A forja de Zandru

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A Forja de Zandru Trilogia Fogo ADERENTE (Clingfire) Livro II

Tradução: Rubi Ariadne, Stephanie Chagas e Gisele Conti


DAW LIVROS, INC. Donald A. Wollheim, fundador 375 Hudson Street, New York, NY 10014 ELIZABETH R. Wollheim SHEILA E. GILBERT EDITORIAIS http://www.dowboolts.com

Copyright © 2003 por The Marion Zimmer Bradley Obras literárias Confiança Todos os direitos reservados. Cubra a arte por Romas Kukalis. Coletores DAW livro nº 1257. DAW Os livros são distribuídos pelo Grupo Penguin (EUA). Livro concebido por Stanley S. drate / Folio Graphics, Inc. Todos os personagens deste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Se você comprar este livro sem capa, você deve estar ciente de que este livro pode ter sido roubado propriedade e relatados como "não vendidos e destruiu" para a editora. Nesse caso, nem o autor nem a editora recebeu qualquer pagamento para este "livro despojado." A digitalização, envio e distribuição deste livro através da Internet ou qualquer outro meio sem a permissão do editor é ilegal, e punível por lei. Por favor compre apenas edições electrónicas autorizados, e não participar ou incentivar a pirataria eletrônica de materiais protegidos por direitos autorais. O seu apoio aos direitos do autor é apreciado.

Impressão paperback primeira, em junho de 2 0 0 4 123456789 10 DAW marca registrada USPAT. FORA. E de países estrangeiros --MARCA TEGISTRADA HECHO EN EUA PRrNTED NOS EUA


Para Sarah Que sempre se agarra a seus sonhos!


AGRADECIMENTOS A minha gratidão àqueles que marcaram a minha vida com a sua misericórdia, de bondade, coragem e esperança. Você sabe quem você é.

AVISO LEGAL O leitor atento pode notar discrepâncias em alguns detalhes de mais contos contemporâneos. Este é, sem dúvida, devido às histórias fragmentárias que sobrevivem até os dias atuais. Muitos registros foram perdidos durante os anos seguintes a Era do Caos e Cem Reinos e outros distorcidas pela tradição oral.


NOTA DO AUTOR Imensamente generosa com “seu mundo especial” de Darkover, Marion adora encorajar novos escritores. Já éramos amigas quando ela começou a editar as antologias de DARKOVER e SWORD & SORCERESS. A combinação entre minha “voz” natural literária e o que ela estava procurando foi extraordinária. Ela amou ler o que eu adorei escrever, e frequentemente citou “A Morte de Brendan Ensolare” (QUATRO LUAS de DARKOVER, DAW, 1988) como uma de suas favoritas. Quando a saúde de Marion piorou, fui convidada a trabalhar com ela em um ou mais romances de Darkover. Decidimos que melhor do que estender a história da “moderna” Darkover, nós retornaríamos à Era do Caos. Marion avistou uma trilogia começando com a Rebelião Hastur e Forja de Zandru, a duradoura amizade entre Varzil o Bom e Carolin Hastur, e ampliando a explosão de Hali e a assinatura da Aliança. Enquanto eu escrevia notas o mais rápido de podia, ela sentava-se com olhos atentos e começava uma história com, “Agora, os Hasturs tentariam controlar os piores excessos das armas de laran, mas eles estavam sempre com outras em desenvolvimento...” ou “É claro, Varzil e Carolin foram mencionados nos contos de amantes prometidos que pereceram na destruição de Neskaya...”. Aqui está aquele conto. Deborah J. Ross Março 2001


"Não é são os dias de lírio que moldam nossas almas, mas sim as congeladas noites de inverno, quando nos encontramos na entrada da Forja de Zandru e descobrimos quem realmente somos." ~Felicia Leynier


PRÓLOGO

O garoto veio para dar adeus a seu pai enquanto a luz de brasas se apagando bruxuleava na lareira de pedra. Ele estremeceu, pensando na noite lá fora e no cavaleiro que viria para levá-lo embora. Com uma paciência além de seu vinte anos, ele esperou que seu pai dissesse as palavras que o mandariam para longe, talvez para sempre. Por um longo momento, o homem envolto pelos cobertores rasgados não se movera. Apenas o vagaroso movimento de seu peito e o brilho em seus olhos indicavam que ainda estava vivo. O antigo ferimento em seus pulmões, de um tempo sobre o qual nunca falava, o tinha deixado a beira da morte antes, e nas duas vezes, ele se recuperara. Pai, por favor, não morra, o garoto pensou, e perguntou-se novamente se era por isso que estava sendo mandado embora. Para Arilinn, tão longe, para viver entre bruxos e animais. - Eduin. - Um sussurro, como uma chuva de cinzas. - Meu filho. Lágrimas surgiram nos olhos do garoto, mas ele lutou contra o desejo de jogar-se nos braços de seu pai, enterrar sua face na espessa barba grisalha, para sentir os finos braços de ferro ao seu redor. - Não sei se um dia o verei de novo. Você é minha última esperança. - Eu não o decepcionarei, Pai. Os ombros do homem subiram e desceram sob as camadas de cobertores. - E o que você vai fazer? - Ir para Arilinn. Para tornar-me um... - a criança tropeçou na palavra desconhecida, -... um laranzu. O feiticeiro mais poderoso de toda Darkover. - Como seu pai antes de você. Eduin concordou, a testa franzida. Se seu pai foi o laranzu mais poderoso no mundo, porque viviam tão longe de todos? Porque passam tanta fome e frio no inverno, e vestem roupas remendadas. Ele sabia que os Hasturs tinham algo a ver com isso. Sua mãe, enquanto ainda vivia, tinha lhe ensinado a nunca perguntar. Mas se não o fizesse, poderia nunca mais ter outra chance. Como se sentindo as questões, o pai do garoto chamou-o para mais perto e envolveu-o com um braço. - É tão jovem para carregar tal fardo, mesmo assim você é tudo o que me restou. Seus irmãos... - Sua voz sumiu. Eles falharam. - Quem é você? - seu pai perguntou em um tom diferente. - Porque, Eduin MacEarn, como me chamou, Pai. - Ouça cuidadosamente. Sua mãe não sabia nada do que estou prestes a lhe contar. Sabia apenas que fui ferido na guerra e que procurava paz e esquecimento. Então usei o nome dela e comecei uma nova vida aqui. Mas o passado deve ser esclarecido. Eduin estremeceu na iminência de um enorme mistério.

Eduin estremeceu na iminência de um enorme mistério. - Seu verdadeiro nome, meu filho, é Eduin Deslucido e é o único herdeiro do que foi antes um vasto reino. Seu tio era Rei Damian Deslucido, um homem de visão privilegiada, comandante de Ambervale e Linn… - os nomes rolavam de sua língua como encantamentos, -... e Monte Kinnally, Verdanta e Hawksflight e depois Acosta. Mas agora


tudo se foi, até mesmo a lembrança daquele grande homem. Destruído pelos traiçoeiros Hasturs, que sua punição dure centenas de anos! Em seu desejo por poder, assassinaram seu tio e seu primo Belisar, que teria sido rei depois dele. Eles derramaram fogo dos céus e transformaram duas Torres em ruínas. Pensam que também pereci. - Não, Pai, você não! - Mas Zandru sorriu para mim e eu escapei. Vim para cá, usei o nome de sua mãe, e esperei. Pensava que se recuperasse minha força, poderia voltar ao mundo e trazer os cruéis Hasturs à justiça. Mas, - indicando seu peito com a mão livre, - este corpo sofreu demais nas mãos deles. Os pulmões do velho chiavam. - Quando seus irmãos chegaram à idade, comecei a ter esperanças novamente, que pudesse mandá-los em meu lugar. Eram bons garotos, filhos amáveis. Tentaram o máximo. Percebi então que os Hasturs são muito poderosos para qualquer assassino comum, não importa o quão justa seja a causa. Eduin estremeceu novamente. Mal se lembrava de seus irmãos, apenas que eram altos e fortes. Como poderia ter sucesso onde eles falharam? - Há um grande senso de justiça em tudo isso, - o velho disse com um sorriso torto. - Que você, o filho de Rumail Deslucido, levará à destruição o filho da bruxa amaldiçoada, Taniquel Hastur-Acosta, e todos os outros naquele miserável Ninho que a acolheu! Ele começou a tossir violentamente. O garoto correu até a mesa do outro da sala e trouxe um copo gasto de madeira com uma infusão de ervas. - Nunca deve enfrentar os Hastur pela força de exércitos, - o velho disse, - pois desse modo só chegará ao desastre. Ao invés disso, cultive seu talento. Mereça seu lugar nas Torres. Observe e aprenda. Espere. O tempo certo virá. Encontrará Hasturs ali, disso tenho certeza. O talento de laran corre profundamente naquela família, como na nossa. Faça amigos entre eles, ganhe sua confiança, obtenha permissão para entrar em suas casas. Mas nunca tema sua força. Você tem um Dom bem além do de qualquer um deles. Quando a hora chegar, mostrarei a você como usá-lo. O velho parou, mas o garoto sabia que ainda havia mais. - Não traia a si mesmo agredindo membros menores daquela Casa. Salve seus esforços para seus verdadeiros alvos... a culpada e seus descendentes. Os fantasmas de Damian Deslucido, de Príncipe Belisar, e de todos aqueles que morreram em sua gloriosa causa estão contando com você. Eu estou contando com você! Sons de cascos soaram no pátio externo. O garoto olhou para o manto dobrado em cima da trouxa ao lado da porta. Passou os braços ao redor de seu pai e sussurrou mais uma vez... talvez pela última vez... - Não o decepcionarei, Pai. Não o decepcionarei!


______ ______ LIVRO I

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CAPÍTULO 01 O grande sol vermelho de Darkover inclinava-se no pátio de entrada da Torre Arilinn em uma manhã de outono. Granito polido intercalado com pedra azul translúcida formava o chão e duas paredes. Eram moldados e unidos tão artisticamente que nenhuma folha de grama ou trepadeira nascia ali. Subindo abruptamente, as paredes formavam um precipício que bloqueava o frio da noite. Na extremidade distante, a graciosa curva de um arco cercava o Véu furta-cor através do qual apenas aqueles de puro sangue Hastur, a casta aristocrática de Darkover dotada com poderes psíquicos, podia passar. Na luz oblíqua do amanhecer, o Véu assemelhava-se a uma cascata de cores do arco-íris. Quando se infiltrou no pátio na hora mais escura da noite, Varzil Ridenow não ousou chegar muito perto do Véu. Mesmo ali, no canto onde se encolhia para tirar um cochilo até o amanhecer, ele sentia seu poder dançando através de seus nervos. Se houvesse qualquer outra maneira... As palavras ecoaram em sua mente como o refrão de uma balada. Ele era um Ridenow e tinha o dom do laran, o verdadeiro donas. Sabia disso desde que ouvira pela primeira vez um Ya-men cantando seus lamentos nas colinas distantes sob as quatro luas do Solstício de Verão. Tinha oito anos, velho o bastante para perceber que havia algo além do que podia ser visto ou tocado, e velho o bastante para saber que devia manter silêncio sobre isso. Tinha visto o modo como seu pai, Dom Felix Ridenow, mantinha silêncio e o maxilar tenso quanto ao assunto. Agora tinha dezesseis, mais velho do que a maioria quando começavam seu treinamento na Torre, e seu pai adoraria esquecer logo toda a questão e fingir que seu filho mais novo era normal. Varzil viajara por todos os extensos quilômetros de sua casa até Arilinn, junto com seu pai e parentes, para ser formalmente apresentado ao Conselho Comyn. Seu irmão mais velho, Harald, que era herdeiro de Água Doce, passara por uma inspeção similar há uns três anos atrás, mas Varzil era então muito jovem para vir com ele. Seu atual reconhecimento era claramente uma manobra política para fortalecer a posição de Ridenow. Muitas das outras grandes Casas ainda os consideravam aproveitadores, pouco mais civilizados do que seus ancestrais das Cidades Secas. Humilhava-os conceder a qualquer Ridenow o respeito de um verdadeiro igual. Varzil viajara por todos os extensos quilômetros de sua casa até Arilinn, junto com seu pai e parentes, para ser formalmente apresentado ao Conselho Comyn. Seu irmão mais velho, Harald, que era herdeiro de Água Doce, passara por uma inspeção similar há uns três anos atrás, mas Varzil era então muito jovem para vir com ele. Seu atual reconhecimento era claramente uma manobra política para fortalecer a posição de Ridenow. Muitas das outras grandes Casas ainda os consideravam aproveitadores, pouco mais civilizados do que seus ancestrais das Cidades Secas. Humilhava-os conceder a qualquer Ridenow o respeito de um verdadeiro igual. A paz que Allart Hastur havia forjado entre seu próprio reino e aqueles de Ridenow não era longa e nem profunda para apagar a lembrança do sangrento conflito que viera antes. Dom Felix foi escrupulosamente educado com os Hasturs, mas Varzil sentiu a dúvida neles...


seu medo. Se houvesse qualquer outra maneira... Não teria que se arrastar desde a Cidade Oculta a esta hora infame, para congelar-se esperando que alguém de dentro da Torre o deixasse entrar. Esperava que fosse logo, antes que sua ausência fosse descoberta e armassem uma busca. A sessão do Conselho já tinha acabado faz tempo, com poucos assuntos para se conduzir. Dom Felix não iria delongar, não com homens-gato espreitando nas colinas próximas aos pastos de ovelhas. Varzil apertou mais seu manto e firmou o maxilar para impedi-lo de bater. O belo vestuário era apenas para a corte e não para proteger-se contra os elementos. Graças a Aldones, tinha sido uma noite clara. Durante as longas horas, Varzil sentiu o turbilhão e a dança das forças psíquicas atrás das paredes da Torre. O forte brilho de energia do Véu ultrapassava cada nervo, deixando-o sensível ao menor sussurro telepático. A maior parte do trabalho da Torre era feito durante as horas em que homens comuns dormiam, para minimizar a estática psíquica de tantas mentes destreinadas. A esta curta distância da cidade, mesmo um pensamento ocasional desgarrado ou onda de emoção, dificilmente considerada laran, acumulava-se virando interferência de baixo grau, ou algo assim que lhe haviam dito. Por esta razão, Torres como Hali e a agora arruinada Tramontana ficavam distantes das outras habitações humanas. Nas longas horas quietas da escuridão, trabalhadores Dotados mandavam mensagens que cruzavam centenas de quilômetros através das transmissões, e carregavam imensas baterias de laran, usadas para vários propósitos, incluindo impulsionar carros-aéreos, iluminar os palácios dos Reis e minerar metais preciosos, ou até mesmo executar a delicada cura de mentes e corpos. Varzil cochilou e acordou uma dúzia de vezes naquela noite, cada vez ressonando em um padrão diferente. Sempre que acordava, parecia que seus sentidos tornavam-se mais aguçados. Com sua mente, ele sentia cores e música que nunca soubera existir. Ouvia vozes, uma palavra aqui e ali, frases luzindo com significados secretos que o deixava ansioso por mais. O Véu furta-cor não mais brilhava à distância, mas reverberava através do tutano de seus ossos. Um movimento chamou a atenção de Varzil, uma sombra entre as sombras. Esguia, de pelo cinza, curvada como um homenzinho sábio, uma figura passou através do Véu. A figura parou, uma cesta vazia entre seus dedos, e olhou para ele. Varzil endireitou-se, apertando ainda mais o manto sobre seus ombros. Reconheceu a criatura como sendo um kyrri, embora Serrais, lar dos Ridenow, tivesse poucos deles como servos. Dizia-se que eram altamente telepáticos, mas perigosos de se aproximar. Seu pai, preparando-o para a visita a Arilinn, avisou-o sobre seus campos elétricos protetores. Entretanto, ele estendeu uma mão. - Está tudo bem, - ele murmurou. - Não vou machucá-lo. Algo friccionou atrás do crânio de Varzil, ao mesmo tempo macio e áspero, como se areia fosse esfregada dentro de sua pele. Mas não, era dentro de sua cabeça. De repente, uma sensação de curiosidade tremeluziu através dele, e tão rapidamente se desvaneceu. A criatura estava estudando-o. Será que queria algo? Ele não tinha comida... e então percebeu que pensava nele como um animal, em vez de um ser inteligente, mesmo que não-humano. Sem um único som, o kyrri correu. Varzil observou enquanto cruzava o pátio externo e


virava para a rua. Sentia-se como se tivesse sido testado em alguma misteriosa maneira, e não sabia se havia passado. - Olhe lá embaixo! - uma voz gritou de cima. - Algum moleque imprestável acampou sob nossa porta! Varzil esticou o pescoço para trás para ver uma sacada que corria por toda a extensão do arco do Véu pelos lados da Torre. Dois garotos mais velhos se inclinavam, apontando. Pareciam estar saindo da adolescência, suas vozes já engrossadas, punhos e cinturas finas, mas com os ombros de um jovem homem. - Você aí! Garoto! O que está fazendo aqui? Algo na voz irritou os nervos de Varzil, ou talvez alguma irritação do encontro com o kyrri o levou a revidar, - O que interessa a vocês? Vim para ver o Guardião da Torre Arilinn, e este não é você! - Como ousa falar conosco dessa maneira! - O jovem na Torre se inclinou. - Seu imprestável descarado! O segundo garoto puxou seu amigo para trás. - Eduin, você não ganha nada o provocando dessa maneira. Ele não pode nos fazer nada de onde está, e com certeza não é nenhum mendigo de rua. Estas palavras não são adequadas para você. - Ele falou com um sotaque de aristocrata das terras-baixas. Varzil levantou-se, coração saltitando. Uma dúzia de respostas passou pela sua mente. Suas mãos formavam punhos. Manteve seus dentes firmemente juntos, embora a respiração assoviasse através deles. Não havia passado a maior parte de seus anos engolindo insultos bem piores, para perder o controle agora. O que estava fazendo, para provocar um confronto deste jeito? O que havia de errado com ele? Não custava nada ser cortês, mas insultos podiam muito bem criar inimigos futuros. Se tivesse sucesso, esses garotos se tornariam seus colegas de estudo. Além disso, a única pessoa cuja opinião importava era, afinal, o próprio Guardião. Sem confiar em si mesmo para dizer qualquer coisa, Varzil simplesmente os reverenciou. Era a única coisa que pôde pensar que não pioraria as coisas. O garoto chamado Eduin saiu da sacada, murmurando algo sobre respeito adequado para a dignidade da Torre. Varzil estava muito concentrado em segurar sua língua para entender todas as palavras. Mas o outro jovem, aquele que pedira precaução, permaneceu. Varzil ergueu seus olhos. O sol lançava um vermelho brilhante no cabelo do outro garoto, os luminosos olhos cinza, as feições regulares. Os dois rapazes da Torre vestiam roupas simples, casacos com largos cintos de couro, sem nenhuma dúvida quanto a clã ou posição. - Garoto, - ele chamou, e desta vez a palavra não trazia insulto. Sua voz era forte e clara, como se tivesse treinado para ser um cantor. - O que quer com o Guardião da Torre de Arilinn? - Eu vim para... quero juntar-me a Torre. - Pronto. Por um longo momento, o jovem continuou a examiná-lo. Com um aceno e, - Espere aí, ele desapareceu para dentro da Torre. Varzil soltou a respiração que não sabia estar segurando. Enquanto tentava se acalmar, o Véu tremeluziu e partiu-se como uma cascata colorida. Um homem em um manto branco de monitor o atravessou. O cinza dominava seu cabelo castanho-avermelhado e linhas demarcavam sua boca e olhos. A poucos passos atrás vinha o jovem da sacada. Àquela


distância, Varzil foi atingido pelo comando de presença do outro garoto. O homem de manto branco parou, seu olhar vacilando sobre as cores do manto de Varzil, o verde e dourado de seu clã. - Vai Dom... - Varzil rompeu o silêncio. - Sou Varzil Ridenow, filho mais novo de Dom Felix de Água Doce. Vim procurar treinamento aqui. Far-me-ia a gentileza de levar-me ao Guardião? A boca firme suavizou em um lampejo de sorriso. - Jovem senhor, não posso imaginar nada mais apropriado. Eu certamente não presumiria decidir o que fazer com você. Varzil aproximou-se do Véu, como indicou o homem de manto branco. Nunca estivera tão perto de um dispositivo de matriz tão poderoso antes, apenas pedras-da-estrela pessoais ou o amortecimento telepático que a leronis da propriedade Ridenow usara quando sua mãe tivera um de seus desmaios. Ergueu uma mão, dedos estendidos, mas ainda não ousando tocar o Véu. Além de belo, o que era aquilo? Duas pessoas... três se contasse o kyrri... haviam passado através dele como se este fosse um tecido transparente. Virou sua cabeça para ver o monitor observando-o atentamente. Outro teste, então. Ele firmou seu maxilar e deu um passo adiante. O Véu parecia com uma fina névoa furta-cor, que ele esperava que fosse fria e talvez úmida. No instante que o tocou, este mudou, envolvendo-o. Ele tossiu, aspirando um ar com o sabor metálico de uma tempestade de trovão. A pele de todo o seu corpo tremia, cada pêlo ereto. Os pequenos músculos ao redor de seus olhos se contraíram. Não conseguia sentir as pontas dos dedos. No instante seguinte, ele permaneceu trêmulo em um cubículo sem janelas. Embora não estivesse diretamente dentro de um campo de matriz, ele sentiu a força na pequena sala, como se ela própria fosse um dispositivo de laran. Virando-se para olhar para trás, ele visualizou formas, borradas e escuras. Era algum tipo de armadilha? Outro teste? Então o monitor de manto branco deu um passo através do tremeluzente arco-íris. O jovem o seguiu, sorrindo. - Eu lhe disse, - o jovem falou. Disse o quê? Varzil se perguntou. O homem moveu sua mão como manipulasse algo e o estômago de Varzil caiu a seus pés. Não, ainda estava sob um chão sólido, mas a própria sala estava se erguendo. Parou um momento depois e eles atravessaram uma passagem arqueada que apareceu em uma parede. A sala iluminada se abriu em um amplo terraço. Certamente nem mesmo o salão de danças do maior castelo em Darkover poderia ser tão grande, Varzil pensou. Tapeçarias cobriam as paredes, brilhando com ricas cores, retratando cenas de caçadas, chieri dançando na floresta sob as quatro luas, águias pairando sobre as Hellers. O chão ladrilhado formava um mosaico que era ao mesmo tempo abundante e suave aos olhos. No lado oposto da sala, uma lareira enchia o ar com


calor e um toque de incenso. Cadeiras com braços e um longo banco com almofadas formavam um rústico meio círculo ao redor da lareira. Uma mulher e dois homens estavam sentados ali, falando em tom baixo. A mulher encontro o olhar de Varzil. Tinha mais ou menos a idade da tia favorita de Varzil, baixa e compacta, sem ser gorda, as rugas ao redor de seus olhos dando-lhe a aparência de estar sempre à beira do riso. Ela se levantou e dispensou os homens com um gesto, algo que nenhuma mulher na família de Varzil ousaria fazer. - Saia você também, Carlo, - ela disse ao jovem de cabelo vermelho. - Mas… - ele protestou. Ela cruzou os braços sobre seu peito amplo e coberto com um xale, silenciando-o. - O que acontece agora não é problema seu. O jovem deu uma impecavelmente educada e seca reverência, deixando a sala através da passagem arqueada no lado oposto, mas não antes de dar uma rápida piscadela para Varzil. Varzil prendeu a respiração. Depois dos anos de desejo, meses de planejamento, a fuga noturna, e as longas horas de espera, as coisas estavam acontecendo muito rápido. Uma vez, quando escalava as colinas escarpadas próximas a Serrais à procura de plumas de águia, Varzil pisou em falso e caiu de uma áspera encosta. Rocha e céu giraram juntos enquanto pedras golpearam seu corpo em uma dúzia de lugares diferentes. Ele escorregou até parar e permaneceu lá por um longo tempo, ofegante e machucado, olhando para o céu sem nuvens com espanto por ainda estar vivo. Sentia-se assim agora, embora seu corpo não estivesse ferido. Vagamente, ouviu a voz da mulher falando sobre o desjejum. Sentiu as mãos dela em seus ombros, guiando-o até uma cadeira ao lado do fogo. - Doce Evanda, você está congelado! - ela exclamou. - Sem mencionar... - Varzil não pôde seguir suas próximas palavras, -... os canais de energônios... como se tivesse trabalhado duas noites inteiras sem uma pausa sequer! No momento seguinte ele segurava uma caneca de jaco fumegante em suas mãos. Sentiu o calor através da cerâmica pesada com seu desenho detalhado, a suavidade da vitrificação. O jaco tinha sido adocicado com mel e misturado com alguma erva que ele não reconheceu. Engoliu-o obedientemente, embora queimasse sua língua. Só então ele percebeu o quanto estava tremendo. - Aqui, tome isto, - a mulher disse, estendendo uma tigela cheia de algum tipo de mingau de noz com creme. - Consegue segurar a colher? Os dedos de Varzil envolveram o cabo. Sua mão tremia, mas ele conseguiu pegar um punhado. O que quer que aconteça, não seria alimentado como um bebê. O mingau parecia ser uma mistura de aveia, avelã, e maçãs secas, temperado com canela. Era delicioso, combinando a rusticidade do grão, o ruído das nozes, e a maciez da fruta.


A visão de Varzil voltou a focar e suas mãos ficaram firmes. Ele agradeceu a mulher, adicionando, - Está muito bom. - Com certeza, - ela disse, novamente lhe lembrando de sua tia. - Coma tudo. Senhor da Luz, garoto, parece que não tinha uma refeição decente há uns dez dias! Varzil abaixou sua colher. - Sou grato, vai domna, mas não vim aqui para pedir comida. - E devolveu-lhe a tigela. - Não ouvirei essas bobagens cheias de orgulho, - ela retorquiu, devolvendo-a para ele. Sou a mãe da casa para todos os novatos aqui e quando digo coma, eles comem. Mesmo os da realeza. Está claro? Varzil não tomara mais do que duas ou três colheres quando a porta no lado oposto se abriu e um homem alto e robusto entrou na sala. Prata e ferrugem se misturavam em sua barba e cabelo cuidadosamente aparados. Suas feições eram muito irregulares para serem convencionalmente belas, com suas grandes orelhas e boca arqueada. Olhos azuis e escuros como grafite chamaram a atenção de Varzil. Uma aura de poder de aço envolvia o homem como uma capa. Mesmo assim ele vestia roupas comuns, confortáveis e quentes, uma veste de couro costurada com bordado brilhante sobre a túnica de linho com um cinto, calças soltas enfiadas em botas de cano alto. Uma corrente de metal cinza-escuro pendia em seu pescoço, desaparecendo sob sua camisa. Dois outros homens entraram na sala pela porta do lado oposto. Um era o homem de manto branco que levara Varzil para dentro da Torre. O outro estava também de manto, mas de um verde profundo. Não havia dúvida na mente de Varzil sobre quem mantinha o poder ali. Varzil se levantou e inclinou-se profundamente para o homem robusto. Então é você o garoto de Ridenow que quer treinar na Torre Arilinn? A voz pairou como uma espada em uma bigorna. Nunca ninguém falara antes tão diretamente à mente de Coryn, ou com uma clareza tão cristalina. Mesmo a leronis da propriedade, que lhe dera o treinamento básico no uso de sua pedra-da-estrela, soara abafada, como se em outra sala, quando usara seu laran para falar com ele. Varzil percebeu que de todos os outros testes que encararia, este era o básico e mais crucial de todos. Ele inclinou-se novamente. - Vai dom, sou eu. - Sente-se, então, e deixe-nos conhecê-lo um pouco. Sabe quem sou eu? - Senhor, você é Auster Syrtis, Guardião da Torre Arilinn. - Um deles, de qualquer modo. - Um sorriso vacilou no canto da boca do homem. - O que o faz pensar que sou ele? Como pode ter certeza? - Com uma mão, gesticulou para suas


vestimentas, como se para indicar a ausência do manto vermelho tradicional. Ele pensa que sou algum cego-mental tolo? Varzil se perguntou. Sua indignação evaporou enquanto o homem jogava a cabeça para trás rindo. Na hora seguinte, Varzil sentou-se diante do fogo fragrante, respondendo às questões dos três homens. A mulher, cujo nome era Lunilla, alternava entre sentar-se calmamente em sua própria cadeira e oferecer jaco aos homens e comida a Varzil, em um cronograma próprio. Ninguém argumentou com ela. Varzil mostrou-lhes a pedra-da-estrela que ganhara da leronis da propriedade, um cristal azul-claro do tamanho de uma unha do polegar. Como lhe haviam ensinado, ele a mantinha envolta em camadas de seda. Quando a retirou e segurou-a em seus dedos nus, as faixas brilhantes em seu centro tremeluziram para a vida. Os padrões apareceram quando olhou bem para dentro da pedra. Agora, com a longa exposição às energias psíquicas do Véu e do círculo, ele a sentia como uma coisa viva, respondendo ao seu toque. A pedra cantava para ele, dançava com ele. Varzil respondeu as questões e executou alguns exercícios simples de laran muito parecidos com aqueles que a leronis de Ridenow o ensinara. Sem sua pedra-da-estrela, ele tinha muito pouca psicocinesia, embora se focalizasse, conseguia fazer uma pequena pluma tremer. Não teve dificuldades em ouvir questões em forma de pensamento, bem melhores do que ditas em voz alta. As mudanças de humor e emoção pareciam-lhe tão claras e distintas quanto notas musicais tocadas em instrumentos diferentes. Enquanto o exame continuava, Varzil sentia uma tendência oculta sob as questões que soavam inocentes. Em uma ou duas ocasiões, ele pegou a sombra de um pensamento rapidamente escondido, e sabia que não tinha nada a ver com a qualidade de seu laran. Continuamente, as questões rodeavam o assunto sobre como ele havia chegado ali, e se seu pai sabia de sua visita e lhe dera permissão. O Guardião nunca perguntou diretamente, embora a suspeita margeasse suas palavras. Talvez eles temessem que tivesse algum outro propósito... de penetrar em seu grupo, aprender seus segredos, ou de algum modo enfraquecê-los. Mas certamente enxergariam a verdade em sua mente... Ele percebeu tudo vagarosamente. Sim, tinham suspeitas, mas era por que achavam que ele estava mal e temiam que adoecesse com os rigores do treinamento. Como Varzil era um filho de Ridenow, haveria sérias repercussões se ele morresse. Sua família agiria em retaliação contra Hastur ou Astúrias, desestabilizando o equilíbrio de poder. Relações políticas continuavam precárias desde as últimas guerras. A própria Arilinn podia ser levada para dentro do conflito... Não serei um peão nos jogos de nenhum lorde! No meio de um pergunta do homem de manto verde, Varzil levantou-se e fez uma reverência.


- Vai dom’yn. - ele disse em um tom tão sério que o homem parou no meio da questão. Fico feliz em responder quaisquer questões sobre meu passado ou conveniência para o trabalho na Torre. Vocês têm o direito de saber essas coisas. Mas... - e então sua calma oscilou, -... mas devem também me admitir ou recusar baseados em meu talento. Estou aqui por interesse próprio, não de outro. Outros podem usar seu laran para conspirar e espiar, mas eu não, - ele disse olhando diretamente para Auster. - Criança, não se dirija ao Guardião da Torre Arilinn desta maneira! - Lunilla se engasgou. O homem de manto verde praguejou, mas Auster inclinou-se para olhar Varzil ainda mais de perto com aqueles intensos olhos azuis. - Não, está tudo bem, - disse Auster. - Ele falou como um homem, então merece uma resposta de homem. Jovem Ridenow, você tem um inegável talento, mas também vem aqui, para sua própria admissão, sem a permissão de seu pai e contra sua vontade. Não estamos preparados para oferecer-lhe um lugar sob tais circunstâncias. Nestes tempos turbulentos, não é apenas uma questão de aceitar qualquer um com laran. Nós das Torres devemos fazer tudo que pudermos para manter-nos distantes dos maiores eventos do mundo. Com o coração partido, Varzil percebeu que acertara. Sua admissão na Torre Arilinn envolvia muito mais do que seus próprios desejos e habilidades. Nada que pudesse dizer agora mudaria esse fato. - Você não parece perturbado pela doença que tão frequentemente acompanha o despertar do laran, - o monitor de manto branco disse, - então não há necessidade de treinamento para salvar sua vida ou sanidade, nenhuma emergência que justificaria ultrapassar os desejos de seu pai. O treinamento que tem recebido da leronis de sua família já é o bastante. Auster levantou-se, sinalizando que a entrevista acabara. Atordoado, Varzil ficou parado enquanto os leronyn deixavam a sala, todos exceto o homem de manto branco. Ele gesticulou que Varzil o seguisse. Refizeram seus passos, descendo pelo estranho tubo impulsionado por laran de antes, guiados por movimentos rituais das mãos. Na despedida, o monitor falou a Varzil em um tom gentil. - Foi um prazer tomar o desjejum com você. Com a benção dos deuses, você prosperará, gerará muitos filhos, e será um orgulho para sua família. Mas um talento perdido... Abruptamente, as barreiras mentais do homem se ergueram. Privado de seus sentimentos particulares, o laranzu nunca falaria contra o veredicto de seu Guardião. Varzil pensou descontroladamente naquele momento, ele estava saindo da Torre. Tinha que achar um jeito de voltar. Havia tanto que queria perguntar, saber! Palavras obstruíam sua garganta enquanto os segundos se passavam. Encontrou-se parado na entrada da Torre Arilinn com o sol da manhã enchendo as ruas da cidade. Quando se virou, o portão estava fechado.


CAPÍTULO 02

Da janela de sua Torre, Carolin Hastur, chamado de Carlo devido ao seu apelido de infância, observava o estranho garoto parado do lado de fora dos portões de Arilinn. Punhos fechados, costas rígidas, o garoto puxava e expelia o ar continuamente. O próprio Carolin não tinha vocação para o trabalho na Torre, mas podia reconhecê-la nos outros. Nunca antes tinha visto tanta paixão, tanta intensidade como naquela forma esguia lá embaixo. Carolin tinha apenas uma modesta quantidade de laran e nenhum interesse particular em se enclausurar dentro de uma Torre. Estava ali apenas temporariamente, pois seu destino fora estabelecido no momento de seu nascimento. Tinha sido enviado a Arilinn na última primavera, com dezessete anos, como parte do treinamento adequado aos jovens de sua casta. Olhando para o garoto abaixo, vendo os ombros ossudos subir e descer, a tensão em cada músculo, Carolin podia muito bem crer que o garoto havia nascido para a Torre, do mesmo modo que ele, Carolin, nascera para o trono. Lembrou-se de como o garoto havia falado ao kyrri, não apenas em palavras, mas com o gentil toque mental que até mesmo Carolin pôde sentir. Teria sido rejeitado sumariamente? Qualquer estudante propenso para a Torre tinha a hospitalidade que merecia. Uma ou duas vezes pelo que Carolin sabia, os Guardiões mandavam um garoto apropriado para outra Torre. Cada círculo mantinha o equilíbrio de diferentes habilidades e dons. O Guardião deve ter uma boa razão para o que fez, disse a si mesmo. E iria me dizer para me manter longe das coisas que não são do meu interesse. Ele se jogou na cadeira perto da janela, desejando que fosse tão simples expulsar aquela figura esguia e intensa de seus pensamentos. A parede interna de seu quarto era arredondada como a Torre do lado de fora, com uma cama construída na única parede reta. Posicionado entre as duas janelas, um suporte de ganchos continha mantos e roupas comuns. Um pequeno baú de madeira negra esculpida era espaço mais do que suficiente para seus poucos pertences pessoais. Por ser um Hastur, tinha também um pequeno braseiro para aquecer e uma escrivaninha. Diferente dos outros novatos, ele podia ler e era ensinado em outras coisas que um príncipe devia saber. Tinha um carro-aéreo a sua disposição, um cavalo na estrebaria da cidade, e muitos outros privilégios de sua posição.


Uma cópia de Táticas Militares de Roald Mclnery estava aberta na escrivaninha. Carolin deu um passo largo e fechou o livro, impaciente com seu estilo cansativo. O material, depois de atravessar com dificuldade sua antiquada linguagem, era bem interessante. Mclnery escreveu sensivelmente sobre fortificações, linhas de suprimentos, e posicionamento de tropas. Mas também discutia armamentos de laran como uma natural e inevitável extensão da força dos exércitos. Algumas das armas eram desconhecidas a Carolin, mas outras eram muito familiares a um herdeiro real naqueles tempos caóticos. Ligadas telepaticamente aos seus treinadores, aves-sentinela podiam espionar a posição de um exército, fogo aderente podia transformar homem e animal em tochas vivas, transmissões podiam mandar mensagens mais rápido do que cavalo ou carro-aéreo, e pequenos círculos de leronyn podiam controlar a própria mente do inimigo. Mesmo assim as poderosas Torres Neskaya e Tramontana não puderam proteger a si mesmas do conflito e caos do mundo lá fora. Sugadas para dentro da guerra há uma geração atrás pelo comando de seus respectivos lordes, as duas Torres acabaram destruindo uma a outra. A maioria de seus trabalhadores altamente treinados e Dotados tinha sido morta ou mentalmente mutilada. Ninguém tinha certeza absoluta de como acontecera, mas as baladas sugeriam que Neskaya tinha engrenado o desenvolvimento de uma nova e terrível arma que foi acidentalmente disparada durante a confrontação final. Diziam que dentro dos escombros, sinistras chamas azuis ainda ardiam, alimentadas da própria matéria das pedras. Carolin uma vez conhecera uma sobrevivente daquela horrenda batalha, uma prima distante Hastur que tinha sido leronis em Tramontana. A velha Dama Bronwyn escapara do pior da batalha, mas quando ele perguntou sobre aquilo, ela virou-se para ele com um olhar de tanta desolação que seu pequeno coração de garoto falhou em seu peito. Ela não respondeu; sua expressão fora o suficiente. Estórias de como as Torres tinham sido puxadas para a Guerra entre Hastur e um implacavelmente ambicioso vizinho, Deslucido de Ambervale, ainda circulavam nos dormitórios dos garotos. Diziam que o Guardião de Neskaya, apaixonado por uma leronis de Tramontana, sacrificara a si mesmo em desafio às ordens de seu lorde para salvá-la, mas em vão, pois ambos haviam sido sugados pelas chamas. Ainda não sabia se aquilo era verdade, ou quaisquer das outras lendas sussurradas em volta da lareira durante as longas noites de inverno, mas desejava que fossem. Com a derrota de Ambervale e de todas as suas províncias conquistadas, Darkover alcançara apenas uma frágil paz. Cem reinos ainda pontilhavam a paisagem. Os maiores consumiam os menores e depois se quebravam em uma sucessão de disputas e insurreições. Em sua infância, Carolin ouviu os lordes de sua própria família argumentando, debatendo, esforçando-se para conter os piores abusos de armamentos de laran.


Lembrava-se de seu tio Rafael dizendo, várias e várias vezes, “Deve haver um caminho”. As ruínas das Torres e a desolação do Lago de Hali, o resultado de um antigo desastre conhecido como Cataclismo, permaneciam como testemunhas mudas de sua derrota. Carolin espantou seus devaneios. Estava diante de sua própria porta, dedos alisando a tranca de madeira, como se acordasse de um sonho. Quando voltou para sua janela, o garoto Ridenow havia ido embora. Carolin sabia, com aquela certeza recorrente, que eles se encontrariam novamente. Carolin desceu as escadas e cruzou o salão central até a câmara menor onde sua classe vespertina, da prática de monitoramento básico com outros iniciantes, se reunia. Ele pegou um lampejo de conversa entre os trabalhadores mais velhos enquanto estavam sentados diante da lareira apagada. -... Ridenow... - -… quem o enviou...? Enquanto cruzava a sala, os dois interromperam a conversa. A triste Marella olhou para Carolin e sorriu. Apenas alguns anos mais velha, ela havia flertado com ele no Festival do Solstício de Verão, uns dez dias após sua chegada a Arilinn. Apesar de seus esforços para se comportar adequadamente, ela apareceu saliente em seus sonhos por algum tempo. Carolin sabia que ela tinha consciência do efeito que tinha sobre ele, pois na corte de seu avô, tinha sido alvo de muitas fofocas femininas. A combinação de juventude, beleza e uma coroa atraíam belas damas como um favo de mel atraía formigas-escorpião. Apenas com suas parentas, Maura Elhalyn e Jandria, a prima de seu irmão adotivo Orain, ele se sentira totalmente à vontade, mas elas voltaram para Carcosa. O companheiro de Marella, um homem mais velho de rosto duro chamado Richardo, que parecia nunca sorrir para nada, levantou-se. Cumprimentou Carolin e saiu da sala. Corando, Marella o acompanhou, sendo assim Carolin não teve chance de fazer perguntas. Assim era melhor. Estava bastante tempo em Arilinn para saber que telepatas operavam sob uma combinação de condutas sociais diferente das pessoas comuns. Alguns tipos de privacidade eram impossíveis, como a atração sexual. Contato físico casual podia ser ofensivo como um ataque direto quando pessoas viviam em tal intimidade. Mesmo assim nenhum código de etiqueta da Torre podia vencer a curiosidade nata de Carolin. Era um defeito que tentava forçosamente dominar. Embora a família de Carolin, os Hasturs de Carcosa, adorasse o Senhor da Luz, como era adequado à casta do Comyn, ele também estudara os ensinamentos dos cristoforos. Uma oração, em particular, tinha lhe parecido própria para si, Conceda-me Ó Portador dos Fardos do Mundo, saber o que Vós permitais que eu saiba... Algumas vezes significava manter seu nariz fora de problemas que poderiam arrancá-lo, e sua cabeça inteira também. Em outras vezes, como esta agora, a oração sugeria que era seu direito e responsabilidade descobrir o que estava acontecendo, embora não dissesse como ou quando. Na corte de seu tio, era difícil haver um momento em que alguma trama ou esquema não estivesse fervendo. Ocorrências políticas eram numerosas e instáveis como partículas de poeira no ar. Carolin aprendera a ter paciência e a utilidade de uma inocente expressão. No tempo certo, ele descobriria. ♦


Carolin focalizou seus pensamentos na tarefa à mão, a prática da pedra-da-estrela com outros iniciantes. A classe se reunia em uma pequena e arejada sala que tinha sido agradável quando chegara a Arilinn no verão, mas agora parecia muito fria. Em um mês ou mais, todos estariam encapotados em roupas grossas contra o frio. Ele tomou seu lugar ao redor da mesa de trabalho com os outros estudantes, três garotos que não conhecia direito. Sua professora era Cerriana, uma garota mais velha com cabelo vermelho flamejante que tinha pouco interesse em socializar com garotos da idade de seu irmão menor. Ela trabalhava como monitora enquanto continuava seu próprio treinamento. Valentina, a mais nova das noviças, estava ausente, provavelmente por estar novamente doente. Como muitos em sua família, os Aillards, ela tinha saúde frágil e fora enviada a Arilinn na esperança de que, com ajuda experiente, pudesse sobreviver à turbulenta doença do limiar. Carolin desenvolvera um caso leve em si mesmo, uns poucos meses de náuseas e irritação. Haviam lhe dito que aquilo normalmente era bem severo, chegando ao perigo de morte, naqueles com talento excepcional. A combinação do despertar do laran e a energia sexual da adolescência, que eram carregados pelos mesmos canais de energônios no corpo, podia acarretar sobrecargas fatais. Fidelis, o monitor sênior, mencionara que raramente, talvez uma ou duas vezes em uma geração, um laran de extraordinário poder despertava mais cedo, na infância, tão suave e completamente sem nenhuma dificuldade. Com seu cuidado metódico usual, Cerriana direcionou os estudantes para a rotina da manhã. Juntos, eles pegaram suas pedras-da-estrela e começaram como sempre a simplesmente olhar para dentro delas, observando os padrões de luz azul. Como todos os membros de sua família, Carolin tinha ganhado uma pedra de qualidade superior, de tamanho médio, mas belamente cortada, clara e levemente luminescente. Enquanto a envolvia em sua mão, a pedra esquentava contra sua pele. Sua pedra-da-estrela tinha ficado notavelmente mais brilhante desde sua chegada a Arilinn, os feixes radiantes mais intensos. Algumas vezes ele sentia a estrutura cristalina que focalizaria e amplificaria suas próprias habilidades psíquicas naturais. Cerriana tinha dito que quanto mais trabalhasse com a pedra, mais ela estaria sintonizada a ele. Após os exercícios preliminares, Cerriana pegou uma coleção de objetos, plumas, pequenas moedas de prata, pequenos cubos e pinos de madeira, e os distribuiu aos estudantes. Usando suas pedras-da-estrela, os estudantes focalizaram suas mentes sobre os objetos com o objetivo de levantá-los ou movê-los sobre a mesa. Carolin, como iniciante, ainda trabalhava com plumas. A tarefa, que parecera impossível na primeira vez que tentara, agora começava a fazer sentido, embora não tivesse tido muita sorte ao produzir nada mais do que um tremor na pluma. Cometera o erro de olhar diretamente para ela, como se pela força de vontade ele pudesse fazê-la se erguer. Agora ele olhava apenas tempo o bastante para fixar seu formato em sua mente, seu tamanho e cor, a curva de cima, o encrespado de baixo. Então olhou profundamente na sua pedra-daestrela, formando uma imagem mental da pluma. Tentou imaginar o ar sob ela subindo como as ondas de calor acima de um campo no verão. A pluma tremeu, balançou. Ele sentiu minúsculas correntes de ar pressionando contra seu peso. Desta vez, decidiu manter sua atenção no ar enquanto este soprava para cima. Deixa a pluma ir para onde quiser, disse a si mesmo.


O ar parecia quente, excitante. Ele pensou nas nuvens de tempestade, montanhas brancas, elevando-se para encher o céu. Sabor e luz como de um relâmpago tremeluziu através de seus sentidos. - Carolin! Ele pulou, sua visão entrando em foco. A pluma estava na mesa como antes. Depois irrompeu em chamas. Senhor da Luz! Sem pensar, Carolin agarrou a pluma. O fogo apagou imediatamente, mas não antes de queimar seus dedos. Ele gemeu e pressionou a mão. Sua pedra-da-estrela rolou através da mesa. Cerriana a pegou antes que caísse da borda. Fogo emergiu dentro do crânio de Carolin. Não podia mais sentir a mão queimada. Por um terrível momento, seus pulmões se fecharam, incapazes de puxar o ar. Ele ouviu vozes confusas a distância. No momento seguinte, algo pequeno e frio foi colocado em sua mão. Ele pôde respirar novamente. Sua visão se normalizou e ele olhou para dentro dos olhos de Cerriana. Estavam escuros de preocupação. Sua mão pegou a dele, fechando-a ao redor de sua pedra-da-estrela. - O quê... - O quê aconteceu comigo? - Eu toquei sua pedra-da-estrela. Agora tenho que monitorá-lo para ter certeza de que não lhe aconteceu nada de mal. Os olhos de Carolin arderam e ele sentiu seus ossos chacoalharem. Ficou grato quando Cerriana dispensou a classe. Tudo o que queria era ficar sozinho. Pressionou a pedra-daestrela, apertando-a em seu coração. Seus dedos latejavam aonde havia tocado a pluma chamejante. Os músculos de seu estômago estremeceram. Mas ele era Hastur, herdeiro do trono, e não era apropriado comportar-se como uma criança chorona. Apenas um momento se passou. Cerriana ainda esperava a resposta à sua pergunta. Como uma monitora treinada em Arilinn, ela obedecia escrupulosamente às formalidades. Aquilo não era uma emergência, não entraria nos campos de energia do corpo dele contra sua vontade. Finalmente, ele ergueu sua cabeça e gesticulou a Cerriana que estava pronto. Enquanto ela trabalhava, alívio e uma sensação de bem-estar espalharam-se pelo corpo dele. Nervos exaustos relaxaram e as queimaduras de seus dedos esfriaram. As batidas de seu coração foram estabilizadas e sua respiração ficou mais suave. Pouco tempo depois, ela anunciou com um sorriso que ele não fora prejudicado pelo fogo ou pelo contato acidental em sua pedra-da-estrela. - Não entendo, - Carolin disse. Embora se sentisse fisicamente bem, exceto pelo vago calor em suas palmas, ele não conseguia pensar direito. Seu crânio parecia envolto em plumas. - Outras pessoas seguraram minha pedra antes... Hanna em casa, você, Fidelis e Auster aqui. Nunca tive uma reação como esta. - Normalmente é seguro neste estágio, - Cerriana respondeu. - Poucos novatos estão sintonizados o bastante com suas pedras para correr qualquer risco quando um monitor treinado as manuseia. Você certamente não estava, não no começo de nossa sessão. O que quer que estava fazendo deve ter acelerado o processo. Ela parecia pensativa. - Algumas vezes há um platô no desenvolvimento do laran e depois um efeito de queda. Contato com um telepata catalisador faria isso também. Ela sentou-se, ainda estudando-o com renovada tranqüilidade.


- Ouça, Carolin. Isto é muito importante. Agora que está sintonizado com sua matriz, nunca deve deixar que ninguém a toque exceto um Guardião, e mesmo assim deve ser apenas seu próprio Guardião. Não posso enfatizar o risco o bastante. Mesmo que seja treinada em monitorar o bem-estar físico e psíquico daqueles confiados ao meu cuidado, sou apenas uma monitora. Com todas as melhores intenções, poderia tê-lo ferido seriamente. A única razão para não tê-lo feito foi ter segurado sua pedra-da-estrela apenas por um momento. Está entendendo? - Ah, - ele disse com um sorriso torto, - não tenho intenção de repetir aquela experiência. - Com mãos que ainda tremiam um pouco, ele guardou a pedra-da-estrela de volta em sua bolsa de seda impermeável. Ela concordou gravemente. - Não acho que tenha aptidão para psicocinesia. A dúvida que continua é se você tem um talento isolado para criar fogo ou se isso... - ela apontou os pequenos pedaços carbonizados de pluma na mesa, -... é simplesmente devido às energias geradas pela sintonia com sua pedra-da-estrela. - Bem, - Carolin disse com sua leveza usual, - ao menos será melhor do que olhar para aquelas plumas malditas. Na manhã seguinte, Carolin e Eduin passaram por baixo dos arcos da Torre a caminho da Cidade de Arilinn em direção ao mercado matutino acompanhados por um dos kyrri. Como apenas não-humanos e Comyn podiam atravessar o Véu, todos faziam turnos com as tarefas diárias, mesmo os novatos mais jovens. O dia de outono estava fresco. A chuva da noite anterior havia lavado qualquer sinal de poeira do ar e a cidade brilhava. Além da bruma surgia os Montes Gêmeos, seus picos tremeluzindo. Carolin parou no lugar onde o garoto Ridenow esteve. Embora nenhum traço fosse visível, nenhuma mancha ou marca na rocha envelhecida, Carolin sentiu uma presença remanescente tão grande que podia jurar que ainda havia alguém ali. Imagens brilharam em sua mente, um pouco lembrança, um pouco outra coisa. Ele imaginou o garoto, não tão jovem como supôs na primeira vez, apenas magro e baixo, seu rosto pálido e muito sério. Enquanto Carolin observava, as feições de Varzil mudaram daquelas de um garoto crescido, para as de um homem maduro. Ainda era esguio, mas carregava uma confiança silenciosa que Carolin já havia visto em experientes espadachins. Havia traços de prata em seus cabelos e linhas demarcavam seus olhos e boca. Uma expressão de compaixão com um toque de tristeza jazia em sua face. Vestia um manto escuro solto com um cinto, mas Carolin não podia distinguir a cor, vermelho ou marrom, enquanto a visão começava a turvar. Varzil ergueu uma mão em saudação e um anel com uma pedra preciosa emitiu um brilho branco. A sensação de presciência surgiu, e Carolin parou com sua cesta de mercado na mão. - Vamos logo com isso, Carlo, - Eduin disse. Ele usou o apelido familiar, embora não se conhecessem muito bem. Carolin estava em Arilinn apenas há alguns meses, enquanto Eduin começara seu treinamento ali há quatro anos atrás. Era tempo o bastante para que Eduin conhecesse seu próprio valor. Ele tinha


uma vida nas Torres e certamente se tornaria um habilidoso mecânico de matriz ou técnico, talvez até mesmo um Guardião se pudesse agüentar a disciplina. Carolin aguardou. Não tinha dúvida alguma do que havia visto. Não era um laranzu, mas tinha o verdadeiro sangue Comyn. As forças da mente eram tão reais quanto podia agüentar. E ele próprio não conseguiria continuar com as tarefas comuns da manhã, como se nada tivesse acontecido. - Continue, - ele disse ausente. - Estarei logo atrás. - Mas, Carlo, já estamos atrasados... as melhores abóboras já terão acabado... - Não se as pegarmos primeiro! Eduin saiu sem pressa, o kyrri apressando-se em seu encalço. Poucos minutos depois, Carolin desceu o corredor até os aposentos do Guardião. Dois dos técnicos sênior estavam prestes a entrar. Um era Gavin Elhalyn, segundo em posição depois de Auster na Torre. Também era parente distante de Carolin. - Preciso falar com Auster, - Carolin disse. - É importante. Gavin franziu o cenho, claramente dividido entre sua responsabilidade e sua relação consangüínea com Carolin. Era Comyn e laranzu, mas Carolin seria Rei um dia. Lerrys passou pela abertura. - O que quer que seja pode esperar, rapaz. O próprio Auster nos convocou. Carolin reprimiu uma resposta, percebendo muito tarde o quanto seria inútil. Aquilo era, apesar de tudo, uma Torre, onde pessoas falavam com suas mentes tão livremente quanto falavam com suas bocas. Estava começando a entender o porquê de ter sido mandado a Arilinn. Não era apenas para cultivar seu modesto laran, mas para se preparar para as exigências da liderança. Em casa, tinha aprendido a falar com cuidado; ali na Torre, aprenderia a guardar seus próprios pensamentos. - Está tudo bem. - Auster abriu a porta. Seu rosto parecia cansado, mas não a luz em seus olhos. - Carlo irá apenas nos aborrecer até que diga o que quer. É de família. Os Hasturs nunca desistem facilmente. Entrem todos, e em um instante ouvirei o garoto. Auster voltou para seu lugar usual, uma cadeira de braço acolchoada. Os dois outros homens se posicionaram ao lado da porta, como se esperassem ordens. Enquanto pensava em Auster como segundo primo de sua tia Ramona Castamir, Carolin não tinha dúvidas de êxito. Mas agora, o manto vermelho formal de Auster brilhava na luz refletida da lareira, os restos de uma pequena chama jaziam contra a noite fria de outono. Carolin lembrou-se que este era um dos homens mais poderosos em Darkover, e dentro daquelas paredes, sua palavra era absoluta. Há mais de um tipo de poder, Carolin disse a si mesmo, assim como há mais de um tipo de verdade. Um quarto homem esperava dentro dos aposentos, mudando constantemente de um pé para outro. Carolin não o reconheceu, apenas a sutil riqueza de seu traje, um casaco


forrado de veludo com acabamento em pele, grossas calças de lã sobre botas de couro macio, o fino laço em suas mangas e gola, a corrente de argolas de ouro e cobre em seu pescoço. Carolin reconheceu instantaneamente seu ar de autoridade. Em um piscar de olhos, o olhar do homem o encontrou. Algo sussurrou na mente de Carolin, inexprimível. A expressão do homem não mudou, mesmo assim Carolin sentiu sua alteração, pôde quase captar seu pensamento, Então este é o filhote de Hastur. Carolin, atormentado pela onda de inimizade, estudou por um momento a face do homem mais velho. Este homem era um inimigo? Seus tutores sempre o avisaram para lembrar-se de nomes e aparências. Mas não conseguiu detectar nem um sinal de familiaridade. Naquele instante, notou uma onda de raiva controlada. Como eles ousam? Como ousam me questionar? Auster e Gavin não deram nenhum sinal de estarem lendo os pensamentos do homem, embora a sala vibrasse com tanta tensão. - É como lhe disse, - o homem mais velho disse. - Meu filho veio por sua própria conta, sem meu conhecimento ou aprovação. - E só Aldones sabe quanto problema isso acarretará! - Nada que possam dizer mudará minha decisão. - Você... você é o pai do garoto que veio pedir para ser admitido na Torre esta manhã, Carolin disse. O homem inclinou a cabeça e respondeu educadamente, - Sou Felix Ridenow. - Agradecemos-lhe a cortesia de sua visita, - Auster disse. - E iremos, é claro, considerar todos os fatores envolvidos neste caso. - Não há nada a considerar, vai tenerezu. A aventura doentia de meu filho acabou. Ele voltará para casa comigo como planejado. Desejo-lhes um bom dia. Gavin e Lerrys escoltaram Dom Felix na saída da sala com impecável cortesia e igualmente inconfundível suspeita. O que aconteceu aqui? Com um calafrio, Carolin entendeu. Não importa o quão talentoso este Varzil seja, ele é suspeito apenas por ser um Ridenow! E seu próprio pai não concordará com sua estadia por exatamente a mesma razão. Esta disputa deveria ter sido resolvida há muito tempo atrás! Carolin fora envolvido nas intrigas da corte, mas sempre pensara nas Torres como acima daquelas pequenas manobras. A contrariedade corria como veneno em suas veias. Varzil era tão cheio de paixão. Mesmo da sacada, Carolin o sentira. Varzil havia ultrapassado o Véu, aquele que prova seu puro sangue Comyn, e o kyrri lhe havia respondido. Não faziam isso frequentemente. E agora Auster dispensava seu potencial, sua dedicação, questionava esse homem digno que era seu pai, tudo por questões políticas! Não era justo. Mais do que isso, não era honesto. Auster virou-se, gesticulando para que Carolin se sentasse. - Você está preocupado com o


garoto Ridenow. Sentando-se, Carolin concordou. - Sei que não é problema meu questionar suas decisões, mas está... está errado mandá-lo embora. - Errado? - Uma sobrancelha ergueu-se, mas não por raiva. Carolin, sabendo que Auster captaria a emoção por trás de seu pensamento, se não o exato significado, ergueu os olhos para olhar diretamente para ele. - O que quero dizer é... não é justo não dar nem ao menos uma chance por causa de sua família. - Você, um Hastur, diz isso? Raiva apossou-se de Carolin. Nunca esquecerei quem eu sou? Terei que escolher meus amigos pelos seus parentes em vez de seu caráter? - Falo do que é certo, não necessariamente do que é viável. Não é melhor pensar um pouco mais nesta questão? Além disso, dizem que a única maneira de eliminar completamente um inimigo é torná-lo um amigo. Auster encostou-se em sua cadeira, sem colocar muito peso. - Dizem também que é melhor deixar um banshee dormindo em paz. Neste caso, o próprio pai do garoto proibiu-o de vir aqui, e não ousamos contrariá-lo. - E quanto aos próprios desejos de Varzil... e quanto ao seu destino? Você, o Guardião da Torre Arilinn, está intimidado por um lorde inferior Ridenow? - Carlo, agora sou eu que o lembro de olhar melhor. Ir contra a vontade expressa do pai pode causar um dano incalculável para todos os envolvidos. Esqueça. Deixe a poeira abaixar. Pratique a disciplina do trabalho. Em poucos anos, o garoto terá concordado com a decisão de seu pai, e nenhum mal será feito. - Um grande mal acordo terá sido feito! - Carolin balançou a cabeça. Como Auster e os outros não podiam ver isso? Se Varzil fosse um rapaz comum, poderia muito bem esquecer seu sonho de infância, mas ele não era comum. Carolin sentira a força de seu laran e a paixão que podia muito bem virar-se para o bem o para o mal. Ele é importante... para mim, para todos em Darkover. A mudança nos olhos de Auster mostrou a Carolin que ele captara o pensamento. Alguns Hasturs têm o dom da presciência. Auster falou de mente para mente. Dizem que Allan Hastur, que forjou a paz entre seu clã e os Ridenow, podia ver o futuro. Há mais em jogo aqui do que um simples garoto. Sim! Carolin lançou de volta para ele. Sim, é isso! Ele deu um suspiro. E usarei todo o poder de minha posição para ter a certeza de que ele tenha sua chance. Auster balançou sua cabeça novamente.


- Ordeno que se mantenha fora disso. É melhor para todos deixar que essas coisas sigam seu curso natural. - E permitir que o rancor de gerações passadas comande tudo que fazemos agora? Carolin rebateu. - Você não é uma pessoa privada, para pensar apenas em si mesmo, - Auster o relembrou. - Em algumas coisas, nem mesmo o Rei dos Hasturs pode opinar. O mundo segue por sua vontade, não como você ou eu... ou mesmo o garoto Ridenow... quer. - Entendo bem o que quer dizer, Auster. Sei muito bem o que está em jogo aqui e não tenho desejo de empurrar todo o campo para uma guerra. Mas deve haver outro caminho! - E eu o encontrarei! - Considere as conseqüências. Pois se tomar qualquer decisão, Carolin Hastur, será responsável pelo que quer que venha a acontecer, para o bem ou para o mal. - Então é minha escolha e meu fardo. - Carolin ergueu seu queixo. - Não há nada que posso dizer para convencê-lo? - Oh, - Auster disse, o fantasma de um sorriso flutuou em sua boca. - Você já fez isso. Se esse rapaz retornar para nós com a benção de seu pai, com certeza o receberemos, sendo ele Ridenow ou não. Contente-se com isso. Carolin sabia quando tinha sido dispensado. Ao menos, Auster havia lhe dado um lampejo de esperança. Se ele não podia mudar diretamente as mentes de Auster e Dom Felix, então podia ao menos se apegar a qualquer chance que lhe era oferecida. Ele teve a certeza de que haveria uma.


CAPÍTULO 03

Nos aposentos dos Ridenow na Cidade Oculta de Arilinn, Varzil esperou pelo retorno de seu pai. Cada casa grande tinha acesso a aposentos particulares, limpos e aconchegantes, mas austeros. Apesar do estandarte verde e dourado, eram apenas levemente mais luxuosos do que abrigos de viajantes, e eram mantidos sob as mesmas condições de trégua. Há menos de duas horas antes, Dom Felix tinha sido convocado, com acentuada educação, mas como absoluta ordem, pelo Guardião da Torre Arilinn. Então ele notaria que Varzil havia escapado da reunião noturna do Conselho Comyn, onde sua presença representaria sua família, e ficara fora a noite toda sem permissão ou sem avisar a ninguém onde estava. Dom Felix nunca teria aprovado seu plano, então ele na verdade havia feito tudo o que seria proibido de fazer. Agora Varzil seria descoberto, seu ato de desobediência se tornaria público. Se pelo menos Arilinn o tivesse aceitado... mas não havia, e agora ele pagaria em dobro, por tentar e por falhar. O resultado não seria muito prazeroso. Varzil esperou o retorno de seu pai com tranqüilidade, pois sempre aceitara os castigos pelas travessuras de infância com paciência. Nenhuma ação, grande ou trivial, ficava sem conseqüência. Em Água Doce, a propriedade da família, ele via isso diariamente. Uma semente plantada com cuidado tornava-se uma videira carregada com uvas doces no outono. Uma mão erguida com raiva contra um potro destreinado resultava em uma montaria rebelde. Um gato cuja cauda foi puxada se viraria e arranharia quem a puxou. Uma palavra gentil e um sorriso ao cozinheiro resultaria em um agrado na hora de dormir. Uma tarde de verão nos orquidários, tocando flauta e observando o formato das nuvens, era seguido por horas extras de treinamento com espadas de madeira. Enquanto sentia a aproximação de seu pai, Varzil se preparava para a ladainha usual. Podia até recitar para si mesmo: “Quando irá tirar a cabeça das nuvens e prestará atenção? Eu o trago até Arilinn para a mais solene ocasião e você sai correndo em alguma diversão irresponsável! Você sabe o quanto o Conselho Comyn é importante... sua influência, sua política. Nós Ridenow precisamos de alianças poderosas, por tratado ou casamento, e é ali que elas são forjadas! Você nos fez de palhaços com sua brincadeira impensada!”. Dom Felix abriu a porta para a sala de estar central. Varzil ergueu-se e envolveu-se com os braços. Com um rápido olhar, notou a expressão de seu pai, as sobrancelhas escuras juntas


e a testa vincada por linhas incisivas. A agitação de seu pai alcançou Varzil em uma turbulência de som e cor. Dom Felix desamarrou seu manto e colocou-o sobre a cadeira mais próxima. Nenhum servo se aproximou para pegar a vestimenta, pois como na própria Torre, apenas aqueles de puro sangue Comyn podia entrar na Cidade Oculta. - Sabe que não aprovo o que fez, correr para a Torre daquele jeito, - Dom Felix começou sem rodeios. Andando de um lado para o outro, batia em uma mão com o punho da outra. Mas aqueles... usadores-de-sandálias bastardos tiveram a afronta de me questionar... eu!... como se eu fosse um ninguém! Recusei-me a dar-lhes qualquer satisfação, é claro. Podem pegar suas suspeitas e enfiá-las no traseiro congelado de Zandru! Dom Felix chegou ao extremo da sala e de seu fôlego ao mesmo tempo. Ele parou, visivelmente se controlando, e virou-se para seu filho. - Ah, tudo bem, tudo aquilo não importa mais. Nós acabamos com eles. Agora venha, temos preparações a fazer. Pretendo estar na estrada para casa antes da primeira luz da manhã. - Jogando o manto sobre um ombro, ele foi à direção dos aposentos de dormir. Varzil permaneceu onde estava. Seu coração martelava contra a cavidade de seu peito magro. Suor escorria de sua testa. Seus joelhos tremiam. Se desistisse agora, poderia nunca mais ter outra chance. Mesmo a menor esperança de ser capaz de dissuadir o Guardião através da pura persistência e paciência era melhor do que nada. - Não, Pai. Dom Felix parou no limiar da porta. Levou um instante para entender. As sobrancelhas escuras se juntaram. - O que quer dizer, não? - Quero dizer... - Varzil parou, com medo de que se titubeasse em sua decisão, sua coragem o abandonasse completamente. -... eu não vou para casa com você. Devo ficar até me deixarem entrar. - Arilinn? - Seu pai parou. - É uma causa perdida. Mesmo se tivesse lhe dado minha permissão, não poderia associar-se com alguém que nutre tal desdém pela honra de nossa família. O modo como me trataram fala por si só. Varzil deu um passo para trás. - É verdade, eles deveriam ter lhe oferecido o respeito adequado, mas aquela foi uma ofensa deles contra você. Quanto a mim, eu pertenço àquele lugar. Se eles não me aceitarão hoje, então sentarei aos seus portões até que o façam. - Terá uma longa espera. Varzil ergueu seu queixo.


- A espera não me fará mudar de ideia. - Não há nada a mudar. Você volta para casa amanhã. - Não, não vou. - Não acredito no que estou ouvindo. Está pensando em ter qualquer relação com aqueles... aqueles Hali‘imyn? Eles enfeitiçaram sua mente com bruxaria? Não achava que era possível em tão pouco tempo. - Não fizeram nada comigo, - Varzil replicou com um toque de raiva. Ele se controlou e continuou, tão calma e racionalmente quanto pôde. - Pedir para ser admitido ali foi ideia minha. Sinto muito se não discuti com você primeiro. Sei que foi errado fugir no meio da noite e peço desculpas pelo problema que lhe causei. Se tivesse visto qualquer outra solução, teria preferido fazê-lo abertamente, com a sua benção. Temi que você desaprovasse sem ao menos ouvir, e foi exatamente o que aconteceu. - De onde tirou essas ideias? Nem seu irmão ou irmãs têm um décimo da sua teimosia! Dom Felix levantou as mãos em falsa irritação. - Foi uma febre no cérebro que o deixou tão teimoso quanto débil? Foi algo que comi na noite que o concebi? O povo da forja o deixou no lugar do bebê humano quando sua ama não estava olhando? Varzil quase riu alto. - O que quer que seja, Pai, eu sou o que os deuses fizeram de mim. - E você é um laranzu de Arilinn, é o que está querendo dizer? Que ideia ridícula! Tire isso de sua cabeça. Está resolvido. Não há mais nada a dizer. - Você está certo, - Varzil replicou, embora seu estômago tremesse. - Não há mais nada a discutir. Não espero que concorde comigo, apenas que aceite que isso é o que devo fazer. - Por que deve? - A voz de Dom Felix ficou mais dura. - Quem segura uma espada em sua garganta e o obriga a isso? E desde quando você tem o direito de dizer a seu pai o que vai fazer ou não? Asseguro-lhe, estar envolvido com o Conselho Comyn não lhe garante nenhum privilégio. Lutando contra as lágrimas, Varzil disse: - Pai, por favor. Eu sempre tentei ser um bom filho, mas não posso... não posso seguir seus desejos nesta questão. Eu lhe imploro... tente entender. - Ele levou uma mão ao coração. - Está dentro de mim. Eu... - Esta ideia tola não resultará em nada exceto em vergonha para toda a sua família. Se não consegue se comportar com dignidade, então ao menos pense no resto de nós. Nada de bom virá com isso. - Eu tentei... Pai, eu tentei… A voz de Varzil interrompeu-se enquanto lembrava das noites em claro, observando o tom colorido da luz das quatro luas de Darkover mudando vagarosamente através das paredes de pedra de seu aposento. Ele tentou não sentir, não ouvir, não responder às ondas de inexprimível energia que o deixava tremendo como as cordas de um alaúde.


Algumas manhãs acordou com sangue nos lábios onde havia mordido, suas mãos doendo de tanto fechar os punhos. Finalmente, ele entendeu. Era inútil. Não havia nada que podia fazer para desistir de seu Dom. Não podia mais negar seu laran sem rasgar sua língua ou botar seus olhos para fora. Por um ano ele desejou que o treinamento que recebia da leronis na propriedade Ridenow fosse o suficiente. Tentou seu melhor para ser o filho que seu pai queria, ou pelo menos uma boa imitação. Ficou rapidamente óbvio que isso nunca funcionaria. Varzil vivera em dois mundos... o comum de trabalho diário como assistente não-oficial do coridom e ajudante de ordens não-jurado de seu irmão mais velho, Harald... e outro que tornou-se mais forte e mais vivo a cada dia. Sentia-se como se fosse uma única gota em um vasto rio vivo, sendo que a cada vez que os Ya-men bramiam seus lamentos secretos, ou as moças da cozinha acordavam com pesadelos, ou um garanhão sentia o calor crescente na égua próxima, sensações cruas o invadiam. Em seu interior, ele sabia que continuar assim apenas o deixaria louco. Sentia, também, que sem o controle de sua consciência, seu Dom poderia provar ser muito mais mortal para aqueles que amava do que para si mesmo. A única solução era controlá-lo, nadar como um peixe contra a corrente. Mas como? A leronis que o treinara quando criança havia claramente chegado ao limite de sua habilidade. Ele devia ir para uma Torre. E havia Torre melhor do que a lendária Arilinn? Se ao menos achasse um modo de fazer seu pai entender! - Você e seus sonhos sem esperança! - Dom Felix dispensou as explicações de Varzil. Sempre ficou se lamentando quando havia trabalho a fazer, ou sonhando com o canto dos chieri. - Eles não são chieri. Nenhum homem viu ou ouviu falar deles desde a Era do Caos. Eram Ya-men. E eu realmente os ouvi. - Ya-men, fadas, demônios do sétimo inferno de Zandru! É tudo a mesma coisa. Sua vida toda foi devotada a uma ideia romântica depois da outra. Esta é apenas a mais recente. Eu o agradei no passado, talvez mais do que devia. Agora devo corrigir isso. É demais trazer vergonha para si mesmo comportando-se de maneira tão indigna, implorando por admissão onde não é desejado. Não permitirei que manche a honra de nossa casa, não depois da maneira como me trataram. E tudo para quê? Você realmente acredita que merece treinamento? Mesmo se não fosse um Ridenow, eles nunca perderiam seu tempo com você. É claro que tem algum grau de laran... o Conselho lhe aceitou como prova disso. Mas um laranzu? Você deve ter inalado a flor fantasma para pensar tal coisa. Nunca teve doença do limiar que fosse notada, e todos sabem que isso é o que indica um forte laran. Varzil baixou sua cabeça. Não sabia o que dizer. Seu pai havia se acalmado um pouco, mas ele conhecia aquele tom em sua voz. Seria mais fácil mover o Rio Kadarin de sua margem do que fazer seu pai mudar de ideia quando estava com aquele humor. - Então, fiz tudo o que podia para fazer você racionalizar e por um fim nisso tudo. Sem


mais discussão. Fará como eu digo. O peito pesado, cabeça ainda baixa, Varzil disse, - Eu não desistirei. Não posso. - Não pode? Nunca diga isso! - Felix estourou enquanto apontava um dedo na direção de Varzil. - Eu lhe dei a vida, e posso tirá-la novamente, e você será e fará o que eu disser! Agora arrume logo suas coisas! Varzil recuara reflexivamente com as primeiras palavras gritadas de seu pai, mas manteve-se firme. - Não farei nada. Ficarei aqui até que Arilinn me aceite. - Você voltará para casa em um cavalo ou amarrado sobre seu lombo com seu traseiro tão dolorido que não conseguirá se sentar. Será um bom destino para alguém que acabou de ser aceito pelo Conselho como um verdadeiro Comyn! - Não pretendo desafiá-lo, Pai. Só que... que... Em um único passo, Dom Felix atravessou o espaço entre eles e acertou seu filho com o punho fechado. O soco pegou Varzil no rosto e girou sua cabeça. Ele cambaleou, tão atordoado que por um longo momento não pôde nem respirar. O impacto aprofundou-se mais do que as juntas na carne. Ressonou através de cada nervo e fibra do corpo de Varzil. Sob sua pele, fogo corria ao longo da rede de canais de energia, aqueles que carregavam seu laran. Varzil cambaleou e segurou-se nas costas da cadeira de madeira. Sua visão turvou. Incapaz de falar, ele balançou sua cabeça. - Não? - Felix levantou o pulso novamente. - NÃO? Pai, por favor! Farei qualquer outra coisa que pedir, mas não... não... Os olhos de Varzil encheram-se de lágrimas. Seus joelhos se dobraram e ele caiu no chão. Uma mão segurava o lado da cadeira, mas estava muito desorientado para se levantar. A face do velho surgiu diante dele. Os olhos de Dom Felix estavam brancos. Seus lábios repuxados mostravam os dentes. Veias eram visíveis ao longo de suas têmporas. Pai, não! Por um terrível momento, Varzil pensou que seu pai tinha sumido e um dos demônios de Zandru havia tomado seu lugar. Não haveria piedade, nenhuma pausa até que a fúria se desvanecesse. Varzil conhecia o temperamento explosivo de seu pai. Até mesmo os cães da família sabiam quando se esconder ao ouvir a voz de seu mestre. Se Varzil desmaiasse, não sentiria mais nada depois. Seria bem pouco prazeroso acordar depois daquilo, mas ele tinha que agüentar. Levou uma mão ao rosto e se protegeu para o próximo soco. Ele nunca veio. Um momento passou após o outro. Varzil baixou seu braço. Seu pai olhava para as palmas de suas mãos com uma expressão de confusão e sim, horror. O que eu fiz? Lágrimas turvavam os olhos do velho. A pele flácida de seu queixo tremia, revelando o formato do crânio mortal. O orgulho do velho ainda pressionava seus lábios, segurando


suas palavras. Se ele se apega ao seu orgulho, Varzil pensou, então devo ser humilde. Se ele não for o primeiro a falar, então eu serei. Varzil ajoelhou-se, e alcançou as mãos de seu pai. Suas posições lembravam aquelas do vassalo e seu lorde quando trocavam juramentos de lealdade, mas com uma sutil diferença. Varzil pegou as mãos de seu pai entre as suas. - Por favor, me perdoe. Fui rude e desrespeitoso. Nunca desejaria trazer desonra à nossa família. Quando começou a dizer as palavras que o fariam desistir de seu sonho, de algum modo, sua garganta se fechou. Dom Felix ergueu Varzil e puxou-o para um rude abraço. - Não ouvirei mais nada. Você é um bom filho, ou o melhor que pode ser. Nada que eu diga o fará ver algum sentido nisso, até um cego pode ver isso. As coisas simplesmente têm que seguir seu curso. Tudo ficará melhor quando estivermos longe dessa cidade amaldiçoada e voltarmos para Água Doce. Muito perturbado para protestar, Varzil concordou. Ele havia feito as pazes com seu pai, mas a que preço?


CAPÍTULO 04

Apesar das intenções de Dom Felix de uma partida rápida, a caravana dos Ridenow não passou os arredores da Cidade de Arilinn até que o grande sol vermelho estivesse alto no céu. O gramado ao longo da estrada tinha perdido sua cobertura de orvalho horas atrás. A promessa do ligeiro calor dos dias de outono subia da terra. Os homens estavam ansiosos para retornar, cansados das noites de celebração que estavam mais para reuniões políticas do que entretenimentos. Varzil cavalgava silenciosamente na posição em que seu pai o colocara, segundo na procissão. Ele não falava, nem mesmo quando surgia algum comentário casual em sua direção. Suas sensações internas se concentravam lá trás, na direção de Arilinn e seus sonhos se desvanecendo. A estrada diante dele ondulava. Cores se entrelaçavam... o traseiro castanhoavermelhado do cavalo à sua frente, o dourado dos arbustos ressequidos pelo sol, o cinza das rochas, a camada de névoa no céu. Ele deixou as rédeas soltas no pescoço de sua montaria e pressionou as duas mãos sobre a dor em seu peito. Uma corda invisível amarrava seu profundo ser à Torre que há essa hora já havia desaparecido de vista. Pensou que devia estar sangrando, embora seu coração batesse regularmente, e então percebeu que a dor não era física. - Varzil, rapaz? - Uma voz o alcançou na distância. Era Gwilliam, o jovem robusto cavalariço que ficara nos estábulos com os animais nos arredores de Arilinn. - Deixe-o. - Essa era a voz de seu pai. - Quando estivermos em casa, ele ficará bem. Eu não estou bem. Eu nunca estive bem. É assim que um laranzu de Arilinn pensa? Afundando-se em auto-piedade como uma criança mimada? As palavras ressoaram através de seu crânio. Ele conhecia aquela voz mental, tão clara e poderosa. Quem mais podia alcançá-lo àquela distância, ou falar com ele tão claramente? Auster! O próprio. Você não podia ter ficado conosco contra a vontade de seu pai. Mas não duvide de seu Dom. Nunca duvide. Se for a vontade dos deuses, nós nos encontraremos novamente. Não perca as esperanças. Antes que Varzil pudesse formular uma resposta, o contato telepático se desvaneceu. Diante dele, além da cabeça balouçante de seu cavalo, a estrada se estendia através das Planícies de Arilinn. De ambos os lados, pesados arbustos pendiam sob seu próprio peso. Cada galho e folha queimada de sol brilhavam com uma claridade cristalina. A dor em seu corpo regrediu para um incômodo. Varzil espreguiçou-se na sela e ergueu as rédeas. O cavalo, sentindo a nova energia em


seu montador, apertou o passo. Quando Dom Felix disse, - O que eu lhe disse? - Varzil apenas acenou. Eles viajaram no que restava da manhã. Nos dois lados, plantações e arados traçavam desenhos através dos campos. Enquanto descansavam no calor do meio-dia, uma brisa soprou, carregada com o aroma antiquado e adocicado de Orain. Insetos zumbiam e estalavam. Os cavalos puxavam seus freios para manterem-se à margem da estrada. O calor suavizou a tensão nos músculos de Varzil e ele viu-se balançando na sela. Seu pai não sentava mais tão reto, mas não haveria pausa para um cochilo. Então ele se endireitou, soltou seus pés dos estribos, e deixou seus pensamentos vaguearem. Finas nuvens se espalhavam pelo céu, deixando-o quase branco. A luz caia diretamente sobre eles. Uns poucos arbustos e pequenas árvores próximos à estrada forneciam um pouco de sombra recortada, quase tão quente quanto a estrada. Os cavalos há muito já haviam passado do passo rápido para o mais lento e depois para um ainda mais pesado. Suor escorria de seus pescoços e flancos. Dom Felix ordenou uma parada no meio da tarde em um pequeno córrego que serpenteava próximo a estrada. Os cavalos enfiaram seus focinhos sob a superfície ondulante. Os homens desmontaram, mataram sua sede mais acima, e lavaram suas mãos e rostos. Dom Felix ficou sentado impassível em seu cavalo, embora aceitasse um copo. Sua face estava pálida da cor de giz e os músculos de seu maxilar salientes de tanto cerrar os dentes. Varzil andou até onde o parente de seu pai, Black Eiric, estava ajudando Gwilliam a checar os cobertores de sela, a procura de saliências ou dobras. Eiric Ridenow não era aquele de mesmo nome que acabara de se tornar Lorde Serrais, mas de uma linhagem bem mais inferior e era chamado assim porque havia nascido com a cabeça forrada de cabelo escuro. O cabelo desde então se tornara um profundo castanho-avermelhado, mas o apelido de infância continuou. Agora ele era um homem robusto entrando na meia-idade, extremamente competente, atuando com freqüência na capacidade de ajudante de ordens de Dom Felix. - Meu pai não parece bem, - Varzil disse em uma voz baixa. - Ele não me ouvirá, mas acho que precisa descansar. - Sim, é verdade, - Eiric replicou em seu sotaque do campo. - Percebi isso. Se ele não acampar aqui por sua própria saúde, então o fará pelo bem dos cavalos. Não posso me lembrar de um dia de outono assim tão quente. Varzil agradeceu e observou enquanto o outro homem andava em direção ao cavalo de Dom Felix. Como se sondando um antigo ferimento, procurou Arilinn em seus pensamentos, mas não sentiu nada além da vaga cintilação... metade música, metade luz... do Véu. Ele se perguntou se aquilo sempre estaria em sua memória. Quanto tempo ficou ali, ouvindo com aquele sentimento interior, não teria podido saber, antes de voltar à consciência com um leve tremor sob seus pés. Primeiro, sentiu com sua


mente, como um leve contato com o Véu. Depois de alguns momentos, contudo, ele percebeu que era uma vibração física. Aquilo ficou mais forte e mais alto. Sons de cascos... Varzil visualizou a poeira subindo, rapidamente se aproximando. Avistou um cavalo galopante, embora não pudesse reconhecer o cavaleiro. Uma sensação de urgência soou atrás de sua mente como um sino, um toque quase familiar... Carlo. O jovem de cabelos flamejantes de Arilinn. Eles esperaram enquanto o cavaleiro se aproximava. Espuma amarela escorria do pescoço e flancos do cavalo, seguindo a correia peitoral, mas ele se movia tão forte e fresco como se tivesse acabado de deixar os estábulos. Varzil conhecia cavalos. Este devia ter uma resistência excepcional. Certamente era um dos lendários garanhões negros criados nas propriedades dos Alton em Armida. - Aldones seja louvado! Achei vocês! - Carlo fez o animal parar bem diante de Dom Felix. O cavalo negro puxou o arreio, pisoteando. Todos os outros o cercaram. Ele vestia uma túnica leve de verão aberta no pescoço, e nenhum manto, mas os cobertores da sela eram azuis, bordados com o emblema do pinheiro dourado de Hastur. Carlo certamente devia vir de uma família influente para ser capaz de pegar emprestada tal montaria. Carlo soltou seus pés dos estribos e pulou levemente para o chão. Pela sua expressão, Dom Feliz não estava feliz em vê-lo. - Venha, senhor, vamos falar em particular, - Carlo disse com uma breve, mas impecavelmente educada reverência. - Trago notícias de Arilinn. O que aqueles Hali-imyn têm a dizer que tenha algum possível interesse a mim? Foi o pensamento grosseiro de Dom Felix. - Senhor, é sua posição e não minha decidir o que dirá ao seu povo, - Carlo disse. Se havia pegado o pensamento raivoso de Dom Felix, não havia nenhum sinal. Sua expressão continuava tão respeitosa quanto antes, seus olhos cinza firmes. O velho franziu o cenho, mas desmontou rapidamente e gesticulou para que Carlo o seguisse. - E você, também, - disse para Varzil, - pois isto sem dúvida tem a ver com algum problema que você arrumou. Carlo estendeu as rédeas do cavalo negro a Gwilliam, pedindo que ele andasse com o animal antes de lhe dar água. Eles se afastaram um pouco acima do rio. Ali, árvores pendiam sobre a água para tocar com os dedos de folhas no córrego. Um aroma frio e doce surgiu das margens, misturado com o cheiro de lama remexida e de pedras molhadas pelo rio. Carlo aproximou-se de Dom Felix, baixando a voz. Varzil sentiu tanto quanto ouviu suas palavras perfeitamente enunciadas. - Uma mensagem chegou à Torre Arilinn de uma leronis em Serrais logo depois de sua partida. - Serrais? - Dom Felix repetiu o nome da sede dos Ridenow. - Há problemas em Serrais. Não. Não em Serrais. Varzil soube sem perguntar. Carlo balançou a cabeça. - De sua própria casa... Água Doce, assim que se chama? Três dias atrás, homens-gato atacaram os pastos de ovelhas. Alguns foram mortos e outros fugiram. Um grupo de


homens liderados por seu filho mais velho estava perto o bastante para correr em socorro dos pastores. Houve uma luta. O terreno era muito ruim... Uma imagem surgiu através da mente de Varzil, embora não pudesse distinguir sua origem. Ele viu a encosta escarpada, as pedras pontilhando o gramado açoitado pelo vento tão claramente como se estivesse lá. Dois homens em vestes e calças de lã de pastores estavam agachados próximos ao topo da colina, um deles segurando o braço. Algo molhado escorria através de seus dedos. A luz vermelha do sol poente se refletia nas espadas erguidas… lâminas retas de homens ainda ansiosos pela chance de usar suas armas... lâminas curvas menores nas mãos das ágeis criaturas peludas. Os homens-gato lutavam para acobertar sua retirada enquanto empurravam uma dúzia de aterrorizadas ovelhas ao longo da fenda. Um homem com uma barba negra tropeçou quando a rocha rolou sob seus pés. Um homem-gato correu até ele, espada curva em movimento. O homem virou-se um instante antes que a lâmina abrisse seu abdômen. Enquanto o homem-gato recuperava seu próprio equilíbrio, um segundo homem jogou-se ao lado do primeiro. Sua aproximação tirou-o do alcance da espada do homem-gato. Invertendo sua lâmina com uma velocidade inumana, o felino atacou novamente. A ponta rasgou a coxa do homem. Varzil sentiu o grito do homem como um calafrio em sua própria pele. Com seu suspiro seguinte, sentiu o gosto cobre de sangue. Em um instante, os homens-gato vieram fervilhando novamente. Eles se moviam através das sombras com uma graça mortal. Talvez farejassem uma inesperada vitória. O terror agora mascarava as imagens. Varzil não mais conseguia ver a encosta claramente, mas ainda sentia cada golpe, cada investida, cada respiração. O aroma almiscarado dos homens-gato o envolvia. Adrenalina pairava amarga no ar gélido da noite. Varzil estremeceu, voltando a si. Apenas um instante se passara, apenas uma frase ou duas de conversação. Ainda as imagens queimavam dentro dele, tão vívidas como se estivesse naquela encosta sob o sol poente enquanto Carlo terminava seu relato, olhando para Varzil com uma expressão curiosa e penetrante. - E os outros dois homens? - Dom Felix perguntou em uma voz áspera. Varzil nunca vira tanto medo em seu pai. - Depois que a batalha acabou e os homens-gato fugiram, dois pastores trouxeram os corpos dos homens assassinados de volta a Água-Doce. Seu filho e o outro homem não estavam mais com eles. - Os homens-gato os levaram? - Felix perguntou, incrédulo. - Talvez, ou fugiram e ainda estão vivos, feridos em algum esconderijo. - Carlo disse. - A leronis de sua propriedade não pôde alcançar a mente de seu filho, nem de seus parentes em Serrais. - Devo voltar logo de uma vez! - Felix berrou, voltando em direção aos cavalos. Então parou, com a enorme distância impressa em sua face. Não restara nenhum cavalo em pé, nem mesmo o magnífico negro que Carlo montava tão bem, que cobria vários quilômetros em menos de dez dias. Neste momento, Harald podia estar morto ou, na melhor das hipóteses, com a trilha já encoberta.


Varzil pegou um lampejo de emoção de Carlo. O jovem de cabelo vermelho inclinou-se novamente para Dom Felix. - Se não se importar em voltar para Arilinn comigo, - Carlo disse, - um carro-aéreo será colocado à sua disposição. Com sorte e um céu claro, pode chegar a Água-Doce nesta mesma noite. Varzil prendeu o fôlego à generosidade da oferta. Carros-aéreos impulsionados por laran eram extremamente caros de ter e operar, um luxo restrito a reis e aos mais abastados. Carros-aéreos dependiam da tecnologia desenvolvida na Era do Caos, muitas delas já perdidas. Mesmo agora, poucos eram usados senão em batalha e a maioria se quebravam. Auster teria usado sua influência como Guardião para conseguir um... e por que ele ajudaria alguém que mal conhece? - Quem arranjou isso? - Dom Felix disse de cara fechada. - E quanto irá me custar? - O proprietário deseja permanecer anônimo, por razões que você certamente deve compreender, - Carlo disse. - E não há nenhum preço. Apenas um conselho. Há espaço para três passageiros. Você não teria melhor escolha do que seu filho mais novo. - Varzil? - Ele não é nenhum rastreador, nem tem nenhuma grande habilidade com uma espada. E se uma leronis treinada não pôde alcançar Harald com sua mente, o que esse pivete pode fazer? Dom Felix fez um resmungo com a garganta. Ele claramente não queria recusar uma oferta tão generosa ou ganhar um inimigo tão poderoso com uma recusa mal-educada. Varzil quase ouviu os pensamentos na mente de seu pai. O importante era alcançar Água Doce o mais cedo possível, avaliar a situação, e agir rapidamente. Se isso significava arrastar consigo seu inútil filho mais novo, esse seria um pequeno preço a pagar. Eles voltaram a Arilinn em uma velocidade um pouco mais rápida. Mesmo o cavalo negro de Carlo apertara seu passo como se estivesse na direção dos estábulos que conhecia. Dom Felix ia na frente com Black Eiric, dando ordens para a volta do resto da caravana. Carlo emparelhou seu cavalo com o de Varzil. Eles cavalgavam próximos à retaguarda da caravana Ridenow, longe o bastante do pai de Varzil, não podendo assim ser facilmente ouvidos. - Quando estava contando ao seu pai as notícias das transmissões, - Carlo disse, pausando vagamente antes das próximas palavras, - o que você... viu? Varzil sobressaltou-se, rapidamente disfarçando o lapso ajustando as rédeas. Então se lembrou que Carlo treinara em uma Torre, por isso devia ter sentido algo. Não acreditava que Carlo fosse um inimigo. - Eu... foi como seu eu estivesse lá, observando a batalha. Vi dois homens caindo, os homens-gato com suas espadas curvas. Vi a colina, as rochas... - O sangue. Os olhos cinza de Carlo se abriram. - Não sou um telepata tão forte para que você captasse aquilo da minha mente. Varzil olhou para suas mãos, as rédeas macias e sujas pelo uso. Os cavalos continuavam, ferraduras batendo contra pequenas rochas na estrada. Estribos de couro rangiam. - Eu não sou um telepata tão forte... - as palavras de Carlo pairaram no silêncio. - Seu pai deve permitir que volte a Arilinn, - Carlo disse com o mesmo tom de comando que usara ao sugerir que Dom Felix levasse Varzil no carro-aéreo. Varzil estremeceu.


- Vejo pouca chance quanto a isso. Mesmo sem os aspectos políticos, meu pai acredita que tenho muito pouco talento. Arilinn não me aceitaria, dando ele sua benção ou não. Irei para Água-Doce em seu carro-aéreo se essa é sua vontade, e farei o que puder para encontrar meu irmão, mas não espero nada mais com isso. - Como pode desistir tão facilmente? - Carlos respondeu com fervor. - Acampar a noite inteira aos portões de Arilinn foi algum tipo de brincadeira? Se for, você possui uma incrível habilidade para fingir. Realmente domina a arte da dissimulação, para tentar convencer a mim... a nós... que realmente desejava a admissão. Ocorre-me que desejo seria uma palavra muito branda. Irritado, Varzil replicou, - Eu não fingi nada. Eu... - Eu ainda quero isso mais do que tudo, mas para que ficar me atormentando? Ele continuou em uma voz mais controlada, - Não posso desafiar meu pai, especialmente com meu irmão mais velho desaparecido. Perder nós dois o mataria. E também não creio que Arilinn aceitaria um homem que rejeitasse tão facilmente seu dever e honra. Carlo franziu suas belas feições, como se uma nuvem tivesse passado diante do sol. Ele não disse mais nada sobre o assunto. Eles não passaram do campo nos arredores da cidade, onde um carro-aéreo os aguardava. Varzil nunca vira antes um tão de perto. Tinha o formato de uma lágrima alongada, feito de um material de vidro que era claro em algumas áreas e turvo ou completamente opaco em outras. Uma porta articulada estava aberta revelando um compartimento estreito. Grupos de instrumentos da mesma substância, alguns customizados com listras de metal polido, revestiam o nariz da aeronave. Havia um assento de frente aos controles, outro ao seu lado e mais dois na cabine estendida. Atrás dos assentos havia um compartimento para armazenamento. Um homem em uniforme azul e prata estava ao lado do carro-aéreo. Com ar de alguém certo de sua competência, ele indicou onde a bagagem deveria ser colocada e depois mandou amarrá-las com tiras. Depois ele ajudou Dom Felix a sentar-se no assento de passageiro dianteiro. Carlo puxou Varzil para o lado. - O que quer que aconteça, você deve convencer seu pai a deixar você voltar. Então, antes que Varzil pudesse formular uma objeção, estava sendo impulsionado para dentro do carro-aéreo, para sentar-se ao lado de Black Eiric. Dentro de uns poucos minutos, eles levantaram vôo.


CAPÍTULO 05

Varzil nunca viajara de carro-aéreo antes, e achou a experiência inquietante. Lorde Serrais possuía um, e Varzil avistara outro enquanto este pairava sobre Arilinn antes da reunião do Conselho. Ele admirou sua graça silenciosa, a habilidade e astúcia em seu modo de voar. Sentou-se atrás do piloto, observando os dedos do homem nos controles ou fazendo gestos ocultos. Da cabine do veículo, baterias de laran emanavam uma corrente de energia para a propulsão e manejo de mecanismos. O contato de Varzil com os telepatas da Torre o havia aberto para novas e perturbadoras sensações. Ele sentiu a força armazenada como um predador acorrentado, rosnando e espreitando. Mesmo durante a alegria da decolagem, ele sentiu o quão facilmente tanto poder podia transformar-se em outros propósitos mais mortais. Como tantas outras coisas, laran podia curar ou matar, servir ou destruir. O piloto olhou sobre o ombro para Varzil. - Não há nada a temer. Não é mágica, mas uma técnica que qualquer um com habilidade e treinamento pode manejar. - Qualquer um com a riqueza para manter algo assim, - Dom Felix resmungou. - Sim, eles são caros, mas isso é porque há muito poucos com o Dom e a disciplina para operá-los, - o piloto replicou. Ele falou bem educadamente, mas sem a deferência normalmente devida de um servo para um lorde, por menor que seja sua posição. Ele não é um servo, Varzil pensou. Ele é um laranzu por si só. - Qual é seu nome, piloto? - ele perguntou. - Jerônimo Lanart, - veio a resposta sem a adição de “m‘lorde” ou “vai dom”. Varzil captou parte do pensamento do homem. Lorde Carolin deve ter achado importante levar rapidamente esses dois para casa ou nunca teria mandado seu próprio carro-aéreo trazê-los. Lorde Carolin? O herdeiro do trono de Hastur? Ele estava em Arilinn para a sessão do Conselho? Uma súbita rajada de vento os tirou de curso, e o piloto abaixou seu painel de instrumentos novamente. Varzil ergueu-se em seu assento, procurando por uma vista melhor. Logo que voltaram à rota, ele perguntou sobre os controles. - Alguns têm ligações mecânicas. - Jerônimo explicou as alavancas mais simples. - Outros requerem pensamento impulsor. Os sistemas de manejo são feitos para padrões específicos de laran. Usamos gestos padronizados por uniformidade. Aqui... - Ele estendeu uma mão e moveu seus dedos de uma posição vagarosamente para outra e depois uma terceira. Tente você. Os gestos eram bem fáceis de imitar. - Agora, siga meus movimentos assim... Uma imagem apareceu na mente de Varzil, um falcão estendendo suas asas no ar. Varzil emitiu o pensamento adiante com um gesto do dedo. O movimento moldou a energia de sua mente para mover os guias de matriz dentro do carro-aéreo. Uma onda de força em resposta ergueu as curtas asas da aeronave. - Viu, - o piloto disse, - não é tão misterioso. Você pode aprender a fazê-lo.


- Não falaremos mais sobre isso, - Dom Felix disse, inquieto, - ou mais nenhuma distração inútil. Suas instruções são para levar-nos até Água-Doce o mais rápido possível, e não temos tempo para perder. - Como desejar, contudo já estamos na melhor velocidade possível, portanto não há nada a perder com uma simples demonstração, - Jerônimo respondeu. - Em minha experiência, aprender nunca é uma perda de tempo. - Mesmo assim, ele refreou qualquer comentário adicional. No silêncio do vôo restante, Varzil tentou imaginar o que teria acontecido com seu irmão Harald. Eles não eram especialmente próximos, pois eram separados em idade pelos gêmeos, Ann’dra e Silvie, que pereceram na adolescência devido à doença do limiar, e por Joenna. Uma terceira irmã, Dyannis, ainda era uma criança. Varzil tinha oito quando os gêmeos morreram, bem na época em que ouvira pela primeira vez o canto dos Ya-men nas colinas. Joenna agora estava prometida para o filho de um rico lorde de Alardyn, e muito mais interessada em seu casamento próximo do que em qualquer coisa envolvida com laran. De todos os seus irmãos, Varzil sentia-se mais próximo de Dyannis. Seu próprio Dom ainda não havia aparecido, mas ele nunca duvidara que ela tivesse um, pois sempre parecia saber o que ele estava pensando antes mesmo de falar. Harald era honesto, desdizendo os ancestrais dos Ridenow que eram habitantes das Cidades Secas. Como muitos em sua família, ele tinha talento para trabalhar com rebanhos. Em sua memória, Varzil viu seu irmão, cabelo dourado amarrado com uma tira de couro, sentado nas costas de um potro arisco, controlando o animal trêmulo, acalmando seus medos com a mente tanto quanto com palavras. Era um grande homem, de ombros fortes, com mãos gentis, uma face avermelhada pelo sol, uma risada matreira... Escuridão. Uma linha de fogo na altura de suas costelas, rapidamente sendo cobertas pelo sangue. Dor penetrando fundo em seu ombro. Sede. Adrenalina como cinzas de cobre em sua boca. O cabo da espada firme em sua mão. Luz surgindo da fenda acima. O aroma almíscar de gato. Uma voz, rouca e urgente... - Eles nos viram, m’lorde? Com um solavanco, o carro-aéreo tocou o chão. Varzil piscou, olhando através do painel transparente. Seu estômago girava. A escuridão em sua visão cedeu para revelar os arredores familiares. Estavam a uma curta distância da casa principal em Água-Doce, no campo perto das estrebarias. Uma porção de homens correu para recebê-los. Dom Felix desceu desajeitadamente do carro-aéreo, pedindo aos berros por cavalos selados e tochas. Black Eiric pulou para o chão. - Vai dom, não está querendo cavalgar a noite! O sol já vai se por! Nem mesmo o melhor rastreador pode seguir uma trilha nessas colinas no escuro. Os homens-gato poderiam facilmente nos emboscar, também. - Meu filho, meu Harald, está lá fora! Eu devo ir! Varzil sentiu o desespero na voz de seu pai. O velho homem já estava pálido de exaustão mesmo antes de começarem a voltar a Arilinn. Havia descansado um pouco no carro-aéreo, mas apenas por que não tivera escolha, preso naquele espaço estreito. - Pai, ficará doente se continuar assim. - Varzil tocou o braço de seu pai. Antes que seu pai pudesse protestar, Varzil continuou. - O que você pode conseguir que Eiric e seus homens não? Pode ver no escuro? Pode rastrear melhor do que eles? O que será de Água-Doce se houver uma luta e você for ferido? - Seu moleque... - Acha que pode me dar ordens?


Embora seu pai tentasse se soltar, Varzil o segurou firme. Através das camadas das vestes de seu pai, ele sentiu um leve, profundo tremer nos ossos. - Você é lorde e mestre por aqui! - Varzil disse. - Toda essa propriedade depende de você, desde ordenar o trabalho do dia até falar por nós no Conselho Comyn. Não é um homem comum, que pode arriscar-se a seu bel prazer! - Arriscarei a mim mesmo como desejar! - Dom Felix gritou, - Como posso me sentar na minha própria lareira como um velho inútil? Meu filho está perdido naquelas colinas, talvez morrendo!Você tem outro filho, Varzil pensou, que está bem diante de ti agora. Mas não conseguiu formular as palavras. Eles se encararam, mal podendo ver as feições um do outro na semi-obscuridade. - Um Ridenow de seu próprio sangue deve ir atrás dele, - Dom Felix disse em uma voz grossa. Varzil saltou pela abertura. - Então me deixe ir! - Quando seu pai hesitou, ele insistiu. - Está sempre me instigando a tomar meu lugar aqui, a ser responsável... então me deixe! Dê-me o comando desses homens e deixe-me liderar o resgate. Juro que se Harald estiver vivo ou não, o trarei de volta para você! Ele sentiu a leve curvatura no corpo de seu pai, a onda de alívio rapidamente controlada. Ao menos se Varzil pudesse se tornar um filho para mim, um crédito para sua casa! Mas ele é um moleque fraco, e dado a sonhos lunáticos. Esses homens estão acostumados a líderes severos. Eu os comandei sob mão de ferro. Não seguirão um fraco. Havia apenas uma maneira de descobrir. Varzil soltou seu pai, dizendo para Eiric. - Leve meu pai de volta para casa e deixe-o sob os cuidados adequados, depois volte. Os outros, tragam os cavalos e tochas. Iremos para as colinas! - Vocês, - Felix disse, sua voz rouca pela emoção e fadiga, - ouviram as palavras de meu filho. Obedeçam-no como o fariam comigo. Varzil montou e rapidamente selecionou os homens que iriam com ele. Um dos pastores havia sido convocado para liderá-los nas colinas. Seu pequeno e forte chervine estava quase tão desgrenhado quanto seu mestre. O animal trotava ao longo do vestígio de uma trilha, tão confiante como se esta tivesse sido uma estrada maior ao meio-dia. Depois que estavam bem afastados das construções externas, Eiric conversou com Varzil enquanto cavalgavam lado a lado. Eiric segurava alto sua tocha, lançando uma luz bruxuleante sobre os poucos centímetros adiante da trilha e sobre a forma curva do casaco de lã branca do pastor. - Mestre Varzil, - Eiric disse, - isso é loucura, e, além disso, cruel ao dar esperanças ao velho. O pastor pode nos levar ao local, com toda a certeza. Dizem que podem ver no escuro tão bem quanto seus animais. Mas e depois? Não podemos seguir uma trilha do nada. Pelo que sabemos, esta busca não dará em nada e o jovem mestre já deve estar morto. Escuridão. Respiração pesada. O constante latejar de um ferimento piorando. - Ele ainda está vivo, - Varzil disse com uma certeza que o surpreendeu. Não podia ver no escuro antes e nem agora, mas ainda assim, outros e novos sentidos despertaram nele, acionados pelo intenso contato com o povo de Arilinn. Não tinha palavras para este conhecimento, apenas a absoluta certeza de sua verdade.


- Temos que encontrá-lo logo, - Varzil disse, meio que para si mesmo. - Ele está ferido, e os homens-gato ainda estão em sua trilha. Por enquanto, ele está seguro. - Agora, como você pode saber? - A voz de Eiric se elevou. Então ele ficou em silêncio e Varzil tocou seus pensamentos. No tempo em que era um rapazote, ele tinha o Dom. O velho lorde tentou encobri-lo, mas não se pode ignorar uma coisa assim para sempre. E ele esteve em Arilinn, aquele ninho de feitiçaria. Algo aconteceu com ele ali, isso está claro. Não dá pra saber se foi bom ou ruim. O tempo irá dizer. Mas se ele pode achar nosso jovem lorde e poupar o coração do velho, então tudo vale a pena. Eles continuaram mais devagar agora enquanto o terreno se elevava e tornava-se rochoso. O último raio de luz cor de ferrugem deixou o céu. Graças a Aldones, três das quatro luas brilhavam no céu noturno sem nuvens. O terreno se inclinava rapidamente. Rochas de granito brilhavam na luz multicor. Partículas iridescentes radiavam na rocha. Algumas eram grandes como cavalos, outras do tamanho de um pulso. Entre elas as sombras se tornavam cada vez mais escuras. Anos atrás, Varzil explorara a área quando devia estar procurando ovelhas perdidas ou inspecionando as fronteiras. As colinas eram crivadas de cavernas, lugares maravilhosos quando se procurava por lugares frescos durante os poucos dias quentes de verão. - Este é o lugar? - um dos homens atrás de Varzil perguntou. O pastor sussurrou algo. Seu chervine agitou os chifres ao bater dos sinos. - Vá para casa, - Varzil lhe disse. - Você fez um grande trabalho esta noite. Com outro murmúrio e um puxão em sua franja, o homem levou sua montaria e desapareceu. Varzil empurrou seu cavalo adiante, deixando o animal tomar seu caminho através das rochas amontoadas. Eiric andou a um passo atrás com a tocha erguida. Sua luz tremeluzia sobre os arbustos silenciosos. O emaranhado de sombras abaixo revelou formas, o corpo de dois homens, um caído sobre o outro. Próximo deles se espalhavam três ou quatro homens-gatos mortos. Varzil desceu de seu cavalo e aproximou-se dos dois homens caídos. Ajoelhando-se diante deles, estremeceu com a sensação de vazio, a ausência interna da centelha de vida. Não era a imobilidade de seus membros ou o silêncio de seus corações que o tocaram. Em tudo ao seu redor, ele sentia energia... o arbusto crescendo pacientemente, as partículas brilhantes dos insetos, o farfalhar dos coelhos-de-chifres em suas tocas, o planar distante de uma coruja. Ele havia visto a morte antes, em animais e em homens. Esteve presente quando seu avô deu seu último suspiro. O terror daquele misterioso momento ainda assombrava seus sonhos. Mas isto, isto era algo diferente. Ele sentia algo estranho, como um ferimento ainda sangrando. Não havia nada daquela paz na passagem de seu avô. Enquanto se aproximava com aquele laran recém-despertado, ele pôde quase sentir os momentos finais das vidas daqueles homens. Algo neles ainda se prolongava, uma porta entre vida e morte se mantinha entreaberta pelo choque de sua partida. Sim, agora que prestou mais atenção, viu que aquele vazio era um corte mal-curado. Cinza borrou sua visão. Com esforço, desviou-se da onda sedutora para seguir aonde aqueles homens tinham ido. Não carregava armas, nem as espadas retas dos homens ou as lâminas curvas de seus atacantes felinos. Metal era muito precioso para ser abandonado casualmente. Apenas


esperou que não encontrasse uma das próprias espadas de seu pai virada contra ele. Eiric desmontou e traçou um grande círculo, estudando o chão. - Ah, está tudo muito remexido ou cheio de trilhas para todos os lados. Homens-gato não deixam muitas pegadas com aquelas suas patas macias. Precisaria de um milagre de Aldones para encontrar um sinal de sua passagem. - Ou a sorte amaldiçoada de Zandru, - um dos outros murmurou. - É, também, - Eiric concordou. Ele apontou para o norte, onde a encosta encontrava-se com outra em uma descida estreita. - Meu palpite é que os homens-gato estão entocados lá em cima. Aqui há cavernas por todo o lado. Tropeçando sobre pedras ou corpo peludos caídos, descendo a colina rapidamente, parando para atacar e desviar. A imagem de lábios finos sobre os caninos, um grito sibilante de dor. Correndo, correndo mais. As cavernas nossa única esperança... Varzil gesticulou para o norte. - Harald está ali. Eiric concordou. O movimento lançava sombras espectrais sobre suas feições cravadas. - Sim, se ele teve a chance de correr para a segurança, é para lá que ele foi. Ele veio até aqui no Solstício de Verão, uma vez que o jovem mestre Ann‘dra os seguiram, não se lembra? Varzil lembrou-se de ouvir essa história, embora na ocasião fosse muito jovem para juntar-se às escapadas de seus irmãos mais velhos. Ele permaneceu parado e tentou focar seus pensamentos. Se de algum modo pudesse fazer com que Harald soubesse que ele estava ali e que a ajuda estava à caminho... Momentos passaram, mas não houve resposta, nem mesmo outro ligeiro contato. Eiric falou com ele novamente, rompendo seu devaneio, e eles desceram a encosta. De vez em quanto, Varzil parava para procurar com sua mente. Nenhuma impressão chegou até ele. Tendo uma vez tocado a mente de seu irmão, ele tinha certeza que saberia se Harald não estivesse mais vivo. Podia haver outras explicações para a ausência de contato. Talvez Harald estivesse inconsciente ou muito perdido no delírio da infecção para ter algum pensamento coerente. De qualquer modo, o tempo estava correndo. Os cavalos tropeçavam no terreno cada vez mais rochoso. A montaria de Eiric pisou em uma pedra solta e caiu de joelhos. Quando se levantou, o animal estava sangrando, mas não mancava. Um dos outros homens cedeu a Eiric sua própria montaria. Depois disso, eles continuaram a pé, puxando seus cavalos. Moviam-se mais vagarosamente, mantendo-se juntos. A esta distância das colinas marcadas por cavernas, com homens-gato espreitando por todos os lados, sua maior proteção era seu número. O tempo correu enquanto as luas moviam-se no céu. Idriel se pôs. A noite tornou-se mais escura e depois mais clara, um tom leitoso ao longo do horizonte ao leste. Tochas ficaram mais fracas. Quando se apagaram, Eiric não ordenou que acendessem outras. Varzil estremeceu como se gelo furasse o tutano de seus ossos. Esfregou seus braços com as mãos, irritando a pele. Exalando, ele esperou ver sua respiração como névoa congelada. Frio... tremor... Uma voz que conhecia, mãos em seus ombros, o cabo da espada tremendo entre suas mãos... - Silêncio, m‘lorde, ou eles nos ouvirão! O gelo não estava dentro dele afinal, mas no corpo febril de seu irmão. Varzil tinha que alcançá-lo... mas como? Ele nunca fora ensinado a usar sua pedra-da-estrela para aumentar


um contato telepático, mas sabia que era possível. Ele retirou a pedra azul de onde estava presa, envolta em seda impermeável, em uma corda ao redor de seu pescoço, e focou. O fogo azul, que tinha aumentado seu brilho na Torre Arilinn, preencheu sua visão. Ele a aspirou através de seus olhos, através de sua respiração. Harald! Pode me ouvir? Uma agitação. Não, não pode ser! É a febre que está colocando palavras em minha mente. Estou ouvindo vozes daqueles que amo, nada mais. - Mestre Varzil? - Eiric perguntou. Varzil pediu que fizesse silêncio. Conhecia vagamente os homens que olhavam para ele. Eles podiam ver sua face inexpressiva, sua postura de intensa atenção. O que ele ouve, que nenhum de nós consegue? Seus pensamentos, como insetos perturbadores, zuniam em seus ouvidos. Impaciente, ele estendeu as rédeas de seu cavalo para Eiric e, gesticulando para que os outros o seguissem, continuou em frente. Estiveram viajando nos vestígios de uma trilha, quase larga o bastante para que um cavalo os levasse. Ele a seguiu como um cão de caça seguindo seu olfato. Harald! Harald! Ah, é um sonho. Quem me chama na Escuridão, onde não posso ouvir? Armand se foi. Rezo para que os homens-gato não o encontrem. Sou eu, Varzil... onde você está? Não, Varzil está em Arilinn. Como ele pode me alcançar aqui? Fora espíritos! Não estou pronto para me entregar a vocês! A escuridão está girando. Vejo luzes… são homens-gato ou mais um daqueles vaga-lumes? Será que Aldones, Senhor da Luz, veio para me levar deste lugar? Harald! Ainda não, Ó Senhor, a terra cinzenta dos mortos não! Não posso abandonar meu pai assim... um pouco mais de tempo, lhe imploro, apenas um pouco mais... Harald! Onde você está? Por que, você sabe onde estou. Eu sei de tudo. Estou no lugar em que me colocou, na escuridão... E agora você me envia essas luzes dançantes. Ah, como são belas, como pedras preciosas. Já estou morto, para está-las vendo? Mas estou com tanto frio, tanto frio. Devo estar no inferno congelado de Zandru. Varzil tentou várias outras vezes, mas não conseguiu penetrar os delírios de seu irmão. Temia que a infecção do ferimento de Harald tivesse espalhado para seu cérebro. - Posso sentir seus pensamentos, - Varzil disse a Eiric, - mas ele pensa que eu sou... Não consegue dizer onde está. - O que faremos então? Você diz que ele ainda está vivo, mas mergulhado em um sonho febril. Se for assim, ele não pode se ajudar. Senhor da Luz, o que eu faço agora? Devia continuar e rezar para que algo mais o alcançasse. Talvez seus sentidos se aguçassem quando estivessem dentro das cavernas, onde a escuridão poderia ser de algum modo semelhante àquela que cercava Harald. Não sabia se alguma daquelas cavernas era favorita de Harald, mas havia uma onde ele próprio sempre se sentira seguro. Virando-se para o oeste, havia uma saliência mais larga, perfeita para piqueniques ao sol. Um túnel estreito dava para a face do penhasco, forçando


caçadores a entrarem um por vez. Harald teria escolhido um lugar defensível, se tivesse escolha. À luz do amanhecer, a entrada da caverna o enganava. Depois de várias tentativas, contudo, ele conseguiu localizá-la. Tinham que deixar os cavalos no fundo e subir a saliência a pé. Como era um garoto, subiu-a com facilidade. Um homem carregando uma espada, ou talvez ferido, teria mais dificuldade. Eiric parou para acender uma das tochas, apesar do risco de se fazer visível para quaisquer homens-gato que espreitassem. Insistiu em ir primeiro, pois se tivesse qualquer problema, disse a Varzil, seria sua espada que defenderia o jovem mestre. Devagar, eles atravessaram um a um o túnel estreito. As paredes cheiravam a umidade e a luz iluminava pequenos córregos de condensação. No espaço apertado, a respiração dos homens tornava-se sussurros. Eles seguiram adiante, os sons de seus passos abafados. Uma ou duas vezes, Varzil pensou ter visto marcas de uma bota se arrastando. Depois de uma curta distância, o túnel se abriu para o coração de uma montanha. A escuridão pressionava Varzil, engolindo o som de seu coração.


CAPÍTULO 06

Eles tinham percorrido apenas um curto caminho para dentro da montanha quando Black Eiric avistou sinais de grande esforço... pingos de sangue seco, marcas de botas na areia, rochas recentemente remexidas. O túnel dava para um caminho que continuava na mesma direção, e duas passagens laterais. Uma era um pouco mais do que uma fenda, mal dando para que um jovem esguio passasse de lado. Pedregulhos cobriam o chão da passagem principal, sem pegadas ou outros sinais de desordem. Os cabelos ao longo da nuca de Varzil se arrepiaram. Quando Eiric gesticulou que deviam continuar no caminho mais largo, seus pés travaram. Ele balançou a cabeça enquanto sua relutância interior crescia. Varzil não entendia sua própria reação. Fazia sentido pegar a passagem mais larga com aqueles vários homens, onde poderiam ter a chance de usar suas armas. Não podia pensar em nenhuma razão para que Harald, ferido e talvez extremamente apressado, escolhesse a rota mais estreita e tortuosa. Não disse nada em voz alta. Eiric perguntou se seu laran lhe havia dito qualquer coisa, mas ele não tinha nada a oferecer. - Então vamos continuar, - Eiric disse. - Olhos atentos agora, e estejam prontos para tudo. Eles se arrastaram, com Varzil na retaguarda. A tocha de Eiric lançava sombras ondulantes. A bota escorregadia sobre a areia grossa e o barulho do couro esbarrando ocasionalmente na parede provocava arrepios nos nervos de Varzil. Ele tencionou os ouvidos ao som de um felino, o lamento de um homem ferido; para o que mais, ele não sabia. Quando tentou alcançar com sua mente, notou apenas uma tensão, uma espiral de forças invisíveis que não sabia nomear. Nenhuma imagem veio de Harald ou de qualquer outra coisa. O coração de Varzil batia uma tatuagem irregular contra suas costelas. Sua garganta secou e suas palmas ficaram úmidas. Seu estômago embrulhou. Eles passaram por uma área secundária, uma parte escura, e depois outra área. O ar era pesado e úmido. - Cuidado agora, - o sussurro de Eiric ecoou assustador. - Estamos próximos a uma curva. Eles continuaram, ainda mais devagar. O túnel caiu para a direita e desapareceu. Varzil sentiu um aroma almíscar como de um gato da montanha. A tocha, que Eiric levantara acima de sua cabeça, de repente caiu no chão. Um uivo inumano se quebrou em um pandemônio de ecos. O túnel explodiu com ação frenética, vagamente iluminada à luz da tocha caída. Num momento, havia uma coluna de homens, movendo-se em unidade, no próximo, havia duas vezes mais corpos, alguns deles cobertos de pêlo cinza ou ocre, todos lutando, se esquivando, pulando. Uma espada, curta e curva, brilhou. Um homem gritou. Adrenalina e calor da batalha dominavam o ar. Varzil, de pé atrás dos outros homens, não podia ver claramente a luta, além da confusão. A tocha, chutada para o lado, duraria apenas alguns momentos. Não sabia o quanto os homens-gatos podiam ver na escuridão total, só sabia que ele não podia.


A luta surgia do outro lado do túnel. Encostado contra a parede, Varzil olhou para a tocha no chão. Sem pensar, ele tentou pegá-la. Seus dedos se curvaram ao redor da base, as tiras amarradas de madeira resinosa. À luz da chama, o rosto de um homem-gato apareceu. Seus olhos se encontraram, verdedourado com as pupilas estreitas dilatadas, logo voltando ao normal. Grandes orelhas curvas com tufos negros erguidas, depois se nivelando ao pescoço curto. Varzil sentiu um emaranhado de emoções... raiva... desespero... ódio, profundo e indizível. O homem-gato rodopiou indistinto... pêlo cinza cruzado por tiras de couro, garras, espada curva e curta, sangue escorrendo pela coxa musculosa. Outro grito atravessou o ar. Ao longo das paredes do túnel, sombras surgiam e sumiam. Um dos homens estava ferido, mãos apertavam as costelas de um lado. Sangue tão escuro que parecia negro fluía dos dedos do homem. Estava de costas para uma parede, pés apoiados e espada na mão livre. Enquanto Varzil observava, os joelhos do homem se dobraram e ele começou a afundar. - Depois deles! - Eiric gritou. O homem ferido levantou-se pesadamente. Eles desceram rapidamente pelo túnel. Varzil ergueu a tocha, correndo tão rápido quanto podia, e tentou manter o passo. O chão se inclinou e tornou-se rochoso. Uns poucos momentos depois, a luz ondulante da tocha tocou uma coisa peluda. Olhos vermelhos brilharam enquanto o não-humano olhava para trás. Alguém atrás de Varzil berrou... - Peguem eles! Em um instante, Eiric tinha o homem-gato ao alcance da espada. Ele golpeou, e o homemgato rolou, tremendo. Varzil, levado pelos homens atrás dele, passou correndo pelo homem-gato caído. O branco do pêlo de sua barriga brilhava na luz. Estava desarmado, a bainha de couro pendurada na faixa de seu ombro estava vazia. O aroma de sangue fresco invadiu o ar. Ele não tinha ideia da gravidade do ferimento da criatura, ou se ele acharia o caminho de volta para seu próprio povo se sobrevivesse. Eles continuaram, se arrastando sobre estranhas formações rochosas, tropeçando, erguendo-se novamente. O túnel virou de repente para a esquerda e depois começou a subir. Varzil lutou para continuar com a louca perseguição. Não conseguia tirar o cheiro do sangue do homem-gato de seus pulmões. Harald... Em um instante, ele sentiu a mente de seu irmão, muito perto agora. Podia ver os cruzamentos adiante, uma passagem tão estreita e restrita que dificilmente seria chamada de caverna. Era ali onde as duas passagens se uniam novamente. Gotas escuras escorriam pelo chão de areia grossa. Eiric correu para a abertura, espada em posição de ataque. Seu corpo bloqueava o que havia adiante, mas Varzil sentiu sua onda de assombro. Ele berrou para que os outros homens voltassem. Varzil ergueu a tocha. Sua luz preencheu o pequeno espaço. Harald... e um homem-gato ferido com as garras presas em seu cabelo, sua cabeça inclinada para trás em um ângulo horrendo, uma lâmina curva em sua garganta.


