limitação de acesso aos computadores do laboratório da escola. Movimentos nessa direção revelam o despreparo da instituição escolar e mate-

rializam as rupturas em sua estrutura clássica de ensino sobre as quais discorrem Norris e Soloway (2009), rupturas essas originadas pela emergência das novas tecnologias da informação e comunicação e de suas possibilidades, que evocam um novo ethos ainda não assimilado pela escola. Embora presenciemos recentemente ações que indiquem uma tentativa das instituições educacionais de inserção nessa nova ética, como a crescente introdução de tablets nas escolas da rede particular de ensino e as intenções dos governos de estender tal ação às escolas da rede pública de ensino, essa inserção não depende apenas da disseminação desses dispositivos. É notável o fato de que a adoção das tecnologias móveis afasta-se de tendências reducionistas como a sinalizada pela lei de Eurides Brito. Entretanto, “o conteúdo presente nesses dispositivos é tão importante quanto o hardware

21  Disponível

em: <http://www.sinprodf.org.br/wp-content/uploads/2011/03/lei-n%C2%BA-4.131-de-02-de-maio-de-2008.pdf>. Acesso em: 17 maio 2014.

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em si” (DRUIN, 2009, p. 9)22. Assim, uma vez superada, em parte, a resistência, não apenas escolar, mas de toda a sociedade, à adoção dessas novas tecnologias para o ensino, novos problemas emergem, tais como a produção de aplicativos e de conteúdo com foco em aprendizagem para dispositivos móveis. Segundo pesquisa do MEF23 (Mobile Entertainment Forum), no segundo semestre de 2013, houve um aumento considerável no consumo de aplicativos para celular e tablet no Brasil, porém, os conteúdos mais populares das lojas de aplicativos relacionam-se a entretenimento. Sobre isso, Druin (2009, p. 11) observa que “talvez quando comparadas às vendas de jogos e de ringtones, as vendas de recursos educacionais

não sejam tão lucrativas. Porém, o custo de sua ausência é alto”24. Os reflexos da ausência de conteúdo focado em educação revelam-se no uso, por exemplo, de tablets nas escolas de forma limitada, sem acesso pleno à internet e apenas como leitores de arquivos de texto. Ou seja, muda-se o suporte, mas se mantêm as mesmas práticas de leitura e interação observadas na utilização de livros impressos. Dessa forma, exclui-se o acesso a hipertextos, à hipermídia e a ferramentas colaborativas, que são expressões básicas dos novos multiletramentos necessários para a vida na sociedade contemporânea. Outras questões que devem ser consideradas no processo de inserção de tecnologias móveis nas escolas ― e que se relacionam à constatação acima de seu uso limitado ―, é a capa-

22   “the contend on these mobile technologies are as important as the hardware itself”.

24   “Perhaps when comparing to ringtones and gaming sales, education resources are not the most profitable. But the expense of their absence is even more costly”.

23  Disponível em: <http://www.mefmobile.org/activities-and-analytics/

analytics/global-consumer-survey-2013>. Acesso em: 17 maio 2014.

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citação do corpo docente para utilização de tais ferramentas e a capacidade da infraestrutura escolar para suportar a adoção dessas tecnologias. Segundo pesquisa de 2012 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.br), a respeito dos usos das TDIC nas escolas25, a presença de dispositivos móveis nas escolas da rede pública de ensino vem crescendo desde 2010. Entretanto, a baixa velocidade de conexão com a internet limita seu uso. Segundo o estudo, a velocidade de internet mais presente nas escolas públicas é de 1 megabyte e apenas 57% delas apresentam conexão sem fio à internet. Escolas que pretendam adotar o uso de dispositivos móveis fracassarão se não planejarem melhorias e adequações em sua rede de acesso à internet de forma que ela seja capaz de suportar um dispositivo móvel por aluno.

Ao considerar o uso de tecnologias móveis, a pesquisa aponta que apenas 2% das escolas pesquisadas dispõem do tablets e a porcentagem de professores que possuem tal equipamento em seu domicílio é de apenas 8%. Embora esse número ainda seja baixo, ao se considerar o acesso à internet de professores por meio de celulares, houve um aumento de 16% de 2010 a 2013. Diante desses dados, a pesquisa revela o fato de que o professor tem aderido à tendência de mobilidade, mesmo que a formação inicial docente ainda não integre tais tecnologias. Se não há formação de professores para o uso de tecnologias móveis, mesmo sua formação para o uso de computadores e internet ainda não é a ideal, pois, segundo os dados do estudo, menos da metade dos professores de escolas públicas cursaram alguma disciplina voltada especificamente ao uso do computador e internet em sua formação inicial. Entretanto, a

25  Disponível

em: <http://www.cetic.br/educacao/2012/apresentacao-tic-educacao-2012.pdf>. Acesso em: 18 maio 2014.

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internet é praticamente universalizada entre os docentes brasileiros e apenas 2% deles afirmam não saber utilizar o computador. Quanto às práticas pedagógicas que fazem uso das TDIC, a pesquisa aponta que o uso de computador em sala de aula é ainda instrumental em aulas que são, em sua maior parte, focadas na exposição teórica, em exercícios para fixação de conteúdo e na interpretação textual. Sem muitos dados que remetam a práticas situadas de multiletramentos, temos a impressão de que as análises feitas por Hutmacher (1992) e Soares (2002), constatando poucas mudanças na estrutura das instituições de ensino ao longo dos últimos séculos, se materializam perfeitamente. Inserem-se computadores e a internet nas escolas, mas os paradigmas, em muitos sentidos obsoletos, permanecem e as práticas continuam distantes daquelas necessárias ao mundo contemporâneo.

Os dados da pesquisa feita pelo CETIC.br sinalizam um longo caminho para que haja uma inserção eficaz de tablets nas escolas. Além de capacitação docente e adequação de infraestrutura, é preciso discernir os paradigmas instituídos pelo uso de tecnologias móveis na educação. Segundo Rogers e Price (2009, p. 61), estamos caminhando para uma era caracterizada pela aprendizagem móvel (mobile learning), aprendizagem contínua (seamless learning) e aprendizagem ubíqua (ubiquitous learning). Os autores afirmam que as tecnologias móveis permitem transitar por espaços físicos, digitais e comunicativos sobrepostos. Além disso, essa mobilidade pode ser alcançada de forma individual ou em grupos e, por meio de tais tecnologias, encontra-se a continuidade através de várias experiências de aprendizagens, permitindo às crianças estabelecer conexões

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entre o que é observado, coletado, acessado e pensado (ROGERS; PRICE, 2009, p. 63)26 Embora o trabalho de Rogers e Price tenha foco na utilização dos dispositivos móveis na educação infantil, os paradigmas instituídos por seu uso se estendem a todos os níveis de educação. Verifica-se, em exemplos utilizados pelos autores, o fato de que tais tecnologias propiciam a adoção de estratégias de aulas que valorizam a colaboratividade, a descentralização do conhecimento na figura do professor – que passa a atuar com um mediador –, o trabalho com práticas que envolvem os novos multiletramentos e a superação de limitações espaciais e temporais.

A despeito das potencialidades pedagógicas dos dispositivos móveis, eles também podem ser fato gerador de alguns problemas na prática docente. Tais problemas motivaram, em grande parte, a inicial rejeição dessas tecnologias sobre a qual discorremos anteriormente. Rogers e Price (2009, p. 89), com base em suas pesquisas, elencaram três desafios a serem superados. Segundo os pesquisadores, deve-se evitar a sobrecarga de informação, prevenir a distração em sala de aula e direcionar e estruturar as atividades que façam uso dos dispositivos móveis. Percebe-se que o último desafio pode ser a base para evitar os demais problemas advindos do uso dessas tecnologias. Por fim, é importante considerar o fato de que os desafios para a incorporação desses dispositivos à educação não se restringem à prática docente. Ching, Shuler, Lewis e Levine (2009, p. 108) afirmam que inicialmente é preciso repen-

26  “Central to these notions is the idea that mobile technologies can be designed to enable children to move in and out of overlapping physical, digital and communicative spaces. This mobility can be achieved individually, in pairs, in small groups or or as whole classroom together [...]. It is assumed that mobile technologies provide continuity across various learning experiences, enabling children to make connections between what they are observing, collecting, accessing and thinking [...]”.

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sar os conceitos de letramento e numeramento. A argumentação dos autores vai ao encontro do defendido por Cope e Kalantzis (2006 [2000]), abarcando questões referentes à multiplicidade de linguagens e de culturas do mundo contemporâneo. Além disso, os pesquisadores salientam a importância de se buscar equidade digital, ou seja, proporcionar acesso universal às tecnologias móveis a toda população. No Brasil, percebe-se um contexto favorável a isso, como provam os dados anteriormente expostos da pesquisa do IBGE e as iniciativas governamentais de inserção de tablets nas escolas da rede pública de ensino. Finalmente, os autores atentam à importância de se promover uma mudança cultural a respeito da concepção que se tem de dispositivos móveis (p. 124). É preciso, de acordo com os pesquisadores, reenfocar o caráter de mero entretenimento que parece intrínseco a essa tecnologia. Para isso, os autores

convocam educadores, acadêmicos e a indústria a buscar evidências científicas produzidas por pesquisas na área a respeito do potencial educacional desses aparelhos. Por fim, outra barreira a ser vencida também apontada pelos pesquisadores, e talvez uma das mais importantes, é a compatibilidade dos softwares entre os dispositivos móveis. A falta dessa compatibilidade entre os sistemas operacionais disponíveis no mercado dificulta a criação de softwares e aplicativos e sua utilização em sala de aula. Levando em conta todo o anteriormente exposto, estamos desenvolvendo nossa pesquisa para a dissertação de mestrado27 buscando responder às seguintes questões: 27  Refere-se ao projeto Multiletramentos e Novas Tecnologias: ressignificações do ensino de Língua Portuguesa. Mestrado em desenvolvimento, sob orientação da Profa. Dra. Roxane Helena Rodrigues Rojo, vinculado à área de concentração Linguagem e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PPGLA/IEL/UNICAMP) e de autoria de Jezreel Gabriel Lopes.

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•• Como os alunos interagem com dispositivos de telas de toque?

Segundo Rojo (2006, p. 264), pesquisas situadas na área da Linguística Aplicada devem considerar problemas com “relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas que tragam ganhos a práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida”. A autora ainda aponta para a importância de se buscar reflexões sobre as novas possibilidades, a partir dos novos instrumentos alvos das pesquisas. Dessa forma, com base na problemática anteriormente discutida, é possível afirmar que este estudo apresenta questões de relevância à Linguística Aplicada, pois busca criar inteligibilidade sobre os efeitos de materiais didáticos digitais interativos para tablets na dinâmica em aulas de Língua Portuguesa (Ensino Médio), ao mesmo tempo em que propõe uma forma de trabalho com tal tecnologia situada em um contexto per-

•• Quais os caminhos utilizados pelos alunos em contato com um material didático digital interativo para dispositivos móveis? •• Há dificuldade ou proficiência no uso do dispositivo pelos alunos? •• Os padrões interacionais verificados na literatura sociointeracional sobre interação em sala de aula (GUMPERZ; COOK-GUMPERZ, 2008; BATISTA, 2001) são alterados na presença de material didático digital interativo para dispositivos móveis? •• Há alteração no papel do professor e na relação com e entre os alunos diante do uso de dispositivos móveis?

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meado por novas práticas, novas tecnologias e novas configurações de discurso. Para isso, elaboramos um protótipo de material didático digital interativo (MDDI) focado em gêneros da divulgação científica28, por meio do qual é possível acessar um acervo de gêneros29 e textos nas mais diversas modalidades de linguagem, além de navegar por hipertextos e pela hipermídia. O MDDI também apresenta atividades de produções de textos em gêneros do letramento convencional e dos novos multiletramentos. O protótipo foi utilizado em duas aulas de Interpretação/Produção Textual em Língua Portuguesa com uma turma de segundo ano do

Ensino Médio, que foram registradas por dois focos de câmera. Valemo-nos, nesse processo, de metodologia da pesquisa qualitativa interpretativa de observação de sala de aula30, especificamente a observação participante. Além disso, a tela do tablet de alunos da turma também foi registrada, a fim de se verificar como se dava sua interação com o MDDI e com o dispositivo. Ao questionarmos como se dá a interação do aluno com os dispositivos com telas de toque e com o material didático digital interativo, a primeira e a segunda pergunta objetivam constatar se, e como, as práticas de leitura dos alunos são modificadas diante das funcionalidades de navegação oferecidas pelos tablets. Nota-se que, a partir de tal recurso tecnológico, o aluno pode navegar pela internet, deparar-se com gêneros discursivos e textos nas mais diversas modalida-

28  Aquecimento global: consensos e controvérsias (Produção e Interpretação Textual). 29  Por gêneros, entendemos a concepção proposta por Bakhtin (2003 [195253/1979]), como tipos relativamente estáveis de enunciados, elaborados

30  Na pesquisa em questão, os autores que fornecem suporte teórico para

em uma esfera social e caracterizados por tema, estilo e construção formal

essa metodologia são: Cardoso e Penin (2009); Dornei (2009); Erickson

ditados pela valoração que os orienta.

(1985); Jones e Somekh (2005); Tedlock (2005) e Vianna (2003).

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des de linguagem, além de estar imerso em hipertextos e hipermídias. Possibilidades como essas, inseridas no e direcionadas para o ensino em sala de aula, eram impensáveis há algum tempo na ainda vigente era do quadro negro e do caderno. Assim, com a introdução dos dispositivos móveis na escola, inicia-se a transição para um ensino situado em um novo contexto, com novas práticas que precisam ser estudadas no intuito de torná-las cada vez mais eficazes para a prática docente. Além disso, apesar de a atual geração se valer diariamente de tecnologias móveis com tela de toque e acesso à internet, ao inseri-las no contexto escolar, é preciso questionar, como o faz a terceira pergunta de pesquisa, se há proficiência ou dificuldade no uso dos dispositivos móveis aplicados ao ensino por parte dos alunos. Por fim, as duas últimas perguntas de pesquisa intencionam verificar se, ao situar o ensino nesse novo contexto, a interação entre professor

e alunos assume novas formas ou se mantém a mesma. É preciso considerar que, em uma sala de aula na qual os alunos utilizam dispositivos móveis, há muitos mais estímulos a fazer concorrência com a aula oferecida pelo professor. Assim, é possível que o papel do professor necessite assumir um caráter cada vez mais mediador entre os alunos e a infinidade de conhecimentos acessíveis por meio das novas tecnologias digitais. No momento, estamos iniciando a análise dos dados coletados e esperamos atingir resultados que possam ter impactos aplicados tanto na inserção dos dispositivos móveis na escola como na prática e formação docente para sua utilização e na elaboração de materiais didáticos adequados a esse novo contexto.

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3 Considerações finais

Referências

Os dois trabalhos brevemente expostos acima compartilham da vocação transdisciplinar – como mostram suas discussões teóricas; o reconhecimento dos novos multiletramentos como um novo universo, buscando não transpor teorias/ metodologias à revelia dos objetos e interesses de pesquisa; e a busca de teorias e metodologias demandadas pelos objetos específicos em seu campo original de elaboração. O primeiro deles está mais voltado para a descrição do gênero AMV e o segundo tem um caráter mais ditado pelo interesse primário de pesquisa, um caráter mais aplicado. No entanto, ambos derivam da pesquisa objetos aplicados com impacto social. Assim sendo, são bons exemplos do que o grupo vem buscando desenvolver. Deixamos agora ao leitor o julgamento final.

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Texto

2

Por uma análise dialógica de discurso: reflexões

Rodrigo Acosta Pereira Rosângela Hammes Rodrigues

consolidando como resposta dos interlocutores contemporâneos aos escritos de Bakhtin, Volochínov e Medviédev. A partir dessa consideração inicial, objetivamos neste capítulo, percorrer os diversos escritos do Círculo de Bakhtin, a fim de apresentarmos um dispositivo teórico-analítico para uma ADD, especificamente, para o campo da Linguística Aplicada. Para tanto, contemplamos seções que intencionam revisitar (i) as considerações sobre o conceito de discurso, em consórcio com o das relações dialógicas; (ii) as postulações do Círculo sobre ideologia; (iii) as discussões sobre o conceito de valoração/avaliação como índice social de valor que consubstancia o discurso e, por fim, (iv) as diversas passagens nas obras do Círculo em torno de diretrizes metodológicas para a análise do discurso, em diálogo com estudos atuais de seus interlocutores nos campos da Linguística e da Linguística Aplicada.

Introdução Em Linguística e Linguística Aplicada, diferentes caminhos têm sido trilhados no campo dos estudos do discurso, do qual resultam diferentes vertentes teórico-metodológicas, como as de ordem francófona, se pensarmos nas pesquisas atuais sob o escopo dos estudos de Foucault, Pêcheux, Maingueneau e Charaudeau; anglo-saxã, se pensarmos nas pesquisas à luz das postulações de Fairclough, Wodak, Roger, Kress e Talbot, dentre outros. Além de desses dois caminhos já consolidados nas Ciências da Linguagem, compartilhamos com diversos pesquisadores, como, por exemplo, Brait (2006; 2007), Rodrigues (2001, 2005) e Acosta-Pereira (2008, 2012), uma terceira via de acessos aos sentidos da prática discursiva: a Análise Dialógica de Discurso (doravante ADD), que vem se

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2 Por um conceito dialógico de discurso

desse posicionamento teórico, considera essencial o estudo de aspectos da língua que não são considerados pela linguística da época, uma vez que esta lida com a língua abstraída da interação. Explica inclusive que, em função dessa sua posição epistemológica, o estudo em vista não seria exatamente linguístico “[...] no sentido rigoroso do termo” (p. 207), mas poderia ser denominado de metalinguístico. Bakhtin nesse ponto nos conduz a sua segunda observação metodológica – a extrapolação dos limites da linguística para a criação de novo campo de estudos que, em referido momento, o autor chamou de estudos metalinguísticos. Como pontua, as pesquisas metalinguísticas podem ser entendidas como “[...] um estudo – ainda não constituído em disciplinas particulares definidas – daqueles aspectos da vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da linguística” (BAKHTIN,

Em Problemas da Poética de Dostoiévski, especificamente no capítulo “O discurso em Dostoiévski”, Bakhtin (2008 [1963], p. 207) enfatiza que irá iniciar a discussão no capítulo em tela a partir de “algumas observações metodológicas prévias”, e assim o faz. A primeira observação metodológica diz respeito ao próprio conceito de discurso. Como explica, o discurso é entendido como “[...] língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto da linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso” (BAKHTIN, 2008 [1963], p. 207). Em outras palavras, o autor reitera que objetiva estudar a língua não sob o matiz imanente, concepção vigente da linguística de sua época, mas como objeto social, concreta e viva – a língua em uso, ou seja, a língua nas práticas interativas. A partir

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2008 [1963], p. 207). Tal caminho para o estudo da vida concreta da língua – o discurso – não precisa, segundo elucida o autor, ignorar a linguística, pois “a linguística e a metalinguística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso, mas estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão” (p. 207). Dessa forma, em termos metodológicos, devem completar-se, mas não fundir-se. Eis a segunda observação teórico-metodológica para olhar a língua sob o matiz discursivo. Das observações supracitadas, Bakhtin nos encaminha para a terceira observação que, de certa forma, é o cerne de toda a questão em volta da análise dialógica do discurso: as relações dialógicas. Para o autor, o “ângulo dialógico” do discurso “[...] não pode ser estabelecido por meio de critérios genuinamente linguísticos [sistêmicos] [...]” (p. 208), dado que as relações dialógicas que se consubstanciam na vida do discurso, tornando-o vivo, não pertencem ao campo puramente linguístico, lógico, porque “[...]

as relações dialógicas são extralinguísticas” (p. 209). E, em sua terceira observação, completa: Na linguagem, enquanto objeto da linguística, não há e nem pode haver quaisquer relações dialógicas: estas são impossíveis entre os elementos no sistema da língua [...] ou entre os elementos do “texto” num enfoque rigorosamente linguístico deste. [...] Por isso, ao estudar “o discurso dialógico”, a linguística deve aproveitar os resultados da metalinguística (BAKHTIN, 2008 [1963], p. 209, grifos do autor).

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Entendemos, assim, que, ao estudar o discurso, isto é, a língua viva e em sua concretude, posicionamo-nos no estudo do “discurso dialógico” (p. 209) que, em essência, pressupõe o “[...] o verdadeiro campo da vida da linguagem” (p. 209). Contudo, lembra o autor que as relações dialógicas são impossíveis de se constituírem no discurso sem as relações lógicas; essas relações se completam, mas não se fundem, reitera. Além disso, em torno do estudo das relações dialógicas do discurso, Bakhtin (2008 [1963]) explica que estas se constituem não apenas entre enunciados integrais, “mas o enfoque dialógico é possível a qualquer parte significante do enunciado” (p. 210). Dessa forma, as relações dialógicas podem engendrar-se: (i) no âmago de uma palavra isolada; (ii) entre estilos de linguagem; (iii) entre dialetos sociais e (iv) na enunciação como um todo. Ao final, ainda esclarece que “numa abordagem ampla das relações dialógicas, estas

são possíveis também entre outros fenômenos conscientizados [...]. Por exemplo, as relações dialógicas são possíveis entre imagens [...]” (p. 211), desde que se constituam como enunciados, isto é, sejam vistos como representando um enunciado, “[...] desde que expressos numa matéria sígnica” (p. 211, grifo do autor). Em convergência com as discussões elencadas em “O discurso em Dostoiévski”, Bakhtin (1998 [1975]), em Questões de literatura e de estética, especificamente no ensaio “O discurso no romance”, escrito em 1934/35, ratifica a ideia do discurso como “um fenômeno social” (p. 71), isto é, no referido texto, Bakhtin procura auscultar “a vida social do discurso” (p. 71) a partir do estudo da “palavra viva” (p. 71), mesma tese defendida em “O discurso em Dostoiévski”. Para tanto, apresentando a defesa do romance como um gênero literário, afirma que a língua viva é não apenas “ideologicamente saturada” (p. 81),

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como, por conseguinte, naturalmente estratificada por forças dessa “vida verbo-ideológica” (p. 82). Para o autor, o discurso é o ponto no qual se imbricam forças centrípetas (de unificação) e centrífugas (desunificação); a vida do discurso, portanto, se entrelaça historicamente na corrente dessas forças. Como em “O discurso em Dostoiévski”, remetendo-se às relações dialógicas, em “O discurso no romance”, Bakhtin reitera que as questões “[...] ligadas com a vida e com o comportamento do discurso” (p. 84) ainda não foram devidamente abordadas pelo estudo da língua. Na voz do autor,

discurso [...]. A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. (BAKHTIN, 1998 [1975], p. 85-88).

Assim, mesmo apenas retomando duas obras do conjunto dos escritos do Círculo, é clara uma orientação para o conceito de discurso sob o matiz dialógico. Em outras palavras, ao percorrermos o capítulo do livro e o ensaio cujos títulos têm foco no “discurso”, podemos compreender a concepção dialógica de discurso do Círculo: a língua viva, real, concreta, ideológica e estratificada; portanto, um fenômeno social, ideológico e valorativo – eis o tema das próximas seções.

Além das fronteiras da filosofia da linguagem, da linguística e da estilística que está fundamentada nelas, os fenômenos específicos do discurso permanecem inexplorados em sua quase totalidade. Estes fenômenos [...] se definem pela orientação dialógica do

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3 A ideologia e o discurso

(2006[1929], p. 46), “não pode entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo que adquiriu um valor social” Em outras palavras, conforme explica Medviédev (2012 [1928], p. 50), “cada produto ideológico (ideologema) é parte da realidade social e material que circunda o homem, é um momento do horizonte ideológico materializado”. O aspecto semiótico de todo fenômeno ideológico e da mediação nas diversas situações de interação social se constrói efetivamente no uso da linguagem. Nesse uso, Bakhtin entende a palavra, ou seja, a linguagem verbal, como signo privilegiado para observamos a relação entre signo e linguagem. Para o autor, a palavra (como discurso) não é apenas um fenômeno ideológico por excelência (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929]), como também “é o modo mais puro e sensível de relação social” (p. 36). Para o autor, “[...] a representatividade da palavra como fe-

Bakhtin (1998[1975]; 2003[1979]; [VOLOCHÍNOV] 2006[1929]) entende que há uma relação intrínseca entre ideologia e linguagem, porque postula que a ideologia se materializa na linguagem, logo, toda ideologia é semioticamente construída. “Em outros termos, tudo o que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 31). Dessa forma, o signo é sempre ideológico e construído histórico-culturalmente nas diferentes situações e relações sociais. A especificidade do signo ideológico reside no fato de que ele se constitui entre sujeitos, tecido em suas diferentes relações interpessoais. “A realidade dos fenômenos ideológicos é a realidade objetiva dos signos sociais. [...] É nisso que consiste a natureza de todos os signos ideológicos” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 36). Com isso, para Bakhtin [Volochínov]

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nômeno ideológico e a excepcional nitidez de sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer razões suficientes para colocarmos a palavra em primeiro plano no estudo das ideologias” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 36). Para Bakhtin, o material privilegiado da comunicação é a palavra (como discurso), também porque ela penetra em todas as relações interindividuais e, dessa forma, deve ser entendida à luz das diferentes possibilidades e orientações ideológicas possíveis. Como explica Rodrigues (2001), dado que para o Círculo os fenômenos ideológicos não podem ser reduzidos à consciência ou ao psiquismo, posto que todo fenômeno de ordem ideológica tem materialidade sígnica, a palavra (como discurso) estabelece-se como signo ideológico por excelência em função de sua “[...] pureza semiótica e por sua ubiquidade social: “neutralidade” ideológica, implicação na comunicação cotidiana, implicação no discurso

interior e fenômeno acompanhante de todo ato consciente” (p. 10, grifo da autora). Além disso, as palavras mediam tanto as interações da vida cotidiana como as dos sistemas formalizados. As ideologias centradas sobre a vida cotidiana correspondem às atividades ideológicas não fixadas em sistemas, ou seja, não formalizadas. Essas estão em contato direto com as ideologias formalizadas, porém são mais móveis e sensíveis, indicando e repercutindo as diferentes mudanças sociais de forma mais rápida do que as ideologias dos sistemas constituídos. Os sistemas ideológicos constituídos, por sua vez, como a ciência, a arte, a religião, o jornalismo, são produtos do desenvolvimento social e econômico da sociedade e se cristalizam a partir da ideologia do cotidiano e, em retorno, “[...] dão normalmente o tom a essa ideologia.” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 123). Como já mencionado, Bakhtin [Volochínov] explica que

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esses dois grandes sistemas ideológicos se inter-relacionam no seu terreno comum: “Os sistemas ideológicos constituídos da moral social, da ciência, da arte e da religião cristalizam-se a partir da ideologia do cotidiano, exercem por sua vez sobre esta, em retorno, uma forte influência e dão assim normalmente o tom a essa ideologia” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929], p. 119). Em adição, acerca da perspectiva de trabalho do Círculo de Bakhtin sobre o conceito de ideologia, concordamos com Miotello (2007) que o grupo procura se distanciar de uma compreensão subjetiva ou internalizada (aquela que entende a ideologia como uma ideia presa à mente humana, vivendo na consciência individual do homem) ou de uma corrente idealista-psicologizada (ideologia como ideia já dada ao homem). Como esclarece Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929], p. 33, 35-36, grifos do autor):

A filosofia idealista e a visão psicologista da cultura situam a ideologia na consciência. Afirmam que a ideologia é um fato de consciência e que o aspecto exterior do signo é simplesmente um revestimento, um meio técnico de realização do efeito interior, isto é, da compreensão. O idealismo e o psicologismo esquecem que a própria compreensão não pode manifestar-se senão através de um material semiótico (por exemplo, o discurso interior), que o signo se opõe ao signo, que a própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos. [...] A consciência adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de relações sociais. Os signos são o alimento da consciência

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Miotello (2007, p. 168), “Bakhtin vai construir o conceito [de ideologia] no movimento, sempre se dando entre a instabilidade e a estabilidade e não na estabilização [...].” A ideia de consciência como produto ideológico é também discutida por Bakhtin [Volochínov] em O Freudismo (2004 [1924]). Bakhtin [Volochínov] explica, por exemplo, que a relação entre o médico e seu paciente não se constitui como uma relação entre forças psíquicas, mas como resultado de forças ideológicas (a autoridade do médico versus as experiências emocionais do paciente, por exemplo). Na mesma obra, Bakhtin [Volochinov] (2004 [1924], p. 87) assim sintetiza a relação entre psiquismo e ideologia:

individual, a matéria de seu desenvolvimento, e ela refletem sua lógica e suas leis. A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada. A imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem seu único abrigo. Fora desse material, há apenas o simples ato fisiológico, não esclarecido pela consciência, desprovido do sentido que os signos lhe conferem.

Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) busca entender a ideologia na concretude dos acontecimentos (e não numa perspectiva idealista), isto é, materializada enunciativamente (posto que toda ideologia é semiotizada). Como afirma

Em realidade, entre o conteúdo do psiquismo individual e a ideologia enformada não há uma fronteira em termos de princípio. Em todo caso, o conteú-

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tabilidades e instabilidades que a ideologia se constrói entrelaçada em nossas relações sociais, em nossa compreensão do mundo e, por conseguinte, significando nossas interações1. Ponzio (2009) assim nos esclarece:

do do psiquismo individual não é nada mais compreensível nem mais claro que o conteúdo da criação cultural e por isso não lhe pode servir como explicação. Uma vivência individual conscientizada já é ideológica; por tal razão, do ponto de vista científico, ela não é, de maneira alguma, um dado primário e indecomponível; é já uma determinada elaboração ideológica do ser.

O termo “ideologia” que Bakhtin usa não se identifica completamente com “falsa consciência”, com “pensamento distorcido”, falso. Não se trata, exatamente, de mistificação nem de automistificação ou falsificação socialmente determinada. O significado de ideologia para Bakhtin é, portanto, diferente do significado que esse termo adquire em Marx e Engels em seus escritos juvenis [...], nos quais o termo

O que podemos perceber é que há uma resistência em tratar a ideologia como mascaramento ou ocultamento do real, assim como algo dado ou recortado do real, pois Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) trata a ideologia a partir de uma posição, de uma projeção construída a partir das interpretações da realidade social. É a expressão de uma tomada de decisão, situada axiologicamente. Assim, é nesse jogo de es-

1  A esse respeito, Medviédev (2012 [1928], p. 134) explica que “se nós [...] nos distanciarmos das relações sociais que o atravessam e das quais ele é uma das mais sutis manifestações, se o retirarmos do sistema de interação social, então, nada restará do objeto ideológico”.

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p. 42). Por isso, a ideologia para Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) é dialógica e semiotizada, bem como perpassa todas as situações de interação social (não há enunciado neutro). Ainda, o Círculo salienta que os signos só emergem do processo de interação entre uma consciência individual e outra, isto é, nas relações intersubjetivas. E a própria consciência individual é constituída por/está repleta de signos. “A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006 [1929], p. 33-34). Após a discussão sobre ideologia, direcionamos nosso estudo para a valoração, mais especificamente, para o tom emotivo-volitivo que se constrói em qualquer ato humano.

“ideologia” identifica-se com ou aproxima-se de “falsa consciência”, certamente não no sentido de que possa servir como definição de ideologia burguesa e ao seu valor com relação ao conhecimento objetivo (PONZIO, 2009, p. 114, grifos do autor).

A partir das discussões acima, podemos entender que a ideologia é um conceito central na obra do Círculo e que não corresponde a um produto de ordem internalizada, subjetiva, mas que se constitui na vida social, sendo a própria condição de existência da consciência e da linguagem. Em conclusão, entendemos que a ideologia constitui-se como diferentes modos de conceber e compreender o real, mediados por signos, “[...] à medida que a realidade determina o signo e o signo reflete e refrata a realidade em transformação.” (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006[1929],

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4 A avaliação/valoração social e o discurso

Como podemos perceber na passagem supracitada, Medviédev (2012 [1928]) argumenta que a língua tomada como sistema, sob as lentes da linguística do início do século XX, é abstraída do uso concreto que dela se faz, portanto, é uma concepção que se distancia da língua vista como discurso. A partir da consideração da avaliação social, Medviédev ratifica que qualquer uso concreto da língua é um ato social, portanto, saturado de valor, de avaliação social. Dado nosso objetivo nesta discussão em retomarmos as postulações do Círculo sobre discurso, compreendemos que todo discurso, como ato social, é consubstanciado de avaliação. É, portanto, a avaliação social “[...] que reúne a presença material da palavra com o seu sentido” (p. 183). Em outras palavras, “[...] é a avaliação social que atualiza [o discurso] tanto no sentido da sua presença factual quanto no do seu significado semântico.” (p. 184).

Medviédev (2012 [1928], p. 183), em Método formal nos estudos literários, apresenta-nos uma indagação: “o que então, na realidade, é aquele elemento que reúne a presença material da palavra com o seu sentido?”, e, logo depois responde, “supomos que esse elemento seja a avaliação social.” (p. 183). O autor ainda reitera que É verdade que a avaliação social não é atributo exclusivo da poesia. Ela está presente em cada palavra viva, já que a palavra faz parte de um enunciado concreto e singular. O linguista abstrai-se da avaliação social, da mesma forma que se abstrai das formas concretas do enunciado. Por isso, na língua, como [...] sistema abstrato, não encontraremos um valor social (MEDVIÉDEV, 2012 [1928]), p. 183).

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Dado que todo discurso se materializa na forma de enunciados concretos2, é a avaliação social que determina, por assim dizer, “[...] a escolha do objeto, da palavra, da forma e a sua combinação individual nos limites do enunciado. Ela [a avaliação] determina, ainda, a escolha do conteúdo e da forma, bem como a ligação entre eles.” (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 184). Além disso, como explica Medviédev, as avaliações são determinadas pela situação de interação e, em essência, ligam-se a outras avaliações, como elos semântico-valorativos. Segundo o autor, “[...] é impossível compreender um enunciado concreto [forma material e concreta do discurso] sem conhecer sua atmosfera axiológica e sua orientação avaliativa no meio ideológico.” (p. 185). Com isso, para o analista de discurso que toma por base os estudos do Círculo de Bakhtin,

ou seja, que se propõe a fazer uma análise dialógica do discurso, a análise da atmosfera axiológica conduz o pesquisador a compreender que não apenas cada elemento da língua obedece aos matizes da avaliação social, como, por conseguinte, “as possibilidades de uma língua tornam-se realidade somente por meio da avaliação.” (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 187). Dessa forma, como reitera Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929], p. 137), “toda palavra usada na fala real possui [...] um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento apreciativo determinado.” . Pois bem, a avaliação social faz a mediação entre a língua, como um sistema abstrato de possibilidades, e sua realidade concreta. A avaliação social determina o fenômeno histórico vivo, o

2  Dado o objetivo deste texto, não discutiremos o conceito de enunciado nos escritos do Círculo. Sugerimos a leitura do ensaio “Os gêneros do discurso”, em Estética da Criação Verbal (BAKHTIN, 2003 [1979]).

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a ele, significa antes afirmá-lo de maneira emotivo-volitiva” (p. 87). Para Bakhtin, o pensamento concreto é um pensamento emotivo-volitivo e o tom emotivo-volitivo não apenas envolve o conteúdo do pensamento (na sua realização), como o relaciona com o evento concreto dessa realização. “É este mesmo tom emotivo-volitivo que orienta no existir singular, que orienta e afirma realmente o conteúdo-sentido” (p. 87) Assim,

enunciado, tanto do ponto de vista das formas linguísticas selecionadas quanto do ponto de vista do sentido escolhido. A avaliação é social e organiza a comunicação (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 189).

Além disso, Bakhtin (2010 [1919-21]), em Por uma filosofia do ato responsável, explica que para que o conteúdo da experiência viva possa tornar-se real e incorporado ao histórico do evento vivido, é preciso “[...] entrar em uma ligação essencial com a valoração efetiva; somente como valor efetivo ele é por mim experimentado (pensado), isto é, somente posso pensá-lo verdadeiramente e ativamente em tom emotivo-volitivo” (p. 87). O autor ainda considera que todo conteúdo do evento (da real vivência) não se caracteriza impenetrável ao tom emotivo-volitivo, pelo contrário, “viver uma experiência, pensar um pensamento, ou seja, não estar, de modo algum indiferente

Um tom emotivo-volitivo, uma valoração real, não se referem ao conteúdo enquanto tal, tomado isoladamente, mas na sua correlação comigo no evento singular do existir que nos engloba. [...] Cada valor que apresente validade geral se torna realmente válido somente em um contexto singular (BAKHTIN, 2010 [1919-21], p. 90).

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5P or uma teoria dialógica do discurso nos escritos do Círculo e a resposta de interlocutores contemporâneos

A partir disso, ao relacionarmos as discussões de Medviédev e Bakhtin, observamos a importância, para o analista do discurso, de compreender a relação entre discurso e avaliação/ valoração social. Percebemos que os valores, de fato, não são valores em si mesmos, mas socioconstruídos e situados no existir-evento singular. Portanto, a avaliação/valoração não “[...] pode ser isolada, separada do contexto unitário e singular de uma consciência viva [...]”, mas integrada à situação concreta de uso da língua, à situação discursiva (BAKHTIN, 2010, [1919-21], p. 90). Analisar o discurso é analisar valores, não “[...] um valor igual a si mesmo, reconhecido como universalmente válido, [...] mas por sua correlação com o lugar singular” (p. 107) daquele que, em interação com outrem, constrói e reconstrói sentido(s).

Em Marxismo em Filosofia da Linguagem, Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]), de forma explícita, explica diferentes diretrizes para o que denomina como um método sociológico de estudo da língua, seja em função da relação entre signo e ideologia, seja nas discussões em torno da interação verbal. Duas passagens, na referida obra, são elucidativas para essa questão: [...] é indispensável observar as seguintes regras metodológicas: Não separar a ideologia da realidade material do signo (colocando-a no campo da “consciência” ou em qualquer outra esfera fugidia e indefinível).

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Não dissociar o signo das formas concretas da comunicação social (entendendo-se que o signo faz parte de um sistema de comunicação social organizada

As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados [os gêneros do discurso], em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos,

e que não tem existência fora deste sistema, a não ser como objeto físico).

isto é, as categorias de atos de fala [os gêneros do discurso] na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.

Não dissociar a comunicação e suas formas de sua base material (infra-estrutura).

A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual. (BAKHTIN [VOLOCHÍNOV], 2006 [1929], p. 45-128/129, grifos do autor).

[...] [...] a ordem metodológica para o estudo da língua deve ser o seguinte:

Na 1ª parte da citação, a respeito da relação entre signo e ideologia, Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) ratifica a concepção teórica de que as formas de comunicação social se realizam em contextos específicos através de signos e estes, por sua vez, são ideologicamente saturados. Disso

As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza.

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decorre que ao estudar a ideologia ou a língua em sua concretude viva – estudar o discurso –, é preciso que compreendamos como “[...] as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece” (p. 45) Assim, para que possamos compreender a relação entre signo e interação, é preciso entender o imbricamento entre a ideologia e a realidade material do signo nas diversas e multiformes situações de interlocução (conforme também discutimos na seção 3 deste capítulo). E, ainda, se relacionarmos com as discussões da seção anterior sobre valoração, na análise precisamos considerar que todo signo ideológico é marcado pelo horizonte social de uma determinada época, ou seja, “[...] não pode entrar no domínio da ideologia, tomar forma e aí deitar raízes senão aquilo que adquiriu um valor social” (p. 46).

Na segunda parte da citação, Bakhtin [Volochínov] (2006 [1929]) ratifica a ideia de que a língua viva – o discurso, na forma material do enunciado – só se realiza no curso da comunicação verbal, assim, o estudo do discurso jamais poderá ser desvinculado do estudo da situação de interação. Por isso, “uma análise fecunda das formas do conjunto de enunciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível de uma perspectiva que encare a enunciação individual como um fenômeno puramente sociológico” (p. 131). Em síntese, “a língua existe não por si mesma, mas somente em conjunção com a estrutura individual de uma enunciação concreta” (p. 160). Brait (2013), ao discutir sobre o caminho de consolidação de uma análise dialógica de discurso no campo das Ciências da Linguagem, destaca alguns aspectos que marcam e singularizam o que se tem denominado de Análise Dialógica de Discurso (ADD):

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[...] é possível alinhavar e propor um análise/teoria dialógica de discurso [...] tendo no sujeito histórico, social e múltiplo, o centro de suas preocupações,

rico-metodológico de que as relações dialógicas se estabelecem a partir de um ponto de vista assumido por um sujeito; d) as consequências teórico-

entendendo a linguagem como constitutiva desse sujeito. Destaco alguns aspectos que marcam e singularizam essa Análise/Teoria Dialógica de Discurso: a) o reconhecimento da multiplicidade de discursos que constituem um texto ou um conjunto de textos e que se modificam, alteram ou subvertem suas relações por força da mudança da esfera de circulação; b) as relações dialógicas como objeto de uma disciplina interdisciplinar, denominada por Bakhtin de metalinguística ou translinguística, e que hoje pode ser tomada como embrião da análise/teoria dialógica de discurso; c) o pressuposto teó-

-metodológicas de que as relações dialógicas não são dadas, não estando, portanto, jamais prontas a partir de um ponto de vista [...] (BRAIT, 2013, p. 85, grifos da autora).

Acosta-Pereira (2012), em concordância com a discussão de Brait (2013), explica que ao percorrermos o conjunto de textos das obras de Bakhtin e do Círculo não encontramos, em nenhum dos textos, uma sistematização de um método científico propriamente dito, com parâmetros e categorias de análise estabelecidos a priori para serem seguidos durante a pesquisa. Para o autor, retomando as discussões de Faraco (2009), o pesquisador da obra do Círculo depara-

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-se com grandes diretrizes que podem ser seguidas para a construção de um entendimento mais amplo das realidades em estudo. Além disso, Acosta-Pereira (2012) afirma que as investigações bakhtinianas identificam-se com uma tradição hermenêutica dos estudos humanos, uma tradição que compreende que o fazer ciência em Ciências Humanas se concretiza por gestos interpretativos, por uma contínua construção de sentidos e não por caminhos objetivo-matemáticos, percurso essencialmente positivista. Em termos de filosofia da ciência, “podemos dizer, então, que Bakhtin se vinculava a um pensamento que costuma operar sobre o pressuposto de uma distinção de fundo entre as ciências naturais e as ciências humanas” (FARACO, 2009, p. 41). A esse respeito, Rojo (2005, p. 199) considera que, em termos de análise dialógica da língua,

[...] a ordem metodológica de análise vai da situação social ou de enunciação para o gênero/enunciado/texto e, só então, para suas formas linguísticas relevantes [...]. Ao chegarmos nesse último nível de análise, vale a interpretação linguística habitual, isto é, as teorias e análises linguísticas disponíveis, desde que seguida a ordem metodológica que privilegia as instâncias sociais [...].

Em consonância com a discussão de Rojo (2005), Brait (2006) explica que a metodologia proposta por Bakhtin para o estudo da linguagem, embora se apresente como uma abordagem diferenciada, não exclui a Linguística, uma vez que Bakhtin (2008 [1963]) entende que a Metalinguística e a Linguística devem completar-se, mas não fundir-se. Dessa forma, como ratifica a autora, metodologicamente estaremos, em

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termos bakhtinianos, ultrapassando a materialidade linguística, procurando desvendar a articulação constitutiva que há entre o interno e o externo na linguagem. “O enfrentamento bakhtiniano da linguagem leva em conta, portanto, as particularidades discursivas que apontam para contextos mais amplos, para um extralinguístico aí incluído” (BRAIT, 2006, p. 13). Como já dito, cabe ressaltar que no dispositivo metodológico bakhtiniano não há categorias de análise a priori aplicáveis de forma sistemática a textos, discursos, gêneros, com a finalidade de construir uma análise acerca do uso situado da língua. Em Bakhtin, há, na verdade, uma arquitetônica das diferentes formas de conceber o enfrentamento dialógico da linguagem, que se constituem de movimentos teórico-metodológicos multifacetados. De fato, cabe ao pesquisador desbravar esse caminho, construindo, por conseguinte, uma postura dialógica diante de seu objeto

discursivo. “A pertinência de uma perspectiva dialógica se dá pela análise das especificidades discursivas constitutivas de situações em que a linguagem e determinadas atividades se interpenetram e se interdefinem [...]” (BRAIT, 2006, p. 29). Com isso, podemos considerar que, ao analisar o discurso sob o escopo teórico e metodológico da ADD, o pesquisador tem em vista/atenta, entre outras questões, para: (i) a concepção de discurso como língua viva, a língua em uso em contextos de interação específicos; (ii) o estudo do enunciado como a forma material do discurso; (iii) o estudo do discurso a partir das relações dialógicas com outros discursos;

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(iv) o estudo das relações dialógicas enquanto relações semântico-axiológicas, isto é, relações de sentido que se engendram na constituição e no funcionamento do discurso, saturadas de projeções valorativas e ideológicas;

Além disso, como reitera Rodrigues (2005) acerca dos estudos dos gêneros do discurso, mas que neste capítulo podemos considerar importante para o estudo dialógico do discurso, é preciso que o analista considere também outros conceitos da arquitetônica epistemológica do Círculo, isto é, é necessário que o analista busque compreender o discurso e seus gêneros, por exemplo,

(v) o estudo das projeções valorativas e ideológicas como índices sociais plurivalentes que consubstanciam o discurso e o situam em determinados horizontes sócio-histórico-culturais;

[...] no conjunto das formulações [das obras], ou seja, compreender a noção [de discurso] a partir de fundamentos nucleares, como a concepção sócio-histórica e ideológica da linguagem, o caráter sócio-histórico, ideológico e semiótico da consciência e a realidade dialógica da linguagem e da consciência; portanto, não dissociá-la das noções de interação verbal, comunicação discursiva, língua, texto, enunciado e atividade humana [...] (RODRIGUES, 2005, p. 154).

(vi) o estudo das formas da língua (uso de recursos lexicais, gramaticais, textuais) como resultado da relação expressiva do sujeito com o seu discurso em situações singulares e concretas de interação verbal. As considerações acima não são exaustivas, mas caracterizam-se como reflexões em torno de um caminho teórico-metodológico para a análise do discurso com base nos estudos do Círculo.

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Assim, consideramos o discurso como uma “[...] rede de relações dialógicas estabelecidas e assumidas por um sujeito [...] expressas na linguagem a partir de um ponto de vista” (BRAIT, 2013, p. 90). Em outras palavras, compreendemos o discurso, na perspectiva dialógica, como uma construção sociossemântica e axiológica de dizer no e para o mundo.

indiciam procedimentos metodológicos que, no Brasil, passamos a identificar como análise dialógica do discurso (ADD)”.

Referências ACOSTA-PEREIRA, R. O gênero carta de conselhos em revistas online: na fronteira entre o entretenimento e a autoajuda. Tese (Doutorado em Linguística) – PPGLg) – UFSC, Florianópolis, 2012.

Considerações finais Neste artigo, procuramos, de forma reflexiva, mas não exaustiva, percorrer algumas das discussões do Círculo de Bakhtin e de seus interlocutores contemporâneos em torno do discurso e dos caminhos metodológicos para sua análise. Ao final, concordamos com Brait (2013, p. 97): “embora sem o conforto de um manual de procedimentos, ou de amarras contundentes, as obras, de forma explícita e por meio de análises,

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Texto

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Portfolios, Flash Fiction e Podcasts: a inserção de novos gêneros no ensino de inglês na universidade

Orlando Vian Jr. Jennifer Sarah Cooper José Mauro Souza Uchôa

Introdução Vivemos em uma sociedade em rede (CASTELLS, 1999) e imersos em uma modernidade líquida (BAUMAN, 2001) em que temos contato com uma quantidade avassaladora de informações pelos mais diversos meios de comunicação e, principalmente, caracterizados por aspectos multimodais, nos quais palavras, sons e imagens apresentam-se conjugados, exigindo, por conseguinte, um usuário multimodal, capaz de interagir com essas novas modalidades. Essa realidade também se deve ao fato de as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) propiciarem, nas mais distintas esferas institucionais, novas formas de intercâmbio e muitos gêneros foram reconfigurados, já que o contato pelos meios eletrônicos é prática

comum entre os jovens dos contextos escolares do ensino fundamental, médio e superior. As salas de aula, como consequência dessas transformações, não podem ficar alheias a elas e os profissionais veem-se na iminência de conjugar novas práticas às já existentes para assimilar tais mudanças sociais nos contextos em que atuam. Pensando nessa realidade e levando em consideração o professor de inglês em formação inicial, ainda em sua graduação em Letras, relatamos neste artigo experiências mediadas por tecnologias pelo uso de três práticas emergentes na sala de aula de ensino de Inglês como Língua Estrangeira (doravante ILE) na universidade: primeiramente abordamos o uso de portfolios no ensino de gramática, em seguida discutimos experiências com o uso de flash fiction no ensino da produção escrita e, por fim, como os podcasts podem ser usados na formação inicial de professores e no ensino da compreensão oral.

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Adotamos nessas experiências a visão de linguagem preceituada por Halliday (1985; 1978) e seguidores tais como Martin (1992), Martin e Rose (2008, 2003), Halliday e Matthiessen (2004), Eggins (2004), dentre outros teóricos na Linguística Sistêmico-Funcional, focando principalmente na noção de gêneros discursivos e como estes podem otimizar as práticas educacionais, uma vez que funcionam como base de nossas interações cotidianas: todas as práticas sociais são mobilizadas pelo uso de gêneros específicos exigidos em cada contexto de cultura e de situação (HALLIDAY; HASAN, 1989) em que ocorrem. Concluímos apontando características de tais experiências e seu uso e suas consequências para o ensino nos cursos de graduação em Letras, bem como aspectos relacionados a uma abordagem de ensino com base em gêneros do discurso.

1. Ensinar inglês na universidade O profissional que ensina língua inglesa em nosso país, de acordo com Celani (2001, p. 32), deveria ser considerado como [...] um ser humano independente, com sólida base na sua disciplina, ou seja, na língua que ensina, mas também com estímulo característico de pensar (visão de ensino), como desenvolvimento de um processo reflexivo, contínuo, comprometido com a realidade do mundo e não mera transmissão de conhecimentos.

A responsabilidade pela formação desse profissional, como indica Volpi (2001), cabe à universidade, de modo a satisfazer as necessidades linguísticas e pedagógicas. Leffa (2001) acrescenta a esse aspecto o fato de que essa não é uma

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tarefa simples ou fácil, vista como um processo árduo e que não pode estar restrito apenas ao ambiente acadêmico, pois, como sabemos, deve haver um constante diálogo entre teoria e prática. Ao questionar quem é o professor de inglês, ainda na década de 1990, Paiva (1997, p. 9) afirmava que o professor ideal “deveria ter, além de consciência política, bom domínio do idioma (oral e escrito) e sólida formação pedagógica com aprofundamento em linguística aplicada”. A autora, no entanto, também indicava um outro aspecto característico desses profissionais, em seu caso, para o Estado de Minas Gerais, mas que pode ser facilmente, e sem margem de erros, generalizado para todo o país: “profissionais egressos de cursos de Letras (que lhes proporcionaram poucas oportunidades de aprender o idioma) e precária formação pedagógica” (PAIVA, 1997, p. 1, grifo do autor).

Como sinalizado na introdução, vivemos em uma sociedade da informação e essa realidade apontada por Paiva (1997), que ainda permanece, pressupõe novos modos de observar o ensino e, em nosso caso, especificamente, o ensino superior. Em um escopo ainda mais reduzido, o ensino da língua inglesa nos cursos de Letras e a formação inicial de professores nos cursos de licenciatura. Há, portanto, inúmeros desafios que precisam ser enfrentados em face dessa realidade e na relação de quem é o professor de inglês no Brasil e como ocorre sua formação nos cursos de Letras. Retomando o perfil do professor de inglês apontado acima e inserindo-o no contexto da universidade brasileira com vistas à sua formação, é preciso levar em consideração que, como aponta Masetto (2005), esse segmento apresenta dois paradigmas que podem perpassar a docência nesse contexto: o paradigma do ensino e o para-

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digma da aprendizagem. A abordagem sugerida pelo autor (MASETTO, 2005, p. 82-85) tem como proposta a substituição da ênfase no ensino pela ênfase na aprendizagem. Devemos nos preocupar, como sugerido pelo autor, com a melhoria da docência, entretanto, não se pode deixar de lado o fato de que, “por trás do modo de lecionar existe um paradigma que precisa ser explicitado, analisado, discutido, a fim de que a partir dele possamos pensar em fazer alterações significativas em nossas aulas” (MASETTO, 2005, p. 80). Uma das possibilidades de focar na aprendizagem está em incitar o aluno a refletir sobre o seu papel no processo por meio do qual aprende, para que possa compreendê-lo e otimizá-lo em sua experiência acadêmica, ou seja, promover uma aprendizagem reflexiva e, a partir da perspectiva que aqui propomos, trabalhar com gêneros com os quais os alunos estejam familiarizados e relacionados às TICs podem auxiliar no encaminhamento para uma abordagem signifi-

cativa na aprendizagem para que o novo possa se integrar ao que o aluno já sabe. O enfrentamento dessas novas configurações socioculturais que passaram a fazer parte da sala de aula no nível superior vai ao encontro do que propõem Pimenta e Anastasiou (2008), já que, segundo as autoras, o papel da universidade deve ser mais amplo de acordo com essas novas realidades e “não deve simplesmente adequar-se às oscilações do mercado, mas aprender a olhar em seu entorno, a compreender e assimilar os fenômenos, a produzir respostas às mudanças sociais, a preparar globalmente os estudantes para as complexidades que se avizinham” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2008, p. 173). As experiências com portfolios, flash fiction e podcasts a seguir relatadas, portanto, inseridas em práticas no ensino superior, têm como um de seus objetivos promover a preparação de futuros professores como cidadãos críticos engajados às práticas sociais em seu entorno.

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2. O papel de uma visão de linguagem e os gêneros discursivos As experiências educacionais não podem ser desenvolvidas sem a filiação a uma visão de linguagem que embase o trabalho linguístico, já que, como estamos tratando de cursos de licenciatura em Letras/Inglês e, consequentemente, de educação inicial de professores, o trabalho com o conhecimento sobre a língua é essencial, pois será a base do que será ensinado. O modelo sistêmico-funcional de língua por nós adotado, desse modo, pode ser compreendido a partir de quatro aspectos-chave: (1) a língua, dentre diversos outros sistemas semióticos, é um recurso para a construção de sentidos em nosso meio social, isto é, é sociossemiótica; (2) a unidade básica de sentido é o texto, já que nossa comunicação cotidiana ocorre por meio deles; (3) os textos que produzimos possuem uma relação sistemática com o contexto em

que são produzidos e, por fim, (4) por abordar a função que os textos desempenham na construção de sentidos, uma nomenclatura funcional é utilizada, donde encontramos termos como participante, processo ou circunstância para classificação dos elementos nos textos. Dado ao escopo deste texto, no entanto, esses aspectos funcionais não serão discutidos, apenas aqueles relacionados aos gêneros discursivos e os contextos em que ocorrem. Pela perspectiva sistêmico-funcional, portanto, gêneros do discurso são considerados como “processos sociais que se desdobram em estágios para atingir metas”1 (MARTIN; ROSE, 2008, p. 8). Assim, entendemos que esse desdobramento em estágios constitui padrões recorrentes, previsíveis e compartilhados por comunidades de fala para que seja possível agir dentro da comunidade, alcançando determinados obje1  Tradução nossa: staged, goal oriented, social processes.

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tivos, que, por fim, estabelece normas culturais. Dentre esses padrões recorrentes de estágios e fases, alguns são obrigatórios e outros opcionais. Essa característica permite que os gêneros discursivos possam ser mapeados, configurando a sua estrutura esquemática (MARTIN; ROSE, 2008, p. 6) e estabelecendo uma estrutura potencial do gênero que representa todo potencial estrutural de cada gênero (HASAN, 1996, p. 53). Aplicado ao ensino, esse mapeamento tanto auxilia a compreensão oral e escrita quanto a produção oral e escrita por oferecer aos alunos uma ferramenta que, primeiramente, orienta suas leituras: fazendo leituras de exemplares de um determinado gênero discursivo com a proposta de identificar os estágios e fases, mapeando sua estrutura esquemática e, no segundo momento, para então a produção dentro da estrutura esquemática. Experiências com esse modelo aplicado no ensino, de tornar

explícitos os mecanismos da escrita a partir da sua estrutura esquemática, têm favorecido avanços significativos e em prazos reduzidos, principalmente entre os alunos que apresentam desempenho abaixo do esperado, conforme Rose e Martin (2012), com o uso dessa abordagem em escolas de ensino básico australianas. Esses princípios, desse modo, são adotados para as experiências aqui relatadas, que utilizamos tanto em nossa prática, para reforçar a relação entre os textos produzidos e os contextos de onde se originam, como para conscientizar os alunos, futuros profissionais, da relação texto-contexto e o papel dos gêneros no ensino de línguas.

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3. Experiências com diferentes gêneros em diferentes contextos Dadas as necessidades de cada contexto surgidas de acordo com as práticas locais, nossas experiências têm relação direta com os contextos em que atuamos e os gêneros utilizados também ecoam tais práticas. Para deflagrar o processo reflexivo em professores em formação inicial, para que refletissem sobre o papel da gramática na formação do professor de inglês, bem como a importância do conhecimento linguístico, a primeira experiência relata como portfolios são utilizados no relato de tais vivências. Em seguida, a partir das variáveis contextuais em que narrativas curtas são utilizadas para relatos de aspectos locais, associado à prática de produção escrita, a segunda experiência discute como a prática de flash fiction pode incrementar a produção escrita a partir do relato de aspectos culturais do contexto sociocultural

dos alunos. Por fim, a terceira experiência, em razão de isolamento geográfico e dificuldade de acesso a materiais didáticos para embasar a prática, fez emergir a adoção de podcasts para o ensino da compreensão oral, bem como as experiências relacionadas ao planejamento de um curso com base em temas locais, conforme relatamos nos itens subsequentes. 3.1 Portfolios no ensino de gramática Ao tratar do uso do portfolio na formação e avaliação de professores, Silva et al (2011, p. 537) sinalizam que “não é simplesmente um acúmulo de peças e produtos, mas sim um desdobramento dos entendimentos pessoais do professor sobre o ensino e aprendizagem, bem como acerca do seu desenvolvimento como um profissional”, e, por essa razão, uma de suas principais características é que portfolios podem ser

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usados como fonte de descoberta, tanto de si mesmo quanto do mundo que rodeia a pessoa que o produz. No caso específico da experiência aqui relatada, a adoção dos portfolios se deu em curso de graduação em Letras, habilitação em Inglês, na disciplina Aspectos Morfossintáticos da Língua Inglesa, no curso de graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em que se utilizam portfolios como forma de avaliação e autoavaliação e como modo de incitar a reflexão tanto sobre os aspectos gramaticais estudados quanto a relação entre teoria e prática na formação inicial de professores de ILE. O corpus utilizado para a pesquisa, portanto, foi gerado a partir de textos produzidos pelos alunos na referida disciplina, ministrada no segundo semestre de 2012. Os portfólios de cada aluno eram acessados e editados através do serviço online Dropbox, que permite que se

compartilhem os arquivos e pastas para grupos determinados pelos usuários. O professor criou uma pasta compartilhada com os alunos inscritos na disciplina e todos inseriam seus textos, permitindo, assim, a partilha de experiências com os colegas pelo acesso a seus textos. Todos os textos produzidos foram recolhidos e organizados como o corpus utilizado para a pesquisa e posterior análise, desenvolvida como projeto de iniciação científica para análise dos processos mentais da gramática sistêmico-funcional de Halliday e Matthiessen (2004) e o modo como os alunos refletem sobre suas experiências (VIAN JR; RAMALHO, no prelo). Participaram do grupo sob estudo, inicialmente, 16 alunos, porém apenas quinze deles participaram efetivamente das atividades com os portfolios. Do ponto de vista demográfico, havia 8 alunos do sexo feminino e 7 do sexo masculino e sua a faixa etária variava entre 19 e 49 anos,

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sendo que quatro deles já haviam concluído outras graduações e os demais 11 alunos cursavam sua primeira graduação. Essa realidade também aponta para o fato de que alguns desses alunos já atuavam como professores de inglês. O primeiro passo no trabalho com os portfolios é a conscientização sobre sua relevância nos processos de ensino e de aprendizagem e de reflexão. Além de apresentação aos alunos e das discussões, também foi disponibilizado a eles na pasta coletiva do DropBox o texto de Zubizarreta (2004) sobre o papel dos portfolios e suas características. Após essas experiências iniciais, eram solicitadas atividades a cada duas semanas, de modo que os alunos pudessem escrever sobre os conteúdos gramaticais estudados e associá-las aos textos lidos e discutidos e à experiência de cada um, tanto com o ensino quanto com a aprendizagem da língua inglesa.