Acotovelando-se atrás deles, três homens-gato agarravam-se uns aos outros. Suas bocas abertas revelavam as presas afiadas como agulhas. Varzil não pôde ler suas expressões. Nenhum humano podia. Terror... terror e desespero, pulsavam indizíveis através de sua mente. Eiric deu um passo adiante, sua espada ainda erguida. O homem-gato reagiu instantaneamente, puxando a cabeça de Harald ainda mais para trás. A lâmina curva se afundava em sua pele, lançando um fio de sangue ao longo do pescoço exposto. Sua face escureceu. Ele tentou falar. O homem-gato o silenciou com um chiado de aviso e um aperto da lâmina. Estranhas noções surgiram sob as emoções do homem-gato, uma vaga sensação de código de honra que Varzil não podia entender. Uma coisa era clara. Os homens-gato estavam presos ali, sua fuga bloqueada. Eles dariam seu último passo... sobre o corpo sem vida de Harald. Varzil colocou uma mão no ombro de Eiric, bem gentilmente para não assustá-lo. - Abaixe sua espada. - Está louco, garoto? Como vamos impedi-los... - Eiric, abaixe sua espada. - Varzil falou com uma certeza calma e instintiva. Os olhos do homem mais velho brilharam enquanto baixava a ponta da lâmina. Varzil passou por Eiric, tateando ao longo da superfície áspera da rocha. Atrás dele, os outros homens murmuraram, meio em protesto, meio em pavor. ... ele sabe o que está fazendo?... ... correndo um risco terrível... matará Lorde Harald e metade de nós... ... nenhum de nós sairá daqui vivo... E uma única palavra que ecoava na mente de cada homem, Laranzu! Do homem-gato vinha uma pulsação de medo-ódio-fome e a dança contorcida das formas-pensamento. Elas cheiravam a um emaranhado de ferro, embora Varzil não soubesse como os homens-gato conheciam aquele precioso mineral. Darkover era pobre em metais, e a espada que o homem-gato ainda segurava na garganta de Harald vinha do comércio com os habitantes das Cidades Secas de Shainsa ou Ardcarran. - Talvez tudo que há na mente da criatura é tão precioso para ele quanto o ferro. Varzil aproximou-se devagar, mãos abaixadas e afastadas de seu corpo. Ele deliberadamente parou a uma distância que o homem-gato pudesse, com sua velocidade superior, soltar seu prisioneiro e golpear sua própria garganta se quisesse. Na fraca luz laranja, as pupilas se dilataram um pouco mais, embora o homem-gato não desce nenhum outro sinal de reconhecimento. Varzil havia se colocado em risco, e também dentro do alcance do homem-gato. Desejou que pudesse ler alguma expressão no corpo esbelto e musculoso, os olhos como os de um gato. Reprimiu um impulso de procurar por um contato físico, como se ele afundasse seus dedos no pêlo cinza, pudesse também ligarse com a mente da criatura. Seu avanço podia parecer uma tentativa de ataque para o homem-gato. Então não ousou arriscar. A imagem do contato dominou seus pensamentos. Em um instante, ele viu a mente do homem-gato como uma radiante gaiola metálica enfeitada com jóias e símbolos de um desenho incompreensível. Havia beleza e significado no desenho, mas sendo muito distante de sua experiência humana, ele não podia adivinhar o que era. Fome e medo... Isso ele conhecia.


Construiu uma cena em seus pensamentos, focando em cada elemento até que estivesse tão claro quanto uma pintura. A colina... grama verde, rochas, uns poucos arbustos, ervado-vento entrelaçada. Ovelhas... duas, não, quatro... lã cinza-claro pendurada em nós, pés estreitos encontrando tração nas rochas, focinhos mordiscando a grama nova, caudas curtas sacudindo. Os aromas misturados de esterco de ovelha e lã úmida. Um movimento... despertar-interesse-memória... Varzil visualizou um pastor, não qualquer pastor, mas um chamado Donny. O pastor ficava bem acima das ovelhas, o cajado apoiado no ombro, em seu casaco de lã, com a face queimada de sol e olhos alertas. Medo-ódio-fome. Apesar de não tão forte quanto antes, a resposta era inconfundível. Ovelha boa, homem mal. Varzil imaginou o pastor se levantando, subindo a colina devagar, se afastando do rebanho. Tentou tornar a imagem mental tão vívida quanto antes... a sombra sobre a pedra, a respiração mais difícil enquanto o pastor alcançava o topo e formava uma silhueta contra o radiante céu... as ovelhas pastando, imperturbáveis... a forma distante do pastor desaparecendo sobre a crista da colina. Agora Varzil visualizou um homem-gato agachado onde o pastor esteve sentado. Suas orelhas escuras erguidas em uma atitude que esperava ser amigável, de descanso. As ovelhas pastavam, desprotegidas. Na caverna, o homem-gato real estava imóvel. Varzil nem mesmo sentia sua respiração. O último lampejo de medo-ódio-fome se extinguiu como poeira baixando, para ser substituído por um sentimento de espera-alerta. O homem-gato na visão de Varzil se levantou. Movia-se rapidamente, embora tivesse tido pouca oportunidade de observar como se moviam quando calmos. Mas não havia sinal de hostilidade ou descrença do homem-gato real, apenas aquele espera-alerta. Cada vez mais perto, o homem-gato imaginário aproximou-se das ovelhas até parar a poucos passos do rebanho. Uma ovelha, uma fêmea bem gorda, olhou para cima e, com total ausência de interesse, andou em direção ao homem-gato até que o felino não-humano pudesse facilmente tocá-la. Espera-alerta explodiu para fome-despertar! O homem-gato imaginário estendeu suas garras afiadas para a ovelha. A ovelha placidamente aproximou-se e permitiu-se ser apanhada e colocada sobre os ombros do


homem-gato, como Varzil havia visto pastores fazerem com animais feridos ou cordeiros muito jovens para andar sobre pastos ainda congelados na primavera. Fome-despertar! Descrença... Fome! Esperança-esperança-esperança! Varzil ergueu uma mão, palma para frente e dedos abertos para mostrar que não carregava nenhuma arma. O homem-gato na caverna prendeu sua atenção no gesto. Seus três companheiros também prestaram atenção. Pareciam estar esperando por algum sinal, embora não fizessem qualquer menção de pegar suas armas. Varzil ouviu a respiração forte dos homens atrás dele, o farfalhar de tecido sobre couro. A onda de tensão na resposta dos homens-gato atingiu-o como um golpe físico. Ele rezou para que Eiric tivesse bastante controle sobre seus homens para mantê-los em alerta. Se ele mudasse seu próprio foco, o contato se quebraria. Rezando para quaisquer deuses que o ouvissem, Varzil fechou os olhos e concentrou-se na imagem da caverna, como a vira há um momento atrás. Em sua mente, o homem-gato ainda segurava sua espada curva contra Harald, sangue escuro escorrendo pelo pescoço de seu irmão, os outros não-humanos em posição de ataque à luz tremeluzente da tocha. Agora Varzil imaginava o homem-gato baixando sua arma. Com o máximo de autoridade que pôde reunir, Varzil mudou para a imagem mental do homem-gato carregando a ovelha. A figura do não-humano diminuía de tamanho enquanto subia o vale. Varzil mostrou-o seguindo a mesma rota que aqueles mesmos homens-gato haviam usado para fugir. Projetou claramente desta vez, o vale estava vazio. Não haveria perseguição. Novamente, ele projetou a imagem do homem-gato largando sua espada e Harald se soltando, seguida imediatamente pela visão do homem-gato com a ovelha. Solte meu irmão, e poderá levar a ovelha que capturou. Não o impediremos. Embora duvidasse que o homem-gato pudesse entender suas palavras humanas, Varzil sentiu uma onda de certeza ao ouvi-las em sua própria mente. A última imagem que formou foi a da caverna e Harald saindo, livre. Enquanto os momentos se arrastavam, as linhas certas da imagem se turvaram como o reflexo em um lago sendo atingido por uma pedra. Na ondulação, percebeu formas distorcidas, um fundo de escuridão envolta por fogo. Homens-gato... sorrateiros, ocultos, seguindo tão rapidamente através das sombras como um falcão cortando o ar. Eles levavam ovelhas, cinzas e pesadas, penduradas sobre seus ombros.


No momento seguinte, a imagem sumiu. O Harald real apareceu, a espada não mais pressionada contra sua garganta. - Rapaz, - Eiric gritou para Harald, - velha logo pra cá. Varzil manteve-se firme enquanto Harald passava por ele e corria para os braços de seu povo. Os olhos de Varzil não deixaram os do homem-gato. No fundo de sua mente, sentiu novamente aquele gosto de ferro. O homem-gato esperava para ver se ele cumpriria sua promessa. Os homens de Eiric voltaram pelo túnel, apoiando Harald. Haviam levado a tocha; apenas um brilho instável iluminava a pequena caverna. Os olhos do homem-gato brilharam em vermelho e depois desapareceu. Varzil virou-se para seguir os homens, mas sabia que estava sozinho na caverna. Encontrou-se com eles depois de algumas voltas, pois Eiric havia ordenado que parassem para esperá-lo. Harald ainda andava sozinho, mas oscilava. Apesar da febre de seu ferimento, seus olhos escuros estavam bem. - O quê... o quê aconteceu? - Harald perguntou. - Um feiticeiro, seu irmão, - um dos homens disse. - Varzil? Varzil pegou um dos braços de Harald e Eiric pegou o outro. - Vamos sair daqui. Aquele bando não é mais problema nosso. - Agora sabemos onde se entocaram, ou suas proximidades, podemos ir atrás deles enquanto nos convir, - Eiric disse. - Não. - Varzil pronunciou calmamente a palavra, mas sentiu seu efeito sobre o homem. Não deve fazer isso. Fiz um acordo com eles. A ovelha e imunidade em troca de Harald. - Acordo? - Eiric disse, mas sua voz o traía. Estava pronto para acreditar em qualquer coisa, pois não havia outra explicação para o que havia testemunhado. - Eu... eu não vi acordo nenhum. - Dei-lhes a palavra de Ridenow, o mais próximo disso que aquelas criaturas pudessem entender. Você não desonrará esse juramento. Não falaram mais nada até saírem pela saliência e descerem a encosta ao sol pleno da manhã. Logo que alcançaram os cavalos, com comida e água nos alforjes, pararam para lavar e cuidar dos ferimentos de Harald. Varzil ajoelhou-se ao lado de Harald e pegou as mãos febris nas suas. Com um puxão, Harald pediu que ele se inclinasse para falar-lhe em particular. - No começo, pensei que você fosse apenas outro sonho, - Harald disse em um sussurro. Um delírio provocado por meu ferimento infeccionado. Mas você estava me chamando, não estava? E de algum modo tocou a mente daquele gato-monstro, próximo o bastante para fazê-lo recuar. - Ofereci-lhe a ovelha, livre e segura, se deixasse você ir. - Eles teriam a ovelha de qualquer maneira. - Harald tossiu, remexendo-se. - Teremos que ir logo. O Pai ficará desesperado. - Oh, ele já está, - Varzil replicou. - Como... como conseguiu fazer aquilo? Tivemos as mesmas lições e sei que nunca poderia me comunicar com aquela criatura. E ainda... você nunca esteve em uma Torre. - Não, mas gostaria.


Algo me aconteceu em Arilinn... um despertar, um novo começo... ou não seria capaz de fazer o que fiz aqui. Não, Arilinn se fora para ele, não importava o que Auster dissesse. Ele tinha feito sua escolha... ser o filho de seu pai. Os dedos de Varzil envolveram os de seu irmão, soltando-se apenas com o tremor reflexivo. - O Pai pensa... - as palavras vieram aos turbilhões, com toda a intensidade contida nas últimas horas, - ele pensa que não tenho laran o suficiente para merecer treinamento. - Ele interrompeu-se. Não iria implorar, não para seu pai, nem para ninguém do clã Ridenow. A testa de Harald se franziu, seus olhos escureceram. - Não tem laran o suficiente... suficiente apenas para fazer o que ninguém nunca fizera antes, forjar um acordo com um homem-gato! - Seu olhar tremeluziu para o de Varzil. - Eu não estaria vivo sem esse seu laran. Um Dom como este não pode ser desperdiçado. Arilinn será, mesmo que tenha que derrubar suas paredes sozinho. Falarei com meu Pai. Você terá sua chance. Quando a caravana de resgate entrava no pátio em Água-Doce, a febre de Harald já havia cedido. Ele desceu da sela, sua face branca de cansaço, mas recusou uma liteira improvisada. Varzil pensou que neste ponto ele era muito parecido com seu pai. Quando já estavam posicionados, um grupo de homens veio galopando para encontrá-los. Dom Felix vinha à frente. Varzil observou seu pai tomar seu filho mais velho e herdeiro nos braços, os olhos idosos avermelhados pelas lágrimas. Por um instante, desejou que seu pai o abraçasse com o mesmo amor escancarado. Ele sabia, com uma estranha nova certeza que crescera desde sua visita a Arilinn, que seu pai o amava, e aquele amor jazia sob sua resistência em mandar uma frágil e franzina criança para dentro de um antro de feitiçaria. Como o Guardião de Arilinn, ele temia o que pudesse acontecer à saúde de Varzil. Ao contrário de Varzil, que desejava coisas peculiares e estranhas, Harald era um filho descomplicado, seus desejos tão claros e diretos para Dom Felix como os dele próprio. Eles eram uma só mente; entendiam um ao outro. Dom Felix nunca poderia entender um temperamento como o de Varzil, e nenhuma quantidade de amor paterno poderiam resistir tal ausência de compreensão. Quando chegaram à casa principal em Água-Doce, Varzil foi ajudar a levar os cavalos. Acreditava totalmente que a febre de Harald o faria esquecer de sua promessa, e tinha pouca esperança de que seu irmão fosse capaz de convencer Lorde Felix. Portanto Varzil ficou um pouco surpreso quando, na manhã seguinte, seu pai o convocou para uma conversa em particular. O velho estava diante dele, faces coradas, mudando constantemente de um pé para o outro.


- Harald contou-me as circunstâncias de seu resgate. Disse que você negociou com os homens-gato pela sua soltura. Como foi capaz de fazer isso? Eles não falam nenhuma língua que os homens possam entender. Não importa se acreditará em mim ou não, mas falarei a verdade. - Fui capaz de alcançar seu líder com meus pensamentos. - Com laran? Varzil concordou. Com aquele mesmo laran que disse não valer o treinamento. Sem querer, ele projetou o pensamento. Dom Felix deu um suspiro e seus olhos, cansados pelas intensas emoções dos últimos dias, brilharam. - Eu... eu devo ter cometido um erro. Você era um sonhador, um jovem preguiçoso, mas sempre foi confiável. Se disser que se comunicou com o homem-gato através do laran, então foi isso mesmo que aconteceu. Um Dom assim não pode ser ignorado ou descartado. Você deve ter o treinamento adequado... se não em Arilinn, então em outro lugar. Varzil ergueu seu queixo, incapaz de falar. - Se desejar, meu filho, irá para Arilinn nesta mesma manhã, não apenas com minha benção, mas meu modesto pedido pela sua admissão. - Com a expressão de surpresa de Varzil, ele apressou-se em dizer, - Me enganei ao pensar que é menos do que realmente é, e irei ajeitar as coisas. Seu irmão está vivo por causa de seu Dom; mantê-lo aqui seria tão injusto quanto manter um dragão acorrentado para tostar meu assado. Varzil não conseguiu falar, apenas moveu-se para os braços estendidos de seu pai. Quando finalmente pôde se afastar e arrumar seus poucos pertences, o carro-aéreo já estava esperando para levá-lo de volta a Arilinn.


CAPÍTULO 07

Varzil parou sob os arcos que levavam à câmara central da Torre Arilinn. Era difícil acreditar que estava ali realmente para ficar. Mesmo enquanto o carro-aéreo levava-o de volta à cidade de Arilinn, ele ainda esperava algum desapontamento. Talvez o Guardião continuasse com sua primeira recusa ou seu pai o convocasse de volta sob algum pretexto. Mas nada do que temia aconteceu. O Guardião não pediu explicações sobre sua mudança de planos, apenas expressou sua alegria ao dar a Varzil um lugar como novato. Confuso pela rapidez dos eventos recentes e suas inesperadas mudanças, Varzil não fez perguntas. Estar ali era o suficiente, pertencer àquele lugar. Tapeçarias e mosaicos no chão brilhavam em tonalidades de pedras preciosas. Um fogo dançava na lareira, produzindo uma amigável luz laranja nas faces das pessoas sentadas em um semicírculo desigual em cadeiras e bancos acolchoados. Ele não imaginava que tantos vivessem e trabalhassem em Arilinn. Em um lado, uma jovem com cabelos tão vermelhos que rivalizavam com as chamas, segurava uma pequena harpa conhecida como rryl. Varzil não a conhecia, embora tenha sido apresentado ao homem que a acompanhava com o tambor de colo... Fidelis, que o levara para dentro da Torre naquela primeira manhã e que o ensinaria monitoramento. A mulher de meia-idade acompanhando-a através dos versos da balada em um obscuro dialeto cahuenga era Lunilla, a mãe da casa e mecânica de matriz. Ele a conhecera junto com vários outros durante sua primeira visita ali e ainda podia lembrar de como ela o tratara, do mesmo jeito controlador de sua tia Ysabet. Naquele instante, soube que ela o notara, embora continuasse firme com o próximo verso. Ela, e todos os outros na sala. O sentimento de estar preso em uma terra estranha se intensificou. Algo além da luz da lareira unia aquele povo um ao outro. Algo no ar... um zunido ao longo de seus nervos. Varzil? Fidelis virou-se para olhar diretamente para ele, um sorriso marcou os cantos de seus olhos. Tinha a mesma idade de Dom Felix, com apenas um traço de castanho em seu cabelo branco. Varzil pensou inquieto se devia responder em voz alta.


Está tudo bem. Queria apenas saber se me ouvia. Não lemos a mente um do outro casualmente ou sem permissão. Mas mesmo o burro de Durraman, cego como as colinas e duas vezes mais surdo, poderia perceber o quanto se sente embaraçado de pé aí sozinho. Venha e junte-se a nós. Varzil ergueu o queixo e entrou na sala. Era muito tímido para juntar-se a eles, pois sua voz, que não era muito boa, provavelmente soaria como o coaxar do sapo escondido nos bolsos infames de Fra’ Domenic. Hesitava em se juntar às pessoas mais velhas, não antes de descobrir as linhas de influência, quem havia se oposto à sua admissão e quem ficara ao seu lado. Então avistou Carlo e o outro jovem da sacada, sentados diante de um tabuleiro de jogo. O cabelo volumoso e flamejante de Carlo era inconfundível. Carlo gesticulou para que se aproximasse. - Joga castelos? Precisamos de um novo desafiante. Varzil baixou a cabeça. - Sim, costumava jogar com meu avô. Mas não quero interromper seu jogo. - Ah, este aqui já acabou mesmo. - Carlo indicou as peças espalhadas no tabuleiro. Enrolamos o jogo até a exaustão, como uma guerra ruim. Agora não resta mais nada além de golpear um ao outro até o mais amargo fim. Qual a diversão nisso? - Este é o sentido de todo o jogo, - disse o outro garoto, - perseverar até a vitória. Agora que vira o outro garoto bem de perto, Varzil notou o quão sério, quase austero, ele parecia. Diferente da maioria, seu cabelo era castanho em vez de vermelho, suas sobrancelhas negras arqueadas contra a pele pálida e imaculada. Suas feições eram finas, os profundos olhos azuis firmes, a boca pequena sobre um queixo pontiagudo. Mais ainda assim não havia delicadeza nele, e sim uma força implacável. - Prefiro pensar, - Carlo disse secamente, - que o sentido seja exercitar a mente. Sem mencionar o fato de ser um modo divertido de passar o tempo nas longas noites de inverno. Paciência obstinada não tem nada a ver com isso. Paciência... a mesma palavra que revelou-se na mente de Varzil enquanto se fortalecia para a longa espera do lado de fora da Torre Arilinn naquela primeira manhã congelante. - Acho que paciência tem tudo a ver com isso, - ele disse, claramente alarmando os outros. - Algumas vezes o tabuleiro está todo arrumado e cheio de possibilidades. Mas outras vezes, - ele copiou o gesto de Carlo, indicando o tabuleiro com suas peças restantes, - está deste jeito, e você só tem que continuar tentando. Este é o verdadeiro desafio, não é? Criar algo significante quando tudo parece perdido.


Eduin deu-lhe um olhar de surpresa, mas Carlo riu. - Você me lembra meu mestre cavalariço, que diz que o verdadeiro teste de um cavaleiro não é o que pode fazer em um cavalo arisco, pois qualquer pateta desajeitado pode parecer bom em um animal saltitante e ansioso para correr. Pegar um daqueles bem cansados do estábulo com uma boca dura como couro e trazê-lo à vida... isso requer verdadeira habilidade. - Ele está zombando da gente, Carlo, - Eduin disse, olhando para Varzil. - Você tem algumas razões para se opor, - Carlo replicou com bom humor. - Afinal, ele está tomando seu lado. Varzil não sabia o que havia feito para provocar Eduin, mas era óbvio que o garoto de cabelo escuro não gostava dele. Em outras circunstâncias, pediria desculpas, mas sentia que nada que dissesse acalmaria Eduin. Então ele afastou um pouco o terceiro banco do tabuleiro e sentou-se, murmurando, - Por favor, continue. Eduin virou-se, mas antes que Carlo pudesse comentar, um homem mais velho em um manto verde formal apareceu. Houve uma comoção geral enquanto a maioria dos outros largavam os livros ou os instrumentos musicais. Uma mulher escondeu sua costura em uma cesta e levantou-se. - Bem, isso decide tudo, - Eduin disse com uma tentativa óbvia de melhorar o humor. Vocês dois podem golpear-se um ao outro a noite toda. - Alguns de nós temos trabalho a fazer. Carlo deu de ombros e voltou para o tabuleiro. Em alguns minutos, apenas a garota de cabelo vermelho e outra mais jovem, com cachos louros puxados para trás em uma fita, e os dois garotos ficaram na sala. A garota de cabelo vermelho começou a cantar uma balada em uma voz baixa e doce. Varzil não podia entender todas as palavras, mas reconhecia a melodia. A canção contava a história da queda de Neskaya e Tramontana, como o povo de uma Torre foi forçado a fazer chover relâmpagos psíquicos sobre seus parentes da outra. Divididos entre amor e dever, irmãos jurados escolheram sacrificar-se a si mesmos em vez de cometer tal atrocidade. Era uma melodia estimulante, que fazia o sangue correr e os pés baterem de leve no chão. Carlo murmurava junto, seu corpo dançando inconscientemente. Finalmente, o último refrão acabou e as garotas foram para os seus aposentos.


Depois de terem ido, Varzil não podia dizer qual parte da canção o comovera. Ouvira-a muitas vezes em diferentes versões durante todos esses anos. E o desempenho da garota, apesar de bem prazeroso, não era especialmente tocante. Apenas sabia que o garoto ao seu lado sentira a mesma onda de emoção. Talvez, disse a si mesmo, fosse o fato de estar ali em Arilinn, um lugar parecido com as Torres da canção, entre pessoas parecidas com aqueles mesmos heróis, e sabendo que era um deles. Viria a valorizá-los tão ardentemente? Auster e Fidelis, até mesmo Lunilla, já tinham seu respeito e admiração. Com o tempo, Carlo também teria... mas Eduin? Varzil inspirou o ar e soltou-o com um suspiro. - Temo que já tenha feito um inimigo, - ele disse. - E não sei por que. - Está falando de Eduin? Estou feliz que não me considere um inimigo. - Carlos disse com um sorriso atraente. - Não se preocupe com ele. Verá que é legal quando o conhecer. É um pouco sério, eu acho. Está aqui há quatro anos e já está treinando com os níveis mais altos. Tem o direito de sentir-se um pouco superior àqueles de nós que não trabalham nos círculos. - Você não? - Ah, algumas vezes, quando o trabalho não é muito difícil. Faço tudo que me é permitido, mas todos sabem que não estou aqui para ficar. Pode-se dizer que é uma temporada, treinamento para o trono e não para a Torre. - O...? Quem... quem é você, Carlo? Carlo baixou a cabeça, mostrando pela primeira vez sua falta de confiança. - Pensei que sabia. - Olhos cheios de uma luz cinza encontraram os de Varzil. - Sou Carolin Hastur. Carolin Hastur. Hastur de Hastur, sobrinho e herdeiro de Rei Felix. A morte de Rafael II fez de Carolin o próximo líder da linhagem mais poderosa do Reino Hastur. Já haviam se passado dois séculos desde a Paz de Allan Hastur, que trouxera um fim ao longo e sangrento conflito entre Ridenow e Hastur. A guerra ainda era latente nos Cem Reinos, dividindo-se em uma dúzia de pequenos conflitos. Hastur e Ridenow ainda não se encontraram em lados opostos... ainda. No impulso, Varzil esticou seus dedos e colocou entre as mãos dobradas de Carolin. Não era bem um gesto de lealdade, e não se encaixaria em nenhuma questão. O que quer que aconteça, nós dois seremos como irmãos.


Devemos, veio o pensamento de Carolin. Então, em voz alta... - Não sei por que, mas você pertence a esta Torre, do mesmo modo que eu pertenço ao mundo, e para o bem do nosso mundo, devemos construir uma ponte entre nós. Como os bredini da canção. Embaraçado pelo próprio sentimento romântico, Varzil se afastou. Sem o contato físico, eles quebraram o contato. Algo permaneceu, como se realmente tivessem se jurado naquele breve momento. Todos trabalhavam em Arilinn, não apenas estudando e com o laran, no trabalho físico de manutenção da Torre. Lunilla era uma organizadora autoritária, portanto em uma semana após a chegada de Varzil, ele já fazia turnos esfregando potes, lavando o chão, descascando cebolas, levando lençóis para lavar na cidade, e outras tarefas. - Os kyrri são úteis à sua maneira, - ela disse, antecipando objeções que ouvira por uma centena de vezes, - mas não pensam como nós humanos. Aprendemos a nunca deixá-los próximos a um prato sujo ou uma cesta de maçãs. Em uma manhã congelante após um mês de sua chegada em Arilinn, Varzil saiu com Carolin, Eduin, Cerriana, e a jovem Valentina, a garota com os cachos, para apanhar maçãs. Um pequeno pomar da fruta verde, perfeita para tortas e caldas, tinha sido doado para a Torre por um grato comerciante cuja esposa e filho haviam sido salvos no parto pelos monitores da Torre. Era uma alegre caravana com Carolin montado em seu belo cavalo, Eduin em uma mula, e o resto trotando em emplumados pôneis de carga. Varzil teve que cruzar suas pernas sobre a nuca do animal devido às enormes cestas de vime. Ele balançava ao longo da estrada, seu traseiro ficando cada vez mais dolorido. No momento em que os jovens chegavam ao pomar, o sol já havia derretido o gelo, embora as sombras ainda brilhassem em branco. O pomar se localizava nas encostas mais baixas no oeste dos Picos Gêmeos. A maioria das árvores era velha, deformadas por décadas de descuido. Varzil percebeu que alguém com mais entusiasmo do que habilidade as havia podado. Pesados ramos se esticavam em um ritmo desequilibrado, dando às árvores a aparência de dançarinos em um alegre festejo de Solstício de Verão. Os ramos se inclinavam sobre as brilhantes frutas de cor esmeralda. Eles amarraram o cavalo e a mula, deixando os chervines pastarem. Eduin e Cerriana, que trabalharam naquele pomar em estações passadas, retiraram as escadas de madeira e aventais do pequeno abrigo. Em seu enorme avental de lona, Valentina parecia uma boneca vestida de marinheiro. Cerriana não gostava muito de altura, portanto ela e Valentina pegaram os galhos mais baixos, aqueles mais fáceis de serem alcançados. Eduin e Carolin começaram com a árvore


maior, uma das últimas do pomar. Em poucos minutos, dispensaram a escada, empoleirando-se nos ramos torcidos. Varzil posicionou sua escada com seu cuidado usual, estudando os galhos. Macieiras não eram flexíveis como outras árvores. Aqueles galhos, carregados como estavam, podiam quebrar ao mínimo vento. Enquanto subia, a árvore rachou sob seu peso. Ele começou a colher, jogando as maçãs nos bolsos de seu avental. O aroma da fruta preencheu sua cabeça, doce como tardes de verão. Ele mordeu uma. A casca era firme, a polpa viçosa, o sumo um turbilhão de azedume adocicado. Valentina, a mais nova, começou uma canção com sua suave voz de criança, e Cerriana a acompanhou. Eduin cantava em um tenor surpreendentemente bom, assim como Carolin. Varzil, sem voz para cantor, estava contente de simplesmente ouvir. Manteve seus olhos nas maçãs e sua mente a julgar quanto peso mais cada galho podia agüentar. Crack! Crash! ressoou através do pomar. Bang! Varzil agarrou-se no galho mais próximo enquanto a cadeira despencava sob ele. Envolveu suas pernas ao redor do galho, enquanto a árvore cedia sob seu peso. - Carlo! - Cerriana gritou. Varzil, pendurado onde estava, não podia ver exatamente o que tinha acontecido, Cerriana e Valentina correram para a outra árvore. Varzil escorregou até que conseguisse apoiar o pé no galho mais baixo e de lá, caiu no chão. Por algum milagre, conseguiu cair sobre os dois pés. Agora conseguia ver bem a árvore onde Eduin e Carolin estavam colhendo. Eduin ainda estava no topo de sua escada. Suas finas feições estavam tesas e pálidas, seus olhos azuis brilhavam com uma expressão indescritível. Um enorme galho havia quebrado e desabado no chão. Carolin estava imóvel sob a parte mais grossa do tronco.


CAPÍTULO 08

Cerriana jogou-se ao lado do corpo meio coberto de Carolin. Com uma mão, tocou sua mão estendida. - Ele está vivo. Ela era uma monitora, Varzil disse a si mesmo, e saberia isso com um toque. Ainda assim, seu coração acelerou enquanto se aproximava. Ele envolveu as mãos ao redor do galho grosso e estilhaçado e puxou. Era surpreendentemente pesado. Ele cambaleou com seu peso. Valentina puxou inutilmente uma das partes menores. Cerriana não tentou ajudar, mas foi por baixo, em direção à cabeça de Carolin. Com sua outra mão, Cerriana pegou sua pedra-da-estrela, uma lasca de um fogo azul facetado presa em cobre trabalhado em uma longa corrente entre seus seios. Ela brilhou com vida ao seu toque. Varzil quase pôde ver o brilho do laran envolvendo suas mãos enquanto trabalhava. Valentina fungou, mas manteve-se em silêncio. Seus olhos redondos com aquela seriedade focada que Varzil já associava ao trabalho de matriz. Ela seguia a mente de Cerriana. Varzil sentiu a concentração de Cerriana, a vibração de seu laran enquanto examinava Carolin. Mas Eduin... a mente de Eduin era um vazio. Varzil ergueu os olhos para ver o garoto mais velho descer, vagarosamente degrau por degrau. Varzil inspirou profundamente, preenchendo seu pulmão, como havia visto os homens da propriedade de seu pai fazerem quando precisavam reunir alguma força. Soltando a respiração rapidamente, ele fez força contra o galho e moveu-o com toda a sua força. Não para cima, contra o peso da densa madeira, mas para os lados, girando o tronco. Para sua surpresa, ele se moveu. - Vamos tirá-lo daí! - Cerriana voltou à consciência. - Não há nada quebrado... é seguro movê-lo. Ela agarrou um dos braços de Carolin e Valentina o outro. Juntas, conseguiram soltá-lo. Varzil soltou o tronco. Carolin estava imóvel, cabeça recostada, olhos fechados. As grossas pestanas curvadas sobre a face pálida. Um braço fora do lugar e o ombro extremamente inchado.


Varzil sentiu uma vaga presença. Carlo? Pode me ouvir? O silêncio veio em resposta. Quando Varzil ajoelhou-se ao lado de seu amigo, sentiu a aproximação de Eduin como um arrepio dos cabelos de sua nuca. - Ele... ele caiu, - Eduin disse. - Não havia nada que eu pudesse fazer. - Ele engoliu em seco. Através das barreiras de Eduin, Varzil pegou uma onda de intensa emoção, medo, preocupação e um estranho desespero, tudo borrado junto. Cerriana, mais uma vez em contato com o jovem inconsciente, não respondeu, mas Valentina piscou. - Não... - Varzil começou, querendo dizer, Não a distraia. - Não me diga o que fazer! - Eduin rosnou. Ele circulou o tronco para agachar-se ao lado de Cerriana. Não, surgiu através de Varzil. Ele engoliu a exclamação. O que havia de errado com ele? Eduin era amigo de Carolin, e tinha quatro anos de treinamento na Torre. No mesmo momento que Eduin esticou sua mão, os olhos de Carolin se abriram. Ele deu um profundo e pesado suspiro. Lamentando, ergueu uma mão na testa. - O que aconteceu...? - Quieto, - Cerriana disse. - Fique deitado enquanto o monitoro. - Não, eu estou bem. - Carolin ergueu a mão e tentou se sentar. A cor imediatamente sumiu de sua face. Ele caiu para trás. Varzil pegou as mãos de Carolin entre as suas. - Deixe Cerriana terminar seu trabalho. Levará apenas alguns minutos. Se sentar-se muito rápido, irá desmaiar e deixará Valentina chateada. Valentina estava sentada, observando em silêncio sem demonstrar a mínima angústia. A boca de Carolin torceu levemente no canto, mas ele não tentou mais se levantar. Cerriana continuou a examinar seu corpo. Eduin a imitava do outro lado. Observando a expressão séria de Eduin e o cuidado com o qual examinava o ombro de Carolin, Varzil sentiu vergonha de suas suspeitas. Tinha mantido aquele estúpido rancor contra Eduin pelo fato de ele ter sido tão rude naquela primeira manhã? - Conseguiu bater bem forte sua cabeça, Carlo, - Cerriana disse, sentando-se. - Não há sangramento dentro dessa sua cabeça dura e seu pescoço está intacto. Seu ombro está deslocado, mas parece que isso é o pior de tudo. Fiz o que pude, o trabalho de compressas de duas semanas de descanso em cinco minutos. Temo que não haja mais colheita de


maçãs por hoje. - Ela riu. - Um método bem extremo de fugir do trabalho, digo-lhes de passagem. Cerriana ajudou Carolin a se sentar. Ele gemeu de dor e segurou o ombro machucado. Seu braço estava fora de lugar. - Ah! - Carolin estremeceu. - Sinto muito, não tenho a habilidade para colocá-lo de volta, - Cerriana disse. - Fidelis tentou me ensinar, mas não sou forte o bastante e sempre deixava voltar para o lugar errado. Duvido que aprecie se colocasse meu pé em sua axila e puxasse o mais forte que puder. Não, é melhor colocar seu braço em uma tala e levá-lo de volta. - Até lá, a junta terá inchado. Colocá-lo no lugar será muito mais difícil, - Varzil disse. - O que faremos agora? - Eduin perguntou. Cerriana olhou para Varzil, avaliando-o. Ele é tão pequeno, deve ter crescido em um monastério. O que pode saber sobre esses ferimentos? Varzil deu de ombros. - O filho mais velho do ajudante de ordens de meu pai teve seu braço deslocado por um potro que cheirara a erva-fantasma. Memórias o invadiram. Estava observando da cerca do curral, junto com Harald e alguns dos homens. O cavalo era um dos que eram trazidos anualmente dos pastos de inverno para serem marcados, amaciados e depois devolvidos na outra temporada antes de serem treinados para cavalgar. Kevan, o filho adolescente de Eric, havia amarrado e parado o potro. O potro de três anos de idade, movido pelo frenesi da erva tóxica, tinha se jogado para trás para escapar de um terror imaginário. A mão de Kevan estava presa na corda, girando seu corpo e torcendo seu braço para trás antes que ele pudesse se soltar. Varzil pulou para dentro da cerca um momento depois de Harald. Harald abanava os braços para espantar o cavalo. Relinchando, o animal assustou-se e desembestou para o outro lado da cerca, onde ficou tremendo e espumando pelo nariz. Os outros cavalos haviam corrido e se juntado no lado oposto. Varzil inclinara-se sobre Kevan, que segurava seu ombro do mesmo modo que Carolin fazia agora. Kevan praguejava baixinho e a pele de sua boca ficara branca com a dor. O homem mais velho dos estábulos, Raul, avaliara o estrago com alguns toques leves, o mesmo cuidado que usaria com um potro assustado. Raul era um homenzinho esperto, mais baixo do que os outros, as costas curvadas e calejadas por anos combatendo o mau tempo e rebanhos selvagens. - Deslocou seu ombro, jovem Kevan, - ele disse com uma voz gentil. - Mas logo o colocaremos de volta. Agora observe, Mestre Varzil. O modo usual é apoiar sua bota na axila do pobre homem e puxar o mais forte que puder. Isso funciona, mas rompe os músculos violentamente. Algumas vezes a cura é pior do que a doença. Mas veja bem, você pode fazê-lo com esperteza em vez de força.


Raul posicionara Kevan em suas costas e, continuando a falar em um tom suave, inclinou seu braço, puxando gentilmente pelo cotovelo. - Ah, agora estou esperando o momento em que os músculos rompidos relaxem. Suave é melhor, com homem e também com cavalos. Pode sentir como começa a ceder? Agora, aqui. Devagar ele trouxe o cotovelo de Kevan para seu lado e girou o braço todo para que a mão chegasse até o ombro oposto. Varzil ouviu o estalido! Uma expressão de incrédulo alívio espalhou-se pela face de Kevan. - Uma vez solto, um ombro tende a vaguear, - Raul disse enquanto Kevan se levantava. Como algumas mocinhas que conheci, e também alguns maridos. Com um ombro, o truque é trazê-lo para trás antes que os músculos se firmem. - Ele deu uma piscadela indicando que não havia tratamento conhecido para os outros problemas. - Entendo sobre ombros, - Kevan admitira com um sorriso tímido. - Esta é a minha terceira vez, mas colocá-lo de volta sempre foi pior do que deslocá-lo. Nunca foi assim tão fácil. - Ele agradecera o homem dos estábulos e saiu em direção à casa principal para enfaixar seu ombro. Colocá-lo de volta sempre foi pior do que deslocá-lo. A frase ficara com Varzil, em sua memória. - Deixe-me tentar, - ele disse, gentilmente puxando Carolin para baixo. - Você? - Eduin inquiriu. - O que pode fazer? Cerriana, esta é uma terrível ideia... ele não tem treinamento como monitor... pode piorar a situação... - Não, - Carolin disse. - Confio em Varzil. Deixe-o tentar. Ignorando o comentário de Eduin, Varzil posicionou suas mãos em volta do antebraço de Carolin, forçando firme e gentilmente o ombro. No começo, ele sentiu a resistência como se estivesse puxando um nó apertado de uma corda. Os músculos ficaram tensos pela dor. Carolin fez uma careta. Não resista, bredu, ele falou mentalmente a Carolin. Eu sei que dói, mas consegue soltar seu braço em minhas mãos? Carolin, que estava prendendo a respiração, relaxou. Varzil sentiu os músculos se soltarem. Agora era o momento. Rezando para sua memória estar correta, Varzil trouxe o cotovelo de Carolin para o seu lado, mão girando para trás. Sentiu o calombo no braço começar a se mover. Com o próximo movimento, Varzil moveu devagar a mão de Carolin na direção do ombro oposto, continuando a segurar o cotovelo para seu lado. - Ah! - Carolin gritou. Varzil sentiu mais do que ouviu o osso do braço voltar ao lugar. Os tecidos em volta ficaram quentes. Varzil agachou-se, percebendo que estava suando. - Agora, onde está aquela tipóia? - ele disse. Cerriana, com os olhos arregalados, foi pegar o pano na cesta de piquenique. Rapidamente, amarrou-o em volta do braço de Carolin. Depois que Carolin disse se sentir bem o suficiente para viajar, Cerriana anunciou que ela e Valentina retornariam com ele a Arilinn. - Não há sentido em irmos todos, - Eduin disse. - Varzil e eu podemos continuar a colher. Com Carolin seguramente de lado em seu belo cavalo negro e Valentina na mula, Cerriana guiou a pequena caravana de volta à Torre. Varzil voltou para a árvore onde estavam colhendo. Ele ergueu a escada do chão.


- Se espera ser tratado como algum tipo de herói, ficará desapontado. - Eduin surgiu ao lado dele. Varzil conteve sua surpresa. Não gostava do brilho nos olhos de Eduin, nem as palavras do outro garoto o traziam qualquer coisa boa. Sua inquietação anterior voltou. - Apenas fiz o que precisava ser feito, - ele disse tranqüilo. - Não espero nenhuma recompensa. O tom de Eduin tornou-se zombeteiro. - Se sabe o que é bom para você, ficará longe de Carlo de agora em diante. - O que isso tem a ver com você? - As palavras saíram da boca de Varzil antes que pudesse refletir. Raiva pulsava em seu estômago. Talvez, ele percebeu, não gostasse de Eduin por sentir o quanto Eduin não gostava dele. Por quê? Ele não era nenhuma ameaça para a posição de Eduin na Torre, e também desconhecia qualquer desavença entre suas famílias. Escorpiões de Zandru, ele nem sequer sabia quem era o pai de Eduin! Que diferença isso podia fazer? Eduin se aproximou. Era mais alto que Varzil, portanto olhava para baixo, encarando-o. Seus lábios estavam retorcidos. Ele encostou um dedo no peito de Varzil. Esse seria um gesto ofensivo sob quaisquer circunstâncias, mas para telepatas acostumados à respeitosa restrição física, aquele era um insulto direto. Varzil podia ser novo na Torre, mas não tão novo para não perceber a implicância. Estava consciente de que estavam ali sozinhos, de que Eduin além de mais velho e mais alto, era também mais pesado. Nunca tinha sido um lutador; se Eduin decidisse demonstrar seu ponto de vista com os punhos em vez de palavras, sua única opção seria correr. Mas isso apenas adiaria o inevitável. - Cuide de sua própria vida, - Eduin disse, cuspindo cada palavra. - Ninguém queria você aqui pra começar, mas como temos que te agüentar, é melhor ficar em seu lugar. E seu lugar é bem longe de mim e de Carolin Hastur. Os pensamentos de Varzil se alertaram. Eduin estava lhe dizendo que Carolin era sua propriedade particular e que nenhuma amizade de fora seria tolerada. Eles não eram amantes, Varzil saberia se fossem, e o povo da Torre não era puritano. Percebera isso desde sua primeira noite quando Cerriana e Ricardo haviam se retirado juntos. Ele não é nada mais que um encrenqueiro. Varzil endireitou seus ombros e encontrou o olhar do garoto mais velho firmemente. - Irei me relacionar com quem eu quiser. É Carlo que deve dizer quem são seus amigos, não você. Assim como qual era o seu lugar, que era a Torre Arilinn. Algo o impediu de jogar as palavras no rosto de Eduin. Talvez fosse o velho hábito de manter seus pensamentos para si mesmo, ou sentira que mesmo um valentão devia ter influência sob suas palavras. Eduin era claramente um favorito, avançando rapidamente através dos níveis de trabalhadores da Torre. Se cumprisse sua promessa, arrumaria um perigoso inimigo. O que realmente importava ali? Encarar um valentão ou seguir seus próprios sonhos, de enfim estar na Torre Arilinn? Ou era aquele rancor que iria crescer e inchar até sair totalmente da razão? Ouvira histórias dessas rivalidades, pendendo por gerações. Instintivamente, Varzil procurou a mente de Eduin. Se podia estabelecer uma comunicação primitiva com um homem-gato, que nem mesmo era humano, poderia também ser capaz de transpor o que quer que o separasse daquele jovem.


Varzil encontrou uma parede, tão firme e lisa quanto uma superfície polida. Ele se retirou, espantado pela completude da barreira. Os pensamentos de Eduin parecia apenas refletir, não podendo ser penetrados. Polida... como se por anos houvesse a necessidade de manter algo escondido. Não era apenas contra ele naquele momento, Varzil percebeu, mas simplesmente a maneira como Eduin habitualmente encobria seus pensamentos. Mesmo na Torre, onde homens falavam através da mente, o que poderia ser mantido escondido? Por que essa necessidade desesperada de privacidade? E o quão terrivelmente sozinho ele devia se sentir. O que teria lhe acontecido, para produzir essa barreira tão completa? Varzil encheu-se de compaixão. Ele mesmo havia se compelido a manter segredos por quase toda a sua juventude. Uns poucos erros anteriores, como falar dos Ya-men sussurrando sob as luas, havia lhe convencido do perigo da sinceridade. Ali na Torre, esperava finalmente poder ser ele mesmo, entre pessoas que o entendiam. Como era infinitamente triste que Eduin, que estava ali há quatro anos, ainda não pudesse confiar em ninguém os cantos ocultos em sua mente. Mas bem, isso não era problema seu. E se Eduin sentia-se próximo e confiável a Carolin, era melhor ele ter um único amigo do que ser tão terrivelmente sozinho. Silenciosamente, Varzil voltou a colher maçãs. Suas mãos e pés moviam-se por conta própria, subindo os degraus de madeira, pegando uma esfera verde após a outra. Mas enquanto trabalhava, o veneno insistente do ataque de Eduin continuava a remoê-lo por dentro. Não sentia mais o aroma agridoce das maçãs. As cores do dia escureciam, como se uma névoa passasse sobre o céu sem nuvens. Ele esvaziou os bolsos de seu avental várias vezes dentro das cestas até que quatro delas já estivessem cheias. Deixando um pônei para Eduin, ele pegou as rédeas dos outros dois e caminhou de volta a Arilinn.


CAPÍTULO 09

Neve cobria as Torres e pátios de Arilinn quando Varzil ocupou seu lugar como membro de um círculo ativo pela primeira vez. Normalmente, isso requereria anos de treinamento, mas Varzil mostrara atitude e havia necessidade de que seu progresso fosse acelerado. Naquela noite, ele se juntara a Fidelis e Cerriana no processo de cura com laran. Uma grande quantidade de famílias, desabrigadas e desesperadas após as últimas disputas entre Alton e Esperanza, tentaram cultivar a área de Drycreek. Essas fronteiras recortadas, adjacentes aos reinos de Hastur, tinham sido contaminadas com pó de água-deosso há uma geração e foram abandonadas desde então. Os fazendeiros pensaram ter se passado tempo o bastante para que a terra estivesse segura, mas após alguns meses, seus filhos adoeceram. Como o Solstício de Inverno se aproximava, eles foram até Arilinn, famintos e sofrendo de queimaduras de frio e de envenenamento com o pó de água-deosso. Os monitores da Torre separaram os menos aflitos, mas precisaria dos esforços conjuntos de dois dos mais fortes curandeiros, junto com um círculo completo, para evitar o pior. Fidelis recomendou que Varzil fosse incluso, embora ainda fosse jovem. Varzil chegou cedo à câmara designada para se preparar e acalmar seu excitamento crescente diante dessa nova responsabilidade. Auster colocara uma grande fé nele e ele queria provar que valia a pena. A maioria dos monitores eram curandeiros, hábeis em usar a energia do próprio corpo na reparação e reconstrução. Alguns dos melhores eram mulheres, embora ninguém oferecesse a Varzil qualquer explicação do motivo. Todos em Arilinn tinham treinamento básico em monitoramento e todos os novatos estudaram os padrões de energia do corpo humano. Varzil prendeu a respiração logo na entrada. Uma fileira de camas de campanha havia sido armada em volta das brasas de carvão, banhada pelo seu calor aconchegante. Um dos pacientes, uma criança envolta em um grosso cobertor branco, tossia pesadamente. Ele piscou, incerto se estaria vendo uma fina névoa verde no ar, ou se apenas sentira a doença das crianças. Algo... um cheiro, um sabor parecido com carne estragada... alcançou o fundo de sua garganta. Os finos cabelos de sua nuca se arrepiaram. Fidelis entrou na sala, tocando com as pontas dos dedos as costas da mão de Varzil ao passar e então se dirigindo à primeira cama. Como sempre, vestia o largo manto branco preso por um cinturão de um monitor. Profundas linhas demarcavam seus olhos e boca. O monitor inclinou-se diante da garotinha que estava ali, seu cabelo espalhado sobre o travesseiro. - Venha aqui, Varzil. Olhe isso. Engolindo em seco, Varzil inclinou-se diante da criança, notando as pálidas faces, as traçar das veias azuis sob a pele, as manchas escuras ao redor dos olhos, os lábios rachados pelo frio. A garota mexeu-se e abriu os olhos. Parecia ter uns quatro anos. Algo no formato dos olhos lhe lembrava Dyannis, sua irmã mais nova. Num impulso, ele ajoelhou-se ao lado da cama e pegou sua mão. Dedos, tão esguios quanto os de uma fada, apertaram os seus. Com sua mente, seguiu os canais de energônios


de seu corpo, aprofundando-se pelas camadas de tecido, as passagens vermelhas congestionadas, as células rompidas. Ele não tinha treinamento para entender completamente o que via, o nível do estrago e a reação enquanto o corpo dela tentava se defender. Por aqui... gentil e firme como uma mão guia, Fidelis direcionou sua consciência ao fundo dos ossos da garota, onde células de micróbios revestiam as cavidades, morrendo. Aqui e ali, por todo o lado, uma pequena partícula pulsava com energia sobrenatural. Varzil sentiu cada local como um ponto fosforescente, verde como miasma pela sala. A garota podia sobreviver por um tempo, mas as profundas mudanças em sua medula eventualmente a matariam. Mesmo agora, ele podia sentir sua morte. Olhando para Fidelis, tentou colocar em palavras o que viu. Fidelis acenou concordando. É assim que acontece com pó de água-de-osso. Alguns morrem em dias após a exposição, seus nervos se queimam. Outros sobrevivem, apenas para perecer dez dias depois vomitando e tossindo. Mas estes, especialmente os bem jovens... parecem se curar, enchem nossos corações de esperança, mas sua morte é mais lenta e trágica. - O que devemos fazer? Como podemos salvá-la? - Varzil forçou as palavras pela garganta repentinamente seca. Fidelis virou sua cabeça para o lado, como se pensasse. Se não for tarde demais, acredito que seja possível, mesmo que hoje ninguém tenha muita experiência nesse novo tratamento. As técnicas da Era do Caos não existem mais. Aqueles afetados normalmente são considerados perdidos, mesmo que ainda possam andar. Ouvi falar que alguns homens que sobreviveram à tragédia de Drycreek pareciam ilesos, mas todos morreram após uma década de diarréia ou tumores. Como nenhum deles procurou ajuda em uma Torre, não houve nada que pudéssemos fazer. Talvez se soubéssemos antes... Se tivéssemos considerado nossa responsabilidade descobrir, disse Auster. - Quem podia saber? - Auster falou em voz alta enquanto entrava na sala. Seus olhos refletiam a luz dos globos nas paredes como se estivessem em chamas. Sua aparência física chamava a atenção, com seus ombros pesados, barba rústica e olhos intensos, mas era seu manto de energia que preenchia a sala. Auster foi até a cama da garota. - Pó de água-de-osso é uma arma de guerra. O povo não tem o juízo para evitar as terras proscritas, no entanto devemos tentar salvá-los de sua própria insensatez. Varzil não notou nenhuma expressão na voz do Guardião. Auster estava dizendo que o uso da água-de-osso era justificado e aceitável, que era culpa das vítimas que mesmo sem querer tinham exposto suas próprias famílias? Varzil vira os rostos dos parentes, a culpa corroendo por trás de seus olhos. Eles amavam suas crianças do mesmo modo como seu pai o amava. E estavam desesperados, desabrigados… Juntos, Fidelis e Auster examinaram cada paciente. A maior parte foi feita mentalmente, mas ocasionalmente Auster perguntava sobre algum detalhe médico. Cerriana juntou-se a eles, ouvindo silenciosamente. Enquanto isso, Lerrys e dois outros chegaram e sentaram-se nos bancos. Por último chegou Eduin, que foi diretamente ao seu lugar sem olhar para Varzil. Eles trocaram apenas algumas palavras desde o incidente no pomar de maçãs, pois normalmente trabalhavam e estudavam separadamente. Varzil não notou nenhum tom de inimizade no outro jovem, apenas uma atitude de séria concentração. Talvez Eduin tenha


pensado melhor em sua explosão, e percebera que Varzil não era nenhuma ameaça à sua posição na Torre ou sua amizade com Carolin. Varzil resolveu seguir com a tarefa da noite com a mesma imparcialidade. Auster não deixava inteiramente cada paciente enquanto seguia para o próximo. Em vez disso, parecia carregar cada um com ele, tecendo essa parte deles em um todo, como uma rede de pescador. Ele fazia isso com um toque tão leve e preciso que Varzil sentia seu próprio coração bater mais forte, sua consciência elevada. Mesmo as luzes pareciam brilhar mais forte. Enquanto Auster passava pela fileira de camas e cada paciente era ouvido, o círculo se reunia. Já estavam juntos em uma unidade mental. Fidelis sentou-se em seu banco favorito, sem forro e Varzil ao seu lado, de frente a Auster. Varzil fechou os olhos e começou os exercícios de respiração que iria sintonizá-lo aos ritmos de seu próprio corpo. Começou a sentir a sensação que, ele aprendera, denotava uma mente adequadamente receptiva. Uma melodia se formou no fundo de sua mente, uma canção subindo e descendo como as gentis ondas de um rio. Varzil imaginou-se deitado em um barco, como o que tinha quando criança, sendo levado ao longo do rio, observando os galhos que passavam acima de sua cabeça, a hipnótica alternância da sombra e do brilho radiante. Sem saber se em uma hora ou em um instante depois, ele notou outros barcos, todos estranhamente translúcidos agora, pairando ao seu lado. Tão hábil quanto um mestre tecelão, Auster reuniu seu círculo. Varzil nunca fizera parte de um verdadeiro círculo antes. Tocara outras mentes como parte dos exercícios de treinamento, e depois apenas de seu professor, ou de mais um ou dois outros. Nunca imaginara nada como esta graça flutuante. Cada mente corria no mesmo rio, criando a mesma deliciosa harmonia, e ainda assim mantendo sua individualidade única. Havia Cerriana, com todo seu cabelo vermelho e temperamento ardente como uma jóia esverdeada, Fidelis uma melodia familiar tocada em um chifre tão fundo e rico que tocava até os ossos, Lerrys uma estranha, mas arrebatadora batida de asas, cinza como as de um falcão... e os outros, cada um com sua própria assinatura. E finalmente havia Eduin. Varzil evitou direcionar sua atenção para ele até o final, esperando a barreira opaca que avistara no pomar. Para sua surpresa, não encontrou um campo liso e espelhado. Eduin brilhava como uma rede intrincada de jóias todas unidas por um fio prata, tudo girando e se alternando. Apesar da beleza e força surgindo através da estrutura, Varzil se retirou logo depois. Não podia ver mais do que uma fração daquilo de cada vez, e algo no movimento, a onda de luz e poder, o perturbava. Talvez fosse por sua experiência limitada, disse a si mesmo, por nunca haver experimentado uma mente tão diferente quanto esta. Mesmo assim Auster tinha, tranqüila e habilmente, tecido a assinatura de laran de Eduin na mesma unidade dos outros. Era isso que significava ser um Guardião... aceitar o Dom de cada pessoa exatamente como era, criando harmonia e sentido sem causar nenhuma mudança? Varzil teve pouco tempo para gastar com tais devaneios enquanto o trabalho começava. Sob a firme orientação mental de Auster, o grupo concentrou suas energias, doando-as livremente ao seu controle.


Fidelis e Cerriana trabalhavam em uníssono para identificar as áreas de maior patologia em cada paciente. Varzil se maravilhava com a delicadeza da manipulação de células mortas, o vai e volta das energias vitais enquanto uma ou outra das crianças doentes pulava da febre constante para o sono de cura. Quanto tempo isso durou, não podia dizer. Perdeu toda a sensação de tempo, suspenso nas águas correntes do círculo de Auster. Algumas vezes ele boiava, sorvendo aquilo tudo, suspenso em um oceano de um cinza prateado respingado com luz colorida. Mas cada vez mais, ele se tornava parte da própria teia, passando a energia que fluía de si mesmo, através da hábil orientação psíquica de Auster, e para dentro dos corpos danificados dos pacientes. Algumas vezes, ele sentia a presença dos outros na teia. Mesmo Eduin começou a parecer familiar. Uma hora alguém o tocou... um arrepio através de seu corpo mental, o que percebeu representar o contato físico real. O sussurro agradável de Cerriana tocou seus pensamentos. Respire mais fundo. Obedecendo automaticamente, seu peito subiu e seus pulmões se encheram. Embora não pudesse ver com seus olhos materiais, ele sentiu o sorriso em resposta de Cerriana. Sua voz desapareceu como gostas de água colorida em uma poça imóvel. A luz cinza escureceu, não a escuridão física aflitiva, mas uma libertação gradual do círculo. - Varzil. Ele piscou, surpreso ao se encontrar sentado, imóvel, em um banco. Por um momento, não reconheceu seu próprio nome. Pontas de dedos tocaram o interior de seu pulso. Fidelis inclinou-se sobre ele com uma expressão séria. Os ombros de Varzil tremiam. Em sua volta, os outros membros do círculo se espreguiçavam, bocejavam, levantavam-se, indo para a porta. Vários outros haviam chegado para atender os pacientes e os carregavam para a enfermaria. - Vá agora e coma, - Fidelis disse. - Não estou com fome... - Varzil começou, enquanto seu estômago se revirava ao pensar na comida. Náusea, ele lembrou, era um sintoma comum do gasto de energia que acompanhava o trabalho com o laran. Lunilla havia preparado doces de frutas com mel e nozes para atrair apetites inseguros. - Você tem uma força surpreendente, e usou-a generosamente, - Auster disse. Eles estavam sozinhos na câmara, exceto por Eduin, demorando-se na porta. - Depois que tiver descansado, quero que comece o trabalho regular em um círculo, e que tome aulas particulares comigo. Você tem talentos que ainda não começamos a explorar. Varzil não sabia como responder. Nem em sua fértil imaginação antecipara tal avanço. Algo em seu interior ansiava a sua volta ao círculo, para o mundo que não podia nomear, para a união e prazer daquelas horas.


- Bom rapaz, - Auster disse, como se isso acontecesse todos os dias. - Agora, coma e descanse. Varzil arrastou-se atrás de Auster e Fidelis enquanto deixavam a sala. Eduin juntou-se a eles, falando baixo algumas poucas palavras ao Guardião. - Sim, você está totalmente certo, - Auster murmurou, e depois começou a descer as escadas. - Pedirei que alguém veja isso quando houver tempo. Eduin parou enquanto Varzil se aproximava, e Varzil teve a leve impressão que era esse o real motivo por ele ter ficado para trás. - Você foi bem para sua primeira vez, - Eduin disse amavelmente. Sua expressão era amigável, apesar da pele pálida e olheiras nos olhos. Varzil pensou que também não devia estar melhor. - Eu… - Eduin parou, claramente ordenando seus pensamentos, - Eu o julguei mal quando chegou aqui. Nós os recebemos de vez em quando, rapazes de casas menores sem talento que tentam persuadir sua entrada aqui. É uma perda de tempo para todos nós. Mas… mais devagar agora, como se escolhendo com cuidado as palavras, -... você mostrou suas habilidades. Eu... - Sua voz se esvaiu, mas não antes de Varzil captar seu último pensamento, Estava errado sobre você. Por um instante, Varzil quis dizer, E eu estava errado sobre você. Eduin tinha sido rude, sim, mas isso era fácil de esquecer. Mas ele também havia ameaçado Varzil, tentado afastálo de ter amizade com Carolin. A proposta de Eduin havia sido graciosa, especialmente dado à estranheza da situação. Carolin teria instigado que ele… ou qualquer um dos dois… tinha ganhado o benefício da dúvida. Então, para o bem de Carolin, Varzil faria o seu melhor. Varzil concordou e murmurou, - Está tudo bem.


CAPÍTULO 10

Um ano depois, a neve chegou tarde em Arilinn. O outono se esticara, manhãs congelantes derretendo-se em um calor aconchegante. Além das Planícies, arbustos secavam adquirindo uma cor dourada. Fazendeiros colhiam suas safras e depois descansavam, aquecendo-se no clima ameno. Vários casamentos, que tinham sido originalmente planejados para a próxima primavera, realizaram-se mais cedo em festivais ao ar-livre. Famílias ofereceram gratidão e orações pela contínua fertilidade à deusa Evanda. Alguns boatos desceram até a cidade predizendo que o inverno seria severo, mas seus avisos tiveram pouco crédito com a aproximação do Festival do Solstício de Inverno. Na manhã em que Varzil partiria para Hali e a corte Hastur, a neve brilhou como se tivesse luz própria. O inverno chegara determinado durante os últimos dez dias, com as quedas de temperaturas e nevascas uma atrás da outra. Ainda assim, o ar de bem-estar persistia nas duas cidades e na Torre. Celeiros e armazéns estavam cheios, animais alimentados, os ânimos felizes. Varzil passou através do Véu e saiu pelas ruas em direção ao pequeno aeroporto. Nesse curto ano, ele evoluíra de recém-chegado esquisito à estrela ascendente, o orgulho de Arilinn. Havia progredido tão rapidamente que em vez de preparar-se primeiro como monitor, depois subindo de posição, Auster decidiu encarregar-se de seu treinamento diretamente como sub-Guardião. Rumores diziam que Auster resistira longamente em escolher um substituto, agora ele brincava que apenas estivera esperando o estudante adequado aparecer. Carolin, tendo completado sua estadia em Arilinn, estava retornando à corte de seu tio, Rei Felix, em Hali. Como parte das festividades do Solstício de Inverno e também para adiar a hora de sua partida, ele escolhera Varzil e Eduin para acompanhá-lo. Varzil nunca sonhara que essa amizade com Carolin o levaria a tão belas redondezas. Havia momentos em que não sabia se estava acordado ou sonhando... pelo fato de visitar uma cidade tão fabulosa, como convidado de honra de sua poderosa família, e de ser escolhido como sub-Guardião. Tudo acontecera tão rápido, a entrevista com Auster seguida pelo convite empolgado de Carolin. E agora ele se via andando pelos arredores de Arilinn sozinho, para onde o carro-aéreo de Carolin esperava. Varzil levava uma bolsa de lona sobre um ombro, que continha suas melhores roupas e alguns presentes para as parentas de Carolin. Sua camisa de verão certamente seria


considerada simples pelos padrões da cidade, mas tinha sido feita com zeloso amor pela sua própria irmã, Dyannis, bordada com o verde e dourado de Ridenow. Algum dia, disse a si mesmo, usarei o manto vermelho de Guardião, e então não importará quanto custou o tecido ou quão chamativo é o corte. Seu humor estava ótimo, e nem mesmo a ideia de meio dia de viagem ao lado de Eduin podia desanimá-lo. Desde o primeiro círculo no qual eles trabalhavam juntos na cura do pó de água-de-osso durante o último ano, a relação entre os dois tinha sido polida, às vezes quase cordial. Eduin não tinha família alguma, nem mesmo uma tão escandalosa quanto os Ridenows; tinha poucos amigos como Carolin que poderiam ajudar em seu avanço no mundo. Tinha um forte laran, sim, mas nenhuma esperança de influência política. E sua insegurança beirava a ambição, a qual Varzil podia sentir, mas não entender. Ser um laranzu de Arilinn, certamente a maior e mais prestigiosa das Torres modernas, já devia ser bastante glorioso. Varzil tinha a sensibilidade para perceber que nem todos pensavam como ele, que o sonho de um homem podia ser o pesadelo de outro. Ainda era cedo quando Varzil visualizou o mesmo carro-aéreo que havia levado ele e seu pai a Água Doce. O aeroporto em si era um pouco mais do que um campo elevado. Os homens que deviam limpá-lo já haviam começado seu trabalho matinal. O gelo coberto de neve fazia ruídos sob os pés enquanto Varzil se aproximava do carro-aéreo. Um homem subira no teto arqueado, retirando a neve. Varzil focou sua silhueta contra o brilho do céu no oriente. Então o homem chamou-o, saudando-o pelo nome, e Varzil reconheceu o piloto. - Como você está nesta bela manhã? - Varzil gritou. - É Jerônimo, não é? - O mesmo, e fale por si só, rapaz. Não é particularmente belo desperdiçar uma manhã raspando neve e gelo, mas não confio minha nave àqueles cérebros de coelho-de-chifres da cidade. - O piloto desceu levemente ao chão. Ele segurava uma longa escova de crina de cavalo em uma mão e uma haste de osso na outra. Uma toalha estava enfiada em seu cinto. Sorriu amplamente. - Pronto para outra lição de vôo? Ou está acima disso agora que é um alto e poderoso laranzu de Arilinn? - Trabalho honesto é sempre bem-vindo. - Um canto da boca de Varzil se torceu. - Ao menos que esteja tentando me dizer que voar uma engenhoca dessas não é trabalho honesto. Jerônimo riu, jogando a cabeça para trás. - É verdade. Tem dias que acho um roubo, pegar o dinheiro de m’lorde por algo que pagaria para fazer!


Ele pegou a bolsa de Varzil, colocou-a no compartimento embaixo, e estendeu a escova para ele. - Vai pro outro lado e estaremos prontos pra voar em um minuto. Estavam quase terminando com o carro-aéreo e a lufada de piadas quando Carolin e Eduin chegaram, seguidos por uma carroça trazendo sua bagagem. Dois dos silenciosos kyrri trotavam ao lado, incitando com palmadas o pesado chervine. - Deixe isso aí, Varzil, e venha nos receber, - Carolin sorriu. Varzil abaixou a cabeça, prestes a protestar que precisava daquele tempo extra para conseguir acompanhar. Carolin o provocara mais de uma vez sobre falsa modéstia. Depois da decisão de Auster, Varzil dificilmente conseguira fingir ser apenas um estudante comum. Assim sendo, conteve sua língua enquanto a conversa fluía. Jerônimo acondicionou os baús de Carolin, certificando-se de que estavam bem seguros. O dia estava bem agradável, mas naquela estação, tempestades podiam vir através das Planícies sem o menor aviso. Agora, a pista de decolagem já estava limpa. O piloto gesticulou para que os três passageiros tomassem seus lugares. Houve uma comoção e Varzil percebeu que Eduin pretendia sentar-se ao lado de Carolin. - Se não se importa, - Varzil disse, - gostaria de sentar-me na frente, ao lado do piloto, para estudar a operação do carro-aéreo. Carolin pareceu um pouco surpreso, mas Eduin lançou-lhe um olhar que dizia o quão pouco aquilo lhe interessava, o quão inferior era para o trabalho das Torres. Varzil tomou feliz seu lugar ao lado de Jerônimo. Logo que Jerônimo ativou os aparatos de laran do carro-aéreo e colocou-o em movimento, Varzil percebeu a diferença entre este vôo e aquele que tinha tomado há um ano atrás. Daquela vez todo o processo pareceu-lhe misterioso. Agora, após meses de treinamento intensivo, seus talentos intensificados pelo contato com tantas mentes Dotadas, ele pôde seguir cada movimento, cada mudança na força, como se iluminado pelo mais brilhante sol. Jerônimo parou no meio de uma explicação para olhar para Varzil com uma expressão de espanto. Varzil tinha estado em contato direto com seus pensamentos, seguindo sem intrusão enquanto o piloto direcionava a força armazenada nas baterias de laran junto aos mecanismos condutores. Os olhos de Jerônimo se arregalaram. Suas mãos, formando os gestos complexos que suportavam e guiavam seus pensamentos, caíram abertas em seu colo. - Eu... eu o ofendi de alguma maneira? - Varzil perguntou.


- Como poderia me ofender? Eu não sentia um toque mental tão forte desde que deixei meu próprio Guardião. Jerônimo inclinou sua cabeça. - Vai dom. - A frase significava “lorde merecedor” e carregava o respeito devido a alguém de uma posição extremamente superior. - Jero. - Varzil tocou o outro homem levemente nas costas de seu pulso, ao estilo da Torre. - Você é um laranzu treinado por si só e nunca deve sentir-se inferior do que nenhum outro homem. Nem mesmo um Guardião. Pois do mesmo modo que cada parte do corpo tem sua própria função para sustentar a vida, cada um de nós tem seus próprios Dons. Eu nem mesmo sei qual é o meu, não completamente. Mas o seu não é menor do que qualquer coisa que eu possa fazer. Você entendeu? Os ombros de Jerônimo se curvavam, embora ele não olhasse para Varzil. - Agradeço-lhe por compartilhar seu conhecimento comigo. - Varzil disse na estranha pausa que se seguiu. Horas se passaram enquanto as Planícies cobertas de neve se estendiam abaixo. Varzil avistou uma linha de colinas púrpuras ao horizonte. Quando perguntou, Carolin explicou que estavam se aproximando do extremo sul das Colinas Kilghard. Ao norte, na direção da terra dos Altons, as colinas continuavam até unirem-se às selvagens Hellers. Mas dali, à beira das terras baixas, elas pareciam amenas e prazerosas. Por um tempo, as colinas pareceram distantes. Então desapareceram de vista. Varzil, erguendo os olhos da refeição vespertina de carne fria de carneiro e pão besuntado com queijo envelhecido de chervine, pensou que Jerônimo tivesse virado o carro-aéreo para a direção oposta. O céu tornara-se nebuloso, todas as cores haviam se esvaído. Varzil estremeceu. - Será que devemos passar através disso para alcançar Hali? - Não é nada, vai... Lorde Varzil, - Jerônimo disse, seguindo seu olhar. - Nuvens baixas, provavelmente. Do banco de trás, Carolin disse, - Os ventos de inverno costumam soprar nevoeiros contra as colinas. Parecem piores do que são. Jero já voara através deles dúzias de vezes. Não, não são nuvens comuns. Varzil projetou sua mente, saboreando o ar acima, frio e úmido, com o toque metálico do ozônio. Não desenvolvera muito sua sensibilidade ao clima como alguns outros em Arilinn o fizeram. Um círculo treinado podia mudar uma nuvem de chuva de um curso para outro


com a manipulação dos ventos. Diziam que aqueles de linhagem Aldaran podiam não apenas redirecionar os padrões naturais do tempo, mas criar novos, sugando vapor da água dos rios e lagos, fazendo nuvens carregadas soltarem enormes trovões, movendo tempestades para onde quisessem. Na mente de Varzil, as nuvens ondularam, amontoando-se e escurecendo com rapidez. Parecia estar olhando por cima, mergulhando nelas. Ele tossiu, atingido pelo ódio de seu peso denso e úmido, o sabor de mercúrio da eletricidade. As nuvens formavam um corpo, gigante e disforme, com nervos de um brilho entalhado. Varzil sentia-se como uma partícula infiltrada em sua turbulência, lançada dentro de um turbilhão branco e cinza. Incapaz de resistir, ele caiu em sua escuridão, formando círculos, aproximando-se, cada vez mais perto do coração negro da tempestade. Em um instante, a escuridão clareou e ele avistou a Torre abaixo. Estava lá, pura e branca contra a sombra, como se iluminada por um único raio de luz do sol. Energia, rija e mordaz, condensou-se em luz. Uma cascata de trovão surgiu furiosa em direção à Torre. NÃO! A palavra saiu cortante através dele. Na vibração, sua visão clareou e ele olhou mais uma vez para as nevadas Planícies de Arilinn, erguendo-se agora em suaves colinas. Névoa, suave e translúcida, saía de suas fendas. O carro-aéreo balançava como um berço. - É como eu disse, - disse Jerônimo. - Um pouco de vento, nada mais. Alguns homens têm estômago fraco para tais coisas, mas não é motivo para vergonha. É o seu caso? Varzil balançou a cabeça, desejando que fosse apenas uma questão de estômago fraco. Ele vira uma tempestade, uma terrível tempestade, com relâmpagos em direção à Torre. Talvez tivesse sido apenas sua imaginação, alimentada pelas histórias da destruição de Neskaya. Mesmo enquanto pensava nisso, sabia que não era. Tinha visto uma tempestade real, em outro lugar, outra época. Mas onde?E quando? Hali, vista do céu, erguia-se como uma radiante montanha de pequenas Torres. Uma Torre subia, solitária, dos arredores mais distantes da cidade. Escondido na distância, invisível na semi-escuridão, estava o lendário Lago. O carro-aéreo começou sua descida e a Torre foi perdida de vista. O sol do fim da tarde refletia vermelho nas janelas envidraçadas da cidade e banhava as construções com a obscuridade do crepúsculo. Enquanto se aproximavam, Varzil notou flâmulas penduradas


como lagos multicores, dando a aparência de contínuo feriado. Ele olhou para as casas de pedra e madeira, espalhadas pela extensão da cidade. Pessoas a pé, a cavalos e veículos de todo o tipo enchiam as ruas, desde rudes carrinhos de feno até elegantes carruagens e liteiras. Ansiava por andar naquelas ruas, ver, tocar e sentir por si mesmo. Jerônimo guiou o carro-aéreo para o coração da cidade e pousou-o em um espaçoso pátio que certamente pertencia ao maior e mais grandioso castelo de todos. Quando pararam, Varzil estava imóvel, boquiaberto. - Acorda, cabeça dura! - Carolin se aproximou e deu-lhe um tapa no ombro. - Chegamos em casa. Enquanto a porta se abria e eles desciam para o pavimento, uma pequena multidão os cercaram. - Carlo! - Uma jovem mulher com cabelo vermelho-dourado, usando um vestido de um suave cinza-esverdeado e envolta em um xale do mesmo tom, gritou. Ela estava um pouco separada dos outros, com postura demais para a sua idade, mas quando viu Carolin, correu adiante. - Sentimos tanto sua falta! Mal posso acreditar que está aqui! Carolin pegou suas mãos estendidas. - Também senti sua falta, Maura, mais do que posso dizer... e você, - virando-se para o homem alto e esguio ao seu lado, - Orain. Sua mulher e filhos estão com você? Alderic deve ter se tornado um belo garoto. - Ele está muito bem, obrigado. - Jandria, - Carolin continuou, - como é bom vê-la novamente! Aqui... estes são meus amigos, Eduin e Varzil. Orain inclinou-se educadamente, seu rosto com seu maxilar protuberante traía seus sentimentos. Jandria dobrou os joelhos, sorrindo amplamente, mas Maura acenou dignamente com a cabeça. Seu jeito não era antipático, mas reservado. Varzil tinha visto aquela distância antes, em seus companheiros de trabalho na Torre. Sua mente tocou a dela. Seus olhos brilharam em reconhecimento. - É Varzil de Arilinn! - Embora não oferecesse suas mãos em saudação, seu corpo inteiro brilhou em alegria. - E Eduin! É claro! Perdoe-me... não o reconheci! - Nem nós, - Eduin disse calorosamente, - embora falemos tantas vezes através das transmissões.


- Nós todos esperávamos que Carlo trouxesse alguns de seus amigos de bebedeira para a cidade. - O sorriso de Jandria tornou-se zombeteiro. - Não tão boa companhia! Espero que não estejam tão exaustos que não possam aproveitar o baile, ou todos teremos que passar o Festival tão melancólicos quanto os cristoforos! Maura virou-se para Varzil, baixando timidamente o olhar. -Também somos parentes distantes, sabe? Minha mãe era uma Ridenow. Quando se casou com meu pai, metade de Elhalyn levantou-se escandalizada como um incêndio na floresta e então encobriram toda a coisa. Ela achou melhor falar pouco de sua família depois daquilo. - Jogou sua cabeça para trás, expressando sua opinião sobre a situação. Nosso primo, Ranald, estava conosco há uma temporada atrás, mas não o conhecerá desta vez. - Não sabia de nada disso, - Varzil disse devagar. - Pensava... - Pensava haver uma antiga suspeita entre Ridenow e Hastur e que algo assim fosse impossível. - Onde está meu primo Rakhal? - Carolin interrompeu, seus olhos procurando no grupo de servos que agora descarregava a bagagem e a levava para o castelo. - Está doente, por isso não veio nos receber? E Lyondri? - Oh! - Jandria fez uma careta, tocando o braço de Carolin. - Estão lá dentro, ajudando seu tio. Como se o Rei não fosse capaz de decidir o cardápio adequado para o jantar sem a sua ajuda! - Jantar! - Carolin passou a mão na barriga em um gesto dramático - Estou faminto! Eles saíram em direção ao castelo. Maura andou ao lado de Varzil. - Você não deve ter ouvido falar. Sua irmã, Dyannis, acabou de chegar a Hali para começar seu treinamento. Varzil alegrou-se. Sua própria luta pela permissão de seu pai deu, portanto, inesperados frutos. Senão, Dom Felix certamente manteria Dyannis em casa até que achasse um marido adequadamente nobre para aumentar o prestígio da família. Ele captou uma imagem de portas se abrindo em todas as direções, Hastur e Ridenow como aliados, homens resolvendo suas diferenças nas mesas do Conselho em vez de em sangrentas batalhas. - Dyannis tem um grande talento, - Maura continuou, com aquele controle tão característico de um hábil trabalhador da Torre. - E ela é realmente necessária. Não podemos nos permitir desperdiçar ninguém com o Dom. Não é assim em Arilinn? - Varzil acabou de ser escolhido para treinar como sub-Guardião, - Carolin disse, subindo os grandes degraus que levavam aos portões do castelo.


- Sério? - Maura virou-se para Varzil, seus olhos cinza se arregalaram. - Que grande notícia. E você, Eduin, ouvimos falar do poderoso laranzu que se tornou. Mas não um Guardião. Ainda não. Varzil sentiu a amargura no pensamento desprotegido de Eduin. Maura continuou, imperturbável. - Carlo, o que você acha? Devo perguntar aos Guardiões se Dyannis pode se juntar a nós? Assim toda a família estará reunida para o feriado. - Só podia ser você, Maura, tão gentil. - Tão mandona, - Jandria provocou, - arranjando tudo do seu jeito! É uma sorte que mulheres não possam ser Guardiãs, ou ela nos colocaria todos dançando em um círculo! - Janni! - Orain exclamou, com a intimidade de um parente. - Não é adequado dizer essas coisas. - Oh, não me importo, - Maura disse com bom humor. - São tempos modernos, apesar de tudo, e só por que nunca teve mulheres Guardiãs não quer dizer que nunca terá. Quanto a mim, minha querida irmã de criação, estou contente com o Dom da Visão. Isso explicava a inocente autoconfiança de Maura. Ela não era apenas uma leronis, mas uma das seletas mulheres, altamente treinadas e juradas para a castidade por seus talentos de clarividência. Eles passaram através de pesados portões e entraram em um vestíbulo. Em instantes, Varzil e os outros foram separados e levados aos seus aposentos privativos. O quarto de Varzil em Arilinn era espaçoso, mas com mobília simples, um lugar de retiro mais do que de diversão. Agora ele estava no meio de uma antecâmara que dava para uma suíte completa de quartos, com certeza tão espaçosa quanto o aposento inteiro dos Ridenow na Cidade Oculta. Tapeçarias cobriam cada parede, muitas delas retratando cenas da “Balada de Hastur e Cassilda” em tributo ao grandioso ancestral da casa. Cada peça de mobília parecia ser entalhada, folheada ou incrustada com madre-pérola. A cama na câmara interna estava sobre uma plataforma, coberta em brocado cor de vinho, que facilmente acomodaria um habitante das Cidades Secas e suas numerosas esposas e concubinas. Ao lado havia um armário enorme o bastante para se andar dentro dele e um pesado guarda-roupa encimado por uma peça de mármore tão bem polido que Varzil podia ver seu reflexo nele. A bacia e jarro com água de rosas eram de uma valiosa porcelana, pintada com belos desenhos. A única bolsa de Varzil era um monte disforme ao pé da plataforma. Ele a pegou e carregou-a até o armário, cuidadosamente arrumando suas poucas roupas nos cabides. A madeira do interior cheirava deliciosamente a cedro e lavanda, mas misturava-se com a


fragrância da água do banho. Se tivesse que dormir trancado com tantos aromas incompatíveis, acordaria com a dor de cabeça do próprio Zandru. Ele se assustou com a batida na porta. Um homem em um belo casaco e calças no azul e prata de Hastur entrou. Varzil observou. O rapaz não podia ser mais do que um ou dois anos mais velho do que ele, mas suas feições naturais estavam mascaradas por uma grossa camada de pó, suas faces e lábios pintados de vermelho. Certamente cabelos não podiam crescer naquela cor de latão ou ter um brilho tão lustroso. O cortesão ainda exalava um outro perfume, uma mistura de incenso e algo almiscarado. Com uma respeitosa meia reverência, o cortesão disse que se o jovem lorde se preparasse, Sua Majestade o receberia logo após o jantar. Os olhos do homem vacilaram no armário aberto. Ele adicionou que um traje adequado para a corte podia ser providenciado para hóspedes. Indignação aflorou. Varzil lutou para se controlar. Seu próprio pavor de se encontrar no meio de tais ostentações sumiu por um instante. Sabia o que o cortesão estava vendo... um garoto pobre, sub-nutrido e mal educado, um joão-ninguém, que estava ali apenas pela bondade de Carolin em compartilhar um feriado com os menos afortunados. Eu sou um laranzu de Arilinn, e sou um Ridenow, de uma casa nobre. Não esconderei nada, e certamente não por trás de elegância emprestada! Ele disse, na voz mais calma que pode conseguir, - Agradeço por sua cortesia. Estou bem assim. Os olhos do homem se arregalaram em descrença. Varzil quase riu alto de seu desconforto enquanto ele se inclinava novamente e se retirava. Varzil vestia sua melhor camisa de feriado e uma veste com as cores de Ridenow quando um pajem, jovem e de rosto doce, veio para escoltá-lo à sala do trono. Varzil ouviu a multidão antes de descer totalmente as escadas. A corte certamente estava em sessão e os pedintes, tal quais os cortesãos, a assistência, servos do castelo e guardas em cores de Hastur enchiam a enorme sala. Tantas pessoas em um só lugar! Não pela primeira vez, Varzil silenciosamente abençoou o treinamento que o protegia do ataque psíquico. Toda pessoa possuía um nível mínimo de laran, que em pessoas comuns manifestava-se como intuição ou simpatia, algumas vezes como uma aptidão para a criação de animais ou línguas. Em uma reunião como esta, com tantos parentes Hastur e de clãs menores, a pequena quantidade de laran de cada um que se reunia, era o bastante para desgastar uma mente suscetível.


Seria impensavelmente rude ler os pensamentos que passavam ao seu redor, mas mais do que isso, Varzil conhecia todos muito bem para abrir-se para a multidão e ondas de emoções rapidamente o deixariam frenético. Ele respirou profundamente, tocou a bolsa de seda que continha sua pedra-da-estrela para ajudá-lo a focalizar, e pensou nas paredes de pedra. Era uma técnica que Auster o passara, e quanto mais vívida e detalhada fosse a visualização, mais sólida seria a barreira. A imagem de Varzil incluía os sulcos entre as pedras cinza, suas superfícies gastas pelas estações de chuva, as partículas de minerais negros e brilhantes, a linha de granito púrpura correndo através do bloco central... A agitação mental diminuiu para um murmúrio. Varzil respirou melhor, os músculos de seus ombros relaxaram. Ele desceu os últimos dois degraus e cruzou o largo vestíbulo até a sala do trono. Antes que pudesse ser levado pela confusão de cortesãos, ele avistou Carolin próximo à entrada da sala. Alto e belo, seu cabelo vermelho-fogo impecavelmente cortado, Carolin teria se sobressaído, mesmo naquela elegante reunião. Vestia um traje de camurça cinza-claro guarnecido com tiras azuis bordadas com o emblema da árvore prateada dos Hasturs. Parecia brilhar levemente, criando uma súbita aura de força, ou talvez o efeito fosse devido ao seu porte, de orgulho e graça, e o contraste com os costumes pomposos ao seu redor. Á certa distância, Orain permanecia ao lado de uma mulher baixa em um extravagante traje de renda dourada. Ela parecia bem mais velha que ele e teria sido bela, apesar das linhas marcando seus olhos e boca. Ela segurava a mão de um radiante rapaz que ficava olhando para Orain. Apesar de o garoto não ter mais do que nove ou dez anos, a promessa de seu laran o cercava como uma coroa invisível. Um mensageiro chamou o nome Varzil, seguido pelo de Eduin. Ele se adiantou. A multidão partiu-se à sua frente, como se um campo invisível os tirasse do caminho. Eduin tinha estado perto da frente da audiência, preparado para tomar sua vez, esplêndido em um casaco e calças de um radiante brocado cor de marfim, sua camisa de um fino linho das Cidades Secas guarnecida com fitas nos pulsos e colarinho. Mesmo suas botas, de fino couro, eram de algum nobre cortesão. Daquela distância, Varzil pôde ver alfinetes espetados no casaco e o modo como as botas apertavam a perna de Eduin. Parado ao pé da plataforma, Carolin sorria, seus olhos cinza os avistaram e ele acenou para que se adiantassem. Varzil deu um profundo suspiro e preparou-se para encontrar o Rei Felix Hastur, o homem mais poderoso em Darkover.


CAPÍTULO 11 Um imenso e envelhecido trono dominava a plataforma, cercado pela multidão reunida. Fios de linha prateada brilhavam nos apoios de braço e encosto, acentuando a árvore entalhada dos Hasturs e contrastando com as grossas almofadas azuis. O trono diminuía a figura sentada ali como se esta fosse uma boneca esquecida. Por um momento, Varzil mal pode acreditar que aquele velho fosse realmente Felix Hastur, soberano do mais poderoso reino de Darkover. Esperava alguém de aparência mais heróica, mas por outro lado, o que ele entendia de reis? Como qualquer outro, ouvira histórias de que Felix Hastur fosse emmasca, nem homem nem mulher. Tais pessoas costumavam ter longa vida e possuir o Dom, mas eram estéreis. Sendo assim, o herdeiro de Felix seria o filho mais velho de seu irmão seguinte, devido ao fato de não poder ter filhos. Seus dois casamentos falharam em produzir ao menos uma única gravidez. Se tinha um filho nedestro, ninguém tomara conhecimento. Era difícil acreditar que o pai de Carolin tinha sido irmão deste velho Rei, embora Carolin lhe tivesse explicado haver quase duas décadas entre os nascimentos dos dois. Seu próprio pai, que governou Carcosa antes de Felix, havia enterrado várias mulheres e gerado seus dois filhos sobreviventes quando seus contemporâneos já estavam há muito em seus túmulos. Rei Felix deve ter sido um dia uma presença imponente, mas agora sua pele pendia sobre os ossos como uma roupa grande demais, empoada e pendurada para secar. Atrás dele, em posturas respeitosas, estava uma fileira de atendentes. A maioria tinha cabelo grisalho e pareciam sombrios em seus mantos de pele e veludo brilhante. Devem ser conselheiros, Varzil pensou, ou parentes, especialmente os dois jovens com o cabelo vermelho do Comyn que estavam mais próximos, ao alcance do ouvido. De algum modo, eles lembravam a Varzil um bando de cães circulando um velho lobo, desconfiados da força do animal, incapazes de arriscar, esperando. Esperando... O rei endireitou-se no trono. Uma mão, a pele com manchas de idade, ergueu-se; um dedo magro apontou para Eduin e Varzil. A sala silenciou. - Onde está Gerrel, meu irmão? - Rei Felix perguntou queixosamente. - Porque nunca está aqui para me atender? Um dos jovens atrás do trono se inclinou. Seus veludos elaboradamente cortados não disfarçavam completamente a forma atarracada ou suas faces coradas, o inchaço sob seus olhos inquietos. Embora falasse em voz baixa e suave, suas palavras direcionadas apenas ao rei, Varzil pode entender seu significado. - Sua Majestade deve se recordar que Príncipe Gerrel está morto já faz vinte anos. Estes são amigos de Príncipe Carolin, que vieram com ele de Arilinn para celebrar o Festival de Inverno conosco. - Oh? - Algo iluminou seus olhos úmidos, e Varzil sentiu o alerta constante, a confiança de mais de um século de domínio incontestável. - Sim, é claro, devemos estender a hospitalidade dos Hasturs e oferecê-los adequadas boas-vindas. Carolin, meu garoto, venha aqui. Esteve longe por muito tempo.


Carolin parou diante da plataforma para executar uma impecável reverência, depois se adiantou e beijou a face do velho rei. Sua afeição natural e tranqüilidade afastaram o embaraçoso momento. - Estou em casa agora, Tio. Terminei minha estada em Arilinn e aprendi tudo o que podiam me ensinar, tudo que convém a um Príncipe de Hastur. Foi para isso que me mandou para lá. Trouxe meus novos amigos para lhe apresentar. - Carolin acenou para que Varzil e Eduin se aproximassem do trono. A face do velho brilhou com as primeiras palavras de Carolin. Mas agora ele encarava os recém-chegados. Seus olhos refletiam uma luz transparente e incolor, denotando o sangue do místico chieri que corria em suas veias. Ele tem sido rei por tanto tempo, Varzil pensou. Quem sou eu para julgar se o peso de todos esses anos é demais para ele? Velho e cansado como devia estar, pelo bem de Hastur e de toda Darkover, este frágil velho devia de algum modo juntar forças para continuar até que seu sobrinho seja adequadamente treinado para governar. Homens mais jovens que Carolin tinham sido colocados em posições de força, até menos preparados do que ele, e viraram presas das maquinações daqueles com ambição em excesso. Carlo confia demais, Varzil pensou. E esta corte não é lugar para um coração tão generoso. Ele precisará de amigos leais. Mas quem entre esta multidão pintada e perfumada podia realmente ser considerado um amigo? Rei Felix falou novamente, atraindo a atenção de Varzil. Levou alguns momentos para que a multidão se silenciasse o bastante para ouvir suas palavras. -... real prazer em anunciar que o casamento entre Príncipe Carolin e Dama Alianora Ysabet Ardais foi marcado para o Festival de Verão... Varzil tentou olhar para seu amigo. Um velho cortesão virou-se para seu vizinho e disse, Que alívio que enfim tenha sido marcado. É uma brilhante combinação, é claro. Ela herdará toda a fronteira ao longo do Rio Scaravel. - É, isso estabilizará toda a região, - seu companheiro concordou. Àquela altura, gritos de alegria explodiram espontaneamente. Carolin virou-se para a multidão e inclinou sua cabeça em reconhecimento. Varzil não pode ler nada dos pensamentos de seu amigo, ou ver algo por trás da graça de seu sorriso. Carolin, como qualquer jovem do castelo, teria sido prometido assim que tivessem certeza que sobreviveria à infância. Seu irmão de criação, Orain, não estava apenas casado, mas tinha um filho. A única razão para que Varzil não tivesse ainda sido prometido em casamento era sua infância problemática. Se o resgate dos homens-gato não tivesse intervindo, seu pai provavelmente já teria encontrado uma aliança adequada para ele logo após sua apresentação ao Conselho Comyn. Era assim que o mundo era. Carolin nunca falara de seu noivado, o que sugeria que ele mal conhecia a garota. Este também era o costume. Os próprios pais de Varzil nunca haviam se olhado antes do dia de seu casamento e tinham vivido amigavelmente bem juntos, gerado seis crianças, quatro delas ainda vivas. Um homem não podia pedir mais do que isso naqueles tempos incertos. Isto é, um homem comum. Mas Carolin não era comum. Tinha laran suficiente para ser treinado em uma Torre e sua própria natureza… passional, romântica, amor pela honra e aprendizado... o havia dividido. Embora Varzil tivesse ainda que achar um amor em Arilinn, sabia da impossibilidade de um


telepata tentar intimidade física onde não houvesse ligação mental, comunhão direta com o coração. Seria como copular com um animal. Ele sabia que era incapaz de uma coisa dessas. Varzil, observando Carolin receber as felicitações de seus primos reais, sentiu uma pontada de perda e desapontamento. Agora, seu amigo tinha passado de um mundo que compartilhavam para outro que não podia... e não desejava... seguir. Depois de concluída a recepção formal, o rei retirou-se para seus próprios aposentos, onde jantaria com sua família e hóspedes mais tarde. Os cortesãos e hóspedes do feriado que ficaram no castelo seriam servidos à moda antiga, em mesas armadas no saguão central. Assim que Rei Felix saiu, servos começaram a correr com as preparações. Maura, Jandria e Orain desapareceram na confusão. Cortesãos se reuniam em grupos e rodinhas, e Varzil percebeu como disputavam por vantagens entre si. Houve súbitas distinções, de quem cumprimentou quem, quem foi o primeiro a se retirar. Ele pegou lampejos de conversas. Duas damas, elegantemente vestidas em tartãs de Hastur de Carcosa, especulavam em voz baixa sobre problemas de genes recessivos próprios nos Ardais de Scaravel. - Ao menos, infertilidade não será um problema, - uma torceu o nariz. - Oh, isso é certo para Príncipe Rakhal e Dama Maura, pois ela é uma Elhalyn e, portanto, parente. - Não tão próximos, - a primeira dama disse, batendo de leve no braço da amiga com seu leque dobrado. - Nada disso será consumado até que ela seja liberada de sua Torre e, digase de passagem, não será tão cedo. Não duvido que seja completamente esquecida. - Querida! Estava certa que tinham sido feitos um para o outro, sendo criados juntos desde que eram crianças. - Escreva o que eu digo, se ela demorar muito, o Rei arrumará outro casamento. Não me surpreenderia se tivéssemos um monte casamentos. Terei que encomendar uma dúzia de novos vestidos ao menos. O Rei está maravilhado com a ideia... O olhar da dama passou sobre Varzil enquanto andava. Ela ergueu o queixo e virou-se, indo na direção da assembleia. O jovem atarracado que havia lembrado Rei Felix da morte do pai de Carolin agora forçava seu caminho pela multidão para cumprimentá-lo. Eles se abraçaram como parentes. - Estes são meus amigos de Arilinn. Meu primo, Rakhal. - Carolin inclinou-se na direção de Rakhal para que pudesse ouvir sem gritar. - Meu tio... quanto tempo está desse jeito? - Ele ficará melhor agora que você está aqui, - Rakhal respondeu no mesmo tom. - Devo atendê-lo em seus aposentos agora. A excitação de hoje foi demais. Ele não é forte, você sabe. Ficou sentado por horas nos últimos dez dias, ouvindo casos que não devia ter vindo para a cortes. Mas um pouco de cuidado o fará bem. - Rakhal inclinou-se e virou-se em direção à plataforma. O segundo ficou para atrás. Varzil julgou-o curiosamente, pela semelhança inicial entre eles, Carolin e Rakhal, ser forte, indo além do marcante cabelo vermelho. Portanto, se precipitara. Esses três podiam ser parentes de sangue, mas não eram nada parecidos. Enquanto Carolin mantinha uma graça inconsciente e Rakhal parecia apático, um homem que viria a engordar sem o hábito do exercício e autocontrole, este jovem era magro e


nervoso, com uma certa inquietação. Seria bom para ele, Varzil pensou, uma ou duas temporadas de treinamento na Torre. Jandria emergiu da multidão, de braços dados com Maura como se fossem irmãs. Seus olhos vacilaram na plataforma vazia. - Veremos pouco Rakhal esta noite, enquanto ele arca com todas as responsabilidades pessoais como ajudante de ordens do Rei, - ela comentou com ninguém em particular. - Você diz isso como se não fosse uma coisa boa e nobre, - o segundo jovem disse. - Não seja tão sensível, Lyondri! - Jandria replicou. - Somos todos conscientes de quão obediente é Rakhal, - Maura disse ao mesmo tempo. - E se algum de nós esqueceu disso, - Jandria continuou sem tomar fôlego, - você certamente nos lembrará. Poupe-me! Levarão ao menos uma hora arrumando aqui e os aposentos do Rei. Vamos achar Orain e nos mandar daqui. - Estou aqui, - Orain falou a um passo atrás de Carolin. Ele andava tão firme e em silêncio que Varzil não o percebera se aproximar. Cortesãos passavam por eles, pedindo desculpas. - Rakhal mandou seus cumprimentos e pediu que fossemos sem ele. - Então vamos cair fora daqui antes que sejamos pisoteados, - Maura foi empurrada sem querer por um cortesão. - Estamos bem no meio da passagem da cozinha. - Ela virou-se para Lyondri. - Você vai conosco? Lyondri concordou e estendeu o braço para ela. Jandria seguiu sozinha e Orain ao lado de Carolin, deixando Varzil e Eduin o seguirem. Uma jovem serviçal, corada pelo esforço, pulou para o lado ao evitar ser derrubada pela saia de uma dama e tropeçou sob o peso de seu fardo, um enorme jarro de cerâmica. Ela colidiu com Eduin e o jarro derramou vinho para todo o lado antes de cair, miraculosamente inteiro, no chão. Agachando-se, ela pegou o jarro, mas não antes de deixar escapar uma poça de líquido vermelho. Então ergueu os olhos para ver as manchas escuras na bela camisa de linho e casaco de Eduin. - Oh, senhor! - ela gritou, sua face corando ainda mais. - Sinto muitíssimo, senhor! Eduin esfregou seu casaco, mas foi inútil. As gotas já haviam penetrado no tecido. - Oh, senhor! - A garota estava quase às lágrimas, ficando mais incoerente a cada instante. Com suas mãos nuas, tentou juntar a poça derramada. Ela se aproximou como se fosse limpar a roupa de Eduin, mas ele se afastou. - Sua estúpida... - Eduin bradou. - Não toque em mim! Já não aprontou o bastante? A garota encolheu-se, abraçando a si mesma. Ela já foi agredida antes. Nenhum servo em Água Doce jamais fora agredido, não importa qual fosse sua falha. Dispensado, sim, ou julgado e punido. Dom Felix uma vez mandara enforcar um homem por envenenar um poço que levara duas crianças à morte. Mas aquilo fora um ato de maldade. Uma surra apenas aumentaria a má sorte. - Eduin, está assustando a pobre garota... - Varzil começou. - Olhe para essas manchas! Como poderei jantar com o Rei vestido assim? Varzil nunca vira Eduin tão nervoso, e por um motivo tão trivial. Então se lembrou de como Eduin havia exibido sua roupa emprestada mais cedo naquela noite. A própria família de Varzil vivia com simplicidade, mas tinham terras e servos, roupas quentes, comida decente, bons cavalos para cavalgar. Nunca passaram necessidade. Havia sido presenteado com algo mais belo do que aquilo pelo Conselho Comyn, ter sido aceito entre eles como igual. Ele nunca... e agora olhava para Eduin com novos olhos... tinha sido pobre.


Outros detalhes chegaram a ele, as origens obscuras de Eduin, os rumores de que seu nascimento fosse um resultado infeliz entre uma dama bem nascida e um cavalariço, mesmo seu cabelo, castanho em vez dos tons de vermelho tão comum naqueles com laran. Não era de admirar que Eduin permanecesse sempre tão sério, mal humorado sobre sua posição em Arilinn. Não é de admirar que reagisse com ciúmes a qualquer intromissão entre sua amizade com Carolin, seu ressentimento pelo avanço rápido de Varzil. Varzil podia apenas imaginar quais cicatrizes ele escondia por trás daquelas polidas barreiras, medos de que o pouco que tivera na vida lhe fosse tirado tão facilmente. Varzil agachou-se ao lado da garota, focalizando seu laran através de sua pedra-daestrela. Era algo simples o bastante aumentar a tensão superficial do vinho. Em vez de um lençol de líquido, rapidamente espalhando pelo chão, ele assumiu uma forma redonda. Tocando a camada externa, Varzil era capaz de pegá-lo como uma bolsa de geléia e facilmente colocá-lo de volta no jarro. A garota, que estivera observando com os pulsos sobre a boca em espanto, deu um pequeno grito. Varzil ajudou-a a erguer o jarro e balançou-o em suas mãos. Com um olhar de ingênua adoração, ela se afastou rapidamente. - Olhe por onde anda! - Eduin gritou para ela. - Varzil, não sou o Guardião de sua consciência, mas não devia desperdiçar seu laran tentando ajudar. A garota era desajeitada e devia limpar tudo sozinha. Esse é o único jeito de pessoas como ela aprenderem algo. Varzil duvidava que ser publicamente humilhada e agredida ensinasse algo a garota senão que nobres deviam ser evitados. Relembrando a sabedoria de cozinha de Lunilla, ele disse, - Essas manchas de vinho evaporarão facilmente, especialmente se fizermos isso antes que sequem. - Ele abaixou as barreiras de seu laran em uma abertura para trabalharem juntos. - Não quero sua simpatia! - Eduin replicou. - E certamente não preciso de sua ajuda! Varzil afastou-se surpreso. Eduin tinha sido cortês, se não publicamente amigável, desde que trabalhavam juntos no círculo no último ano. Não tinha ideia do que havia feito para merecer tal resposta... talvez nada. Talvez fosse meramente um alvo conveniente. Ah, Varzil pensou, nem todos os ferreiros da forja de Zandru podiam emendar um ovo quebrado ou a natureza teimosa de um homem, ou então isso seria gentileza de seu pai. - Devo dizer aos outros que se juntará a nós em breve, então? - Varzil disse. Sob outras circunstâncias, ele teria permanecido ali, para que Eduin não fosse deixado sozinho em um local tão confuso. Claramente, sua presença estava sendo tão irritante quanto o barulho nos brocados de marfim. Varzil desceu o corredor até os aposentos de Carolin, passando por guardas de pé e portas fechadas. Maura colocou a cabeça para fora da porta mais larga e acenou para ele. - Sean, - ela falou para o guarda do lado de fora, - fique atento com Eduin. A sala de estar de Carolin era quase tão larga quanto o vestíbulo de reuniões familiares em Água Doce. Se todas as suítes fossem assim tão grandes, não era de admirar que o castelo ocupasse tanto território. Varzil olhou ao redor para os ricamente decorados carpetes de Ardcarran, os painéis de pedra azul translúcido, tão belos e perfeitamente igualados que só podiam ter sido feitos por trabalho de matriz, os profundamente almofadados cadeiras e divã, a mesa baixa de madeira escura localizada em um mosaico cinza e madre-pérola. O calor encontrou sua face nua vindo da lareira com sua cobertura de mármore esculpido em relevo tamanho real de Aldones, Senhor da Luz, e seu filho, o


primeiro Hastur, o único que se tornara mortal pelo amor da Abençoada Cassilda e assim fundara o clã de seu nome. Carolin e Orain já haviam se acomodado no divã em frente à lareira, com Jandria em uma cadeira de braços. Lyondri mudava de um pé para outro como se incapaz de decidir se ficava ou não. Maura puxou uma das duas cadeiras restantes para uma distância confortável da lareira e gesticulou para que Varzil fizesse o mesmo. A cadeira era de madeira, embora de um gracioso modelo e excelente artesanato, amaciada apenas por uma almofada feita à mão. Ela sentou-se, costas retas, pés meticulosamente enfiados sob suas saias e mãos dobradas no colo. Varzil tomou seu lugar. - Não há nenhuma cadeira para Eduin. - Podemos mandar Sean buscar uma, - Carolin disse. - Isso contraria o propósito de se ter um guarda, já que você insiste em ocupá-lo com afazeres domésticos, - Lyondri disse. - Talvez as coisas sejam diferentes em Arilinn. - Acho que nós três conseguimos defender a honra das damas, se é com isso que está preocupado, - Orain disse em poucas palavras. Lyondri praguejou e estava prestes a responder quando Jandria caiu na gargalhada e disse, - Orain, nós podemos cuidar de nossa própria honra! Maura completou, levemente, que com dois e meio leronyn treinados na Torre, o meio sendo Carolin, ou três e meio quando Eduin aparecesse... elas não tinham nada a temer. - Prefiro suspeitar sermos nós que acabaríamos por defender o pobre Sean e não o contrário. Mas ninguém fez nenhum comentário sobre não ter nada a temer, ali na sede da família Hastur. O poderoso Reino de Hastur podia estar em paz no momento, mas isso não garantia a segurança pessoal do Rei e seu herdeiro. Arilinn, com seu Véu que admitia apenas a entrada daqueles dotados com laran, era uma fortaleza isolada. Em um círculo, nas salas de treinamento, mesmo nas reuniões noturnas, pessoas compartilhavam a intimidade da mente. Certamente nenhum intruso podia penetrar aquela comunidade. - O que é isso? - Maura inclinou-se na direção dele. Varzil balançou sua cabeça. Um pequeno calafrio, meio premonição, passou por seus ombros. - Estava pensando em Arilinn, que é tão... tão reservada. Lyondri perguntou de onde viera antes de Arilinn. Embora a questão fosse educada o bastante, havia algo nela, como uma lâmina saindo silenciosa de sua bainha. Varzil não se ofendeu, embora essa fosse a intenção. Havia intuitos dentro de intuitos ali, como um rio com rochas ocultas e bancos de areia, profundos e inesperados redemoinhos, rápidos em derrubar um barco nas rochas famintas. As ensolaradas margens musgosas, como a mobília suntuosa, eram como iscas e desafiavam os desavisados. Ele ainda não sabia quais eram seus aliados, ou quais usavam aquele sorriso falso por interesse próprio e malícia. Ele replicou, fingindo que aquela fosse nada mais do que uma dúvida cortês, mas antes que houvesse dito algumas poucas palavras, Eduin chegou junto com um grupo de servos que carregavam travessas de cerveja quente temperada, pão, maçãs frescas de inverno e


tigelas cheias de nozes com mel e biscoitos redondos aromatizados com casca que Varzil reconheceu como sendo uma delícia especial do Solstício de Inverno com sua cobertura de cristais açucarados. Ele percebeu, também, que o casaco de Eduin já havia voltado à sua aparência imaculada. Varzil sentiu o fraco resíduo da força mental que Eduin usara para remover as manchas de vinho. - Ah, Eduin! Salvou-nos de passar fome! - Carolin gritou. Pegando a travessa de nozes, ofereceu-a aos outros. Maura pegou um pouco, assim como Orain e Lyondri, mas Jandria disse esperaria pelo jantar. Ao aroma da comida, Varzil sentiu uma onda de náusea. Instantaneamente identificou como uma combinação da fadiga natural após uma longa jornada e o desgaste de seu laran quando recolheu o vinho. Ele mordeu um pãozinho doce e recusou o vinho quente, sabendo o quão forte seria seu efeito, devido sua fome. Precisava manter todo o seu controle. Eduin, também, ajudou-se com os doces repositórios de energia, embora aceitasse uma taça fumegante. Por um longo e estranho momento após os servos saírem, os novos amigos ficaram sentados ou de pé, concentrados em sua comida. Carolin rompeu o silêncio, dirigindo-se para seu primo, Lyondri. - Rakhal está atrasado hoje. Estará rejeitando nossa companhia? - Ele tem ficado mais junto do Rei desde que você foi para Arilinn, - Orain disse com uma estranha hesitação. - Você diz isso como se isso não fosse o papel certo para um parente, - Maura replicou rudemente. - Quem mais deveria atender Sua Majestade quando esta mais precisa? Carolin parou, colocando a travessa de nozes ao lado das outras vasilhas. Ele franziu a testa e firmou a voz. - Não fui informado que o Rei estava doente. Porque não mandaram uma mensagem para mim em Arilinn? - Ele não está exatamente doente, nada mais do que enfermidades naturais da idade, Maura disse. - Para algumas indisposições não há cura. - Não havia razão para incomodá-lo, - Lyondri completou. - Príncipe Rakhal supervisionou pessoalmente cada aspecto dos cuidados do Rei. - Príncipe Rakhal? - Carolin disse, sua cabeça se erguendo. - Tornamo-nos tão formais uns com os outros? - Ele é o filho do irmão mais jovem do Rei, - Lyondri disse, inclinando-se para Carolin, mesmo que você seja do mais velho, Sua Alteza. Seu retorno a Hali aproximou-o ainda mais do dia em que ocupará o trono. Precisa também assumir a dignidade de sua posição. Carolin olhou de Maura para Orain, chegando em sua prima, Jandria, para ver se algum deles tinha levado a sério aquela declaração. - Não somos mais companheiros de brincadeira, pensando em nada mais do que no divertimento de amanhã, - Maura disse gravemente. - Lyondri disse certo. - Maura, nunca desejei nada mais do que sua verdadeira amizade, - Carolin disse. - Você será meu Rei um dia, - ela insistiu, - e esse é um destino do qual nenhum de nós pode escapar. Carolin sentou-se ao lado de Orain e esticou as pernas em direção à lareira. - Por favor, não se preocupe com essas questões de títulos. Há forças suficientes no mundo para separar até mesmo irmãos, sem a necessidade de distinções artificiais. Aqui,


nesta sala, nossos primos e amigos juntos. Certamente todos lembram das horas que brincamos juntos quando crianças nesses mesmos saguões. Venha agora, sente-se ao meu lado, Lyondri. Fique à vontade. Vamos aproveitar este tempo de festival, renovando laços com os velhos amigos e saudando os novos. Haverá tempo o bastante depois para discutir questões de estado. Algo estranho passou pelas feições de Lyondri enquanto se sentava na cadeira. A insignificância de estar situado à mão direita de Carolin claramente não o escapara. As linhas tensas de sua boca e maxilar se suavizaram, dando-lhe uma expressão mais aberta e generosa. E assim ficaram, falando sobre coisas inconseqüentes... o nascimento de um potro da égua favorita de Orain, o casamento de uma dama visivelmente grávida de outro homem, a desastrosa experiência da cozinheira com um bolo no formato de um dragão voando... até que enfim o jantar foi anunciado e eles desceram as escadas com um alívio amigável.


CAPÍTULO 12

Em sua temporada em Arilinn, Carolin pegara o hábito de acordar antes do amanhecer. Com o trabalho noturno terminado, os círculos se dispersavam e aquelas tarefas que requeriam luz do dia não haviam ainda começado. No verão, quando Carolin chegara ali, esta era a hora mais prazerosa, mas enquanto os dias se encurtavam e o gelo margeava a sacada externa de seu aposento, ele continuou se levantando, sob camadas de cobertores xadrez, para olhar para fora. Seu quarto dava para os Picos Gêmeos, terra alcançando o céu e homem submisso perante os dois. Ele pensava nisso como uma lembrança para um futuro rei. A calma da manhã possuía seus ossos e enquanto observava o grande Sol Sangrento clarear o horizonte, manchando os céus com sua luz, parecia que todo o mundo se estendia diante dele, silenciosamente esperando para ver o que ele lhe faria. Ele sempre soubera que não era um homem comum, era alguém que um dia seria rei. Até que fosse para Arilinn e submetesse sua mente à sua disciplina, ele não percebera que um destino ainda maior podia estar diante dele. Envolto em seu manto de pele, Carolin olhou para os pátios do Castelo Hastur e além dos telhados de Hali e perguntou-se se algum dia teria novamente essa mesma calma em seu coração, em sua alma. O castelo nunca estava realmente quieto. Sempre havia alguém por perto, algum guarda ou garoto da cozinha, algum conselheiro inclinado em seus papéis, alguém no estábulo perturbando um cavalo manco ou um filhote de cão. Esta é minha casa, meu lugar, ele lembrou-se pela centésima vez desde que chegara. Amanhã seria o Dia do Solstício de Inverno e o festival continuaria até o próximo amanhecer. Uns poucos dias depois, Varzil e Eduin voltariam para sua Torre. Ele estaria sozinho no meio de uma multidão como nunca estivera, pois apesar de amar a companhia de seus amigos de infância, eles não viram o que ele vira dentro de sua mente, nem sentiram o que ele sentira. Logo eles também iriam para caminhos separados. Maura retornaria para a Torre Hali e ao difícil e desgastante trabalho da Visão. Orain permaneceria por um tempo, pois era homem jurado de Lyondri, mas eventualmente devia retornar para sua propriedade e família. Era uma pena que o casamento, arranjado por Rei Felix, tinha acabado tão mal. Não era da natureza de Orain desejar qualquer mulher, mas os dois desprezaram um ao outro desde o início. Orain tinha um belo filho que claramente o adorava, mas Orain estava muito carregado de hostilidade pela mãe do garoto para apreciar ou mesmo ver o amor que o garoto tinha por ele. Era hora de deixar para trás coisas de sua juventude. Logo chegaria a hora de ser Rei. Mas ainda não. Notou algo se movendo, uma figura passando pela porta da cozinha em direção ao pátio, deixando profundas pegadas na neve da noite anterior. Pela altura, a forma dentro da volumosa roupa era irreconhecível, mas Carolin o teria reconhecido de qualquer jeito. Quem mais pararia no poço, como se estivesse ouvindo o coração da terra? Quem mais


precisava de um momento de reflexão em particular como um peixe precisava de água ou um falcão de suas asas? - Varzil! - Carolin gritou. Não havia necessidade. Seu amigo já havia se virado para olhar para ele e levantado uma mão em saudação. Carolin desceu correndo as escadas, trombando nos guardas e criadas carregando pilhas de lençóis, vassouras e tinas, e vasilhas com água aromática fervente para as suítes reais. Ele passou pela cozinha, quente e com o aroma da primeira fornada de pão do dia. Varzil ainda estava ao lado do poço quando Carolin o alcançou. O ar congelante penetrou sua garganta. Enquanto se aproximava de seu amigo, a alegria o invadiu. Vamos fugir! Ele queria gritar. Vamos viajar até o fim das Hellers e além! - O que está fazendo aqui fora? - ele disse. Varzil retorceu o canto da boca naquele seu meio sorriso, como se estivesse se deliciando por dentro. - E você? - Vamos descer para a cidade, - Carolin disse. - Deve haver algum lugar onde possamos achar jaco há essa hora. - Uma aventura além dos portões? - Varzil disse. - Arriscando assassinato ou seqüestro? Lyondri iria se revirar por dentro se soubesse, como a cabra naquela balada, embora por razões diferentes. - Está desafiando seu príncipe? - Você é meu príncipe? - Ridenow imprudente, não tem respeito? - Carolin jogou seu braço sob os ombros de Varzil e saiu na direção do portão. Havia aprendido em Arilinn a evitar tais contatos casuais, mas não sentira retração de Varzil. O gesto fora recebido tão naturalmente quanto foi oferecido. Os guardas no portão olharam incertos se deixavam Carolin passar ou insistiam em acompanhá-lo. Carolin mandou-os de volta, dizendo que apenas os virtuosos de coração estariam acordados àquela hora. Vilões já deviam estar na cama, sonhando com suas maldosas façanhas. Antes que os guardas pudessem formular uma réplica, os dois amigos passaram pelos portões e entraram na cidade. Hali, diferente de Torres montanhesas como Nevarsin, era cercada por largas avenidas. A neve tinha sido varrida do centro de cada rua e empilhada ao lado das construções. Ali nas terras baixas, era possível manter as ruas limpas. Em qualquer lugar das escarpadas Colinas Venza ou nas Hellers, a neve devia estar à altura da cintura naquela estação. Com as faces vermelhas de frio, mulheres e alguns homens cuidavam de seus afazeres. Eles saudavam uns aos outros. Alguns carregavam cestas de mercadorias a serem entregues, pacotes de lenha, ou baldes pendurados de água. Um homem liderava um grupo de chervines de carga, sinos tilintando em seus arreios. Carolin e Varzil foram para o mercado, onde umas poucas almas corajosas já haviam montado tendas protegidas do vento. Fazendeiros ofereciam comidas de inverno, como maçãs, repolhos e caruru, junto com barris da cidra fresca da estação. Um padeiro armara uma mesa em frente à sua barraca com travessas de pãezinhos quentes temperados e bolos trançados de mel.


- Jovens lordes! Experimentem meus deliciosos bolos! - a esposa do padeiro gritou, limpando suas mãos no avental. Suas faces brilhavam no frio. - Jaco! Jaco quente! - outra pessoa gritou do lado oposto da praça, ecoando o canto e resposta das cerimônias dos cristoforos. - Maçãs! Quem quer comprar minhas maçãs! Frescas como no dia em que foram colhidas! - Fitas! Belas fitas para os cabelos de minha dama! Carolin pediu duas canecas de jaco e depois notou que deixara o castelo sem nenhum dinheiro. O vendedor não o reconheceu, e suspeitava claramente do jovem ricamente vestido tentando usar sua posição para ganhar uma bebida. Quando Carolin começou a conduzir o homem ao castelo para o pagamento, Varzil estendeu para o homem quatro ou cinco pequenas moedas de prata. O homem olhou para o estranho desenho estampado no metal, testou um contra o dente, e embolsou-o com um sorriso. - E uma bela manhã para os dois, m’lordes, - ele disse. - Eu chutei a quantia, pois não sei o valor aqui, - Varzil admitiu enquanto saíam, sorvendo suas bebidas quentes. - Provavelmente era muito. - Muito para o jaco, sim, mas não pela hora e preço das canecas, - Carolin disse. Após uma pausa, Varzil disse, - Ele não o conhecia. - Não, apesar de alguns dos ricos mercadores conhecerem, aqueles que já estiveram na corte. Vivi aqui apenas alguns anos antes de ir para Arilinn. Não, não sou um homem da cidade, nem por nascimento ou escolha, embora isso deva mudar. Cresci no campo, na propriedade de minha mãe em Lago Azul. Muito bonita no verão. Pacífica também, embora não apreciasse naquele momento. Em Arilinn, eu senti mais saudades de lá do que do castelo aqui. Ainda, - ele suspirou, enquanto a onda de saudade passava, - Hali é um lugar como nenhum outro. A não ser pela rhu fead, onde as coisas sagradas são mantidas. Há muitos lagos, mas apenas um em Hali. É o lar adequado para um Hastur de minha linhagem. Lago Azul foi minha infância, Arilinn uma escola de férias. Agora começa a minha vida real. Varzil pareceu pensativo. - Espero poder ver o lago. Ouço sobre ele desde criança, sobre suas estranhas nuvens onde se pode respirar ao invés de água comum e das criaturas que nadam em suas profundezas. - E não adicionou o fato de não haver tempo para uma expedição como aquela, não com a chegada de mais hóspedes e membros de outros ramos do clã Hastur, todos ansiosos em usar a reunião do feriado para estratagemas políticos, acordos e fofoca. E depois, veio o pensamento não dito, Eduin e eu o deixamos livre para voltar a Arilinn. Carolin não havia pensado em como aquilo devia parecer a Varzil, estar ali em Hali, um lugar sobre o qual ouvira falar apenas em contos e baladas. Até uma geração atrás, nenhum Ridenow sonhara em andar livremente em território Hastur. Ele mesmo estivera tão ocupado com a saúde de seu tio, as notícias de seu casamento impedido, pondo-se em dia com os assuntos da corte, que tivera pouco tempo para bancar o anfitrião. Eduin alegremente atendera aonde fora convidado. Varzil permaneceu quieto nas sombras, nunca atraindo a atenção para si mesmo ou pedindo quaisquer favores. Varzil, como se captando seu pensamento, disse rapidamente. - Isso não importa. Vamos aproveitar esta breve liberdade, até que algum assistente de coridom chegue para nos puxar de volta.


Carolin, apesar de tudo, ainda estava infectado com a movimentada manhã e tentando escapar das intrigas e confinamento da corte. Uma ideia chegou até ele, como muitas das que tivera quando garoto. Havia um estábulo aonde ele era conhecido. Dinheiro não seria o problema. Ele sorveu o restante de seu jaco, queimando um pouco a língua. Pegando a caneca de Varzil, estendeu as duas para o passante mais próximo, uma jovem garota em um manto puído carregando uma pilha de roupas. O fardo era grande demais para ela, mas de algum modo ela conseguiu segurá-lo e agarrar as canecas antes que caíssem. Seus olhos brilharam e Carolin percebeu que, para ela, a louça de barro representava um tesouro inesperado, bem melhor do que qualquer um que sua família possuía. Não havia pedintes em Hali, mas nem toda família era afortunada. - Vamos! - Rindo, Carolin se direcionou aos estábulos. Varzil soube imediatamente o que ele pretendia, pois suas mentes estavam sob leve contato. Ele não objetou ou criou argumentos sobre porque um príncipe não deveria ir a uma expedição dessas na véspera do Festival de Inverno. Essa era uma das coisas que tornava Varzil tão agradável de conviver. Varzil era sempre flexível. Carolin vira sua natureza obstinada naquela manhã aos portões de Arilinn. Varzil parecia até contente por deixar outros comandarem sua própria vida... Ao contrário de Lyondri, Carolin pensou pesaroso, que parecia saber exatamente qual o dever de cada um e nunca hesitava ao relembrá-los a cada oportunidade. Varzil estava certo. Seu primo criaria uma enorme confusão. Isso fazia uma aventura parecer ainda melhor. Eles deviam aproveitar o máximo da manhã de liberdade. O homem no comando do estábulo reconheceu Carolin e providenciou dois cavalos selados. Eram os melhores que tinham para alugar, o que significava que tinham boca flácida e andar cambaleante, mas não tinham hábitos letais como sair empinando. Os cavalos balançavam suas cabeças em ritmo, soprando vapor de suas narinas. O gelo rachava sob suas ferraduras. Enquanto a cidade caía atrás, montes intocados de neve se espalhavam nos dois lados da estrada. Pingentes de gelo pendiam das cercas e formas de folhas congeladas brilhavam nos muros baixos de pedra. Arbustos delineavam os campos, rijos e sem folhas sob sua cobertura branca. Quando estavam a meio caminho de seu destino, ouviram atrás deles o som de cascos. Mesmo enquanto se virava em sua sela, a mão de Carolin foi automaticamente para onde sua espada deveria estar presa, ao lado de seu joelho. Não estava lá. Ele não precisava de uma dentro de seus próprios aposentos, e havia descido correndo para o pátio e depois saído sem pensar naquela aventura matutina. Mesmo dentro do vasto território Hastur, aquilo era extrema falta de cuidado. Negro em contraste com os campos, um cavaleiro atiçava seu cavalo em sua direção, ainda longe o bastante para ocultar suas feições. Não vestia cores, nem o azul e prata de Hastur, nem qualquer outra. Podíamos fugir dele... A risada de Varzil afastou o pensamento. - Não precisamos correr deste cavaleiro! O cavalo de Carolin dançou sob ele, infectado pela sua própria agitação. - Como...?


Pergunta estúpida. Aquele era Varzil, que algumas vezes sabia o que ele estava pensando antes mesmo que ele percebesse. Varzil que tinha resgatado seu irmão das garras dos homens-gato, apesar de nunca terem barganhado ou sido feito prisioneiros. Varzil que tocara sua mente pela primeira vez... e recolocara seu ombro... quando havia perdido totalmente seu equilíbrio no pomar em Arilinn. Com um estranho calafrio, Carolin se deu conta de estar mais seguro na presença de Varzil do que em qualquer outro lugar, mesmo na mais poderosa fortaleza. - Lorde Carolin! - a voz vacilou ao longo da estrada. - Orain! Carolin reconheceu o cavalo daquele mesmo estábulo, um cinzento cheio de moscas de andar duro e temperamento desagradável. Orain pegara pesado com ele. Arfava pesadamente e linhas negras de suor listravam seu couro. O próprio Orain não parecia melhor, sua face angular firme, olhos sombrios. Carolin percebeu que estava armado. - O que está fazendo aqui? - Carolin perguntou. Orain se enraiveceu. - O que você está fazendo aqui? - Obviamente, estávamos a caminho do lago. Lyondri o mandou para me espionar? Varzil hesitou à reação de Orain. - Carlo, Orain não podia saber onde estávamos indo, apenas que deixamos o castelo sem uma escolta apropriada. O que mais ele poderia fazer? Carolin sentiu-se embaraçado. Amor, não a conspiração da corte, havia enviado Orain atrás dele. Era cruel zombar de tal lealdade. - Sinto muito, - disse a Orain, - é apenas diversão, como quando éramos garotos. Nunca pretendi causar nenhuma preocupação, muito menos a você. - Não somos mais crianças, - Orain disse com firmeza. É exatamente o que Maura disse. O cavalo de Carolin remexeu-se sob ele, captando a onda de emoção. Ele quisera apenas estender as férias um pouco mais antes de assumir o manto dos Hasturs, esperando até a hora de tornar-se Rei. Em Arilinn, tinha sido fácil esquecer, ser simplesmente Carolin. - Já que veio até aqui, - Carolin disse, espantando o mau humor, - vamos todos juntos. Sua espada e os raios de Varzil será proteção mais do que suficiente! - Ele virou seu cavalo em direção ao lago e bateu-lhe com os calcanhares, sem esperar por uma resposta. - Meus o quê? - Varzil gritou, chutando seu cavalo relutante para manter o passo. - Você não pode lançar relâmpagos das pontas dos dedos? Pensei que todo leronyn podia fazer isso! - Carolin riu disfarçadamente à expressão ultrajada de Varzil. Ocorreu-lhe depois, muito depois, que aquilo não era algo com o que se brincar. O lago surgiu à vista, como Carolin o recordava. A certa distância, parecia uma neblina que nunca se dissipava ou se movia, apesar dos ventos e clareza do céu. O sol estava subindo agora e brilhava na superfície mística. No lado oposto, a Torre se erguia, uma esguia estrutura de pedra pálida e translúcida tão estimada pelo Comyn. Eles pararam seus cavalos perto da margem, e ouviu-se o suave bater das ondas que transbordavam nas encostas. Varzil desmontou para pegar um punhado do nebuloso material.


- Não é nem água, nem nuvem, - Carolin disse, repetindo o que seus tutores disseram. Ele escorregou da sela. - Você pode atravessar até o fundo. Orain e eu tentamos uma vez... o que, seis anos atrás? Orain concordou. Ele permaneceu em seu cavalo, olhos esquadrinhando o horizonte. Aquilo era bem coisa de Orain, manter-se à parte, observador. De repente, Carolin ressentiu-se à lembrança do perigo. - Vamos. - Gesticulando para Varzil, Carolin entrou no lago. Varzil assustou-se enquanto a água-nuvem ondulava contra suas botas, mais como orvalho do que líquido. Ele recuou, estremecendo. Alarmado, Carolin virou-se. - O que foi? - Não sente isso? - Varzil perguntou. - Este lugar... do que disse que este lago era feito? - Não sabemos. O evento é chamado de Cataclismo. Deve ter havido registros antes, mas se ainda existem, estão perdidos. - E é algo bom, também, ou alguém certamente teria ressuscitado qualquer arma terrível que tenha transformado um lago comum neste lugar fantasmagórico. Varzil balançou os ombros e as águas ao seu redor vibraram com o movimento. - Foi embora... - O quê? - Por um momento, eu pensei… Você sabe que objetos físicos podem reter impressões de laran, especialmente de fortes emoções. Bem, - com um brilhante sorriso, nós chegamos até aqui. Vamos continuar, assim poderei contar ao povo em Arilinn sobre o peixe-pássaro do qual cantam os menestréis. Eles continuaram. Carolin prendeu a respiração e afundou a cabeça sob a superfície. O sol, alto agora, enchia as águas com seu brilho. Contra todos seus instintos, ele abriu sua boca e inalou. Era como respirar uma grossa névoa. As rochas da margem deram lugar às encostas de areia em declive. A atmosfera ficava mais densa. Carolin forçou-se a respirar regularmente e a sensação de sufocamento suavizou. Abaixo, verde brilhante e objetos laranja tremeluziam com as correntes de nuvem. Carolin tocou a manga de Varzil e apontou. - Peixe-pássaro. - A água mística abafou suas palavras. Próximo ao fundo plano, longos arbustos verdes pairavam em uma dança ondulante e rítmica, alguns ultrapassavam a altura de um homem. Carolin tropeçou em uma pedra sob a superfície de areia. A luz era mais fraca ali. As brilhantes criaturas coloridas nadavam ou flutuavam em cardumes, subindo e descendo em uníssono. Suas peles cintilavam quando um raio de sol as tocava. Varzil estendeu suas mãos para o peixe-pássaro, chamando-o gentilmente com seu laran. Diziam que os Ridenows tinham uma particular empatia com os animais e devia mesmo ser assim, pois eles o rodearam, os vermelhos pequeninos passando entre seus dedos estendidos como fitas vivas. O prazer de Varzil ondulou pelas águas, e através de seu leve contato, Carolin sentiu alegrar seu próprio coração. Carolin ficaria feliz em voltar, mas então Varzil tomou a liderança, levando-o ainda mais para o fundo. O peixe-pássaro os seguiu por um tempo, pulando para beliscar seus cabelos ou olhar com curiosidade, sem piscar. As águas escureceram enquanto a luz que penetrava em suas profundezas diminuía. Bem além do limite da visão, fracas luzes tremeluziam.


Mais peixes-pássaro? Carolin se perguntou, ou algo ainda mais estranho? Sentiu um calafrio na espinha e a sensação de liberdade diminuiu. Sombras o pressionavam, e as correntes criavam inscontantes figuras entre os arbustos. Ele procurou por Varzil, para puxá-lo de volta em direção à luz, mas seu amigo balançou a cabeça e continuou. O que ele iria fazer, deixá-lo ali? Varzil não conhecia nada dos perigos do lago de Hali; a necessidade de continuar respirando mesmo quando não sentia necessidade, os sinais de fadiga e confusão mental. Só um pouco mais, e depois iremos embora, mesmo que eu tenha que levá-lo à força! Varzil parou, tão subitamente que Carolin chocou-se contra ele. Varzil apontou, criando ondas de nuvem-água com o movimento. Adiante, oculto pelas correntes de névoa, havia uma enorme forma, muito maior do que um homem. Carolin não podia saber se aquilo realmente existia ou se era algum truque da luz e da névoa turbulenta. Enquanto se aproximavam, contudo, ele viu a pedra sólida, uma única coluna caída. Algas e areia cobriam sua superfície. Não podia notar sua cor original. Mesmo gastos pelo tempo e pelas ondas de nuvens-água, os contornos pareciam suaves, como se tivessem sido trabalhados por tecnologia de matriz. Havia marcações, mas estavam tão escurecidas que não conseguiu decifrá-las. De algum modo, ele não queria tocá-la. Varzil, com aquele seu jeito destemido, foi direto para a coluna caída. Ela chegava na altura de seus joelhos. Com um braço esticado para se equilibrar, ele estendeu sua outra mão e tocou a pedra com sua palma. E gritou.


CAPÍTULO 13

Um grito ressoou através da mente de Varzil, abafando qualquer som e imagem. Vibrou em seus nervos, preencheu o vazio de seus ossos, estremeceu por seu sangue. As correntes negras de nuvem-água se desvaneceram. Tudo que podia ver era a névoa branca. Em instantes, ele perdeu toda a consciência de seu corpo e ao seu redor. Nem ao menos sentia seu coração batendo, não lembrava seu nome. Como uma partícula congelada em um vasto e nebuloso mar, ele vagou. Os últimos ecos do grito morreram em silêncio. Enquanto seus olhos clareavam, formas surgiram à sua frente. À princípio eram como traços prateados contra a brancura pontilhada. Gradualmente, tomaram forma e substância. Seus contornos permaneceram borrados como se estivessem sendo vistas por lentes rachadas. Ele olhou por cima de uma Torre de uma altura que nunca vira antes. A pedra translúcida brilhava como se tivesse cheia de luz, mas a cor mudara sutilmente para um cinza angustiante. Então, estranhamente como nos sonhos, Varzil desceu. Ele passou através das paredes de pedra como se fosse um fantasma. Radiância preencheu o espaço no qual ele se encontrava. Aquilo queimava ao longo de seu corpo espectral. Laran. O ar estremeceu com uma intensidade nunca sentida, nem em seu trabalho em Arilinn, nem mesmo quando era uma criança recém acordada para seus poderes, ouvindo o Ya-men murmurar suas músicas sob as quatro luas. Varzil traçou a origem do laran. Estava dentro da Torre agora, olhando de cima para uma sala circular. Parecia sutilmente estranho, fora de foco. A sala era grande, julgando pelas pessoas reunidas ali. Sentadas em seus bancos, pareciam-se muito com um círculo de trabalho. Uma mesa ocupava o centro da sala, dominada por uma enorme matriz artificial. A matriz era octagonal, duas vezes o comprimento de um braço humano, e disposta em camadas de forma a ter metade disto em altura. Pontos de luz azul piscavam como um entrelaçado de teias de aranha. A mesa na qual se encontrava brilhava com pequenos pontos de iridescência, os quais ressoavam com a força da matriz. Varzil nunca vira uma matriz artificial daquele tamanho e força antes. Em Arilinn, círculos trabalhavam com as do sexto até o nono nível. Uma matriz de sexto nível requeria seis trabalhadores treinados mais com um Guardião para operá-la com segurança, e os círculos conservadores de Arilinn raramente excediam esse número. Teoricamente, era possível construir matrizes de qualquer tipo... nono, décimo, até mais... mas quanto maior o nível, maior o potencial para o desastre. Um único elo fraco no círculo, um coração titubeante ou lapso de concentração, poderia desencadear uma força incontrolável. Nem Auster, nem qualquer outro Guardião ético aprovaria o risco. Pelas energias que surgiam através dela, aquela deveria ser uma matriz de vigésimo nível, ou possivelmente maior. Varzil contou quinze pessoas na sala, a maioria vestida em mantos cinza opaco, mais um único homem de manto vermelho que era reservado, por tempos imemoráveis, para Guardiães. Aonde na face de Darkover poderia existir tal coisa? Como permaneceu escondida?


E o que aquele círculo anônimo pretendia fazer com ela? Força vibrou através do contato, raios de luz que permaneciam em sua visão como vapores fuosforescentes. Tornou-se incômodo olhar para eles. Uma repulsa visceral àquela coisa cresceu dentro dele. Varzil não conseguia entender sua reação, ao menos que fosse algum efeito da estranha condição em que se encontrava. Já encontrara força de laran antes... nas matrizes de Arilinn, nos seus círculos, dentro de si mesmo. Ele respeitava aquilo, mas não temia. Subitamente, percebeu o que tornava aquela matriz diferente. Todos os outros dispositivos e usos naturais de laran que conhecera eram, em sua própria essência, humanos. Pedras-da-estrela trabalhadas pela concentração e foco natural de talento mental. Não eram geradas por si só, nem sugavam força de qualquer outra fonte. Energia de laran, criada por leronyn individuais ou por círculos trabalhando em conjunto, podia ser armazenada em baterias e outros aparatos construídos à partir de pedras-da-estrela menores e individuais. Mas aquela... de algum modo, à despeito de toda a sua experiência e tudo que lhe havia sido ensinado, era alimentada por alguma outra fonte. A origem da força não era humana, isso ele tinha certeza. Não tinha certeza se era viva. Isso o assustava e fascinava ao mesmo tempo. Embora fosse a última coisa que quisesse fazer, ele forçou-se a se abrir à enorme matriz. Impressões sensoriais invadiram sua mente, muito intensas e breves para se identificar. Ele sentiu o odor de ozônio de um relâmpago, de água, de cinzas, e ainda assim nada disso era concreto. - Va’acqualle... espiões! ´imyn!... - ...kiarren... acabe logo com isso... Do círculo de trabalhadores abaixo surgiam vozes, abafadas e estranhamente compassadas. O ligeiro contato com a matriz havia trazido Varzil ainda mais àquele mundo. Haviam notado a sua presença. Uma mulher, seu cabelo agora visível como uma onda de vermelho-claro sob um cinza místico, olhou em sua direção. Varzil recuou, subitamente relutante em se fazer visível antes de saber o que acontecia ali. O olhar da mulher continuou a cruzar a sala sem parar. Seu questionamento mental passou por ele como se não estivesse ali. A sensação de perturbação, de ver e ouvir ecos, aumentou. Aquela leronis era alerta e habilidosa, mas ainda assim não podia vê-lo. O que estava acontecendo? Estaria olhando para o passado, para eventos impressos na própria substância do pilar de pedra? Sim, devia ser. Aquelas palavras que conseguiu distinguir tinham uma estranha entonação arcaica. Mas e se estivesse visualizando algum antigo círculo em andamento, significaria que uma Torre esteve lá um dia, no meio do lago? Porque não havia recordações daquilo, nem mesmo em arquivos de Arilinn? Aonde ele estava? Quando ele estava? Abaixo, a mulher que olhara para cima voltara ao seu trabalho. Varzil sentiu o Guardião projetar-se ao círculo e começar a reuni-los em uma unidade única. O laran do Guardião


parecia turvo e distante. Com uma técnina totalmente estranha à Varzil, ele reuniu cada membro. Se Varzil não se enganara, este Guardião tecia suas mentes humanas no padrão da própria matriz. Não apenas isso, ele o fazia tão facilmente como se já o tivesse feito muitas vezes antes, e não havia nenhum sinal de resistência do círculo. Por sua vez, eles aceitavam como normal aquela manipulação de suas mentes humanas para a estrutura inorgânica e mecânica da matriz. O que Varzil testemunhara não devia ser possível... pedras-da-estrela, mesmo unidas e sintonizadas até o mais alto nível, podiam apenas amplificar as energias mentais naturais que passavam através delas. Eram as pedras que serviam os humanos, não ao contrário. Senhor da Luz! Que coisa sobrenatural estava acontecendo ali? E o o que pretendiam fazer depois? Ele precisou de toda a disciplina de Arilinn para permanecer imóvel, para não tomar qualquer ação precipitada, revelando a si mesmo. Não podia arriscar uma explosão emocional. Enquanto os membros do círculo saltavam, um a um, para a união com a matriz, suas personalidades individuais se dissipavam. O entrançado de teias pulsava, primeiro suavemente, depois mais rápido e radiante enquanto mais mentes se uniam. Os contornos dos homens e mulheres turvaram e a sala escureceu, mas talvez fosse apenas um contraste com o brilho crescente da matriz. Cada nova explosão de radiância lavava de azul-cinzento as faces dos trabalhadores. A sala em si parecia deslizar e se distorcer. Lá fora, montanhas se erguiam nuas e escuras como presas famintas sob uma única lua. Varzil conhecia apenas um lugar em Darkover onde montes tão desertos e sem vida erguiam seus picos solitários para o céu vazio. Não pode ser Halt, Varzil pensou. Deve ser algum lugar nas profundezas das Hellers. Mas desde a destruição da Torre Tramontana há uma geração, não havia círculos trabalhando em toda aquela cadeia de montanhas. Não importava a sensação inquietante, nem o estranho eco de som e imagem. Ele não estava apenas olhando para o passado, mas ultrapassava a distância de meio continente. Um pensamento surgiu no fundo de sua mente, um do qual ele não gostou nem um pouco. Aldaran. O pensamento trouxe uma terrível revelação. O círculo lá embaixo estava completo, em ofensiva união com a gigantesca matriz. A sensação de relâmpago e cinzas voltou até dominar cada fibra de sua presença. O foco de energia não subia ultrapassando nuvem ou chuva, mas descia. O círculo ia em direção ao centro do planeta, procurando as linhas de seus campos magnéticos. Para reunir aquelas enormes forças inumanas… e fazer o quê? Mandá-las para onde? Halt A Torre de Hali? O pensamento ressoou em sua mente como o bater de sinos.


Hali! Hali! Hali! Uma onda de alerta lhe respondeu, uma quebra na concentração do círculo abaixo. Eles o tinham ouvido. - Demônio! Espião! - Como fogo verde, laran foi atirado em sua direção. Reflexivamente, ele se atirou para trás. Não! Vim como amigo! - Segurem este imyn! A próxima onda de energia, um instante após o primeiro ataque, espalhou-se como uma teia ardente. Horrorizado, Varzil a viu correr em sua direção. A sala girou ao seu redor. O primeiro fio o tocou. Lançou-se através de sua forma astral, cáustico como ácido. Agonia o invadiu. O ar explodiu em seus pulmões. Sua visão tornou-se branca, depois cinza. Não podia ver o círculo sob ele, nem mesmo as antes radiantes pulsações da matriz nem sua própria forma espectral. Encolheu-se em uma partícula de dor, uma partícula que se movia, devagar e inexorável, para baixo. Uma garganta escura se abriu para engoli-lo. Não! Seu grito mental soou fraco e metálico, mas ao menos ele tinha uma voz. Reuniu toda sua determinação para o próximo arremedo. - EI. Os ecos batiam no cinza infinito. Vagamente, ele avistou o círculo, os pontos de luz encoberta por sombras, as pálidas paredes. Força reuniu-se lá embaixo, sombria e transbordante. Hali… devo avisá-los em Hali… Varzil se afastou, recuando através das paredes da Torre. Avistou as montanhas por um instante antes de sumirem na névoa. Por um instante, temeu que tivesse entrado no Mundo Superior, aquele estranho reino mental onde não havia tempo nem distância. Mas não, não havia o chão cinza suave, nenhum céu incolor, nem luz opaca sem direção, nenhuma das marcas que ele lembrava de sua breve visita supervisionada. Ele flutuava em um mundo de vapores dançantes, entrando em redemoinhos e correntes… como as nuvens-água do lago. O Lago de Hali. Ar, pesado e úmido, tocou sua pele, ganhando substância à cada instante. Ele sentiu a torção no estômago do deslocamento no tempo… Não! Não posso voltar, ainda não! Não antes de avisá-los! Hali. Embora nunca tivesse entrado na antiga Torre, ele visualizou-a em sua mente do modo como a vira naquela mesma manhã, uma alta e esguia estrutura, graciosa e


impenetrável. Conhecia as mentes dos que trabalhavam agora nas transmissões em Hali, mas não devia pensar neles naquele momento, senão seria sugado ainda mais rápido para o presente. Devia se concentrar no que Hali tinha sido, as pedras envelhecidas recém talhadas, seus contornos lisos e limpos, os painéis translúcidos ainda novos. Um lago de água comum soprado pela brisa da manhã, partículas de luz dançando à luz do sol. Uma cidade entre o lago e a Torre, branca como marfim inundado pelo brilho de flâmulas e bandeiras, árvores, jardins, fontes decoradas com jóias. Uma cidade de paz e esplendor como nenhuma vista antes por ele, e por todo o lado a marca artesanal do laran, mentes utilizadas para criar um paraíso. As imagens vinham mais fortes e viçosas agora, com uma urgência que não podia conter. Seus sentidos ficaram alertas, ressonando com a tensão estendida como um manto invisível sobre a Torre e todas as terras ao seu redor. Hali! A Torre! Certamente havia uma leronyn acordada à essa hora que poderia ouvi-lo, mesmo sem a ajuda das telas de transmissão. Enquanto sua mente se projetava em muda saudação, ele bateu contra uma parede mental tão sólida, que o impacto o atordoou. Apenas a ação concentrada de um círculo completo podia produzir uma barreira tão forte. Nem um sinal de presença escapava lá de dentro. Escutem-me! Ele reuniu toda a sua força no grito silencioso. Vocês estão prestes a ser atacados! Cuidado! Preparem-se! Por um longo momento, não houve resposta. Ele devia estar gritando para o vento. Havia trabalhadores de laran ali, reunidos em um círculo, mentes focadas, disso ele tinha certeza. Tinham voltado do mundo exterior e se armado contra intrusos. Talvez já soubessem do ataque iminente e se preparavam para ele. Ele percebeu que os eventos testemunhados no dia de hoje já haviam acontecido. Seus avisos eram inúteis. Não havia nada que podia fazer para mudar o passado. Como seria bom pensar daquele jeito, simplesmente imaginar-se de volta em seu próprio tempo e espaço. Essas pessoas já estavam mortas. Porque se empenhar em salvá-las quando inevitavelmente pereceriam de idade ou doença, mesmo se escapassem de qualquer arma monstruosa que Aldaran esteja até mesmo agora preparando. Mesmo agora… Varzil não pôde recuar. Ele sabia, e com o conhecimento vinha a responsabilidade. Talvez suas próprias ações ali tinham salvado Hali e todo o seu povo de uma catástrofe ainda maior. Talvez não tenha mudado nada. Qualquer que fosse o resultado, ainda teria sua própria consciência para encarar… se sobrevivesse.


Ele flutuou sobre o lago, as águas claras ondulando suavemente com o beijo da brisa da manhã. Por instantes, sentiu uma pressão crescer em suas profundezas azuis. À princípio, não houve sinal visível, ainda assim ele nunca duvidou. Pressão… iminência… A sensação de algo enorme e terrível se condensando. Formando, crescendo. Não notara o quão escuro e frio eram as profundezas do lago. Frio… mas não o frio que vinha do gelo, o familiar frio do inverno. Era um frio que nenhum fogo podia esquentar. O lago, que parecera tão agradável, agora tornava-se um útero para algo indescritível, uma coisa além da imaginação humana, concebido nos infernos congelados de Zandru. A manhã escureceu, todo o brilho se apagou. A superfície do lago surgiu, turbulenta, como uma coisa viva contorcendo-se na agonia do nascimento. A Torre em si a chamava, a convocava, puxava para a frente como uma cruel parteira. Varzil tentou visualizar o formato, vasto e sombrio, no chão do lago. As águas o escondiam bem. De repente, o céu ganhou vida. Trovejou. O céu ficou branco. Nuvens, cinzas de raiva, vinham violentamente do norte. Embora não tivesse forma física, Varzil tremeu diante da rapidez e violência da tempestade. Ele conhecia trovão, relâmpago e aguaceiro, o aterrorizante deslizamento de pedras e as enchentes. Mas isto, isto era completamente outra coisa. Focados como estavam na forma sob o lago, os trabalhadores de Hali reconheceriam o perigo iminente? Ou se achariam invulneráveis na Torre de pedra à prova de fogo? Hali! Ele chamou de novo. HAA-LL-II-II-IH! Um som como de uma avalanche preencheu o céu. Diferente de um trovão, este não cessou, mas crescia à cada segundo. Na cidade, as pessoas saíram de suas casas para amontoar-se nas largas avenidas. Varzil não podia ouvir, mas sentiu seus gritos e explosões, enquanto as estruturas de madeira pegavam fogo. As águas subiram, espumantes. As margens do lago estavam nuas, embora as profundezas permanecessem invioladas, como uma fortaleza. Por todo o lado, árvores tombavam. Muros de pedra quebraram e caíam. O cheiro de sangue e fumaça erguia-se da cidade. Varzil prendeu a respiração, rezando para as nuvens soltarem seu fardo de chuva, apagarem os incêndios, dissipar a terrível tensão. Não haveria aguaceiro nesta tempestade, ele percebeu, mas algo ainda pior. A Torre ainda se mantinha muda e inacessível. E ainda a coisa no lago crescia. Sobre ela, no ventre da nuvem mais espessa e raivosa, escuridão se condensava em um nó. O céu atingiu a terra. Luz explodiu sobre a Torre. Em um instante, toda a cor se desvaneceu. A cidade estava coberta de cinzas e nada se movia enquanto a luz se dissipava.


Ainda sem resposta da Torre. O foco do círculo tornou-se frenético, como se correndo contra o tempo. Eles pensam que podem resistir ao ataque e completar sua própria arma, a coisa sob o lago. E qual, Varzil se perguntou, seria o pior destino para o mundo inteiro? O trovão crescia, mas agora veio a resposta. No início, era apenas um eco, um ressoar. O céu havia atingido a terra e agora a própria terra respondia. Por todo o lado da Torre, cidade e lago, algo retumbou do próprio centro do leito de rochas e ainda mais fundo. O lago começou a borbulhar. Vapor subia em jatos da superfície. Uma forma surgiu através das ondas, enorme e negra como noite sem lua, disforme em seu súbito nascimento. Gritava enquanto surgia, o som crescendo acima do clamor do céu e da terra. Qualquer criatura que tivesse sobrevivido certamente ficaria surda. O corpo não fora feito para aguentar tal poder inumano, e mesmo a tênue forma mental de Varzil reverberou com aquilo. Por um tempo - um instante, uma hora, não podia dizer - Varzil perdeu toda a noção de quem era e onde estava. Ele se encolheu, disforme e imóvel, sem direção ou sentidos. Ventos invisíveis o atingiram, rebatendo a partícula de personalidade que era Varzil. Não via mais o choque de forças elementares à distância. Transformara-se em um redemoinho de si mesmo. Golpeado e rebatido, ele se segurou aos farrapos de pensamento. Cada momento arrancava alguma parte sua… seu nome foi levado pela corrente, ecoando, Varzil, Varzil, Varzil… até que as sílabas desapareceram no caos. Memória fragmentada, pedaços de imagens como pétalas espalhadas na terra… a sensação de seus braços e pernas… comida quente em seu estômago… o brilho nos olhos do homem-gato… o sorriso de Carolin… Dyannis saltitando pela cozinha, carregando o buquê do Solstício de Verão que ele colhera para ela… a voz de seu pai, rouca de emoção… Som moldou-se em melodias… uma voz… uma palavra... - Varzil! A reação vinha de longe. Havia algo que devia saber. Devia fazer. Cinza o envolveu, o único mundo que já conhecera, o única mundo que já existira. Atemporal, pairando eternamente. Silêncio. - Varzil, você tem que respirar! Pequenas e sem sentido, as palavras o envolveram, passaram por ele. Deixavam pequenos redemoinhos de discórdia, rapidamente se acalmando. Tão quieto, tão cinza… Tudo que sempre quisera. Tudo que sempre fora. - Respire, desgraçado!


Algo molhado e macio tocou sua boca. Ar forçou seus pulmões. O cinza se dissipou. Estremeceu com uma batida... lub-DUB, lub-DUB. Então o barulho sumiu novamente, deixando tudo quieto. Ele vagou novamente em direção ao cinza, sereno e eterno. Um suspiro, depois outro. A solidez formou-se ao seu redor, mãos em seus ombros, dedos apertando sua carne. Cabeça, pernas e estômago apertado. Começou a tossir, algo molhado espirrou de seus lábios. Ele respirou novamente, ouviu o chiado em seu peito. Cinza... sim, havia cinza, mas além dele, correntes místicas que afinavam e se partiam enquanto as atravessava, meio andando, meio flutuando. Um forte braço envolveu-o pela cintura, levando-o adiante. - Vamos, você consegue. - A voz soava pastosa através da névoa. - Continue, assim. Estamos quase lá. - Varzil concordou, sua garganta estranha demais para falar. Cambaleou ao subir, em direção à luz do sol. Arrastava os pés, escorregou em algo, levantou de novo. O chão ficou íngreme, mas a luz aumentava. Longos arbustos dançantes deram lugar à areia salpicada de rochas. Ele tropeçou de novo, apoiando-se nas mãos e joelhos, e arrastou-se pelo resto do caminho. A cabeça de Varzil tocou a superfície de água-nuvem no exato momento em que não tinha mais forças. Pegou fôlego antes de afundar. Nesta hora ele soube quem o havia levado, arrastando-o pelo resto do caminho e o estendido na margem, quem se inclinou sobre ele, olhos cinza escuros de preocupação. Carolin ajoelhou-se ao seu lado e o virou. Sua pele e roupas estavam pingando, seu rosto corado exceto pela palidez ao redor dos olhos e boca. A umidade escurecia seu cabelo vermelho, brilhante contra seu crânio. Varzil sabia que ele mesmo estava ainda pior. Quando Varzil tentou falar, seu dente começou a bater. - Você... viu... - As palavras saíam em uma confusão de sons. - Fique quieto. Outro homem agora se inclinava sobre ele. Magro demais, olhos preocupados. Orain. - Não sei o que aconteceu, - Carolin dizia, sua voz abafada como se estivesse longe. - Ele começou a gritar e teve convulsões. Depois parou de respirar. Eu o retirei o mais rápido que pude. - Parece que esteve no mais frio inferno de Zandru e ainda não voltou totalmente, - Orain disse. Mais frio inferno de Zandru. Quase isso. Varzil começou a tossir violentamente. Sentiu-se consumido pelo cansaço, como se tivessem lhe sugado corpo e espírito. Eu vi... eu vi o que aconteceu. O Cataclisma!


-... ensopado, - disse Orain. - Coloque meu manto em volta dele. Levante-o e ponha-o no cavalo... leve-o para a Torre... eles saberão o que fazer. A Torre! Não! Mas a outra Torre Hali jazia no passado distante, inimagináveis anos atrás, os trabalhadores que invocaram a coisa no lago estavam mortos, assim como seus companheiros em Aldaran. Fraco como um bebê, Varzil permitiu-se ser envolto pelo grosso manto seco de Orain e foi colocado nas costas de um cavalo.


CAPÍTULO 14

Enquanto Carolin e Orain levavam Varzil no cavalo alugado, ele tremia demais para segurar as rédeas. Se nada, Carolin pensou, Varzil parecia ainda mais pálido do que quando o retirou do lago, com um estranho círculo cinza-esverdeado ao redor de sua boca e olhos. Os cavalos se moviam suavemente, fazendo seu próprio caminho de volta pela neve. Varzil caía sobre o apoio da sela, segurando-o com as duas mãos. Não haviam andado muito quando o cavalo de Varzil tropeçou em uma pedra escondida na neve. Foi apenas um leve escorregão, rapidamente recuperado. Carolin percebeu a pausa no ritmo do passo do cavalo e virou-se para ver Varzil balançando na sela, sem tentar se endireitar. Carolin saltou de sua montaria e correu bem na hora de pegar Varzil antes que batesse no chão. Orain gritou. Carolin cambaleou sob o peso de seu amigo, embora Varzil fosse leve, seu corpo estava inerte, denso. Carolin temia que ele tivesse desmaiado, ou pior. Um momento depois, Orain colocou seus braços fortes sob Varzil e juntos o deitaram na estrada coberta de neve. - Varzil! Varzil! - Carolin o chacoalhou, sentindo os músculos inertes sob a grossura do manto emprestado. A cabeça de Varzil tombou com o movimento. Seus olhos permaneceram fechados, as pestanas negras contra a face quase da cor da neve. Veias azuis apareciam através da pele tão pálida e fina, que parecia transparente. Orain pousou a palma de sua mão no peito de Varzil. - Está respirando! Varzil se mexeu, embora não abrisse os olhos. Os lábios cinza formaram palavras... um nome. - Hali... Temos que avisá-los... Avisá-los? Carolin e Orain trocaram olhares. Hali não estava sob ataque, não nesta parte do território Hastur. A paz inquieta ainda se mantinha pelos Cem Reinos embora não faltassem inimigos, mas não havia ameaça iminente de guerra. Isso tudo Carolin verificara com os generais de seu tio. Varzil! O que aconteceu? Se ao menos, Carolin pensou, tivesse o treinamento de um completo laranzu. Então certamente poderia alcançar a mente de seu amigo. Com a ajuda de Orain, Carolin colocou Varzil à sua frente na sela. O mais rápido que ousaram, eles se encaminharam para a Torre Hali. Quando Carolin chegara à Torre Arilinn no verão passado, sentira como se estivesse penetrando um mistério à cada degrau. Os jardins externos e o portão de madeira davam caminho ao arco do Véu. Como a Torre, a cidade de Arilinn era murada por segurança. Na estação que estudara ali, nunca acostumara à sensação de viver em uma fortaleza. Mas Hali era uma cidade sem muros, extensa e exposta. Uma cidade, ele sempre pensara, que recebia o mundo sem medo. Uma cidade construída sob a presunção de paz. Aquilo não era, de fato, verdade... como ele bem sabia. Mas a cidade dava a ilusão de tal tranquilidade


que ele às vezes se perguntava, como agora, como seria viver em um tempo quando invasão de exércitos ou ataques psíquicos não representavam nenhuma ameaça. Enquanto se aproximavam da Torre, dois homens usando os familiares mantos de trabalho apareceram. Um deles se apresentou como monitor do Primeiro Círculo. - Meu amigo... - Carolin começou. - O que aconteceu com ele? - o outro homem interrompeu. - Sentimos um grande distúrbio vindo do lago. - Precisamos levá-lo para dentro, - o primeiro homem disse, - onde poderá ser aquecido e tratado adequadamente. O que estava errado com Varzil não era o frio, Carolin pensou. Ele não protestou enquanto os dois leronyn carregavam Varzil para dentro. Ele seguiu, sentindo a onda de terror enquanto passava pelos portões externos. Como Comyn e Hastur, descendente daquele Hastur filho de Aldones, Senhor da Luz, ele tinha sido admitido na Torre em várias ocasiões, tinha visto a rhu fead e as coisas sagradas. Nunca pensara que seria indiferente àquele lugar. Hali não era a Torre mais antiga em Darkover e nem mesmo a mais poderosa, mas era um lugar inigualável. Orain ficou no vestíbulo, inquieto. Se aquele lugar era fonte de terror para Carolin, que tinha nascido pra isso, o quanto intimidante não devia ser para seu comum irmão-adotivo. Eles deitaram Varzil no aposento de hóspedes e colocaram pedras aquecidas e embrulhadas aos seus pés e um emplastro de mostarda em seu peito. Um segundo monitor, uma mulher alta cujos cabelos cinza-claros não revelavam sua cor original, entrou para ajudar. Carolin foi convidado a esperar no vestíbulo externo. Embora houvesse um banco, de madeira com acabamento em cetim, ele preferiu ficar em pé, braços cruzados e mãos fechadas. Na verdade, preferia ter esperado lá embaixo com Orain. Pelo menos teria alguém com quem conversar. O que quer que aconteça com Varzil, qualquer ferimento provocado no lago, Carolin sabia ser sua própria responsabilidade. Se ao menos não tivesse insistido para terem uma manhã de aventuras e perigos. Se ao menos tivesse ficado no castelo, como qualquer um com juízo e decoro. Rakhal ou Lyondri não teria saído atrás de diversão, arriscando a vida de um amigo ou até mesmo sua sanidade. Por que, por que julgara ser uma grande aventura viajar até Hali e o lago. Se continuar pensando assim, teremos dois pacientes para atender, e qual benefício haveria nisso? Aflito, Carolin virou-se para ver uma figura esguia de manto que havia chegado, em silêncio, ao seu lado. Por um instante, o cabelo e a leve estrutura o lembraram de Varzil, mas esta era claramente uma jovem mulher, que olhava para ele com olhos dançantes. - Desculpe-me... damisela, mas eu a conheço? Ela sorriu, mostrando covinhas, e acenou com a cabeça em direção ao quarto. - Sou Dyannis Ridenow e é meu irmão que está lá com eles. O que fez com ele? As palavras foram ditas com leveza, sem malícia, mas Carolin recuou. Se Varzil morresse ou vivesse como um inválido, seria sua culpa, sua! - Oh, meu querido! - Dyannis disse com uma maturidade incomum, pois não devia ter mais do que treze anos. Tocou levemente seu braço com a mão. - Não tive a intenção de magoá-lo! Estou a brincar, nada mais! Varzil sempre se enfia em enrascadas. No máximo, Papai iria gritar e se descabelar e dizer que por certo Varzil o mandaria para o túmulo antes da hora, nada


mais. - Ela jogava a cabeça para trás, parecendo muito com a garotinha que ainda era. - Varzil é como um gato. Sempre cai em pé. Carolin retirou sua mão. - Esta não foi uma fuga infantil. - O que quer que tenha sido, - ela replicou, sem se ofender, - nenhum de nós pode ajudá-lo ficando aqui fora soltando faíscas. Ele suprimiu um sorriso enquanto ela o levava até a sala comum em Hali. Parecia muito com a câmara central em Arilinn embora tivesse mobílias bem diferentes. Quando Carolin visitara antes a Torre Hali, nunca penetrara tão dentro do coração de sua comunidade. O lugar tinha um ar de pomposa antiguidade, de camadas de pó e graxa, todas as preciosas coisas trazidas ali através dos séculos. Diziam que certa vez, estudantes doaram toda a sua herança para a Torre e se comprometeram a estudar ali por toda a vida, como se fossem cristoforos ingressando em Nevarsin. Carolin nunca dera muito crédito a tais histórias. Ninguém pensaria hoje em desistir de todos os seus bens materiais, tanto quanto de qualquer perspectiva de riqueza futura, apenas para entrar em uma Torre. Exceto... por Varzil. Agora se perguntava, só porque as coisas não eram assim não significava que deviam ter sido diferentes no passado. O que todos acreditavam ser o modo como as coisas eram feitas, era, de fato, não muito mais substancial do que uma ninfa aquática. O pensamento o fez rir, sobre como as coisas seriam ainda mais diferentes no futuro. Um servo trouxe jaco e pãezinhos de carne. Dyannis recusou ambos, mas Carolin comeu com um súbito apetite. A bebida quente espantou o frio da manhã de seus ossos. Enquanto ele comia, Dyannis falava de coisas inconsequentes. Ela se esforçava claramente para tentar distrai-lo, bancando a anfitriã embora também chegara em Hali a pouco tempo. Sua conversa era inofensiva, sua gentileza evidente. Não havia adotado ainda o distanciamento de tantas outras leronyn. Ele pensou em Maura, e como harmonizava tão habilidosamente as exigências de sua profissão e a Visão com suavidade e muito bom humor. Pouco tempo depois, a própria parenta de Carolin, Liriel Hastur, veio saudá-lo e preparar Dyannis para a ida ao castelo. Eles, junto com vários outros primos Hastur da Torre, passariam o Festival do Solstício de inverno e os dias precedentes com preparativos de casamento na corte do Rei Felix. Dama Liriel não era apenas uma habilidosa leronis por seu próprio mérito, mas Comynara. Era alta para uma mulher, esguia e de cabelos vermelhos como muitos dos Hasturs, e vestia sua casta como uma coroa. Ninguém, vendo seu cabelo e postura, teria dúvidas de que devia ser obedecida sem hesitação. Às palavras de Liriel, Carolin repensou sua situação. Á essa hora, sua ausência já teria sido notada. Mesmo sem o desastre no lago, sua manhã de liberdade havia chegado ao fim. Seu tio o estaria esperando. Mesmo assim, não podia ir embora sem saber como estava Varzil. Sem perder o ritmo da conversa, Liriel disse que o jovem laranzu estava se recuperando bem de seu infeliz contato com um objeto altamente carregado com laran. Os efeitos foram sem dúvida aumentados pelas águas-nuvem do lago como uma água comum transmitiria as energias de um relâmpago. Os monitores estavam limpando seus canais e era esperado que se recuperasse totalmente. No momento, ela completou com um jeito casual, o jovem estava muito exausto até mesmo para uma viagem curta, portanto lamentavelmente ficaria para trás e se juntaria à viagem quando fosse capaz.


Liriel falava como se já estivesse arranjado que Carolin e seu homem Orain se juntasse ao cortejo. Ela fazia parecer como se nada fosse mais natural do que o herdeiro real escoltá-la adequadamente. A pequena caravana fazia seu caminho de volta ao castelo. Liriel ia à frente, sentada de lado na sela em uma bela égua branca. Os enfeites do cavalo eram de couro azul tingido com medalhões de prata com desenhos da árvore de Hastur. Vestia um manto cor de vinho em veludo com pele prateada de coelho-de-chifres. Por um instante, a luz fez o tecido parecer vermelho, como se, contra todas as tradições, ela vestisse um manto de Guardião. Observando Liriel irradiando auto-confiança, Carolin pensou que ela daria uma extraordinária rainha. Aquilo era impossível, é claro. Mesmo que ele não estivesse prometido à Alianora Ardais, Liriel era muito velha para ele. Além do mais, há muito tempo que ela deixara claro que um dos privilégios de sua casta era a liberdade para escolher seu próprio destino, o que não incluía casamento por vontade da família. Ela era do sangue de Hastur de Hastur, uma leronis da Torre Hali, e quem era realmente à sua altura? Mas eu, eu não tenho muita escolha. Devo casar e ter filhos. Carolin suspirou. Aquela seria uma união de estado. Se Evanda sorrisse para ele, ganharia uma esposa que pudesse amar. Tentou evocar a imagem da jovem herdeira Ardais. Nunca vira seu rosto, embora a família dele e dela devessem trocar pequenos retratos para que a noiva e o noivo se reconhecessem no dia do casamento. Tudo o que sabia dela era o fato de ser um ano mais velha e que o Conselho Comyn aprovara a união. Presumidamente, ela era fértil e capaz de gerar filhos com laran. Ele não tinha ideia de como ela era ou quais eram seus interesses... provavelmente música, bordado e fofocas. - Cavalgue ao meu lado, Carolin, - Liriel disse, gesticulando para que se adiantasse - Há questões que gostaria de discutir com você. - Para servirte, vai leronis, - ele disse, impulsionando seu cavalo para aumentar o passo. - Você tem belos modos, mas por um momento, desejo que seja franco. - Ela olhou em direção a Orain. - Ele é de confiança, - Carolin disse. - Prefiro não arriscar se puder, - ela disse em um tom que não o convenceu. Ela não podia mais disfarçar os esquemas de energia mesmo se parasse de respirar. - É de Hali que vou falar, Hali e suas Torres irmãs. Tenho que lhe pedir um favor. - Que favor? - Ah! - franziu a pálida testa. - Você aprendeu bem a nunca dar sua palavra sem saber do que se trata. Ela começou a descrever os problemas causados pela redução no número de Torre legítimas. - Sentimos demais a perda de Neskaya e Tramontana. Oh, há círculos renegados operando sem qualquer disciplina ou ética. Dalereuth agora faz clingfire para qualquer um que tenha cobre para pagar por ele, e quanto aquele covil em Temora, é melhor nem comentar. - Sua voz gotejava desprezo. - Os menores reinos não tiveram escolha senão recorrer à eles. Perseguem um ao outro como bandidos. - O que deve ser feito, então? - O que tinha em mente, uma guerra de conquista para colocar um fim às disputas? Há uma geração, o tirano Damian Deslucido havia tentado aquilo, com desastrosas consequências. Liriel manteve o olhar fixo adiante, como se visualizasse um futuro que apenas ela podia ver. Quando falou, a arrogância que marcara seus discursos anteriores havia desaparecido. -


Queremos... alguns de nós estivemos conversando... acreditamos ser possível... - Ela virou-se para ele, girando na sela tão subitamente que a égua branca se assustou. - Há rumores sobre o reestabelecimento da Torre Tramontana. Não no lugar antigo, mas próximo. Doran Alton, que é Segundo Guardião em Corandolis, disse que se incumbiria de formar um círculo, mas ainda é muito cedo sem uma Torre. É por esse propósito que viajo até o castelo, não por uma bobagem noturna. E é por isso que pedi sua ajuda. Em ambos os lados, as colinas nevadas se estendiam como montes de lã. O sol estava bem alto, enchendo os cantos e sombras com luz. As trilhas por onde os cavalos passaram mais cedo naquela manhã haviam se tornado poças. Um cheiro subia da terra, de solo frio, humidade e espera. - Eu penso que... houve tantas perdas em Tramontana e Neskaya, não há bastante trabalhadores dotados de laran para ir adiante com isso, - Carolin disse. - Como poderia ser reconstruída? Onde encontrarão leronyn para atuarem depois? - Seus olhos se abriram com um novo pensamento. - Não irá sacrificar Hali? - Não, não! - ela ergueu sua mão livre, deixando a outra, dedos enrolados nas rédeas, no apoio da sela. - Eu nunca sugeriria tal coisa! Muitas das Torres... Hali e Arilinn... têm jovens talentosos, como seu amigo. Alguns em Dalereuth adorariam a chance de fazer trabalho tão leal. Carolin refletiu. Sim, o que ela disse fazia sentido. Com Varzil e Eduin em treinamento, um deles se tornando um Guardião, o futuro de Arilinn estaria garantido. Cada círculo poderia contribuir com um trabalhador, mais um ou dois de Hali e talvez das outras Torres, Nevarsin ou Corandolis ou mesmo Hestral, embora aquela Torre possuísse um único círculo. Devia ser o suficiente. - Quem iria? Como seriam escolhidos? - ele perguntou, e percebeu que com a questão, a ideia tinha ido de suposição à intenção. O sorriso de Liriel foi caloroso, não mais os lábios exprimidos mas uma genuína resposta. Não pediremos a ninguém que não exprima a real vontade de ir, que não compartilhe nosso sonho. Com um círculo funcional em Tramontana, podemos extender as transmissões além das Hellers. Mensagens não precisarão mais ser encaminhadas custando os limites de nossas forças. Há experiências que são melhores se feitas com rapidez. Eu... Agora ela ria sinceramente. - Você já deve ter percebido que eu serei um deles. Dama Bronwyn e eu já falamos sobre isso... na verdade, foi ela quem expôs primeiro a ideia. Viajo agora para procurar seu conselho. Portanto, enquanto o resto de vocês se empanturram com a bebida fermentada do Solstício de Inverno, eu e ela estaremos sentadas, confabulando como damas conspiradoras. - Eu? Empanturrar-me com bebida? Oh, parenta, não tem ideia do quão aterrorizante seria! Melhor ir a pé a um ninho de formigas-escorpião do que se embebedar na corte de meu tio nesta estação! - Ele suspirou. - Qual favor ia mesmo me pedir? Ela inclinou a cabeça, suas feições ainda iluminadas de fervor. - Quando for a hora e eu tiver apresentado a ele este plano, você pedirá ao Rei Felix para assumir a construção da nova Torre. - Pedir para Hastur reconstruir a Torre física? - Torres não se constroem sozinhas. Pedra e massa custam dinheiro, sendo erguidas por meios comuns ou por laran. Deve convencê-lo de que é um bom investimento, Carolin. Afinal,


Tramontana lutou contra Hastur na última guerra. Que melhor caminho para assegurar nosso benefício futuro do que posicionar a próxima Torre sob o nosso controle? Carolin não podia contestar seu raciocínio, e esta parecia uma causa justa. Mesmo concordando em falar com seu tio, ele se perguntou se a alegre certeza de Liriel tinha fundamento. Não havia como olhar para o futuro, como diziam que seu ilustre ancestral, Allart Hastur, fazia, e ver quais escolhas levavam ao desastre e quais à paz. Uma Torre não era um brinquedo, isso ele aprendera em Arilinn. Por um instante, se perguntou o que Varzil tinha visto no lago, se tinha sido o trabalho de laran que havia se descontrolado ou direcionado deliberadamente para algum propósito maligno. Ou, ainda pior, algum propósito que naquele momento pareceu ser para o bem maior... Carolin e Liriel ficaram em silêncio. Eles apressaram o passo, com o pônei de Dyannis trotando para acompanhar os cavalos maiores. Sua risada ecoava, o prazer de uma criança no passeio inesperado. Carolin estava feliz por ela vir junto. Seria cruel excluí-la do festival dessa noite só porque Varzil não podia vir. No jantar daquela noite, Carolin sentou-se ao lado direito de seu tio, com Rakhal no outro. Outros de sua família, incluindo seu primo Lyondri e Dama Liriel, sentaram-se próximos. Abaixo, com os outros parentes, sentou-se Maura Elhalyn e além dela, em outra mesa, Orain e Jandria, a pequena Dyannis e Eduin. Dyannis e Eduin já conversavam entretidos, a garota ria e gesticulava alegremente. Eduin sorria, concordando, e Carolin pensou que nunca vira seu amigo tão relaxado, quase feliz. A variedade de velas tornava o ar pesado e dourado, como mel, como se cada rosto que Carolin olhava parecesse brilhar por dentro. Seu coração se enchia com um sentimento que não podia nomear. Se ao menos Varzil estivesse aqui comigo... Enquanto pensava naquilo, a sensação da presença de seu amigo o penetrou. A distância da Torre Hali desapareceu. Quase podia ouvir a voz de Varzil. Está tudo bem com você, bredu? A telepatia não era forte no laran de Carolin, mesmo assim as palavras pareceram tão claras para ele como se estivessem na mesma sala. Era a força de Varzil, ilusória em seu corpo esguio, quase efeminado, que podia carregar os dois.


CAPÍTULO 15

Após a refeição noturna vinha o período de descanso e socialização, seguido pela dança. Diziam que quando mais de dois darkovanos se encontravam, sempre começava uma festa. A tradição se estendia por todas as noites até que os últimos convidados partissem. Pelas próximas horas, casais circularam e traçaram desenhos no espaço aberto. Carolin, resplandecente no couro flexível nas cores azul e prata de Hastur, dançou com todas as damas mais velhas, como era apropriado para um jovem de sua posição. Mais tarde naquela noite, quando o vigor tivesse diminuído e os mais velhos se retirado, haveria tempo o bastante para se divertir com seus amigos. Por enquanto, portanto, as boas maneiras deviam ser mantidas. A próxima dança, seguindo em uma série de passos e giros, era para casais. Orain guiou sua esposa até o centro, e raramente Carolin vira a aversão mútua entre eles tão claramente exposta. Ela era de uma posição superior, pressionada a se casar, pela vontade da família de se aproximar do rei. Orain, por conseguinte não ousara recusar a honra concedida a ele. Gratidão, Carolin refletiu, podia ser o veneno mais traiçoeiro de todos. Carolin observou Rakhal conduzir Maura em seus braços. Seu rosto corava com o excitamento. Seu vestido verde-mar, de corte simples e cruzado com o tartã de Elhalyn, acentuava a suavidade de sua pele e dava um brilho glorioso ao seu cabelo. Carolin franziu a testa. Rakhal não a segurava como se ela fosse sua irmã adotiva e virgem leronis. Mesmo no curto tempo em que Carolin estava de volta, ele ouvira rumores sobre a conduta de seu primo com as mulheres, sempre jogando seu charme Hastur. Certamente Maura não podia comprometer a Visão, nem mesmo pelo homem que algum dia poderia clamá-la como esposa. Nem Rakhal seria tolo de privar Hastur de um Dom tão raro. Contudo, antes que Carolin pudesse dizer algo, a dança chegou ao fim. Rakhal estendeu seu braço para escoltar Maura de volta onde as mulheres solteiras de Hastur se sentavam, mas ela olhou para Carolin e acenou para que se aproximasse. - Carlo é um parceiro tão solícito quanto você, - ela disse a Rakhal, - e preciso conversar com ele. Com um sorriso que moveu sua boca, mas não alcançou seus olhos, Rakhal a entregou. Ela passou sua mão pelo cotovelo de Carolin, puxando-o de lado. - Algo a perturba? - ele perguntou, embora claramente estivesse se divertindo. Cachos úmidos escapavam da rede trançada de jóias emoldurando sua face. Ele notou o suave e doce aroma de hidromel em sua respiração, mas seu passo estava firme e a voz séria. - Carlo, você dançou a noite toda com tias que costumavam trocar seus calções, elas já o conhecem há muito tempo. Ele suspirou. - É uma pequena gentileza, sem mencionar minha responsabilidade social. - As damas eram viúvas ou solteironas, e seria escandaloso para elas dançar com qualquer um que não fosse parente. - E é sua responsabilidade certificar-se de que seus convidados tenham a oportunidade de desfrutar a dança também. Eles se aproximaram da fileira de cadeiras ocupadas pelas tais damas, e pela primeira vez, Carolin notou Dyannis Ridenow sentada entre elas. Alguém, provavelmente a própria Maura,


havia cuidado da aparência da garota, pois seu cabelo estava enrolado na nuca em belas tranças, trançadas com finas tiras prateadas de onde pendia uma cascata de sininhos brancos. Seu vestido, um pouco grande demais para ela, era na cor verde-prateada que Maura adorava, e que ficou muito bem na garota. Ela não usava tartã, apenas um longo cachecol de lã branca, solto em volta de seu ombro. Enquanto fazia calor no centro da pista de dança, ao redor costumava ficar mais arejado. Ela não tem parente nenhum aqui para dançar com ela, - Maura murmurou. - Esperava que Ranald Ridenow estivesse conosco, mas ele não chegou. - Ela impulsionou Carolin alegremente na direção das damas. - Vá, agora, e cumpra seu dever. Carolin sabia quando estava sendo manipulado. Como hóspede e amigo de seu irmão, ele podia dançar com Dyanna sem manchar sua reputação. Ela sorriu, reconhecendo-o, ainda mais encantada quando ele se inclinou e estendeu-lhe a mão. - Se Varzil estivesse aqui, ele teria a honra desta dança, - Carolin disse a ela. - Então terei que compensar o máximo que puder. Tomaram a posição próxima à beira da pista para uma rodada de quatro casais. Rakhal estava dançando novamente, desta vez com Jandria, no conjunto ao lado. Diferente das outras damas em seus vestidos apertados de seda, Jandria usava uma túnica e um vestido de lã de um suave dourado. Ela parecia confortável e aquecida, e a cor combinava com seu cabelo escuro. Carolin não havia percebido o quanto ela era bonita. Quando começaram os passos lentos de abertura, Rakhal aproximou-se de Carolin. - Primo, onde encontrou aquela linda pombinha? Deve guardá-la todinha só para si. - Ela é irmã de Varzil, e uma noviça em Hali, - Carolin disparou, suas palavras sibilando acima da música. Então os movimentos da dança os levaram para diferentes direções. Dyannis percebeu um olhar da parte de Rakhal, então perdeu um passo e a dama dançando à sua diagonal teve que correr para manter a figura intacta. - Temo que não seja uma dançarina muito elegante, - ela disse. - Em casa, preferimos as danças antigas. Não há nada desse negócio de escolher e esperar ser escolhido. Danço com quem eu quiser, seja meu Pai, seja Kevan ou o garoto da cozinha. - Não se preocupe, - ele respondeu. - Creio que algumas dessas figuras foram inventadas por mestres da dança ansiosos para provar o quanto eram indispensáveis. Quanto mais insanamente complicado, melhor, ou algo desse tipo. Dyannis riu, relaxando, e enquanto a dança se aproximava do fim, ele se viu desejando poder dançar outra com ela. Ela merecia mais do que conversas infinitas sobre costura, bebês e pessoas que não conhecia, observando todos os outros se divertindo com a dança. Também não se sentia totalmente confiante com Rakhal prestando atenção em seus sinais. Ela era tão influenciável, uma simples garota do campo intimidada pela Torre e pela corte. Carolin avistou Eduin, ao lado da mesa onde as bebidas e as delícias eram servidas. - Venha, - ele disse, colocando sua mão sobre a dela. - Deixe-me levá-la para outro dos amigos próximos de seu irmão. Assim terá dois parceiros de dança, sem precisar de um garoto da cozinha. Uma estranha expressão passou pelas feições de Eduin quando Carolin o cumprimentou, um momento de confusão misturado com contentamento enquanto olhava para Dyannis. - Carlo assegura-me ser perfeitamente apropriado que dancemos, mesmo tendo acabado de nos conhecer, pois você e Varzil são bredin. - Ela usou a palavra querendo dizer, “irmãos jurados”, com a educada inflexão.


- Sinto muito, damisela, quando nos falamos na mesa do Rei, tomei-a por companhia de Dama Maura da Torre Hali. Não percebi que também fosse de lá. Dyannis não se ofendeu por ter sido confundida com uma respeitável companhia em vez de uma leronis. - Como poderia saber? Estou em Hali há pouco tempo. Ainda tenho que me ocupar com as transmissões ou fazer qualquer trabalho, além de buscar coisas para os curandeiros. Foi Maura que fez com que viesse juntar-me ao meu irmão para o Festival, e agora, infelizmente, ele está confinado na enfermaria de Hali e nós estamos aqui, privadas de sua companhia. Príncipe Carolin contou-me que vocês três estudaram juntos em Arilinn. - Nós somos amigos, sim, - Eduin replicou com tanta avidez que Carolin percebeu que qualquer ressentimento que ele pudesse nutrir contra Varzil já tinha sido esquecido. - Oh! - ela disse, soltando Carolin e pegando a mão de Eduin. - Talvez eu esteja sendo muito audaz e devesse esperar que você tivesse me convidado. Nunca havia vindo à corte, nem mesmo às terras baixas, e os modos parecem ser bem diferentes por aqui. Você me achará não mais educada do que um banshee! Eduin riu, o som mais alegre que Carolin jamais ouvira dele. - Não consigo pensar em destino mais agradável do que ser convidado para dançar por você! Enquanto ele se retirava para atender ao seu próximo dever, Carolin sentiu-se imensamente feliz com si mesmo por ter trazido um pouco de humor inofensivo aos seus amigos. Eles dançariam e flertariam um pouco, divertindo-se muito, e em dez dias voltariam às suas respectivas Torres. A única coisa que faltava para completar sua sensação de contentamento era Varzil estar lá para compartilhar aquilo com ele. Varzil chegou dois dias depois, parecendo exausto por sua estranha aventura. Naquela tarde, Carolin sentou-se com seus amigos na câmara exterior de sua suíte, que havia se tornado lugar costumeiro de encontro. Estivera toda a manhã na cortes, tomando o lugar de seu tio no banco de julgamento. Uma batida soou na porta, que abriu para que entrasse o guarda Sean e Varzil. Varzil vestia roupas justas e escuras que enfatizavam sua magreza e pele clara. Ele fitou para Carolin e sorriu. Dyannis, que se inclinava sobre um jogo de castelos com Eduin, deu um pulo e atirou os braços ao redor do pescoço do irmão com um grito de alegria. Naquele instante, ela foi de jovem leronis reservada para criança entusiasmada. Ele envolveu-a em um abraço e ergueu-a no ar. - Ufa! Ponha-me no chão! - Ela soltou-se e pulou para o chão. - Ou direi a todos com o que se parecia na última vez que o vi! - Vamos, não amole, - Jandria disse, sobrancelhas erguidas. - Ele está largando você, mas deve nos contar mesmo assim! Varzil riu. - Um rato afogado, mais precisamente. Ou um rato afogado congelado. - Ou um rato afogado, congelado, meio-depenado, estrábico e bêbado-do-Festival-deInverno! - Dyannis interrompeu. - Com o que quer que tenha se parecido, ele está conosco agora, - Carolin disse calorosamente. - E estamos felizes de tê-lo aqui. Até Eduin saudou Varzil com uma cordialidade incomum. Era como se, Carolin pensou, a companhia estivesse incompleta sem Varzil, só que ninguém percebera até que ele voltasse. Só mais tarde Carolin encontrou tempo para uma conversa particular com Varzil. Carolin fez sua esperada aparição para o jantar real e dança, mas escapou o mais cedo que pôde, sem


ser notado. Varzil dispensou a dança, pois os monitores de Hali proibiram tal esforço por mais alguns dias. Carolin foi até os aposentos de Varzil e rapidamente, ambos sentaram-se de pernas cruzadas na grande cama sob a luz de um candelabro, falando do jeito que falavam em Arilinn. Suas risadas e gestos provocavam correntes de ar que faziam as chamas dançar. Por mais que falassem um ao outro, sempre havia ainda mais para se dizer. Varzil apertou um travesseiro contra o peito, os olhos sombrios. - Carlo, o que aconteceu comigo lá embaixo... - O que aconteceu? Você tocou aquela coluna de pedra e começou a ter convulsões. Você nos matou de susto. - E nesse momento parece assustado do mesmo jeito. - Sim, pareço, - Varzil disse distraído. - Estou. - Ele suspirou profundamente. - Sabe que objetos podem se tornar psiquicamente carregados. Podem carregar impressões mentais, particularmente de fortes emoções. Principalmente se foram usados como parte de um feitiço de laran. Pedra, madeira e terra não têm canais para carregar a energia como os corpos vivos, mas têm seus próprios padrões de energia, de acordo com a natureza de cada um. - Como a água carrega o relâmpago em uma tempestade, - Carolin concordou. - Sim, isso mesmo. Quando a energia do relâmpago passa pela água, deixa um leve traço. Não é perceptível por meios comuns e dissipa-se rapidamente. Mas a coluna de pedra no fundo do Lago foi construída especialmente para atrair certas energias, através dela. Quando a toquei, meus próprios campos de energônios entraram em contato físico com ela. O padrão de como tinha sido usado entrou em mim. Eu vi... - Varzil baixou os olhos, - Eu estava lá, como um fantasma com olhos e ouvidos, mas nenhuma voz, e vi como o lago tornou-se o que é hoje. Carolin soltou a respiração. Olhos escurecidos pela emoção encontraram os dele. - Você testemunhou o Cataclismo? - O começo dele, talvez. Não foi uma catástrofe natural. - Não, não achei que fosse. Aconteceu durante o auge da Era do Caos, não foi? - Duas Torres guerrearam uma contra a outra, como nas histórias de Tramontana e Neskaya. - Varzil apertou o travesseiro ainda mais forte. As juntas de seus dedos embranqueceram. - Só que desta vez era Hali... e Aldaran. - Aldaran! Em sussurros, Varzil descreveu como cada Torre preparara a batalha contra a outra, utilizando forças elementares do planeta e antigos medos. - Se um ou outro lado tivesse sido realmente vencedor, não sei se Darkover teria sobrevivido, - Varzil disse, a voz trêmula. - Lidavam com forças além de seu controle. Distância não importava, nem tempo. Ninguém estava seguro daquelas armas, nem mesmo do outro lado do mundo. Se Aldaran tivesse tempo para completar seu ataque... Carlo, eu vi o que estavam tentando fazer. Eles teriam aberto a crosta planetária direto ao centro derretido. Hali, por sua vez, contava com uma força ainda mais antiga e superior. Não consegui ver direito sua forma final, e sou grato por isso. - Sua voz tornou-se obscura, hipnótica, e seus olhos estavam fora de foco. E o que eu vi... - Demônio... - Varzil gaguejou, visivelmente confuso com a memória, -... do mais escuro e frio inferno... a força detrás do crepúsculo... cinzas no negrume do espaço...


- Varzil! O que está acontecendo? - Vendo seu amigo balançar, olhos girando sob as pestanas cerradas, Carolin agarrou seus ombros. - Mas Hali foi avisada... no tempo... eles agiram... desviaram o ataque para dentro do lago... coluna como um imã... modificaram água e ar... - Varzil! Pode me ouvir? Varzil estremeceu e, para alívio de Carolin, voltou, mais uma vez no comando de si mesmo. - Carlo, isso é importante. Não foi por acidente que eu... eu recebi uma visão do passado. Está acontecendo de novo, não está vendo? Talvez não com aquelas mesmas armas, mas o conflito é o mesmo. Cada era tem sua própria loucura. Mas a lição do Cataclismo foi perdida. - Não podemos aprender com aquilo que não podemos lembrar, - Carolin disse severamente. Ele pensou na destruição das duas Torres há apenas algumas décadas, do sonho de Liriel da reconstrução de Tramontana sob o controle de Hastur... e para quê? Para outra Torre ser usada como ferramenta para a guerra? Carolin sentou-se, caindo para trás. Por toda a sua vida, vira homens de seu clã lutarem para conter as armas de laran, apenas para que novas nascessem como ervas venenosas em um jardim de rosalys. Se Felix em sua primazia, o grande Rei Rafael Hastur e até mesmo Allart Hastur não pudessem pôr um fim à loucura, que esperança ele tinha? Que esperança tinha qualquer um deles? Olhou para Varzil, aquele pálido e esguio rapaz que havia presenciado um desastre que deixaria a maioria dos homens loucos. - Estamos condenados a repetir tudo de novo até finalmente destruirmos a nós mesmos? - Enquanto os homens conceberam tais armas e serem capazes de usá-las, - Varzil disse, acredito que sim. Carolin nunca ouvira tanta desolação quanto agora, na voz de seu mais querido amigo. Algo quente e intenso fervia dentro dele. - Então devemos fazer com que aqueles homens não possam conceber tais armas! - Como? - Varzil balançou a cabeça. - Enquanto homens forem homens e o tempo persistir, haverá aqueles que resolverão suas diferenças com uma espada ao invés de palavras. - Então deixe que usem espadas um contra o outro, até que se transformem em uma polpa sangrenta! - Carolin bradou. - Pelo menos, aquele que desferir o primeiro golpe poderá muito bem cair sob o próximo! Que haja um fim ao fogo aderente, ao pó de água de osso e feitiços de matriz que atingem à distância. - Certo - Varzil disse, a palavra ao estilo camponês, - esse é o problema, não é? Lordes podem se sentar em seus castelos e ordenar que suas Torres ataquem seus inimigos. Para cada nova arma, outra ainda mais terrível será inventada para contê-la. Eles não correm risco nenhum. Se eu fosse rei do mundo, - jogou esse jogo quando era criança? - iria decretar que qualquer um com uma disputa deveria entrar na arena e colocar seu próprio corpo como garantia de sua causa. - Julgamento por combate individual? Varzil sorriu, crueldade repuxando seus lábios. - Não, os homens nunca voltarão àqueles dias, se ao menos existiram, - Carolin disse. O calor dentro dele havia se dissipado, deixando seus pensamentos estranhamente claros. Não acredito que um dia desistiremos de combates armados ou das desculpas para provocar um. Se fosse rei do mundo, proibiria qualquer arma que não colocasse a vida de quem a


empunhasse em igual ameaça. Forçaria todos os outros reis - sem dúvida, cada lorde desde a Muralha ao Redor do Mundo até os desertos das Cidades Secas - a assinar meu pacto. Carolin então percebeu que Varzil olhava para ele como um cego fitando o sol. Ele deu uma pequena risada de auto-depreciação. - Eu disse algo estúpido? - Não, - Varzil replicou, balançando a cabeça, ainda com aquela expressão de pavor. - Você disse algo... não sei porque não vi isso antes. Não um simples pacto baseado no consentimento dos homens, uma coisa que pode ser tão facilmente tomada quanto oferecida, mas um verdadeiro pacto de honra. - Mesmo que pudesse forçar tal coisa às terras de Hastur, não consigo ver nenhum lorde se desfazendo de seus arsenais de laran, - Carolin disse e sorriu, sem vontade. - Mesmo assim, é um grande sonho, não é? - Um que vale a pena sonhar, mesmo que não venha a acontecer nesta vida ou na próxima, - Varzil disse. Carolin levantou-se e tocou a moldura da porta. Como se tocado por alguma presciência, estremeceu. Não por estar com medo; embora soubesse que estaria se pelo menos tentasse colocar seu pacto em ação, mas porque o mundo já tinha mudado. O que quer que aconteça agora, nem ele ou Varzil voltariam a ser o que eram antes que aquelas palavras passassem entre eles.


CAPÍTULO 16

Carolin chegou cedo à câmara do Rei para a primeira audiência desde seu retorno. O guarda admitiu-o pela entrada privada lateral com uma reverência. Ele parou depois da porta, estudando a sala que seria sua um dia. Era uma câmara harmoniosa, senão formal, com uma cadeia de janelas que davam para o leste, clara e bastante aquecida naquela manhã até mesmo para um velho frágil. Ali o rei ouvia juramentos, recebia petições por escrito e decidia outras questões apresentadas a ele por seus conselheiros. Antes aquelas audiências eram frequentes, às vezes diárias, mas na última década, elas se tornaram irregulares enquanto cada vez mais assuntos eram deixados para os subordinados. Aquilo também irá mudar, agora com o meu retorno. Carolin lembrou-se de quando vinha ali quando garoto, quando ele e Rakhal sentavam-se com outros nobres para aprender questões da propriedade. Os aromas misturados de poeira e mobília polida aguçaram suas memórias. Naqueles dias, tudo parecia simples... seu lugar no mundo, as razões das decisões de seu tio, suas noções do que era justo e correto, o que era errado e como devia ser punido. Rakhal era seu primo e companheiro de brincadeiras, e algum dia seria seu fiel conselheiro. Se houve tendências obscuras, manobras ocultas, Carolin estava feliz de não ter tomado conhecimento. Mas nunca poderia retornar àqueles tempos descomplicados. Era um homem agora, um príncipe pronto para tomar seu lugar no mundo. Devia aprender a pensar e agir como um. As férias em Arilinn tinham acabado. O pajem que o seguia a todos os lugares parou perto da porta. Carolin começou a rodear o garoto com os seus negócios, depois se controlou. Como perdera rápido o hábito de ter os servos sempre presentes. Foi até o meio círculo de cadeiras atrás das mesas polidas e sentouse no lugar de sempre ao lado direito do assento elevado do rei. Minutos depois, pedintes, cortesãos e a audiência encheram a câmara e sentaram-se de acordo com sua posição. Comyn deviam sentar-se em sua própria seção sem divisões, como Dama Liriel Hastur, que tomara a posição mais privilegiada. Pessoas comuns ficavam em pé. Entre eles estavam um juiz da cortes e representantes dos mais velhos da cidade de Hali e Thendara. Poucos minutos depois, o velho lorde de Elhalyn, que tinha sido conselheiro-chefe de Felix desde antes do nascimento de Carolin, entrou arrastando os pés e sentou-se ao lado do rei. O único assento restante era à direita de Carolin, um lugar reservado ao Rei. Com um alvoroço e sons das botas dos guardas, Rei Felix entrou. Movia-se com dificuldade, mas dignamente. Rakhal seguia a um passo atrás, seguido por um escriturário carregado de pergaminhos enrolados e papéis. Rakhal colocou uma mão sob o cotovelo do Rei para ajudálo a se sentar. Quando Felix estava confortavelmente acomodado, todos se inclinaram cerimoniosamente. O olhar de Rakhal vacilou em Carolin, sua expressão indefinível. Carolin percebeu o instante de hesitação antes de seu primo dirigir-se ao local vazio. - Meu garoto, - Felix disse, afagando a mão de Carolin. - É tão bom tê-lo de novo conosco.


Bom, Carolin pensou. O rei estava alerta esta manhã. A incerteza da outra noite deve ter sido algo passageiro. - É bom estar em casa. As graciosas apresentações restantes logo foram concluídas. Rakhal disse, - Devemos terminar rapidamente para não sobrecarregar Sua Majestade. - Ele gesticulou para que o escriturário colocasse a pilha de documentos diante dele. Carolin olhou de relance para Lorde Elhalyn, que como conselheiro-chefe, sempre apresentou os trabalhos diários de Rei Felix. O idoso lorde parecia levemente incomodado. Teria algo acontecido, algum escândalo que lhe custara o favor especial do Rei? O sargento anunciou a abertura da sessão e todos se inclinaram. Rakhal pegou o rolo contendo o trabalho diário e apresentou-o ao Rei, que acenou, concordando em ouvir aqueles casos. A primeira ordem de serviço era o pedido para financiar a reconstrução da Torre Tramontana. Carolin não pensara que Rei Felix ousaria manter Liriel esperando pelas questões inferiores, não com ela sentada na fileira da frente, costas retas, mãos sobre o colo. Nenhum único detalhe em sua aparência ou comportamento era inapropriado para uma dama de sua posição. Comynara e Hastur. Com sua presença, ela emprestava solenidade aos procedimentos. Na noite anterior, enquanto Carolin se demorava após seu ultimo copo de vinho com seu tio e Rakhal, ele tocara no assunto. Poucas decisões importantes eram feitas durante a sessão pública. Rakhal já sabia da proposta. - Quando Tramontana caiu, perdemos um valioso recurso. - Carolin apoiou seu argumento ponto a ponto, procurando cuidadosamente por sinais de que o Rei estava entendendo. Agora, a comunicação com as Hellers não são confiáveis. Não demorará muito para que nos excluam completamente, ou reduzam a velocidade de mensagens ao passo do cavalo mais rápido. - Precisamos de um posto avançado por lá, - Rakhal disse, movendo-se incansavelmente em sua cadeira. - Mas as transmissões são o menor de nossos problemas. Quanto mais poderoso se torna Hastur, mais desesperados estarão nossos inimigos. Devemos expandir nossa capacidade de defesa, e isso significa mais Torres sob nosso controle. - Não sei em que o mundo está se tornando, - Felix disse, balançando a cabeça. - Antigas Torres, novas Torres com o mesmo nome. É tudo tão confuso. Não entendo porque as coisas não conseguem ficar iguais. - É isso que estamos tentando fazer, Sua Majestade, - Rakhal disse calmamente. - Erguer uma nova Torre no mesmo lugar, para que as coisas fiquem como estavam. - Ah, sim, então tudo bem, está bom. Mais tarde, Carolin disse, - Não acho que a leronyn que fez a proposta pensava em um posto militar ou uma fábrica para fogo aderente, mas um lugar para treinar novos estudantes, para fazer um trabalho pacífico e produtivo. - Eles farão o que mandarmos, - Rakhal respondeu, sorrindo. - Em nome do rei, é claro. - Vivi junto do povo da Torre, - Carolin o relembrou, - e não abriria mão tão facilmente de sua independência e liberdade de recursos. Sua disciplina é tão grande quanto a de qualquer soldado, e não são camponeses que podem ser castigados se não obedecerem. Acho insensato criar tais expectativas na mente do Rei. As Torres são poderosas por seu próprio direito. Se não concordamos com eles sobre respeito e autodeterminação, chegará o dia em que não teremos escolha.


- O quê, quer que gastemos na reconstrução de uma Torre e não peçamos nada em troca? Carolin balançou a cabeça. - Pelo contrário, a Torre estaria livre para fazer o que faz melhor. Lembrou-se daquela conversa naquele momento. Com um pouco de discussão, Rei Felix leu em voz alta a breve declaração aprovando o projeto. Da fileira da frente da seção Comyn, Liriel olhou para Carolin e então, muito levemente, inclinou sua cabeça. Ela podia dever um favor a ele, mas sem dúvida isso não incluía obediência cega. Os vários documentos seguintes pareciam rotineiros, questões que já haviam sido decididas e requeriam apenas o consentimento do Rei. Havia um pouco de discussão quanto a próxima, uma tarifa disputada entre as cidades de Hali e Thendara. A questão era estranha a Carolin e ele ouviu com interesse enquanto dois representantes apresentavam seus casos. Hali invocou um precedente legal obscuro que Thendara desafiou, pedindo o testemunho do juiz da cortes. - Devemos pesar o bem-estar das respectivas partes envolvidas, - o juiz disse. - Cada um tem seu interesse aqui. A questão é se a força de seu veredicto anterior é suficiente para contrabalancear os argumentos obrigados pelo dano. - A questão é clara, - disse Thendara, olhando para Rakhal. - Não podemos permitir que uma minoria desafie os desejos de muitos. Precisamos de um novo precedente, um que esteja baseado na realidade de hoje, não nos caprichos de algum juiz que foi provavelmente subornado. - Suborno é uma acusação séria, - Carolin disse. - É exatamente o tipo de caso no qual precisamos de proteção, - Hali replicou. - Sua Majestade, como defensor de todos os seus assuntos, nós lhe apelamos... - Seus olhos se ergueram para a face de Rei Felix, que estivera olhando para fora da janela pelos últimos cinco minutos. - Vocês todos fizeram suas questões amplamente claras, - Rakhal interrompeu, - e meu tio as dará a devida consideração. Assuntos complicados como este não podem ser decididos tão rapidamente. Voltem no mês seguinte e nós o discutiremos. Os dois representantes, que há apenas um momento haviam sido adversários, trocaram um olhar assustado. Hali engoliu, visivelmente reprimindo uma réplica. - Alteza, - o juiz disse, sua voz tensa, - este caso já vem se prolongando por uma estação inteira. As partes concordaram com todos os aspectos exceto este. Sem uma lei exata na percentagem das tarifas, o grão vai ficar parado nos depósitos pelo resto do inverno. - Não entendo a urgência da situação, - Carolin disse. - Certamente não estragará no frio. - Já há fome em Thendara, - o representante daquela cidade explicou. - O preço do trigo já ultrapassou o que os pobres podem pagar. Os mais afetados são os que dependem das doações do Rei, pois esses suprimentos vêm com taxas pagas em espécie. - Deve haver uma lei de qualquer jeito, - disse o juiz. - E devido à decisão anterior ter sido tomada por Sua Majestade, apenas ele pode determinar sua relevância. - Tio, - Carolin disse, gentilmente interrompendo o devaneio do homem, - Acho sábio dar a esses bons homens uma decisão. É seu próprio povo quem sofrerá se este caso continuar sem uma solução. - Então suponho que devo, - Rei Felix disse. Ele ergueu seus magros ombros, como se recordando a si mesmo. - Sim... ah... devidamente. Deixe-me ver o registro ao qual se refere. Rakhal lançou a Carolin um olhar furioso e tateou os papéis, finalmente puxando um. Suas margens estavam descoloridas e curvadas pela idade.


Felix estudou o documento, lábios se movendo enquanto corria os dedos ao longo de cada linha do texto. - Sim, bem... ah... Elhalyn? Lembra-se deste negócio? O velho lorde endireitou-se na cadeira e seus olhos brilharam. - Majestade, sim. Como vai se recordar, a tarifa base era muito mais baixa naqueles tempos. Esta lei era para ser um aumento temporário para equalizar os custos relativos das diferentes rotas de transporte, mas deste então se tornou permanente. As taxas envolvidas foram aumentadas inúmeras vezes por outras razões. Se esta lei fosse invocada agora, o resultado seria um fardo ainda maior sobre os mercadores que jamais fora pretendido. Que Sua Majestade pretendia na época, isto é. - É claro, - Rakhal disse, - Sua Majestade é livre para reinterpretar a lei de qualquer maneira que achar conveniente. Carolin não gostou do tom bajulador de seu primo, nem de seu desrespeito pelo velho lorde. Elhalyn poderia ser reduzida para privilégio real, mas ele ainda era o membro mais velho do conselho e, o que era mais importante, era o único entre eles que relembrava as circunstâncias originais. O rei suspirou. Seu olhar vagueou à sua direita e por um momento ele pareceu surpreso de ver Carolin sentado ali. - O quê... o quê você aconselharia, meu garoto? Carolin respirou. O conveniente seria manter o precedente. Os mercadores reclamariam entre si sobre o aumento dos custos, mas encontrariam maneiras de aumentar seus preços para compensar. De um jeito ou de outro, por impostos ou taxas, o preço do grão aumentaria. As pessoas que pagariam pelo menos eram aqueles que podiam arcar com a carga extra. Por todos aqueles anos atrás, o rei barganhara com seu povo, mesmo que não estivesse na lei. O Rei certamente era capaz de proclamar o que quisesse ou preferisse, o que seus soldados podiam forçar. Mas era justo? Era honesto? Não havia uma obrigação implícita da parte do rei em reconsiderar uma medida temporária quando a necessidade havia passado? - Eu não concordo com o precedente, - Carolin disse. - Sua Majestade decretou uma tarifa, devido circunstâncias especiais. Não vejo razão nisso agora. O mais importante é permitir que esse grão chegue ao povo que mais precisará dele. Ninguém deveria lucrar de famintos ou indefesos. Rakhal disse em voz baixa apenas para Carolin, - Se tomar esta posição, Primo, então seus tesouros sumirão em questão de segundos. Como acha que armamos nossos soldados ou pagamos nossos jantares, senão com as tarifas e taxas? - Isso pode ser verdade, mas se é sábio, é outra questão inteiramente diferente. Carolin passara muito tempo nas ruas, ali em Hali e em Arilinn, para tão facilmente descartar a vontade do povo. - Temo que sua temporada em Arilinn o deixou muito balançado, Primo, - Rakhal disse, erguendo uma sobrancelha enquanto dava um sorrisinho para a audiência. - Deveria levar mais em consideração a opinião do rei, e bem menos a da multidão lá fora. É dever deles arcar com suas necessidades, não nossa de comprometer nossos objetivos em lugar dos deles. Recordo-lhe de suas aulas de história. Há uma boa razão para o Comyn comandar e para aquele rebanho cego obedecer. Carolin encarou-o. Como todas as pessoas educadas de sua geração, ele estudara os piores excessos da Era do Caos, os programas de procriação do laran e os estranhos e terríveis Dons que produziram. Comyn voava para onde quisessem em seus carros-aéreos, suas casas eram


aquecidas e iluminadas por laran, e círculos inteiros se dedicavam em fabricar bestas por ganância ou prazer. Até agora, porém, ele pensara pouco sobre como tudo aquilo era pago, e em quantas pessoas trabalharam para que poucos pudessem viver em luxo. Não havia desculpa para a ignorância e o descuido da juventude. Ambos podem ser remediados, disse a si mesmo, e pensou se o mesmo podia ser dito sobre a ganância.


CAPÍTULO 17

Na noite do Festival de Inverno, o grande saguão no Castelo Hastur brilhava com milhares de luzes. Coroas de folhagens, presas com fitas e frutinhas vermelhas, enchiam o ar de agridoce. Desde a noite anterior, os deliciosos aromas de pão condimentado e bolos de nozes dos fornos se misturavam com o do boi que assava sobre a cavidade aberta no pátio. O banquete começou à tardinha com as bênçãos formais do rei. Primeiro a família real, depois os outros parentes Hastur, e finalmente os nobres e cortesãos reunidos tomaram seus lugares ao lado das mesas do banquete para ouvir as honrarias. Em anos Carolin não via seu tio parecer tão vigoroso. Talvez fosse por Felix Hastur não falar apenas por si mesmo, mas como a encarnação, o descendente do primeiro Hastur, o filho de um deus, que assumira a mortalidade pelo amor de uma mulher. Em alguns lugares, o manto da Abençoada Cassilda era usado pela mulher do castelo, parada ao lado de seu marido como Dama e Senhor da Luz. Juntos eles personificavam os antigos ciclos da luz e escuridão, inverno e primavera, calma e regozijo, nascimento e morte. Diziam que as Torres tinham seu próprio Festival de Fim de Ano, com kireseth e todo o tipo de devassidão. Como ele ainda não havia passado um Festival em uma Torre, nem tivera vontade, nunca iria descobrir. Nenhum comportamento escandaloso aconteceria ali, apesar de sempre haver bebês nascendo nove meses após o Festival. Ainda assim, uma aura rodeava o velho Rei enquanto erguia suas mãos e declamava as antigas palavras. Sua frágil voz ressoava pelo saguão. Então ele bateu palmas três vezes e a audiência explodiu em alegria. Nas galerias, músicos começaram uma alegre melodia. Um autêntico exército de serviçais saiu dos corredores de onde esperava, carregando bandejas com carnes suculentas, pernis e assados e enormes e suculentas costeletas, saborosas tortas decoradas com emblemas estilizados, frango recheado e caramelizado, e cestas de pão do feriado. Mais serviçais trouxeram canecas de vinho e cerveja quente temperada, a bebida favorita de Rei Felix. Enquanto o salão de danças era preparado, a multidão crescia, com cada dignitário de Hali e das terras ao redor juntando-se aos convidados do castelo, família e cortesãos. O programa daquela tarde começou com Rei Felix e Dama Liriel juntando-se para uma majestosa caminhada. Observando o rei que havia sido grisalho e velho desde que podia se lembrar, Carolin viu os ecos de uma antiga graça, pelo sangue chieri que corria no Comyn e especialmente em sua própria família. Felix podia já ter vivido demais em termos humanos, mas quando a música era leve e a luz suave, seus passos as acompanhavam. A velha Dama Bronwyn descera para o banquete e ficara para honrar a primeira dança do Rei com sua presença, depois se retirando aos seus aposentos. Carolin, como sempre, dançou com uma procissão de parentas, começando com a de mais alta posição, que era Liriel. Como uma estátua de gelo em uma Torrente branca e prata, ela movia-se perfeita através dos intrincados movimentos da dança. Carolin como todos de sua casta e época, tomara aulas de dança logo que começara a andar, mas não conseguia acompanhar sua calma precisão.


Orain sentou-se do lado de fora nessa parte da tarde, dizendo estar guardando sua força para a dança mais agitada já que os mais velhos haviam ido para a cama e a cerveja do feriado animava os jovens. A esposa de Orain se retirara imediatamente após a cerimônia. Carolin suspeitou que estivesse cansado de dançar com sua prima Jandria e preferia bem mais a energia masculina da dança da espada. Carolin notou Eduin e Dyannis juntos. Eles rodeavam o salão, esquecidos dos outros casais. Em qualquer outra noite, teria sido impróprio, se não escandaloso, para um casal solteiro dançar a secain em público. Carolin achou que eles ficavam muito bem juntos. O vestido rosa da garota brilhava como uma pérola no fundo do mar de Temora em contraste com o casaco de rico cetim cor de bronze e o manto curto de seu parceiro. Eduin inclinava sua cabeça próximo a dela, seu braço protetoramente ao seu redor. Uma esguia figura em cores sóbrias entrou na pista de dança e parou, tensa. - Varzil! - Carolin exclamou. Varzil entrou como uma lança sombria através da glamorosa multidão. Assim que Dyannis o viu, parou de dançar e deu-lhe entusiasmadas boas-vindas. Com um movimento abrupto, ele a afastou. Carolin não pode ouvir as palavras sob a música, mas notou a dura expressão de Varzil e o súbito corar nas faces da garota. - Eu danço com quem eu quiser! - Dyannis gritou. - E você não tem o direito... - Não queríamos... - Eduin começou, erguendo as mãos. - E agora, - Carolin disse, usando sua melhor voz cortes. - O que está havendo? - Não vale a pena desperdiçar saliva, - Dyannis disparou. Jogando os cachos, passou sua mão pelo braço estendido de Eduin. - Por favor, faça a gentileza de me escoltar de volta às outras damas. Estou cansada demais para continuar. Com isso, ela arrastou Eduin. Varzil fez menção de segui-los, mas Carolin impediu-o com um toque. - Qual o problema? - Qual o problema? - Varzil repetiu com escárnio. - Minha irmã... ele está dançando com minha irmã! - Eduin? E porque não deveria? - Carolin disse. - Ela está certa, você sabe. Mesmo aqui em uma corte das terras baixas, é perfeitamente aceitável para um amigo próximo de seu irmão convidá-la para dançar, mesmo que não seja Festival. Não é menos apropriado para Eduin do que é para mim, e eu fiz exatamente isso enquanto você convalescia, é melhor do que deixála sentada toda amuada quando qualquer tolo cego podia ver o quanto queria dançar. Vai brigar comigo, também? Ela está se divertindo, e Eduin também. Aqui na frente de todos, o que há de mal nisso? Ou confia tão pouco nela que precisa guardar sua honra a todo o momento? Retirando-se da pista de dança, Varzil balançou a cabeça. - Eu não... não faria sentido algum para você. - Está falando sobre aquela antiga rinha entre vocês? - Carolin perguntou, seguindo-o. - Só porque ele se comportou mal quando você chegou a Arilinn? Ele me disse uma dúzia de vezes o quanto se arrependeu daquilo, como vem tentando compensar desde então. Pensei que não fosse capaz de carregar rancor, Varzil, ou de fazer sua irmã infeliz na noite do Festival de Inverno. Varzil virou-se, andando até passar o grupo de velhos lordes e bacharéis parados ao redor do salão. Ali, nos cantos escuros e passagens em arco, ele parou. Seus ombros subiam e


desciam com cada pesado suspiro. Carolin seguiu à distância, observando. Após um longo momento, ele se aproximou e apoiou uma mão gentilmente no ombro de Varzil. Ele tem estado doente, longe de casa. Eventualmente ele e Eduin esquecerão o passado, mas não posso forçá-lo sob essas condições. - Sinto muito, - Carolin disse. - Quase provoquei uma discussão entre nós, e não quero isso. Vamos aproveitar o feriado como amigos. Um calafrio percorreu através da magra estrutura de Varzil. - Você está certo, como sempre. Dois dias atrás, falamos de homens achando meios pacíficos de ajustar suas contas, e aqui estou eu, pronto para socar Eduin no nariz. - Ele forçou uma risada. - Não devia tentar resolver diferenças na pista de dança. - Bem, se acha necessário, - Carolin disse em um tom mais leve, - podia desafiá-lo na dança da espada. Você sabe, quem pula mais longe ou chuta mais alto ou gira mais vezes sem cair no chão. - No meu estado, ele ganharia na primeira rodada, mesmo se estivesse cego e aleijado. Não, é melhor deixar para lá. - Apesar das palavras, Varzil pareceu pensativo, de cara fechada. Carolin, temendo que Varzil se retirasse de vez das festividades, sugeriu novamente que convidassem Maura e Jandria para dançar a próxima rodada. Para sua surpresa, Varzil concordou. As danças haviam se tornado cada vez mais espirituosas e menos ordenadas, com muitas oportunidades para os casais fazerem contato visual ou mesmo roubarem um beijo. Por acaso, a próxima era decorosa o bastante para ganhar a aprovação da exigente dama de companhia. Maura saltitou através das figuras ao lado de Carolin. Jandria estava com um incomum humor tagarela. Quando os músicos tocavam as cordas que sinalizavam as cortesias finais, até mesmo Varzil estava sorrindo. Carolin escoltou Maura de volta ao seu assento e demorou-se ali por um momento. Ela olhou de volta para a pista de dança onde Varzil e Jandria ainda conversavam animadamente. - Varzil parece melhor, - Maura disse. - Por um momento, quando ele desceu, eu me perguntei... há alguma questão mal resolvida entre ele e Dyannis? Ela é o que o povo de Venza chama de cabeça-dura, e eu diria que ele é igual, por causa de como você me disse que ele foi admitido em Arilinn. Aquilo nem sempre traz harmonia para a família. Então Maura também sentira a discórdia cruzar a sala. Carolin sorriu, pensando haver pouca privacidade entre telepatas, mesmo se mantendo a voz baixa. Ele disse, - Acho que é uma questão de Varzil descobrir que sua irmãzinha é uma mulher crescida e capaz de se virar sozinha. - Com certeza! - Maura disse com vontade. - Não esperaria menos, pois ela tem o talento e a ambição para se dar bem em uma Torre, em vez de ficar em casa sentada remendando meias e fazendo bebês. - Ela virou a cabeça, olhando Varzil e Jandria. - Eles fazem um bom par, não acha? Varzil não sabe o que fazer com ela, e Jandria tem menos paciência ainda de receber instruções de um rapaz de sua própria idade do que Dyannis. - Devo resgatá-lo, então? - Oh, não! - os olhos de Maura brilhavam. - Acho que é bom para os dois. Especialmente na Noite do Festival!


Quando a dança acabou, Varzil inclinou-se novamente para Jandria. Ele pôde ver em seus olhos que ela dançaria mais uma rodada ou duas com ele, pois além de gostar de dançar, não se preocupava muito com os flertes usuais. Ele não tinha interesse nela além da diversão mútua dos passos da música. A dança e a breve conversa que a seguiu havia lhe dado tempo para relaxar, para decidir o que fazer sobre Dyannis. Carolin estava certo, é claro. Ela não rompera nenhuma regra social ao aceitar o convite para dançar com Eduin. Mas não precisava olhar para Eduin daquela maneira tão apaixonada. Ela era muito jovem, muito impressionável por uma corte tão grande. Deveria ter ficado em Hali para os feriados, ou ao menos ter seu irmão presente como guia e acompanhante. A pergunta de Carolin irritou os confins de sua mente... Ou confia tão pouco nela que deve guardar sua honra a cada instante? Por que ela tinha que escolher Eduin entre todas as pessoas? Bem, ele colocaria um fim nisso. Uma palavra ou duas e ela voltaria ao seu juízo normal. Em poucos dias, retornaria a Hali e seu treinamento. Enquanto isso, se quisesse dançar, então ele mesmo dançaria com ela. Ele a encontrou sentada ao lado de Maura Elhalyn. Enquanto se aproximava, ela ergueu os olhos. Seu pensamento tocou os dele, ainda bem destreinado, mas doce e claro. Varzil, é tão bom vê-lo bem. Ela estava tão feliz com ela mesma e suas recém-desenvolvidas habilidades, que ele não teve coragem de mencionar a grosseria de falar através da mente em companhia de nãotelepatas. Sorriu e estendeu a mão para ela. Ela parecia um pouco surpresa quando ele a convidou formalmente para a próxima dança. Diferente da última, leve o bastante para se conversar, esta era cheia de passos vivos e giros complicados com o casal do canto. Varzil tropeçou no seu próprio pé. Dyannis riu para ele. - Tem certeza de que está pronto para isso? - Preferiria que não estivesse, - ele admitiu. - Mas preciso falar com você. Ela escorregou a mão para a curva de seu cotovelo, confortável e certa de si, e levou-o para fora da pista de dança. A menina teimosa que conheceu quando criança dera lugar a uma charmosa jovem. Quando estavam bem afastados dos outros dançarinos, ela o soltou e olhou diretamente em seus olhos de um jeito que ele achou desconcertante. Se não fosse seu irmão, tal ousadia certamente teria sido motivo para um escândalo. - Então? - ela disse, uma sobrancelha se erguendo divertida. - Porque está tão triste? - Preciso falar com você… sobre a dança com Eduin. - Está se desculpando por não chegar cedo para dançar comigo? Ótimo! Desculpas aceitas. Só isso? - Não, não é só isso! - Ele queria sacudi-la. - Não quero você dançando com ele. Não é questão de ser apropriado... como Carolin explicou tão corretamente, não há nenhuma objeção. Mas preferiria que você não tivesse nenhum tipo de... - ele procurou a palavra, ligação com Eduin. Não que fosse durar mais do que dez dias, com seu retorno a Hali e ele a Arilinn. Mas não seria... apropriado. - E porque não? - as sobrancelhas incolores se uniram como pálidas nuvens de tempestade. - Ele não é um completo laranzu de Arilinn, tão merecedor do carinho de uma mulher quanto você? Há alguma falha de caráter que você notou e o Guardião dele não? Diga-me exatamente porque a objeção por Eduin, e não por Carolin ou Orain ou mesmo aquele


libertino do Rakhal? - Ela apertou os olhos. - É por ele não ser suficientemente nobre de nascimento, não é? Deveria ter vergonha, Varzil, de julgar um laranzu por sua família e não por seu caráter e habilidade! Varzil estendeu sua mão como que barrando suas palavras. - Não fiz tal julgamento, irmã! Nem nunca questionei o talento de Eduin. Tenho trabalhado com ele no círculo o bastante para conhecer sua capacidade. Seu Dom não é a questão aqui. Ele está aliás apenas dançando com você, e não pedindo-a em casamento. - Exatamente. - E eu preferia que não dançasse. Como seu irmão e parente mais próximo, eu ordeno... - Ordena? Não posso acreditar no que estou ouvindo! Você presumiria... não sou seu cavalo, cachorro ou mesmo sua esposa! Se tiver alguma preocupação real, darei a devida consideração, mas não considero seu... seu infundado... irracional... ignorante desejo razão suficiente para nada! Dyannis parou, respiração pesada, rosto e pescoço corado de nervosismo. Jogando a cabeça para trás e tilintando os sininhos brancos em seu cabelo, ela o empurrou para longe. Sem mais palavras, forçou seu caminho pelo emaranhado de nobres, inconsciente de suas expressões de espanto. Eduin observou surpreso enquanto Dyannis saía da pista de dança. Seu irmão, que deveria tê-la escoltado de volta às cadeiras onde as damas se sentavam, estava em pé como se tivesse levado uma facada. Parecia que iria tombar a qualquer momento. Não sei o que disse a ela, mas não queria estar em sua posição nem por todo o ouro de Shainsa. Eduin sentiu uma inesperada onda de empatia por Varzil. Mesmo se não estivesse sob leve contato com Dyannis devido à dança anterior, ele teria sentido sua fúria. A sala estremeceu com aquilo. Foi um espanto que cada pessoa no local que possuísse um mero toque de laran não reagisse. Alguém terá que ensiná-la a controlar melhor sua telepatia... ele sentiu a sombra do pensamento de Maura enquanto ela corria atrás de Dyannis. Com uma pontada, ele desejou poder ir com ela. Nunca conhecera ninguém como Dyannis. Não era apenas pelo seu jeito sincero. Quando chegou a Arilinn, achou as mulheres embaraçosamente ousadas. Mesmo que tivessem ido para uma Torre por uma temporada ou pelo resto de suas vidas, elas rapidamente adotavam suas regras de comportamento não mencionadas. Tomavam os amantes que desejavam, mas por mais prazeroso que o fosse, quando o sol nascia e os círculos se reuniam, trabalho era trabalho. Eles eram companheiros que tinham a mente um dos outros... e as vidas... em suas mãos. Dyannis, embora tenho ido para a Torre de Hali, era completamente diferente. Atrás do brilho de seus olhos cinzentos brilhou a mais clara e pura luz que ele já tinha visto. A partir dessa primeira dança da noite, quando ele a tinha tomado em seus braços, ele sentiu-se cair nesse brilho transparente. Sentiu-se visto, verdadeiro e sem vacilar, até os acessos mais sombrios de seus segredos, vistos e aceitos com uma simplicidade que ele estremeceu até as raízes de seu ser. O primeiro impulso de Eduin foi correr atrás dela, para toma-la para ele, para protegêla de tudo o que a afligia. Ele sabia que isso era impossível. Suas ações só iriam tornar as


coisas piores. Além disso, Maura, como uma outra mulher e seu companheiro leronis em Hali, era muito mais adequado para resolver as coisas com ela. Seu próximo impulso foi se dirigir a passos largos para a pista e dar com o punho fechado no nariz do irmão dela. Você interferiu bastante! Primeiro com Carolin e agora Dyannis! Ele se conteve, mantendo com seu laran as barreiras firmemente levantadas para evitar que qualquer indício de seus verdadeiros sentimentos vazasse. Não deve haver nenhum questionamento sobre o por que exatamente Varzil havia interferido. Aqui neste reduto Hastur, rodeado por tantos homens e mulheres tocados por laran, ele não poderia dar com o menor passo em falso. E ainda. . . mesmo sem a interferência de Varzil, Carolin não poderia ter morrido naquele pomar em Arilinn. Algo tinha feito Eduin vacilar no último instante, algo o manteve congelado, enquanto observava Carolin - Carlo que lhe via como amigo, aceitou-o, não se importando com seu estado, tombado no chão. Eduin forçou-se a agir, mas então Varzil surgiu e já começara a levantar o galho. Sob a atenção vigilante de Varzil, não houve chance de terminar o trabalho. Então Eduin tinha esperado ... assistido ... e às vezes em uma noite como esta, com música e boa comida, incêndios quentes e Dyannis com os olhos radiantes, ele quase esquecia de sua missão. Mas ele nunca deveria esquecer. Ele deveria sempre se lembrar do por que ele estava aqui, o que ele tinha trabalhado tão duro para conseguir, quão sozinho ele carregava as esperanças de restaurar a honra de sua família. O velho rei logo morreria e ele teria que lidar com Carolin. Ele não tinha sido capaz de chegar perto o suficiente pela ausência de Rakhal ou Lyondri para organizar um incrível "acidente", mas que acabou sendo de menor importância. Quanto ao segundo filho da rainha Taniquel, ele não tinha sido capaz de descobrir qualquer vestígio dele que poderia ter morrido na adolescência, como o jovem príncipe Julian, ou então ter desaparecido na ignomínia. Enquanto isso o tempo estava se esgotando. O destino e Varzil haviam frustrado suas tentativas anteriores sobre Carolin. Logo Eduin deveria retornar a Arilinn e só Zandru sabia quando ele teria outra oportunidade. Fora do salão, Carolin ficou conversando com Varzil, levando-o para longe. O ombro de Varzil cedeu minuciosamente. - Ele vai ficar bem – uma voz feminina ao lado dele disse. Jandria olhou para ele com uma mistura de simpatia e distância que ele achou tão desconcertante. Assim poderia trata-lo um irmão, se ele tivesse um. - Varzil? Por que ele se opôs a minha dança com Dyannis? - Oh? - Uma sobrancelha escura ergueu minuciosamente. - Eu acho que sim, ele se opõe a ela dançar com você. Mas irmãos são assim, como são primos, como eu já recebi broncas em mais de uma ocasião de meus parentes. Por que os homens sempre presumem que sabem melhor como administrar nossas vidas que nós mesmas? Ela sorriu, um pouco tristemente, ele pensou, e depois se iluminou. - Vamos dançar juntos para consolar-nos da loucura da interferência de nossos parentes? Ou prefere ir tirar satisfação do porque Varzil não tem o bom senso de ficar quieto quando ele está doente demais para se comportar corretamente? Então Eduin dançou com Jandria não uma, mas três vezes, e então os homens mais jovens tinham começado a tirar suas espadas para as danças selvagens. Neste ponto, Jandria


alegou fadiga e falta de interesse, mas Eduin pensou que, apesar de suas desculpas, ela preferiu não assistir seu primo fazer um espetáculo de si mesmo. Orain já estava três quartos bêbado, assim como Rakhal. Carolin estava longe da vista, nem mesmo Varzil reapareceu. O pensamento “nada mais a beber” alcançou o estômago de Eduin em um aperto gelado. Sua roupa emprestada, o terno de cetim bronze que o deixou tão encantador, beliscou sua pele. Ele deixou Jandria com as outras senhoras que iriam organizar uma escolta adequada de volta para seus aposentos e subiu as escadas para o seu próprio. Eduin abriu a porta da sala exterior. Um fogo havia sido aceso há algum tempo, como foi evidenciado pelas brasas. Ele estava diante do fogo, deixando-o ajudar a aliviar o frio do corredor lá fora e a tensão enraizada em seus ombros. Depois de todos os seus anos em Arilinn, todos os meses de manobras para chegar perto de Carolin Hastur, perto o suficiente para fazer o seu trabalho sem suspeitas, ele deve ter ses acostumado à pressão. Mas às vezes o peso de seus segredos era demais para suportar. Eles assombravam seus sonhos, aquelas sombras envenenadas informes. Ele poderia ir para casa, onde ele não tinha necessidade de dissimular a cada momento, mas então ele teria que enfrentar seu pai e admitir que ele tinha falhado. Ele não estava sozinho na sala. Ela estava sentada, imóvel nas sombras. Ele não tinha sequer ouvido o sussurro de sua respiração ou o bater das suas saias. Agora sua mente estendeu a mão para a dele em um toque de seda que era como nenhum outro. Dyannis! Sem pensar, ele se virou, atravessou a sala e se ajoelhou diante dela. Parecia a coisa mais natural do mundo colocar a cabeça em seu colo, sentir os dedos suaves retorcerem seu cabelo. Ele não sabia se ele a ouviu murmurar em voz alta ou só se sentiu em seu sangue. - Caryo. Minha querida, meu coração. Algo se quebrou dentro dele e ele não sabia se iria chorar ou gritar. Sentaram-se assim pelo que pareceu uma eternidade, ele de joelhos, ela segurando sua cabeça em seu colo, acariciando seus cabelos, sussurrando palavras que ele nunca tinha imaginado que qualquer mulher jamais diria a ele. O fogo mudou de posição, brasas esmagamento com um silêncio macio. Ele levantou o rosto para o dela. O fogo havia diminuído, de modo que ele a viu como uma silhueta de sombras. Ela levantou uma mão para a mesa ao lado dela, olhou naquela direção. Luz brilhou como o pavio da vela que explodiu em chamas. Já um tão forte, pensou. Ela sorriu. Meu irmão me proibiu de dançar com você. Como tentáculos feitos de cetim trançado seus pensamentos o acariaciavam, suaves, frescos e ricos, com padrões que ele desejava explorar. E se ele não tivesse feito isso, eu poderia não ter percebido ... Ele prendeu a respiração, mal ousando deixar suas próprias esperanças tomarem forma.


. . . . Que o que começou como uma brincadeira se tornou muito mais Ela balançou a cabeça, de modo que os pequenos sinos brancos em seu cabelo interrompeu suavemente. Eu nunca quis ... Eu nunca pensei que isso poderia acontecer ... não tão cedo ... - Calma, meu amor- , disse ele em voz alta. Ele se levantou para abraçá-la corretamente. Seus braços foram ao redor de seu pescoço, seus lábios procurando o seu. Sua mente se abriu para ele como flores no sol da manhã, cada uma pétala soltar seu perfume íntimo. Seus lábios eram suaves, levemente doces como vinho. As pontas dos dedos acariciaram a base de seu pescoço. Ele deslizou uma mão sob a base do cabelo dela, espantado com o calor de sua pele. Como qualquer mulher de boas maneiras, modesta, ela tinha mantido a nuca coberta, para apenas um amante poder ver. Ele sentiu como se tivesse acabado de lhe ser concedido o mais sagrado dos privilégios. A dança de suas mãos sobre sua pele, a resposta de boas-vindas de seu beijo, a intimidade do toque em seu pescoço, tudo formava uma corrente de excitação, um tamborilar doce em suas veias. Ela era um calor sedoso que o incendiava. Vagamente, ele percebeu que, ligados em harmonia como eram, suas mentes e corpos abertos um ao outro, sua própria excitação crescente abastecida ela própria. O pensamento o excitou além da imaginação. Sentiu-se afogando na sensação inebriante de desejo e prazer crescentes. Um de seus últimos pensamentos coerentes da noite foi que agora entendia por que ele tinha tão poucas ligações com mulheres antes, por que tinham sido tão insatisfatórias, e que nunca haveria qualquer mulher para ele, apenas Dyannis. . . .


CAPÍTULO 18 O tempo se tornou muito frio na manhã em que Maura voltou para a Torre de Hali. Liriel Hastur havia ido na frente, deixando ela para concluir suas negociações com o rei sobre o financiamento de Tramontana. No pátio do castelo Hastur, palafréns das senhoras e as outras montarias de sua escolta armada e selada, agora sentia o sopro da névoa de suas narinas. Varzil tinha descido para vê-los do lado de fora, junto com Carolin e Jandria, que raramente pareceu deixar o tempo interferir em qualquer coisa que ela quisesse fazer. O vento úmido e os cumes cobertos de gelo que prometiam mais neve, cortavam através das camadas da capa de Varzil. Ele estremeceu então, silenciosamente, amaldiçoou sua fraqueza persistente. Sua sensibilidade à temperatura, a sua falta de resistência e seu sono frágil, pontuado por pesadelos, demonstraram que ele não tinha se recuperado totalmente de sua provação no lago. Ele havia decidido que o melhor caminho seria a forçar-se fisicamente um pouco mais a cada dia. Jandria se preocupavam com ele, dizendo que ele estava arriscando uma recaída, e ele recusou-se a discutir com ela, só continuara seu plano de uma forma menos perceptível. Dyannis sentou-se em seu cavalo, envolta em sua capa forrada de pele, as rédeas em suas mãos enluvadas, seu capuz puxado confortavelmente em torno de sua cabeça. Ao acenar educadamente com a cabeça para Carolin, seu olhar deslocou-se para o castelo além dele. Eduin estava lá, escondido atrás de uma janela, mas claro em sua mente como o sol nascente estava a despedida que tiveram em particular. Varzil soube a noite que ela e Eduin tornaram-se amantes, e ele ainda se culpava. Talvez tivesse sido mais fácil aceitar isso discutindo o assunto com Carolin, mas ele não conseguia dizer as palavras em voz alta. Ele agiu com arrogância e ela mesma havia se jogado nos braços de Eduin. Sabendo que Dyannis sendo tão teimosa e obstinada como era, com um temperamento que combinava com seu cabelo de fogo, ele deveria ter esperado nada menos do que isso. Era tarde demais para fazer qualquer coisa sobre isso agora. Sua única opção era deixar a coisa toda correr o seu curso. A separação física exigida, ela voltando para Hali e Eduin a Arilinn, somado às exigências do seu trabalho, logo se dissipariam esse ardor. Se não, o assunto estaria nas mãos dos Deuses. Ele mal sabia o que ele deveria fazer em sua própria vida, ou com o que ele vira se desviando para dentro do lago e colocando a mão sobre a coluna de rocha caída, obviamente, atraído pelo de laran. Quem era ele, então, para dizer a Dyannis qualquer coisa sobre como conduzir a dela? Carolin acabou de falar com Dyannis e agora estava ao lado de Maura. Sorrindo, ela estendeu a mão para tirar uma de suas mãos para seu parente -Será bom ter você de volta em Hali As palavras dela flutuaram adiante para serem respondidas pela voz mais profunda de Carolin. Varzil se aproximou do cavalo de sua irmã. Ele procurou as palavras que atenuariam o atrito entre eles. Ele havia considerado desculpar-se resumidamente, mas isso teria sido uma mentira e ele devia a ela a verdade. Ele poderia ter sido bruto e impensado em sua ação, mas ele não acreditava que ele estava errado em sua opinião.


Para sua surpresa, ela se virou para ele e sorriu. -Caro irmão, é uma coisa boa o jeito que você se preocupa sobre mim, mas você não é meu detentor! -É, e você também não é minha. – ele percebeu-se a responder facilmente -Uma mulher detentora? Mesmo que tal coisa fosse possível, se há mulheres com a força da mente para fazê-lo, eu lhe asseguro que não vai acontecer em Hali. Nem em Arilinn, ele suspeitava. No entanto, não era impossível. Liriel Hastur, por exemplo, se fosse um homem poderia muito bem ter sido escolhida para o treinamento rigoroso. Uma rajada de vento, tão frio que queimava a pele, lembrou-lhe que este não era o momento nem o lugar para tais discussões filosóficas. Ele deu um passo para trás. -Desejo-lhe felicidades, chiya, em cada caminho que sua vida leve você. Que as bênçãos do Aldones segui-a. -Adelandeyo, meu irmão. Que a graça dos Deuses iluminem seu caminho também. Com uma Torrente de cascos na neve compactada, o grupo partiu e o contato foi desligado. Varzil assistiu eles irem, e Carolin jogou um braço ao redor de seus ombros. -Não vai encurtar sua jornada se insistirmos em ficar de pé aqui, nos congelando. – disse Carolin. Após a umidade do ar da manhã lhe dar calafrios, sentiu o calor dentro do castelo fechado. Carolin tinha um pouco mais de tempo para visitas de manhã. Com a conclusão da alegria do feriado, ele estava recebendo mais responsabilidades oficiais a cada dia. Mas eles roubaram alguns minutos para conversar em seu lugar habitual, a sala de estar de câmaras de Carolin. Rakhal e Eduin já estavam lá, inclinando-se sobre um jogo de castelos. Observando o conselho, eles não tinham mais do que um ou dois movimentos para o jogo. -No meio de tudo isso, eu devo me encontrar com os pedreiros da cidade, - disse Carolin, atirando-se em sua cadeira favorita. - Quando o tempo melhorar, eu posso sair para Tramontana para dar uma olhada. -Tramontana?- Eduin perguntou. -Sim, nós estamos indo definitivamente para reconstruir a Torre de lá, - disse Rakhal, aquela que será inquestionavelmente leal a Hastur. -É quase mesmo uma reconstrução, - Eduin disse, - já que a Torre terá o mesmo nome. Varzil silenciosamente concordou. Félix Hastur destinara claramente a nova Torre como uma ferramenta de guerra. Nos dias do falecido Rei Rafael II, o Conselho Hastur tinha sido lendário como uma voz de moderação. Este projeto soou – ou ele sentiu – como se Rakhal tivesse algo muito diferente em mente: contenção para todos os outros , exceto os Hasturs. Mas, Varzil pensou quando ele olhou para o rosto de Rakhal e captou um brilho de alerta em seus olhos, não seria prudente dizer isto naquele lugar. -Não é o mesmo. Eduin recostou-se na cadeira, sobrancelhas juntas. -Você que disse duas vezes, - Rakhal comentou secamente. - É a colocação de uma nova Torre no lugar de uma velha, uma arruinada. Quão diferente pode ser? -É muito diferente, - disse Varzil, e notou lampejo de surpresa de Eduin, - dependendo se você a vê do ponto de vista da Torre ou do castelo. Não temos Torres suficientes para fazer todo o trabalho que é necessário. Não há dúvida disso. Mas o único propósito para construir a Torre é servir o Senhor que a comanda...


-E o que mais do que isso deve a Torre, legitimamente, deve fazer? - Rakhal o interrompeu. Sua rapidez lembrou Varzil de um gato atacando em cima de um rato do campo. -Ensinar e regrar-se? - disse Eduin. A mandíbula de Rakhal caiu. Carolin e Varzil o fitaram. Você não vê os homens comuns, sejam eles fidalgos ou o maior dos reis, brincar com os laran’s presentes nas Torres como se fossem ninharias ou brinquedos, e eles não têm experiência nem concepção das forças que as comandam, a magnitude, o âmbito de aplicação - Ele se virou para Varzil. - Você já tentou explicar algo tão simples como o mundo superior a um deles? Ou a energia dos anéis ou treliças de matriz ou qualquer uma das coisas mais básicas que usamos todos os dias? Varzil ouviu a paixão e o desprezo por trás das palavras de Eduin. Ele, sem querer, havia decaido em relação com Eduin. Tudo isto, morte e destruição, aconteceram porque aqueles que detêm o poder não são aqueles que o criam! Os grandes senhores se sentam em seus castelos e emitem ordens para novas e cada vez mais poderosas armas, enquanto nós das Torres, nós, que somos a fonte desse poder, somos reduzidos a peões! A amargura dos pensamentos de Eduin estremeceram a mente de Varzil. Lembrou-se do que ele tinha visto no lago: duas Torres, Hali e Aldaran, sem foco, apenas a destruição do outro, e não havia limites a o que eles iriam fazer para alcançá-la. Por acaso ou aviso, a devastação, fora canalizada para dentro do lago. Ele não se atrevia a pensar no que poderia ter acontecido se o confronto tivesse progredido, com cada uma das armas completamente implantadas. Darkover pode não se sair tão bem da próxima vez. Cuidadosamente, ele reuniu suas palavras. -As Torres devem retirar-se conflito armado, ser isentas... -Não! - Eduin atirou de volta. - As Torres devem governar! Apenas nós possuímos o poder. Só nós devemos decidir como ele deve ser usado! O que ele estava falando? O Comyn, com seus dons telepáticos, já foram a casta dominante em Darkover. Mas apenas alguns poucos eram capazes, e muito menos disciplinados o suficiente, para realizar o trabalho exigente das Torres. Com um tremor renovado, Varzil percebeu que Eduin estava falando sobre a substituição do Comyn com todas as suas tradições de liderança, de Conselho, de compromisso, com um corpo de decisão muito menor: os Guardiões das Torres. -Eu não posso concordar com você, - ele disse em voz alta. - Quanto menos homens detêm as rédeas do poder, maior a chance de tirania. Todas as falhas dos Cem Reinos há limites, mas não há para o mal feito por um único mau rei. -E limites para o bem que poderia ser realizado por um único grande rei, - disse Rakhal. Eu prevejo um dia em que todo aquele que se senta no trono do Hasturs vai ter influência sobre metade do mundo. Esta disputa interminável sobre cada vaca perdida ou noivo infeliz vai chegar ao um fim. -Eu compartilho de sua visão, primo, - disse Carolin com uma autoridade tranquila. - Mas eu vejo nela um motivo de precaução. Talvez a resposta seja que não dependa apenas da bondade de qualquer homem, seja ele rei ou guardião. Muitas vezes são nossos ideais e a honra em que se baseia, não o caprichos de nossa natureza, que nos levam a decisões sábias. -Os ideais! Honra! - disse Eduin. - Olhe onde eles nos levaram!


Varzil pensou no Rei que atualmente aquecia o trono Hastur, velho, além dos anos de homens comuns, porque costume e a lei lhe deram esse direito e dever. -Então precisamos de novos, - Carolin disse pacientemente. - Leis e pactos com base no melhor de nossa natureza, na honra ao invés de medo. Rakhal riu. -Você sempre foi otimista demais para o seu próprio bem, Carlo. Você pode amar a honra acima de todas as coisas terrenas, mas não vai mantê-lo aquecido durante a noite. Nem vai manter este povo unido da próxima vez que formos à guerra, para isso você precisa do fogo aderente e do aço afiado, não de palavras vazias. -Que os Deuses permitam que tal tempo não venha por muitos anos, - disse Carolin. - E quando isso acontecer, não seria melhor ter homens de honra para ficar ao nosso lado? Varzil olhou para Rakhal, como se o visse pela primeira vez. Ele quer o trono. -Ele ama Carlo e não deseja-lhe nenhum dano, mas em seu coração, ele acredita que será o melhor rei. Ele perguntou quanto tempo esse amor duraria uma vez que Félix Hastur estivesse frio em sua sepultura.

***

Varzil viu pouco Carolin no resto do dia. Em vez disso, ele tomou sua refeição do meiodia com Eduin. Eles se encontraram na cozinha, onde um dos menores cozinheiros colocava tigelas de sopa de feijão grosso com folhas verdes e acompanhado por pedaços de pão do dia anterior, torrado até ficar crocante e depois untado com queijo macio perfumado. Era o tipo de comida saudável para restaurar forças com se eles tivessem aparecido em sua cozinha em numa tarde tempestuosa de inverno. Eles se sentaram juntos em uma mesa de madeira, com sua acetinada superfície encerada eximiamente. Eduin tinha pego trajes quentes de seu cortesão emprestado ao invés de ficar com reparadas que ele normalmente usava. Ele parecia mais simples, mais honesto e Varzil viu a diferença nele. Eles trocaram algumas observações sobre a refeição e parecia que Eduin estava se esforçando para ser amigável, Varzil não tinha certeza se era porque ele estava obcecado com Dyannis ou queria o apoio de Varzil sobre a questão da dominância da Torre. Ambos sabiam que esta era uma ideia perigosa. Um Guardião pode estar acima de qualquer lei, mas não a sua própria, como um trabalhador menor, mesmo um sub-guardião, era como sujeito como qualquer outro homem submisso à justiça do rei. O que Eduin tinha proposto poderia ser facilmente interpretado como traição ... -Vou ficar feliz quando estivermos de volta em casa, - disse Varzil. - Banquetes são todos muito bons, mas eu não perderia a culinária de Lunilla. -Vai ser bom ter um verdadeiro trabalho a fazer, - respondeu Eduin, soprando através de uma colher cheia de vapor. - Eu tive minhas férias entre os grandes e ricos. Eu vi o tribunal em toda a sua grandeza. Francamente, eu prefiro Arilinn, onde eu não temos que nos


preocupar em como a fantasia de minhas roupas estão. Ainda assim, - ele gesticulou com a colher, - Eu estou contente de ter visto uma vez. Eles se separaram após a refeição, cada um com suas próprias atividades. Com a tempestade da manhã ainda caindo lado fora, havia pouco a fazer além das diversões fornecidas pelo tribunal. Varzil, que tinha pouco gosto para aulas de dança ou senhoras cantando baladas intermináveis sobre amantes de outras estrelas, desejou que ele pudesse montar para fora e ir novamente para Hali. Eduin estava certo sobre o valor de ser útil. Além do trabalho feito em círculos e a cura dos doentes e feridos levados para a Torre, havia os arquivos. Hali possui uma constante necessidade de bibliotecários para cuidar de documentos antigos ou transcrever os danificados pelos anos e elementos. No entanto, o tempo não lhe permitiria viajar para Hali. No final, Varzil fez o seu caminho de volta para a cozinha e, de lá, para o quarto, onde um herbalista atormentado e seu assistente acolheu um par extra de mãos dispostas. Ele passou uma tarde alegre com eles, histórias de gado, populares curas e negociação. Naquela noite, Varzil retirou-se cedo do entretenimento modesto da noite para embalar os poucos pertences que ele havia trazido. Sua pequena bolsa estava mais pesada do que quando ele chegou. Na noite anterior, Carolin tinha lhe dado um presente de despedida, um pino de manto de prata feito na forma de um cervo em execução. O artesão tinha feito os chifres do animal em um final em semicírculo na sua cauda e, em seguida, preenchido o espaço com uma sucessão de detalhes de frondosos galhos. Um minúsculo rubi brilhara no único olho visível do animal. Como um presente de Carolin, a peça foi duplamente preciosa. Fora apenas e muito. Demasiado caro e muito bem feito, para um simples laranzu. Varzil, com o broche na mão, sentado na beira da cama do quarto ricamente ornamentado que tinha sido dele, sentiu-se como ele tinha se sentido naquela primeira noite, nada além de um estranho. Nem mesmo Carolin ou a amizade fácil de Jandria poderiam mudar o fato de que ele não é e nunca pertenceria àquele lugar. Eu sou um laranzu, não um cortesão. Eu nunca quis ser outra coisa. Enquanto isso, ele teria que conversar com Carolin sobre o pino de prata e encontrar uma maneira graciosa de recusa-lo sem o ofender. Ele envolveu-o de volta na peça de brocado rendadas com as cores prata e azul e o emblema dos Hasturs no qual tinha vindo. Então ele abriu a porta e seguiu pelo corredor na direção das câmaras de Carolin. Desde aquela manhã no lago, ele e Carolin tinham tido muitass vezes uma grande harmonia, às vezes não mais do que uma consciência tênue da presença um do outro em algum lugar do castelo. Carolin era um telepata fraco na melhor das hipóteses e os seus deveres, tanto oficiais e não oficiais, ajudando no atendimento acima de seu tio e os momentos de sentar-se nas cortes, ocuparam a maior parte da sua atenção. Sabendo disto poderiam ser estes os últimos momentos privados entre eles por, pelo menos, muitos anos. Varzil enviou um pensamento questionador... -Carlo? Você acabou com ... O abalo de dor em resposta atravessou por seu corpo e parou a respiração em seus pulmões. O corredor desapareceu na lavagem de fogo abrasador que explodiu através dele, destruindo até mesmo a sua consciência de si mesmo.