Apenas a título de exemplo, ilustramos com trechos dos portfolios de dois alunos em uma das entradas em que foi solicitado que relatassem a experiência de apresentar um pôster, desenvolvido em grupos, para seus colegas em sala de aula sobre aspectos teóricos e práticos do uso idioms, phrasal verbs, collocations no ensino de inglês. A4: The good thing was that our classmates and also the professor helped us by giving examples and binging up some interesting discussions. In general, although it was a quite challenging experience to me, I think it was really important since we’ll have to do this kind of activity in the future. A14: It’s always good to put myself in the students’ shoes and this was a fantastic opportunity for that. Standing in front of

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a group of students and teaching is one thing; having to present something to my peers and be judged by them and a professor is totally different feeling. This kind of experience makes me more aware of my students’ difficulties when they have to do oral presentations.

Relatar e colecionar experiências e atividades de diferentes naturezas nos portfolios promove a descoberta das questões teóricas e práticas envolvidas na formação inicial do professor de ILE e em sua aprendizagem de gramática. Uma vez que os associamos ao trabalho com o conhecimento sobre a língua(gem) (Knowledge About Language), leituras relacionadas à formação do professor crítico e reflexivo também são intercaladas aos aspectos léxico-gramaticais abordados. O objetivo dessa correlação está em apontar para o fato de que a língua não deve

ser dissociada do contexto em que é produzida, uma vez que adotamos, como sinalizado anteriormente, os princípios da GSF de Halliday (1985, 1978). A adoção de portfolios como forma de avaliação deve-se ao fato de que, em vez de avaliações específicas em momentos distintos e sobre temas restritos, as avaliações passam a ser contínuas e propiciam a reflexão sobre os aspectos estudados teoricamente e sua conexão com a prática pedagógica e a relação língua/gramática/contexto. Os portfolios são utilizados para atividades em que se narram a relação entre o conhecimento pessoal e a prática profissional, além da discussão de conceitos relacionados à prática crítico-reflexiva, tais como reflexão (na ação, sobre a ação), reflexão crítica, conhecimento prático, mudança, medo, representações, dentre outros. O objetivo central está no fato de, por ser um curso de licenciatura, pretende-se desvelar

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a associação dos conceitos gramaticais e sua relação com a prática, já que os participantes são considerados (1) tanto da perspectiva de alunos em um curso de Letras aprendendo conceitos gramaticais (2) quanto de futuros profissionais que devem transformar tais conhecimentos para sua futura prática pedagógica para o ensino. Afinal, o portfolio, como afirmam Andrade e Gonçalves (2006, p. 4), permite a monitoração e a avaliação do processo educativo, promovendo a avaliação contínua e a partilha de conhecimentos no registro das atividades. Conforme relatado pelo estudo de Santos (2011), neste mesmo contexto, além de usados como ferramentas para a reflexão, nos quais são registradas experiências para futuras reflexões, permitem, também, a consequente reconstrução da prática. A autora concebe os portfolios como “um instrumento que revela a qualidade do ensino-aprendizagem e que desafia os aprendizes

a superarem os seus limites de produção textual na língua estrangeira” (SANTOS, 2011, p. 33). Nas experiências de Medeiros Jr (s/d), no curso de Saúde Pública da mesma universidade, os portfolios são usados de modo bastante produtivo. Segundo o autor, os seguintes princípios devem reger a elaboração dos portfolios: (i) organização, (ii) cumprimento dos prazos, (iii) criatividade, (iv) comunicação escrita, (v) teorização e aplicabilidade na realidade, (vi) reflexão e posicionamento crítico, (vii) interação com colegas, tutores, profissionais, (viii) habilidade para superar dificuldades, (ix) compromisso em alcançar os objetivos programados e, por fim, (x) relacionam sentido, coerência e aprendizagem (MEDEIROS JR, s/d). Em relação ao uso de portfólios, deve ainda ser considerado que, nessas duas primeiras décadas do século XXI, temos presenciado, principalmente em função da inclusão das novas tec-

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nologias digitais e multiletramentos no cotidiano escolar, conforme indicam autores como Cope e Kalantzis (2009, 2000) e Lankshear e Knobel (2011), e do acesso crescente às tecnologias digitais, o surgimento dos portfolios eletrônicos, também conhecidos como e-portfolios e web-portfolios, que também devem ser considerados nessas práticas. Como bem sinalizam Lorenzo e Ittleson (2005), construir portfolios digitais pressupõe que diversas outras competências sejam desenvolvidas, bem como o pensamento crítico e as habilidades tecnológicas a eles requeridas para promoção de multiletramentos (ROJO, 2012). Podemos afirmar, por fim, que os portfolios, por meio das experiências proporcionadas e nele colecionadas, armazenadas, registradas, bem como o acesso e a partilha com os demais colegas por meio das ferramentas digitais, incitam o aluno a perceber a relação da gramática e sua interface indissociável com linguagem e com

o contexto em que ocorre, proporcionando uma visão de linguagem que possibilita tanto a descoberta quanto o aprendizado de diferentes habilidades na língua estrangeira. Ressaltamos que, em nosso caso, estamos nos referindo aos preceitos de Halliday e sua gramática sistêmico-funcional. 3.2 Flash fiction no ensino de produção escrita Reportamos nesta seção uma experiência de ensino/aprendizagem da produção escrita de ILE utilizando flash fiction – narrativas curtas, produzidas entre 100 e 1000 palavras – em uma série de oficinas que começou no primeiro semestre de 2011, na Universidade Federal no Rio Grande do Norte, em um dos campi no interior do Estado. Perante as grandes dificuldades e a desmotivação que os discentes, graduandos no curso de licenciatura em Português-Inglês, reportaram a respeito de produção escrita, resolvemos trabalhar

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com o gênero flash fiction considerando as suas necessidades de usar vários gêneros acadêmicos e profissionais nos quais ser sucinto se faz necessário, tais como a correspondência digital em inglês com universidades, editoras e organizações internacionais, resumos na língua inglesa, planejamento de aulas, relatórios, redes sociais usadas profissionalmente (Twitter, Facebook, MSN, text messages etc.), fichamentos, resenhas, blogs e gêneros literários curtos em geral. No que concerne à caracterização da mais recente versão do gênero, o definimos a partir da caracterização de uma narrativa que comporta os estágios obrigatórios de uma narrativa, isto é a complicação, a avaliação e a resolução, verificados em Martin e Rose (2008), porém, com a adição de uma fase de truque final e a avaliação muitas vezes implícita. Embora o uso de contos curtos no contexto de ILE para a prática de leitura e produção escri-

ta não seja novidade, e os benefícios de utilizar literatura nos cursos de língua sejam bem documentados também (BRUMFIT; CARTER, 1986; LAZAR, 1993; dentre outros), existem poucos estudos a respeito do uso de flash fiction especificamente no ensino de ILE, apontando que o seu uso nesse contexto não tem sido frequente, como por exemplo, o trabalho de Parr (2010) e, no Brasil, o exemplo do trabalho de Leandro, Weissheimer e Cooper (2014). A experiência visou identificar possíveis benefícios da prática da escrita desse gênero no ensino de ILE partindo da hipótese de que, por ser um gênero criativo, a produção envolveria o lúdico, a imaginação, um grau maior de subjetividade e uma liberdade maior de brincar com a linguagem, ao mesmo tempo com uma estrutura clara e um reduzido número de palavras. Por fim, objetivamos identificar possíveis vantagens de usar um gênero criativo no ensino/aprendi-

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zagem ILE que admite variações que fogem à gramática normativa que os exercícios de livros didáticos não admitem, como, por exemplo, frases incompletas, além de permitir aos alunos falarem do seu próprio contexto. Os participantes do nosso estudo foram 35 alunos, na faixa etária de 18 a 45 anos, do segundo e terceiro semestres das disciplinas de Língua Inglesa, do curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês. Pelo fato de ser uma habilitação dupla, a carga horária das disciplinas na língua inglesa é reduzida comparada com outros cursos com habilitação única em inglês. Alguns alunos já lecionavam, mas não necessariamente na língua inglesa. Em sua maioria, os alunos encontravam-se no nível básico em relação à proficiência na língua inglesa, com poucos no nível pré-intermediário, intermediário ou pré-avançado. Na fase inicial da experiência, lemos com os alunos: No Speak English (CISNEROS, 1984), One of these Days

por (GARCÍA MARQUEZ, 1991) e outros textos de flash fiction mais curtos, de 50 a 100 palavras, como Washing Raspberries (RANDALL, 2001) e outros pesquisados individualmente pelos alunos na internet em sites sobre o assunto. Nessas leituras, mapeamos os estágios e fases que caracterizam a estrutura do gênero. Estabelecemos a estrutura potencial do texto narrativo, com base em Martin e Rose (2008), com os estágios obrigatórios de complicação e de resolução e com uma fase de reviravolta ou truque final, que ocorre no estágio da resolução ou desfecho. Os aprendizes criaram seus textos em sessões em sala de aula, tanto individualmente quanto em grupos de três ou quatro alunos. Revisões foram feitas em outras sessões com instruções básicas contidas em um questionário que os alunos preencheram nas ses-

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sões de revisão, chamado Peer Reviews2. Alguns compartilharam suas produções oralmente com o grupo, outros foram editados novamente e publicados no blog dos alunos: A Sertão Flash3. Nosso impulso de publicar a produção em um blog que seja conduzido pelos alunos baseia-se na concepção de uma prática glocal proposta por García-Canclini (1997), isto é, levar questões e práticas locais para um âmbito global, fomentando o empoderamento do grupo local. Por fim, aplicamos questionários no final dos dois semestres com perguntas abertas e outras direcionadas para identificar as percepções dos

alunos sobre o uso de flash fiction e oficinas de escrita colaborativa em sala de aula. Resultados da pesquisa mostraram que 99% dos alunos relataram impressões positivas sobre o uso desse gênero para ensino/aprendizagem de produção escrita, como ilustram os exemplos a seguir: A-3: Para mim o gênero “flash fiction” é uma maravilha, pois possui um número limitado de palavras e é onde podemos expor toda a nossa criatividade. A-4: É um gênero interessante, pois colocamos de maneira rápida (100 palavras) nossos conhecimentos relacionados a nosso vocabulário inglês, sem deixar de mencionar que é muito divertido criar ou até mesmo relatar fatos, que devem conter uma complicação e uma resolução.

2  As perguntas do Peer Review foram apresentadas aos alunos em inglês, traduzidas aqui: Sobre o que é o texto? Onde ocorre? O texto atende aos estágios do gênero? Qual é a complicação? Qual é a resolução? Há um momento de súbito impacto/iluminação? Qual é? Qual é a reviravolta na fase de truque final? É cômico ou trágico? Há exatamente 100 palavras? Você identifica erros gramaticais? É cativante? 3  O blog está disponível em: asertaoflash.blogspot.com. O título, combinação da palavra sertão com a palavra flash, com o uso do artigo indefinido em inglês “a”, sugerindo a ideia fotográfica de “um flash do sertão”, deve-se ao fato de o referido campus estar situado no Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte.

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Em suas respostas, os alunos relataram que foi uma atividade prazerosa, que possibilitou melhorias no uso da língua inglesa em geral. A-11 O flash fiction é um gênero muito interessante. Ele instiga nossa imaginação e incentiva a capacidade criativa, além de desenvolver habilidades linguísticas durante as produções. Foi muito proveitoso o trabalho com os flash fictions, trabalhar em grupos também torna essa atividade mais lúdica e prazerosa. A-15 Minha opinião é que com a produção desse gênero textual, aprendemos a escrever, a entender, e também a melhorar o vocabulário em inglês e ainda nos dirigimos a um momento engraçado ou trágico.

Além das impressões e percepções dos aprendizes sobre sua aprendizagem, contamos com a análise do uso de algumas estratégias da escrita para atender às exigências do gênero e o uso de itens lexicais da língua inglesa que representam dificuldades para escritores da língua portuguesa, trabalhados nesse período em outras atividades como o uso dos pronomes, contrações, tipos de processos e adjetivos. Notamos que, quando precisavam reduzir o texto, eliminavam os adjetivos e procuravam escolher verbos que serviam para caracterizar a personagem ou a situação. Os resultados mostram que as impressões dos alunos a respeito do ensino/aprendizagem da produção escrita em língua inglesa utilizando flash fiction traz benefícios tais como: motivação, sendo uma atividade prazerosa, engajando a criatividade; capacidade de atender aos estágios obrigatórios de uma narrativa e contemplar

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gêneros discursivos em termos de uma estrutura esquemática (MARTIN; ROSE, 2008), e os elementos de ficção; promover momentos para refletir sobre questões metaestruturais e metalinguísticas da construção de um discurso, além de participar de uma prática social autêntica no qual a língua inglesa é central, ao mesmo tempo que passa a fazer parte do contexto cultural dos aprendizes – ou seja, prática de produzir um discurso completo e significativo. Vale salientar algo caraterístico desse grupo: percebemos que houve uma capacidade natural na elaboração da estrutura esquemática de uma narrativa, que possivelmente seja fruto das múltiplas práticas sociais baseadas em narrar histórias no seu contexto rural (CASCUDO, 2001). Atender aos estágios obrigatórios de uma narrativa, de forma geral, a respeito de acontecimentos nas suas vidas cotidianas, foi uma tarefa bastante natural para esses aprendizes.

3.3. Podcast no ensino de compreensão oral Ao passo que as TICs se popularizam, novas atividades humanas emergiram nas ambiências digitais. A Web 2.0, caracterizada pelo compartilhamento remoto da produção compartilhada e pela inserção dos recursos multimídias, tem contribuído para: (a) a ampliação dos suportes de gêneros que já conhecemos, (b) a alteração das configurações de determinados gêneros e (c) o surgimento de novos gêneros. Dentre os gêneros digitais emergentes, podemos citar o podcast educacional para ensino de ILE (UCHÔA, 2014, 2010), que utilizamos para a experiência relatada nesta seção. Pesquisas têm revelado que o uso pedagógico de podcast tem mostrado resultados promissores no desenvolvimento da habilidade de compreensão e produção oral (BIRD-SOTO; RANGEL, 2009; DUCATE; LOMICKA, 2009) e com esse propósito, o podcast educacional para

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ensino de ILE foi empregado como instrumento de ensino em uma experiência vivenciada no curso de Letras do campus Floresta da Universidade Federal do Acre, localizado na Amazônia extremo-ocidental, com a participação de 35 acadêmicos convidados a refletir sobre o processo através de narrativas. Na oportunidade, a falta de consciência a respeito da importância de uma concepção de linguagem que orientasse a prática docente, as experiências limitaram-se a: acessar os exemplares de podcast produzidos em língua inglesa; ouvi-los juntamente com os professores em formação e solicitar a realização de atividades de compreensão oral. Inicialmente, as primeiras experiências não foram produtivas nem animadoras. Porém, a iniciativa com o podcast educacional para ensino de ILE nos possibilitou refletir sobre os registros do gênero, identificando limitações tais como:

serem produzidos em contextos muito diferenciados do contexto de cultura dos aprendizes, não permitirem a interação face a face e síncrona; adotarem uma linguagem artificial que não condiz com práticas de linguagem em uso em contextos reais de comunicação e não englobar questões locais inerentes as reais necessidades dos aprendizes. Diante das constatações e limitações apresentadas, identificou-se na prática de podcasting (UCHÔA, 2014) outra oportunidade para desenvolver as habilidades linguísticas de compreensão e produção oral nesse contexto de ensino. Caracterizada também pela postagem de áudio e vídeo na Internet, a prática de podcasting amplia os suportes para gêneros que já fazem parte do nosso dia a dia e adiciona novas configurações textuais aos gêneros já existentes. Uma entrevista de rádio, um documentário, uma palestra proferida em uma universidade etc., são exemplos

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de gêneros que ganham novos suportes na Web 2.0 como o Youtube, Daylimotion e Podomatic. A partir de tais constatações, focamos as ações principalmente na produção de tarefas que permitissem envolver os acadêmicos com diferentes gêneros orais e em língua inglesa, priorizando o desenvolvimento da habilidade de compreensão oral. As tarefas foram tomadas como práticas de linguagem que precisam ser planejadas e elaboradas, com estágios bem definidos, objetivando atingir procedimentos de ensino (ROSE; MARTIN, 2012). As percepções dos alunos são bastante positivas nas avaliações que fazem de sua prática de didatizar podcasts para o ensino, como podemos verificar nos excertos a seguir:

e também com as dicas do professor, tivemos uma base de como fazer uma boa aula com temas da atualidade, com assuntos que vivenciamos em nosso dia a dia. A-4 A elaboração deste trabalho vem nos mostrar quão importante é o Listening no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira e que, como educadores, precisamos estar preparados para desenvolvê-lo dentro do grau de assimilação dos aprendizes. Para nortear a produção de tarefas, adotamos o modelo sugerido por Field (2008), que consiste em estágios e etapas a serem seguidos durante a confecção de atividades de ensino visando o desenvolvimento da com-

A-10. Um ponto positivo na elaboração deste trabalho foi conhecer melhor sobre os sintomas da malária e conhecer algumas dicas de como prevenir

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preensão oral. Aliando esses procedimentos à visão de linguagem da LSF, definimos os seguintes procedimentos para a didatização dos gêneros possíveis de serem ancorados com a prática de podcasting:

(a) P ré-compreensão: nesta primeira etapa, prima-se pela contextualização textual. (b) Compreensão extensiva: em que se inicia o exercício da compreensão oral. (c) Compreensão intensiva: nessa etapa, outra oportunidade de compreensão oral é explorada. (d) Pós-compreensão: estruturas linguísticas podem ser exploradas nessa fase. Associando tais procedimentos à noção de contexto da LSF (HALLIDAY; HASAN, 1989), foi

importante recorrer aos elementos ou signos que são inerentes ao contexto local e que são compartilhados pelos aprendizes daquela região na Amazônia. Nesse sentido, optamos por didatizar gêneros ancorados com a prática de podcasting que englobassem as seguintes temáticas: o homem amazônico, extrativismo e desenvolvimento sustentável, ecoturismo, enchentes, combate à malária e tribos indígenas locais. São temas indispensáveis na construção de conceitos mais complexos ou científicos e que valorizam os conhecimentos prévios dos alunos, pois perfazem o imaginário local do homem amazônico. A partir desses elementos, constitui-se um mundo de significações compartilhadas pelos sujeitos que habitam tanto o ambiente citadino quanto por aqueles que estão diretamente inseridos nas pacatas colocações às margens dos rios, como ocorre na maioria dos contextos de ensino de ILE da Amazônia.

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Cientes de que o professor de ILE precisa abdicar de práticas de ensino cristalizadas, na experiência vivenciada na Amazônia brasileira, procuramos desenvolver estratégias que objetivassem promover a oralidade a partir de discussões relativas às relações sociais locais, trazendo para a sala de aula temas que estão presentes no imaginário coletivo e que são objetos das manifestações culturais do povo amazônico. A esse respeito, um participante faz a seguinte reflexão:

e postar o trabalho, mas aprendemos muito com tudo isso. Aprendi também, juntos com os demais integrantes do meu grupo a ouvir mais na língua in-

A-25 Aprendi no decorrer deste trabalho que temos que usar diversas estratégias de ensino para estimular o aluno que estuda Inglês. E cabe a nós professores buscar essas estratégias para que o aluno tenha sucesso na sua aprendizagem. Assim, o que tenho a dizer deste trabalho, é que a parte mais difícil foi encontrar o áudio

As sugestões de Holliday (2001), Canagarajah (2005) e Kumaravadivelu (2011, 2003) direcionam-nos para a proposição de maneiras alternativas de construção do conhecimento na sala de aula de línguas, desvinculando-se dos preceitos de determinado método rotulados por princípios globais. Esses autores orientam ao professor partir do próprio contexto social em que está inserido. Nessa esteira, Kumaravadivelu

glesa. Ninguém fala um idioma que não pratica, não escuta. Essa experiência serviu para eu entender melhor como usar o listening nas minhas aulas sem deixar de lado os assuntos da região.

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(2011) ensina que, em se pensando globalmente e agindo localmente, podem-se produzir conhecimentos necessários aos diferentes contextos que os aprendizes vivenciam ao longo da vida. Como resultado da aprendizagem adquirida nessa vivência, é verdade que a maioria dos registros de gêneros difundidos pela prática de podcasting e que estão ancorados nos suportes da Web 2.0 é produzida a partir da ótica do estrangeiro sobre a Amazônia. Mesmo assim, é possível que o professor impulsione discussões de questões relativas à alteridade que também precisam adentrar o ambiente da sala de aula como mais um elemento estimulador para oportunizar discussões sobre práticas identitárias. O difícil acesso aos gêneros com temáticas locais proporcionou a inserção mais efetiva em práticas de letramento digitais, levando os alunos-professores a adotar critérios de busca e seleção na internet com os quais ainda não

estavam acostumados. Essa dificuldade também fez emergir novas demandas de estudos sobre a produção oral com temáticas locais. Uma das opções para as próximas experiências será inserir os próprios professores em formação na produção de seus próprios podcasts, com temáticas a respeito do local em que estão inseridos, com base em uma abordagem culturalmente sensível (HOLLIDAY, 2001). Com conhecimento prático e teórico, além de motivação, possivelmente podemos encaminhar a construção de estratégias de ensino significativas, em conformidade com as demandas dos aprendizes e do contexto em que estão inseridos.

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4. Considerações finais A partir do exposto neste capítulo, podemos inferir que uma abordagem de ensino com base em gêneros do discurso deve ser, primeiramente, sensível ao contexto em que se insere e deve estar associada a uma visão de linguagem, pois o trabalho com os gêneros não deve perder de vista o trabalho com a língua, associado ao trabalho da formação inicial de profissionais de língua inglesa, ou seja, a relação entre texto e contexto deve ser a base para esse trabalho. As três experiências relatadas neste artigo propõem a adoção de práticas no ensino superior que estejam mais concatenadas às próprias vivências dos alunos em seu cotidiano com gêneros digitais e mais relacionadas à multiplicidade de práticas letradas em nossa sociedade (ROJO, 2012). Em nosso caso específico, abordamos o uso de portfolios, podcasts e flash fiction, visando

especificamente à reflexão e possibilidades de ensino da produção oral e da compreensão oral. Nossas propostas levam em consideração as constantes transformações nas TICs e seu uso em práticas de sala de aula no ensino superior que, em nosso contexto específico, são os cursos de Letras com habilitação em Inglês com vistas à formação inicial do professor, de modo a otimizar as práticas em sala de aula que visem à futura aplicação em seus contextos de atuação. Pode-se pensar, ainda, no uso das três possibilidades aqui sugeridas em conjunto. Caracterizando a multimodalidade típica dos meios virtuais e com as quais os alunos estão bastante familiarizados. Por exemplo, no site, http://www. flashfictiononline.com/podcasts.html, as produções de flash fictions estão também disponíveis na versão oral em podcast, tornando possível que o professor utilize o mesmo material para trabalhos de produção e compreensão oral e es-

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crita, produzindo portfolios de produção escrita ou oral em vídeo para otimização de momentos de reflexão e operando com o aspecto processual dessa produção. A perspectiva por nós adotada leva em consideração a visão de linguagem da Linguística Sistêmico-Funcional, e os gêneros discursivos de acordo com essa teoria, que fornece instrumental teórico e metodológico para a descrição dos gêneros, indo desde as considerações sobre o contexto em que os textos são produzidos, bem como seus elementos linguísticos e as estruturas que o compõem, numa associação bastante produtiva, desse modo, entre língua-gêneros-tecnologia.

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Texto

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O gênero piada como ferramenta de ensino-aprendizagem de inglês

Paulo Rodrigo Pinheiro de Campos Ana Graça Canan

como ferramenta de ensino-aprendizagem de Inglês e analisamos algumas piadas selecionadas com o intuito de identificar e interpretar aspectos culturais. Contudo, a atividade aqui apresentada não constou em nossa dissertação. É válido salientar que não concebemos as piadas como gênero privilegiado de cultura, mas que, como muitos outros gêneros textuais, o texto humorístico veicula discursos comuns a comunidades discursivas (KRAMSCH, 1996), por mais que um tema seja considerado universal (POSSENTI, 2002, 1998). Reconhecemos que, ao lado de uma abordagem de ensino-aprendizagem, uma perspectiva teórica da linguagem seria um grande auxílio para a leitura analítica das piadas. Optamos pela Análise do Discurso de linha francesa (MAINGUENEAU, 2010, 2004, 1996) por percebermos a pertinência de algumas categorias de análise adotadas por essa corrente teórica, como a noção

Introdução Em conformidade com a observância do que os documentos oficiais versam sobre cultura no ensino de línguas estrangeiras e com a necessidade de se promover uma formação não somente técnica, mas também pessoal, o que implica em formação cultural e cidadã dos estudantes, privilegiamos a abordagem cultural para orientar nossa prática de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN. A fim de empreendermos essa prática baseada numa perspectiva cultural, desenvolvemos uma pesquisa que enfoca o componente cultural do ensino-aprendizagem de línguas, com vistas à elaboração de atividades para a sala de aula. Para tanto, elegemos a piada

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de implícitos, a noção de cenas enunciativas e a noção de competências, com o trabalho com as piadas em sala de aula.

Embora nem todas as piadas ridicularizem uma determinada classe, podemos dizer que elas sempre lidam com mais de um discurso e, de acordo com o autor, esses discursos se contrapõem. Nossa intenção de trabalhar com piadas em sala de aula de Língua Inglesa no ensino médio não é, entretanto, compreender a cultura de outros povos somente com pistas deixadas nos textos humorísticos. Como já sinalizado anteriormente, não percebemos as piadas como lugar privilegiado de manifestação cultural. Para Possenti (2010, 1998), por exemplo, não é o caráter cultural da piada uma característica de destaque, mas sim a técnica de linguagem ali presente. Em palavras mais diretas, para o autor, não é o conteúdo da piada que veicula o humor, mas sim a forma como ela se apresenta. Possenti vai além e assevera que as piadas versam sobre poucos tópicos, que tais tópicos são sempre os mesmos com apenas umas algumas especificidades que variam (id. 1998). Por

Abordagem cultural, piadas e análise do discurso O gênero piada, oral ou escrito, geralmente não tem autor determinado. As piadas retomam sempre temas cruciais para uma sociedade, os quais provêm de discursos profundamente arraigados (POSSENTI, 2002, p. 159). O mesmo autor assume que as piadas [...] opõem dois discursos, que podem ser caracterizados como positivo/negativo [...] Assim, [...] as piadas fazem aparecer, ao lado de um estereótipo básico, assumido pelo próprio grupo (um traço de identidade?), o estereótipo oposto (id. ibid.).

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que, então, insistir em utilizar textos humorísticos com foco em aspectos culturais? Para responder tal pergunta, valemo-nos do que diz o mesmo autor:

Mas, como o próprio teórico indica, as piadas vão além de construções linguísticas neutras, sendo construídas em solo cultural e ideológico diversificado, e isso pode ser material para a formação cultural dos discentes. Entendemos que as piadas não são suficientes para a formação cultural dos estudantes, nem ao menos são suficientes para compreender fatores culturais em sua totalidade. Na linha desse pensamento percebemos que nenhum gênero textual pode contemplar tudo isso. As piadas se apresentam, então, como um gênero autêntico, plural como muitos outros gêneros, no que se refere a temas e aspectos culturais e, portanto, dignas de investigação com rigor científico, se pretendemos concebê-las como recurso didático. Destacamos que não é de nosso interesse o humor especificamente. Ou seja, não estamos interessados em descobrir ou investigar o que provoca o riso. Mas podemos afirmar que nosso

[...] as piadas são interessantes para os estudiosos porque praticamente só há piadas sobre temas que são controversos. Assim, sociólogos e antropólogos poderiam ter nelas um excelente corpus para tentar reconhecer (ou confirmar) diversas manifestações culturais e ideológicas, valores arraigados (id. 1998, p. 25).

A princípio, as piadas se mostram como fontes autênticas de manifestação linguística, estratégias de linguagem variadas e, muitas vezes, são surpreendentes, o que já seria valioso para se trabalhar em sala de aula de línguas.

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interesse vai além do que é culturalmente cômico, atinge o humor, que contempla estratégias de linguagem, técnicas linguísticas que podem transformar uma situação comum em algo engraçado (POSSENTI, 1998, p. 45, 46). Os textos humorísticos nos convidam ao trabalho em sala de aula de línguas por serem amostras reais de culturas, ideologias, preconceitos e por exigirem, sempre, um trabalho interpretativo, que apesar de parecer simples, muitas vezes exige mais atenção, variadas competências e habilidades:

esta hipótese pode ser postulada para qualquer tipo de texto de qualquer natureza (POSSENTI, 1998, p. 73).

A interação com as piadas, como declarado acima, não se faz por mera leitura superficial, decodificação linguística. Concordamos com Garcez (2001, p. 26) ao assumir que para se compreender alguns textos é necessário que se leia também o que não está escrito. A interpretação das piadas requer também um vasto número de competências e habilidades, dentre as quais Chiaro (1992, p. 11, 12) destaca conhecer a língua em uso e dispor de um vasto conjunto de informações socioculturais partilhadas, em que se inclui o conhecimento enciclopédico. Foi com base na consideração desses autores e, principalmente, a partir de contatos prévios com piadas selecionadas, que adotamos algumas categorias de análise comuns à Análise

[...] entender uma piada não é decodificar um texto, mas interpretá-lo, e [...] a interpretação demanda um trabalho do ouvinte, enquanto que a decodificação demanda apenas um conhecimento. Este é necessário, mas não é suficiente para a interpretação. Restrinjo-me aqui ao domínio da piada, mas penso que

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the construction of culture, but in the emergence of cultural change.1

do Discurso, como os implícitos (MAINGUENEAU, 1996), a cena enunciativa (id. 2010, 2004) e as competências (id. 2004). Outro fator decisivo para adotarmos conceitos da Análise do Discurso para o nosso trabalho com piadas com vistas à elaboração de atividades para sala de aula é o reconhecimento de que uma condição indispensável para entender integralmente a cultura de uma comunidade é entender os discursos que circulam nessa comunidade. Quanto ao acesso à produção discursiva de uma comunidade, Kramsch (1996, p. 3) declara:

Portanto, consideramos como via de acesso à identificação e interpretação dos aspectos culturais presentes em piadas, os discursos que as constituem e por elas são veiculados, os quais muitas vezes apresentam-se em choque.

A noção de implícitos e as piadas Pensamos que a utilização de implícitos obedece a princípios de economia linguística (MAINGUENEAU, 1996). Ora, para evitar inúmeras repetições, um texto aproveita informações já colocadas, convertendo-as em pressupostos (id. ibid.). Segundo Maingueneau (1996, p. 89), “a atividade discursiva entrelaça constantemente o

Culture in the final analysis is always linguistically mediated membership into a discourse community, that is both real and imagined [sic.]. Language plays a crucial role not only in

1  A cultura, na análise final, é sempre um direito linguisticamente mediado de ser sócio de uma comunidade discursiva, que é tanto real como imaginada. A língua atua num papel crucial não só na construção da cultura, mas na emergência de mudanças culturais (KRAMSCH, 1996, p. 3).

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dito e o não dito” e, portanto, nem tudo o que se diz se dá de forma explícita. Partindo da distinção que Possenti (2010, 1998) faz entre comicidade e humor, percebemos que o humor utiliza-se de manobras e técnicas, verdadeiros jogos de linguagem, recorrendo, muitas vezes, aos implícitos. Já o cômico engloba situações culturalmente percebidas como engraçadas, muitas vezes por serem constrangedoras, ou grosseiras, sem, contudo, se valer de técnica de linguagem. O humor pode se valer de situações cômicas de coisas comuns, mas a maneira como um texto está organizado pode fazer toda a diferença (POSSENTI, 1998). Tomemos como exemplo a piada a seguir:

Essa piada aborda um tema muito comum, a infelicidade no casamento. Casamentos fracassados são comuns e mesmo um tema triste, longe de provocar risos. Mas nesse caso, a maneira como essa constatação é posta ao leitor/ ouvinte nos faz esquecer de todo sofrimento implicado em histórias reais de pessoas infelizes no casamento e nos faz rir de um confronto de, pelo menos, duas imagens: (I) a imagem de que o casamento é algo muito feliz e por isso são frequentes os momentos de grande emoção, principalmente por parte dos noivos e de seus parentes mais próximos, os quais choram de felicidade e (II) a imagem de que o casamento é uma instituição fadada ao fracasso e, consequentemente, ao sofrimento, motivo de tristeza e, por conseguinte, de pranto. A superposição da segunda imagem em detrimento da primeira revela-nos um humor embasado no discurso feminista e tal revelação apoia-se em uma ideia

If it’s true that girls are inclined to marry men like their fathers, it is understandable why so many mothers cry so much at weddings.2 2  Se é verdade que garotas estão inclinadas a se casar com homens como seus pais, é compreensível porque tantas mães choram tanto nos casamentos.

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implícita de que os homens fazem as esposas sofrer e é a ciência desse sofrimento por qual a filha também passará, reproduzido pela semelhança entre o marido e o noivo da filha, que leva a mãe da noiva aos prantos. O conflito aqui analisado se dá entre o discurso religioso, que apoia o casamento, e o discurso feminista que, mesmo sem condenar o casamento, atribui suas dificuldades exclusivamente aos homens. Novamente esclarecemos que não é do nosso interesse investigar o motivo de a piada ser engraçada, mas sabemos que sem a compreensão dos implícitos presentes nessa piada, não há compreensão nem interpretação da piada (POSSENTI, 1998).

posto, que é o nível de primeiro plano, o qual corresponde ao que o enunciado se refere; (II) o pressuposto, que é o nível do plano de fundo, sobre o qual o posto se apoia (id. ibid. p. 95). Dessa forma, partindo do princípio de que o pressuposto constitui base para a colocação do posto, podemos concluir que os pressupostos são construídos anteriormente aos enunciados (id. ibid. p. 100). Maingueneau (1996) classifica os pressupostos em duas categorias: pressupostos semânticos e pressupostos pragmáticos. Os pressupostos semânticos podem ser classificados em pressupostos da frase (fora de contexto) e pressupostos do enunciado (em contexto, baseados na tematização, a qual depende de meios prosódicos). Já os pressupostos pragmáticos, que não são elementos do conteúdo do enunciado, são dependentes da enunciação e “das condições êxito do ato de linguagem”. Por exemplo, o ato de pedir perdão

1.1 Pressupostos Para compreendermos melhor a noção de pressupostos, Maingueneau (1996) assevera que o enunciado possui dois níveis de conteúdo: (I)

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2 A noção de cena de enunciação e as piadas

pressupõe que alguém cometeu uma falta contra outrem, que reconheceu seu erro e que está se retratando com a vítima de sua falha.

Falamos dentro de discursos, procedendo a estratégias com vistas a uma interação mais eficiente. Enquanto falamos, constituímos uma cena de enunciação, a qual também institui/confirma o discurso em que é constituída. De acordo com Maingueneau (2004, p. 85), um “texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada”. Talvez alguns colegas linguistas até questionem esse posicionamento de Maingueneau, indicando que ele desvaloriza o texto, rebaixando-o a um simples rastro. Não estamos, com isso, conferindo pouca importância ao texto, nem atribuindo tal feito a Maingueneau. Todavia, concordamos com o autor em certo ponto: os textos são a materialização de atividades discursivas e essa materialização se efetiva na enunciação que apresenta cenas as quais

1.2 Subentendidos Os subentendidos, diferentemente dos pressupostos, dependem de um contexto para serem compreendidos, de forma que, como assegura Maingueneau (1996, p. 105), uma mesma frase pode liberar subentendidos totalmente distintos se colocada em contextos diferentes. Recorrendo novamente à piada de casamento citada há pouco, podemos pressupor que (I) as noivas têm um pai e, portanto, não são filhas órfãs, nem criadas por uma mãe solteira; (II) que a mãe e o pai da noiva são casados, ou pelo menos foram casados durante certo tempo. Também com essa piada podemos subentender que (I) a relação conjugal entre muitos casais é de sofrimento e (II) a culpa desse sofrimento é do homem.

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seguem uma organização pragmática e objetivos percebidos em cada situação de interação. As cenas enunciativas organizam-se em quadro cênico e cenografia. O quadro cênico é constituído pela cena englobante e pela cena genérica. A cena englobante corresponde ao tipo (político, publicitário, humorístico, feminista, machista etc.) e a cena genérica ao gênero de discurso (correspondência, piada, folder, receita, bula etc.). Já a cenografia, que não é simplesmente uma moldura, uma decoração independente do discurso, mas que é instituída pelo desdobramento da própria enunciação, colabora com o quadro cênico para a legitimação desta última. A cenografia é, então, um dispositivo de fala constituído progressivamente no desenvolver da enunciação (MAINGUENEAU, 2004, 2010). Nas palavras de Maingueneau (2004, p. 87), “[...] a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra [...]”.

A cena de enunciação não legitima somente a enunciação, mas também o discurso que a institui, e a institui com o objetivo de convencer. Com isso podemos afirmar que o conteúdo do texto permite validar – ou se propõe a isso – a cena de enunciação pela qual tal conteúdo se manifesta (id. ibid.). Podemos exemplificar as categorias brevemente discutidas acima com o seguinte texto humorístico:

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My Dearest Susan, Sweetie of my heart. I’ve been so desolate ever since I broke off our engagement. Simply devastated. Won’t you please consider coming back to me? You hold a place in my heart no other woman can fill. I can never marry another woman quite like you. I need you so much. Won’t you forgive me and let us make a new beginning? I love you so. Yours always and truly, John P.S. Congratulations on you winning the state lottery.3 (Disponível em: <http://www.ahajokes.com/mar019.html>)

Percebemos nesse texto uma cena englobante que é o discurso humorístico, neste caso, exacerbando o discurso feminista de que os homens são materialistas, não amam de verdade, mas são interesseiros, principalmente por dinheiro [e sexo]. No tocante à cena genérica, podemos afirmar que se trata de uma piada disponível em um site de piadas na internet. Há quem possa afirmar que se trata de um texto intergenérico. No entanto, valendo-nos do empreendimento teórico de Maingueneau (1996, 2010), com o qual estamos trabalhando, podemos definir a cenografia como uma correspondência pessoal, que não é, na verdade o gênero do texto em questão. (Se o fosse, haveria muitas falhas de composição, levando em consideração uma correspondência produzida em seus padrões estabelecidos, ou estaríamos supostamente lidando com um fragmento de uma correspondência; e o texto enquanto piada apresentar-se-ia em sua integralidade).

3  Minha queridíssima Susan,   Docinho do meu coração. Eu ando tão desolado desde que rompi nosso noivado! Simplesmente arrasado. Você não poderia, por favor, considerar a hipótese de voltar para mim? Você mantém um espaço no meu coração que nenhuma outra mulher pode preencher. Eu nunca conseguirei me casar com uma mulher igual a você. Preciso muito de você. Você não quer me perdoar e nos dar a chance de recomeçar? Te amo demais.   Sincera e atenciosamente,  John   P.S. Parabéns por ganhar na loteria estadual.

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Se formos além, podemos dizer que o texto também se vale de uma cena validada (MAINGUENEAU, 2004), a saber, um pedido de desculpa entre parceiros amorosos, no qual o homem propõe que o relacionamento recomece.

sempre terão o professor de inglês por perto para esclarecimentos instantâneos. Em concordância com o autor supracitado, afirmamos que as grandes instâncias que intervêm na atividade verbal podem ser enquadradas nas três seguintes competências: a competência linguística, a enciclopédica e a genérica (id. ibid. p. 42). A competência linguística diz respeito ao conhecimento da língua em uso, no caso do nosso contexto de ensino-aprendizagem, a Língua Inglesa. Esse conhecimento engloba estruturação, léxico, expressões idiomáticas, questões gramaticais etc. A competência enciclopédica diz respeito a um amplo conhecimento de mundo que adquirimos com nossas experiências, dia após dia. Por exemplo, é nossa competência enciclopédica que nos permite conhecer quem foi Dom Pedro I, o que foi a batalha do Álamo no processo de desmembramento do Texas do México, o que é

3 A noção de competências A noção das competências é necessária por dois motivos em nosso caso: (I) o professor precisa prever que tipo de competência os estudantes precisarão para compreender e interpretar cada piada e, posteriormente, interagir uns com os outros nas atividades propostas (MAINGUENEAU, 2004, p. 47); (II) os estudantes precisam ter uma percepção das lacunas que faltam para a compreensão, a interpretação e o desenvolvimento das atividades propostas e, então, proceder ao preenchimento dessas lacunas de forma mais precisa e econômica (rápida), já que nem

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ganhar na loteria. Também é englobado no conhecimento enciclopédico o conhecimento dos muitos scripts, “sequências estereotipadas de ações” (id. ibid.). Daí advém nossa aptidão para encadear ações adequadamente de forma a alcançar um objetivo (id. ibid.). Precisamos de certa competência enciclopédica para proceder corretamente ao embarque de um avião, desde a compra das passagens, que pode ser efetuada online, e também procedendo ao check-in, à atenção à chamada pelo locutor do aeroporto etc. A competência genérica, que pode “resumir” a competência comunicativa [sobre a qual Maingueneau garante consistir “essencialmente em se comportar nos múltiplos gêneros de discursos” (MAINGUENEAU, 2004, p.42)], se refere ao conhecimento dos gêneros textuais e, apesar de não dominar todos eles, saber como se comportar adequadamente na interação com um determinado gênero.

Um de nossos desafios de professor de Língua Inglesa é a não aplicação do conceito de leitor-modelo nas atividades com textos (MAINGUENEAU, 2004). Apesar de trabalharmos com textos autênticos, não podemos e, em muitas ocasiões, não devemos nos limitar ao trabalho com textos de melhor acesso, isto é, de mais fácil leitura pelos alunos. Isso se deve a uma questão aparentemente óbvia: em uma turma com aproximadamente quarenta discentes, como selecionar somente textos para os quais todos os estudantes serão leitores-modelo, ou como, a cada atividade selecionar textos distintos, cada um adequado a um grupo de leitores-modelos organizado previamente? Considerando que cada professor de Língua Inglesa tem diversas turmas, um trabalho voltado para leitores-modelo não se aplica. Contudo, será útil aos estudantes identificar quem seriam os “verdadeiros”

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Nível

leitores-modelo para auxiliar a interpretação de cada texto, e aqui não nos limitamos às piadas.

1. Pedir que os estudantes leiam o texto silenciosamente. 2. Pedir que identifiquem o gênero textual e que explicitem que fatores os levaram a tirar tal conclusão.

4 Proposta de atividade para a sala de aula de língua inglesa

3. Pedir que os estudantes, em pares, leiam o texto em voz alta duas vezes. Cada um lê uma vez, com entonação apropriada à situação desenvolvida no texto. 4. Conduzir uma breve e informal votação: Susan deve reatar com John? Opção 01: sim; opção 02: não; opção 03: abstenções.

Atividade 01 Nível Duração

5. Logo após a breve votação, pedir que 03 estudantes voluntários para cada uma das opções de votação expliquem suas razões de terem votado nas referidas opções.

Básico – 2º ano do ensino médio Dois horários de 45 min (90 min). Procedimentos

•• Compreender o uso dos implícitos em textos (pressupostos e subentendidos); Objetivos

•• Desenvolver uma noção inicial de cena de enunciação (cena englobante; cena genérica; cenografia). •• Discutir sobre valores culturais ligados ao relacionamento conjugal.

6. Apresentar aos estudantes, de forma deveras simplificada e em multimídia, as seguintes noções, seguidas de explanações diretas e também simplificadas, com exemplos textuais que não o texto com que os discentes estão trabalhando: (I) pressupostos; (II) subentendidos; (III) cenografia; (IV) cena genérica; (V) cena englobante; 7. Pedir que, nas mesmas duplas, os estudantes elaborem um pequeno quadro no caderno, exemplificando cada um dos conceitos abordados com a piada do ex-noivo “arrependido”.

•• Leitura em nível analítico e interpretativo; Competências

Básico – 2º ano do ensino médio

•• Produção escrita com consciência da utilização de implícitos e das cenas de enunciação.

8. Proceder a uma pequena enquete oral: o que nos leva a crer, se for o caso, que John não está sendo sincero? 9. Pedir que, em duplas, os estudantes redijam a resposta de Susan à proposta de John, também com uma carta pessoal. 10. Pedir que as duplas entreguem a última produção textual ao professor.

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Nível

Considerações finais

Básico – 2º ano do ensino médio My Dearest Susan,

Texto

Podemos perceber, tanto pelo contato com os discentes quanto pelo contato com várias piadas, que a Análise do Discurso nos tem sido útil para explorar os aspectos culturais encontrados em piadas, muitos dos quais, implícitos, veiculados por discursos muitas vezes proibidos ou inconvenientes na escola. Nossa visão não de fazermos os estudantes exímios conhecedores de conceitos da Análise do Discurso. Alguns conceitos mais simples podem ser apresentados aos estudantes, se o docente julgar que isso dinamizará a aprendizagem. Tais conceitos muitas vezes podem não ser explicitados aos estudantes, mas devem auxiliar o professor em sua análise mais acurada e reflexão dos textos que propõe aos discentes. A Análise do Discurso se apresenta, então, disponível com seus conceitos e categorias de análise, como mais um recurso para trabalhar-

Sweetie of my heart. I've been so desolate ever since I broke off our engagement. Simply devastated. Won't you please consider coming back to me? You hold a place in my heart no other woman can fill. I can never marry another woman quite like you. I need you so much. Won't you forgive me and let us make a new beginning? I love you so. Yours always and truly, John P.S. Congratulations on your winning the state lottery.

Fonte

<http://estagiarcansa.blogspot.com/2007/01/anedotasem-ingls.html>.

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mos com textos e com a Língua Inglesa para além do nível lexical ou puramente estrutural. Podemos adentrar a cultura juntamente com nossos estudantes, abordando questões por vezes polêmicas, difíceis de lidar e, por isso, muitas vezes evitadas ao longo dos anos por professores. Contudo, tais temas, muitos dos quais preconceituosos, já fazem parte do cotidiano dos discentes e não por meio de textos científicos. Muitos dos textos humorísticos veiculam vários discursos, muitas vezes encarados como normais por nossos estudantes, e estes os aceitam com naturalidade e sem reflexão. O que resta, então, é incorporar tais discursos a sua própria fala e atitudes, e isso é alienante. Nossa proposta vai de encontro a tal carência: elegemos as piadas, gêneros comuns aos estudantes e, com um trabalho embasado em pesquisa rigorosamente científica, contemplamos a educação linguística, a formação cultural

e a conscientização dos estudantes sobre alguns discursos e preconceitos que se nos apresentam frequentemente como dados. Esperamos, com nosso trabalho, construir em conjuntura com nossos estudantes, um processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa que contemple questões do dia a dia desses discentes, que aponte para sua formação cidadã e profissional e que os capacite para exercer tal censo de cidadania e profissionalismo dentro e fora de nossas fronteiras, também em Língua Inglesa.

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Referências

CHIARO, D. The language of piadas: analyzing verbal play. London: Routledge, 1992.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Parte II: Linguagens, códigos e suas tecnologias. / Secretaria de Educação Média. Brasília: MEC/SEM, 1998. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=12598:publicacoes>. Acesso em: 31 mar. 2010.

GARCEZ, L. H. C. Técnica de redação: o que é preciso para bem escrever. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Piada. Disponível em: <http://estagiarcansa. blogspot.com/2007/01/anedotas-em-ingls.html >. Acesso em: 08 nov. 2013.

______. PCN+ Ensino Médio: Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Linguagens, códigos e suas tecnologias. / Secretaria de Educação Média. Brasília: MEC/SEM, 2000. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=12598:publicacoes>. Acesso em: 03 maio 2010.

KRAMSCH, C. The cultural component of language teaching. In: Zeitschrift für Interkulturellen Fremdsprachenunterrich, Amsterdã, n. 1, v. 2, p. 1-13, 1996. Disponível em: <http://www.spz.tu-darmstadt.de/projekt_ ejournal/jg_01_2/beitrag/kramsch2.htm>. Acesso em: 01 mar. 2006.

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MAINGUENEAU, D. Doze conceitos em análise do discurso. Sírio Possenti [et al] (Org.). São Paulo: Parábola Editorial, 2010. ______. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2004. ______. Pragmática para o discurso literário. Trad. Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1996. POSSENTI, S. Humor, língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2010. ______. Os limites do discurso. Curitiba: Criar, 2002. ______. Os humores da língua: análises linguísticas de piadas. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

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Texto

5

A polêmica velada nos diários de leitura: o que os jovens têm a dizer sobre o comportamento feminino

Rhena Raíze Peixoto de Lima Maria da Penha Casado Alves

nossos próximos passos estão sendo construídos no presente, pois não somos meros repetidores do passado, mas assimilamos o que nele aconteceu e participamos na complementação de discursos para construir um futuro que contempla o passado e o presente, mas, ao mesmo tempo, os modifica. Por isso, o autor nos diz que

1 Contextualizando a pesquisa Exercendo o papel social de professor, muitas são as conversas e atividades escolares que nos proporcionam o contato com os posicionamentos dos nossos alunos. Esse contato nos faz ter uma pequena noção da configuração dos ambientes (familiar, religioso, escolar...) em que esses alunos transitam e como os discursos desses lugares sociais influenciam em suas opiniões. Percebemos, então, que muitos desses posicionamentos são assumidos pelos alunos como imutáveis. Mas a projeção que fazemos do futuro, segundo nos aponta Geraldi (2010), é de uma construção conjunta dos nossos posicionamentos e de nós mesmos enquanto sujeitos, por meio do diálogo que vai além da interação face a face (BAKHTIN, 2010a). Desse modo, os

[...] o apagamento de imagens de futuro cega a compreensão do presente, já que este encontra naquelas o seu valor. Obviamente, os modos de construção do futuro, do qual nos sobram as memórias, podem derivar para um acabamento absoluto, prévio, pré-dado: o futuro não como uma memória no presente, mas como uma determinação fechada e autoritariamente imposta. O sutil traço que separa a memória do futuro da ideologia, é o fato

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de aula, é que iniciamos um projeto de pesquisa que teve como resultado a dissertação Vozes sociais em diálogo: uma análise bakhtiniana dos posicionamentos de alunos do Ensino Médio do IFRN12. O objetivo principal da pesquisa, como o próprio título já aponta, é analisar os posicionamentos dos adolescentes registrados em diário de leitura. O gênero diário de leitura consiste em uma atividade de sala em que os alunos registram, diariamente, suas impressões pessoais acerca de textos lidos dentro ou fora do espaço de sala de aula. Essa atividade pode ser considerada como diferenciada devido a algumas peculiaridades: a) não há obrigação por parte do aluno de fundamentar teoricamente seu posicionamen-

de esta fixar previamente como deve-ser-o-futuro, descurando-se de que cada ação do presente, tornando-se condição de possibilidade do futuro, pode alterar os desenhos destes futuros. Numa perspectiva, o futuro é estabilidade instável, sem território, perpetuamente deslocável; noutra, o futuro é território mapeado, sem surpresas, a ser implantado (GERALDI, 2010, p. 110).

Nessa compreensão, estamos certos de que também fazemos parte da construção dos posicionamentos emitidos pelos alunos. Não apenas nos momentos da sala de aula, mas também no momento em que esses pontos de vista nos inquietam e tornam-se objeto de nossas pesquisas. Assim, compreendendo que a pesquisa deve ser, também, uma extensão de nossas práticas em sala

1  O texto da dissertação pode ser lido na íntegra por meio do link <http:// repositorio.ufrn.br:8080/jspui/bitstream/1/8373/1/RhenaRPL_DISSERT.pdf>. 2  IFRN – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Atualmente, o Instituto conta com 19 campi espalhados pelo estado. O campus em que foi feita a pesquisa é o campus Natal-Central, situado no bairro do Tirol, na capital do estado.

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to; b) não há obrigação com o cuidado acerca do uso de uma linguagem mais elaborada; c) é possível o registro de fatos, comentários não ligados à temática do texto lido, que resultam em produções de diversos gêneros dentro do diário. Essas características nos permitem dizer que a atividade do diário confere uma maior liberdade ao seu produtor por se tratar, segundo Machado (1998), de um gênero que une duas esferas: a esfera íntima e a esfera escolar. Por esse motivo, o aluno escreve, em primeiro lugar, para si mesmo, e, em seguida, para o professor. Essa ordem não ocorre sempre dessa forma. Vemos claramente, nas produções que constituem o corpus, que alguns alunos escrevem sempre tendo o professor em vista, policiando-se com relação ao que estão dizendo e como estão dizendo; enquanto outros tiram o máximo de proveito dessa liberdade e parecem, esquecer ou não se importar, com a leitura do professor.

Outra característica do gênero, apontada por Abreu-Tardeli et al. (2007), consiste na prioridade dada ao processo da escrita e não ao seu produto final. Ou seja, enquanto outras atividades desconsideram os chamados rascunhos, as autoras orientam que a escrita do diário se dê à medida que se lê o texto, registrando tudo o que vem à mente. Essa característica proporciona um contato mais amplo com o registro das diversas vozes que participam da leitura, despertadas pelas vozes presentes nos textos lidos. Além do mais, o exercício da escrita do diário, que obriga o aluno a se posicionar diante do texto lido, acaba se tornando um exercício para a escrita e leituras responsivo-ativas (BAKHTIN, 2010a), no qual o leitor deixa de lado uma postura passiva diante do texto lido. Esse estímulo pode fazer com que os alunos se tornem mais críticos, no momento em que precisam se posicionar sobre o texto lido e não apenas

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dublar as vozes neles presentes ou apenas omitir-se diante delas. Sendo assim, o diário de leitura torna-se um espaço propiciador para a análise do embate de posicionamentos do aluno e dos discursos com os quais têm contato por meio dos textos lidos antes da produção do diário. Diante dessa atividade, a pesquisadora, juntamente com o professor colaborador, reuniu um corpus de duzentos e noventa e dois diários, dos quais dez foram selecionados durante a pesquisa, a partir de um percurso que nos levou à definição de critérios devidamente esclarecidos no texto da dissertação, nos capítulos intitulados “Concepções teórico-metodológicas: relação entre conceitos e atitudes diante da pesquisa” e “Da teoria à análise dos enunciados”. Para este momento, apresentamos apenas a informação de que uma das etapas finais para a seleção dos diários foi a aproximação entre o

tema abordado nos enunciados. Um dos temas que se fez presente foi o comportamento feminino, tema encontrado em três dos enunciados, dos quais apresentamos dois neste artigo. Outra questão que emergia desses enunciados era a forma como os posicionamentos eram apresentados. Por isso, recorremos ao conceito de polêmicas discursivas (BAKHTIN, 2010b), que representa o embate discursivo entre vozes dissonantes. Nesse sentido, a polêmica discursiva se manifesta quando a voz do eu (aquele que escreve) se posiciona contrária à voz do outro (produtor do texto analisado no diário). Bakhtin vai mais além quando afirma que há dois tipos de polêmicas discursivas: a polêmica velada e a polêmica aberta. Na primeira, o discurso do outro é refratado de maneira implícita, pois o objeto do discurso do eu não é a voz refratada, mas outra voz que nos faz perceber, por meio das escolhas composicionais, que ela também

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Quadro 1: Grupos de categorias

está sendo refutada, muitas vezes mais do que a voz que pode ser percebida como objeto do discurso do eu, conforme veremos em nossas análises. A polêmica aberta, ao contrário, pode ser representada por um discurso que faz do discurso do outro o seu objeto e o refuta abertamente. Nos deteremos a analisar aqui os enunciados que abordam pontos de vista sobre o comportamento feminino de forma velada. A seguir, reproduzimos o resultado da divisão em grupos e categorias feita durante a escrita da dissertação.

Fonte: Autoria própria, 2013.

Esclarecemos também que os enunciados foram nomeados a partir de expressões utilizadas pelos alunos. Para este artigo, elegemos os enunciados “Quero aparecer” e “Acerte no

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Visual”, ambos, como já adiantamos e como é possível conferir no quadro, pertencentes ao grupo polêmica velada. Nas análises aqui apresentadas, será possível perceber que os enunciados aqui reproduzidos foram divididos em duas partes por se tratarem de enunciados verbo-visuais. Adotamos a nomenclatura verbo-visual, a partir das leituras de textos de Brait (2013) e de Puzzo (2012) que discutem a relação entre linguagem verbal e visual, com base na teoria bakhtiniana. Ambas as autoras chamam a atenção para a importância do papel do visual quando este exerce papel fundamental para a compreensão integral do texto. Assim, o visual não funciona como uma complementação, ou mera ilustração, ou ainda como um elemento inserido em momento secundário e que pode ser considerado dispensável. Do contrário, a presença do texto visual apresenta uma nova configuração ao texto e é

peça fundamental para sua interpretação. Nas palavras de Brait (2013, p. 52), Os enunciados, os dois textos, o verbal e o visual, nascem separadamente. Primeiro o verbal e, depois, sob a influência dele e de acordo com seu estilo expressionista, Kubin ilustra O duplo. A relação que se estabelece entre ambos, entretanto, não é de simples e submissa legenda, mas, ao contrário, é de entranhamento, de resposta ativa ao processo criativo primeiro, à estética da alteridade [...].

Esse entranhamento de que fala a autora pode ser visto claramente nos enunciados escolhidos para este artigo, nos quais a imagem do texto analisado é recortada e inserida em um novo texto e ganha, exatamente por isso, outra

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2  A POLÊMICA VELADA EM QUERO APARECER

configuração. Essa junção dos textos verbal e visual também reforça a concepção de enquadramento (BAKHTIN, 2010c), que será abordada mais adiante, durante as análises. Finalizamos essa contextualização apresentando mais um conceito que embasa nossas análises que é a concepção de forma arquitetônica (BAKHTIN, 2010c), que considera a forma do enunciado como componente importante e estratégico para a apresentação de um ponto de vista. Perceberemos, portanto, que o produtor de um texto rejeita tudo o que não se relaciona com o seu posicionamento e abraça as expressões, construções frasais, ordem de informações que lhe convém, o que prova que a escolha da forma possui um caráter subjetivo e direciona-se para uma determinada intenção. A seguir, apresentamos os enunciados selecionados para este artigo, juntamente com suas análises.

PARTE I O enunciado reproduzido a seguir foi construído após a leitura de uma entrevista de Geisy Arruda, publicada na revista Veja. Não acredito que li isso! Quero os 5 minutos de volta! A “entrevista” realizada com essa doida “da vida” (porque usar aquele vestido é a mesma coisa que dizer: “Olhem para mim! Sou uma “da vida!”), essa ridícula, foi super cômico. Parece que as perguntas que a revista fez foi só para “tirar onda”, pior ainda são as respostas dessa louca, parecendo uma perua patricinha: “meu cabeleleiro é meu anjo da guarda” - ¬¬. E ela ainda

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está se achando porque seu “anjo” disse que ela parece com Carla Perez. Tomara que ela ganhe o mesmo apelido que Carla ganhou! E querendo se tornar uma dessas “frutas” (estragadas) ela botou parte de suas banhas no bumbum para dar uma “empinadinha” – triste. Isso tudo deve ter sido para sair nua em alguma revista! Embora ela diga que é pro carnaval. A ex-gorda não quer se sentir inferior em fevereiro. Se enxerga!!! Mesmo assim gostei do tom usado da revista para entrevistar Geisy, é para tirar sarro mesmo!

universidade, dias depois, expulsou a estudante, alegando a “defesa do ambiente escolar” (ESTADÃO, 2009), assinando seu posicionamento favorável aos estudantes que assim se comportaram. O assunto ganhou repercussão nas mídias nacional e internacional e levantou diversas opiniões contra e a favor de Geisy, alguns deles voltados para a forma como uma mulher deve se portar e se vestir em determinados ambientes. O produtor do primeiro enunciado analisado, desde as primeiras palavras, corrobora o posicionamento daqueles que criticam a atitude da estudante. Para ele, a leitura da entrevista foi uma perda de tempo. As frases iniciais deixam claro que o posicionamento do autor do enunciado está voltado para o pensamento de que uma mulher só usa uma roupa curta quando quer mostrar seu corpo, objetivando chamar a atenção de todos à sua volta. Além disso, ele associa as mulheres que usam esse tipo de roupa

Em outubro de 2009, a jovem estudante teve de sair da universidade em que estudava, a Uniban, escoltada pela polícia militar, enquanto diversos estudantes dirigiam-lhe insultos e incitavam a violência física contra ela. A própria

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com mulheres “da vida”, o que, na nossa compreensão, diz respeito a mulheres que utilizam o corpo como meio de vida, ou que se prostituem. Como vemos, há uma visão generalizadora sobre a mulher que usa roupa curta. Essa imagem que temos do outro de que nos fala Bakhtin (2010a) é construída a partir da avaliação que fazemos sobre seus atos e comportamentos, sempre tendo como parâmetro o que julgamos um comportamento bom ou ruim; louco ou são; dentre outros adjetivos que podem ser atribuídos a esse outro pelo eu. Na posição de avaliador dos comportamentos da universitária, o autor do diário interpreta o objeto que se encontra fora e, ao mesmo tempo, diante dele, a partir de um lugar axiológico que ocupa no mundo. Nesse contexto, compreendendo o diarista como o eu e Geisy como o outro, [...] todos os vivenciamentos interiores do outro indivíduo –sua alegria, seu sofrimento, seu

desejo, suas aspirações e, finalmente, seu propósito semântico, ainda que nada disso se manifeste em nada exterior, se enuncie, se reflita em seu rosto, na expressão do seu olhar, mas seja apenas adivinhado, captado por mim (do contexto da vida) – são por mim encontrados fora de meu próprio mundo interior (mesmo que de certo modo eu experimente esses vivenciamentos, axiologicamente eles não me dizem respeito, não me são impostos como meus), fora do meu eu-para-mim, eles são para mim na existência, são momentos de existência axiológica do outro.” (BAKHTIN, 2010a, p. 93). E isso pode ser percebido no enunciado a partir do lugar axiológico ocupado pelo diarista. O lugar de um telespectador, que já possui uma visão de mundo sobre o que deve ser considerado ideal e o que deve ser considerado desprezível para o comportamento feminino. Essa visão de mundo encontra os discursos propagados pela mídia, impressa ou televisiva. No caso

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da entrevista, como o próprio diarista percebe, temos uma seleção estratégica de perguntas para denegrir ainda mais a imagem da estudante. Ao entrar em contato com esse discurso, o diarista confirma seu posicionamento. Toda avaliação sobre o outro é, portanto, uma avaliação vinda de fora, isto é, o olhar de alguém que não vivencia de dentro aquilo que o outro experimenta. E, assim, todo o posicionamento deste eu acerca de Geisy parece contribuir para seu posicionamento sobre a entrevista analisada: “entrevista”, “Mesmo assim gostei do tom usado da revista para entrevistar Geisy, é para tirar sarro mesmo!”. Ou seja, o produtor do enunciado aplaude a atitude da revista, pois o seu posicionamento é confirmado por meio dela. Isso significa que a voz que circula no texto é determinante para o posicionamento do sujeito-leitor sobre ele.