CAPÍTULO 19 Varzil apertou as mãos contra o peito. Sua visão se enevoou e sua garganta se fechou. Seu coração batia em seus ouvidos, abafando todos os outros sons. Uma segunda onda de agonia passou através dele. O mundo parecia se contorcer, adoecer ao seu redor. Ele sentiu seu corpo, sua mente, sua própria voz preenchida de cinzas até que apenas uma casca vazia permaneceu. Uma negação veio de algum núcleo profundo dentro de dele, teimosa. Essa dor não era a sua. Mesmo com o pensamento ecoando em sua mente, ele estendeu a mão para a imagem de uma parede, a barreira de Auster havia lhe perfurado por muitas horas. Com os primeiros contornos das pedras veio uma diminuição da dor lacrimejamento em seu peito. -Não é minha... A parede o trouxe de volta àquele lugar, cada fissura e monte de poeira... Ele se endireitou, grato pela firmeza de suas pernas e o ar correndo em seus pulmões. Uma onda de calor substituiu a dor, exceto por um pulsar persistente em sua mão direita. Olhando para baixo no pino envolvido, ele viu que o pano de alguma forma se soltou e a agulha afiada do broche estava encravada na palma da mão. Houve apenas uma ou duas gotas de sangue. Com a mão ilesa, ele esfregou seu peito, onde apenas alguns momentos atrás a dor mais forte do que uma marca incandescente o tinha perfurado. Não foi sobre o seu coração, mas onde sua pedra da estrela envolta estava pendurada. O cordão trançado estava mais longo do que a maioria porque ele havia preferido manter sua matriz escondida não só do toque casual, mas da simples visão de estranhos. Seus dedos se fecharam ao redor da bolsa de isolamento seda, sentindo as arestas da pedra. Num impulso, ele a tirou da bolsa e seguroua na palma da mão. A jóia azul instantaneamente brilhou viva, como sempre fazia quando em contato direta com sua carne. No fundo de seu coração lapidado, um fogo azul surgiu, piscando num brilho incandescente. Com ela a dor diminuiu mas uma sensação de calor permaneceu. As arestas de corte da agulha do broche cicatrizaram como se tivesse se passado uma semana ou mais. Varzil não tinha deliberadamente concentrado seu laran para a cura, mas ele tinha usado a pedra dessa maneira muitas vezes. Varzil olhou para a pedra, como sempre focando na dança de luz azul. Ele sentiu-se escorregar para o padrão cristalino que aumentaria seu próprio talento natural. Não a minha dor... mas de quem? Uma imagem passou em sua mente, o rosto de Carolin, contorcido, os olhos afundados em seu crânio, dedos grudados como garras, membros em uma agitação antinatural, e depois a paralisia. Saiu correndo pelo corredor. O guarda diante da porta de Carolin olhou para cima, com o rosto inundado de surpresa e em seguida, alarme. -Alto! Fique onde está! – O aço gruniu enquanto o guarda sacava sua espada. -Sean! Sou eu, Varzil! O guarda levantou sua espada. -Vá devagar para a luz para que eu possa vê-lo. Qual é o seu propósito aqui? -Explicações malditas!


Varzil tocou sua pedra da estrela e enviou uma explosão de laran através da jóia. E então a queimada, queimando com um azul e branco em toda a seção do corredor. O guarda apalpou os olhos, momentaneamente cego. Varzil se deu um passo para o lado, murmurando: -Está tudo bem, você sabe quem eu sou. Ele empurrou o trinco e correu para dentro. Não havia ninguém na câmara exterior, onde todos tinham passado tantas horas juntos. -Carlo! Ele enviou uma chamada mental quando ele correu para a porta interna, que levava ao quarto. A luz de uma única vela encheu a sala com uma névoa laranja escuro. Uma enorme cama sobre um estrado dominava o centro. Sombras se agarravam às cortinas de veludo escuro. As roupas de cama foram desfeitas, lençóis estavam emaranhados. Uma pequena mesa estava de lado, com uma segunda vela, visível como não mais do que um pavio com ponta de brasa, derramada sobre o tapete. Ao lado dele, meio escondido na escuridão, um homem estava agachado. Estava de costas para Varzil, e então ele levantou a cabeça. -Eduin! Carolin ali, seu corpo contorcido e tremendo, os dedos como garras que se movem em empurrões ímpares como se estivesse tentando entender alguma coisa, mantendo-a contra o peito. Ele usava uma camisa de tecido fino branco com mangas, os laços foram soltos de forma que se abriu até a metade sua barriga. E sua pedra da estrela, que ele sempre tinha usado em uma bolsa de seda com o azul dos Hastur, estava solta em seu peito. -O que está acontecendo? - Varzil exigiu. - O que você fez com ele? -Eu, eu.... -Deixa pra lá! - Varzil empurrou Eduin de lado com mais aspereza do que ele já tinha usado contra qualquer outro membro da Torre. Varzil pegou as mãos de Carolin entre as suas. Carolin estava num choque claramente de origem psíquica. Seus dedos estavam duros e frios. Eles se contraíram sob seu toque. Através deles, Varzil sentiu os tremores profundos em todo o corpo de Carolin. Outra convulsão já estava chegando. Varzil envolveu Carolin em seus braços. Ele não estava preparado para a reação. Era como tentar segurar um peixe morrendo, resistindo e lutando. Os músculos do corpo de Carolin estavam esgotados dos vários espasmos, de modo que Varzil teve que levantar o peso inerte do outro homem. Eles caíram de lado contra a cadeira. -Carlo! - Varzil chorou, rezando para que de alguma forma ele ficasse completamente recuperado. - Carlo! Varzil se esforçou para alcançar a mente de seu amigo, mas só encontrou agitação e escuridão, como se todos os pensamentos coerentes, todo o senso de personalidade de Carolin, tivesse sido engolido por uma tempestade das montanhas. -Carlo! Carolin Hastur! Ainda segurando espasmos de seu amigo e as mãos paralisadas, Varzil usou todo o poder de seu laran nesse chamado. Obteve o caos, fragmentos de pensamentos soprados num tumulto furioso, como resposta. O próprio Varzil entrou em pânico quando ele começou perceber a força da loucura uivando na mente de Carolin. Algo deve ter acontecido para cortar a consciência de Carolin de seu corpo, algo tão traumático, tão insuportável que rasgou sua mente de tal forma que


nem o som de sua voz o alcançava. Carolin tinha o laran reforçado por uma temporada completa em Arilinn e se alguém que não fosse um ele próprio havia tocado em sua pedra da estrela, ainda que inadvertidamente... Usando todo o seu fôlego para chamar sua força de volta, Varzil forçou as mãos de Carolin juntas ao redor da pedra da estrela. A respiração de Carolin explodiu em seus pulmões com um som percussivo, seguido por ofegantes soluços. A rigidez de ferro de seu corpo cedeu. Ele se espreguiçou, lúcido, com o aperto duro como rocha em sua matriz. Varzil sentou-se com a cabeça e os ombros de Carolin em seu colo. Eduin tinha levantado a mesa e reacendeu a segunda vela. Inclinou-se sobre Carolin com o rosto tenso de preocupação. Juntos eles levaram Carolin para a cama. -Nós deveríamos enviar uma mensagem para um monitor de Hali, - disse Eduin. -O que aconteceu com ele? -Eu pensei que você poderia me dizer isso! - Varzil olhou para Eduin. - O que você fez com ele? Será que quis lidar com a sua pedra da estrela? Foi isso o que o colocou nesse estado? Eduin levantou as duas mãos em um gesto apaziguador. -Não, não, ele estava assim quando eu o encontrei. Eu não fiz nada, exceto tentar ajudar. Você tem que acreditar em mim. Eu amo Carlo como um irmão, assim como você. Eu nunca... Varzil empurrou-se contra a mente de Eduin, determinado em ver a verdade. As barreiras de Eduin estavam tão complexas e reflexivas como um espelho de aço. -Encontrei-o assim apenas alguns momentos antes de você chegar, - disse Eduin. -Eu não sabia o que estava errado e não havia tempo para chamar ninguém de Hali ou realizar um exame adequado. Eu fiz o que eu achava que era necessário nas circunstâncias. Era uma emergência. Varzil conseguiu controlar o seu próprio temperamento, o suficiente para ver o sentido nas palavras de Eduin. Havia certos casos incomuns, uma crise na doença do limiar, a reação de certos ataques psíquicos em que a morte era iminente. A única esperança que a vítima tinha de sobreviver, ou pelo menos com metade de uma mente, era o contato físico direto com sua matriz. Os riscos eram enormes. Tal choque poderia parar o coração ou deixá-lo vivo, mas louco. Aas únicas pessoas que poderiam lidar com segurança com uma pedra da estrela, uma vez que elas haviam sido ligadas aos padrões mentais de seu dono, eram a própria pessoa ou um guardião treinado. -Você não é um Guardião, - disse Varzil. Ele não tinha a intenção de que o comentário saísse tão cruelmente como saiu. Viu o olhar de Eduin reduzido por uma fração e sua cor escurecida à luz das duas velas. -Eu esperava que eu pudesse ser capaz de alcança-lo sem danos porque Carlo e eu somos próximos e eu tenho o potencial para me tornar um Guardião. -E você? Eduin encontrou o olhar de Varzil, sua expressão suave e fresca. -Eu usei o mais leve contato possível para não torná-lo pior. Eu estava prestes a tentar novamente quando nos interrompeu Varzil, você deve acreditar em mim... As palavras seguintes de Eduin foram cortadas por um gemido do outro lado da sala. Como um, eles se viraram e correram de volta para a cama. Carolin lutou para se sentar. Seu cabelo estava desgrenhado, seus olhos esbranquiçados e olhando como os de um louco. Por um instante de revirar o estômago, Varzil temia que sua própria ação tinha


chegado tarde demais. A presença mental de Carolin tinha retornado, irregular e confusa, mas ressonante com a força de sua personalidade. -O que em nome de todos os Deuses me bateu? - Gemendo de novo, Carolin levantou ambas as mãos para os lados de sua cabeça. -O que aconteceu? - Varzil perguntou. Carolin se inclinou, seu cabelo vermelho brilhante que caia em seu rosto. Sua voz foi abafada. ... -Eu não tenho ideia... não me lembro. Num momento eu estava lá, me preparando para tirar minhas botas ... no próximo, eu estava aqui na cama com vocês dois me olhando como se ... como se ... Oh , minha cabeça dói. -Isso porque Eduin estava segurando a sua pedra da estrela. Varzil apertou o cerco contra a acusação. -Está tudo bem, - disse Eduin. - Nós vamos te enviar para um curador. Você vai ficar bem. Varzil inclinou-se sobre Carolin, arrumando-o de volta sobre os travesseiros. Depois de procurar por alguns minutos, encontrou a bolsa bordada da matriz de Carolin. Ele segurou-a em sua mão por um momento sentindo sua leveza, das camadas de isolamento de seda, tentando sentir a memória dela nas mãos de Eduin. Carolin pegou a bolsa e colocou a sua matriz nela. A cor de sua pele voltou visivelmente, mas ele parecia cansado. Ele deitou-se com pouca objeção, depois Eduin partiu e Varzil ficou monitorando ele. O trabalho deu a Varzil algo para fazer, um foco para seus próprios sentimentos instáveis. Será que ele havia interrompido um assassinato ou uma tentativa bem intencionada de ajuda? Não fazia sentido que Eduin desejasse prejudicar Carolin de quem era amigo, que o incluiu nestas festividades reais, e o levou para perto de Dyannis. Para seu alívio, Varzil sentiu pouco dano duradouro no sistema nervoso e nos canais do laran de Carolin. Carolin era jovem e saudável, com uma capacidade de resistência mental que lhe permitiu se adaptar tão facilmente sua vida de estudante em Arilinn e seus deveres como herdeiro real. Ele havia sido desorientado pelo curto-circuito dos sistemas de energia de seu corpo resultantes dos espasmos musculares. Carolin teria muitas dores de cabeça. Com sua força inata e alguns toques gentis de Varzil suavizando os canais interrompidos, Carolin rapidamente voltou ao normal. Em um curto espaço de tempo, apenas um monitor treinado na Torre seria capaz de dizer que ele tinha sofrido algo pior do que uma temporada de férias desgastante. Em um momento, Carolin estendeu a mão e pegou a mão de Varzil. -Não tenha medo, meu amigo. Nenhum mal vai me acontecer, desde que estamos juntos. -Nós não vamos ficar juntos para sempre, - Varzil murmurou em voz alta. - Eu espero que você não tenha inventado este episódio para atrasar minha partida. O aperto de Carolin se intensificou. -Ouça-me, Varzil. O que quer que você suspeite de Eduin, você deve colocar de lado. Você não pode continuar assim. Vai envenenar sua mente. -Você vê o melhor de cada homem, Carlo. Nem todo mundo está tão confiável. Nem, talvez, você devesse ser. Carolin sacudiu a cabeça. -Essa é a velha maneira de pensar, que todo homem deve ser seu inimigo ou o seu rival. Nós fomos trazidos isso desde nossas origens, como o leite da mãe. Mas vimos além das


velhas formas, não é? Temos sonhado um momento em que os homens já não irão chover fogo visgoso dos céus em seus vizinhos, onde a honra prevalece em vez de interesse pessoal. -Carlo, isso não é hora de ser fazer discursos. Eu sei que você quer o bem, mas você não está pensando claramente. Você precisa rest... -Então pare de discutir comigo! Se você não vai fazer a paz com Eduin em prol da harmonia em Arilinn ou pela felicidade de sua irmã, então que seja para o sonho que compartilhamos. Se esse futuro é para se tornar real, devemos tratar todos os homens como nossos irmãos. Varzil desviou o olhar. A verdade o tocou através das palavras de Carolin. Ele não podia descartá-los como os delírios de um homem que tinha acabado de passar por uma provação quase fatal. Seu instinto era contemporizar, dizer que depois de ter buscado a verdade de Eduin, então ele iria considerar esta proposta do amor fraterno. Para o sonho de Carolin vir a ser concretizado, não poderia haver exclusões, mas há assuntos a serem resolvidos em primeiro lugar. -Se um crime havia sido cometido, por Eduin ou qualquer outro homem, que ele responda por isso segundo o costume e a lei, - Carolin disse gentilmente. - E não no tribunal da sua opinião. Eu o proíbo de tomar qualquer ação em seu próprio julgamento. Com esforço, Varzil assentiu. Depois de tudo que Carolin tinha feito por ele, mesmo deixando de lado a sua amizade, ele não lhe devia menos que isso. Além disso, amanhã ele e Eduin iriam retornar a Arilinn, deixando Carolin em segurança para trás em Hali. Pouco tempo depois, Eduin chegou com o curador do castelo. Depois de examinar Carolin, ele concordou que nenhum dano duradouro tinha sido ocorrido, disse até que achava desnecessário chamar alguém da Torre, e receitou um tônico herbal a tomar em vinho na hora de dormir.

***

Na manhã seguinte, Carolin estava bem o suficiente para se despedir pessoalmente, embora ele ainda estivesse um pouco pálido ao redor da boca e dos olhos. O tempo frio fazia-se presente, com rumores de outra tempestade no dia seguinte ou em breve, e um carro aéreo tinha sido arranjado para levá-los de volta a Arilinn. O piloto era diferente desta vez, um homem de poucas palavras. Nem Varzil e nem Eduin tinham muito a dizer até o final da jornada, quando Eduin virouse para Varzil. Sua mandíbula estava apertada e seu olhar era firme. -Por Arilinn e os círculos onde devemos trabalhar juntos, Varzil, deve haver um fim de suas suspeitas de mim. Se você acha que eu fiz de errado, você deve dizer para Auster e colocar suas suspeitas à ele. Vou submeter-me ao seu julgamento. Varzil ouviu a certeza de trás das palavras de Eduin. Certamente um homem culpado não iria fazer tal oferta. A relação entre cada um dos membros de um círculo e seu Guardião era


excepcionalmente íntima. Com uma pontada de culpa, Varzil percebeu que ele próprio havia chegado perigosamente perto de tomar posse como guardião da consciência de Eduin, uma coisa que ele não tinha o direito de fazer. O objetivo seria adquirido pela humilhação de Eduin com acusações? -Não é necessário a gostar cada homem pessoalmente, a fim de lidar com honra com ele. Era algo, ele percebeu com um sobressalto, que Carolin teria dito. -Se eu errei com você, pelo pensamento ou ação, - disse Varzil, - então eu realmente sinto muito. Eduin murmurou alguns comentários graciosos e os dois caíram em silêncio, até que os picos gêmeos de Arilinn, emoldurando a Torre reluzente que era a sua casa, veio à tona.


CAPÍTULO 20 A primavera chegou com uma onda de tempestades, cada uma se sobrepondo a anterior e aumentando a espessura da neve no decurso de um mês. A umidade se agarrava às paredes de pedra do Castelo Hastur e o cheiro de roupa fervida e bolor alcançou até os níveis mais baixos. Nada parecia secar adequadamente. O cavalo favorito de Carolin havia desenvolvido um caso de uma espécie de más aftas nos cascos trasseiros. Assim que as estradas ficaram abertas para viajar, Jandria voltou para casa e Maura voltou para a Torre de Hali. Carolin sentiu mais suas partidas do que o esperado. Mas foi a ausência de Varzil que lhe deu uma dor mais aguda. Carolin descobriu-se pensando em Varzil em momentos estranhos... entre audiências nas cortes, ao lavar as mãos depois de passeio de um dia, quando ele pegou de Roald Mclnery a Tática militar. Às vezes, uma sensação iria passar por cima depassava por cima dele, como uma sombra de calor, e ele sabia que, através das ligas em Arilinn, Varzil estava pensando nele também. Ele iria se lembrar da certeza que sentia, desde o primeiro encontro deles, que de alguma forma as suas vidas estavam interligadas, que compartilhavam um destino. Carolin rapidamente descobriu que ele tinha que forjar um novo lugar na corte em meio a mudanças sutis de poder e influência. Talvez o seu tempo em Arilinn, onde ele tinha aprendido a guardar os seus próprios pensamentos, abrira sua mente para camadas de significados não ditos, para as correntes cruzadas de motivação e lealdade. Ou seus primos, Rakhal especialmente, tinham mudado de caráter, ou então ele mesmo era agora mais sensível ao que sempre esteve ali. Não era que ele desconfiava de Rakhal, ele apenas sentia que ele não o conhecia. Carolin disse a si mesmo que era injusto julgar seu primo. Ele tinha se mudado para o castelo durante sua temporada em Arilinn e aqui em casa, com o aumento da debilidade do rei Felix, Rakhal tinha muitos deveres impostos a ele e tinha suportado o seu fardo nobremente. Carolin não tinha dúvidas quanto a lealdade apaixonada de seu primo ao rei, Carolin era também ferozmente leal, mas eles discordavam sobre o que exatamente a ação desses sentimentos de lealdade poderiam inspirar. Não havia nenhum ponto para provocar um confronto sobre as coisas que possivelmente nunca chegariam a se tornar uma crise. O dia em que os senhores mais poderosos forçariam a nomeação do Regente que deveria se preparar para a transição de poder para ser o próximo rei estava se aproximando, e então tudo iria mudar novamente. Quanto a Lyondri, ele não era mais um estranho um pouco hesitante. Ele havia assumido o comando dos guardas do castelo e estava desenvolvendo um sistema de informantes em toda a cidade. A mudança o imbuiu com um sentido de importância e pareceu-Carolin que ele havia crescido em seu conceito devido a prosperidade de suas tarefas, embora, por vezes, ao preço da bondade. Lyondri parecia ter uma satisfação particular no exercício de seu poder. Como o último dos chuveiros da mola embebidos na terra, as plantas de cultivo começaram a brotar em abundância. A precipitação generosa combinado com o tempo quente logo cedo prometiam uma safra especialmente abundante. Um retrato de Lady Alianora chegou, juntamente com uma procissão de representantes cuja responsabilidade principal era supervisionar os preparativos para o casamento. Rei Felix encontrou-se com


eles, sorrindo na aprovação em todas as suas propostas e depois deixou-os para fazerem seus arranjos. O retrato, uma miniatura na palma da mão enquadrado em filigrana de cobre caro, foi apresentado a ele com grande alarde na corte do rei. Mais tarde, a noite, em seu próprio quartos, Carolin tentou imaginar o caráter e temperamento da musa original. Foi suficientemente executado de forma hábil, mostrando uma jovem mulher em um vestido branco de gola alta. Seu cabelo cor de palha foi atraído de volta num estilo grave, que não fez nada para suavizar as linhas angulares da face e da mandíbula. Talvez o artista tenha a intenção de mostrá-la como uma dama madura, séria, digna de se tornar rainha, mas em vez disso ela parecia sombria, sua boca numa linha apertada acima de um queixo teimoso. Não mostrou nenhum toque de suavidade ou humor em qualquer parte de seu rosto. Carolin pensou com um suspiro o que ela pensava da ilustração pomposa feita à sua própria semelhança. Ele esperava que ela fosse tão cética em relação a sua precisão como ele mesmo era neste momento. Pelo menos, ela parecia jovem e saudável. Ela poderia surpreendê-lo, uma vez que tinha chegado através das cerimônias formais e teve tempo para se familiarizar. Ele pressumiu que ela havia vindo voluntariamente para o casamento, pois ela seria rica e tão segura quanto qualquer um poderia ser nestes tempos incertos, com conexões poderosas para beneficiar sua família e amigos. Algum dia ela seria a rainha e seus filhos iriam governar. Mas ela poderia amá-lo? Ele poderia amá-la? Era loucura se entreter em tais questões. O amor não tinha nada a ver com isso. O amor era para ser dado ao seu povo, a seus amigos, até mesmo ao seu cavalo favorito. O amor não era para o casamento. E ainda, ele já havia visto casais que viviam felizes um com o outro e nem todos eles eram amantes cruzados nas estrelasm, suspirando depois de sonhos impossíveis. Varzil tinha mencionado que seus próprios pais tinham sido dedicados um ao outro até a morte de sua mãe, e eles se juntaram através dos arranjos entre família. Pode ser possível. Ele suspirou de novo e colocar o retrato em um lugar para ser ostentado adequadamente. O amor romântico vinha do capricho dos Deuses, mas o dever de um príncipe Hastur era tão constante quanto o nascer do Sol Sangrento. O cortejo de Lady Alianora chegou a Hali dez dias antes de Verão. A atmosfera festiva permeou toda a cidade. Vendedores ambulantes anunciavam as suas mercadorias, fitas e medalhões de cerâmica com imagens do casal nupcial. O tempo tinha sido bom e as coroas de flores e flâmulas nas cores de Hastur e Ardais brilhavam ao sol. Dentro do castelo, os preparativos para a cerimônia iminente prosseguiam. Carolin assistiu ao cortejo nupcial entrar no pátio com uma mistura de desprendimento, curiosidade e pavor. Ele havia passado metade da noite pensando em um caso que ele tinha ouvido falar nas cortes. Um ferreiro alegou que alguns dos homens de Lyondri tinham roubado dois punhais valiosos. Os homens, parte da guarda pessoal Lyondri convocados recentemente, estiveram presentes. Foi a palavra de um homem contra o outro e, no final, Rakhal interveio argumentando em particular com Carolin que se ele fosse governar e julgar em favor do comerciante toda a família Hastur iria perder o respeito. Seria impossível a ele aplicar qualquer lei sobre a cidade. Homens comuns podiam fazer o que quisessem e, em seguida, votlar às cortes.


Além disso, Rakhal insistiu, Carolin não percebia devidamente os riscos que ele vivia tomando parte na prestação de ajuda desses vereditos. Qualquer coisa, Carolin disse, pode ser tomada como precedente. Não era mais sensato para deixar as decisões para juízes? De que outra forma ele saberia o que estava acontecendo na cidade? Carolin pensou. E como ele saberia que Rakhal, elogiando tão fortemente esses juízes como verdadeiramente imparciais e comprometidos com a justiça, estava certo? No final, porém, ele deu lugar aos argumentos de seu primo. Ele deveria manter sua mente em assuntos principescos e, não importa o quanto ele tentasse, ele não poderia ser tudo para todos os homens. Embora lhe doesse admitir, ele tinha limitações humanas. Como se para demonstrar seu interesse, ali estava ele, com os olhos areiando com a falta de sono, seus nervos desgastados, no dia em que sua noiva entrava na cidade. Ele endireitou os ombros e foi se vestir adequadamente para recebê-la. Levou a maior parte do resto do dia para a comitiva da senhora se estabelecer em suas câmaras, para os seus cofres de vestidos e jóias, seus cavalos e retentores, cães, empregadas domésticas e mulheres de costura, para ser tudo devidamente cuidado. Ela enviou uma mensagem, alegando que estava fatigada da viagem e pedindo para ser dispensada de qualquer evento e encontro desse dia. -Você tem uma noiva tímida, primo - Rakhal brincou. -Todas as coisas vêm em sua própria época, - respondeu Carolin, e então os dois passaram a noite em seus aposentos, junto com Lyondri e Orain, os quatro ficando completamente bêbados. Parecia, de longe, ser a melhor coisa a se fazer, uma última farra estridente antes da pulseira de catenas estar trancada em seu pulso. Já tarde na manhã seguinte, Lady Alianora foi apresentada ao tribunal de Hastur e viu seu futuro marido pela primeira vez. Ela caminhou em passos medidos ao longo do comprimento da câmara, seguida por suas damas de atendimento. Seu pesado vestido de cetim cinza cravejado de pérolas, atravessada por um tartan nas cores claras azuladas, sussurravam enquanto se moviam. Ela manteve a cabeça erguida, com rígida dignidade, sem piscar. Carolin assistiu do estrado, ao lado de seu tio. Pelo menos, a dor de cabeça que batia em seu crânio tinha diminuído para um nível mais tolerável. Maura tinha cuidado disso e ele raramente tinha sido tão grato pelas habilidades de seu laran. Ele preferia muito mais sua intervenção suave do que as ministrações do curador do castelo. No momento oportuno, levantou-se e recitou seu discurso, acolhendo Alianora a Hali. Ela escutou com uma expressão impassível, fez uma reverência e respondeu no mesmo tom formal. Então Carolin acompanhou-a até o assento que havia sido preparado para ela sobre o estrado. Um de seus cortesãos tirou os baús contendo seu dote, moedas preciosas e barras de cobre e prata, juntamente com documentos de transferência de controle das fronteiras de Scaravel a seu marido durante a sua vida. A propriedade real das terras permaneceria com ela, passando a toda a sua descendência, mas, de acordo com a lei e costume, o marido teria plena autoridade para gerir as terras como ele bem entendesse. As declarações oficiais, redigidas na língua dos tratados jurídicos, continuou por algum tempo. Carolin obrigou-se a prestar atenção, embora ele estivesse mais interessado em observar Alianora. Ela parecia tão composta, ela permanecia de modo fixo de perfil de tal


modo que ele não poderia arriscar dizer o que ela estava sentindo. Nem podia captar qualquer indício de suas emoções, mesmo com seu laran. Ele disse a si mesmo que era a combinação de seu próprio estado dissoluto e a tensão da situação. As cerimônias se estenderam até à tarde. Até então, o rei Felix estava afundado no sono, ocasionalmente ressonava de forma audível. O tribunal foi adiado com uma sensação palpável de alívio. Carolin enviou uma mensagem para Lady Alianora solicitando uma privada nos jardins. Cada um deles seria, evidentemente, acompanhado pelos retentores apropriados, mas ele esperava que, em um ambiente menos formal, eles pudessem começar a sua convivência. Alianora respondeu de imediato, usando o mesmo mensageiro, que estava cansada com a viagem e pediu o seu perdão. Sua resposta foi perfeitamente correta. Carolin não pôde encontrar nenhuma avaria em seu desejo e medo para acostumar-se ao seu novo ambiente. Excessivamente irritável, ele colocou o acolchoado colete de um soldado amarrado em couro e desceu para os estaleiros de formação. Orain já estava lá, batendo afastado em um poste de madeira com uma espada prática. Orain estava escovado e liso com seu cabelo úmido na testa e cumprimentou Carolin com uma reverência excessivamente formal. -Se você quer me insultar, faça-o de alguma outra forma, - Carolin estalou. - Estou farto de ser lembrado de meu status de príncipe. -Eu espero que você não esteja pensando em fugir de novo, - disse Orain, referindo-se à malfadada expedição para o Lago de Hali. Carolin, pegando uma lâmina de madeira da prateleira, sacudiu a cabeça. Os dias de descuido, aventuras impulsivas já se foram, mas seria cruel dizer dessa forma a Orain. Pelo menos Carolin tinha alguma possibilidade de felicidade em seu próprio casamento. Dentro de alguns momentos, os dois tinham tomado as suas posições no campo marcado, circulando e observando, testando as fraquezas um do outro. A ansiedade e frustração dos últimos dias desabaram. Sua concentração vltou-se para o círculo empoeirado, os olhos de Orain e a espada em suas próprias mãos. A alegria guerreira subiu nele. Eles entraram em confronto, bloqueado, saltou à parte, e circulou novamente. Em determinado momento, quando a atenção de Carolin vacilou, Orain acertou em cheio a lateral com a palma da sua espada. Carolin saltou longe, sua respiração momentaneamente congelada. No instante seguinte, o fogo se espalhou a partir do ponto de impacto e ele sabia que teria uma linha púrpura ao longo de suas costelas ao cair da noite. A dor enviou uma emoção estranha por todo o corpo. O sangue cantou nos ouvidos de Carolin. Sentidos aguçados. A espada de madeira pesada cresceu. A camada de suor umedeceu a pele e sentia suas articulações fortemente. Com cada respiração, ele aumentava cada onda de vigor, limpo e sem complicações. Era como se algum Deus, muito menos exaltado do que Aldones, Senhor da Luz, tivesse gritado em seu ouvido... -Acorde! Preste atenção! Ele entregou-se ao momento, observando a mudança na postura do Orain, flexionando seus próprios músculos, jogando a alimentação a cada desvio e empuxo. Suas botas levantaram nuvens de poeira e parecia que o próprio tempo havia parado no ar. Quando finalmente parou, pulmões arfando, corpos irradiando calor, cabelo encharcados de suor grudados em seus crânios, ambos estavam rindo. Carolin jogou o braço livre em


torno dos ombros em um gesto espontâneo e sentiu a resposta física de seu amigo, o instante de relaxamento que vem com a verdadeira aceitação. Não havia nada que qualquer um deles precisava dizer. Carolin raramente sentira-se tão drenado como na noite de seu casamento. A cerimônia em si tinha se passado em um borrão, uma cavalgada de trajes ricamente ornamentados, jóias piscando, o brilho se misturavando em brilhos cobreados, laran’s, bancos, velas comuns, o choque sufocante de perfume e incenso. Ele tinha estado em uma sala cheia com os dignitários de sua família e aliados, as pessoas que ele conhecia desde a infância e muitas com quem ele tinha trabalhado desde que voltou ao conselho, e ainda assim ele nunca se sentira tão completamente sozinho. Rei Felix alternava entre cochilos em seu trono e risos de prazer como uma criança. Rakhal tinha tomado grande parte do cerimonial, sempre fazendo parecer como se o Rei estivesse realizando essas funções. Orain estava em algum lugar no meio da multidão. Maura esperou com as outras senhoras Hastur’s, incluindo Liriel, que havia retornado brevemente para o casamento. Em um ponto, ela chamou sua atenção e sorriu em encorajamento. Lady Alianora estava resplandecente em um vestido de seda pura com lírios bordados e jóias minúsculas faíscando. Sob a diadema e um véu, seu rosto estava ilegível. Ela caminhou como se ela mal conseguisse respirar. Quando ela tomou sua posição, ela não deu nenhum sinal de saudação, nenhum indício de que ela estava ciente de qualquer outra pessoa. Carolin ficou ao lado da mulher que seria sua esposa, cuja vida seria ligada a sua, enquanto que ambos vivessem. As palavras antigas rolaram sobre ele e ele não sentiu nada. Ele se perguntou o que ele esperava sentir neste momento. Em um lampejo de pensamento, ele se lembrou de uma centena de comentários de homens mais velhos, que amaram e honraram suas esposas, mas não tinha sabia se realmente compreendia aquelas palavras. Ele estendeu seu pulso como Alianora fez, para receber as pulseiras de cobre di catenas. Os fechos foram lacrados. Pessoas comuns podem tomar uns aos outros como companheiros livres ou seguir o costume de partilha de cama conhecido pelo ditado que diz: uma cama, um incêndio e uma refeição. Já os casamentos no Comyn seguem a tradição irrevogável di catenas a séculos. Concluídas as frases finais, Carolin virou-se para Alianora e levantou o véu. Suas mãos eram desajeitadas pegando no material de gaze, mas finalmente ele conseguiu dobrá-las para trás. Seus olhos eram de um azul pálido e redondos, com uma expressão vítrea. Seu cabelo loiro tinha sido trançado com cuidado e enfeitado com pequenas borboletas em jóias. Sob o rouge fraco nas bochechas e lábios, sua pele estava muito pálido. Ele podia vêla tremer e ele queria levá-la em seus braços e sussurrar que tudo ficaria bem. Em vez disso, ele se inclinou e roçou os lábios contra os dela. Seus lábios estavam frios e ela não respondeu, mas ela não tentou se afastar. Depois de uma procissão adequadamente decorosa, saíram para a varanda com vista para o pátio. Sob o olhar atento dos guardas escolhidos a dedo por Lyondri, as pessoas da cidade esperaram lá com cestas de pétalas, prontas para atirá-las no ar. O arauto apresentou o seu príncipe e sua nova noiva. A multidão foi à loucura com a torcida. Carolin acenou de volta. Sua alegria tomou conta dele. Ele sorriu, a princípio rigidamente, em seguida, em termos gerais, em seguida, com


uma risada que parecia brotar de seu próprio espírito. Este foi, pensou ele, a melhor parte de ser um príncipe Hastur, saber que essas pessoas estavam com ele para se alegrar no seu deleite, para servi-los com honra. Se não por outro motivo, ele aceitou esse casamento porque lhes deu motivo para tal celebração e uma garantia da continuação pacífica do governo. Alianora estava a seu lado, como era seu dever, imóvel, exceto por uma ligeira oscilação, um tremor. Ela permitiu que as pessoas abaixo viessem ver ela, mas se este era tormento ou prazer, ela não deu nenhum sinal. Carolin estava três quartos mais bêbado no momento em que a dança acabou e um grupo composto por seus amigos, Orain entre eles, levou-o sobre os seus ombros para a câmara nupcial. Um pouco mais cedo, um grupo semelhante de mulheres, rindo e corando com as canções irreverentes dos homens, tinha levado Alianora. Eles iriam cantar suas próprias canções das dores e delícias da cama, do casamento, vestida com uma camisola escandalosamente reveladora, e deixá-la para antecipar a vinda de seu marido. Carolin lembrava deste conjunto de salas de suas visitas a Hali, quando ele era um menino. Eles tinham sido de seu pai. Sua mãe teve um em seu próprio país. Ele não tinha pensado em nada disso na época, nem da preferência de sua mãe para a propriedade rural no Lago Azul. Seus pais sempre tinham sido agradáveis um para o outro e afetuosos com ele. Agora, de pé na antecâmara que levava por um lado a uma espaçosa sala de estar, elegantemente decorada e, por outro, o quarto de dormir, ele percebeu que ele sabia muito pouco sobre essas duas pessoas e como eles tinham compartilhado suas vidas. O pensamento atingiu-o com tristeza. Que eles o tinham amado, cada um à sua maneira, não havia dúvida. Tinham-no deixado com imagens de bondade, honra, lealdade, alegria e dever. Mas eles não lhe ensinaram coisa alguma de como um homem e uma mulher deixavam de ser estranhos. Talvez tivessem sido mais bem sucedidos em viver suas vidas separadas do que na criação de uma responsabilidade partilhada juntos. Não havia nenhuma ajuda para ele. Ele teria que fazer o seu caminho o melhor que podia. Ele levantou o trinco e ouvi-o clicar anunciando que estava aberto, parou por um momento para que ela pode se assustasse e entrou. O ar cheirava docemente com o efeito de ervas doces e cera de abelha. Sem os brilhos de cobre e laran cobrindo as paredes, apenas as luzes de velas acariciavam a madeira polida, o veludo macio da cortina e as bochechas da mulher que estava deitada na cama de larga, apoiada em uma montanha de travesseiros. Ela tinha desenhado as capas até o pescoço. Tudo que Carolin podia ver dela era seu rosto, seus olhos que contrastavam com o branco e os dedos de uma mão torcidos sobre os lençóis. Ela murmurou, muito baixo para que ele entendesse, mas interrompeu-se logo que ele passou pela porta. Ela olhou, ele pensou, como se ela estivesse temendo um estupro. Ele sentiu-se mal. No entanto, era impossível simplesmente se virar, voltar para seus antigos aposentos tão familiare e simplesmente esquecer a coisa toda. Ele não tinha feito nada para merecer tal humilhação. Também não suportaria dormir no chão ou castamente ao seu lado. O casamento tinha sido feito em prol do reino e, portanto, devia ser consumado. Movendo-se lentamente para não alarmá-la ele se sentou na cama ao lado dela. A única coisa que podia pensar era falar com ela de modo a acalmá-la como se ela fosse uma égua congelada de terror, talvez acariciar o cabelo se ela o permitisse.


Ele começou sem jeito, assegurando-lhe que ele não queria ofendê-la ou machuca-la. Parecia cruel ter que salientar que ela havia recusado sua chance de familiaridade anterior oferecida por ele, então ele passou a dizer que esperava que em breve ambos desfrutassem da companhia um do outro, cuidando uns dos outros. Enquanto falava, ele sentiu um alívio na tensão do corpo dela. -Será que você me daria sua mão? – disse ele, estendendo a mão para ela. Em vez de soltar os lenços, ela atrapalhou-se com a outra mão, colocando-a a mostra, para estender a ele. Ele apenas teve um leve vislumbre de pequenas esferas polidas, provavelmente opalas-do-rio unidas por laços de metal. Cristóforo...contas de oração Não admira que ela estivesse tão assustada. Os Hasturs adoravam Aldones, Senhor da Luz. Os Cristóforos eram considerados por muitos como sendo fracos e efeminados, indignos de governar. O escândalo de um herdeiro Hastur se casar com um deles seria imenso. Quando tocou em sua pele, Carolin sentiu um instante fugaz de contato laran. Muitos dos Ardais também são dotados de laran e ela deve ter tido grandes problemas para manter sua fé escondida até mesmo da família. Se ela tivesse recusado o casamento, o motivo poderia ter sido facilmente descoberto. Se sua família ficasse com raiva o suficiente ela poderia até mesmo ter sido morta. Então, ela tinha concordado, talvez orando ao Santo Portador do Fardos do mundo para que lhe mostrasse uma saída. Nenhuma alternativa tinha aparecido. - Minha querida, - ele falou como se falasse para uma criança e estendeu-lhe as mãos. Por um momento, ela resistiu, mas permitiu-lhe tirar os dedos dos lençóis e manter ambas as mãos entre as suas. -Minha querida, por que você não me contou? - Porque? - As palavras correram de sua garganta com paixão inesperada. – Que propósito poderia ter havido? Como poderia eu, sendo o que sou, confiar e ligar-me a um filho de Hastur, vocês que reivindicam a descendência de Aldones, Senhor da Luz? Como eu poderia fazer de outra forma? Desonrando toda a minha família, sem possibilidade de redenção ? E agora que você sabe, você não terá escolha, minha fé é mais querido para mim do que a minha vida. Faça o seu pior. Estou preparada. O que ela espera que eu faça? Estuprá-la na noite de núpcias? Matá-la? Com um calafrio nauseante, ele percebeu que era exatamente o que ela temia. - Quer dizer que você não teme mal nenhum, - repetiu ele, atordoado demais para pensar em mais nada para dizer. – mal sobre tudo o que você já ouviu falar de nós, de mim... Eu não sou um monstro para dar uma mulher algo que ela não desejasse. - Ele referiu-se ao voto de cristóforos proibindo a todos relações sexuais que não fossem consensuais. No entanto ... o casamento deve ser consumado. Para o futuro dos Hasturs, para o bemestar de seu povo, a estabilidade do reino, ele deveria procriar. Ele começou a acariciar-lhe o braço. -Se, se não houvesse este problema, você gostaria que desse casamento? - O que isso importa? Eu estou jurada a você. Os meus desejos nunca significaram nada. -Isso não é verdade, Alianora. - Deliberadamente, ele falou seu nome e observou-a na resposta involuntária de seu corpo. -Há muitas coisas que não posso mudar, e o fato do nosso casamento é um deles. - Ele correu os dedos ao longo do cobre di catenas presos em torno de seu pulso. - Mas, na medida do meu poder, desejo-lhe a felicidade.


Ela olhou para ele e quando ela falou de novo, seu tom tinha perdido um pouco da sua estridência. -Eu, eu seria uma boa esposa para você, uma esposa obediente Mas não posso desistir da minha fé. - Eu não vou pedir isso a você. Mais uma vez ela o olhou, desta vez com uma franca descrença. -Não é possível... -Eu sou um príncipe de Hastur ou não? - Ela fixou o olhar no dele, com as mãos imóveis. Ela engoliu em seco, muda. -Então eu digo que esta questão diz respeito apenas a nós dois, e o que faremos, como poderemos resolvê-la, é um problema apenas nosso. Você me entende? Ela balançou a cabeça com os olhos arregalados. Ele não podia ter certeza se ela tinha ouvido seu pensamento telepático ou se estava simplesmente concordando com sua proposta. -Então, não quero ouvir mais nada disso, - continuou ele. - O que é secreto continuará a ser assim, dentro dos limites dessas salas. O nó de tensão na barriga relaxou um pouco. Ele voltou para acariciar seus braços, forçando-se a concentrar-se a textura de sua pele. Ela era toda suavidade e ossos finos, sem nenhum músculo firme. Em um movimento brusco, quase frenético, ela sentou-se, jogou os braços em volta do pescoço dele e explodiu em lágrimas. Ele segurou-a, passando seus dedos através de seus cabelos soltos. Eram mais grossos do que ele esperava, como cetim pesado, uma pequena medida de prazer sensual. Só Aldones sabia como ele iria fazer amor com ela assim, explodindo em soluços, tremendo nos braços desse total estranho. - Está tudo bem, - ele murmurou. -Tudo vai ficar bem. Aos poucos, ela silenciou e seus tremores sumiram. Ele tirou as mãos de seu cabelo e correu-as para baixo no comprimento de suas costas. O tecido do vestido da noite era tão fino que ele podia sentir todos os contornos do seu corpo. Ela se inclinou para ele, escondendo o rosto contra seu peito. Pouco a pouco, para não alarmá-la, ele acariciou seus lados, seus quadris, ocasionalmente, traçando a curva da mama e da nádega. O desejo que o comovia rapidamente morreu. - Você tem alguma noção... eles lhe disseram o que esperar? - ele perguntou. - Será que não a assustaram com mentiras sobre a relação com um homem? Ela não respondeu e ela não iria abrir os olhos. Segurando-a, ele abaixou-se na cama, de modo que eles deitaram juntos, ele com os braços ao redor dela. Quando ele se afastou para olhar para ela, ela mantinha os olhos bem fechados. Ele segurou um dos seios, notando que ela não correspondia. Ela não tentou se afastar dele enquanto ele tirava suas roupas e cobriu os dois com o edredom. Sua pele era fria através do vestido fino, mas ele se dispôs a aquecer os dois. Ele continuou acariciando-a, mais intimamente agora. Ela não era atraente, tinha sido bem alimentada e bem cuidada na vida. Sua pele era suave, os seios redondos, sua barriga agradavelmente macio. Depois de um longo tempo, ele notou a mudança em sua respiração, o ligeiro inalar enquanto corria os dedos sobre os mamilos.


Ela não estava disposto, então. Era o seu próprio corpo, que agora se recusava a responder. Ele tentou se concentrar em seus seios, quadris, o triângulo quente de sua virilha, todas as partes femininas que tinha acendido suas fantasias adolescentes. Seu próprio corpo sentiu tremores, seus esforços para estimular-se. Eu poderia muito bem dar prazer a mim mesmo e tentar copular com uma enorme e lindinha boneca! Obstinadamente, ele continuou, apoderando-se de qualquer indício de reação. Em um ponto, ela gemeu e colocou seus dedos em torno do pescoço dele. Com isso, ele foi capaz de conseguir uma ereção, embora ele não soubesse se poderia sustentá-la. Ele decidiu que se ele precisava terminar este negócio, seria melhor ele fazer isso rapidamente. Ela não fez nenhum protesto quando ele rolou para cima e desajeitadamente deslizou para dentro dela. Sentiu-a estremecer quando ele começou a empurrar. Ele tentou novamente alcançá-la com sua mente; ela não o estava barrando, mas simplesmente tinha ido para outro lugar, deixando-o para fazer o que quisesse com seu corpo. Ele fechou os olhos e tentou imaginar uma mulher tendo prazer em seus movimentos, acolhendo-o, ansiando por ele, abraçando sua mente bem como o seu corpo. Pensou na senhora Castamir que ele conheceu numa temporada, que foi apresentada no Conselho Comyn e que havia atiçado pela primeira vez o seu desejo, ou de Marella, que flertou com ele na volta em Arilinn. Sua respiração se aprofundou, como a sua própria excitação imaginada. Uma onda de calor varreu sua pele. Pensou na dança de Maura, seu rosto brilhante, os olhos encontrando os seus com aquele olhar firme, o calor e o rico contato de seu laran treinado. Com sua respiração como se tivesse participado de uma longa corrida, espasmos rasgaram seu corpo. Ele pensou que gritava para externamente, mas talvez fosse apenas dentro da escuridão de sua mente. Ele rolou para fora dela, deixando um braço sobre seus seios. Sua respiração desacelerou e o trovão do êxtase entre as suas orelhas caiu em silêncio. Ele abriu os olhos. Ela estava olhando para ele com os lábios entreabertos. - Eu machuquei você? - Mais uma vez, a doença profunda da alma ameaçou erguer-se dentro dele. Para sua surpresa, ela balançou a cabeça. - Eu tinha sido avisada sobre o que esperar. Não foi tão ruim. – Ela tentou ser mais gentil Eu sei que você tentou ser gentil e lhe sou grata. Grato. Seria indizivelmente cruel lançar uma palavra irada de volta para ela. Ele acariciou sua bochecha. - Talvez uma criança virá desta noite. Espero que isso lhe agrade. E de tudo o que ouvi, desde a primeira vez, isto é o melhor. - Sim, isso é o que eles me disseram também. - Ela rolou de lado para observá-lo. - Eu não tinha percebido... Como estou feliz. Você é um bom homem e eu acho que é um homem nobre. Isso é mais do que qualquer mulher pode esperar. Vou tentar ser uma boa e obediente esposa para você. Ele se inclinou para beijar sua testa e sentiu seu suspiro de alívio. O sono chegou com relutância, embora, pela mudança na sua respiração, Alianora tinha dormido há muito tempo. Ele estava deitado tão imóvel quanto podia para não perturbá-la, tentando acalmar o turbilhão inquietante de seus pensamentos. Quando a primeira luz pálida da madrugada atravessou as cortinas pesadas, ele teve apenas duas certezas.


Esta mulher era sua esposa legĂ­tima, um dia seria sua rainha e foi merecedor de toda a cortesia, respeito e honra. Mas ele nĂŁo a amava, nem poderia amĂĄ-la algum dia.


______ ______ LIVRO II

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CAPÍTULO 21 A primavera também veio cedo para as Planícies de Arilinn. A terra despertou antes mesmo dos dias ficarem quentes, como se gemas e sementes possuissem algum conhecimento secreto do que estava por vir. Campânulas brancas e margaridas de gelo em plantadores de madeira surgiram no meio das casca finas de gelo para desfraldar pétalas grossas de amarelo e roxo no sob a luz do sol. Durante o início da tarde, quando o grande sol vermelho estava em seu apogeu, os acúmulos de neve nos pátios exteriores da Torre despencaram sobre si mesmos, se soltando a partir de dentro um montinho em cada noite, sem nenhuma nova neve cair, de modo que, a cada dia , a massa de lama pisada e encharcada diminuiram. Acordando depois de um período curto de sono durante o dia, como costumava fazer quando se trabalha durante a noite, Varzil fez o seu caminho através do véu e do seu pátio. Ele fez uma pausa para apreciar os brotos verdes, com seus cachos de flores em forma de coração, áustero contra as manchas de neve e solo escuro nu. O ar, embora ainda relaxantemente frio, trouxe o leve odor úmido da nova temporada. Além, nos campos, uma névoa se levantou do chão, uma exalação. Até agora, a cidade e a Torre mantinham seus ritmos de inverno, mas não por muito tempo. Ele aproximou a capa, com seu forro de peles macias, para mais perto ao seu redor. Dedos enluvados, com o pino de prata, que era seu único ornamento, escovado. Ele traçou o padrão familiar do veado com seus chifres e pensou em Carolin. As notícias sobre seu amigo tinham chegado ao longo do tempo, a maioria recebidas com outras mensagens ao longo dos linhas telepáticas da Torre de Hali. O primeiro filho de Carolin, chamado RafaelAlar, agora era uma criança resistente e uma outra criança estava a caminho. Como uma temporada seguida de outra, a própria vida de Varzil tinha se estabelecido em um novo padrão, um ciclo de trabalho e amizade, a lenta progressão das lições que lhe trouxeram ainda mais perto de seu longo caminho para se tornar um Guardião. Não havia mais qualquer dúvida do que ele faria. O orgulho há muito havia dado lugar a uma apreciação saudável da dedicação extenuante envolvida. Às vezes parecia que ele não fezia nada além de trabalhar, dormir e estudar. Noites trabalhando, cerca de 10 dias, e de vez em quando, como hoje, Lunilla iria pedia-lhe para que fosse um pouco para fora. - Você não vê a luz do sol o suficiente! - ela ralhava. – Em breve, eles estarão te chamando o Eremita de Arilinn, o Guardião que ninguém nunca viu! - Mas há muito mais a fazer, - ele disse em explicação. Ele se referia não apenas as tarefas de rotina da Torre, que muitas vezes nestes dias também eram o de receber e cuidar das vítimas da mais recente praga, se o envenenamento do pó osso-água ou alguma doença natural. No verão passado eles haviam amamentado uma dúzia de crianças de Distrito do Lago, acometidas de febre muscular. Além da luta contínua para melhorar suas habilidades e aprofundar seu conhecimento, houve a busca de outras maneiras de usar o laran para promover a paz em vez da guerra. Mesmo que ele não pudesse falar com Carolin face-aface, o seu sonho viveu no seu próprio trabalho. Lunilla, no entanto, não seria dissuadida.


- O trabalho vai estará lá você estando descansado ou não. A única diferença será a sua capacidade de fazê-lo! Agora fora daqui, já para o ar fresco! Faça uma caminhada, olhe para um rosto estranho, pense em algo além das treliças de matriz e canais de equilíbrio por algumas horas! Ele caminhou em direção à cidade, percebendo a rigidez em suas pernas. Lunilla estava certa. Ele não estava fazendo exercícios o suficiente. Seu corpo era jovem o suficiente para caminhar, mas as longas horas de imobilidade, combinadas com a concentração e a intensa drenagem de energia do trabalho no círculo, acabaria por cobrar o seu preço. Ele vinha adiando pensar nessas coisas. Haveria tempo para elas mais tarde. Pelo menos até a próxima guerra eclodir. De certa forma, já estava começando. Isoldir e Valeron se enfrentaram e até mesmo Arilinn foi chamada agora para fazer fogo aderente ao por um tempo. Em Serrais, sua casa, encheu-se de bandidos das cidades secas por um lado e vizinhos ambiciosos por outro. Kevan e vários outros homens tinham sido mortos em um ataque na fronteira, após a morte do velho Dom Felix. Varzil não tinha voltado para casa para o funeral porque o caminho era muito perigoso. Seu irmão, Harald, agora governava como Senhor de Água Doce. Varzil definiu seguir num ritmo acelerado para a cidade, alongamento-se aquecendo os músculos. Ele levantou os braços, fazendo círculos com os ombros. As articulações na parte superior de suas costas estalaram. O mercado de manhã, pronto para vender as colheitas do inverno, estava quase vazio. Nesta temporada, restavam apenas polpas e vegetais de raiz, algumas ervas de estufa, coisas que puderam ser armazenadas em porões durante os meses congelados de inverno. Ainda seriam mais alguns dias, talvez uns dez, antes dos primeiros dos brotos aparecerem. Verdes e fortes, Varzil pensou ironicamente, isso é exatamente o que eu preciso. -Dom Varzil! Surgiu a voz de uma mulher vinda de uma das lojas que fazem fronteira com a praça. Ele reconheceu como sendo a mulher do padeiro, com o cabelo amarrado para trás sob um lenço branco, mangas arregaçadas até o cotovelo e um apanhado de farinha nas mãos e em uma bochecha. Ela sorriu enquanto caminhava, dando-lhe boa tarde num tom cadenciado. -E uma boa tarde para você também - ele respondeu no mesmo tom cadenciado. Ele corou quando entrou na loja. O ar quente invadiu-o, carregado com o cheiro de pão e a doçura do mel e bife com especiarias. Atrás do balcão, desgastadas, mas recém-lavadas, as prateleiras estavam três partes vazias. A visão da pastelaria, pasteis brilhando sob uma pincelada de mel e cravejados com nozes e pêra cristalizada, fez a sua boca encher d’água. Antes que Varzil pudesse protestar, ela pegou o pão e colocou em sua mão. -Você é muito magro, - ela disse, fazendo-a se parecer com Lunilla. - Eles não o alimentm lá em cima?" Varzil ignorou a pergunta e mordeu o pão. Embora não seja tão fortemente adocicado como os Lunilla, houve um equilíbrio perfeito da textura, o calor do pão e os sabores concentrados de frutas e especiarias. Desejando que tivesse mais moedas para comprar ali, ele enfiou a mão no bolso e pegou uma moeda. -Guarde isso! - a esposa do padeiro estalou. – Não vou nada disso! Depois do que o senhor fez pelo menino de minha irmã quando foi levado tão mal, você deveria receber um milhão de pães e ainda não seria o suficiente!


Ela foi tão veemente que ele não se atreveu a contradizê-la. Alguns dos trabalhadores da Torre aceitavam presentes ou pedidos de coisas feitas sob encomenda sem pagar por elas, como lhes era devido, mas Varzil não gostava de fazê-lo. Seus gostos eram simples e entre o pouco dinheiro que tinha de sua própria bolsa que recebeu por certos tipos de trabalhos perigosos – como fazer fogo aderente, por exemplo - ele podia comprar o que ele precisava. Perguntou-se, irritado, por que ele deveria ser tratado como um semideus, porque ele tinha um talento e outros não, um laran de treinador de cavalos ou ferreiro não era menos importanto do que o dom de assar e cozir como o do marido desta mulher. Mas teria sido indelicado dizer isso ou recusar a demonstração de gratidão dela. Ele manteve os olhos dos suportes de pão, para que ela não pressione mais sobre ele, e perguntou sobre as notícias da cidade. -Ah, os simples gostos de sempre! - disse ela, evidenciando sua desaprovação, mas se era da fofoca em si ou os feitos dele que geravam fofoca, ele não poderia dizer. - Parece ser um início da primavera, o que significa que as tempestades de verão em atraso e metade da colheita arruinada se for deixado pra ser colhido muito tarde. - Na sua expressão interrogativa, ela acrescentou - Minha família ainda cultiva trigo e aveia afastada, no sul. Ele vai ficar fora alguns dias, embora, mas não será por isso que haverá falta do bom pão para você. Nós cuidamos de nosso próprio negócio. Só então um outro cliente entrou na loja, uma mulher atormentada-olhando envolta em três xales surrados, em camadas um em cima do outro. Ela perguntou em voz baixa se havia qualquer pão que sobrara de ontem, e enquanto as duas estavam discutindo o preço, Varzil saiu pela porta. Ele passou a hora seguinte contente em passear pelas estradas retorcidas de Arilinn, observando as pessoas correndo para fora em trabalhos durante as poucas horas de relativo calor, crianças arremessando bolas de neve aqui e ali com gritos de prazer. Ele pegou a moeda que ele teria dado a esposa do padeiro e deixou-o na mão de um mendingo, querendo saber onde o homem esteve durante a noite. De vez em quando, ele entendia pedaços da conversa ou rapidamente notava carrancas disfarçadas. Enquanto a mulher do padeiro, cujo sobrinho tinha sido salvo durante um surto de febre do pulmão, cumprimentou-o feliz, nem todos os habitantes de Arilinn se sentiam felizes assim. Às vezes, ele captava frases como, “feitiçaro maldito" ou "truques mentais", e havia aqueles que falavam bem menos gentilmente. -Por que eles nos temem? Ele perguntou a Auster depois de um episódio perturbador. -Eles não nos conhecem, foi a resposta. -Como podem? Com excepção dos doentes que são trazidos a nós, tudo o que sabem de nós é superstição e contos de batalha! Eles acham que não temos nada melhor para fazer com o nosso tempo do que fazer armas terríveis ou esgueirar-nos nas mentes de outros homens! -Você vai se acostumar com isso, - Auster disse serenamente. - O nosso trabalho nos obriga a viver separados da sociedade, não há cura para isso. A Torre pode ser um refúgio necessário. -Um refúgio ou uma prisão? - Varzil ainda se perguntava. - Seria possível, ou mesmo desejável, para pessoas de talento e poder, separar-se do resto da humanidade? Varzil ainda estava perdido em seus pensamentos quando ele voltou seus passos em direção à Torre. Ele foi atraído de volta à realidade por uma campanha montada


aproximando-se dos portões. Haviam quatro homens armados em bons cavalos, tendo uma flâmula que ele não reconhecia. Eles circundavam duas senhoras, uma delas uma pessoa de certa importância por seu porte, a qualidade de sua longa capa e os ornamentos artísticos belíssimo de seu palafrém. Varzil entrou juntamente com eles, assim como os guardas, passou a ajudar a senhora a desmontar. Quando ele levantou os olhos para os dela, sua primeira impressão foi de alegria. Ela foi coberta como convinha a uma adequada comynara, mas as rendas não conseguiam esconder o brilho de seus olhos. Eram verdes, ligeiramente inclinados, e observava com interesse tudo ao seu redor. Ela encontrou seu olhar corajosamente. -Eu sou Felicia de Nevarsin. -Eu sou Varzil Ridenow. Ele olhou para ela, sentindo-se lento de raciocínio. Com um brilho em seu olhar voltado na direção da Torre, ele acrescentou pouco convincente -Sub-Guardião, Primeiro Círculo de Arilinn. Seu sorriso se aprofundou, revelando uma pequena covinha na bochecha esquerda no canto de sua boca. Ela colocou uma mecha ruiva de se cabelo atrás de sua orelha. - Você deve corrigir-me de tal indelicadeza, Varzil de Arilinn. Eu era, e acho que ainda sou até que as questões sejam dispostas de outra forma, mecânica de matriz do segundo círculo em Nevarsin. Vamos ver o que seus Guardiões podem fazer de mim aqui. Sem esperar por ajuda, ela soltou seus pés dos estribos e caiu levemente no chão. Ela tinha, ele notou, muita experiência montando a cavalo e ela desceu-se de uma forma fácil, graciosa. Uma vez em pé, no entanto, ele notou cor pálida de sua pele. Ela agarrou a sela com uma mão, cobrindo a boca com a outra para abafar uma cascata de tosse. -Está doente, domna? -Eu estava doente, - ela respondeu em voz alta - e se eu ficar aqui por muito mais tempo, talvez eu fique novamente. Não gostaria de dar instruções para o meu acompanhante? - Ela virou-se para o pátio interior e do Véu. - E Varzil, assim que eu for capaz, tenho a intenção de tomar o meu lugar no círculo como todo mundo. É pouco conveniente para você me chamar de domna como se eu fosse algum brinquedo bem vestido e não uma leronis treinados. Suas palavras forma postas em ação. Em pouco tempo, ele arranjou nos bairros fora da Torre estadias para seus homens, estábulos para os seus suportes, e kyrri para transportar seus pertences do alto. Lembrou-se de que uma nova leronis foi acertado que viria da Torre em Nevarsin, mas não antes de uns 10 dias ou mais. Ele não sabia nada sobre ela, exceto que ela havia sofrido algum dano persistente em seus pulmões de uma febre no inverno passado e pensava-se que o clima mais ameno das planícies lhe faria bem. Os invernos em Nevarsin eram lendários por seu frio brutal. Quando tudo foi resolvido, Varzil foi subindo para o quarto comum que agora era o coração de sua família da Torre. Felicia estava empoleirada no mesmo divã onde ele tinha sentado mais cedo, com Lunilla cacarejando com ela e empurrando na moça uma bebida quente. Varzil sorriu com a cena. Felicia olhou para cima, percebeu sua expressão e sorriu de volta. Depois, quando ela terminou sua entrevista com Auster e foram-lhe atribuídos quartos, ela comentou com Varzil...


-Eu não entendo por que todo mundo assume que porque o meu corpo foi enfraquecido, minha mente não é capaz de trabalhar. Há poucas coisas mais tediosas do que ser forçada a permanecer imóvel quando você já está entediado por razões anteriores, ou ser restrita apenas as tarefas mais simples como se a sua inteligência fosse de alguma forma ligada aos músculos de suas pernas! Varzil captou a imagem de um dormitório com paredes nuas sem enfeites, olhando através de um edredom impecavelmente liso e vendo pequenos pares de pernas, separados do resto de seus corpos, brincando sobre eles. A visão era tão fantástica que ele riu. -Acho que eles estão certos e eu deveria descansar depois da minha viagem. - ela suspirou. -Eu esperava receber um trabalho real e não apenas a educação de noviços em teorias básicas! Onde está escrito que todas as mulheres devem ter a experiência de ensinar as crianças? - Ela torceu o nariz. -Eu não sei - ele disse levemente. - Talvez pudéssemos vasculhar os arquivos e descobrir. Isso é o que Auster me coloca para fazer quando ele decide que eu tenho trabalhado muito duro. -Nada de poeira para mim, - disse Felicia, fazendo uma careta. – Pulmões ruins, lembra? Neste momento Cerriana veio se juntar a eles para contar que tinha descoberto uma meia dúzia de amigos em comum. A Torre de Arilinn estava cheia com o entusiasmo gerado pela chegada da nova leronis. Todos os três círculos estavam curiosos sobre ela, uma técnica treinada, e havia as aberturas sociais inevitáveis e as possibilidade de novos relacionamentos enquanto se acomodava em seu meio. Fidelis exagerava sobre ela como tendo uma mãe galinha até Eduin suspeita de que ele, como metade da Torre, havia sofrido com ela. O próprio Eduin tinha pouca energia para estimular-se com a novidade do novo trabalhador da Torre. Felicia tinha trazido não somente a si mesma, mas também notícias de Nevarsin, a Torre e mosteiro cristoforo de lá, bem como os territórios que tinham atravessado, e uma várias de histórias. Entre elas, havia uma mensagem para Eduin. Eduin levou-a para os seus aposentos e leu-a em particular. Depois disso ele subiu as escadas, fez o seu caminho pelo corredor e proibiu que abrissem a porta dele, suas mãos tremiam... Fazendo uma pausa, ele ligou o amortecedor telepático que impediria qualquer espionagem psíquica inadvertida. Ele tinha convencido até Gavin Elhalyn, em seu primeiro dia em Arilinn, de que ele era tão sensível a desviar pensamentos telepáticos que ele precisava disso para manter sua sanidade. Assim, ele garantiu que nenhuma imagem de sonho ou pensamento profundo poderia traí-lo aqui no seu próprio quarto. O peso do seu juramento de infância, das coisas que ele tinha feito e, mais importante, as coisas que ele ainda não pudera fazer, pesou sobre ele. Ele não poderia ter sobrevivido sem esse porto seguro. Com um gesto, ele convocou o fogo azul para iluminar o quarto com um globoresplandecente. Com a boca seca, ele abaixou-se na beira da cama. O papel dobrado era de má qualidade, áspero em torno das bordas de fricção dentro da bolsa de cartas. A caligrafia não era de seu pai. Ele não sabia se devia estar ansioso ou aliviado. No entanto, ele não conseguia pensar em mais ninguém que teria motivos para escrever à ele. Dyannis certamente não o faria.


A carta tinha sido cuidada por tantas pessoas que nenhum traço psíquico do seu escritor permaneceu, pelo menos não na embalagem exterior. Ele sentia que abri-la iria mudar seu mundo. Tremendo, ele correu o polegar sob o selo de cera simples, não mais do que uma gota para segurar as bordas da carta fechada, desprovido de qualquer sinete. Então ele desdobrou o papel e começou a ler. A caligrafia parecia infantil, as letras mal formadas e linhas inclinadas como se fossem escritas por um bêbado. Ele percebeu, depois de uma ou duas palavras, que o escritor foi mal alfabetizado. A carta não era longa, três ou quatro folhas. Isso foi o suficiente. “Para Dom Eduin de Arilinn Rumail de Keycroft pede para dizer-lhe que ele o estado em que estava tomou rumos ruins nos pulmões neste inverno passado. Ele teria de escrito isto sozinho, mas ele não pode sentar-se... não mais. Ele manda lhe dizer que ele não sabe mais quanto tempo ele pode aguentar e que você saberá o que fazer. Seu respeitoso servo, Esteban, criador de gado em Keycroft. PS: Eu aprendi a escritura com os cristoforos." Eduin fechou os olhos para processar esta informçaõ por tanto tempo que a respiração quase sumiu e uma sensação de dormência antes desceu sobre ele. Havia apenas uma razão para seu pai iria enviar uma mensagem desse tipo, apenas uma causa desesperada o suficiente para confiar na escrita. Seu pai estava morrendo. A carta não tinha data. Ele não fazia ideia de quanto tempo ela poderia ter ficado em algum posto de cartas, à espera de um viajante que viesse na direção de Arilinn para carregá-la consigo. Como uma forma de esperança em encontrar algo que houvesse deixado passar desapercebido na primeira leitura, ele a releu. Este criador de gados, este tal Esteban, mencionava “no inverno passado” e agora mal chegara a primavera. Assumindo que não tinha sido a um ano atrás, não tinha se passado muito tempo. Seu pai tinha resistido aos surtos de doença pulmonar antes. Ele poderia muito bem ter aguentado por mais alguns meses até que Eduin chegasse. Se fosse possível para qualquer homem se agarrar à vida por causa de um propósito maior, seu pai o faria. Eduin fez o seu caminho ao longo do corredor em direção as câmaras de Auster pensativo. Ele preparou um discurso, incluindo as impressões mentais que iria transmitir da urgência do seu pedido sem levar a dúvidas mais profundas. As regras sociais da Torre iriam trabalhar em seu favor. Parte de viver em estreita colaboração com outros telepatas era saber quando não se intrometer. Auster, no entanto, não estava em seus aposentos. Enquanto procurava o Guardião, Eduin passou pela sala comum onde bandejas de alimentos concentrados necessários para o trabalho de matriz tinha sido colocado para fora. O leve cheiro sedutor chegou a ele através do quarto. Seu estômago roncou. Ele não tinha comido naquele dia. Quando se dirigiu para a mesa ele percebeu que o quarto não estava vazio. Ele tinha mantido suas próprias barreiras mentais tão bem erguidas que ele não tinha percebido as duas pessoas


sentadas no divã. Eles se sentaram em silêncio, sem palavras, mas logo sentiu a comunhão de suas mentes. A nova leronis, Felicia de Nevarsin, sentou-se ao lado da pessoa que Eduin menos encontrar: Varzil Ridenow. Varzil quebrou o silêncio. -Eduin! Por favor, venha conversar com a gente. -Sim, - acrescentou Felicia. - Eu só troquei duas palavras com apenas alguns dos outros membros da Torre. Em poucos minutos, Fidelis vai aparecer e pedir-me para sua cama, tão rapidamente, quanto dizer algo divertido sobre a vida em Arilinn. Eduin hesitou. -Eu tenho que encontrar Auster. -Você pode muito bem comer algo primeiro, - disse Varzil. - Ele está em sessão privada com Valentina e Ruthelle. -Valentina? - Felicia disse, levantando uma sobrancelha delgada. - A menina Aillard que você me falou? Varzil balançou a cabeça e Eduin sentiu a luz do relacionamento fácil entre eles. Eles falavam em voz alta por cortesia e para manter a distância pessoal necessária nas Torres. -Ela ainda é frágil, - disse Varzil - como são muitos de sua linhagem e idade, mas Auster pensa que ela tem um grande potencial. Eduin, embalado pelo falatório aparentemente inocente, pegou um prato de peixe em conserva e cenoura, bolos e nozes adoçadas. Ele comeu rapidamente, quase sem degustar a comida. Se ele fosse fazer qualquer longa viagem hoje, ele não poderia esperar a permissão de Auster, antes que ele começasse a guardar suas coisas. Mas ele não tinha cavalo, nem quaisquer fundos para alugar um e Arilinn não manteve nenhum dos seus próprios. -Desculpe-me, - Felicia interrompeu. -Eu realmente não pretendo fazer intromissão grosseira, mas há algo que eu possa fazer por você? Eduin ergueu a cabeça com os músculos faciais tensos. Ele sabia que ele não era tão bom em mascarar suas expressões como era em esconder seus pensamentos. Agora Varzil também estava olhando fixamente para ele, com aqueles olhos que pareciam enxergar a alma e ele não podia falar a ele sem mais alguém presente. Desde a época em Hali, Varzil o havia tratado com uma cortesia impecável, mas Eduin não acreditava que suas suspeitas tivessem diminuído. Ele tinha sido um tolo em tentar parar o coração de Carolin com sua pedra da estrela em suas mãos. Só o fato iminente de que no dia seguinte eles deveriam seguir caminhos separados, colocando Carolin além de seu alcance, o haviam estimulado a tal ação precipitada. Mesmo assim, ele tinha planejado mal ao escolher um momento em que Carolin era mais alerta e capaz de resistir. No momento fatídico, ele fez uma pausa e, em seguida, Varzil tinha irrompeu na sala. Talvez ... eu quisesse falhar naquela noite. Diga a verdade, ele pediu-se em silêncio. Diga-lhes o que eles querem ouvir. Ele deixou seu rosto refletir as emoções que se agitavam dentro dele. A dor, a perda, a ansiedade... -Havia uma carta para mim no pacote que você trouxe. - Suas palavras tropeçavam por vontade própria.


-Más notícias? -Temo que sim. - Ele fez uma pausa, engoliu em seco. A simpatia em seus rostos se aprofundou. - Meu pai foi está gravemente doente. Preciso ir para casa. Assim que possível. -É uma pena que não há nenhum carro aéreo disponível. Eduin sacudiu a cabeça. -Meu pai vive em uma pequena aldeia através do Kadarin. É muito robusto lá em cima para viagens carro aéreo. -As Hellers são assim também, principalmente em torno de Nevarsin, - disse Felicia, balançando a cabeça. - Os carros não podem navegar nas correntes de ar. De qualquer maneira, as pessoas dizem que eles são muito pouco fiáveis. -O que posso fazer para ajudar? – Disse Varzil, levantando-se. - Devo pedir um cavalo para você? Olhando agora para o rosto de Varzil ali de pé, a expressão relaxada e pronto para ajudar, Eduin se perguntou como ele tinha um mal juízo do outro. É verdade que ele sentiu um espasmo de ciúmes quando Varzil tinha sido escolhido para o treinamento de um Guardião antes dele. Mas não havia nenhum indício de má fé ou triunfo em Varzil. Com tanta cortesia quanto pôde, ele aceitou a oferta da ajuda de Varzil.


CAPÍTULO 22

O cavalo emprestado de Eduin estava cambaleando de cansaço, a respiração rouva e áspera, quando ele chegou à pequena aldeia onde ele havia passado seus primeiros anos. Ele não tinha estado em casa desde que havia sido levado ainda criança para começar seu treinamento como laranzu e instrumento de vingança. Desde que deixou o campo aberto, ele tinha sido obrigado a pedir indicações várias vezes. A estrada era um pouco maior do que uma trilha de cabra através das desgastadas milhas. A pastagem era pouca e pobre, as encostas marcadas por voçorocas, pedras misturadas e os esqueletos de árvores atingidas por relâmpagos. Até mesmo as ovelhas pareciam esfarrapadas. No entanto, em meio as memórias, mesmo sendo mais poderoso agora ali era o mais perto que ele chegava a chamar de lar. Ele relembrou o quão familiar aquele lugar lhe era, mesmo que estivesse um tanto alterado pelo amontoado de edifícios. A aldeia tinha decaído em tempos difíceis, tão cinza e sombria, ou sempre fora assim? A memória de uma criança pode pintar até mesmo a cena mais desolada em cores brilhantes. Ele afastou o pensamento, assim como o desgosto que teve com cada nova visão e olfato. O chefe surgiu pela porta e dois meninos e um filhote de cachorro correram para olhar para ele. Sorrindo, ele permitiu que seu cavalo diminuísse seu ritmo para que eles pudessem observa-lo. Certamento, um pouco surpreso, o dono do negócio ao longo do Kadarin o via, apesar de receber alguns viajante, nenhum deveria ser tão bem-vestido como ele. Sua capa era de lã fina, espessa e quente, o broche verdadeiramente precioso, as botas e sela brilhavam com o cavalo estilo puro-polonês. Seu cavalo era muito melhor do que qualquer coisa que estes moradores poderiam pagar. Uma mulher saiu correndo depois que os meninos e uniram-se na barra de sua saia remendada. O medo irradiava dela. Preocupação e cansaço turvou seus pensamentos, mas Eduin pegou uma memória de homens com facas e de sangue respingado em todo a rua lamacenta. A esta hora, os homens ainda estavam nos campos, mas a mulher se empertigou, uma típica mãe defendendo seus filhotes. Ela parecia ter a idade de Lunilla, mas em um instante ele a reconheceu. Fiona era o nome dela. Ela era dois ou três anos mais velha que ele. Lembrava-se dela como uma menina de índole doce, todos sempre dispostos a seguir a sua liderança. Eles tinham sido companheiros de jogo, e ela ficara com o seu cão quando ele partiu. Se ele tivesse ficado na aldeia, eles poderiam muito bem ter se casado. Mal se reconheciam agora. A pobreza e maternidade precoce tinham descorado suas bochechas, transformou seus seios em planos e pendentes, o corpo em uma massa disforme sob camadas de tecido feitos em casa.


Ela olhou para ele antes de mandar os filhos correrem para dentro. Feliz por evitar uma conversa estranha, Eduin bateu os calcanhares nos lados do cavalo. O animal trotou para a frente. Levou apenas alguns minutos para atravessar a aldeia que tinha uma vez sido todo o seu mundo. A cabana de seu pai estava escondida atrás de uma sebe selvagem que havia crescido e depois morrera ao redor dos troncos, deixando um apanhado de ramos mortos. A mula e um punhado de chervines idosos dividiam o curral com duas vacas, separados por um tipo de trílio de madeira. A mula tremeu suas orelhas longas conforme ele se aproximou. Ele laçou as rédeas de seu cavalo em torno dos trilhos e subiu para a casa. O telhado de palha tinha visto melhores dias, assim como as paredes, mas alguns reparos tinham sido feitos recentemente. O jardim, que ele lembrava como uma faixa de flores, cebolas, raízes vermelhas comestíveis e os verdes típicos de verão haviam degenerado em um emaranhado de ervas daninhas secas. O limite bruto de corte rangeu sob o peso dele. Ele colocou uma mão no trinco de madeira e a porta se abriu. A primeira coisa que viu foi uma faca a algumas polegadas, pronta para cortar sua garganta. O homem que a sustentava olhou para ele num emaranhado de cabelo e barba pretos, olhos azuis, um nariz torto e lábios carnudos e rosados bem moldados. O estranho usava um colete de couro, manchado e desgastado, mas grosso o suficiente para sustenta-lo num golpe casual de vento frio. Eduin tinha dúvidas de que ele soubesse exatamente como usar a faca e as outras armas que tinha, sem dúvida, prontas para sacar. Eduin era treinado na Torre, um laranzu. Ele tinha pouco a temer do mero aço. Sem se preocupar em desviar a ponta da faca, ele estendeu a mão à mente do outro homem e encontrou um resquício de laran. A barba e expressão bélica mascaravam um rosto que era assustadoramente familiar. Ele não tinha visto seu irmão mais velho desde que ele era uma criança e Gwynn já havia se tornado um homem adulto. -O que? - Gwynn recuou, claramente afetado pelo contato mental inesperado. Eduin abriu os braços. -Sou eu, Eduin! Você não reconhece o seu próprio irmão mais novo? Os olhos azuis se estreitaram. Com uma perícia de atleta, Gwynn revolveu a faca e colocou em uma bainha em seu cinto. Ele agarrou Eduin em num abraço áspero e inesperado. -O pequeno Eduin agora é um homem adulto! Eu nunca teria reconhecido você! Gwynn bateu nas costas de Eduin com força suficiente para iniciar um ataque de tosse. O colete de couro raspou no rosto de Eduin e o cheiro de um corpo a muito tempo na trilha trouxe um suco gástrico à sua boca. Eduin afastou-se logo que ele pôde de forma decentemente sem ofender o irmão. -O pai enviou uma mensagem para mim em Arilinn. Ér.... ele.... -Ele ainda está entre nós, rapaz. Gwynn chamou Eduin para entrarem na casa de campo. A proximidade e o calor da sala central os envolveu. O pequeno fogo que dançava na lareira não poderia dissipar a atmosfera opressivamente úmida. -Acabei de chegar a cerca de duas noites. – disse Gwynn. E claramente não pensou em tomar um banho desde então.


-A moça da aldeia tem cuidado dele e, pelo menos, não lhe faz nenhum mal. Ele despertou depois de eu ter começado a lhe dar um pouco de cerveja decentente. Mas ainda o temem? Em Arillin, quero dizer. – Os olhos azuis, sombreados na luz suave, agora mudavam. – Lá na Torre você é um feiticeiro agora... -Sim eu sou um laranzu, um técnico de matriz, - Eduin o cortou - E eu também treino como um monitor, um curandeiro. Preciso vê-lo uma só vez. Ele passou por Gwynn e foi para a sala usada por seu pai. Mal era grande o suficiente para uma cama e um baú de roupas, mas um tamborete tinha sido colocado ao lado dele. A janela do lado oposto, velha e grossa, mostrava uma luz aquosa. O velho estava com uma das mãos estendida ao seu lado e a outra sobre o peito. A roupa de cama, por mais desgastada que fosse, tinha sido alisada e dobrada cuidadosamente sobre ele e várias camadas de travesseiros finos apoiavam sua cabeça. A barba tinha sido recentemente penteada e ele jazia como uma queda leve de neve sobre o sobre a cama. No chão, um copo com algum líquido escuro, ainda fumegante deixando o ânimo mais leve e uma colher de pau. Eduin, abaixando-se no banco, sentiu uma pontada de arrependimento por seu julgamento sobre seu irmão. Embora por mais difícil que pudesse ser para Gwynn, ele cuidava de seu pai amorosamente. Se ele não tinha se banhado claramente era porque ele tinha se dedicado ao bem-estar do pobre homem velho. Gentilmente, Eduin colocou uma mão em cima de seu pai. Não houve resposta. A pele estava quente e frágil, embora não desidratada. O peito subia e descia em fracamente. Ele deslizou as pontas dos dedos em torno do pulso ósseo para sentir pulsação. Era esganiçada, mas regular. Graças a Avarra! Eu cheguei em tempo. A fumaça do fogo deve ter embaçado seus olhos porque pinicavam quando ele se virou para olhar seu irmão. -Vá até meu cavalo e traga meus alforjes, por favor. Eu vou fazer o que puder por ele. Sem uma palavra, Gwynn partiu. Eduin ficou arrumando-se para que ele pudesse deslizar as mãos sobre o corpo de seu pai. Ele fechou os olhos e fez uma série de respirações profundas. Cada uma levando mais fundo no estado de sensibilidade mental apropriado. Fazia alguns anos desde que ele tinha feito o trabalho de um monitor e ele nunca tinha sido particularmente interessado em cura. Mas ele tinha dominado o básico, só para aprender o como o laran poderia ser usado para parar o coração de um homem. Agora que ele estava sentado muito quieto, ele podia ouvir o groso e chiado da respiração do velho. Após uma varredura superficial, firmou a sua atenção sobre os pulmões. As lesões antigas tinham deixado cicatrizes extensas. Em muitas áreas, os sacos de ar delicados foram arrancadas, o que tinha acontecido há muito tempo. O corpo se adaptou da melhor maneira possível para esse fluxo de ar comprometido. Agora, fluídos sufocavam mais de um pulmão e os lóbulos inferiores do outro. Os cuidados de Gwynn, por mais excelentes que fossem, eram muito pouco e muito tardios. Eduin não tinha certeza de que, mesmo o laran da cura de Varzil, seria o suficiente. Ele deveria ir profundamente no tecido pulmonar, até ao nível celular. Gota a gota, molécula por molécula, ele deveria aliviar o congestionamento e aumentar o fluxo sanguíneo.


Eduin visualizava cada saco de ar, cada um dos vasos sanguíneos, como montes de um pálido róseo fechado em uma rede das membranas. Onde quer que olhasse florescentes grupos de micróbios alimentavam-se dos tecidos que estavam morrendo. A febre gerada pelo corpo em uma tentativa de salvar a si mesma já estava caindo com a batalha perdida. Seu coração tremeu dentro do peito. Ele não tinha percebido o quão extenso havia sido o dano e o longo alcance da infecção. A doença do pai era impossível de curar por qualquer procedimento que conhecia. Nos casos de pneumonia que tinha assistido os corpos dos pacientes tinham sido fortes o suficiente para combatê-la, dada a oportunidade no tempo em que isso ainda era possível. Ele assistiu o sistema imunológico de seu pai vacilar de tempos em tempos. Um instinto de negação chocada tomou conta de Eduin. Ele não tinha se preparado para tudo isso, ter todas as suas esperanças cumpridas e depois destruídas, encontrar seu pai ainda vivo e depois perdê-lo sem que estivesse ao seu alcance poder salvá-lo. Sem se importar com a cautela, ele entregou-se na árdua tarefa. Ele moldou sob sua vontade uma ponta de lança, como um raio de fogo. Antes de seu ataque, as bolsas de infecção secaram. Encharcadas e inchados, encolheram para o tamanho normal. Ele sentiu a pressão do ar para as passagens obstruídas e a ascensão, minuto a minuto, da energia vital. O processo foi muito lento, movendo camada por camada de infecção através dos pulmões. Seu pai estava falhando muito rápido logo após cada recuperação. Se Fidelis tivesse estado lá, ou mesmo Cerriana, um deles poderia ter apoiado os sistemas do velho, enquanto o outro tratava a infecção. Ele não podia fazer isso sozinho, e por isso o pai iria morrer. Eduin enfurecia-se numa frustração silenciosa com os Deuses que iriam deixar que isso acontecesse. Ele havia sido mandado para longe, apesar de tão jovem, tinha passado sua vida inteira em obediência ao sonho de seu pai, deixando de lado a amizade e até mesmo a honra. Ele tinha traído Carolin, a quem amava como um irmão jurado. E agora perderia seu pai, sem sequer ter a chance de dizer adeus e dar algum sentido ao seu sacrifício... A visão mental de Eduin ficou turva. Sua concentração vacilou. O arranjo dos tecidos, o fluxo e refluxo do sangue e linfa, desapareceram na sua visão interior. Enquanto lutava para recuperar o seu foco, ele notou algo que ele não tinha visto antes. Padrões de energia cobriram as estruturas físicas. Mudando sua visão mental, Eduin via algo como córregos e nós de cor brilhante. A excitação cresceu nele quando ele reconheceu os canais de laran. Como ele pôde ter esquecido que seu pai era Rumail de Neskaya, que uma vez foi o mais poderoso laranzu da sua idade? Ele, Eduin, não estava só. Se ele pudesse alcançar a mente de seu pai, juntos, poderiam limpar seu corpo físico. Pai. Ele chamou com todo o poder de sua habilidade e amor. Então, pensando que talvez as funções cognitivas do homem velho poderiam ter sido prejudicadas pela febre, acrescentou com mais força... Rumail! Rumail! Num sussurro de voz mental esganiçada, como se a muito tempo estivesse em desuso, o velho respondeu. Quem é que me chama? Quem é você que clama como seu eu estivesse deslúcido? Eduin, o seu filho.


Uma pausa... e então veio a resposta, fraca e distante... Meu Eduin? Mas mandei-o para longe, nas mãos do inimigo. Ah, meu Eduin! Você está morto também e agora você me chama do Mundo Superior? -Não, pai, - ele disse em voz alta, pois as palavras faladas iriam ajudar a ancorar o espírito do velho em seu corpo. - Eu estou aqui, ao seu lado. Eu não cheguei tarde demais. Eduin mudou mais uma vez para a fala telepática. Devemos curar seus pulmões. Eu sei que juntos podemos fazer isso. Ah não. Meu tempo já acabou. Estou cansado ... tão cansado... NÃO! Eduin chorou. Você não pode morrer, não agora! Por um momento comovente, não houve resposta. E se ele realmente chegou tarde demais? Tinha o espírito de seu pai ido tão longe para o mundo superior que não podia voltar atrás? Não me deixe! Foi o grito psíquico que rasgou de dentro das profundezas de sua alma. O silêncio respondeu a ele. Então era esse o reencontro que ele teria? Um momento fugaz de contato? Nada mais? Em um dilúvio de angústia, Eduin viu sua própria vida desaparecendo como se nunca tivesse acontecido. Mais uma vez, ele era uma criança, nesta mesma sala. Juntamente com o jardim da casa que era todo o mundo que ele já tinha conhecido. Seu pai era tão alto e severo como um deus. Ele era o orgulho de seu pai, a sua esperança. Ele não sabia nada sobre justiça ou vingança. Uma centena de vezes, ele tinha reservado à parte o carinho por Carolin Hastur, seus próprios desejos, os caminhos e bendições que seu laran poderiam ter-lhe concedido, em prol da promessa que ele tinha feito. O único pensamento a que ele se agarrou quando parecia que ele deveria desistir de tudo e voltar aqui para ver o sorriso de seu pai, para ouvir as palavras que ele diria para lhe fazer sentir-se bem... isso tudo ele havia feito corretamente, que nisso ele não tinha falhado. Mas ele tinha falhado. Carolin Hastur viveu e prosperou. Nem mesmo tinha descoberto o nome do segundo filho de Taniquel Hastur. Ele tinha pensado que ele ainda tinha tempo para realizar sua missão e voltar triunfante para o lado de seu pai. Não pode ser tarde demais! Pai, por favor! Mesmo quando ele implorou, Eduin sentiu a mente de seu pai afundar no esquecimento. Lute! Você deve lutar para viver! Como um último suspiro, uma rendição sombria respondeu a ele. Em desespero, Eduin procurou por uma razão, qualquer razăo atraente ou suficientemente forte para alcançar a consciência de seu pai que estava desaparecendo. Se não fosse por amor, então talvez por ódio... Pai, não! Você deve viver, viva apenas para ver-se vingado dos Hasturs! A resposta veio como uma respiração dos lábios de seu pai. -Si...iimm... Vingança. Onde antes havia apenas o remanescente tênue de consciência, agora havia a mente de Rumail queimando, vívida. As vias do laran se enchiam com o poder. Mesmo morrendo, o seu talento brilhava. Eduin estendeu a mão em resposta para a mão de seu pai que se erguia, como dois pares de mãos agarrando-se, dedos atados, com uma força e habilidades unidas.


A mente de Rumail era poderosa, mas complexa e estranha. Eduin reconheceu os padrões de disciplina e talento nativo. A formação inicial tinha sido semelhante à sua, mas há décadas de com o poder que o tinha levado em direções inesperadas. Agora Rumail unido a energia mental de Eduin como se este fosse um depósito de seu poder para dar forma e uso dele de acordo com sua própria vontade. Eduin sentiu as energias de laran sugadas para fora dele, mais rápido a cada batimento cardíaco que passava. Pânico, como garras indo até ele. Quanto mais lutava, mais nítida a dor se tornava. Ele lutou, mas encontrou-se seguro por garras invisíveis. Vagamente, ele sentiu seu tórax se erguer e as mãos se moverem. Seu coração batia em seus ouvidos. Uma imagem veio a ele - a expressão no rosto de Carolin com seus próprios dedos se fechando em torno da pedra da estrela, o branco de seus olhos arregalados, a captura e vacilar do seu coração... Menino insolente, como se atreve a resistir a mim? Submeta-se ou eu vou levar o que eu preciso. As palavras trovejaram através do crânio de Eduin. Dê-me mais ou nós dois pereceremos! Algo dentro Eduin se quebrou, um baluarte em colapso, uma parede de palhanda quebra sendo arrasada por um turbilhão. Ele perdeu todo o sentido de sua auto consciência. Não houve diferença entre aquele que tomou e quem deu. Duas mentes se tornaram um, varridas por um turbilhão psíquico. Gradualmente, como o céu acima das Hellers claro após uma tempestade de inverno, a união crescia menos caótica. A ordem surgiu sob o controle implacável de seu pai. Eduin não poderia dizer o que estava sendo feito. Em certos momentos, ele tinha a impressão de uma Torrente de fluidos (linfa, plasma, sangue...) pulsando através dos tecidos, dos nós de cores que surgiam e depois diminuiam. Mas, se essas coisas aconteceram em seu próprio corpo ou no de seu pai, ele não sabia dizer. Num dado momento ele ouviu alguém gritar. Em outro sentiu uma rajada de ar frio. Chegou um momento em que Eduin sentiu o vigor de seu pai retornando separado do seu próprio. Na primeira vez, ele sentiu-se impulsionado por ele, como se estivesse subindo em uma corrente de vapor. A imagem mudou, escurecendo e ficando cada vez mais sólida. Pressão, como um punho de granito, o rodeava. Ele lutou como estivesse sendo fechado em um lugar apertado, sempre apertado. Uma dor chegou a sacudí-lo como um relâmpago. Pai, não! Por favor me ajude! Pelo que pareceu uma eternidade, ele ficou suspenso entre o esmagamento desesperado e a esperança em meio a agonia. De repente, a sensação desapareceu. Ele estava livre. Não, não estava livre... a terrível pressão estava agora dentro dele. Sua força implacável colocando à mostra cada pensamento secreto, cada instante de auto-dúvida e vergonha. Memórias brilhavam atrás de seus olhos. O sorisso calorso de Carolin, o delicioso sentimento de carinho num dia caminhando por um campo aquecido pelo sol vermelho ao lado de sua amigo... Carolin escalando a árvore de maçã, se estendendo para fora com sua graça inconsciente da fraqueza no ramo...Eduin sabendo que ele o tinha enfraquecido, apenas deslocando as fibras de madeira para menos força e o peso de Carolin faria o resto. .. E hesitante ao ver o pálido rosto de Carolin quando este jazia imóvel... Varzil debruçado sobre ele, a preocupação irradiando... O Turbilhão de culpa e amor em seu estômago...


Os olhos de Carolin arregalados em estado de choque e confusão quando os dedos de Eduin arrancaram os tecidos de seda e fechou os dedos em torno de sua pedra da estrela, sua mente tocando a de Carolin... Os pensamentos de Carolin eram como uma inundação de luz solar... Torres brilhantes de encontro aos céus cristalinos, campos dourados sob o vento, um riso de mulher, um cavalo preto a galopar, taças de vinho levantadas, homens cantando... tudo desvanendo agora numa sobrecarga elétrica branca... seu próprio corpo arrancando e jogando longe a consciência dele... Até que ele começou a desejar, a orar: Não, não deixe que seja tarde demais! ...os olhos de Carolin se abrindo para seu alívio e vergonha... A dúzia de outras vezes que tinha visto uma oportunidade tarde demais porque ele tinha se distraído com os prazeres simples da Torre e sua comunhão, o crescente orgulho no seu trabalho... como folhas secas se desvanecem em uma explosão de raios no inverno, as imagens foram feitas em pó. Surgiu um pressão condensada em ira. Você falhou comigo! Você deu fez um juramento e, em seguida, o traiu! Você traiu a todos nós! Não, Pai, por favor! Me dê outra chance. Farei o melhor, eu juro que eu vou conseguir! Eu não vou deixar você para trás novamente! Você não vai. Algo no mais íntimo ser de Eduin se retorceu, como se um punho gigante tivesse golpeado dentro dele, arrancou o coração livre de suas amarras e substituiu-o com gelo. Eduin não tinha nem o poder e nem a vontade de resistir. Ele só podia assistir com um horror doentio como o novo coração começou a bater, frio como o próprio gelo, como um sangue amargo fluiu em cada parte de seu ser. E então, ele não sentiu mais nada, nenhuma pontada de perda, nenhuma culpa escondida, nenhum tormento, nenhuma alegria. Nada além do vazio e do foco num propósito: vingança. Eduin voltou para o seu próprio corpo lentamente, como se ele tivesse estado ausente por um longo tempo. Ele estava sentado curvado, a cabeça quase repousando sobre os joelhos. Sua coluna rangeu quando ele levantou a cabeça. Seu irmão Gwynn estava na porta. Da cama, seu pai olhou para ele. Um rubor saudável substituiu sua antiga palidez. Seus olhos estavam calmos e alertas. Ele levantou uma mão para Eduin. - Agora eu tenho os meus dois restantes filhos comigo. Agora não podemos falhar. Gwynn trouxe uma sopa grossa com carne seca cozida e picada, grãos de centeio e repolho picado. Não era a comida concentrada que Eduin tinha se acostumado após uma sequência dos trabalhos intensos com o uso do laran, mas aqueceu sua barriga. Rumail colocou a tigela de lado e voltou a dormir. Um olhar disse a Eduin que este nada havia a temer, que o sono ajudaria no resto de cura. Ele próprio cambaleou quando ele chegou a seus pés. Embora ele pudesse se lembrar pouco do que aconteceu, seu pai era assim. Isso era tudo o que importava. Sentia-se mais drenado do que ele o de costume após o trabalho mais exaustivo no círculo. Auster nunca pediu tanto e por tanto tempo. Auster, recordou-se, era um fraco e um peão dos Hasturs.


Dois dias depois, Rumail havia se recuperado o suficiente para sair da cama por curtos períodos de tempo. Eduin, depois de dormir durante o resto do dia e na noite seguinte, ajudou Gwynn com os reparos contínuos. Trabalhando lado a lado, ele se tornou um pouco mais familiarizado com o seu irmão mais velho, de quem ele mal se lembrava. Gwynn estava em sua adolescência, mais velho do que Eduin, quando ele foi mandado embora. Ele tinha laran, mas não o suficiente para ganhar um lugar em uma Torre. Portanto, ele começou a aprender habilidades de combate, trabalhando o seu caminho até as fileiras. No caminho para Thendara, ele tinha matado um homem em uma briga de bêbados, e agora havia um preço por sua cabeça nas terras baixas. - Parece que nenhum de nós conseguiu. - Eduin lamento enquanto ele e Gwynn levantavam um novo trilho dividido no lugar em torno da área de gado. O próprio pensamento trouxe uma dor como a queima de gelo no fundo de suas entranhas. -É verdade. Nós ainda não fizemos o suficiente com a ninhada suja dos Hasturs. - Gwynn respondeu. -Mas a causa não está perdida, não enquanto há força em meus braços ou magia em sua cabeça. A parte mais fácil já foi feita. Melhor ser paciente para a mais difícil. -Feita? O que você quer dizer? - Eduin fez uma pausa em seu trabalho de envolver o trilho ao poste. -Você era demasiado jovem para se lembrar, e os Hasturs com certeza se mantiveram quietos. - Os olhos azuis de Gwynn brilhava em seu rosto barbudo-escuro. - Será que você nunca se perguntou como o trono chegou às mãos do velho Felix, quando fora o rei Rafael que ordenou a execução de seu tio Damian? Eduin deu de ombros. Rafael II morreu sem filhos, embora ele não tivesse ouvido falar o por que, e assim o trono passou para o ramo lateral, trazendo Carolin na linha de sucessão. -Você quer dizer que... você... Gwynn balançou a cabeça. -Não que eu não o faria, mas Karlis, que foi melhor do que eu jamais irei ser, foi astuto como um Aldaran assassino. Sim, foi seu triunfo, mesmo ele foi tendo sido capturado e morto por isso, deixando o resto para mim e você, irmãozinho. - Ele grunhiu quando levantou o último ferroviário sozinho. Depois de um tempo de concentração no trabalho, Eduin perguntou -Você já pensou no que vai ser quando nós obtivermos nossa vitória? Toda a linhagem real, os filhos da Rainha Taniquel mortos... e depois? -Para ver o mundo feito direito, a justiça finalmente feita, Karlis e Ewen vingados, o pai livre para morrer em paz, eu daria meu braço direito... não. Eu daria a minha vida para ver esse dia. Eduin, vendo-se refletido no azul feroz dos olhos do seu irmão, desviou o olhar. Passou-se um longo tempo antes que ele pudesse falar novamente. Rumail ouviu gravemente como Gwynn contou a sua história, os três sentados em frente à lareira na sala principal. A carranca das linhas no rosto do velho se aprofundaram ainda mais com a notícia de Eduin. Eduin preparou-se para a censura de Romail, mas o velho apenas balançou a cabeça e disse. -Eu não ousava esperar que fosse tão fácil. Eles são mais tortuoso do que ladrões, estes Hasturs, e têm boas razões para temer a menor sombra. Suas maldades os persegui em toda parte.


-Pai, o que você quer que façamos? - Disse Gwynn. -Não briguem entre vocês jamais. Você, Gwynn, tem sobrevivido onde seus irmãos não conseguiram e agora é um espadachim e rastreador exemplar. Você, Eduin, tem feito muito mais do que jamais sonhamos ser possível. Tem avançado até agora, e em Arilinn, numa relação de grande proximidade com o inimigo! -Sim, Pai, - Eduin explodiu - mas eles não me escolhido para um guardião e nem parecem suscetíveis a isso. -Por muito tempo tem sido negado o treinamento a homens melhores do que você, disse Rumail. -Você me deu algo mais valioso. -O que seria isso? - Eduin piscou. -Você não pode adivinhar? - A careta de Rumail espalhava-se em um sorriso melancólico. Você tem sido um amigo do peito para Carolin Hastur. Você segurou sua pedra da estrela em sua mão. Instantaneamente, Eduin compreendeu a intenção de seu pai. -Eu tenho algo mais! - Ele gritou e correu para trazer seus alforjes. Ele tirou um pente de tartaruga e prata detalhada. Tinha sido um presente do Solstício de Inverno que Carolin dera a ele. Rumail pegou o pente entre as mãos e fechou os olhos. Eduin sentiu a concentração de seu pai como algo cintilante no ar. -Sim, - Rumail murmurou. -Carolin, este Príncipe dos Hasturs, mexeu com este item mais do que uma vez. No metal há a marca de seus pensamentos. O velho respirou fundo. Seus lábios se moviam silenciosamente, como se dando graças. -Com isto eu posso construir uma arma projetada exatamente para sua mente. Vou ter que enviar para o ninho em Temora para a projeção, mas pode ser feito. Oh, sim... Claro que pode ser feito e você, Gwynn, que pode seguir um homem sem despertar a menor suspeita, você será o arqueiro a lançar esta letal seta. Desse modo, seria o fim de Carolin Hastur. Uma armadilha de matriz, focado na assinatura mental de Carolin, era tão mortal como era ilegal. -Mas o que dizer dos filhos de Rainha Taniquel? Carolin é um Hastur verdadeiro e o próximo Rei, quando o velho Felix finalmente passasse para o seu túmulo bem merecido. -Você tem razão, Eduin. Eu quero dizer, sobre destruir o Hastur, mais especialmente a semente daquele maldito. Tanto quanto sabemos, ela tinha apenas dois filhos e o mais velho, um menino, morreu com a doença do limiar poupando assim para nós o problema de destruí-lo. No entanto, não devemos separar-nos muito em nossa empreitada. Gwynn irá cuidar do jovem Hastur, e você vai voltar para o trabalho na Torre com o qual você está tão bem adaptado. Os arquivos de genealogia são mantidos em Hali. De lá, você deverá descobrir o destino do segundo filho. Era uma filha, creio eu. No entanto, não faz diferença. Seu sexo não pode atenuar a culpa de seu sangue. Hali! Dyannis. . . -E talvez eu vou possa ter outra chance com alguns primos de Carolin. - disse Eduin. -Não faça nada que coloque a sua posição em perigo. - disse Rumail, sua voz de repente mais branda. - Mas no caso de você cair sob suspeita, você deve ter o benefício integral se alegar falta de lucidez. De todos os meus filhos, você é o único com suficiente laran para isso.


Rumail disse diretamente à mente de Eduin, plenamente consciente de que Gwynn só poderia ter apenas uma ideia superficial do que se seguiu. Agora que eu estou completamente certo de sua lealdade, vou ensiná-lo a derrotar o encantamento da verdade. Você será capaz de jurar que quiser sem denotar que serve o nosso propósito mais elevado, e nenhum laranzu em Darkover será capaz de dizer a o contrário.


CAPÍTULO 23 Varzil começou a acordar com o som de um toque suave em sua porta. A névoa leitosa das estrelas impregnavam seu quarto. Ele tinha esquecido de abaixar as persianas e a noite, com a brisa fresca do outono, estava extraordinariamente clara. Ele havia dormido por apenas algumas horas. A batida veio de novo, suave, mas insistente. Felicia destacou-se lado a porta vestindo um longo xale, grosso sobre sua habitual túnica de lã. A luz de sua vela caiu em seu rosto. Além da vermelhidão dos olhos, sua aparência era arrumado e adequada, desde as botas de feltro nos pés para o xale enrolado em volta dos ombros. -Sinto muito incomodá-lo. - Disse ela. Ele recuou para convidá-la para entrar. Ela foi até a lareira, onde as brasas da noite passada ainda brilhavam suavemente. Varzil inclinou-se para adicionar mais madeira na pilha incandescente. Sentindo-se ainda um pouco sonolento, ele indicou-lhe uma cadeira para se sentar e sentou em outra. Em Arilinn, homens e mulheres visitavam os aposentos uns dos outros livremente. No trabalho nos círculos o celibato periódico para ambos os sexos era uma consequência do trabalho, mas não uma obrigação, e assumiu-se que cada adulto era perfeitamente capaz de gerir suas atitudes nesses assuntos sem necessitar da fiscalização de terceiros. Mas, sentado ali em seus trajes de dormir com Felicia em frente, com sua postura ereta e comportamento sério, com as mãos cuidadosamente dobradas em seu colo, sentiu um aperto no peito. Com um sorriso interior triste, ele se perguntou se eles não deveriam ter um acompanhante por perto. -Posso oferecer-lhe vinho? Um Kyrri para acompanhar alguns pedaços de Jaco quentes! -Eu tenho um favor para lhe pedir. - Ela começou. Sua voz, embora firme, estava mais baixa do que o timbre habitual no cotidiano. -Claro que... – Ele começou usando a voz telepática, mas foi interrompido por ela. -Não. - Ela balançou a cabeça, insistindo em palavras. -É complicado. Ouça-me. -Tudo bem. - Ele disse em voz alta, recostando-se na cadeira para indicar que ela deveria prosseguir em seu próprio caminho e ritmo. -Esta noite foi a minha vez de entrar em contato com as Hellers, - ela começou. -Eu recebi notícias de suma importância dos contatos mais pessoais que tenho em Hali. A Rainha Taniquel Hastur morreu. Varzil piscou. -A Rainha Taniquel? A lendária rainha imortalizada nas baladas? Eu não sabia que ela ainda estava viva. Esses trágicos acontecimentos foram apenas a uma geração antes, mas o glamour da lenda fez com que parecessem ter acontecido a muito mais tempo. Felicia sorriu, um pouco tristemente. -Ela não morreu, apesar de ter desejado isso muitas vezes. Depois de tudo o que aconteceu, ela retirou-se da vida pública. Varzil esperou ela continuar. Esta notícia claramente afetava Felicia mais profundamente do que afetaria o falecimento apenas de uma rainha famosa.


-Ela será enterrada em Hali junto com seus ilustres antepassados. Vai ser um acontecimento privado, mas terei que assistir. - Ela fez uma pausa, olhando para longe, em uma distância que só ela podia ver. O fogo crepitava e as luzes cintilantes iluminavam a suavidade de sua bochecha. Uma lágrima brilhava e ameaçava derramar-se no canto de um olho. Então, falando tão suavemente que ele mal pôde distinguir as palavras, ela disse. -Ela era minha mãe. Por um longo momento ele não pôde ter certeza de que ele tinha ouvido corretamente. Seu primeiro impulso foi o de suspeitar de uma referência metafórica, como quando se chamava a Cassilda Santíssima de mãe ou o Naotalba o Maldito como pai de alguém. De repente, ele compreendeu sua modéstia e sua insistência em provar a si mesma que era eficaz em tudo. Ele sorriu gentilmente. -Eu nunca soube muito sobre sua mãe, exceto como a heroína da canção. Lamento nunca ter tido esse privilégio. Ela suspirou e alguns minutos depois pôs-se ereta como se ferro tivesse moldado sua postura. -Há algo tão reconfortante em falar com você. Você é a única pessoa com quem podia contar com para não correr pelos corredores gritando a notícia. Eu prefiro que a minha filiação não seja do conhecimento geral, mesmo agora. Você pode, espero, entender o porquê. Ele a viu andando por uma rua em Hali, em Arilinn, viu as pessoas se aglomerando ao redor, gritando seu nome e, em seguida, "Taniquel! Rainha Taniquel!" estendendo a mão para ela com suas mãos, e não dez ou vinte, mas centenas, mãos e olhos gritando em todos os lugares, ela se virou. Ele viu os olhos brancos e tensos, assisti sua luta para manter suas barreiras de laran contra a adoração e o possível espancamento psíquico, a fome de um herói no povo. É impossível, pensou. Nenhum ser humano pode viver sob a sombra de uma lenda. Não a Rainha Taniquel. E nem você. Você tem sido assim nas ruas, - ela respondeu silenciosamente. - Você sabe quão desesperadamente essas pessoas querem alguém para salvá -las. E não apenas em Arilinn, mas em Dalereuth, em Temora ... em Thendara ... em todos os lugares. -Mais alguém sabe? Quem você realmente é? -Aqui? Só Auster e agora, você. Se eu fosse um homem, eu poderia viajar para Thendara e ninguém iria pedir o meu sobrenome. Infelizmente, não é esse o caso. Então Auster fez alguns arranjos para que eu possa ir como parte do séquito de Lady Liriel Hastur. Ela me conhece apenas como uma prima distante de um ramo menor da família, uma leronis de Arilinn. Liriel Hastur tinha ido para Tramontana neste último ano, emprestando o prestígio de sua posição como leronis para a Torre recém-reconstruída lá. Ela tinha chegado a Arilinn apenas 10 dias antes, em alguma missão privada na Cidade Oculta. -Então você vai viajar no disfarçada? -Oh! - Ela disse, com um pequeno gesto como se esta parte já fosse óbvia. -Eu vou ser sua assistente. -Mas você... está muito além dela.


Não é Felicia Hastur que irá acompanha-la, a que a supera em status da nobreza. Serei Felicia de Arilinn, Felicia Leynier. Nada mais. -Oh, mas ainda sim, a supera muito mais. -Não me lisonjeie! Varzil, ouviu. -Eu tenho estado por muito tempo sozinha com essa história de me esconder. Se meu irmão tivesse sobrevivido, eu teria tido algum consolo. Os poucos parentes Hastur’s que estão cientes da minha existência são estranhos para mim. - Ela fez uma pausa, os olhos baixos e piscando com força. - Esta será a coisa mais difícil que eu já tive que fazer... ficar no túmulo de minha mãe e não poder dizer nada como se eu nunca a tivesse conhecido. Varzil, já em harmonia com o coração de Felícia, pego uma onda de medo vindo dela. O funeral podia ser aberto a apenas a família e alguns amigos próximos escolhidos a dedo, mas era impossível disfarçar que era a Rainha Taniquel que estava sendo homenageada. Rumores surgiriam como flores silvestres após a última geada. O próprio conjunto de dignitários dos Hasturs levantariam perguntas. Lady Liriel poderia falar como convinha a um comynara e Hastur. Carolin também tinha o direito. Mas nada Felicia poderia fazer ou dizer que pudesse atrair a atenção para si própria como ela temia, como homenagear sua mãe, pois, por que uma desconhecida leronis, mesmo que remotamente relacionada, iria compartilhar desse privilégio? -Eu irei servi-la de qualquer maneira no que eu puder. - Disse ele. - Você gostaria que eu falasse algo para você? Por um momento, Felicia se retirou para dentro de si mesma. Então, ela tocou as costas de sua mão com a ponta dos dedos. -Sabe-se que você é um amigo pessoal de Carolin Hastur. Não seria impróprio para você ir a Thendara Você viria comigo, para que eu não ficasse sozinha...? Você pode fazer isso e manter o meu segredo...?? Por um longo momento seus olhos fixaram-se um no olhar do outro, numa comunhão sem palavras. Seus batimentos cardíacos ecoavam no do outro. -Considerando o número de senhores e reis em Darkover que sequer são famosos, muito ao contrário, parece-me um pedido bastante razoável que eu queira ver o enterro de alguém tão lendária. – Disse ele, forçando um tom mais claro. - Vai ser bom ver Carlo novamente, embora eu gostaria que fosse em circunstâncias mais felizes. Vou ter de pedir permissão de Auster, como meu Guardião. Ela assentiu com a cabeça. -Eu já fiz isso. Eu não o teria abordado sem a licença prévia de Auster. Varzil se perguntou como a Rainha Taniquel tinha sido, a pessoa real e não o material das lendas. Não parecia o tipo decoisa para se perguntar agora. No luto, como em todos os outros aspectos da vida, havia um tempo para que as palavras fluíssem e memória tornavase uma dádiva, e um tempo para ficar em silêncio. Varzil partiu como parte da comitiva de Liriel no dia seguinte. Eles viajaram juntos através das planícies de Arilinn e para as Colinas Venza. A partir dai, eles desceram para Thendara e suas belas planícies. Varzil lembrava de Liriel de sua temporada no Solstício de Inverno em Hali, altiva e reservada. Ela usava roupas comuns e de excelente qualidade, mas não havia dúvidas de que ela era uma leronis treinada numa Torre. Ela falou pouco com ele, e em seguida falou


principalmente com Felicia, tratando-a com impecável e distante cortesia. Além da saudação a Varzil com um aceno e um reconhecimento de sua posição, ela tinha pouco a dizer a ele. Sua reticência incomodava um pouco. Ela seria um colega de trabalho difícil quando eles deveriam encontrar-se sempre se estivesse na mesma Torre, com sua combinação da arrogância típica da maioria dos Hasturs e sua natureza reservada. Mas não havia maldade nela. Felicia muitas vezes andava ao lado de Varzil, sentando-se facilmente sobre o mesmo cavalo que ela tinha montado para chegar até Arilinn. Os guardas eram todos da própria Lady Liriel e a acompanhavam desde Tramontana. À medida que os dias se estendiam, Felicia começou a falar sobre sua mãe. -Eu nasci em Acosta e passei minha infância lá, - Ela disse em uma voz tão baixa que só Varzil podia ouvir. - depois da destruição das duas Torres, como você sabe Tramontana e Neskaya. Meus pais abriram sua casa para os sobreviventes. Aran, que tinha sido o amigo mais querido de meu pai, ficou conosco por mais tempo. Ele me ensinou a andar quando eu era muito pequena, ele ria muito. Então ele parou de rir. Depois disso, meu pai morreu. Eu devia ter uns oito ou nove anos, então eu não lembro muito. Minha mãe nunca mais foi a mesma. Depois que meu irmão, Julian, morreu da doença do limiar, ela me tirou de Acosta. Deve ter sido muito doloroso para ela, abandonar o lugar com todas aquelas memórias. Mas eu não sei. Ela nunca se abriu comigo sobre isso. Ela ficou em silêncio, olhando para longe sem nada ver. Sua mente, geralmente tão clara como uma mola em execução, tornou-se opaca. Depois de um tempo, ela voltou para si mesma. Ela voltou a falar de sua infância, dos pesadelos que a atormentavam. -... E quando eu acordava assustada daqueles sonhos, ela cantava para que eu voltasse a dormir, não importa o quão cansada ou triste que ela se sentisse. Eu sempre soube que eu estava segura em seus braços ... E quando chegou a hora, ela abençoou minha saída, de modo que eu nunca pudesse me arrepender de minhas próprias escolhas ou ter medo de seguir o meu próprio destino. Eu acho que o maior presente que ela me deu foi a ausência de sua sombra. Uma vez ele perguntou sobre o pai dela e ela balançou a cabeça. -Seu presente para mim foi o seu nome, para que eu pudesse viver no mundo como uma pessoa comum. -Leynier? -Sim, Coryn Leynier. -O Coryn?! O Coryn de Coryn e Taniquel!? -Sim. Eu nunca soube se deveria amá-lo pela vida que ele me deu ou odiá-lo por atirar minha mãe à distância com a sua morte. - Ela disse suavemente. - Tudo o que sei é que eu quero viver minha própria vida, para ser Felicia, eu mesma, e não um eco de uma lenda nem um sacrifício. Ele cutucou seu cavalo mais perto dela, para que ele pudesse pegar com sua mão livre no punho dela que segurava a sela. Seus dedos, suaves através das luvas finas, fechadavam-se em torno dele. -Há muito pouco já pré-determinado neste nosso mundo, exceto a morte e a neve do próximo inverno. - Disse ele. -Mas, enquanto eu tiver a respiração e a mente intactos, você será apenas Felicia para mim.


CAPÍTULO 24 A rhu fead em Hali, lugar mais sagrado do Comyn, não levava nem uma hora de passeio ao norte de Thendara. A névoa branca e alta das primeiras horas da manhã se transformou numa garoa intermitente, como se o céu não soubesse se queria fazer chover ou não. Os cavalos sacudiram gotas de água de seus ouvidos e arrastavam-se mais lentamente. Felicia, assim como Liriel, usava um traje formal monótono da manhã, mas as cores suaves só serviram para aumentar a sua dignidade e beleza. Ela foi com a face velada numa nuvem de gaze preto obscurecendo suas feições. Embora ela se mantivesse mais centrada em si mesma e falasse pouco, sua mente tocou a de Varzil de vez em quando. Ela não perguntava nada a ele, apenas mostrava sua presença. O cortejo de funeral foi pequeno, muito menor do que convinha a uma rainha Hastur. Carolin chegou com um único atendente, mas nenhum outro membro da família governante. Havia poucas pessoas que Varzil não conhecia, incluindo um parente idoso, um senhor de Elhalyn, que falou pouco, mas chorou silenciosamente. O corpo de Taniquel Hastur-Acosta foi colocado para descansar em uma cova sem marcação, de acordo com o costume. Aqui ela iria se juntar às inúmeras gerações do Comyn, com seu lugar de descanso indistinguíveis, exceto por um ligeiro amontoado de terra que iria desaparecer em poucas estações. Liriel Hastur caminhou lentamente para a sepultura aberta. -Não falo só por mim, mas por Lady Bronwyn Hastur, que conhecia e a amava. Ela disse: “A voz de Uriel se quebrou, embora ela tenha recuperado rapidamente sua compostura. Todos os dons da mente, o laran em si, nada valiam sem um coração generoso e um espírito nobre. E isso a Rainha Taniquel tinha de sobra.” Quando ela terminou a mensagem com a frase formal, “Deixe que a memória alivie a dor”, seus ombros cederam. Um por um, os outros tomaram seu lugar. Cada um tinha alguma memória pessoal da Rainha Taniquel para oferecer, não a imagem lendária, mas a mulher, humana, falível e amada. Qualquer um de nós pode pedir mais do que ser lembrado como assim no final da vida? Varzil se perguntou. Sem uma intenção consciente, ele se adiantou para ficar ao lado da sepultura de Taniquel. -Eu nunca tive o privilégio de conhecê-la, mas ela tocou minha alma. Ao ser lembrada aqui, pelas pessoas que sabiam quem ela era pessoalmente, ela me deu o conhecimento de que dentro de cada lenda existe uma pessoa comum que se viu confrontado com dificuldades extraordinárias e venceu todas elas. Como o mundo e a história irá nos ver é muito diferente da forma como vemos a nós mesmos. Em sua memória, lembro-me que não é a fama, mas a verdade interior que nos faz quem somos. Deixe que a memória alivie o pesar. Deu alguns passos para trás para postar-se ao lado de Felicia. Seus olhos, verdes como a primavera, como o mar que nunca tinha visto, reuniu-se ao seu próprio coração. Sua mente estendeu a mão para a dela e por um momento, trêmulo, não havia separação, nenhuma diferença entre eles. Em seguida, os sons do cortejo do funeral ergueram-se.


-Perdoe-me se eu fui rude na forma de olhar para você. - Disse ele, estendendo o braço para ela tomar. -Não houve nem mesmo um lapso na sua cortesia. - Ela colocou seus dedos em sua manga de forma tão leve que ele sentia como se fosse a pressão de uma pluma. - Não se preocupe bredin. - Ela usou o plural da palavra que tanto podia significar irmão como também amado. Já não temos nos falado de mente para mente? - Perguntou ela. - E como se não bastasse, não há momentos em que temos estado na união de uma única mente? Ele sufocou a resposta por que Carolin tinha se aproximado dele. Com um aceno de cabeça, Felicia deixou-os e foi caminhar na sombra de Liriel. -Meu amigo, - Carolin disse - eu não posso voltar com você para Thendara, mas eu gostaria muito de marcar uma entrevista adequada. Eu espero que você não precise voltar imediatamente para Arillin. -Eu não estou esperado de volta em Arilinn por algum tempo. - Varzil disse. - Não podemos retornar imediatamente, pois mesmo com novas montarias, as senhoras precisam descansar. Ele não acrescentou que Felicia tinha negócios a realizar sobre a propriedade de sua mãe. -A pelo menos 10 dias ou mais foi que soubemos de Liriel. - Disse Carolin. - Os tempos mudaram muito desde que podíamos enviar um carro aéreo para esse alguns lugares. -Serrais já foi reservado apenas para uso militar. - Disse Varzil. – O campo de pouso de Arilinn está fechado agora, você sabia? -Sim, nós já tínhamos ouvido. Eles caminharam juntos em direção a área onde os servos seguraram as rédeas de suas montarias. Carolin disse: -Se você tiver tempo, talvez você possa ir comigo para Lago Azul. É a propriedade rural onde fui criado. Eu tenho negócios lá e eu lhe daria boas-vindas sem pressa para a viagem de retorno. Já se passaram muitos anos desde que estivemos juntos em Arilinn.

Voltando ao Castelo Hastur, Carolin foi primeiro para a câmara de seu tio. Rakhal lá, sentado do outro lado da linda mesa de jogo posta, com algumas peças do jogo de castelos espalhadas. Rakhal estava jogando e claramente perdendo de propósito, prolongando o jogo para manter o rei divertindo-se. O Rei Felix olhou para cima. A luz do fim da tarde caiu em suas feições pálidas com seus olhos incolores e transformando seu rosto em uma miríade de pequenos vincos. -Sente-se, meu filho. Carolin sentou-se, trocaram algumas brincadeiras e entregue algumas questões de Lady Liriel, como ela havia pedido. O rei lembrou-se pouco dos negócios da manhã, e soube que o funeral tinha sido privado e tranquilo. Assim que ele poderia fazê-lo com o decoro, Carolin despediu-se. Ele passaria metade da noite organizando o trabalho do dia que ele havia posto de lado para ir ao funeral, isso sem mencionar esta entrevista longa e sem sentido com o rei. Lago Azul o chamava. Ele havia perdido sua simplicidade e liberdade no modo de viver. Ele desejava igualmente passar um tempo com Varzil.


Ele nunca havia perdido o senso de conexão com seu amigo, apesar de suas vidas terem tomado direções tão diferentes. Ele trabalhou muito à noite, parando apenas para um jantar privado em seus aposentos, juntamente com Alianora e seus dois meninos. Rafael, o mais velho, correu para ele com prazer. Alianora sentia-se tão realizada com o pequeno Alaric, se entendiam com uma facilidade que falava com ele com profundo afeto. Já tinha bastante tempo que ela tinha se mudado para seu próprio conjunto de salas, mas muitas vezes se reunia com Carolin em momentos como este. Carolin suspeitava que ela havia gasto tanto tempo no berçário dos meninos como na sua própria sala de estar. A maternidade tinha dado curvas arredondadas a Alianora e deu-lhe um ar de suave contentamento. Ela permaneceu reservada, uma pessoa essencialmente fechada. Apenas seus dois filhos, filhos saudáveis e mais outro a caminho, evocavam-lhe qualquer faísca de paixão. Ela não perguntou sobre o funeral, nem sobre qualquer um dos negócios de Carolin. Ele nunca poderia ter certeza se ela sentia que era impróprio que ela perguntasse ou simplesmente não tinha curiosidade. As crianças foram o suficiente para ela. Elas eram o que compreendia seu mundo inteiro. Carolin sentou-se na cadeira, terminando a última gota de sua única taça de vinho e observando sua considerada família. A paternidade o surpreendera. A memória da primeira vez que ele tinha carregado Rafael em seus braços ainda lhe trazia uma onda de ternura. Assistindo seu filho jogar na frente da lareira e Alaric nos braços de sua mãe, ele tentou gravar as suas imagens, suas faces, em sua mente. Fora do paraíso frágil destas paredes, perigos incalculáveis perseguiam seu mundo. Ele sabia que era tolice se tornar muito apegado às crianças que poderiam morrer de qualquer uma das centenas de causas, de febre do pulmão a doença do limiar, e, no caso de pequenos príncipes, agressão deliberada. Não, ele não pensaria nisso. Ele deveria continuar como se tudo estivesse bem, deveria manter o sonho de um mundo no qual as crianças como Rafael e Alaric não tinham necessidade de temer ser apreendidos como reféns, ter veneno dentro de seu leite, enfrentar exércitos hostis às suas portas ou o clingfire chovendo do céu. Neste pequeno mundo, o amor que fizeram brotar em seu coração era tão precioso... Ele pensou em outros tipos de amor também. O amor que ele tinha sentido por seus próprios pais... o amor por seus amigos, por Orain, Maura e Jandria... e por Varzil. Uma tristeza suave se apoderou dele. Sem dúvida que foi a influência dos acontecimentos do dia tão intensos, as emoções não expressas no funeral, o que foi dito e o que deixou-se de dizer. Ele tinha notado a maneira como Varzil olhava para Felicia Leynier, sentiu o momento de comunhão mental deles. Não demorou para que ele, também um telepata, percebesse que eles estavam apaixonados e, se não soubessem disso, saberiam muito em breve. Ele não diria nada sobre isso afinal algumas coisas não haviam sido discutidas entre eles. E, além disso, o que ele diria? Que ele estava feliz por seu amigo, que temia que tal aliança jamais pudesse terminar em alegria, que, contra todo o sentido lógico, uma parte secreta dele desejava poder ter conhecido um amor assim? -Você parece cansado, - disse Alianora - e é hora de levar os meninos para a cama. Vamos vê-lo novamente antes de sua partida para Lago Azul? Carolin despertou de sua melancolia. A mulher diante dele era sua legítima esposa di catenas, a mãe de seus filhos, que havia mantido a sua própria promessa de ser uma


esposa boa e obediente a ele. Como ele podia insultá-la por desejar que ela fosse outra pessoa? O mundo gira como deve e não como qualquer homem desejava que girasse, Carolin lembrou-se do velho provérbio. Ele era um príncipe leal, um marido fiel e um pai amoroso. Algum dia, como o rei, ele teria a chance de fazer mais.

Dois dias depois, Varzil e Carolin partiram a cavalo levando um chervine carregado com suprimentos pelas colinas Venza a caminho de Lago Azul. Carolin assegurou a Varzil que lá era realmente um lago e na maior parte do tempo era mesmo azul. Se o tempo clareasse, como parecia provável, eles fariam uma boa pesca. Eles permitiram que seus cavalos seguissem num ritmo fácil, calmo. A estrada calçada diminuiu e a terra surgiu mais íngreme e mais robusta. Primeiro Hali e depois Thendara, com todo o seu ruído e cor, ficaram para trás. Como as horas quando esticadas em dias de fácil convivência comumente fazem, companheiros de viagem se tornaram ainda mais unidos espiritualmente. Eles ficaram em simples, porém confortáveis abrigos de viagem que foram montados em cada dia de viagem ao longo das principais estradas da montanha. Sob a trégua estabelecida ninguém poderia sacar uma arma acima de outro num abrigo, não importa que causa alegue. Além disso, nenhum homem em seu juízo perfeito ousou se expor ao risco das tempestades fatais nas Colinas Venza apenas para matar alguém. Na tarde do quinto dia, as nuvens sumiram completamente. Pararam no topo de uma passagem para deixar os seus cavalos respirarem e descansarem um pouco. Acima deles, um falcão solitário pairava contra o céu. Varzil viu o que parecia ser uma sombra sobre as colinas distantes. Ele apontou para Carolin, para aquela hora do dia e localização estava tudo muito claro. -Sim, isso é uma recente queimadura clingfire. Veja como ela pára na rachadura da pedra? Varzil, procurando com laran mais do que com a visão, estremeceu. Agora que ele sabia o que era, ele sentia o cheiro através das ligas e reentrâncias da pedra. -Às vezes eu temo que você e eu não possamos por um fim a essas coisas. - Disse Carolin. -Eu rezo todos os dias para ambos estarmos errados sobre isso. Eu estou sempre dizendo a mim mesmo: “Espere. Seja paciente. Deixe que as coisas se desenvolvam em sua própria maneira e tempo”... Mas já estou me cansando disso. Eu imagino que você pense assim também. -Ás vezes me desanimo assim também, mas eu não vou desistir e você também não deveria. Só porque um bando de burros velhos não podem ver além de seus próprios narizes não significa que o resto de nós tem que viver dessa maneira. Eu tenho toda uma corte cheia deles para lidar todos os dias! Sem mencionar as pessoas velhas mentalmente de ambos os sexos que pensam que nada deve ser feito pela primeira vez! Varzil riu. Arilinn, também, tinha sua parcela de conservadores. Mas, enquanto algumas Torres foram mais prestigiadas durante a história por sua audácia, nenhuma eram menos propensa a experimentar do que Arilinn. Às vezes Barak, o Guardião mais jovem, agia como se preservar o passado fosse tão importante que lhe ofuscava quaisquer outras preocupações.


-Eu concordo, - disse Varzil. -Se é sua missão ou qualquer outra coisa, o fato é que não devemos desistir de tentar mudar as coisas para melhor. Talvez o que esteja errado é que, embora as pessoas sofram com a forma como as coisas são, elas ainda não tenham sofrido o suficiente. Eles temem tanto o que já existe eles não sabem mais que seus líderes são capazes de fazer muito pior. Carolin cutucou seu cavalo para baixo, soltando as rédeas para que o animal pudesse abaixar sua cabeça e definir o seu próprio equilíbrio. -Talvez a verdadeira mudança exija uma dose de desespero. Eu espero que não chegue a esse ponto. Eu não posso imaginar nada mais terrível do que o que aconteceu em Neskaya e Tramontana ou que tenha um efeito tão duradouro. A nova Torre em Tramontana serve unicamente aos Hastur’s. Não haverá escassez de fogo aderente quando a próxima guerra estourar. E se os rumores fora das Astúrias estiverem certos, isso não demorará a acontecer. Varzil sentiu a decepção na voz de seu amigo com a nova Torre em Tramontana que só tinha aumentado o potencial de destruição. -Algum dia, - disse ele, - quando eu for Guardião e você o rei, não teremos que fazer as coisas como elas sempre foram feitas. -Vamos reconstruir a Torre de Neskaya, - Carolin respondeu. -Não como mais uma fonte do terrível armamento à base do laran, mas como um símbolo de paz e esperança. Por minha honra, eu juro.

-Veja! – Carolin apontou. – Você pode ver o lago? Durante esta manhã eles desciam nas colinas formadas por pastagens e pedras roliças. Graciosos salgueiros que gostam de água alinhavam-se às muitas correntes. A terra em si cheirava com um doce frescor. Varzil viu um mansão oval azulada alastrando-se pela paisagem, como se o céu tivesse feito um líquido excepcionalmente azul e recolhido em pedras, gramados pontilhados com muitas árvores fazendo sombras, jardins com muros baixos de pedra e as linhas de um pequeno pomar. -Não é tão emocionante como a corte, mas foi um grande lugar para crescer e passar minha infância. - Disse Carolin. Varzil pensou em sua própria casa em Água Doce, a terra acidentada, os rebanhos de gado e cavalos. Em comparação, Lago Azul era uma propriedade principesca. Ele não tinha como sustenta-la, embora parecia que ele poderia facilmente fazê-lo. Enquanto desciam em direção ao rio e matas mais densas em ambos os lados, Varzil começou a ficar numa inquietude crescente. O dia estava lindo, os pássaros-vibrantes surgiam um ou outro nos ramos. Carolin falou sobre o lugar, compartilhando memórias de sua infância, o pequeno pônei que tinha sido sua primeira montaria, o cinto de couro vermelho que ele e Orain tinha brigado a golpes para ver de quem seria, o dia em que roubou guloseimas da cozinha sem ser pego e depois descobriu que o cozinheiro tinha deixado-os do lado de fora para ele mesmo... Varzil sentiu o brilho da felicidade através das palavras de Carolin.


Com um grito um pássaro-chuva bateu asas saindo do mato em frente a eles. O cavalo de Varzil bufou e empinou como se o pequeno pássaro fosse uma fada carnívora gigante caçando. Ele manteve-se em sua cela com muito esforço. Uma pequena fiscada tocou-lhe na espinha dorsal. - Qual o problema? – Carolin perguntou. Varzil balançou a cabeça, mas ele já estava examinando o céu onde podia ser visto. Com o rio brilhando por entre os arbustos, o ar estava pesado e úmido. Ele seria mais feliz uma vez que estivessem em campo aberto, embora não pudesse explicar o porquê. Esta não era uma mata selvagem. Não haveria lobos ou mateiros de emboscada. Este território era profundamente leal aos Hastur’s, eles tinham pouco a temer de um assalto à mão armada. A parte mais perigosa da viagem tinha sido a passagem através das Colinas Venza. Até memso estrada tinha sido pacífica e, até agora, Varzil se sentira perfeitamente à vontade. Acomodando-se novamente na sela, Varzil focou em seu laran. Ele tocou as correntes de ondulação do rio, a paz quase sonífera do verde dos bosques e ao redor da terra de pastagem. Pedaços de brilho mais animados, marcas das mentes surgiram... truta-prateada, raposa, coelho-de-chifre, o companheiro de assentamento do pássaro-chuva... Algo mecânico. . . a borda amarga e dura de um escudo com a pedra-da-estrela... Só mais um pouco e eu vou pegar você, escória Hastur . . . A brecha do pensamento arrastou através da mente de Varzil como uma marca fundida. Seu laran o colocou em estado de alerta. ...Carolin girando pelo ar, com as costas arqueadas, braços abertos, uma flor de sangue vermelho desdobrando-se em seu casaco azul e prata... Na frente dele, Carolin montou com facilidade, agora olhando para trás por cima do ombro. Sua égua negra balançou a cabeça, com as orelhas relaxadas e a cauda balançando para afastar uma mosca errante. Varzil apertou os calcanhares nos lados de seu cavalo. O animal avançou. Orelhas achatando contra seu crânio. Ele atacou a égua de Carolin com sua mente enquanto atiçava seu cavalo com seus calcanhares. Dentro de um passo ou dois, foi a galope e até mesmo uniu-se com a garupa do cavalo de Carolin. Varzil notou a expressão de espanto no rosto de Carolin com o movimento rápido como a égua preta e levantou a cabeça. A forma esbelta de uma lasca de metal prateado irrompeu no emaranhado de folhas e objetos deles. Se o cavalo de Varzil já não estivesse a galope, ele nunca teria chegado a tempo. O objeto atravessou o ar soltando um fino gemido. Varzil pegou seu manto e colocou-o na frente do objeto, ao mesmo tempo ele usou seu laran como se formasse um martelo de batalha e bateu no objeto com toda a força de que sua mente dispunha. Algo deve ter se quebrado dentro dele e ele caiu. A lã forrada do manto de Varzil retardou o progresso da lasca, mas acabou puxando-o de seu cavalo com o impacto. Ele caiu na estrada em um emaranhado de capa e pernas, mas ele sustentou a coisa embrulhada. -Aldones! - Carolin caiu no chão e correu. O impacto da queda de Varzil abalou a respiração dele e seu manto ficou retorcido para o lado ao redor de seus ombros, com o um punhado dele amontoado em suas mãos. Ele não se atreveu a afrouxar o aperto físico até ter certeza de que a coisa, o que quer que fosse, estava verdadeiramente inerte, desativada. Carolin pegou o pacote.


-Não, não o toque! Não é seguro! - Disse Varzil. Com sua mente, Varzil explorou o dispositivo. Ele cheirava a tecnologia de laran, vidro e metal, embora ele nunca tivesse encontrado algo assim antes. Ele tinha ouvido falar de pássaros mecânicos em que um laranzu poderia enviar a sua consciência através de grandes distâncias, semelhante à articulação dos pássaros-sentinelas, mas sem as suas limitações carnais. Este pequeno demais para tal tarefa. Ele percebeu, no entanto, que a coisa continha um toque do chip de estrelas. Varzil mandou Carolin ir para trás enquanto ele lentamente desembrulhava seu manto. O dardo reluzente tinha talvez o comprimento suficiente para ir a outro da barriga com sua ponta ligeiramente arredondada. Fios de metais correram em sua extensão para focar o equilíbrio e a orientação. Uma pequena pedra da estrela piscou na cabeça afilada como um olho malévolo. -Essa coisa...- Carolin começou. Varzil não respondeu, pois, com o som da voz de Carolin o dardo começou a vibrar. Ele apertou sua mão para segurá-la rapidamente. Ele sentiu mais do que ouviu um zumbido ameaçador fraco vindo de seu núcleo. A coisa mais sensata a fazer seria a de pegar algo sólido como uma rocha ou o cabo de um punhal, se houvesse um a mão, e esmagar a pedra da estrela. A coisa tinha sido destinada a Carolin e ainda podia ser mortal se ela perfurasse sua carne. Ainda assim, alguma coisa, talvez seu instinto, o deteve. Destruída a coisa levaria seus segredos com ela. Ele empurrou mais profundamente a coisa com sua mente. A pedra da estrela era um dispositivo de orientação, disso ele estava certo, mas ele fez mais. Num piscar de olhos, ele percebeu que um campo de energia mascarava o conteúdo do corpo do objeto. A barreira cedeu sob a sua sondagem determinada. Fogo aderente! Um monte do material que causava uma queima tão cáustica estava dentro de uma bolha de vidro frágil. Mesmo o mais leve impacto quebraria o recipiente libertando o seu conteúdo para a carne da sua vítima. Iria pegar fogo queimando órgãos vitais, músculos e ossos até que não houvesse mais nada para ser consumido. Nem água, nem o sufocamento com cobertores poderiam extingui-lo, e ele iria se espalhar em tudo que entrasse em contato com ele como um combustível. Seria uma morte em meio a gritos e tormento. Os homens conheciam o hábito de cortar a própria garganta em vez de suportar a dor de fogo aderente. A única esperança da vítima para sobreviver era cortar toda a carne em torno da área da queima. Varzil recuou com horror. O dardo foi projetado para colocar o fogo aderente profundamente dentro do corpo da vítima, dentro do carotin, o coração onde não haveria a menor esperança de resgate. Carolin inclinou-se sobre o ombro de Varzil. -É algum tipo de dispositivo de assassino. Eu só não reconheço o tipo exato. Houve um relatório de tais coisas ao Comyn na reunião do Conselho na última temporada. -Alguém está fazendo estas...coisas nas Torres? - A boca de Varzil encheu-se com bile. -Não nas Torres legitimamente, pelo menos nenhuma costuma admitir essas coisas. -Disse Carolin. Ele estendeu uma mão para o dardo que estremeceu ainda mais fortemente. Por reflexo, ele recuou. Seu rosto empalideceu.


-É formatado especialmente para mim. -Sim, e quem a enviou ainda está aqui ... nas proximidades. Varzil apertou seu mais ainda seu envólucro improvisado do dispositivo. Mesmo através das dobras de seu manto, ele sentiu seu tremor como uma doença no sangue. Não estava vivo, mas carregava a intenção de seu mestre. Com uma mão, Varzil libertou sua própria pedra da estrela e focou nele. Em instantes ele ofuscou o padrão vibratório do chip. O zumbido cessou embora a ligação com a mente que o guiava permaneceu. Quem mandou esta coisa iria acreditar que ele ainda estava ativo, pelo menos nos próximos minutos cruciais... Varzil lançou o seu sentido telepático como se fosse uma rede sobre as matas que os circundava. Ele sentiu a ligação com Carolin e usou a assinatura da personalidade de Carolin como uma ressonância, uma isca. O assassino estaria pensando em Carolin e isso seria seu fim. Lá, no mato ao lado do rio! Movendo-se silenciosamente, Varzil e Carolin se arrastaram ao longo da estrada. Carolin tirou a espada curta de sua bainha, lentamente, quase sem som. Varzil sentiu a mente do assassino, sabia exatamente onde o homem estava agachado. Além do próprio rio, havia apenas um caminho de fuga. Ele apontou para Carolin se posicionar lá. Varzil pegou a sua pequena adaga que usava em viagens e arrancou o chip de estrelas do dardo. O fogo aderente teria de ser eliminado mais tarde, preferencialmente em uma das Torres. Ele colocou o chip sobre uma pedra e, usando o punho de sua adaga, esmagou-o. Houve um ruído súbito na mata ao longo da margem, como um baque de um corpo. Varzil sentiu a mente do homem vacilar em estado de choque e surpresa, acompanhado de um grito. Carolin correu para frente. Varzil deixou o dardo, ainda envolto na sua capa, e abriu caminho para o rio. Um homem em um colete de couro desgastado pulava na água, espirrando e debnatendose descontroladamente. Seus movimentos eram descoordenados e a correnteza do rio era forte. Ele perdeu o equilíbrio e afundou ao mesmo tempo que Carolin pulava na água. Eles se debateu nas águas cada vez mais profundas. Carolin ergueu o outro homem na posição vertical, uma mão apertando a gola do homem, a outra segurando sua espada curta na garganta dele. Carolin cutucou o homem para que fosse em direção à margem, onde Varzil esperava. O homem lutou debatendo seus braços e pernas, mas ele não pôde resistir à força e golpes eficazes e experiêntes de Carolin. Carolin jogou o homem na margem rochosa do rio. Ofegante, o homem estava preso contra as plantas esmagadas e pedras com musgo. Varzil se ajoelhou e olhou atentamente para o homem. Olhos azuis brilharam em uma face de barba escura como pedaços de céu sem nuvens. A boca do homem tremia silenciosamente. Uma mistura de raiva e terror emanava dele. -Quem mandou você? – Carolin rosnou. – Onde você conseguiu isto? -Deixe-me fazer isso. - Varzil colocou uma mão no braço de Carolin. Ele não tinha o dom de Alton que criava um tipo de relacionamento forçado, mas ele poderia fazer muito mais do que Carolin, de mente para mente. Ele estendeu a mão com seu laran, apenas para se deparar com um escudo obscuro como nuvens retorcidas. Mas não seria difícil de penetrar, dada a situação de medo e confusão do homem.


O homem tinha laran suficiente para orientar o dardo assassino, mas ele não poderia tê-lo criado. Apesar do ódio que emanava da mente do homem, Varzil não achava que ele era o único a planejar o ataque. Ele trabalhava para alguém. Varzil pressionou mais profundamente na mente do homem e os escudos psíquicos começaram a ceder. -Não! Você não pode fazer uma armadilha com a minha mente desse jeito! O homem cuspiu no rosto de Varzil. Por um momento, Varzil ficou cego pela saliva do homem. Ele sentiu a raiva e choque de Carolin, ouviu a briga do homem lutando em seus pés, escorregando na lama, o raspar de couro e bota molhada sobre a rocha. No momento em que ele enxugou os olhos, Carolin tinha fixado o homem contra as raízes nodosas de um salgueiro antigo. O cheiro de lama remexida e o suor de medo impregnavam o ar. Varzil notou apenas um vislumbre dos olhos do homem, o instante de desespero que deixaram sua pele pálida. O corpo do homem enrijeceu, um lapso de agonia surgiu segundos antes que sua personalidade se desintegrasse, o homem tombou contra a árvore retorcido para um lado. O ângulo de sua cabeça pendendo e braços deslocados deu-lhe a aparência de uma boneca jogada descuidadamente de lado. Varzil não precisa tocar o homem para saber que ele estava morto. A ruptura súbita causada à distância da energia da vida do homem deixou um clamor desaparecendo, como um sino mal feito sendo atingido, tocou mais uma vez e, em seguida, desapareceu para sempre. A náusea subiu e cresceu na garganta de Varzil como um rio de líquido nocivo. Ele virou-se para a água para vomitar. -Bredu! - A voz de Carolin surgiu como se perfurasse aquelas ondas de uma doença da alma. -Estou bem. - Ele conseguiu dizer. - Estamos longe de Lago Azul? Preciso de um lugar seguro onde eu possa examinar este homem mais de perto. Temos que descobrir quem o enviou para matá-lo... e por quê.


CAPÍTULO 25 Varzil desejou que tivessem tido uma introdução melhor para a viagem deles ao Lago Azul. A casa e os jardins que ele tinha visto à distância criavam um ar de charme e tranquilidade. Era o lugar perfeito para uma criança ativa e imaginativa crescer, e, em anos posteriores, serviria como um santuário contra as intrigas costumeiras da corte. O coridom do Lago Azul e os servos que correram para fora com a chegada de Carolin olharam de boquiabertos para o corpo flácido depositado no animal de carga. Varzil poderia dizer, a partir da facilidade e rapidez com que as ordens de Carolin foram obedecidas, quão grandemente ele era amado por seus servos. Essas pessoas se lembravam dele como uma criança, um jovem. Nada que ele fizesse como um homem adulto poderia abalar sua confiança. Eles não precisava de explicações, embora deva ter sido incomum seu mestre chegar com um cadáver a tira colo. Varzil se recusou a realizar exame com o uso do seu laran dentro da casa, onde as pessoas viviam e dormiam, nem no celeiro com seus materiais inflamáveis. O pequeno edifício de paredes de pedra usado para processar cerveja e cidra revestido com prateleiras de garrafas, barris vazios e recipientes de vidro. O lugar cheirava a maçãs e seu chão era de terra batida e limpa. Um homem corpulento num avental de couro típico de ferreiro pegou o homem morto como se ele não pesasse mais do que uma sela de montaria vazia e levouo para dentro. Era uma questão simples de limpar uma das mesas de trabalho e colocar o cadáver em cima dela. Suas roupas e cabelos ainda estavam úmidos. Varzil abriu as persianas para permitir a entrada de mais luminosidade, feliz por não precisar de uma vela naquela situação. Carolin estava na porta. -Eu não gosto da ideia de deixar você aqui sozinho com ele. -É mais seguro desta forma. - Disse Varzil. Ele não queria acrescentar que qualquer distração, não importa quão ínfima, colocaria em risco sua própria vida, se não sua sanidade. - Vá e cumprimente o seu povo. Eu vou me juntar a vocês logo que possível. Quanto mais tempo eu demorar a começar o procedimento menos informação que poderei recuperar. E preciso me concentrar, pois devo procurar mais para dentro do Mundo Superior. . . Varzil pegou um dos bancos de três pernas para sentar-se com a cabeça próxima a do homem. Ele desembrulhou o dardo, agora inerte, e colocou-o onde ele pudesse facilmente alcançá-lo. O corpo do homem estava quase frio e já começava a endurecer. Seu rosto estava com uma cor púrpura por causa do sangue como efeito de ter sido virado para baixo na sela do chervine. Nada poderia ser lido em suas características físicas, não havia pistas sobre que tipo de personalidade e família ele tinha tido em vida. Suas mãos e antebraços carregavam um padrão de calos e cicatrizes típicos de um mercenário ou aventureiro. Ele não usava amuletos ou quaisquer jóias, nem mesmo haviam documentos de identificação dobrados em seu cinto. Varzil e Carolin tinham feito uma busca rápida na área ao redor do rio atrás de algum vestígio de um cavalo, mas não encontraram nada. O homem podia ter esperado lá por dias. Como Carolin tinha lembrado, ele não fez segredo sobre sua intenção de visitar o Lago Azul. Sua partida só tinha sido adiada alguns dias devido ao funeral.


Varzil tirou a sua pedra da estrela e segurou-a com as mãos em concha, fechando os olhos, ele concentrou sua atenção através da pedra. Dentro de alguns minutos, seu familiar calor pulsante espalhou-se através de sua mente. Ele colocou as pontas dos dedos no pulso exposto do homem, onde antes os batimentos pulsavam. A carne ainda mantinha a marca, um tipo de memório, do ritmo pulsante levando inexoravelmente ao coração do homem. Assim como um médico pode traçar os vasos físicos, agora Varzil usava os mesmos caminhos para seguir energia mental que havia habitado aquele homem agora morto. A decomposição carnal mal tinha começado já que o frio do rio tinha atrasado o seu aparecimento. Nodos e canais de energia do homem já tinham se desligado, mas sua estrutura ainda permanecia intacta. Varzil sabia que, algumas vezes, depois que uma pessoa morria repentinamente, o espírito permanecia próximo por algum tempo. Ele esperava que isso se aplicasse a este caso, mas agora, conforme ele ia mais fundo e mais longe ao longo do padrão de canais de energia, ele não sentia nenhum traço de uma consciência. Essa ausência absoluta lhe pareceu bastante incomum. O homem estava morto a algumas horas, é verdade... Mas mesmo numa morte natural e tranquila, ficava um traço da personalidade, alguma ligação ainda persistente à vida. A menos que... A menos que o homem já soubesse que iria morrer. A menos que já significasse que ele morreria nessa empreitada. Varzil se perguntou se ele não estava olhando para um dos assassinos da fábula de AlDaran em que implantava-se um comando suicida mental para ser usado caso a missão falahasse. Ele não tinha certeza se isso realmente existia ou se era um produto dos acontecimentos da Idade do Caos distorcidos em lendas. Coisas estranhas tinham sido provadas como verdadeiras. Varzil achou que este homem não poderia ser um deles. O homem dirigiu o dardo de fogo aderente dardo e morreu antes que pudesse ser ques questionado, mas ele não parecia hábil ou cruel o suficiente. Cuidadosamente, Varzil tocou o dardo. Ele havia sido feito por outras mãos. Um renegado da Torre ou um Dalereuth, talvez. Este homem tinha laran suficiente para guiá-lo para a um alvo, mas nada mais. Fechando os olhos novamente, Varzil entrou no Mundo Superior. Ele sempre tinha sentido essa transição do forma desorientadora, confusa, embora seus professores houvesse lhe assegurado que ele fez isso de forma mais suave do que a maioria. Agora ele estava em uma planície cinzenta com traços característicos onde havia uma luz imutável e difusa. O Mundo Superior era composto de um material mental, algo incomum ao mundo físico, sem nenhum componente terrestres conhecido. Como tal, este material mental poderia ser moldada pelo pensamento treinado. Agora Varzil focou-se formando um obelisco alto como se fosse um dedo apontando para o céu pálido. Em cada um dos seus quatro lados, ele visualizava uma imagem entalhada: a mansão no Lago Azul, um cavalo de pastagem, o antigo salgueiro banhado pelo rio, a espada de Carolin. Estes símbolos, imagens de coisas reais, criaria uma âncora no mundo real já que no Mundo Superios o tempo e o espaço perdiam todo o sentido. A forma que Varzil assumiu no Mundo Superior se assemelhava a seu corpo físico real. Como de costume, vestia seu manto solto que ele usava para o trabalho na Torre. Ele apertou sua pedra da estrela e usou para chamar o padrão do chip do dardo de fogo


aderente. Não era um padrão complicado, apenas uma matriz funcional básica. No entanto, porque o homem morto tinha sido, de alguma forma, ligado a ele, ressoou com sua personalidade. Trabalhando com cuidado, Varzil foi capaz de destrinchar a impressões da mente do homem morto. Algum instinto evitou que ele o chamasse diretamente. Varzil nunca se sentiu inteiramente seguro em ter relações com os mortos. Em vez disso, Varzil usou o rastreamento como um guia. Ele se virou lentamente em cada sentido, fazendo um círculo completo. Procurando pacientemente... Perto do fim do seu circuito, ele sentiu uma onda de cores invisíveis. Uma vez, no limite das Cidades Secas, vira distorções causadas por calor subindo acima da areia alisada pelo vento. Ele tinha visto água, mas Kevan disse que se tratava de uma miragem. Luzes cinzentas piscaram, acenando. Ele quis que se aproximar, conhecer a futilidade de tentar aproximar-se algo tão instável aqui no Mundo Superior. Mesmo as coisas que pareciam sólidas e imóveis podiam recuar tentadoramente apenas para ficar cada vez mais fora do alcance. Ele tinha ouvido contos de incautos que foram atrás de entes queridos falecidos, cada vez mais perdidos e desesperados, até que seus corpos físicos secaram apagaram sem suas almas, restando apenas as cascas vazias, seus corpos sem espírito. A torção de luz incolor-acinzentado estabilizou e separou-se em preto e branco. Varzil observava as imagens atentamente e esperou que mais detalhes a emergissem... formas de diamante em cima de uma faixa pendurada e além dele os contornos fantasmagóricos de uma parede. Um forte ou castelo, pensou ele... ou os restos de um. Sentiu que aquele mosaico de pedras e madeiras era mais como uma memória do que um sonho. Algo que já existia? Ele levantou a pedra da estrela ao nível dos olhos e olhou através dela na forma sombria. O castelo era sólido mesmo e também parecia maior. Um homem estava diante do portão de madeira vestindo o colete de couro surrado do assassino. Ele parecia muito com o homem que Varzil tinha visto no rio. Como se sentisse a presença de Varzil, ele virou-se para olhar para trás. A porta se abriu. O homem ergueu um punho e sacudiu-o na direção de Varzil. -Eu posso ter falhado, mas a causa ainda vive. Morte aos Hasturs! Nós seremos vingados! Varzil saltou para a frente, mas era tarde demais. O homem entrou na abertura e o portão se fechou em seguida. O castelo desapareceu instantaneamente. Ofegante e suado, Varzil percebeu-se de volta a si sentado no banco na cabana de Lago Azul sem nenhuma ideia do motivo que havia levado o assassino a atentar contra Carolin.

O coridom teve o cuidado de cuidar do corpo do assassino. Varzil sentou-se com Carolin por muito tempo durante a noite falando sobre o que tinha acontecido. Uma lareira tinha sido acessa na sala de estar confortavelmente, embora a noite estivesse amena. Os servos tinham feito grandes cumprimentos de boas-vindas a seu mestre, e ele tinha esperado a maior parte da noite para encontrar finalmente um momento de silêncio. Mesmo assim, Carolin teve de pedir gentilmente a esposa de um dos servos mais próximos conhecido desde sua juventude, de quem ele só se lembrava como um pequenino rapaz, para deixálos a sós para a conversar.


Carolin estava claramente certo de que o ataque fosse produto das ações de um louco. Varzil lutou contra sua preocupação crescente tentando não dizer “Alguém tentou matá-lo. Não é a primeira tentativa. Da próxima vez, eles poderiam ter sucesso.“ -Se você está suspeitando de Eduin, não vou ouvi-lo. - Carolin respondeu ao pensamento de Varzil. - O incidente com a pedra da estrela foi um acidente, um mal-entendido. Eu disse uma vez que ou duas que você ia ter que trabalhar com ele apesar de suas queixas e que eu não queria ser usado como o campo de batalha. - Ele sentou-se na enorme cadeira de estofados que claramente tinham visto dias melhores, lateralmente e inconscientemente traçando o padrão de bordado de castelos, heras, espadas e roseiras. Varzil inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. Deliberadamente ele evitou mencionar a queda no pomar em Arilinn. Tinha sido há muito tempo. Talvez, depois de tudo, Carolin estivesse certo sobre Eduin... -E sobre a bandeira em preto-e-branco? - Ele disse, incapaz de desistir completamente. -E as palavras “Nós seremos vingados”? Este ataque foi direcionado para você, o próximo Rei Hastur. Quem se sente tão lesado pela sua família? Quem abriga um ódio tão amargo e poderoso? -Deixa a desconfiança ir, Varzil, antes de nos conduzir tanto à loucura! - Carolin endireitou-se na cadeira. - Você não entende? Mesmo um rei que é amado tem inimigos. Uma coisa é ter um cuidado prudente, outra é ver malfeitores e ameaças em cada sombra. Se eu insistir em rastrear cada possível ameaça até o fim eu não faria mais nada nunca! -Carlo, se algo acontecesse com você... -Bredu. – Rápido como um relâmpago, Carolin pegou uma das mãos de Varzil entre as suas. Varzil que conhecia apenas os rudimentos básicos da esgrima e passou pouco tempo em lutando com outros homens, não tinha percebido o quão rápido ou poderoso o amigo era.- Você teria como me salvar ou tentar impedir que todas as catástrofes concebíveis acontecessem? - Disse Carolin. - A vida deve ser vivida em seus próprios termos e parte de ser um Hastur, muito ainda mais um rei, é o risco de vida permanente. Não é o mesmo que você enfrenta no círculo, - aqui ele fez uma careta engraçada que trouxe um sorriso aos lábios de Varzil – são outros, mas eu nasci e e fui treinado para enfrentar esses riscos. Não me peça para ser menos do que eu mesmo. Varzil captou o pensamento não dito. Como ele reagiria cada vez que Carolin tivesse que se juntar a um outro círculo ou conectar-se a uma das telas de matriz que tornavam possível o trabalho complexo e sofisticado, mas potencialmente arriscado psiquicamente, das Torres? Eu diria que esses riscos são necessários viver pelo bem maior. Eu não vivo minha vida murada de terrores imaginários. Eu não posso pedir ao meu amigo para fazer o que eu mesmo não faria. Cedendo, Varzil deslizou sua mão livre e colocou-a em cima da de Carolin. -Uma vez você disse que havia dois tipos de poder, o do mundo físico e o da Torre. Temo ter sido culpado da tentativa de julgar um pelo ponto de vista do outro. No entanto, devemos ter os dois poderes unidos se quisermos ter sucesso com o nosso sonho de uma nova Darkover.


CAPÍTULO 26 Apesar das dúvidas persistentes de Varzil, a viagem do Lago Azul até Hali e depois para Arilinn foi um dos momentos mais felizes de sua vida. Sem a urgência da viagem de ida ao funeral, ele e Felicia voltaram num ritmo mais vagaroso. Ele não falou da tentativa de assassinato nem de sua aventura no Mundo Superior, fatos que ainda pesavam bastante em seus pensamentos. Felicia já carregava seus próprios fardos e ele não iria acrescentar os dele. - Eu fiquei contente com a oportunidade de ver Lady Bronwyn novamente. - Felicia disse enquanto eles deixavam seus cavalos andar com as rédeas mais soltas. - Eu duvido que irei ter outra chance, ela é tão frágil. Em poucos anos, não haverá muita lembrança nela nem sobre meus pais. - Ela suspirou levemente, sem qualquer traço de autopiedade. - Ela jura que eu dei meus primeiros passos titubeando em seus braços. Ela olhou para ele com aqueles olhos verdes brilhantes. –Você sente falta de sua família? -Só de Dyannis e ela está em Hali agora, assim nos falamos regularmente entre as Hellers. - Ele respondeu. - Uma vez meu pai se comunicou comigo através de uma Torre, ele começou a se referir a mim como meu filho de Arilinn. Prefiro pensar que ele estava feliz em encontrar algum lugar para me colocar quando eu já estava prestes a fugir para evitar as obrigações sociais e o casamento arranjado. -Sim, isso é possível. - Disse ela. - Carolin se ofereceu para encontrar um bom marido para mim, mas eu acho que ele está aliviado com o quão veementemente que eu recusei. Varzil olhou para as pastagens inclinadas. Sentia-se absurdamente feliz com a recusa de Felicia ante um possível casamento. Ela era muito talentosa para se resignar com uma vida exclusivamente voltada a bebês, bordados e fantasias. Ele supôs que, sendo ela nedestra, isso representaria alguma dificuldade no arranjo mais apropriado de um casamento. Mas nas Torres isso não era um problema. Varzil pensou em Eduin que, apesa dos seus defeitos e do nascimento obscuro, tornou-se um hábil laranzu, um valioso trunfo para qualquer Torre. Eduin ainda não havia retornado para Arilinn de sua viagem para casa. Antes de Varzil e Felicia partirem para Hali tinha havido algumas especulações de que Eduin poderia querer transferir-se para outro Torre. Na verdade, na véspera da sua partida, uma mensagem tinha chegado ao longo das Hellers da Torre de Hali solicitando à Arilinn para que Eduin pudesse se juntar a eles. Nestes tempos incertos, poucos leronyn’s passaram a vida inteira na Torre em que haviam treinado desde o início. Alguns, como Eduin, encontravam um motivo ou outro para começar de novo. Outros, como Carolin, passam apenas por um curto período de tempo, uma única temporada ou alguns anos. Carlo... A memória do ataque no rio retornou. O homem do colete de couro parecia fanático em seu propósito, cuidadosamente preparado, armado com uma arma sofisticada em sintonia exclusiva com o laran de Carolin. Quem quer que tivesse planejado isso não seria dissuadido por uma única falha. Carolin poderia não ter tanta sorte da próxima vez. Varzil não podia deixar de pensar que ele tinha perdido alguma pista vital, não tinha processado as informações até o fim...


-Varzil, esse pensamento misterioso vem incomodando você durante toda a manhã. Disse Felicia com um traço de aspereza. – O que acontece com você? Ele percebeu que tinha vinha protegendo os pensamentos imperfeitamente e estava prestes a pedir desculpas quando a mente dela roçou a dele. Se vamos trabalhar juntos, não pode haver tais segredos não. Privacidade, certamente, mas nada que possa nos distrair e, assim, colocar todo o círculo em risco. Então posso falar, de Guardião para Guardiã. Pensou. Felicia estava certa. Trabalhar em um círculo era como viver sem pele. Certos assuntos normalmente não podiam ser ocultados por muito tempo sem atrapalhar o andamento do trabalho. Um pensamento podia ser mais poderoso do que uma atitude física e alguns temas ainda eram um tabu, o que aumentava seu perigo em ser ocultado sem alguém com quem se pudesse desabafar. Era dever de todo Guardião monitorar e assegurar que cada membro estava apto para o trabalho sem esses perigos. Falando de mente para mente, Varzil contou a Felicia o que tinha acontecido no caminho para a Lago Azul. Ela manteve os olhos baixos, com o olhar em algum lugar na direção das orelhas de seu cavalo, ouvindo atentamente. Uma ou duas vezes, ela levantou os olhos para ele e ele sentiu a turbulência atrás da aparente tranquilidade dela. -Este nosso mundo triste tem sempre mais de sua parcela de maldade a devolver. - Disse ela quando ele terminou. - No entanto, Carolin é um bom homem que não fez nada para merecer tal destino. Não, estes homens, sejam eles quem forem, caçaram-no pelo que ele é: um Hastur. – Felicia suspirou. - Imagine-os, Varzil, tão consumidos com a maldade das suas ações, a malícia obscura de seus pensamentos. Para nutrir um ódio assim parece estar mamando num escorpião-formiga. É a graça de Evanda que eu não seja assim! Varzil olhou para ela. Felicia sempre pareceu tão gentil, tão compassiva. No entanto, quem estava imune a chamada da justiça, dada uma causa forte o suficiente? Cada ser tinha a sua fraqueza e até mesmo a mais forte espada tinha seu ponto de ruptura. -Você está pensando na grande batalha das baladas? - Ele perguntou em voz alta. Aquela que conta a destruição das Torres de Neskaya e Tramontana? Ela balançou a cabeça. -Mesmo antes disso, o Rei Damian Deslucido havia conquistado Acosta e matou o Rei Padrik, que era um pai para o meu irmão Julian. Varzil sentiu a amargura em sua voz e sabia que não era só dela. Era algo que ela herdou junto com a cor de seu cabelo e a forma de suas mãos. Assim como ele tinha sido alimentado por uma suspeita doentia dos Hastur’s desde antes que ele sequer soubesse quem eles eram. -Eu tinha ouvido falar que a família foi extinta. - Disse Varzil. E, portanto, você está livre do fardo de odiá-los. -E eu sou. Mas minha mãe não era. Se algum por algum acaso sobreviveu, eu acredito que ela teria os caçado. Ela foi inflexível em que nenhum vestígio deles permanecem. É compreensível, é claro. Ela era muito jovem quando Acosta foi invadida. E grávida de Julian deve ter sido horrível ver seu marido cortado e depois ser priosioneira de um casamento forçado. Outra razão pela qual o pacto de Carlo ou algo parecido é tão importante.


-É algo que Carlo... Carolin Hastur e eu viemos conversando ao longo dos anos. - Disse Varzil. Ele hesitou em dizer mais, mas sob o estímulo suave da mente dela ele começou a falar de seus sonhos. Ele terminou com a promessa de reconstruir a Torre de Neskaya como um símbolo de esperança. -A esperança de uma nova Darkover, livre dessas guerras incessantes. - Ela murmurou. Eu rezo para que eu possa viver para ver tal tempo. Em um impulso, ele disse. Você vai vê-lo. Eu prometo. Você será parte de seu nascimento. Ela se afastou de seu toque mental, dando de ombros triste. Não me faça promessas vazias, Varzil Ridenow. Poderemos ser abençoados em nossos tempos, ou amaldiçoados, e nada que possamos fazer vai mudar a vontade dos deuses a este respeito.

Com um sentimento de profundo contentamento, Varzil entrou no laboratório da matriz e estudou os membros do Primeiro Círculo em Arilinn. Auster foi dando mais responsabilidades a ele como sub-Guardião, embora um homem mais velho fosse dirigir o trabalho desta noite. Varzil conhecia e amava cada pessoa no círculo, de Valentina Aillard até Gavin Elhalyn. Eles eram sua família, uma família de coração da maneira que o velho Dom Felix Ridenow e o Senhor Harald nunca poderiam ser. Eu encontrei o lugar a que eu pertenço. Felicia tinha se unido ao círculo esta noite. Desde que chegou a Arilinn ela esteve provando a Fidelis que ela tinha realmente se recuperado de sua febre do pulmão, vinha treinando com as matrizes de nível superior e tinha dominado o trabalho facilmente. Ela sentou-se no seu lugar ao redor da mesa baixa redonda, preparando-se calmamente para a tarefa que se seguiria. Esta noite, o laboratório tinha sido preparado para uma das tarefas mais exigentes, a refinação de matérias-primas para o fogo aderente. Varzil não estava feliz sobre como fazer a arma incendiária e tinha incitado Auster e os outros Guardiões a recusar. -Nós não somos filhos voluntariosos para escolher que trabalho achamos legal e iremos fazer. – Auster havia respondido. – A força de Arilinn está na nossa adesão e obediência à tradição, a essas técnicas que provaram-se eficazes ao longo dos séculos. A divergência e rebelião são o caminho certo para o desastre, e nosso mundo tem visto mais do que o suficiente de desastres nesta última geração. Eu não vou permitir outra catástrofe sob minha responsabilidade. No fim das contas, a palavra de Auster como Guardião era lei. Assim como um círculo não poderia funcionar como um conglomerado de talentos individuais, do mesmo modo a Torre não poderia vingar com vozes diferentes. Barak, Guardião do Segundo Círculo, fora ainda mais conservador. Agora Auster iria preparar o círculo coerente do laran do círculo, canalizado e amplificado através das enormes telas de matriz artificiais. Eles estavam trabalhando com uma matriz de sétimo nível, o que tecnicamente a necessidade de sete trabalhadores qualificados para


controlar a energia. Outras Torres poderiam usar seis em algumas ocasiões, mas Auster insistia em que as coisas deveriam ser feitas prudente e corretamente. Cerriana tomou seu lugar fora do círculo, vestindo a túnica branca de monitora. Os elementos básicos para o clingfire já haviam sido extraídos e estavam prontos em seus recipientes de vidro. O próximo passo era a destilação em alto calor. Às vezes, os recipientes de vidro explodiam vomitando pedaços de material queimando tudo. Mesmo com roupas de proteção, trabalhadores foram horrivelmente feridos algumas vezes. Recipientes de ferro ou aço que eram mais estáveis, porém mais vulneráveis a corrosão. Varzil, na sua qualidade de sub-Guardião, já tinha assegurado que a câmara fora blindada. Ele fez uma última verificação porque uma distração em um momento crucial poderia ser desastrosa, e em seguida instalou-se em seu banco. -Vamos começar. - Disse Auster. Como um, os membros do círculo estenderam mãos e mentes um para o outro. Varzil deslizou para a corrente familiar de energia mental quando cada pessoa voltou sua concentração para o Guardião. Com a confiança que nasce de décadas de experiência, Auster sintonizava as assinaturas psíquicas individuais em uma unidade harmoniosa. Quando ainda era um trabalhador comum no círculo, Varzil tinha alegremente aceito a perda da separação de individualidade sob o controle de seu Guardião, como uma nota em uma sinfonia harmoniosa, uma mudança de cor em um arco de luz dançante, uma gota de uma chuva constante em um rio calmo. No entanto, desde que ele tinha começado a treinar com seu Guardião algo havia mudado. O rigor implacável dos exercícios tinha alterado a sua consciência de modo que, embora parte dele flutuasse sereno e feliz nas redes de energia, outra parte permanecia consciente e separada. Conforme progrediu em habilidade ele passou a ser capaz de controlar e focar seu laran no círculo mantendo-se parte do mesmo, e, ainda assim, permanecer num estado de prontidão. Auster é um ímã de poder, brilhando como um sol ... Felicia... brilhante e brilhante... como a luz solar em aço novo ... Gavin... imóvel como uma rocha ... Valentina e Richardo... pilares de sustentação Lorens... ela ajudou a construir esta estrutura de matriz segurando o padrão em sua mente como um mapa... Do lado de fora do círculo, Varzil sentiu a presença sutil de Cerriana. Sua mente se mudou constantemente ao redor do círculo verificando cada pessoa, fazendo testes de respiração, de pulsação, do piscar rítmico dos olhos, da tensão nos músculos das costas e do pescoço, da temperatura do corpo... Onde quer que ela encontrasse algum desconforto, não importa quão pequeno, ela o aliviava. Mesmo algo tão trivial como uma cãibra na perna poderia estragar a perfeita concentração necessária para o trabalho no círculo. Por esta razão, monitores não se uniam ao círculo especificamente, mas mantinham-se distante de modo pudessem dedicar toda a sua atenção aos outros. Sutil e distante, Varzil sentiu um calor suave através da parte inferior das suas costas quando Cerriana relaxou os músculos ali. Lembrou-se de ir agradecê-la depois. Auster havia concluído o trabalho de preparar as mentes do círculo unindo-as. Os elementos brutos do fogo aderente em seus recipientes de vidro estavam prontos. Usando os cristais artificiais de matriz para amplificar o seu já potente laran, ele começou a fase seguinte, aumentando a temperatura para os níveis de destilação.


Varzil sentiu uma mudança quando Auster apertou seu controle. Este trabalho era duplamente perigoso, primeiro por causa do poder da estrutura da matriz, segundo pelos efeitos físicos do fogo aderente em si. Algo não estava certo. Varzil não sentia nenhuma perturbação na rede de energia, nenhuma discórdia nas ressonâncias psíquicas. Auster tinha feito esse trabalho muitas vezes. O círculo era mais do que capaz de gerenciar a matriz. Cerriana tinha tinha verificado todos cuidadosamente antes que eles começassem a trabalhar, se certificou de que nenhuma das mulheres estava perto de seu ciclo, ninguém estava cansado demais para as demandas do trabalho. O que, então? Perguntou ele. Cerriana? Não posso ver nada de errado, apenas o problema em seus próprios pensamentos. Esta foi uma maneira educada de dizer-lhe para concentrar-se e deixar o resto com ela. Tempo perdeu seu significado, seu sentido, momentos ou horas passaram-se enquanto o círculo continuou a derramar os seus pensamentos focados em direção a seu Guardião. O primeiro recipiente tornou-se mais quente. Os elementos mais voláteis começaram a evaporar e passar através do aparelho de destilação. Uma partícula, um fragmento de cada vez, o processo de separação e purificação continuou. O círculo terminou um vaso e começou o próximo. Através de seus olhos fechados, Varzil visualizou o material corrosivo como partículas vermelho-alaranjadas de incandescência, fundido, que possuía sua própria beleza estranha. As cores e os contornos dos recipientes vibratórios vacilaram na visão mental de Varzil. Quando ele tinha seis anos, ele havia caído do seu pônei e bateu a cabeça contra uma pedra. Seus olhos tinham fragmentado uma única imagem em três, cinco, uma dúzia, todas se empurrando sobre as outras de forma irregular. Sua enfermeira e seu pai o haviam proibido de andar por uma semana. Mas não havia nada de errado com seu crânio agora. Ele sentiu mais do que viu a primeira rachadura no tubo de destilação de paredes finas, por um segundo esperou, horrorizado, que o Auster reforçasse. O laran reunido do grupo era mais do que suficiente para estabilizar uma pequena falha e continuar a trabalhar. Em vez disso, o círculo vacilou, sua unidade desafinou. Fios de laços mentais soltaram-se livres, fustigados por ventos invisíveis. No início, apenas algumas, então mais e mais a cada batimento cardíaco. O círculo vacilou, rachou... Um grito mudo perfurou o círculo. Um grito que veio de Auster. Por puro instinto, Varzil arrancou seu foco da comunhão que ainda restava no círculo, com sua própria mente sentindo a dor do choque dessa ruptura repentina de vínculo, mas ele a ignorou. Com toda a sua força de vontade, ele mergulhou sua mente na mente de Auster... E encontrou o caos. Uma escuridão terrível tomando todos os padrões de consciência do Guardião, deixando-o uivando num vazio em sua própria mente. Pensamentos eram formados e, imediatamente, eram fraturados saindo em sílabas incoerentes, fragmentos de som, cor e sabor. O que era o fragmento da personalidade de Auster se debatia contra esse caos. Quanto mais Auster lutarava pelo controle, mais fracos e menos coerentes seus esforços se tornavam. Suas tentativas fracassadas de dar sentido a seus próprios pensamentos alimentava o pânico dentro dele. Varzil recuou, preso entre o horror e a paralisia. Como todo mundo, ele tinha treinado pela primeira vez como um monitor. Trabalhando nos círculos de cura, ele tinha tratado


feridas carnais e mentais, uma sequência de pesadelos, de loucuras ou dores demais para a sanidade, mas nunca estas feridas abertas, psíquicas e físicas, nunca uma confusão entorpecente como esta. Momentos preciosos se passavam. Um novo padrão, um impasse, surgiu na visão de Auster. O dano, as lacunas, pararam de se espalhar e seu movimento tornou-se mais lento. Os próprios pensamentos de Auster reforçaram-se, embora ainda permanecessem à beira do desespero. Auster! Eu ... eu não sei o que aconteceu. Imagens de uma luz brilhante inundaram a consciência de Auster, ecos irregulares surgiram por trás de seus olhos. Ele olhou para fora, em cima de um círculo de pessoas de branco, sabendo que ele deveria reconhecê-los. De um lado, uma mulher em um vestido branco de pé, cabelo solto com um véu sobre o rosto sem sangue. Varzil! - Viera o grito mental, angustiado de Cerriana. - Você tem que fazer alguma coisa! Ele vai quebrar o círculo! O que há de errado com ele? Acidente vascular encefálico . . . temos de limpar os vasos sanguíneos para o cérebro. . . se houver sangramento dentro do crânio ... Varzil aprofundou sua ligação com Cerriana e juntos eles deslocaram seu laran para o nível físico. Cerriana traçou a rede de artérias ramificadas no cérebro de Auster e as estreitou. Em muitos lugares os vasos de revestimento normalmente lisos estavam agora grossos e enrugados. Em outros Varzil viu caminhos tortuosos em vez das normais curvas suaves. Lá! Onde Cerriana indicava havia uma sobreposição de energia pulsante vermelha e congestionada, envolta sobre si mesma numa escuridão. Ali uma artéria retorcida fragmentou-se em dois ramos menores. Travados numa abertura estreita, pedaços do que parecia um tecido desfiado enroscou-se com coágulos cor de ferrugem e placas de gordura. Além dela, as células do cérebro pestanejavam em seu trabalho antes habitual. Uma das paredes da maior artéria, enfraquecida pela pressão e com cicatrizes em camadas, tinha rompido. E ainda havia o sangue pressionando os tecidos nervosos tão delicados. Com horror, Varzil percebeu que a hemorragia estava perigosamente perto dos centros de laran do cérebro de Auster. Varzil focou no padrão celular e membranas. Trabalhando tão rapidamente quanto ele ousou, reforçou e estimulou as células fibrosas para devolver a fluidez da artéria. Este processo foi conduzido a um ritmo muito acelerado pela energia mental de Varzil. Assim que a violação foi selada para impedir qualquer novo sangramento, Varzil começou a reabsorver o sangue coagulado pressionando o tecido cerebral de Auster. Ele trabalhou com células livres do emaranhado de fibras e enviou uma inundação de células e fluídos para levar resíduos nocivos e devolver os nutrientes. O trabalho não era muito diferente de curar tecidos danificados por congelamento ou gangrena, mas aqui ele estava trabalhando dentro do cérebro de um homem. Não qualquer homem, mas um amigo e mestre, um Guardião. Um homem podia viver sem um dedo do pé ou até mesmo um pé, mas, para qualquer um dotado com laran a perda desse dom seria muito mais devastador do que qualquer amputação física. E um


Guardião então... Como novato, Varzil tinha ouvido histórias, sussurradas quando os seus professores não podiam ouvir, de leronyn’s que tinham preferido perder suas próprias vidas ao invés de viver como aleijados psíquicos. O tempo passou com uma dolorosa lentidão enquanto Varzil reconstruía e desmaranhava célula por célula. Ele não se atrevia a ir mais rápido para evitar o risco de iniciar o sangramento novo. A pressão esmagadora sobre o cérebro diminuiu. Como brasas que saltam para a vida em um vento refrescante, as células se recuperaram. Se ele estivesse completamente em seu corpo físico, Varzil teria chorado de alívio, tensão e alegria. Cerriana, entretanto, tinha restaurado o fluxo de sangue dentro da artéria. Ela não pôde simplesmente vazar o coágulo, para que não criasse e tivesse que cuidar de inúmeros vasos menores em decorrência desse vazamento mais tarde. Em vez disso ela focou abaixo do nível das células, mudando a energia nas particular ainda menores e mais elementares. O material se tornou mais mole, líquido, então ela filtrou cada pequenino fragmento, deixando que passasse apenas os fragmentos menores que as células do sangue, fazendo com que o fluxo, o pequeno filete de sangue fosse mais forte e saudável a cada momento. Um grande alívio surgiu em Varzil quando percebeu que Auster iria sobreviver. Já nas últimas ressonâncias do tratamento de Varzil e Cerriana a dor desapareceu. Auster havia recuperado o estado de alerta o suficiente para permanecer em silêncio e cooperar com a cura. Ele se recuperar o suficiente para ter mais alguns anos de trabalho ativo. Trabalho... O círculo! Varzil tinha ficado tão preocupado, tão desesperadamente focado em salvar a vida de Auster que tinha bloqueado todo o resto de sua mente. O fogo aderente!


CAPÍTULO 27 Em um flash de raciocínio, Varzil estendeu seu laran para o círculo. Os laços psíquicos pareciam-se com um navio com rachaduras e fraturas nas mentes desgastadas pelo trabalho árduo. Mas, milagrosamente, o círculo se refez e executava a tarefa com louvor. O fogo aderente acalmou-se na mesa de trabalho com segurança e contido. O círculo não era mais uma tapeçaria de energias mentais modeladas pela técnica de e a assinatura de Auster. Em vez disso, tinha sido transformado em uma esfera de iridescência tênue que trazia a marca inconfundível do laran de Felicia. Mas não era possível! Desde seus primeiros dias em Arilinn, Varzil tinha sido ensinado que as mulheres simplesmente não têm a força para fazer o trabalho de uma Guardiã, que elas não tinham a habilidade psíquica para produzir uma unidade coordenada das mentes diferentes, para se concentrar e canalizar essas imensas energias à tarefa designada. No entanto, o círculo tinha realizado a tarefa heroicamente. E havia realizado sob o controle de Felicia. Felicia, uma mulher, tinha assumido o controle como um hábil Guardião teria feito, contra todas as limitações de seu sexo, contrária a toda uma tradição. Ela estava nos limites da suas habilidades e forças, segurando um círculo de apenas cinco mentes ligadas através de uma matriz de sétimo nível. Nenhum Guardião na memória da história tinha feito uma coisa dessas. A menor distração poderia fragmentar a unidade frágil. Ele precisava fazer alguma coisa. Se ele forçasse seu caminho para dentro do círculo, ele iria aumentar o seu número para seis. Ele tinha conhecimento suficiente como Guardião para assumir o papel centripolar e estabilizar essa nova configuração. Assim que este pensamento surgiu, ele também soube que era impossível. O círculo agora pertencia à Felicia, tão unidos e fortes como se ela os houvesse coordenado desde o início. Ela havia desenrolado e unidos os fios de laran e remodelou-os em seu próprio percurso. Varzil não conseguiria simplesmente entrar na posição dela. Ele teria que reconstruir o círculo completamente para tanto. Isso levava tempo, apenas alguns instantes, mas um tempo que ele não tinha. Na brecha caótica, ele correria o risco de danos a todo o círculo, não só algo súbito, a dissolução psíquica despreparada, mas o risco do fogo aderente ser liberado do controle. Em seu atual estado meio processado, com o recipiente rachado mantido intacto apenas por forças de laran, poderia pegar fogo ou explodir ao menor descuido. Entre um batimento cardíaco e outro, ele soube o que ele deveria fazer. Levaria cada fração de habilidade que ele tinha. Toda a sua formação como sub-Guardião estava focada em como controlar as mentes coletivas do círculo e não em como submergir-se na personalidade do outro. No entanto, isso era exatamente o que ele deveria fazer. Lutando contra seus instintos, Varzil abriu-se para a mente de Felicia. Ele não podia simplesmente impor seu próprio padrão em cima dela. Ele sentiu como se estivesse deslizando através de camadas de névoa iridescente, como passar através do Véu da Torre Arilinn. O frio de uma noite de primavera alternado com o beijo de sol de outono. Um perfume passou através dele, ora o cheiro de terra molhada mexendo com brotos verdes, ora o peso do grão pronto para a colheita, ora o frio metálico


de neve iminente. Cheiro, temperatura, cor... o padrão não estava em nenhum fator individual, mas no ritmo de sua mudança. Ele sentiu os outros não como mentes diferentes, mas como uma mistura de elementos congruentes. De alguma forma, Felicia provocou uma tensão ressonante em cada um e catalisou uma harmonia que já existia, de modo que suas energias ampliaram um ao outro, crescendo naturalmente de acordo com sua orientação. Deixe o sol ser quente e a sombra ser fria, o vermelho ser mais vermelho e o verde seja mais verde, o pensamento veio a ele. Ele não precisava forçar qualquer tipo de mudança, apenas dobrar sua vontade para as coisas que são exatamente como eram. Felicia mudou as energias para incluir Varzil. Seu controle foi grosseiro devido a inexperiência, mas seguro de si. Felicia sabia exatamente o que estava fazendo, apesar de nunca ter feito aquilo antes, os padrões de energia mental faziam sentido de forma profunda, intuitiva. Ela juntou-se ao laran focado, intensificada pela matriz e preencheu a fenda no vidro com o clingfire. Uma onda de triunfo espalhou-se através das mentes unidas do círculo. Auster gemeu, um gemido sem som, sem palavras e baixo. Varzil ficou instantaneamente alerta e sentiu os outros no círculo fazerem o mesmo. Auster não era um estranho, ele não poderia ter afetado sua concentração dessa forma, mas, ao longo dos anos, cada um deles teve a sua mente sob a manutenção de Auster e as raízes dessa profunda sinergia permanecia forte. Um por um, eles saíram do círculo. Um momento atrás, Varzil quase não tinha tido conhecimento psicológico do mundo ao redor nem mesmo de seus dons psíquicos. Agora o ar estava parado e frio, uma náusea percorreu através dele. Ele deu um suspiro trêmulo. A câmara explodiu em movimento e som, o farfalhar de roupa, um suspiro, uma exclamação murmurada. Gavin e Lorenz correram para o lado de Auster. Valentina ficou de pé, derrubando seu banco, então vacilou e caiu nos braços de Richardo. Ao lado da porta, Cerriana se inclinou sobre o amortecedor telepático. Fidelis! Venha depressa! Auster teve um derrame! Varzil chamou silenciosamente. Quão ruim? Veio a resposta abafada. Cerriana e eu estabilizamos ele. Ele está fraco, mas acordado. Eu não acho que ele possa andar por conta própria. E o circulo? O resto de nós estão muito bem. Passos soaram na escada abaixo. Fidelis entrou na câmara, o cabelo bagunçado, ainda em sua roupa casual. Auster protestou fracamente enquanto Fidelis se inclinava sobre ele. -Fique quieto, velho amigo. Vamos fazer o nosso trabalho. - Fidelis murmurou. Cerriana contou o que tinha sido feito, utilizando a voz, em vez de se comunicar com laran para evitar distraí-lo. -Eu acho que devemos tirá-lo daqui. Está muito frio e ele poderia entrar facilmente em choque. -Eu estou bem, - Auster resmungou, mal pronunciando as palavras. -Apenas cansado. O que é toda essa confusão? -Você teve um acidente vascular cerebral. - Disse Fidelis. Gavin, Lorenz, formem uma cadeira para levá-lo até a enfermaria.


Enquanto eles tiravam Auster da sala, Varzil avaliou rapidamente o que mais precisava ser feito. O fogo aderente estava seguro o suficiente agora e podia ficar onde estava por enquanto. A enorme matriz ainda cantarolava com o poder. Valentina estava se recuperando do desmaio, o que todos precisavam era de comida quente e descanso, nada mais. Richardo iria ajudá-la lá em baixo. Apenas Felicia não se moveu de seu lugar na mesa. Seu rosto estava muito pálido, seu peito subindo e descendo como as asas em vibração de um pássaro. Ela olhava para a frente. Varzil se ajoelhou ao lado dela e pegou uma de suas mãos entre as suas. Os dedos finos estavam rígidos, quase congelados. Ela não respondeu. Felicia. . . Sem pensar, ele a tomou em seus braços, envolvendo-a em corpo, bem como em mente. Por um instante, ela relaxou em contato com ele. Está tudo bem ... Eu estou aqui. - Ele disse a ela. Ela se moveu, afastando. -Por favor, não se preocupe comigo. O contato psíquico desapareceu quando ela se afastou. Barreiras, finas e irregulares, levantaram-se em sua mente. Ela manteve o olhar abatido. -Não se mexa. E depois... o que fez? -O que eu... eu não sei... Auster... ele estava doente... e o círculo... o fogo aderente... Felicia levantou, lutando com seus pés e apoiada na parede. Tremendo visivelmente, ela colocou os braços ao redor de seu corpo. Sua respiração veio em suspiros. -Não, eu não fiz... eu não poderia ter feito... Os olhos ficaram com bordas esbranquiçadas, opacos. -Foi..você - ela gaguejou. - Você é um sub-Guardião treinado. Você concertou, o frasco, você manteve o círculo unido. É isso que é a maneira certa de acontecer... deve ter sido você... -Felicia, pare! - Varzil agarrou seus ombros. O contato físico sacudiu a energia de ambos. As palavras dela desabaram junto com os pedaços de suas barreiras. Eles tinham sido tão estreitamente ligados no círculo, suas mentes tão finamente sintonizadas, que agora o relacionamento permanecia. Em alguns aspectos, ela era tão diferente dele como ele poderia imaginar. Cada um deles tinha sua própria história, privada e oculta, que nenhum outro jamais poderia partilhar plenamente. Mas em outras maneiras, abraçando sua mente era como olhar em um espelho. Por fim, Varzil percebeu seu tremor, que mais uma vez se atingia a ela. As pontas de seus dedos pressionando os músculos de seus braços. Respondedo à sua pergunta mental, ela apenas murmurou -Eu estou com frio... E com fome. Mas eu não quero ir para baixo e ficar entre os outros. -Vou trazer-lhe uma refeição no seu quarto. Felicia suspirou e assentiu. Ele a ajudou a descer as escadas, estabilizando-a quando seu equilíbrio vacilou. No momento em que eles chegaram na câmara de Felicia na seção das mulheres, Varzil percebeu que também estava tremendo de fome e exaustão e Felicia mal podia falar. Ela afundou-se em sua cama. As colchas eram grossas e decoradas com apliques em um padrão que delineava a Árvore da Vida, aves com suas asas de cetim e aninhadas nos ramos


de retalhos. Após um momento, Varzil atiçou as brasas na lareira e acrescentou mais gravetos. Quando ele saiu da câmara a temperatura da sala estava subindo perceptivelmente. Quando Varzil votlou encontrou Felicia envolta nas colchas, com uma pequena mesa dobrável que ela havia colocado de fácil acesso. Ele colocou a bandeja com o seu copo de preparar o jaco, rolos de nozes com mel e pratos cobertos com sopa e aves cozidas com frutas. Felicia levantou a tampa da terrina e apreciou o perfume. -Ah! Que bom! Sopa de feijão da Lunilla. Com o cheiro já me sinto até melhor. Ela se moveu na cama abrindo espaço para que ele se sentasse. Com a primeira colherada, a fome de Varzil atacou com vigor. Por um tempo eles comeram em silêncio, cada um concentrado em recobrar suas energias drenadas durante as últimas horas. O calor dos alimentos percorreu seu corpo, o relaxamento preencheu seus músculos, sua cabeça parecia pesar tanto quanto uma montanha. Varzil estava ciente da proximidade de Felicia, tanto em corpo ali sentado ao seu lado quanto em mente ainda ligada a sua. Não havia muito a dizer e nem era necessário o uso das palavras. Isso era uma coisa boa, pensou ele, porque ele não estava bem certo do que forma conseguiria formar uma frase coerente. Voltar à sua própria câmara seria uma tarefa monumental. Ele concentrou-se, tomando fôlego para preparar-se para o esforço. Felicia colocou uma mão sobre seu ombro, o que não tinha mais do que o peso de uma pena. Ela sentiu-o como um parafuso cintilante abaixo do seu corpo, através de todos os cansados canais de laran. Ela passou os braços em torno dele e ele sentiu-se afundando lentamente, como se estivesse se movendo através de mel. A cama parecia querer atraí-lo. Ela puxou a colcha da Árvore da Vida sobre ambos e o calor o cercou, infiltrou-se nele. Ele roçou seus lábios nos dela e ela suspirou de prazer. Sua respiração era doce contra seu rosto. Nenhum deles poderia fazer mais, entre a exaustão e a falta de desejo sexual que acompanhava o trabalho ativo de matriz. Deitados nos braços um do outro, ainda em seus mantos de trabalho, deslizaram para o sono com Varzil sentindo uma intimidade que não tinha sequer sonhado ser possível. Eles faziam parte do outro, tanto quanto a respiração que partilhavam. Quando ele acordou, ela estava de pé na janela. A noite estava quase no fim. A luz pálida iluminava suas feições, tensa e imóvel. Ele saiu da cama usando a colcha como uma capa e envolveu os dois na mesma. A postura dela suavizou, mas apenas um pouco. -O que é, preciosa? -Temo o que foi feito hoje. Oh, Varzil, temo muito. -Você fez uma coisa incrível. Você é incrível. Ela afastou-se, voltando-se para encará-lo com seus olhos que refletiam uma luz cinza. -Não me iluda. -Eu não estou... -Temos que pensar no que dizer. –Ela começou a andar distraidamente jogando os cachos acobreados para trás. –Se nós os convencermos de que você foi o responsável, de que eu era apenas mais um membro do círculo, apenas uma técnica fazendo o meu trabalho... -Felicia! Do que você está falando? -Sua voz subiu de tom sem a sua intenção.- Você está sugerindo que devemos tentar esconder o que aconteceu, o que você realizou no círculo, que você agiu como Guardiã e eu não? Não posso aceitar o crédito do que você realizou na noite passada, mesmo a seu pedido.


Ela o encarou, seu rosto numa mistura de emoções conflitantes de cortar o coração. Naquele breve momento em que ela tinha tomado o controle do círculo, refazendo-o com o padrão de sua mente, uma parte dela tinha saltado para a energia da vida, tão quente e ansiosa como qualquer chama. Não foi a modéstia que a deteve, nem qualquer crença arraigada de que ela como uma mulher não poderia fazer o que ela tinha feito. Foi o medo. -Haverá oposição, é claro,- Varzil disse tranqüilizador. - As pessoas vão acreditar que apenas no que eles quiserem. Mas há bastante Guardiões e trabalhadores de matriz de mente aberta, pessoas dispostas a desafiar as estruturas da tradição. E se o mundo poderia mudar o suficiente para que uma mulher pudesse se tornar uma Guardiã, então o pacto de Carolin também poderia se transformar em realidade. No final,a Torre vai ficar com você. Ela acenou para ele em silêncio. Sua voz saiu grossa, como se cada palavra fossem arrancadas de seu coração. -Mas a que custo Varzil? Eu passei minha vida inteira escondendo quem eu sou. A única razão pela qual eu tenho uma vida é que tenho conseguido esconder quem sou. Agora eu sou apenas Felicia de Arilinn. Mas se eu me tornar Felicia, a Guardiã, Felicia a anomalia, se cada pessoa envolvida em conspirações em todo o Comyn se concentrar em mim por causa disso, quanto tempo vou ser capaz de viver como eu mesma? Quanto tempo antes de me tornar a filha de Taniquel? Filha de Coryn? Uma coisa de lenda em vez de carne? Interrompeu-se, manchando as costas da mão com lágrimas dos olhos. -Eu acho que você jamais poderá ser menos você do que você é. - Ele respondeu. - Nem os segredos, nem o silêncio pode mudar o que já aconteceu. Felicia olhou pela janela, balançando a cabeça com suas lágrimas silenciosas. Mesmo que ele mentiu por ela, o que ele definitivamente não faria, seria inútil. Todos no círculo sabiam o que ela tinha feito. Ela poderia tentar manter em segredo, mas a verdade iria vazar. Não seria a primeira vez que rumores passariam pelas Hellers rapidamente. Se ela negasse o que havia feito, o assunto poderia muito bem tomar proporções maiores e ir mais longe. Mas qual seria o preço para sua integridade? Para as mulheres em Torres de todos os lugares? Para Darkover? Ela deveria decidir por si mesma. Se ele tentasse dizer-lhe o que fazer, ele se tornaria seu adversário em vez de seu aliado. Ela iria fazer a escolha certa, a seu próprio modo e tempo. Ele não tinha nenhuma dúvida de sua coragem ou sua capacidade de enfrentar a verdade. Ele foi até ela, colocou a colcha ao redor de seus ombros e beijou sua testa. -Isto você terá que decidir sozinha. - Ele fechou a porta suavemente e se dirigiu para seu próprio quarto. Varzil não teve outra oportunidade para falar em particular com Felicia por quase dez dias. O círculo de Barak assumiu o processamento da conclusão do fogo aderente, Varzil e os outros membros do círculo de Auster assumiram as tarefas menos perigosas. Não era a primeira vez que Varzil tinha trabalhado como Guardião, apesar de antes sempre Auster tivesse estado lá, às vezes aconselhando ativamente, às vezes apenas emprestando seu encorajamento silencioso. Embora os projetos não fossem exigentes, Varzil executava cada


um com um cuidado meticuloso. Às vezes, ele sentia-se tão esgotado depois que ele mal tinha energia para subir as escadas até seu quarto. Felicia fez a sua parte, logo que Fidelis lhe ordenou que voltasse ao trabalho. -Eu não estou mais cansado do que qualquer outra pessoa no círculo, - disse Varzil enquanto estavam sentados diante da lareira na sala comum, cada qual com uma caneca fumegante de ervas tônicas de Lunilla. -Fidelis teve que satisfazer Barak. Eu não tinha sofrido nenhum dano no que eu fiz. Se eu fosse um homem a questão não teria surgido. Se eu continuar com isso, cada intrometido daqui para Temora estará observando por cima do ombro, sondando meus canais, provavelmente cacarejando como galinhas velhas sobre a minha roupa. -Eu já te disse o que aconteceu na primeira vez que eu tentei entrar em Arilinn? - Varzil disse com um sorriso. - Eles não me queriam. -Você? Eu não posso acreditar! -Oh, na verdade não ajudou que meu pai ameaçasse matar a todos aqui ou que achasse que meu irmão pudesse estar morto. Devido a minha aparência meio doentia, acho que o verdadeiro medo deles é que eu morresse aqui com eles e isso causasse uma guerra. Felicia baixou a caneca. -Você não é exatamente um agricultor, forte como um touro, mas, Varzil você tem um dom tão poderoso. Como poderiam aceitar correr o risco de perde-lo? -Auster não, mas meu pai teve de ser convencido na primeira vez. Para fazer isso, eu tinha que resgatar meu irmão Harald dos homens-gatos. Você provavelmente já ouviu a história. O ponto é que há sempre obstáculos e eles parecem insuperáveis ou simplesmente enfadonhos. A questão não é o quão difícil é o caminho, mas, em seu coração o quanto você deseja realizar a viagem. Eu sei... e ainda assim eu não... Ela olhou para longe, mordendo o lábio inferior. Ele raramente tinha visto esta expressão. -O que tens? Não pode ser apenas esses pequenos aborrecimentos. Você não é uma pessoa a evitar de fazer o que é certo por mera conveniência pessoal, mesmo arriscando a perda de seu anonimato. O que realmente mantém você com medo de voltar à vida pública? Ela ficou em silêncio por um longo momento. - Eu tenho pensado e não tenho certeza que eu tenha que mudar as coisas. Eu digo a mim mesma como é difícil ir contra a tradição e tudo o que me ensinaram que se espera de mim. É de se esperar uma certa quantidade de ansiedade...afinal nada de novo é tentado. No caso da minha mãe é até compreensível. Você sabe, ela andava com o exército para tomar Acosta de volta e isso era algo inédito. Eu tenho um sentimento, eu não sei bem...de que quando eu começar sobre essa estrada não haverá como voltar atrás. Eu não posso ver onde isso vai terminar. Eu não tenho o talento da presciência de Allart Hastur. Tudo o que posso ver é a escuridão...a escuridão e fogo. Varzil uniu sua relação com ela de modo que o medo dela estremeceu passando através de ambos. Ele viu que ela tinha razão. Mas Felicia não deixaria o medo impedi-la. Ele deixou de lado sua própria caneca e tomou-lhe as mãos. -Eu já disse que é a sua escolha e eu fico feliz por isso. Acredito que sua "escuridão e fogo" nada mais é do que aquilo que preocupa a todos nós nestes tempos. Guerra e seus companheiros, a fome e a peste, assombram todos os nossos sonhos. Nós não estávamos


envolvidos em produzir o fogo aderente, certamente uma das mais terríveis armas imagináveis, quando Auster sofreu o derrame? Se nós nos permitimos ser paralisados por todos os desastres que poderiam acontecer, se nos desviássemos da chance de fazer uma mudança real, então nós seríamos tão culpados desses horrores como se nos tivéssemos comprometidos em lança-los nas regiões. Felicia levantou seu queixo. -Você coloca essa responsabilidade sobre mim? Eu não pedi isso, só pedi para viver uma vida privada. -Isso pode acontecer com qualquer um de nós. – Ele respondeu. Seus ombros caíram. -Você está certo. Se eu tivesse nascido um tola cega psíquica, eu nunca teria conhecido a diferença e importância do dom. Mas eu sou como os deuses me fizeram e tenho visto o caminho que foi criado antes de mim por minha mãe. Por um momento, Felicia pareceu tão desolada, tão frágil e vulnerável que Varzil desejou poder retirar suas duras palavras. Ela nunca iria desistir apenas para manter sua paz, mas consideraria sua decisão com cuidado, pesando sobre o que perderia e o que ela, e Darkover, ganhariam. Mais tarde naquele dia, Felicia se apresentou ao Guardião remanescente de Arilinn e pediu para ser treinada como um deles. -É impossível para uma mulher se tornar uma Guardiã. – Repetiu Barak, varrendo o ar com as mãos para enfatizar seu ponto. Toda a população de Arilinn, até a mais humilde noviça, se reuniram na sala comum. Auster estava sentado na frente da lareira vazia. Um mês se passara desde o incidente fatídico e sua voz ainda carregava um peso sutil. Uma pequena bolha de saliva tinha se formado no canto direito da boca. Os eventos do mês anterior, o acidente vascular cerebral de Auster, a intervenção imediata por Cerriana e Varzil e, acima de tudo, o feito surpreendente de Felicia de manter o círculo e estabilizar o fogo aderente tinham sido contados e recontados com as mesmas perguntas imbutidas: Seria verdade? Havia uma mulher trabalhando como um Guardião? -Barak, admitimos que nunca antes houve uma Guardiã em Arilinn ou em qualquer outra Torre na história como a conhecemos. - Disse Lunilla com o respeito devido a sua posição. – Mas o fato é que algo aconteceu naquela noite e precisa de explicação. Se não apenas para nossos colegas aqui, então para nossos colegas nas outras Torres. Gavin Elhalyn se levantara. -Como membro do círculo, eu acredito no testemunho de Varzil de que, quando ele tinha terminado o atendimento imediato necessário para salvar a vida de Auster, Felicia já tinha estabilizado o círculo sob seu próprio controle...apesar de que eu não tenho certeza pelas minhas lembranças. As coisas aconteceram tão rapidamente e estávamos numa relação tão profunda... Se Varzil diz que foi o que aconteceu, então deve ter sido assim. Quando eu pude perceber as coisas claramente novamente era Felicia quem estava nos mantendo sozinha na unidade do círculo. Varzil não esperava uma declaração tão forte de Gavin que havia servido lealmente sob a autoridade de Auster por muitos anos. Tal era a conhecida integridade do homem que todos sabiam que ele não iria faltar com a verdade. Ele tinha estado lá, tinha sentido o toque sedoso de Felicia girando suas energias em uma forte unidade. Ele não iria negar.


Felicia manteve-se quieta com seus pensamentos para si mesma, com o queixo erguido e as costas retas. Ao vê-la, Varzil lembrou de uma folha de aço, brilhando ao sol. Ele desejou poder pegar na mão dela. Isso seria uma violação imperdoável da etiqueta da Torre. Até mais do que isso, comprometeria a postura e o orgulho que ela usava como um manto. -Isso é o que pode ser, - um dos outros homens disse. – algumas pessoas, inclusive mulheres, podem fazer coisas extraordinárias em caso de emergência. Isso não é a mesma coisa que um talento confiável. E é por isso que insistimos na disciplina e na tradição. Mas do mais novo iniciante até o Guardião mais reverenciado, todos nós estamos sujeitos às mesmas normas. Nós não fazemos promessas que não podemos cumprir. Ninguém pode funcionar em um círculo, com as mentes dos outros dependendo da sua habilidade e competência, a menos que ele esteja totalmente treinado e em forma. -Um único incidente não faz Guardião. – Disse Gavin. Alguns concordaram com a cabeça. Varzil chegou a seu lado e os murmúrios cessaram. Todos os olhos se voltaram para ele. Ele era, afinal, o sucessor escolhido de Auster, sub-Guardião de Arilinn. -Vivemos em tempos extraordinários, - ele lembrou-lhes - tempos de tanto desastre e promessa, esperança e julgamento. Nossos pais viram a destruição de duas grandes Torres. Eles viveram suas vidas em um mundo enlouquecido, oscilando à beira da conflagração, da revolução, da guerra. Temos a chance de fazer um novo mundo e de vislumbrar as novas possibilidades. Quem poderá dizer com certeza que uma mulher se tornar Guardiã não é uma dessas possiblidades? -O que está realmente em jogo aqui? - Ele perguntou, agora andando por causa da energia fluindo através dele que não lhe permitia ficar parado. - Se estivermos certos, se as ações de Felicia em manter o círculo são uma indicação de seu verdadeiro talento, então, vamos ser saudados como pioneiros, como visionários. As Torres são muito poucas e muito distantes, uma vez que ainda se está reconstruindo Tramontana. Isso tem deixado nossos recursos ainda mais escassos. Vocês podem imaginar a diferença que faria se pudéssemos recorrer a nossas mulheres dotadas com laran, assim como com os homens, para a formação de novos Guardiões? Eles eram muito menos do que quando Varzil chegou em Arilinn. O círculo de Barak estava em número mínimo. Outros, incluindo um rapaz extremamente promissor de Marenji, tinha deixado a Torre por razões habituais... o casamento, a guerra, mudanças no poder nos pequenos reinos. Era a mesma história em todos os lugares. De Hali um Segundo Guardião tinha ido para a nova Torre em Tramontana, tendo alguns dos trabalhadores mais experientes ido com ele. Vários dos povos mais antigos, como Lunilla e Richardo, recuaram com expressões horrorizadas. Apenas Auster escutou impassível. Varzil temia que ele tivesse ido longe demais e, ao fazer isso, houvesse perdido seu próprio poder de argumento com os membros da Torre. Ele ergueu as mãos em sinal de conciliação. -Tudo o que eu estou dizendo é que não temos nada a perder dando Felicia uma chance. Se você está certo e o que aconteceu foi uma aberração, a chance terá curta duração e acabarei por assumir o círculo e significará então que somos melhores do que nós eramos antes.


-Deixe os outros romper com a tradição a seu próprio risco. - disse Barak. -Arilinn vai respeitar as antigas verdades, os princípios consagrados pelo tempo que nos fizeram grande. Nunca houve uma mulher treinada como Guardiã aqui. E nunca haverá. Tolos! Varzil pensou com uma explosão de raiva. Aqui possuem um tesouro a seus pés e eles escolhem a recuar para trás da tradição. A tradição que se dane! Metade da sala estremeceu visivelmente. Felicia ficou de pé. Ela considerava Barak um dos Guardiões de Arilinn mais tradicionais com aqueles olhos calmos. -Vai dom não se incomode por minha causa. Eu não serei uma fonte de desentendimento nesta Torre. Estou, como sempre, à serviço de Arilinn. Enquanto eu estiver aqui, farei o meu melhor em qualquer trabalho que o Guardião considerar minhas capacidades adequadas. Liriel Hastur não teria falado mais graciosamente. Felicia sentou-se em meio a uma onda de aprovação. Auster sorriu e acenou para ela. Varzil não pôde encontrar nenhuma falha nas palavras de Felicia. Ele teve inveja de sua capacidade de dizer o que era claramente esperado, sem parecer menos ela mesma. Talvez isso seja porque era uma habilidade que ele mesmo havia praticado por tantos anos. Carlo, eu e agora Felicia... Todos nós esperando quietos, esperando... Mas esperando pelo quê?


CAPÍTULO 28 Uma batida na porta despertou Varzil assustado. Ele tinha adormecido com Felicia em seus braços e a colcha jogada sobre os dois. A reunião tinha deixado todos esgotados. Felicia tinha ido com Varzil aos seus aposentos depois de uma breve refeição noturna já que nenhum deles foi trabalhar naquela noite, nem mesmo nas Hellers. Ele a tocou de leve na parte de trás do punho, da forma típica do toque sutil dos telepatas. Ela surpreendeu-o com um sorriso. -Não é mais nem menos do que eu e você esperávamos. - Ela disse. - Mas eu acho que você estava certo o tempo todo, Varzil. Nós das Torres não somos tantos a ponto de podemos nos dar ao luxo de jogar fora metade das pessoas com o talento para se tornar Guardiões. Pelo menos não apenas por que a superstição e a tradição dizem que as mulheres não são capazes do trabalho que eu fiz e sei que fiz. Eu fui uma Guardiã na prática. Seus olhos se encontraram, luminosos, mesmo com a luz fraca, carregados com o fulgor do laran. -Eu sou uma Guardiã. E se Arilinn não vai me dar o treinamento de que eu preciso para usar meus talentos, eu preciso encontrar outra Torre que vá. Ele tinha sonhado com ela perto dele, agora dividida entre o orgulho e o conhecimento do que ela teria que fazer, que ela teria que deixa-lo o deixavam de coração partido. Pensou no breve romance entre Dyannis, sua irmã, e Eduin. No final, a distância e as exigências sobre suas vidas separadas tinha desgastado a sua esperança, ou assim parecia a Dyannis. Ele não queria que isso acontecesse com ele e Felicia. Pensou em ir com ela onde quer que fosse. Certamente alguém com a sua formação poderia um lugar em qualquer outra Torre. -Caryo mio, - ela sussurrou em seu ombro - o que temos só pode ser enriquecido pelo tempo. A distância não é o fim. Mais uma vez, eles haviam dormido nos braços um do outro, com suas energias e o laran tão esgotados que não havia qualquer desejo sexual. Eles deliciaravam-se na intimidade do calor do corpo um do outro, na respiração, nos ritmos da mente. Após a segunda batida na porta ele sentou-se, com Felicia agitada a seu lado. -Entre." A cabeça de Gavin apareceu na abertura. -Venha rapidamente, Varzil. E você também, Felicia. Auster teve outro derrame. Varzil estendeu a mão para as botas com interior forrado de lã. Felicia já estava puxando em um xale sobre seu vestido de noite. -Não deixe de chamar Fidelis, Cerriana... -Eles já foram convocados,- Gavin respondeu, segurando a porta aberta para eles. - Isto é mais do que uma questão de cura. Ele está chamando poor seu nome, Varzil. Àquela hora calma, alguns outros estavam dormindo. Varzil avaliou o ambiente ao redor com sua mente. Os laboratórios de matriz estavam vagos com seus amortecedores telepáticos agora ociosos. Mesmo nas Hellers havia calma e silêncio. Cerriana parou à porta da enfermaria explicando a Valentina que sua presença não teria nenhuma utilidade, mas só o de atenuar as más sensações.


-Que bom, você está aqui. - Ela deu um passo atrás para Varzil entrar. Ele pegou a mão de Felicia e puxou-a para dentro com ele. O rosto de Auster estava quase tão pálido quanto a pequena lua Mormallor. As linhas de seu rosto, antes tão incisivas e forte, haviam desaparecido em uma rede de pequenas rugas. Suas sobrancelhas e cílios estavam da mesma forma pálidas, com tons de branco sobre elas. Mas, pelo hesitante levantamento e queda de seu peito e o pulso irregular fraco em sua garganta, ele já parecia ter passado deste lado da viva. Fidelis sentou-se em um dos lados da cama. Ele colocou dois dedos contra o interior do pulso de Auster, abaixou os olhos e voltou toda sua concentração para dentro dele. Varzil abaixou-se e sentou no banco vazio. Ele sabia que não devia falar. No entanto, Auster parecia ter percebido sua presença. Os cílios pálidos se mexeram e os olhos se abriram. No inicio seu olhar era vago, seus pensamentos, antes tão ágeis, agora estavam um pouco vagos, hesitantes.. Eu estou aqui, Auster. -O que é isso? Não murmure, meu jovem. Eu não posso ouvi-lo. - Os lábios de Auster retorciam-se com as palavras, o lado esquerdo de seu corpo claramente paralisado. Varzil condava mais profundamente, algo que ele nunca teria ousado fazer nos dias de força de Auster. Qualquer monitor poderia ter avaliado o dano neurológico. O dano causado nos centros de laran do cérebro de Auster era muito mais profundo. O velho poderia viver se o seu corpo fosse resistente o suficiente, os pulmões tendo o ar, o coração continua o seu ritmo implacável. Um paciente de derrame pode, com paciência e curandeiros habilidosos, aprender a falar ou andar novamente. Mas para este dano mais profundo não havia nenhuma cura. O que formava o homem, o que fazia dele o Guardião já tinha partido. Varzil passou uma mão sobre os olhos rezando para que ele não chorasse. Quando ele chegou a Arilinn, há tantos anos, um adolescente apavorado e rebelde, Auster parecia como um deus, um operador e laranzu, certamente um dos homens mais poderosos em Darkover. Suas habilidades mentais tinham sido lendárias. -Varzil? Varzil rapaz, é você? - Auster perguntou em uma voz que era ainda mais potente do que o esperado devido a sua fraqueza de seu estado. Cada sílaba expressando sua determinação em concluir esta última tarefa. Gentilmente, Varzil encostou as pontas dos dedos contra a pele frágil como papel do pulso de Auster. -Estou aqui, querido mestre. A mão livre de Auster atrapalhou-se para pegar a de Varzil. As articulações e ossos de seus dedos pareciam barras de uma jaula decrépita, frágil, mal sendo capaz de conter entre si uma pena. -Varzil... – Com a voz lenta e fina Auster continuou. - Eu quero. .. não deve haver nenhuma dúvida ... quanto a quem... vai tomar o meu lugar. Fidelis encontrou os olhos de Varzil. Nenhum deles buscou palavras para dar uma falsa esperança de recuperação. -Auster, você tem treinado Varzil por todos esses anos,- disse Fidelis - Certamente todos em Arilinn sabem que você desejava que ele fosse Guardião depois de você. Auster acenou com uma mão. O peito magro tremia com o esforço de mais uma respiração. -Todo mundo aqui ... sim. Mas aqueles arrogantes...


Uma tosse interrompeu Auster sendo aliviada apenas quando Fidelis usou suas habilidades como monitor para limpar suas vias respiratórias. Claramente a capacidade de seu corpo para manter os pulmões limpos havia sido comprometida. Varzil sentiu os primeiros sinais da pneumonia que certamente acabariam com a vida de Auster. -aqueles arrogantes concebidos por nove banshees... acho que você é demasiado perigoso... ou de nenhuma conseqüência... quer as Torres submissas... Prometa-me, você não vai servir nenhum rei com cruéis... fins... Arilinn única... apenas para o bem mais elevado... -Eu não serei peão para nenhum rei, - Varzil prometeu, pensando em Carolin e Felix Hastur, que ainda ocupava o trono em Hali. Aliado e amigo, mas nunca servo. - Ele prometeu. Até aquele momento, Varzil sabia que sempre haveria a possibilidade de que Carolin pudesse pedir-lhe algo que ia contra sua própria consciência. Mas ele nunca tinha pensado nisso seriamente, pois ele não podia imaginar nada que Carolin quisesse que ele não fosse concordar. Mas Carolin ainda não era Rei. -...Responder à sua própria consciência ... Varzil inclinou-se até sua bochecha e roçou naquelas mãos envelhecidas. Suas lágrimas molharam os dedos entrelaçados. A partir daquele momento em diante, ele não deveria olhar para nenhum outro homem como o Guardião de sua consciência. Ele seria responsável não apenas por si, mas por os homens e mulheres que serviam sob sua autoridade. A voz de Auster estava agora muito baixa, de modo que apenas Varzil podia ouvir suas sílabas sussurradas. -... Nome,... tenerezu... Varzil prendeu a respiração, esperando ouvir com seu laran, com o seu coração, rezando para que houvesse mais uma palavra, mais um momento de comunhão. O silêncio e a quietude lhe respondeu. Em seguida, veio um brilho cintilante nas próprias bordas de seus sentidos, tanto físicas e mentais. Ele sabia que aquele era o momento em que a vida era extinta, deixando apenas uma casca frágil.

Parecia que os próprios céus lamentavam o falecimento de Auster Syrtis, Gurdião da Torre de Arilinn. Com a proximidade do fim do ano, o clima, que tinha sido atipicamente ameno, tornou-se muito frio. A família de Auster tinha enviado uma mensagem solicitando que ele fosse enterrado no pequeno lote de Arilinn mantido por conta própria. Ali, em uma cova sem marcação, assim como na fead rhu, ele iria se juntar a gerações de Guardiões sem nome que vieram antes dele. No entando, durante a noite o chão congelou tão fortemente que nenhuma ferramenta de madeira poderia arranhar sua superfície. Gavin saiu com uma das pás de metais preciosos e voltou balançando a cabeça. -Meu tio Aran disse que isso muitas vezes acontece nas Heller’s, - comentou Felicia, olhando para fora. - Os corpos dos mais pobres eram colocados nos bancos de neve, onde permanecem congelados e sólidos até a primavera em que derretem. Em Tramontana dizse que eles agora tem outras maneiras.


A despedida para Auster foi ainda mais simples do que o de Taniquel Hastur que Varzil participou. A Comunidade da Torre toda reuniu-se em sua própria sala comum, em vez do túmulo, para partilhar as suas memórias e conforto um com o outro. Começaram assim que o dia brilhou, ainda frio, quando os primeiros raios do sol vermelho começaram a infiltrarse do céu. As cores da luz do sol entravam pelas janelas suavemente e ficaram até o momento tarde quando uma escuridão densa e aveludada já os rodeava. Como se o espírito da noite, assim como o corpo velado, estivesse chegado ali. – Pensou Varzil. Logo depois, Barak, como único Guardião remanescente, ordenou que o corpo fosse levado para o laboratório que tinha sido o favorito de Auster. Ali ele reuniu um círculo. Varzil foi incluído juntamente com aqueles que trabalharam mais próximos de Auster. Juntos eles criaram um campo de proteção em torno do corpo de Auster, uma esfera de espaço psíquico em que foi realizada uma suspensão no próprio tempo. Depois disso, Barak convocou Felicia para uma reunião privada. Varzil sentia-se desconfortável, afinal Barak tinha sido o adversário mais ferrenho sobre qualquer expansão da formação de Felicia. Seguindo seu caminho até a cozinha da Torre Varzil encontradou Lunilla puxando as bandejas de bolos de semente do forno. O cheiro familiar flutuava através dele. Com um suspiro ele derramou jaco em uma caneca e tomou seu lugar na mesa de trabalho ao lado de Valentina. Do outro lado da tela dois dos recém-chegados, um pouco qualificados como monitores, olharam para ele com aqueles olhos arredondados. A boca de Varzil torceu-se na tentativa do que devia ser um sorriso. Ali estava ele, o sucessor escolhido de Auster abaixo na cozinha junto com os jovens novatos. -Como nos velhos tempos. Sorrindo, Lunilla colocou os pães em uma bandeja de madeira e colocou-a no centro da mesa. Vendo os noviços hesitarem, ela disse: -Vão em frente antes que Varzil coma todos! -E não pensem que eu não o faria. - Disse Varzil pegando um e o dexando cair em seguida, soprando as pontas dos dedos. Com um movimento elegante de sua cabeça, Valentina usou a borda do seu xale para pegar o seu próprio pão. Ela arrancou um pequeno pedaço, um após o outro, soprando sobre eles e levando-os delicadamente à boca. Eles comeram em silêncio nos minutos seguintes. Apenas quando ela tinha reabastecido as bebidas quentes de todos Lunilla sentou-se e serviu-se. Ela lembrou a Varzil uma matriarca ave de celeiro cacarejando e estendendo suas asas sobre seus filhotes. Ele não era mais o rapaz adolescente que passara a noite meio congelado nos portões de Arilinn. Nem poderiam mais os pães de semente e o jaco, não importa o quão gostosos e quentes, resolver os problemas dele. Barak acabaria por governar Arilinn, uma Arilinn presa à tradição, uma Arilinn em que não havia lugar para uma mulher Guardiã. Ou, talvez, veio o pensamento, Torre na neutralidade. Varzil! Eu tenho notícias! A porta do corredor se abriu e Felicia entrou semelhante a um estouro de energia. Com as bochechas manchadas no vermelho do ímpeto mas de respiração rápida e leve. Seu entusiasmo, como uma brisa fresca, varreu a sala.


-O que é isso? - Varzil perguntou com seu pulso se acelerado. - Barak mudou de ideia? -Sobre me treinar? - Ela balançou a cabeça. Algumas mechas estavam soltas da trança enrolada abaixo de seu pescoço e seu rosto estava emoldurado como uma auréola de cobre. - Não, ele é tão inabalável como as montanhas. Mas nem todos em Darkover pensam como ele, graças a todos os Deuses! -O que aconteceu? - Varzil insistiu. Outras vozes se juntaram à sua num murmúrio. -O que é isso, filha? - Lunilla perguntou. -Uma Torre solicitou por mim. Eles querem me treinar como uma Guardiã. – Felicia abriu os braços dançando como uma criança, com um triunfo em sua voz. Varzil a pegou em um abraço. Por um momento, enquanto seus corpos estavam pressionados juntos, ele sentiu a já família unidade de espírito. A alegria dela impregnando nele, seu corpo tremia com o seu delírio. -Esta é de fato uma notícia. - Disse Lunilla em tons medidos. -Não tenho a pretensão de saber onde isso vai levar ou que eu não sou estou contento de começar fora de Arilinn. Até mesmo o jumento lendário de Durraman pode ver que o mundo está mudando. Felicia ficou séria por um momento. - Talvez Barak e os outros estejam certos e vá falhar. Mas, oh Lunilla! Vou ter tido a chance de tentar! -Você não vai falhar. - Disse Varzil. No fundo de sua mente, ele vislumbrou uma mulher com o manto escarlate de um Guardião, raios explodindo de suas mãos erguidas. Então a imagem se foi, deixando uma sensação de inquietação. Teria sido Felicia que ele viu ou alguma outra mulher, talvez, no futuro? E por que ela invocaria tal poder? Que necessidade tinha ela de um relâmpago? -As bênçãos dos deuses irão com você, criança. - Lunilla estava dizendo com sua espécie de voz tão suave. Não importa sua opinião pessoal sobre as mulheres como Guardiãs, ela realmente torcia por cada pessoa em Arilinn. -Quando você irá? - Valentina perguntou. - Na próxima primavera? A cor da agitação escoou das bochechas de Felicia, embora seus olhos ainda brilhassem. -Eu acho que sim, quando o tempo permitir. - Seu olhar buscou o de Varzil. -Pelo menos, eu vou estar aqui para final do ano.


CAPÍTULO 29 Em todo caminho de volta para Thendara, chicoteando levemente seu cavalo, Carolin ouviu em sua mente sua mulher gritando. Com seu escudeiro em seus calcanhares, ele galopou para o pátio e saltou para o chão antes mesmo que seu cavalo parasse. Suas esporas ressoavam contra as pedras enquanto corria pelos corredores exteriores até as escadas para os quartos reais. Ignorando os protestos das camareiras, ele correu para o seu quarto. Mesmo que ele não tivesse nenhum vestígio de laran, nenhuma consciência psíquica, ele teria sentido que algo estava errado quando visse as expressões frenéticas das servas correndo pelos corredor. Seu escudeiro ficou do lado de fora com a testa franzida em preocupação, mas sem fazer perguntas. Homens comuns podem deixar os mistérios da cama de parto para as mulheres, mas Carolin era um Comyn, bem como um príncipe. Onde mais ele deveria estar a não ser ao lado de sua esposa, emprestando-lhe sua força, compartilhando seu sofrimento? Ele não era metade do parentesco desta criança? O quarto estava fechado, encharcado com medo e suor, cortinas fechadas contra a claridade do dia, velas e lâmpadas de óleo piscando. Uma mulher gemia e se contorcia na cama alta e larga. Parteiras em ambos os lados tentavam acalmá-la. Uma segurava a mão dela, murmurando palavras de encorajamento, enquanto a outra limpava sua testa. Carolin mal reconheceu Alianora que sempre parecia tão composta, formal. O calor corava suas bochechas, os cabelos estavam soltos e úmidos, os fios longos pesados de suor. Através do vestido de tecido fino e esticado em sua barriga podia-se ver os músculos tensos. Ela arranhou as parteiras enquanto tentava afastá-las, gritando como um animal rouco em convulsão. Ele foi para o lado dela e gentilmente pegou sua mão. Não houve resposta. Ela estava longe dele, sua mente envolvida em exigente urgência de cada momento. Alianora. Eu estou aqui com você. Você não está sozinha. A parteira mais velha, com os cabelos grisalhos presos perfeitamente sob um lenço, inclinou-se sobre a mulher em trabalho de parto. -Basta se manter respirando... As dores passarão em breve e você verá seu amorzinho. Não lute contra isso, basta respirar. Carolin sentiu o pico dores e depois seu desaparecimento, deixando um resquício de uma dor chata. Sentiu-a estremecer através de seu próprio corpo e sabia que algo estava errado. Sabia que o parto era doloroso, era a maneira natural de vir ao mundo, mas não sabia deste aperto gelado, este toque que parecia vir do mais profundo inferno congelado de Zandru. Alianora virou-se para ele. O medo enlouquecido em seus olhos diminuiu por um instante. Seus traços se suavizaram em reconhecimento. -Eu estou aqui. - Ele disse, aumentando o aperto em sua mão. Ela voltou sua mente para longe de novo apertando os olhos fechados. -Ahhh! Ahhh! – Voltou gritando mais uma vez esse grito de agonia e sem sentido prático. Os olhos da parteira encontrou os olhar de Carolin e viu seus próprios medos.


-Você já enviou para a Torre de Hali um pedido por um curandeiro? - Ele perguntou. -Sim, há um a caminho. – Ela disse, não acrescentando qualquer honorífico, pois este era o seu reino e não havia tempo para maneiras corteses. Por todo o bem que vai fazer a moça e sua pequenina criança. Ela levantou-se e levou-o de volta para a porta para uma conversa longe de Alianora. -A criança está posicionada de forma errada, mas é muito cedo pra dizer se a criança sobreviverá ou se não nascerá deformada. Por hora, há pouco que podeis fazer aqui. Mulheres haviam dito aquelas palavras aos maridos desde que Hastur, Senhor da Luz, cortejou Cassilda pela primeira vez. Carolin aprumou-se. A parteira engoliu o resto de suas palavras. -Eu vou esperar com ela. – Ele disse. As outras mulheres trocaram olhares, mas não fizeram mais nenhum protesto. Uma trouxe-lhe uma cadeira para que ele possa sentar-se ao lado da cama. Sua presença pareceu acalmar Alianora quando os gritos cessavam e ela o via ali. Ele falava com ela, mas não tinha certeza se ela podia compreendê-lo. Como pode uma mulher, tão pequena e frágil, suportar tanta dor? Um homem teria se esgotado, ou enlouquecido, com esse sofrimento. No entanto, as dores vinham em onda após onda implacáveis. Depois do que pareceu uma eternidade, a porta se abriu e uma mulher com uma capa de equitação verde entrou. Ela trazia consigo o cheiro de ar fresco, couro de sela e flores silvestres. Seu cabelo, tão vermelho quanto o seu, tinha se soltado de sua única e longa trança, ondas de cachos balançavam com o vento em torno de seu rosto. Ela assentiu com a cabeça uma vez para Carolin e foi diretamente para Alianora. Ele não a conhecia, mas ele reconheceu o que ela era... uma monitora treinada, um curadora, um leronis de grande habilidade e poder. Ela debruçou-se sobre a parturiente e colocou as costas de uma mão suavemente contra o rosto febril. Alianora estava tranqüila, exceto pela rápida ascensão e descida do seu peito. A monitora olhou para cima analisando o quarto em um único olhar. -Eu preciso ter um lugar seguro para trabalhar. Você... - falou indicando a parteira na cabeceira com uma inclinação de sua cabeça - traga-me essas coisas. - E então ela narrou os suprimentos que precisava: roupa de cama, água fervida, infusões de ervas e lençóis bem limpos. -Será que ela... - Carolin ficou surpreso com a instabilidade de sua própria voz. - ...é ela... -Eu não sei! - A leronis respondeu. - E eu não posso descobrir se você continuar me interrompendo! Uma das empregadas chorou e reclamou. -Você não sabe quem é este? É o príncipe Carolin, seu marido! -Eu não me importo se ele é o próprio Aldones! Você e ele saiam imediatamente. À suas palavras, parteira e empregada doméstica recuaram para a porta. -Vai leronis. - Carolin disse respeitosamente. - Eu passei uma temporada em Arilinn. Por favor, permita-me ajudar. -Sim, você pode ter alguma pequena habilidade e, sem dúvidas, você tem laran. Mas a vida desta mulher está por um fio e eu não tenho tempo para instruir um aprendiz. Se você se importa com ela, deixe-me fazer o meu trabalho!


Não havia nada a fazer a não ser obedecer. Ele parou mais uma vez na porta, temendo nunca mais ver Alianora com vida. A pedra da estrela da leronis ardeu em uma explosão de brilho azul e branco e o poder do laran encheu a sala. Ele viu o rosto de Alianora com as bordas dos olhos esbranquiçados, ele virou-se e então a porta se fechou atrás dele. -Senhor? - Seu escudeiro ainda estava esperando, segurando o chicote que Carolin tinha jogado em suas mãos. Carolin hesitou, indeciso. A luz era mais forte ali e o corredor acarpetadamente familiar e mobiliado lhe pareceu estranho. A parteira que ocupara a cabeceira de Alianora tinha permanecido a poucos passos de distância. Ela acenou para ele. -Podes confortar as crianças? Doce graça de Avarra! Os meninos! Tão jovens e ainda não tinham seus larans ativos, mas claro que eles já tinham sentido que algo estava errado. A esta hora Alianora geralmente brincava com eles. -Senhor? - Seu escudeiro repetiu. -Vá em frente e cuide dos cavalos. Se eu precisar de você mando avisar. O que você, ou eu, ou qualquer homem poderia fazer aqui? Carolin levou alguns momentos para se recompor antes de entrar no quarto. Rafael e o pequeno Alaric estavam brincando com um quebra-cabeças espalhados sobre o tapete fino tecido, enquanto a sua enfermeira observava de uma cadeira de canto, os dedos voando sobre o seu bordado. Eles correram para ele, mas em silêncio, não com o seu clamor habitual. Ele atirou-se de joelhos, indiferente a bota de espora, e pegou-os em seus braços. Eles cheiravam a sabonete com aroma de erva e tinham aquela doçura inconfundível da pele das crianças. A alegria, tão inesperado que era quase uma dor física, passou através dele. -Calma, calma. - Ele percebeu-se dizendo, tanto para si como para eles. Após um longo momento, ele se levantou e se sentou-se com todos em cima do divã almofadado. -Conte-nos uma história, Papa. - Rafael pediu. -Uma história? - O que Alianora teria feito? Um conto cômico de Durraman e seu antigo e sempre pouco engenhoso burro? Um jingle sobre o monge famoso Fra 'Domenic e o conteúdo de seus muitos bolsos? Não... ela não teria brincado com um monge cristóforo. Deuses....ele iria chorar? -Carlo. - A voz era baixa e feminina. Maura. Ela ficou ao lado da porta, depois de ter andado perto dele tão baixinho que ele não tinha sequer notado. A leronis que estava atendendo Alianora deve ter sido trazido por Maura. Ela deve ter cavalgado arduamente para a Torre de Hali já que suas bochechas estavam brilhantes, parecia eufórica e seu cabelo era um emaranhado belo de cachos. Olhando para ela, com os olhos cinzentos cheios de lágrimas, ele não conseguia falar. Ela foi até ele e ele estendeu a mão para ela, pensando em tomar suas mãos entre as dele, mas em vez disso seus braços a rodearam. O divã era de tal altura que sua cabeça repousou naturalmente entre os seios dela. Ele sentiu as mãos dela apertarem-se sobre ele. Carlo, de coração... eu sinto muito. Suas palavras soaram como um sino em sua mente. Tão claro, tão simples, com tanto amor.


Despido pelo momento, pela preocupação e frustração, ele não ergueu defesas contra ela. Ela tinha relaxado, suave como o orvalho, passando pelas barreiras da posição de príncipe e por sua história. Sem julgamentos, sem expectativas, ela parecia acertar diretamente em seu coração. Ela viu tudo o que ele era, tudo o que ele pensava, sentia e sonhava, e aceitou tudo com carinho e simplicidade. Esse momento o fez tremer em emoção até a medula. Gentilmente, Carolin afastou-a e pôs-se de pé, para que ele não traísse sua palavra em um momento de fraqueza. Que honra poderia vir dele? A sua esposa estava morrendo a apenas algumas salas de distância. Quando Carolin voltou para câmara de Alianora, a leronis estava acabando de arrumar as tampas de baldes transbordando com lençóis encharcados de sangue. Ele sentou-se ao lado da porta. Seu cheiro pairava no ar. A leronis aproximou-se das cortinas e puxou-as para abri-las. Para que ela possa olhar para a glória do dia e não para seu passado. Nossa pobre criança nunca teve a chance. Ela inclinou-se e saiu pela porta, deixando Carolin sozinho com sua esposa. Por um terrível momento, ele temia que ela já tivesse viajado para longe. Ela estava tão pálida e quieta. Quando ele levantou uma mão, ele ficou surpreso com sua própria felicidade por algo tão simples ao sentir a pulseira de cobre catenas estava frouxa em seu braço, mas ali estava. Os olhos dela se abriram. Os lábios pálidos e abatidos moveram-se no que parecia ser a tentativa de formular o nome “Carlo”, mas apenas o sussurro de uma respiração surgiu. Um tipo de sombra tinha caído sobre os olhos azuis, dando-lhe a aparência de cegueira. Ele apertou os lábios nas costas da mão dela. -Alianora. Minha boa, obediente e doce esposa? -Meu marido. Pela graça de Evanda, havia tempo para um último gesto, uma última despedida. O que ele poderia dizer a ela? Ele percebeu que nada que ainda não houvesse sido dito naquelas poucas palavras. Ele se lembrou da primeira noite que haviam ficado juntos. Em um momento de intimidade mental, como algo que eles não tinham compartilhado em todos aqueles anos juntos, ele viu o que estava em sua mente, a única coisa que desejava acima de tudo. Sim, eles estavam lá, escondidos nos dedos do pé de um velho par de botas. Não disfarçados como jóias ou em qualquer outro lugar onde eles pudessem ser facilmente descobertos. Ele colocou as contas cristóforas em suas mãos, fechou os dedos em torno delas e sentiu o pulso de entendimento, de alívio e alegria. Embora ele não soubesse mais do que uma frase ou duas, ele sentiu seus próprios pensamentos e os dela elevando-se nos antigos ritmos próprios para o momento de oração. Quando os ecos finais de sua prece tinha aumentado, ele percebeu que ela tinha ido embora. Ele se inclinou e apertou seus lábios entre as sobrancelhas de Alianora. Ela tinha os olhos abertos com um olhar mais em paz do que ela jamais havia tido na vida. -Que Santo Christopher, portador dos fardos do mundo, conserve seu espírito.


Talvez as palavras estivessem erradas, pois ele sabia pouco da fé de sua esposa, mas ele pronunciou-as com reverência. Certamente, seu deus iria entender. Certamente seu deus iria abraçá-la e a sua criança por nascer. O barulho suave do lado de fora da porta trouxe-o de volta para o presente. Ele deveria ir informar ao rei, a Rakhal e a Lyondri. Maura iria manter as crianças seguras. Sustentada por sua sabedoria gentil, ela também encontraria uma maneira de contar-lhes sobre a mãe deles. Primeiro, porém, Carolin tirou as contas de oração que estavam nos dedos flácidos de Alianora. Ele não podia deixá-los ali, onde seu secredo certamente seria revelado. Enterrar ou destruí-los seria abominável, uma negação de tudo o que sua esposa acreditou em vida. Havia um lugar, no entanto, onde ele poderia leva-los: o mosteiro de São Valentim das Neves, em Nervasin. Eles haviam planejado enviar os meninos, quando fossem mais velhos, para a excelente educação e formação em auto disciplina, como muitas crianças reais eram enviadas. Quando o tempo certo chegasse, ele os levaria, junto com as contas. Quando ele abriu a porta para voltar ao mundo com todas as suas preocupações e agitações, Carolin pensou sentir o espírito recém-partido de Alianora sorrir para ele.


CAPÍTULO 30 Tempestades varreram as planícies de Arillinn, enterrando a cidade em uma tempesdade de neve. Ventos violentos uivavam e o granizo golpeava as pedras. Por trás das paredes da Torre, a comunidade de Arillinn se reuniu para celebrar. O calor e a luz enchia a sala comum, não apenas pelo fogo enorme da lareira, mas também com os bancos iluminados e os aquecedores de cobre alimentados pela energia de larans. No passado toda a cidade tinha brilhado com a luz azul-branca produzida pelos círculos. Agora havia apenas o suficiente para ocasiões especiais na Cidade Invisível e da própria Torre. -Talvez virá um tempo quando todos em Darkover poderão desfrutar de tal luxo. Disse Varzil enquanto bebia o rico vinho Acosta que Carolin havia enviado como um presente de Natal. O vinho estava escuro e inebriante, cheio de sabores complexos e, ao mesmo tempo, sutis. A notícia da morte de Alianora e de filho de seu amigo emprestou uma aguçada e dolorosa tristeza ao presente. Carolin era generoso, mesmo na tristeza. No entanto, o vinho em si era como a vida... uvas comuns transformadas em uma poção para aliviar velhas feridas ou abri-las, portadora de alegria, assim como de desespero. Felicia, ao lado de Varzil, levantou a taça. -À boas novas próximos dias. Para que os sonhos se tornem realidade. -Vamos esperar que eles sejam sonhos de paz e prosperidade, - disse Cerriana - e não outros “sonhos”. Do outro lado da mesa, Fidelis disse: -Você quer que todos os homens desejem o fim das lutas? -Claro que sim. – Ela respondeu – É só que... bem, este é um momento de esperança, de renovação, não é? Então vamos falar de outra forma: não somos nós mesmos que damos poder aos nossos próprios medos? O humor de Varzil andava agitado com a proximidade de Felicia, a chegada do ritual do fim do ano e a comunhão da noite às escuras, as recentes mensagens de outras Torres insinuando uma agitação na cidade de Hali, a proliferação das armas ilegais, as divergências entre os Hasturs, e os rumores de uma escalada de conflitos através das colinas Kilghard. Apesar de seu sofrimento pessoal as mensagens de Carolin tinham sido esperançosas, cheias de confiança na capacidade dos homens honrados de trabalhar em conjunto. Varzil orou para que o amigo não estivesse iludido com essa confiança. Ele colocou ordem em seus pensamentos. Haveria tempo suficiente para lidar com essas preocupações. Nesta noite, todos os que habitavam na Torre iriam celebrar a mudança das estações. A refeição terminou e a mesa foi retirada para liberar um espaço para a dança. Barak e Lunilla, como membros seniores da comunidade, representaram os símbolos do antigo rito. Ele levantou a espada, não a verdadeiro Espada de Aldones, mas uma leve imitação, com bordas cuidadosamente embotadas para não ferir a ninguém por acidente. O metal tinha sido criado de forma que recolhia e refletia a luz e um pedaço de pedra da estrela brilhava em seu punho. O efeito foi um halo dramático da luz azul em torno da lâmina e de quem a empunhava.


Lunilla tinha trocado seu habitual manto marrom e cinza por um branco cintilante. Embora ela não fosse tão jovem, quando ela pegou a guirlanda de flores kireseth, a Flor da Estrela, uma aura caiu sobre ela de juventude, doçura e primavera. Valentina começou a cantar com sua voz clara. A melodia era simples, as palavras tão queridas todos sabiam de cor. Juntos, Barak e Lunilla moviam-se na reconstituição de dança da vida... “As estrelas espelhavam na costa, Escura a charneca foi vastamente encantada... A filha de Robardin caminhava sozinha... Quando Hastur deixou a Esfera de Luz...” Vazil pegou a mão de Felicia quando Barak tomou a mão de Lunilla e casais se formaram em toda a sala. O ar ficou dourado e espesso, como vinho com mel. Sua cabeça flutou com a proximidade dela. Ele podia sentir o calor de seu corpo, mesmo através das camadas de sua roupa do festival. “Então, cantando como um pássaro escondido, Cassilda usou uma palavra secreta, ao lado das águas claras e frias; Ele a ouviu e olhou para baixo... e através dos campos de estrelas que ele veio" Os homens se moveram para longe das mulheres e depois se reaproximararam. Afastados...Unidos... A cada vez a distância diminuía. “Cassilda deixou seu tear brilhando... E uma Flor da Estrela em sua mão colocou...” Distantes... Juntos... Lunilla aproximou-se da linha de mulheres, dando a cada uma flor kireseth azul a cada. Partículas de ouro brilhavam nas estames de cada flor. Normalmente, as flores eram proibidas nas Torres e apenas destilações cuidadosas de seus componentes ativos eram utilizados. O kirian, de valor inestimável no tratamento da doença do limiar, eram um destes componentes. Qualquer pessoa desafortunada o suficiente que ficasse presa na tempestade do vento fantasma, quando os ventos sopravam o pólen cru dessas flores para baixo vindas das alturas das montanhas, sofriam alucinações, todas as barreiras mentais normais eram quebradas, levando até mesmo a loucura. "Eles andaram na madeira Shiring e no sol mortal, eles tinham a glória espelhada em suas faces..." As linhas de homens e mulheres tinha se aproximado tanto que Varzil agora estava frente a frente com Felicia. Parecia-lhe que a glória de facto espelhava-se na face dela. Ele a viu com o coração, mais do que com os olhos, viu a luz que brilhava dentro dela, a beleza de seus traços e o toque de seda de seu laran. Assim como a Cassilda das lendas tinha oferecido uma kireseth, a flor de pólen dourado, para Hastur, agora Felicia, assim como as outras mulheres na sala, ofereciam a kireseth a seus parceiros. Muitos dos casais iriam apenas aceitar ritualmente, depois poderiam ficar juntos na sala por um tempo e, em seguida, cada um seguiria para sua própria câmara. Todas as outras vezes foi exatamente isso que Varzil fez. Ele não sentia que precisava de nada mais.