Atentamos, ainda, para o papel social de mulher que ocupa Geisy. Isso nos faz pensar, juntamente com Meyer-Pflug (2009), que os discursos agressivos, ou discursos do ódio, como são atualmente chamados, se voltam, em sua maioria, para os grupos histórico e socialmente oprimidos, sejam eles negros, homossexuais ou mulheres. É como se houvesse uma permissão, uma autorização social, para tratar a mulher da forma como a universitária foi tratada. Para refletirmos sobre isso, basta pensarmos na mesma situação ocorrendo com um homem sem camisa transitando dentro da mesma universidade. A reação de indignação seria a mesma? As agressões verbais, caso existissem, ocorreriam com a mesma intensidade? O diarista percebe essa autorização e segue agredindo verbalmente a estudante, com as expressões: “doida”, “essa ridícula”, “ex-gorda”, “perua patricinha”, “fruta estragada”. Como

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vemos, trata-se de expressões que depreciam a imagem da estudante e que atestam, implicitamente, que a atitude de Geisy é reprovável porque não condiz com o que se espera do comportamento de uma mulher dentro do espaço da universidade. Ou seja, a polêmica velada se instaura quando o diarista tem como objeto de seu discurso a entrevista em análise, mas seu posicionamento se volta para as atitudes da pessoa entrevistada. Os diversos pontos de exclamação presentes ao longo do enunciado nos finais de algumas frases confirmam a forma agressiva do posicionamento. Temos, portanto, uma voz que se junta ao coro dos estudantes da Uniban, no dia em que a expulsão da jovem ocorreu. Ambas as atitudes, tanto a do diarista quanto a desses estudantes, embora distantes espacial e temporalmente, apontam para o mesmo discurso que dita as regras de comportamento feminino em nossa sociedade.

Na próxima seção, analisamos a segunda parte deste enunciado. PARTE II

Logo abaixo da parte I do enunciado analisado anteriormente, aparece o que aqui chamamos de parte II. Como vemos na imagem, o autor recorta a foto da universitária e a enquadra em um novo enunciado em que a própria Geisy declara

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sua intenção, que está ligada ao posicionamento apresentado na parte I: “Quero aparecer”. Nesse caso, considerado o que vimos anteriormente sobre o texto verbo-visual, o enquadramento da imagem que antes ilustrava a entrevista em um novo texto pode ser considerado como a inserção do discurso do outro (a imagem), uma palavra alheia, dentro do discurso do eu. Assim, temos que:

deste discurso dos procedimentos de seu enquadramento contextual (dialógico): um se relaciona indissoluvelmente ao outro. Assim como a formação, também o enquadramento do discurso de outrem [...] exprimem um ato único da relação dialógica com este discurso, o qual determina todo o caráter de transmissão e todas as transformações de acento e de sentido que ocorrem nele no decorrer desta transmissão (BAKHTIN, 2010c, p. 141).

A palavra alheia introduzida no contexto do discurso estabelece com o discurso que a enquadra não um contexto mecânico, mas uma amálgama química (no plano do sentido e da expressão); o grau de influência mútua do diálogo pode ser imenso. Por isso, ao se estudar as diversas formas de transmissão do discurso de outrem, não se pode separar os procedimentos de elaboração

Dessa forma, a construção da parte II do enunciado cria uma relação de interdependência entre texto verbal e visual, de modo que um só pode ser compreendido a partir da relação com o outro. Compreendemos, então, que a imagem não cumpre apenas o papel meramente ilustrativo, mas possui papel ainda mais importante

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dentro do enunciado, pois funciona como a confirmação de um posicionamento já apresentado no texto verbal. Para exemplificarmos melhor as palavras de Bakhtin, podemos refletir que não seria qualquer foto de Geisy que caberia na produção desse enunciado para que a intenção de mostrar que ela era oportunista, se aproveitando da situação em que foi envolvida para ter espaço na mídia. Esse objetivo só poderia ser alcançado a partir de uma foto como a escolhida pelo diarista, em que o olhar e a postura da universitária aparentassem um certo ar de superioridade. Além disso, a parte I, como sucessão da parte II, funciona como uma introdução ao posicionamento que circula em ambas as partes que culmina na expressão “Quero aparecer”, uma espécie de resumo e confirmação da voz velada sobre o comportamento de universitária. Essa progressão estratégica e intencional confirma o

que vimos, na contextualização inicial, sobre a forma arquitetônica do texto, em que há relação entre a forma e o posicionamento. Seguimos, neste momento, para a análise das duas partes do enunciado intitulado “Safadeza gratuita”.

2 A polêmica velada em safadeza gratuita

PARTE I Risos, risos, o texto de hoje é um dos meus favoritos, é o que fala sobre o Lift’n’Shape (isso mesmo, com dois apóstrofes PEDANTES). Começa falando que o exorbitante produto diminui o seu manequim NA HORA, que é ideal para uma festa ou

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no dia-a-dia. Tudo isso porque foi delicadamente pensado e projetado para agir NAQUELES pontos críticos e mais difíceis de modelar, e é um produto leve, suave, confortável e imperceptível (propaganda de absorvente?) e possui um formato exclusivo, que diminui a cintura sem evidenciar pneuzinhos e sem deixar marcas sob as roupas! E depois disso, mostra todos os benefícios do uso do sensual produto: ele reduz a barriguinha, afina a cintura, dá uma levantada no bumbum, modela as coxas e muito mais. Sério, esse produto é do balaco-baco. Nunca vi tanta safadeza gratuita na minha vida. Primeiramente porque o produto é o famoso “disfarça banha”, mas elas sempre estarão lá, e, uma hora ou outra, a gordinha vai ter que tirar essa porcaria do corpo, logo, ela voltará a ser AQUELA chupetinha

de baleia e não terá o seu probleminha de obesidade mórbida resolvido, claro. Além dessa sacanagem, a gente pensa que pára por aí, mas o texto se supera no estilo gueto! Primeiro, o povinho sapeca da POLISHOP coloca modelos magras para usar essa porqueira, depois, a cinta apertou tanto as modelos que elas literalmente prendem a respiração descaradamente para manterem a pose e não estragar o lift’n’shape, seguindo adiante, percebemos que o produto só vai até metade da coxa, ou seja, se uma gordona estiver usando isso, metade da perna vai ficar apertada e a outra inchada, ou seja, ela vai ser vítima de bullying por aparentemente ter elefantíase. No geral, achei o texto interessantíssimo e engraçado, imagens sacanas e reveladoras e organização boa.

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O segundo enunciado que apresentamos neste artigo é uma análise da revista Polishop, escolhida pelo próprio diarista, quando a professora-pesquisadora permitiu que os alunos escolhessem a revista que iriam analisar3. O anúncio objetiva vender uma vestimenta modeladora do corpo feminino. O autor parece, de início, se divertir com o anúncio, quando, no primeiro parágrafo, resume suas promessas, utilizado a linguagem publicitária, com leves tons de ironia. As letras em maiúsculo nas expressões “Pedante”, “na hora” e “naqueles” evidenciam essa ironia e a surpresa do diarista ao comentar as qualidades do produto, que promete fazer milagres; além de proporcionar um destaque maior a essas expressões. Já no segundo parágrafo, há uma quebra com os elogios que confirmam o tom de ironia

percebido no parágrafo anterior. Essa quebra pode ser percebida não apenas no posicionamento explícito acerca da “safadeza” do produto, mas também no tipo de linguagem utilizada, considerada bem mais informal do que a que pode ser vista no primeiro parágrafo: “disfarça banha”, “chupetinha de baleia”, “a gordinha”, “porcaria”, “gordona”. Embora durante o enunciado seja possível perceber uma crítica ao consumismo e às estratégias publicitárias utilizadas para convencer o leitor a adquirir o produto, ao pararmos para avaliar essas expressões, percebemos que grande parte delas se referem às mulheres gordas, enquanto a minoria delas se refere ao texto analisado. Desse modo, a característica marcante desse enunciado é o fato de o diarista desviar sua atenção para se referir às mulheres que estão acima do peso de forma desrespeitosa.

3  Em alguns momentos, os professores determinavam que revistas seriam lidas pelos alunos, em outros, os alunos eram responsáveis por essa escolha. Essa permissão proporcionou uma grande diversidade na escolha das revistas analisadas.

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Nesse sentido, o objeto do discurso é o anúncio, considerado uma “safadeza gratuita”, uma vez que expõe um produto que não cumpre com a sua real função. Uma safadeza gratuita seria, portanto, uma safadeza desnecessária, deliberada, que trata-se da enganação do produto direcionado às mulheres. Porém, sobretudo no segundo parágrafo, percebemos que, de forma velada, o posicionamento do diarista se volta para o corpo feminino. Como sabemos, os modeladores corporais são destinados a mulheres, gordas ou não, que desejam esconder aquilo que consideram imperfeito em seu corpo. Porém, o autor considera que o produto está voltado apenas para mulheres que estão muito acima de seu peso e que jamais conseguirão utilizá-lo devido a isso. Considera, também, de uma forma generalizadora, que todas as mulheres gordas intencionam esconder sua gordura, recorrendo a uma espécie de maquiagem.

Fazendo isso, seguindo a mesma lógica de muitos anúncios de produtos femininos, o autor do enunciado desconsidera a diversidade existente no nosso país quanto ao peso das mulheres. Desconsidera também as mulheres que, mesmo acima do peso, sentem-se felizes com seu corpo, assim como todos aqueles que preferem mulheres gordas do que aquelas que seguem o padrão estabelecido pela mídia atualmente. Ou seja, ao criticar o anúncio, o aluno não percebe que incorre no mesmo equívoco generalizador e preconceituoso que considera que todas as mulheres pensam de uma mesma forma ou veem o mundo da mesma forma. Ainda sobre o que pensa acerca das mulheres gordas, o aluno desconsidera que apresentar obesidade mórbida inclui ser gordo, mas ser gordo não necessariamente implica em obesidade mórbida. Para ele, as duas coisas são equivalentes. Além das expressões depreciativas que

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já mencionamos, pondo o anúncio em destaque e transformando-o em motivo de riso, o diarista também expõe a mulher gorda e a transforma, também, em objeto de chacota:

aberta, quando o autor se posiciona criticamente acerca do anúncio; e a polêmica velada, quando o autor diz, implicitamente, que ser gorda é um defeito e que, por esse motivo, todas as gordas devem emagrecer para não parecerem “chupetinhas de baleia”. Não podemos deixar de mencionar que esse tipo de pensamento dialoga com a ditadura da beleza atual que dita como a mulher deve se apresentar nos dias de hoje. Como sabemos, ser gorda não se encaixa no padrão estabelecido. Basta apenas olharmos para os comerciais, anúncios de produtos femininos, novelas, filmes e demais produções artísticas. Ou até mesmo para a revista analisada que, como veremos a seguir, na parte II, utiliza-se de mulheres magras para fazer propaganda do produto em questão.

[...] seguindo adiante, percebemos que o produto só vai até metade da coxa, ou seja, se uma gordona estiver usando isso, metade da perna vai ficar apertada e a outra inchada, ou seja, ela vai ser vítima de bullying por aparentemente ter elefantíase. No geral, achei o texto interessantíssimo e engraçado, imagens sacanas e reveladoras [...].

Em outras palavras, o produto não cumpre com sua função porque, seu consumidor, as mulheres gordas, não conseguirão utilizá-lo devido ao seu sobrepeso. Instalam-se nesse momento duas polêmicas no mesmo texto: a polêmica

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PARTE II

adquirido pelo público-alvo. Ao ser inserido na análise, serve de confirmação da voz do aluno sobre as estratégias femininas para alcançar um ideal de beleza. Ao lado das imagens, encontramos três frases: “Peitos grátis”, “Processo de transformação de um corpo normal numa linguiça arrochada” e “Eu não entendi como funciona o sutiã siliconado”. As duas primeiras frases apontam para um processo de artificialização e imediatismo proporcionado pelos produtos. Ou seja, o corpo “normal” é moldado para que se adéque aos padrões estabelecidos pela sociedade, pois é preciso aumentar os seios e esconder as gorduras indesejadas. Chamamos atenção, principalmente, para a segunda frase, que aponta o corpo da mulher como uma “linguiça arrochada”, retomando assim, não a mulher da foto, mas a imagem criada na parte I do enunciado da mulher acima do peso tentando utilizar o produto.

A continuidade do enunciado anterior se dá na inserção da parte II representada pelas fotos das mulheres utilizando o produto apresentado. Mais uma vez, temos o processo de enquadramento do discurso do outro em um novo texto. Assim, o texto visual que intencionava, no texto da revista, exemplificar o uso do produto, é ressignificado e ganha um novo propósito: confirmar o posicionamento do diarista, já apresentado na parte I do enunciado. Isto é, no contexto da revista, o material iconográfico serviu de exemplificação de como o produto funciona no corpo feminino, a fim de que seja

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A terceira frase confirma o que já dissemos sobre não conhecer uma realidade e mesmo assim opinar sobre ela: “Então, eu não entendi como funciona o produto, mas pra mim ele é apenas uma forma de se adquirir ‘peitos grátis’”.

[...] o grande desafio que se apresenta para o Estado e para a própria sociedade é permitir a liberdade de expressão sem que isso possa gerar um estado de intolerância, ou acarrete prejuízos irreparáveis para a dignidade da pessoa humana e também para a igualdade.

3 Considerações finais Ao final deste artigo, a reflexão que julgamos necessária, a partir dos enunciados analisados, é como devemos lidar com o tipo de postura de um aluno que objetiva criticar a sociedade em que vive, mas, ao fazer isso, não percebe que seu discurso propaga a eliminação de direitos de grupos sociais que lutam por alcançar o seu espaço dentro da sociedade. Assim, o direito que o diário confere ao aluno de se posicionar livremente pode resultar no aparecimento de discursos que ferem a dignidade do outro. Assim, para Meyer-Pflug (2009, p. 99),

Como participantes da sociedade, exercendo o papel de profissionais da educação, especificamente ministrando a disciplina de Língua Portuguesa, é de extrema importância o auxílio da compreensão de que o uso de determinadas expressões, como também toda a configuração do meu texto, pode contribuir ou amenizar as diferenças instaladas por diversos discursos que circulam em nossa sociedade. Por outro lado, existe também a importância do registro de discursos como os que aqui foram analisados para que possamos perceber

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o quanto resta em nós de preconceito e de falta de aceitação das diferenças. Além disso, é muito comum no discurso de alguns colegas de trabalho, o tom pessimista que acredita ser vã a tentativa de construir um pensamento mais tolerante em nossos alunos e em nossa sociedade. Nesse sentido,

ria o repouso satisfeito do que somos. O nosso não é o lamento nem a serenidade, mas o desconcerto. Por isso o nosso é, melhor dizendo, um tom caótico no qual o incompreensível do que somos se nos mostra disperso e confuso, desordenado, desafinado, em um murmúrio desconcertado e desconcertante, feito de dissonâncias, de fragmentos, de descontinuidades, de silêncios, de causalidades, de ruídos (LARROSA; SKLIAR, 2011, p. 8).

[...] é o presente o que nos é dado como o incompreensível e, ao mesmo tempo, como aquilo que nos dá o que pensar. Por isso, ao nosso tempo não lhe cabe um tom elegíaco, de perda e lamento, no qual ressoaria a perda do que fomos e já não somos; nem um tom épico, de luta e entusiasmo, no qual caberia a conquista do que seremos e, entretanto, não conseguimos ser; nem tampouco um tom clássico, de ordem e estabilidade, no qual cabe-

Cuidemos, portanto, para que nossas práticas de sala de aula não caiam em nenhum desses dois extremos: ou considerar que não há mais jeito ou não dar ouvidos aos ruídos que nos desconcertam e nos perturbam a todo instante. O papel do professor-pesquisador na atualidade talvez seja enfrentar os discursos perturbado-

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humanas e pesquisa: leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. p. 11-25.

res, tentando sempre compreender a desafinação, o desconcerto e a fragmentação de nossa sociedade, de seus indivíduos e de seus discursos. Apenas assim não incorreremos no mesmo equívoco da generalização e da expressão de um posicionamento precipitado, como foi visto nos dois enunciados ora analisados.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010a. 512 p. BRAIT, B. Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica. Bakhtiniana, São Paulo, 8 (2), p. 43-66, jul./dez 2013.

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AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, M. T.; JOBIM E SOUZA, S.; KRAMER, S. (Org.). Ciências

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LARROSA, J.; SKLIAR, C. Babilonos somos. A modo de apresentação. In: _____. Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. p. 7-29.

______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. 6. ed. São Paulo: Hucitec, 2010c. 429 p.

MACHADO, Anna Rachel. O diário de leituras: a introdução de um novo instrumento na escola. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MEYER-PFLUG, S. R. Liberdade de expressão e discurso do ódio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 272 p.

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Texto

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Construção identitária da cidade de Santa Cruz/RN: ordem ou desordem?

Marília Varella Bezerra de Faria Magda Renata Marques Diniz

múltiplos discursos, é possível que se busquem significados e se construam imagens urbanas no entrecruzamento de seus enunciados. Nesse sentido, a paisagem linguística (SHOHAMY, 2012, 2010), que compõe o espaço público da cidade, incluindo letreiros, nomes de ruas, de monumentos, lugares e instituições, sinais de trânsito, placas comerciais etc., torna-se particularmente interessante se analisada no seu contexto multilinguístico e multicultural a partir, por um lado, do conjunto de formas ou modos de comunicação disponíveis no espaço público e, por outro lado, a partir dos seus usos e valorizações. Ademais, as preferências linguísticas para compor esse cenário não são o resultado de escolhas arbitrárias, antes evidenciam atitudes individuais e/ou coletivas sócio-historicamente determinadas. Assim, este artigo se propõe a refletir sobre a construção identitária da cidade de Santa Cruz/

Introdução A cidade produz sentidos. É um espaço de idas e vindas onde os que a habitam falam do cotidiano que os cerca, relatam suas próprias experiências, ou seja, retratam-na, pois dela fazem parte; constroem sobre ela um mundo real ou imaginário. A cidade é o “lugar do homem” (PESAVENTO, 2002, p. 9), a combinação do real, do material com o imaginário, o simbólico. Nela, tanto a comunicação social quanto a concretude dos seus objetos desenham e definem os cenários que a compõem e o dia a dia de seus moradores. De acordo com Orlandi (2001, p. 7), a cidade é “um espaço que significa e é significado”, no sentido de que se pode observá-la e interpretá-la por meio dos seus símbolos e de sua linguagem. Em outras palavras, sendo a cidade objeto de

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RN a partir de enunciados que compõem seu cenário urbano, particularmente, enunciados que remetem à santa padroeira da cidade. O percurso que adotamos para apoiar nossa discussão inclui, primeiramente, considerações acerca do conceito de identidade cultural e de paisagem linguística, com o objetivo de melhor contextualizar o objeto deste estudo. Em seguida, apresentamos, respectivamente, a metodologia da pesquisa e a cidade de Santa Cruz. As breves análises que empreendemos encontram-se na sequência. Para concluir, tecemos algumas considerações, as quais apontam para a inconclusibilidade do processo de construção identitária da cidade.

mas, sim, sobre o que dizemos também nos constitui e permite, por conseguinte, apresentar um posicionamento. Conforme Hall (1996, p. 70, grifo do autor), identidade cultural pode ser definida como [...] pontos de identificação, os pontos instáveis de identificação ou sutura, feitos no interior dos discursos da cultura e da história. Não uma essência, mas um posicionamento. Donde haver sempre uma política da identidade, uma política de posição, que não conta com nenhuma garantia absoluta numa “lei de origem” sem problemas, transcendental.

1 Identidade cultural e paisagem linguística A identidade cultural é constituída por meio da representação (HALL, 1996). Assim, nós, sujeitos, não refletimos apenas sobre o que já existe,

Alguns autores compreendem o caráter de representação coletiva e da identidade como um conjunto de significados partilhados (BAUMAN,

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2005; GIDDENS, 2002; HALL, 2012, 2009, 2005, 2003; WOODWARD, 2012; CANCLINI, 2003). A questão da identidade é, sobretudo, um conceito que está localizado sobre um problema, baseado na fragmentação e no deslocamento das identidades contemporâneas (KELLNER, 1992). Nessa perspectiva, estudar a identidade cultural é, de forma alguma, constituir um conjunto de padrões, mas sim dar a permissão de os sujeitos se posicionarem e perceberem que as diferentes temporalidades podem ocupar um mesmo espaço, pois o moderno e o tradicional coabitam e estão sempre em renovação (BRUNNER, 1991). A paisagem linguística, enquanto campo de investigação, por sua vez, é uma área de estudos relativamente recente que se constrói a partir de interesses investigativos diversos de linguistas aplicados, sociolinguistas, sociólogos, psicólogos, geógrafos, dentre outros. O interesse que os une “é a compreensão de que a paisagem

linguística é o cenário no qual o espaço público é simbolicamente construído” (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi, tradução nossa1). Para essa área, importam as marcas linguísticas que compõem e constroem o espaço público da cidade (HABERMAS, 1989), formado incessantemente a partir de diferentes motivações e preferências, numa espécie de “desordem ordenada” (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi-xxviii, tradução nossa2). Em suma, a paisagem linguística da cidade é, ao mesmo tempo, uma construção social, histórica, cultural, política, geográfica e demográfica. Os estudos realizados até o momento tratam dessa temática envolvendo diferentes línguas que coexistem em um mesmo espaço urbano, a partir da linguagem em uso, desvelando prá1  The common interest of all is the understanding that the LL [Linguistic Landscape] is the scene where the public space is symbolically constructed (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi). 2 ‘Ordered Disorder’ (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi-xxviii).

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ticas sociais, escolhas e valores de determinada comunidade, em um tempo também determinado. Nosso estudo, no entanto, toma o conceito emprestado para tratar de um outro modo de olhar essa paisagem, pois considera, apenas, a língua portuguesa em uso, analisada como sendo responsável pela construção de uma possível identidade cultural de uma cidade. O que variam nesta investigação, são os diferentes pontos de vista daqueles que escolheram os dizeres para seus enunciados (letreiros), visto que o espaço urbano constitui uma experiência única para cada indivíduo (LEFEBVRE, 1991; BAUMAN, 1997).

Em 2010, a cidade ganhou um espaço destinado ao culto de sua padroeira, Santa Rita de Cássia, com a inauguração de um monumento colossal representando a imagem da santa. O município passou, então, a ser ponto turístico e de romarias, fazendo com que novos aspectos sociais, culturais, religiosos e políticos mudassem a realidade santa-cruzense. Independentemente do lugar onde se esteja em Santa Cruz, dificilmente não se vê a gigantesca estátua e, por sua vez, não se consegue estabelecer, de alguma forma, relação com a história da Santa Rita de Cássia. O maior evento religioso da cidade é, sem dúvida, a festa da padroeira, que acontece no mês de maio de cada ano, organizada pela igreja católica local e pela comunidade. Inspirada pelo tema da festa, a paróquia da cidade criou um projeto social intitulado Ritas e viúvas que tem por objetivo principal visitar as muitas Ritas (e

2 A cidade de Santa Cruz Santa Cruz é um município do nordeste brasileiro, localizado na Mesorregião Agreste Norte-rio-grandense, com 36 mil habitantes aproximadamente (IBGE, 2010), distribuídos numa área de 624 km², a 111 km da capital, Natal.

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3 Os dados

as não-Ritas) como também as mulheres viúvas nos diversos bairros da cidade. Nessa cidade é marcante a produção de muitos escritores (romancistas, cordelistas e poetas) cujo objetivo é, em especial, fazer despertar na população o (re) conhecimento da história e da cultura local por meio de publicações em blogs ou em jornais de bairro. Santa Rita de Cássia ganha, ainda, expressão nos enunciados dos moradores quando esses narram sua história. Outro aspecto relevante é o de que há em Santa Cruz inúmeros estabelecimentos comerciais cujos nomes de fantasia exibem o qualificador “Santa Rita”. Dessa forma, há letreiros espalhados por todo o espaço urbano da cidade contendo referências à santa padroeira.

Em função desse contexto de louvor à Santa Rita de Cássia, decidimos selecionar para análise, cinco letreiros não oficiais3, aleatoriamente escolhidos, sendo três comerciais e dois utilizados em fachadas de residências. Também entrevistas semiestruturadas foram realizadas com os proprietários dos três letreiros comerciais. Os moradores das duas residências não foram encontrados para a realização das entrevistas. As entrevistas tiveram como objetivo compreender as escolhas dos três proprietários para as marcas linguísticas utilizadas na composição dos seus enunciados. A escolha linguística do espaço público é carregada de significados (AIESTARAN et al, 2010). Nesse caso, eles responderam a perguntas da entrevistadora, tais como: “Por que esse nome foi escolhido?”, “Qual o 3  Os dados analisados neste estudo fazem parte da pesquisa de mestrado de Magda Renata Marques Diniz (2013).

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motivo que o levou a escolher esse título para o seu estabelecimento?”, “E as cores, como foram selecionadas?”. Buscamos “ouvir” as vozes presentes nos ditos e nos não ditos dos discursos dos sujeitos proprietários dos pontos comerciais, na tentativa de compreender e interpretar os sentidos construídos por eles. A análise dos dados se ancorou no modelo sócio-histórico da linguagem, no qual a linguagem é compreendida como prática social (BAKHTIN, 2010, 2009, 2002). Investigar o discurso a partir dessa perspectiva é compreendê-lo como uma construção social. É analisar como os participantes envolvidos na construção dos diferentes significados agem no mundo em condições sócio-históricas específicas e sobre esse mundo se constroem como sujeitos sociais (MOITA LOPES, 2009, 2006, 2002). Essa visão indica que a construção identitária emerge na interação entre indivíduos de forma que um se posicio-

na em relação ao outro (ao discurso do outro). Baseamos nossas análises na concepção de linguagem bakhtiniana, segundo a qual toda enunciação pressupõe pelo menos duas vozes: “toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. [...] A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros” (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1992, p. 113, grifos do autor). Consideramos, ainda, que a construção identitária se encontra sempre em processo, “formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2005, p. 13).

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4 Ordem ou desordem?

[...] Ela não perde uma Missa da Coroa4. Nossa mãe sempre se esforçou para que os filhos dessem certo no trabalho, e com esse nome nosso comércio vem

Ao serem questionados sobre suas preferências na composição da forma (cores, layout, tamanho das letras, símbolos etc.), os proprietários indicaram não ter nenhuma participação nessa etapa da construção dos seus letreiros, tendo sido essa tarefa delegada a terceiros. Já com relação às escolhas da temática, os motivos foram de ordem pessoal, conforme podemos constatar nos três exemplos a seguir. Ao ser questionado sobre a escolha do letreiro para o Centro de Formação de Condutores (Figura 1), um dos proprietários disse que a nomeação desse ponto comercial deu-se porque os dois donos (ele próprio, juntamente com seu irmão) quiseram homenagear a padroeira da cidade como também prestar uma homenagem à matriarca da família, que é devota de Santa Rita.

melhorando cada vez mais [...]. Figura 1 – Centro de Formação de Condutores Santa Rita

Fonte: Diniz (2012).

4  Prática religiosa católica, que vem ocorrendo desde novembro de 2004, na Paróquia de Santa Rita de Cássia, em Santa Cruz, na data 22 de cada mês.

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[...] Qualquer ponto comercial que eu e meu marido abríssemos teria o nome da Santa. Qualquer negócio seria com o nome dela! [...]

O proprietário não soube explicar o motivo da escolha do azul como cor de fundo para a sua placa comercial. É possível, no entanto, que esta tenha sido uma associação com a cor do céu do lugar, numa tentativa de reproduzir o ambiente do monumento construído no Alto de Santa Rita, localizado próximo ao centro da cidade, conforme apontado anteriormente. Como podemos verificar, há, na placa, uma reprodução da imagem da santa. Também não explicou o porquê da escolha da cor do prédio, que tem sua parede amarela, embora esta seja a mesma cor utilizada em sinais de trânsito. O segundo letreiro analisado foi o pertencente ao Gesso Santa Rita (Figura 2), de propriedade de um casal. A proprietária, ao ser questionada sobre a preferência pelo nome do estabelecimento, falou que a devoção que tem por Santa Rita de Cássia foi a responsável por essa escolha. De forma categórica afirmou que,

A proprietária explicitou ainda que tanto ela quanto seu esposo eram nascidos e criados em Santa Cruz, e que a escolha do letreiro se deu porque se tratava de um nome tradicional e muito forte na cidade. Figura 2 – Gesso Santa Rita

Fonte: Diniz (2012).

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Embora não constem outros símbolos nesse letreiro, a cor escolhida para as letras do nome Santa Rita também foi azul, a exemplo da placa anteriormente analisada. O letreiro principal com o nome do estabelecimento encontra-se pintado sobre a parede amarela, em tamanho crescente, acompanhando o formato do telhado da edificação. Também nesse caso, os proprietários não sabiam explicar o porquê das cores. Abaixo do título, encontram-se, apenas, números telefônicos. Nosso terceiro exemplo é a Sucata Santa Rita (Figura 3), localizada em um ponto estratégico em relação à visualização da estátua, fato celebrado pelo proprietário do estabelecimento. Ele diz que do seu ponto comercial pode sempre ver a estátua, e que Santa Rita, além de vê-lo, fica ajudando-o nas dificuldades diárias, conforme narrativa, a seguir.

[...] Essa sucata é [grifo nosso] de Santa Rita. Eu estou o tempo todo vendo [a santa], e ela me vendo e me ajudando [...].

Segundo ainda sua explicação, o nome do ponto foi atribuído bem antes da construção da estátua. De acordo com o excerto acima, o proprietário procura demonstrar certa intimidade com a santa, considerando-se sempre protegido por ela, enquanto declara orgulhoso que a sucata “é de Santa Rita”.

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Figura 3 – Sucata Santa Rita

Observa-se que nos três estabelecimentos analisados não há qualquer ligação entre a religião católica e o serviço que prestam (um centro de formação de condutores, uma loja de gesso e uma sucata). O único vínculo se estabelece entre o nome Santa Rita e a devoção dos seus proprietários para com a santa. Nesse ponto, consideramos importante retomar o fato de que, durante as entrevistas, os proprietários afirmaram não ter participado da seleção dos layouts dos seus letreiros, porém, nos informaram que os responsáveis pela sua manufatura também eram moradores da cidade de Santa Cruz. As escolhas que compuseram cada um dos enunciados, portanto, não representam produtos de consciências solitárias, fora do processo interacional; antes, são consciências que dialogam com os mesmos valores éticos e religiosos que circulam na cidade.

Fonte: Diniz (2012).

Conforme se verifica, a sucata tem seu letreiro azul pintado sobre uma parede branca. A escolha da cor segue o padrão dos dois letreiros anteriores. Do lado direito, números de telefone do proprietário e à esquerda, os serviços oferecidos. Também nesse letreiro não há outros símbolos que façam remissão à santa.

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Figura 4 – Lateral de residência

Além dos estabelecimentos apresentados, há muitos outros espaços que, com seus letreiros, compõem a paisagem da cidade, tais como: o açude, a olaria, o mercadinho, a confeitaria, a loja de bijoux, a rádio, a eletrônica, a empresa de água mineral, enfim, todos possuindo o qualificador “Santa Rita”. Há, ainda, moradores que colocam faixas, cartazes ou mesmo placas em suas residências com dizeres alusivos à santa. Conforme apontado anteriormente, dois desses letreiros foram considerados na composição da paisagem linguística de Santa Cruz. No primeiro, pode-se ler “Santa Rita, exemplo de santidade” (Figura 4) e no outro, “Santa Rita, nós te amamos!” (Figura 5).

Fonte: Diniz (2012).

Figura 5 – Fachada de residência

Fonte: Diniz (2012).

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Ambos são enunciados simples na forma, porém, carregados de simbolismo cultural em seus conteúdos, na medida em que expressam a devoção dos moradores das duas residências. São verdadeiras declarações de amor à santa.

ciados, e por outro, esses moradores mostram laços comuns na construção dessa identidade urbana ao basearem suas escolhas na devoção à santa padroeira. Seria o princípio da identidade coletiva? De acordo com Shohamy et al (p. xviii, 2010, tradução nossa5), esse princípio, que se vincula a “particularidades regionais, étnicas ou religiosas”, tem despertado o interesse de pesquisadores cujo olhar se volta para a importância de comunidades socioculturais contemporâneas e para a linguagem em uso nessas sociedades. De acordo com Hall (2005, p. 23), o sujeito é uma “figura discursiva”, um ser de linguagem que se constitui desde sempre nas relações com os outros e com as coisas da vida, tendo consciência do que enuncia por meio da e na linguagem. Dessa forma, podemos dizer que os enunciados aqui analisados se ancoram na

5 Considerações Finais O objetivo deste artigo foi o de refletirmos, de forma breve, sobre a construção identitária de Santa Cruz/RN, observando-se a composição da sua paisagem linguística, construída a partir de enunciados contidos em letreiros que remetem à santa padroeira da cidade. Os letreiros analisados neste estudo e que se espalham por toda parte parecem estabelecer uma certa “desordem ordenada” (BEN-RAFAEL et al, 2010, p. xi-xxviii) na cidade, na medida em que, por um lado, cada proprietário apresenta suas preferências pessoais e motivações para seus enun-

5  This collective-identity principle, which is bound to regional, ethnic or religious particularisms […] (SHOHAMY; BEN-RAFAEL; BARNI, 2010, p. xviii).

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Referências

noção de identidade cultural, centrada no caso dessa análise, na devoção de um povo. O uso de palavras e símbolos, amparados pelo discurso dos sujeitos proprietários dos estabelecimentos ao justificarem suas preferências simbólicas e linguísticas, tornam a cidade plena de significados. É a cidade que se constrói identitariamente a partir das marcas linguísticas que compõem sua paisagem, nesse caso, marcas de apelo religioso inspiradas no culto à padroeira da cidade. A brevidade das observações aqui relatadas, no entanto, revela uma visão parcial da construção identitária de uma cidade a partir de um segmento da diversidade linguística presente em enunciados que compõem seu cenário urbano. Outros estudos seriam necessários para dar conta da fluidez linguística desse espaço, o qual, por sua vez, está sujeito a múltiplos discursos.

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Tema

Formação de professores


Texto

1

O desempenho de alunos de inglês em prática repetida de tarefa de compreensão oral apoiada em vídeo

Rosely Perez Xavier Clarita Gonçalves de Camargo

dos brasileiros (PARANÁ, 2008; RIO GRANDE DO SUL, 2009, por exemplo) também consideram a compreensão oral uma habilidade que deve estar presente na prática pedagógica por meio de textos de gêneros diversos e direcionados para o contexto real dos alunos, devendo ser tratada na interação com outras habilidades. Nessas e em outras diretrizes curriculares, o tratamento pedagógico dado aos textos orais é bastante similar àquele proposto para os textos escritos. Flowerdew e Miller (2005) explicam que a abordagem de ensino mais comum para a compreensão oral tem sido a mesma que a utilizada para a leitura – perguntas de interpretação textual –, como se ambas as habilidades envolvessem a mesma forma de processamento. Na visão desses autores, a linguagem falada “tem o potencial para muitas sutilezas emocionais, sensibilidades contextuais, influência pessoal, armadilhas interativas e referências ao mundo real, fora dos

Introdução A compreensão oral é uma das habilidades linguísticas que, se comparada à leitura, é pouco explorada na aulas de língua inglesa, pelo menos no sistema de educação básica, como mencionam Lucas (1996) e Moura Filho (2008). Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (BRASIL, 1998, p. 22, 95), a compreensão oral é vista como habilidade vinculada “à função de aumentar a consciência linguística do aluno” e ao “processo de construção de significados”, a partir do conhecimento de mundo, do conhecimento sistêmico e do conhecimento de organização textual do aprendiz. Não muito diferente dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCN – LE), as propostas curriculares de alguns esta-

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meandros do texto” (FLOWERDEW; MILLER, 2005, p. 51-52). Assim sendo, textos escritos e orais são muito diferentes e, consequentemente, necessitam ser explorados de formas distintas. Trabalhar a compreensão oral em sala de aula não é uma tarefa fácil, devido a uma série de fatores que afetam a compreensão do aprendiz, como aqueles relacionados ao texto (velocidade de fala, tamanho, estrutura discursiva, posição e frequência das pausas, nível de barulho envolvido, sotaque e registro dos falantes, quantidade de redundância, existência ou não de apoio visual, entre outros); à atividade (propósito, formato de resposta, clareza dos enunciados, quantidade de contexto antecipado, presença ou não de pré-tarefa, número de vezes que o texto é escutado, quantidade de informação a ser coletada, entre outros) e ao próprio estudante (nível de proficiência na LE, motivação, conhecimento de mundo, atitude, entre outros).

Independentemente dos efeitos que esses vários fatores exercem no desempenho do aluno, a questão que nos interessa, neste trabalho, é a eficácia de uma dada estratégia pedagógica no desenvolvimento da compreensão oral de alunos de inglês como LE. Essa estratégia é conhecida como “tarefa repetida” (BYGATE, 2001, 1996) e refere-se à exposição do aprendiz a uma mesma tarefa em momentos diferenciados, considerando que, para cada momento de exposição, a atenção do aluno é liberada para outros aspectos da LE não percebidos na primeira exposição. O objetivo do presente estudo é investigar se a repetição de uma mesma tarefa de compreensão oral influencia o desempenho de alunos de língua inglesa no que se refere ao seu entendimento de informações gerais e específicas de um texto apoiado por imagens. Trata-se de um estudo de caso, conduzido em sala de aula, e de base qualitativa.

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O artigo inicia com as definições dos principais construtos deste estudo, a saber: tarefa, tarefa repetida e prática, tratados nas seções 1 e 2. Na seção 3, o papel do contexto visual é abordado na relação com o texto oral. Na sequência, a metodologia do presente estudo é apresentada com a descrição dos participantes, os instrumentos e procedimentos de coleta, e os procedimentos de análise de dados. A seção 5 discute os resultados e, ao final, as conclusões são apresentadas.

alguns autores (WILLIS, 1996; SKEHAN, 1998; ELLIS, 2003; XAVIER, 2007, 2011), a noção de tarefa inclui um resultado comunicativo final, a partir da proposta de trabalho com a LE/L2, gerando uma produção verbal ou não verbal. Outros autores (PRABHU, 1987; NUNAN, 1989) entendem tarefa independentemente do resultado comunicativo, podendo ser “um trabalho de sala de aula que envolve os aprendizes na compreensão, manipulação, produção ou interação na língua-alvo, enquanto sua atenção recai principalmente sobre o significado/ sentido da informação ao invés de sua forma linguística” (NUNAN, 1989, p. 22). Este estudo segue a noção de Nunan (1989), pois o objetivo final da tarefa é permitir que o aprendiz de língua inglesa demonstre sua compreensão oral. Uma tarefa de compreensão oral se distingue de outras tarefas pela modalidade de texto

1 Tarefa repetida Na literatura sobre ensino e aprendizagem de língua estrangeira (LE) e segunda língua (L2), a noção de tarefa está associada a atividades que engajam o aprendiz no uso comunicativo da LE. Entretanto, não há consenso com relação aos traços definidores de uma tarefa. Para

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compreendido (oral) e pelo objetivo a que se propõe (resumir, classificar, criar hipóteses etc.). Pesquisas com tarefa repetida têm sido basicamente realizadas na área da produção oral de L2/LE (BYGATE, 2001; LYNCH; MACLEAN, 2001, entre outros). Bygate (2001) investigou os efeitos da repetição de tarefas orais na fluência, precisão gramatical e complexidade linguística. Participaram de sua pesquisa 48 estudantes estrangeiros que estudavam inglês como L2 na Universidade de Reading, Inglaterra. Os estudantes foram divididos em três grupos: Grupo Controle, Grupo Experimental I e Grupo Experimental II. O Grupo Experimental I, com 16 alunos, teve que assistir a um fragmento do desenho Tom e Jerry, transmitido sem áudio e legenda, para poder recontar a história ao pesquisador (tarefa de narrativa). O Grupo Experimental II, também com 16 alunos, engajou-se em uma entrevista, que foi estruturada com base em figuras ilustrando

aspectos da vida britânica (comida, vestimenta, arquitetura). As perguntas iniciais pediam comentários dos alunos sobre o que mais lhes chamava a atenção nas figuras, e se elas mostravam semelhanças ou diferenças em relação às imagens de seu próprio país. Ambos os grupos (da narrativa e da entrevista) foram solicitados a repetir a mesma tarefa e, também, a praticar o mesmo tipo de tarefa para, assim, ser possível responder a uma das perguntas de pesquisa: Existe alguma diferença significativa entre as realizações dos alunos em tarefa repetida e entre tarefas do mesmo tipo? O estudo mostrou que a prática de um mesmo tipo de tarefa não trouxe ganhos no desempenho de língua dos alunos, no que se refere à sua fluência, precisão gramatical e complexidade linguística. Quanto aos efeitos da repetição de uma mesma tarefa, verificaram-se resultados positivos para as medidas de fluên-

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cia e complexidade, mas não para a precisão gramatical. Bygate (2001, p. 41) concluiu que a prática com tarefas pode afetar positivamente o desempenho dos alunos quando elas são repetidas, mas não necessariamente quando se referem ao mesmo tipo. Ainda na modalidade de tarefas de produção oral, Lynch e Maclean (2001) investigaram os efeitos de uma tarefa de carrossel de pôsteres (poster carousel) no desempenho de 14 médicos de diferentes nacionalidades, que estavam cursando inglês como L2 para fins específicos na Universidade de Edimburgo. Essa tarefa consistiu na leitura de um artigo da área da Medicina, cabendo a cada participante escolher o assunto de sua preferência. O material era resumido para ser colocado em um pôster (fase de planejamento). Em forma de congresso, cada participante tinha que responder às perguntas orais elaboradas pelos visitantes de seu pôster (seus

colegas e outros), em um processo de reformulação das informações apresentadas. Foram seis ciclos propostos para essa atividade. O resultado da pesquisa, que envolveu apenas três participantes, mostrou que a produção oral foi mais acurada nos ciclos sucessivos, em particular no aspecto da pronúncia, vocabulário e gramática. Os autores atribuíram essa melhora às correções implícitas dos interlocutores (recasts) e à autocorreção (self-correction), envolvendo o conteúdo e a forma. Embora o presente estudo não trate da prática repetida de tarefas de produção oral, essa mesma estratégia foi utilizada para investigar se o desempenho do aprendiz em uma dada tarefa de compreensão oral varia em dois momentos distintos de sua realização, isto é, se uma tarefa repetida pode trazer benefícios para o entendimento maior de um texto oral autêntico.

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2 Conceitos de prática

aos estímulos e respostas, sem qualquer reflexão sobre os processos que envolvem o aprendizado. De acordo com a teoria cognitiva de aprendizagem de L2/LE, desenvolver fluência requer prática no uso da língua, “no sentido de comunicar algo nessa língua, enquanto o aluno mantém o conhecimento declarativo relevante na memória de trabalho” (DEKEYSER, 1998, p. 52). Nessa perspectiva, a prática refere-se às atividades que possam tornar um determinado conhecimento (estrutura, habilidade, estratégia) automático em uso comunicativo. Já na Psicologia Educacional, prática é entendida como a realização de atividades que possibilitam ao aluno transferir o conhecimento aprendido na escola para contextos externos a ela, como para o ambiente de trabalho, por exemplo. O problema, no entanto, reside na forma como a prática é realizada na escola e a sua conexão com o mundo real.

O termo prática pode ter várias acepções na área do ensino de LE/L2. Dekeyser (2007) analisou esse vocábulo sob a perspectiva de três áreas do conhecimento: a Psicologia Cognitiva, a Psicologia Educacional e a Linguística Aplicada. Na Psicologia Cognitiva, a noção de prática está atrelada às teorias de aquisição de habilidades (skill acquisition theories) e é entendida como um processo que conduz o indivíduo a uma melhora de desempenho em uma tarefa. Esse processo é definido de várias formas. Uma delas, segundo Dekeyser (2007), é descrita na definição de Carlson (1997, p. 56 apud DEKEYSER, 2007, p. 2) como um “desempenho repetido das mesmas rotinas ou de rotinas semelhantes”. Entretanto, esse conceito, na visão de Dekeyser (2007), pode ser mal interpretado e facilmente associado ao behaviorismo, cuja prática era entendida como um processo de repetição mecanizada em meio

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Na Linguística Aplicada, por sua vez, Dekeyser (2007) explica que a prática está relacionada às oportunidades de desenvolvimento da fluência na LE/L2 ou de “conhecimento implícito procedimentalizado” (ELLIS, 1993 apud DEKEYSER, 2007, p. 6), o que significa dizer que a prática está a serviço do uso da língua, da performance, e não exatamente da competência linguística na LE/L2. Com o advento da abordagem comunicativa, a prática, como comenta Ortega (2007), se fez presente por meio de atividades contextualizadas, permitindo a interação propositada entre os aprendizes. Segundo a autora, na Linguística Aplicada, surgiram pensamentos recorrentes sobre como a prática deveria ser realizada em sala de aula: de maneira “interativa, verdadeiramente significativa e com foco construído em aspectos selecionados do código da língua que integram a própria natureza dessa prática” (ORTEGA, 2007, p. 182).

Se considerarmos que a prática de qualquer habilidade deva ser de forma contextualizada e propositada, então é pertinente afirmar que o uso de tarefas repetidas apresenta boas perspectivas para a aquisição do conteúdo e da forma linguística de um texto. Sendo assim, cabe verificar, neste estudo, se a prática de uma mesma tarefa pode mesmo apresentar bons resultados, em particular na habilidade de compreensão oral.

3 Relação entre compreensão oral e contexto visual Um texto oral pode ou não ser acompanhado de um contexto visual. Quando há suporte visual, gestos, expressões faciais, movimentos corporais, entre outros recursos que acompanham o percurso da mensagem, nos ajudam a compreender as informações e podem, inclu-

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sive, construir uma percepção sobre o falante, pela sua forma de se comunicar visualmente. No contexto de ensino de LE/L2, o suporte visual é considerado facilitador da compreensão oral (LONERGAN, 1984; NUNAN, 1989; BRESSAN, 2002), beneficiando o aluno com informação paralinguística e favorecendo a construção de sentidos que os diálogos podem representar no contexto visual (LONERGAN, 1984). Esse recurso pode ainda aumentar o interesse e a motivação dos aprendizes, como salienta Lonergan (1984). Para Bressan (2002), imagens de vídeo auxiliam no processamento descendente das informações, contribuindo para a interpretação da situação apresentada. Contudo, Anderson e Lynch (1988) esclarecem que o elemento visual não substitui a compreensão das informações linguísticas, e que há informações transmitidas pelo contexto visual que necessitam ser compreendidas com o apoio do texto oral para que o ouvinte possa dar

coerência ao que vê. Assim sendo, pode-se dizer que a compreensão oral apoiada em imagens é construída através de informações decorrentes de pistas visuais e auditivas. Neste estudo, partimos do pressuposto de que a compreensão proveniente do aporte visual é manifestada pela aproximação das descrições das imagens apresentadas (comportamentos pragmáticos, traços paralinguísticos, comunicação não verbal) e que a compreensão linguística é manifestada pelo entendimento de informações que requerem decodificação e interpretação textual. Ambas se complementam.

4 Metodologia Para nortear este estudo, partimos das seguintes perguntas de investigação: 1) Que diferenças de desempenho são observadas quando aprendizes de inglês como LE são submetidos à

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prática repetida de uma mesma tarefa de compreensão oral?; 2) O desempenho dos aprendizes, no que se refere à compreensão de informações gerais e específicas do texto oral, melhora com a prática de uma mesma tarefa?; e 3) Como os alunos avaliam a experiência de repetir duas vezes uma mesma tarefa de compreensão oral?

vontade de viajar ou estudar no exterior ou de conseguir um bom emprego. Há ainda aqueles que veem o inglês como um meio de atender às suas necessidades imediatas, como navegar na internet, assistir a filmes sem a preocupação de ler as legendas e ouvir músicas. Todos os alunos disseram que a compreensão oral é uma habilidade importante e que deve ser desenvolvida nas aulas de inglês. Suas justificativas estão relacionadas às suas expectativas de aprendizagem para essa língua, isto é, necessitam compreender o inglês para poder viajar, comunicar-se com outras pessoas, assistir a filmes e entender músicas.

4.1 Participantes da pesquisa O estudo contou com a participação de 18 alunos de uma turma de 7º ano do ensino fundamental de uma escola particular da região metropolitana de Curitiba, cuja idade variava entre 12 e 14 anos, sendo treze do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Com base em um questionário de perfil, aproximadamente 83,3% dos alunos disseram gostar de estudar inglês. Sua motivação tem natureza intrínseca, como por exemplo: sua

4.2 Instrumentos e procedimentos de coleta Três atividades foram elaboradas para esta pesquisa, com base em uma cena de comédia da série Friends, famosa nos Estados Unidos e em

180


outros países. A cena escolhida conta a história de três amigos (Joey, Ross e Rachel) que vivenciam um mal-entendido. Joey visita Rachel no hospital e acaba encontrando um anel, o que é interpretado por ela como sendo um pedido de casamento. Quando Ross a visita, duvida que alguém possa ter feito a ela uma proposta de casamento, mas Rachel insiste que Joey havia feito o pedido. Após muitas contradições, a situação é esclarecida e Rachel percebe que toda a discussão não passou de um grande equívoco de sua parte. A Atividade 1, reproduzida a seguir, consistiu na elaboração de um resumo da história, visando a avaliar a compreensão geral dos alunos. Permitiu a eles centrar em pontos relevantes (BUCK, 2001) e relatar o que entenderam de forma espontânea.

1. Você vai assistir, por duas vezes, a uma cena de um episódio de uma série de TV norte-americana. Assista com muita atenção para depois fazer um resumo em português do que você entendeu da cena que assistiu. Coloque TUDO que você conseguiu entender. Utilize o espaço abaixo para o seu resumo. Se necessário, utilize o verso da folha.

A Atividade 2, parcialmente reproduzida abaixo, compreendeu 10 sentenças para serem completadas com informações sobre o contexto da história, isto é, o local da interação, a identificação dos participantes, o relacionamento entre eles, o assunto da conversa e o seu propósito. O objetivo foi avaliar a compreensão de informações referentes ao contexto da situação.

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A Atividade 3 apresentou 13 afirmações sobre o enredo da história para os alunos avaliarem a sua veracidade. O objetivo foi verificar a compreensão de acontecimentos específicos da história. Segue uma amostra das afirmações elaboradas.

Agora, complete as frases abaixo com base no que você entendeu da cena. Responda em português. 1. A cena se passa ___________________ ______________________________________ 2. Ross é o nome do homem que____ _______________________________________

Leia as afirmações abaixo e verifique se elas são verdadeiras ou falsas, assinalando com um X a alternativa correspondente. Se você não sabe ou está em dúvida, assinale a alternativa “não sei”.

[...] 10. O propósito da discussão mostrada na cena é___________________________

1. Joey não quer que Ross saiba da situação que se criou em relação ao anel.

_______________________________________ a) ( ) FALSO b) ( ) VERDADEIRO c) ( ) NÃO SEI

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2. Ross explica que ninguém de seus colegas (Chandler, Joey), muito menos ele, pediu Rachel em casamento.

ensão oral consistiu em três fases, aplicadas na sequência. No primeiro encontro com os alunos, foi perguntado se já haviam assistido à série Friends. Somente aqueles que desconheciam o programa tiveram seus dados analisados (n=18). Ainda nesse encontro, o questionário de perfil foi aplicado e a tarefa realizada (atividades 1, 2 e 3). No segundo encontro, dois dias após o primeiro, a tarefa foi reaplicada e, ao final de sua realização, um questionário com duas perguntas foi proposto para avaliar a proposta de se repetir uma mesma tarefa na opinião dos alunos.

a) ( ) FALSO b) ( ) VERDADEIRO c) ( ) NÃO SEI [...] 13. No final da história, Rachel não admite que o mal-entendido foi culpa dela. a) ( ) FALSO b) ( ) VERDADEIRO c) ( ) NÃO SEI

1. Você gostou de realizar duas vezes as mesmas atividades? ( ) SIM ( ) NÃO POR QUÊ?

Por fazerem uso da mesma cena, as atividades 1, 2 e 3 foram consideradas partes de uma mesma tarefa. Desse modo, a tarefa de compre-

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4.3 Procedimentos de análise dos dados

2. Você acha que compreendeu melhor o vídeo na segunda vez do que na primeira?

O desempenho dos alunos no primeiro momento de realização da tarefa de compreensão oral foi comparado com o seu desempenho no segundo momento, permitindo avaliar a quantidade e a qualidade de entendimento da história nos dois momentos de realização da tarefa. Os resumos produzidos na Atividade 1 foram submetidos a uma análise textual de dimensão semântica, que envolve os sentidos denotativos e conotativos do texto. A análise visou a identificar as unidades de “informação básica” para a compreensão geral da cena assistida. Essas unidades foram previamente definidas pelas pesquisadoras:

( ) SIM ( ) NÃO POR QUÊ?

A aplicação da tarefa de compreensão oral e a sua reaplicação nos dois encontros com os alunos iniciou com a distribuição da Atividade 1. Seu enunciado foi lido e explicado. Alguns segundos foram dedicados às perguntas/dúvidas dos alunos antes de sua exposição ao material de vídeo. Logo após, o vídeo foi tocado duas vezes. Na sequência, um tempo de dez minutos foi estabelecido para que a turma pudesse resumir o que havia entendido da história. Finalizado o tempo, as atividades foram recolhidas e a Atividade 2 distribuída. Os mesmos procedimentos foram utilizados para a aplicação das demais atividades.

A cena se passa em um hospital (local da cena) e envolve três amigos, Rachel, Ross e Joey (participantes e sua relação), que discutem um mal-

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5 Resultados e discussão

-entendido sobre um anel que Joey encontrou por acaso em um paletó, e que Rachel pensa que Joey quer casar com ela (conteúdo do texto). O pro-

Na análise dos dados, verificou-se que 100% dos alunos conseguiram, em ambas as versões, identificar corretamente o local da cena (hospital, quarto de hospital) e situá-la dentro do gênero comédia. Essas informações puderam ser facilmente deduzidas pelo contexto visual e auditivo (as risadas da plateia). Entretanto, percebeu-se que, na versão 2, alguns alunos detalharam melhor o local da cena, oferecendo informações como “na maternidade” e “no hospital depois de ter um filho”, sinalizando maior compreensão do contexto. No que se refere à relação entre os personagens da história, tanto na primeira como na segunda versão, Joey e Ross foram vistos como tendo alguma relação de afetividade com Rachel. Ross foi interpretado como “namorado” ou “marido”, possivelmente pelas pistas visuais: ele leva flores para Rachel; ele a abraça e se

pósito da discussão é esclarecer se Joey realmente pediu ou não Rachel em casamento (propósito). A cena é uma comédia (tom do texto)

As respostas dos alunos à Atividade 2 serviram para complementar a análise dos resumos produzidos, permitindo que informações contextuais não presentes nos resumos dos alunos pudessem ser recuperadas. As respostas dos alunos à Atividade 3 serviram para avaliar se as unidades de “informação específica” haviam sido compreendidas.

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Quadro 1 – Papel dos personagens masculinos em relação à personagem feminina na primeira e na segunda versão da tarefa.

senta ao lado dela na cama do hospital. Joey, por outro lado, foi visto como “amante”, “namorado” ou “noivo”, pois, na cena, ele mostra uma aliança para Rachel, dando a impressão de que a pediria em casamento. Todas essas interpretações, observadas nos resumos, sugerem que os alunos estavam buscando dar coerência ao papel dos interagentes na história. Embora essas possíveis interpretações pudessem ser estabelecidas com a ajuda das pistas visuais, a construção da coerência na relação entre os interagentes da história foi melhor articulada na segunda versão da tarefa, diminuindo as inconsistências, como mostra o Quadro 1, a seguir.

VERSÃO 1

VERSÃO 2

A4, A19

Joey - noivo

Joey - amigo

A7

Joey - marido

Joey - namorado

A11

Joey - amigo

Joey - namorado

A17

Joey - -----

Joey – amigo

A8

Ross - namorado

Ross - amigo

A19

Ross - noivo

Ross - amigo

A14

Ross - marido

Ross - amigo

Alguns alunos perceberam que Joey não poderia ser noivo ou marido de Rachel (versão 1), talvez por compreenderem melhor o mal-entendido mostrado na cena (A4 - “Joey por engano pegou o anel e ela pensa que ele a pediu em casamento” – versão 2) ou por interpretarem que tanto Joey como Ross seriam pretendentes de Rachel (A17 – “Entendi que os dois homens gostavam da mesma mulher” – versão 2).

186


Quadro 2 – Resumos de A4 e de A7 em suas versões 1 e 2 para ilustrar os conteúdos reformulados no segundo momento de realização da Atividade 1.1

Com relação ao conteúdo da história, na primeira versão dos resumos, os alunos se apoiaram mais na leitura visual dos acontecimentos (ações, gestos e expressões faciais dos personagens), o que também aconteceu na versão 2; porém, os alunos puderam apurar as informações, retificando conteúdos que, na primeira versão, pareciam ser do seu entendimento. A4, por exemplo, havia entendido que o homem que tinha achado a aliança estava pedindo a mulher em casamento, mas, na segunda versão, retifica. A7, por outro lado, influenciado pelas expressões faciais dos personagens masculinos (“ele ficou nervoso”; “ele fica brabo”), dispensa essas informações quando resume a história pela segunda vez, desvencilhando-se do recurso visual.

VERSÃO 2

VERSÃO 1

A4

Eu entendi que a mulher está no hospital e um homem não sei se é marido ou sei-lá ele acha uma aliança e pede a mulher em casamento, a mulher quer que ele coloque a aliança na mão dela, mas nessa hora um outro cara chega com um buque de flores, etc.

A7

Eu entendi que uma moça estava doente e um amigo foi visitala e foi mecher nas coisas dele e caiu um anel de casamento ele se abaixou para pegar um anel de casamento e ela o chamou ele abaixado virou, ela olhando o anel e disse sim eu aseito ele ficou nervoso pois não era essa a intenção dele, chega outro cara e eles conversão após isso ela conta para esse cara que eu acho que gosta dela e ele fica brabo e depois os três discutem.

Joey por engano pegou o anel e ela pensa que ele a pediu em casamento e o outro cara achou que ele a pediu e começou.

O moço acha no meio das coisas uma aliança e vira e a mulher acha que é um pedido de casamento, mas não é, então um amigo deles explica para ela e a moça e o moço discutem até ela cair na real.

1  Os erros de português dos alunos foram mantidos.

187


Na segunda versão dos resumos, foi possível observar que os alunos dependeram menos do contexto visual e mais da compreensão textual para o entendimento da história. A8 relata informações como: “Ross entra e pergunta a Rachel se Joey a pediu em casamento”; “Joey consegue convencer Rachel”, assim como no resumo de A13: “Rachel começa a contar [para Ross] que Joey pediu a mão dela...” ou, ainda, no resumo de A14: “Rachel diz que Joey tinha pedido em casamento” e “Joey explica direitinho o que aconteceu”. Essas interpretações sugerem compreensão textual. Foi ainda possível verificar nos resumos da segunda versão: (i) informações mais precisas, (b) maior detalhamento do conteúdo da história, agregando quantidade maior de dados coerentes com a cena assistida, (c) maior organização textual do que as produções realizadas na primeira versão e (d) acréscimo de falas da cena no

próprio resumo, mostrando consciência linguística no momento da compreensão. Os exemplos a seguir ilustram alguns desses aspectos. Quadro 3 – Resumos de A8 e de A14 em suas versões 1 e 2 para ilustrar informações mais precisas, detalhamento de conteúdo e inclusão de falas no segundo momento de realização da Atividade 1. VERSÃO 1

A8

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Um homem estava mexendo em um casaco num sofá, caiu uma caixinha do casaco, o homem se ajoelhou, pegou a caixinha abriu e se virou a moça, que achou que ele estava pedindo em casamento, a moça ficou surpresa e aceitou, mas o homem nem sabia que o anel estava lá.

VERSÃO 2 Em um hospital Joey está mexendo um casaco, quando derrepente caiu um anel, ele se ajoelhou para pegar e mostrou para cachel, que surpresa disse ok! Quando de repente Ross entra pela porta e surpreende Joey, que rapidamente se levanta e diz: Oi Ross. Todos saem da sala menos Rachel, o Ross entra e pergunta Rachel se Joey a pediu em casamento quando Joey entra na sala e sai, mas Ross pergunta a ele, Joey nega quando Rachel afirma. No final Joey consegue convencer Rachel.


VERSÃO 1

A14

Eu entendi que um homem está visitando uma mulher no hospital e acha uma aliança, sem querer ela acha que ele está pedindo ela em casamento, outro homem entra na sala com um buque de flores, e dá para entender que ele quer há pedir em casamento. Na outra cena fica os três na sala do hospital e é tudo esclarecido por eles.

VERSÃO 2

requer, inicialmente, muito esforço do aprendiz em termos de processamento cognitivo e de memória de trabalho, limitando o seu foco de atenção. Isso significa dizer que a familiaridade do aprendiz com o conteúdo das informações na LE, possibilitada pela tarefa repetida, aumenta suas chances de sintonizar sua atenção para novas informações no insumo e para a forma linguística (SKEHAN, 1998, p. 175), “conduzindo[-o] a uma maior fluência e precisão gramatical no seu desempenho”. Com relação ao propósito da discussão entre os personagens da cena, que seria esclarecer se Joey havia ou não pedido Rachel em casamento, observou-se que, na segunda versão, apenas sete alunos se aproximaram do objetivo da discussão, percebendo que se tratava de um impasse. Quanto às informações específicas, que exigiram compreensão textual, avaliadas por meio da Atividade 3, pode-se dizer que houve um au-

Joey encontra um anel e Rachel pensa que ele está há pedindo em casamento, Ross entra e Joey se levanta. Ross vai visitar Rachel e conversa com ela, Rachel diz que Joey tinha a pedido em casamento. Joey explica direitinho o que aconteceu, e Rachel percebe que o erro foi dela e fica assustada.

No geral, o desempenho dos alunos na versão 2 foi melhor do que o demonstrado na versão 1, considerando os resumos (Atividade 1) e as respostas dos alunos ao contexto da situação (Atividade 2). Essa melhora pode ser explicada pela oportunidade que os alunos tiveram de realizar a mesma tarefa pela segunda vez, o que lhes permitiu liberar maior atenção para o significado das informações e para os conteúdos que não haviam sido percebidos de início. Para VanPatten (2007, p. 116), a compreensão

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mento percentual de alunos que passaram a compreender melhor as seguintes informações na versão 2.

Para a compreensão dessas informações, era necessário o entendimento das seguintes falas dos personagens, pois o elemento visual per se não daria conta dessa tarefa (ANDERSON; LYNCH, 1988).

Quadro 4 – Porcentagem de acertos de informações específicas nas versões 1 e 2 Informações específicas

Versão 1

Versão 2

1. Ross explica que ninguém de seus colegas (Chandler, Joey) muito menos ele, pediu Rachel em casamento.

33,3%

55,5%

2. Ross pergunta para Joey se ele realmente pediu Rachel em casamento.

66,6%

94,4%

3. Ross fica meio confuso quanto à possibilidade de Rachel estar noiva.

55,5%

72,2%

4. Rachel diz a Ross que Joey a pediu em casamento.

27,7%

38,8%

5. Joey insiste que não pediu Rachel em casamento.

33,3%

55,5%

1. Rachel, I didn’t propose to you, Joey didn’t propose to you, and Chandler didn’t propose to you. 2. Joey, did you propose to her? 3. And confused [...]. 4. You didn’t propose to me. Joey did. 5. No, I didn’t.// I did not ask her to marry me!// “No”// “Technically, I didn’t” // “I didn’t propose”.

O aumento de alunos que mostraram compreender melhor as informações específicas acima pode ser explicado pela repetição de algumas falas na cena (Questões 1, 4 e 5), pela fala

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pausada (Questões 1 e 4) e destacada (Questão 3), e pela semelhança fonológica entre os vocábulos “confused” e “confuso” (Questão 3), fatores que podem ter contribuído para que, no segundo momento, esses alunos compreendessem melhor tais informações. Segundo VanPatten (2007, p. 116), os aprendizes são processadores com capacidade de atenção limitada e não conseguem processar e armazenar a mesma quantidade de informação como fazem os falantes nativos durante o seu processamento. Nesse caso, a repetição da tarefa ajudou esses alunos a avançar na compreensão de alguns significados específicos, permitindo maior compreensão textual. Esses dados corroboram o papel significativo da tarefa repetida na sala de aula, isto é, de que essa estratégia pode melhorar o desempenho do aluno, porque realoca o seu foco de atenção (BYGATE, 2001).

Considerando a experiência dos alunos com a tarefa repetida, 94% deles disseram ter gostado de realizar as atividades por duas vezes, pois perceberam uma melhora em seu desempenho. Para eles, essa prática aumentou sua percepção sobre o conteúdo, possibilitando a compreensão de mais detalhes (A2 – “a gente presta atenção em outros detalhes que não percebemos na 1a vez”, A7 – “porque eu vi detalhes que não tinha visto”, A9 – “[...] eu pude acertar mais coisas”, A10 – “pude reparar muitas outras coisas”, A11 – “eu entendi melhor [...]”). Os participantes ainda consideraram a tarefa repetida como algo “importante”, “útil”, “mais fácil” e “legal”, sugerindo que essa prática contribuiu para o seu bom desempenho. Esse resultado corrobora o estudo de Shintani (2012), que também investigou a motivação dos alunos com tarefa repetida de produção oral.

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6 Considerações finais

das ações dos personagens, a partir do contexto visual, que traz indicações de que ambos pudessem ter alguma pretensão em desposá-la. De um lado, Ross, o personagem que traz flores, abraça Rachel, senta ao seu lado e demonstra expressões de espanto quando Joey aparece e explica o acontecido. De outro lado, Joey, o personagem que encontra e mostra a aliança para Rachel. Assim sendo, é possível concluir que o elemento visual pode ajudar na compreensão, porém não substitui a necessidade de entender as informações linguísticas, como já apontavam Anderson e Lynch (1988). Com a repetição de uma mesma tarefa de compreensão oral, o aluno se familiariza com o formato da atividade, com o seu objetivo, com os procedimentos de realização e com o conteúdo linguístico, favorecendo sua autoconfiança no processo de aprendizagem.

A prática repetida de uma mesma tarefa de compreensão oral pode apresentar boas perspectivas para o aprendizado de LE em uso comunicativo, pois os dados analisados nesta pesquisa sugerem que essa prática contribuiu para melhorar a compreensão das informações gerais e específicas do texto oral. O contexto visual favoreceu o entendimento da história (local da cena, tom do texto, os interagentes e um pouco do conteúdo). No entanto, o elemento visual pode ser muitas vezes uma armadilha e provocar compreensão distorcida, uma vez que ele permite inúmeras possibilidades de interpretação e inferência. Foi o que aconteceu nesta pesquisa. Alguns alunos entenderam que Ross e Joey estariam interessados em se casar com Rachel e, por essa razão, estariam disputando o seu afeto. Essa interpretação equivocada parece ter suas raízes na inferência

192


Referências

Por fim, pode-se afirmar que a tarefa repetida trouxe impactos positivos e boa receptividade por parte dos alunos. Como sugestão para futuras pesquisas, uma mesma tarefa poderia ser repetida outras vezes e contemplar atividades de percepção de uma ou mais formas linguísticas “encharcadas” (input flooding) ou destacadas fonologicamente (input enhancement) no insumo oral, de modo a avaliar se a tarefa repetida é capaz de promover percepção consciente (noticing) e a aprendizagem dessas formas.

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Texto

2

Formação inicial de professores e construção identitária: um estudo com graduandos de curso de licenciatura em letras

Deny de Sousa Gandour Maria Bernadete F. de Oliveira

para o enfrentamento de antigos problemas educacionais. No campo específico da Formação de Professores, por exemplo, interessam-nos as possibilidades de compreensão e explicação dos processos que envolvem a docência no que concerne ao modo de ser ou tornar-se professor (NÓVOA, 2008, 2007, 1991). Observamos que a investigação desses processos tem se configurado como um acesso à compreensão dos diversos fatores que influenciam o modo de pensar e agir em sala de aula e o modo como o profissional encara, se dedica e se prepara para o exercício da prática docente. No presente artigo, o foco de nossa observação orienta-se para a formação inicial de professores, em curso de Licenciatura em Letras, objetivando refletir sobre a relação entre a construção da identidade profissional e a construção dos saberes docentes durante esse processo formativo.

Introdução As recentes publicações no campo das ciências sociais e humanas têm permitido verificar um interesse crescente pelos estudos sobre identidades sociais, que têm se constituído como um dos temas mais presentes na agenda de debates de estudiosos de filiações teóricas as mais diversas. Segundo Hall (2005, p. 103), “estamos observando, nos últimos anos, uma verdadeira explosão discursiva em torno do conceito de ‘identidade’”, fato que tem contribuído para o surgimento de novas perspectivas teóricas para a compreensão dos problemas sociais. Dentre essas perspectivas, destacam-se as contribuições originárias da Sociologia e dos Estudos Culturais, que têm subsidiado novas investigações, abrindo novos modelos e abordagens

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1 A formação docente na sociedade do conhecimento

emerge como exigência e muitas vezes como mecanismo de inclusão. Ou como diz Castells (2001), aos elementos clássicos dos direitos do cidadão – sociais, políticos e jurídicos – deve ser acrescentado o direito de acesso ao conhecimento e sua mediação através do mundo dos signos. Nesse cenário, o conhecimento surge como elemento constitutivo e identificador dessa sociedade, necessitando de abordagens teórico-metodológicas que possam dar conta de suas inovações e complexidade. Coloca-se, portanto, para os profissionais da área da linguagem, a tarefa de desenvolver mecanismos que possibilitem a compreensão e a interpretação, nas mais diversas esferas das atividades humanas, dos materiais simbólicos aos quais, enquanto seres humanos estamos expostos, no nosso cotidiano, ganhando relevância, nesse contexto, a capacidade de ler e de produzir textos (CANCLINI, 2005).

Sabemos que a sociedade contemporânea tem se caracterizado pela ocorrência de mudanças significativas, em um ritmo cada vez mais acelerado, principalmente sob a influência da revolução tecnológica. Essa tem sido nomeada de várias maneiras, dependendo do ângulo que ela é observada ou analisada. Interessa-nos, neste momento, a denominação de “sociedade do conhecimento”, esta, segundo Stehr (2000), exige dos seres humanos que estes sejam informados, autônomos, criativos e bastante à vontade em situações de instabilidade, transitando de um lado para o outro, em um cenário inundado pela imagem e pela expansão do conhecimento. No dizer desse autor, na sociedade contemporânea, o conhecimento tornou-se um mecanismo de estratificação social, portanto e, nesse contexto afirma ele, que a capacidade de ler e de escrever

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Essa constatação remete para a importância da linguagem na contemporaneidade, isto é, aponta para uma necessidade de que se reconheça a relevância do estudo dos sistemas semióticos, como diz Stuart Hall (2003), face à constatação do papel de destaque especial que hoje é atribuído ao mundo dos signos, enquanto materialização da realidade a partir dos pontos de vista de seus sujeitos sociais. Aliás, estudiosos do círculo de Bakhtin e Vygotsky já apontavam, desde o início do século passado, para a importância do signo verbal e sua relação constitutiva em todas as esferas das atividades humanas (VOLOSHINOV, 1979; BAKHTIN, 1990; VYGOTSKY,1979). Uma outra característica, igualmente importante da sociedade contemporânea, é o seu funcionamento em rede, uma sociedade que sob o impacto da revolução tecnológica funciona “por conexões múltiplas”, possibilitando o surgimento de novas formas de arranjos, não

permitidos pela noção de estrutura que limita a realização de conexões àquelas que ocorrem entre pontos de encontros fixos, em geral unidirecionalmente (CASTELLS, 2001). No campo de estudos da Linguística Aplicada, de uma determinada visão dessa área de produção do conhecimento, defende-se que a pesquisa acadêmica procure dar visibilidade às questões de linguagem que, materializadas nos enunciados circulantes em diferentes esferas, afetem a vida social (MOITA LOPES, 2006). Uma visão do Estado da Arte, na área, aponta uma dicotomia entre formação pedagógica e específica, pondo em evidência a falta de projetos globais com relação à formação do professor, processo esse que envolve complexidade e saberes múltiplos. Por isso, assim como as discussões de muitas outras questões de interesse das ciências sociais e humanas, qualquer discussão que envolva algum repertório de saberes, e mesmo

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a própria questão da formação de professores, de suas identidades profissionais, requer necessariamente uma atenção às transformações em curso na sociedade contemporânea. Em uma época em que observamos uma verdadeira explosão discursiva em torno do conceito de identidade (HALL, 2005), é possível constatar que as pesquisas que abordam a construção da identidade profissional docente representam uma área de estudos ainda em construção. Estreitando o foco para a construção da identidade de professores de línguas no Brasil, verifica-se que a produção científica na área ainda é muito pequena, de modo que ainda não dispomos de parâmetros claros para definir os saberes de referência requeridos para esse profissional, ou para definir um perfil desejável para o professor de línguas, construído a partir de uma discussão ampla e consistente. Não por acaso, estudiosos na área em questão consideram que a identidade

de professor de línguas no Brasil parece atravessar um momento de crise, permeada de incertezas, inseguranças e conflitos. Um dos aspectos que concorrem para esse estado de coisas pode estar relacionado ao fato de que, segundo Gauthier (1998), embora o ensino seja um ofício exercido em quase todas as partes do mundo, ainda se sabe muito pouco a respeito dos saberes que lhe são inerentes. Nessa mesma perspectiva, Nóvoa (1997,1995) refere-se à construção da identidade do professor a partir da posse de um corpo de saberes que vão orientá-lo no exercício da profissão. Isso tem impulsionado muitos estudos a concentrar suas atenções na busca por descrever um repertório de saberes inerentes à prática pedagógica (TARDIFF, 2000; TARDIF; LESSARD; LAHAYE, 1991). Esses e outros estudos contribuem para que o processo de construção da identidade docente possa ser estudado a partir do exame dos sabe-

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res que vão constituir a sua prática profissional. Por isso, a investigação das práticas discursivas onde esses saberes são construídos passa a ser um passo fundamental para o reconhecimento dos processos de construção da identidade docente, principalmente considerando que todas as etapas do saber estão intimamente relacionadas com o exercício da profissão. Para alguns autores (CHARLOT, 1997; FREIRE, 1996), essa relação constitui, em sua essência, uma relação de identidade.

aos participantes de nossa pesquisa para discutirmos os conceitos de identidades propostos por esses estudiosos, ao mesmo tempo em que buscamos compreender o modo como ocorre a construção identitária durante o processo de formação inicial de professores de línguas. As informações foram obtidas por meio de entrevistas realizadas individualmente, via internet, por meio da ferramenta Messenger, o que nos permitia um contato online, em uma situação com características bastante semelhantes à interação face a face, especialmente no que diz respeito ao controle do tempo de resposta (próximo ao que se pode chamar de resposta instantânea). Isso nos permitiu verificar as opiniões e os conhecimentos de que os alunos-professores dispunham sem que esses pudessem recorrer a livros ou a outras formas de consulta. Como complemento aos depoimentos prestados pelos participantes, incluímos ao nosso corpus a Matriz Curricular do

2 Por um conceito de identidade Recorremos, inicialmente, aos estudos desenvolvidos por Hall (2006, 2005) e Giddens (2002), considerando, entre outros aspectos, o fato de que esses teóricos dão uma especial atenção aos impactos da condição pós-moderna (ou alta modernidade) na constituição do sujeito. Utilizaremos as informações obtidas junto

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Curso de Letras, ampliando as possibilidades de análise e a triangulação de dados, visando auferir maior segurança às nossas constatações. Nesta investigação, participam como informantes uma amostragem composta por sete alunos-professores (A-P1, A-P2, A-P3... A-P7) de uma turma concluinte do Curso de Letras, com habilitação em Língua Inglesa, de uma universidade pública no Estado do Rio Grande do Norte. Iniciamos com a análise das respostas atribuídas à seguinte pergunta: (1) Em que momento da sua vida você decidiu ser professor?

A-P2: - Bem, durante a minha vida escolar ser professora era algo tipo “fora de cogitação” e ao final do ensino médio o meu sonho de estudar direito se afastou de mim por morar distante da capital, Natal. E os cursos superiores da cidade mais próxima eram na maioria destinados à docência. Por esse motivo prestei vestibular para Letras. Mas até então não me via dando aula.

Podemos verificar, inicialmente, uma diversidade de posicionamentos assumidos pelos alunos-professores, deixando evidentes as transformações e as mudanças de posicionamento adotados com relação às suas afinidades e às consequentes opções de vida, o que concorre para reforçar o caráter provisório, fluido e polissêmico das identidades, corroborando a compreensão de identidade não como uma essência do ser,

A-P1: - Primeiro desde criança pensava em ser professora, mas imaginava uma coisa completamente diferente, os anos foram passando e não queria mais ser, porém passei no vestibular para letras e aqui estou eu, então não foi pensado, eu quero ser professor, foi mais uma opção. ou falta dela

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mas como sendo construída na vida social (HALL, 2006, 2005). Para esse autor, o sujeito não comporta uma identidade única, seja em um momento específico, seja em um período tão extenso, de modo que as identidades estão em permanente estado de incompletude, de indefinição, de transitoriedade. O autor deixa mais clara essa multipossibilidade quando argumenta que “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades” (HALL, 2006, p. 12). Ainda recorrendo aos estudos de S. Hall, devemos levar em consideração o fato de que vivemos um momento de intensa globalização, caracterizado pelo desenvolvimento incessante das tecnologias de transporte e comunicação, em que “o próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório,

variável e problemático” (HALL, 2006, p. 12). E outra consequência da condição pós-moderna na constituição do sujeito, também apontada por Hall (2006, p. 75), tem a ver com o fato de que, “quanto mais a vida social se torna mediada [...] pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem ‘flutuar livremente’”, fazendo com que o conceito de identidade seja muito pouco desenvolvido e muito pouco compreendido na ciência social contemporânea. Na obra de Giddens (2002), o conceito de identidade, assim como em Hall, é construído em função do impacto causado pelas transformações da modernidade na constituição do sujeito, porém, com destaque especial para o modo como cada um de nós vive as experiências da identidade no cotidiano, fato que contribui signi-

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ficativamente para uma melhor compreensão do fenômeno em si. Vejamos o depoimento abaixo:

Isso contribui para que, em Giddens, a identidade seja definida como uma narrativa reflexiva do eu, ou seja, é construída entre a experiência subjetiva e os modos de organização social. Entretanto, para esse autor, os sujeitos são constituídos por oposições, conflitos e negociações que vão sendo constantemente inventados por esses sujeitos, em um processo rotineiramente criado e sustentado nas atividades reflexivas. Desse modo, o sujeito participa ativamente na construção ou na transformação daquilo que os outros e ele próprio dizem de si, em um processo de (re)construção contínua, que cada um faz de si próprio, cotidianamente. Outro aspecto importante enfatizado por Giddens, e também relacionado ao dia a dia, diz respeito à grande frequência com que fazemos escolhas. Uma dessas escolhas se refere ao estilo de vida, que o autor define como “um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um

A-P3: - Optei pela docência no momento que me identifiquei com as aulas de uma ex-professora que lecionou Inglês no Ensino Fundamental. A partir daquele momento vi que o idioma me interessava e, uma forma que encontrei de praticá-lo foi me tornando um docente. Dessa forma, decidi fazer a graduação na referida área.

A fala de A-P3 nos remete a algumas das considerações de Giddens (2002), especialmente quando esse autor considera que as experiências se constituem como momentos decisivos, já que, em última instância, provocam o confronto entre os sujeitos e as situações da vida cotidiana, forjando, com isso, novas configurações para o projeto reflexivo da identidade (GIDDENS, 2002).

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indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dá forma material a uma narrativa particular da auto-identidade” (GIDDENS, 2002, p. 79). Esse autor considera ainda que, nas condições da alta modernidade, estamos constantemente sendo levados a seguir determinados estilos de vida, de modo que “somos obrigados a fazê-lo – não temos escolha senão escolher”, independentemente da nossa vontade. Essas escolhas também vão contribuir para a reformulação do eu, já que são escolhas sobre como agir e sobre quem ser, e que fazem parte do nosso cotidiano. Outra questão que desperta o nosso interesse nos estudos desse autor diz respeito aos conflitos que são decorrentes dessa necessidade de fazer as escolhas. Para ilustrar, observemos as respostas que os informantes A-P5, A-P6 e A-P7 forneceram à mesma primeira pergunta (Em que momento da sua vida você decidiu ser professor?):

A-P5: - Já na faculdade. acho q o q primeiramente despertou essa ideia foram as aulas de metodologia de ensino, depois veio a prática de ensino. Antes da faculdade, ñ tinha essa ideia. A-P6: - Bom, quando no ensino fundamental e médio, sempre admirei meus professores e a princípio a vontade de lecionar partiu desse ponto. Ao terminar o ensino médio me identifiquei com o curso de letras e mais ainda por se tratar de ensinar/aprender uma LE. Então decidi seguir esse caminho e até então estou nele. A-P7: - desde cedo, ainda criança tinha vontade de passar meus conhecimentos, minhas experiências.

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Essa aparente conformidade e coerência nas respostas, não significa, entretanto, a inexistência de conflitos. Segundo Giddens (2002), viver a modernidade tardia envolve uma diversidade de tensões e dificuldades, que o autor propõe explicá-las como dilemas. O primeiro dilema tem origem na relação entre a unificação e a fragmentação. Enquanto que a unificação se refere à construção de uma narrativa coerente sobre si, a fragmentação tem a ver com uma diversificação dos contextos de interação de que participamos. O segundo dilema é entre a impotência e a apropriação, que dispõe as oportunidades disponibilizadas pela globalização em confronto com situações de riscos globais em que o sentimento de impotência se amplia. O terceiro dilema é o que contrapõe autoridade e incerteza, bastante frequente nas condições da alta modernidade devido à escassez de autoridades definitivas, o que nos leva a ser tomados

pela incerteza quando precisamos tomar decisões, ou dar um rumo ao “projeto reflexivo do eu”. O quarto dilema, por sua vez, surge na relação entre a experiência mercantilizada em oposição à experiência personalizada. Portanto, as escolhas feitas pelos alunos-professores com relação à profissão, devido às “aulas de metodologia de ensino, depois veio a prática de ensino” (AP5), ou “quando no ensino fundamental e médio, sempre admirei meus professores” (AP6), demonstram representar apenas uma aparente situação de conformidade, pois, na verdade, as pessoas não fazem suas escolhas cientes de todas alternativas disponíveis, nem cientes de que todas as possibilidades não estão abertas para todos. Outra consequência ligada ao dilema da relação entre a experiência mercantilizada em oposição à experiência personalizada tem a ver com os padrões de consumo disponibilizados pela

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modernidade. Segundo Giddens (2002), a existência de determinados padrões de consumo, e que costumam ser realçados pela propaganda e pelos meios de comunicação de massa, influencia a formação das identidades no sentido de promover certos estilos de vida, fazendo com que o projeto reflexivo de se construir uma identidade venha a se traduzir na posse de determinados bens. Porém, Giddens esclarece que na sociedade contemporânea nem tudo é mercantilização. Os indivíduos também tendem a reagir criativamente a esses processos, selecionando da sua própria maneira os tipos de informação ou algumas das escolhas que lhes são disponibilizadas, tentando adotar ou criar os seus próprios estilos de vida. Segundo Giddens (2002, p. 81), “a seleção ou criação de estilos de vida é influenciada por pressões de grupo e pela visibilidade de modelos, assim como pelas circunstâncias socioeconômicas”, ou seja, acaba sendo aquilo que está ao alcance,

aquilo que é disponibilizado pela modernidade e que parece ser razoável para atender não apenas às necessidades individuais, mas para que possa trazer a sensação de equilíbrio tranquilizador diante das situações sociais que serão vivenciadas na vida real. E na realidade, a experiência personalizada, devido às pressões exercidas pelo capitalismo, acaba por se configurar como experiência mercantilizada, fazendo com que não apenas os estilos de vida, mas também a autorrealização profissional acabe sendo empacotada e distribuída segundo critérios de mercado (e mais ainda por se tratar de ensinar/aprender uma LE. Então decidi seguir esse caminho e até então estou nele – AP6). E assim, a modernidade vai gerenciando as situações do dia a dia, mantendo cada vez mais uma forte relação de interdependência com as escolhas profissionais feitas por cada indivíduo.

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Falar sobre as escolhas profissionais dos indivíduos vai nos remeter à necessidade de discutir especificamente uma das dimensões da identidade, a qual constitui o tema central de nosso interesse nesta discussão. Trata-se da dimensão profissional das identidades.

dades não têm um caráter rígido, como uma estrutura que não se transforma, mas, ao contrário, têm um caráter dinâmico, que permite a sua construção, desconstrução e reconstrução. Indo além na explicação do fenômeno, Dubar (2006) acrescenta que a identidade social não é transmitida de uma geração para a outra geração; ao contrário, cada geração constrói a sua própria identidade, com base em categorias e posições, aí sim, herdadas da geração precedente. Essas compreensões se constituem como a base para a célebre definição estabelecida pelo autor: “a identidade nada mais é que o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições” (DUBAR, 2005, p. 136). E ao desenvolver esse raciocínio, o autor utiliza o termo “múltiplas dimensões da identidade”

3 A dimensão profissional das identidades A conceituação teórica de identidades profissionais utilizada nesta pesquisa repousa sobre os estudos do sociólogo francês Claude Dubar (DUBAR, 2006, 2005, 2003). Além de um rigoroso aprofundamento teórico acerca do conceito de identidades profissionais, esse autor também empreendeu algumas discussões que têm contribuído substancialmente para a compreensão geral do conceito de identidades sociais. Consideremos, inicialmente, o fato de que em Dubar, assim como vimos em Giddens e Hall, as identi-

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(DUBAR, 2005, p. 156), nelas incluindo a dimensão profissional, tema ao qual tem dedicado grande parte de sua atenção. Assim, mobilizando conceitos das múltiplas dimensões da identidade, Dubar considera que as identidades profissionais são resultado de processos de socialização, que ele define como sendo “um processo biográfico de incorporação das disposições sociais oriundas não somente da família e da classe de origem, mas também do conjunto dos sistemas de ação atravessados pelo indivíduo no decorrer de sua existência” (DUBAR, 2005, p. 93-94). Desse modo, o autor enfatiza a relação histórica entre o passado e o presente, entre a história vivida e as práticas atuais. Nesse processo, incluem-se os percursos de continuidade e ruptura, de fazer e refazer, possibilitando ao sujeito forjar a sua própria identidade (DUBAR, 2005).

A socialização profissional, segundo Dubar, adquire uma grande relevância no campo do trabalho, do emprego e da formação profissional. Voltado para este último campo, o autor desenvolve diversos conceitos de nosso interesse, os quais têm sido de grande valia para a compreensão dos processos de construção identitária profissional dos alunos-professores. Por isso, iniciamos a discussão do conceito de identidade profissional trazendo para o debate a opinião dos informantes acerca de suas primeiras vivências na universidade, ou seja, no processo de formação inicial. Nesse sentido, perguntamos: (2) – Como ficou esse seu (não)desejo de ser professor durante o primeiro ano de curso?

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Antes de analisarmos esses depoimentos dos alunos-professores, convém observarmos as disciplinas que compõem a Matriz Curricular referente aos dois primeiros semestres do Curso de Letras1:

guística II, Teoria da Literatura I, Tópicos de Gramática do Português2.

O que observamos, inicialmente, na configuração da estrutura curricular do primeiro ano do curso é a ausência total daquelas disciplinas que exercem maior peso na construção da identidade profissional docente, além de uma quantidade irrisória de disciplinas que exercem maior peso na construção da identidade de professor de língua inglesa. Veremos, posteriormente, se esse aspecto tem influência nas respostas dos alunos-professores.

01º Semestre: Fundamentos da Língua Inglesa, Língua Brasileira de Sinais, Linguística I, Metodologia do Trabalho Científico, Produção Textual (português); 02º Semestre: Argumentação, Filosofia da Linguagem, Língua Inglesa I, Lin-

2  Um primeiro evento a ser observado nessa configuração curricular diz respeito ao fato de que pode haver disciplinas ou processos de socialização que sejam mais favoráveis à construção da identidade de professor e da identidade de professor de língua inglesa. Por razões óbvias, admitimos que as disciplinas de Didática, Psicologia da educação, Metodologia etc., podem exercer um peso maior do que o peso exercido por outras disciplinas na construção da identidade profissional docente (caso os processos de socialização sejam 1  Para uma melhor compreensão acerca dessas disciplinas, torna-se indis-

favoráveis, conforme veremos adiante). Do mesmo modo, disciplinas como

pensável considerar as suas respectivas ementas, disponíveis em: <http://

Língua Inglesa, Literaturas Inglesa e Norte-americana etc. devem ter um maior

www.uern.br>.

peso na construção da identidade de professor de língua inglesa.

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Visando a uma compreensão preliminar mais ampla, iniciamos apresentando a transcrição de todas as respostas dadas pelos alunos-professores participantes da nossa pesquisa:

A-P3: – Minhas expectativas foram reduzidas. Atribuo isso ao fato de nos primeiros semestres haver uma grande quantidade de disciplinas que não trabalham com en-

A-P1: – Bom, o não desejo foi piorando cada vez mais, era desestimulante, não tinha a menor vontade de ir as aulas por diversos motivos, os professores, a falta de amigos (pois so fui ter amizade com a maioria do pessoal do 4 periodo para a frente), e com isso a certeza que não era aquilo que eu queria

sino-aprendizagem do Inglês, especificamente. Há algumas que são voltadas para as duas licenciaturas, porém o graduando de Letras - Habilitação em Língua Inglesa entra no curso com o anseio de ver muito conteúdo no idioma alvo. Dessa forma, ao deparar-se com a realidade, o discente sente-se um pouco mais desmotivado com o curso, o que foi o meu caso.

A-P2: – Como estudava Letras via outras possibilidades de trabalhar, como por exemplo, ser tradutora em jornais, intérprete e etc. Não havia despertado para a sala de aula a tão gratificante tarefa de ensinar os caminhos da aprendizagem.

A-P4: – Despertaram em mim a vontade de pôr em prática esses conhecimentos em sala de aula, não no sentido pedagógico, mas mais para analisar o comportamento de cada aluno

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que, segundo Dubar, os processos de formação costumam exercer grande influência nas dinâmicas identitárias profissionais, principalmente porque esses processos costumam se prolongar por muito tempo nas vidas das pessoas. Dentre as especificidades que caracterizam as identidades profissionais, Dubar (2005) apresenta a noção de grupo profissional. Para esse autor, o grupo profissional, por ser portador de uma identidade coletiva e enquanto contexto de emergência identitária, acaba tendo um peso preponderante, congregando um conjunto de conhecimentos técnicos específicos. Ao analisarmos o depoimento do A-P1, já podemos obter algumas constatações importantes acerca do seu processo de construção identitária profissional. Um aspecto a ser considerado é o fato de que, em resposta à pergunta anterior, o A-P1 já havia demonstrado sentimentos de desinteresse pela profissão. Admitindo o posicio-

A-P6: – Esse desejo de lecionar ficou internalizado, quase que caiu no esquecimento pelo fato de, ao ingressar no curso de letras, eu não me enxergar como professor em formação, pelo contrário, me sentia como um aluno de cursinho de LI. O curso, logo no inicio, não deixa Claro para o professor em formação que ele está lá para aprender a lecionar dando aquela impressão de que estAmos na universidade para somente aprender uma segunda língua. A-P7: – Bem, a vontade não diminuiu, mas também não aumentou devido as dificulldades q enfrentei no decorrer do curso no q tange à aquisição da lingua inglesa

Um aspecto importante para iniciarmos a análise desses depoimentos vem a ser o fato de

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namento de Dubar com relação ao conceito de grupo profissional e ao seu peso preponderante na construção da construção da identidade profissional (doravante, IP), era de se esperar que A-P1, a partir do contato com os pares, pudesse mudar de opinião, ou pelo menos demonstrasse alguma leve tendência favorável com relação à profissão de professor; entretanto, não foi o que aconteceu. Vejamos novamente a sua resposta, quando indagada sobre o modo como estava o seu desejo de ser professor ao ingressar no curso de Licenciatura em Língua Inglesa:

Podemos observar que o fato do desinteresse (ou a não identificação com a profissão) ter aumentado a partir da vivência com o grupo profissional, não significa necessariamente uma negação à afirmação de Dubar com relação ao peso do grupo na construção da IP. Ao contrário, o fato de A-P1 haver justificado o seu desinteresse em virtude da “falta de amigos” pode significar que, consciente ou inconscientemente3, A-P1 reconheça o papel desempenhado pelo grupo profissional nesse processo de construção identitária. Apresentar tal justificativa, de certo modo, o isentaria de uma suposta obrigação de se engajar com mais afinco na construção de sua identidade profissional docente. A análise dos depoimentos prestados por esse informante em resposta a perguntas subsequentes é que pode corroborar de forma

A-P1: - Bom, o não desejo foi piorando cada vez mais, era desestimulante, não tinha a menor vontade de ir as aulas por diversos motivos, os professores, a falta de amigos (pois so fui ter amizade com a maioria do pessoal do 4 periodo para a frente), e com isso a certeza que não era aquilo que eu queria

3  Utilizamos o termo na acepção normalmente utilizada no senso comum, já que a utilização do termo no sentido acadêmico escapa ao alcance dos referenciais teóricos aqui adotados.

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peremptória a proposição de Dubar. Ao recorrermos à quarta pergunta da entrevista (E no segundo ano, você viu alguma mudança nas disciplinas, ou nos professores, alguma coisa que tenha provocado alguma mudança no seu modo de ser?), podemos ver mais claramente essa tendência:

como processos ou espaços que favorecem o desenvolvimento dos processos de socialização profissional. Dentre esses espaços, ganham destaque as disciplinas, que, desse modo, podem ser definidas como espaços de socialização acadêmico-profissional. É principalmente nesses espaços que temos observado o vínculo entre os processos de construção da IP e a construção dos saberes da profissão. De volta aos depoimentos de A-P1, temos que, não obstante a não identificação e o consequente desinteresse previamente demonstrado pela profissão, (ver resposta à pergunta anterior), vemos o início de um despertar para a docência, relacionado a uma necessidade de pertencer ao grupo profissional. Longe de acreditarmos que esse interesse seja totalmente espontâneo, pois sabemos da força que tem o apelo do mercado de trabalho para que os indivíduos se integrem a ele, vemos o grupo profissional também como

A-P1: Sim, as materias foram melhorando e eu me interessando mais, me interando com os outros colegas de sala, apesar da vontade de desistir do curso era grande, mas as aulas começaram a mudar, os professores mudaram, as disciplinas, as amizades, tudo deu estimula para continuar

Esse depoimento, além corroborar a força do grupo profissional na construção da IP, reforça a ideia de uma relação bastante próxima entre essa construção e o envolvimento nas atividades curriculares/formativas, aqui vistas também

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4  As vivências nos espaços de socialização acadêmico-profissional

uma forma inicial, imaginária, mas que se materializa como meio de acesso a esse mercado de trabalho. É, portanto, uma espécie de adesão a um novo grupo, que toma forma de um grupo acadêmico-profissional. Ao ser impelido a pertencer a esse grupo, os alunos-professores acabam por entrar em processos de construção, ou transformação identitária, levados pelos processos de socialização acadêmico-profissional. Entretanto, Dubar (2006) adverte para o fato de que o trabalho, por passar por mudanças a cada dia mais impressionantes no mundo contemporâneo, acaba por submeter os indivíduos a transformações identitárias cada dia mais delicadas. E isso se dá em virtude da necessidade do indivíduo de acompanhar todas as transformações do mercado e da sociedade moderna, globalizada. E os depoimentos dos alunos-professores nos têm mostrado que essas configurações são reproduzidas na formação inicial.

Retornando aos depoimentos relativos à segunda pergunta das entrevistas, podemos constatar nas falas de A-P2 e A-P4 que as vivências que tiveram com o grupo profissional foram positivas no sentido de que despertaram expectativas de crescimento na carreira profissional. Vejamos: A-P2: - Como estudava Letras via outras possibilidades de trabalhar, como por exemplo, ser tradutora em jornais, intérprete e etc. Não havia despertado para a sala de aula a tão gratificante tarefa de ensinar os caminhos da aprendizagem. A-P4: - Despertaram em mim a vontade de pôr em prática esses conhecimentos em sala de aula, não no sentido pedagógico, mas mais para analisar o comportamento de cada aluno

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Interpretamos esses depoimentos como afirmativas no sentido de que o contato com o grupo profissional foi favorável à construção da IP, o que corrobora com o conceito de Dubar. Por outro lado, semelhante ao depoimento do primeiro informante, A-P1, interpretamos os depoimentos de A-P3, A-P6 e A-P7 como sendo afirmações negativas, ou de descontentamento com relação ao processo de socialização junto ao grupo profissional, fato que, a nosso ver, não foi favorável à construção da IP docente. Isso nos leva a duas importantes constatações: em primeiro lugar, embora não haja como negar que esse processo de socialização com o grupo profissional intervenha na construção de identidades, também não há como se afirmar que esses processos, no caso dos alunos-professores, tenham sido favoráveis à construção da identidade profissional. Ao contrário, os depoimentos nos levam a crer que os informantes,

em vivências desfavoráveis com o grupo profissional, assumiram posições adversas, voltadas no sentido do distanciamento da profissão docente. Isso nos leva a acrescentar à afirmação de Dubar, afirmação sobre o peso do grupo profissional nos processos de construção da IP, que esse peso (favorável) parece restringir-se às ocasiões em que a experiência for positiva para os sujeitos. É o que indicam os nossos dados (depoimentos de A-P2 e A-P4, de um lado, e os depoimentos de A-P1, A-P3, A-P6 e A-P7, de outro). Em segundo lugar, essa constatação nos leva a refletir sobre a função do curso de Letras no sentido de promover a construção da identidade profissional nos alunos-professores. Nessa turma de concluintes, dentre os sete participantes, apenas dois deles (cerca de 28%) demonstraram, em suas falas, que as ações formativas, ou socializações acadêmico-profissionais, promovidas no primeiro ano do curso, foram favoráveis à

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construção da IP docente. Para os demais, A-P3, A-P6 e A-P7, as socializações acadêmico-profissionais, materializadas nas disciplinas e demais atividades curriculares, foram desfavoráveis à construção da IP. Cabe-nos, também, reexaminar os depoimentos desses outros alunos-professores. Não apenas para constatar o que já ficou dito, mas, principalmente, para procurar indícios que nos levem a identificar os motivos que levaram os alunos a um distanciamento da IP docente logo no início de sua formação profissional. Dentre os depoimentos desfavoráveis à construção da IP, vemos, de modo mais claro em A-P3 e A-P6, o descontentamento com as primeiras disciplinas ou atividades do curso, ou seja, com os primeiros processos de socialização acadêmico-profissional.

A-P3: - Minhas expectativas foram reduzidas. Atribuo isso ao fato de nos primeiros semestres haver uma grande quantidade de disciplinas que não trabalham com ensino-aprendizagem do Inglês, especificamente. Há algumas que são voltadas para as duas licenciaturas, porém o graduando de Letras - Habilitação em Língua Inglesa entra no curso com o anseio de ver muito conteúdo no idioma alvo. Dessa forma, ao deparar-se com a realidade, o discente sente-se um pouco mais desmotivado com o curso, o que foi o meu caso. A-P6: - Esse desejo de lecionar ficou internalizado, quase que caiu no esquecimento pelo fato de, ao ingressar no curso de letras, eu não me enxergar como professor em formação, pelo contrário, me sentia como um aluno de cursinho de LI.

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em que este, por meio dos saberes da profissão, almeja identificar-se como um dos elementos do grupo de trabalho. Segundo esse autor, o sentimento de pertença será mais reforçado quanto maior for a identidade coletiva e relacional do indivíduo com o respectivo grupo profissional, o que vai lhe permitir obter uma representação social de si mais favorável na profissão. Essa representação social de si, portanto, está diretamente relacionada com as representações do que seja um bom ou um mal profissional, o que passa, necessariamente, pela questão do domínio dos saberes da profissão.

O curso, logo no inicio, não deixa Claro para o professor em formação que ele está lá para aprender a lecionar dando aquela impressão de que estAmos na universidade para somente aprender uma segunda língua.

Outro aspecto importante a ser observado nesse depoimento tem a ver com o fato de que esses informantes, em suas falas, remetem à questão dos saberes da profissão, tema com o qual Dubar também lida em seus estudos. Segundo o autor, esse conjunto de conhecimentos é um aspecto que vai contribuir significativamente para a estruturação da identidade profissional, além de favorecer a construção nos indivíduos de um sentimento de pertença junto ao grupo profissional. Para Dubar (2005), esse sentimento está relacionado com a participação do indivíduo em atividades coletivas formais e informais,

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5 Considerações finais

a sociedade espera que seja o profissional que construiu todas as competências requeridas para o exercício da profissão. Mas o que sabemos é que o domínio dos saberes não é alcançado por todos na mesma proporção, mesmo que futuramente todos venham a receber o mesmo diploma, que lhes confere o mesmo status. Sobre esse aspecto, recorremos a Dubar (2006) quando esse autor considera o diploma como um mecanismo de burocratização das carreiras, um processo que permite, segundo as palavras do autor,

Partindo das contribuições teóricas iniciais oferecidas pela sociologia e pelos estudos culturais, pudemos discutir os modos como os alunos-professores do se tornam professores de língua inglesa. Por meio dessa análise foi possível verificar, inicialmente, uma dificuldade dos alunos-professores em associar, por um lado, os saberes disciplinares que compõem o processo de formação inicial e, do outro lado, com a atividade profissional docente. Isso faz com que a maior parcela desses saberes se percam no decorrer do curso, já que, em princípio, não teriam uma utilidade importante em suas futuras carreiras profissionais. Entretanto, as discrepâncias no domínio desses saberes pode ocasionar situações contraditórias envolvendo os profissionais entre si, como também entre os profissionais e a sociedade. Daqueles que portam um diploma de curso superior,

[...] estabelecer uma cisão entre os “verdadeiros profissionais” integrados à instituição e que transpuseram todo ou parte do curso e os “falsos profissionais” periféricos que não transitaram pela “via regia”. Em seguida, permite distinguir, no interior da profissão, quem

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agências responsáveis pela formação e, do outro lado, os profissionais em processo de formação, aqueles que serão agraciados com o diploma. Cabe-nos investigar a opinião desse autor acerca de quem são os maiores responsáveis pela construção dos saberes representados pelo diploma. Na opinião de Dubar (2006, p. 99),

entrou pela “porta principal” da via universitária fundada em uma formação geral valorizada e quem entrou pela “porta dos fundos” da via profissional especializada e desvalorizada (DUBAR, 2006, p. 194-195, grifos do autor).

Essas considerações nos conduzem a incluir nesse processo aqueles que seguiram a mesma “via regia” da formação universitária, mas que, em seu percurso, apresentaram desempenhos diferentes nos processos de socialização acadêmico-profissionais, obtendo desempenhos superiores ou inferiores no tocante ao domínio dos saberes docentes. Se considerarmos que o diploma representa, simbolicamente, um corpo de saberes e competências adquiridos em um processo de formação e que serão necessárias ao exercício legítimo da profissão, veremos que essa situação acaba por colocar em posições distintas os envolvidos nesse processo: de um lado, os formadores, ou

[...] não é a escola nem a empresa (mesmo coordenadas) que produzem as competências que os indivíduos necessitam para aceder ao mercado de trabalho, obter um rendimento e serem reconhecidos: são os próprios indivíduos. Eles são responsáveis pelas suas competências nos dois sentidos do termo: cabe-lhes a eles adquiri-las e são eles que sofrem se as não possuem.

Levar essa compreensão para o campo da formação de professores pode significar o

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mesmo que colocar em xeque toda uma tradição educacional centrada no formador, ou nas agências formativas, a quem normalmente é atribuída a responsabilidade pelo êxito ou fracasso no processo de formação. Tudo isso nos leva a compreender a importância do envolvimento dos alunos-professores em assumir papéis mais efetivos em seu próprio processo de desenvolvimento profissional, o que significa estar, ele mesmo, construindo para si uma identidade profissional docente. Devemos enfatizar, ainda, que as marcas identitárias profissionais, embora possam ter sua origem em vivências anteriores ao processo de formação inicial, elas são predominantemente constituídas e expressas a partir de experiências vividas nos espaços de socialização acadêmico-profissionais, identificados como espaços em que se estabelecem os principais vínculos entre os processos de construção da identidade profissional e a construção dos saberes da profissão. E são essas marcas

identitárias profissionais que têm se configurado como elementos catalizadores no processo de aquisição/construção dos saberes da profissão.

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224


Texto

3

O problema [ana]crônico da formação inicial do professor de língua portuguesa [brasileira]

Marcos Baltar Milene Peixer Loio Camila Farias Fraga

avançado muito nas últimas décadas no Brasil, o ensino-aprendizagem de língua portuguesa [brasileira] nas escolas, refém de uma concepção autônoma de letramento (STREET, 1984), não apresenta respostas para atacar os problemas acima apontados, notadamente o analfabetismo funcional. O fato é que, apesar de ter havido maior discussão sobre diferentes concepções de língua e linguagem na academia, essa discussão ainda é restrita ao âmbito da pesquisa e da pós-graduação e, por conta disso, por não atingir a graduação, seus frutos ainda não reverberaram nas escolas. Nos anos 80, a partir da implementação da Linguística como disciplina nos cursos de Letras, assistimos ao início de uma mudança de paradigma epistemológico que refutou a concepção de ensino de língua prescritivista, alicerçada no trabalho com a gramática tradicional, em favor de uma concepção de língua e linguagem de

Introdução A formação para o ensino de língua portuguesa [língua brasileira] tem sido objeto de pesquisa entre educadores e linguistas aplicados, há algumas décadas no país. Os estudos têm buscado oferecer respostas para problemas concretos da sociedade brasileira, tais como: os baixos índices de alfabetismo entre os jovens; a necessidade de integração desses jovens à sociedade grafocêntrica de forma crítica; a sua inserção no mercado de trabalho numa economia globalizada; a necessidade de lidar conscientemente com as novas tecnologias de informação e comunicação, entre outros. Neste artigo expomos nossas inquietações sobre o fato de, apesar de as pesquisas em Linguística e em Linguística Aplicada terem

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base estruturalista-formalista. Embora as fronteiras entre um paradigma e outro não sejam tão demarcadas e rígidas, é possível dizer que, dando sequência a essa mudança, nos anos 90 inicia-se um processo de sedimentação de uma concepção de linguagem funcionalista-interacionista em contraste com a concepção estruturalista-formalista. Esse movimento foi promovido pelos avanços dos estudos da ciência da linguagem, fruto da aproximação com os estudos da antropologia, da sociolinguística, da psicolinguística, da psicologia interacional e da filosofia da linguagem de base enunciativa, discursiva e interacionista. Nesse contexto, os estudos dos letramentos, da linguística do texto e do discurso e dos gêneros textuais-discursivos, paulatinamente, vêm ocupando espaço de destaque nas pesquisas do campo da ciência da linguagem, nas universidades brasileiras.

No ano de 1991, a publicação de Portos de Passagem, texto de Geraldi, orientado pelos estudos do Círculo de Bakhtin, vem sedimentar o debate iniciado em O texto na sala de aula, organizado pelo mesmo autor em 1984. As publicações constituem-se obras de referência, que buscam estabelecer uma ponte entre a academia e a escola ao proporem um diálogo entre uma nova concepção de língua sociointeracionista e as propostas de ensino. Os pontos principais dessa concepção de língua e de ensino podem ser resumidos na relação sujeito e linguagem, no funcionamento sócio-histórico da linguagem, nas ações linguísticas e, por fim, nas práticas pedagógicas dialógicas. Para Britto (1997, p. 153): Uma perspectiva totalmente diferente de entender o ensino de língua, a um só tempo operacional e reflexivo, é aquela assumida por Franchi e Ge-

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raldi, entre outros, que partem da reflexão sobre o modo como o sujeito constrói conhecimento sobre a língua. Esta corrente insiste em um desloca-

gem. [...] Considerar a articulação dos conteúdos nos eixos citados significa compreender que tanto o ponto de partida como a finalidade do ensino de língua é a produção/recepção de

mento radical do papel de aluno e professor, que deixam de serem funções que se exercem no interior da escola e passam à condição plena de interlocutores, assim como no privilégio do uso efetivo da língua.

discursos (BRASIL, 1998, p. 34).

Uma nova orientação para o ensino, antes pautado nos conteúdos gramaticais, em direção aos dois eixos propostos pelos PCN, vem auxiliando a implantação de novas propostas curriculares em diversos estados brasileiros. No entanto, a mudança desse paradigma ainda está em curso e, consequentemente, muitas questões têm emergido provenientes das pesquisas em Linguística Aplicada sobre as práticas de ensino de língua portuguesa [brasileira] na escola. Passados dezesseis anos da publicação dos PCN, as pesquisas em LA têm apontado a dificuldade dos professores e das escolas no tra-

Em 1998, a publicação e divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) pretendeu contribuir para a continuidade dos avanços nas questões do ensino de língua portuguesa no país: Os conteúdos de língua portuguesa articulam-se em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita, e a reflexão sobre a língua e a lingua-

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2008; GERALDI, 2010; BALTAR, 2012). Entre esse grupo de pesquisadores é possível afirmar que há consenso sobre a necessidade de serem revistos os Projetos Político-Pedagógicos e os Currículos de Cursos de Licenciatura em Letras das Universidades Brasileiras. Se, por um lado, a pesquisa acadêmica em linguística e em linguística aplicada muito tem contribuído para uma nova concepção de língua, linguagem e ensino-aprendizagem; por outro lado, ainda é um problema a ser vencido o fato de a maioria dos professores de língua portuguesa [brasileira] que atua nas escolas brasileiras ainda agir orientada por concepções de língua e de ensino-aprendizagem, em tese, vencidas pelas discussões acadêmicas. A questão paradoxal é que esses mesmos professores foram formados nas universidades brasileiras. Defendemos, portanto, a tese de que o problema deve ser enfrentado a partir de uma mudança radical na formação inicial do professor pela universidade.

balho com a língua/linguagem numa perspectiva interacionista social. Uma questão a ser colocada é: que forças têm atuado para manter a distância entre a produção de conhecimento gerado pela pesquisa acadêmica e a prática do professor de língua portuguesa [brasileira] nas escolas? O que apontam as pesquisas é um distanciamento muito grande entre as práticas cotidianas dos professores de língua portuguesa [língua brasileira] e os estudos da Linguística ou da Linguística Aplicada, mesmo depois de esses estudos terem sido transformados em parâmetros curriculares nacionais (RODRIGUES, 2011; CERUTTI-RIZATTI, 2012). Uma possível resposta está na necessidade de, ao discutir a educação linguística em nosso país, colocar mais em evidência o papel da universidade na formação do professor de língua portuguesa [brasileira] (KLEIMAN, 2006; ALMEIDA FILHO, 2008; BAGNO,

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1 A formação do professor como política linguística

O processo de educação passa a ser caracterizado pela ótica produtivista-utilitarista, servil ao mercado de trabalho, e o professor, longe de ser visto como intelectual e pesquisador da educação, assume a função de gerenciador de conteúdos e técnicas para aplicá-los em sala de aula, mantendo o controle do processo de ensino-aprendizagem dos alunos, sem levar em conta a escola como uma instituição viva do tecido social. Apesar de algumas tentativas de mudanças nas propostas pedagógicas e curriculares dos cursos de Letras, ainda estamos longe, no âmbito estrutural, de promover a formação de um professor à luz das concepções e do estágio a que chegou a pesquisa acadêmica na compreensão dos fenômenos da linguagem. Segundo Gimenez e Mateus (2009, p. 117-118):

Gimenez e Mateus (2009) expõem as transformações históricas, explicitando o que significava ser professor nas décadas de 60, 70, 80, 90 e hoje, no início do novo século, com a denominada “virada sócio-histórica e cultural”. Nas décadas de 60 e 70, os currículos tinham como orientação o paradigma positivista, pois se pautavam no domínio de habilidades apontadas pelas pesquisas como imprescindíveis ao bom professor e na capacidade de reproduzir técnicas e atividades em sala de aula. Do final dos anos 70 até as últimas duas décadas, o novo processo de reestruturação produtiva – neoliberalismo e a globalização – passa a exigir que o trabalhador seja polivalente e multifuncional, o que provoca mudanças na função social da escola e, consequentemente, na área de formação de professores.

A década de 90 não conseguiu romper a tendência dualista que segrega licen-

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uma lacuna entre as propostas oficiais de ensino de língua, a formação docente nas universidades e as demandas sociais por uma educação capaz de assegurar os direitos linguísticos do cidadão e de lhe permitir construir sua cidadania”. Os autores criticam a formação inicial dos cursos de Letras pelas faculdades e universidades públicas e particulares e propõem áreas de ação:

ciatura e bacharelado, prática e teoria, conhecimento tácito e conhecimento histórico-científico, ação e produção de conhecimento, profissionalização e ciência, ensino e pesquisa. Ao mesmo tempo, aprofundou o deslocamento da formação de professores para a perspectiva prático-adaptativa, como iniciada na década de 80, e fortaleceu o abandono de uma formação de caráter científico-acadêmica (FREITAS, 2003). [...] Esses percursos históricos acabam por acirrar as contradições nos processos de formação docente e a lacuna existente entre os mundos da universidade e da escola.

A tarefa mais urgente, nos parece, é promover a reflexão e a ação capazes de articular (i) as demandas sociais por uma educação linguística de qualidade, (ii) as políticas públicas de ensino de língua e (iii) a pedagogia de educação em língua materna praticada na escola. Evidentemente, esse processo, se exitoso, viria a interferir na própria formação dos professores de português, o que decerto acarretaria uma

Numa outra perspectiva, com base no conceito de educação linguística, Bagno e Rangel (2005, p. 67) discutem a necessidade de uma política linguística no Brasil, visto que “ocorre

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para crianças brasileiras, prescrevendo o que é certo ou errado falar e escrever, orientados por normas escritas em gramáticas que seguem modelos de textos literários do século XIX. De certo modo, é preciso considerar que o conhecimento produzido pelas pesquisas em linguística aplicada pode auxiliar na compreensão do processo histórico da construção tanto da identidade do professor quanto da história do ensino de língua portuguesa [brasileira]. Geraldi (2010) traça uma retrospectiva sócio-histórica da identidade profissional do professor e observa que a trajetória se dá mais a partir da sua relação com o conhecimento [relação axiológica], do que com sua atuação na escola com os aprendizes [relação praxiológica]. Segundo o autor, a formação inicial do professor de português vem ocorrendo a partir da seleção de um conjunto de conteúdos considerados essenciais pela tradição para a formação desses

reavaliação e reformulação dos cursos superiores de Letras – que parecem ainda se prender, já pela própria denominação, a estruturas sociais e ditames culturais do século XIX (BAGNO; RANGEL, 2005, p. 68).

Para os autores, seria fundamental interferir na formação do professor de português a partir de uma reavaliação e reformulação dos cursos superiores de Letras, introduzindo e aprofundando o debate sobre os eventos e práticas de letramento, referentes aos mais diversos usos sociais da escrita, nas diferentes “esferas da atividade humana” em nossa sociedade, a partir do trabalho com os gêneros textuais que, oriundos dessas práticas, as revelam e as orientam. Além disso, é preciso vencer o problema (ana) crônico que se configura quando um professor brasileiro tenta “ensinar” língua portuguesa

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sujeitos sociais, sendo que tais conhecimentos deviam ser adquiridos para a construção da identidade profissional, situação que se inicia no século XVIII e dura até o início do XX. No entanto, segundo o autor, esse percurso apenas forma o professor, mas não o torna professor. Além do mais, o modelo de professor que controla a aprendizagem, decorrente do desenvolvimento das novas tecnologias, a partir da segunda revolução industrial, entra em crise nas últimas décadas do século XX, e permanece até os nossos dias. Apesar de não tratar, especificamente, da formação do professor de língua portuguesa [brasileira] pelos cursos de Letras, Geraldi (2010, p. 93) também assinala para a necessidade de se construir uma nova identidade desse sujeito, caracterizada “por noções como a de professor reflexivo, professor pesquisador, pela defesa da pesquisa-ação e da pesquisa participante como forma de agir em sala de aula [...]”.

Baltar (2012), concordando com Bagno e Rangel e Geraldi, propõe “a extinção da identidade tradicional do professor de português como um guardião da língua do século XIX e defensor, mesmo que inconscientemente, de um modelo de letramento autônomo, desvinculado dos usos sociais da escrita, encapsulado na esfera escolar [...]” e propõe “que seria necessário emergir outra identidade, qual seja, a do agente de letramento” (p. 314). O agente de letramento (KLEIMAN, 2006) mobilizaria a turma de aprendizes em torno de situações concretas de uso da língua, descortinando junto com os alunos formas de ação em diversas esferas da sociedade que requerem usos específicos de textos de gêneros também específicos. Em relação à reformulação do currículo de Letras, Almeida Filho (2000, p. 37) já argumentava que “a Linguística Aplicada poderia seguramente oferecer alternativas aos plane-

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2 O Currículo como manifestação de política linguística e cultural

jadores curriculares preocupados em formar professores de línguas (em pré-serviço) e outros no campo da linguagem”. Concordamos com o autor que o tema da renovação dos currículos de Letras, deve e pode ser tratado a partir da ótica da LA que, no escopo de suas pesquisas, sempre buscou respostas para os problemas concretos da vida cotidiana que envolvem a linguagem; seja a partir de questões atinentes ao ensino-aprendizagem de línguas, seja buscando entender e orientar a formação de professores de línguas, seja em se tratando de compreender os usos sociais da linguagem em sociedade por intermédio de ações que mobilizem diferentes gêneros textuais.

No que concerne às teorias de currículo, o campo da Educação vem aportando substanciais contribuições. Nesta seção, discorreremos sobre formas de conceber o currículo, a fim de entender como se deu o processo de constituição desse documento nas políticas educacionais, mais especificamente, do currículo escolar, estendendo o raciocínio até as concepções críticas que tratam do tema e a influência destas na formação de professores. Para tanto, partimos da seguinte colocação de Lopes (2004, p. 11): Toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo.

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Pensar o currículo de uma perspectiva tradicional é entender sua consolidação como um instrumento meramente organizacional, burocrático, respaldado pelas instâncias de educação. Baltar (2012) assevera que os caminhos são marcados por embates e confrontos porque os ambientes de trabalho funcionam sob a lógica de competição em detrimento da cooperação e muitas vezes os aparelhos burocráticos servem como dispositivos “mantenedores do sistema”. Partindo de uma concepção de letramento crítico (GEE, 1994), é possível compreender o currículo como um instrumento organizacional delineador de caminhos na educação, associado a movimentos históricos a favor da renovação das mesmas estruturas de poder, fortalecendo as camadas dominantes (BORDIEU; PASSERON, 1975). Aqui vale fazer uma breve incursão histórica nas questões de institucionalização do conhecimento em forma de disciplinas curriculares

para entender como se deu (e ainda se dá) o processo de constituição do currículo. A constituição do currículo1 como se concebe ainda hoje, está intrinsecamente ligada ao movimento de consolidação da fábrica2, isso significa que no processo de industrialização houve a necessidade imediata da escolarização de massa e de um modelo de currículo que viabilizasse essa escolarização para a formação de mão de obra. Nesse contexto, no ano de 1918, Bobbitt escreve o livro The curriculum, influenciando o campo de pesquisas educacionais num

1  Comenius, na obra A didacta magna, já trazia uma preocupação organizacional com o conhecimento, entretanto, o sentido que se atribui atualmente à palavra está associado aos estudos americanos para a organização do sistema escolar e influenciou diversos países, como a França, a Alemanha, Portugal, Espanha e também o Brasil (SILVA, 1999, p. 21). 2  O espaço de desenvolvimento do trabalho na fábrica é usado como um contexto de comparação ao ambiente da escola, pois o importante para a escolarização de massa era o estabelecimento de padrões, ou seja, as crianças precisariam sair “moldadas” de acordo com os objetivos pretendidos.