Varzil inclinou-se sobre a flor de cinco pétalas. O distintivo cheiro do pólen correu por todo o corpo dele. Ele correu um dedo ao longo da pétala leve como cera, em seguida, segurou-a para Felicia inalar. O estame polvilhado de ouro lançou-lhe um brilho suave no rosto. Quando ela levantou os olhos para ele, ele podia ver a Abençoada Cassilda sorrir através dela. A música continuou, levada por sua própria dinâmica, a força por trás do ritual crescendo ainda mais insistente. As vozes misturavam-se de tal forma que às vezes ele ouvia cada palavra distintamente e, no momento seguinte, apenas a ascensão e queda da melodia. Em um dado momento, ele os primeiros efeitos da kireseth. O canto tinha cessado e ainda tinha a sensação de estar preso em um frenesi, descontroladamente feliz, perigo e inevitabilidade agindo em conjunto. Ele havia sido exposto a pequenas quantidades de pólen como parte de seu treinamento e assim, pensava que ele sabia o que esperar. A kireseth reduzia limites mentais e agia como um catalisador psíquico. Nada, ele percebeu, poderia tê-lo preparado para aquilo. Em um momento, ele estava se afogando nas luzes refletidas nos olhos de Felicia, cheios de uma excitação crescente ele não poderia nomear. No seguinte, ele era as luzes, o fogo, as paredes translúcidas de pedra azul, a suavidade de seus lábios. Ele não sabia onde ele estava, porque ele estava em todos os lugares ao mesmo tempo, na sala comum na Torre de Arilinn, na parte inferior do Lago de Hali, subindo acima dos Picos Gêmeos, uivando com os Ya-mans nas colinas além de Água Doce. Era como se fogo líquido corresse por todo o seu corpo, surgindo em energia vinda de seus canais de laran. Vagamente, o pensamento veio a ele de que o propósito deste rito antigo era isso, limpar o bloqueio e a estagnação do trabalho do ano todo. Os mesmos canais serviam para a energia sexual e o laran, e era por isso que muitas vezes a doença do limiar surgia quase sempre do despertar da adolescência e, tanto homens como mulheres, se tornavam sexualmente indiferente ao trabalhar ativamente em um círculo. Mesmo com a cuidadosa atenção dos monitores, havia momentos em que o corpo não podia lidar com os fluxos de energia acumulados e o trabalho com laran precisava ser colocado um pouco de lado. Varzil inclinou-se para Felicia. Ela colocou seus braços ao redor dele, puxando-o para mais perto. Seus lábios nos dele eram ao mesmo tempo doces e exigente. Varzil não estava mais na sala comum, apenas sentia a mão de Felicia na sua, via as paredes do corredor para seus aposentos como um caleidoscópio. As bordas de seu corpo foram dissolviam-se em partículas de brilho e luz. Cada pequeno pedaço vibrava, expandindo e se sobrepondo-se até que sentia todo o seu corpo um vaso de luz. A luz fundia-se em um nó quente, centrado no fundo de sua barriga e alcançava, explodindo em de seus órgãos genitais, sua pele parecia uma enorme labareda... O desejo o engolfou, varrendo através de cada fibra, cada célula de cada órgão, nervos e pele, não só a sua própria excitação, mas a de Felicia, cada catalisando e alimentando em no outro. Ele sentiu sua paixão como a sua própria e isso o excitou ainda mais. Quando ele esticou o corpo em cima dela, ela suavizou e abriu-se para ele. Sentiu-se entregar junto com ela, ambos cedendo a algo maior. Ela gritou de prazer quando seus corpos começaram a balançar no ritmo primal. Seu próprio clímax construído lentamente, em onda após onda crescente em intensidade.


Todo o sentido de sua auto-disciplina e individualidade desapareceu. Nem o corpo nem a mente estavam retidos com quaisquer limites. Ele era homem e mulher, sol e estrelas, noite e dia. A alegria o percorreu e o mundo bailava com ele. Aos poucos, ele escorregou de volta para si mesmo e escuridão chegou. Ele sentiu a aproximação do amanhecer. O efeito da kireseth tinha passado a algumas horas atrás, mas ele não tinha dormido, nem Felicia agora deitada nua em seus braços sob grossas camadas de colchas. O sentido psíquico de unidade havia desaparecido, mas o contentamento e alegria permaneceram. Como ela era quente, quão delicioso era o cheiro dela, com aquela pele aveludada e os cachos soltos. Ela se mexeu deslizando graciosamente os quadris e delineou uma espiral em seu peito. Como podemos ficar separados depois desta noite? -Não seria sempre assim. - Ela murmurou em voz alta. Sua respiração provocava os pelos em seu peito. - Mesmo que um de nós sacrificasse nossa formação para que pudéssemos estar juntos, um estaria trabalhando a maior parte do tempo. E nós, com o tempo começaríamos a nos ressentir pelo preço que pagamos. Eu sei, amor. É apenas um desejo, nada mais. Estarmos juntos desta vez juntos é um presente. Eu não diminuiria este momento com uma exigência ingrata. Um lampejo de uma presença no corredor colocou-os em alerta. Colocando a colcha da árvore-da-vida ao redor de seus ombros, ele foi na ponta dos pés até a porta e abriu-a. Uma bandeja com pratos cobertos e um jarro de jaco com um doce vapor estava no chão. Ele sentiu uma pitada do doce toque de Lunilla. Felicia envolveu-se com um manto quente e provocou seus membro para voltarem à realidade perto da lareira. Eles sentaram-se de pernas cruzadas sobre o tapete quadrado da lareira, com seus joelhos se tocando e comeram em um silêncio sociável. Eles permaneciam sob a luz da harmonia luz, cada um sensível às emoções inconstantes do outro. Os ecos de sua conexão mais profunda permaneciam. E, Varzil pensou quando ele estendeu a mão para acariciar sua bochecha, permaneceria sempre. Ele sentiu o impulso de fazer uma promessa de algum tipo, uma declaração do vínculo entre eles. Você já me deu algo de infinitamente mais valoroso do que as palavras. - Ela pensou. Ele entendeu. Sem sua crença nela ela teria desaparecido na obscuridade. Agora ela tinha a chance de se tornar a primeira Guardiã mulher na história registrada. Ele não tinha nenhuma dúvida de que ela conseguiria. Rapidamente o humor dela ficou sombrio. Ele muitas vezes tinha esquecido quão pequena ela era, frágil como seda e também forte como o aço. Ela estremeceu e seus olhos perderam o foco, como se ela olhasse para alguma desolação particular. Sua mente voltou embaçada e bloqueada. Outro toque de apreensão? Foi a ansiedade natural de embarcar em tal missão, um olhar sobre a direção de seu futuro ou a tristeza de sua despedida? Respeitando seu silêncio, Varzil não fez nenhuma tentativa de ultrapassar as barreiras que Felicia havia mentalmente erguido.


-Não são os dias de lírios que moldam nossas almas, - disse ela, tanto para si como para ele – mas sim as congeladas noites de inverno, quando nos encontramos na entrada da Forja de Zandru e descobrimos quem realmente somos. -Eu não queria que você caminhasse por esse caminho, querida. – Ele disse, tocando sua bochecha. -Nem eu queria me separar de você. Mas o gira como deve e não como eu ou você queremos que ele gire. Felicia foi até o armário que continha seus pertences pessoais e tirou uma caixa de madeira com suas belas esculturas suavizadas pelo tempo, e colocou-a no tapete entre eles. Ela retirou um anel de um embrulho de seda branca, uma curva de prata com uma pedra facetada. No início Varzil pensou que era uma pedra da estrela por seu brilho, como sua luz que brilhava em seu interior. Mas a cor era branca e não azul. Ela estendeu-a e olhou para ele. Não, não era uma pedra da estrela. Quando ele tocou-a com sua mente, ela cantarolou, claramente sensível ao seu laran. Ele sondou mais profundamente a estrutura cristalina. Nenhuma pessoa tinha tocado na pedra, no entanto, trazia a marca de camadas de personalidades, assim como as pedras no fead rhu tinham sido desgastadas por gerações de Comyn. -De onde veio isso? - Varzil perguntou. -Eu nunca vi nada parecido. -Era do meu tio-avô, eu acho, embora minha mãe não tivesse certeza. Ela me deu com uma caixa cheia de bugigangas com coisas desde uma enorme pérola Temora até um colar de contas de mal esculpidas com temas de chervine. Ela tinha apenas um pouco de laran e nunca foi treinada na sua utilização. Suponho que, para ela, era nada mais do que um cristal bonito. -Não é uma matriz. É mais como uma prima de segundo grau, pode-se dizer. -Sim, é isso o que eu penso. Ela pegou o anel de volta e segurou-o na mão. Com os olhos fechados, ela concentrou sua mente sobre a pedra. Quando ela devolveu para Varzil, a pedra cantou com sua presença. -Isso é para você se lembrar de mim. Ele testou o anel em vários dedos antes de definir um. O anel provavelmente tinha sido feito para uma mulher, mas suas mãos sempre foram pequenas e a peça não parecia muito ostensiva para seus gostos modestos. Logo eles seguirim seus destinos separadamente, ela para Hestral, ele permanecendo em Arilinn e Carolin logo seria rei em Hali. Se eles conseguissem realizar seus sonhos eles iriam mudar o mundo. Como Darkover seria com mulheres Guardiãs e um pacto de honra entre reis, sem as terríveis armas laran e um bem-estar constante? Ele não podia imaginar isso claramente e talvez isso fosse melhor. No momento, com Felicia ao seu lado, ele estava contente. Metade de um continente de distância, na Torre de Hali, Eduin olhou para cima dos arquivos quando Dyannis entrou. Tinha lhe dado as boas-vindas em Hali num primeiro momento com alegria, depois sentiu com crescente perplexidade a sua recusa em retribuir. Seu posto como arquivista era temporário. Uma vez que ele encontrasse o que estava


procurando, ele não teria nenhum motivo para ficar. Ele não podia ter quaisquer embaraços. Eduin tinha pensado em fazer uma outra tentativa com Carolin agora que a interferência Varzil Ridenow estava fora do caminho. Mas Carolin não estava em Hali. Ele tinha levado seus filhos para estudar em Nevarsin, entre os monges. Os esforços de Eduin para buscar uma audiência com seus primos, Rakhal e Lyondri, tinha sido profundamente rejeitado e o velho rei estava morrendo, de qualquer maneira não valia o risco. Sua nova tentativa com Carolin aconteceria em breve, disso ele estava certo. O trabalho em Hali não estava rendendo o bastante e não o agradava, especialmente nos arquivos. Ele não estava interessado na história, mas o acesso à biblioteca oferecia a única esperança de localizar a filha de Taniquel Hastur-Acosta. Com a chegada de Dyannis, ele deixou de lado o livro que ele analisava. Ela usava um vestido comum, um verde-pálido suave para ressaltar seus olhos e seu tartan com as cores de Ridenow. Seu perfume, sutilmente picante, o acariciou. Os anos de estudo e domínio em Hali tinham lhe dado uma sabedoria além sua idade. No entanto, alguns traços de sua personalidade indomável dela que ele tinha saboreado, aquele lado rebelde e impertinente permaneceram, embora ele agora tivesse sido afastado dela por suas próprias recusas. Ela era imprevisível, um tanto irresponsável consigo mesma, e, portanto, perigosa aos seus planos. -Você está enfiado aqui por quase dez dias. - Ela disse, mas sem qualquer indício do seu característico beicinho. -Eu quase não o vejo desde a sua chegada. Ele apontou para a pilha de pergaminhos, alguns deles em tal condição de fragilidade que não iriam sobreviver mais do que um ou dois invernos mais. -Trabalho... -Você tem ficado aqui por mais tempo do que qualquer um e não os arquivos não estão prestes a brotar pernas e ir a qualquer lugar. Mas você deve agradar a si mesmo. – Já que ele não tinha muita escolha e não queria cometer uma grosseria inominável, ele puxou um banquinho para que ela se sentasse. -O que você tanto analisa? -Registros de genealogia. -Oh. De quem? -Ramos obscuros dos Hasturs. Há ainda vestígios dos programas de melhoramento da Idade do Caos, incluindo alguns recessivos letais. Nós precisamos saber quem os transporta hoje, mesmo que apenas para evitar o seu ressurgimento. -Abençoado Aldones, nós não fazemos isso a muito tempo. -Disse ela. -Eu acho que nós estamos vivendo em uma grande era de progresso. Você deve ouvir o meu irmão falar, ele é tão cheio de novas ideias Um fim para a guerra de laran, novas formas de tratar doenças que até mesmo os plebeus sem formação que têm algum talento fariam... você acredita? E algum dia poderemos aceitar as mulheres como Guardiãs! -Isso é ridículo! -Não, é verdade. Você se lembra do rumor sobre Arilinn no Outono passado? Foi Felicia. Ela é uma técnica, mas quando Auster teve seu primeiro acidente vascular cerebral, ela assumiu como Guardiã. Eles dizem que ela salvou todo o círculo de uma explosão com clingfire. Eduin deu de ombros e sentindo apenas o frio congelante na boca do estômago. Ele tinha feito o seu melhor para esquecer o incidente. Arilinn havia se recusado a promovê-lo a sub-


Guardião quando ele mereceu isso claramente. Em vez disso, os tolos cegos-psíquicos tinham escolhido aquele usador de sandálias, Varzil, e agora talvez uma mulher! O insulto ainda irritava ele. Ele não sentia nenhuma tristeza com a morte de Auster. Pela sua expressão Dyannis parecia esperar uma resposta, algum sinal de interesse. -Sim, eu lembro de ter ouvido algo sobre isso. – Ele disse. –Eu não dou muita atenção a tais fofocas. As pessoas que não tem nada melhor para fazer estão sempre espalhando contos fantásticos. -Bem! - Ela bateu palmas como uma criança. -Isto é muito mais do que uma conversa fiada. Felicia é vai realmente ser treinada como sub-Guardiã na Torre Hestral. -Outro rumor. -Não, é verdade. Marelie foi trabalhar nas Hellers e soube diretamente de Hestral. -Isso é justo. - Ele bufou, apenas mascarando seu desprezo. -Uma Torre insignificante não deve ter ninguém pretendente ao cargo. -Eduin! O que deu em você? Você não acha isso excitante uma mulher ser sequer considerada para tal cargo? E é claro que teria que começar num lugar como Hestral. Você não esperaria que Arilinn ou Hali, inflexíveis como um ninho seco de Barak tomasse tal iniciativa, não é? Além disso, Felicia não é exatamente uma ninguém. Ela pode ser nedestra, mas ela é da linha real dos Hastur. Ela pode até estar nesses registros que você está estudando. Um alerta soou dentro de Eduin. -O que você quer dizer? -Prometa que não vai contar, mas ela é a filha da famosa Rainha Taniquel. Eu sei que é um suposto segredo, mas é tão emocionante que eu tinha que dizer a alguém! Eduin sentiu a respiração deixar seu corpo. Filha da Rainha Taniquel! A mesma... - Dyannis continuava tagarelando. - visitou Hali há algum tempo, juntamente com o meu irmão, eu acho que ele é um pouco louco por ela, se você quer saber... Ele mal conseguia pensar em mais nada. Ele tetava ser indiscreto em seus pensamentos e tenho certeza que ele acreditava ter blindado a mente dele, mas eu sou sua irmã... Filha da Rainha Taniquel! A excitação queimava dentro dele. Rapidamente, ele apertou o cerco contra suas emoções para não despertar a curiosidade insaciável de Dyannis. -Você está certa. – Ele disse com uma voz que não parecia vir dele mesmo. -Este é um acontecimento interessante. Isto é, se for verdade, afinal tudo pode dar em nada. Não importa quão cuidadosamente nós escolhemos nossos sub-Guardiões, muitos podem não suportar o treinamento e ainda há as perdas por compromissos do curso natural da vida, como casamento e assuntos de família. Morte. Alguns deles podem morrer. Como seria fácil adicionar mais uma morte. Uma mulher imprudente o suficiente para tentar realizar o trabalho de um Guardião? Ninguém suspeitaria... -Sinto muito. - Disse Dyannis, usando sua voz num tom mais suave. -Isso foi falta de tato de minha parte, esquecendo-me do seu desapontamento. No entanto, tenha fé em seu coração. Você ainda vai encontrar o seu lugar onde seus talentos serão apreciados e cultivados.


Ele deixou-a falar por algum tempo, fazendo comentários superficiais quando ela pareciar esperar ele reagir. Então, ele se desculpou e dizendo que precisava fazer arranjos para trabalhar nas Hellers naquela noite. Eduin terminou o trabalho atribuído a ele e esperou por uma pausa no recebimento das mensagens e voltou no início da noite, quando havia poucas notícias e mensagens. Ele estava sozinho na sala circular. O outro trabalhador tinha se aposentado depois de um período de calmaria nas Hellers. De modo improvisado e sutil, ele se ofereceu para ficar sozinho. Inclinando-se sobre a tela azul brilhante ele estendeu sua mente para o seu correspondente da Torre Hestral. Eduin? -Veio uma voz mental, vagamente familiar. Era Serena, uma leronis que sempre sabia um pouco sobre as fofocas das Hellers. -Ouvimos dizer que você tinha deixado Arilinn. O que está fazendo em Hali? Nada demais. Aguardando minha hora e cuidando dos registros antigos mofados. - Sua boca se torceu em um sorriso obscuro. Então, com toda a delicadeza que conseguiu reunir, ele armou sua voz mental no grau certo de para causar um leve impacto e atiçar a vontade de falar da leronis. Será que há um lugar na Torre Hestral para outro técnico de matriz? Na primavera seguinte, Varzil foi formalmente apresentado como Guardião da Torre de Arilinn para o Conselho Comyn. A ansiedade aumentou quando ele entrou na mesma câmara onde, tantos anos atrás, ele tinha estado antes deles aguardando a sua aprovação. Ele reconheceu muitas das mesmas faces, embora elas estivessem mais desgastadas pelo tempo e de cabelos grisalhos. Alguns dos idosos estavam ausentes, substituídos por homens mais jovens. Seu irmão Harald agora ocupadava o espaço para Ridenow de Água Doce entre os parentes mais ilustres. Em um momento de ócio, ele desejou que Carolin tivesse sido capaz de comparecer, mas ele estava em Nervasin e Rakhal tinha vindo em seu ligar. Varzil concentrou-se no conjunto de homens ali. Em certo sentido, ele não precisava mais desses homens. Ele era um Guardião, acima da censura das pessoas comuns. No entanto, para fazer o que ele pretendia fazer, para seguir com seu sonho de um pacto de honra, ele deveria ter o seu apoio e cooperação. Alguns já haviam formado suas opiniões, boas e más, enquanto outros estavam dispostos a esperar e ouvir. Alguns desprezavam-no e o viam como fraco, como um traidor de sua casta com sua conversa de formação das mulheres e plebeus, a sua vontade de experimentar novas ideias. Havia pouco que pudesse fazer para convencê-los do contrário. Em vez disso, ele devia sua lealdade para com aqueles que o viam como um prenúncio de uma mudança positiva, uma forma de luz através da escuridão do caos. Eu carregarei as suas esperanças, assim como St. Christopher suportou o Fardo do Mundo. Embora Varzil não fosse cristoforo, ele viu a analogia perfeita. Como percebeu a necessidade de aprovação do Conselho ele orou para ter forças para carregar esse fardo. Na conclusão da apresentação, Varzil tomou o seu lugar como representante de Arilinn, sabendo que ele tinha ganho o seu lugar ali, não por acidente de nascimento, mas por seu próprio mérito.


Naquela noite, Varzil compareceu nas festividades. O vinho fluía livremente. Ele bebeu pouco, pois a muito ele tinha percebido que não tinha muita resistência ao seu efeit e havia muito trabalho importante a fazer na Torre que não permitia mais uma noite de uma pausa. Rakhal bebia muito e Varzil estava grato que ele não precisasse ter mais nenhuma relação com ele além de um cumprimento educado, ele sendo primo ou não de Carolin. Mais tarde, durante a sessão, Varzil encontrou tempo para falar em particular com seu irmão. Harald tinha se transformado em um homem poderoso e forte, de ombros largos, o cabelo amarelo e barba agora escurecidos num tom de bronze. Ele não queria ouvir arrependimentos de Varzil por não ser capaz de voltar para casa após a morte de seu pai. -Teria sido suicídio. - Harald insistiu. -Estávamos lutando com homens-gatos por um lado, e aqueles gre'zuin das Astúrias por outro. O que você poderia ter feito, exceto se tornar um alvo fácil? O pai já estava em seu túmulo. Você fez muito melhor focando em seus deveres para com os vivos. -Sim, isso é o que o pai teria dito. - Varzil pensou que seu irmão estava parecendo com Dom Felix em mais do que uma maneira. Um homem de ânimos fortes que não se queria enfurecer, uma personalidade sólida, inflexível como o aço quando já tinha tomado sua decisão. Harald continuou num tom mais suave... -Ele teria ficado orgulhoso de estar aqui para ver o que você fez de si mesmo. Ele não diria isso em voz alta, mas ele... - Harald gaguejou, sua voz pesada de emoção, -...se arrependia de se colocar em seu caminho quando você queria estudar em Arilinn. Ele estava errado em se opor a você e sabia disso. Não, Dom Felix nunca teria admitido tal erro. Seu próprio orgulho feroz o proibia. Apenas Harald, que o havia convencido, cuja vida foi salva por esses mesmos talentos que Dom Felix tinha menosprezado, poderia fazê-lo por ele. Agora, nas imagens mentais vislumbradas a partir das memórias de seu irmão, mudavam de raiva e desprezo para orgulho de seu pai em relação à Varzil. -Meu filho é um laranzu em Arilinn. As palavras ecoaram na mente de Varzil e ele sabia que seu pai tinha realmente pronunciado elas. -Olhe para você, Guardião de Arilinn. - Disse Harald. -Sim, ele teria ficado orgulhoso. -Agradeço-lhe. - Disse Varzil no silêncio constrangedor que se seguiu. -Para um homem que nunca teve a intenção de enviar nenhum de seus filhos para a Torre, ele acabou com dois neste caminho. -Dyannis, bem agora, isso é outra questão. - Harald parecia desconfortável. -Ela deveria voltar para casa depois de uma temporada ou duas, quando um bom casamento foi arranjado para ela. Você deve se lembrar, o primeiro veio por nada quando o rapaz morreu de um ferimento na perna que piorou. É hora de nós tentarmos outra vez. Nós não estamos tão fortes para podermos nos dar ao luxo de deixar passar qualquer aliança vantajosa. Harald claramente esperava que Varzil concordasse com ele e talvez até mesmo sugerisse algum rico e influente senhor Comyn de seu conhecimento. Varzil, baseando-se reserva de seu posto como Guardião, respondeu calmamente: -Eu não daria esse passo sem consultar Dyannis sobre si mesma. Se for o desejo dela, eu não vou ficar em seu caminho. Ela sempre teve força de vontade e personalidade forte, além de sua formação que lhe deu certa independência.


-Você quer dizer insolência. Quanto mais cedo tirá-la de lá, mais cedo ela vai aceitar suas funções e conformar em se tornar uma esposa adequadamente obediente. Varzil riu. -Obviamente, você não tem falado com a nossa irmã a alguns anos ou você não se atreveria a sugerir uma coisa dessas! Harald, ela fez um lugar para si mesma em Hali, assim como eu tenho feito em Arilinn. Ela é um hábil leronis sem em dívida com ninguém. Eu não acho que ela vai passivamente entregar sua liberdade em que ela tem trabalhado tão duro. -Ela ainda é uma Ridenow. Ela tem uma obrigação com sua família. -Mas nós já não estamos cercados por inimigos de todos os lados. - Varzil apontou. -Nós nos sentamos no Conselho aqui pelo nosso próprio direito. Carolin, que será o próximo rei Hastur, deseja apenas paz e amizade entre nossas terras. -Isso também pode mudar. - Harald parecia zangado agora, as sobrancelhas escuras franzidas. Varzil pegou uma ponta de seu pensamento... Temos sido inimigos antes, e até mesmo o seu príncipe Carolin pode revelar-se falso, se isso servis ao seu próprio interesse. Varzil não viu uma maneira de discutir sobre o amor duradouro e de confiança que ele dividia com Carolin, nem mesmo citando o velho provérbio, “a palavra de um Hastur”, como um juramento inquebrável. Em vez disso, ele disse: -Então é ainda mais importante que Dyannis permaneça na Torre de Hali, pois ela é uma Ridenow entre os Hasturs, vivendo e trabalhando juntos. Nenhum juramento ou voto de casamento poderia criar um vínculo mais profundo do que entre leronyn’s do mesmo círculo. Essas alianças não devem ser deixados de lado de ânimo por qualquer desavença. Quando Harald continuou aparentemente cético, Varzil deixou de lado o argumento. Ele tinha feito o que podia por Dyannis. Se ele não conseguiu dissuadi-la de um caso irrefletido com Eduin quando ela era apenas uma menina e recém-chegada à Torre, agora, Harald não tinha chances de convencê-la a sair se não fosse seu próprio desejo. Como poucas vezes na vida, ele pensou se a fortuna concede mesmo uma escolha verdadeiramente livre. Ele tocou o anel em sua mão direita e senti um pulso de energia em resposta. Em sua mente, Felicia ainda estava dentro do círculo de seus braços, seu rosto brilhando, os lábios quentes com sorrisos e beijos. Seu dom exigiu que ela saísse, enquanto o dele o exigiu que ficasse. Varzil reprimiu um arrepio. Não havia nenhuma razão para duvidar da sabedoria de sua escolha, apenas esse momento de hesitação que insistia em perseguir a ambos. Teria sido um flash de advertência presciente ou somente a ansiedade natural de embarcar em algo tão ousado, tão novo? Ele se perguntou se ele tinha feito um favor a sua irmã, permitindo que ela permaneça onde ela poderia algum dia enfrentar um destino similar...


______ ______ LIVRO III

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CAPÍTULO 31 Mais frio do que o sétimo inferno de Zandru! – Carolin lembrou-se do velho ditado, pensando, não pela primeira vez, que já deveria ter partido. –Mais frio do que Nervasin no inverno. Ou na primavera. Ou no outono...ou em qualquer outra época. O mosteiro de São Valentim das Neves tinha sido construído entre os braços das geleiras, esculpido na rocha sólida da montanha. Havia muitos prazeres que acompanhavam ser o herdeiro do trono Hastur, mas a temperatura em Nervasin não era um deles. Ele trouxe seus filhos para viver e estudar com os monges assim como ele tinha planejado e tinha permanecido mais do que o estritamente necessário. Como ele tinha prometido no leito de morte de Alianora, ele havia colocado seu rosário com os outros símbolos de devoção no altar do santuário. Ao longo de um mês ele se reuniu com seus parentes distantes, os Aldaran, o Guardião da Torre e o Padre Mestre do mosteiro, extraindo o máximo de cada sessão para atrasar a sua volta sozinho para Hali. Enquanto isso, ele não iria desgraçar a sua casa ou a si mesmo resmungando. Deitado na cama estreita sob o seu manto de lã de carneiro grosso, ele refletiu que tinha o privilégio de um cobertor e comida quente para comer, sentar-se perto fogo na casa de hóspedes e poderia exercer esses prazeres como desejasse. Os meninos noviços da Ordem de São Cristóvão, até mesmo os seus próprios filhos, não tinham nenhum desses luxos. Ele tinha ouvido os gemidos dos recém-chegados com uma pontada no coração. Em breve, diziam os monges, eles iriam se habituar, aprender a regular seus corpos para gerar calor e prosperar com qualquer alimento que lhes fosse fornecido. O sino da manhã já tinha tocado e Carolin já estava atrasado por tempo suficiente. Embora como um convidado ele não fosse obrigado a cumprir as horas rígidas de oração e trabalho, ele preferiu observar os ritmos da comunidade. Desta forma, ele conheceria o sentido maior da vida e cuidados dos cristoforos. Esse conhecimento já havia dado a ele novas percepções sobre o seu próprio povo. Carolin controlou seus dentes para impedi-los de bater e saltou fora da cama. Quando ele tivesse quebrado o gelo em sua bacia, o pior estaria terminado. Obrigou-se a lavar-se no frio completamente. Se ele não podia controlar a sensação de frio da forma que os monges podiam, pelo menos ele poderia dominar suas próprias ações e não correr de suas abluções matinais, como um gato em um rio. Vestiu-se com cuidado, com um cinto de couro largo, sua túnica de lã e calças, que haviam sido tingidos de um cinza suave. Sobre ela o tartan azul e prata dos Hastur. Ele sorriu, lembrando-se do cinto vermelho pelo qual ele e Orain tinham quando eram rapazes. Orain. . . Ele não tinha pensado em seu irmão de criação nos últimos 10 dias. Orain estava de volta em Hali, a serviço de Lyondri. Carolin desceu ao refeitório da casa de hóspedes onde um dos irmãos Cristoforos ofereceu-lhe mingau cozido. Uma xícara de mel de flores silvestres e uma jarra de creme, claramente da mesma cerâmica, estava no meio da mesa de madeira nua, juntamente com uma tigela de maçãs frescas. Carolin pensou que nenhum almoço formal em Hali, servido em porcelana dourada com utensílios de prata preciosa, tinha sido tão satisfatório.


Ele parou por um momento ao lado de um pátio para prender o manto forrado de pele e ouvir o coro praticando na capela adjacente. As doces vozes dos rapazes subiam acima dos outros, etéreas, quase de outro mundo. A vida que levavam era simples, suas vidas confinadas, prescrita... previsível. Ele viveria feliz assim? Algumas aves não podem ser enjauladas. - Ele pensou. -Sem o livre dom do céu, com todas as suas incertezas e perigos, eles definham. Carolin não tinha dado mais do que alguns passos além da casa de hóspedes para as ruas com paredes cinzas da cidade quando um menino correu para ele. -Dom Carolin Hastur. – Era uma afirmação, não uma pergunta. Carolin reconheceu o rapaz como um dos noviços da Torre de Nevarsin. Ele era o filho de Dom Valdrin Castamir de Highgarth. O frio tinha levado o sangue para suas bochechas. -Jovem Derrek. - Carolin inclinou a cabeça educadamente e observou a coragem do menino com prazer. -O que o traz ao exterior em uma manhã tão fria? -Vai dom, estou aqui para leva-lo para a Torre. A mensagem chegou através das Hellers a pouco. É hora de partir para Hali. Então ele partiu. A notícia só podia significar uma coisa, Carolin pensou enquanto seguia Derrek Castamir através do emaranhado de ruas estreitas. Os edifícios de pedra agrupados tão juntos que o sol nunca brilhava muito em numerosos cantos sombreados. Passando pelo portão exterior e um amplo salão da Torre, Carolin pisou em uma câmara não muito diferente da sala comum em Arilinn. Calor e luz do fogo generoso e os globos de acobreados energizados por laran enchia o espaço. O Guardião da Torre Nervasin avançou para cumprimentá-lo. Por suas características ele devia ser um Alton, um pouco gordo, mas ainda no auge de seu vigor. Carolin tinha conversao com ele ao chegar em Nevarsin, mas não o tinha visto desde então. O Guardião chamou Carolin de lado. Seu rosto, que antes parecia formado por alegria, agora era grave. -A informação veio de Hali ao longo das Hellers para nós. -Meu tio... o rei Felix... -Juntou-se a seus ilustres antepassados. Abaixando a cabeça, Carolin permitiu-se um momento de silêncio. O sangue Chieri sangue tinha trazido aos Hasturs muitos presentes, mas este caso de vida longa não tinha sido um deles. O homem, o rei e seu tio, a quem Carolin tinha amado como uma criança tinha deixado de existir a muitos anos. E agora, depois de esperar por tanto tempo, eu sou o rei. Aldones, Senhor da Luz, permita que eu seja digno! A enormidade do que isso significava se levantou em seu íntimo como a inundação de um rio. O funeral, a coroação, estabelecer seu próprio tribunal, formalizar e acalmar as vozes dissidentes dos reis vizinhos, reviver o Conselho Hastur para controlar os abusos das armas de laran e, acima de tudo, o sonho a tanto almejado... O pacto. Carolin endireitou os ombros. -Eu agradeço por trazer esta notícia para mim tão rapidamente. Agora eu devo ir e preparar meu retorno a Hali. Por favor, envie a notícia aos meus homens que irei assim que eu puder.


-Seus súditos em Hali disseram que um carro aéreo estará esperando por você em Caer Donn. Carolin assentiu. Os ventos traiçoeiros da montanha tornavam os vôos para Nevarsin praticamente impossíveis, mesmo no mais suave clima. Os guardas que o acompanhavam como um príncipe deveriam servi-lo também como rei. O Guardião observou-o com aquele olhar firme e penetrante das Torres. -Então adelandeyo, Rei Carolin Hastur Rei. Que você ande apenas na Luz. E que os deuses sorria acima de você, - o Guardião acrescentou silenciosamente, -para você e todos os homens que terão a sua bênção. -Temos que nos apressar enquanto podemos. - Carolin disse aos seus homens. Eles batiam calcanhares através dos portões da cidade e na estrada o mais rápido que podiam. Seu negro Longlegs de raça pura, trazido de Armida de raça, corria com euforia, ansioso para ser exercitar-se depois dos dias parado no estábulo. Além da cidade, nuvens escuras pendiam-se como cortinas para um funeral. Eles tinham chegado em dois dias no vale quando a tempestade os atingiu. O branco da neve e nuvens cobriu a montanha atrás deles. O vento e o gelo atravessava suas capas de viagem, os cavalos chicoteavam suas crinas e a violência dos ventos roubava o ar de seus pulmões dificultando a respiração. Pedras de granizo golpeavam eles de tal forma que os cavalos achatavam seus ouvidos contra o pescoço em busca de refúgio. Por fim, os ventos diminuíram e os pedras congeladas e rígidas deram lugar a flocos suaves e brancos. O céu escureceu, anunciando um crepúsculo precoce e queda de temperaturas durante a noite. Não havia como voltar para Nevarsin, não com a tempestade que havia caído, nem poderia montar acampamento ao longo da estrada. Eles teriam que correr na maior velocidade que pudessem para encontrar um abrigo de viajantes antes que escurecesse. À medida que o dia passava, a neve começou a cair de forma constante, espessa, encharcando suas capas de lã e emsopando os cascos dos cavalos deixando suas patas escorregadias. O pequeno comboio diminuiu ainda mais o passo. Os homens levataram seus capuzes fechando-os em torno de seus rostos. Os cavalos baixaram as cabeças, as caudas apertadas contra suas nádegas, e se arrastavam-se no caminho adiante. Carolin se perguntou se teria sido um tolo por partir tão cedo, mas ele não tinha visto nenhuma outra escolha. Ele não tinha asas para voar até Hali e a terra não poderia esperar até a primavera para ter seu novo rei. Em Arilinn, ele tinha ouvido falar de técnicas antigas para trazer as pessoas fisicamente através das Hellers. Ele pensou que o conhecimento havia se perdido na Era do Caos como tantos outros tinham se perdido. De qualquer forma, não iria servi-lo de nada agora. De certa forma, este atraso era uma bênção, um tempo para se preparar plenamente para o que estava por vir. Ele tinha se preparado para o dia em que ele se tornaria rei por muito tempo, agora que o fardo estava sobre ele, ele percebia a enormidade da responsabilidade. Ele tinha visto em seu tio como um rei pode facilmente exercer a injustiça; em Rakhal, as tentações de facilidade, alimentos ricos, vinho infinitos e mulheres dispostas; e, em Lyondri, como o poder de apreender bens de um homem ou até mesmo sua vida poderia corromper mesmo um bom homem honesto.


Eu NUNCA devo me esquecer do rei que sou eu. Ele pensou que deveria sempre governar a terra como um membro ligado a ele, para manter a fé e a lealdade dadas a ele pelo povo e colocar de lado o interesse pessoal. Assim eu jurarei em Hali na fead rhu e no fogo sagrado dos meus antepassados. E, assim, ele já havia jurado em seu coração. Naquele momento, Carolin visualizou o próprio Aldones, Senhor da Luz e pai do primeiro Hastur, ouviu e abençoou seu juramento. Ele se viu ajoelhado diante de uma figura tão brilhante que ele não pôde olhar diretamente, abaixando suas brilhantes mãos e colocando a de Carolin entre elas. Nenhuma palavra foi dita, mas ele sentiu seus segredos mais íntimos revelados à medida em que uma luz pura revelava seus momentos de temperamento mesquinho, suas esperanças frustradas, seu orgulho, mas também a sua generosidade, sua coragem, o seu amor e sua honra. A promessa silenciosa surgiu das profundezas de seu ser... Enquanto eu respirar, eu me comprometo a ser um senhor justo e o escudo contra todo o mal para meu povo. Com as normais palavras de um ritual ele concluiu: O Deuses testemunham a isto como testemunham o que é sagrado em Hali. Para Carolin não era necessário nenhuma afirmação formal a mais do seu juramento. Quando a visão desapareceu um calor permaneceu em sua testa como um sinal de bênção. No final da tarde, eles chegaram a uma aldeia, pouco mais do que uma pousada e um par de celeiros com currais em volta. A fumaça subia das chaminés e luzes brilhavam das janelas. -Eu não me lembro este lugar. - Disse o capitão de Carolin. -Nem eu. - Respondeu Carolin, manejando seu cavalo na direção das luzes amigáveis à frente. -Você acha que fomos pegos em um vento fantasma e isto é apenas um monte de pedras? Ou pior ainda, um covil de banshee? Atrás dele, os homens riram, quebrando a tensão da jornada. -Vai dom, passar aqui um dia é justo depois de tantos dias nas camas de Nevarsin. Depois dessa jornada poderiamos ter passado por uma dúzia de aldeias com dançarinas e coelhosde-chifres assados pendurados que não teríamos notado de tão exautos. Carolin desceu de seu cavalo. Eles entraram na pousada com uma única sala comum com uma escada na parte de trás. A mesa de cavalete que ocupava a maior parte do piso era desigual e muito mal feita. Uma panela estava pendurada acima do fogo e uma mulher se inclinava sobre ele, mexendo-o. Ela usava tantas camadas de saia e xale que era impossível determinar o seu tamanho ou idade. -Todos eles se foram... - ela disse sem olhar para cima. Ela levantou a cabeça e interrompeu-se, vendo Carolin na porta. -Oh! Meus senhores! -Perdoe a intrusão, minha boa mulher, mas você poderia nos fornecer uma refeição quente? Eles lotaram a sala, ansiosos para colocar imediatamente suas capas úmidas no vapor do calor do ambiente. A mulher se movimentava rapidamente, tirando conchas e talheres de madeira e copos de um armário, servindo porções de sopa grossa com grãos cozidos e vegetais de raiz, enchendo jarros de cerâmica com cerveja de um barril. A comida era


simples e sem muito sal. Provavelmente ela havia aprendido a cozinhar na casa de hóspedes em Nervasin. A cerveja, no entanto, estava excelente e eles prazeirosamente degustavam o grão maltado bem iluminado pela colheita de um forte sol. Quando eles estavam terminando a refeição, dois homens entraram, felizes por pisarem fora da neve. Com a recepção que a mulher lhes deu, eles claramente eram seu marido e irmão. O marido serviu outra rodada de cerveja para todos. Ele pairava sobre a mesa, conversando afavelmente. Sua mulher desapareceu para começar a preparar outro lote de pães. Apesar do calor calmante do fogo, Carolin não podia evitar um sentimento de urgência crescente. -Em que distância fica a aldeia mais próxima? -Oh, metade de um dia até uma feira de bolos, senhor. Mas você não está querendo viajar tão tarde assim não é? Aqui temos paredes robustas, alegria e um fogo aconchegante. Nós temos apenas dois quartos, mas há espaço para se espalhar um manto perto do fogo. Os argumentos do homem faziam sentido, mesmo que tenham sido causados pelo pensamento de que todos esses serviços não seria de graça. Isso, no final do ano, os viajantes ricos devem ser poucos. O capitão de Carolin inclinou-se, abaixando seu tom de voz. -Vai dom, você não pode estar pensando em viajar hoje à noite. -Fique à vontade, meu amigo. Vamos ficar aqui e sair amanhã com a primeira luz. Os homens fizeram paletes de suas capas na sala comum, assim como o gerente tinha sugerido. Carolin subiu para uma das câmaras de hóspedes, seu capitão e assessor para a outra. O quarto era estreito, com uma única janela pequena, situada no alto da parede de pedra bruta e de tal vidro grosso que nenhum detalhe poderia ser visto através dele. Como ele esperava, a cama era muito curta para a sua altura. Foi uma boa sorte ele ter o seu próprio manto grosso para adicionar aos cobertores remendados, mas tudo estava limpo e muito limpo. Com tal cerveja e limpeza, bem como a sua situação no principal caminho para Nevarsin, a pousada deveria ter sido próspera. A pobreza era devido a alguma dificuldade pessoal por parte do gerente ou impostos cada vez mais altos para apoiar as guerras e a Torre? Eu devo ver se eu posso descobrir discretamente, - ele pensou como seu corpo relaxado no sono. – pela manhã. Carolin acordara assustado com uma luz fraca, nebulosa. Ainda era noite. Em torno dele, as madeiras da casa rangiam. Ele ouvia um som ressonante do outro lado da parede fina. Os fragmentos de seu último sonho dissolviam-se em torno dele, pedaços de som e imagem. Alguém estava chamando-o? ... Varzil? Ele concentrou sua mente como ele tinha aprendido durante sua época em Arilinn há muito tempo. Não houve resposta, mas ele continuou tentando ouvir... Seus pensamentos e as tarefas que colocavam diante dele. Contos tinha vindo a ele de ações boas e más, de quadro de guardas de Lyondri, de pedras atiradas em protesto contra os impostos, de suborno e nepotismo nas cortes, de decisões duras e triviais por um cada vez mais senil Rei Felix. Ao longo dos últimos anos, ele tinha sido cada vez menos capaz de influenciar seu tio, que não queria ouvir qualquer indício de crítica ou discordância. A


bajulação de Rakhal era muito mais agradável. Então, Carolin esperou pelo seu tempo de reinar, fazendo o que podia, planejando tudo o que mudaria. Eu sou o Rei agora. Estas são as minhas pessoas, meus súditos. Eu os regerei com honra e justiça. Belas palavras, ele sabia, muitas vezes se desintegravam na realidade fria. Pelo menos, ele iria começar da melhor maneira possível. Ele iria reunir conselheiros em quem podia confiar, homens que iriam falar com ele francamente e sem fins ocultos de seus próprios desejos. Um sorriso veio-lhe à boca. Ele iria convocar Varzil para Hali e juntos eles iriam reconstruir Neskaya, assim como haviam planejado. Seria um símbolo de uma nova era, uma nova esperança para a paz, um lugar onde coroa e Torre iriam depor suas armas. Com essa visão em sua mente, ele se voltara para dormir. Na manhã seguinte, os ventos vieram à tona novamente, chicoteando a neve numa enxurrada que impedia a visão. -Não podemos viajar nestas condições. - O capitão relatou. Ele tinha ido para os estábulos para cuidar dos cavalos e quase tinha voado com os ventos. –Nós estaríamos perdidos antes de darmos sequer dez passos. Relutantemente, Carolin concordou. A noite o havia deixado com um sentido de urgência ainda maior. Disse a si mesmo que Hali estava segura nas mãos dos Regentes. O trono iria esperar por seu retorno. Ele não tinha o direito de arriscar-se em uma tempestade de neve nas Hellers. Enquanto isso, a pousada era confortável e quente, com um excelente tratamento do senhorio.


CAPÍTULO 32 Dez dias depois, Carolin e seus homens finalmente partiram. O ar estava muito frio e claro, pedaços grossos de gelo como uma crosta sobre a neve, mas os cavalos estavam descansados e ansiosos para o exercício. Seus cascos romperam rompiam a superfície quebradiça no solo com ruídos de trituração dos anéis de freio e o ranger do couro da sela. Quando o sol chegou ao topo a luz encheu o vale. Atrás deles estavam os picos de Nevarsin. A estrada fazia uma curva diante deles, deixando campos e fazendas silenciosas sob um manto branco espumante de neblina. O dia aqueceu ligeiramente, o suficiente para derreter o gelo. Um dos homens começou a cantarolar com um ritmo forte e controlado e os outros o seguiram. O espírito de Carolin estava alegre. Como era bom a sensação de estar vivo! O vento da passagem queimava em seu rosto e seus dedos passavam através de seu cabelo com uma emoção diferente de vida. Ele ouviu os cascos na estrada à frente antes de qualquer um deles ouvir o som. Com um sinal, ele diminuiu os passos de seus homens para uma simples caminhada. A neve na estrada à frente abafava o barulho, mas, dentro de alguns instantes, não haveria nenhuma dúvida de presença. Um único cavaleiro apareceu, uma silhueta escura contra a brancura da estrada e do campo. O capitão cutucou sua montaria levando-a para a frente e colocando-se entre Carolin e o cavaleiro se aproximando rapidamente. Ele soltou sua espada da bainha e a deixou de prontidão. Carolin começou a dizer-lhe para não arriscar a trégua da estrada por uma ação precipitada. Mas a inquietação atiçava as bordas de sua mente. Seu pulso saltava em sua garganta. Sua égua negra inquitou-se e puxou o freio. O cavaleiro correu em direção a eles dobrado e abaixado em pleno galope. Nem suas cores nem qualquer emblema de identificação poderia ser reconhecido. -Hail lá! - O capitão gritou. Carolin reconheceu o cavaleiro, não pelo rosto do homem, mas sim pelo seu assento na sela. Apenas um homem que ele tinha conhecido andava assim. Esse quadro de altura, quase magro, era inconfundível, mesmo sob as camadas de sua capa. -Não há necessidade da espada. - Carolin disse aos seus homens, ele lançou as rédeas e o cavalo avançou. -Orain! Por todos os deuses, o que você está fazendo aqui? O cavaleiro puxou seu cavalo e saltou para o chão. -Vai dom! Eu não cheguei tarde demais! Carolin desceu da sela e pegou Orain em um abraço firme. Quando sua bochecha tocou a pele nua da barba por fazer de seu amigo, um choque de emoção passou por ele. Ele recuou. Algo estava terrivelmente errado. -Eu fui informado da notícia da morte de meu tio, se é isso que o incomoda. - Disse Carolin. -Você não precisava ter pego um bom cavalo e feito tão difícil jornada para me dizer. Como você pode ver, já estou no meu caminho para Caer Donn onde um carro aéreo


me espera. E... – lançou um olhar para trás em direção a seus guardas -eu estou bem protegido. -Todos em Hali estavam preparando-se para recebê-lo... - Orain gaguejou -Mas Rakhal... ele tomou o trono! -Rakhal? Deve haver algum engano. -Ele afirma que o rei Felix o nomeou herdeiro em seu leito de morte, embora só Aldones saiba se isso é verdade. Os regentes, Zandru os amaldiçoe, não se atrevem a enfrentá-lo. Carolin fez uma careta. O velho rei tinha ficado mais fraco ao longo dos últimos anos. Muitas vezes, ele conversou com pessoas já mortas há muito tempo, confundiu filho com pai e esqueceu-se de onde estava. Ele poderia facilmente ter esquecido que o trono deveria, por lei e costume, ir para Carolin, filho de seu irmão mais velho. Orain sacudiu a cabeça. -Você fez bem em se atrasar! Rakhal já está coroado! Ele afirma que você não está apto e o declarou como traidor e sua senhora esposa uma espiã. Agora mesmo, os soldados estão a caminho para prendê-lo! Rakhal... Rakhal com suas palavras suaves, lisonjeiras e enganando o velho senil... Rakhal insinuando posições de maior poder e autoridade... Rakhal formando um grupo de guardas leais somente a si mesmo... Como eu pude ter perdido os sinais? De alguma forma Rakhal tinha descoberto o segredo da pobre Alianora e usou-o para convencer os regentes a rejeitarem a legítima reivindicação de Carolin. Uma vez nas mãos de Rakhal sua vida não valeria nada. Rakhal não se atreveria a deixá-lo viver. -O primeiro ato de Rakhal é executar ou prender todos aqueles que se opõem as suas reivindicações, mesmo o velho Lorde Elhalyn, que foi o conselheiro-chefe do Rei Felix por todos esses anos. - Orain continuou. –Lyondri e seus homens já estão agindo com todo vigor destruindo qualquer um que diga uma palavra contra Rakhal. Carolin fechou os olhos contra a imagem das ruas de Hali repletas de sangue. Rapidamente, ele se recompôs. Haveria tempo suficiente para o pesar e para planejar. Agora ele deveria agir para salvar a si mesmo e a seus filhos. Isso o tornaria um bandido, ele sabia, mas não havia outra escolha. Ele colocou uma mão no ombro de Orain e lembrou que ele tinha sido uma vez um homem jurado de Lyondri. -Você não deve retornar para Hali, meu amigo. Se fosse descoberto que me advertiu... Orain baixou a cabeça. -Para servirte. Um pensamento terrível passou pela cabeça de Carolin com seus filhos deixados para trás, confiando e indefesos, no mosteiro de São Valentim das Neves. Rakhal não poderia dar o luxo de deixá-los viver, mais do que o de poupar a vida de Carolin. No mosteiro não há guardas armados, nem mesmo para os estudantes reais e os meninos não teriam nenhuma razão para suspeitar de um mensageiro de seu parente. O primeiro impulso de Carolin era galopar de volta para Nevarsin. A loucura de tal pensamento passou rápido. Ele já não era um homem sozinho que poderia cair nessas


paixões. Ele carregava o destino de todos Hastur. Ele tinha jurado em seu coração cumprir esse dever com maestria. Um atraso ou desvio poderia ser fatal. Se Orain tinha chegado aqui, tão longe ao longo da estrada, os servos de Rakhal ou, pior ainda, os açougueiros de Lyondri poderiam não estar muito atrás. Como eu pude ter sido tão cegos para o perigo que Rakhal era? Sua única esperança - a única esperança do reino - estava em fuga imediata. Quanto mais cedo ele se colocasse fora do alcance de Lyondri, melhor seriam suas chances. -Eu não posso te ordenar, meu amigo, só posso pedir isso, porque isso vai colocá-lo em um perigo ainda maior. - Disse Carolin. -Minha espada e eu estamos às suas ordens. - Orain tinha aproximou seu cavalo. Seu rosto estava ainda mais magro do que o habitual. -Uma vez jurei serviço para Lyondri, mas ele provou-se desonroso e corrupto. Eu não quebrar meu juramento com ele, pois ele já se tornou perjuro para com você, a quem ele deveria ter servido como seu rei. Diga-me qualquer coisa que eu possa dar, vai dom, e de bom grado será seu. -Então vá para Nevarsin tão rapidamente quanto possível, tire meus filhos de lá e mantenha-os em segurança. Orain franziu a testa. -Dois desses rapazes não podem ir muito longe com este tempo, mesmo em bons cavalos e com roupas quentes. -Vá para Highgarth, a sede de Dom Valdrin Castamir. Eu confio em sua honra e integridade. Ele não vai nos abandonar. Eu vou encontrá-lo lá quando Kyrrdis cumprimentar Idriel no céu da manhã, mas se eu não chegar, você deve levá-los além do Rio Kadarin, para as terras selvagens. Se eu ainda respirar, eu vou te encontrar lá. Guarde-os bem. -Minha vida darei por eles. – Orain disse inclinando a cabeça, depois virou seu cavalo e galopou de cabeça baixa ao longo da estrada para Nevarsin. Carolin observou a enxurrada de neve levantada pela montaria de Orain. A lealdade de tal homem era um presente que não tinha preço. Ele rezou para que ele fosse um governante digno dela. Mas só - ele lembrou-se firmemente –se eu permanecer vivo! -Cavalguem agora! - Carolin montou e seu cavalo abaixou um pouco o traseiro, jogando seu focinho para o céu como se em desafio. -Vamos andar juntos. A égua negra escorregou nas pedras soltas de uma pista de que era pouco mais do que um fio entre enormes cultivos que lembravam ossos tristes e irritados na terra. As montarias menores dos guardas lutavam atrás com cabeças baixas em muda resistência. O granizo caiu inclinado, impulsionado pelos ferozes ventos da montanha. Às vezes Carolin ouvia os gritos ululantes de lobos, chamando um ao outro. Ele não sabia se eles o recebiam como a um deles ou uniam-se a sua perseguição. Dias passavam um após o outro e Carolin e seus homens pareciam mais e mais com os lobos, desgrenhados, vigilantes, cautelosos. Eles alcançaram as terras que levavam à Kadarin. Por duas vezes eles tiveram que deixar para trás bandidos, homens desesperados que atacavam viajantes. Um dos cavalos foi aleijado em um ataque e dois homens feridos.


Ao longo da trilha, Carolin tinha acordado de um sono profundo mais de uma vez, suando com um forte sentimento de urgência. Ele desejava possuir laran suficiente para identificar o perigo, para definir de onde perigo vinha. Eles estão procurando por mim. - Pensou. –Os rastreadores de Lyondri e os leronyn de Rakhal. Rakhal tinha as Torres de Hali e Tramontana sob seu comando, com o poder de seus círculos, do fogo aderente, aves sentinelas e magias para unir os pés de um cavalo ou captar nuvens de pensamentos de um homem. Carolin pensou em seus amigos e parentes, em Lady Liriel em Tramontana, em Dyannis Ridenow em Hali, mesmo Dyannis com quem apenas teve uma parceria numa dança no Festival de Inverno há muitos anos, e, acima de tudo, em Maura. Ela estaria agora mesmo trabalhando seus pensamentos poderosos contra ele? Não, ele não podia acreditar nisso. Não pela primeira vez, ele desejava a companhia de Varzil com sua coragem e sabedoria constantes. Lembrou-se do ataque na beira do rio no caminho para o Lago Azul, de como Varzil tinha percebido o fogo aderente no dardo antes mesmo de atingir a capa. Ele poderia usar esse tipo de proteção vigilante agora. Eu estou aqui com você. Algo soprou através de sua mente. Não era um contato direto, por isso era impossível ao longo de tanto tempo e terrenos, e, embora Varzil fosse um telepata poderoso, Carolin não o era. Ele sentiu que Varzil segurava-o em pensamento, que, mesmo nestes tempos de desespero, ele não era esquecido. Carolin parou diante da lareira no grande salão do Alto Garth, saboreando a sensação de estar quente e seco novamente. Ele tinha perdido a noção dos dias de clandestinidade, viajando de noite, pulando em sombras. Muitas vezes ele pensava que apenas suportaria a próxima hora de frio e de fome ou próximo trecho da trilha. Se continuar assim, vamos esquecer quem somos e por que buscamos refúgio nessa terrível situação. As terras além do Kadarin tinha um ar enigmático e uma magia selvagem que afundavam suas garras na alma de um homem. Orain estava esperando por ele, junto com seus dois meninos. Eles correram para Carolin com prazer de vê-lo transbordando alegria. Para ele até agora a viagem tinha sido mais um feriado do que uma fuga desesperada. Valdrin Castamir tinha acolhido Carolin como senhor e irmão. -Muitos vão ficar com você e contra Rakhal, o Usurpador. Ele conseguiu o trono apoiado na ganância dos homens. Poucos iriam apoiá-lo de outra forma. Já ouvimos histórias de como ele aproveita as terras de qualquer homem que se recusa a favorece-lo e as entrega a seus lacaios como lisonjas. Até mesmo os pequenos agricultores que deveriam estar fora dos olhos dos gananciosos se tornaram suas vítimas. Ele envolve-se com aqueles que te dizem apenas o que ele deseja ouvir, e os que não o fazem são tratados sem contenção e misericórdia. Lyondri Hastur, seu carrasco, tornou-se um animal selvagem engordado em sangue. Vai dom, a situação só vai piorar à medida que Rakhal aperta seu cerco no poder.


As palavras de Valdrin perfuraram o coração de Carolin. Ele olhou do velho senhor a Orain, observando-o com olhos brilhantes. Estes homens iriam segui-lo, mesmo à custa de suas próprias vidas. Eles viram nele um símbolo de esperança, um rei justo e honrado. Eu seria essas coisas para o meu povo, embora elas não viessem de mim, mas através de mim. Durante os 10 dias seguintes, Carolin se reuniu não só com Dom Valdrin e Orain, que rapidamente se tornaram seus conselheiros de maior confiança, mas com pequenos agricultores e senhores menores dentro da área. Uma linha comum de medo corria por todos eles. Mais cedo ou mais tarde, com um pretexto ou outro, cada um deles arriscariamse à prisão ou pior. Dom Valdrin pediu a Carolin para usar Highgarth como seu quartel-general, o centro a partir do qual lançaria sua campanha para retomar o trono. -Essas pessoas têm apenas uma Rei a seguir. Carolin sacudiu a cabeça. -Eu não pagaria a sua lealdade colocando você em tal risco. Se Rakhal perceber que você me ajudou nada o pararia até destruí-lo. Ele deveria voltar para a floresta e ele sabia disso. Voltar ao frio e à fome e sempre olhando para trás. No momento, seus filhos estavam a salvo, mas por quanto tempo? Embora o próprio pensamento lhe desse um arrepio de medo através de sua medula, ele deveria levá-los consigo. -Não me peça para deixá-lo de novo. - Orain disse em um momento a sós. -Todos os dias eu temia pelo pior. Carolin colocou uma mão no ombro de seu irmão adotivo. -Tenho quase certeza de que vou precisar de você como emissário, pois não podemos estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Eu não posso imaginar ninguém que eu confiaria mais para falar por mim. - Então quando ele viu que Orain não iria protestar mais... -Eu não sou mais uma pessoa privada, sou Hastur de Hastur. Nós dois servimos a uma causa maior. Orain curvou a cabeça em concordância muda e não ofereceu mais objeções. Durante o tempo que passou na Highgarth, o pequeno grupo de seguidores de Carolin tinha crescido. Filhos de prédios vizinhos, inflamados pelo idealismo, pediam para se juntar a ele, assim como uma série dos próprios homens de Castamir. Carolin dividiu suas forças, pois ele precisava viajar de forma rápida e com o mínimo de antecedência possível por parte do inimigo. Para os guardas que o acompanhavam no percurso desesperado de Nevarsin, ele ofereceu uma escolha. -Vocês me serviram como um Hastur príncipe e herdeiro do trono. - Disse-lhes. -Eu sou grato por sua lealdade. Mas não posso pedir a nenhum de vocês para ir mais longe comigo. Alguns de vocês têm famílias ou juramentos de lealdade que os ligam a algum outro lugar. Qualquer homem que deseje voltar para Hali pode fazê-lo com meus agradecimentos. Alguns dos homens caíram de joelhos e prometeram que iriam seguir Carolin à Muralha ao Redor do Mundo se fosse preciso, mas o capitão, com lágrimas nos olhos, pediu licença, pois sua esposa era costureira da própria mulher de Lyondri, e ele temia pela vida dela se ele fosse nomeado como desertor e traidor. Carolin abraçou o homem.


-Vá com as bênçãos de todos os deuses, pois temo muito a guerra que coloca parentes um contra o outro e força os homens a escolher entre a vida de seus entes queridos e sua própria honra. Com insistência de Orain, Carolin decidiu disfarçar-se como um dos seus próprios homens sob o nome de Dom Carlo de Lago Azul. -Isso vai ajudar a espalhar a palavra que você está livre, mesmo no exílio. - Disse Orain. Esse conhecimento por si só vai ajudar a manter viva a esperança nos corações dos homens. Em uma manhã quando o ar continha a promessa suave da proximidade da primavera, Carolin, seus filhos e um pequeno grupo de homens leais sairam cavalgando de Highgarth para a perigosa viagem de volta para as terras selvagens do Kadarin.


CAPÍTULO 33 Era uma coisa boa, Eduin refletia, que tenha aprendido a ter paciência, pois esta estava sendo bem útil no ano anterior quando ele tinha chegado na Torre Hestral. Ele estava pronto para sair quando chegou a mensagem de Loryn Ardais, Guardião de Hestral, que um laranzu com sua habilidade e treinamento seria melhor aproveitado ali. No entanto, antes que ele pudesse fazer os preparativos todos em Hali anunciavam a morte do velho rei. Isso por si só apenas significaria um pequeno atraso por causa do funeral, mas a declaração de Rakhal que Carolin não tinha condições de assumir o trono e sua coroação posterior abalou toda a cidade. Notícias diárias desse senhor ou a declaração de um dos primos de Carolin chegavam sempre nas redes de transmissão. Lyondri Hastur e seus homens invadiram as ruas, lutando para restaurar a ordem. Não passava um dia sem algum outro homem, fidalgo, comerciante ou soldado descontente, sendo nomeado fora da lei. O próprio Carolin havia fugido para além do Rio Kadariff e vivia entre bandidos, com uma recompensa colocada sobre sua cabeça. Por uma temporada inteira os detentores em Hali proibiram qualquer viagem para fora da Torre. As estradas não eram seguras nestes tempos perigosos. Então Eduin permaneceu ali fazendo o trabalho atribuído a ele. Ele tinha perdido todo o interesse nos arquivos, mas ele tinha aprendido a apresentar uma boa aparência e ele queria que houvesse motivo para algum rumor ou queixa sobre ele. Em momentos de refúgio atrás do amortecedor telepático em sua porta ele se sentia tanto triste quanto exultante com o exílio de Carolin. Com Rakhal firme no trono e se tornando mais cruel a cada dia, as chances de sobrevivência de Carolin diminuíam. Eventualmente, os assassinos de Lyondri, o clima cruel do Kadarin ou algum tolo desesperado somado a generosidade de Carolin poria fim a vida dele. Às vezes, quando Eduin pensava em Carolin deitado numa poça de seu próprio sangue, ou morto de fome, ou congelado golpeado pelos elementos, um tremor de dor quase físico passava por ele. Em seguida, seu estômago se apertava em um nó gélido espalhando todos os pensamentos angustiantes, todas as memórias de amizade ruíam. Era esse o preço do toque do Deslucido ou algo mais profundo e mais sinistro? Em nome de Aldones e todos os deuses, o que tinha sido feito a ele? Na noite do Festival de Inverno, Eduin permitiu que Dyannis o atraísse para a cama mais uma vez. No início ele tinha toda a intenção de manter distância dela. Ela sabia demais do interior de muitas pessoas e nunca permitiu nenhum pensamento de sua missão para que ela captasse. Ele não podia se dar ao luxo de levantar quaisquer suspeitas. Disse a si mesmo que estava tudo acabado entre eles, e, naquele momento ele quis dizer isso. Sua vida não era sua, nem tinha sido alguma vez. Ele tinha sido um tolo por pensar o contrário. Ele ficou no limiar do seu quarto e sentiu a kireseth correndo como veneno em suas veias. Dyannis passou por ele para jogar as cortinas para trás. Era uma noite clara e o brilho multicolorido de três luas impregnavam o quarto. Ele sentiu como se estivesse à beira de um mundo encantado, um lugar de luz perolada e magias. Nem mesmo o brilho laranja fraco do fogo na lareira dissipava a ilusão.


Dyannis virou-se para ele com os olhos brilhando como prata. Com um movimento lento, líquido, ela estendeu a mão para libertar o fecho que segurava seu cabelo enrolado na nuca fazendo ele se soltar em uma cascata de seda vermelho-dourada. Ela parecia tão bonita que ele se perguntou se ela tinha lançado um feitiço sobre ele. Seu coração batia como uma coisa selvagem quando ela veio em sua direção. Seus lábios se separaram em um sorriso e seus dedos em seu rosto eram quentes. -Meu amor. – Ela sussurrou. Algo no meio da noite, o canto e o ritual, ou talvez fosse apenas o efeito da droga, deram à suas palavras um eco curioso. Cada sílaba percorria seu corpo como esferas de energia coloridas e quentes lhe dando vida. Uma fragrância intoxicante vinha da pele dela enquanto ela cobria seu rosto com beijos. -Meu primeiro amor. Como eu senti sua falta. Ouvindo essas palavras, algo deu lugar dentro dele. Era como se ela tivesse aberto uma porta secreta em seu coração. Ela apertou-se contra ele de modo que os limites de seus corpos separados começou a se dissolver, assim como suas mentes uniram-se. As curvas e vales quentes doces de seu corpo o receberam como a casa que ele nunca tinha conhecido. Eduin acordou perto do amanhecer com náuseas e tremores por todo o seu corpo. Ele se arrastou para seu próprio quarto onde se deitou em cima de sua cama solitária, vomitando. Ele sempre teve um estômago sensível com a kireseth e suas destilações. Esta reação ia além do meramente físico. Ele estava enojado consigo mesmo por ter cedido às tentações do momento. Ele nunca deveria ter permitido a si mesmo... ele deveria ter feito ela ir embora para sempre. Ele não tinha sido capaz de levar-se a tomar tal atitude. Agora, não importa onde ele fosse, não importa o que ele fizesse, ela seria parte dele. Foi uma loucura, ele sabia, mas ele podia sentir o calor persistente de seu amor como uma cobra enrolada em torno de seu coração. Ela é irmã de Varzil Ridenow, ele que é o amigo do peito Carolin Hastur e amante de Felicia Hastur-Acosta! Ele sentou-se jogando o cabelo insistentemente na testa para trás. Emoções turvavam e confrontavam-se dentro dele como nuvens de tempestade acima das Hellers. Certamente a sua alma iria rasgar sob a tensão. Ele não poderia continuar. Aldones me ajude! Mais e mais ele orou por uma maneira de se salvar através do emaranhado e emoções conflitantes. Não havia esperança para ele. Se o Senhor da Luz não iria arrancar este amor de seu coração, então Zandru, Senhor dos infernos congelados, deveria ser seu mestre. Transforme meu coração em gelo de modo que eu nunca possa sentir novamente! Como se em resposta, um arrepio percorreu seu corpo, penetrando em seu núcleo. Seus batimentos cardíacos estabilizaram. Meu coração em gelo... Ele repetiu as palavras em sua mente como um canto sagrado. Imediatamente a sensação de frio foi desaparecendo. Pensou nos monges em Nevarsin e como eles não tinham noção do tempo ou da temperatura, olhando apenas para a sua vida interior. E assim também ele deveria se apegar ao seu propósito.


O inverno cravara suas garras em Hali. Havia menos execuções como se ninguém tivesse coragem de lutar, nem mesmo os homens de Lyondri naquele frio. A vida diária já se tornando difícil o suficiente. Uma nevasca de 10 dias foi suficiente para que a neve cobrisse a cidade e o comércio abrandasse suas atividade para o mínimo possível. O mau tempo não veio sem bênçãos já que Eduin mal viu Dyannis. Ambos estavam em turnos longos de trabalho nos círculos, cuidando das grandes baterias de laran que forneciam calor e luz para o castelo. Rakhal tinha aumentado suas exigências e agora frequentemente percorria com o carro aéreo sobre seu novo reino. Quando Eduin encontrava Dyannis era passando em um corredor ou do outro lado da sala de jantar e trocavam apenas algumas palavras. O trabalho de matriz intensa empobrecia as energias sexuais de homens e mulheres. A primavera chegou em Hali como um ladrão, pois a sua presença mal foi notada. Dyannis foi chamada de volta para casa em algum negócio de família ou outra coisa qualquer. Eduin não perguntou quando ela o procurou espantada e eufórica na véspera de sua partida. -Quando soube que você viria para cá eu queria saber se seria como antes quando você veio pela primeira vez para Hali. - Disse ela, com uma cadência tímida em suas palavras que significavam “quando estávamos em nosso primeiro ". -Eu não sei se eu mais esperava ou temia. Nem todos os ferreiros em forja de Zandru pode concertar um ovo quebrado, é o que dizem. E eu não sou mais a mesma, nem mesmo com você. - Ela falou com uma ternura que enviou uma vibração familiar através de seu peito. –Eu não poderia voltar a ser a jovem eu era antes. Mas quando eu estive com você desejei que fosse possível. E assim você me evitou quando eu pensei que eu é que estava evitando você. -Exatamente.- Disse ela. -Mas... a noite do Festival de Inverno... Dyannis sacudiu a cabeça e, em sua memória, Eduin ouviu os pequenos sinos que ela usara no baile no salão Hastur quando ele a tomou em seus braços pela primeira vez. -Uma última noite perfeita para você guardar na memória, se desejar, antes de cada um seguir a vida que os deuses escolheram para nós. Ela aproximou-se tanto que ele sentiu a fragrância de seus cabelos, lavados com algumas ervas perfumadas e com o perfume de secarem-se ao sol, invadirem sem corpo. Na ponta dos pés ela ergueu-se e roçou seus lábios nos dele, como uma suave borboleta tocando-o. -Eu acredito que você vai fazer grandes coisas. Quando ouvir os homens cantando sempre me lembrarei daquela noite. Deixou-o, em seguida, sem olhar para trás. No momento em que havia esperado que ela o procurasse, ela tinha ido embora e em vez de alívio, ele se contorcia de desejo de chamá-la de volta. Se ela tivesse implorado e suplicado por uma promessa de amor eterno ele teria tido pouca dificuldade em afastá-la de sua mente. Contra essa dignidade, essa fé simples, ele não tinha defesa. O Verão chegou como uma névoa dourada sobre a cidade de Hali. O lago brilhava sob o sol com suas águas enevoadas em constante movimento. Nas longas noites crepusculares Eduin andava solitário ao longo das margens de areia. Ele encontrou um conforto curioso no inquietação das névoas.


Eu sou como o lago, ele pensou. Sempre mudando exteriomenter para esconder o que se encontra abaixo. Em uma dessas excursões, quando seus pensamentos estavam particularmente sombrios, ele voltou a ser convocado para as câmaras do Guardião, Dougal DiAsturian. Um número do de membros de leronyns do círculo já estavam sentados esperando. -Ah, Eduin, obrigado por ter vindo. - Disse Dougal, apontando para Eduin tomar seu lugar. Eduin sentou-se sentindo a mudança de correntes emocionais no cômodo. Tinha alguma coisa acontecendo além tomada do trono surpreendente de Rakhal? -Tempos escuros são sobre todos nós. - Dougal disse em voz alta. -Embora seja o nosso desejo permanecer em paz com todos os homens, não podemos tomar essa escolha. Nós aqui em Hali e os nossos colegas em Tramontana são obrigados à lealdade ao Rei Hastur. -Isso é verdade.- Marelie, a mulher de meia-idade, que muitas vezes trabalhou nas Hellers disse. –Mas qual? Rakhal está sentado no trono, isto é fato, mas homens são leais à ideia de que Carolin é que devia ocupa-lo. -Isso era o que todos pensavam, antes deste negócio terrível. - Um dos leronyn disse, balançando a cabeça. -Rakhal tem as bênçãos dos Regentes. Eles afirmam ter evidências de perfídia e inaptidão de Carolin para o trono, mas isso nunca foi tornado público. -A questão da sucessão não é nossa para decidirmos. - Dougal tirou a discussão desse impasse com sua voz vibrando em autoridade. -Se Rakhal ou qualquer outro rei coroado nos ordena então temos de obedecer. Desnecessário será dizer que um uso que ele tem para os nossos talentos é a perseguição e captura do exilado rei Carolin. Vários dos trabalhadores mexeram-se desconfortavelmente em seus assentos. -Exatamente. - Disse Dougal, respondendo ao surto silencioso de emoção. -Vários dos leronyn em Tramontana, que são parentes de Rakhal e Carolin, pediram para que eles não sejam obrigados a fazer guerra contra suas famílias. O rei Rakhal concordou em liberlá-los, desde que também jurem que não vai participar de qualquer ataque contra ele. Eu estou habilitado a oferecer o mesmo acordo. Eduin lembrou que Maura Elhalyn, que tinha conhecido Rakhal e Carolin desde a infância, agora servia na Torre Tramontana, bem como Liriel Hastur. Por que Rakhal concordaria com uma coisa dessas? - Marelie perguntou. -Porque ele não é um completo idiota. - Eduin explodiu acaloradamente. -Ele sabe que para obrigar qualquer um de nós a agir contra os laços de sangue é conscientemente cortejar a rebelião. Risco que ele não pode correr ou ele vai encontrar-se sem uma única Torre para recorrer. Vários dos outros olharam para ele com expressões chocadas, mas o Guardião concordou. Ambos sabiam que somente dentro dos limites da Torre tal discurso era seguro. Uma das mulheres disse: -Eu não posso reivindicar qualquer lealdade ou juramento ao príncipe Carolin, mas detesto ser arrastada para uma briga de irmão contra irmão. -Sim, dizem que quando parentes brigam, os inimigos irão intensificar-se rapidamente e a irmandade sumirá? - Outra comentou. Eduin concordou lembrand-se da conversa que tivera com Varzil sobre a regência das Torres, há muito tempo quando todos estavam no Castelo Hastur no Festival de Inverno. Ele era tão jovem e ingênuo. Toda a paixão que sentira havia drenado a memória. O que importava quem dava as ordens, se as Torres se governam ou seguem ordens de algum fidalgo ignorante?


Um frio estremeceu dentro de sua barriga. Deixarei Hasturs e a Torre seguirem seus caminhos e todos destruirão um ao outro. Só uma o interessava e se permanecer fiel a Rakhal iria ajudá-lo a atingir esse objetivo, ele faria o que fosse necessário. -É certeza que vamos ser intimados a fazer fogo aderente e pragas para Rakhal? - Marelie perguntou. -Eu sou muito melhor usando minhas habilidades para a cura do que para a morte. -Vou fazer o que puder para não atribuir-lhe essas tarefas, - Dougal disse -embora eu tema que nós podemos não ter esta escolha. E você, Eduin, qual é a sua posição? Eu sei que Carolin Hastur estudou em Arilinn durante o seu tempo lá e acredito que vocês sejam amigos íntimos. O nó gelado em seu estômago apertou. -Sim, eu estava familiarizado com Carolin - Eduin disse -e eu passei um Festival de Inverno com ele em Hali como seu convidado. Não é o meu trabalho julgar quem deve governar, não mais do que contar a um agricultor quando para plantar seu trigo ou a um pastor quando deve abater seu rebanho. Minha lealdade é para com a minha Torre. Farei o trabalho que for dado a mim. Dougal inclinou a cabeça em reconhecimento. -Será que não há mais lealdade pura e clara como a sua, Eduin? Isso faria do mundo um lugar muito mais simples. O mundo, Eduin pensou quando ele voltou para seus aposentos, não era um lugar simples. Era complexo, muitas vezes intrigante e sempre perigoso. E a lealdade não tinha nada a ver com isso. Dyannis ainda não havia retornado e o verão estava se transformando em outono, quando Eduin partiu para a Torre Hestral. Para sua surpresa, um mordomo real havia arranjado um cavalo e escolta para ele. Os dois espadachins usavam as cores dos Hastur com uma insígnia que os marcavam como membros do quadro especial de Lyondri. Várias vezes na estrada os guardas solicitavam uma parada para visitar uma casa senhorial local ou questionar algum estalajadeiro. Eduin rapidamente percebeu que eles buscavam por informações sobre o paradeiro de Carolin e seus filhos ou sobre qualquer homem que tivesse ajudado os fugitivos em sua jornada. Enquanto eles o tratassem com a civilidade razoável ele conseguiria seguir sem problemas para Hestral. O que mais eles buscassem não era problema seu. Eles chegaram a Hestral no final da tarde, quando o sol caía dourado-avermelhado sobre as colinas. Duas rotas comerciantes atravessavam o rio Hestral formando uma encruzilhada natural. A cidade chegava até o cais do rio, um conjunto de edifícios de um e de dois andares, muitos deles em estilo enxaimel antiquado, semi-enterrado sob a hera, seus telhados possuindo uma certa flacidez com a idade. Em pouco tempo alcançaram uma fortaleza fortemente murada. Em contraste com a vivacidade da cidade, com suas flâmulas brilhantes e a multidão de pessoas com seus animais, o forte apresentava um aspecto insular, como um ninho no meio da cidade ou uma ilha. Originalmente deve ter sido construído como um posto de guarda. Eles fizeram o seu caminho através da praça do mercado da cidade, onde os agricultores vendiam cabaças rígidas e nabos, rodas de queijo de chervine e alqueires de grãos. Como era o final do dia apenas algumas mulheres com cestas sobre os seus braços ficaram para


pechinchar com os vendedores as sobras do dia. Suas vozes se elevavam mais do que os gritos estridentes das aves. Um grupo de meninos corriam com paus entre as pessoas, perseguindo uma bola e levantando nuvens de poeira. A agitação do mercado golpeava os sentidos mentais de Eduin levando-o a erguer as barreiras psíquicas. Um homem vendendo produtos assados um passo atrás do caminho feito pelo cavalo de Eduin o fez erguer sua cabeça. O homem tropeçou e os poucos pães disformes deixados em sua bandeja cairam no pó. Embora ele usasse o avental da sua atividade comercial, o padeiro falou com ousadia. -Agora, senhorio, você deve comprar os meus finos bolos! - Ele estendeu a mão com a palma para cima. -Mostre o devido respeito aos seus superiores! - Um dos guardas rosnou. -Em Thendara, você seria chicoteado por tal insolência. O padeiro fez uma careta. -Mas aqui é Hestral, não Thendara! E aqui um homem deve pagar por aquilo que ele arruinou, quer se trate de bolos ou potes! O guarda atacou com um pé, mas o homem teve sorte e o golpe errou seu rosto por uma distância equivalente a um fio de cabelo e ele saiu correndo. O segundo guarda levantou uma mão em advertência. -Se não foi ele, haverá de ser outro. Haverá um momento e local certos para ensinarmos boas maneiras a esses agitadores. -Sim, e o saudável respeito para as cores de Sua Majestade. Timidamente, Eduin baixou as barreiras mentais. O zumbido de tantas pessoas dentro de um espaço confinado invadiu-o, mas não foi tão ruim quanto ele esperava. A maioria das impressões mentais eram tranquilas e prazerosas, todos os dias. A cascata de imagens alisava sua mente[ como jóias amarradas um após a outra: o brilho da luz solar na água corrente; o riso de uma criança; a ondulação da água em torno de pés descalços; um peixe rápido e escorregadio lançado através das sombras; o cheiro de um córrego... Eduin! Você veio enfim. Uma mulher caminhou em direção a ele, com uma cesta balançando de um lado e dois meninos adolescentes no outro. Exceto por sua coroa de cachos vermelho-fogo emaranhados, ela poderia ter ser qualquer uma das mulheres comuns da cidade interessadas em comprar alguns últimos legumes para o jantar. Por um momento, Eduin não a reconheceu. Quando ele a tinha visto pela última vez em Arilinn ela era magra e pálida, recentemente recuperada da doença. Agora ela andava com passos largos, livres, chutando as bainhas úmidas de suas saias. O Sol e o exercício no ar fresco trouxe cor para suas bochechas e a saúde tinha suavizado os ângulos de seu corpo. Seu estômago tremeu. Era ela. -Eduin, você não me conhece? - Ela tinha chegado perto dele e estava à frente de seu cavalo, protegendo os olhos com uma mão. Ele inclinou a cabeça. -Domna Felicia. Um dos meninos riu e outro o calou.


-Você deve perdoar seus costumes. - Disse Felicia de uma forma dócil. -Nós fomos para baixo pelo rio, vivemos em comunhão com rãs. Eles ainda não está de volta ao nível humano de sociedade. Suas palavras e maneiras eram surpreendentemente amigáveis, mas ele sentiu nela uma consciência do mundo ao seu redor. Qualquer ataque manifestado, física ou mentalmente, certamente falharia. Rapidamente ele freou seus pensamentos e manteve-os sob controle. -Você está voltando para a Torre? Devo me apresentar ao Guardião. -Nós olhamos por você nestes últimos 10 dias. - Ela respondeu. -Eu vou voltar com você, pois é claro que vai ter mais trabalho destes dois hoje. Felicia recusou a oferta de montar o cavalo de Eduin e seguiu andando ao lado dele. Os guardas os seguiram. -O Guardião de Hestral deve ser um homem incomum para treinar os novatos de tal maneira. - Disse Eduin em busca de algum tópico neutro para conversar. -Nós certamente não fizemos nada parecido em Arilinn. -Arilinn é a própria personificação da tradição. - Disse Felicia. -Loryn Ardais, que é Guardião aqui em Hestral, não apoia a teoria de que nada deve ser feito nunca pela primeira vez. Como ele gosta tanto de dizer, “inovações não necessariamente pressagiam deterioração". Quanto às rãs... Bem, talvez haja um ensinamento disfarçado de brincadeira num exercício. De outra forma, poderíamos esperar que os meninos ficassem parados em suas aulas interiorespor recompensando-os com verrugas e envelhicemento precoce. -Você não se opõe? Você que é comynara e leronis? Embora a expressão de Felicia estivesse perfeitamente séria, Eduin pegou o tom de alegria na sua voz. -Eu sempre pensei que o melhor uso de nossos dons é criar harmonia com o mundo que nos rodeia e não uma separação. -Então você se oporia a usar o laran para mover uma tempestade de um lugar onde ele iria criar um dilúvio para um onde ele iria aliviar a seca? -Dificilmente. Na verdade um dos projetos em que eu espero que você se junte a nós envolve algumas novas maneiras de detectar essas condições climáticas que podem dar origem a incêndios florestais para que possamos intervir. Um dos trabalhadores no meu círculo tem ascendência Rockraven que lhe dá um sentido muito forte sobre o tempo, mas é irregular. Mas o suficiente por agora! Você não está aqui nem a uma hora e já estou dando-lhe uma dissertação sobre o meu trabalho! Eles se aproximavam dos portões. Eduin sentiu o brilho do poder. Felicia passou a mão livre sobre a fechadura-laran que bloqueava o portão e a magia mudou, mas não se dissipou. Uma metade da porta se abriu e ela fez um gesto para ele entrar. Os dois guardas cutucaram seus cavalos para andarem. Orelhas para trás, caudas criando um ângulo diferente de relutância, os animais deram uma passo ou dois. -Bons mestres, vocês devem deixar suas armas do lado de fora. – Felicia lhes disse. -Nós vamos armados com ordens de Sua Majestade, o Rei Rakhal. – O mais velho deles disse, olhando para ela. -É pelas ordens do Guardião desta Torre que ninguém entra com armas. - Ela pronunciou as palavras como um simples fato inquestionável. -Você cumpriu sua missão me escoltando até aqui. - Eduin interveio. -Certamente você não é obrigado a entrar.


A menos que você suspeite que o Guardião da Torre Hestral abrigue fugitivos. Se fosse esse o caso, - acrescentou - haveria pouco que o aço pudesse realizar. Eduin desmontou, desamarrou seus alforjes e entregou as rédeas de seu cavalo para o guarda mais próximo. Ele tirou a pequena bolsa que ele tinha recebido para despesas na fuga. Ele ainda tinha algumas moedas de prata. -Aqui está para ajudar em qualquer problema. O guarda tomou a bolsa, pesando-a por um instante antes de coloca-la dentro de sua jaqueta. -Sem problemas, senhor. Vamos deixá-lo aqui, então, e desejo-lhe boa sorte. Felicia observou-os seguir de volta para baixo do morro. -O que teria acontecido se tivessem tentado tomar suas espadas? - Eduin perguntou. -Hmm? - Ela parecia um pouco distraída quando se virou para fechar o portão. –O metal age como um condutor de energia, um pouco como um raio, por isso aquece. A última vez que alguém tentou foi há dez anos. Um ladrão, de acordo com a história. Ele tinha apenas uma adaga que carregava em uma bainha preenchido com água de nascente porque alguém lhe havia dito que iria proteger a arma contra a magia. Disseram-me que houve uma espetacular explosão. O povo da cidade ainda cantam uma balada sobre ele nas noites de bebedeira. Dentro havia um pequeno pátio com um poço, fileiras de árvores frutíferas anãs e uma pequena horta. Abaixo de uma treliça de rosalys amarelas, uma jovem mulher estava sentada tocando um rryl. O som não tinha passado além dos portões. A menina colocou a rryl de lado e correu em direção a eles. Ela mal parecia ter entrado em sua adolescência, com uma inocência doce que lembrou a Eduin de Dyannis quando eles se conheceram. Quando Felicia passou a menina abaixou os olhos. -Você deve perdoar a nossa Alys, - disse Felicia -pois ela é nova em Hestral e não perdeu seu jeito tímido. Ah! - Ela se virou para o portal da Torre, onde um homem com o manto vermelho com a energia de um Guardião emergiu. -Loryn, este é Eduin de Hali, veio finalmente se juntar a nós! Loryn Ardais parecia flutuar acima do solo, tão suave era seu passo, com os pés escondidos sob as dobras ondulantes de suas vestes. Seu cabelo era de um vermelho intenso escuro, quase preto, e seu olhar muito penetrante quando ele inclinou a cabeça em saudação. -Entre e encontre-se com os outros. - Disse ele gravemente. -Estamos muito felizes em recebê-lo em nossa comunhão. As apresentações correram bem, pois Hestral era muito menor do que Hali. Até mesmo os quartos comuns e de jantar tinham sido feitos em uma escala mais modesta. Deixado sozinho, finalmente, Eduin avaliou seu próprio quarto no segundo andar de frente para o rio. Ele parecia confortável o suficiente. Ao lado da lareira estava um lavatório segurando uma bacia, uma jarra de água perfumada com pétalas das mesmas Rosalys que vira no jardim e uma barra de sabão. O melhor de tudo era que possuía apenas uma única parede em comum com o outro quarto habitado. Ele desempacotou seus poucos pertences, começando com o amortecedor telepático que trouxera de Hali. Colocou-o em uma mesa ao lado da porta e sintonizado sua configuração a mais alta. O zumbido familiar e límpido do amortecimento assegurou-lhe que ele tinha sobrevivido à viagem intacto.


Colcou sua capa em um dos ganchos, sua camisa extra e roupa de cama na mesinha pequena e muito bem esculpida no pé da cama. Ele escutou por um momento antes para certificar-se de que o corredor do lado de fora estava vazio. Em seguida, ele fechou a porta uma vez mais. Embora não estivesse trancada, ele não achava que alguém poderia entrar de surpresa. Do bolso costurado no forro de seu casaco de inverno, ele tirou uma bolsa de seda de camada tripla. Com um puxão sobre os cordões, ele virou de cabeça para baixo, de modo que o seu conteúdo, uma única gema azul, caiu na palma aberta de sua mão. Uma coisa tão pequena, tão inofensivo na aparência. Isto parecia nada além de uma matriz inutilizada e de uma qualidade medíocre. Ele havia levado consigo da casa de campo de seu pai, havia escondido em Hali e agora... Segurando-o contra a luz a partir da janela com vista para o rio, admirou novamente a habilidade consumada de seu pai. Ele próprio, ou qualquer técnico de matriz qualificado poderia ter construído tal dispositivo, mas que teria sido muitas vezes este tamanho e usando várias pedras. Este travou a luz única devidamente, como se um toque de neblina estivesse marcado em seu centro. Ele tinha levado isso, sem ser detectado, pelos portões de Hestral. Com isso, ele finalmente cumpriria o seu juramento e traria a destruição do último herdeiro que restava de Taniquel Hastur!


CAPÍTULO 34 Os meses seguintes se passaram sem problemas enquanto Eduin organizava sua vida na Torre Hestral. Loryn Ardais governava com mão leve, não apenas permitindo, mas na verdade encorajando seu povo a desenvolver novas ideias. Ele simpatizava muito, disse a Eduin, com as ideias de Varzil de Arilinn. O laran era melhor utilizado e desenvolvido quando estava voltado para fins mais nobres e pacíficos. Guerra não só humilhava, mas também manchava os presentes membros das Torres. Eduin tinha entrado na lista de novos desenvolvimentos no armamento de laran. Ele dirigiu a conversa para o tema do uso de uma armadilha de matriz com formatos especiais para a assinatura psíquica de um indivíduo para um assassinato mais seletivo. Havia a notícia da falha na tentativa de Gwynn, mas e o dispositivo que ele tinha usado chegara até aqui? Ele precisava saber como os membros de Hestral foram antes de definir seus próprios planos e coloca-los em movimento. Loryn colocou o tema de lado. -A inovação a serviço de um único objetivo: a destruição de seres humanos. Isso pode resultar em alguns novos dispositivos, mas o próprio processo de criatividade é sufocado. Veja, uma vez que você definir seu objetivo de forma tão restritiva, uma vez que você define que deve ter uma arma contra um exército invasor ou deve ter como alvo de assassinato um único líder, então você fecha sua mente para tudo. Sua criatividade torna-se tão bem canalizada que você não pode seguir seus impulsos espontâneos, seguir a sua curiosidade. -Se nós não temos nenhuma meta no que fazemos qual é o ponto de tudo isso? - Eduin fez um gesto para os laboratórios da matriz, a biblioteca, as salas de estar dos trabalhadores, a própria Torre. O pensamento da experimentação desenfreada do laran, sem direção ou limitação, o perturbava. Seria como viver sem propósito. -Não somos nós que buscamos realizar um trabalho que seja útil em tudo, então? Se Loryn percebeu o desconforto de Eduin, ele não demonstrou. -Nós ainda nem começamos a descobrir todas as maneiras que nossos dons podem ser usados. Você acha que nos foi dado talento e inteligência, para não mencionar o privilégio de nossa casta, para passar as nossas vidas na fabricação de armas para uma guerra mesquinha uma após a outra? Ou para iluminar os palácios de reis enquanto camponeses vivem na escuridão? - Ele empertigou-se, com aquela sensação de separatividade e Eduin lembrou que, como o Guardião que ele era, em última análise ele era responsável apenas por sua própria consciência. Eduin nunca esperou encontrar tanta simpatia de ideias novas em um Guardião. A bile subiu em sua garganta com o pensamento do que ele deveria fazer, como ele deveria trair a confiança dessas pessoas. -Perdoe-me se falei fora de hora. - Disse Eduin. -Eu não quis ofender. -Você é o mais recente entre nós. - Disse Loryn. -Se há uma coisa que desejo para esta Torre é a liberdade de cada pessoa para descobrir a sua própria visão. Não é uma tarefa fácil descobrir isso e unirmos num grupo harmonioso, mas sempre valeu o esforço. Nós vivemos em um mundo complexo onde não há respostas simples. Cada homem, do mais sublime Comyn até o mais inferior camponês, tem a sua própria visão dos males do mundo


e como fazer o que é direito. Você acha que a posição de um homem lhe concede alguma sabedoria especial acima de todos os outros? Mesmo se todos nós pudéssemos ver o futuro, como Allan Hastur foi dito que podia fazer, nós nunca iriamos concordar com o melhor caminho único de ação. -Então como unir os homens para decidir alguma coisa? - Eduin explodiu. -Por que não saem do controle e cada um segue a sua própria inclinação? -Porque nós somos homens e não bestas sem o poder de raciocinar, sem pensar no passado e sua influência no atual momento. - Loryn disse gravemente. -Porque nós podemos ouvir um ao outro, podemos exercer a nossa compaixão, bem como nossas faculdades críticas, podemos considerar o bem comum. Mais frequentemente do que se pensa, é o que fazemos antes de tomar atitudes que molda nossa sorte. Eduin inclinou a cabeça respeitosamente, controlou-se, não confiando em si mesmo para dizer mais nada sem se denunciar e desculpou-se. Só quando já estava de volta em seus aposentos com o amortecedor telepático ligado, ele se permitir relaxar. Ele afundou-se em sua cama esperando seu pulso acelerado acalmar. Os exercícios de respiração que tinha sido seu primeiro aprendizado como um novato iria ajudar, mas ele não podia tão facilmente domar seus pensamentos ainda. O que Loryn sugeria era impossível! Um mundo onde os homens tomavam decisões cooperativamente. Não funcionaria em uma Torre e, a nível mundial, significaria um desastre para o mundo todo. Como poderia um círculo sem abrir mão voluntariamente de si ao seu Guardião? Como as colheitas poderiam ser reunidas, os filhos serem criados, a justiça ser real sem o Estado de suserano? Se um homem pudesse moldar sua própria vida... Ele não se atrevia a imaginar nem como seria a sua própria. A missão de seu pai tinha dado à sua vida uma forma e finalidade. Sem a busca e a orientação de Rumail, quem era ele? O que era ele? Como ele poderia justificar as coisas que tinha feito... as coisas que ele ainda iria fazer? Pensamentos inúteis! Descartou-os para que não o desgastassem e, quem sabe, até afastassem sua própria masculinidade. Dessa forma, acabaria louco e paralisado. Só as mulheres e covardes usavam sua mente como espectáculo de tais noções. Ele deveria agir rapidamente, antes que o veneno desse lugar tivesse tempo para trabalhar sobre ele. Na noite seguinte, entre a hora do jantar e o momento em que o trabalho da Torre estava para começar, ele procurou Felicia. A encontrou na sala comum, sentada perto da janela virada para o oeste com um copo de uma bebida à base de plantas. Cheirava a hortelã e mel, com algo que ele não podia nomear. Ele esperava que não fosse pelos problemas de algumas mulheres, por que impediria temporariamente seu trabalho no círculo. Em resposta à sua pergunta, ela sorriu gentilmente. -Obrigado, Eduin, estou muito bem. Eu estou apenas um pouco... Bem, eu sou velha demais para ter saudades de casa, então talvez eu devesse dizer nostálgica. Deve ser o clima lembrando-me do lugar que eu vivi minha infância. Minha babá preparava para mim uma bebida como esta e acho que me reconforta, um prazer bastante inofensivo. Mas você mesmo deve sentir falta de casa, apesar de ter estado lá a algum tempo quando uma doença na família tomou você de nós em Arilinn?


Maldita és por ter lembrado! -Sim, meu pai. Mas ele está bem agora. Ela sorriu novamente e disse que estava feliz por isso. Ele correu em perguntar sobre seu projeto do clima e ela se animou ainda mais. -Ah! É uma coisa boa todos nós sermos tão teimosos quanto o burro de Durraman ou já teríamos desistido. - Ela respondeu. -Pobre Marius... num dia ele pode sentir as correntes de ar tão claramente como sua própria mão e, em outro, elas desaparecem, ou, pior ainda, ele não pode dizer a diferença entre uma frente de tempestade e um bando de gansos voando. Nos perguntamos se uma estrutura de matriz poderia ajudar. Se podemos construir baterias de laran para armazenar energia e, em seguida, entregá-lo a uma velocidade controlada, então talvez nós pudessemos fazer algo parecido para o dom de Marius. -Essa é uma ideia intrigante. - Disse Eduin. A estrutura da matriz! Ele não poderia ter desejado uma melhor oportunidade. Demorou pouco para convencer Felicia a aceitar sua oferta de ajuda. Ele era, afinal, um laranzu altamente qualificado. Em Arilinn e depois em Hali, ele aprendeu a fabricar matrizes artificiais e montá-las em ligações complexas. -Eu acho que devemos começar com o ponto específico, - disse ele -embora uma vez que descobrirmos os princípios subjacentes, poderemos ser capazes de projetar um sistema que qualquer círculo possa usar. -Sim, eu também acho. - Felicia pousou o copo com metade do chá já bebido. -Sabemos pouco sobre talentos como este e muito menos por que eles são muitas vezes inconsistentes. Talvez ao aprender a modular o dom de Marius também aprenderemos mais sobre os processos básicos. Ela franziu a testa em concentração... -Sentido do tempo não é incomum, mesmo em pessoas comuns. Varzil me disse que os pastores em Água Doce podem sentir a aproximação de uma tempestade. Talvez haja algum pequeno núcleo de laran lá ou pode ser simplesmente a atenção inconsciente aos detalhes naturais como o padrão de pássaros em vôo, as canções de rãs, e não sei mais o que. Há muitos contos sobre avisos de mau tempo ou terremotos por animais. Eduin assentiu. Ele se perguntava se os animais possuíam algum sentido especial semelhante ao laran ou se as pessoas simplesmente memorizaram algum momento em que um cão uivou antes de um incêndio florestal, mas não prestaram atenção nas outras cem vezes que ele uivou quando não havia nenhuma catástrofe. Ele disse isso em voz alta e Felicia respondeu: -Essa é a razão pela qual eu estou treinando os meninos sob a minha tutela. Claro, eles têm pouca objeção a pular no rio em uma tarde quente de verão, além de as coisas escorregadias sempre realizarem um fascínio especial nos meninos. Parece-me que sabemos muito sobre relacionamento com pássaros-sentinela, mas muito menos sabemos sobre as numerosas criaturas selvagens. -Isso é porque as aves sentinelas são úteis na guerra, - Eduin disse -e sempre haverá mais necessidade delas do que de aves canoras. Felicia olhou para fora da janela com o olhar pensativo. Eduin pegou um vislumbre de seus pensamentos, indo para Varzil, muito longe.


-Se os deuses brilharem sobre nós, - ela disse -nós poderemos viver para ver um momento em que isso já não será verdade. Um tempo em que pássaros serão valorizados acima de meros instrumentos de guerra. Eduin não se atrevia a enquadrar o pensamento que veio à sua mente, que tudo o que o futuro reservava para o resto de Darkover, ela não teria nenhuma parte nele. Loryn Ardais recebeu a sua proposta com um gratificante interesse e apoio. Dentro de dez dias, eles organizaram um laboratório voltados para seus próprios projetos, o acesso à loja de pedras da estrela não codificadas de Hestral e os equipamentos para a montagem de redes de matrizes. Felicia, na qualidade de Guardiã do projeto, começou a montar um círculo, embora a maior parte do trabalho seria compartilhado entre ela, Eduin e Marius. Marius era um dos rapazes que Felicia tinha levado para o rio no dia que Eduin chegou. Através dos dias e no inverno seguinte, eles continuaram o processo meticuloso de selecionar, modificar e organizar várias pedras em uma combinação. Cada vez que Eduin tentara ligar outra pedra no que eles haviam escolhido como âncora, a combinação não ressoava com a matriz pessoal de Marius. Havia algo na ligação que criava padrões de interferência. Eduin havia tentado várias outras pedras, naturais e artificiais, em todas as combinações que ele conseguia pensar. Felicia tentou a criação de um vínculo com Marius sem a ajuda de sua pedra da estrela, mas foi um fracasso. Havia algo único em como sua própria matriz reforçava seu talento errático. Na primeira tarde quente do ano novo, Eduin começou a se desesperar com o projeto, tanto sobre o seu propósito compartilhado com Felicia e Marius, quanto sobre a sua utilidade no avanço da sua própria causa. Ele esperava que, uma vez que a rede estivesse completa e funcionando, quando o círculo fosse usá-lo com Felicia como Guardiã, ele seria capaz de atingí-la de tal maneira que escaparia sem suspeitas. Ele não deveria sacrificar-se ou não haveria ninguém para continuar a missão contra o resto do Hasturs. Mesmo isolada como a Torre Hestral era, a notícia sobre uma resistência armada ao governo de Rakhal, cujas medidas punitivas estavam cada vez mais violentas e de homens que agiam pela causa de Carolin alcançou a Torre. Relutantemente, Eduin começou a pensar em outras possibilidades. Embora ainda fosse tecnicamente um sub-Guardião, Felicia agora o via com bons olhos e tinha a consciência intensa e simpatia de espírito necessárias para o trabalho centripolar em um círculo. Ele não podia pegá-la de surpresa com qualquer ataque direto, como ele já havia suspeitado a muito tempo. O sol poente criava um brilho como se fosse um forno fora da janela ocidental. Marius e Felicia já estavam no laboratório. Eduin entrou e foi para sua bancada. Felicia, geralmente tão bem-humorada, emitia uma intensa frustração. Marius se encolheu como se esperasse ser pessoalmente responsabilizado pelo fracasso do projeto. -Eduin, venha e veja. Você é muito melhor nas redes técnicas. Marius tentou reconectar a camada superior aqui e aqui. - Ela disse batendo nos pontos sinalizados. -E agora a âncora de pedra está plana. Não faz sentido. Os dois modelos deveM ser equivalenteS. O que você acha? Eles não devem anular o outro, mas isso é exatamente o que parece estar acontecendo.


Eduin pegou a sonda de metal fino e suavemente escovado na ligação entre a pedra central e um dos pontos indicados por ela. Em um impulso, ele decidiu redirecionar a conexão através de um dos nós secundários, particularmente grande e brilhante para uma pedra natural. Ela era, lembrou-se, uma dos grupos vindos do território Aldaran. Em Arilinn, ela já teria sido dividida em pequenas pedras, mas Loryn tinha preservado o tamanho original. Era o equivalente de uma matriz de terceiro nível em uma única peça. No instante em que a ligação foi concluída, Eduin sentiu todo o tremor da matriz como se estivesse viva. Marius, de pé atrás dele para olhar por cima do seu ombro, engasgou. -É isso aí! - Felicia chorou. –O problema não era nas ligações, mas na pedra fundamental. É uma solitária! Eduin assentiu. Ele nunca tinha encontrado uma antes, mas ele tinha ouvido falar sobre algumas pedras da estrela que, não importa o quão poderosa ou sensível quando usada sozinha, perdiam suas qualidades conjuntivas quando ligadas a outras. Elas às vezes eram bons talismãs quando voltados para fins específicos e limitados. Uma deste tamanho poderia muito bem ser colocada para tal uso. Eles passaram a maior parte da noite trabalhando com a nova configuração da matriz, ajustando-a para a assinatura laran de Marius. Marius, por seus repetidos fracassos, mostrou sinais de fadiga. Apesar de suas tentativas de contê-los, a ansiedade do menino fluía por todo seu ser, dúvidas sobre si mesmo, sobre o seu talento, o que iria dar errado a seguir... Em pouco tempo, todos os três foram passando essa energia um para o outro. Atrás dos pensamentos subterrâneos de Felicia, Eduin captou uma ansiedade profunda, sem explicação visível. Será que ela suspeitava dele? Não, mesmo sob o stress e a frustração, suas maneiras estavam tão aberta e amigável como sempre. Eu devo cuidar de Marius. - Ela repetiu silenciosamente para si mesma. -Ele é tão jovem e vulnerável... Assim, mesmo que ela sentisse uma ameaça ou tivesse tido qualquer previsão do desastre, ela redirecionou inconscientemente para a preocupação que tinha com o rapaz. Tanto melhor. Melhor? - Felicia respondeu. Por um terrível instante, Eduin congelou. Como ele poderia ter chegado tão longe e, em seguida ter sido tão descuidado com seus pensamentos? Ela era uma Guardiã, pelos infernos congelados de Zandru! Relação telepática para ele era tão natural como respirar. E ele tinha ido longe agora... O gelo já familiar estava cravando suas garras profundamente em seu intestino. Ele ergueu suas barreiras psíquicas e usou o gatilho de laran que seu pai havia implantado nele. A luz limpou sua mente, fresca e azulada como o encantamento da verdade. Todas as dúvidas caíram, todas as emoções desapareceram. Quando ele se virou para ela, seus pensamentos estavam totalmente calmos. A certeza emanava de sua mente. -Melhor para Marius, quero dizer. - Sua voz soou tão inocente como se não houvesse qualquer dúvida. -Para nós dois que atente à ele. Para se certificar de que ele não sofra de nenhum dano. -Precisamos de uma pausa. - Disse Felicia, ficando de pé e alongando-se. -Por favor, vão vocês. - Eduin disse aos dois. -A próxima parte é técnica. Eu não preciso de ajuda e você vai só me distrair. Com sorte, amanhã poderemos experimentá-lo.


-Vamos, Marius. - Disse Felicia, virando-se em direção à porta. Marius seguiu em seu rastro como um irmão mais novo. Após os passos deles o laborátio caiu em silêncio e só então Eduin soltou a respiração. Ele completou cerca de metade do trabalho restante, o tempo todo atento a qualquer possível som do retorno deles. Então ele voltou para seu próprio quarto. Se ele encontrasse qualquer um deles, ele poderia verdadeiramente dizer que ele tinha tirado uma pausa antes de terminar o trabalho. Ele suou por todo o caminho de volta para seu quarto. Perto do amanhecer a luz brilhava fora das janelas gradeadas como diamantes ao longo do corredor para os quartos de dormir. O trabalho noturno havia acabado e a maioria dos trabalhadores da Torre estariam na cozinha ou na sala de jantar, reabastecendo suas energias. Abaixo, a aldeia agitava-se para as atividades cotidianas. Um servo e uma menina de uma das fazendas periféricas, passaram por ele do lado de fora de seu quarto com uma braçada de roupas de cama. Os nervos de Eduin pulsaram em alarta, mas ele se obrigou a andar devagar e com confiança. Ela fez uma reverência enquanto caminhava. Disse a si mesmo que ele não lhe devia nenhuma explicação, que não era o trabalho dela questionar um laranzu em sua própria Torre. A pedra de seu pai estava escondida exatamente onde ele havia deixado, um pacote com suas camadas de isolamento. Ele colocou-o dentro de sua camisa e correu de volta para o laboratório. Com uma sensação de alívio e euforia, fechou a porta atrás dele. O cômodo estava exatamente como ele havia deixado, até mesmo o conjunto de ferramentas alinhadas precisamente em sua bandeja. Eduin sabia exatamente onde posicionar a pedra, como ele refletiria a luz azul-branca das outras pedras e assumiria uma invisibilidade. Ele só tinha que prepara-la com a assinatura mental de Felicia, coloca-la dentro da matriz e estaria terminado. A rede ainda assobiava com seu padrão. Como Guardiã, Felicia era a interface entre o dispositivo e o círculo humano. Além disso, ele conseguiu pegar um fio ou dois de seu cabelo para o material genético. Com os ajustes finais, a pedra se iluminou. Estava agora totalmente ativada e pronta para o evento de disparo: o contato com a mente para a qual tinha sido sintonizada. Com alguma sorte, finalmente aconteceria amanhã à noite. Amanhã à noite! Assim, em breve, depois de tanto tempo uma busca, finalmente acontecerá! Eduin pegou a pedra cuidadosamente com pinças de madeira e começou a baixá-la na rede. Só então um barulho de passos num chinelo do lado de fora o alcançou. Ele congelou. Antes que ele pudesse se mover, a porta se abriu e ele sacudiu a cabeça quando Marius entrou. -Oh, você ainda está aqui. - Disse o menino. Sem esperar por uma resposta, ele atravessou a sala, pegou um lenço debaixo de seu banco, onde ele tinha caído. -Eu esqueci isso.- Disse ele, com um traço de nervosismo. -Me desculpe se eu o interrompi. -Está tudo bem. - Eduin ouviu-se dizer. Só depois de Marius sair ele retomou a respiração normal por completo. O menino tinha uma razão perfeitamente legítima para voltar ao laboratório, ele não tinha ido espiar e ele não tinha notado nada de errado.


A pedra estava em sua configuração como uma satisfatória fenda! Eduin recuou para inspecionar a estrutura. Assim como ele tinha previsto, não havia nenhuma diferença visível, nada que não pudesse ser explicado como sendo fruto de seus ajustes finais. Com sua tarefa completa, Eduin se dirigiu para a cozinha para uma refeição. Um mal necessário visto que mal podia esperar pelo derradeiro momento. Agora, ele só tinha que esperar para o funcionamento inevitável da justiça se desdobrar.


CAPÍTULO 35 Carolin e o grupo de homens leais que o procuraram estavam acampados nas colinas escarpadas, cuja vista abaixo dava para o vale de Highgarth. Eles haviam montado por muitas léguas e seus músculos doíam de cansaço, mas o sono lhe fugia. Ele sabia que vaguear sempre era o melhor para a segurança daqueles que juraram protege-lo. Rakhal havia aumentado a recompensa por sua morte ou captura alto o bastante para seduzir os homens, mesmo os mais honestos. A noite estava suave e a luz multicolorida em tons pastéis das luas suavizavam a fratura nas rochas abaixo. O castelo Highgarth estava posicionado em uma elevação, uma massa de rocha firme que se projetava sobre a maior curva do rio, protegidos em três lados por uma correnteza selvagem e fortemente defendido na quarta lateral. Mesmo a essa distância, Carolin captava um ponto de luz aqui e outro ali ao longo das muralhas do castelo. Ainda... Durante os 10 dias passados, quando eles fizeram o seu caminho de Carcosa, a inquietação tinha martelado na parte de trás de sua mente sem parar. Sua pele arrepiava a cada estalo de um galho ou sombra que passava. Ele estava, Orain disse, mais agitado do que um coelho-de-chifres. Ele sabia que havia um terrível perigo, e não apenas para si mesmo, em voltar a Highgarth. Valdrin Castamir já havia colocado sua vida em risco fornecendo abrigo durante a viagem agitada de Nevarsin. O velho soldado tinha servido Rafael por tempos antes dele se tornar rei Hastur de Thendara e depois morrer em circunstâncias misteriosas deixando Felix, cambaleando em direção à senilidade, como herdeiro da coroa. Tal lealdade era profunda. Se eu for mesmo reunir forças, fortes o suficiente para ficar contra Rakhal, então vou precisar de tais homens. Eles haviam montado acampamento apenas quando o grande Sol Sangrento mergulhara por trás da silhueta escura dos rochedos, mas Carolin não conseguia se aproximar mais. Envolto em seu manto esfarrapado, ele agachou-se sobre a rocha íngreme e o curso prateado do rio. Assistir... Esperar e observar... Ele sentiu a aproximação de Orain, uma sombra contra a noite. -Bredu, não se incomode. - Disse Carolin. -Eu não vou me arriscar sem justa causa. -Você já arrisca-se simplesmente por estar em qualquer lugar deste lado do Kadarin,Orain respondeu. -mas eu já há muito tempo aceitei a inutilidade de lhe dizer isso. A inquietação escorria pelas veias de Carolin. Ele se perguntou se Orain não estava bem ou se eles nunca deveriam ter cruzado de volta para as terras Hastur. Ver seus filhos em segurança sob os cuidados de seus parentes mais longínquos, os Hasturs de Carcosa, fora do alcance de Rakhal, foi o seu primeiro objetivo. As terras selvagens eram cruéis o suficiente para um homem adulto, muito mais para dois meninos, mesmo eles tendo se queixado tão pouco. A queda de um cavalo, uma avalanche de lama ou neve, uma febre, um ataque de leopardo da nuvem, lobo ou mesmo de um banshee, qualquer um deles poderia facilmente tirar a vida de uma criança. Eles eram muito preciosos, mas teriam que correr o risco.


O tempo quando ele não poderia continuar a se esconder, quando ele deveria retornar para suas terras com um número crescente de homens que se reuniriam sob suas bandeiras e enfrentar Rakhal numa batalha estava chegando. Uma vez que seus filhos foram colocados fora do caminho do mal, Carolin tinha tomado a rota mais longa de volta para buscar o conselho de Dom Valdrin. Se apenas Varzil estivesse aqui... Lembrou-se de sua promessa de reconstruir a Torre de Neskaya como um símbolo de esperança e de paz. Nestes tempos parecia impossível que uma coisas dessas um dia pudesse acontecer. No entanto, com homens tão numerosos como grãos e Valdrin ao seu lado, quem sabe... -Você está certo. - Disse Orain. -Algo está errado. Nesta hora deveria haver mais luz... Tochas e fogueiras para cozinhar... Vemos ver algum vestígio delas, bem como o fumo. E nós temos visto, mas pouco movimento de homens ou cavalos. -Você não deve ir para baixo. - Disse Orain -Não até que sabermos com certeza que o lugar não está deserto ou que este silêncio tenha alguma boa causa. Tudo pode ainda estar bem. -Vamos esperar, então, - disse Carolin -e ver o que podemos descobrir a partir daqui. A manhã pode mostrar-nos mais. Mas, no final, temos de descobrir se alguma coisa se abateu sobre Dom Valdrin e ao seu povo. -Eu irei ou um dos outros. Carolin sacudiu a cabeça. -Se um de vocês caissem nas mãos de Lyondri, ele iria usar quaisquer meios vis para descobrir meu paradeiro de você. Não posso pedir... -E você não pode ir e arriscar tudo! No estado de escuridão Carolin não podia ler a expressão nos olhos de seu irmão de criação, mas reconheceu o aumento de sua obstinação. -Amanhã vamos discutir isso melhor. -Disse Carolin. Perto do amanhecer, Carolin caiu em um sono fragmentado. Assustado, acordara com a aproximação do jovem Mikhal, que viera com ele de Nevarsin e tinha tomado a última vigília da noite. -Vai dom, e você, também, Senhor Orain, venham depressa. Algo está acontecendo lá embaixo. Há soldados. E, senhor, eles usam cores de Hastur. Uma energia nervosa surgiu nas veias de Carolin. Um olhar mostrou-lhe que Orain ficou instantaneamente em alerta também. Em silêncio, eles seguiram o menino para o afloramento que proporcionava a melhor vista do vale e do castelo abaixo. O amanhecer estava límpido sem nuvens no arco visível do céu, embora as sombras ainda contivessem um frio como lâmina de faca. Apesar do dia claro, uma leve névoa agarrou-se ao vale, como um véu de gaze, com bordas e cores suavizadas. As bandeiras azul e prata que pendiam das Torres do castelo pareciam manchadas. Orain colocou uma mão no ombro de Carolin e apontou, mas não havia necessidade. No pátio do castelo, apenas parcialmente visível neste ângulo, uma pequena multidão estava reunida. Provavelmente, cada homem do castelo estava lá fora. Os soldados Hastur’s estavam em fileiras apertadas no centro e na periferia.


Uma força de ocupação. Conquistadores, não hóspedes já que todos os outros estão com os olhos arregalados e secos. Carolin assistiu o drama com lágrimas escorrendo em sua face. Seus próprios homens se juntaram a ele. Quatro homens, cada um rodeado por um grupo de guardas Hastur, parou no espaço aberto no final do quintal. -Deuses, não! - Um dos homens de Carolin gritou. -Eles não podem dizer... -Não diga mais nada! - Orain rosnou. -A única maneira de nós podermos ajudar agora é dar nosso testemunho. Um dos soldados, um homem gigante, desferiu o golpe no primeiro prisioneiro com uma espada de duas mãos e lâmina maciça. Em um único golpe, o prisioneiro caiu no chão. Carolin não podia ver claramente a esta distância, mas ele tinha certeza que o pobre homem era Dom Valdrin, seu amigo e aliado, que acabara de ser decapitado. Logo, um só corpo se juntava ao outro, caído em um monte irregular. Todas as pessoas do castelo visivelmente juntaram-se. Um terrível vazio encheu o canyon, quebrado apenas pelo lamento carregado pelo vento. Carolin não foi acapaz de tirar os olhos do pátio até os soldados Hastur começarem a organizar uma partida rápida. Ele levantou uma mão para cobrir sua vista. O movimento parecia quebrar seu corpo em uma centena de fragmentos. A respiração raspou em sua garganta. Seus pensamentos tinham ficado dormentes, vazios. Em um momento, ele sabia, ele deveria voltar a si mesmo, dizer algo para os homens, dar ordens, ser o rei de que precisavam. Por enquanto, ele ofereceu este silêncio dentro de si mesmo como uma homenagem aos homens que tinham acabado de morrer a seu serviço. Orain agachou-se a seu lado e murmurou -Vai dom... Carlo... você não deve se culpar. -Eu não me culpo. –A voz de Carolin soou como aço batendo contra uma pedra. -Eu culpo Rakhal e seu carrasco, Lyondri. Reúna os outros, Orain. Vamos descer e ver o que pode ser feito por Dom Valdrin e seu povo. Carolin chegou a seus pés, mas Orain de repente agarrou-o e jogou-o no chão, sob ele mesmo, espalhando os galhos da árvore mais próxima. -Olhe lá, no alto! -Orain gritou. Acima deles, escondido até agora pelas colinas, um carro aéreo deslizou silenciosamente através do céu. Outro juntou-se a ele rapidamente, cada um iluminado por dentro com um azul pálido. Os homens que os guiavam apareciam apenas como figuras fantasmagóricas. Carolin não poderia dizer todas as cores que identificam o dispositivo, mas as formas eram doentiamente familiar. Ele tinha voado nesses mesmos aparelhos que agora estavam a serviço de seu primo Rakhal. Um deles poderia ser o mesmo que levou Varzil para sua casa em Água Doce e depois de volta para Arilinn. Por que Rakhal os enviou a esse território acidentado para a casa de um homem que não tinha sido visto a anos no conselho? Carolin sentiu mais do que viu ao lado de cada declive do carro aéreo aberto um conjunto de lágrimas de vidro frágeis cairem livremente. Os conteúdos de cada recipiente brilhavam, cada uma como uma pequena brasa líquida. Lentamente, eles caíram, então mais e mais rápido em direção à seu alvo.


Carolin ergueu-se sobre as mãos e joelhos para uma melhor vista do castelo. Gotas de fogo explodiram como sóis em miniatura, o brilho ofuscando o olhar na queda e, em seguida, explodindo para o alto. Chuva após a chuva de fogo laranja atiraram-se sobre o castelo. Cada superfície em que tocou, o fogo respondeu subindo mais e mais brilhante, até parecia que as próprias pedras estavam queimando. Fogo aderente! Deuses, não! Algo quente e acre explodiu na parte de trás da mente de Carolin. A forma básica e natural de fogo, terra e ar distorcida loucamente, elementos previstos na aliança profana ou deformados da sua própria natureza. Gelo e fogo estremeciam sobre sua pele. Seus músculos pareciam bloqueados por um longo momento e ele não conseguia respirar. -Aldones nos salve! -Orain gritou, sua voz como um soluço. -Ah, Rakhal! Zandru amaldiçoe-o mil vezes! Como ele pôde fazer isso? O som de uma rachadura e pedra quebrando veio rugindo acima do vale. A pedra não iria pegar fogo, nem mesmo no fogo aderente, mas se tornaria uma lasca afiada ou colapsaria com o calor intenso. Tudo queimaria...madeira, tecidos, corpos... A dor atravessou a mente de Carolin, não uma, mas uma dúzia, uma centena de vezes, cada uma como um punhal fundido atravessando sua mente. Havia homens lá embaixo, os homens agora gritando em agonia enquanto o fogo inextinguível os consumia. Eu jurei que iria proteger meu povo contra todo o mal e para que? Por sua lealdade eles agora queimam... Rakhal, tão certo como Aldones vive, vou queimar esse seu lado tal qual você semeou o desastre e a morte aqui... e Lyondri vou pendurar como um criminoso comum, pois ele perdeu o direito a uma morte nobre! A esta distância, Carolin não podia ouvir os gritos dos homens que tinha amado e ajudado ele, mas durante toda aquela noite e as muitas noites dos terríveis voos que se seguiram, ele sentiu-os como os pontos de uma centena de punhais que giravam lentamente em seu peito. Nunca antes tinha pensado em seu laran como uma maldição. Carolin e seus homens viajaram rapidamente, escondendo-se de dia e montando duramente durante a noite. Uma vez avistaram um pequeno grupo de soldados armados que carregando galhardetes com insígnias de Lyondri que galopavam como eles. Orain jurou que tinha sido visto, mas os soldados não tomaram conhecimento e focaram em seu próprio serviço. Foram para as Hellers e depois Nevarsin. Os monges não se importavam com as lutas das terras baixas, mas eles ofereceram abrigo a Carolin e seus homens, dizendo que ele não havia prejudicado ninguém, enquanto que seu inimigo, Rakhal, iria matá-lo por sua própria ambição. Eles não iriam juntar-se à causa de Carolin, mas também não iriam entregá-lo. Durante uma parada breve do dia, quando o sono profundo não chegava, Carolin estava envolto em seu manto e tentava descansar. Ao seu lado, Orain roncava suavemente e Carolin não se atrevia a mover-se por medo de acordá-lo. Desde a sua fuga de Highgarth Orain tinha se levado quase à exaustão até que Carolin teve de ordenar-lhe para deixar outros homens cuidarem do trabalho e ele ir descansar. Descanse... -Disse a si mesmo. -Durma... Ele não queria fechar os olhos, pois na escuridão de sua mente, os fogos de Highgarth ainda queimavam. Ele estremeceu, sua alma enojada com a lembrança.


Ele viu uma Torre em ruínas, atingida por uma chuva de fogo, os corpos de homens e mulheres em chamas como tochas. Varzil Maura! Gritou, mas seus amigos não estavam entre eles... mas eles eram tantos... Um grande garanhão negro estava em uma poça de sangue. A terra, outrora verde e com pastagens, tornou-se um deserto estéril interrompido apenas pelos esqueletos retorcidos de árvores. Uma jovem mulher com os olhos como os de um falcão na noite derramava lágrimas indefesas. Orain retorcia em agonia sob a faca de Lyondri. Varzil estava banhado em fogo branco, os olhos cegos de dor e uma perda terrível de seu propósito. Sangue por toda parte... sangue, fogo e morte. Será que isso era o destino de todos os que o seguiam, todos que confiaram e acreditaram nele? No alto das montanhas, à sombra de Aldaran, um exército esperou por seu Rei. Será que ele os levaria para a vitória ou para a ruína? Esta guerra entre primos iria colocar irmão contra irmão e pai contra filho. Se Rakhal governasse com mão imparcial e justa, se ele tivesse tratado o seu povo como um rei deveria tratar, respeitando e protegendo-os, Carolin com prazer teria entregado o trono para ele. Se ele tinha aprendido algo durante o seu exílio era o quão pouco ele queria ser rei. Embora ele pudesse falhar, ele não tinha outra escolha a não ser tentar. Ele tinha jurado proteger seu povo, e de todas as coisas que lhe restavam, a sua honra era o mais precioso. Conforme as colinas ficavam mais íngremes e mais robusta, o tempo tornava-se mais difícil. Carolin e seus homens viajavam agora durante o dia. Passaram sob a sombra de um bosque irregular de pinheiros. Carolin percebeu um impasse, sinalizando com a mão, em vez do uso da voz. Ninguém falou. Somente o sussurro constante da chuva e da respiração dos cavalos quebrou o silêncio. O som veio de novo, um farfalhar fraco, o tilintar abafado de cascos descalços na pedra. Seus dedos apertados em torno do punho da espada, mas ele não deixou-a livre. Não é um cavalo, é um chervine. Um homem a pé, talvez mais. A pele de Carolin arrepiou-se. Como um só ser, ele e seus homens se viraram para a direção do som. No momento seguinte, um homem corpulento apareceu, levando um pônei carregado. Atrás dele, silencioso e melancólico, vinham dois outros em mantos de pele de animais, armados com paus pesados. As roupas de seu líder estavam rasgadas e manchadas, Carolin suspeitava, com lama da trilha. Por um longo momento, os dois grupos se entreolharam. Homens honestos não vagueiam por estas colinas escarpadas, não na chuva. Carolin e seus homens pareciam bandidos em roupas esfarrapadas, tendo, há muito tempo com a distância percorrida, se desgastado qualquer emblema ou insígnia que pudessem identificá-los. A égua preta de Carolin bufou e bateu as patas no chão, inquieta com a tensão. Ele bateu suavemente em seu pescoço. -Nós lhes desejamos boa viagem, estranhos. -Disse ele, incisivamente não pedindo nenhuma explicação sobre seus negócios.