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momento em que várias forças3 (econômicas, políticas e culturais) discutiam a necessidade de renovação dos conteúdos escolares a partir de uma perspectiva utilitarista de educação influenciando os objetivos4 educacionais. O autor foi motivado por Frederick Taylor, estudioso do campo da administração e, se aproximando dessa área, seu modelo estava totalmente voltado para a economia. Na perspectiva de Bobbitt (1918), o currículo não passava de uma questão organizacional, assim, a atividade do especialista em currículo se encaixava na consolidação de um trabalho burocrático, cuja função era de

apenas mapear as habilidades necessárias para cada ocupação de trabalho: A tarefa do especialista em currículo consistia, pois, em fazer o levantamento dessas habilidades, desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, planejar e elaborar instrumentos de medição que possibilitassem dizer com precisão se elas foram realmente apreendidas (SILVA, 1999, p. 24).

Essa perspectiva se consolida por meio do livro de Raph Tyler, de 1949, e irá perdurar nos Estados Unidos até a década de 80, bem como em outros países, incluindo o Brasil. Tal modelo confrontava a tradição humanista do ensino clássico, alegando a inutilidade para as exigências da vida moderna representada, especialmente, pela

3 O modelo de Bobbitt concorreu com o modelo de John Dewey. Dewey estava preocupado com a construção da democracia e achava importante considerar as experiências das crianças para a constituição de um currículo. Entretanto, a influência de Dewey foi apaziguada pela necessidade de escolarização de massa, em que o modelo de Bobbitt se enquadrava mais facilmente (SILVA, 1999, p. 21). 4 Esses objetivos eram definidos a partir da centralização da autoridade e orientavam o currículo para uma aprendizagem de cunho comportamental, o que obrigava o professor a atuar como um perito de aprendizagem (DIAS; LOPES, 2003).

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necessidade de as pessoas se adequarem/adaptarem ao mundo do trabalho (SILVA, 1999, p. 27). A partir dos anos 70 do século XX começa um movimento de contestação5 do modelo tecnocrata de currículo, impulsionado, principalmente pelas desigualdades e injustiças sociais, pela necessidade de “colocar em questão precisamente os pressupostos dos presentes nos arranjos sociais e educacionais” (SILVA, 1999, p. 30). Esse movimento de resistência criticava o currículo tradicional (modelo de Bobbit) por re-

produzir o statuo quo; em outros termos, porque esse modelo se caracterizava como um modelo de adaptação, aceitação e ajuste a estrutura social estabelecida. Essa perspectiva contribui para o entendimento de que um currículo educacional não pode ser analisado fora de seu contexto social e histórico, pois não é possível pensar num currículo como modelo neutro de organização do conhecimento. A partir disso, Moreira e Silva (1994) organizam um mapeamento em torno de três eixos essenciais para reflexões empreendidas pela Teoria Crítica e a Sociologia do Currículo, quais sejam: ideologia, cultura, poder. O conceito de ideologia, segundo os autores, esteve desde o início da teorização crítica de currículo, orientando e analisando o processo de escolarização, em geral, e a do currículo, em particular. O ensaio de Althusser (1983), Ideologia e os Aparelhos Ideológicos do Estado, marca o início

5  Os principais nomes desse movimento são: Paulo Freire, Althusser,

Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron, Bernstein, Michael Apple, entre outros. Todos esses autores publicam trabalhos questionando a reprodução cultural dos sistemas de ensino, entre a década de 70 e 80 (SILVA, 1999, p. 30). Esse movimento tem repercussão bastante significativa no Brasil, afinal, Paulo Freire escrevia, em 1967, Educação como prática de liberdade e, posteriormente, passaria a ser referenciado por Street (1984) e Gee (1994), e outros pesquisadores do campo do letramento crítico, os quais propunham uma educação para a vida e para a liberdade, colocando a importância da educação para compreender as experiências individuais e coletivas das pessoas no mundo, levando em conta as lutas de classe, as disputas de poder entre as culturas dominantes do centro do mundo e as culturas vernaculares periféricas (FREIRE, 1967).

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da preocupação com a questão da ideologia e a educação. O Estado, para Althusser, atua como aparelho ideológico de perpetuação dos valores dominantes da classe que detém o poder. O conceito de ideologia tem como precedente as relações sociais estabelecidas pelos homens em uma determinada época histórica: o efeito que essas relações provocam no homem será perpetuado em suas atividades de produção. Para Moreira e Silva (1994), numa primeira fase da teorização crítica sobre currículo, a tendência era uma visão do campo ideológico como muito pouco contestado, dessa forma, a ideologia era vista como uma imposição de determinadas ideias da sociedade. É preciso admitir que o conhecimento se expressa, não como uma forma neutra de representação de uma realidade que existe independente dela, mas como um elemento “ativamente implicado na constituição e definição da reali-

dade [...] e esse conhecimento transmutado em currículo escolar atua para produzir identidades individuais e sociais no interior das instituições educacionais” (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 32-34). A cultura, pela perspectiva crítica de currículo, é vista como um processo fundamentalmente político: “A tradição crítica vê o currículo como terreno de produção e criação simbólica, cultural. [...] Nessa visão, a cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos” (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 35). Os conceitos de ideologia e cultura envolvem uma série de questões relacionadas às estruturas da sociedade capitalista. Nesse sentido, “o poder se manifesta através de linhas divisórias que separam os diferentes grupos sociais em termos de classe, etnia, gênero, etc. Essas relações constituem tanto a origem quanto o re-

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sultado de relações e poder” (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 37). Entender que o currículo é constituído historicamente por relações de poder e que é uma forma de organização dos conhecimentos hegemônicos ao longo do tempo não significa ser fácil identificar essas relações, e isso

nesse processo? Saber que o poder não é apenas um mal, nem tem uma fonte facilmente identificável, torna, evidentemente, essa tarefa mais difícil, mas talvez menos frustrante, na medida em que sabemos que o objetivo não é remover o poder de uma vez por todas, mas combatê-lo sempre. [...] O currículo como campo cultural, como campo de construção e produção de significações e sentido, torna-se, assim, um terreno central dessa luta de transformação das relações de poder (MOREIRA; SILVA, 1994, p. 39).

[...] transforma a tarefa da teorização curricular crítica em um esforço contínuo de identificação e análise das relações de poder envolvidas na educação e no currículo. Quais são as relações de classe, etnia, gênero, que fazem com que o currículo seja o que é e que produza os efeitos que produz? Qual o papel dos elementos da dinâmica educacional e curricular envolvida nesse processo? Qual é o nosso papel, como trabalhadores culturais da educação

Os três elementos citados anteriormente (ideologia, cultura e poder) como essenciais para a construção de significações acerca do currículo a partir de um viés da teoria crítica são trabalhados por outros autores nas décadas de 70

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e 80, trazendo para as discussões das teorias pós-críticas questões tais como: subjetividade, identidade, representação, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo, entre outras6.

báreas” que estão representadas na Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Realmente o problema das denominações é muito complexo, revelando relações históricas de cultura e poder e mereceria um artigo à parte. Seguindo o raciocínio, o que significa ser graduado em Letras? É dominar a gramática da língua portuguesa [de Portugal]? É dominar a gramática da língua portuguesa do Brasil? Para depois ensiná-la na educação básica? É conhecer a literatura em língua portuguesa [os clássicos da literatura portuguesa, brasileira, angolana, cabo-verdense etc.]? Para depois ensiná-los nas escolas brasileiras? É um degrau importante para entrar na esfera da pós-graduação em “Letras ou Linguística”? Essas questões de formação e configuração identitária que inquietam os futuros formandos podem auxiliar na formulação de um currículo para o curso, definindo uma trajetória coerente de es-

3 O Currículo de “Letras”: professor brasileiro estudando para ensinar língua portuguesa [brasileira]? Inicialmente, mesmo que de passagem, gostaríamos de voltar à questão posta por Bagno (2003) sobre o nome do curso, considerado como um anacronismo do termo. De fato, hoje, ainda é estranho e constrangedor para alguns alunos do curso terem que assumir o ethos de graduados em Letras. Mas também soa estranho ser graduado em “linguística”, ou ser graduado em “literatura”, as duas “áreas ou su6  Ver Tomaz Tadeu da Silva (1999). O autor introduz algumas dessas questões, por meio de revisão de literatura das temáticas envolvidas nas teorias de currículo.

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tudos durante a graduação em Letras (até que se encontre uma denominação mais adequada). É interessante provocar os alunos do curso para que pensem que são “cientistas da linguagem”; assim, nas conversas no Restaurante Universitário – RU, por exemplo, poderiam sentir mais orgulho do que fazem, já que muitas vezes são depreciados como estudantes de Letras. Mas, voltando ao currículo de Letras, conforme apontaram Gimenez e Mateus (2009), realmente a maioria dos currículos de formação de professores em Letras no Brasil está ainda organizada para fornecer diplomas diferentes de Licenciado em Letras e/ou Bacharel em Letras, de acordo com algumas especificidades na trajetória de estudos, normalmente escolhidas a partir da metade do curso. O debate promovido pelos pesquisadores em formação de professores em torno dessa questão problemática parece ter repercutido no Ministério da Educação a ponto de,

hoje, haver orientação para que doravante os estudantes tenham ciência de que ao ingressarem no curso de Licenciatura ou Bacharelado seguirão, do início ao fim de sua trajetória, disciplinas específicas desses distintos campos de formação profissional. Há ainda um ponto a avançar, no que tange ao curso de Letras Língua Portuguesa [Brasileira], em decorrência da lógica da divisão entre licenciatura e bacharelado. As áreas de linguística, linguística aplicada, teoria literária e literatura nem sempre estão distribuídas nos currículos do curso de modo equânime, o que sobrecarrega os estudantes de conteúdos de disciplinas de um campo de saber negligenciando ou fragilizando a sua formação nos outros campos. Para entendermos essa dinâmica de distribuição das horas de estudo nas diferentes áreas, propomos olhar mais de perto as disciplinas cursadas pelos alunos passam em seu trajeto de

240


Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC

formação, a partir de uma análise preliminar da organização curricular do curso de Letras – Português da Universidade Federal de Santa Cataria.

Quadro 1 – Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras Português da UFSC Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC Área/Carga horária (Teoria/PCC 7) Fase

Disciplinas Obrigatórias

Linguística/ Linguística Aplicada/Latim

Teoria Literária/ Literatura

Saberes Pedagógicos 3ª

História dos Estudos Linguísticos

60h (52+08)

Estudos Gramaticais

60h (52+08)

Produção Textual Acadêmica I

60h (52+08)

Literatura Brasileira I

60h (52+08)

Teoria Literária I

60h (52+08)

Literatura Portuguesa I

60h (52+08)

7 Prática como Componente Curricular.

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Fonética e Fonologia do Português

60h (52+08)

Morfologia do Português

60h (52+08)

Língua Latina I

60h (Teoria)

Literatura Brasileira II

60h (52+08)

Teoria Literária II

60h (52+08)

Literatura Portuguesa II

60h (52+08)

Sintaxe do Português

60h (52+08)

Língua Latina II

60h (Teoria)

Literatura Brasileira III

60h (52+08)

Teoria Literária III

60h (52+08)

Literatura Portuguesa III

60h (52+08)

Semântica

60h (52+08)

Teoria da Enunciação e/ ou Linguística Textual

60h (52+08)

Língua Latina III

60h (Teoria)

Estudos Literários I

60h (52+08)

Teoria Literária IV

60h (52+08)


Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC

Aquisição da Linguagem e/ou Psicolinguística

60h (52+08)

Sociolinguística e/ou Dialetologia

60h (52+08)

Estudos Literários II

45h (40+05)

Teoria Literária V

45h (Teoria)

Literatura e Ensino

60h (PCC)

Psicologia Educacional: Desenvolvimento e Aprendizagem

Organização curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC

72h (60+12)

Linguística Aplicada: Ensino de Língua Materna

90h (PCC)

História da Língua e/ ou Política Linguística

60h (52+08)

Estudos Literários III

45h (40+05)

Estudos de Teoria da Literatura I

45h (Teoria)

Análise do Discurso e/ou Pragmática

60h (52+08)

Modelos de Análise Linguística e/ ou Filosofia da Linguagem

60h (Teoria)

Estudos Literários IV

45h (40+05)

Estudos de Teoria da Literatura II

45h (Teoria)

Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura

126h (90+36)

Estágio Supervisionado I

252h

Estágio Supervisionado II

252h

Total

2.886h (1961+421)

1.050h (864+186)

990h (827+163)

846h (270+72)

Fonte:

Didática do Ensino de Língua Portuguesa e Literatura

72h (60+12)

Organização Escolar

72h (60+12)

Nesse quadro é possível visualizar um resumo da grade curricular do curso de Licenciatura em Letras da UFSC. Considerando a natureza dos conteúdos trabalhados nas disciplinas, estas foram divididas em três grandes áreas: 1) Linguística/Linguística Aplicada/Latim; 2) Teoria

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Literária/Literatura; e 3) Saberes Pedagógicos. Para cada disciplina, indicamos sua carga horária, bem como a quantidade de horas/aula destinada à teoria e à prática. A título de orientação, atualmente, a UFSC oferece o curso de Letras em dois turnos, diurno e noturno. A diferença fundamental entre os dois turnos relaciona-se à distribuição das disciplinas em função do tempo de duração do curso, já que no diurno é possível a realização de 25h/a semanais, enquanto o noturno comporta 20h/a semanais. Em função disso, o curso diurno tem nove fases e o noturno dez. O quadro acima refere-se à organização curricular do curso ofertado no diurno. Cabe ressaltar que as fases iniciais – até a quarta no diurno e até a quinta no noturno, conforme alertavam Gimenez e Mateus (2009), fazem parte do núcleo comum à Licenciatura e ao Bacharelado.

No quadro, estão listadas as disciplinas obrigatórias do curso, porém a integralização curricular efetiva-se após a realização de, no mínimo, 3.371 h/a. A distribuição dessa carga horária dá-se da seguinte forma: •• 2.886h/a de disciplinas obrigatórias, sendo 1.961h/a destinadas à teoria, 421h/a para PCC e 504h/a de estágio supervisionado; •• 225h/a para disciplinas optativas presenciais, sendo 165h/a de teoria e 60h/a de PCC; •• 260h/a para atividades acadêmico-científico-culturais (ACC). A Resolução CNE/CP2, de 19 de fevereiro de 2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em

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nível superior, determina que, da carga horária total do curso, no mínimo, 400 horas sejam destinadas à prática como componente curricular e 200 horas para atividades acadêmico-científico-culturais, respectivamente, PCC e ACC conforme Projeto Pedagógico do curso em análise. Tal resolução institui o PCC como uma possibilidade (garantia) de articulação entre a teoria e a prática ao longo do curso. No quadro resumo do currículo acima, pode-se observar a distribuição da carga horária destinada ao PCC ao longo das disciplinas obrigatórias. Fica evidente a prevalência da teoria em relação à prática na carga horária total do curso. Nas ementas dessas disciplinas, genericamente, sugere-se a realização de reflexões sobre a prática pedagógica no ensino médio e fundamental, no entanto, é curioso que na relação de bibliografia mínima, com exceção de Linguística Aplicada: ensino de língua materna, Literatura e

ensino e das disciplinas relativas aos saberes pedagógicos, não há indicação de referências que atendam a essa demanda. Quanto às atividades acadêmico-científico-culturais (ACC), ao longo do curso o estudante de Letras deverá cumprir 260 horas de atividades desenvolvidas como ensino, pesquisa e/ou extensão em Letras. Fica a critério do aluno a distribuição dessa carga horária entre esses tipos de atividades. A cada 90 horas de atividades de ensino, pesquisa e/ou extensão, o aluno solicitará validação como disciplina não presencial (Ensino em Letras I e II; Pesquisa em Letras I e II; Extensão em Letras I e II). Considerando as três áreas sugeridas para agrupamento das disciplinas, observamos a preponderância da carga horária destinada ao estudo da língua (imanente, de base estruturalista), seguida da literatura (com concentração de disciplinas de teoria literária). Isso demons-

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tra, por um lado, que o repertório de conteúdos (saberes) linguísticos e literários do futuro professor poderá ser consistente na formação do profissional de “Letras” e, por outro lado, que os conteúdos (saberes) relacionados ao fazer docente, às questões de ensino-aprendizagem, ainda não ocupam sequer o mesmo espaço dos conteúdos linguísticos e literários no currículo. Além disso, o quadro das disciplinas obrigatórias indica a prevalência de concepções de língua e linguagem numa perspectiva estruturalista-formalista, o que restringe o espaço no currículo para os estudos do letramento, da linguística do texto e do discurso e dos gêneros textuais-discursivos, indiscutivelmente, necessários para a atuação do professor na contemporaneidade, conforme preconiza o texto dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Com o quadro de disciplinas obrigatórias, observamos que, apesar da inclusão do PCC, que

busca articular a teoria à prática ao longo da formação, não limitando a prática ao estágio, a proposta de uma formação docente integral ainda não é uma realidade. O professor, como já dito, e cabe ressaltar, poderá ter uma consistente formação teórica a respeito da língua e da literatura na conclusão do curso, porém questionamos de que forma tais conhecimentos serão agenciados no trabalho com a linguagem em sala de aula. Apesar de não ter sido objeto de análise, a natureza e a carga horária das disciplinas optativas se assemelham às obrigatórias. Certamente, faz-se necessário um estudo mais profundo das ementas das disciplinas, no entanto, a grade curricular da licenciatura não evidencia, mesmo com as reformas curriculares desde a década de 90, discussões acerca dos letramentos, das práticas de produção textual (oral e escrita) de gêneros diversos, das práticas de leitura e de análise linguística de textos de

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(v) a concepção sociointeracionista de língua/linguagem postulada nos PCN e em inúmeros documentos da área, em âmbito estadual e municipal, ainda é periférica no currículo.

gêneros diversos na Educação Básica, em consonância com a realidade sócio-histórica dos estudantes desse nível de ensino. Em síntese, a análise das disciplinas obrigatórias demonstra que na formação do professor de Língua Portuguesa da UFSC:

Considerações finais

(i) há uma discrepância entre as cargas horárias das três áreas apontadas;

Para finalizar nossa contribuição, retomaremos alguns pontos discutidos nos tópicos anteriores e levantaremos algumas questões a serem debatidas:

(ii) apesar de a instituição do PCC, do estágio e do ACC, a teoria se sobressai à prática na grade curricular;

i) o primeiro ponto a ressaltar é o fato de termos uma pesquisa sólida em linguística e linguística aplicada no país, há décadas, no âmbito da pós-graduação, de orientação sociodiscursiva, que foi e ainda é utilizada como base de elaboração de documentos parametrizadores da educação nacional (âmbito federal, estadual

(iii) há maior concentração de disciplinas da linguística formal/estruturalista e menos disciplinas com orientação da linguística aplicada; (iv) há maior concentração de disciplinas de teoria literária e menos disciplinas de literatura e de ensino de literatura;

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e municipal), mas que ainda não consegue se estabelecer como um paradigma majoritário a ser seguido na elaboração de cursos de graduação em Letras que vão formar os professores de língua portuguesa [brasileira];

política linguística para nosso país, como preconiza (BAGNO; RANGEL, 2005) e/ou como preconizam os especialistas que contribuíram para os PCN, assumindo que o verdadeiro objetivo do ensino de língua é a produção/ recepção de discursos;

ii) em segundo lugar, trazemos nossa inquietação em constatar que o debate sobre a revisão dos currículos de Letras nas universidades brasileiras, ainda bem incipiente, carece da imprescindível discussão sobre a relação currículo, política, cultura e poder, como preconizam os autores de uma abordagem crítica de currículo (MOREIRA; SILVA, 1994);

iv) e, por fim, levando em conta que o debate está em seu início e que a caminhada pode ser longa, precisamos agir de modo mais contundente nos fóruns de discussão acadêmica do campo da linguística e da linguística aplicada, para realizar a transformação “desejada” e construir uma formação inicial de professores de língua portuguesa [brasileira] que responda às necessidades da sociedade brasileira contemporânea. De fato, não conseguiremos enfrentar o analfabetismo funcional (até mesmo o analfabetismo político) enquanto a formação do professor de língua

iii) essa concepção levaria naturalmente a umareflexão sobre a importância de se pensar o currículo de Letras – formação inicial de professores de língua portuguesa [brasileira] como um dispositivo importante de uma

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portuguesa [brasileira] estiver orientada por uma concepção de letramento autônomo, distante da vida social, que se paute pela hegemonia da cultura grafocêntrica dominante (língua e literatura patrimonialista), erguida nas bases do produtivismo da fábrica, estruturalista e formalista (concepção imanente de língua), que acaba por inviabilizar a perspectiva enunciativa e discursiva histórica que revela a luta cotidiana no campo da linguagem entre as forças sociais antagônicas que buscam o poder.

que se trata ainda de um modelo muito recorrente; o qual na nossa percepção, pelas razões apresentadas acima, deve ser combatido.

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Se é certo que do ponto de vista estatístico, somente o exemplo da “grade curricular” da UFSC não pode servir de base para generalização, visto que no Brasil há uma centena de cursos de Letras, também não se pode negar, e isso é notável na literatura de referência da área e nas falas e nos textos escritos dos congressos,

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Texto

4

Práticas de leitura no ensino fundamental: uma construção coletiva

Ivone Rodrigues Diniz Monteiro Maria da Penha Casado Alves

como também o ano escolar em que os estudantes são avaliados por meio da Prova Brasil, cujos resultados integram o cálculo do IDEB. Ao analisar os resultados do IDEB 2009 das escolas estaduais do RN no que diz respeito ao Ensino Fundamental – anos finais, observamos que algumas escolas apresentavam resultados exitosos. Essa informação contraria os resultados insignificantes obtidos pela maioria das escolas estaduais, como também vai de encontro às discussões que incidem prioritariamente sobre o fracasso escolar. Eis a motivação para investigar os posicionamentos de professores e de estudantes acerca das práticas de leitura no Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais do RN que apresentam resultados exitosos, conforme o IDEB 2009. A partir dessas constatações, direcionamos a pesquisa para aquelas instituições que, no atual contexto educacional, estão proporcionando aos estudantes apren-

Introdução Este artigo aborda as práticas de leitura a partir das vozes sociais de professores e de estudantes do Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais do Rio Grande do Norte (RN) que apresentaram resultados exitosos, conforme o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2009. Explicitar tais práticas foi o objetivo principal de uma pesquisa de doutorado realizada no período de 2011 a 2013, no Programa de Pós‑Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgEL – UFRN). Para tanto, essa pesquisa ocorreu nas aulas de Língua Portuguesa em turmas do 9º ano do Ensino Fundamental. A escolha do 9º ano justificou-se por esse ser o ano escolar de conclusão da segunda etapa da Educação Básica,

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dizagens significativas, que se diferenciam das demais instituições. Convém destacar que a escola tem como uma de suas funções formar o cidadão, ou seja, construir conhecimentos, atitudes e valores que tornem o estudante solidário, crítico, ético e participativo. Assim sendo, para que haja a formação do cidadão ciente de seus direitos e deveres e capaz de contribuir para que as transformações sociais ocorram, é imprescindível que os professores estejam inquietos no que se refere ao processo de formação do leitor cooperativo, produtivo, sujeito do processo de ler. Segundo Brandão e Micheletti (1998), a leitura como exercício de cidadania exige um leitor privilegiado, de aguçada criticidade. Nesse sentido, o papel do professor no processo de ensino-aprendizagem é essencial, especialmente, no que diz respeito ao ensino de leitura. Ressalte-se que o fracasso ou o êxito do

estudante na Educação Básica está relacionado, quase sempre, à sua formação leitora. Como enfatiza Casado Alves (2012): Se o nosso ato ético em sala de aula nos responsabiliza com a formação de cidadãos letrados, conceber a escola como cronotopo singular onde se gestam as práticas de leitura e de escrita para o mundo da vida é o primeiro movimento em prol de um ensino mais significativo para o aluno.

Assim sendo, o professor não pode deixar de, por meio do ensino da Língua Portuguesa, tornar as pessoas cada vez mais críticas, mais participativas e atuantes, política e socialmente, não podendo, pois, ausentar-se do momento atual. Segundo Antunes (2005, p. 15), o momento atual é de renovação, de mudanças, de

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participação social, ou seja, de exercício pleno da cidadania. Para tanto, é imprescindível que o processo de ensino‑aprendizagem priorize o ensino da leitura crítica. A esse respeito Silva (1998, p. 22) comenta:

ensino de leitura, ou melhor, o ensino de Língua Portuguesa, tornando os estudantes mais críticos e atuantes na sociedade. Na primeira parte do artigo abordamos a contextualização da pesquisa em referência e tecemos considerações sobre a linguagem como processo de interação e a leitura como prática dialógica. Na segunda parte, apresentamos a análise dos dados construídos a partir das vozes sociais dos professores, estudantes, diretores, bibliotecárias, coordenadoras pedagógicas e supervisoras.

[...] a leitura crítica encontra a sua principal razão de ser nas lutas em direção à transformação da realidade brasileira, levando o cidadão a compreender as raízes históricas das contradições e a buscar, pela ação concreta, uma sociedade onde os benefícios do trabalho produtivo e, portanto, da riqueza nacional não sejam privilégios de uma minoria.

1 Abordagem Teórico-Metodológica O aporte teórico que orientou a pesquisa advém do pensamento bakhtiniano (2009, 2010), que trata da perspectiva dialógica da linguagem e da compreensão responsiva ativa, e ancora-se nas reflexões teóricas de Antunes (2005, 2009) e Geraldi (2003, 2006, 2010) acerca da leitura e da

Nessa perspectiva, este trabalho poderá contribuir para que os professores da rede pública de ensino possam refletir sobre as suas concepções e práticas de leitura, aprimorando o

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escrita no país, as quais contribuem para o redimensionamento do processo de ensino‑aprendizagem de Língua Portuguesa. De acordo com Oliveira (2009b), a Linguística Aplicada está sendo compreendida como uma área de produção de conhecimentos que pretende assumir como objeto de estudo privilegiado a linguagem verbal em uso nos mais diversos universos discursivos. Essa produção de conhecimentos busca problematizar e compreender questões de linguagem que respondam às exigências da sociedade contemporânea. Segundo Moita Lopes (2008), tais exigências parecem estar relacionadas à reinvenção da vida social, o que implica a reinvenção do processo de produção de conhecimento, tendo em vista que, ao tentar entender a vida social, a construímos. Dessa forma, a pesquisa de doutorado realizada está inserida no paradigma teórico da Linguística Aplicada, a qual investiga as práticas

de leitura, em turmas de Língua Portuguesa, no Ensino Fundamental, concebendo a linguagem como prática social no contexto de aprendizagem de língua materna ou em contextos onde se evidenciem questões relevantes sobre o uso da linguagem (MENEZES; SILVA; GOMES, 2009). Para atender aos objetivos propostos na investigação, optamos pelo enfoque metodológico da pesquisa qualitativa de cunho sócio-histórico por entendermos que este possibilitaria uma melhor compreensão dos sentidos atribuídos pelos sujeitos – professores e estudantes – às práticas de leitura no Ensino Fundamental. Nessa perspectiva, foram adotados os parâmetros da pesquisa qualitativa, haja vista que, segundo Freitas (2007, p.27), “na pesquisa qualitativa de orientação sócio-histórica, dentre outros aspectos, procura-se compreender os sujeitos envolvidos na investigação para, por meio deles, compreender também o seu contexto”.

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Foram selecionadas para participar da pesquisa as três instituições de ensino estaduais do RN que obtiveram maior valor de IDEB em 2009 no que diz respeito ao Ensino Fundamental – 6º ao 9º ano, as quais estão elencadas na Tabela 1.

os índices apontam que no IDEB 2009 as escolas pesquisadas se sobressaem em relação aos resultados do Ensino Fundamental nos anos finais em nível de Rio Grande do Norte (2,9) e de Brasil (3,8).

Gráfico 1 – IDEB 2005, 2007 e 2009 do Brasil, do RN e das escolas pesquisadas

Tabela 1 – Instituições Educacionais pesquisadas Localização

IDEB 2009

Escola Estadual Barão do Rio Branco (EEBRB)

Parelhas

5,3

Escola Estadual Dr. José Gonçalves de Medeiros (EEJGM)

Acari

4,6

Escola Estadual Joaquim José de Medeiros (EEJJM)

Cruzeta

4,5

Instituição de Ensino

Fonte: Tabela com base em dados do Inep.

No Gráfico 1, podemos perceber a evolução dos resultados das três escolas estaduais no que se refere ao IDEB 2005, 2007 e 2009. Além disso,

Fonte: Gráfico com base em dados do Inep.

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Considerando a noção bakhtiniana de sujeito que se constitui na e pela linguagem, linguagem concebida como atividade, realizada por sujeitos que são histórica, social e culturalmente situados, os sujeitos da pesquisa são professores e estudantes de turmas de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental. A pesquisa foi realizada nas escolas citadas em março de 2012 e dela participaram 102 dos 110 estudantes, as três professoras de Língua Portuguesa do 9º ano do Ensino Fundamental, como também as equipes de direção e pedagógicas das escolas. Com o intuito de manter o anonimato dos sujeitos pesquisados, nomeamos as professoras de P1, P2 e P3. O anonimato dos estudantes também foi mantido. Desse modo, foram aplicados questionários com os sujeitos da pesquisa, além de observação de uma aula/hora relógio de Língua Portuguesa em cada turma e a realização de um encontro informal

com as equipes de direção e pedagógicas de cada escola. Os dados da pesquisa foram construídos e analisados com base nos posicionamentos de professores e estudantes sobre as práticas de leitura, a partir das vozes sociais que permeiam os enunciados presentes nos questionários aplicados e nas aulas observadas. Foram consideradas também as vozes sociais das equipes de direção e pedagógicas obtidas a partir de encontros dialógicos informais. Tais encontros foram realizados com os diretores, os coordenadores pedagógicos, os supervisores e as bibliotecárias e proporcionaram discussões acerca das atividades pedagógicas desenvolvidas na escola, especialmente, no tocante aos projetos sob a responsabilidade da biblioteca e com a participação da comunidade escolar. Foram, pois, apresentados os Planos de Ação das Bibliotecas, os Projetos

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das Semanas Literárias e os Projetos de Incentivo à Leitura e à Escrita. O processo de compreensão dos dados foi norteado pelas orientações do pensamento bakhtiniano que considera o ser expressivo e falante (BAKHTIN, 2010) como objeto de estudo e se refere à noção de texto como um conjunto de enunciados. A esse respeito Bakhtin (2010, p. 307) enfatiza que “[...] o texto é a realidade imediata (realidade do pensamento e das vivências). Onde não há texto não há projeto de pesquisa e pensamento”. Nesse sentido, o texto é o ponto de partida, quaisquer que sejam os objetivos da pesquisa, e é por meio das relações dialógicas que os sentidos são construídos. A construção dos dados ocorreu a partir da noção de vozes sociais, as quais são compreendidas como pontos de vista, posicionamentos, manifestação de consciências que dialogam, concordam, discordam, silenciam a voz do outro

ou a si próprio, expressando valores (OLIVEIRA, 2005). Ademais, foi considerada a concepção de linguagem como processo de interação e de leitura como prática dialógica. Nesse sentido, Oliveira (2008, p. 178) destaca que, “[...] para atender às exigências dessa sociedade, cada vez mais semiotizada, seria necessária uma concepção de linguagem [...] pensada como atividade e ação no mundo, emergindo em situações intersubjetivas”. Assim, o processo educativo deve basear-se em uma concepção interativa de linguagem, considerada em um processo discursivo de construção do pensamento. A leitura como atividade de linguagem é uma prática social, que promove a interação entre os sujeitos, a fim de que estes sejam capazes de compreender o mundo e atuar como cidadãos. Desse modo, a partir das contribui-

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ções das ideias de Bakhtin e seu Círculo1, entendemos a leitura como prática dialógica, na qual as relações de sentido entre os enunciados são estabelecidas a partir da dinâmica do processo de interação das vozes sociais. A escola tem a responsabilidade de contribuir para a construção da cidadania dos sujeitos. Para tanto, o ensino deve ser pensado como produção de conhecimentos e não como aprendizagem do conhecido, uma vez que ensinar não é apenas transmitir e informar, ensinar é ensinar o sujeito aprendente a construir respostas (GERALDI, 2010). Assim sendo, o processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa pressupõe a concepção de linguagem como interação verbal entre sujeitos histórica e social-

mente situados, bem como o entendimento de leitura como prática dialógica.

2 Práticas de leitura no Ensino Fundamental: vozes sociais Passamos a abordar as vozes sociais presentes nos três principais momentos vivenciados na pesquisa de doutorado, a saber: aplicação de questionários com professores e estudantes, observação em sala de aula e encontros dialógicos com as equipes de direção e pedagógica de cada escola investigada. 2.1 Vozes sociais dos professores As professoras, designadas P1, P2 e P3, responderam a um questionário com cinco questões abertas identificadas de 01 a 05, bem como a um questionário de caracterização do profes-

1  Segundo Faraco (2010), o Círculo de Bakhtin era constituído por pessoas de diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais e dele fazia parte, além do próprio Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volochinov e Pavel N. Medvedev, entre vários outros, o filosófo Matvei I. Kagan, o biólogo Ivan I. Kanaev, a pianista Maria V. Yudina, o professor e estudioso de literatura Lev V. Pumpianski.

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Quadro 1 – Posicionamentos dos professores no que se refere à questão 01

sor, também com 05 questões. As respostas das professoras são o ponto de partida para a compreensão dos seus posicionamentos2, as quais respondem as questões propostas em nossa pesquisa de doutorado. Neste artigo, destacamos apenas a questão 01 do primeiro questionário. Convém ressaltar que todas as análises de questionários, aulas observadas e encontros dialógicos estão disponíveis em Monteiro (2013).

Professor

•• Questão 01: Para você, o que significa ensinar Língua Portuguesa no Ensino Fundamental?

Posicionamentos

P1

Ensinar Língua Portuguesa no Ensino Fundamental requer uma constante busca de inovação, de acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade. Em face dessa realidade, é necessário se buscar metodologias que levem o aluno a ser crítico, a desenvolver habilidades leitoras que permitam a interpretação dos diversos tipos de textos.

P2

Vejo o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, no qual se privilegia a leitura e a escrita, primordial ao crescimento intelectual e, por conseguinte, condicionador do sucesso do educando. É nesse período que os hábitos propiciadores do avanço cognitivo são cristalizados e que o leitor mais amadurecido adentra os conhecimentos do Ensino Médio com mais profundidade, maior visão de mundo e melhor interpretação da sociedade. Então, o ensino de Língua Portuguesa é o construir alicerces firmes, que farão o educando pleno nas atividades sociais, profissionais e culturais que a sociedade almeja.

P3

Momentos de satisfação e ao mesmo tempo de muita responsabilidade, pois a língua identifica um povo no seu fazer cotidiano.

Fonte: Dados de pesquisa da autora.

2  As falas dos professores entrevistados foram transcritas literalmente.

260


Na primeira questão, os posicionamentos de P1 revelam que para ensinar Língua Portuguesa, cujo objetivo principal é a formação de leitores críticos, o professor deve estar bem informado, buscando inovações e metodologias adequadas e eficazes. Podemos encontrar essa mesma perspectiva de ensino nos posicionamentos de P2, os quais apontam para a relevância do ensino de Língua Portuguesa à vida do estudante no que se refere ao seu desenvolvimento intelectual e, consequentemente, ao desenvolvimento de suas atividades sociais e profissionais. Além disso, P2 destaca que o Ensino de Língua Portuguesa é o alicerce para o estudante do Ensino Fundamental para ter acesso ao Ensino Médio com conhecimentos que o levem a compreender com clareza a sociedade em que vivemos. Já P3 enfatiza a sua satisfação e responsabilidade ao ensinar a Língua Portuguesa, que faz parte de nossas vidas e nos identifica. A

Língua Portuguesa é vida, pois está dentro e fora das instituições educacionais, sendo enriquecida e transformada cotidianamente. Assim sendo, compreendemos que ensinar Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, para essas professoras, significa comprometer-se com a causa, ou seja, com a educação dos estudantes voltada para a formação escolar e para a vida. Reportando-se a Antunes (2005), percebemos que essas professoras estão envolvidas no processo de transformação da sociedade, com entusiasmo e responsabilidade, buscando, por meio do ensino de Língua Portuguesa, caminhos possíveis com vistas à formação cidadã dos jovens. 2.2 Vozes sociais dos estudantes Os 102 estudantes responderam a dois questionários: o primeiro, com cinco questões abertas e o segundo, composto por seis ques-

261


•• Questão 01: Comente sobre a importância da disciplina Língua Portuguesa.

tões fechadas. Abordamos, neste trabalho, as cinco questões abertas, cujas respostas foram transcritas exatamente como se encontram nos questionários aplicados. A análise de cada questão aberta se inicia com a pergunta tal como proposta nos questionários aplicados. Em seguida, apresentamos algumas vozes dos estudantes reveladas nos enunciados respondidos. Logo após, iniciamos a análise das vozes sociais. À medida que diferentes posicionamentos emergiam, os mesmos iam sendo agrupados em diferentes categorias. Vozes idênticas reveladas a partir de enunciados de estudantes diferentes foram contabilizadas, de forma que os posicionamentos são elencados em ordem decrescente de ocorrência, o que significa que o primeiro item apresentado é o mais mencionado pelos estudantes.

Creio que, a língua portuguesa tem grande importância. Não só na escola, e sim na sociedade. Se a pessoa teve um bom ensino em português, certamente irá saber se expressar melhor, visando o bom entendimento. (Estudante A6)

A disciplina de Português é esencial para a vida do ser humano com ela nós estudantes, podemos ler, escrever, recitar poemas, aprender as regras da língua portuguesa, e principalmente, tomar o gosto pela leitura. (Estudante B4)

262


•• o desenvolvimento do processo de comunicação, ou seja, de interação social;

O estudo da Língua Portuguesa é extremamente importante no convívio social, na formação de um indivíduo que saiba posicionar-se perante a sociedade, uma pessoa que saiba dialogar corretamente. (Estudante C21)

•• conhecimentos para o futuro; •• conhecimentos para aprovação no vestibular; •• aprovação em concursos e inserção no mercado de trabalho;

Na primeira questão, os enunciados dos estudantes apontam que a disciplina Língua Portuguesa é relevante, tendo em vista que os proporciona:

•• conhecimentos para ter uma profissão; •• formação de cidadãos melhores;

•• ler melhor, compreender; •• aplicação das normas gramaticais; e •• escrever corretamente; •• conhecimentos e leituras para o Ensino Médio. •• falar corretamente; Os posicionamentos revelam que os estudantes do 9º ano têm clareza de quão impor-

•• uma formação escolar mais consistente;

263


•• Questão 02: Durante as aulas de Língua Portuguesa são desenvolvidas atividades que incentivam/envolvem a leitura? Que atividades são essas? Quais as que você considera mais relevantes para a sua formação enquanto cidadão(ã) crítico(a)? Justifique sua resposta.

tante é estudar Língua Portuguesa, a fim de que possam construir conhecimentos para a sua vida escolar, acadêmica, profissional e social. Os posicionamentos estão elencados em ordem decrescente do número de citações pelos estudantes. De acordo com as vozes dos estudantes, a leitura e a escrita assumem um lugar de destaque no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que foram os itens mais mencionados. Nesse sentido, é imprescindível que os estudantes tenham cada vez mais ciência de que ler, escrever, falar e ouvir são processos que se estabelecem de interação social com o outro. A esse respeito, Faraco e Castro (2000) comentam que o professor de linguagem deve privilegiar não só o contato do estudante com a leitura e a produção de textos, como também fazer dessa leitura e dessa produção uma relação linguística viva.

Sim, textos populares com personagem que chama atenção de nós jovens, peças de teatro, projetos com poesia e música para incentivar a leitura, a leitura de livros e peças de teatro, pois interpreta com mais clareza a realidade do mundo de hoje. (Estudante B4)

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A professora incentiva a leitura, ela faz pequenos recitais na própria sala de aula, ela também incentiva a construir redações e apresentações pra toda a sala. A leitura e apresentação poética é na minha opinião a mais preciosa porque ela nos revela fatos mais coerentes com a vida atual. (Estudante C14)

compreensão de texto. A semana literária pois aprimora nossos conhecimentos ano passado por exemplo estudamos alguns escritores do RN como Deífilo Gurgel e textos que envolvem nossas vidas em geral com os pais parecem ter sido feito para nós. (Estudante C15)

Os posicionamentos dos estudantes revelam que, durante as aulas de Língua Portuguesa, são desenvolvidas as mais variadas atividades que incentivam/envolvem a leitura. Entre as mais mencionadas, temos:

Sim. Durante as aulas são desenvolvidas várias atividades que incentivam a leitura como por exemplo encenações na qual a sala sempre participa; a semana literária, na qual não só a sala participa mas a escola toda; leitura e compreensão de texto; atividades de leitura na internet, recitais e outros. A semana literária e a leitura e

•• Leituras e exercícios de compreensão textual •• Leitura de poemas

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•• Organização e apresentação de seminários a partir de pesquisa de textos

•• Leituras e exercícios de compreensão a partir de textos da esfera jornalística

•• Leitura de textos do livro didático

•• Organização e participação na Semana Literária

•• Produção textual

•• Leitura e exercícios de compreensão de contos e crônicas

•• Debates •• Leitura e exercícios de compreensão de charges e gibis

•• Organização e apresentação de dramatizações •• Pesquisas sobre temas atuais

•• Compreensão a partir de vídeos assistidos na telessala

•• Visitas à biblioteca para escolha de livros •• Produção de livros •• Leituras e exercícios de compreensão a partir de letras de músicas

•• Leitura e compreensão de textos obtidos da internet.

•• Recitais

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Desse modo, nas turmas de Língua Portuguesa investigadas, os estudantes vivenciam as mais diversas práticas de leitura, o que favorece, de forma significativa, os resultados exitosos no processo de ensino-aprendizagem. Os enunciados analisados mostram ainda que os estudantes consideram essas práticas importantes para sua formação enquanto cidadãos críticos, uma vez que proporcionam: ampliação de conhecimentos sobre a sociedade atual; desenvolvimento da leitura e da escrita; conhecimentos sobre a cultura e a literatura no estado do RN e no Brasil; conscientização ambiental; preparação para enfrentar os desafios da vida; conhecimentos sobre a cultura de outros países e preparação para o mercado de trabalho. Ante o exposto, podemos compreender que os estudantes estão cientes de que a leitura exerce um papel fundamental na sua formação escolar e na sua vida. Isso é resultado

das diversas atividades discursivas, ou seja, pedagógicas, que são desenvolvidas na interação entre professores e estudantes, considerando a linguagem como atividade, como ação. A esse respeito, Faraco (2010, p. 120), com base em Bakhtin, comenta que “a linguagem verbal não é vista primordialmente como sistema formal, mas como atividade, como um conjunto de práticas socioculturais”. •• Questão 03: A temática dos textos estudados em sala de aula está em sintonia com o mundo em que você vive? Comente sua resposta.

Sim, fala sobre a poluição no mundo e também sobre cidadania. (Estudante A21)

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Sim. Os textos trabalhados falam sobre meio ambiente, juventude, drogas, nos mostra que temos que ir em frente, persistir para realizar um sonho, trabalhamos a arte das cores, das formas, música, notícias, poesias, fatos reais entre outros. (Estudante B3)

Podemos perceber, a partir dos enunciados expressos nessa questão, que as temáticas discutidas em sala de aula estão em sintonia com o mundo atual, tendo em vista que os textos abordados envolvem fatos, acontecimentos que ocorrem na vida dos estudantes. As vozes dos estudantes ainda revelam a diversidade de temas que são debatidos a partir dos textos, dentre os quais podemos elencar:

Sim, os poemas que criamos referente a natureza, textos sobre a discriminação e bullyg e projetos desenvolvidos na escola (Poesia e canção, O amor o astro rei da vida). (Estudante B4)

•• Bullying, drogas, religião, adolescência, obesidade •• Desmatamento, ecologia •• Preconceito, racismo, pessoas com deficiência

Sim. A professora sempre procura falar sobre assuntos que nos interessa sobre violência, gravidez na adolescência, política, drogas, etc. (Estudante C27)

•• Violência •• Gravidez na adolescência

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•• Amor, romance, namoro

Pode-se perceber que os temas mencionados pelos estudantes são de interesse da sociedade, sendo alvo recorrente de reportagens nos diversos meios de comunicação. Desse modo, os temas discutidos estão coerentes com o atual contexto socioeconômico e político. A discussão de temas tão significativos, a partir de atividades de leitura e de compreensão de textos, aumenta o conhecimento e a percepção do mundo, instigando o estudante a confrontar ideias e valores. Desse modo, propicia-se a formação de cidadãos éticos, dotados de valores e capacidade crítica. Assim sendo, compreendemos que as práticas de leitura são desenvolvidas a partir da concepção de linguagem como forma de interação, considerando os enunciados no mundo da vida. Bakhtin (1992 apud GERALDI, 2010, p. 141) afirma que “A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua”.

•• Política; •• Poluição, meio ambiente, aquecimento global •• Relações familiares, comportamento humano •• Abuso sexual •• AIDS •• Prostituição, doenças •• Amizade, casamento Esses temas, segundo os enunciados, são discutidos a partir de textos obtidos do livro didático, da internet, de fábulas, de contos, além de filmes que os estudantes assistem na telessala.

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•• Questão 04: Na sua escola, há algum incentivo à leitura? Justifique.

Sim. Visita a biblioteca de quinze em quinze dias, passeios nos quais visam o estudo e nesse passeio a escola dá total apoio (transporte, professores, guias), Semana literária e texto em geral. (Estudante C15)

Sim, temos nossa biblioteca e sempre a alguma exposição com os livros para nos mostrar a importância da leitura. Além disso, o incentivo dos professores na sala de aula. (Estudante A30)

Sim, pois os incentivos tanto dos professores, das diretoras e até mesmo dos nossos pais é o que não falta. (Estudante C16) Sim. Quando o professor necessita de algum tipo de material ou uma aula diferente a gestão está sempre dando o apoio e o auxílio para que possa se realizar o planejado. (Estudante B6)

Os posicionamentos dos estudantes revelam que as bibliotecárias, os diretores, os vice‑diretores, os supervisores e, especialmente, os professores, incentivam a leitura por meio de:

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•• Empréstimos de livros na biblioteca

•• Organização de peças teatrais a partir de livros

•• Disponibilização de biblioteca para estudos e pesquisas

•• Promoção de debates sobre livros do acervo da biblioteca

•• Promoção de Semana Literária com a participação dos pais

•• Seminários •• Orientações para leitura de livros, revistas e jornais

•• Apoio dos diretores para a realização de passeios, trabalhos, atividades

•• Produção de poemas •• Projetos envolvendo poesias, musicais e recitais •• Atividades desenvolvidas na sala de informática •• Exposições de livros no pátio da escola •• Palestras •• Leitura e compreensão textual •• Carrinho de leitura. •• Aquisição de novos livros e exposições Compreendemos, pois, que os docentes e as equipes de direção e pedagógicas das escolas

•• Leituras no livro didático

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pesquisadas vivenciam o processo educativo a partir de um projeto pedagógico que consiste num trabalho coletivo, ou seja, num trabalho em que há o envolvimento dos segmentos da escola com atividades que priorizam a aprendizagem dos estudantes no que se refere à formação de leitores. Como afirma Antunes (2009), devemos e podemos promover a conversão da escola em favor da leitura. Para tanto, é imprescindível que a construção de conhecimentos e o acesso a ele seja prioridade para a escola, assim como a ampliação das competências dos sujeitos, a qual contribui para que estes intervenham positivamente na direção do bem coletivo.

Para mim as aulas estão ótimas. (Estudante A32)

Aulas de campo com direito a leituras, poesias, peças de teatro e etc. (Estudante B27)

Pra mim não falta nada nas aulas, pois são interessantes. (Estudante C13)

A maioria dos estudantes respondeu que nas aulas de Língua Portuguesa não há necessidade de que sejam acrescentadas novas atividades. Os demais sugerem que ocorram mais aulas de campo, aulas passeio; mais projetos envolvendo peças teatrais, poesias e músicas; e mais leituras de livros e produções de textos.

•• Questão 05: Enquanto estudante de Ensino Fundamental, aponte o que você acha que falta nas aulas de Língua Portuguesa, no que diz respeito às práticas de leitura.

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Assim sendo, os estudantes do 9º ano estão satisfeitos com as atividades pedagógicas desenvolvidas durante as aulas de Língua Portuguesa. Isso favorece o processo de aprendizagem, além de incentivar o estudante a permanecer na escola. Nesse contexto, os estudantes, sujeitos leitores, percebem-se como sujeitos sociais, os quais vivenciam práticas de leitura nas aulas de Língua Portuguesa a partir da linguagem viva, da linguagem do mundo da vida. Percebemos que a linguagem é trabalhada enquanto atividade relacionada ao mundo da vida, o que propicia o envolvimento e o interesse dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva, Oliveira (2009a, p. 7), com base em Bakhtin, ressalta que “a concepção de linguagem dos autores do Círculo implica a ideia de uma ação orientada sempre axiologizada, emergindo entre os seres humanos que

percebem, compreendem e avaliam os acontecimentos à sua volta”. 2.3 Aulas observadas Na pesquisa de doutorado, conforme mencionado, foram aplicados os questionários com os professores e os estudantes, bem como observada uma aula hora/relógio em cada turma de 9º ano de Língua Portuguesa das escolas estaduais investigadas. Assim sendo, na aula de P1, tivemos a oportunidade de, no desenvolvimento das atividades pedagógicas, explicitar várias práticas de leitura, a saber: discussões sobre o texto Mulheres na Indústria; pesquisas de publicações eletrônicas; seminários com produção de textos e entrevista com um policial que desenvolve atividades no Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD); discussões sobre drogas, violência,

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prostituição, juventude, pessoas com deficiência, dentre outras. Práticas de leitura que levavam os estudantes a questionar, a refletir, enfim a se posicionar ante as temáticas abordadas. No contexto da formação de leitores, essas práticas pedagógicas são relevantes, uma vez que proporcionam ao estudante o exercício da reflexão, levando-os a se posicionar de forma consciente e crítica. Na aula ministrada por P2 ocorreu uma tempestade de ideias, a partir do texto A moça tecelã, de Marina Colasanti, que favoreceu a participação dos estudantes no que se refere às indagações e às opiniões quanto aos temas discutidos, tais como: a voz que foi dada ao esposo e não à esposa; os valores como o amor e o respeito; os conflitos de interesses; a valorização dos bens materiais; relacionamentos amorosos; a mulher e o trabalho. Enfim, P2 relaciona o conto com a realidade atual e conduz as discussões para a Lei Maria da Penha, abordando sobre a

violência contra a mulher em todas as classes sociais. Nesse momento, tivemos como prática de leitura uma atividade de compreensão textual, que suscitou nos estudantes reflexões acerca das ideias do texto, relacionando-as às questões sociais da atualidade. A aula de P3 envolveu os estudantes no universo da poesia de forma prazerosa, a partir do poema O tempo, de Mario Quintana; A menina transparente, de Elisa Lucinda, e Meus oito anos, de Casimiro de Abreu. A valorização da poesia como fonte de conhecimento e entretenimento ocorreu a partir de práticas de leitura como a compreensão oral do texto, as declamações e as reflexões sobre o tempo reservado para os estudos, para a leitura e as pesquisas, bem como o amor e o respeito à família e ao próximo. Podemos perceber que, nas aulas observadas de P1, P2 e P3, predominou o estudo de texto, principalmente do texto literário, a partir

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do trabalho com a linguagem, relacionando-a a vida, num processo de interação verbal. As práticas de leitura desenvolvidas, nas aulas observadas, considerando a linguagem no uso concreto da vida, propiciam aos estudantes, a partir de textos da esfera literária, o prazer estético da criação artística, reflexões sobre a realidade, além de propiciar condições de responsividade ante os desafios e controvérsias da vida.

ais, com os quais pudemos obter informações e compreender quais são os elementos que, a partir de um trabalho coletivo, estão favorecendo o processo de aprendizagem. Esses momentos se configuraram como encontros dialógicos, nos quais construímos conhecimentos acerca do trabalho educativo desenvolvido. Convém destacar que, nesses encontros, foram apresentados pelas equipes em referência os Planos de Ação das Bibliotecas, os Projetos das Semanas Literárias e os Projetos de Incentivo à Leitura e à Escrita. Assim sendo, percebemos que as equipes de direção, equipes pedagógicas e os docentes são atuantes e desenvolvem atividades que têm como objetivo o êxito do processo de ensino‑aprendizagem. Tais atividades envolvem uma gestão participativa com projetos educativos que envolvem todos os segmentos da comunidade escolar; organização dos diversos setores da escola; presença da família; trabalho disciplinar

2.4 E ncontros dialógicos: equipes de direção e pedagógicas Por ocasião da aplicação dos questionários com os professores e os estudantes e da observação em sala de aula, ocorreu, em cada escola, um encontro com as equipes de direção e pedagógicas. Nesse período de investigação, dialogamos com os diretores, coordenadores pedagógicos, supervisores e bibliotecárias das escolas estadu-

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com os estudantes; ambiente escolar organizado, limpo e com carteiras adequadas; ações esportivas; formação de banda de música; trabalho em equipe, cujas atividades envolvem projetos de incentivo à leitura e à escrita. As escolas estaduais pesquisadas dispõem de bibliotecas com um bom acervo bibliográfico, as quais elaboram um plano anual de ação, cujas atividades são desenvolvidas envolvendo a direção, os coordenadores pedagógicos, os supervisores, os professores, os estudantes e a comunidade escolar. Entre as atividades pedagógicas desenvolvidas, podemos destacar:

essa habilidade e ocorre com fantoches e dramatizações. •• Dia D da leitura – uma vez ao mês, todos os segmentos da escola são convidados a fazer um empréstimo na biblioteca para posterior leitura. •• Sarau poético. •• Concursos literários – contos e poesias. •• Produção de um jornal, em que na construção da edição os estudantes discutem sobre temas atuais. Na edição de dezembro de 2012, cujo tema foi a desertificação, os estudantes, sob a orientação de professores, da equipe pedagógica de escola e de um técnico agrícola, participaram de palestras, aula de campo, pesquisas e entrevistas com proprietários de cerâmicas e

•• Rodas de leitura – atividade desenvolvida com livros, revistas, jornais. •• Contação de histórias – é realizada por professores ou pessoas da comunidade que tenham

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agricultores. Esse trabalho proporcionou uma edição com imagens e textos em versos e em prosa produzidos pelos estudantes.

Médio. Nesse período, também ocorre o Dia da Família na Escola, com palestras acerca da importância da leitura, bem como a organização da lanchonete literária, que oferece menus especiais, tais como: na entrada, os petiscos são os clássicos da literatura infantojuvenil e as histórias em quadrinhos; o prato principal é composto pelas obras de Monteiro Lobato; as sobremesas, pelas obras que compõem a coleção literatura em minha casa; e, finalmente, as bebidas, que são poemas, contos, crônicas e revistas variadas.

•• Exposição de trabalhos realizados entre professores e estudantes. •• 8ª, 9ª e 10ª Semana de Incentivo à Leitura e à Escrita – SILE – projeto que visa possibilitar aos estudantes a compreensão da realidade e, por conseguinte, a sua intervenção na sociedade. Nesse evento ocorrem apresentações da banda de música; grupos de dança; peças teatrais; recitais; sarau cultural; além de leitura e compreensão de poemas com os estudantes do 6º ano; contos, 7º ano; cordéis, 8º ano; histórias em quadrinhos, 9º ano; pesquisa de poemas, 1ª série; edição e diagramação de revistas, 2ª série, e edição de documentários com os estudantes da 3ª série do Ensino

•• Instigando o Desejo e o Encantamento pelo Mundo da Leitura – projeto que teve como objetivo estimular o estudante a descobrir o encantador mundo da leitura. Nesse projeto, foram desenvolvidas atividades de contação de histórias; organização do cantinho da poesia; promoção de rodas de leitura; realização de

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momentos literários em que as crianças e jovens leem e fazem dramatizações; exposição de fábulas, adivinhações, piadas e charadas.

etc. Esse evento foi encerrado com a apresentação da Orquestra Sanfônica da cidade. Desse modo, nas escolas estaduais pesquisadas, ocorrem práticas pedagógicas norteadas por projetos e objetivos direcionados para a formação de leitores e escritores, tais como a organização de semanas literárias. Percebemos que, subjacente a essas práticas, encontra-se a linguagem como forma de interação, uma vez que a natureza abstrata da língua torna-se secundária. Além disso, a leitura é vivenciada a partir de práticas dialógicas situadas no mundo da vida, como algo vivo, compartilhado. Segundo Oliveira (2009a, p. 4), “[...] o mundo da vida [...] é o mundo no qual se encontram sujeitos que, ao agir posicionadamente, transformam os valores construídos socialmente na história dos seres humanos [...]”. Assim, a construção de sentidos ocorre quando a linguagem é analisada no uso concreto da vida em meio a relações dialógicas.

•• Dos retalhos literários ao verso e reverso do encanto – envolver a comunidade escolar nas atividades literárias e culturais, com o propósito de intensificar o prazer pela leitura, foi o objetivo desse projeto. Várias foram as atividades desenvolvidas, dentre as quais, temos: recitais; estudantes da escola tocando músicas nordestinas; contação de histórias; palestras sobre os encantos da leitura; rodas de leitura; entrelaçar cultural, que consiste em uma ação realizada por cada turma, oportunidade na qual as crianças do 1º ao 5º ano e estudantes do 6º ao 9º ano apresentam aos seus pais e familiares as oficinas realizadas durante o primeiro semestre letivo, bem como suas produções, a saber: painéis, livros, dramatizações,

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Considerações finais

Portanto, as vozes sociais dos professores, dos estudantes, das equipes de direção e pedagógicas presentes nos enunciados dos questionários, nas aulas observadas e nos encontros dialógicos apontam que as escolas realizam práticas de leitura que se diferenciam no atual contexto escolar, tendo em vista que todos os seus segmentos assumem a responsabilidade de contribuir para a construção da cidadania de crianças e jovens. Essas práticas resultam de um trabalho pedagógico desenvolvido em todos os anos do Ensino Fundamental. Há, pois, uma construção coletiva, histórica, das práticas de leitura realizadas pelas instituições de ensino pesquisadas, as quais são escolas com tempo para a leitura e cujas práticas buscam proporcionar ao estudante, como lembra Antunes (2009), a leitura do livro e do mundo.

Procuramos, neste momento, apresentar algumas considerações e conclusibilidades sobre o ensino da leitura, a partir dos dizeres dos professores e dos estudantes, os quais foram sujeitos principais desta investigação; bem como a partir dos dizeres de pesquisadores, estudiosos, equipes de direção e pedagógicas das escolas estaduais envolvidas neste estudo. Os posicionamentos dos professores e dos estudantes expostos nos enunciados apresentados a seguir corroboram as conclusibilidades acerca deste estudo.

Sim. Todos os anos tem a Semana literária, nós fazemos apresentação de um texto e também os pais vem ver nossa apresentação. (Estudante C11)

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Sim, tais como dinâmicas, leituras, trabalhos em grupo, etc. A atividade que eu considero mais relevante para a minha formação enquanto cidadão e crítico são as leituras de textos e poesias. (Estudante A7, ao se referir às atividades desenvolvidas nas aulas de Língua Portuguesa que incentivam a leitura)

A professora estimula a leitura através de um projeto chamado poesia e música. Pois além de estimular nossa leitura, ela nos ajuda a desenvolver redações, poemas. (Estudante B10)

Na pesquisa de doutorado, tivemos como questão principal: “Que práticas de leitura são explicitadas a partir das vozes sociais de professores e de estudantes do Ensino Fundamental das escolas públicas estaduais do RN que apresentam resultados exitosos, conforme o IDEB 2009?” Os enunciados dos professores e dos estudantes expressos nos questionários, as aulas observadas e os encontros dialógicos revelam que:

A escola contribui, incentiva e ajuda para que sempre possamos ir mais além, e que consigamos bater metas. Quando o professor necessita algum material, espaço ou transporte a gestão providencia e faz o possível para realizarmos trabalhos, passeios, atividades, etc. (Estudante B3)

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•• São realizadas diversas atividades pedagógicas que incentivam os estudantes à leitura, ou seja, para as práticas de leitura, tais como: leitura e exercícios de compreensão textual, entrevistas, recitais, canções, dramatização, organização e apresentação de seminários a partir de pesquisa de textos com temas atuais, leitura e compreensão de textos do livro didático, produção textual, leitura e compreensão de poemas, contos, crônicas, charges, gibis e reportagens, discussões de vídeos assistidos na telessala, leitura e compreensão de textos obtidos da internet, debates, dentre outras.

•• Os estudantes são orientados a relacionar as temáticas discutidas nas aulas com o cotidiano; •• Os professores usam recursos metodológicos variados para motivar o interesse dos estudantes, os quais estão sempre envolvidos em projetos, aulas audiovisuais, aulas passeios, dentre outros; •• A escola busca interação com as famílias, as quais participam das atividades culturais desenvolvidas; •• O ambiente escolar é organizado e atraente;

•• São realizadas semanas literárias com o envolvimento da comunidade escolar.

•• A escola desenvolve um trabalho coletivo que articula todos os segmentos da comunidade escolar.

•• Os professores promovem um ambiente de diálogo e participação e se preocupam com a prática de valores e atitudes almejadas;

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Percebemos, pois, que o processo educativo desenvolvido nas escolas estaduais pesquisadas não se limita à formação intelectual e cognitiva, é também direcionado à construção de valores, posturas, princípios éticos e morais. Ademais, podemos compreender que as práticas exitosas ocorrem a partir de ações coletivas, haja vista que há, nessas escolas, uma organização em rede, uma rede de responsabilidades, envolvendo equipes de direção e pedagógicas, professores e comunidade. Desse modo, nas instituições educacionais pesquisadas, as boas práticas pedagógicas estão relacionadas com o compromisso, com a atitude dos professores, como também com o trabalho coletivo desenvolvido nas escolas, ou seja, com o envolvimento dos segmentos da escola no processo de ensino-aprendizagem. Assim, podemos observar que as práticas exitosas de leitura são feitas de ações coletivas da escola.

Esse fazer pedagógico merece, pois, ser socializado e, possivelmente, vivenciado em outras instituições educacionais. A Figura 1 apresenta um resumo dos fatores que contribuem para o êxito do processo de ensino‑aprendizagem nas escolas pesquisadas, bem como a relevância do trabalho coletivo. Figura 1 – Fatores que contribuem para as práticas exitosas de leitura

Fonte: Diagrama com base em dados da autora.

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Referências

Esperamos que esta pesquisa possa servir de motivação e reflexão para que os professores, as equipes de direção e pedagógicas das escolas públicas desenvolvam um trabalho educativo no sentido de conquistar a adesão dos pais, da comunidade escolar ao projeto pedagógico da instituição educacional, com o envolvimento de todos no processo de ensino-aprendizagem dos estudantes. Afinal, a construção desse processo é coletiva, histórica e requer, dentre outros fatores, o compromisso e a cooperação de todos. Considerando, portanto, a escola pública como um espaço de reflexões acerca das determinações sociais, formar leitores de aguçada criticidade é, realmente, um grande desafio, que precisamos assumir com responsabilidade, compromisso e ética.

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Tema

Ensino
e aprendizagem de línguas


Texto

1

Produção oral e escrita em inglês como L2 mediada por tecnologias digitais

Janaina Weissheimer Lorena Azevedo de Sousa Diêgo Cesar Leandro

vez que a tecnologia traz uma série de vantagens (BROWN, 2007), dentre elas a prática multimodal, adequando-se ao estilo de aprendizagem do aluno, e a conveniência para praticar a produção oral e escrita em um espaço privado, propício para cometer erros sem constrangimento. Cursos híbridos representam uma tentativa de combinar os melhores elementos da sala de aula presencial com os aspectos da educação a distância (ROSEN, 2009). Tendo em vista que cursos exclusivamente presenciais podem não considerar o ritmo e a motivação do aprendiz, os cursos híbridos permitem, alternativamente, que o aprendiz passe o tempo que julgar necessário online, segundo a sua necessidade, o seu ritmo e a sua motivação para aprender. Blake (2011) revela que alunos que participaram de aulas online obtiveram melhores resultados do que alunos que participaram de aulas exclusivamente presenciais; alunos expostos a experiên-

Introdução Na área da Linguística Aplicada, estudos conduzidos no Brasil (SOARES, 2013; SOUSA, 2014; OLIVEIRA, 2014; WEISSHEIMER; BERGSLEITHNER; WEISSHEIMER; LEANDRO, no prelo, entre outros) têm advogado em favor do uso de tecnologias digitais no processo de aprendizagem de inglês como L2, apresentando resultados positivos no que concerne ao desenvolvimento de habilidades específicas na língua-alvo. O fato de os alunos, considerados nativos digitais por Prensky (2006), utilizarem com desenvoltura as tecnologias digitais certamente estimula a realização de estudos que buscam validar a inserção dessas ferramentas no processo de aprendizagem. Nesse contexto, oferecer aos alunos uma experiência híbrida de aprendizagem parece relevante, uma

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1 A Teoria de Noticing e a Hipótese do Output

cias híbridas de aprendizagem (aula presencial mais aula online), por sua vez, obtiveram resultados ainda melhores. Com isso em mente, conduzimos um estudo semiexperimental (NUNAN, 1992) envolvendo 42 aprendizes de inglês como L2 expostos a uma experiência híbrida de aprendizagem com as ferramentas VoiceThread (VT) e GoogleDocs (GD), utilizadas respectivamente, na prática sistemática da produção oral e escrita em inglês durante o semestre acadêmico. Do total de 42 participantes, 25 praticaram a produção oral com o VT e 17 praticaram a produção escrita colaborativa com o GD. A produção oral dos aprendizes foi analisada estatisticamente em termos de complexidade sintática, enquanto que a produção escrita foi analisada em termos de densidade lexical. Os dados obtidos foram tratados quantitativamente por meio da ferramenta SPSS.

Schmidt (1995, 1990) e Schmidt e Frota (1986) propõem que apenas o input não é suficiente para o aprendizado. É necessário, ainda, que o aprendiz faça o registro cognitivo1. Em outras palavras, o noticing é a condição básica para haver a aprendizagem dos aspectos linguísticos de uma L2. Essa ideia de noticing está relacionada com a descoberta individual, natural e espontânea do aprendiz, sem nenhuma instrução de aspectos gramaticais ou ensino explícito pelo professor (BERGSLEITHNER, 2009). Sendo assim, essa concepção de noticing não inclui a instrução formal de gramática, fonologia, morfologia etc., em sala de aula. Os professores podem instruir os aprendizes com as regras, explicitamente, porém o processo atencional

1  Neste capítulo, os termos registro cognitivo e noticing são utilizados intercambiavelmente, como sinônimos, conforme Bergsleithner (2009).

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dos aprendizes é, até certo ponto, independentemente motivado (BERGSLEITHNER, 2009). O noticing, como originalmente definido por Schmidt (1990), acontece quando o aprendiz percebe ocorrências de regras no input subsequente à explicação, em um contexto de uso natural da língua por meio da interação. Entretanto, nesta pesquisa utilizamos a noção de noticing adotada por Bergsleithner (2007, p. 104), a qual estabelece que o registro cognitivo “pode ser induzido por qualquer tipo de instrução, implícita ou explícita, quer seja somente implícita ou somente explícita, quer seja instrução explícita intercalada com a instrução implícita”. Para Ellis (1997), o conhecimento explícito pode facilitar o processo de percepção de elementos linguísticos durante a exposição ao input, bem como levar o aprendiz a perceber (notice) as lacunas na sua produção, fazendo-o passar do processo de internalização (intake) para o de

aquisição2. Ao investigar a relação entre a instrução e o noticing de mecanismos subsequentes de modificação da língua inglesa, Frota e Bergsleithner (2013) verificaram um aumento da sensibilidade à estrutura-alvo (oração substantiva) no insumo mediante instrução. Baseada na Teoria de Noticing, a Hipótese do Output (SWAIN, 1993, 1985) propõe que a produção de L2, por meio da fala ou da escrita, pode estimular a aquisição por encorajar o aprendiz a processar a L2 sintaticamente. Enquanto o aprendiz pode compreender uma mensagem sem analisá-la sintaticamente, a produção o leva a prestar atenção às formas com as quais ele pretende expressar a mensagem. Consequentemente, essa hipótese sugere que a produção pode, de fato, 2  No modelo computacional de aprendizagem de L2 (ELLIS, 1997), assimilando-se à teoria de Schmidt, teríamos, primeiramente, a exposição do aprendiz ao insumo linguístico (input), oportunizando a percepção de elementos linguísticos (noticing), o que pode levar a um processo de internalização (intake) da nova informação e, subsequentemente, à aquisição desses elementos.

290


promover a aquisição por fazer o aprendiz reconhecer as lacunas existentes na sua interlíngua e tentar solucionar esses problemas (IZUMI; BIGELOW, 2000). Na mesma linha, Izumi (2002) argumenta que o output constitui não apenas o produto do aprendizado ou o meio pelo qual o aprendiz pratica a língua para aumentar sua fluência, mas também um fator causal potencialmente importante no processo de aquisição. Conforme foi proposto por Swain (1995, 1993), o output desempenha quatro funções no processo de aprendizagem de uma L2: (a) a função de prática dos recursos linguísticos, permitindo atingir gradativamente a automaticidade do seu uso (fluência); (b) a função de gatilho, que diz respeito ao fato de que, ao produzir a L2 (vocal ou subvocalmente), os aprendizes podem perceber uma lacuna entre o que querem dizer e o que sabem dizer, fazendo com que reconheçam o que não sabem ou sabem

somente parcialmente; (c) a função de testar hipóteses a respeito das estruturas e significados, em outras palavras, experimentar novas formas e estruturas, adicionando e reestruturando sua interlíngua a fim de se comunicar; e (d) a função metalinguística, que é a reflexão sobre sua própria produção oral ou a produção de outrem. No estudo aqui reportado, os participantes produziram a L2 (inglês) oral e escrita, utilizando ferramentas da Web 2.0, nomeadamente o VoiceThred e o GoogleDocs, apresentados a seguir. 1.1 Desenvolvimento da produção oral e escrita por meio do VoiceThread e do GoogleDocs De acordo com Bottentuit Junior, Lisbôa e Coutinho (2009) e com o site voicethread.com, o VT é uma ferramenta colaborativa assíncrona por meio da qual é possível criar apresentações com o auxílio de imagens, documentos, textos e voz, permitindo

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que grupos de pessoas naveguem e contribuam com comentários por meio de cinco maneiras, utilizando: voz (com microfone ou telefone), texto, arquivo de áudio ou vídeo (webcam). Essas apresentações podem ser configuradas como privadas, podem ser compartilhadas com pessoas específicas ou, ainda, podem ficar disponíveis para todo o mundo. Ao ter a oportunidade de gravar e regravar inúmeras vezes suas falas por meio da ferramenta VT, os participantes podem arriscar mais, testar novas estruturas, perceber mais seus próprios erros e se autocorrigir. Presumimos que esses processos poderão levá-los ao registro cognitivo das estruturas e, consequentemente, ao desenvolvimento da língua, pois estarão expostos a uma maior frequência do input e do output (SKEHAN; FOSTER, 1996; SKEHAN, 1996). Essa hipótese se coaduna com o apontado por Swain e Lapkin (1995), ou seja, o fato de

os alunos editarem seu output após se ouvirem pode ajudá-los a melhorar sua produção oral. O GD é um editor online de textos, similar aos programas mais populares no mercado, que integra uma suíte de aplicativos do Google já incorporados à educação (MATTAR, 2013) e que permite que usuários geograficamente dispersos trabalhem, síncrona ou assincronamente3, em um mesmo documento, planilha, apresentação ou formulário. As edições feitas pelos coautores são automaticamente registradas e podem ser visualizadas por meio do histórico de revisões, que identifica o trecho editado, o usuário que realizou a edição, a data e o horário da edição. Esse tipo de registro foi fundamental em investigações como a de Weissheimer e Soares (2012) e Weissheimer, Bergsleithner e Leandro 3  Na comunicação síncrona, no caso do GD, os coautores acompanham em tempo real as alterações feitas no texto e podem discuti-las por meio do bate-papo, enquanto que na comunicação assíncrona, é possível inserir comentários ao longo do texto e enviar e-mails aos coautores.

292


(2012), nas quais o foco da análise foi a natureza das edições realizadas pelos coautores colaborando por meio do GD. Ao escrever colaborativamente por meio do GD, os aprendizes de L2 lidam com o input dos colegas coautores, o que oportuniza o processo de noticing, por meio da revisão textual e subsequente correção de erros, não somente os do próprio autor, mas também dos colegas coautores (WEISSHEIMER; BERGSLEITHNER; LEANDRO, 2012). Pierre Lévy (2007) advoga que o papel do educador é ajudar os indivíduos a aprender colaborativamente, o que pode gerar um conhecimento mais profundo (PALLOFF; PRATT, 2002), à medida que os aprendizes refletem sobre o conteúdo escrito, a mensagem, o léxico empregado etc. (LEANDRO; WEISSHEIMER; COOPER, 2013). Concordamos com Franco (2008, p. 149) quando este pondera que, “ao contrário da sala de aula tradicional, que muitas vezes estimula a mera imitação de modelos linguísticos, a Inter-

net [...] oferece situações de comunicação autênticas”. Acreditamos que por meio do uso da tecnologia, que é parte do nosso cotidiano social e do cotidiano dos nossos aprendizes, é possível chegar ao estágio de transformação descrito por Gibson (2001), modificando-se a postura do professor e do aprendiz. Da mesma forma, entendemos que ao lidar com ferramentas digitais, o aprendiz pode desenvolver sua autonomia, i.e., sua responsabilidade pela própria aprendizagem (HOLEC, 1981 apud FRANCO, 2013).

2 Metodologia O estudo reportado neste capítulo teve como objetivo verificar de que maneira a prática com as ferramentas VoiceThread (VT) e GoogleDocs (GD) pode impactar a produção oral e escrita de aprendizes de inglês como L2. Buscamos responder às seguintes perguntas de pesquisa:

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(1) De que forma a prática sistemática com a ferramenta VT pode impactar a produção oral, em termos de complexidade sintática, dos aprendizes de inglês como L2? (2) De que forma a prática sistemática com a ferramenta GD pode impactar a produção escrita, em termos de densidade lexical, dos aprendizes de inglês como L2? A fim de responder à primeira questão, 49 aprendizes de inglês como L2 participaram da pesquisa, divididos em grupo experimental (25 alunos) e grupo controle (24 alunos). À época da coleta de dados, os participantes cursavam o nível três (pré-intermediário) do Instituto Ágora, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que utiliza a abordagem comunicativa. O grupo experimental foi exposto a uma experiência híbrida com o VT durante oito semanas e, por meio de um pré e um pós-teste, verificamos se essa prática sistemática influenciaria positiva-

mente a produção oral desses participantes, em termos de complexidade sintática. Os escores do pré e do pós-teste do grupo experimental foram comparados aos escores do pré e do pós-teste do grupo controle, o qual não foi exposto ao VT. Para responder à segunda pergunta de pesquisa, 17 aprendizes de inglês como L2 (também oriundos da UFRN) foram requisitados a escrever colaborativamente três narrativas na modalidade flash fiction4, por meio do GD, durante 11 semanas. A primeira e a última narrativa de cada grupo recebeu uma nota de densidade lexical, igualmente atribuída a cada um de seus coautores. Logo, a primeira narrativa é configurada como pré-teste de densidade lexical e a segunda narrativa é configurada como pós-teste de densidade lexical. As notas foram comparadas estatisticamente, por meio do SPSS (Statistical Package for 4  Trata-se de uma modalidade de escrita que surgiu nas comunidades virtuais e que representa o interesse da nossa sociedade por informações e histórias rápidas (GURLEY, 2000).

294


the Social Sciences), para verificarmos se, à medida que escreviam colaborativamente, os participantes passariam a fazer mais substituições lexicais, o que representaria o desenvolvimento de seus repertórios de palavras na L2 em questão. Os dados gerados pelos pré e pós-testes de ambos os grupos – VT e GD – foram tabulados, calculando-se a complexidade sintática da produção oral dos aprendizes e a densidade lexical da produção escrita. A complexidade é operacionalizada como o número de orações subordinadas por minuto (WEISSHEIMER, 2007); e a densidade lexical é operacionalizada como a relação entre o número de palavras produzidas com propriedades lexicais e o número de palavras produzidas com propriedades gramaticais (WEISSHEIMER, 2007; MEHNERT, 1998). Segundo Dörnyei (2007), uma pesquisa quantitativa caracteriza-se por compreender amostras de informações numéricas e emprego de instrumentos estatísticos. Em um estudo essencialmen-

te experimental, os participantes devem ser escolhidos aleatoriamente (NUNAN, 1992; DÖRNYEI, 2007); entretanto, apesar da escolha dos participantes não ter sido feita de maneira aleatória, esta pesquisa ainda caracteriza-se como semiexperimental (NUNAN, 1992), por possuir grupos controle e experimental, além de terem sido aplicados pré e pós-testes a ambos os grupos. 2.1  Instrumentos e procedimentos de coleta de dados Nas produções orais no VT, o pré-teste consistiu em descrever uma figura durante, no mínimo, um minuto, para que a complexidade sintática das falas dos participantes fosse avaliada. O teste foi baseado na terceira parte da avaliação de speaking do PET (Preliminary English Test), de Cambridge. O pós-teste consistiu no mesmo procedimento do pré-teste: os participantes de ambos os grupos, experimental e

295


Figura 1 – Interface da ferramenta VT

controle, tiveram que descrever uma figura, diferente daquela utilizada no pré-teste, para que sua complexidade fosse reavaliada. Entre o pré e pós-teste, com um intervalo de oito semanas, o grupo experimental passou por uma intervenção pedagógica híbrida através de sessões de atividades de produção oral por meio da ferramenta VT (Figura 1), a cada 10 dias, aproximadamente. A primeira sessão foi sobre a última viagem que os alunos haviam feito ou como haviam sido as últimas férias. A segunda sessão consistiu em descrever quais seriam seus planos para as próximas férias. Na terceira atividade, eles tiveram que falar sobre sua rotina diária e, por último, na quarta tarefa, tiveram que falar sobre o seu melhor amigo5.

Fonte: voicethread.com

Nas produções escritas, os 17 participantes produziram, em pequenos grupos, durante 11 semanas, um total de 16 narrativas flash fiction, por meio do GD. Cada uma das 16 narrativas analisadas recebeu uma nota de densidade lexical, igualmente atribuída aos seus coautores. A

5  As respostas completas dos participantes podem ser acessadas nos seguintes endereços: <voicethread.com/share/4451867/>; <https://voicethread. com/share/4507044/>; <voicethread.com/share/4569365/>; e <voicethread. com/share/4596397/>.

296


Figura 2 – Narrativa flash fiction publicada no blog Flash Blast

primeira e a última narrativa produzida por cada grupo de coautores representam, respectivamente, o pré e o pós-teste de densidade lexical. Todas as narrativas flash fiction publicadas pelos participantes por meio do GD foram publicadas no blog Flash Blast (Figura 2), para que pudessem ser lidas e votadas por qualquer pessoa online. Os autores das narrativas consideradas mais interessantes eram premiados em sala de aula, como estratégia de motivação para o desenvolvimento da tarefa.

Fonte: flashblast.blogspot.com.br

2.2 Instrumentos e procedimentos de análise de dados As descrições orais das tarefas no VT, de no mínimo um minuto, referentes ao pré e pós-testes foram transcritas e tabuladas, e a complexidade sintática foi calculada dividindo-se o total de orações subordinadas pelo tempo total falado, multiplicando esse resultado por 60 Já na

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análise da produção escrita dos textos gerados no GD, adotamos o modelo de análise descrito em Weissheimer (2007): primeiramente, dividimos os itens linguísticos em itens gramaticais e itens lexicais e, posteriormente, itens gramaticais e lexicais foram divididos em itens gramaticais de alta e baixa-frequência e itens lexicais de alta e baixa-frequência. Para atribuir a nota de densidade lexical ponderada, dividimos o total de itens lexicais ponderados pelo total de itens linguísticos ponderados e multiplicamos o resultado por 100. O mesmo procedimento foi seguido para analisar cada uma das narrativas flash fiction produzidas pelos aprendizes. A produção linguística dos aprendizes, oral e escrita, foi analisada quantitativamente por meio de testes estatísticos da ferramenta SPSS. Submetemos os dados ao teste não paramétrico

Wilcoxon6, equivalente ao teste-t paramétrico para variáveis dependentes, utilizado para comparar 2 sets de pontuação de um mesmo grupo de participantes, ou seja, investigar se houve alguma mudança do pré para o pós-teste dos grupos experimental e controle, no caso dos participantes que utilizaram o VT, e verificar se foram feitas mais substituições lexicais da primeira para a última narrativa flash fiction de cada grupo, no caso dos participantes que utilizaram o GD.

3 Resultados e Discussão Nesta seção, trazemos os resultados obtidos por meio da análise quantitativa da produção oral, mediada pelo VT, e da produção escrita, mediada pelo GD, de aprendizes de inglês como L2 envolvidos na experiência de aprendizagem 6  Uma pré-análise dos dados numéricos revelou uma distribuição anormal (cf. Dörnyei, 2007), o que nos levou a optar por testes não paramétricos, como é o caso do teste Wilcoxon do SPSS.

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híbrida descrita anteriormente. Primeiramente, apresentamos e discutimos os resultados da complexidade sintática na produção oral e, em seguida, apresentamos e discutimos os resultados da densidade lexical na produção escrita.

Como podemos visualizar na Tabela 1, ao compararmos a complexidade sintática entre o pré e pós-testes, percebemos que não houve mudança na média do grupo experimental, porém houve uma diminuição na média do grupo controle de 2,54 pontos (10,46 – 13,00 = -2,54). Podemos verificar, também, que a média do pós-teste do grupo experimental foi superior à média do grupo controle (11,00 > 10,46) e que, apesar de não ter atingido significância estatística, o valor de p do grupo experimental apresentou um resultado mais próximo da significância (p = 0,339) que o do grupo controle (p = 0,758). Esses fatores podem ser interpretados como tendência a uma possível influência positiva da ferramenta VT na complexidade sintática dos aprendizes, indicando que essa experiência pode ter impactado o número de orações subordinadas produzidas por minuto, ou seja, a complexidade na fala dos participantes.

3.1 O impacto da ferramenta VoiceThread no desenvolvimento da produção oral em termos de complexidade sintática A primeira pergunta de pesquisa aborda de que forma a prática sistemática com a ferramenta VT impacta o desenvolvimento da produção oral – em termos de complexidade sintática – dos aprendizes de inglês como L2. A fim de respondermos a essa questão, investigamos se houve algum ganho significativo do pré para o pós-teste dos grupos experimental e controle aplicando o teste Wilcoxon do SPSS.

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Tabela 1 – Desenvolvimento da complexidade dos grupos experimental e controle

e Skehan (1996), a frequência do input e do output, assim como a repetição da tarefa, levam ao noticing e ao desenvolvimento da interlíngua. Ao compararmos os grupos controle e experimental, podemos perceber que o grupo experimental manteve seu padrão, enquanto que o grupo controle, que não teve a oportunidade de praticar sua oralidade com o VT, obteve uma média de complexidade sintática inferior no pós-teste.

Média

Significância

EXPprecomplexidade – EXPposcomplexidade

11,00

CONprecomplexidade – CONposcomplexidade

13,00

11,00

10,46

EXPprecomplexidade – EXPposcomplexidade

CONprecomplexidade – CONposcomplexidade

,339

,758

3.2 O impacto da ferramenta GoogleDocs no desenvolvimento da produção escrita em termos de densidade lexical

Fonte: Dados da pesquisa.

De acordo com Swain e Lapkin (1995), o ato de gravar, se ouvir, editar e regravar inúmeras vezes suas falas com o VT, permite que os participantes testem novas estruturas e melhorem sua produção oral em termos de complexidade sintática (como podemos visualizar na Tabela 1). Isso ocorre, pois, segundo Skehan e Foster (1996)

A segunda pergunta de pesquisa aborda o impacto da escrita colaborativa com a ferramenta GD sobre o desenvolvimento da densidade lexical nas narrativas flash fiction produzidas pelos aprendizes. A pontuação de densidade lexical da primeira e da última narrativa produzida

300


por cada grupo de coautores foi comparada por meio do teste Wilcoxon do SPSS. Como podemos observar na Tabela 2, ao compararmos a densidade lexical no pré-teste (primeira narrativa) e no pós-teste (terceira narrativa), obtivemos um resultado estatisticamente significativo (p = 0,004), o que nos permite afirmar que a escrita colaborativa mediada pelo GD tem potencial para desenvolver a interlíngua dos aprendizes de inglês como L2, os quais, durante o processo de escrita, passam a produzir textos com mais densidade lexical, i.e., com mais substituições lexicais. Houve um aumento na média dos coautores, de 71,93 no pré-teste para 77,40 no pós-teste, o que significa dizer que os aprendizes passaram a produzir textos lexicalmente mais densos – i.e., com mais substituições lexicais – durante o processo de escrita colaborativa,

embora esse processo tenha durado apenas 11 semanas7. Tabela 2 – Desenvolvimento da densidade lexical nas narrativas produzidas colaborativamente Média

EXPpredensidade – EXPposdensidade

71,93 77,40

EXPpredensidade – EXPposdensidade Significância

,004

Fonte: Dados da pesquisa.

Esse resultado positivo pode ser explicado pela própria natureza do trabalho colaborativo, propiciado pelo uso de tecnologias como o GD. 7 Todavia, por não termos tido um grupo controle, não podemos afirmar que os resultados advenham da prática de escrita colaborativa mediada pelo GD.

301


Durante as interações online via GD e também presencialmente na universidade, o objetivo em comum, ou seja, a produção das narrativas, fez com que os aprendizes compartilhassem uns com os outros o conhecimento lexical que possuíam na língua inglesa, levando-os a aprender novas formas de expressão do pensamento e, consequentemente, a empregar essas novas palavras, expressões, gírias etc. em suas narrativas, a fim de enriquecê-las lexicalmente. Semelhantemente, ao conduzir entrevistas com aprendizes que trabalharam colaborativamente, Storch (2005) identificou como um dos pontos mais valorizados pelos aprendizes justamente a possibilidade de, ao trabalhar colaborativamente, poder reunir e comparar mais ideias e, além disso, aprender novas formas de expressar essas ideias. A produção escrita colaborativa parece ter forçado os aprendizes do nosso estudo a buscar juntos novos itens lexicais, os quais transmitissem mais satisfatoriamente a

mensagem intencionada, sem ultrapassar o limite de 100 palavras imposto pelo gênero produzido.

Considerações Finais A pesquisa reportada neste capítulo teve como primeiro objetivo verificar de que maneira a prática com a ferramenta VT poderia impactar a produção oral dos aprendizes de inglês como L2. Vinte e cinco alunos no grupo experimental utilizaram a ferramenta em uma abordagem híbrida, enquanto que outros 24 compuseram o grupo controle, que não foi exposto a essa experiência. De maneira geral, podemos afirmar que nosso objetivo foi alcançado, pois os participantes do grupo controle obtiveram uma média inferior de complexidade sintática no pós-teste, quando comparados aos participantes do grupo experimental. O segundo objetivo foi verificar de que maneira a prática de escrita colaborativa mediada

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pelo GD impactaria o desenvolvimento da densidade lexical nas narrativas flash fiction produzidas pelos aprendizes ao longo de 11 semanas de intervenção pedagógica. O resultado da comparação entre a primeira e a última narrativa produzida pelos coautores foi estatisticamente significativo, o que significa dizer que, à medida que praticaram a escrita colaborativa por meio do GD, os aprendizes passaram a realizar mais substituições lexicais, o que supomos dever-se ao fato de compartilharem o conhecimento lexical uns dos outros durante os encontros online, via GD, e presencias, na universidade, com o objetivo de completar a tarefa. Independentemente de não termos alcançado uma significância estatística no caso da prática com o VT, os aprendizes do grupo experimental apresentaram um resultado na direção esperada, ou seja, superior aos aprendizes do grupo controle, corroborando o pressuposto de

que o VT e o GD podem impactar positivamente a produção oral e escrita dos aprendizes. No tocante às limitações encontradas nesta pesquisa, a principal foi o curto intervalo de tempo entre o pré e pós-testes e, consequentemente, o reduzido período de tempo para a prática da produção oral com a ferramenta VT e da produção escrita com o GD – limitação essa também citada pelos participantes. Outra limitação refere-se ao número de participantes deste estudo. Acreditamos que uma exposição mais duradoura ao VT e ao GD e uma amostra mais numerosa poderiam intensificar os resultados estatísticos obtidos com os dados quantitativos, tornando-os mais significativos. Por fim, em relação às implicações pedagógicas deste estudo, esperamos ter contribuído para a discussão a respeito das potencialidades da tecnologia para a aprendizagem de L2. Almejamos que maior atenção seja dada à produção,

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Referências

seja oral ou escrita, e que os professores a vejam não somente como prática da língua – como tradicionalmente tem acontecido –, mas também como um processo inerente à aquisição de L2 como um todo, de forma integral. Esperamos, também, que a tecnologia ajude na implementação de abordagens de ensino e aprendizagem híbridas, a fim de que os aprendizes possam trabalhar no seu próprio ritmo, vencendo as suas limitações, sem a exigência de um raciocínio imediato que geralmente uma sala de aula exclusivamente presencial requer. Para alcançar tal finalidade, acreditamos que o VT e o GD apresentam potencialidades para configurar-se como ferramentas motivadoras e eficazes na prática da produção oral e escrita em L2.

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310


Texto

2

Educação plurilíngue: delimitação do campo de pesquisa sobre a intercompreensão entre línguas românicas

Selma Alas Martins Carmélia Pereira de Lima Janaína Michelle França de Oliveira Luíza de Marilac Veras Uchôa Maria Carolina LúgaroIzuibejeres

Delors (1996) propõe pilares para a educação do século XXI, baseado em um aprendizado que promova o conhecimento (aprender a conhecer), a utilização do conhecimento adquirido (aprender a fazer), assim como o desenvolvimento integral das potencialidades dos aprendizes (aprender a ser e a conviver). Morin (1999) trata da construção de conhecimentos pertinentes para o (re)aprender a nossa própria condição humana, de nossa própria identidade terrena, com base no ensinamento da compreensão, diálogo e conhecimento, de forma a interagir com o outro, com respeito às suas diferenças culturais e identitárias. O contexto político-social atual, portanto, praticamente exige o exercício de uma educação plurilíngue e pluricultural. É neste cenário de mudança de paradigma social e educacional que a intercompreensão entre línguas se apresenta

Introdução O pensamento positivista não parece atender às mudanças culturais, sociais, econômicas e geopolíticas que o mundo enfrenta neste novo milênio. Estamos assistindo, no século XXI, à passagem de uma epistemologia positivista, de simplificação e decomposição dos elementos, a uma epistemologia da complexidade, de religação dos conhecimentos. No campo educacional, a separação das disciplinas, a falta de integração entre os conteúdos e disciplinas – influências do modelo positivista –, está perdendo sua validade para uma proposta mais integradora, formativa, interdisciplinar e mais significativa para os aprendizes.

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A definição que trata da IC como atributo pessoal remete à competência e à flexibilidade da pessoa para dar sentido às palavras desconhecidas em outra língua. Nessa dimensão, considera-se a sensibilidade dos sujeitos perante línguas e culturas. Podemos dizer que trata da abertura com que cada pessoa se relaciona com o diferente, na tentativa de quebrar barreiras que nos separam e abrir caminhos que nos unem, inclusive, na diferença. Colocando a IC como um mecanismo usado na e para a comunicação, temos aqui a relação dessa estratégia com a interação social e, nesse caminho, chegamos à segunda categoria de definições que as autoras realizam: as que consideram a IC como um evento e realçam a dimensão da interação como um processo de aprendizagem. Nesse aspect, estão em jogo as capacidades e estratégias que os participantes de um

como proposta inovadora de promoção de uma educação plurilíngue. O trabalho centrado na intercompreensão entre línguas românicas, atual destaque das nossas pesquisas no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, procura desenvolver a capacidade de compreensão escrita e oral em várias línguas estrangeiras tipologicamente aparentadas, vizinhas ou próximas, tendo como ponto de partida a própria L1 do aprendiz, língua materna ou da família, enfim, com base em línguas do seu conhecimento. O conceito de intercompreensão (IC) se apresenta multifacetado, com diferentes definições, dependendo do escopo estudado. Por isso, como estratégia de estudo, Jamet e Spiţă (2010) colocam as várias definições de IC dentro de três categorias, divididas em temáticas dominantes. Essas categorias são: a IC como atributo da pessoa, como evento e como didática.

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ato comunicativo, no qual participam duas ou várias línguas, põem em prática para alcançar a compreensão, a construção de sentido do discurso do(s) outro(s). A noção de língua, como ponte de entendimento, a ideia de que não existem línguas mais importantes que outras e a procura da comunicação por meio de atitudes facilitadoras subjazem essa dimensão da IC. Essa visão se relaciona estreitamente com o conceito de aprendizagem, focando o desenvolvimento de saberes por meio de novas situações, apresentando uma ideia de processo de crescimento cognitivo. Relacionada à aprendizagem, temos a terceira categoria, que reúne as definições da IC como conceito de didática, que abrange tanto as operações cognitivas postas em prática como o evento de interação social no qual a IC se produz.

Em Natal, temos como foco a intercompreensão definida como atributo pessoal, mas em um sentido mais alargado, pois além de desenvolvimento da capacidade linguística de compreensão das línguas-culturas, procuramos trabalhar a dimensão formativa. Nossa intenção é o desenvolvimento de competência compreendida como uma aquisição, um aprendizado construído (PERRENOUD, 2000), partindo da valorização dos conhecimentos prévios dos aprendizes. Sendo assim, nosso trabalho está comprometido com a valorização do crescimento pessoal, mais do que com a aquisição de conhecimentos linguísticos. Como demonstram as pesquisas a seguir, nosso propósito é despertar para outras línguas, mas que por meio do contato com outras línguas-culturas os aprendizes se percebam e percebam a realidade em que vivem.

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1 Intercompreensão de línguas românicas nas aulas de espanhol

O professor e, especialmente, o professor de idiomas, na escola regular se vê desafiado para buscar atividades e procedimentos metodológicos que funcionem como elementos de motivação e propiciem, não só a aprendizagem de estruturas linguísticas, mas também de conhecimento cultural e, em se tratando de adolescentes, a transmissão de valores que favoreçam a convivência social, o respeito pelo outro e pelas diferenças, a colaboração, a solidariedade, entre outros. Para alcançar os objetivos propostos no plano de ensino da disciplina, um dos caminhos encontrados foi desenvolver o Intercâmbio Virtual entre alunos de um colégio de Córdoba-Argentina e um de Natal-Brasil. Sabemos que realizar intercâmbios é uma das formas mais eficientes para a consolidação das competências discursivas e interculturais dos estudantes de língua estrangeira, e uma das maneiras pelas

A trajetória deste trabalho tem início em nossa experiência como professora de línguas estrangeiras tanto do ensino médio e fundamental em escolas regulares e bilíngues quanto em escolas de línguas. Desde o ano 2000 assumimos essas funções buscando aplicar com nossos alunos os paradigmas da nova educação, que colocam o aluno como protagonista e agente de sua própria aprendizagem e o professor como mediador desse processo e estimulador do estudo. A procura por um ambiente propiciador da aquisição do conhecimento linguístico, mas também da formação integral do jovem como cidadão respeitoso e tolerante dentro de um mundo diverso e plural, tem sido um constante desafio em nossa carreira profissional.

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quais os alunos se sentem mais motivados a aprendê-las. Porém, nem sempre é possível que os alunos de um mesmo curso possam se locomover de um país para outro, como é o caso de nossa realidade latino-americana. Uma das soluções que encontramos para esse problema foi a de utilizar a internet como espaço pedagógico, unindo lugares tão distantes como Córdoba na Argentina e Natal no Brasil. A nossa pesquisa de Mestrado se encontra inserida nesse projeto e busca compreender melhor o contexto de aprendizagem, no qual trabalhamos, na tentativa de melhorar nossa prática pedagógica. Nesse intuito e na procura de metodologias que estimulem o aluno a se envolver ativamente no processo de ensino-aprendizagem, decidimos embarcar numa nova maneira de abordar o ensino de línguas, por meio da IC.

O projeto de Intercâmbio Virtual supracitado se enquadra, então, numa didática de Intercompreensão de Línguas Românicas entre espanhol e português. Do ponto de vista mais amplo e em relação ao aspecto cultural, o ensino mediado pela IC implica o desafio de mostrar aos alunos a importância de uma abordagem de aproximação a diferentes idiomas, procurando sensibilizar o aprendiz em relação à existência de outras línguas e outras culturas, fazendo com que o aluno perceba sua cultura e realidade perante a diferença. É importante assinalar que o trabalho com a intercompreensão não pretende substituir a forma clássica de se aprender línguas estrangeiras, centrada nas quatro habilidades: ler, escrever, ouvir e falar, mas “constitue ainsi une nouvelle approche, un point de vue différent sur la didactique des langues et sur les langues elles-mêmes qui ne vient pas en remplacement de

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l’enseignement traditionnel mais, au contraire, en complément de cedernier1 (ALAS-MARTINS et al., 2011, p.165-166). No caso do projeto que nos interessa, são trabalhadas as representações que os brasileiros têm dos argentinos, as quais, na maioria das vezes, contribuem para o afastamento de culturas. Na aproximação dos jovens, de ambos os países, e na reflexão dos pontos em comum e divergentes, como um exercício da tolerância, por meio da comunicação em suas próprias línguas, estaremos focando na riqueza social, política e cultural que a IC nos propõe. Considerando a aprendizagem como a construção de representações pessoais significativas, adotamos como princípio um dos pressupostos da teoria da aprendizagem significativa: “el aprendiz sólo aprende cuando encuentra sentido a lo

que aprende” (MUÑOZ, 2004). As experiências devem partir de conhecimentos e vivências prévias que serão integradas às novas experiências e se transformarão em experiências significativas, derivando em aprendizagem significativa. Durante o trabalho realizado, nossos estudantes puderam relacionar suas novas experiências às prévias (conceitos, conteúdos, conhecimentos) e tiveram o professor como um mediador, um facilitador e um orientador das aprendizagens. Os alunos também vivenciaram um processo de autorrealização e puderam elaborar, desde a interação, um juízo valorativo (juízo crítico) das aprendizagens adquiridas e intercambiadas. A experiência do projeto procurou contribuir para um aumento da motivação dos estudantes pela aprendizagem. A motivação pode apresentar diversas variantes e se apresenta

1  Constitui uma nova abordagem, um ponto de vista diferente sobre a didática das línguas e sobre as próprias línguas, que não pretende substituir o ensino tradicional, senão, pelo contrário, complementá-lo. Tradução nossa.

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como um fenômeno complexo, pelo fato de diferir de pessoa para pessoa. Na área da Psicologia da Educação, estar motivado é mover-se para fazer algo (RYAN & DECI, 2000, p.54), se bem que a motivação não depende exclusivamente do indivíduo envolvido na aprendizagem, mas, também, nesse caso, da criatividade com que o professor apresenta o conteúdo a ser trabalhado, tendo em vista que “a motivação é o conceito-chave para ter sucesso na aprendizagem de uma nova língua” (DÖRNYEI, 2001; ELLIS, 1994). A interação com jovens pares de outro país, via textos autênticos em diversos suportes textuais, utilizando a tecnologia que os adolescentes tanto gostam e dominam, é crucial na procura do aumento da motivação dos alunos do projeto em estudo. As inquietações que nos levam a fazer esta pesquisa são as seguintes: é possível aplicar atividades diferenciadas e de maneira multimodal

(vídeos, cartas, encontros online, etc.) nas aulas de língua estrangeira em escolas regulares? Como a reflexão sobre as questões anteriores fornecem caminhos para o desenvolvimento do pensamento crítico dos jovens, a fim de desenvolver valores e mudar representações estereotípicas? É possível perceber um incremento na motivação da aprendizagem de uma língua estrangeira trabalhando situações de língua autêntica e com base em uma aprendizagem significativa? Como objetivo geral propomos estudar como um projeto de intercâmbio virtual entre jovens de países com línguas diferentes, porém próximas (espanhol-português), pode contribuir para a formação integral do adolescente. Os objetivos específicos são: situar o processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira em uma abordagem de IC em uma perspectiva relacionada a uma visão atual do ato pedagógico; conhecer as representações dos alunos em

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relação aos diversos aspectos culturais, identitários e sociais que surjam a partir das interações, promovendo reflexão de forma a contribuir para uma atitude mais tolerante e de respeito às diferenças; analisar a contribuição do projeto no incremento da motivação, interesse e significância na aprendizagem da língua-alvo. A presente pesquisa, etnográfica e qualitativa, está sendo desenvolvida em uma sala de aula de 1ª série e três salas de aula de 2ª série de Ensino Médio de uma escola particular da cidade de Natal, onde a disciplina de Espanhol é ministrada duas vezes por semana em aulas de 50 minutos cada uma. Para a geração dos dados utilizamos um questionário inicial para conhecer as expectativas que os alunos possuíam a respeito do trabalho que seria desenvolvido, as representações e crenças em relação à cultura argentina e, especificamente, sobre a cidade de Córdoba, além de outras questões relevantes à pesquisa.

No final do projeto, em julho de 2014, foi aplicado um novo questionário para conhecer a opinião dos alunos sobre a experiência e aspectos decorrentes da vivência do projeto. Estamos na fase de análise do material coletado, com vistas a atingir nossos objetivos.

2 Intercompreensão de línguas românicas no ensino profissionalizante No Brasil, a educação profissional já assumiu diferentes funções no decorrer de toda a história educacional. Na atualidade, objetiva criar cursos que garantam perspectivas de trabalho e facilitem a qualificação de jovens para atender às demandas do mercado. Assim sendo, a formação profissional não se esgota na conquista de um certificado ou diploma. A nova política educacional estabelece a educação continuada, permanente, como forma de

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atualizar, especializar e aperfeiçoar jovens e adultos em seus conhecimentos tecnológicos (LDBEM, 1996). Visando ampliar o conhecimento desses alunos, propomos o desenvolvimento da pesquisa intitulada “A intercompreensão no ensino-aprendizagem de línguas: uma estratégia para desenvolver a competência leitora e compreensão oral plurilíngues em alunos de cursos profissionalizantes da área de hotelaria”, que tem por objetivo desenvolver, através da Intercompreensão de Línguas Românicas, a competência de leitura e compreensão oral de textos plurilíngues em alunos de cursos profissionalizantes na área de hotelaria. As inquietações que nos impulsionam ao empreendimento desse trabalho se constituem a partir de nossa empiria como professora de língua portuguesa e francesa, em que observamos um sentimento de baixa autoestima, prin-

cipalmente, em alunos provenientes do ensino público, quanto à capacidade de aprendizagem de uma outra língua. Nossa grande motivação vem do desejo de favorecer uma quebra de paradigma acerca da capacidade de aprendizagem de alunos oriundos, em sua maioria, do ensino público e que, por escolha ou falta de oportunidade, não tiveram acesso a um curso superior. No ensino profissionalizante, esperamos encontrar uma miscelânea de níveis de conhecimento, de experiências de vida; o que torna a realização desta pesquisa mais desafiante, pois, ao propormos a esses sujeitos a imersão em um terreno movediço do contato com línguas de mesma origem de sua língua materna, particularmente, as línguas francesa, italiana e espanhola, por meio da Intercompreensão de Línguas Românicas, competência que se desenvolve apoiada nas semelhanças entre línguas, via estratégias de leitura

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e compreensão oral de uma língua estrangeira (JAMET, 2010), buscamos despertá-los para novas aprendizagens, aquisição de novas competências para que, assim, percebam que têm capacidade de aprendizagem superior ao que imaginam. Fundamos nossa pesquisa na visão de que todo indivíduo possui capacidades plurilíngues, em razão de dominar diferentes variedades linguísticas. O plurilinguismo constitui o “repertório de línguas utilizadas por um indivíduo, que engloba a língua materna e todas as outras variedades de língua que o indivíduo conhece” (ESCUDÉ; JANIN, 2010). A habilidade de leitura/compreensão oral de textos é uma necessidade da vida moderna e, na perspectiva da intercompreensão, trabalhar com textos em línguas românicas pode proporcionar ao aluno abertura do seu conhecimento de mundo, aumento das perspectivas no mercado de trabalho, elevação da autoestima. As es-

tratégias da compreensão se fundam nas transferências e semelhanças linguísticas e culturais. Diante da proposta de pesquisa, levantamos os questionamentos a seguir: 1. É possível desenvolver, através da Intercompreensão, uma competência leitora e de compreensão oral de línguas românicas? 2. O trabalho com a Intercompreensão de Línguas Românicas pode ajudar no aumento da autoestima, fazendo com que o aluno busque mais conhecimento? 3. O desenvolvimento da competência leitora e da compreensão de textos orais em línguas românicas pode contribuir para aumentar as potencialidades dos sujeitos? Escolhemos como público-alvo para desenvolver nossa pesquisa alunos de curso profissionalizante na área de hotelaria, em formação pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), no hotel-escola Barreira Roxa, em Natal-RN. Pretendemos desenvolver o trabalho

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com a realização de um Curso de Extensão com carga horária de 60h/a, com material elaborado por nós, visando cada etapa de aprendizagem do aluno, com uso de textos autênticos nas línguas-alvo da pesquisa – francês, espanhol e italiano – que versem sobre a área do curso do aluno, ou seja, hotelaria. Cada etapa da aprendizagem será acompanhada. Inicialmente, traçaremos o perfil socioeconômico e linguístico dos sujeitos com a aplicação de questionários. O aluno participará ativamente de todo o processo, quer nas atividades propostas em sala de aula, quer na narração de seu aprendizado por meio da elaboração de um diário reflexivo de seu percurso plurilíngue, no qual poderá expor suas descobertas, medos, estratégias, dificuldades, etc. Trabalhar tentando aferir fatores afetivos relacionados à aprendizagem de língua é um desafio, pois, no Brasil, ainda são incipientes os estudos que tenham essa proposta como

escopo. No entanto, partilhamos a opinião de Morin (2011, p.20), de que “há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção”. As pesquisas iniciais envolvendo a afetividade no ensino-aprendizagem de língua partem da hipótese de Krashen (KRASHEN, 1985, 2009), ao afirmar que fatores como motivação, ansiedade e autoconfiança interferem no processo de aquisição de uma língua, sendo que, quanto mais alto for o filtro afetivo do aprendiz (ansiedade), mais esse bloqueia a aprendizagem (hipótese do filtro afetivo). Mastrella-de-Andrade (2011) expõe a visão de diversos autores acerca do papel da afetividade. Podemos condensá-los a partir das seguintes afirmações: a aprendizagem de uma língua estrangeira (LE) em sala de aula é apontada como causa de ansiedade em alguns alunos, em razão de eles terem que participar da aula,

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demonstrar seu conhecimento; a aprendizagem de língua estrangeira seria uma das áreas que mais geram ansiedade nos aprendizes; a aprendizagem de LE é um processo perturbador. Atribuímos o sentimento de “ansiedade” e consequente abalo à autoestima, ao fato de o processo de ensino-aprendizagem estar marcado pela visão negativa de “avaliação”. O que causa a ansiedade não é o ensino- aprendizagem em si, mas a forma como é trabalhado, a pressão por um rendimento satisfatório, a avaliação. Em nossa pesquisa, o trabalho com textos plurilíngues se dará de forma gradual, levando sempre o aluno a ativar e valorizar conhecimentos que já possui. Como não haverá um fator explícito de avaliação, a atribuição de nota; acreditamos ser esse um fator que favorecerá o desenvolvimento da pesquisa, pois, à medida que o sujeito for se percebendo capaz, plurilíngue, aumente sua autoestima, autoconfiança e diminua sua an-

siedade em relação ao desafio que lhe está sendo proposto, vamos aumentando o grau de dificuldade, ou melhor, de exigência de compreensão nas línguas-alvo. Assim, pretendemos iniciar com a compreensão leitora e, gradativamente, chegarmos até à compreensão oral, buscando sempre fazer com que o aluno perceba seu progresso, por meio da autoavaliação.

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3 A Intercompreensão nas aulas de língua inglesa

línguas estrangeiras, então, devemos repensar a nossa prática quando alguns aprendizes não se projetam como bem- sucedidos, nesse caso, acerca da compreensão da língua inglesa. Diante desse contexto, foram levantados os seguintes questionamentos: 1) o que gera a baixa autoestima nos aprendizes, levando-os a não se reconhecerem como indivíduos capazes de compreender a língua inglesa? 2) Será que é possível aumentar a confiança e autoestima por meio de uma abordagem plurilíngue? De que maneira a Intercompreensão de Línguas Românicas pode contribuir para o aumento da autoestima dos aprendizes da língua inglesa? 3) É possível que esse tipo de abordagem traga reflexos positivos para aprendizagem da língua inglesa? Este estudo tem por objetivos: i) elencar o(s) possível(is) motivo(s) apontado(s) pelos aprendizes como gerador(es) de baixa autoestima; ii) promover a confiança e a autoestima dos apren-

A experiência como professora nos permitiu observar por diversas vezes a insegurança por parte de alguns alunos no que diz respeito à aprendizagem da língua inglesa, bem como a negação da capacidade de compreender e interagir quando em contato com textos ou falantes dessa e de outras línguas. O estudo da língua-cultura inglesa, assim como de qualquer outro idioma, deve possibilitar a promoção de maior abertura para diferentes formas de estruturar o mundo, possibilidades e oportunidades de agir no mundo de forma crítica, permitindo que o cidadão tenha mais voz política, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1999), assim como as Orientações Curriculares Nacionais (OCN) para o Ensino Médio no Brasil (BRASIL, 2006). Refletindo dessa maneira, nós, professores de

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dizes por meio de uma abordagem plurilíngue que valorize seus conhecimentos prévios; iii) avaliar se uma abordagem plurilíngue centrada na intercompreensão de línguas românicas pode refletir positivamente na aprendizagem da língua inglesa. Participam da pesquisa colaboradores de uma turma do 5º período, que corresponde a cinco semestres, do curso integrado de Manutenção e Suporte em Informática da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) do campus Currais Novos. A EJA é uma modalidade de ensino que visa proporcionar aos indivíduos que não tiveram acesso ou que não conseguiram concluir o ensino fundamental ou médio, na idade apropriada, uma oportunidade de ingressarem ou terminarem os estudos. Por esses alunos estarem desnivelados e, muitas vezes, por terem passado algum tempo sem estudar, é comum

ouvir relatos de professores sobre o baixo rendimento das turmas dessa modalidade. Pensando na insegurança que revela essa baixa autoestima entre certos alunos e na grande ansiedade que esse sentimento pode gerar, elegemos como abordagem plurilíngue a Intercompreensão de Línguas Românicas, que será utilizada como estratégia de aprendizagem socioafetiva. Trabalho esse que será desenvolvido por meio de músicas, textos curtos e palavras em línguas românicas – tais como italiano, espanhol e francês – e também em língua inglesa. Embora não seja de origem românica, boa parte do vocabulário da língua inglesa é românico, derivado do francês. O francês aparece também como uma ponte entre as línguas românicas e germânicas (BRITO et al., 2013, p.21). A Intercompreensão (IC) para a aprendizagem da língua inglesa é justificada pelo fato de ela compartilhar, em parte, com as línguas români-

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cas mencionadas acima, uma origem comum, o latim. Partindo da proximidade entre as línguas, a IC envolve a gestão de competências e conhecimentos prévios, principalmente, linguístico e cultural, que encorajam as comparações e a transferência de uma língua para a outra (SANTOS & ANDRADE apud VALENTE, 2010, p.68) Com isso, acreditamos que a IC ajudará a baixar o filtro afetivo (KRASHEN, 1985, 2009) dos participantes no que diz respeito à compreensão escrita da língua inglesa. Para favorecer a confiança dos alunos, procuramos, também, a valorização do conhecimento prévio, esperando resultar em uma aprendizagem mais significativa (AUSUBEL apud MOREIRA, 2011). Ou seja, procuramos valorizar os conhecimentos que os aprendizes já possuem sobre as línguas estrangeiras para, então, nos aproximarmos daquela língua mais distante, neste caso, a língua inglesa.

Para tanto, foram planejadas três sequências didáticas (SD), equivalendo a primeira sequência a 10h/aula, a segunda a 20h/aula e a terceira, a 10h/aula. Na primeira, está sendo feita uma sensibilização para as línguas, voltando a atenção dos alunos para a identificação das línguas envolvidas e para o conhecimento linguístico que está em nosso entorno e como aproveitá-lo; na segunda, serão trabalhados textos com um tema comum em quatro idiomas, a citar o italiano, o espanhol, o francês e o inglês, explorando a familiaridade entre as línguas, valorizando o conhecimento prévio e as estratégias de leitura; na terceira, serão trabalhados somente textos em inglês, esperando-se que as estratégias utilizadas para a compreensão dos três primeiros idiomas citados, bem como a percepção em relação aos conhecimentos prévios e o apoio na língua materna, o português, sejam transferidos em benefício da compreensão da língua inglesa.

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Além disso, utilizamos, inicialmente, como ferramenta metodológica, questionários, entrevistas e, ao longo do processo, utilizaremos anotações de campo e relatos dos alunos de como se sentem em relação ao processo e à compreensão de diferentes línguas, principalmente, frente à língua inglesa. Esses instrumentos têm como objetivo mostrar o ponto de partida em que os alunos se encontram quanto à autoestima em relação à aprendizagem de línguas (questionário e entrevista) e analisar o processo (anotações de campo feitas pelopesquisador e depoimento dos alunos quanto ao desenvolvimento das atividades e seu engajamento com elas). Para fundamentar este estudo traremos para as nossas reflexões, dentre outros autores, Edgar Morin (2011), Mastrella (2011), Maturana e Varela (1995), Maturana (1998, 2001), Krashen (1985, 2009); para afetividade, autores como Martins (2010), Andrade e Pinho (2010),

Santos (2010), Lemos (2011); Degache (2012), Robert (2013) para embasar a Intercompreensão; e o conceito de aprendizagem significativa de Ausebel (apud Moreira, 2011). A expectativa gerada em torno deste estudo é que, por meio de um trabalho de valorização dos conhecimentos prévios em uma abordagem plurilíngue de Intercompreensão de Línguas Românicas e inglesa, seja possível aumentar a autoconfiança e a autoestima dos envolvidos na pesquisa acerca da compreensão, sobretudo escrita, da língua inglesa. E, por que não, também ampliar os estudos sobre Intercompreensão em Línguas Românicas sob a perspectiva da afetividade e de sua utilização como estratégia de ensino e aprendizagem que sensibiliza e proporciona a abertura para as diversas culturas em um ambiente de ensino diferente, o da aula de inglês.

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4 Intercompreensão nas aulas de língua portuguesa

valorização da leitura literária nos livros didáticos (utilizados, geralmente, como base para o ensino gramatical)? Como a compreensão de um texto, muitas vezes, requer toda uma contextualização por parte do professor, que se depara, quase sempre, com situações que requerem uma explicação da formação da língua e sua história, essa adequação na aula nos leva ao esclarecimento da origem românica da língua portuguesa. Assim, procuramos articular uma aula plurilíngue à de língua portuguesa, trabalhando a intercompreensão de Línguas Românicas numa turma do ensino fundamental de uma escola pública de Natal. Como o trabalho em sala de aula ocorre por meio do texto escrito, a utilização da didática do plurilinguismo nos parece apropriada para promover a diversificação do ensino- aprendizagem de línguas, favorecendo a compreensão

Como professora de língua portuguesa, percebemos que na educação infantil os alunos gostam de manusear livros infantis, ouvir ou ler histórias de contos de fadas e sonhar com os heróis de narrativas clássicas da literatura. No entanto, ao chegarem ao ensino fundamental do 6º ao 9º ano esse encanto parece acabar por algum motivo. Essa constatação nos leva a refletir e nos questionar sobre o que provoca o desinteresse de alguns alunos/leitores nos anos finais do ensino fundamental, cuja base leitora é extremamente importante para sua formação, já que estão quase chegando ao ensino médio, onde terão de ler textos mais complexos. Essa desmotivação pela leitura estaria associada à dificuldade de compreensão leitora, falta de motivação para as aulas de leitura, poucas aulas diretamente com o livro literário ou pouca

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leitora, uma vez que valoriza a capacidade de o aluno “caminhar” por diferentes línguas – principalmente, por não se tratar de uma aula de língua estrangeira –, e perceber, por meio de diversos textos, como os de cunho literário, a riqueza de um vocabulário que vem do latim e que perpassa por diferentes línguas, até chegar ao português. Com essa dinâmica, intencionamos, também, favorecer o aumento da motivação e participação nas aulas de Língua Portuguesa. Assim, surgiu o interesse de desenvolver nossa pesquisa, intitulada “A intercompreensão de línguas românicas no ensino fundamental: articulando Plurilinguismo e Educação em uma proposta para a leitura literária em sala de aula”, que tem como objeto de estudo a aplicação da Intercompreensão de Línguas Românicas na aula de língua materna do ensino fundamental como estratégia para aumentar o interesse pela leitura de textos literários.

Para a realização deste estudo partimos das seguintes questões: Como melhorar o interesse pela literatura nos alunos? É possível viabilizar o trabalho com textos literários plurilíngues numa aula de leitura do ensino fundamental? A utilização de estratégias de intercompreensão de línguas românicas pode motivar os alunos para a leitura literária? Partindo dessas inquietações, formulamos como objetivo geral de nosso trabalho investigar como os alunos do Ensino Fundamental se utilizam do texto literário em sala de aula, através da aplicação de uma estratégia de educação plurilíngue por meio da Intercompreensão de Línguas Românicas como método de ensino. Os objetivos específicos são: (I) Investigar o que pensam os alunos sobre a aula de língua materna e leitura literária; (II) aplicar atividades de leitura de textos literários tendo como base a IC; (III) analisar se houve mudança em suas representações sobre leitura, escrita e

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intercompreensão de textos após aplicação das atividades e (IV) apontar possibilidades quanto à inserção do Plurilinguismo e Intercompreensão como proposta pedagógica na motivação para a aula de leitura literária do ensino fundamental. É importante salientar que o trabalho se insere no processo de ensino-aprendizagem de leitura do texto literário como essencial para a formação leitora dos alunos. Assim, temos como fundamentação teórica autores que tratam a leitura literária em sala de aula como fundamental na formação leitora, como Amarilha (2003); Resende (1993); Kleiman (1999); Aguiar (1991); Silva Neto (2005); Solé (1998); Perrone-Moisés (2000); Lajolo (1993); entre outros. Sobre a intercompreensão, a revisão bibliográfica priorizou autores que buscam uma formação didática plurilíngüe, como: Araújo e Sá; De Carlo; Antoine (2011), Alas-Martins (2010; 2011), além de Doyé (2005), entre outros.

Como metodologia utilizada neste estudo destacamos que foi proposta uma pesquisa etnográfica e qualitativa, na qual utilizamos a observação participativa, a entrevista e o questionário como recursos principais para a geração de dados, assim como notas de campo e a elaboração de atividades didáticas nas quais promovemos, inicialmente, o encontro do aluno com a literatura, dando-lhes oportunidade de ler e conhecer alguns textos de gêneros literários, como o conto, o poema, a crônica e o romance. A IC foi aplicada nas aulas de língua portuguesa de uma turma do 8º ano do Ensino Fundamental em uma escola da rede pública estadual, onde atuamos como professora titular da disciplina. Inicialmente, como sensibilização, foram utilizados textos, vídeos e apresentação de slides que mostravam um pouco das línguas românicas e da cultura de alguns países falantes das mesmas. O objetivo era contextualizar as

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línguas utilizadas nos textos apresentados juntamente com as atividades de leitura e produção de textos, normalmente utilizadas em nossas aulas. A partir dessa contextualização, foi possível observar que os alunos tiveram oportunidade de refletir a respeito de outras línguas, que não a materna, nem a língua estrangeira ensinada na escola, no caso o inglês. Trouxemos para a turma pesquisada trechos de textos clássicos da literatura mundial, que compreendessem cada língua românica proposta pelo objetivo geral da pesquisa e que tivessem palavras parecidas com nosso idioma, assim como tivessem ensinamentos que fossem importantes e atuais para o contexto da turma, no caso jovens adolescentes entre 14 e 16 anos. Foram escolhidos os textos dos seguintes títulos: “D. Quixote de la mancha”, de Cervantes (em espanhol e português); “O pequeno príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry (francês e português); e “Pinóquio”, de Carlo Collodi (italiano e português).