O homem corpulento não respondeu a princípio, talvez avaliando suas chances de batalha ou fuga. -Eu acredito que vocês não são nem ladrões, nem criminosos, mas homens desesperados como nós. Vocês não precisam ter medo de nós. Não somos nenhuma ameaça para qualquer homem que não nos ofereça nenhuma ameaça. – Carolin disse. Com suas palavras a postura do outro homem se suavizou. Ele assentiu. -Como homens melhores do que alguns reis, procuramos exílio aqui. -Então, sigam em paz em seu caminho, –disse Carolin, cutucando seu cavalo para caminhar- por que não somos caçadores de homens. -Sim, você é. -Disse o homem. Claramente, ele tinha usado a sua mente para falar, em vez da voz. -Eu acho que há alguém que você caça. Talvez o mesmo que me procura. -Quem poderia ser? - Disse Orain. -Pela palavra do usurpador, cuja parte traseira aquece o trono em Hali, eu sou um homem sem terra. Qual o crime pelo qual eu perdi a minha fazenda e fui arremessado na prisão de Rakhal sob pena de perder uma mão e a minha língua? Meus filhos gritaram: "viva o Rei Carolin!” quando um dos homens de Rakhal passaram pela minha aldeia. Por isso estou aqui, pronto para servir a qualquer rei que vá derrubar Rakhal e seu capanga, Lyondri. – Disse o homem. -Nós, também, servimos ao rei exilado, - disse Carolin- mas se você se juntar à nossa causa não poderemos oferecer nenhuma certeza de vitória. -Eu só peço para lutar contra os meus inimigos. - Disse o homem em voz ressonante com amargura. -Ouvi dizer que o Rei Carolin está reunindo um exército em algum lugar nas Hellers. Se for a sua finalidade, também se juntar a eles, podemos compartilhar a caninhada da estrada. Algo lembrando um lobo agitado surgiu por trás do lento sorriso de Carolin. -Então nós montaremos juntos, amigo. Como você se chama? -Alaric. -O homem não deu nenhum outro nome, pois aqui neste lugar sem lei, ele tinha deixado o passado para trás. Alaric. Como meu filho pequeno. Eles montaram juntos, como Carolin disse por 10 dias até que chegaram a um pequeno vale dominado por um castelo. Construído na rocha viva dos rochedos, que era pouco mais do que uma fortaleza, mas os homens que viviam aqui eram parentes distantes de Valdrin Castamir e deram a Carolin e seus homens as boas-vindas, embora as notícias que ele trouxe fossem amargas. Algo lembrando um lobo agitado surgiu por trás do lento sorriso de Carolin. -Então nós montaremos juntos, amigo. Como você se chama? -Alaric. -O homem não deu nenhum outro nome, pois aqui neste lugar sem lei, ele tinha deixado o passado para trás. Alaric. Como meu filho pequeno. Eles montaram juntos, como Carolin disse por 10 dias até que chegaram a um pequeno vale dominado por um castelo. Construído na rocha viva dos rochedos, que era pouco mais do que uma fortaleza, mas os homens que viviam aqui eram parentes distantes de Valdrin Castamir e deram a Carolin e seus homens as boas-vindas, embora as notícias que ele trouxe fossem amargas.


-Eu posso arrumar apenas alguns homens, - disse Dom Cerdric a Carolin- pois, nestes tempos sem lei os Ya-mens das alturas vem de um lado e bandidos que assombram estas passagens do outro. Em vez disso, ele deu a Carolin com um presente ainda maior, três pássaros-sentinela. Eles eram grandes aves poderosas, assemelhando-se a kyorebni’s, os caçadores selvagens das alturas, mais do que os falcões. Cristas de penas longas arqueavam-se sobre suas órbitas. Suas cabeças estavam nuas e enrugadas, e seus bicos brilhavam como obsidianas. Embora eles estivessem longe de serem bonitos e um cheiro de carniça viesse deles, eles eram um presente magnífico. A treinados sua mente ligava-se a de um laranzu e podia espiar a terra, localizar as forças inimigas e rastrear o movimento dos exércitos. Vocês serão meus olhos e talvez seja através de vocês que eu dê um rápido fim a esta guerra. - Pensou Carolin. De Nevarsin, eles poderiam entrar em contato com Tramontana, para ver se algum dos trabalhadores poderia se juntar a eles. No seleiro de Dom Cerdric anexaram blocos em três das selas para os pássaros-sentinela pousarem. Quando foi oferecido carne fresca, no entanto, as aves se recusaram a comer. Em pouco tempo, eles se tornaram apáticas e irritáveis. Alguns dos homens tinham treinado falcões, mas não conseguiam entender o que afligia os pássaros-sentinela. Carolin começou a pensar se o presente foi em vão, pois os pássaros estavam falhando e poderiam não viver até chegarem em Nevarsin. No final de um dia, eles subiram um pouco uma colina arborizada. À distância no noroeste, uma alta montanha se aproximava. Além dela, com à luz falhando, picos cobertos de neve brilhavam como sombras pálidas. Uma onda de fumaça só era avistada fora da estrada, à frente. O laran de Carolin estava agitado. Ele não sentiu nenhuma ameaça, apenas uma subcorrente de medo percorrer a mente de um menino... não... de uma jovem mulher que se agachou na parte mais grossa das árvores. Mais uma dúzia de passos o levou em torno de uma curva e com uma vista de um pequeno espaço livre, os restos de uma fogueira. Os carvões tinham sido cuidadosamente cobertos de modo que nenhuma faísca tivesse a oportunidade de colocar as colinas em chamas. Quem quer que fosse essa menina conhecia as regras da floresta. -Pode sair, rapaz. - Orain chamou. –Não vamos lhe causar qualquer mal. A menina saiu do mato, levando um cavalo que, por sua pelagem e olhando as costelas tinha passado por uma viagem difícil e estava mal alimentado. Carolin reconheceu a menina de sua visão do lado de fora de Highgarth, o porte altivo, os olhos sombreados ainda vivos como o fogo, como os de uma ave de rapina. Ela mesma parecia uma aprendiz de mestre falcoeiro fugitiva, com seu traje áspero e o poleiro improvisado em sua sela. Quando seu olhar encontrou o dele, Carolin sentiu uma afinidade instantânea com ela. Como ele, ela viajava disfarçada e seguida pelo medo. Ele desejava poder enfrentar o futuro com a mesma coragem que ele viu transbordando em seus olhos. Ao sinal da menina, um magnífico falcão verrin mergulhou do céu e montou em seu braço levantado. Ela olhou com ternura para o pássaro. -Ele é meu. Nenhum pode reclamá-lo, pois o treinei com minhas próprias mãos. Por seu cabelo vermelho e certa facilidade na união com os animais, Carolin se perguntou se ela poderia ter sangue MacAran, bem como um toque do laran da empatia. – - Não duvido, - disse ele - pois nesta floresta e sem as peias ele poderia voar para longe se


quisesse. Nesse sentido pelo menos, você o possui tanto como qualquer humano pode possuir uma coisa selvagem. Ela compreendeu o significado disso e lhe deu um sorriso de rara luminosidade. Mas quando ele perguntou o nome dela, ela desviou o olhar e murmurou: -Rumai. Mantenha o seu segredo, então, mestre folcoeira. Nenhum dano virá a você ou a seu falcão de qualquer homem sob meu serviço. Por causa de sua postura e discurso, o jeito de gentilmente levantar-se, ela parecia ser talvez das terras ao norte do Kadarin. Seu cavalo, embora magro, era bem cuidado. Ele não podia imaginar o que a levara a viajar assim, sozinha, usando botas e calças de um menino, com sua verdadeira natureza escondida. No entanto, ele sentia que ela também era uma exilada, sem abrigo, expulsa da convivência de seus parentes não por culpa de si própria, mas por sua própria honra. Num impulso Carolin perguntou a menina se ela sabia alguma coisa sobre o tratamento de pássaros-sentinela enfermos e ficou surpreso quando ela se aproximou deles sem medo. Quando disse que os pássaros tinham sido alimentados apenas com as melhores e mais frescas carnes, mesmo quando os homens tinham escassez de comida, ela respondeu: -Aí está o problema, senhor. Olhe seus bicos e garras e depois olhe para meu falcão. Essas são aves necrófagas, senhor. Deve ser libertado para procurar o alimento sozinho. Não pode rasgar a carne fresca, pois seu bico não é bastante forte. E se os levam na sela e não o deixam livres, não podem bicar cascalho para seu papo. Alimentam-se com carne meio apodrecida e precisam estar com pelos ou penas... Vocês só lhes davam para comer carne de músculo e esfolada ainda por cima, não é mesmo? Estas aves estão morrendo de fome porque não podem digerir o que você lhes fornece. Cada criatura come de acordo com sua natureza. Carolin pensou quando Rumai começou a organizar a carniça para os pássaros-sentinela. As aves permitiam que ela lidasse com elas e ele viu o quão rápido suas mãos moviam-se e seu rosto se iluminava. Logo ela e Orain travaram uma profunda discussão sobre o nome das aves. Se apenas os homens pudessem aprender a viver da mesma maneira. E se fosse a natureza de Rakhal saquear e abusar de seu povo? Ou a de Lyondri fosse destruir qualquer um que se pusesse contra ele? Isso é o que um rei é e para o que existe: para coibir tais homens. Rumai passou sobre suas tarefas auto-nomeadas tanto como um membro do grupo, como se tivesse sempre pertencido a este. Depois de alguns resmungos de Alaric que se ressentia por ter que se contentar com o seu pequeno pônei enquanto Rumai montava um cavalo próprio, os homens aceitaram o menino que ela fingia ser como um irmão. Orain, em particular, sentiu um carinho diferente por ela, e, quando chegaram em Nevarsin, comprou-lhe um colete quente e meias. Quando ela pegou uma febre ele cuidou dela com uma bebida à base de plantas que sua mãe lhe ensinara a fazer. Então, ela encontrou um lugar conosco, depois de não haver encontrado em nenhum outro. Pensou Carolin. Ele viu nela uma alma gêmea, mas não podia prever o quão bem ela iria retribuir a gentileza.


CAPÍTULO 36 O fugitivo rei Carolin até agora havia escapado. Boatos espalhados sobre sua morte se provaram falsos. As duras punições a todos aqueles que ajudavam ou simpatizavam com ele serviram apenas para aumentar o apoio ao rei exilado. Reinos vizinhos voltavam-se para as fronteiras dos Hastur’s procurando qualquer sinal de fraqueza. Muitas vezes Varzil pensava em seu amigo vagando pelas terras sem lei além do Kadarin. Às vezes, à noite, ele captava imagens oníricas fragmentadas, Carolin sofrendo tremores por causa de um incêndio ou com a sua espada desembainhada e agachado em uma posição de combate. Carolin ainda vivia, disso ele estava certo. Ele agarrou-se a esse conhecimento como um talismã. A Torre de Arilinn, embora não estivesse diretamente envolvida nos distúrbios, ainda sentia as tensões, uma vez que as mensagens fluíam livremente ao longo das Hellers entre todas as Torres. Agora Hali e Tramontana cairam em silêncio ou enviavam apenas comunicações secretas. Quase todos as Torres, de Dalereuth às Hali, tinham começado a fabricar o fogo aderente. Só Hestral e Arilinn foram até agora isentas desse serviço. Desde o incidente que custou a vida de Auster, Arilinn tinha evitado fabricar mais armas. Varzil tinha sido um importante instrumento em manter Arilinn fora do conflito, embora aqui, como em outros lugares, as exigências em trabalhos aumentavam a cada 10 dias: para medicina, baterias de laran para carros aéreos ou iluminação, a construção de fortificações ou reparos... Apesar das reservas de Barak, Varzil agora tinha o estatuto de tenerezu, um Guardião totalmente qualificado, mas Arilinn não poderia funcionar com apenas um único Guardião nestes tempos. Varzil tinha sido inflexível em trabalhar com laran apenas em usos pacíficos. Varzil algumas vezes falou sobre as Hellers com Dyannis em Hali. Ela parecia preocupada e distante. Rakhal Hastur ameaçara Serrais, sede dos chefes Ridenow, e ela temia que ela pudesse ser forçada a fabricar armas para serem usadas contra seus próprios parentes. Carolin nos prometeu que poderíamos optar por permanecer neutros em tais ocasiões, fazendo um trabalho únicamente pacífico. Disse ela. Mas o novo rei pensa o contrário. Certamente Rakhal não forçaria Lady Uriel ou Maura Elhalyn a lutar contra Carolin. Disse Varzil. Não. Ela respondeu. Para fazer-lhe justiça, Rakhal ofereceu isenção para aqueles que tinham laços sanguíneos com Carolin, contanto que eles jurassem não se envolver em qualquer ação hostil contra ele também. Mas ele já renegou esse assunto após Lady Maura e vários outros deixarem Tramontana. Maura disse que não poderia continuar a servir Rakhal depois do que ele tinha feito, mas Varzil, não era que ela que iria se casar com ele? Eu pensava assim quando estávamos juntos em Hali, no primeiro Festival do Solstício do Inverno. Sim, foi o que todos nós pensamos. Varzil respondeu. Ele não queria nem imaginar o que ela passou por um homem que ela tinha defendido tão lealmente agora caído em uma ambição tão perigosa. Quanto a mim, Rakhal não tem cuidado para manter quaisquer bons sentimentos com um Ridenow. Ele perdeu muitos de seus próprios leronyn’s para a neutralidade e não está dispostos a liberar mais nenhum de nós. Eu acho que ele está ficando desesperado. E se ele


nos manda para atacar o Great House em Serrais, ou mesmo em Água Doce, como você deve ter ouvido falar, Harald declarará o seu apoio à Carolin. Eu amo meu trabalho aqui, Varzil, mas eu amo minha família também. Dyannis continuou. Varzil sentiu a melancolia em sua voz mental, como se ela fosse uma criança apanhada em uma paisagem imprevisível e hostil, no entanto, abaixo disso ele tocou um núcleo tão duro e resistente como um chicote. Nem Dougal DiAsturian, Guardião da Torre de Hali, nem o próprio Rei Rakhal iria encontrá-la flexível, caso eles tentassem comandá-la contra sua própria consciência. A próxima vez que Varzil teve sua vez nas Hellers sinalizou para a Torre Hestral. Dentro de alguns momentos, comprimindo a distância, ele tocou a mente de Serena, uma das monitoras. Quais são as notícias de Arilinn? Perguntou ela. Ele passou as mensagens para da noite. Algumas eram complexas, respostas às perguntas que Loryn Ardais tinha feito sobre os Arquivos do Conselho Comyn, armazenados na Cidade Oculta. Algumas delas remontavam à época da Era do Caos e documentavam alguns dos tipos mais bizarros de laran. Durante este tempo, endogamia e manipulação genética resultaram em dons estranhos e imprevisíveis. Loryn procurava particularmente entre a capacidade de perceber os vastos campos elétricos e magnéticos do próprio planeta. Os Arquivos de Arilinn eram enormes e os registros dessa época estavam mal organizados. Ajudaria, Varzil disse, se ele soubesse exatamente o que Loryn estava investigando e com que propósito. Silenciosamente, ele rezou para que não fosse para o desenvolvimento de uma nova arma terrível. Os Aldarans tinham rumores de serem capazes de gerar tempestades com força devastadora. Ele estremeceu em silêncio enquanto se lembrava suas visões, tantos anos atrás, na parte inferior da nuvem-lago em Hali. Um dos trabalhadores mais jovens, um rapaz Rockraven, parecia ter alguma medida de seu talento, mas tão pouco se sabia sobre ele que tentar treiná-lo parecia tropeçar no escuro. Esbarramos em sombras e prateleiras com feno na tentativa de orientar o rapaz. Serena acrescentou. Deixe-me chamar Felicia para falar com você. Ela, dentre todos nós, sabe mais porque ela está desenvolvendo uma rede de matriz que esperamos que venha permitir a Marius se concentrar em seu talento. Ela acha que, se pudermos determinar as condições adequadas com bastante antecedência, poderemos mudar os padrões de nuvens e ar úmido, ou talvez até mesmo descarregar a energia elétrica de alguma forma inofensiva. Apenas no inverno passado, perdemos cinco famílias e muitos barcos de pesca para incêndios causados por tempestades. Depois de alguns momentos, a voz mental clara de Felicia chegou a ele, abraçando-o em boas vindas. Eu estou tão contente em ouvir você, meu querido! Serena disse que havia algum problema sobre nossas pesquisas, mas acho que ela estava apenas procurando uma desculpa para nós nos falarmos! Varzil quase podia ver o sorriso, a luz brilhante e rápida em seus olhos. Você está bem, querida? Extremamente! Mais uma vez, surgiu uma faísca de prazer. Eu estou trabalhando como uma Guardiã na maior parte do tempo, embora ainda não em nome... Darkover não está


completamente pronta para isso! Quando eu cheguei estava preparado para travar uma batalha com Loryn Ardais, recusar-me a trabalhar em instrumentos de destruição, mesmo que isso significasse não fazer nada mais desafiador do que a destilação de kirian e trantar de bebês doentes. Varzil riu silenciosamente ante a imagem de Felicia, com o cabelo preso em um lenço, um grito, um bebê com o rosto vermelho em seus braços... Em sua mente, sua expressão se suavizou em ternura. Ela levantou o bebê e ele percebeu que a criança era deles. Seu coração estremeceu com desejo, mas ele sabia que não era a verdade de uma clarividência, apenas uma esperança desesperada. Em meu coração, eu compartilho seu desejo. Felicia respondeu. Eu oro por um momento em que nós possamos viver juntos. Loryn é um homem surpreendente, um Guardião que incentiva a independência nos outros. Eu tenho o seu apoio total no meu projeto do clima. Eduin está aqui desde a temporada passada e ele tem me ajudado muito. Amanhã à noite vamos estar prontos para testar a rede, e foi ele que a construiu. Ela continuou voltando ao assunto. Ela descreveu o que esperava fazer. Varzil ficou impressionado com a criatividade e profundidade do seu trabalho. Barak nunca teria permitido a ela tal escopo ou lhe permitido usar seus talentos notáveis tão rapidamente. E seus sentimentos de apreensão? Perguntou ele. Eles foram colocados de lado? Ela ficou em silêncio por um momento. Na verdade, eu não sei. Houve muito trabalho a fazer, tantas coisas novas emocionantes, eu não pensei muito sobre isso. Antes de chegar aqui eu não tinha percebido minha própria ambição. Eu certamente não fui encorajado a segui-la em qualquer Torre, Nevarsin ou Arilinn! Depois de todos esses anos passados escondendo minha filiação, não era fácil chamar a atenção para mim e minhas habilidades. Fico ansiosa de vez em quando, mas é por causa do leroni sob meus cuidados e a enormidade do que pretendemos realizar. Nós estamos à beira de uma nova Era e você e eu vamos ser parte de sua formação. Varzil enviou-lhe um impulso de amor e orgulho. Se você não estiver muito cansada, deixe-me saber os resultados de sua experiência. Vou esperar amanhã à noite no laboratório de revezamento. Tenha a certeza que o farei. Até amanhã à noite. Ah, mais uma coisa. Eu ouvi um lindo velho ditado: "Suas palavras vão iluminar o céu." Eu estive esperando por uma chance de dizer isso a você... -Suas palavras vão iluminar o céu. - Repetiu Varzil, depois de terem quebrado o contato. Sua presença o encheu com a doçura de uma aurora de verão. Ansiava além das palavras mantê-la sob aquele céu brilhando. Na noite seguinte, Varzil não teve nenhum trabalho. Por 10 dias ele tinha comandado um círculo para reparar algumas das casas dentro da Cidade Oculta. Como na própria Torre, nenhum não-telepata poderia passar dentro desses recintos, de modo que eram necessários trabalhadores de laran em vez de pedreiros para colocar as novas pedras. Esse trabalho também exigia a luz do dia, mas felizmente havia poucos espectadores comuns. Qualquer Comyn com negócios na Cidade Oculta sabia que não devia perturbar um círculo de trabalho.


Este tinha sido um dia particularmente exigente, usando o poder mental combinado do círculo para levantar, ressurgir e substituir várias pedras maciças. Não era um trabalho perigoso em si, mas a potência necessária drenava as energias vitais. Depois disso, ele insistiu que Fidelis monitorasse cada membro de seu círculo para se certificar de que ninguém estava perigosamente esgotado. -Ninguém além de você mesmo. -Fidelis disse. -Você de todas as pessoas deve saber melhor do que qualquer um o efeito de ficar acordado metade da noite sobre as Hellers e, em seguida, colocar-se em um dia de trabalho como Guardião em um projeto como este. Desta forma, deve ir comer e depois dormir. Varzil prontamente concordou com a comida, mas não quebraria seu encontro com Felicia. Fidelis era um telepata bom o suficiente para pegar o brilho de seu pensamento. -Você vai ficar doente se abusar de seu corpo dessa maneira. Como você pode dar um exemplo como Guardião ou verdadeiramente ser responsável por aqueles em seu círculo, quando você mesmo se comporta de uma maneira tão imprudente? -Eu sou um Guardião e conheço os meus próprios limites. -Você é um idiota se você não ouve o seu monitor! Varzil recusou-se a ser arrastado para uma discussão. Ele sabia que Fidelis falava com amor. -Eu prometo que não vou me permitir ficar muito cansado. -Ordenei-lhe para descansar. Se recusar, não posso forçá -lo. Peço-lhe para considerar as consequências, não só para si mesmo, mas para aqueles em seu círculo, se você entrar em colapso por causa do seu orgulho teimoso. Varzil disse a si mesmo que o seu bem-estar emocional era tão importante quanto qualquer outro aspecto de sua vida. Ele estava cansado, era verdade, mas não muito cansado para trabalhar eficazmente. Ele cedeu o suficiente para comer uma refeição quente antes de descansar em um dos sofás almofadados na sala comum. Ele começou a acordar ao som de passos e vozes. -Será que o contato vem de Hestral? Marella passou com Richardo ao seu lado, com uma expressão de espanto. Ambos estavam vestidos para o trabalho laran e ela parecia pálida e cansada. -Não, nada de Hestral. Mas há notícias vindas de Hali que Rakhal Hastur executou o Senhor Valdrin Castamir e todos os seus filhos e, em seguida, enviou carros aéreos com fogo aderente para queimar o Castelo Highgarth até que houvesse apenas o chão. -Horrível. -Disse Richardo. -Valdrin Castamir? -Cerriana, descendo as escadas atrás deles, perguntou. -O que ele fez a ao Rei Rakhal para causar tal raiva? -Ele deu abrigo a Carolin quando ele fugiu e enviou-lhe para a segurança. -Disse Varzil. -E Rakhal, que tinha sido como um irmão para ele, não podia tolerar esse ato de lealdade à Carolin. -Não deixe que Barak ouça você dizer essas coisas! -Disse Marella. -Barak pode ouvir o que eu digo. -Varzil disse calmamente. -Carolin é o Rei legítimo dos Hastur’s, não importa quantos castelos Rakhal destrua. Se houvesse qualquer dúvida remanescente sobre a aptidão de Rakhal para governar, suas ações falam por si e mostram ele como um canalha e um tirano.


-Ninguém ousaria dizê-lo em voz alta, -disse Richardo- para evitar sofrer o mesmo destino do Senhor Castamir. Rakhal pode ser cruel, mas ele não é estúpido. As pessoas que ele utiliza como exemplos para os outros foram escolhidas com cuidado. Guardião ou não, você seria sábio em manter suas opiniões para si mesmo, Varzil. Nem mesmo os muros de Arilinn iram protegê-lo se o Rei Rakhal decidisse pôr fim às suas acusações. -O que você está dizendo, Richardo? -Cerriana chorou. Duas manchas de vermelhas de agitação subiram em seu rosto pálido. -Nem Rakhal nem qualquer outro Senhor Hastur tem poder aqui! -Eu simplesmente digo que vivemos em um mundo em que é melhor não interferir nos atos dos reis para que não soframos o mesmo destino de Tramontana e Neskaya! Varzil endireitou-se. -Ah, mas Tramontana foi reconstruído e Neskaya ainda pode ser, se Carolin Hastur recuperar seu trono. -Richardoestá certo. -Disse Marella, sacudindo a cabeça fazendo seus cachos balançarem. -Não é da nossa conta quem reina em Hali, contanto que Arilinn seja deixada em paz. Nossa segurança contínua está em cuidar dos nossos próprios assuntos. -O silêncio não fará justiça. -Disse Varzil. -Você é um tolo, Varzil Ridenow. -Veio uma voz do outro extremo da sala. -E é só por causa da habilidade do seu Guardião que você tem um lugar entre nós. –Com rosto obscuro e sobrancelhas franzidas, Barak atravessou a sala. -Arilinn deve permanecer além dos assuntos dos reis! Nós não tomamos nenhuma posição sobre qualquer um desses eventos, nenhum! Você já deixou suas opiniões claras. Cada vez que somos convidados a fazer fogo aderente passamos por uma nova rodada de debates com você! Você acha que seu manto vermelho vai isentá-lo das conseqüências de suas palavras precipitadas? Podemos não viver no mundo lá fora, mas estamos tão sujeitos às suas leis como quaisquer outros homens! Varzil, que tinha subido seus pés na entrada do Guardião sênior, baixou a cabeça. Ele deveria ter pensado melhor antes de deixar-se ser arrastado para tal debate. Embora ele não se arrependesse de nada do que tinha dito, ele agora via a loucura em ter falado com tanta franqueza. Barak não seria influenciado por argumentos, mas veria qualquer opinião divergente como um desafio à sua autoridade. -Talvez eu tenha falado fora de hora. –Varzil disse em voz baixa. –Eu só posso alegar que foi minha fadiga e preocupação com meu amigo Carolin Hastur que causaram meu lapso de julgamento. Espero que em Arillin não cheguemos ao ponto de condenar um homem por algumas palavras descuidadas ao invés de suas reais ações. -Rezo para esse dia nunca chegar. -Disse Barak. Seu tom de voz ainda estava rouco, mas seu rosto ficou mais calmo. -Ninguém pode acusá-lo de fugir ao seu trabalho, Varzil. Você é quem coloca muito sobre si mesmo qualquer trabalho e este... este equívoco é o resultado. -Vivemos em tempos em que muito é exigido de nós. -Disse Varzil. Curvando-se, ele se desculpou e fez o seu caminho de volta para seus aposentos. Embora Varzil, deitado em sua cama, respirasse profundamente focando o núcleo de seu corpo, o sono veio devagar e, com ele, os sonhos de fogo durante a noite. Felicia ouviu gravemente quando Eduin explicou que ele não estaria disponível para trabalhar no círculo nos próximos dois ou três, talvez até dez dias.


Mais cedo, Eduin tinha procurado Loryn Ardais. Ele havia preparado o que iria dizer, pois ele precisava de um motivo convincente para ausentar-se do laboratório. Quando a armadilha surtisse efeito, ele deveria estar em outro lugar longe e acima de qualquer suspeita. Ele pensou em uma série de razões para a transferência no círculo de Loryn. Não foi difícil convencer Loryn de ansiedade de Eduin em trabalhar com ele. -Mas certamente você deve querer ser parte do funcionamento do dispositivo depois de ter passado tanto tempo na sua concepção e construção. -Os olhos de Felicia estavam intrigados, um único batimento cardíaco instável e sua pele pálida. Ela se recuperou suavemente, movendo-se em uma declaração gentil de agradecimento por suas contribuições. -Eu espero que você seja capaz de voltar ao meu círculo em pouco tempo. -Disse ela. Deixe-a ter algum pequeno conforto na pretensão de que ela era uma Guardiã. Eduin pensou enquanto observava as costas dela. Ela ainda não tinha ganho o direito de vestir o manto vermelho. E agora ela nunca o faria. Na terceira noite ainda sem nenhuma mensagem de Hestral sobre o experimento de Felicia, a compostura de Varzil vacilou. Ele não conseguia pensar em qualquer razão feliz para seu silêncio. As Hellers operava em sua programação regular com outras notícias. Carolin Hastur ainda não tinha sido capturado e cada dia trazia algum novo rumor de um exército que se reunia em torno dele. Houve distúrbios alimentares nas áreas mais pobres de Thendara, após o derramamento de sangue considerável pela aplicação da lei de Lyondri. Vagos medos vagos beliscavam sua mente, os pensamentos do que poderia ter acontecido em Hestral. Havia alguma doença impedindo de reunião do círculo? Felicia parecia se recuperado completamente de sua febre do pulmão, mas tinha ouvido que às vezes não havia cicatriz residual deixando uma predisposição a infecções futuras. Algum desastre sobrecaiu sobre Hestral e a Torre tinha caído no silêncio? Não havia nenhuma notícia sobre tal, mas Hestral não enviava mensagens a algumas noite e, o que antes poderia ser alguma ausência normal, assumiu um significado tenebroso. Ou Felicia tinha tentado o experimento e as coisas haviam ido muito mal? Hestral estaria agora mesmo em luto pela perda de um círculo completo? Varzil tinha certeza de que ele saberia se algo tivesse acontecido com ela. Quando ele estendeu a mão, sentiu o pulso sutil de sua presença. Ela estava viva e bem. Varzil tentou acalmar sua mente praticando o desapego e a paciência que ele tinha trabalhado tão duro para aprender. Ele sabia que quanto mais tempo ele permitisse tais pensamentos na mente dele, mais frenético e desequilibrado ele se tornaria. Disse a si mesmo que ele era um homem adulto, um laranzu treinado e não um rapaz apaixonado. A meditação aliviou sua ansiedade, mas apenas por um tempo. Em vez de descansar, ele andava pelos corredores de um lado para outro até que Lunilla ordenou que ele fosse para fora. Ele vestiu roupas comuns e desceu para a cidade como ele costumava fazer em seus primeiros anos. Arilinn ainda estava intocada pela turbulência acumulada das terras Hastur’s, embora o medo corresse como um rumor mal-assombrado que ele sentia em todas as conversas. Varzil comprou algumas frutas no mercado e vagou pelas lojas. Viu panos, facas cujos cabos eram enfeitados com conjuntos de jóias, freios de couro utilizados em ferramentas, até mesmo tapetes dos lendários teares Ardcarran passaram diante de


seus olhos como poeira. Depois de um curto período de tempo, a memória de Carolin surgiu como uma forma fantasmagórica um pouco além de sua visão. Embora nunca tivesse sido dotado de presciência, Varzil estremeceu. Havia mais na sua sensação de desconforto do que apenas o desejo frustrado. O brilho do dia, pois era no meio da tarde, agora só acentuava a sensação de que, por trás da fachada de brilho e normalidade, sombras se recolhiam. -Vai dom? -Perguntou uma voz. -Você gostaria de um lenço para cabeça? Abruptamente Varzil voltou a si. Ele estava em uma tenda ao ar livre na extremidade da praça do mercado, segurando um quadrado de tartan adequado para uma criança menina. Ele não tinha nenhuma lembrança de ter andado até ali ou de qualquer pensamento a respeito da razão pela qual esta peça de vestuário em particular teria o atraído. O comerciante, um homem de idoso com a pele frouxa de alguém que perdeu muito peso rapidamente, observava-o com uma expressão de expectativa. -Não. -Disse Varzil colocando o lenço sobre a mesa e indo embora antes que o comerciante pudesse oferecer a ele como um presente. Ele não queria negociar favores, e era o que certamente aconteceria se ele aceitasse. Eu não posso continuar assim, dividido entre duas pessoas que eu amo, uma em perigo e além da minha ajuda, a outra envolvida em nenhum problema que eu saiba. Só vou causarme mal e pôr em perigo aqueles que confiam em mim no círculo. -Ele pensou enquanto se dirigia de volta para a Torre. Pela primeira vez, até onde podia se lembrar, Varzil não sabia o que fazer ou mesmo a quem recorrer para obter ajuda.


CAPÍTULO 37 Os dias se passaram e não havia nenhuma notícia sobre Felicia. Por insistência ded Fidelis, Varzil pediu a suspensão da obra e se forçou a descansar. Ele estava tendo cada mais dificuldades em dormir, mesmo com um amortecedor telepático reduzindo as distrações psíquicas. Se os Hastur’s estivessem em paz ele poderia ter feito uma viagem para Hali para ver Carolin, o lago e visitar Dyannis. O exercício da viagem e a mudança de cenário lhe fariam bem. Mas Carolin estava no exílio, lutando por sua vida e seu trono. As estradas estavam cada vez mais perigosas e a própria Arilinn era uma ilha de segurança em apuros nesse mar de perigos. Ele sentou-se no jardim e ali encontrou um consolo inesperado na companhia dos kyrris, os pequenos funcionários de pêlo que eram apenas mais uma dentre as coisas que o Comyn ajudaram a criar e agora tentavam passar o véu por cima. Desde a primeira manhã em que ele tinha acordado fora dos portões de Arilinn, ele tinha um carinho especial e respeito pela sua espécie. Agora, dois ou três pareciam atraído a ele, oferecendo seu conforto sem palavras. Ele sabia que ao tentar tocá-los seus corpos geravam correntes elétricas que poderiam criar um choque desagradável. Sua proximidade e os barulhos suaves que faziam entre si acalmaram seus nervos desgastados. Quase dez dias após seu último contato com Felicia, Varzil caiu em um sono agitado. Ele sonhava em fragmentos, momentos em que ele sabia que ele estava procurando por alguém ou alguém estava procurando por ele. Ele acordou com o coração acelerado, confuso e grato por estar em sua familiar cama. Mais tarde naquela noite, ele vagou pelo mundo superior, o estranho e disforme lugar onde nem o tempo nem a distância tinham qualquer significado. Ele viu uma Torre abalada por relâmpagos e no começo pensou que era a Hali do passado distante, durante o Cataclisma. Fogo irrompeu a partir das Torres mais altas, encharcando toda a terra ao redor em luz laranja retorcida. Em seguida, ele parecia estar de pé sobre uma elevação ou promontório, olhando para baixo sobre um castelo em chamas. Sua visão assumiu uma duplicação estranha, como se estivesse vendo através dos olhos de um pássaro-sentinela ou de outro homem. As imagens piscavam rápidas demais para ele para ter certeza. Varzil ... Foi apenas um sussurro, uma respiração através de sua mente. Carolin? O toque mental efêmero não era dele de ressonância masculina amiga. Varzil... me ajude... As palavras eram fracas e distantes, peneiradas através de ligas e dos escudos psíquicos de duas Torres. Ele lutou para manter esse estado de receptividade, meio sonho, meio além do mundo. O medo tremia nas fronteiras de sua mente. A presença desapareceu. FELICIA! O silêncio foi a resposta. Em desespero, ele convocou uma imagem mental dela como tinham feito por último entre as Hellers, o tom e a textura de seus pensamentos, o orgulho e a ludicidade, a mudança inesperada de pensamento que era tanto uma parte dela como respirar.


Ela estava lá e não estava, e com o contato fugaz veio um amontoado de outras imagens, como se um painel de vidro colorido tivesse sido fraturado em uma centena de fragmentos coloridos. Ele vislumbrara um quarto, reconhecível como uma matriz de laboratório, embora apenas uma porção dela fosse visível. Outra porção mostrava duas pessoas vestidas como trabalhadores de laran, as mãos unidas, as cabeças inclinadas em concentração. ...O círculo de Felicia? Outro fragmento ainda revelou uma matriz intrincada modelada. O poder pulsou através da rede cristalina em flashes azuis-brancos. Ele viu o rosto de Felicia banhado numa radiância estranha, como se estivesse sob o encantamento da verdade. Seus olhos estavam fechados, seu semblante com uma calma sobrenatural. Outro vislumbre mostrou uma jovem mulher, envolta em branco, voltando-se para a matriz artificial gigante com uma expressão de alarme. Felicia! Ele sentou-se. O ar ainda vibrava com o nome dela. -Felicia! O anel que ela lhe dera, que nunca saiu do seu dedo, irrompia em brilho. Por um momento terrível, Varzil não podia ver nada, nem com os seus sentidos de laran, não com os olhos físicos. Então a luz diminuiu, deixando a sala na sombra. Apenas um pequeno brilho ofuscante persistiu, pulsando suavemente como o coração vivo da jóia. Ele estava quente. Varzil se levantou e pegou a peça mais próxima, uma túnica em ouro e verde. Descalço, ele correu através do corredor e desceu escadas, subindo dois degraus de cada vez. Gavin! Lerrys! Eu preciso de vocês! Varzil enviou uma chamada mental para os dois técnicos mais fortes na Torre, com uma única imagem mental do que ele queria fazer. Ele nunca tinha sido atlético e pelo tempo que ele atingiu o nível da câmara, sua respiração tornou-se áspera através de seus pulmões e ele estava suando bastante. Quando ele abriu a porta, com as mãos tremendo, Cerriana já estava saindo de seu lugar ante as telas das Hellers. -Varzil! O que há de errado?... Você está doente? Ferido? -É Felicia! Algo terrível aconteceu. Cerriana você deve enviar-me através das Hellers para Torre Hestral. -Varzil, eu não posso! Isso não tem sido feito desde a Era do Caos! Nós não somos fortes ou temos conhecimento suficiente... -Nós temos que ser fortes o suficiente! Ah! Gavin e Lerrys estão a caminho e eu estou aqui. Valentina aflita entrou pela porta. Ela usava o manto branco de um monitor, ainda com alguma luminosidade, talvez captando também a cor de seu cabelo que lembrava uma chama intensa, matizado a roupa vermelha. Ela parecia tão frágil como sempre, esguia e pálida como um chieri lendário, mas o próprio ar ao redor dela vibrava com energia, aço e seda, em vez de carvalho. Gavin entrou na sala um instante depois, com Darriel Alton e Richardo em seus calcanhares.


-Lerrys precisou de uma folga mais cedo esta noite. Fidelis deu-lhe uma dose de kirian e ele está dormindo profundamente agora. Somos o suficiente? Varzil, com os olhos ainda em Valentina, assentiu. Darriel e Richardo eram ambos altamente competentes, educados nos padrões exigentes de Arilinn. -Vou dizer ao povo em Hestral para ficarem prontos. -Disse Cerriana. Usando as telas de retransmissão como um foco, eles colocaram-se em torno de Varzil. Em um instante, ele reuniu-os na emenda que era um círculo. Ele havia trabalhado com todos eles antes, embora com menos frequentemente com Valentina. Com o treinamento adequado, ele percebeu, ela mesma poderia ter agido como Guardiã deste círculo. Ele se perguntou se o experimento de Felicia poria fim ao esforço para treinar as mulheres como Guardiãs. A pele de Varzil vibrou com os campos elétricos dos trabalhadores. Cada um brilhava como um ponto focal da roda de alimentação. A tela crepitava com a energia. Ele desenhou sobre as forças de afluência através do círculo para arrumá-los em um cone de poder com ele mesmo no ápice. Ao mesmo tempo, ele sentiu uma ressonância responder nas telas de retransmissão a centenas de léguas de distância, na Torre Hestral. A visão desapareceu quando os sentidos sobrecarregados e o cheiro de ozônio encheu suas narinas. Sua consciência de seu corpo foi drenada, substituída por um surto de energia tão brilhante e potente que nesse momento ele parecia ser formado por um raio. O frio estremeceu através dele. Ele engasgou, mas seus pulmões não atraíram nenhum ar. Uma rachadura em si e um sacudida de som atirou-lhe como uma boneca quebrada. Ele desapareceu num vasto silêncio. A náusea varreu através dele e de repente ele tinha um corpo novamente e estava ajoelhado no chão de pedra. -Varzil? Varzil de Arilinn? Uma mulher se inclinou sobre ele, a monitora que ele vislumbrara na comunicação telepática fragmentada de Felicia. Ele abriu a boca para responder, mas o ar parecia ter sido sugado de seus pulmões. A sala ficou cinza e fria. Ele tentou se levantar, mas descobriu que mal tinha forças para segurar a cabeça. -Está tudo bem. -Disse ela e se apresentou como Oranna MacLean. –O desgaste de energia ao viajar através das Hellers é extremo, mas não há nada de errado com você que o alimento e o descanso não possam curar. Tenho estudado sobre esse procedimento nos registros. Quando ele seguiu seu olhar pôde ver mais do cômodo. Ele o reconheceu como uma câmara de revezamento muito parecido com o que ele tinha deixado, mas com as diferenças de arquitetura, a colocação das telas, os pequenos toques ornamentais, o que lhe garantiu que ele não estava mais em Arilinn. Os trabalhadores que se reuniram em torno dele, mascarando sua curiosidade sob uma distância discreta, eram estranhos. Varzil aceitou um prato de comida familiar, fortemente adoçada, adequada para o extenuante trabalho com laran, doces de nozes e frutas secas com mel. Seu corpo respondeu com uma rápida clareza mental. -Que necessidade levou você a viajar com tamanho risco? -Oranna perguntou. -Não que estejamos infelizes em vê-lo, mas o nosso próprio Guardião, Loryn Ardais, não pode recebê-lo corretamente ou teme dar-lhe qualquer ajuda imediata. Nós temos uma crise em nosso próprio...


Varzil encontrou sua voz. -Onde está Felicia? O que aconteceu com ela? -Oh, Varzil, foi um terrível acidente! -Oranna respondeu. -Venha, se você for capaz de andar agora, e você verá por si mesmo. Varzil ainda estava fraco o suficiente para apreciar um ombro para se apoiar, especialmente quando precisou subir as escadas. O laboratório de matriz tinha sido claramente construído para algum outro propósito e posteriormente remodelado. Painéis de madeira oleados cobriam, em parte, as paredes de pedra vermelhas. A mesa de trabalho dominava o centro da sala e sobre ela estava a ruína despedaçada de uma estrutura de matriz. Partes dela permaneciam intactas, os cristais que exibiam uma luz como pequenos pedaços de estrelas. Um pó enegrecido cobria um lado. Alguns vestidos para o trabalho estava atrás da porta e em um canto um jovem, mal saído da infância, estava amontoado no chão, chorando. Além dele... Felicia! Ela estava deitada no chão ao lado da mesa de trabalho, oculta por um cobertor. Um homem com o manto escarlate de um Guardião estava agachado na sua cabeça, de costas para Varzil. Por um momento, como se seu coração estivesse parado, Varzil temia que ele tivesse vindo tarde demais, que ela já estivesse morta. Ele não podia sentir a sua mente e seu corpo parecia inerte como o barro. O Guardião olhou para cima. À luz dos brilhos, seu cabelo parecia preto, seus olhos poças de sombra. Os contornos de seu rosto transmitiam uma mente rápida, uma curiosidade profunda e duradoura. -Varzil de Arilinn? -Vai tenerezu. -Varzil respondeu, curvando-se. Para sua surpresa, sua voz não tremeu. -O que aconteceu aqui? -Eu estabilizei-a o melhor que pude. Vamos levá-la para a enfermaria para uma análise mais aprofundada. Você deve preparar-se para o pior. Varzil se retraiu. Mas ela ainda vive! Há vida e, em seguida, pode não haver vida. Varzil, apesar de sua fadiga, insistiu em ajudar a carregar Felicia. Sua pele estava quente e resistente. Ela era mais leve do que ele esperava, como se a maior parte de sua substância tivesse sido queimada. Seu rosto estava muito pálido, exceto a menor parcela rosa de suas bochechas, mas seus lábios curvavam suavemente. Não havia terror em sua expressão. As poucas linhas fracas que marcaram sua pele só se somavam à sua personalidade. Pela posição de suas janelas, a enfermaria tinha sido uma vez um solário, que agora olhava para a escuridão. Oranna chegou antes deles, arranjando um leito no centro da sala com espaço amplo para um círculo se reunir. Em torno dela, havia um grupo de trabalhadores, alguns vestidos para o trabalho laran. Um deles era Eduin. Varzil colocou Felicia sobre a mesa. -Eu vou cuidar dela.


-Você não vai fazer nada do tipo. -Disse Loryn. -Você ainda não está recuperado de seu próprio trânsito através das telas. Loryn tinha a presença psíquica menos invasiva que Varzil já tinha experimentado, uma auto-suficiência extraordinária e flexibilidade sem qualquer necessidade aparente para impor sua vontade sobre qualquer outro. Varzil gostou dele imediatamente. Ele baixou as barreiras de laran, como se Loryn fosse o seu próprio Guardião. Ah! Loryn respondeu telepaticamente. Tal é o vínculo que você e Felicia compartilhavam. A nós também ela é muito querida. Você fez bem em vir aqui. Ninguém que amatão profundademente deve ser privado da oportunidade de se despedir. -Ela ainda vive. -Varzil repetia em voz alta, consciente do quão teimoso ele parecia. -Ainda há esperança. -Há sempre uma esperança. -Loryn concordou. -Vinde, pois, nosso monitor fará o seu trabalho. Vou ajudá-la, mas você não deve interferir. Está muito perto emocionalmente de Felicia. Relutantemente, Varzil concordou. Ele próprio tinha dito muito a mesma coisa sobre ocasiões como esta. Fortes emoções, amor ou ódio, ciúme ou raiva, causavam percepções ilegíveis e julgamentos deformados. Os casais não eram autorizados a trabalhar no mesmo círculo em Arilinn. As exigências do celibato do intenso trabalho psíquico eram grandes demais para a maioria dos relacionamentos. Ele e Felicia tinham sido treinados em Torres diferentes antes de se conhecerem; eles compreendiam as limitações físicas como o preço natural do uso de seus talentos. Quando ele olhou para o rosto tranquilo de Felicia, Varzil percebeu que o núcleo do relacionamento deles não era nem romântico, nem sexual, embora estes aspectos, quando podiam ser apreciados, houvessem certamente sido agradáveis. Eles compartilharam uma simpatia de espírito que transcendia a carne. Eu nunca conhecerei ninguém como ela outra vez. Ele encontrou-se pensando e depois recuou. Certamente, ela se recuperaria com tanto cuidado competente ao seu redor. Ela devia mesmo. Recuou até mesmo quando Eduin mudou-se para o seu lado. -Varzil, lamento vê-lo novamente sob estas circunstâncias. Seja muito bem-vindo, embora você tenha vindo a Hestral em uma hora obscura. Varzil não esperava tanta bondade. -Eu não sabia que você estava aqui em Hestral. Ouvimos apenas que você tinha ido para Hali após sua visita ao seu lar. Como está seu pai? -Ele se recuperou, obrigado. Durante o tempo em Hali, tive a chance de considerar meu próprio futuro. Arilinn me treinou bem, mas me deixou com pouco espaço para me desenvolver. Aqui em Hestral, não existem tais limitações. Eduin sorriu para Varzil, seus olhos firmes, sua aura psíquica sem manchas. Talvez, pensou Varzil, ele tenha finalmente encontrado o lugar onde ele não precisava mais manter-se à parte, esconder quem ele realmente era. Varzil estava a beira da exaustão quando, pouco tempo depois, um homem idoso entrou, apresentou-se como coridom da Torre e disse que um quarto tinha sido preparado. A Torre


Hestral não tinha enfermarias como Arilinn com seu véu que proibia a entrada de qualquer não Comyn. Homens e mulheres da aldeia vinham diariamente para limpar e cozinhar. O coridom caminhava ao longo dos corredores, levando Varzil pelo resto dos aposentos para uma câmara mal iluminada e estreita. Mofo tingia no ar, como se tivesse sido pouco utilizado, embora a roupa fosse bastante limpos e a refeição estivesse disposta sobre uma bandeja na cômoda com vapor de aromas apetitosos. Varzil engoliu a comida, quase sem prová-la, e caiu na cama. Ele acordou algumas horas mais tarde, com uma fome voraz. Segundo a luz que atravessava a única janela, ele imaginou que devia ser uma ou duas horas depois do nascer do sol, não mais que isso. Depois de várias voltas erradas, ele fez o seu caminho para a enfermaria, onde encontrou Loryn e Oranna ao lado da cama de Felicia. -Varzil, eu sinto muito. -A voz de Oranna era tão fina e pálida como suas bochechas. -Nós tentamos tudo que podíamos. Um campo cintilante de energia laran ainda rodeavam o corpo de Felicia. De perto, era totalmente transparente, com apenas uma pitada de cintilação para denunciar sua presença. Toda a cor tinha sido drenada de seu rosto, deixando apenas uma máscara de cera lívida no lugar. Varzil assistiu o aumento hesitante fraco e a queda de seu peito. -Sim, -disse Loryn -seu coração bate e seus pulmões respiram. Isto temos sido capazes de fazer, mas por quanto tempo não sabemos dizer. Ela tomou um fluxo imensamente poderoso de energia através de seu corpo. Nem mesmo ela os reflexos básicos sobreviveram intatos. O pior de tudo, seus centros de laran foram seriamente danificados. Mesmo assim se ela se recuperará ! Varzil freou seus pensamentos. -Certamente com tempo e tratamento com algum laranzu dotado do laran da cura qualificado... -Ele começou. Oranna sacudiu a cabeça. -Eu já vi vários casos e nunca encontrei nenhuma documentação nos prontuários de uma verdadeira recuperação num caso semelhante. Certamente não a partir de uma grave lesão. -Ela continuou, um pouco na defensiva, pois ela parecia muito jovem para ter qualquer profundidade e experiência -Eu foi promovida perto de Temora, onde tem havido uma série de círculos fora da lei ao longo dos anos. Eles trabalham sem as garantias de uma Torre e aceitam todos os tipos de riscos e, muitas vezes pagam, um alto preço. Havia uma mulher, eu prefiro não nomear esses leronis... que foi capaz de continuar a trabalhar depois de um grave acidente. Eu não sei como ela fez isso, mas eu também nunca fui parte de seu círculo e por isso não estou a par dos detalhes. Eu suspeito, e Loryn concorda, que seus ferimentos não foram tão graves como ela disse e que ela usou a circunstância do acidente para sua própria vantagem. -Isso não é justificação, -Varzil disse firmemente- para abandonar Felicia sem tentar. -Eu já fiz o meu melhor para ela. -A curadora respondeu com uma voz clara e firme. Ela apertou os lábios, segurando as lágrimas, oscilando à beira da exaustão. -Nós não teremos dissensões entre nós. -Disse Loryn. A suavidade de sua voz mascarava sua tristeza. Para ele, ela já se foi. Ela é, de fato foi, minha amiga. –Veio a voz telepática de Loryn.- Acredite em mim, temos feito tudo o que podia ser feito. Você acha que você era a única pessoa que a amava, que faria o que fosse necessário para tê-la de volta em nosso meio? Temos de encarar a


realidade. Seu cérebro está danificado com pouca chances de reparo. Tudo o que temos sido capazes de fazer é manter seu corpo vivo. Varzil fechou os olhos enquanto a dor tomava conta dele. Ela veio como uma onda, transformando-se em um pico que o deixou tremendo e depois diminuiu. Loryn pediu sua permissão para liberar os campos de energia que mantinham a vida de Felicia. Como posso deixá-la ir? Ela já se foi. Agora é o momento da aceitação e do luto. Passando uma mão sobre os olhos, Varzil afastou-se. Loryn retirou o contato telepático com respeito pela sua privacidade. No dedo de Varzil a pedra branca pulsava suavemente. Ela havia dado a ele em uma noite de paixão e esperança. Seria tudo o que ela tinha deixado para ele? Ele segurou-o com as duas mãos. Quando seus lábios tocaram na pedra um calor o percorreu. Por um instante sentiu a presença de Felicia. Não seus pensamentos, nada tão claro assim, mas o selo inconfundível de sua personalidade. Seu primeiro pensamento foi que, contra todas as evidências e tudo que Loryn e Oranna haviam dito, ela ainda vivia em seu corpo. Mas não, isso não era possível. Ele sabia a verdade de suas palavras. Uma memória veio em um flash... Felicia chamando-o, impulsionada por tal desespero que ela era capaz de atravessar ligas e barreiras formidáveis das Torres. A escuridão de seu quarto em Arilinn... o flash do cristal... De alguma forma, ela havia transferido sua mente, ou parte dela, para o ambiente ao redo ou a própria pedra. Se era assim, seus pensamentos estavam descontrolados como bestas enlouquecidas por uma tempestade e, de alguma forma, poderiam ser encontrados para restaurar seu corpo, caso um número suficiente de sua mente sobrevivesse e se o cristal fosse complexo o suficiente para sustentar... Se, se, se! Com um grito, Varzil cobriu o rosto com as duas mãos. Ele precisava de tempo para pensar, para se acalmar. Esperança e desespero entraram-se em confronto dentro dele, misturando toda a razão. O tempo também era necessário para descobrir exatamente o que tinha acontecido, para que ele pudesse encontrar a chave para sua recuperação. Se ele entendesse o que e como, ele também poderia descobrir uma maneira de rever a situação de Felicia. Varzil suavizou sua voz quando se virou para Loryn. Eles foram todos perturbados com a rapidez dos acontecimentos, disse ele. Ninguém queria tomar medidas prematuramente que eles pudessem se arrepender mais tarde. Certamente, não havia mal nenhum em manter o corpo de Felicia em seu estado atual. Por um tempo, pelo menos, até que mais pudesse ser aprendido sobre o que tinha acontecido. Loryn escutou, acenando com compaixão. No curso normal dos acontecimentos, sem os recursos extraordinários de uma Torre, Felicia já estaria morta. -Você está certo. -Disse ele. -Todos nós precisamos de tempo para aceitar esta terrível tragédia. -Eu gostaria de investigar. –Disse Varzil. –Há muitas coisas que não entendo. Loryn olhou-o calmamente. -Se isso vai aliviar sua mente, você tem a minha permissão.


Oranna veio e colocou as pontas dos dedos na parte de trás do pulso de Varzil, o leve contato de um telepata, um mundo de simpatia em um único gesto. -Nós podemos criar um campo de êxtase que irá isolar e proteger Felicia. Suas forças vitais já estão muito baixas, mas dentro de tal campo o tempo iria perder todo o significado. Uma hora, um dia ou até mesmo um século poderia passar sem qualquer deterioração. -Agradeço. -Disse Varzil. -Eu tenho ouvido falar dessa técnica em Hali, na rhu fead. Em tempos passados, as coisas muito perigosas para serem manipuladas ou destruídas foram mantidas com segurança dessa forma. Não sabia dizer se esse conhecimento ainda permanece vivo. -Ele sorriu, um sorriso meio amargo. -Talvez em Arilinn, com o nosso orgulho de nossas tradições, temos muito a aprender ainda com outras Torres. -Talvez. -Loryn concordou. -E talvez você também tenha muito a ensinar. Nós nos tornamos estranhos uns aos outros, cada um guardando seu próprio conhecimento e habilidades, cada um com medo de que o outro possa fazer alguma descoberta levando a uma vantagem militar tática. -Isso é verdade. -Varzil respondeu com sentimento. -E isso deve acabar. Talvez não possamos pôr fim a todas as disputas, armadas ou verbais, mas pelo menos podemos tentar contê-las dentro da esfera de conflito físico. - Ah! -Disse Loryn. -Mesmo aqui, em Hestral, ouvimos falar do Pacto de Honra de Varzil. Eu esperava pela oportunidade de sentar e discutir isso com você. -Pacto de Honra? Carolin Hastur e eu só chamamos de nossa Pacto, mas eu gosto do som disso. Loryn estava prestes a dizer mais, mas fez uma pausa. Alguém se aproximou da porta da enfermaria e enviou uma mensagem telepática em vez da batida de costume na porta. O Guardião pediu licença e foi até a porta. Varzil teve um vislumbre de uma jovem mulher com o rosto perturbado. Ou ela ainda não tinha aprendido a mascarar seus sentimentos, ou então algo a tinha perturbado profundamente. -Eu vou recebe-los. -Disse Loryn. -Eles podem esperar fora dos portões. Nós não permitimos a entrada de homens armados na Torre Hestral e certamente não antes do pequeno almoço. Varzil observou a ligeira elevação de ombros do outro homem, o leve toque de autoridade em sua voz. -O que eu estava dizendo? Ah, sim. Seu Pacto. Ao longo de Darkover, há um desejo pela paz, pela justiça. Nós das Torres não podemos nos sentar, complacentes em nosso reclusão, enquanto reis e fidalgos colocam fogo nas terras. Uma vez fizemos clingfire sob o comando do Lord Hastur e até hoje ainda mantemos um estoque dele, espero que tenham esquecido. Talvez um dia, não só o material seja esquecido, mas a própria palavra terá perdido todo o sentido. Você pode imaginar isso? Um tempo em que ninguém sabe o que um clingfire é? -Eu também tenho a esperança de um dia em que tais palavras se tornem vazias, apenas sons. -Varzil seguiu Loryn para o corredor. -Não é meu Pacto, como o chamam, mas sim um sonho que eu compartilho com Carolin Hastur, que tem sido meu amigo desde que éramos meninos em Arilinn. Receio que serão necessários muitos anos antes que haja esperança dos nobres para segui-lo. -Não perca a esperança em seu coração, -disse Loryn -pois aqui há um homem e uma Torre prontos para ouvir e seguir seu Pacto. Nós falaremos sobre isso mais tarde. Por agora,


a hospitalidade de Hestral é sua e eu espero que você fique conosco por um tempo, pelo menos o tempo suficiente para a resolução deste incidente. Vá com Oranna. Descanse e coma. Varzil inclinou-se e, agradecendo a Loryn por sua generosidade, voltou para o laboratório. Ele chegou no meio da noite, sem ser convidado, no meio de uma crise e tinha encontrado uma acolhida inesperada. Estes homens armados que Loryn falou, quem quer que fossem, iriam receber uma recepção muito mais fria.


CAPÍTULO 38 Oranna levou Varzil para baixo de uma escadaria larga e para dentro da sala comum de Hestral, parte sala de jantar, parte ponto de encontro e parte santuário. Como o resto da Torre, este cômodo tinha servido a outro propósito anteriormente. As paredes eram de ricos tijolos vermelhos e marrons salpicados com pedaços de pedras que piscavam suavemente com a luz matinal. As janelas tinham sido abertas de modo que a brisa trazia o aroma fraco de Rosalys. Em vez de um divã central, haviam cadeiras de madeira organizadas em pequenos grupos. Elas tinham um design estranho, com costas e braços curvos cobertos com almofadas e cores laranja e amarelas. Eduin olhou para cima de onde ele estava sentado sozinho em frente à lareira vazia. Após um momento de hesitação, ele veio em direção a eles. -Tem notícias? -É como temíamos. -Disse Oranna numa voz tensa com a fadiga. Ela foi até a mesa que tinha a extensão de uma das paredes embaixo das janelas abertas, pegou um prato e encheu-o com a comida ali disposta. A maioria era familiar para Varzil, mas alguns pratos, como os cogumelos cozidos como bolas do tamanho de ervilhas de queijo fresco, o surpreendeu. Eduin sentou-se com eles enquanto comiam. Depois que ele e Oranna tinham trocado algumas brincadeiras, ele disse: -Você ouviu o tumulto nos portões mais cedo? -Temo que pressagie nada além de problemas. -Disse Oranna, entre bocados de queijo esfarelados e maçãs cobertas com mel. -Até agora nós tivemos um tempo excessivamente fácil do que aqui em Hestral. Mas não poderemos ficar além das tristezas do mundo para sempre. Desculpando-se, Varzil foi até a janela mais próxima. A partir desse local de observação, os próprios portões estavam obscurecidos, mas ele tinha uma visão justa dos homens e cavalos do lado de fora. O sol refletia seus escudos e lanças. Mesmo sabendo pouco de assuntos militares, Varzil reconheceu os agrupamentos, as bandeiras de prata e azul ostentando a insígnia de Lyondri Hastur. Isso não era uma simples escolta, mas uma demonstração de classificação por números. Este era um grupo armado para a guerra. O layout central de Hestral era simples apenas com bens comuns, mas, como o resto, aparentava ter sido uma vez no passado um grande salão por seu design original. As áreas de trabalho eram compostas por uma ala, com salas de estar no diâmetro oposto. O laboratório matriz era muito maior do que Varzil recordava do momento de sua chegada, só que agora a luz do pleno sol da manhã entrava através das janelas de oeste para leste. Era um espaço agradável, bem proporcionado e confortável. Ninguém ainda tinha arrumado as bancadas derrubados ou limpado o cristal pulverizado que fez um halo em torno da mesa de trabalho central, quebrada por uma faixa onde Felicia tinha caído. Um jovem, ainda vestido para o trabalho no círculo, estava encolhido em um banco ao lado da mesa, olhando para a estrutura em ruínas. Sombras escondiam seu rosto. Por sua


postura, ele parecia não ter se movido por horas. Ele provavelmente tinha estado lá durante toda a noite. -Eu ainda não consigo acreditar... -Ele gaguejou, encolhendo-se com a abordagem de Varzil. -Funcionou tão bem a última vez que testei. Foi concebido para evitar esse tipo de oscilação de energia. -Felicia disse-me um pouco sobre o projeto, -Varzil começou -mas eu gostaria de saber mais. -É tudo culpa minha! -O rapaz virou-se e Varzil o viu claramente, pela primeira vez. Era um jovem esguio ossudo que ainda não tinha acabado de se desenvolver, com algumas acnes vermelhas ainda insistindo em aparecer em seu rosto. Varzil o reconheceu como o tal Marius, o menino Rockraven cujo talento foi o foco da pesquisa de Felicia. -Como é culpa sua? Você quis atacar Felicia? Será que você deliberadamente canalizou a energia destrutiva em sua direção? -Não! -A voz do menino falhou. -Não, eu nunca faria isso, mas... -Então você não tem nada para censurar-se, certamente não foi algo que você causou nem poderia controlar. Exatamente o que aconteceu? -Eu não sei! Eu estive forçando a memória tentando encontrar uma razão! Mas não há nada que... -Basta começar no início. Como isto... -Varzil indicou o aparelho matriz –foi feito? O rapaz respirou fundo para se acalmar. -O nosso objetivo era para modular o meu talento sobre o tempo. Se eu tivesse sido capaz de controlá-lo corretamente, nada disto teria sido necessário. Eu tenho algo do velho laran do tempo dos Rockraven, você sabia? Varzil concordou e enviou um pulso de calma para a mente do rapaz. -Ele parecia ser mais do que apenas um talento para detectar padrões de energia eólica e das nuvens. Muita gente pode fazer isso, mesmo que eles não sabem disso. Eles acham que são como as aves que identificam uma determinada maneira do vento soprar ou o crescimento de lã de uma ovelha que lhes diz que uma tempestade está vindo. Eu tenho momentos em que posso ver esses fluxos de energia, pelo menos é o que Loryn e Felicia dizem que eles são, eles são como rios e córregos, tão grandes, profundos e fortes... Eu não tenho palavras para isso. Nas tempestades eles pairam sobre o ar. Estes rios também estão profundamente no subsolo e tudo... -ele gesticulou para incluir não só o quarto, a Torre, o vale, mas toda as terras além -...tudo ressoa com eles. Aldones! Ele vê as linhas de magnetismo do planeta! -Eu não posso vê-los o tempo todo, -o menino sacudiu a cabeça -nem mesmo quando eu me concentro e eu nunca fui capaz de fazer qualquer coisa com eles. Felicia pensava que algum dia eu pudesse. Se você pudesse, todos os tiranos em Darkover temeriam ou caçariam você. Varzil não queria imaginar o que usa Rakhal Hastur poderia fazer com o talento do menino. O jovem passou a descrever como Felicia planejava usar uma matriz especialmente construída para concentrar e equilibrar sua habilidade natural, aumentando, focando ou adormecendo quando fosse necessário.


-Nós fizemos todos os testes preliminares. Foram maravilhosos! Era como se eu tivesse de repente tirado todos os bloqueios que eu tinha. Mas não tinhamos usado em um círculo ainda. Esse foi o primeiro teste. Nós começamos da forma comum e, em seguida, quando nós nos estabelecemos em nosso círculo, senti Felicia fazer a ponte para a rede. Eu não sei oq eu foi, mas algo quente e branco explodiu bem onde ela estava. Ela tentou segurar o círculo. Senti sua luta. Havia uma sacudida na energia dela como se fosse atingida com um balde de brasas. Eu ainda tenho uma dor de cabeça forte por isso. Varzil captou o ritmo da sala, sua mente pulsando através do espaço psíquico. A atmosfera ainda tremia com o resíduo da energia destrutiva. Ele não conseguia identificala. Não havia nenhum sinal de invasão externa ou qualquer personalidade invasora. Seu circuito levou para a porta, onde um amortecedor telepático estava em uma mesa ao lado dos pratos de comida, copos de vinho adocicados, um xale dobrado. Ele tocou o amortecedor e sentiu-a desvanecer com um pulso fraco de seus campos de interferência. -Ele foi ligado? O menino olhou assustado. -Claro. Vocês não os usam em Arilinn? -De fato. E ninguém entrou no quarto fisicamente? -Não, nada disso. Por que você está perguntando isso? Foi um acidente! Ou isso, ou um descuido de Felicia. Varzil não conseguia acreditar que ela tivesse de alguma forma causado isso a si mesma. Ela era muito competente, muito bem treinada pelos exigentes padrões de Arilinn, para tentar um trabalho além de sua capacidade, especialmente quando as mentes e vidas dos outros dependiam dela. Em sua última conversa sobre as Hellers, em suas palavras haviam segurança e competência. Ela sabia o que estava fazendo. Varzil fez um gesto em direção à matriz arruinada. -Eu preciso estudar isso. Talvez eu possa descobrir alguma falha, alguma razão para o que aconteceu. O menino voltou para a mesa. -Eu quase não vejo como. Eduin trabalhou no projeto com Felicia e depois construiu tudo. Ele... -Eduin construiu isto? E foi ele quem o montou? -Oh, Lady Avarra! -Ele era parte do círculo? -Não. Ele estava trabalhando no círculo de Loryn. Varzil forçou-se a respirar lentamente para pensar. Seu coração batia forte em seu peito e suas mãos ameaçavam tremer. -Isso não é incomum? Um técnico construir algo tão complicado e, em seguida, deixar a sua operação nas mãos de outros? -Sim, eu também penso isso. O menino piscou rapidamente e os halos vermelhos ao redor de suas marcas de acne escureceram. Ele vacilou sobre seus pés. Varzil reconheceu os sinais de perigo do esgotamento. Claramente, o menino era muito exagerado e atormentado com a culpa que o impedia de ver claramente. Varzil queria examinar a estrutura arruinada e refletir sobre a parte de Eduin no desastre. -Varzil? –Uma voz iluminada e agradável de uma menina o interrompeu. Ela estava na porta e Varzil reconheceu-a como Serena, cuja mente ele havia tocado muitas vezes ao


longo das Hellers. Ela sorriu para ele. -Loryn perguntou se você quer se juntar a ele em seus aposentos. Varzil colocou o braço em volta dos ombros do menino. -Marius, -disse ele suavemente -você deve comer um pouco e ir para a cama. Não vai fazer bem a ninguém se você ficar doente. Alguns sinais de fragilidade escoaram dos músculos do rapaz. Ele balançou a cabeça e seguiu o caminho do laboratório. Loryn Ardais era um daqueles homens que por sua constituição mostravam poucos vestígios exteriores de fadiga, mas Varzil notou o ligeiro afundamento de seus ombros. O homem tinha trabalhado durante toda noite e, em seguida, reuniu-se com um emissário e sua escolta armada. Não me admira, mas também não é uma característica da minha escolha. Loryn disse telepaticamente. Eu devo minha constituição aos deuses. Não é crédito meu. Ele continuou em voz alta: -Eu lhe chamei aqui para consultar você como um colega Guardião. Na maioria das vezes, eu governao Hestral com facilidade. Meu povo são profissionais qualificados e perfeitamente capazes de tomar suas próprias decisões bem fundamentadas. Mas, no mundo em geral, apenas uma voz pode falar pela Torre e é a minha. Varzil pensou por um momento. -Então, você colocou os homens de Hastur contra seu próprio caminho. Você precisa de minha bênção para isso? Eu dou-a livremente. -Você se lembra do que falei sobre um arsenal de fogo aderente, feito por um dos meus predecessores, mas que foi esquecido? -Lembro também que falamos de um futuro em que não só o próprio material, mas os segredos de sua fabricação e seu próprio nome desapareceria com o tempo. -Disse Varzil. Será que Rakhal Hastur descobriu sobre ele? Acrescentou mentalmente. Sim, sem dúvida, a partir dos registros desse mesmo rei que ordenou a sua fabricação e que são mantidos em Hali. Varzil estremeceu interiormente com a ideia de entregar um suprimento de fogo aderente para Rakhal Hastur. -Será que Rakhal disse por que ele queria o suprimento? Ou devo supor que era para prosseguir em sua guerra contra Carolin e seus aliados? Loryn levantou a mão num gesto de desprezo. -Eu não me importo por que ele o quer. Eu gostaria de ter destruído o material na mesma hora em que eu soube da sua existência. Eu disse ao capitão do exército Hastur que foi o que eu tinha feito. -Você mentiu? -Eu antecipei um fato. -Loryn respondeu com uma expressão de tal forma que Varzil quase sorriu. -Agora eu preciso e peço sua ajuda para trazer a verdade às minhas palavras e eu possa fazer isso em segredo, de modo que se alguém sob minha Torre seja questionado sob o encantamento da verdade, eventualidade que rogo pra que nunca venha a acontecer, eles possam todos jurar que não sabiam nada sobre isso. É muito para colocar em cima de


você, Varzil. Este não é seu problema, mas pensei que você pudesse sentir alguma ligação de espírito conosco, mesmo que apenas por causa de Felicia. -Não estou protestando. -Varzil disse rapidamente. -Eu concordo plenamente com o que você fez. Estou honrado que você pense em mim para isso. Loryn olhou para ele com uma expressão curiosa, metade felicidade, metade avaliação. -Sua reputação vos precede, Varzil de Arilinn, como um homem de honra e visão. -Por favor, não me lisonjeie. -Disse Varzil, cortando Loryn antes que ele pudesse dizer mais elogios. –Já disse que farei isso, não precisa me iludir com palavras doces para conseguir minha ajuda. Eu não fiz nada tão louvável. Pensou Varzil. Ainda não. Eu tenho feito o meu trabalho da melhor maneira possível e apenas compartilho os sonhos dos outros. Sua modéstia não exprime sua realidade. Loryn respondeu silenciosamente. Nem a reticência promove a sabedoria por trás de suas palavras. No entanto, vou deixar o assunto por ora. Teremos mais problemas suficientes nos próximos dias. -Eu temo que nós não vimos a última tentativa dos soldados de Rakhal. -Loryn disse em voz alta. Varzil percebeu com uma pontada de dor que sua investigação sobre o acidente de Felicia teria que esperar. O fogo aderente deveria ser destruído o mais cedo possível. Um tempo de descanso e de luto lhe daria uma razão pública plausível para permanecer em Hestral sem despertar a curiosidade de ninguém. -O bem-estar da Torre e de todos os que habitam aqui deve ser prioridade sobre quaisquer desejos individuais. -Disse Varzil, embora cada palavra atravessou em seu coração como uma adaga. Reis sabem disso. Guardiãos sabem disso. E eu, Aldones me ajude, eu tenho um dever maior do que Felicia. -Não lamento que você seja um homem com coração de um homem. -Loryn disse gentilmente. -Todas as coisas acontecem em sua própria estação. Loryn tinha montado uma pequena adega de pedra para o seu trabalho no desmantelamento do fogo aderente. O espaço sem janelas foi fixado abaixo do nível do solo e tinha sido limpo de todo o material combustível. Mesmo os bancos improvisados e mesas de trabalho eram de tijolo e os vasos de vidro. A adega, escondida do sol e protegida pela própria terra, atingiu Varzil como o pior lugar possível para a sua missão. Destruir o clingfire deveria ser um ato de consciência pública, não um segredo. Mas, talvez um dia viesse a ser. Varzil abaixou-se para o seu lugar. O recipiente tinha a borda fria em com sua carne. Havia apenas um punhado do conteúdo enegrecido com poeira e teias de aranha e, mesmo assim, brilhava ligeiramente quando inclinado como pequenas brasas. Loryn, vestindo luvas acolchoadas, anulou todos os vasos que colocou no centro da mesa. Não era o suficiente simplesmente isolar o fogo aderente, afastando-o de qualquer combustível. A medida que Varzil sabia, tudo se agarra ao fogo e não degenerar com a idade, mas ficaria potente por anos, talvez até mesmo séculos. Ele deveria ser processado em suas partes componentes. Estas, então, seriam transportadas para locais profundos


dentro da terra amplamente separadas. Felizmente, nenhum dos processos envolvidos havia maior perigo do que em sua fabricação original, a destilação sob calor elevado. Trabalhando em conjunto, dois Guardiões deviam ser capazes de lidar com o material de forma segura. -Eu nunca fiz isso antes, -Varzil disse -embora eu esteja familiarizado com a teoria. Eu acompanharei você com sua instrução na prática. A boca de Loryn retorceu em um meio sorriso triste. -Infelizmente, eu já fiz isso antes. Meu treinamento inicial foi em Dalereuth, onde fazer fogo aderente era um evento diário. Tanto assim, de fato, que de vez em quando uma contaminação não era descoberta até ser tarde e, em seguida, o produto não podia ser usado ou mesmo armazenado com segurança. Uma vez... -Loryn arregaçou as mangas para mostrar uma cicatriz em forma de buraco em todo o comprimento do seu antebraço -um lote teve seu recipiente meio corroído. Utilizamos vidro, como fazemos aqui e em outros lugares, eu suponho porque ele é quimicamente inerte, mas isso não adiantou... -Ele empurrou a manga para baixo. -Este material não apenas corroeu através do vidro, mas, a forma como ele procurava a carne humana... parecia ter uma inteligência própria. -Isso seria terrível! -Disse Varzil. –O clingfire comum já é mortal o suficiente. Loryn projetou a imagem das etapas que deveriam seguir e os dois começaram a trabalhar. Era simples, mas não era fácil. Cada passo era lento, meticuloso e era necessário uma concentração inabalável. Sem um círculo, eles deveriam gerar sua própria energia psíquica. Até o momento em que Loryn pediu uma pausa, Varzil estava perto dos limites de sua própria resistência, devido ao esforço logo após o seu trânsito através das Hellers. O suor enchia seu rosto e escorria pelas têmporas. Sua boca estava seca e pastosa. Ao levantar percebeu a instabilidade e fraqueza de seu joelho, enquanto observava o primeiro recipiente. Eles haviam trabalhado por duas ou três horas e tinham terminado apenas um quarto deles. -É verdade. -Loryn disse, captando seu pensamento. -Mas essa pequena porção se foi para sempre. Varzil assentiu. -Mover-se lentamente e completamente é, talvez, o mais sensato aqui. Quando confrontados com um mal, é tentador querer destruir-lo instantaneamente. Temo que isso é o que leva os homens bons a adotar soluções precipitadas que só criam problemas piores. -Mesmo os bons homens podem ser destrutivos sem a paciência e a razão. -Loryn concordou. Coberto de cinza e fadiga, Varzil dirigiu-se para a enfermaria. Ele não considerou a sabedoria de se sentar lá, em vez de cuidar do seu próprio estado físico. Tudo o que sabia era que ele precisava estar perto de Felicia, como um homem se afogando precisava de ar ou um poço seco precisava de chuva. A rigidez articular protestou enquanto subia as escadas do porão de pedra. Ele parou várias vezes para reunir forças para dar o próximo passo. Na sala comum, os aromas misturados de maçã quente e pasteis de carne o chamavam. Sua boca molhada e os músculos das pernas tremeram.


Você deve comer, disse a si mesmo, ouvindo o ronco de seu estômago. Ou você vai ficar doente. Você é responsável por mais do que seu próprio bem-estar. Você deixaria sua obstinação expor Loryn aos perigos do fogo aderente? As vozes em sua mente eram uma mistura de muitos... a antiga Lunilla, de volta a Arilinn, Fidelis, Oranna, até mesmo da própria Felicia. Ele já tinha cometido uma falha empurrando a si mesmo, negando a si mesmo, como se suas paixões pudessem eliminar todas as preocupações mundanas. Serena, que tinha vindo trabalhar nas Hellers, entrou correndo na sala quando Varzil começou seu segundo pastel. -Todo mundo! Há tanta notícia! -Ela exclamou. -O que aconteceu? -Eduin perguntou do outro lado da sala. -Eu tive contato com nosso companheiro leronyn em Tramontana! -Ela continuou, suas feições coradas de excitação. -Eles não farão mais armas de laran para o Rei Rakhal, nem serão aliados em sua guerra contra Carolin Hastur, que eles agora aceitam como o legítimo rei. Em suma, toda a Torre declarou sua independência. Vários de seus trabalhadores já ofereceram sua ajuda a Carolin... devo dizer, Rei Carolin. -Finalmente, -Eduin disse -uma Torre tem a coragem de defender suas ideias em vez de bajular a algum arrogante Hali'imyn da planície! -Carolin jurou que não vai usar fogo aderente ou qualquer outra arma feita com laran. Disse Varzil. -Ele está se enganando e se condenando. -Um dos homens disse, balançando a cabeça. Rakhal não hesitará em usar o que estiver ao alcance de suas mãos. Loryn apareceu na porta. Ele e Varzil trocaram olhares. -Em breve, ele não ficará tão bem. -Disse o Guardião de Hestral – Especialmente agora que não temos nenhum clingfire para lhe dar. Ele deve estar desesperado ao ponto de enviar um pedido para nós por um estoque antigo. -Eu acho que ele deve estar sem em seu estoque, -Varzil disse pensativo -já que ele usou fogo aderente contra Dom Valdrin Castamir, não é mesmo? O material é tão difícil de fazer e não deve lhe restar muito agora. -Sim, talvez ele agora lamente ter desperdiçado-o tão cedo em seu reinado, quando agora ele terá maior necessidade. -Alguém disse. -Tanto melhor para os homens de Carolin. -Disse Serena. -Um dia, os homens irão para a guerra sem essas armas, seja qual for a razão da guerra. Disse Varzil. -Você é um sonhador. -Disse Eduin –Porque um homem iria jogar fora sua espada mais afiada e lutar apenas com as suas próprias mãos? Especialmente quando o seu inimigo ainda vai armado com aço? Eu digo que Carolin e Rakhal combatam no campo de batalha. Um rei é tão ruim quanto o outro. Nossa única esperança real é que nós das Torres tomemos nossas próprias decisões sobre como usar nossos talentos. Nós optaremos por fazer fogo aderente. Nós escolhemos as quem lhes dar. Varzil, ponderando as palavras de Eduin enquanto ele continuava indo até a enfermaria, pensou que, apesar de suas diferenças, Eduin estava certo. No final, a fim de que o Pacto de honra pudesse ter sucesso, as próprias Torres deveriam ter a liberdade de escolher que decisões tomar.


CAPÍTULO 39 Quando a última partícula de fogo aderente havia sido separada em seus componentes e enviados para as entranhas da terra e a adega tinha sido limpa de qualquer vestígio remanescente da tarefa, Varzil voltou ao laboratória da matriz de Felicia com alguma apreensão, pois a destruição do fogo aderente exigiu muito de sua concentração. Agora, as poderosas emoções que ele tinha mantido a certa distância retornaram com toda força. Seus pensamentos voltavam para a última conversa que teve com Felicia ao longo das Hellers. Ele tinha perguntado se os seus receios anteriores tinham desaparecido. Desde o início, ela sentiu algo obscuro, sinistro. Ele tinha convencido ela a ir contra seus próprios instintos. A culpa é minha. Se ao menos eu tivesse escutado... Ela confiava em mim e eu a traí. Vi apenas o que eu queria ver... uma mulher Guardiã... alguém para mudar a face de Darkover... Não se incomode... Veio um pensamento, emoldurado pela voz mental que ele conhecia tão bem. ...A escolha foi minha, por mim mesma e só a mim cabia decidir se valia o risco. A perfuração de dor da culpa diminuiu, mas apenas por um tempo. Ele se sentou ao lado dela, as mãos cruzadas em torno de seu anel, procurando em seu rosto por algum impossível sinal de vida. Se ao menos eu tivesse escutado... Loryn tinha ordenado que a câmara do laboratório fosse selada e ninguém a perturbasse. Varzil ficou parado por um longo momento estudando a estrutura da matriz. Ele sentou-se com um pedaço disforme no centro da mesa, meio carbonizado, meio caído sobre si mesmo. Mas a estrutura em si permaneceu intacta para refazer a sua forma original. Tinha sido uma peça linda, cristais montados em suportes de vidro, unidos com fios de cobre e outros metais, alguns deles trançados. Mesmo mutilada, à luz dos brilhos e moldouo como pequenos arco-íris. A luz colorida lembrou a Varzil do Véu em Arilinn, misterioso em sua beleza, mas também perturbador. Aproximando-se, Varzil inclinou para inspecionar a seção danificada. O metal e o vidro tinham sido fundidos e enegrecidos. Ele fechou os olhos e moldou seus pensamentos como uma sonda. Para sua surpresa, a rede cantarolava em resposta ao seu laran, como tinha sido projetada para fazer. Ele seguiu a ressonância de pedra em pedra, estudando como o dispositivo amplificava certas vibrações mentais e amortecia outras. Muitas vias não funcionaram, mas ele apoderou-se do que restou. O projeto era brilhante com uma execução sutil e elegante. No entanto, mesmo enquanto admirava o trabalho de Eduin, Varzil procurava alguma imperfeição, alguma falha. Deve haver uma razão! Mas ele não conseguiu encontrar nenhuma. A parte intacta da rede estava perfeita. A culpa, então, deveria ser de Felicia. Não! Eu não acredito! Ao seu lado, com as mãos postas em punhos de raiva inconscientemente. Os músculos de suas costas e ombros tensos como se prontos para o combate. Seus pensamentos retorciam-se como se estivessem forçando correntes invisíveis.


Zandru amaldiçoe tudo! Seus punhos bateram na mesa e fizeram a estrutura tremer. O pó ergueu-se através da estrutura e sobre seus pés. Um caco pequeno de cristal entrou na base de uma mão. A dor chamou-o de volta a si mesmo, com um grito mental que ainda ecoava na sala. Com uma série de respirações irregulares, Varzil lutou para colocar suas emoções sob controle. Sua mente clareou... a tempo de sentir a centelha fraca de energia a partir de... de onde? Da área escurecida! A observação o chocou. Ele tinha pressumido que toda a seção do dispositivo estava totalmente destruída, e as aparências confirmavam isso. Algo em sua explosão de agonia despertou um resquício persistente de energia daquela seção... Com o coração batendo forte, ele circulou a mesa para um olhar mais de perto. O calor da sobrecarga de laran tinha retorcido e derretido a delicada estrutura de trabalho. Pedaços enegrecidos, que uma vez tinham sido brilhantes cristais, se tornaram carrancudos e disformes. Ele sabia que não devia tocá-los fisicamente. Mais uma vez, ele enviou uma sonda mental, desta vez voltada para o coração da ruína. O silêncio respondeu a ele, um abafamento de energia psíquica tão densa e completa, ele poderia muito bem ter tentado se comunicar com um amortecedor telepático operando. Mais uma vez, Zandru amaldiçoe você! Mesmo um carvão teria sido mais sensível aos seus pensamentos. Varzil se irritou. A própria ausência de qualquer vibração respondendo só despertava ainda mais suas suspeitas. Havia algo nesse ponto da matriz, algo cujos restos, mesmo deformados e quebrados, ainda operavam para mantê-lo escondido. Apenas um tipo de dispositivo Varzil sabia que poderia produzir tal efeito. Ele tinha visto um antes no dardo que quase reivindicou a vida de Carolin em Lago Azul. Uma armadilha de matriz. Mas tal dispositivo exigia um único e específico alvo... Poderia Felicia ser uma vítima previamente observada? Felicia, que não tinha nenhum inimigo no mundo? Quem? Por quê? Com a boca seca, Varzil sentou-se no banco mais próximo. Ele apertou o anel de seu dedo entre as duas mãos e fechou os olhos. Limpou com a suave luz pulsante sua mente. Algo fraco e distante agitava em toda a superfície de sua mente, como o canto dos pássaros em um amanhecer de primavera gelada. Felicia... Varzil, meu amor... Ele não queria nada mais do que correr em direção a essa voz, não importa onde ela pudesse levá-lo. Você está realmente ai? Perguntou ele. Ou é o meu próprio coração que me responde? Eu não sei dizer. Sua voz soou pequena e abandonada, perdida em algum inimaginável vasto espaço. Eu mal posso sentir você e o Mundo Superior me puxa mais fortemente a cada passagem de tempo... -Meu amor, o que aconteceu no círculo? Como você chegou a esse estado, metade em um mundo e metade em outro? -Varzil falou em voz alta para ajudar a focalizar seus pensamentos.


Eu lembro... unindo o círculo... Eu estava tão animada... em ser capaz de concentrar o dom de Marius... Ela parou de falar e por um longo momento. Varzil temia que ele tivesse perdido o contato. E então? Algo deu errado? O que? No instante seguinte, ele estava sentado na sala, apenas em uma posição diferente. Em torno dele, ele sentia o calor e o movimento de outras pessoas. Sua própria mente ligada aos do círculo, tecendo suas energias psíquicas em um único fluxo, como um rio. A mente de Oranna movia-se de uma pessoa para outra, aliviando os músculos tensos, mantendo os batimentos cardíacos regulares. Embora seus olhos ainda estivessem fechados, ele sabia que a matriz brilhava com a luz. Ela parecia ter uma vida própria, ampliando e redirecionando as energias. Com isso, pode dissipar tempestades ou trazer chuva para os piores incêndios florestais... Alegremente, ele despejou as energias unidas do círculo fluxos. Ela cantou com o poder. Mais... E mais rápido... Precisamente na fronteira entre a energia psíquica e o cristal, algo queimou, apenas uma faísca em um minuto. De repente, a estrutura não entrou em ressonância com a energia que a alimentava. Ela puxava. Ela exigia. Ele tentou resistir, para diminuir o fluxo de laran que agora ameaçava sair de seu controle. O dispositivo não deveria ser mais forte do que a capacidade de um círculo de seis controlar. Se ele pedisse ajuda? Não, ele poderia... ele iria dominá-lo! Os fluxos de laran resistiram e lutaram, causando uma espécie inchaço entre as dimensões psíquicas. Riachos de poder romperam como fios desgastados, estalando e crepitando. Ele segurou, lutando... Um grito de dor passou por ele, e não ao longo de seus nervos físicos, mas dos canais de laran carregando tamanho poder psíquico. Agulhas de fogo como ganchos o perfuraram, segurando-o. Ele se contorceu de todas as maneiras tentando se libertar. Horrorizado, ele percebeu que suas lutas apenas apertavam essa coisa ainda mais em sua mente. Ele lançou todo o seu poder em um único grito mental, um único nome lançado na escuridão da noite... Varzil! E então... silêncio. Lentamente, Varzil sentiu seus pés. Ele se sentiu enojado com o que tinha visto e sentido, mas ainda mais com o que devia fazer agora. A armadilha de matriz tinha sido cuidadosamente planejada, colocada em segredo e com grande habilidade. Nenhum estranho poderia ter feito isso. Só alguém intimamente familiarizado com a própria assinatura psíquica da Torre Hestral e de Felicia poderia ter construído e programado tal dispositivo. Isso significava que o agressor devia ser um membro da Torre... com toda a probabilidade ser um dos próprios membros de círculo de Felicia. -Encantamento da verdade? -Loryn repetiu com uma sobrancelha erguida em sinal de surpresa. -Certamente é uma atitude extrema, quando não temos nenhuma prova de que houve, na verdade, uma armadilha de matriz.


Loryn tinha sido incapaz de sentir a mesma reação a partir da matriz da estrutura fundida, e o anel de Felicia parecia estar em sintonia apenas com a mente de Varzil. Era apenas a palavra de Varzil sobre a estrutura ter sido sabotada de uma forma que visava sua Guardiã. Minha palavra não é a palavra de um homem comum. Eu também sou um Guardião. -Já que a prova é difícil de se conseguir, devemos usar o que as ferramentas que temos para descobrir a verdade. -Varzil disse. -Se eu estiver errado, vou humildemente pedir desculpas. -Não, isso não será necessário. -Se eu estiver certo e nós não fizermos nada, então você abrigará um escorpião em seu meio. Uma vez que um homem tramou uma morte, executou-a e sobreviveu impune, ele vai matar de novo. Ele vai encontrar razões para eliminar aqueles que ficarem em seu caminho. Sejam eles reis ou plebeus... ou companheiros leronyn. Loryn passou uma mão sobre o lado de seu rosto, puxando a pele esticada. Claramente, ele não queria pensar mal de seus próprio pessoal. A intimidade entre o Guardião e seu círculo era uma confiança de mente e espírito. -Lamento ter trazido esta crise para Hestral, que me ofereceu a hospitalidade de uma segunda casa. -Varzil disse gentilmente. -No curto tempo que estive aqui, eu passei a os amar como minha própria família. No entanto, se eu permanecer em silêncio e manter o que eu sei para mim mesmo, estaria traindo sua confiança. Após uma longa pausa, Loryn disse: -Você fez bem. Se eu hesito, não é por raiva de você. Se suas suspeitas se provarem corretas, você vai ter nos prestado um grande serviço. Vou reunir todos da Torre e perguntar a cada um como você pediu. O encantamento da verdade vai resolver a questão de uma forma que não vai deixar nenhuma dúvida. Fiel à sua palavra, Loryn reuniu os trabalhadores e estudantes da Torre Hestral naquela mesma noite. Ele escolheu uma hora quando a maioria normalmente seria acordada. Todo o trabalho foi suspenso, mesmo o atendimento às Hellers. Varzil sentou-se ao lado da sala, observando e ouvindo. Os murmúrios de curiosidade e surpresa, falado em voz alta e em pensamento, lembrou-o do bater de asas ou a queda da chuva na superfície de um lago. Como pássaros assustados ou o distúrbio na água. Um sinal não pronunciado percorreu a sala, deixando o silêncio no ambiente. Loryn colocou-se na frente e começou a falar. A suavidade de sua voz teve o efeito de intensificar a atenção de cada pessoa ali presente. -Nós estamos aqui em luto hoje pela perda de Felicia Leynier. Todos aqui sabem que há dois meses, ela foi gravemente ferida em seu trabalho como Guardiã, no que parecia ser uma reação acidental. Recentemente, no entanto, algumas evidências vieram à luz e sugerem que este terrível acidente não foi apenas azar. Ele fez uma pausa, deixando que os outros absorvessem suas palavras. Varzil, seus sentidos em sintonia com o ambiente, apanhou os pensamentos dispersos. Uma falha de design? Um cristal falho? Será que ela cometeu algum erro de julgamento?


Ninguém ainda suspeitava que poderia ter sido sabotagem. Loryn prosseguiu em seu tom calmo, razoável, explicando que, a fim de encontrar uma correlação significativa entre os detalhes isolados, a comunidade deveria agir em unidade. Varzil admirado como ele colocou-os unidos, provocando sutilmente sua cooperação, sem deixar notar que o objetivo desta investigação era descobrir um traidor entre deles. Os inocentes entre eles pensariam que o questionamento estava destinado a descobrir elementos que não tinham nenhum significado em si mesmos, mas poderiam produzir um padrão. O culpado... culpado iria junto, pois já era tarde demais para se opor, sem a aparência de ter algo a esconder. -Eu pedi a Varzil, que é tenerezu em seu próprio direito e é o único de nós que não estava presente naquela noite terrível, para lançar o encantamento da verdade. Em sua luz, poderemos colocar um final para este assunto terrível. Mais uma vez, Varzil sentiu uma onda de emoção abranger a sala, desta vez uma fervorosa oração. Ele desembrulhou a sua pedra-estrela e segurou no alto, falando as palavras rituais que desencadeiavam o encantamento. -À luz desta jóia, que a verdade ilumine esta sala em que estamos. Sua pedra da estrela brilhou, assim como a gema branca no anel de Felicia. Após um momento, o brilho misterioso do encantamento da verdade atravessou os bens comuns até o brilho combinado banhando os rostos de todos na sala. Varzil poderia dizer a partir do calor fresco característico em sua pele que seus próprio corpo também refletia o brilho azul-branco. Se alguém com conhecimento de causa disesse uma mentira, a luz desaparecia de seu rosto. Um por um, Loryn convocou os membros do círculo de Felicia. -Diga-me o que aconteceu naquela noite. -Disse ele, deixando cada pessoa livre para contar o que lembrava. Varzil escutou com metade de sua mente, reservando sua concentração para o encantamento da verdade e examinando o rosto de cada pessoa e a menor mudança no brilho azul. Não havia nada, nem mesmo quando Marius Rockraven, soluçando, escondeu o rosto entre as mãos. Loryn, com o primeiro traço de rigidez, ordenou-lhe para abaixar suas mãos para que todos pudessem ver seu rosto. Lágrimas manchavam o rosto do menino e as suas palavras gaguejavam, às vezes beiravam a incoerência, mas a luz nunca vacilou. Nem Marius nem qualquer membro do círculo acrescentaram nada substancial ao que Varzil já sabia. O dispositivo foi testado em todas as suas etapas e nunca havia demonstrado qualquer resposta errática. Ninguém estava cansado ou impróprio para o trabalho. O testemunho de Oranna, em particular, reforçou o cuidado e rigor dos preparativos. Felicia tinha reunido o círculo com habilidade. Não tinha havido nenhuma advertência do desastre que viria. Os membros do círculo descreveram o que aconteceu depois de maneiras diferentes, usando suas próprias imagens pessoais. Assim como cada indivíduo em um círculo de trabalho apresentava uma presença psíquica de acordo com o padrão distinto de seu laran, de modo que cada um experimentou os eventos mentais de forma diferente. Uma pessoa descreveu um confronto e arrancamento psíquico feito por metal, outro um raio de luz cegante. Todos concordaram que Felicia tinha tentado segurar o círculo unido o máximo que ela podia, e que talvez fosse por isso que ela mesma tinha sido ferida. O consenso foi


que, sem a ação rápida de espírito e altruísta dela, todos eles poderiam ter sofrido o mesmo destino. Ela tinha morrido para salvá-los. Quando o círculo tinha terminado o seu testemunho, Loryn olhou para Varzil, como se dissesse: Não há vilão aqui, apenas uma heroína e as pessoas que a amavam. Varzil indicou com o olhar que o questionamento deveria continuar. Ele não se atreveu, por olhar ou pensamento, indicar onde suas próprias suspeitas estavam. Segure o encantamento da verdade... Ouça e veja... Um batimento cardíaco e uma respiração restaurou sua imparcialidade. A próxima pessoa a falar tinha pouco conhecimento imediato do projeto, apenas comentários do que ouviu em ocasiões sociais. Um por um, o questionamento continuou, até que foi a vez de Eduin. Eduin deu um passo à frente, posicionando-se para enfrentar Varzil diretamente. No brilho azul-branco, seu o rosto que parecia definido e sombrio, muito mais velho do que seus anos de vida. Ele ergueu seus ombros com orgulho, quase desafiante. -Todos sabem que eu concebí e construí toda a estrutura de matriz que Felicia usou para este projeto. -Ele disse. -E não é verdade que o dispositivo não mostrou falhas. Em primeiro lugar, nos estágios iniciais, ele não conseguiu integrar adequadamente. -Ele passou a descrever detalhes técnicos relativos aos materiais e conexões. -Felicia descobriu que a pedra principal era um solitário, e, portanto, incapaz de ressoar de forma coordenada com os outros componentes. -E Na noite do acidente? -Loryn perguntou. -O que você sabe sobre isso? -Eu sei não mais do que qualquer um de vocês, pois eu não estava presente. Eu tinha outro compromisso. Eu já tinha discutido esse assunto com Felicia, por isso a minha ausência não era inesperada. Eu não era necessário. Ela e eu tinhamos completado todos os testes. A estrutura parecia estar, em todos os sentidos, pronta para a execução. Eduin virou de modo que todos poderiam ver seu rosto. -Não conheço nenhuma razão para que o dispositivo tenha falhado. Se houve alguma falha que eu não tenha notado, então a responsabilidade deve ser só minha. Eu estou pronto para aceitar as consequências que possam vir. Meu único arrependimento é que não há nada em meu poder para desfazer o que aconteceu. Eduin falou com tanta dignidade e paixão discreta, que o próprio Varzil se perguntou se ele tinha julgado mal o homem. Certamente, se Eduin era culpado, se ele tivesse colocado a armadilha de matriz dentro da rede, ele não se ofereceria para o julgamento de uma maneira tão franca e pública. Quando o questionamento final foi terminado, Varzil dissolveu o encantamento da verdade. O quarto esvaziou rapidamente. Ele caiu na cadeira mais próxima, sua mente entorpecida demais para pensar. Eu certamente deve ter me enganado. Eu estava confuso pela dor, exausto por ter destruído o clingfire e eu não tinha descansado corretamente. Como eu poderia perceber as coisas corretamente nessas circunstâncias? Eduin, que demorou para trocando algumas palavras com Loryn, se aproximou. -Eu sei que este é um momento difícil para você. Por favor, acredite em mim quando eu digo que eu não tenho nenhuma má vontade contra você. Fomos companheiros de infância juntos em Arilinn. Podemos não ter sido sempre amigos, mas agora somos homens e laranzu ' in, capazes de colocar as disputas infantis de lado. Espero que quando a dor de seu coração diminuir, possamos estar novamente em boas condições.


Varzil agradeceu a Eduin por sua boa vontade. -Eu nĂŁo sei quanto tempo mais eu vou estar em Hestral, mas por causa da minha irmĂŁ, Dyannis, a quem ambos amamos, e pelos futuros anos em Arilinn, eu farei o meu melhor.


CAPÍTULO 40 O Solstício de Inverno que Varzil passou na Torre Hestral foi o mais sombrio que podia se lembrar. Tempestade seguida de tempestade de tal forma que mal podia se notar a diferenã entre noite e dia. Quando o feriado se aproximou foi como se um manto houvesse caído sobre tudo. Pequenos fragmentos de alegria pairavam nos cantos escuros, como ladrões na noite ou crianças que tinham entrado na cozinha depois de terem sido mandadas para cama. Ninguém podia reclamar a energia para uma festa. Fora dos muros a aldeia brilhava com fogueiras, festas, músicas e aromas picantes de bolos. Na Noite do Festival, as pessoas da aldeia fizeram uma pequena caravana, trazendo produtos de panificação e guirlandas enfeitadas com fitas vermelhas e azuis. Eles cantaram enquanto subiam o morro para a Torre, suas vozes soando no ar ainda frio. A noite estava muito clara, as estrelas criavam um caminho leitoso através da escuridão do céu. Os membros da Torre se reuniram, como de costume, na Câmara dos Comuns. Loryn pediu aos moradores para entrar e os acolheu com cortesia. Eles cantaram algumas canções e algumas das pessoas mais jovens juntaram-se a eles. Em seguida, vários tocaram flautas e tambores. Cada um dos moradores pegou de um parceiro da Torre uma bobina simples ou duas. Uma avó com faces como maçãs maduras chamou Varzil para dançar e depois piscou para ele com tal espírito que ele riu em voz alta. Após a dança, Loryn levantou as mãos e abençoou os aldeões, desejando-lhes um ano de prosperidade, seus campos e animais férteis, seus filhos saudáveis e suas fronteiras seguras. -Um homem não pode pedir mais do que isso, vai dom. -Um dos homens da aldeia disse, puxando seu topete enquanto seguia os outros no corredor. Depois de terem ido embora, um silêncio caiu sobre a sala. -É comum neste momento invocar Aldones e Cassilda, Senhor da Luz e sua Senhora. -Disse Loryn. -Eles também sofreram perdas. Perda de Grievous. No entanto, em sua história, todos os homens encontram esperança. -Sim, isso é assim. -Um dos homens mais velhos disse em um murmúrio de concordância. -No entanto, eu acho que, nesta época, não é claro se devemos olhar mais para a Escuridão. Para Avarra, Lady Obscura da Noite. Ou mesmo para Zandru, Mestre dos Infernos. Mesmo como nosso mundo gira no profundo inverno , quando parece que o calor e a luz do sol nunca virá novamente, quando a própria vida está em suspenso, por isso que estamos aqui, no inverno da alma. Os lobos do caos percorrem o campo e a esperança diminui. -A esperança diminui sim, e os homens prestam homenagem no sangue e medo dos poderes da escuridão. Mas a esperança não morre. Todas as coisas têm seu tempo e cada temporada possui um tipo diferente de força. Árvores cravam suas mais profundas raízes na neve e as cerejas doces amadurecem depois de um inverno duro. Assim, também, é com os homens, pois é nestes tempos que nos endurecem e nestas noites mais escuras que nos deparamos com o nosso maior medo e temos de domá-lo. -Então, neste momento, eu não vou lhes oferecer um presente de Cassilda, o fruto da kireseth. Em vez disso, convido-vos a olhar para o inverno de sua própria alma e a primavera, que certamente irá seguir.


Atordoado com o passado, Varzil esperou os outros trabalhadores Torre saíram, isoladamente ou em grupos de dois ou três, para encontrar o consolo onde podiam. -Loryn o que foi que o possuiu para falar assim? Estamos todos de luto, é verdade, mas... ele lutou com sua própria tristeza- ...mas certamente este é um momento de comunhão e festa. Mesmo no meio de tristeza, temos que manter o ritmo das celebrações. Loryn passou uma mão na frente de seus olhos, como se para clarear a visão de algum véu invisível. -Eu... Eu não sei falei ou se as palavras é que vieram para mim. Talvez fosse o próprio Zandru que as colocou em minha boca com a finalidade de gerar desespero. -Desespero? Não, pois você também falou de esperança. -Disse Varzil. -Mas isso parecia ser uma esperança de resistência, em vez de renovação. -Ah, meu amigo, é bem isso que pode ser, porque de acordo com os meus sonhos, alguma sombra ainda paira sobre nós. Eu temo que nós não vimos o pior ainda. Varzil colocou as pontas dos dedos suavemente sobre o braço do outro homem. Por um momento, sentiu-se envergonhado que ele estivesse tão perdido em sua própria dor pela falta de Felicia que ele tinha ficado cego ao sofrimento dos que o rodeavam. -Bem, diz-se que nada é completamente certo, apenas a morte e a neve do próximo inverno. O que quer venha de novas dificuldades pela frente, vamos enfrenrá-las juntos. Loryn sacudiu os ombros e com os olhos fechados. Ele pegou a mão de Varzil entre a sua, um toque estranhamente direto entre telepatas. -Estou feliz por você estar aqui. Juntos, os dois homens deixaram o salão comum, com o fogo ainda crepitando na lareira. O silêncio caiu sobre a Torre Hestral, um entorpecimento de profundo silêncio, seus habitantes dormiam sem sonhos durante a noite mais longa do ano. Não tinha havido nenhuma questão que exigisse o retorno imediato de Varzil retornando a Arilinn, naquele que foi o pior inverno em sua memória. Os dias nublados estendiam-se sobre o banco de nuvens cinzentas acumuludos um seguido de outro. Vendavais de circulares violentos tornavam o voo dos carros aéreos impossíveis, mesmo nas terras baixas. Estradas e campos congelaram e os animais tremiam em seus celeiros. Lobos devoradores sairam de suas florestas para atormentar os jovens e idosos. Muitos bebês adoeceram e morreram. Em Hestral, como em todos as outras Torres dentro da rede de retransmissão, havia bastante trabalho a fazer. Varzil estava grato por ficar ocupado e ser útil. Havia muitas pessoas doentes na aldeia e arredores com quadros de tudo, desde queimaduras até febre do pulmão e doenças da mente por não estar perto da luz solar o suficiente. Alguns pacientes não puderam ser enviados para casa imediatamente, pois era necessário um período de convalescença. Loryn acabou transformando o corredor da sala comum em uma enfermaria. A cozinha foi muitas vezes usada para o preparo de medicamentos de tal modo que os aromas misturados de ervas e tinturas permaneceram no ar. Em muitas noites, depois de ter terminado um longo turno e estar exausto demais para dormir, Varzil fazia seu caminho até o porão de pedra. Felicia tinha sido movido para ali por sugestão de Oranna não muito tempo depois do Solstício de Inverno, quando o espaço na enfermaria foi necessário para outros doentes. Oranna, a mando de Loryn, construiu uma


pequena estrutura que mantinha o campo de extase com entrada contínua de energiapsíquica programada com os padrões de Felicia. Felicia foi deitada com um cobertor branco puxado quase até o queixo. Se bem que isso era mais para o conforto daqueles que a amavam, pois, embora o porão fosse quase tão frio quanto o solo em que foi incorporado, Felicia não sofreria nenhum dano com isso. A deterioração do frio podia tocá-la dentro do campo apenas como um leve brilho cintilante. O próprio tempo abrandou-se para ela. Séculos poderiam passar sem o menor indício de mudança, exceto o lento acúmulo de poeira que a atingiria, partícula por partícula, peneirada através da rede do campo. Nessas noites, Varzil não tinha forças para chorar. Seu coração doía dentro dele como uma ferida antiga. Pensou nos soldados que haviam se ferido em batalha, feridas que pulsava com décadas de agonia lembradas mesmo depois da carne ter sido curada, e de velhos cujos inchaços nas articulações artríticas advertiam sobre tempestades que se aproximavam. Ele colocava o anel entre as mãos, pressionando seu brilho fraco sobre o coração. Às vezes, a pedra parecia responder-lhe, um sussurro de presença, doce como os primeiros brotos da primavera, pareciam acariciar sua mente. Meu amado, eu estou aqui. E então a escuridão o cobria. Ele não conseguia mais segurar o frio que atingia até os ossos e então ele se arrastava de volta para o reino dos vivos, para sentar-se ao lado do pequeno fogo em seus próprios aposentos, balançando-se, aquecendo-se e se preparando para o próximo dia de trabalho. Como todas as coisas, aquele terrível inverno finalmente passou. A primavera chegou hesitante, como se não soubesse se era bem-vinda. Os homens que se aventuraram a sair para os campos lamacentos ou olharam para o pálido céu mal tinham forças suficientes sequer para acreditar que o inverno rigoroso havia acabado. Lentamente, dia a dia, uma folha de grama por vez, o inverno acabou. Um dia, os campos estavam nus, ladeadas por árvores esqueléticas. No crepúsculo, o rico cheiro húmido da terra veio acompanhado pelo perfume doce das folhas novas e das primeiras flores. Em todos os lugares, pássaros empoleirados agitavam suas asas. Ninhos surgiram com um novo florescimento das árvores. Varzil senti uma aceleração em tudo dentro da Torre Hestral. Ali e na aldeia abaixo, as pessoas riam enquanto estendiam os braços e jogavam a cabeça para trás na luz do sol. Os agricultores cantavam em seus campos. Rebanhos abaixavam a cabeça para a nova grama e perdiam sua magreza do inverno. Assim que as tardes ficaram quentes o suficiente para arriscar abrir as janelas, mesmo uma fração, o coridom começou uma limpeza sistemática em cada ala Torre. O número de doentes na enfermaria diminuiu e a Câmara dos Comuns foi restaurada ao seu serviço habitual. Embora Varzil ainda fosse para o porão de pedra regularmente, ele passava cada vez menos tempo lá. O anel, com a sua centelha de luz viva, mostrava muito mais de Felicia do que o campo com seu corpo. Uma vez que o punho de ferro do inverno foi quebrado, mesmo as chuvas de primavera cairam mais suavemente do que em outros anos. Os viajantes começaram a aventurar-se.


No início, apenas os mais resistentes dos comerciantes enfrentavam as estradas lamacentas, mas como os dez dias seguintes derretendo a neve e endurecendo o solo, mais e mais viajantes surgiram. E com eles, soldados. As estradas mal tinham secado, embora os campos e sebes ainda brilhassem com a umidade, quando um grupo de homens armados chegou ruidosamente até os portões da Torre Hestral. Eles carregavam estandartes com a árvore de abeto prata com o fundo azul dos Hastur’s. Loryn desceu para encontrá-los às portas de Hestral, junto com seus trabalhadores seniores. Ele tinha tido tempo para colocar suas vestes e insígnias de sua posição como Guardião. -Venha comigo, Varzil, por que eu posso precisar de seus conselhos. Ao seu toque, o bloqueio de matriz foi liberado e os portões se abriram. O capitão de Hastur estava em um cavalo alto com seus homens dispostos atrás e nas laterais. Seu rosto e postura eram vagamente familiares para Varzil. Eles deviam ter se encontrado durante o Festival do Solstício de Inverno que Varzil passou em Hali, ele, Carolin e seus primos, Lyondri e Rakhal, que agora estava sentado no trono usurpado de Carlo, além de Maura, Jandria e seu irmão Orain, Dyannis... E Eduin. O capitão olhou por demasiado tempo para Varzil, claramente reconhecendo-o. A minha presença aqui pode colocar em risco Hestral. Varzil enviou o pensamento telepático para Loryn. Homens foram executados e suas casas queimadas apenas por suas simpatias à Carolin. Rakhal sabe da minha amizade com Carolin Hastur. Eu não acho que Rakhal Hastur fomentaria problemas com Arilinn. Loryn respondeu. Ele é esperto demais para arriscar a inimizade de uma Torre que não está sob seu controle. Varzil seguiu Loryn através da porta aberta, consciente de que sem a proteção da matriz que mantinha fora todas as armas, ele estava em um mundo onde um outro conjunto de leis governava. Ele ergueu o queixo. Como laranzu e Guardião, ele estava quase impotente com armas. Mas ele sabia como se defender. Só um louco iria atacar um trabalhador treinado na Torre e apenas uma vez. Ainda assim, a companhia de soldados pareciam maiores aqui, de pé diante deles, do que visto de cima. Os rostos dos homens estavam corados da longa equitação ao livre. Um par estava sentado um pouco afastado dos outros, os capuzes de suas capas de viagem cinzas em torno de seus rostos. Varzil os reconheceu imediatamente como laranzu'in da Torre de Hali, mas, apesar de suas mentes poderem ter se comunicado muitas vezes sobre as Hellers, ou um deles pudesse tê-lo salvado depois de sua aventura na nuvem-lago de Hali, a situação proibia-os de saudar-se entre si como de costume. Isto é o que a guerra faz, afasta parentes e coloca homens para matar aqueles que uma vez salvaram. Um jovem, pouco mais que um menino, cutucou seu cavalo para a frente, tirou um trompete, tocou uma fanfarra e gritou: -Por ordem de Rakhal Felix-Alart Gabriel, o Rei em Hali e Hastur de Hastur!... -Em seguida, desfiou uma série de títulos adicionais e encerrou: -Trago uma mensagem para o Guardião da Torre Hestral. O insulto em omitir o nome e posição de Loryn era evidente. A força Hastur não tinha vindo com a intenção conciliatória.


-Em nome da Torre Hestral, saúdo-vos. -Disse Loryn. -Nossos costumes não permitem que os homens que carreguem armas dentro de nossos distritos. Se você as deixar do lado de fora, vocês serão bem-vindos aqui dentro. Podemos discutir nossos assunto no conforto e privacidade da Torre. Bem feito. Pensou Varzil. Com uma polidez impecável, Loryn tornou impossível para o capitão de Hastur fazer qualquer coisa, mas ele respondeu diretamente. O capitão se mexeu na sela. -Eu vou ficar como estou, embora eu agradeça por sua hospitalidade. Minha missão não requer nenhum segredo. Todos aqui sabem que eu vim em nome de meu senhor e rei, Rakhal Hastur, para buscar o fogo aderente que lhe é devido. -Eu temo que você tenha vindo em vão. -Loryn respondeu no mesmo tom suave como antes. -Eu já enviei minha palavra no ano passado que o que seu mestre procura não existe mais. Foi destruído já há algum tempo. -Fogo aderente, destruído? -O capitão fez um gesto de escárnio, como se Loryn tivesse feito uma referência casual sobre destruir pedra ou ferro com ar. -Mesmo se fosse possível, és tão tolo assim para desarmar-se? Loryn parou por um momento antes de responder: -Um tolo, talvez, que procurava alguma outra solução para que os homens resolvam suas diferenças sem chover fogo líquido sobre eles. As terras devastadas não criam nem vencedores, nem vencidos. Eu oro para que tal pensamento seja de valor para Sua Majestade, pois é a única resposta que posso dar. Lamento manda-lo de volta de mãos vazias. Se ele insiste em ter clingfire, ele terá que procurar outro lugar para sua fabricação. -Nós imaginamos que você pudesse usar essa desculpa. -O capitão de Hastur deu de ombros. Seu cavalo puxou um pouco e dançou para os lados. Ele puxou as rédeas para segurá-lo mais. -Então, eu estou pronto para lhe falar que, de uma forma ou de outra, teremos o clingfire desta Torre, como é nosso direito. Se os seus antecessores foram tão insensatos para acabar destruí-lo, então você deve fazer mais. E rapidamente, pois temos guerras para lutar e não podemos esperar. Loryn, há perigo aqui. Estes homens nada ligam para honra ou justiça, a única coisa que importa é o poder. Vá com cuidado. Eu sei, Varzil. Eu temia que esse momento pudesse chegar antes das primeiras mensagens do Rei Rakhal no ano passado. Varzil percebeu o que Loryn pretendia fazer e por que ele tinha pedido seu apoio. Varzil não poderia falar formalmente para a Torre Arilinn, mas, em um sentido muito real, Arilinn estava com Hestral. -A Torre Hestral não faz mais clingfire, nem qualquer outra arma de laran arma. -Disse Loryn. -Que loucura é essa? Deve ser a sua obra. -O capitão de Hastur apontou para Varzil. Mesmo em Hali, temos ouvido falar de Varzil de Arilinn e suas noções sediciosas. Ele seria capaz de persuadir as Torres a serem renegadas indo contra as ordens legais de seu rei! -É verdade que tenho falado sobre o tema do armamento de laran, em Hali, bem como em Arilinn. -Varzil disse calmamente. -Eu me oponho àqueles que matam de longe, de modo que os homens que matam nunca precisam olhar para os rostos daqueles que sofrem ou colocar-se em risco igual. Mas eu não fizer nenhuma tentativa de persuadir Dom Loryn. Ele é Guardião aqui, o mestre de sua própria consciência.


-Talvez não por muito tempo. Loryn Ardais, vai entregar um estoque de fogo aderente, como foi legitimamente ordenado a fazer? -Isso eu não posso fazer. -Loryn respondeu. -Então, em nome de Rakhal, Hastur de Hastur e Rei em Hali, eu nomeio como traidor! A partir deste momento em diante, a sua vida e de qualquer que o siga está perdida, e qualquer homem pode matar você sem penalidade. Seus ossos serão enterrados em solo salgado e sua alma expedido para o inferno mais frio de Zandru. Você... Loryn inclinou a cabeça para trás e riu. -Você vai ter que me pegar primeiro! E se você me perdoa que eu diga, você não tem tido uma boa dose de sorte pegando Carolin Hastur também. Não ameaçe-o, Loryn. É tarde demais para palavras suaves. Eu gostaria de saber o pior que ele tem a fazer. -Eu dou-lhe até o amanhecer de amanhã para considerar suas precipitadas palavras, Loryn de Hestral. Então eu vou ter a sua obediência ou a sua cabeça... Loryn levantou uma sobrancelha com ceticismo. -... Você terá que derrubar a Torre Hestral, pedra por pedra, para obtê-la!


CAPÍTULO 41 O capitão de Hastur partiu depois de um quarto de hora. Mais tarde naquele dia os trabalhadores seniores da Torre Hestral reuniram-se com o Guardião para fazer planos. Era característico de Loryn em vez de emitir ordens, encorajar discussões e escutar com toda concentração. - Os assuntos de Rakhal devem estar indo mal de fato para torná-lo tão desesperado. Comentou Varzil. -Certamente, ele deve saber como é improvável ele obter fogo aderente ou qualquer outra coisa de valor militar de nós. Quanto mais forte seu aperto, mais homens são atraídos por causa de Carolin. -Eu nunca ouvi falar que impostos mais altos e punições mais severas inspirava lealdade dos homens. -Comentou Oranna. Sua família tinha vindo de um dos pequenos reinos da fronteira que Rakhal tinha destruído logo depois de tomar o trono. Loryn trouxe o debate de volta para o tipo de ataque era mais provável que Lyondri usasse e a melhor estratégia defensiva. -Você disse que havia dois leronyn’s com ele, Varzil. -Um dos homens mais velhos disse. Será que você não os reconhecu? -Eu não os conheço bem. -Disse Varzil. Os trabalhadores Hali tinham mantido suas barreiras de laran levantadas contra o costume de saudação amigável entre colegas. -Acho que se tivéssemos entregue o fogo aderente -ele continuou -eles seriam os responsáveis por seus cuidados, mas eu não acho que eles esperavam realmente que isso acontecesse. -Eu concordo. -Disse Loryn, balançando a cabeça. -Este capitão não foi escolhido por sua mansidão ou tato. Sua presença é um gesto de intimidação para qualquer outra pessoa que pensasse em desafiar as ordens de Rakhal. Hestral é uma Torre pequena e nós não fornecer qualquer coisa de importância estratégica para Hastur. -Só cura e conhecimento! -Disse Oranna. -Nós podemos ser pequenos em tamanho, mas o que fazemos aqui é muito irrelevante. -Eu concordo com ela, Loryn. -Disse Varzil. -Nós poderíamos desaparecer durante a noite, e Thendara ficaria pior para ele. A nossa importância é mais simbólica também... que outra Torre se atreveu a treinar uma mulher Guardiã? ...E agora Loryn nos tornou um símbolo ainda mais poderoso de fato. -Um símbolo de desafio, você quer dizer. -Disse Eduin, deliberadamente. -Nós não poderíamos ter feito outra coisa. Eles vieram aqui pensando em intimidar-nos com suas palavras, mas eles vão sair com outra lição. Nós vamos ensinar-lhes a não fazer ameaças vazias contra Hestral ou qualquer Torre. -O que? Você está sugerindo que façamos o nosso próprio fogo aderente para usar contra eles? -Disse Oranna. -Estou apenas apontando que não somos impotentes. -Disse Eduin. -Há muito tempo temos criado várias armas nas Torres para esses Cem Reis, muitos dos quais não tinham mais laran do que o cãozinho de uma lady! Mas nem sempre foi assim. Na minha última temporada em Hali, passei muitas horas nos arquivos, catalogando e copiando os registros antigos. Uma vez o Comyn criou suas próprias leis. Homens não eram julgados por algum acidente de nascimento e posição, mas pela força de seu laran e os usos que tinham. Não havia limites, salvo aqueles de nossa própria vontade! Qualquer empreendimento que


pudesse conceber, qualquer problema que inspirasse a nossa imaginação, qualquer busca de espírito ou carne... tudo isso estava diante de nós, maduro para ser nosso projeto! -Você fala de Era do Caos, -Varzil disse gravemente -e dos abusos de poder que lhe trouxe a queda. Os programas de melhoramento genético, projetados para produzir formas ainda mais estranhas e mais potentes do laran e que nos deixou um legado de horrores. Hoje ainda temos que lidar com as doenças que surgiram a partir da endogamia. Temo que haverá muitas gerações antes de recuperar-mos. -Falo de uma Era de Oportunidades, da liberdade dos que não são cegos psíquicos... – Eduin apressou-se me dizer, mas Loryn silenciou-o com um gesto. -Algum dia nós poderemos ter o prazer de debater a moralidade de nossos antepassados e se o seu mundo era realmente superior ao nosso. Por agora, nós, como qualquer geração antes de nós, devemos enfrentar o nosso próprio teste. Não posso, em sã consciência, ceder às exigências de Rakhal Hastur e, como Guardião, eu sou responsável por todas as pessoas dentro destas paredes. Se houver alguém que não consegue viver com minhas decisões, -o seu olhar permaneceu em primeiro lugar em direção a Eduin, então Oranna e, finalmente, Varzil -vou tentar organizar uma trégua sob as quais vocês possam deixar Hestral e irem para suas próprias casas. -Deixar Hestral! -Oranna chorou. -Abandonar minha casa para aquele... aquele debochado oudrakhi!? -Você não me entendeu, Loryn. -Eduin interrompeu seu silêncio. -Minha intenção é a de que temos de resistir não só a esta ordem, mas todas as ordens dos usurpadores! Vou ficar e lutar com você. Peço-lhe, conceda-me o comando do círculo de Felicia, para que eu possa esmagar o exército de Rakhal em pedaços! Uma das sobrancelhas de Loryn se contraiu para cima, mas corpo permaneceu de forma composta. Oranna disse: -Você está louco, Eduin! Você pode ser um excelente técnico, mas você não pode simplesmente entrar em tal papel, especialmente em um momento como este. Além disso, já temos duas Guardiões. -Varzil? -Eduin lançou-lhe um olhar de soslaio. -Ele só está aqui por causa de acidente de Felicia. Ele não é um de nós. -Vamos ouvi-lo, Varzil. -Disse Loryn. -Eduin está certo neste momento. Nossa discussão com Rakhal Hastur não é sua. Arilinn é neutra neste caso. -Mas eu não sou. -Disse Varzil. -Carolin Hastur é meu amigo mais querido e Rakhal, seu inimigo. Além disso, jurei acabar com todos os abusos de laran. Nesse sentido, esta discussão é muito mais minha, não porque eu tenha procurado por ela, mas porque eu não posso dar as costas, não quando está dentro do meu poder resistir. Loryn assentiu, com alívio. -Então, juntos, vamos nos defender e defender nossos princípios. Vão e peguem algo para comer, todos vocês. Devemos estar prontos para quando as forças de Rakhal fizerem sua primeira jogada. No momento seguinte, porém, veio o som fraco e inconfundível dos sinos da aldeia abaixo. Do seu ponto de vista na Torre, Varzil viu os soldados que vinham acima do monte, as fileiras a cavalo e a pé. Bandeirolas azul e prata ondulavam ao vento. O sol da tarde fazia suas espadas e lanças parecerem em chamas.