A pesquisa se encontra ainda em desenvolvimento, no entanto, já podemos adiantar alguns resultados observados. Nas referidas atividades, o aluno conheceu um pouco sobre as línguas espanhola, italiana e francesa, ao ler os textos sugeridos. Trabalhamos sempre com a ideia de que o texto literário traz muito mais do que apenas um momento de diversão nas aulas. Ao lerem os textos em sua própria língua, também aprenderam a fazer referências ao mesmo lido na língua original dos autores, aprendendo sobre suas nacionalidades, as características dogênero estudado; os conflitos vividos pelos personagens, que eram universais; as palavras parecidas com as da língua portuguesa nas histórias; o desenvolvimento do enredo e dos personagens característicos de uma narração; assim como a discussão de temas dos textos debatidos em sala de aula, como a coragem de ir atrás dos seus sonhos, como em Quixote; a necessidade de cativar o

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outro para a amizade e o companheirismo e a aceitação, que ocorre com o pequeno príncipe; e, por fim, o enfrentamento de desafios necessários para o nosso crescimento e as causas e consequências de nossas ações, princípio visto em Pinóquio. Tudo isso sem haver nenhum tipo de separação entre os conteúdos bimestrais e os textos plurilíngues, uma vez que, em nenhum momento, tivemos a pretensão de ensinar uma língua estrangeira, mas mostrar aos alunos um conhecimento que pode ser adquirido se tivermos acesso aos textos originais de uma literatura em outras línguas. Sabemos que o aprendizado se dá por meio do contato direto com o objeto do conhecimento. O livro, neste contexto, serviu para o professor ir além do puro ensinamento gramatical de uma aula de língua. Trabalhando com a literatura, procuramos sempre atingir objetivos para melhorar a leitura e a escrita dos alunos, mas, também, fa-

zê-los refletir sobre os temas universais tratados nos textos e que auxiliam na formação leitora e cidadã. A literatura, utilizada desde sempre como fonte de conhecimento, não pode ser esquecida ao ponto de ficar relevada apenas a um momento de uso da biblioteca escolar, ou, ainda, para entreter os jovens como preenchimento do horário da aula. Concluímos nosso estudo reforçando que a intercompreensão nos parece concorrer para a diversificação do ensino-aprendizagem de línguas, favorecendo a compreensão leitora, uma vez que valoriza a capacidade de o aluno “caminhar” por diferentes línguas e perceber, através de diversos textos, como os de cunho literário, a riqueza de um vocabulário que vem do latim e que perpassa diferentes línguas até chegar ao Português, podendo também servir para o aumento da motivação e participação nas aulas de Língua Portuguesa, contribuindo para seu desenvolvimento intelectual e formativo.

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Considerações finais

2010). Muitos professores, por mais que fiquem fascinados em contato com a proposta, ainda têm receio de inovar e ousar em suas práticas. A universidade procura cumprir seu papel, buscando construir, coletivamente, (comunidade universitária e professores de educação básica) novos saberes que possam orientar novas práticas. É levar conhecimento que a comunidade científica produz para além da universidade e, por outro lado, trazer, para dentro da universidade, novos agentes e conteúdos, revelando uma dimensão mais real do processo dialógico do ensinar e do aprender. As pesquisas aqui apresentadas validam esse posto.

É incontestável que a opção de se trabalhar com diversas línguas constitui um grande desafio didático-pedagógico, mas vale a pena. Uma dinâmica de valorização das línguas, inclusive da materna, deve ser percebida como um recurso cognitivo e não como um obstáculo para o processo de aprendizagem. Nosso objetivo é trabalhar a descoberta das línguas de um lado e, de outro, a própria percepção de si e do outro, em uma dinâmica de educação ao longo da vida. A investida é, portanto, ousada. Por mais que se evidenciem vantagens da didática da intercompreensão, nem sempre é fácil colocá-la em prática. As pesquisas empíricas validamos benefícios de uma educação plurilíngue, porém, são, na maioria das vezes, conduzidas por professores e/ou pesquisadores familiarizados com a didática da intercompreensão (MEISSNER,

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Texto

3

O ensino de LEs nos documentos oficiais brasileiros: um breve histórico

Bruno F. de Lima Ana Graça Canan

Outro aspecto marcante nesse período foi a preocupação em oferecer apoio metodológico ao ensino de LEs modernas, em especial ao de Francês e ao de Inglês. Por isso, havia nesses documentos não só uma indicação para uso do Método Direto, como também um detalhamento de procedimentos pedagógicos a serem adotados em sala de aula a fim de garantir um aprendizado eficiente. Entre esses procedimentos destacam-se as orientações para a leitura, começando com histórias fáceis até a progressão para obras literárias completas, e o amplo uso de recursos audiovisuais como giz colorido, discos e filmes. Entretanto, no caminho do ministério às salas de aula, o Método Direto acabou se transformando num arremedo do Método de Leitura Americano, já que, de acordo com Chagas (1957 apud LEFFA, 1999, p. 11), a prática escolar tomou-lhe apenas a forma exterior, tendo capta-

O ensino de Línguas Estrangeiras na Educação Básica do Brasil ganhou destaque durante as décadas de 1940 e 1950, precisamente a partir da reforma do ensino promovida pelo ministro Gustavo Capanema. Na exposição de motivos em defesa das Leis Orgânicas do Ensino, o ministro Capanema argumenta que a educação como um todo não deveria se prestar somente a fins instrumentais, comportamento que repercutiu no ensino de Línguas Estrangeiras – LEs (LEFFA, 1999). Conforme o publicado na Portaria Ministerial 114, de 29 de janeiro de 1943, o ensino de LEs devia ser orientado também por objetivos educativos e culturais que contribuíssem, assim, para a “[…] formação da mentalidade, desenvolvendo hábitos de observação e reflexão e para o conhecimento da civilização estrangeira” (BRASIL, 1943).

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do somente sua “[…] liturgia, sem penetrar-lhe o verdadeiro e profundo sentido”. Já na segunda metade do século XX, o ensino de Línguas Estrangeiras em geral não gozava de muito prestígio no Brasil. A partir dos anos 1960, as sucessivas reformas do ensino foram, paulatinamente, reduzindo a carga horária e a importância dessas disciplinas nos currículos da Educação Básica. Um dos primeiros marcos nesse processo foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB de 1961 (BRASIL, 1961). Essa lei deixava a cargo dos Conselhos Estaduais de Educação a inserção de disciplinas optativas, entre elas as LEs, no currículo do Ensino Médio, desde que existissem as devidas condições para fazê-la. Medidas como essa terminaram por reduzir em dois terços o tempo semanal dedicado às Línguas Estrangeiras em relação aos anos anteriores (LEFFA, 1999). Assim, em atendimento à LDB de 1961,

o ensino de Línguas Estrangeiras não era mais obrigatório. Com isso a aprendizagem de Inglês não era mais garantida à população que frequentava o ensino público no Brasil justamente em uma época na qual, em função de resquícios da Segunda Guerra Mundial, da dependência econômica em relação aos EUA e da influência da cultura americana por aqui, a necessidade de aprender a língua inglesa já havia se instalado e a exigência dela no mercado de trabalho era notável (CHINA, 2008). Dez anos depois era publicada a LDB de 1971 (BRASIL, 1971a). Com foco na promoção do ensino profissionalizante, essa lei levou o ensino de LEs a uma condição crítica. Esse documento estabeleceu que o Ensino Médio (então chamado de 2º grau) teria três anos de duração, nos quais o aluno deveria ser preparado com “[…] o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional” (BRASIL, 1971a, Art. 4º, § 3º). Some-se

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isso a expressa recomendação do governo federal para “[…] especial relevo ao estudo da língua nacional como expressão da cultura brasileira […]” (BRASIL, 1971a, Art. 4º, § 2º) e o resultado é praticamente a retirada das LEs da organização curricular do Ensino Médio. De acordo com Leffa (1999), muitas escolas, a partir de então, não ofereciam mais que uma hora de aula de LE por semana, às vezes durante apenas um ano. A expressão da pouca importância dada às LEs na época se encontra também na Resolução nº 08 do Conselho Federal de Educação, a qual, em seu Artigo 7º, recomenda o ensino de uma língua estrangeira moderna, a título de acréscimo, “[…] quando tenha o estabelecimento condições para ministrá-la com eficiência” (BRASIL, 1971b). Noutro documento, o Parecer nº 853/71 do Conselho Nacional de Educação, apresenta-se a seguinte justificativa para esse tratamento ao ensino de LEs:

Não subestimamos a importância crescente que assumem os idiomas no mundo de hoje, que se apequena, mas também não ignoramos a circunstância de que, na maioria de nossas escolas, o seu ensino é feito sem um mínimo de eficácia. Para sublinhar aquela importância, indicamos expressamente a “língua estrangeira moderna” e, para levar em conta esta realidade, fizemo-la a título de recomendação, não de obrigatoriedade, e sob as condições de autenticidade que se impõem (BRASIL, 1971c).

Somente mais de vinte anos depois, o ensino no Brasil passou por outra reforma significativa. Em 20 de dezembro de 1996, era promulgada a Lei nº 9.394, conhecida como a nova

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LDB1 (BRASIL, 1996). Segundo esse documento, em seu Art. 22, a Educação Básica, formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, tem por finalidades “[…] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho em estudos posteriores” (BRASIL, 1996). Graças à nova LDB, o ensino de Línguas Estrangeiras começa a recuperar um pouco da importância dilapidada ao longo das décadas anteriores. O documento estabelece, no Artigo 26, § 5º, a obrigatoriedade da inclusão de pelo menos uma língua estrangeira na parte diversificada do currículo do Ensino Fundamental, a partir da 5ª série. Para o Ensino Médio, etapa de aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, a lei recomenda, no Artigo 36º, Inciso III, a inclusão de “[…] uma língua

estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo” (BRASIL, 1996). É também interessante pontuar que a nova LDB, ao contrário de leis educacionais anteriores, abandona a indicação de uma metodologia específica para o ensino de LEs. Essa medida é coerente com o elenco de princípios da educação nacional disposto pela LDB de 1996, no qual está o do “pluralismo de ideias e concepções pedagógicas” (BRASIL, 1996, Art. 3º, inciso III). O pluralismo de concepções pedagógicas apresentado na LDB repercute no Parecer nº 15/98 do Conselho Nacional de Educação. Embora trate da organização das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e tenha força de lei, esse documento reconhece a autonomia das escolas na montagem de suas propostas pedagógicas e o protagonismo do professor em sua execução. Vejamos a seguir o que diz o parecer a esse respeito:

1 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996).

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O documento, assim, passa a organizar os saberes em áreas curriculares, num esforço de traduzir as recomendações da LDB em termos mais próximos do fazer pedagógico da escola. Fica, então, estabelecida a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias que, entre outras coisas, objetiva a constituição de competências e habilidades que permitam ao educando “[…] conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais” (BRASIL, 1998, p. 62). Foi também com base na constituição dessas áreas que foram formatados documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (BRASIL, 2000) e as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2006). Além da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, os Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio (BRASIL, 2000) têm como um de seus principais pilares a organização das dis-

O currículo ensinado será o trabalho do professor em sala de aula. Para que ele esteja em sintonia com os demais níveis – o da proposição e o da ação – é indispensável que os professores se apropriem, não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino de sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista importante (BRASIL, 1998, p. 58).

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ciplinas em outras duas áreas: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias. O elo entre essas áreas é a linguagem que, de acordo com o texto do documento, media os atos de cognição que levam à aprendizagem. A proposta de mudança no tocante ao ensino de Línguas Estrangeiras como um todo visa a reverter práticas monótonas e repetitivas, pautadas, “[…] quase sempre, apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na prioridade da língua escrita e, em geral, tudo isso de forma descontextualizada e desvinculada da realidade” (BRASIL, 2000, p. 26). Os PCNEM chamam a atenção para o fato de que, embora a legislação da primeira metade do século XX já apontasse para um ensino de caráter mais prático, a redução da carga horária, a falta de docentes devidamente qualificados e a escassez de materiais didáticos são fatores

que implicaram a não aplicação dos textos legais (BRASIL, 2000). Para Almeida Filho (2001, p. 17), faltava também “[…] produção específica própria em teorização sobre ensino de línguas e crítica sustentada do ensino estruturalista fortemente ortodoxo e em franca consolidação no país”. De acordo com os PCNEM, uma vez inseridas numa grande área – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – […] as Línguas Estrangeiras Modernas assumem a sua função intrínseca que, durante muito tempo esteve camuflada: a de serem veículos fundamentais na comunicação entre os homens. Pelo seu caráter de sistema simbólico, como qualquer linguagem, elas funcionam como meios para se ter acesso ao conhecimento e, portanto, às diferentes formas de pensar, de

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um perfil comunicativo. Entretanto, como bem afirma Almeida Filho (2001, p. 26), “[…] a prática do ensino comunicativo não tem sido generalizada nos contextos nacionais e nem farta nos resultados de uma aprendizagem eficaz”. O autor salienta que tampouco existe um quadro teórico que respalde a prática de ensino comunicativo, entre outras razões porque

criar, de sentir, de agir e de conceber a realidade, o que propicia ao indivíduo uma formação mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais sólida (BRASIL, 2000, p. 26).

Assim, ao abraçar esses compromissos, o ensino de LEs tenta se afastar do repasse de conhecimentos metalinguísticos e da ênfase a regras gramaticais, os quais refletem um foco exacerbado na forma. Para Widdowson (1991), a superconcentração na forma acaba por direcionar a atenção do aluno para questões que o uso normal da língua exigiria que ele ignorasse. Como efeito, tem-se o deslocamento da língua que está sendo aprendida para um ponto distante da própria experiência linguística do aprendiz. Vê-se, no texto do documento e na análise dos autores citados, a clara recomendação para que a disciplina de Inglês no Ensino Médio tenha

[…] o denominar(-se) comunicativo/a por uma faceta errônea, superficial e/ ou fragmentada banaliza os sentidos mais centrais da abordagem comunicativa levando as críticas de espantalhos comunicativos criados para serem destruídos em argumentação “vanguardista” ou “ingênua” (2001, p. 27).

A exemplo disso, os PCNEM observam que na ocasião de sua produção, a maioria das esco-

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las centrava as aulas de Línguas Estrangeiras no domínio dos aspectos formais da língua-alvo, ou seja, focando as habilidades linguísticas de entender, falar, ler e escrever, acreditando que, com isso, os alunos seriam capazes de se sair bem numa situação real de comunicação. Todavia, o trabalho com essas habilidades, “[…] por diferentes razões, acaba centrando-se nos preceitos da gramática normativa, destacando-se a norma culta e a modalidade escrita da língua” (BRASIL, 2000, p. 28). Nessa conjuntura, o ensino está marcado por movimentos cíclicos ou pendulares, ora ensinando a forma explicitamente, ora só implicitamente (ALMEIDA FILHO, 2001, p. 21). Widdowson (1991) considera que um ensino com essas características redunda no desenvolvimento da habilidade de produzir frases corretas, proposta ratificada por muitos professores, mas que, por várias razões, não é satisfatório. Ele pondera que

[…] podemos prontamente concordar com o fato de que a habilidade de produzir orações é importantíssima na aprendizagem de uma língua. É preciso reconhecer, no entanto, que essa não é a única habilidade de que necessitam os estudantes. A pessoa que domina uma língua estrangeira sabe mais do que compreender, falar, ler e escrever orações. Ela também conhece maneiras como as orações são utilizadas para se conseguir um efeito comunicativo (WIDDOWSON, 1991, p.13).

Os Parâmetros se alinham com essa ideia ao afirmarem que é necessário conhecer as razões por que alguém precisa aprender uma ou mais Línguas Estrangeiras para que, enfim, se possa conceber uma aprendizagem significativa. Defendem, ainda, que, se em vez de nos

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•• compreender em que medida os enunciados refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz;

determos às habilidades linguísticas, pensarmos em competências a serem dominadas, talvez seja possível determinar as razões que de fato justificam a inclusão de uma Língua Estrangeira no currículo do Ensino Médio. Assim, a competência comunicativa seria alcançada a partir do momento que fossem desenvolvidas as demais competências que a compõem, quais sejam (BRASIL, 2000, p. 28-29):

•• utilizar os mecanismos de coerência e coesão na produção em língua estrangeira (oral e/ou escrita). Todos os textos referentes à produção e recepção em qualquer idioma regem-se por princípios gerais de coerência e coesão e, por isso, somos capazes de entender e de sermos entendidos;

•• saber distinguir as variantes linguísticas; •• escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação;

•• utilizar as estratégias verbais e não verbais para compensar falhas na comunicação (como o fato de não ser capaz de recordar, momentaneamente, uma forma gramatical ou lexical), para favorecer a efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido (falar mais lentamente ou enfatizar certas palavras, de maneira proposital, para obter certos efeitos retóricos, por exemplo).

•• escolher o vocábulo que melhor reflita a ideia que pretende comunicar; •• compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão de aspectos sociais e/ou culturais;

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Os PCNEM ressaltam que a compartimentalização das competências, como o que pode ser visto acima, tem caráter puramente didático. O documento reforça que, na busca de caminhos para um trabalho efetivo com as competências, tanto essas quanto as próprias disciplinas da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias têm de estabelecer inter-relação e interligação. Ao proporem a articulação das Línguas Estrangeiras com outras disciplinas a partir de uma abordagem conjunta de temas como hábitos alimentares de outros povos, os Parâmetros Curriculares querem deixar claro que nenhuma área de conhecimento prescinde de outras e que qualquer tentativa de desvinculá-las resultará na criação de situações altamente artificiais e geradoras de desinteresse (BRASIL, 2000). Widdowson (1991) defende exatamente a interdisciplinaridade como estratégia para que o ensino de Inglês proporcione experiências relevan-

tes aos alunos, mantenha laços com seus “mundos reais” e propicie a comunicação. O autor explica que matérias como História, Geografia e Artes, por exemplo, fazem parte da própria experiência dos alunos e não há razão que justifique a disciplina de Inglês não se relacionar com o mundo exterior por meio delas. Assim como Widdowson, Morin (2011) argumenta que para que o conhecimento seja pertinente, a educação deve desenvolver formas de torná-lo evidente. Um modo plausível de tornar o conhecimento evidente poderia ser justamente a abertura de diálogo entre os diversos componentes do currículo. Nesses termos, a aprendizagem passaria a ser concebida como ampliação dos horizontes, permitindo a compreensão de valores socioculturais que são carregados por um idioma e promovendo a quebra de estereótipos e preconceitos. Conforme expresso nos PCNEM, essa meta não é fácil. Mas, se o que se almeja é pôr em práti-

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ca os princípios fundamentais do ensino de Inglês estabelecidos pelos documentos oficiais, a interdisciplinaridade pode ser o meio mais viável. É possível que no estreitamento das relações entre as disciplinas, o aluno tome consciência da relevância prática da língua-alvo como meio de comunicação e integração com o mundo. Alguns anos depois dos PCNEM, a Secretaria de Educação Básica, por meio do Departamento de Política do Ensino Médio, encaminha aos professores as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), com o objetivo de apresentar um conjunto de reflexões que alimente a prática docente. Passados seis anos da publicação dos PCNEM (BRASIL, 2000), surgiu a demanda de aprofundar alguns pontos apresentados por eles, bem como de “[…] desenvolver indicativos que pudessem oferecer alternativas didático-pedagógicas para a organização do trabalho pedagógico,

a fim de atender às necessidades e às expectativas das escolas e dos professores na estruturação do Ensino Médio” (BRASIL, 2006, p. 8). Conforme se pode ler desde a sua introdução, o cerne das orientações das OCNEM para o ensino de todas as línguas estrangeiras é a função educacional e a relevância que elas têm na construção da cidadania do aluno. China (2008, p. 83) corrobora esse pensamento ao afirmar que o objetivo primordial para a inserção da disciplina no currículo do Ensino Médio é o papel educacional da língua estrangeira, isto é, “[…] o ensino de língua estrangeira não tem fins apenas de conhecimento linguístico, engloba os aspectos de interação social também”. As OCNEM começam a defender essa ideia citando pesquisas recentes que demonstram que os alunos desconhecem o motivo da inserção das LEs no currículo do Ensino Médio. Nas falas desses alunos, observa-se que o sucesso

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ou fracasso do ensino de Língua Estrangeira é analisado a partir de objetivos puramente linguísticos que, quando não alcançados a contento, motivam a procura por institutos de idiomas. O documento destaca a falta de clareza quanto às finalidades diferenciadas dessas duas instituições, que fica evidente quando

aprendizes e na formação desses. A concentração em tais objetivos pode gerar indefinições (e comparações) sobre o que caracteriza o aprendizado

[…] a escola regular tende a concentrar-se no ensino apenas linguístico ou instrumental da Língua Estrangeira (desconsiderando outros objetivos, como os educacionais e os culturais). Esse foco retrata uma concepção de educação que concentra mais esforços na disciplina/conteúdo que propõe ensinar (no caso, um idioma, como se esse pudesse ser aprendido isoladamente de seus valores sociais, culturais, políticos e ideológicos) do que nos

O ensino que enfatiza os aspectos linguísticos, ou seja, os conteúdos, contribui para um tipo de educação cuja premissa básica é o acúmulo de conhecimentos como via de formação do “ser completo” (BRASIL, 2006, p. 91). Em vez disso, o que as OCNEM pontuam é que as necessidades da sociedade atual convergem para um trabalho educacional em que as disciplinas do currículo, entre elas, Inglês, se tornem meios pelos quais se buscam o desenvolvimento da consciência social, a criatividade, a mente

dessa disciplina no currículo escolar e sobre a justificativa desse no referido contexto (BRASIL, 2006, p. 90).

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aberta para novas aprendizagens etc. Enfim, busca-se a formação de cidadãos completos. O conceito de cidadania trazido pelo documento assume que “[…] ser cidadão envolve a compreensão sobre que posição/lugar uma pessoa (o aluno, o cidadão) ocupa na sociedade” (BRASIL, 2006, p. 91). Com isso, a escola passa a ter o dever de “[…] desenvolver nos alunos uma habilidade de engajar em diálogos difíceis que são uma parte inevitável da negociação na diversidade2” (KALANTZIS; COPE, 2000, p. 139). Dentro dessa perspectiva, o ensino de Inglês contribui para ampliar o horizonte de comunicação do aprendiz para além da sua própria comunidade linguística, proporcionando-lhe a oportunidade de compreender a heterogeneidade contextual, social, cultural e histórica inerente ao uso de qualquer linguagem (VAN EK; TRIM, 1984).

Assim, em função da clara intenção de valorizar a inserção das línguas estrangeiras no currículo do Ensino Médio para fins educacionais, visando à construção da cidadania, da concepção de linguagem heterogênea e da ênfase no uso contextualizado da língua, as OCNEM recomendam o ensino de LEs vinculado a projetos de multiletramento e propostas de inclusão, por considerar que essas ideações permitem trabalhar a linguagem (em língua materna e estrangeira) desenvolvendo “[…] modos culturais de ver, descrever e explicar” (BRASIL, 2006, p. 98). Apresentado aos professores pelo texto das Orientações, o termo multiletramento “[…] engloba a multiplicidade de canais de comunicação e mídia e a crescente proeminência da diversidade cultural e linguística3” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 5).

2  Tradução nossa para o trecho: “[...] develop in students an ability to engage

3  Tradução nossa para “[...] the multiplicity of communications channel and

in the difficult dialogues that are an inevitable part of negotiating diversity”

media [...] the increasing salience of cultural and linguistic difference” (COPE;

(KALANTZIS; COPE, 2000, p. 139).

KALANTZIS, 2000, p. 5).

351


Mais adiante, os autores dizem que a noção de multiletramento vai de encontro à tradicional pedagogia da “mera alfabetização”, centrada numa única forma da língua nacional, concebida como um sistema estável baseado em regras como a relação direta entre som e letra. Para eles,

próxima da linguagem do que a “mera alfabetização” jamais poderia permitir. Multiletramentos também criam um tipo diferente de pedagogia: uma na qual a língua e outros modos de sentido são recursos representacionais dinâmicos, constantemente sendo refeitos por seus usuários conforme eles trabalham para alcançar seus vários propósitos culturais4 (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 5).

[…] tal ponto de vista sobre a linguagem deve traduzir-se tipicamente em uma pedagogia mais ou menos autoritária. Uma pedagogia de Multiletramentos, ao contrário, está focada em modos representacionais mais abrangentes que somente a língua. Eles diferem de acordo com a cultura e o contexto, e têm efeitos cognitivos, culturais e sociais específicos. Em alguns contextos culturais – numa comunidade aborígene ou num ambiente multimídia, por exemplo – a modalidade visual de representação pode ser mais poderosa e

4  Tradução nossa para “such a view of language must characteristically translate into a more or less authoritarian kind of pedagogy. A pedagogy of Multiliteracies, by contrast, focuses on modes of representation much broader than language alone. These differ according to culture and context, and have specific cognitive, cultural and social effects. In some cultural contexts – in an Aboriginal community or in a multimedia environment, for instance – the visual mode of representation may be more powerful and closely related to language than ‘mere literacy’ would ever be able to allow. Multiliteracies also creates a different kind of pedagogy: one in which language and other modes of meaning are dynamic representational resources, constantly being remade by their users as they work to achieve their various cultural purposes” (COPE; KALANTZIS, 2000, p. 5).

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O que vemos na explanação da pedagogia dos multiletramentos é a efetiva descrição do ensino preconizado pelas OCNEM. A relevância da heterogeneidade da linguagem e seus complexos usos – interligando o verbal e o visual – inviabilizam o ensino de Inglês baseado na ortodoxia das quatro habilidades isoladas umas das outras. Tampouco tem lugar o ensino sustentado na gramática, que denuncia uma concepção de linguagem como um sistema fixo e homogêneo. Contudo, o conceito de multiletramentos não implica o abandono do ensino da gramática. Implica, sim, vê-lo como o ensino de regras que estruturam o uso de formas contextualizadas de linguagem, “[…] apontando a dinâmica entre a sistematicidade (e sua fixidez aparente) da regra sempre presente na linguagem e a mutabilidade da regra ao longo da história ou conforme contextos socioculturais diferentes” (BRASIL, 2006, p. 111). Em termos práticos, passa-se a ensinar

gramática de forma mais indutiva, ou seja, em vez da regra se antecipando ao uso, temos a regra sendo depreendida a partir do uso da linguagem num contexto específico. Quanto às habilidades, o documento propõe o desenvolvimento da leitura, da comunicação oral e da prática escrita como práticas culturais contextualizadas. Embora recomende que todas essas habilidades comunicativas sejam trabalhadas ao longo do Ensino Médio, o documento entende que a proporcionalidade delas deve levar em conta as diferenças regionais/locais, tendo sempre em vista o que de fato se constitui como necessidades dos alunos. As OCNEM admitem que no 3º ano do Ensino Médio as escolas realcem o trabalho de leitura visando à preparação para o vestibular, mas advertem que essa opção não deve desconsiderar o caráter da leitura como prática cultural e crítica de linguagem, essencial para a formação do cidadão.

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As OCNEM sugerem ainda que todo o planejamento dos cursos de Língua Estrangeira no Ensino Médio seja pautado por temas ou contextos locais de uso, com as habilidades sendo trabalhadas a partir deles. Entre os referidos contextos locais de uso estaria, por exemplo, a oferta de orientações a visitantes em cidades com vocação turística. Figurando entre os temas estão: a cidadania, a diversidade, a igualdade, a justiça social, a dependência/independência, os conflitos, os valores e as diferenças regionais/nacionais. Enfim, com base nas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, podemos afirmar que o ensino de Inglês é concebido de modo que tenha fins educacionais os quais vão além de simplesmente preparar o aluno para o momento presente, isto é, o momento da comunicação. Esse ensino deve objetivar a capacitação do aprendiz para um futuro desconhecido, para agir em situações novas, imprevisíveis e incertas, as quais certamente demandarão a competência

para lidar com conflitos de valores e identidades. Afinal, como argumenta Morin (2011, p. 36), o conhecimento significativo caminha para o enfrentamento da complexidade, e em consequência disso, cabe à educação promover uma “[…] ‘inteligência geral’ apta a referir-se ao complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro de uma concepção global”.

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Texto

4

O papel da atividade lúdica como motivadora da aprendizagem da língua inglesa: análise de um livro didático

Luís Ferdinando Silva Patriota Ana Graça Canan

eficaz. Apesar de possuírem grande liberdade, os professores são praticamente levados a trabalhar com o quadro-branco, pois a disciplina de língua inglesa, por exemplo, nem sempre foi contemplada em programas governamentais de escolha de livro didático. O Ministério da Educação, o Estado do Rio Grande do Norte e o município de Natal passaram muito tempo sem disponibilizar um livro didático para o aluno de rede pública. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a comunidade escolar tem a opção de escolher a língua estrangeira a ser incluída no currículo. Muito embora a lei não especifique qual língua deva ser trabalhada nas escolas, sabe-se que a língua estrangeira escolhida pela maioria dos estados e municípios é a língua inglesa, apesar de haver algumas regiões que preferem optar por outra língua, como o espanhol, o francês ou o alemão, entre outras. Acreditamos que não é o fato de

Introdução O ensino da língua inglesa é hoje uma ferramenta de grande importância para os estudantes brasileiros entrarem no mercado de trabalho, devido às exigências cada vez maiores que as empresas fazem para que seus trabalhadores dominem uma língua estrangeira. Nas escolas por onde passamos, vimos um dado comum: quando o aluno está motivado, ele pode, de fato, aprender mais rápido e ficar mais interessado em participar da aula e de todo o processo de ensino e aprendizagem. Até recentemente, a metodologia utilizada no ensino da língua estrangeira, na rede pública, ficava mais a cargo da decisão do professor, pois ele tinha a liberdade de trabalhar com qualquer metodologia ou abordagem que acreditasse ser

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o aluno da rede pública não ter o livro didático (doravante Livro Didático) que o leva a sua falta de interesse e motivação pela disciplina, mas sim que a presença do livro poderia, juntamente com atividades motivadoras, aumentar o interesse pelo aprendizado da língua. Dada a importância que atribuímos à escolha de atividades lúdicas, surgiu o interesse de trabalhar com a análise de um material didático que começou a ser utilizado na instituição onde lecionamos desde o início do primeiro semestre de 2012. O material didático escolhido é o livro On Stage, de autoria de Amadeu Marques, destinado aos alunos do primeiro ano do ensino médio e adotado pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), que foi selecionado pelo corpo docente de língua inglesa do Campus Zona Norte de Natal. No ano de 2011, o PNLD analisou sete livros didáticos, dos quais apenas três contemplavam

atividades de compreensão oral, enquanto nenhum apresentou atividades lúdicas ou jogo. Por que isso ocorreu? Para Widdowson (1978), o professor que produz o material didático tende a se concentrar na forma gramatical, desprezando, assim, atividades que tenham objetivos comunicativos. Por experiência própria de quase doze anos de sala de aula, como professores de um instituto de idiomas e de escolas regulares do município de Natal e do interior do Estado do Rio Grande do Norte, procuramos sempre utilizar jogos nas aulas e pudemos perceber o que esse tipo de atividade é capaz de proporcionar. Por essa razão, decidimos pesquisar no LD citado se o autor menciona a utilização ou não dessas atividades, haja vista que elas proporcionam momentos nos quais os alunos se sentem motivados intrinsecamente e interessados em estudar e praticar a língua-alvo sem inibição, ignorando os prováveis erros que venham a cometer.

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Considerando que as atividades lúdicas podem constituir um recurso motivador, procuraremos responder às seguintes questões de pesquisa: 1) Que tipos de atividades podem proporcionar mais motivação aos alunos?; 2) Como são apresentadas as atividades do livro didático On Stage selecionado pelo IFRN, campus Zona Norte?; 3) Os alunos ficam mais motivados em aprender a língua inglesa quando realizam atividades lúdicas? Muitos estudos mostram evidências de que, quando a atividade lúdica é usada em sala de aula, tem-se uma melhora substancial na motivação dos alunos (BROUGÈRE, 1999, p. 136; WRIGHT; BETTERIDGE; BUCKBY, 2006; LANGRAN; PURCELL, 1994). Podemos dizer que o ensino de inglês no Brasil encontra inúmeras dificuldades e barreiras pela frente. Segundo os PCN (BRASIL, 1998, p. 66):

[...] sabe-se que na aprendizagem de uma língua estrangeira, fatores como quantidade, intensidade e continuidade de exposição à língua são determinantes no nível de competência desenvolvida e na rapidez com que as metas podem ser atingidas. A administração e a organização do ensino de Língua Estrangeira, no entanto, são inadequadas em relação àqueles aspectos. O número de horas dedicadas à Língua Estrangeira é reduzido, raramente ultrapassando duas horas semanais, a carga horária total, por sua vez, também é reduzida; a alocação da disciplina muitas vezes está em horários menos privilegiados etc. Essas limitações são inaceitáveis.

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Percebemos que o texto dos PCN é crítico em relatar as dificuldades que os professores e alunos enfrentam no ensino e aprendizagem de uma língua estrangeira como, por exemplo, salas lotadas, baixa carga horária, horários inconvenientes e salários defasados. Podemos dizer, ainda, que muitos dos docentes de língua inglesa que atuam nas esferas municipal e estadual tendem a usar o método de Gramática e Tradução. Mas, como foi dito anteriormente, o professor se sente desmotivado muitas vezes por não ter recursos disponíveis que possam lhe auxiliar, como por exemplo, um projetor de multimídia, um livro didático, um computador conectado à internet, dicionários e acesso à reprodução de materiais. Por essas razões, é mais viável usar o quadro porque, de certa forma, os alunos parecem estar mais concentrados na aula. Nós próprios já atuamos na rede municipal de ensino da cidade de

Natal durante seis anos, e escutávamos muitos colegas da área dizerem que preferiam usar a metodologia da Gramática e Tradução (GT) por ser mais cômoda e mais fácil, visto que a rede municipal da cidade, até o ano em que atuamos nela – maio de 2010 –, ainda não tinha tomado providências para mudar essa realidade. Quando tivemos a oportunidade de usar jogos em nossas aulas, percebemos muitos pontos positivos, dentre eles, um maior interesse dos alunos em pronunciar as palavras corretamente em inglês; até aqueles mais tímidos se dispuseram a participar das atividades e havia uma interação muito grande da turma como um todo. Logo, isso contribuía para uma maior união do grupo. O fato de o instituto federal oferecer uma melhor infraestrutura, de certa forma, motiva o aluno, pois ele tem conhecimento que o ensino oferecido na rede tende a ser mais rígido e que

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precisará se esforçar para poder acompanhar as disciplinas. Assim, o aluno precisa estar motivado para aprender melhor e mais rápido, pois se ele está estudando uma língua estrangeira só porque ela é obrigatória no currículo escolar e em exames nacionais como o ENEM, a sua aprendizagem pode ficar comprometida. Por isso, o autor citado acima assinala que os alunos devem ser mais bem informados sobre a importância da sua aquisição, como, por exemplo, o fato de que em muitos países a educação superior depende fortemente de um conhecimento efetivo de uma língua estrangeira, e que dominá-la ainda pode ser considerado um ponto muito positivo para o discente universitário no que tange à pesquisa. Daí concluirmos que essa consciência sobre a importância da aprendizagem de uma língua estrangeira ainda falta aos alunos brasileiros, pois caso ela existisse, tería-

mos alunos com um nível de proficiência nessa área melhor do que temos atualmente. O propósito deste trabalho foi alcançar os seguintes objetivos: 1) Verificar a motivação dos alunos por atividades lúdicas; 2) Analisar os tipos de atividades propostas pelo livro didático selecionado pelo IFRN, campus Zona Norte, para o ensino da LI; 3) Aplicar atividades lúdicas e relacioná-las ao aumento da participação e da interação em sala de aula.

1 P esquisas sobre atividades lúdicas e a aprendizagem de línguas estrangeiras Muitos estudiosos, dentre eles Wright, Betteridge e Buckby (2006), Langran e Purcell (1994), Littlewood (2008), Rivoluncri (2008), Larsen-Freeman (2000), Crookall e Oxford (1990) e Ur (2001) já apontaram a eficácia do uso do lúdico na sala de aula de língua estrangeira, es-

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pecialmente do inglês, como uma ferramenta importante na aprendizagem. Wright, Betteridge e Buckby (2006) se mostram favoráveis ao uso dos games na escola. Eles elencam quatro motivos principais que justificam a utilização dos games nas aulas de língua estrangeira: 1) a aprendizagem de uma língua é um trabalho árduo; 2) com os games há a possibilidade de vivenciar a língua; 3) há um uso repetido de itens da língua e, 4) os games têm um papel central na aprendizagem. Assim, pode-se entender que quando o professor faz uso de atividades lúdicas, ele deve fazê-lo não para passar o tempo, e sim fazê-lo com algum propósito pedagógico. As atividades lúdicas podem promover a motivação pela aprendizagem, dependendo do grau de interesse que cada aluno demonstre por esse recurso de complemento didático, e por último, podem promover o uso da língua sem se prender a sua

forma estrutural (a gramática), mas centralizando as atividades em práticas comunicativas reais. Em relação ao estudo do inglês como língua estrangeira, pudemos perceber nos locais onde trabalhamos uma grande desmotivação entre os alunos de escola pública devido à forma como o inglês é ensinado pelos profissionais de educação responsáveis por esse ensino. O fato é relevante porque, para seguir a carreira docente na rede pública de ensino, especialmente na rede municipal e estadual, o candidato não precisa comprovar a fluência no idioma, basta que seja graduado em Letras. Por essa razão, profissionais que começam suas carreiras na rede pública de ensino precisam superar alguns obstáculos estruturais apresentados pelo sistema e isso influencia a forma como ensinam. Decorrente disso, muitos poderiam se indagar sobre a maneira pela qual a língua estrangeira está sendo ensinada e pen-

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sarem uma possível reformulação, pois poderíamos nos perguntar se o foco de ensino da língua estrangeira fosse apenas a comunicação, a receptividade dos discentes seria a mesma? A resposta para essa indagação provavelmente seria que não, pois o que se vê nos dias de hoje são centros de idiomas lotados em todo o país e com alunos muitos mais motivados do que aqueles que estudam a mesma disciplina por sete anos em instituições públicas e privadas. Para Widdowson (1978, p. 35),

geira conflita com a maneira pela qual ele sabe que uma língua realmente funciona, e isso necessariamente impede qualquer transferência que poderia de outra forma ocorrer.

O autor deixa claro que a forma pela qual a língua é ensinada na sala de aula influencia consideravelmente o grau de interesse e motivação que o aluno vai desenvolver ao longo do período que estiver estudando a disciplina. Se um aluno estudou uma língua estrangeira por um longo período, por exemplo, com o método de Gramática e Tradução, ele pode desenvolver uma antipatia pela disciplina e chegar ao ponto de dizer que não gosta ou que nunca aprenderá esse componente curricular. Certamente, não podemos afirmar categoricamente que o método não funciona ou que é totalmente falho, porque o mesmo não tem o foco no desenvolvimento

[...] A maneira pela qual a língua estrangeira é apresentada na sala de aula não corresponde à experiência do aprendiz com a sua própria língua fora da sala de aula, ou nas salas de aula onde ele usa a língua para o estudo de outras matérias. Ao contrário, a maneira dele exigida para aprender a língua estran-

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da oralidade, mas sim na leitura e tradução de textos na língua-alvo. Segundo Larsen-Freeman (2000, p. 17): [...] De acordo com professores que usam o Método de gramática e tradução, o propósito fundamental de se aprender uma língua estrangeira é ser capaz de ler textos literários na língua-alvo. Para isso, os alunos precisam aprender sobre as regras gramaticais e o vocabulário da língua-alvo. Assim, acredita-se que estudar uma língua estrangeira dá ao aluno um bom exercício mental que ajudará a desenvolver sua habilidade mental1.

Poderíamos nos perguntar, qual seria a importância de se ensinar uma língua, por meio de uma abordagem centrada na comunicação, atualmente. Segundo Crookal e Oxford (1990, p. 11), cerca de 60% da população mundial é multilíngue e o domínio de outras línguas como um meio de uma comunicação que abranja outras culturas se tornou decisivo para a sobrevivência do mundo. É necessário analisar alguns exemplos, pois os mesmos destacam a necessidade de ser capaz de se comunicar em mais de uma língua e eles ajudam a manter a atenção acerca dos métodos que usamos para aprender outras línguas2 (CROOKAL; OXFORD, 1990, p. 11). Além disso, alguns documentos oficiais brasileiros, como os PCN (1998), PCNEM (2000), PCN+

1  “According to the teachers who use the Grammar-Translation method, a

2  “Today, about 60 percent of world’s population is multilingual, and the mas-

fundamental purpose of learning a foreign language is to be able to read

tering of other languages as a means of cross-cultural communication has

literature written in the target language. To do this, students need to learn

become crucial to the survival of the world. It is useful to look at some exam-

about the grammar rules and vocabulary of the target language. In addition,

ples, for they highlight the necessity of being able to communicate in more

it is believed that studying a foreign language provides students with good

than one language, and they help focus attention on the methods we use to

mental exercise which helps develop their minds” (tradução nossa).

learn other languages” (tradução nossa).

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Segundo Crookal e Oxford (1990, p. 14), os games também podem ser chamados de simulações. Os mesmos autores usam o termo simulação, pois todas as atividades nas quais os alunos simulam uma situação real de comunicação, onde a vida real é representada na sala de aula, também podem ser consideradas atividades lúdicas. Eles ainda dizem que,

(2007), OCN (2006) mencionam a presença da habilidade comunicativa como objetivo a ser alcançado pelo aluno, por exemplo, o que se espera do aluno ao término do ensino fundamental. Os PCN (1998, p. 67) destinados ao ensino fundamental ressaltam que o aluno seja capaz de: [...] vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu próprio mundo, possibilitando maior entendimento e um mundo plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do mundo (BRASIL,1998, p. 67).

A simulação tem vivenciado um desenvolvimento espetacular nos últimos anos e essa atividade tem sido amplamente reconhecida como uma forma valiosa de aprendizagem em uma vasta gama de campos e fenômenos, particularmente aqueles onde a comunicação é importante [...]3 (CROOKAL; OXFORD, 1990, p. 14). 3  “Simulation has witnessed a spectacular development in recent years and has come to be widely recognized as a valuable means of learning about a whole range of phenomena and fields, particularly those in which communication is important […]” (tradução nossa).

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Sendo assim, se faz necessário definir que termo iremos usar para nos referirmos a jogo neste artigo. Na literatura acerca de jogos, há três termos muito comumente usados, são eles, simulação, role-play, e jogo (em inglês, simulation, role-play e games; jeu de rôle em francês). Para Crookal e Oxford (1990, p 17), o termo simulação é usado como uma categoria geral ou um termo curto, que pode conter elementos de jogos ou de role-play, ou seja, simulações são atividades que representam o mundo real. Por isso, “As simulações encorajam os alunos a utilizarem os conhecimentos da língua recém-aprendida de maneiras como a maioria das pessoas em outras situações (similares, mas reais) faz”4 (CROOKAL; OXFORD, 1990, p. 15).

O role-play é um termo mais popular entre os professores de inglês por ser uma prática de atividades onde os alunos representam determinadas situações que se assemelham à vida real. Já a palavra game, segundo Crookal e Oxford (1990, p. 18), “[...] geralmente se refere a atividades curtas que têm o objetivo de permitir aos jogadores praticar um componente linguístico ou uma estreita variação dele”5. Porém, esse entendimento não se estende a outros pesquisadores que usam games nas suas pesquisas. Alguns autores como Wright, Betteridge e Buckby (2006), Langran e Purcell (1994), Rivoluncri (2008), Larsen-Freemnan (2000), Crookall e Oxford (1990) e Ur (2001) adotam a palavra jogo, indistintamente para simulação, role-play e jogo (nesta última definição, especificamente).

4  “Simulations thus encourage language participants to use their new langua-

5  “[…] the term ‘game’ usually refers to small-scale activities, which aim prin-

ge in the ways most people do in other (similar, but real) situations” (tradu-

cipally at allowing players to practice a language component or a narrow

ção nossa).

range of them” (tradução nossa).

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Neste trabalho, optou-se por utilizar o termo games com a respectiva tradução de jogos, conforme a maioria dos estudiosos da área, pelo fato de ser o termo mais utilizado na literatura específica, apesar de reconhecermos que nem todo game pode ser classificado como atividade lúdica, pois a palavra lúdico em si é muito mais ampla e pode englobá-lo. Langran e Purcell (1994, p. 8) sugerem ainda uma lista de pontos a serem levados em consideração quando se planeja usar jogos em sala de aula. Eles recomendam:

onde haja um trabalho acumulativo; verificar as palavras-chave da atividade com os alunos; certificar-se de que as instruções são claras; demonstrar, se necessário; contextualizar a cena; oportunizar a agência e a escolha; durante a atividade, monitorar, auxiliar e mostrar-se disponível; interromper o jogo na hora certa; promover um momento sequencial da atividade eficaz; deixar claro aos alunos o motivo pelo qual você decidiu usar jogos como uma estratégia de ensino; introduzir jogos nos níveis mais iniciais6 (LANGRAN; PURCELL, 1994, p. 8).

[...] definir a estrutura trabalhada e o vocabulário pertinente; escolher um tópico relevante; atentar para a viabilidade logística; certificar-se de que a sala de aula é adequada para a atividade; preparar a atividade com antecedência; procurar oportunidades

6  “Define the structure and vocabulary; choose a relevant topic; check the logistics; make sure the room is suitable; prepare the activity; look for opportunities for ‘pyramid’ work; check for the key words; make sure the instruction is clear; demonstrate, if necessary; set the scene; maximize ownership and choice, during the activity; monitor, prompt, be on hand; stop the game at the right time; look for effective follow-up; make sure learners understand why you have decided to use language games as a teaching strategy; introduce games early on in a beginner’s class” (tradução nossa).

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Os defensores do uso de games no ensino de língua estrangeira argumentam que os jogos são interessantes porque simulam situações reais, ou seja, situações que os alunos irão vivenciar em suas vidas. Além disso, a linguagem usada nessas atividades sempre tem um objetivo, um propósito, cada atividade possui sua peculiaridade (LANGRAN; PURCELL, 1994; WRIGHT; BETTERIDGE; BUCKBY, 2006). Além do mais, os jogos têm a vantagem de que podem ser usados com alunos de quaisquer níveis, do básico ao avançado, não importando o nível de conhecimento que o aluno tenha na língua, e, além disso, essas atividades também podem servir para praticar qualquer conteúdo que se esteja estudando (LANGRAN; PURCELL, 1994). Em relação ao papel de cada um na sala de aula, Rivoluncri (2008) defende que o professor é livre para descobrir o que os alunos realmente sabem sem se tornar o foco principal na sala de

aula, pois os alunos devem ser o foco principal de toda atividade lúdica proposta em sala de aula. Como também a seriedade da atividade deve ser levada em consideração, pois se sabe que toda atividade lúdica proporciona momentos de alegria e diversão, mas a atividade não tem como objetivo principal propiciar o riso, e sim a prática do idioma e a internalização do assunto de uma forma mais prazerosa e divertida (RIVOLUNCRI, 2008; CROOKAL; OXFORD, 1990). Acreditamos que o uso de atividades lúdicas pode melhorar a motivação pela participação nas aulas e, por conseguinte, o desenvolvimento da expressão oral devido aos jogos serem atividades novas e atrativas para os alunos e de não serem usadas cotidianamente por professores de línguas. Na literatura disponível sobre esse tema, há algumas pesquisas que confirmam os benefícios da atividade lúdica: Nogueira (2007), Silveira (2007), Silva (2003), Oliveira (2009), Olivei-

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ra (2008), Valério et al. (2012), Costa (2008), Rodrigues (2007), Souza (s.d.), Yolageldili e Arikan (2011), são alguns exemplos de pesquisas que abordaram esse tema.

medicina ou direito, cursos muitos requisitados, deve estar ciente de que terá uma tarefa difícil pela frente, especialmente se visa ao ingresso numa universidade pública. A saída é então se dedicar muito aos estudos e abdicar de algumas formas de lazer, de certos hábitos de consumo etc., a fim de encarar com sucesso esse desafio. Em outra situação, se um aluno precisa aprender a falar um idioma para conseguir com urgência uma posição melhor no mercado de trabalho, ele terá um estímulo maior do que aquele que não tenha a mesma urgência motivadora. Para Ellis (2012, p. 75), ela “envolve as atitudes e estados afetivos que influenciam o grau de esforço que os aprendizes fazem para aprender uma L27”. Assim, podemos dizer que quando a motivação se apresenta, a aprendizagem é facilitada, pois este é um fator que certamente afeta o sucesso do aluno.

2 A motivação Mencionamos na seção 1 que os games são atividades motivantes por estimularem os alunos a participar mais na sala de aula. Mas o que seria uma atividade motivante? A seguir, vamos tentar explicar o que entendemos por essa ideia. O que pode fazer um aluno ter sucesso ou fracasso em qualquer atividade que faça depende do estímulo que tenha para executá-la. Se uma pessoa quer comprar um objeto que tenha um valor elevado, em geral vai precisar economizar e sacrificar certos gastos por alguns meses e até por anos, dependendo do montante em questão, até levantar o valor requerido. Do mesmo modo, se uma pessoa pretende cursar

7  “[...] involves the atitudes and affective states that influence the degree of effort that learners make to learn an L2” (Tradução nossa).

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2.1 A motivação extrínseca

de uma punição por parte dos pais. Esses fatores irão motivar o aluno na realização da tarefa.

Para alguns alunos que estudam uma língua estrangeira se sentirem motivados em estudar e aprender o novo idioma, e consequentemente, atingir a competência comunicativa, eles se motivam com fatores externos à sala de aula, ou seja, com objetivos que vão além de conseguir uma aprovação no ano escolar ou de competir com outros colegas. Por exemplo, conseguir uma bolsa de estudos fora do país ou conhecer a cultura da língua-alvo. Para Sarrazin e Trouilloud (2006, p. 125), a motivação extrínseca “corresponde a todo engajamento em uma atividade cujo objetivo é alcançar um resultado qualquer que lhe esteja associado”8. Esse resultado que os autores mencionam sempre está relacionado a fatores externos, podendo ser uma recompensa ao realizar a atividade com sucesso ou o medo

2.2 Resultativa Para Ellis (2012), a motivação é o resultado da aprendizagem, ou seja, o sucesso anterior em um aprendizado de uma língua com um determinado método pode motivar o aluno a aprender mais eficazmente. Do mesmo modo, o aluno pode também ficar menos motivado a aprender se tiver tido insucesso. Tudo irá depender do sentimento que o aprendiz tiver em relação ao aprendizado do novo idioma. Por exemplo, se um aluno conseguiu aprender um idioma com o método de Gramática e Tradução e se ele achar que esse método é o melhor, ele terá dificuldade para estudar outro idioma utilizando uma abordagem comunicativa.

8  “[…] correspond à tout engagement dans une activité, consenti dans le but d’atteindre un résultat quelconque qui lui est associé” (Tradução nossa).

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2.3 A motivação intrínseca

aluno fica motivado pelo prazer, pelo sentimento de curiosidade ou até mesmo por achar a atividade desafiadora e não por fatores externos. O segundo fator é o método utilizado pelo professor como determinante na motivação do aluno. Isso claramente influencia sua atitude na aprendizagem de uma língua estrangeira, pois se ele achar o método interessante e tiver confiança nele, ele o achará motivante e, com isso, estará mais encorajado a aprender. Esse problema do método acontece com frequência no cenário brasileiro, pois o método de Gramática e Tradução ainda é muito utilizado e o mesmo recebe muitas críticas, como citado na seção 2 deste artigo, por não priorizar a comunicação e sim o estudo de regras gramaticais e a tradução de palavras fora de um contexto real. Dessa forma, o que o professor faz em sala de aula, como a escolha de atividades divertidas e dinâmicas, contribui para aumentar

De acordo com Ellis (2012, p. 76), “a motivação envolve o surgimento e a manutenção da curiosidade e pode ir e vir como resultado de alguns fatores, como os interesses particulares dos aprendizes e a intensidade com que eles se sentem envolvidos em atividade de aprendizagem”9. Essa visão de Ellis engloba o interesse pessoal que o aprendiz tem em relação à língua e ao tipo de atividade que é exposto em sala de aula. De acordo com Sarrazin e Trouilloud (2006, p. 125), a motivação intrínseca acontece “quando um indivíduo realiza uma atividade pela satisfação que retira ao realizá-la e não por qualquer consequência que obtenha dela”10. Ou seja, o 9  […] motivation involves the arousal and maintenance of curiosity and can ebb and flow as a result of such factors as learners’ particular interests and the extent in which they feel personally involved in learning activities” (tradução nossa). 10  […] quand un l’individu realize une activité pour la satisfaction qu’elle procure en elle-même, et non pour une quelconque consequence qui en découlerait” (tradução nossa).

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a motivação dos alunos, sejam eles de escolas públicas ou privadas. Por conseguinte, o professor também pode desmotivar o aluno, caso não tenha criatividade na elaboração de atividades ou não domine o conteúdo. O quarto fator tem a ver com o sucesso que se espera obter dos alunos, seja com uma aprovação, seja com o aprendizado de uma língua, ou com um bom desempenho em uma atividade ou avaliação proposta. Por exemplo, na aprendizagem de inglês como língua estrangeira, se a maioria dos alunos de uma determinada turma se caracteriza como nível iniciante, o professor não pode exigir que os mesmos se submetam a avaliações orais nas quais tenham de se expressar sobre determinado assunto, opinando contra ou a favor e demonstrando fluência e pronúncia. Essa seria uma atitude muito equivocada por parte do professor e causaria um sentimento de desmotivação, pois os alunos que não

têm fluência no idioma iriam se sentir incapazes de realizar tal avaliação, podendo, em situações extremas, até desistir do curso. 2.4 A Teoria da autodeterminação A teoria da autodeterminação é uma abordagem da motivação humana que enfatiza as fontes motivacionais naturais das pessoas ao explicar o desenvolvimento da personalidade saudável e a autorregulação autônoma (REEVE; DECI; RYAN, 2004 apud CAVENAGHI); (SARRAZIN; TROUILLOUD, 2006). Ela também procura descobrir como as tendências naturais para o crescimento e as necessidades psicológicas interagem com as condições sociais que nutrem ou frustram essas fontes naturais, resultando em níveis de funcionamento efetivo e de bem-estar. Assim, um aluno pode se sentir motivado ou não para fazer uma atividade meramente por pensar

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que vai alcançar uma nota boa, ou porque vai receber algum tipo de punição de seus pais. Esses fatores terão o poder de afetar a sua motivação e, consequentemente, a sua aprendizagem. Essa teoria foi inicialmente estudada por Deci e Ryan (1985). A teoria da autodeterminação é uma teoria da motivação que oferece uma proposta de como incrementar a motivação dos alunos. Ademais, ela é composta por quatro subteorias: a teoria da avaliação cognitiva, a teoria da integração organísmica, a teoria das necessidades básicas e a teoria das orientações de causalidade.

intrínseca se refere a um comportamento motivado pela atividade em si, pela satisfação em realizar tal atividade. Assim, para poder desenvolver essa motivação, o aluno precisa se interessar pela atividade e sentir prazer em realizá-la, não se preocupando com fatores externos. 2.4.2. A teoria da integração organísmica A segunda subteoria da teoria da autodeterminação é a teoria da integração organísmica, que foi apresentada para especificar as formas diferentes de motivação extrínseca e seus fatores contextuais (CAVENAGHI, 2009). Para Deci e Ryan (2000), a motivação extrínseca se refere a um comportamento que busca fins instrumentais como alcançar recompensas ou evitar punições. Essas recompensas podem variar de um simples presente até a promessa de um empre-

2.4.1 A teoria da avaliação cognitiva Essa primeira categoria da teoria da autodeterminação explica como eventos externos, como as recompensas e o feedback, podem apoiar e algumas vezes atrapalhar a motivação intrínseca dos alunos. Para Deci e Ryan (2000), a motivação

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go para poder ativar o grau de motivação extrínseca do aluno. De acordo com esses autores acima, a teoria da integração organísmica focaliza os processos motivacionais extrínsecos sobre o desenvolvimento de motivações internalizadas. Além disso, eles propõem a existência de um continuum de autodeterminação que é organizado por tipos de motivação distintos, tendo como primeiro tipo a desmotivação, sendo seguida pelos tipos de motivação extrínseca11, e chegando por último à motivação intrínseca.

safios no cenário da sala de aula. Essas necessidades são a experiência de autonomia, competência e pertencer. A autonomia é uma função que precisa ser estimulada pelo professor a fim de que os alunos possam desenvolver a vontade de realizar determinada atividade motivados por um sentimento de satisfação própria. A competência, por sua vez, é a necessidade de ser eficiente na realização de uma atividade ou na interação com o ambiente, sempre buscando vencer novos desafios, e assim, ampliando suas capacidades (REEVE et al., 2004). Para Cavenaghi (2009), “o pertencer é a necessidade de estabelecer vínculos com os outros, refletindo o desejo de estar vinculado e envolvido de forma emocional e interpessoal em relacionamentos atenciosos e respeitosos”. Assim, esse sentimento de pertencer é uma necessidade importante para ser desenvolvida na

2.3.3. A teoria das necessidades básicas Essa teoria aponta três necessidades psicológicas básicas como subjacentes à tendência natural dos alunos para buscar novidades e de11  Segundo Deci e Ryan (2000), há quatro tipos de motivação extrínseca: regulação externa, regulação introjetada, regulação identificada e regulação integrada.

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sala de aula de língua estrangeira, pois o que se vê nas escolas públicas são salas de aulas lotadas e alunos desmotivados e sem nenhum sentimento de integração e pertencimento.

intrínseca, ajuda a determinar com que suporte de autonomia os professores avaliam uma maior motivação intrínseca, um sentimento de curiosidade e desejo para o desafio. Assim, o sentimento de controle faz os alunos perderem a motivação de participar da aula, como também podem deixar de aprender por se sentirem controlados. Portanto, a nossa proposição de uso de jogos como motivantes na sala de aula de língua inglesa está coerente com a teoria da autodeterminação, por acreditarmos que os jogos podem promover a autonomia e o sentimento de pertencimento em quaisquer alunos, independentemente do seu nível de conhecimento.

2.3.4. A teoria das orientações de causalidade A quarta subteoria da teoria da autodeterminação descreve as diferenças individuais nas orientações pessoais sobre quais são as forças motivacionais que causam seu comportamento. Assim, de acordo com Reeve et al. (2004), o indivíduo pode ter uma orientação de causalidade para autonomia devido ao alto grau de motivação intrínseca e aos tipos autônomos de motivação extrínseca. Por conseguinte, o sujeito pode ter uma orientação de causalidade para o controle, possuindo como motivação a extrínseca. Para Deci e Ryan (2000), o contraste autonomia x controle, para a manutenção da motivação

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3 Metodologia da pesquisa

Esta pesquisa está dividida em duas partes: em um primeiro momento, como uma análise documental, pois há um documento, um livro didático, sendo avaliado quanto à tipologia de seus exercícios e suas possíveis características lúdicas. Alguns autores veem vantagens no uso de documentos na pesquisa. Segundo Guba e Lincoln (1981 apud ANDRÉ; LUDKE, 1986), “[...] os documentos constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do tempo, os documentos podem ser consultados várias vezes e inclusive servir de base a diferentes estudos, o que dá mais estabilidade aos resultados obtidos”. Em um segundo momento, esta pesquisa se encaixa nos moldes de uma pesquisa-ação, pois desenvolvemos um ciclo de ações na nossa sala de aula: diagnóstico do problema, formulação de hipóteses sobre esse problema, uma investigação preliminar com a aplicação de um questionário piloto sobre o conhecimento que

3.1 Natureza da pesquisa A pesquisa realizada é do tipo qualitativo-quantitativa, qualitativa porque analisamos o livro didático sob o aspecto de classificação quanto às habilidades que poderiam ser trabalhadas e quanto à proposta ou não de atividades lúdicas; e, quantitativa porque utilizamos dois questionários e quantificamos os resultados com dados numéricos. Utilizamos o modelo apresentado por Richards e Rodgers (2001) para a análise do LD no que concerne à avaliação da abordagem e método usados pelo autor do livro, o plano ou design e os procedimentos adotados para o ensino de línguas. Além disso, adotamos a nomenclatura utilizada por Widdowson (1991) para classificar os tipos de exercícios presentes no livro didático.

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os alunos tinham sobre jogos, uma segunda intervenção prática sobre o grau de interesse que os alunos possuíam acerca de jogos, por meio de outro questionário. Em seguida, apresentamos o relato de suas respostas, juntamente com os resultados dos questionários aplicados e alguns depoimentos dos participantes. Por último, voltaremos a tratar do mesmo tema com eles com uma rápida explanação do uso de jogos didáticos na aprendizagem de uma língua estrangeira. Em vista disso, observamos a turma por um período de duas semanas (ao todo seis aulas), apenas trabalhando com o livro didático e depois desse período, formulamos uma hipótese de que os alunos estavam desmotivados com a disciplina, como também com o LD. Assim, aplicamos um questionário preliminar no qual detectamos a falta de motivação desses alunos. Em vista desse resultado, planejamos doze atividades lúdicas para complementarem o LD e aplicamos

quatro delas. Logo após a quarta, aplicamos o segundo questionário com frases reflexivas em uma escala Likert12. 3.2. Contexto da pesquisa O local onde desenvolvemos a presente pesquisa foi o campus do IFRN localizado na Zona Norte de Natal, bairro Potengi, conjunto Santa Catarina, e a sua escolha se deu por ele ser o local onde trabalhamos atualmente. Isso propiciou o acesso facilitado aos alunos que ingressaram na escola no início do ano de 2012 e os mesmos são sujeitos importantes para a nossa pesquisa. 12  A escala Likert é um tipo de escala de resposta psicométrica usada habitualmente em questionários, e é a escala mais usada em pesquisas de opinião. Ao responderem a um questionário baseado nessa escala, os perguntados especificam seu nível de concordância com uma afirmação. Normalmente, o que se deseja medir é o nível de concordância ou não concordância à afirmação, e geralmente são usados cinco níveis de respostas, como por exemplo, concordo totalmente, concordo parcialmente etc.

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3.3 Os participantes da pesquisa

Conforme apresentado anteriormente, foi feita uma análise documental do LD de língua inglesa On Stage selecionado para o IFRN, campus Zona Norte, onde classificamos as atividades presentes no material quanto ao aspecto da ludicidade. O Campus Natal-Zona Norte é fruto da primeira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, implementado pelo Governo Federal por meio do Ministério da Educação, no período de 2003 a 2006. O mesmo teve seu funcionamento autorizado no dia 29 de junho de 2006, porém iniciou suas atividades acadêmicas provisoriamente no Campus Natal-Central, em 18 de setembro do mesmo ano.

Selecionamos para participar da presente pesquisa 36 alunos do primeiro ano do ensino médio do curso integrado de nível médio de informática, turno matutino, do campus no qual trabalhamos. Os mesmos foram escolhidos e convidados a responder dois questionários, o primeiro com questões abertas e fechadas e o segundo somente com questões fechadas de múltipla escolha. Eles responderam o primeiro questionário antes de participar da primeira atividade lúdica e o segundo, depois da realização da quarta atividade. A escolha por essa turma em especial foi determinada por a mesma ser a única turma do primeiro ano de nível médio integrado na qual lecionamos e decidimos tê-la como a turma referência para a nossa pesquisa. Ademais, a maioria desses alunos é oriunda da rede pública de ensino e a menor parte vem de escolas privadas da capital.

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3.4 Instrumento de coleta de dados

tificados do que dados discursivos como, por exemplo, formulários livres, relatórios de observadores participantes e transcrições de linguagem oral13.

Para iniciarmos a coleta de dados, procedemos a análise documental do LD, investigando de uma forma geral a estrutura de organização do material e a análise de suas atividades. Com o segundo momento da investigação, apresentamos questionários aos alunos participantes desta pesquisa. Os questionários foram pensados com o objetivo de verificar o interesse dos alunos por atividades lúdicas, conhecer suas opiniões acerca do tema e verificar o grau de motivação que eles apresentam quando a atividade é realizada em sala de aula. De acordo com Nunan (2010, p. 143),

Sendo assim, a pesquisa por meio de questionário já é um recurso bastante utilizado por muitos pesquisadores e decidimos utilizá-lo como um dos instrumentos de coleta de dados desta pesquisa, pois pensamos o questionário ser uma fonte mais adequada de coleta para que possamos atingir um dos objetivos propostos neste trabalho. Assim, visando atingir o primeiro objetivo desta pesquisa, que é o de verificar a motivação dos alunos por atividades lúdicas, preparamos no primeiro questionário sete per-

[...] o questionário é um meio relativamente popular de coleta de dados. Ele permite que o pesquisador colete dados em quaisquer cenários, e os dados são mais fáceis de serem quan-

13  “[...] the questionnaire is a relatively popular means of collecting data. It enables the researcher to collect data in field settings, and the data themselves are more amenable to quantification than discursive data such as free-form field notes, participant observers’ journals, the transcripts of oral language” (tradução nossa).

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guntas, sendo quatro abertas e três fechadas, e no segundo elaboramos dez afirmações, seguindo o modelo da escala Likert.

No final do livro há uma seção que resume os tópicos gramaticais vistos em todo o material didático, como também uma lista de verbos irregulares, um glossário de palavras menos usuais com suas respectivas traduções e um índice que contempla os tópicos gramaticais trabalhados nos três volumes da coleção. Ao fazermos uma análise mais detalhada das sessões da unidade 1, chamada Before you Read, observamos que há um breve texto de introdução ao texto principal, nas duas línguas, acompanhado de imagens relacionadas. Nessa seção, espera-se que o professor trabalhe o conhecimento prévio do aluno, habilitando-o a formular hipóteses sobre o texto a ser lido e, ainda, que o aluno seja capaz de explorar a linguagem não verbal presente no texto. A seção Reading apresenta um texto introduzindo a unidade com temas socioculturalmente relevantes. De acordo com o autor do livro,

4 Análise dos dados 4.1. Apresentação do livro O volume I de que tratamos é composto de 12 unidades, sendo que cada uma delas contém uma seção de pre-reading, textos com temas transversais, questões de compreensão textual, atividades para aquisição de vocabulário, seção gramatical, questão de compreensão oral (listening), de produção oral, de produção escrita, e atividades que finalizam cada unidade envolvendo textos curtos. Atividades reflexivas acerca do tema central abordado na unidade complementam o volume.

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essa seção tem o objetivo de oferecer ao aluno contato com textos de diversos gêneros sobre temas de relevância sociocultural, bem como levá-lo a verificar as hipóteses levantadas antes da primeira leitura. A seção General Comprehension contém questões de compreensão geral do texto com vários formatos. Nessa seção, espera-se que o aluno possa desenvolver a habilidade de leitura, permitindo-lhe o uso de estratégias e, por último, abordar e discutir questões relacionadas ao tema da unidade. A seção Word Study explora questões contextualizadas e de variados formatos para a apresentação e ampliação de vocabulário do aluno. A meta é apresentar vocabulário novo e oportunizar sua prática sempre seguida de explicações e exercícios de fixação. A seção Detailed Comprehension aborda questões de interpretação mais específica do

texto introduzido na unidade, buscando assim que o aluno saiba procurar informações mais detalhadas do assunto que se abordou no texto. Espera-se que o aluno desenvolva ainda mais sua habilidade de leitura, fortalecendo a estratégia tipo Scanning. Na parte Structure, há uma apresentação contextualizada do tópico gramatical da unidade, com exemplos retirados do próprio texto trabalhado na unidade, proporcionando ao aluno uma visão contextualizada da gramática, evitando, assim, frases isoladas. Segundo o autor do livro, há também um resumo de informações sobre o sistema linguístico do idioma inglês, seguido de comentários sobre registros formais e informais. Essa seção apresenta o mesmo problema que formulamos no começo deste capítulo, que é a presença da língua materna. Na seção Listening, há atividades de compreensão oral com diversos textos orais e tarefas va-

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riadas para que o aluno possa desenvolver a habilidade de compreensão global de um texto oral, obviamente sabendo que essa não é uma habilidade elementar e requer muita prática e atenção. Entretanto, nos exercícios presentes no LD, há situações relacionadas, na maioria dos casos, com o tema transversal da unidade, mas tanto as questões quanto as respostas parecem não estimular o aluno a pensar no idioma, pois muitas da perguntas e respostas são exigidas na língua materna, desconfigurando, assim, o principal objetivo desse tipo de exercício, que é familiarizar o aluno com os sons do novo idioma, e não estimular uma prática de tradução constante, como o que se vê no método de gramática e tradução (RICHARDS; RODGERS, 2001). A seção Speaking aborda atividades de cunho oral onde o aluno poderá trabalhar em dupla, em grupo ou até mesmo individualmente, com o objetivo de pôr em prática essa habilidade

no idioma. O que podemos perceber é que em todas as unidades do LD, há um guia para ajudar o aluno na produção do texto oral, isso é um fator positivo, apesar de acharmos insuficiente a ênfase dada a essa habilidade ao longo de cada unidade, pois há seções que introduzem e finalizam a unidade, porém ambas são propostas para serem trabalhadas na língua materna com debates e discussões sobre diversos temas, inexistindo recomendações ao uso da língua-alvo nesse tipo de exercício. A seção Writing apresenta atividades de produção escrita em diversos gêneros textuais. Para o autor, um dos objetivos dessa seção é levar o aluno a entender a escrita como prática social e processo contínuo de avaliação e reescritura. Para isso, há sempre atividades-modelo para que o aluno tenha um padrão a seguir e busque elaborar suas próprias produções escritas.

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Acreditamos que o livro poderia conter todas as informações escritas na língua inglesa, pois, dessa forma, incentivaria o aluno a se familiarizar mais com a língua, pois cremos que o livro ficaria mais interessante se fosse escrito exclusivamente na língua-alvo. De outro modo, somos levados a pensar que o autor está sugerindo que o professor ensine sobre a língua, e não a língua propriamente dita, segundo o que preconiza o método da Gramática e Tradução. Mas, o autor se equivoca quando diz que o desenvolvimento da escrita das atividades presentes no LD “[...] envolve usos contextualizados da língua, como escrever e responder mensagens [...]”, pois das doze atividades de writing ao longo do livro, apenas quatro delas pedem ao aluno que se posicione e use os seus conhecimentos para escrever em inglês, já que as demais se limitam ao preenchimento de lacunas

de cartas e frases como exercícios comuns de prática de conhecimentos sistêmicos da língua. A seção In a Few Words apresenta textos curtos de diversos gêneros sobre assuntos relacionados ao tema central da unidade e questões de compreensão escrita. Essa seção possibilita o estabelecimento de relações de intertextualidade com o texto principal da unidade. A seção Think about It apresenta uma reflexão e um debate sobre o assunto visto na unidade. Para o autor do livro, espera-se que o aluno busque uma reflexão e aprenda a se posicionar sobre questões socioculturais, como também desenvolva o senso crítico, a capacidade de análise e as noções de cidadania. Entretanto, reiteramos nossa crítica ao fato de a seção estar escrita em língua portuguesa e não na língua-alvo, pois, se escrita em inglês, poderia estimular o aluno a dar mais valor ao material e à aula em si e, com isso, motivá-lo

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a estudar mais para poder compreender o que está escrito no LD. A seção Exploring Other Sources apresenta sugestões de fontes de leitura para o aluno que quiser aprofundar o conhecimento do tema abordado ao longo da unidade, como endereços eletrônicos, nomes de revistas, jornais etc.

Na primeira pergunta, questionamos se os alunos consideravam a disciplina de inglês importante para eles. 97,2% responderam afirmativamente, enquanto 2,8% responderam que não. O resultado mostrou que a maioria dos alunos considera a disciplina importante para sua formação escolar. Na segunda pergunta, indagamos qual era a habilidade que os alunos consideravam mais difícil. 83,3% elegeram a expressão oral. Os 16,7% restantes apontaram a escrita. Alguns justificaram suas respostas alegando que escolheram a parte oral por sentirem dificuldade em assimilar a pronúncia das palavras, informado por 76,7% dos alunos; não possuírem o hábito de falar a língua fora do ambiente escolar (10%), e o restante (13,3%) afirmou ter dificuldade em entender o assunto, justificando assim seu pouco conhecimento do vocabulário inglês. Em relação à escrita, metade dos entrevistados alegou possuir dificuldade em escrever,

4.3 Análise dos questionários Como forma de verificar o interesse dos alunos por atividades lúdicas, elaboramos um primeiro questionário com sete perguntas de múltipla escolha, onde, em quatro delas, os discentes são convidados a justificar suas respostas. Participaram do primeiro questionário 36 alunos, sendo a maior parte deles formada por estudantes do sexo masculino. As perguntas do questionário abordaram temas do nosso trabalho: a atividade lúdica, a motivação e o livro didático.

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enquanto a outra metade apontou a grande variedade de regras da língua inglesa como um grande obstáculo no estudo do inglês. Seguem abaixo alguns depoimentos14 dos alunos acerca da dificuldade na expressão oral:

Na pergunta abaixo, os alunos foram indagados se gostaram quando usamos jogos na sala de aula. Quase todos responderam que sim. Esse dado comprova que games são atividades motivantes e divertidas, como afirmam Langran e Purcell (1994). Na quarta pergunta, os alunos foram indagados se o uso de games poderia aumentar sua participação nas aulas de inglês. Novamente, a maioria respondeu que sim e alguns alegaram que, ao participar de um jogo, conseguem interagir entre si, se descontraem, ou seja, participam de momentos divertidos, conforme justificado por A7: “Porque a interação de forma divertida pode ajudar bastante”; Já A18 justificou sua resposta afirmativa dizendo: “Torna as aulas menos cansativas”; e A14 relatou que, “pois nos motiva. Além da diversão, aprendermos a matéria”. Esse último depoimento vem ao encontro das ideias de Wright, Betteridge e Buckby (2006)

A1- “Na maioria das vezes, não consigo traduzir na hora para o português e não consigo entender”. A2- “A pronúncia do inglês é muito complexa”. A5-“Não sei pronunciar certas palavras”. A17- “Não tenho costume de ouvir em inglês”. A33-“Porque é mais complicado saber a pronúncia das palavras do que escrevê-las”. 14  Os alunos participantes desta pesquisa que responderam ao primeiro questionário serão nomeados de A1 até A36, como forma de preservar suas identidades.

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sobre o uso de jogos: “Os jogos ajudam e encorajam muitos alunos a manterem seu interesse e o bom trabalho”15. O dado obtido nessa pergunta também comprova o que Langran e Purcell afirmam (1994, p. 7): “Jogos fornecem variedade, aumentam a motivação e mantêm o interesse”. 16 Por conseguinte, podemos afirmar que os alunos entrevistados mostraram um interesse maior em participar das aulas de inglês depois que começamos a trabalhar com jogos. Além do mais, percebemos que os alunos mais inibidos da turma também passaram a participar mais das aulas devido ao uso regular de games. Na quinta pergunta, questionamos se os alunos achavam que era possível desenvolver a expressão oral em inglês por meio de jogos. A

maioria respondeu que sim, acrescentando que os games motivam e estimulam a pronúncia correta, conforme o relato de alguns alunos: A15- “Porque motivam mais”. A16- “Incentiva mais a falar inglês”. A22- “Eu iria treinar mais”. A24- “É mais divertido e a gente não tem tanta vergonha de errar”. A25- “Porque visto que todos já estão brincando e aprendendo, não dá vergonha de participar”.

Com esses depoimentos, podemos comprovar a opinião positiva que os alunos têm do uso dos jogos em sala de aula, pois, segundo dizem, motivantes, incentivam a participação mesmo daqueles que são tímidos e são atividades divertidas.

15  “Games help and encourage many learners to sustain their interest and work” (tradução nossa). 16  “Games provide variety, raise motivation, and maintain interest” (tradução nossa).

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Na sexta pergunta, os alunos foram indagados sobre o livro didático e se eles o achavam interessante e motivador. Mais da metade respondeu que o LD não era motivante nem interessante. Os alunos que responderam que o LD não era interessante elencaram alguns motivos, entre eles que o livro torna a aula monótona e possui diferentes aspectos de entendimento, ou seja, ele aborda um assunto por muito tempo, tornando a aula monótona, sendo isso um fator negativo na concepção de quase 37% dos alunos. Os alunos que acharam o livro interessante e motivador (quase 39%) disseram que o livro tinha textos interessantes e atualizados, tinha muitos exercícios e era muito ilustrado. Na última pergunta desse questionário, perguntamos aos alunos se eles gostariam que o livro tivesse atividades lúdicas e a grande maioria, quase 90%, respondeu positivamente.

Portanto, o resultado da última questão ajuda a responder a nossa primeira pergunta de pesquisa, visto que a maioria afirma que gostaria da presença de atividades lúdicas no livro didático, por as acharem motivadoras e interessantes. Em vista desse primeiro resultado, podemos afiançar que os alunos entrevistados acreditam no uso benéfico da atividade lúdica na aprendizagem da língua inglesa e gostariam que o LD utilizado contivesse jogos para praticar as quatro habilidades linguísticas, assimilar conteúdos com mais facilidade e promover uma maior interação entre eles. Logo após a realização de quatro atividades lúdicas, elaboramos outro questionário, dessa vez com dez perguntas de múltipla escolha, em uma escala Likert para responder a nossa terceira pergunta de pesquisa, que é verificar se os alunos ficam mais motivados a aprender a língua inglesa quando realizam atividades lúdicas.

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Os sujeitos participantes da pesquisa são identificados de A1 até A35 nesse segundo questionário, correspondendo aos mesmos sujeitos participantes do primeiro questionário. Primeiramente, os alunos opinaram sobre a relação entre a motivação e uso de games em sala de aula. Conforme a nossa hipótese inicial, a maioria concordou que quando usamos jogos nas nossas aulas, eles se sentem mais motivados a participar da atividade lúdica. Nesse questionário tivemos a participação de 35 alunos, sendo a maior parte dos entrevistados mais uma vez formada por meninos. Na segunda questão, os alunos refletiram se os games os ajudavam a aprender mais rápido o conteúdo estudado. A maioria concordou. No primeiro questionário aplicado, o aluno A1 justificou sua resposta sobre o mesmo tema, dizendo: “Quando fazemos uma coisa que nós gostamos, fica muito mais fácil o aprendizado”.

Logo, os alunos que participaram dos dois questionários conservaram a mesma opinião, tanto antes de participar da primeira atividade lúdica quanto após a quarta, ou seja, que os jogos podem facilitar a aprendizagem. Nas palavras de um aluno, isso se dá A12 – “Porque aprender brincando é melhor”. Na terceira afirmativa, os alunos refletiram acerca da possibilidade de aumento de vocabulário com o uso de jogos e a maioria ou concordou, total ou parcialmente, que é possível expandir o vocabulário com essas atividades. Em seguida, pedimos que os alunos opinassem sobre como reagiram depois que souberam que íamos trabalhar com jogos nas aulas. A maioria concordou que iria ficar animada com o uso de tais atividades. A opinião deles é coerente com o que diz Langran e Purcell (1991, p. 5): “Jogos são atividades divertidas e podem

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ajudá-lo a criar uma atmosfera criativa, relaxante e cooperativa nas suas turmas”.17 Na quinta questão, os alunos refletiram se, ao jogar, poderiam interagir entre si e, mais uma vez, a maioria concordou com a afirmação. O aluno A-11 falou do mesmo tema no primeiro questionário dizendo: “É uma forma mais interessante de interagir”. Esse depoimento é coerente com o que acreditamos ser uma das funções da atividade lúdica, que é promover a interação, porque com isso os alunos têm mais oportunidade de se conhecer melhor e trocar experiências, favorecendo assim a aprendizagem. Na sétima afirmação do questionário, os alunos analisaram a frase acerca do uso de games a qual diz que eles não ajudam a aprender a língua inglesa. A maioria discordou, total ou parcialmente. Daí se pode concluir que eles

acreditam que os games reforçam o aprendizado, confirmando que o adágio popular “aprender brincando” (grifo nosso) pode ser usado nesse contexto. Esses dados, aliás, estão de acordo com o que muitos autores (WRIGHT; BETTERIDGE; BUCKBY, 2006; RIVOLUNCRI, 2008; CROOKAL; OXFORD, 1990; COSTA, 2008) defendem sobre o uso de jogos em sala de aula. Na oitava assertiva, os alunos julgaram suas ausências nos jogos aplicados por não acharem-lhes interessantes. Quase 80% discordaram, pois em todos os jogos que aplicamos em sala de aula a participação sempre foi muito boa, pois até aqueles alunos que não costumavam fazer perguntas ou comentários, participaram ativamente. Logo, a opinião deles está coerente com a nossa base teórica (WRIGHT; BETTERIDGE; BUCKBY, 2006; LANGRAN; PURCELL, 1994; RIVOLUNCRI, 2008, LARSEN-FREEMNAN, 2000, CROOKAL; OXFORD, 1990, dentre outros).

17  “Games are good fun and can help you create a relaxed, friendly and co-operative atmosphere in your groups” (tradução nossa).

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Esse dado serve para confirmar o que os estudiosos da área defendem sobre o uso de jogos em aulas de língua inglesa relacionado ao interesse dos alunos. Na penúltima questão, percebemos que os alunos discordam da frase que diz não gostarem das aulas de inglês e o fato de estudá-la somente por ser obrigatória no currículo escolar. Quase 70% dos alunos discordaram, logo concluímos que a maioria gosta de estudar a disciplina, mesmo sendo ela obrigatória no currículo escolar. Na última parte do questionário, os alunos refletiram sobre a presença de jogos em livros didáticos de língua inglesa. Mais uma vez, a maioria achou relevante a presença desse tipo de atividade em livros didáticos. Esse dado confirma a nossa hipótese inicial e responde a duas de nossas perguntas de pesquisa, que leva em consideração o incremento da motivação ao realizarem atividades lúdicas.

Sobre o primeiro questionário, concluímos que a pesquisa seria mais informativa se todas as perguntas fossem abertas, visto que estimularia o senso crítico dos alunos acerca dos temas inquiridos. Tivemos a mesma impressão no que tange ao segundo questionário, pois talvez fosse mais interessante a formulação de questões abertas, porque a opinião dos alunos daria mais credibilidade e confiabilidade ao trabalho desenvolvido. Sendo assim, lamentamos o fato de só atentarmos para isso no final da presente pesquisa. Porém, esse tema não se esgota aqui e esperamos que haja mais pesquisas na nossa cidade e no meio acadêmico local sobre o papel do uso de games na aprendizagem da língua inglesa.

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Considerações finais

Todas as nossas perguntas de pesquisa foram respondidas com êxito e os objetivos, alcançados. Logo, pudemos perceber que a atividade lúdica em si é, indubitavelmente, um recurso que poderia ser mais explorado por nossos colegas professores, mesmo sabendo das dificuldades com relação à carga horária e aos poucos recursos disponíveis presentes ainda em muitas escolas espalhadas por nosso país. Temos consciência de que a nossa pesquisa foi feita em uma escola de referência de ensino. Em vista disso, propomos e elaboramos atividades que podem ser utilizadas com quaisquer alunos, não se restringindo aos da escola A ou B. Abordamos o tema da motivação por acharmos, no começo, e o confirmamos no final do presente trabalho, que o aluno, quando motivado, pode aprender mais rápido. O livro estudado tem uma proposta sociointeracionista e se baseia nos documentos oficiais como os PCNEM,

No início da nossa pesquisa, tínhamos algumas ideias acerca do uso de games ou atividades lúdicas no ensino da língua inglesa por experiência própria em sala de aula, tanto em um centro de idiomas como em escolas regulares do Rio Grande do Norte (município de Natal, Estado e IFRN). Sempre acreditamos que essas atividades eram muito interessantes de serem trabalhadas com todos os alunos e sempre pensávamos de que forma poderíamos criar uma atividade que fosse coerente com o assunto e ao mesmo tempo fosse prazerosa de se fazer. Essa foi a nossa motivação inicial para a escolha do tema do presente trabalho, pois queríamos estudar mais a respeito desse assunto, apesar de sabermos que o mesmo já é muito difundido no ensino de línguas, embora saibamos também que as pesquisas nesse campo, em nossa cidade, ainda são muito escassas.

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OCNEM e LDB para a escolha dos temas dos textos e preparação das atividades. Concluímos que o LD não apresenta nenhuma atividade que possamos classificar de lúdica, visto que para tal a atividade deve proporcionar momentos de entretenimento e estimular o uso criativo e espontâneo da língua. Percebemos a presença de algumas atividades dessa espécie abordando a produção oral, mas elas não têm características lúdicas, apenas fornecem ao aluno uma prática controlada de uma estrutura que não foi trabalhada em nenhum momento do material. Portanto, gostaríamos que os todos os livros didáticos de língua inglesa contemplassem atividades lúdicas, pois mesmo sabendo que elas são muito usadas em centros de idiomas, há a possibilidade de adaptação para o seu uso em escolas regulares. Finalizamos, então, a presente pesquisa reiterando que o nosso tema não se esgota aqui,

pelo contrário, contamos que novas pesquisas afins sejam realizadas em nossa cidade no sentido de promover e aprimorar o interesse pelo estudo do idioma inglês, para o sucesso dos nossos alunos.

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400


Texto

5

A contribuição do estudante de ensino médio ao processo avaliativo de língua inglesa

Vitória Maria Avelino da Silva Paiva Ana Graça Canan

Entendemos que a avaliação é uma atividade primariamente linguística porque começa em uma situação em que se faz necessário o uso da linguagem. Não se avalia sem se fazer uso de pelo menos um tipo de linguagem, pois a verbalização, as imagens e os enunciados avaliativos se valem da linguagem para se constituir. A linguagem é por si mesma comunicativa, expressiva, dinâmica, sensível e plural. Ela não pode se acomodar com uma avaliação prioritariamente exata e singular, escolhida e aplicada por só uma das partes do processo avaliativo, mas requer uma avaliação que provoque ações representativas e responsáveis, portanto, específicas para ambas as partes envolvidas. Não podemos continuar avaliando uma matéria genuinamente interativa do mesmo modo que avaliamos disciplinas memorizáveis ou de lógica. Dessa forma, buscamos novas inteligibilidades sobre o processo avaliativo de língua inglesa

Introdução A investigação que este artigo considera pertinente a respeito da avaliação da aprendizagem de língua inglesa se origina de um problema recorrente na sala de aula: o discurso construído pelos estudantes a partir do resultado de suas avaliações finais, nas quais, se eles são aprovados, atribuem a si mesmos a aprovação obtida, porém, quando são reprovados, eximem-se da responsabilidade, atribuindo-a ao professor. Esse problema nos fez querer saber como o estudante de Ensino médio (EM) se constrói ou se define enquanto agente de seu processo avaliativo e que razões ou sugestões ele apresentaria para corresponsabilizar-se pelos resultados de seu desempenho escolar.

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a partir de duas premissas básicas: O estudante como co-construtor, ou seja, um parceiro ativo na realização do processo avaliativo e uma proposta de avaliação qualitativa que redefina os objetivos da avaliação de uma língua estrangeira.

da somente pelo professor e ampliando o papel participativo-ativo do estudante na construção desse processo, antes resumido numa função de participante-passivo, apenas aceitando e respondendo de acordo com a avaliação que lhe era imposta. Não obstante as diretrizes e os estudos voltados ao tema avaliação, os avanços nessa área ainda acontecem de forma lenta e a contribuição do estudante praticamente inexiste, o que deveria ser mais estimulado, pois surte resultados positivos, como observou Canan (1996, p. 30). Segundo a autora, os estudantes envolvidos no processo avaliativo “se sentem responsáveis pelo processo de avaliação, tornando-se conscientes dos critérios usados, capazes de participar do desenvolvimento de critérios próprios e se tornando mais independentes dos resultados”.

1 O estudante enquanto co-construtor do processo avaliativo A tentativa de incluir os estudantes como responsáveis no processo do ensino-aprendizagem não é atual, mas ainda acontece de forma gradativa. Uma das diretrizes propostas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no seu Artigo 36, que reaparece nos PCNEM, trata do currículo do EM e nos diz que ele “adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes” (BRASIL, 2002, p. 46-69), desfazendo, assim, o paradigma de que a avaliação deve ser elabora-

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A avaliação que é conduzida somente pelo professor é caracterizada como conservadora por Luckesi (2003, p. 28), que assim a define:

liativo, se considerarmos que somos avaliados e avaliamos constantemente e que são essas avaliações rotineiras que influenciam e modificam nossas vidas sociais. De acordo com Sant’anna (2002, p. 33):

Estando a atual prática da avaliação educacional escolar a serviço de um entendimento teórico conservador da sociedade e da educação, para propor o rompimento dos seus limites, que é o que procuramos fazer, temos de necessariamente situá-la num outro contexto pedagógico, ou seja, temos de, opostamente, colocar a avaliação escolar a serviço de uma pedagogia que entenda e esteja preocupada com a educação como mecanismo de transformação social.

Afirma-se que o educando é o sujeito, e não o objeto da ação educativa; no entanto ele próprio não participa do processo de sua avaliação, apenas recebe, direta ou indiretamente, o resultado de sua vitória ou fracasso. É lhe comunicada apenas a sentença final.

A metáfora da “sentença final” representa a nota bimestral que o estudante recebe de forma descontextualizada da sua aprendizagem. Sendo uma nota satisfatória, ele não questiona. Porém, se obtiver uma nota que ponha em risco sua promoção para a série seguinte, o estudante e

A transformação social mencionada por Luckesi (2003) é característica do processo ava-

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seus “advogados providenciais” (geralmente pais ou responsáveis) procuram saber do professor o motivo da “sentença”.

Ponderamos que tanto a apatia quanto a idolatria acima descritas são resultados de uma avaliação que permanece ainda muito restrita ao professor que a aplica. Sendo o professor que escolhe os instrumentos, determina os períodos em que a avaliação deve acontecer, decide a quantidade de pontos de cada quesito e corrige-os, não será mesmo o culpado? Quer dizer, não está se colocando na posição de culpado, com quem familiares e estudantes devem tomar satisfações quando não alcançam os resultados desejados? A busca pela participação dos estudantes em um processo avaliativo interativo é defendida por Sant’anna (2002, p. 27), que afirma:

Observa-se uma certa apatia dos envolvidos, que parecem não reagir, de modo proativo, à situação. A tendência é que a força dinamogênica da avaliação ceda lugar à aceitação/ negação pura e simples da medida informada, mesmo quando esta não leva em conta os fatores associados. Constrói-se uma cultura de indiferença aos dados de avaliação, e, por outro lado, presencia-se uma certa idolatria das notas boas, que passam a orientar a escola a buscá-las, mesmo que discursivamente contestem seu valor, sua exatidão ou suas formas de obtenção (DE SORDI; LÜDKE, 2009, p. 19).

A avaliação só será eficiente e eficaz se ocorrer de forma interativa entre professor e aluno, ambos caminhando na mesma direção, em busca dos mesmos objetivos. O aluno não será

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descortinar horizontes, e juntos avaliarão o sucesso das novas descobertas e pelos erros, as melhores alternativas para superá-los.

aprendam para que possam ocupar um lugar na sociedade e nela atuar como sujeitos históricos”. É necessário denunciar a aprovação ou reprovação advindas de uma avaliação que responde a períodos de tensão ou modismos educacionais, pouco contribuindo para a aprendizagem e não permitindo que os seus sujeitos atuem socialmente. Sobre a atuação dos estudantes em assuntos de cunho educacional, vemos que:

A avaliação que permanece sendo conduzida de forma unilateral, sem a participação discente, é constantemente acompanhada de um período de tensão com muitos equívocos decorrentes desta. Professores têm tomado posições extremistas de aprovadores ou reprovadores em massa, negligenciado o saber que pertence ou deveria pertencer ao educando. De Sordi e Lüdke (2009, p. 14) afirmam: “não basta que os alunos não sejam reprovados na escola. Importa que

É inconcebível falar em informação crítica, consciente, para a cidadania se os sujeitos dessa formação, ou seja, os estudantes, ainda continuam sendo convocados para ocuparem a posição de meros expectadores, de receptores de informações e das decisões repassadas, transmitidas pelos mais experientes, por aqueles considerados aptos a se pronunciarem. Ou,

um indivíduo passivo; e o professor, a autoridade que decide o que o aluno precisa e deve saber. O professor não irá apresentar verdades, mas com o aluno, irá investigar, problematizar,

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seus desafios de aprendizagem. O docente somente compreenderá seu aprendiz no momento em que lhe ceder espaço na participação de assuntos escolares que são do interesse de ambos. Estamos vivenciando uma época em que a educação não pode mais tentar “enformar” seus estudantes, achando que todos têm os mesmos estilos de aprendizagem, da mesma maneira que têm os mesmos uniformes escolares. Vivemos em tempos de inteligências múltiplas (GARDNER, 1993) e diversos saberes (MORIN, 2000), portanto, há diversidade na aprendizagem. Ceder espaço ao educando é uma maneira de conhecê-lo melhor. É dar-lhe a oportunidade de expressar como aprende e, consequentemente, como é melhor avaliado. O instrumento de avaliação não pode ser alheio às técnicas de ensino que provocaram a aprendizagem. “É preciso ressaltar, no entanto, que a avaliação da aprendizagem precisa ser coerente com a

em alguns casos, são convocados para fazerem figuração em processos ditos democráticos, ou seja, são apenas inseridos, mas não participam de fato, pois sua voz não tem credibilidade, não é considerada significativa (PEREIRA, 2009, p. 203).

Os estudantes ainda são figurantes em boa parte dos assuntos escolares que diretamente lhes dizem respeito. Antes da tomada de decisões que envolvam os estudantes, os professores devem se conscientizar de que “é preciso compreender quem é o educando e como ele se expressa, a fim de, consequentemente, definir como atuar com ele para auxiliá-lo em seu processo de autoconstrução” (LUCKESI, 2011, p. 29). Ao compreender quem é seu educando, o professor poderá atuar por meio de instrumentos avaliativos que façam o estudante vencer

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2 Avaliação qualitativa como proposta para se avaliar a língua inglesa no EM

forma de ensinar” (MORETO, 2007, p. 87). Para ilustrarmos uma avaliação incoerente com a prática de ensino, remetemo-nos à pesquisa de Silva (2007), na qual observou um professor que ensinava de um jeito e avaliava de outro, o que sempre provocava notas perdidas e baixas e gerava uma situação confusa, porque na hora da aula eles pareciam saber dos conteúdos, mas na hora da avaliação os “desaprendiam”. No ambiente escolar, em que o ato de avaliar se evidencia constantemente, devemos “fazer da avaliação um verdadeiro instrumento de pilotagem das aprendizagens” (PERRENOUD, 2009, p. 10). Partindo do pressuposto de que o estudante percebe a avaliação como um meio de obter nota para passar de série, é interessante saber como ele reage (e por que reage) ao processo avaliativo a que se submete e buscar envolvê-lo na construção desse processo, para que ele o compreenda melhor.

Ao tratarmos da avaliação qualitativa como proposta para se avaliar o ensino de inglês no Ensino Médio, procuramos expressar uma ressignificação do termo qualitativo para indicar a avaliação que, ao ser empregada, não faz uso apenas de dados quantitativos e metodologias somativas e cujo produto seja apenas o sistema de notas como medida de conhecimentos, ao término do período avaliativo, “já que na busca por uma exatidão excessiva, esquecem-se de dar conta da subjetividade presente em qualquer atividade da área de ciências humanas” (CANAN, 1996, p. 21), mas que a preocupação com o desenvolvimento seja tão relevante quanto o resultado, priorize os envolvidos no processo e seja suscetível a mudanças e novas ideias que venham a contribuir com a aprendizagem.

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Ao ressignificarmos a avaliação como qualitativa, baseamo-nos em definições como as de Saul (1988 apud CANAN, 1996) e Demo (2008) e acrescentamos nosso próprio entendimento do que seja essa avaliação, que prima pela qualidade da aprendizagem do educando. Por qualidade na avaliação, entendemos uma avaliação cíclica e contínua (HOFFMAN, 2001) que serve de reflexo às práticas de ensino, mostra os avanços da aprendizagem e contribui, por meio de um retorno reflexivo, para que o educando recupere os seus conhecimentos a respeito de um conteúdo que não assimilou completamente ou avance para os conteúdos seguintes. Essa avaliação possui caráter diagnóstico (LUCKESI, 2003), que identifica as carências e as potencialidades dos estudantes, para que ambos, professor e aprendizes, dediquem-se a elas. É uma avaliação que se preocupa igualmente com o processo e com o resultado do ensino

ministrado. Para o avaliador qualitativo, a importância que se dedica à quantidade de estudantes que serão promovidos de uma série para outra é semelhante à importância devida ao preparo, ou seja, os conhecimentos adquiridos que os estudantes estarão levando para a série subsequente. É uma avaliação que faz uso da combinação de diferentes tipos de metodologias e instrumentos que podem ser escolhidos de acordo com o momento de aprendizagem em que se encontra inserida, levando em consideração a opinião do discente a esse respeito, por entender que não é um processo unilateral, cabível apenas ao professor. A avaliação qualitativa acontece não para testar ou verificar se o estudante aprendeu, mas para ajudá-lo a aprender. É uma etapa recorrente e não uma etapa conclusiva, durante o processo de ensino-aprendizagem. Seu resultado, mesmo que expresso em notas, norma padrão

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da maioria das escolas públicas, deve ser comunicado descritivamente, demonstrando cuidado e interesse pelo desenvolvimento do aprendiz. Demo (2008) observa que não faz mal para a avaliação qualitativa a presença de dados quantitativos inevitáveis, como é o caso das notas bimestrais. Porém os dados numéricos não devem ser os únicos indicadores decisivos na promoção ou retenção dos estudantes nas séries escolares. Gostaríamos de exemplificar essa posição tomando como base a pesquisa que desenvolvemos a respeito de avaliação de língua inglesa no ensino fundamental (SILVA, 2007). Citamos como exemplo a situação de um estudante que, por não obter um resultado numérico satisfatório, ficou com a sua nota abaixo da média numérica pretendida para a disciplina e não conseguiu ser aprovado. Esse aluno já repetia a série por mais de três anos consecutivos, chegando a constranger os professores e a si mesmo por já conhecer,

dentre outros procedimentos e recursos didáticos, os conteúdos que para seus colegas ainda eram inéditos. Questionamo-nos se esse estudante, ao ser avaliado de outra forma, não poderia demonstrar a qualidade (expressa pelos seus conhecimentos e competências) necessária para estar na turma subsequente. Ao ser constantemente retido com base apenas nos números de sua média anual, esse estudante sempre aparecerá como reprovado (portanto, desqualificado), o que é ruim tanto para ele quanto para a escola. Resultados como reprovação e evasão, tidos como negativos, fazem-nos refletir se algo está errado, não apenas com o estudante que os apresenta ou desenvolve, mas também com o processo de ensino-aprendizagem-avaliação, que apresenta deficiências. Se durante três anos o estudante está exposto aos mesmos procedimentos, às mesmas metodologias, talvez até às

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mesmas atividades dos anos anteriores, o que o impede de avançar? O que o limita? Entendemos que o processo de recuperação de uma proposta de avaliação qualitativa, quando se faz necessário acontecer, é promovido paralelamente ao ensino e é contínuo, por tratar-se de uma avaliação apreciativa (PRESKILL; CATSAMBAS, 2006). O avaliador qualitativo não pode conceber que a recuperação aconteça de forma isolada, em períodos finais do curso prestado, separando o estudante que dela precisa dos seus demais colegas, de forma talvez até discriminatória. A avaliação qualitativa prioriza nos estudantes aspectos como: assiduidade, pontualidade, comprometimento com os estudos, participação e responsabilidade (CANAN, 1996). O avaliador qualitativo geralmente se interessa por acompanhar os registros feitos nos cadernos de seus estudantes, atribui pontos pela frequência e

avalia indiretamente, considerando o impacto psicológico das avaliações formais (SILVA, 2007). A maneira de “corrigir” de um avaliador qualitativo deve ser peculiar, ao promover os acertos, sem, no entanto, ignorar os erros, que devem ser tratados como algo que faz parte da aprendizagem e não como sinal de falta de inteligência. O discente deve sentir-se alertado e instigado a aprender com seus erros e não corrigido, envergonhado e reprimido. De acordo com Carvalho (1997, p. 20, grifo do autor): “apontar um erro ou inadequação não significa ‘podar a criatividade’, nem decretar o fracasso. Significa instrumentalizar os alunos para que adquiram uma capacidade que não podemos pressupor que tenham”. Um dos aspectos mais importantes dessa avaliação é o fato de ela não ser uma etapa final, mas um processo que deve iniciar, acompanhar e concluir o trabalho do docente, sendo indispensável um retorno ao estudante da avaliação

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feita por ele, o qual não pode ser apenas numérico, mas também reflexivo, revisando e ensinando ao discente a melhor forma de corresponder ao que dele foi exigido nas atividades avaliativas empregadas, de forma a habilitá-lo para o próximo conteúdo. Pellegrine (2003)1 observa que:

existe para ensinar, de que vale uma avaliação que só confirma “a doença”, sem identificá-la ou mostrar sua cura?

A partir dessa observação, deduzimos que o retorno ou feedback (VARELA, 2011) avaliativo para os estudantes deve ser uma das atribuições dos professores, visando orientá-los na sua trajetória de aprendizes de uma língua estrangeira, mostrando a “doença” do erro, mas também apontando a “cura” das possibilidades. Penna Firme (2009, p. 46) nos alerta para termos o cuidado de não agredir a autoestima do estudante, “confundindo seu desempenho com seu valor como pessoa”, ao justificar que o aprendiz pode se sentir incapaz, improdutivo ou sem inteligência devido à expressão dos professores diante de suas notas bimestrais. Para Carvalho (1997, p. 20, grifo do autor), os professores devem estar cientes de que:

Quem procura um médico está em busca de pelo menos duas coisas, um diagnóstico e um remédio para seus males. Imagine sair do consultório segurando nas mãos, em vez da receita, um boletim. Estado geral de saúde nota 6, e ponto final. Doente nenhum se contentaria com isso. E os estudantes que recebem apenas uma nota no final de um bimestre, será que não se sentem igualmente insatisfeitos? Se a escola 1  Revista Nova Escola, versão on-line (jan. 2003), sem indicação do número de página.

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Não existimos para decretar fracassos, mas para promover aprendizagens. E nesta tarefa, os erros, frutos das tentativas de operar com novos conceitos e

Considero que o reducionismo da avaliação à concepção de medida denuncia uma consciência ingênua do educador no tratamento desse fenômeno,

procedimentos, têm um papel fundamental, posto que a partir do seu exame crítico desenvolve-se o discernimento.

pois ele não se aprofunda nas causas e consequências de tais fatos, cometendo equívocos de maneira simplista. Ou seja, os educadores aceitam e reforçam o velho e abusivo uso das notas, sem percebê-lo como um mecanismo privilegiado de competição e seleção nas escolas. Ingenuamente ou arbitrariamente, obstaculizam o projeto de vida de crianças e adolescentes com base em décimos e centésimos. Preocupam-se sobremaneira em atribuir nota 7 ou 7,5, enquanto relegam a último plano os sérios problemas de aprendizagem (HOFFMANN, 2004, p. 45).

O desempenho dos estudantes, o seu sucesso ou fracasso escolar, ainda tendo nas notas bimestrais o seu principal indício, pode comprometer o desenvolvimento do discernimento dos aprendizes sobre a função da avaliação. A demasiada preocupação com as notas é um dos principais equívocos dos avaliadores, alimentado pela exigência dos pais dos estudantes (quando estes são menores de idade) e pela competição em sala de aula entre os próprios estudantes.

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A maneira peculiar de cada professor corrigir e expor os resultados da avaliação da aprendizagem em sua disciplina poderá desencadear o empenho de seus estudantes ou até mesmo a ausência deste. Um professor que apresenta um retorno punitivo aos seus estudantes pode estar contribuindo para a inibição destes em situações futuras. Kuenthe (1978) observa que a punição pode reduzir a participação estudantil em situações semelhantes àquela em que o educando foi repreendido, por receio de ser repreendido outra vez. Carvalho (1997, p. 20) defende que as correções de erros “devem ser sinais regulamentadores que levam o aluno a criar seu próprio caminho”. A correção ou o retorno é um dos momentos fundamentais de uma proposta de avaliação qualitativa, o qual não pode ser negligenciado nem subornado, mas deve ser amplamente discutido e refletido pelas duas partes do processo de ensino-aprendizagem-avaliação, para, dessa forma, contribuir com a maneira de se atribuir

valores conceituais e não apenas numéricos à língua estrangeira. Ainda podemos dizer que nessa avaliação que entendemos como qualitativa o estudante e seu mestre são agentes construtores. As responsabilidades são divididas e o contexto de aprendizagem é privilegiado, visando sempre o aprendizado a ser desenvolvido. Sobre os aspectos qualitativos que desejamos que façam parte da avaliação da aprendizagem, Demo (2008, p. 13) traz uma descrição propícia: Na qualidade, não vale o maior, mas o melhor; não o extenso, mas o intenso; não o violento, mas o envolvente; não a pressão, mas a impregnação. Qualidade é de estilo cultural, mais que tecnológico; artístico, mais que produtivo, lúdico mais que eficiente, sábio mais que científico.

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Com essa definição, o autor expressa o que entendemos ser o objetivo de uma avaliação qualitativa, que demanda atenção, sobretudo, ao desenvolvimento das aprendizagens. Essa avaliação qualitativa é diagnóstica (LUCKESI, 2003), para identificar o que prejudica o desempenho dos nossos aprendizes ou para preveni-los. Ela é também formativa (BLOOM; HASTINGS; MADAUS, 1983 apud CANAN, 1996), pois vai se renovando e intervindo quando é necessário ainda durante as fases do processo. Ela é contínua (HOFFMAN, 2001), pois é cíclica e viva, é autoavaliativa (LEWKOWICZ; MOON, 1985 apud CANAN, 1996), porque seus participantes são agentes críticos que se conhecem e se respeitam, e é apreciativa (PRESKILL; CATSAMBAS, 2006), porque sabe que seus objetivos são altruístas, o que a torna uma avaliação autêntica (CONDEMARÍN; MEDINA, 2005).

Consideramos também que a avaliação é a investigação do resultado dos processos metodológicos de ensino aplicados pelo professor, já que somos cientes de que na investigação nada é feito ingenuamente, sem haver um envolvimento entre a intenção e a execução. Depreendemos que o professor, conhecedor do seu público e das suas necessidades, não se posiciona com neutralidade na escolha da avaliação que por ele será empregada. O professor externa essa escolha, feita inicialmente em seu interior, quando: a) elege os instrumentos avaliativos que lhe são familiares ou que ele considera peculiares à fase de ensino em que se encontram; b) dispensa tratamento aos dados obtidos por intermédio desses instrumentos. Ainda sobre o processo avaliativo de opção teórica qualitativa, a atual portaria2 de avaliação

2  Portaria nº 1033/2008/SEEC/RN.

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do estado do Rio Grande do Norte, no seu Artigo 3, in verbis, dispõe que:

lado das demais categorias do trabalho escolar” (DE SORDI; LÜDKE, 2009, p. 13). Ao tratarmos de uma avaliação de língua estrangeira, devemos considerar todos os aspectos linguisticamente possíveis, no intuito de buscar a certificação de que está havendo a aprendizagem da língua ensinada, em todas as estruturas que são necessárias ao seu aprendizado, uma vez que as competências e habilidades que se esperam no processo de aprendizado de uma LE são diversificadas (BRASIL, 2009).

Art. 3 - A avaliação da aprendizagem escolar orientar-se-á por processo diagnosticador, mediador e emancipador, devendo ser realizada de forma contínua e cumulativa, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período letivo sobre o exame final.

Por sugerir que os aspectos qualitativos sobreponham-se aos quantitativos, além de indicar modelos de avaliação (diagnóstica, contínua), essa portaria se mostra consoante os objetivos da pesquisa, haja vista que a avaliação “ganharia mais significado político e pedagógico, mostrando-se coerente com a função formativa que dela se espera, se não fosse discutida de modo iso-

3 Metodologia Nossa pesquisa se define como qualitativa etnográfica, a qual prima pela inserção do pesquisador nos contextos e situações de pesquisa (CHIZZOTTI, 2003). As três fases deste estudo foram desenvolvidas a partir de um modelo de

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pesquisa-ação descrito por Nunan (2007, p. 18, tradução nossa)3.

Finalmente o projeto toma a forma de um ciclo contínuo, no qual o professor reflete sobre ele, retorna para ele e amplia a investigação inicial.

Em primeiro lugar, a pesquisa é iniciada pelo especialista e é derivada de um problema real na sala de aula que precisa ser confrontado. Em segundo lugar, a pesquisa é colaborativa – neste caso não entre colegas, mas entre um professor e uma pesquisa de base universitária. Em terceiro lugar, o professor coleta dados objetivos nas formas de interações em sala de aula e da linguagem do aprendiz. Em quarto lugar, os resultados são disseminados.

O parecer de Nunan (2007) corrobora o de André (1995, p. 31), quando esta declara ser um exemplo de pesquisa-ação “o professor que decide fazer uma mudança na sua prática docente e a acompanha com um processo de pesquisa”. Durante essas etapas por nós adotadas como modelo de base, partimos de um problema corriqueiro em sala de aula, a saber: a reação dos estudantes ante as formas de avaliação de suas aprendizagens em língua inglesa. A investigação se passa na Escola Estadual Pedro II, uma instituição pública de EM que desenvolve em suas dependências a metodologia do programa Ensino Médio Inovador (EMI), uma nova modalidade para a educação básica,

3  “In the first place, the research is initiated by the practioner and is derived from a real problem in the classroom which need to be confronted. Secondly, the research is collaborative – not in this instance, between colleagues, but between a teacher and a university-based research. Thirdly, the teacher collects objective data in the form of classroom interactions and learner language. Fourthly, the results are disseminated. Finally, the project takes the form of an ongoing cycle in which the teacher reflects on, returns to, and extends the initial inquiry” (NUNAN, 2007, p. 18).

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proposta pelo Ministério da Educação, a qual se encontra ainda em fase de experimentação em algumas escolas do país. Na proposta desenvolvida para o EMI, os estudantes têm espaço opinativo e contributivo durante as reuniões e atividades escolares, como os planejamentos pedagógicos e as reuniões de pais e mestres, além de ter sua participação assegurada em seminários e eventos voltados ao público do EMI. A metodologia do EMI defende que o estudante seja um sujeito autônomo em sua aprendizagem e que na escola desenvolva o seu papel de agente de transformação (BRASIL, 2009). Assim sendo, para elucidarmos o problema observado na escola, buscamos, durante um seminário, consultar os estudantes para compreender a postura adotada por eles em face de seus resultados, apontando suas predileções e apreensões quanto a determinados instrumentos avaliativos.

A seguir, apresentaremos alguns dados referentes ao momento da participação estudantil na construção do processo avaliativo. Por uma questão de delimitação, nos remeteremos à fase conclusiva da pesquisa, na qual obtivemos uma reflexão sobre a participação estudantil na construção do processo avaliativo. A fase conclusiva das etapas propostas para este trabalho de pesquisa-ação veio nos fornecer uma compreensão acerca das opiniões dos estudantes envolvidos na pesquisa no que se refere à sua participação no processo avaliativo de língua inglesa na escola. Procuramos fundamentar essa fase da pesquisa por meio de uma autoavaliação aplicada com alguns dos estudantes envolvidos pela pesquisa empreendida. Uma vez que estávamos no campo desenvolvendo anotações, não seria necessária a opinião de todos os trinta e cinco estudantes, parecendo-

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Quadro 1– Realização, participação e frequência dos estudantes nas atividades avaliativas

-nos suficiente uma representação de dez pessoas. Estas foram voluntariamente selecionadas. As respostas obtidas por essa autoavaliação estão organizadas em quadros. A proposta da avaliação qualitativa para o ensino de língua inglesa no ensino médio defendida pela pesquisa parte do princípio de que essa avaliação deve ser de responsabilidade de ambas as partes do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, docentes e discentes. Tendo as atividades avaliativas sido realizadas por meio dos instrumentos avaliativos sugeridos pelos estudantes, buscamos saber destes se procuraram participar das atividades propostas, agora cientes de sua corresponsabilidade nesse processo.

Estudantes

Realização de atividades

Frequência

Participação

06

Fizeram todas

Assídua

Boa-excelente

03

Não fizeram algumas

Regular

Regular

01

Perdeu diversas

Ruim

Razoável

Fonte: Dados da pesquisa.

Os estudantes consultados, em sua maioria, realizaram todas as atividades por eles propostas, classificando sua participação como boa ou excelente e tendo assiduidade às aulas. Os partícipes EC5 e EC4, por exemplo, definem-se como estudantes assíduos, pois, mesmo quando precisavam faltar, justificavam sua ausência, demonstrando compromisso com sua aprendizagem. Os estudantes que responderam não terem feito algumas atividades atribuem isso a algumas vezes que precisaram faltar às aulas e

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classificam sua participação como regular. Esse também parece ser o motivo pelo qual o partícipe EC25 define sua participação como razoável, ao assumir que sua frequência às aulas é ruim. Antes da intervenção da pesquisa, observou-se que, no dia da prova, muitos estudantes que não eram assíduos nas aulas não avaliativas (que aconteciam separadamente, como já explicamos ao longo do trabalho) frequentavam as aulas avaliativas, talvez com o propósito de obter notas. Ao assumirem que, para que a participação melhore (e consequentemente os resultados da aprendizagem), é primordial a frequência às aulas, os estudantes demonstram que não separam o processo de ensino do processo de avaliação, passando a frequentar as aulas com mais assiduidade. Ainda sobre a avaliação desenvolvida na escola, buscamos entender se esses estudantes se mostravam satisfeitos com o seu desempenho na aprendizagem do inglês; para tanto, mediante

o desempenho apresentado, era necessário que analisassem criticamente o merecimento de sua nota. Buscamos separar desempenho de nota, entendendo que o desempenho está mais relacionado ao desenvolvimento do educando na disciplina ensinada, enquanto que a nota está compreendida como uma das formas de registro burocrático de sua aprendizagem na língua inglesa. Dividimos as respostas ao questionamento feito em dois quadros, por questão de organização. Quadro 2 – Desempenho estudantil e análise crítica sobre os resultados expressos em notas Estudantes

Desempenho

02

Regular-ruim

Nota suficiente para aprovação

01

Regular-bom

Nota baixa

01

Regular-bom

Nota suficiente para aprovação

04

Bom-ótimo

Nota alta

01

Bom-ótimo

Nota suficiente para aprovação

01

Bom-ótimo

Nota baixa

Fonte: Dados da pesquisa.

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Notas que merecem


Quadro 3 – Justificativas dos estudantes para as notas pretendidas Nota baixa

Nota suficiente

por ter estudado muito, participado de todas as atividades e assistido a todas as aulas. Quer dizer, os estudantes reconhecem que merecem as notas obtidas, em virtude dos esforços que empreenderam. Em nenhum momento dessa fase de pós-intervenção houve acusação dos discentes envolvendo a docente PC quanto aos resultados obtidos. Segundo ela, isso ocorria antes dos procedimentos realizados com a participação dos estudantes, que se sentiam injustiçados por suas notas e a acusavam de “perseguição”, entre outras colocações não lisonjeiras. Os estudantes estavam habituados a não participar de seu processo avaliativo de forma direta e atribuíam o seu sucesso ou insucesso escolar unicamente à professora. Ao tomarem parte nas decisões concernentes à avaliação empregada, mostraram-se autocríticos, conscientes de que as notas obtidas nas disciplinas e os resultados por elas previstos dependem de seu de-

Nota alta

Não aprender nada

Não ter boa frequência

Aprender muitas coisas

Não gostar da disciplina

Achar a disciplina complicada

Assistir todas as aulas, estudar muito, participar de todas as atividades

------

Não fazer todas as atividades

Ter assiduidade e participação

------

Não saber de tudo o que foi explicado

Ter dedicação aos estudos

Fonte: Dados da pesquisa.

Em face das respostas apresentadas nos dois quadros, percebemos que as situações se intercalam com as respostas demonstradas nos quadros anteriores. Por exemplo, se atentarmos para as respostas de EC27, teremos que a estudante realizou todas as atividades, era assídua nas aulas, seu desempenho oscila entre bom e ótimo e ela acha que merece uma nota alta

420


Quadro 4 – Opinião dos estudantes sobre a avaliação de língua inglesa desenvolvida a partir de suas sugestões.

sempenho e de sua participação nas aulas que frequentam. Ao se corresponsabilizarem pelas avaliações de sua turma, não mais se vitimizaram em busca de um responsável por seus resultados, mas desenvolveram senso de responsabilidade para com seus deveres estudantis. Concluindo nossa análise, a última pergunta direcionada da autoavaliação discorria sobre as opiniões dos estudantes a respeito das sugestões por eles apresentadas (e acatadas) no processo avaliativo.

Regular – ruim

Deveria ter sido mais bem aproveitada pelo estudante O estudante preferia ter tido mais explicações a respeito A professora soube explicar bem a avaliação Avaliação mais fácil e boa de fazer O estudante aprendeu bastante com ela (avaliação) Uma avaliação dinâmica, que deu para aprender tudo

Boa – ótima

A professora procurou saber dos alunos sobre esse assunto Avaliação interessante, modo de aplicar interessante Avaliação que merece elogios, pois a professora explicou suas aulas de vários modos A estudante aprecia a nova avaliação realizada

Fonte: Dados da pesquisa.

421


A nova forma de avaliação desenvolvida na escola, segundo os participantes, aumentou as chances de haver mais aprendizagem no idioma inglês, porque os estudantes ficaram mais comprometidos com as aulas. Percebemos a junção dos processos de ensinar e avaliar pela frase de EC28, quando afirma que “a professora explicou suas aulas de vários modos”, denotando que as aulas estariam inseridas na avaliação e vice-versa. A aprendizagem do idioma fica subentendida nas colocações de EC35: “Aprendi bastante com essa avaliação” e EC3: “Agora a avaliação é dinâmica, deu pra aprender tudo”. A partir do modo de se expressar desses estudantes, entendemos que a avaliação proposta pela pesquisa-ação desenvolvida acarretou mudanças positivas para o ensino-aprendizagem de língua inglesa. Mesmo analisando as opiniões desfavoráveis, como a do partícipe EC25, que achou a avaliação aplicada “muito ruim, por falta de explicação”, percebemos

que o seu senso de responsabilidade foi despertado, uma vez que o estudante admitiu não ter frequentado todas as aulas, estando aí, talvez, o motivo de querer mais explicações a respeito. Com essas opiniões em forma de autoavaliação, concluímos a geração de dados da pesquisa empreendida.

Considerações finais O estudante do EMI da escola pesquisada mostrou-se um protagonista, um construtor da sua avaliação, que passou a acontecer de maneira descentralizada da pessoa da docente, tida agora como uma parceria nesse processo, trocando com seus aprendizes experiências e saberes, como se espera de uma educação que prima pela qualidade. Verificamos que ações tão simples, como acatar as sugestões dos estudantes, foram pro-

422


motoras de grandes mudanças. Uma delas, talvez a mais significativa, é o reconhecimento de cada educando como o responsável maior pelos seus resultados. Ao admitir seus esforços e suas lacunas no ato de aprender uma língua estrangeira, classificando o seu desempenho mediante avaliações que foram realizadas por sugestões suas e de seus pares, o aprendiz passa a conviver com a sua nota, não de maneira egoísta, tentando justificá-la com acusações contra a pessoa da professora, mas de maneira realista, ao relacionar o resultado à sua performance durante o período letivo de que tomou parte. O interesse da pesquisa em saber que contribuições o estudante do EM poderia agregar ao seu processo avaliativo de língua inglesa culminou com uma contribuição, ao apontar para a possibilidade de se envolver o estudante como um dos agentes construtores do processo avaliativo, retirando-o da posição de participante pas-

sivo, que apenas executa a avaliação escolhida por seu professor, (porque cogitamos ser essa uma das características da avaliação tradicionalmente unilateral que se desenvolve na maioria das instituições de ensino, em que somente o professor rotula, caracteriza e determina o grau de aprendizagem do educando, deixando-o isento da responsabilidade pelos resultados que obtém) e promovendo-o à posição de co-construtor, agente desse processo. A pesquisa partiu da constatação de que a avaliação Não deveria ser uma atividade unilateral com um professor fazendo julgamentos a partir de critérios predefinidos e sim um sistema dinâmico com aprendizagens envolvidas entre si, fazendo julgamentos sobre eles mesmos a partir de critérios definidos e nego-

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dizagem, já que eles apontam que os procedimentos de ensino de idiomas estão vinculados à avaliação e não realizados separadamente, como até então estava acontecendo na escola pesquisada. A opinião estudantil diverge da percepção de alguns educadores, que tratam o ensino como algo que difere e ocorre separadamente do processo avaliativo (Cf. SILVA, 2007). Assim sendo, a avaliação qualitativa, tal qual a apresentamos neste trabalho, se faz necessária no processo de ensino-aprendizagem de língua inglesa no ensino médio por esta ser uma modalidade de ensino vinculada à educação básica há pouco mais de uma década, motivo pelo qual se encontra ainda em fase de construção, permitindo que os estudantes possam participar de forma mais ativa, construtiva e dinâmica do seu processo de aprendizagem. Se concebermos a avaliação como promotora da aprendizagem, através da variedade e finalidade dos seus ins-

ciados de acordo com a situação de aprendizagem (CANAN, 1996, p. 30).

Ao nos interessarmos pelas opiniões dos estudantes a respeito de suas concepções avaliativas, refletimos com eles as sugestões dos instrumentos avaliativos que esses estudantes apontaram como melhores indicadores de sua aprendizagem de idiomas, ou seja, os instrumentos que melhor representam as suas reais competências e habilidades linguísticas, de forma a trazer para a sala de aula a qualidade na aprendizagem e, consequentemente, na expressão dessa aprendizagem. A pesquisa compreendeu que os estudantes do ensino médio possuem uma consciência mais crítica e reflexiva no que se refere a suas avaliações. Os estudantes participantes deste estudo demonstram entender que a avaliação é parte constante do processo de ensino-apren-

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trumentos, da aplicação e do retorno reflexivo desses instrumentos, mudar as decisões quanto às formas de avaliar pode, sim, mudar o processo de ensino e, consequentemente, a aprendizagem dos envolvidos.

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