-Deuses! -Um dos trabalhadores exclamou. -Ele enviou um exército! -Significa que ele busca uma rápida vitória aqui. -Alguém disse. -As portas estão bloqueadas contra qualquer um que porte armas, -Loryn disse -mas elas não são o único caminho para a Torre. Estes homens podem estar trazendo ganchos e escadas. As paredes devem ser reforçadas. Por isso, vou precisar de toda a sua força. Varzil correu atrás Loryn e um círculo foi montado às pressas. Ele não tinha trabalhado com essas pessoas antes, com exceção Eduin e isso tinha sido há muitos anos em Arilinn. Eles usaram o laboratório que tinha sido de Felicia. A câmara tinha sido limpa e a mesa de trabalho substituída de modo que nenhum traço da matriz arruinada permaneceu. As ervas doces refrescaram o ar e o resíduo de um feitiço de limpeza ainda pairava sobre os cantos. Loryn não demorou a recolher as mentes separadas em seu círculo. Varzil encontrou-se olhando para um poço de luz clara. Ele refletia os rostos dos homens e mulheres do círculo, não como eles se pareciam fisicamente, mas com uma sensação atemporal de presença. Olhe. A voz mental de Loryn ressoou como o badalar doce lento de um imenso sino. Olhe lá. Varzil olhou para o abismo de luz e por um instante viu apenas um turbilhão de nuvens. Isso se dissipou rapidamente e, no espaço livre, ele parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Ele viu os soldados Hastur correndo para os portões e sentiu os fluxos de energia das fechaduras de matriz subirem e apertarem com a aproximação do aço das armas. Espadas brilharam em eixos, como se capturassem o brilho do sol. A luz e o calor era tão intenso como qualquer fogo de um ferreiro, estourando a lâmina e pontas de lanças. Uma dúzia ou mais brilhou quando se inflamou ao tentar entrar no bloqueio. Os soldados principais atiraram suas armas no chão. Alguns caíram de joelhos, segurando suas mãos, enquanto atrás deles, outros hesitavam olhando seus camaradas feridos no bloqueio da Torre. Feitiçaria... Os sussurros se espalharam através das fileiras. -Ataquem! Avante! -Gritou o capitão. Trombetas de chifres soaram. Alguns dos homens que tinham abandonado suas armas se viraram e correram, mas a maioria deles realizaram suas tarefas. Os mais bravos formaram uma barreira e lançaram seus corpos contra as portas. Ao primeiro toque, os portões se mostraram tão duros como rochas. A matriz e a madeira não poderiam ser quebrados por qualquer machado ou curvados sob qualquer peso. Com essa clareza sobrenatural da visão, Varzil viu as forças de ligação de cada incandescência das fibras azuis que moldavam os portões e suas energias. Seria muito difícil eles derrubarem os portões, mesmo com a mais inflexível resistência. O vigor de seu ataque forneceu mais energia para a defesa da matriz. Ao mesmo tempo, Varzil percebeu que as paredes eram de pedra comum. Elas haviam sido magistralmente colocadas, mas a passagem dos séculos não tinha passado despercebida e enfraqueceu a rocha e rachou a argamassa. Os feitiços sozinhos não as seguraria. Elas não poderiam suportar um determinado ataque de laran. As paredes! Mentalmente ele exclamou. Veja! Loryn respondeu. Sem problemas, Loryn dirigiu as mentes ligadas do círculo em um rio de energia que fluiu sobre a antiga fortaleza. À luz clara de suas mentes unidas, as paredes agora brilhavam fracamente azuis.


Os homens de Hastur se cansaram do ataque aos portões. Muitos dos tinham jogado suas espadas e facas no chão durante o primeiro ataque. Alguns se abaixaram com visível hesitação e depois recolheram as armas. Loryn não fez nenhuma tentativa de lançar um contra-ataque, já que o adversário estava claramente desmoralizado e vulnerável. Ele permitiu que os soldados recuassem de volta para a aldeia. Eduin ficou de pé, com as mãos em punhos. -Vamos nos sentar aqui, sem fazer nada, mas apenas desviar um ataque atrás do outro? Aqueles imundos ombredin não vão parar por aí. Você sabe o que virá a seguir... campos e cultivos incendiados, inanição no próximo inverno, reféns capturados e executados e Zandru sabe que outros ultrajes. -Eles vão fazer essas coisas com nossas retaliações ou não. -Disse Loryn. -Não podemos impedi-los assim. -Nós devemos agir. Loryn, certamente você pode enxergar isso! Nós podemos fazer muito mais do que simplesmente ficar contra eles. Temos o poder do laran para esmagar esse exército e enviar o capitão de Hastur correndo de volta para Thendara com o rabo entre as pernas como um cão covarde! Loryn sacudiu a cabeça. -Eduin, você não aprendeu nada em seu tempo entre nós? Eu sei muito bem o que quer fazer e não é dar banho naqueles homens com pétalas de flores. Se usarmos o nosso laran contra eles, podemos de fato prevalecer por poucos dias ou mesmo semanas. Mas, mais cedo ou mais tarde, eles virão contra nós com uma força que não poderemos vencer, quer seja com laran ou alguma máquina terrível de guerra. Não podemos chover fogo aderente ou pó de ossos sobre eles, mas isso não vai impedi-los de fazer o mesmo, ou pior, contra nós. Em vez disso, vamos manter esta batalha como algo pequeno e insignificante. Nossa melhor esperança reside em persuadi-los de que não temos nada que eles queiram. Varzil não achava que Rakhal Hastur seria influenciado por esse raciocínio. Um rato pode escapar de uma caça, tornando-se muito pequeno, mas apenas por pouco tempo. Cedo ou tarde, o pássaro carnívoro poderia sentir o cheiro de sua presa e cravar suas garras nela. Assim, também, os homens lá fora fariam. A postura de Eduin expressou claramente sua opinião de que Loryn era um tolo, mas ele teve o bom senso de não dizê-lo. Abaixando seu queixo, ele se desculpou e saiu do laboratório. Varzil observou-o ir. As palavras de Eduin o encheram de apreensão. -Ele era ambicioso quando nós treinamos juntos em Arilinn, -ele comentou com Loryn, quando já estavam sozinhos na câmara -e eu temo que suas decepções e o meu próprio avanço tenham apodrecido sua mente. Ele claramente lutou para ser selecionado como Guardião, e certamente ele tem uma força inata. -Eduin, como cada um de nós, deve encontrar o seu próprio caminho. Quanto ao outro, você está certo. Ele tem dons poderosos. Eu acho que, eventualmente, ele pode se tornar um Guardião, mas eu nunca vi nele a simpatia de espírito para trazer unir as personalidades díspares em um círculo e fazer deles um todo único e harmonioso. Em qualquer outro homem, por mais talentoso que fosse, eu poderia dizer que a culpa disso reside em sua própria natureza, mas Eduin... Há algo, alguma parte dele mesmo que ele mantém distante


e escondido. No entanto, -ele continuou –Eduin tem servido bem em Hestral. Sua lealdade está acima de qualquer questionamento. -Você criou uma Torre de indivíduos que seguem os ditames de sua própria consciência disse Varzil -e agora é tarde demais para incutir-lhes uma obediência cega. -Eu acredito que você está certo. -Loryn respondeu. -Mesmo se eu soubesse o que iria acontecer, eu não teria feito de outra forma. -Um sorriso, como o sol do verão sobre a água, cintilou em seus músculos cansados. Ele pegou o braço oferecido de Varzil e se inclinou sobre ele, embora tal contato físico íntimo não fosse o costume dos telepatas. Você acha que os nossos irmãos lá embaixo escolheram este dia de trabalho tão livremente como nós? -Eu suspeito alguns deles estão aqui por vontade própria. -Varzil concordou -Mas apenas pelo comando de seus mestres. E isso é tanto a sua força quanto a sua fraqueza. -Sim, é exatamente isso. Devemos fazer como Eduin sugere e chover a destruição sobre eles, porque eles são muito leais ou com muito medo de se rebelar contra seus senhores legítimos? -Você já sabe a minha resposta. -Varzil respondeu. -Ah sim, Varzil o idealista. Loryn moveu-se em direção à porta. -Agora tenho de terminar os assuntos deste dia. Você deve descansar também, pois vamos precisar de todas as nossas forças contra o que eles irão atirar em nós amanhã.


CAPÍTULO 42 Homens montados correram para os portões da Torre Hestral com toda velocidade de que dispunham, apenas para serem repelidos. Eles tinham aprendido com seus fracassos anteriores e por isso alguns deles não carregavam armas de metal. Em vez disso eles portavam um aríete feito com uma árvore velha, mas sólida, retirada das margens ao longo do rio, com muitos de seus ramos ainda intactos. Varzil se juntou ao círculo formado para reforçar os portões. Hora após hora os homens insistiam em bater com o aríete nos portões fazendo com que toda a Torre reverberasse com o barulho. Os homens também trabalhavam nas Hellers para que, quando cada grupo se cansasse, viesse outro para tomar seu lugar. Eles pararam apenas quando a luz do Sol se pôs. Mal Varzil comeu o alimento colocado para ele na sala dos comuns e voltou para seu quarto, com dores de cansaço em cada músculo, e um grito veio dos observadores postados no alto da Torre. O ataque tinha recomeçado. Os três leronyn no exército de Lyondri tomaram a frente, quase imperceptíveis ao anoitecer. Eles reuniram-se perto da base da colina, bem fora do alcance de qualquer contra-ataque físico e formaram seu círculo. Para Varzil, em forma de um relógio que tinha a aparência de uma teia de aranha. Eles vão ter tão pouco poder sobre nós como um lenço de seda. Veio a voz mental de Serena. Varzil não tinha tanta certeza. O que qualquer um deles realmente sabiam sobre guerras de laran que colocavam uma Torre contra outra, salvo o que as baladas e contos sussurravam? A paz de Allart Hastur trouxe um tempo em que todos esses horrores haviam sido esquecidos. Os feitiços vieram serpenteando até o morro como fios de escuridão. Após um momento, eles reuniram em uma única substância e dispararam contra as paredes, como se procurassem insinuar suas pontas delgadas entre as partículas da argamassa e entrar através dos poros da pedra. Com cada contato, Varzil sentiu o brilho das energias de confronto contra os escudos de laran. O brilho azul se intensificou. Curvou todo o seu poder para o padrão que Loryn tinha fixado nas paredes abaixo. Aguarde... aguarde... segure... Cada sílaba pulsou através do círculo separadamente. Varzil não tinha outro pensamento além dos fluxos de energia focados na ligação de cada fragmento de pedra e argamassa. Em sua mente, ele viu as paredes como uma padronização das forças elementais. Horas se passaram nesse transe entorpecente. De tempos em tempos, ele se tornava ciente do toque da mente de Oranna quando ela acompanhava a condição de seu corpo. Era apenas um lampejo, pois ele tinha há muito tempo aprendido a postura e respiração corretas para o extenuante trabalho com laran. Tudo o que podia fazer era facilitar e suportar para não havia dúvida e dissolver os laços que os unificavam. O círculo Hestral não se atrevia a vacilar. Qualquer interrupção na sua concentração poderia dar aos leronyn’s abaixo a abertura que precisavam. Eles só podiam suportar e aguardar até que o ataque psíquico cessasse.


Eventualmente, nas horas mais sombrias, Varzil sentia um vazio no lugar da pressão implacável do círculo Hastur. Loryn dissolveu o círculo. Um dos trabalhadores estava perigosamente ofegante e caiu para a frente sobre a mesa. Oranna correu para o seu lado. Seu rosto também estava tão pálido que parecia não ter nenhum fluxo de sangue. Entorpecido e drenado, Varzil seguiu o caminho para seu quarto, onde ele caiu sobre sua cama, ainda em suas roupas de trabalho. Naquela tarde, Varzil se dirigia para a cozinha quando ouviu vozes, sussuradas e tensas, abaixo dele. Os alto-falantes foram escondidos pela curva da escada, suas vozes ecoando no espaço aberto e alto. -Com cada palavra você nega seu próprio argumento. –Loryn sussurrou. Varzil virou-se para voltar lá para cima. Poderia haver apenas uma pessoa com quem Loryn falaria dessa maneira. -Não me importa! Quando é que você vai fazer algo, em vez de sentar aqui como uma pilha de roupa, passivamente desviando o qualquer diabrura que eles planejem? -Eduin exigiu, suas palavras agora a subindo de tom a cada frase. -Você não pode ver que só os incentiva para avançar em ataques? -Eu já disse que não haverá mais discussão sobre isso. Divergências só ajudam nossos inimigos, colocando-nos uns contra os outros. Se você não pode aceitar isso, então eu vou mandar você deixar Hestral sob trégua ou então limitar-lo à meditação solitária. -Não! -A respiração de Eduin tornou-se audível, beirando um soluço. -Eu quero lutar contra os Hasturs! Algun sentido em Varzil entrou alerta. Para Eduin aquilo significava mais do que apenas defender a Torre contra as arrogantes ordens de Rakhal. Em um momento de paixão profunda, Eduin se expressou claramente. Ele, apaixonadamente, queria lutar contra os Hasturs, mas por que razão, Varzil não conseguia adivinhar. Na manhã seguinte, um mensageiro subiu a colina sob cores de trégua e exigiu a rendição de Hestral. Ele voltou sem uma resposta. Em seguida, os soldados chegaram em sua formação e começaram o ataque do dia. Naquela noite, os três trabalhadores de Hali tentaram magias diferentes nos portais, todos com tão pouco sucesso como antes. Ambos os lados pareciam estar fixando-se em um padrão. O coridom tinha pedido a permissão de Loryn para retornar à sua família e ele concordou, enviando o homem sob uma bandeira de trégua. Um dos guardas de Hastur reuniu-se com ele e, depois de algumas palavras, atacou o velho com a sua espada. O coridom voltou até a colina, arquejando em terror. Varzil assistiu a tudo da varanda da Torre. Ele sentiu o vinculo da porta e da parede se reforçarem assim que o coridom passou através dela. Não haveria uma segunda vez, se o capitão de Hastur fosse inteligente. Durante uma breve pausa, Loryn organizou os trabalhadores de Hestral em dois círculos, o segundo sob o comando de Varzil, e um grupo de observadores. Desta forma, todos poderiam descansar enquanto a Torre mantivesse ums guarda contínua. A sabedoria era que, enquanto Hestral ficasse em estado de alerta, não haveria nada que os sitiantes pudessem fazer.


Varzil esticou o corpo dolorido em sua cama e cruzou as mãos sobre o peito, na postura, que ele tinha usado centenas de vezes para meditação profunda, desencadeava o relaxamento. Ele ficou tenso em cada parte de seu corpo e, em seguida, usando o seu controle da respiração e energia, relaxou. Seus batimentos cardíacos diminuíram e cada inalação trouxe uma inundação de oxigênio para suas células. A onda de energia de limpeza subia e descia a partir do centro de seu diafragma para as pontas dos dedos das mãos e dos pés. Seus pensamentos aquietaram-se. Com intenção deliberada, ele estendeu sua consciência para uma área mais profunda. Originalmente, ele tinha praticado a técnica para entrar no relacionamento com outro trabalhador. Agora ele moldou seu foco, mantendo sua mente receptiva. Ele sentiu a madeira e o couro de sua cama, ainda vibrando com vida e, abaixo deles, o tapete... o chão de pedra... o ar girando além das paredes exteriores... a alegria do cantarolar das águas do rio... os campos como berços da vida, repletos de raízes, caules e criaturas com muitas pernas... e, finalmente, as montanhas distantes, atingindo os monges em oração. Com cada respiração, ele reuniu-os em si mesmo, ele sentiu a sua força e quietude encher os canais de energia e depois recuarem. Algo pulsava nas proximidades, brilhante e quente. Um estranhamente familiar perfume impregnou nele. Ele pensou em um dedilhar em um rryl, suave como folhas de primavera salpicadas pelo Sol. A doçura o invadiu, respondendo, como se seu coração fosse um sino levemente tocado. Felicia. Embora seu corpo não se movesse, sua mente deslocou-se para o anel em sua mão. A sua presença sem palavras lhe respondeu. De uma forma ou de outra, o cerco seria vencido, o reino passaria de um soberano para o outro e as montanhas iriam aguentar os duros invernos, a primavera viria novamente a seu tempo, os amantes iriam encontrar a alegria nos braços um do outro, bebês chorariam em voz alta tarde da noite... E isso, pensou enquanto se levantava da profundidade de seu transe de cura, isso teremos sempre. O crepúsculo anunciou o fim da luz do Sol naquele dia. Na visão sobrenatural do círculo, Varzil, trabalhando como seu Guardião, viu o fogo que brotavam dos principais edifícios da aldeia. Um grupo de aldeões estava no mercado. Seus gritos subiam em direção aos céus. Mulheres agarravam seus filhos firmemente contra as saias, enquanto seus homens murmuravam maldições com punhos cerrados ou facas escondidas, mas não faziam nenhum movimento ostensivo contra a armada montada dos soldados. Um morador, um homem forte de barba com ombros enormes, gritou para a brigada causadora do fogo. O capitão de Hastur o feriu com uma espada e ele agora jazia imóvel no campo sombreado. -Tudo isso por causa da sua preciosa Torre! -O capitão rosnou. -Você acha que eles vão protegê-lo? Eles se fecham como covardes, enquanto suas casas estão queimando! Onde estão eles agora? Por que não vieram em seu auxílio? No instante seguinte, um raio surgiu como um tiro no círculo Hestral. A raiva cresceu em Eduin, a energia da câmara pulsando com ele. Alguém gritou: -Marius Rockraven.


Varzil, sustentando o círculo, sentiu o peso da labareda de energia. Oranna alisou seus músculos para aliviar o choque com seu toque mental que tinha o efeito de um bálsamo sobre seus nervos. Ele sentiu o círculo crescer claro e firme mais uma vez. A vila ardia como uma tocha contra a noite. O terror dos moradores percorreu a escuridão como uma invisível fumaça. Varzil estendeu sua mente até o rio, ele sentiu um acúmulo de umidade, uma tensão entre a terra e o céu. Marius? Você pode sentir as nuvens de chuva? A consciência do rapaz se desenrolou como a rede de um pescador. Sim... Ainda não é uma tempestade, mas se os ventos continuarem como esta série –Varzil sentiu as imagens que o menino via como um conjunto de cores e calor- ela se tornará uma tempestade. Marius, você deve trazer a chuva aqui. Um estremecimento reflexivo do rapaz percorreu o círculo, mas a unidade permaneceu firme. Não. Sem a matriz... eu não posso... eu vou estragar tudo... Varzil captou pedaços do pensamento frenético e, com o mesmo cuidado deliberado que ele tinha usado para quebrar o fogo aderente, ele separou cada partícula de medo do rapaz. Você pode fazer isso, Marius. Você nasceu com força e talento para isso. Veja como, naturalmente, a sua mente se estende para as correntes atmosféricas. Confie em seus instintos em vez de tentar controlá-los. Deixe os seus sentidos guiá-lo. Mas eu não sei como! Esta não é uma coisa que você precisa saber, só precisa sentir. Com as palavras de Varzil, Marius ficou mais calmo, os padrões de sua mente mudaram de uma rede semelhante a uma teia de aranha, mal sólida o suficiente para segurar uma brisa suave, para uma tapeçaria de seda, macia e leve, porém impenetrável. Varzil apoiou o rapaz quando ele direcionou seu dom para mais e mais alto. As nuvens ainda não tinham se formado completamente, o ar estava carregado de umidade apenas com um potencial para se condensar. Marius teceu sua mente através das camadas, trabalhando na temperatura e nos potenciais elétricos. Não pense sobre o que você está fazendo... Disse Varzil. Apenas sinta... Você não tem que controlar as nuvens, apenas dar-lhes um sentido. Um trovão retumbou além de quaisquer ouvidos humanos, um tremor no ar, um tom diferente no ozônio. Nuvens empilharam-se umas sobre as outras e cresceram rapidamente em tamanho e velocidade respondendo às forças de laran. Varzil, e o círculo com ele, montou as correntes, sentindo o poder se reunir. Agora já podiam ver a aldeia em chamas se aproximando. Os telhados e andares superiores da casa do chefe e os maiores salões de artesanato haviam sumido e seus feixes estavam queimando com uma chama constante. Os edifícios adjacentes pareciam uma enorme tocha brilhante contra a escuridão da noite. Um clarão e explosões irregulares de raios responderam de dentro das nuvens. Rostos viraram-se para cima, pálido e cansados refletindo as chamas laranjas do incêndio. A raiva pulsava mais uma vez em Eduin e os seus pensamentos foram colocados para fora: Acerte-os com o relâmpago! Matem todos! Não...


Suavemente, mas com firmeza, Varzil dirigiu o entrelaçado de laran com sua própria vontade. Ele enviou a Marius uma imagem de água corrente livre. Apenas deixe fluir. Deixe as nuvens fazerem o seu trabalho. No instante seguinte, a chuva começou a cair contrastando com a fumaça dos prédios em chamas. Homens gritaram em alegria e em alarme. No acampamento Hastur, o leronyn tentava desesperadamente trazer um vento para dissipar a tempestade. Ainda assim a chuva caía, não mais doce e gentil, mas mais difícil a cada momento. A tempestade ganhou vida própria e parecia que todos os esforços do círculo Hastur para desviar as nuvens só despertava uma fúria maior na tempestada. Os ventos artificialmente convocados atacaram a chuva e acabaram dirigindo-a contra os edifícios em chamas. Os soldados correram para seus acampamentos, deixando os moradores para cuidar de si mesmos sozinhos. O rio encheu e transbordou de suas margens. A fumaça ainda subia a partir de pequenos focos dispersos de fogo restante e já sucumbiam à chuva. A praça foi transformada em um campo de barro batido. Os ventos diminuiram, deixando a chuva cair como um véu enevoado. Marius libertou a tempestade para que ela fosse onde queria ir e as forças naturais de temperatura do ar retomaram o controle. Eventualmente, ela seguiria o seu curso, mas no momento, parecia travada entre a montanha e o rio. Só então Varzil liberou o círculo. Suas mãos tremiam enquanto passava-as em seu cabelo, um gesto adquirido com a idade que ele usava para retomar a compostura. Do outro lado da mesa, uma das mulheres respirava em soluços. A chuva caiu de forma constante por mais três dias, durante os quais os Hasturs não fizeram qualquer tentativa para atacar novamente. A Torre Hestral usou essa pausa para descansar. Os moradores começaram a se mover para as fazendas periféricas com seus pertences empilhados em carrinhos ou pacotes. Mesmo as crianças mais jovens se arrastavam carregando um pesado fardo. Serena, seguindo-os pelas telas de matriz, relatou o roubo de alimentos, cavalos e gados. O exército Hastur não iria desistir facilmente. Eles claramente estavam preparando-se em para um longo cerco.


CAPÍTULO 43 Dez dias mais tarde, Varzil estava sentado na sala comum com uma xícara de jaco com uma raíz negra em pó. Serena que tinha acabado o último turno da noite nas Hellers, entrou na sala e serviu-se de uma xícara, acomodando-se em uma cadeira ao lado de Varzil, ela cheirou o conteúdo e franziu o nariz. -Ugh! Raíz negra. Eu odeio raiz negra. Varzil sorriu e indicou sua própria caneca meio chiea. -Então faça como eu e empurre pela garganta. Mais alguns dias e só haverá raiz negra se quisermos beber algo quente ou alguma mistura de ervas ainda pior. –Eele fez uma pausa. –Alguma notícia da Torre de Hali? Serena sacudiu a cabeça. Ela parecia mais jovem do que realmente era, com círculos cor de equimose sob os olhos. -Eles não romperam formalmente o contato. Eles simplesmente dizem que não têm mensagens, nem receberão qualquer uma. Acho que era de se esperar. Como eles poderiam permanecer fora disso... -Ela fez um gesto para a janela com vista para os campos onde as forças Hasturs estavam acampadas. A não ser que eles desejem desafiar o Rei Hastur, como Tramontana fez. -Alguma mensagem sobre a minha questão? -Ele perguntou. -Os registros? -Não, mas eu não acho que eles iriam fornecer esse tipo de informação para você. Pode muito bem ser que ela também não exista ou tenha perdido ao longo dos anos. Vazil passou os dedos de uma mão sobre o anel de Felicia num hábito que já havia se tornado um reflexo inconsciente. Se houver alguma maneira de restaurar a sua saúde... Varzil, ainda não há movimento lá embaixo. Veio a voz mental de Marius que estava no posto de vigia naquela manhã. Varzil foi até a janela. Os soldados Hastur tinham realmente começado a se reunir na base da colina. Até agora, não havia nenhum sinal de um ataque iminente. Os homens ainda não estavam em formação. A chuva quase tinham cessado e o solo ainda estava enlameado. Se eles tentassem cairiam muitos com os pés de incertos naquele solo altamente vulnerável. Não admirava que o capitão estivesse cauteloso. Era hora de formar o círculo que iria manter Hestral segura mais outro dia. Varzil deu uma última mordida no pão de nozes e dirigiu-se para a câmara que agora tinha se tornado como uma segunda casa para ele. Ele enviou um sinal telepático para os outros membros de seu círculo o encontrar lá. Algo estava sutilmente errado, os leronyn’s já estavam enredados em algum tipo de círculo, juntamente com outros que normalmente trabalhavam com Loryn. No meio da escada, Varzil sentiu os gritos nos campos abaixo, mesmo ele não podendo ouvi-los. A sensação de frio arranhando o intestino o atingiu, tão repentino e intenso que era quase um golpe físico. Era como se mil pesadelos febris fossem condensados em uma visão horrível e, em seguida, atirados como um projétil. Ele cambaleou e recuperou o equilíbrio apoiando-se na parede. Seus dedos raspadas contra a pedra com força suficiente para tirar sangue. A dor o trouxe de volta para o seu próprio corpo.


Ele tinha pego apenas a borda de um poderoso feitiço do medo só porque seus pensamentos estavam abertos e suas barreiras reduzidas. Não tinha sido lançado para ele. Para quem então? Varzil estendeu seus sentidos de laran para fora das paredes da Torre e, descendo a colina onde ele tinha visto pela última vez os homens de Hastur. Com seu olho interior os via agora, cambaleando ou deitados enrolados no chão, correndo aqui e ali, lutando uns com os outros. Embora não pudesse ouvi-los, suas bocas esticavam-se em gritos de agonia. Um homem tinha agarrado a seus próprios olhos e os deixado sangrando. Outro tinha sacado sua espada e enfiado em sua perna. O sangue jorrava do braço de outro que tinha cortado seu pulso com um machado de batalha. A confusão aumentou como uma peste terrível no campo. O próprio ar, através de seus sentidos psíquicos, fervilhava de pânico, com o fedor de terror grande demais para suportar. Esses homens não eram covardes, eram veteranos. No entanto, o mais corajoso deles mal conseguia manter-se de pé. O sangue encharcou a terra úmida e macia, misturado com outras substâncias dos corpos. Dois homens, oficiais pelo que seus capacetes anunciavam, tinham sacado suas espadas e as usado em seus próprios ventres e agora se contorciam nas cordas azuis acinzentados de seus intestinos. Os soldados Hasturs lutavam como se estivessem cegos ou enfeitiçados e pareciam ver algo que não estava lá. Em flashes, como se sua própria visão fosse iluminada por um raio mental, Varzil viu o que eles viam. Demônios que pareciam vir dos infernos de Zandru, azuis com o frio, agarrando-se aos corpos dos homens. Os demônios eram tão variados quanto os pesadelos, chifres e muitos pernas, alguns com línguas bifurcadas grossas como o pulso de um homem, outros com sete olhos ou coroas feitas com escorpiões, as garras de um leopardo-das-nuvens ou o bico enganchado hediondo de um banshee. Muitos possuíam chicotes ou martelos com os quais eles batiam nos homens ou os prendiam, afundando as presas profundamente na carne de cada um. Tudo isso é uma ilusão causada por algo... ou alguém. Despertou o mais profundo terror de infância ou do espírito de cada homem e trouxe-o em uma forma lancinante. O sentimento de pena atingiu Varzil. Ele teve sua própria quota de sonhos assustadores quando era um menino. Mas ele sempre soube que eram sonhos e que logo ele iria despertar. Abençoada Cassilda, quem fez isso? Suas próprias entranhas reviraram num frio quando Varzil percebeu que ele iria encontrar a resposta no alto da Torre. Ele subiu uma escada e após a outra às pressas. Parecia-lhe que tudo o que tinha passado antes em sua vida tinha sido fácil, mesmo naquela primeira noite ele foi para Arilinn fugido, ou que enfrentou os homens-gatos em suas cavernas ou até mesmo o que ele havia testemunhado no interior do Lago de Hali comparado a isso. Esses tempos tinham sido assustadores e difíceis, mas ele não tinha escolha. O destino tinha lhe levado a esses eventos e nunca lhe ocorrera fugir deles. Mas aquilo... Tudo o que ele precisava fazer agora era fechar sua mente e focar nas escadas. O círculo de Eduin iria fazer o seu trabalho. Um por um, os homens de Hastur iriam ser vítimas de sua própria loucura até que nada restasse do exército. A mensagem de que a Torre Hestral nçao estava para brincadeiras chegaria muito rapidamente para Rakhal...


E os homens morreriam, aqueles que ainda lutavam pela vida, impotentes contra os feitiços que prendiam suas mentes. Dor e morte seria o preço da liberdade de Hestral. Ele tinha ficado em Hestral, ao invés de recuar para Arilinn sob a segurança de sua neutralidade, por causa de seu juramento de se opor a qualquer abuso de laran. Quer que viesse dos trabalhos ilegais dos laboratórios de Dalereuth com fogo aderente ou do leronyn a serviço de Rakhal, ou mesmo de dentro da Torre Hestral em si. Não fazia diferença... Finalmente, ele terminou de subir. Eles eram muito mais que Varzil esperava encontrar... Havia um círculo áspero com Eduin sentado na posição do operador e outros quatro, todos os homens fortes. Nenhum monitor vestido de branco sentava-se ao lado, garantindo a saúde de todos. O rosto de Eduin era uma máscara obscura de concentração e triunfo. Varzil parou no limiar da porta, duro e gélido como aço, pensando no que ele devia fazer. Desde seus primeiros dias em Arilinn, ele havia sido ensinado sobre a santidade do círculo. Depois juntou-se, por seu merecimento, foi entregue às mãos de seu Guardião. Ele era o único guardião da sua concentração mental e e bem-estar físico combinados. Não poderia haver dois Guardiões em um círculo, foi por isso que ele próprio tinha se subordinado tão completamente à ordem de Loryn quando montaram pela primeira vez a defesa de Hestral. Nem poderia um círculo ser levemente quebrado. Mesmo com um monitor, era perigoso perturbar a convergência das energias de laran. Uma dissolução abrupta e os nervos poderiam falhar, causando convulsões ou pior, corações poderiam parar completamente ou bater de forma tão descoordenada que a morte seria certa logo em seguida. Canais de energia, que levavam energia sexual e psíquica, poderiam sobrecarregar. A reação poderia varrer o círculo afetando cada membro. Varzil tinha ouvido falar de um caso em que tudo o que restara do infeliz leronis foi uma casca carbonizada. Quando ele ouviu pela primeira vez o conto de volta a Arilinn, ele pensara que era um exagero, uma história apenas didática, mas com a experiência ele não pensava mais assim. Eduin era um telepata forte, qualificado o suficiente para concentrar e dirigir o laran de um círculo, mesmo um improvisado como este. Apenas um guardião, ou alguém com esse potencial, poderia criar as ilusões de pesadelo em tantos homens ao mesmo tempo. Pena ergueu-se no íntimo de Varzil, misturada com ódio pelo uso de tal talento. Ele não sabia por que Eduin nunca tinha sido selecionado para o treinamento Guardião, em primeiro lugar em Arilinn e agora aqui em Hestral, nesta que era a Torre que mais ousava experimentar. Seja qual fosse o acaso que Eduin poderia ter tido, ele já tinha jogado fora sua chance. NenhumaTorre iria treinar um homem que tinha se provado tão imprudente, de modo intencional, de modo desafiador à todos os princípios de disciplina de um círculo. Se Eduin fosse o único envolvido, Varzil o teria arrastado para fora de seu transe, mesmo que isso significasse segurar a pedra da estrela de Eduin com as próprias mãos. Ele sabia que havia um enorme risco de consequências graves, até mesmo fatais. Carolin quase havia morrido dessa forma naquele inverno em Hali. E Eduin tinha estava lá... Uma fúria surgiu em Varzil. Ele tinha suspeitado de Eduin na época, mas não tinha provas. Carolin, em sua firme crença na bondade de outros homens, tinha defendido Eduin. Mas Carolin estava errado sobre o seu primo Rakhal também. Mas os outros no círculo de Eduin eram homens que acreditavam que estavam protegendo a Torre Hestral, eles não mereciam tal destino.


Em vez de se intrometer no círculo, Varzil levou um momento para se acalmar e focar seus próprios pensamentos. Ele conhecia a assinatura psíquica de Eduin muito bem devido às longas horas que haviam trabalhado juntos em Arilinn. Eduin tinha se desenvolvido ao longo dos anos, tornou mais forte e impertinente, mas ele não podia mudar o padrão básico de sua mente. Varzil sintonizou sua própria energia laran e entrou em relação com o círculo. Ninguém tinha notado sua abordagem, mas isso não era incomum devido o grau de concentração em seu propósito. Ele não sentiu uma onda de resposta, apenas uma ligeira intensificação da euforia de Eduin. Com a adição do poder mental de Varzil, as emoções de Eduin viraram euforia. Ele está realmente feliz com a destruição de outro homem. A atenção de Eduin virou em seguida do campo sangrento abaixo para a presença de Varzil dentro de seu próprio círculo. Antes que ele pudesse reagir, Varzil o atingiu tocando as conexões de energia que prendiam Eduin aos outros. Tão bem quanto uma faca de desossar passava sob a pele de um cervo abatido, ele inseriu-se no círculo como Guardião e empurrou Eduin fora. O grito de Eduin ecoou na câmara como uma lâmina de ferro na pedra. Tão rápido quanto pôde, tomando cuidado para a segurança dos outros leronyn’s, Varzil dissolveu o círculo. Um por um, eles abriram os olhos, esticaram os ombros tensos e olharam em volta. -Varzil! O que... Varzil moveu-se rapidamente para a mesa, onde Eduin estava caído em cima, sem graça e imóvel como um cadáver. Ele sabia que Eduin não estava morto, apenas a profundamente inconsciente. -Por Aldones, Senhor da Luz! O que aconteceu?" Varzil se endireitou, usando toda a autoridade de um Guardião sobre ele. -O que você fez aqui viola nossos juramentos mais sagrados. Você usou seus poderes para entrar nas mentes de outros homens com malícia deliberada. Por que não queimar os portões e emitir um convite formal para os homens de Rakhal logo de uma vez? O que você fez hoje pode não apenas destruir esta Torre, mas também tudo que ela representa e defende. -Nós pensamos... Eduin disse... -Um dos homens gaguejou. Com as palavras de Varzil, seu rosto ficou pálido em choque. -Nós não temos tempo para desculpas agora. -Varzil o cortou. -Não se pode dizer o que virá disso, mas temos de estar preparados para o pior. Você! Leve Eduin aos seus aposentos! Você! Buscar um amortecedor telepático! -Ele já tem um. -Disse o homem, visivelmente infeliz. -Ele precisava... ele alegou que ele precisava para a sua privacidade. -Será que ele precisa agora? Seria muito conveniente. -Varzil ouviu o veneno em sua própria voz. Se ele agiu também por raiva e vingança, ou então por justiça? Uma sombra invisível passou sobre ele, uma sombra de luz em vez de escuridão, e parecia querer levantá-lo para fora de si mesmo. Por um momento, suas fraquezas humanas recuaram e viu-se como a origem de uma luz, lançando-o de uma ponta de Darkover a outra, um farol na escuridão, um nome nos lábios dos homens se estendendo a um futuro imaginavelmente distante.


O pulso de brilho desapareceu, deixando um sentimento de compaixão sem palavras. Varzil mudou-se para o lado de Eduin e colocou uma mão em sua testa. O gesto era parte de conforto e diagnóstico, parte de bênção. O pobre tolo ignorante. Nós nunca poderemos saber o que o levou a jogar fora todo esse potencial, todo esse brilhante talento. Que Aldones lhe conceda a paz, se no mundo humano não lhe seja provável. -Leve-o tranquilamente e fique de guarda para que ele não possa causar qualquer dano a si mesmo. -Varzil disse aos outros. -Vou conversar com Loryn sobre o que deverá ser feito em seguida. Um dos homens pegou o braço de Eduin e colocou-o sobre os ombros. -E nós, vai dom? E quanto a nós? Varzil suspeitava que iriam causar suas próprias punições, muito mais graves do que qualquer coisa que ele ou Loryn imporiam. Abaixo da Torre, a estrada e campos enlameados estavam tranqüilas, exceto os soldados que carregavam seus companheiros mortos ou mutilados. O leronyn de Hastur comoveu-se por causa deles e usou seus poderes para facilitar a partida dos que sofriam e não podiam ser salvos. Alguns dos aldeões restantes sairam para ajudar, mas sob nenhuma coerção discernível. O céu ficou nublado mais tarde naquele dia e, em seguida, começou a chover. Quase não havia vento na chuva que caia em linha reta como o véu de Arilinn, e estava surpreendentemente quente. Varzil pensou que os próprios céus choravam pelo que tinha sido feito, mas logo em seguida descartou a ideia que achou extravagante e autoindulgente. Ou talvez a culpa, porque ele tinha suspeitado de Eduin, tinha visto tudo indicar que Eduin poderia tentar algo desesperado e insensato, e ainda assim não tinha feito nada para impedi-lo. Ele havia deixado a questão para Loryn, que era o correto de acordo com a etiqueta das Torres, mas isso não o abssolvia da responsabilidade. Ele iria ver a justiça ser feita para Eduin, embora ele não soubesse o que poderia fazer. Nos aposentos privados do Guardião, Varzil ouviu o depoimento dos outros trabalhadores do círculo de Eduin. Eles entraram um por um, envergonhados e culpados, com graus variados de humor. A luz cinza aguada fazia o quarto parecer mais frio do que realmente era. Loryn estava sentado imóvel, deixando Varzil fazer as perguntas. -Eu pensei: ‘este cerco vai continuar e eles vão ficar lá lentamente drenando nossas forças, enquanto nós passamos fome’... -Disse um homem. –A todo tempo os nossos amigos na aldeia perdem suas casas, suas culturas e quem sabe mais o quê. Eu pensei que Eduin estava certo. Loryn não respondeu, em voz alta ou em seus pensamentos. Ele parecia cinza, na beira do choque, com uma exaustão tanto de espírito quanto carne. Seus ombros estavam caídos. -Nós tínhamos o poder de destruí-los... –o homem continuou, suas palavras caindo uma sobre a outra, com uma cadência ímpar que fez Varzil pensar que não eram dele, mas sim de Eduin -...Por que não usar esse poder? Por que não fazer que o preço da agressão tornasse muito alto, mesmo para um louco como Rakhal? -Aqueles homens lá em baixo não escolheram esse destino. -Varzil apontou. -Eles são soldados comuns que lutam com espadas, lanças e estavam seguindo os comandos


daqueles a quem tinham jurado obedecer. O que os teriam defendido se tivessem contra atacado em suas próprias mentes? Você, por outro lado, decidiu que eles deveriam morrer em terror. Você tomou sobre si as prerrogativas de um deus? Aqueles homens de alguma forma se transformou em bestas que você pode abater? Embora Varzil falasse suavemente, a certeza do homem desintegrou-se. -Eu... Eu não sou nenhum monstro. Eu pensei que era a coisa certa a fazer e Eduin foi tão convincente, com tanta segurança e certeza. Ele disse que uma vez que temos o poder de nos levantar contra a tirania, devemos usá-lo... -E Eduin é o guardião da sua consciência? -Varzil exigiu. Por um momento, atordoado, o homem olhou para ele. -Em quem, então, eu devo acreditar? Quem, de fato? Varzil perguntou a si mesmo. Em um Guardião muito fraco para incutir uma disciplina adequada? Um rei usurpador curvado apenas ao seu próprio desejo de poder? O Pacto, se ele acontecesse na realidade, seria apenas um começo, um único ponto subjacente de honra entre todos os homens. As Torres não seriam mais tão necessárias mais e haveria um potencial muito maior para a discórdia e a destruição entre elas. Varzil não sabia como poderia resolver isso... Uma liga de Guardiões, uma codificação ética e de tradição... Algo deveria ser feito ou Darkover cairia na instabilidade e no caos. Nada neste mundo é certo, apenas a morte e a neve do próximo inverno, dizia o velho ditado. Acrescente a isso, Varzil pensou, a propensão dos homens em abusar e buscar por mais poder que aquele qua já possuíam. Quando todos terminaram, um realmente estava arrependido do que tinha feito. Varzil sugeriu a Loryn que ele fosse removido do trabalho e, quando a luta acabasse, o enviasse a Arilinn ou Hali para uma melhor formação. O homem aceitou a decisão com boa graça surpreendente, como se ele percebesse que esta era a sua única chance de continuar em uma Torre legítima. Serena bateu na porta. -Posso mandar Eduin caso você já esteja pronto para ele. -Que ele venha. -Disse Loryn. Eduin entrou e, com um aceno de Loryn, sentou-se na cadeira no centro da câmara. Embora suas barreiras de laran estivessem bem erguidas, Varzil sentiu as ondas de fúria ressoando em sua mente. Eu tinha eles em minhas mãos! Eu teria ganhou o dia, mas o santo Varzil interferiu! E agora ele é quem toma parte de meu julgamento. Insuportável! -Eduin, -Loryn começou em uma voz pesada, lenta -...você é acusado de ter cometido uma infração grave contra esta Torre e os princípios de decência humana. O queixo de Eduin ergueu-se... -Eu não sou o ofensor da Torre ou de tais princípios. Você sabe que isso são Rakhal Hastur e seus lobos, apesar de que isso é um insulto para os lobos. Ele gerou a atual crise e iniciou esta violência, mas eu... nós... vamos acabar com ela. Isto é, se não formos prejudicados por aqueles com suas próprias queixas e inimizades privadas para impedir que façamos o que é necessário. -Ele olhou para Varzil. Varzil piscou, assustado com a veemência de Eduin.


-Nunca tivemos uma camaradagem fácil, você e eu, se é isso que você quer dizer. Essa não é a questão aqui. Eu não sou nem o promotor nem o juiz. Suas ações só foram causadar por você. -Eduin, você reuniu um círculo, embora não tenha sido treinado como um Guardião, e contra a minha ordem direta. -Loryn disse. -O trabalho como Guardião é difícil e perigoso o suficiente, mesmo com a melhor formação. Arriscou não só a sua própria vida e mente, mas as dos homens que confiaram em você. Isto... -ele suspirou profundamente, como se o próprio ato se expressasse em aflição nele, -...não pode ser permitido. Como se isso não bastasse, você aumentou o conflito com os homens de Rakhal Hastur. Você... -Eu terminei o conflito! Eu fiz o que ninguém mais nesta Torre teve cojones para fazer. Eduin fez um gesto na direção dos portões e os campos além deles. -Quem sobrou para nos atacar agora? -Esse não é o ponto. -Disse Loryn. -Se você não vai ouvir a razão, eu não tenho escolha. Terei que o confinar sob guarda até o seu destino pode ser decidido. Eduin se levantou e apontou para Varzil. -Isso é tudo culpa sua! A raiva de Varzil aumentou. Parecia justo a Eduin que ele enfrentasse acusações mesmo no estado em que estava. -Você não vê? -Eduin gritou. -Ele está usando o incidente para promover uma vingança pessoal contra mim! Desde que éramos estudantes em Arilinn que ele não gostava de mim. Ele está acostumado a usar todas as oportunidades possíveis para tentar manchar meu caráter, para colocar outros contra mim. Carolin Hastur era meu amigo até Varzil envenenar sua mente. Manipulou até mesmo sua própria irmã contra mim! Você tem um escorpiãoformiga em seu meio, Loryn! Tome cuidado! Não abrigue ele em seu seio, ou você vai descobrir com tristeza como ele pode ser traiçoeiro! A porta se abriu e dois dos trabalhadores seniores apressaram-se. Um carregava um amortecedor telepático, o outro um frasco aberto. Varzil sentiu o cheiro e reconheceu uma das muitas destilações de kireseth. Algumas trabalhavam diminuindo as barreiras de laran, mas outras, como esta, bloqueavam temporariamente todas as habilidades psíquicas. Seu uso era raro, mas não desconhecido, por que não havia nenhuma garantia de que o laran retomaria o auto-controle. Às vezes, um adolescente no auge da doença do limiar ficava tão desorientado a ponto de representar um perigo para si mesmo e todos ao seu redor, então era utilizada essa droga. Eduin reconheceu a droga, também, e recuou. -Você não terá nenhuma necessidade de tal droga comigo. Eu não sou seu inimigo. -Você vai dar a sua palavra de honra de que você vai fazer nenhum esforço para fugir ou prejudicar ninguém nesta Torre? –Loryn perguntou. Os ombros de Eduin ergueram em orgulho. -Enquanto ficar em Hestral e Hastur nos ameaçar, vou respeitar as regras. Será que isto o satisfaz? -Eu acho que sim. -Loryn respondeu. Ele sinalizou aos outros para escoltarem Eduin de volta a seus aposentos. Varzil pensou que Eduin tinha escolhido suas palavras com muito cuidado, mas não conseguiu descobrir nenhuma falha no que ele havia dito.


-Eu não sei o que me perturbou mais, -disse Loryn -estes dias de ataque e cerco, o heroísmo equivocado de Eduin ou suas desculpas. Estou cansado, Varzil, cansado dessa tensão interminável entre a esperança para o futuro e o desespero de que, não importa o que fazemos, as coisas só pioram. Varzil procurou por palavras, mas nenhuma veio. Loryn tinha envelhecido visivelmente desde que ele tinha chegado a Hestral e ele não achava que a presente guerra era a única responsável. O Guardião carrega um fardo pesado. Ele pensou. Não só pelo trabalho que fazemos, mas pelo que nós somos. Ele se perguntou se esta não era uma responsabilidade grande demais para qualquer pessoa suportar. Mas que escolha Loryn tem? Que escolha eu tenho? Nenhum de nós pode desfazer o que nos tornamos. O pensamento veio a ele, com um pequeno tremor de premonição, que o mesmo era verdade para Eduin.


CAPÍTULO 44 Longos dias seguiram-se um após o outro sem qualquer novidade no acampamento Hastur. A chuva havia parado e a lama secado. No entanto, depois de um dia ensolarado, o céu ficou cinzento e parecia mal humorado. Todos na Torre Hestral descansavam nos primeiros dias com gratidão por cada momento de calmaria, depois com uma crescente ansiedade. Qualquer tentativa de deixar a Torre era evitada por causa dos soldades restantes. O estoque de alimentos estava cada vez mais baixo. -Eu não entendo por que eles apenas não vão para casa. -Oranna disse aflita. Varzil se juntou a ela na janela da sala dos comuns, observando o pôr do sol com canecas de vapor de água simples. Ela não gostava de água pura até mais do que não gostava raiz negra. -Nós não vamos ceder a eles e se eles não foram fortes o suficiente para nos dominr antes, eles certamente não serão também agora. Mais cedo ou mais tarde, vamos sair. Eu não entendo o que Loryn está esperando... Varzil manteve-se em silêncio. Ele tinha estado na observação durante toda a tarde e estava muito cansado para discutir. Ele e Loryn tinham estado em contato com as outras Torres em busca de uma saída para o impasse. -Isso ainda não acabou. -Ele disse. -Os Hasturs estão à espera de algo ou já teriam desistido. -Reforços de Thendara? Eles seriam tão tolos? Varzil estava certo disso. -Da próxima vez eles não nos darão chances, por isso irão enviar uma força esmagadora. Há muitos que iriam ver uma resistência bem sucedida como um sinal, uma convocação à ação. Ao mesmo tempo, Rakhal não se atreve a colocar-se em uma posição pública de incompetência, o que certamente irá acontecer se ele fizer uma demonstração de força aqui e depois falhar. Ela o olhou pensativa. -Então por que causar todo este problema? Por que não aceitar a nossa primeira resposta de que não tínhamos clingfire? O que o Rei planejava? -Ah, quem pode dizer? Foi há muitos anos quando eu o conheci e mesmo assim ele já estava tão envolvido na política da corte, era difícil dizer que tipo de pessoa ele era. Uma vez Carolin amou e confiou nele... o regou com favores. No entanto, as pessoas mudam ou talvez a própria vida as mude... E às vezes elas apenas escondem a sua verdadeira natureza. -Talvez em algum lugar lá no fundo ainda exista o homem que era digno da boa vontade de Carolin. -Disse Oranna com um sorriso breve e brilhante. Varzil se encontrou sorrindo para ela. -Você tem tanta fé nas pessoas, Carya. É parte do que faz de você uma boa monitora. Temo que, neste caso, esteja equivocada. Esperemos que, até mesmo homens como Rakhal, possam vir a ver a luz da razão. Ele se interrompeu. Isso tinha sido de fato a esperança de Loryn, que, ao recusar uma retaliação ou provocar seus sitiantes, Hestral pudesse acalmar a situação até que uma solução pacífica, algum tipo de trato, pudesse ser encontrada. Varzil foi sentar-se em uma das grandes cadeiras confortáveis ao lado da lareira, agora vazia. Seu corpo, tenso e dolorido de cansaço, afundou nas almofadas. Ele deixou sua


cabeça descansar contra o encosto alto da cadeira. Quando ele fechou os olhos seus pensamentos se dirigiram para aquele tempo, tantos anos atrás, quando ele tinha entrado na caverna dos homens-gatos, sem nenhuma ideia de como ele poderia ter sucesso, somente a determinação de fazer o que fosse necessário para libertar seu irmão. Se eu, um mero menino, poderia enfrentar os homens-gatos, que não eram nem sequer humanos, então certamente deve ser possível encontrar alguma maneira de sair deste impasse... alguma forma diferente da de Eduin. Varzil caiu no sono. Mais uma vez, ele vagou por cavernas com a luz de tochas na mão. Uma passagem abriu diante dele. Ele entrou procurando alguma coisa. Os túneis ficaram mais escuros enquanto ele carregava o brilho laranja frágil. À frente, ele viu uma luz como uma pálida sombra. Ela ficou mais forte, incolor e fresca, quando ele correu em direção a ela. Ele reconheceu-o como o Mundo Superior e ele sabia que algo, ou alguém, o chamava lá. A escuridão da caverna desapareceu. Entre um passo apressado e o próximo, ele invadiu a paisagem cinzenta do Mundo Superior que estava acima e além de qualquer dimensão física. Uma mulher estava diante dele, com os braços estendidos, usando um vestido de gaze esvoaçante soprado por um vento que ele não sentia. A radiância branca e clara, como a luz no coração da pedra do anel, brilhava em seu corpo. Seu cabelo emoldurava seu rosto em uma auréola de cachos vermelhos. Seu coração saltou quando a reconheceu... Felicia! Um sorriso iluminou suas feições e ela se moveu para ele. Ele viu que sua boca se mover, moldando o seu nome, embora nenhum som chegasse até ele. Varzil... Varzil... A voz não era de Felicia, mas de outra pessoa e não vinha de frente onde Felicia acenava, mas de trás, das passagens da caverna. Ele hesitou, sabendo que ele devia atender a essa convocação, ainda pouco disposto a se virar. Queria vê-la plena e bonita, carregá-la em seus braços, mesmo no insubstancial Mundo Superior... Varzil! No instante seguinte, ele estava de volta em sua cadeira na sala dos comuns em Hestral, e alguém estava balançando seus ombros, gritando seu nome. Ele começou a acordar. Seus olhos focados no rosto curvado sobre ele... Marius Rockraven. As bochechas do menino estavam pálidas e seus olhos pareciam machucados. Atrás dele, Varzil viu os vultos de Oranna e Serena. -Varzil! -Marius chorou. -Por favor, acorde! Nós precisamos de você! Varzil lançou para longe a fadiga e o sono de sua mente, e sentou-se. -O que aconteceu? -Eu estava nas Hellers e chegou uma mensagem de Hali. Disseram que era para Loryn e não podia esperar. Mas bati na porta chamando Loryn e ele não respondeu. Eu não queria acordá-lo porque ele estava muito cansado, mas a mensagem... –Marius engoliu em seco. – Devo tentar novamente? O que eu digo a Hali? -Está tudo bem. -Disse Varzil, ficando de pé. O breve sono tinha sido inesperadamente profundo e o pior da dor tinha desaparecido de seus músculos. -Oranna, veja como está Loryn. -Estou indo. -Ela disse e virou-se para ir.


-Eu vou falar com Hali. -Varzil dirigiu-se para as escadas que conduziam à câmara das Hellers e Marius correu atrás dele. Varzil acomodou-se no banco e descobriu que ainda estava quente. A rede de retransmissão chiava com a luz. Marius tinha ajustado para seu próprio conforto e Varzil encontrou a afinação de arestas duras. Ele desfocou os olhos, deixando seus pensamentos afundar-se no padrão e mudou-o. Mesmo quando ele fazia isso já podia sentir a mente na outra extremidade da ligação invisível. Loryn de Hestral? A voz mental não nenhum calor de proximidade, mas parecia vagamente familiar. Varzil se perguntou se não seria um dos leronyn que conheceu durante uma de suas visitas a Torre de Hali, talvez até aquele que o havia ajudado depois de sua aventura no lago cheio de nuvens. Não, ele não pode vir no momento. Varzil respondeu. Eu sou o Guardião Varzil Ridenow. Vou receber o que quer que a mensagem de vocês tenha para nós. Como está nossa Torre irmã em Hali? Varzil? Varzil de Arilinn? De repente o contato vacilou. Varzil franziu a testa, intrigado. A ligação de retransmissão permaneceu intacta, mas ele tinha perdido todo o senso da outra presença. Varzil! Ele reconheceu sua irmã, Dyannis. Sua voz mental estava mais forte do que da última vez que tinha falado com ela quando ele ainda estava em Arilinn. Sua agitação o tocou através do contato. Varzil! Por todos os deuses, o que está fazendo na Torre Hestral? Ele sorriu, embora ela não pudesse vê-lo. Irmãzinha, é bom tocar a sua mente também. Eu estive aqui a maior parte de um ano... É uma longa história e não totalmente feliz. Como ele poderia dizer a ela de suas suspeitas sobre Eduin ou as ações precipitadas de seu amante? Um frio sussurrou ao longo de seus nervos ao imaginar o que a Torre de Hali devia ter sido obrigada a fazer pelo Rei Hastur. Não importa! Ela estava quase gritando agora. Varzil, saia daí! Saia agora! Dyannis, estamos sob cerco pelo exército de Rakhal Hastur. Eu não me importo! Encontre alguma maneira... não espere... Dyannis rompeu e a primeira voz mental retornou. Varzil de Arilinn, você não tem parte nessa discussão. Infelizmente, não podemos contar com você ou qualquer outra pessoa dentro dessas paredes como neutra. Como resultado do ataque não provocado e ilegal em cima de seus soldados, Rei Rakhal Hastur declarou a Torre Hestral como renegada. Se você não se entregar imediatamente, você será destruído. As palavras tiveram o tom de um discurso memorizado e relutantemente entregue, mas Varzil não pôde detectar qualquer hesitação. No entanto, o laranzu que tinha falado estava sob forte comando, ele seria de fato realizar o que quer que tivesse sido ordenado. Eu vou entregar a sua mensagem. Disse Varzil. Mas eu não posso dizer em quanto tempo você poderá ter sua resposta. Nossa monitora está atendendo Loryn de Hestral agora mesmo enquanto falamos. Temos uma descrição sobre o quanto esperar. Nossas ordens são diretas e específicas. Varzil, se está dentro de seu poder fazê-lo ver a luz da razão, exorto-vos a fazê-lo para... para o bem de todos aqueles dentro dessas paredes. Ou, se ele não puder responder, então


você deve fazê-lo por ele. Se há alguma chance... eu vou fazer o que puder para conseguirlhe um pouco de tempo. Era tanto um aviso quanto uma concessão, e Varzil sabia disso. Eu agradeço. Varzil deixou o contato se distanciar suavemente e, lentamente, retomou a consciência de seu corpo. Marius, ao seu lado, olhava para ele com os olhos cheios de emoção. Claramente, o menino havia sido capaz de acompanhar os pensamentos dispersos para captar a essência da mensagem. -Loryn nunca vai se render. -Disse Marius. -Não, eu não acho. -Varzil respondeu, caminhando em direção à escada. -Eu duvido muito se ele seria capaz disso depois de tudo que ele fez. Mas temos de conceder-lhe a cortesia de tomar sua própria decisão. Mesmo quando chegou no degrau mais alto, Varzil sentiu um tremor enorme de energia psíquica através da Torre. A terra tremeu e resistiu como uma montagem rebelde. Ele segurou o corrimão para manter o equilíbrio. Alguém abaixo gritou. Outro impacto abalou a Torre, ou talvez fosse um eco do primeiro. Varzil sabia com certeza que Hestral agora estava sob ataque, e não por uma agregação menor de leronyn’s, tais como os que viajavam com um exército. Essa energia só poderia ser gerada por um círculo completo dentro da proteção de uma Torre, com seus poderes focados e amplificados através de uma tela de matriz. Varzil não tinha dado mais do que alguns passos, com Marius em seus calcanhares, quando outra onda de impacto fez-se sentir, seguida um instante depois por uma ensurdecedora rachadura! Loryn! Varzil chamou mentalmente. Hestral está sob ataque! A resposta silenciosa encheu sua mente. Todos os que puderem unam-se a mim! Devemos formar um círculo! Quem está por trás do ataque? Serena chorou silenciosamente. A Torre de Hali! Varzil respondeu, lançando sua voz mental para seguir por toda a Torre. Sob o comando de Rakhal. Eles tentaram nos avisar... Um estrondo terrível pode ser ouvido a partir do canto Norte da Torre, na ala dos dormitórios. Varzil com seu sentido laran em alerta, sentiu pedras mudarem de posição, paredes tremerem, lascas e vigas de madeira ruírem. A seção inteira estremecia como um animal acuado. Varzil desceu correndo os últimos degraus para atender Loryn e um punhado de trabalhadores seniores já respondiam ao apelo silencioso do Guardião de Hestral. -Não há tempo para chegar a um laboratório! -Varzil lamentou. Ele abriu a porta da sala mais próxima. Era a antiga enfermaria onde Felicia tinha recebido os primeiros cuidados. Levou apenas alguns minutos para mover bancos, macas e travesseiros em um formando um círculo áspero. Enquanto cada um acalmava sua mente e respiração, fixando-se no relacionamento do círculo, Varzil avaliava sua condição. Eles estavam todos desgastados pela vigilância implacável. Loryn estava quase esgotado, seu foco de poder irregular. Ele tinha entrado profundamente em transe de cura quando Marius tentou acordá-lo, e seu resíduo se agarrou a ele como um filme nublado. Loryn, deixe-me servir como Guardião. Disse Varzil. Estou mais forte para esta tarefa.


A recusa de Loryn foi rápida. A culpa é minha e, portanto, a responsabilidade por esta nossa situação também é minha. Se eu não tivesse sido fraco, Eduin não teria agido precipitadamente. Eu tenho que lidar com as consequências. No entanto, todos nós vamos sofrer se não pudermos nos defender. Não deveríamos então cada contribuir como somos mais capazes? Eu sou o Guardião da Torre Hestral. Este fardo é meu! Ao invés de provocar mais discórdia, Varzil resolvido entrar no círculo. Ele permitiu a Loryn integrar sua energia psíquica no todo de forma fluida. Enquanto se alimentava de energia para dentro do círculo, sua concentração se aprofundou. Havia apenas cinco deles, um pequeno círculo trabalhando apenas com suas pedras da estrela pessoais. Na parte de trás de sua consciência, ele sentiu outra presença, um calor, um brilho invisível. Eu estou com você... Soou uma voz preciosa, familiar. Mais uma vez, Varzil encontrou-se olhando para uma lente clara através da qual ele podia ver a energia tão bem como veria objetos físicos. Hestral tinha sido construída há séculos como uma fortaleza militar, forte o suficiente para resistir à agressão física mais obstinada. Ela estava sobre uma rocha sólida que não se renderia facilmente. Apenas a dez dias eles tinham usado seus poderes laran para reforçar os laços físicos entre as partículas de pedra e argamassa. O que os leronyn’s do exército Hastur haviam tentado separar, eles tinham preservado, não por qualquer oposição direta de poder, mas simplesmente por dar às pedras maior disposição para manter-se. Como antes, a visão de Varzil penetrou a substância da parede, teto, piso, madeira, pedra e argamassa. Ele viu a forma da energia de Hestral como uma segunda Torre sobrepondose sobre a física, sombria e ainda mais real. Sem esses entrelaçados poderes “invisíveis”, a Torre física cairia no nada. O ataque de Hali vinha em rajadas de fogo invisível. Cada uma tocava as bordas exteriores da forma de energia de Hestral como uma onda deixando de funcionar contra uma pedra, buscando uma fenda ou abertura. Segure... espere... espere... pulsou através do círculo Hestral como um eco do que a defesa deveria fazer. Rocha sólida... argamassa mais apertada... Como antes, as ligações entre as partículas de pedra foram reforçadas. Cada explosão sucessiva de poder dispersava e fluía inofensiva sobre as superfícies. Elas caíram deixando o físico e a forma de energia da Torre Hestral intocadas. Vamos rocha... Seja rocha... cada coisa agindo segundo a sua natureza... A exaltação varreu os membros do círculo. Com cada momento que passava as paredes mantinham mais sua solidez, as pedras mantinham-se lisas e densas, pesadas com o peso da terra ao redor. O ataque era mais intenso do que as tentativas anteriores, mas o círculo era forte e capaz de se defender. A estratégia de Loryn estava funcionando. Abaixo deles a Torre Hestral estremeceu novamente. Varzil seguiu o curso das explosões de energia a partir das paredes exteriores profundamente fincadas abaixo na terra. Em horror, ele percebeu que o primeiro ataque de Hali tinha sido um drible, uma manobra para atrair sua atenção para longe do objeto real do ataque. Os ataques não eram nas paredes de pedra e argamassa, mas sim no alicerce sobre o qual a Torre Hestral estava. As camadas subjacentes de rochas e solo esfarelam-se e cederam.


Varzil viu em sua mente o que seus olhos carnais não podiam. Na ala dormitório, as vigas maciças que apoiaram as estruturas superiores inclinadas como as fundações eram parte da estratégia e estavam levemente apoiadas em alguns pontos. O peso de pedra e madeira, derrubada e deslizando, desabou sobre o que restava da subestrutura. Como lascas de dor, ele sentiu os gritos dos que estavam presos, ondas de pânico em outros correndo para o resgate ao longo do desabamento, agitados incertos pelos corredores. Uma onda de consternação sacudiu o círculo. Não houve tentativa de escorar a Torre. A desintegração já tinha progredido muito. Mesmo se a base pudesse ter sido mantida sólida por um instante, toda a ala do dormitório estava instável. Ela rapidamente entraria em colapso sob seu próprio peso. A Torre de Hali fez uma pausa em seu ataque, mas só por um momento. Varzil, agora em sintonia com o método de seu ataque, sentiu o próximo alvo quase no mesmo momento. Hali iria sistematicamente demolir as estruturas de suporte. Varzil não sabia quanto tempo eles poderiam aguentar, ou quanto tempo a vontade de Loryn em resistir iria durar. O Guardião segurava o círculo com um punho de ferro. Ferro, recordou-se, poderia se tornar frágil se sua estrutura fosse forçada demais. O piso abaixo deles cambaleou e inclinou. Embora a explosão de Hali não tivesse sido apontada diretamente para abaixo da enfermaria, a devastação da ala dormitório tinha desestabilizado as suas estruturas de ligação, dando início a um colapso em cadeia. Loryn, não podemos ficar aqui. Ele disse silenciosamente. Naquele exato momento, veio um estrondo tão alto e percussivo, que o surpreendeu. O ar explodiu de seus pulmões, sua visão psíquica escureceu. Ele balançou com o súbito retorno aos solavancos para seu corpo físico. Com o coração batendo acelerado no peito, os músculos trêmulos, ele ficou de pé. O piso no extremo cedeu. Um berço deslizou em direção à depressão, colidindo com um tamborete caído. Varzil! O grito veio não de uma das outras leronyn’s que estava tropeçando em direção à porta, mas estava em silêncio. Felicia? A luz branca surgiu em torno dele, tomando-o, cegando-o... Seu corpo tropeçou e colocou-se contra a parede ao lado da porta. Pelo que pareceu uma imensa distância, alguém gritou: -Loryn! Ajude-o! E... -Varzil, você está machucado? A luz chamou-o como um vortex. Ele não tinha forças para combatê-la. Por um momento terrível ele encontrou-se esticado e sentindo-se mais fino do que o mais fino pergaminho, em seguida, torcida e distendido... Em torno dele, paredes de pedra estavam caídas. Ele as viu como sombras brancas contra o branco, banhadas em brilho forte. Cacos e pó pareciam nuvens de tempestades. Algo afiado e duro quebrou, jogando fora lascas que dispararam através dele. Ahhhh! O grito de dor mudou sua visão mais uma vez, tornando uma estranha dobrada que veio a ser, em parte, um mundo e parte outro... Varzil olhou para baixo, que também era em volta, para a pequena adega de pedra onde ele e Loryn tinham tão meticulosamente


desmontado o arsenal de fogo aderente. Aqui, na mesma mesa que eles tinham usado , o corpo de Felicia tinha ficado, em extase. Em vez da mesa e a forma envolta de sua amada, Varzil olhou para uma pilha de escombros. Uma parede tinha caído e as adjacentes estavam prestes a ceder. NÃO! Ele atirou-se sobre onde a mesa tinha estado, pensando apenas em jogar longe as pedras, rapidamente, enquanto ainda pudesse haver esperança. Ele não pensou no perigo para si próprio... Suas mãos passaram através da pedra como fantasmas. O teto desabou passando por ele, enchendo completamente o remanescente espaço aberto. A luz branca agarrou-o mais uma vez. Ele não estava mais na pequena adega de pedra, ou na enfermaria e ele não estava sozinho. Embora ele estivesse novamente cego, encheu-se de uma presença familiar, uma luz conhecida... Rápido! A voz mental de Felicia soou em sua mente. Devemos forçar Hali a acabar com esta loucura antes que mais alguém morra! Deuses doces... O rosto dela flutuou diante dele, muito parecido com a última vez que a tinha visto, uma visão vinda dos sonhos e da memória do coração. Um sorriso indescritivelmente doce cintilou em seus lábios. Ela estendeu uma mão pálida para ele... ...e ele estava ao seu lado no mundo superior. Seus dedos deslizaram através do seu, insubstancial como a névoa. Ele viu que, como a estranha planície cinzenta, ela tinha virado incolor. Já seus olhos, antes tão cheios de inteligência e emoção, foram desaparecendo. Ela mostrava-se com visível esforço. Um instante de clareza... Seus lábios moveram-se... Vá! Embora ela estivesse tão imóvel como antes, ela começou a recuar. Uma grande rachadura abriu entre eles os distanciando. Varzil pensou que ele apenas tinha que estender a mão e tocá-la, levá-la em seus braços mais uma vez, para provar seus lábios... Felicia deu um passo para trás e sacudiu a cabeça. Ele entendeu. Ele não era um novato inexperiente, mas laranzu e Guardião. Ele tinha sido treinado para os perigos do Mundo Superior e, mais especialmente, sobre o fracasso certo de se tentar manter contato com os mortos. Uma vez que ele cedesse a essa tentação, ele sabia, não haveria como voltar atrás. Não importa o quão longe ou quão rápido ele corresse atrás dela, a distância iria iludi-lo. O tempo que era difícil o suficiente em se manter o controle no Mundo Superior, perderia todo o sentido. Ele iria continuar e continuar na perseguição infrutífera, obrigado pelo desespero e esperança, até que seu corpo físico murchasse e morresse. E haviam aqueles que dependiam dele. Vá... Ela lhe pediu. Implorou. Embora o ato parecesse rasgar seu coração em seu peito, ele virou as costas para ela e chamou o marco do mundo espiritual da Torre de Hali.


CAPÍTULO 45 Varzil imaginou a Hali que ele tinha visto, uma torre branca delgada com o lago-nuvem em sua base. A imagem vacilou, misturando-se com a visão da mesma Torre na época distante do Cataclismo e todo o breve alerta. Forçou sua vontade e concentração na lembrança das personalidades atuais da Torre... Dougal DiAsturien... o laranzu... Dyannis... Varzil, não! Um lamento soou em sua mente, distorcido, quase irreconhecível. Ele nunca tinha trabalhado num círculo em Hali. A partir de suas visitas, ele sabia apenas um pouco do layout da Torre. Lembrou-se da sala em que ele tinha acordado, a bondade dos curandeiros que cuidaram dele. Os detalhes lhe fugiram... ele era apenas um menino na época e tinha acabado de sofrer um choque tremendo. Isso foi a anos atrás. Disse a si mesmo. Eles não vão se lembrar de mim. No entanto, ele lembrou da pedra translúcida azul da Torre de Hali, usada não como acentos, mas em enormes blocos opulentos, símbolos de uma época em que a vontade e o prazer dos senhores Comyn eram a única consideração. Mais uma vez, ele olhou para baixo em cima de uma sala circular, generosa em proporção, e a enorme matriz artificial em seu centro. Um círculo se reunia aqui, com os olhos fechados em concentração, chefes de cabelos cor de chama e de cobre uniam-se com mãos ligadas. A energia, visível como uma fulgor azul-branco, banhava seus rostos. Em memória, ou talvez em ressonância simpática, ele sentiu uma onda de resposta ao longo de seus próprios canais de laran. Sua visão mental saltou em foco e ele ficou de pé, não como um observador passivo olhando para baixo sobre o quarto, mas em seu próprio centro. A luz branca facetada da matriz rodeava o ambiente. De alguma forma, Felicia o tinha unido com o dispositivo, e ele tinha descido ali. Os membros permaneceram de cabeça baixa com a disciplina do círculo reforçada. Eu sou Varzil de Arilinn, convidado e camarada leronyn na Torre Hestral. Eu falo por eles, por todos nós. Peço-vos, de mente para mente, onde não pode haver segredos e nenhuma traição, para que parem o seu ataque. As Torres não precisam declarar guerra umas às outras. Temos de pôr fim a esta loucura antes que ela nos destrua e a tudo o que construimos! O Guardião, Dougal DiAsturian, um homem corpulento, cujo cabelo e barba estavam mais pratas do que vermelhos, respondeu, sem alterar nem um mínimo sua expressão. Vocês já se renderam? É muito tarde. O Rei Rakhal deu a ordem de que devemos continuar o nosso ataque até Hestral está arrasada. Eu não vim para uma rendição. Varzil respondeu. Isso não resolveria nada. Há apenas uma geração, as Torres lutaram entre si pelos caprichos de reis. Você esqueceu Neskaya e Tramontana? Sim, vocês em Hali podem prevalecer contra Hestral, uma pequena e insignificante Torre. Mas o que você ganharia? Uma demonstração de força bruta? É para isso que os deuses concederam nossos dons? Para que possamos executar as ordens dos tiranos como Rakhal, o Usurpador? Cuidado com suas palavras, para que elas não indiciem você mesmo. Eu acho que você, também, não é um partidário aqui. Varzil queria revidar, mas conteve-se. Seu objetivo não era resolver o problema de quem era o legítimo Rei Hastur, mas algo muito mais importante. Lançou a raiva e a indignação


justa para longe. Parecia que ele estava mais uma vez em um cone de luz, que iluminou e purificou todo pensamento. Não importa quem governa este Reino ou qualquer outro, já que parece ser da natureza humana brigar por terra e poder. Ele disse. Eu digo, até que os homens aprendam a resolver suas diferenças com palavras em vez de espadas, que eles usem as suas espadas. Não vamos transformar nossos próprios poderes, que pode criar maravilhas e que nos ligam em uma intimidade de espírito que os homens normais nunca poderão conhecer, em armas. Não vamos abusar destes presentes para que não se tornem uma maldição. Um sentimento agradável, Varzil de Arilinn, e dito por alguém cuja única arma é eloqüência! O Guardião de Hali pensava que Varzil falava por fraqueza, com tudo a perder, desesperado, cujo único era a persuasão. Não havia nenhum ponto mais a discutir, pois qualquer coisa que ele dissesse agora só viria a reforçar esta crença. Este é um jogo de criança de contos-e-erros. Varzil respondeu calmamente. Mesmo que você nos exploda e transforme Hestral em nada, você não pode nos vencer. Você será sempre um peão nas mãos de Rakhal e homens desse tipo, um brinquedo perigoso e poderoso. Em sua mente, ele formou a imagem de dois meninos, mal passados da adolescência, espancando um ao outro à distância com espadas de madeira. Varzil, como qualquer outro jovem Comyn, tinha passado horas em um campo como este. Sua falta de aptidão lhe valera mais do que sua cota suportável de contusões. Agora ele se moldava essas memórias preenchendo os detalhes sensoriais... o cheiro do pó, o suor escorrendo pela lateral do pescoço, o peso e equilíbrio estranho da espada de madeira quando ele apertava seu cabo entre suas mãos. Assim como ele tinha projetado seus pensamentos nos homens-gatos, talento de seu laran que ele aperfeiçoou nos seus anos em Arilinn, agora ele enviou a imagem mental no próprio coração do círculo Hali. Uma espada segurada por um menino atravessando o ombro e o fazendo cambalear. O som de um osso quebrando reverberou através do círculo. De alguma forma, o menino conseguiu segurar a sua própria espada com a mão livre. Ele gritou e continuou carregando e balançando ela. O outro garoto, visivelmente surpreso pela intensidade do contra-ataque, caiu para trás. Ele levantou sua espada para afastar os golpes. Madeira atingiu madeira, com impacto dissonante de ossos. Os cheiros misturados de adrenalina e poeira pairavam no ar. Por um tempo, o primeiro menino prevaleceu, levado pelo impulso de sua própria fúria, rapidamente demonstrada e gasta. Ele recuou, cambaleante, mas não antes de acertar o outro em uma bochecha. O golpe levantou um vergão sangrento. Indo para frente e para trás, cada um deles pressionando a vantagem uma vez, cada um defendendo-se com o aumento de desespero até que os papéis mudaram mais uma vez. Em pouco tempo, eles estavam repletos de suor e contusões, as camisas rasgadas, suas espadas de madeira desgastadas. As pausas entre ataque e contra-ataque aumentaram. Cada vez que um ou o outro era derrubado, levantava-se mais lentamente. Sua respiração estava rápida e severa. Finalmente, um menino, aquele cujo clavícula foi quebrada primeiro, caiu de joelhos e ficou lá. Seu adversário se inclinou, apoiando-se sobre os joelhos dobrados. Não disfarçando a luz de triunfo malicioso em seus olhos.


Qual é o significado disso? Rugiu Dougal. Você acha que pode nos assustar com um conto de brigas infantis, ou assim nos impressionar com seus próprias talentos laran e então vamos ceder a suas demandas? Varzil empertigou-se, e parecia que a luz envolta dele o sustentou. Ele sentiu a presença de Felicia, sua confiança nele e no que ele tinha de fazer. Você nunca ouviu falar do velho ditado: Está errado acorrentar um dragão para assar sua carne? Perguntou ele. O menino caído levantou a cabeça e gritou um comando: Dragão, vem! O céu escureceu e uma sombra desceu, a sua forma imensa e distorcida. Nenhum homem vivo já tinha visto um dragão, e ninguém tinha certeza se nunca tinha existido em Darkover, salvo em folclore e provérbios. O que Varzil que pretendia evocar era a grandiosidade da lenda, o seu poder desumano e cru. A criatura bloqueou o sol vermelho-sangue. Asas, acobreadas e fortes, mas borradas com movimento, agitou a poeira. Ainda de pé, o outro garoto gritou de terror, e em seguida, emitiu seu próprio comando. Antes das garras poderem rasgar sua carne, uma segunda forma, igualmente hedionda, apareceu. Os gritos de guerra dos dragões estremeceram o ar, retumbantes como um trovão. Gotas de chama, mais quente do que qualquer incêndio nas Hellers, varreu o campo de prática. Uma explosão pegou um menino em cheio no peito e deixou apenas uma casca carbonizada. O grito de alegria do outro foi cortado quando uma cauda farpada tão espessa como a cintura de um homem passou através dele. Dois corpos gigantescos, lutarando um com o outro, se chocaram contra a terra onde o menino tinha caído. O campo tornou-se uma mancha de lama encharcada de sangue, de cinzas e lascas de ossos. Garras deslizavam sobre as rochas e cavavam profundamente. Gás e vapos estouravam a partir das fissuras, asas esfarrapadas batiam no ar. Os dragões ergueram-se ao céu. A fumaça preta grossa dos corpos entrelaçados dos meninos, o sangue amareloácido cheirando a fumaça sulfurosa... tudo estava pulverizado em todas as direções. Os dragões gritavam estridentemente em uma fúria irracional. O barulho aumentou e, em seguida, sumiu de repente. No silêncio metálico, uma única forma de fumaça e cinzas despencou para baixo, com um choque de impacto estilhaçando a terra. Um miasma de poeira, vapores e enxofre amarelo espalhou-se para ligas em toda a terra queimando e rachando o solo. Quem é o garoto e quem é o dragão no chão? Varzil questionou. Este... a voz mental do Guardião vacilou pela primeira vez. ...Este é um conto para assustar crianças desobedientes, uma tentativa de intimidação, nada mais. Nada real. UM CONTO? Nada real? Então eu vou te mostrar o que é real e o que é um pesadelo! Com um poder que ele não sabia que possuía, Varzil estendeu a mão para a outra Hali, aquela do passado distante. Imaginou-o trazendo à tona as memórias que ele tinha tentado enterrar para sempre. Dois círculos agora nesse mesmo quarto, mas só o círculo do presente estava ciente do outro. O círculo do passado estava totalmente absorvido em sua própria luta desesperada. Fora dos muros fantasmas, o céu estalou em trovões, os mesmos da visão de Varzil. Os céus ficaram brancos. Uma torrente de escuridão vinda para baixo do Norte, da Torre em Aldaran. Na cidade de Halipálido fantasmas pálidos de pessoas encheram as ruas. Seu


terror ergueu-se como ondas de fumaça, misturando-se com os vapores do lago e os ardentes edifícios de madeira. Um trovão construído sobrenaturalmente tremeu até as a terra e as pedras. O que? O que está acontecendo? Veio a pergunta do círculo presente. Que truque de ilusão é esse? Quem se atreveria a atacar a Torre de Hali? Eu apenas lhe mostro o que vi com meus próprios olhos. Varzil esclareceu. O que já aconteceu. O que pode acontecer novamente. Como antes, a tempestade do Norte estendeu a mão para a terra. Uma luz explodiu sobre a Torre como um relâmpago vindo do próprio Zandru e depois, lentamente, desapareceu. Um enorme poder emergiu do círculo do passado. Surgiu vapor a partir da superfície do lago. A própria substância da água mudou à medida que mais e mais poder era derramado nele, de cima e de baixo, onde o círculo de Hali convocava seu contra-ataque. As moléculas se romperam quando choque após choque de energia foi atirado através do lago. O Cataclismo! Dougal chorou silenciosamente. Cada um deles pensou que tinha uma arma tão terrível que nada poderia ficar contra ele. Disse Varzil. Eles começaram como você, por lealdade e obediência... e orgulho. Ele fez uma pausa, para deixar que suas palavras ecoasse junto com o poder da visão que agora enchia a mente de cada pessoa no círculo de Hali. Ninguém com um pingo de laran poderia escapar ao impacto de tais imagens, o terror da cidade em chamas, o rasgar das forças físicos elementares... No espaço entre um batimento cardíaco e o próximo, Varzil teve um vislumbre do que deveria fazer em seguida. Forças tão poderosas assim, uma vez desencadeadas, não poderiam ser facilmente contidas. Tempestade e ondas não eram nada em comparação com as energias por trás delas. As colunas caídas no fundo do lago... até agora... pulsam com tamanha força. Ele levou toda a sua concentração de volta ao presente. O trovão recuou deixando um silêncio angustiante. As formas fantasmagóricas da segunda Torre e seus habitantes se desvaneceu como a névoa ao amanhecer. O presente círculo, junto com os contornos da sua câmara de trabalho e a estrutura da matriz, que pareciam sólidas para ele, vacilaram, pareceram finas como fumaça. No entanto, para essas pessoas, o próprio Varzil parecia um fantasma, uma aparição. O contato com suas mentes unidas estava diminuindo. Viu-se através de seus olhos, uma figura delineada com brilho. O círculo foi quebrado. Dougal DiAsturian levantou a cabeça mostrando seus olhos claros. Vá em paz, Varzil Ridenow, pois nunca mais em Hali vamos atender a qualquer outra convocação de batalha com uma Torre. Você tem meu juramento como Guardião sobre isso. Caminhe com os deuses. Pensou Varzil e, em seguida, um vórtice de escuridão o tomou. Varzil acordou com o som distante da voz de uma mulher. Seu corpo doía em todos os músculos das articulações e seus olhos pareciam lacrados com gomas. Ele estendeu a mão para limpá-los e descobriu que sua cabeça estava envolta em ataduras. O esforço de lutar para sentar-se direito o deixou ofegante, o coração vibrava em seu peito. Mãos suaves o empurraram de volta contra o seu travesseiro.


-Varzil ainda é muito cedo para isso. -Disse a voz que reconheceu como de Oranna. -Deixe essas bandagens em paz se você quer usar seus olhos de novo. -O que aconteceu? Estou confuso... O ataque de Hali... O que aconteceu? Diga-me! -Ele questionou. Felicia... Mas não havia aquel toque de doçura em resposta na sua mente. -Loryn irá lhe contar todos os detalhes ele mesmo. Ele deu ordens expressas para ser informado no momento em que acordasse. -Oranna estalou a língua de maneira muito parecida com Lunilla. Varzil sentiu uma onda de calor contra sua pele e a voz de Oranna pareceu muito perto de seu ouvido. -Ficamos com medo de ter perdido você... que você tivesse se sacrificado para nos salvar. Loryn nos disse que foi ele estava com os efeitos do excesso de trabalho altos demais para parar o ataque de Hali. Só Aldones sabe como você conseguiu isso, mas nós... Eu... enfim, lhe somos gratos. Então ela se foi e, poucos minutos depois, Varzil ouviu passos, rápidos, mas irregulares e marcados pela batida de uma bengala. Um som de madeira raspando sobre chão de pedra, como um banquinho sento arrastado, dirigiu-se à sua cabeceira. Varzil, meu amigo! Me traz tanta alegria vê-lo acordado, mesmo você estando mais machucado do que sua pele intacta demonstra. -Loryn! Diga-me o que aconteceu! -Você é que deveria me dizer isso. As coisas aconteceram muito rapidamente depois que o solo sob a enfermaria começou a entrar em colapso. -Loryn parecia cansado, sua voz à beira de rouquidão. Não demorou muito para que tivesse que contar a cada um deles separadamente e ouvir suas histórias, embora Varzil tivesse deixado de fora os momentos com Felicia no Mundo Superior. Se Loryn sentiu a omissão, ele se absteve de qualquer comentário. Algumas coisas eram muito privadas para serem compartilhadas, mesmo na intimidade de uma Torre. Os períodos de descarga que Hali tinha usado nas fundações de Hestral tinham parado imediatamente e alguns dos danos tinham sido revertidos. Mesmo assim, grande parte não podia ser desfeita. A ala dormitório inteira tornou-se perigosamente instável e teria que ser demolida e reconstruída em um local diferente. Outras estruturas poderiam ser reforçadas com tempo e a utilização da tecnologia de matriz. Por outro lado, a perda humana não podia ser tão facilmente substituída. Cinco pessoas estavam mortas ou desaparecidas. O corpo de Eduin não tinha sido encontrado. Ele tinha sido confinado a seus aposentos na ala dos dormitórios, mas seu quarto tinha sofrido apenas pequenos danos. Na confusão do ataque não era impossível que ele pudesse ter escapado, ao invés de enfrentar as acusações contra ele. -Se Eduin ainda vive, eu duvido que qualquer um de nós vá ouvir algo sobre ele novamente. -Disse Loryn. -Ele pode ter nos enganado em outras questões, mas nunca houve qualquer dúvida sobre seu instinto de sobrevivência. Temo que você esteja certo sobre ele. Sua traição é minha responsabilidade como Guardião. Eu era muito tolerante, muito confiante. -Não se julgue severamente. -Varzil respondeu. -É parte de sua moral ver o bem em outros homens. Se Eduin te enganou, ele também enganou a todos nós. Tudo o que ele fez


foi por sua própria vontade e escolha, não porque qualquer um de nós não conseguiu detêlo. A voz de Loryn vacilou quando ele falou de seus esforços para escavar a pequena adega. -Nós tentamos.... Varzil, nós tentamos. –As pontas dos dedos, secas e trêmulas, alisaram as costas do pulso de Varzil. Varzil abriu a boca para responder e descobriu que não conseguia respirar. Ele afastou a mão, apertando-a no outro, e tocou a borda facetada da jóia do anel. Ela estava quente. Muito tempo depois Loryn tinha o deixado e a quietude da noite caiu sobre o quarto. Ele estava em sua cama com uma mão alisando o anel. Quando ele adormeceu, uma névoa branca delicada embaçava sua visão interior, como os raios de uma estrela impecável contra um céu aveludado. Seu ouvido doía sem ouvir quaisquer palavras. Era natural se lamentar, ele disse a si mesmo, para homenagear seus entes queridos em sua passagem. Lembrou-se das palavras de Felicia Não são os dias de lírios que moldam nossas almas, mas sim as congeladas noites de inverno, quando nos encontramos na entrada da Forja de Zandru e descobrimos quem realmente somos. Como uma panela de barro colocada em um incêndio, como uma árvore que resistira à morte muitas vezes, ele não havia saído incólume desta vez. Tudo isso o havia mudado, para o bem ou para o mal, e definira quem ele era. Definira o que ele fez junto com ela, o que ele fez de sua vida, que ele era até agora, e quem ele seria dali em diante.


______ ______ LIVRO IV

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CAPÍTULO 46 Levantando os olhos, Carolin procurou o amanhecer no céu enevoado com a promessa de chuva. O alto verão tinha chegado nas Colinas Kilghard, embora a geada ainda enfeitasse o chão na parte da manhã. Carolin, andando nos campos em reunião com seus capitães, sentil um alívio sutil em seu coração como se, com a mudança das estações, alguma mudança profunda e fundamental houvesse começado. Com seu laran ele sentiu a emoção crescente nos homens que marchavam sob sua bandeira, sua paixão e lealdade, o padrão de suas histórias individuais inumeráveis. A Inteligência vinda de Hali informou que Rakhal estava concentrando forças com Lyondri Hastur. Se ele se movesse como o esperado, Carolin iria finalmente encontrá-lo, perto de Neskaya aqui nestas montanhas. Esta manhã, Orain o acompanhou para reunir-se com as representantes da Irmandade da Espada, muitas das quais haviam se comprometido com sua causa. Ele esperava ver Jandria, que tinha deixado a corte de Rakhal para furar a orelha e vestir o colete vermelho de uma espadachim, e ele não se desapontou. Ela esperava por ele ao lado de uma de suas irmãs. O coração de Carolin bateu com alegria quando reconheceu a jovem que tinha viajado com ele para Nevarsin sob o nome de Rumai. Eles se separaram pouco tempo depois e ele não esperava vê-la aqui. Ela tinha claramente crescido. Era visível sua beleza com a túnica e calças, e até mesmo suas botas, com o tamanho certo para ela e não aqueles trajes desgastados de algum menino. Ela manteve os olhos baixos. Ou ela não tinha reconhecido seu velho amigo, Dom Carlo de Lago Azul, ou era tímida demais para dizer qualquer coisa. Ela segurava as rédeas do mais magnífico cavalo que Carolin já tinha visto. O garanhão tinha claramente a mesma criação nobre, tal como a sua velha Longlegs, e ela tinha sido uma montaria maravilhosa. Esse garanhão era mais alto e mais corpulento, com olhos inteligentes e um pelo brilhante. Ele esfregou o ombro da menina, como se fossem velhos amigos. -Senhor concede-nos uma grande honra. -Jandria curvou-se educadamente para Carolin, e passou a apresentar o cavalo como um presente da Irmandade, treinado por sua melhor amazona, Romilly. Romilly? Ah então esse é seu nome real. Romilly corou, mantendo os olhos fixos em cima do nariz elegante do cavalo. -O nome dele é Estrela-Sol, Majestade, foi treinado para todos os ritmos e andaduras. Ele o levará por amor, pois ele jamais experimentou o chicote ou a espora. Sim... isso é extamente como Rumai... como Romilly treinaria um cavalo. -Se recebeu seu treinamento, ama Romily, tenho certeza de que está muito bem preparado. –Quando ele disse isso, ela ergueu a cabeça. Seus olhos se arregalaram em reconhecimento e ele sorriu tçao gentilmente quanto podia. –Desculpe ter levado uma vantagem sobre você, ama MacAran. Sabia quem você era a muito tempo... Eu agradeço à você e à Irmandade por este magnífico presente e pela lealdade a mim. Pode estar certa de que as duas coisas são muito preciosas para mim. Ele balançou-se sobre o dorso do cavalo e o cavalo afastou-se voluntariamente, com não mais do que um empurrão de seus joelhos. Romilly deve tê-lo treinado com seu laran , bem


como freio e sela, pois o animal pareceu sentir o que ele queria, sem qualquer necessidade de orientação. Em um cavalo tão alto Carolin facilmente se elevava acima dos homens a pé ou em algumas montarias. Olhos seguiram-no por todo o acampamento. Eles queriam vê-lo e saber que ele estava ali com eles, não trancado longe atrás de algumas paredes de pedra. Mais tarde naquele dia Carolin teve a chance de se reunir com o leronyn que tinha deixado a sua Torre para se juntar a ele. A seu pedido, eles se apresentaram na tenda central, decorada com a bandeira da árvore de abeto de prata e azul do Hasturs. Ranald Ridenow já havia atuado como um de seus oficiais. Mais dois tinham acabado de chegar da Torre Tramontana, Ruyven MacAran que era irmão de Romily... e Maura. Ruyven era claramente um MacAran. Ele e Romilly tinham as mesmas características inconfundíveis. Em sua escura veste sem adornos, ele parecia tão sombrio e ascético como um monge. Maura se curvou para Carolin com o grau exato de reverência de uma leronis com habilidade inquestionável para com seu senhor e rei. Ela usava um vestido de verde-cinza perolado e seu cabelo, tão brilhante como uma chama, estava trançado e enrolado baixo em seu pescoço. Recuperando seu discurso, Carolin agradeceu a ambos. Eles se sentaram juntos, recusando a oferta de vinho e discutiram sobre o vôo dos pássaros-sentinela. O conhecimento da localização exata e o poder das forças de Rakhal poderia fazer uma diferença crucial quando eles realmente entrassem em confronto. Prevenido, Carolin poderia escolher seu campo de batalha, usando a própria terra como sua aliada. Talvez, se os deuses permitissem, haveria menos vidas perdidas. Ruyven deve ter pego o pensamento de Carolin, pois ele disse: -Se nós pudermos ir sobre eles de surpresa, ou forçá-los a seguir onde preferirmos, os nossos números menores podem prevalecer. -Que Evanda nos conceda a bênção de que eles não tenham pássaros-sentinela para nos espionar em troca. -Disse Maura. Carolin disse: -Não recebemos relatórios de quaisquer outros pássaros dessa espécie daqui até as distantes Hellers. -Isso é bom. -Ruyven respondeu. -Com sua licença, vai dom, Ranald e eu trabalharemos para que possas ver por si mesmo como a terra se encontra. Carolin assentiu. As tropas eram dele para liderar, com a vitória ou a morte sobre a sua cabeça. Sua formação em Arilinn fazia tal ligação possível. -Romilly vai voar esse pássaro... -Maura acrescentou -e eu do outro. Carolin sorriu. -Então o meu pássaro vai voar verdadeiramente, pois eu nunca vi ninguém, homem ou empregada doméstica, com um toque mais seguro. Ruyven se levantou e, curvando-se mais profundamente desta vez, despediu-se. -Se vamos voar os pássaros amanhã, temos de estar bem descansados. Maura sentou-se calmamente quando a aba da entrada se fechou. Lá fora, os guardas se moviam em vigilância. A escuridão já tinha caído, mas a lua da lanterna enchia a tenda com luz-de-mel macio.


Carolin não conseguia pensar no que dizer. Em um instante, ele tinha ido de rei e general, o líder dos exércitos, protetor de seu reino, a um homem desprovido até mesmo do discurso mais simples. Como se capturasse sua confusão, ela baixou os olhos. -Eu não sei o que você deve pensar de mim... ter virado as costas para Rakhal desta forma. -Por que você está aqui, Maura? -As palavras escorregaram de sua boca. -Se você sentiu que não poderia tomar partido na guerra, certamente você poderia ter sido dispensada de seus deveres e voltado para casa e sua família. Você não precisa ter vindo de tão longe neste caminho e colocado-se em tamanho risco. -Eu jurei não lutar contra Rakhal. –Uma chama ardente brilhou atrás de seus olhos. -Foi a condição da minha libertação de seu serviço, e devo honrar essa promessa. Eu não poderia ter feito de outra forma, pois ele teria me forçado a lutar contra você. Agora que eu vi o que ele realmente é, ou o que ele fez de si mesmo, não pude permanecer distante. Aconteça o que acontecer agora é resultado do que Rakhal trouxe para si... ele e Lyondri! Ela fez uma pausa, o peito arfando, então acalmou-se. -Eu vim porque minha consciência não me daria descanso se não o fizesse. Você deve recuperar o trono, e não simplesmente para seu próprio bem, mas para o bem de todas estas terras. Não é só a mim que ela oferece tanta devoção, mas a todo o nosso povo. Ele lembrou a si mesmo, com o seu coração se enchendo de alegria. -Vai leronis, agradeço-lhe por sua lealdade, mas eu não gostaria que você se expusesse aos perigos do campo de batalha... -E eu não deixaria você sob qualquer risco maior do que o necessário, não enquanto eu tiver o poder para ajudá-lo! -Ela respondeu. -Você está me mandando embora para a minha segurança, com o possível custo da vitória, simplesmente porque eu sou uma mulher? Você daria essa ordem para Jandria, que empunha uma espada com tanta habilidade quanto qualquer um de seus homens? Ou para Romilly, cuja ligação com os pássaros-sentinela pode ser o fator decisivo na sua vitória? -Jandria escolheu o caminho da espada. -Ele protestou. -Ela sabe os riscos... -E eu não? Carlo, a escolha não é entre segurança e morte. É se nós lutamos contra o mal de nosso tempo ou não fazermos nada enquanto ele engole tudo o que nos é caro. Não há segurança certa para qualquer um de nós, nem mesmo nas Torres. Montado no garanhão preto Estrela-Sol, Carolin ficou perto da cabeça do exército, junto com Maura e Orain. Ele via grandes extensões abertas de terra deserta. De vez em quando, uma fazenda vazia, seus poços quebrados, suas casas e edifícios periféricos queimados ou caídos com o tempo eram vistos. Seu coração doía ao ver a decadência. Quando Maura comentou em seu humor sombrio, Carolin disse: -Eu me lembro como este país era verde e fértil. Agora é pouco melhor do que um deserto. -A guerra? -Perguntou ela, franzindo a testa. -Sim, mas não esta. São do tempo de meu pai, eu acho. As pessoas não viveram nestas partes por alguns anos. No rescaldo do conflito, há sempre bandidos, homens destituídos


de suas casas pela guerra e suas consciências pelos horrores por que passaram. Eles devastaram tudo através dessa área, tomaram ou destruiram o que foi deixado. -Não perca a esperança. -Disse Maura. -Veja como a terra se renova. Com um pouco de cuidado ela vai voltar a ser verde e rica. Como os homens no exílio, ela aguarda o seu retorno. Ele olhou para longe. -Nós nos conhecemos muito bem para tais lisonjas. Sou apenas um homem, não um deus. -Como você acha que os deuses fazem o seu trabalho, se não através de bons e decentes homens? -Ela perguntou. Carolin lembrou do momento da viagem a Nevarsin, quando ele tinha acabado de receber a notícia de que ele era o rei e uma figura luminosa pôs suas mãos em torno dele e aceitou o juramento de seu coração. Se era alguma visão nascida de seus sonhos de infância, do fead rhu e das coisas sagradas em Hali, ou talvez mesmo um sussurro do próprio Aldones, não importava. Como Rei, ele havia jurado. Como Rei, ele iria viver ou morrer por essa promessa. Eles cavalgaram ao longo de um curso d’água, um riacho estreito que ia até uma cascata com pequenas rochas empilhadas, e então fluía suave e amplamente através de um prado fértil com pequenas flores azuis e douradas. A luz do dia desapareceu no leste, lançando um brilho perolado de um horizonte a outro, um beijo silenciado do céu para a terra perfumada. Antes da noite acabar, três das quatro luas iriam dançar juntas no céu, duas delas perto da fase cheia. -Eu posso imaginar um chieri que desce das florestas para dançar aqui em uma noite como esta. -Maura arqueou as costas na sela e suspirou. -Que pena que não podemos ter Festival do Solstício de Verão. Não, aqui não, não enquanto este assunto horrível ainda estiver diante de nós. Carolin endireitou-se na sela. -Se for a vontade dos deuses, vamos comemorar juntos em Hali. -Evanda permita que seja assim. -Disse Maura séria. -Anseio voltar para casa. -Para Hali, então, e não para Tramontana? -Perguntou Carolin, mantendo sua voz calma com esforço. -Hali tem sido sempre a minha casa e as pessoas de lá são caras para mim. -Será que nenhum dos jovens além das montanhas, -brincou, fazendo um trocadilho com o nome de Tramontana -relaxou sua determinação de permanecer solteira? Ela riu, um som tenso que rasgou o seu coração. -No dia em que você me pedir, Carolin, não vou enviar lhe decepcionar. Por um longo momento, ele mal podia acreditar no que ouvira. Abaixo dele, Estrela-Sol moveu-se e dançou com a onda de emoção. De alguma forma, ele recuperou sua voz. -Se o Conselho vai nos permitir casar eu fico feliz em saber que assim será. Ele cutucou o garanhão com o joelho e a rédea, guiando o cavalo para perto de Maura de forma que ele poderia inclinar-se e alisar seu rosto com os lábios. Sua pele era suave e cheirava a sol e ervas aromáticas que ela usou em seu cabelo. Em voz baixa que apenas ela pudesse ouvir, ele disse: -Se eu não disse nada sobre meus desejos é porque eu temia que você ainda estivesse triste por causa de Rakhal, que o seu coração não fosse livre. -Ele pensou que poderia vir a mim sobre os corpos de meus parentes... de você, Carlo... e que eu iria cair a seus pés em gratidão quando ele se oferecesse para me fazer sua rainha. -


Ela respondeu com o espírito tranquilo. -Eu senti vergonha de ter uma vez acreditado nele, mesmo suas ações mostrando a sua verdadeira natureza. Eu percebi então o que eu... eu sentia... Ela gaguejou, em seguida, aprumou-se. -Eu não vou ouvir muito que me afastei Rakhal quando vi que a guerra terminaria mal para ele e escolhi você em vez disso, porque eu desejava tanto a coroa que eu tomaria como marido qualquer homem que pudesse dá-la para mim. A voz de Maura vacilou nas últimas palavras. Ela mecheu-se na sela e, naquele momento, ela parecia ao mesmo tempo corajosa e abandonada. Carolin se lembrou que ela não era frágil, uma senhora indefesa, mas uma leronis treinada e comynara em seu próprio direito. Ela tinha mantido seu compromisso virginal com a Visão contra todos as tentativas de Rakhal, e depois havia ultrajado seu Guardião e a formidável Lady Liriel Hastur treinando seu próprio falcão verrin. No campo, ela tinha se alimentado e cuidado dos pássarossentinela com suas próprias mãos, tinha montado e vivido com os homens sem uma pitada de escândalo. Por que ela deveria se importar com o que as pessoas pensariam? Você não iria acreditar em mim... que eu queria apenas você e não a coroa que você me oferecia. Movido por um impulso sem palavras, Carolin freou Estrela-Sol perto do cavalo de Maura e estendeu a mão para ela. Ela entrou em seus braços como se tivesse sempre pertencido a ele. Levantou-a em sua própria sela e uma profunda alegria passou através dele. Ele tinha abandonado toda a esperança neste sonho de amor, pensou sempre que ela nunca tinha olhado para ele, tinha imaginado ser impossível um amor assim desde a noite que ele percebeu que não conseguia sentir nada além de respeito por sua esposa legítima. Ele sempre amou Maura, mas o amor tinha crescido a partir de um carinho de infância até este momento transcendente intenso. -Lamento a brincadeira sobre Tramontana. -Ele murmurou nas tranças sedossas de seu cabelo. -Eu deveria ter percebido... Eu não tinha certeza do que você sentia... como falar... Ela se moveu mais profundamente em seu abraço e sua mente tocava levemente a dele. Todas as dúvidas cairam por terra. Seu coração parecia preencher todo o seu corpo. Ele fechou os olhos, incapaz de falar. Estrela-Sol empinou, sacudindo a cabeça fazendo os anéis de freio tilintarem. Carolin o acalmou com um toque suave nas rédeas. -Nestes tempos de incerteza, temos de aproveitar o toda a felicidade que pudermos, disse Maura –é um tesouro precioso cada momento que temos juntos. Você está certo, no entanto, sobre a Visão. Nós ainda estamos em guerra com Rakhal e não podemos nos dar ao luxo de descartar qualquer recurso. Não importa o que o nosso coração anseia, temos de agir racionalmente. Naquele momento, não havia maior presente que ela poderia tê-lo oferecido. Ela entendia as exigências de sua posição, do juramento que prestara, assim também como ela, estava ligado com o que ela sabia ser certo. -Eu não vou vê-la como nada menos do que minha rainha. -Ele sussurrou. -Não diga isso, meu amado. Nenhum de nós sabe o que o futuro nos reserva. O que temos hoje, -ela sorriu com seus olhos -deve ser suficiente.


Dez dias mais tarde na estrada, o tempo se tornou cinza e chuvoso, com pequenas gotículas até grandes rajadas de chuva cortando através das planícies. Mesmo quando as nuvens diminuíram, o vento manteve-se forte. Mantos e tendas encharcaram-se. Temperamentos de cada homem e mulher desgastou-se. Os cavalos arrastavam-se pela lama remexida e, de vez em quando, um deles ficava atolado. Cada hora que passava trazia a batalha para mais perto. O dia sentia-se fechado, como se, pensou Carolin, eles estivessem marchando cegamente. Ele enviou uma mensagem por um pássaro-sentinela. Devia voar baixo o suficiente para espiar através das névoas, mesmo não sendo de sua natureza, pois ele precisava saber onde os exércitos de Rakhal estavam. Romilly, montando distante com Ranald e Maura, orientou o pássaro-sentinela, o que ela chamava de Diligência, a leste, até onde eles tinham visto pela última vez as forças inimigas. Em harmonia, Carolin voou alto durante os intervalos, subindo nas asas fortes. A chuva inclinava-se à nordeste. O voo transformou-se num lento esforço taciturno, cada batida de asa forçada contra a vontade obstinada do pássaro em voar para casa e aconchegar-se na mízera umidade sobre a sua vareta. Através de uma abertura nas nuvens, Carolin examinou o deserta terra. Baixo no horizonte, uma fumaça subia a partir de um acampamento de homens. Através dos olhos da ave, viu os arredores do acampamento inimigo... Homens e cavalos, tendas e carroças de suprimentos. Um vagão em particular atraiu seu interesse, embora o pássaro instintivamente se esquivasse. Sentiu através de seu laran, algo preto e acre que pairava sobre ele como um miasma. Carolin reconheceu a mancha energética. Fogo aderente! Zandru o amaldiçoe mil vezes! Rakhal trouxe fogo aderente para o campo de batalha! Mais perto... Ele ouviu Romilly instar o pássaro-sentinela. ...Mais perto ... Tarde demais, a atenção do pássaro vacilou e uma seta acelerou em direção a ela. Como se um fio vermelho-quente de repente queimasse seu peito, Diligência desviou, asas batendo, gritando de dor, lutando para ficar no alto, para ficar em harmonia... Caindo como uma pedra. . . A chuva cinza e as colinas verdes desaparecendo... Carolin caiu na sela, sua respiração presa no peito. Ele lutou para se orientar de novo, para separar-se da tontura e da dor. Ligado através de Romilly com o pássaro, ele sentiu a morte da criatura como se fosse a sua própria. A raiva de Romilly, rápida como um falcão em queda livre, varreu através dele. Ele ouviu a voz de Ranald dizendo: -Eu sinto muito... você a amava... E a resposta inflamada de Romilly: -Eu odeio todos vocês! Vocês e suas guerras malditas! Nenhum de vocês é digno de uma única pena da ponta da asa dela! Ah, Romilly! Pensou Carolin com uma profunda dor no coração. O que eu pedi de você? E o que mais irei pedir? Quando ele reuniu-se com Romilly depois ele lutou para colocar seus próprios sentimentos em palavras. -Eu sinto muito sobre Diligência. Mas você não pode olhar para isso do meu ponto de vista também? Corremos o risco com pássaros e animais para salvar a vida dos homens. Eu


sei que os pássaros significam mais para você do que eles nunca poderiam significar para mim, ou para qualquer um de nós, mas devo perguntar-lhe isto: se você me visse, ou a Ruyven ou Orain morrer em vez das aves sentinelas você não arriscar a vida dos pássaros para salvar salvar-nos ou às suas irmãs? Primeiro ele viu o conflito dentro dela, o desejo ardente de jogar suas palavras de volta para ele, exigir o motivo de prejudicar as aves que não tinham feito nenhum mal a ele ou Rakhal, por que elas deveriam pagar com a vida. Uma onda de tristeza passou por ele. Isto é o que cada comandante de homens deve enfrentar, pesando as vidas de alguns contra a vida de todos. Eu desejava que nunca precisasse ver quem me segue morrer... mas não tenho escolha. Devo minha própria vida para aqueles que jurei governar. Ela abaixou a cabeça e concordou só usar um pássaro-sentinela quando extremamente necessário. Assim foi que, alguns dias depois, ele teve um aviso prévio do ataque iminente. O exército de Rakhal movimentou-se para baixo do cume do monte e as próprias forças de Carolin seguiam para encontrá-los. Depois do primeiro enorme choque de encontro, o campo explodiu em ação frenética. Homens a pé e a cavalo atiravam-se para a frente, capitães gritavam comandos, trombetas soavam. No solo tudo era confusão. Ligada com o pássaro-sentinela, vendo, em parte, através dos olhos das aves, em parte através de Romilly e em parte por si próprio, Carolin dirigia suas forças para onde elas eram mais necessárias. -Lá! -Ele gritou, apontando o vagão preto. -Devemos aproveitar o fogo aderente antes que possa ser usado contra nós! Através dos olhos do pássaro, Carolin viu o grupo selecionado de homens deixar o corpo principal do exército de Lyondri e correr em direção a sua própria bandeira azul com abeto. Estrela-Sol! Leve meu rei em segurança! Veio o grito mental de Romilly atingindo tanto o homem quanto o cavalo. O grande garanhão negro empinou com suas patas dianteiras e tomou distância. Os homens de Carolin seguiram, mantendo um grupo compacto em torno dele. O partido Carolin seguia o vagão com fogo aderente aproximando-se rapidamente de seu alvo, através da parte mais densa da luta. Um vôo de flechas arqueou acima, em direção ao corpo principal das forças de Carolin. Suas pontas brilhavam com fogo alaranjado derretido. Laran’s retorceram e se contaminaram chocados pelo ar quente. Carolin estremeceu sob seu toque, mesmo antes da primeira seta encontrar um alvo vivo. Estrela-Sol jogou a cabeça para cima, puxando o freio. O barulho da batalha abafou os gritos, mas Carolin sentia cada um como uma flecha de fogo através de sua própria carne. Abaixo dele, o garanhão negro recuou, em seguida, aprumou-se. Deixe os feridos para nós! Ele ouviu a voz de Maura tão claramente como se estivesse ao lado dele. Ele começou a gritar, para protegê-la do frenesi assassino, mas calou-se. Ela era uma leronis, uma monitora treinada e poderia ajudar esses homens como ele não poderia. Acima de tudo, o pássaro-sentinela de Romilly girava enviando imagens à Carolin de seus próprios homens se movendo cada vez mais perto do vagão preto encoberto. A partir dessa


altura, ele não podia ver Maura no grupo de homens caídos, mas sentiu sua presença, a chama azul clara de seu poder, o movimento seguro de suas mãos. -Carlo! -Orain gritou em aviso. Lyondri tinha enviado uma outra carga. Havia mais deles neste momento, cortando através dos soldados de infantaria. A montaria de Orain tombou. Ele subiu, lutando em seus pés. Carolin libertou o relacionamento com o pássaro-sentinela. No momento seguinte, ele estava lutando ao lado de seus homens. Estrela-Sol relinchou o seu próprio grito de batalha. Homens e animais gritava, espadas se chocavam. O fedor de sangue e suor misturava-se com o cheiro de carne queimada. Um cavaleiro avançou através da guarda de Carolin, com um enorme machado de guerra sobre ele. Haviam manchas de sangue em seu capacete e a armadura brilhava através do tecido de sua túnica. O distintivo de Lyondri brilhou em seu ombro. Seu enorme cavalo amarelo correu para a frente, orelhas para trás, queixo pingando uma espuma sangrenta. O cavalo empinou, relinchando, enquanto o machado era movido. Carolin levantou a espada enquanto freava Estrela-Sol no lugar para que ele pudesse atacar. O garanhão negro perdeu o equilíbrio na lama remexida e quase caiu. Carolin olhou para o machado que descia. O Sol lançou seu brilho vermelho ao longo da borda curva da lâmina... Orain atirou-se entre Carolin e o homem do machado. O machado foi desviado por sua espada, aço enfrentando o aço. Orain cambaleou sob o impacto, mas não cedeu. No instante seguinte, Estrela-Sol ficou de pé e saltou para frente. Em um reflexo, pois não havia tempo para pensar, apenas para agir, Carolin agarrou firmemente sua espada e se preparou. Entre um batimento cardíaco e o próximo, os cavalos de guerra colidiram. A ponta da espada de Carolin ergueu e sentiu ela deslizar sob o peitoral do assaltante. Estrela-Sol desviou, puxando a espada. Dois dos guardas de Carolin pegaram o soldado do machado antes mesmo que ele caísse. Um segurou o cavalo amarelo quando Orain se aproximou. O rosto magro de Orain era uma máscara de sangue, poeira e fumaça, mas o fogo iluminava seus olhos. Ele levantou sua espada em saudação, em seguida, virou o cavalo amarelo para enfrentar o próximo ataque. Carolin já não podia lutar em uma posição defensiva. As flechas terríveis eram muito menos agora, mas ainda assim elas não paravam. O que quer que tocassem, carne, osso ou couro, grama ou madeira, inflamava até não existir mais matéria para queimar. Cada homem que caiu atingido foi morto ou, pior ainda, espalhou o fogo inextinguível a qualquer um que tentou ajudá-lo. No final, não importaria quão grande era a coragem dos homens ou a cura de Maura e os outros leronin’s, o fogo aderente iria derrotá-los. O exército de Carolin enviado para destruir a carroça do fogo aderente lutou bravamente, mas encontraram uma resistência feroz e tiveram grandes perdas. Eu tenho que colocar um fim nessa loucura. -Comigo! -Ele moveu-se em seu garanhão que empinou, erguendo as patas no ar. –Me sigam agora! -Rei Carolin! Rei Carolin! Estrela-Sol seguia à frente como uma sombra de poder preto lustroso. Orain estimulou seu cavalo amarelo para frente, abrindo o caminho. Um passo ou dois mais depois, mais homens uniram-se a eles.


Através dos olhos do pássaro-sentinela, Carolin viu seu alvo. O vagão tinha sido colocado longe para uma pausa e era defendido por um círculo. Com a abordagem de Carolin, seus próprios homens redobraram seus esforços. O vagão brilhou aos olhos de Carolin e, em seguida, desapareceu. Ele engoliu uma maldição. Tinha sido uma ilusão para prender sua atenção, enquanto o vagão real foi movido com o exército de Rakhal. Trombetas soaram em todo o campo. Mais uma vez, Carolin chamou o pássaro-sentinela, usando a ligação com Romilly, que ainda pairava acima da batalha. Ele viu as tropas de Rakhal mudar de direção e fugir, viu seus próprios homens persegui-los por um espaço. O relacionamento com o pássaro-sentinela dissolveu e Carolin pegou um última imagem de Romilly caindo, adoecida e exausta, na sela. O laranzu ficou no lugar do falso vagão, seu manto cinza sobre ele. O capuz tinha caído para trás, seus traços ilegíveis. Ele segurava algo na mão que apertou contra o peito. -Espere! -Carolin clamou. O homem estava decidido em não dar nenhuma vantagem. Carolin levantou a sua voz para que todos pudessem ouvir. -Abaixe suas armas e eu lhe concederei a anistia em nome do rei! Um dos homens de Lyondri gritou: -É o próprio Carolin! -E avançou. Orain virou seu cavalo amarelo em direção ao caminho do homem e correu. O laranzu se manteve firme. Medo e desespero emanavam dele. O que Rakhal disse a ele sobre mim que ele tem tando medo de se render? -Não chegue mais perto! -O laranzu gritou. -Você sabe o que é e o que isso pode fazer! Ele levantou a mão e Carolin viu um frasco de vidro. Sombra e brasa movendo-se dentro dele. Pelos infernos congelados de Zandru! O homem foi abandonado como isca e agora prefere imolar-se ao invés de se render? -Peço-lhe novamente acalmar-se, -Carolin respondeu -que o fogo infernal não conhece nem amigo nem inimigo, mas apenas consome toda a vida. Você não viu as terras a leste, ainda estéreis de uma guerra travada antes do nascimento de qualquer um de nós? Você não cuidou dos filhos daqueles que ousaram se aventurar nos terrenos baldios? Primeiro clingfire, em seguida, pó-de-ossos, pragas, e sabe-se lá o que mais? Esses são os verdadeiros inimigos, não eu, não o seu mestre, nem qualquer outro homem mortal. Olhe ao seu redor e me diga que defesa esses soldados têm contra o clingfire? Eu digo, deixe-os lutar como homens, com honra e aço. Eu digo, use os presentes que os deuses lhe deram para a cura, não para a morte. Se você se render, eu ofereço-lhe um salvo-conduto para voltar à sua própria Torre. Um silêncio caiu sobre aquela parte do campo de batalha e até mesmo o homens que ainda lutavam pararam. A visão de Carolin estava borrada, como se um véu de prata brilhante tivesse caído sobre ele. Estrela-Sol remexeu as patas no chão e, em seguida, ficou parada como uma pedra. Com o peito arfante, o laranzu sacudiu a cabeça. -Você só vai usá-lo contra o meu povo. -Eu juro que não vou usá-lo em nada, quero vê-lo destruído... -Disse Carolin. –Pela luz de Aldones e as coisas sagradas em Hali, eu juro.


No momento seguinte, os homens que guardavam o laranzu relaxaram, alguns deles jogando as suas espadas no chão e ficando de pé com as mãos estendidas, outros fugindo. O laranzu baixou cuidadosamente o frasco de fogo aderente e se aproximou de Carolin. -Vai dom, eu não acreditei nas histórias que vieram até nós através das Hellers, -o laranzu disse -mas agora eu vi e ouvi. Eu li a verdade em seus pensamentos. Apesar de eu ser agora um exilado, não farei mais guerra contra você. -Você não precisa sofrer o exílio por sua escolha, -disse Carolin -pois sempre haverá um lugar para você entre nós. Se você entrar em campo e ajudar os homens que queimam com este material maldito, eu o receberei entre nós. Um dos soldados que se renderam engasgou, pois não era assim que Lyondri ou seus capitães tratavam seus prisioneiros. O laranzu se curvou profundamente e depois foi fazer o que pudesse pelos feridos. Carolin deu direção para a salvaguarda do fogo aderente. Como a febre batalha drenou a energia de suas veias, um terrível cansaço o tomou. Todos os ferimentos nele eram superficiais, mas ele sentia-se mal como se tivesse sido atingido pelo fogo aderente. Orain oscilou na sela, esfregando as costas de sua mão livre sobre uma ferida em sua bochecha. Carolin ergueu-se. Os mortos estavam além de sua ajuda, mas os vivos ainda precisavam dele. Ele endureceu sua voz para enviar uma força renovada a seus oficiais. Ele ordenou que as tendas para a enfermagem fossem montadas para cuidar dos feridos e outros ajustes para auxiliar o descanso dos homens e dos cavalos fossem arranjados. Ruyven e o ex laranzu de Rakhal tinham se juntado a Maura em busca dos que ainda poderiam ser socorridos, enquanto outros foram dar o golpe de misericórdia aos últimos cavalos que estavam morrendo e as espadachins recolhiam suas irmãs. Após todos as providências imediatas terem sido tomadas, Carolin estava emanando exaustão. Lá dentro, ele cambaleava com a lembrança de morte após morte... de homens, cavalos e até mesmo os feios e fiéis pássaros-sentinelas de Romilly. Orain, que deveria estar ainda mais cansado, insistiu para que Carolin repousasse. -Como posso? -Carolin protestou. -Os homens, e as espadachins também, que lutaram sob meu comando... -Não há mais nada que você pode fazer nesta noite. Olhe, a última luz do dia está quase acabando. Os homens vão olhar para você amanhã e precisarão ver força... Você deve estar pronto para guiá-los novamente. Carolin se permitiu ser levado a sua própria tenda e ter sua armadura e roupas retiradas. Um assessor trouxe uma tigela de água quente, sabão e toalhas. Carolin não poderia imaginar como o homem conseguiu encontrar essas coisas, mas ele aceitou as ministrações com gratidão. Todas as articulações e os músculos de seu corpo pulsavam. Ele caiu sobre o saco de dormir e afundou em sua suavidade. A escuridão o tomou. Distante, como se estivesse flutuando acima de um abismo sem forma, ele sentiu a presença de outra pessoa. Algo deslocado. A borda de um tecido tocou seu rosto. Ele cheirava a fragrância fraca de Rosalys e luz solar. Amado, eu estou aqui. Era o toque mental de Maura, tão doce como o orvalho sobre terra seca, que o transmitiu paz. Seus braços estavam ao redor dele, dedos frios magros acariciavam suas pálpebras. Descanse agora.


CAPÍTULO 47 Na manhça após a batalha o céu encharcou o campo com a chuva. Grandes aves carniceiras alimentavam-se com as carcaças inchadas dos cavalos. Os curandeiros continuavam seu trabalho, agora auxiliados pelo filho adulto de Orain, Alderic, que tinha acabado de chegar. Alderic tinha o treinamento da Torre e tinha vindo emprestar suas habilidades para aliviar a dor dos que sofriam com as queimaduras do fogo aderente. Carolin reuniu-se com os seus conselheiros e ficou claro que eles deviam mover acampamento de lugar. As carcaças podres logo trariam doenças e, mais importante, impediriam qualquer tentativa de manobra das forças de Rakhal em voltar a atacá-los novamente. Embora odiasse pedir isso a ela, ele enviou Romilly para fazer o pássaro-sentinela restante espiar o rumo de Rakhal. Romilly não olharia para ele, embora ela concordasse sem discutir. Havia algo de errado com seus olhos. Ele lembrou que ela tinha treinado muitos dos cavalos mortos ontem. Com seu dom MacAran, ela deve ter sentido a morte de cada um deles. Muitas de suas irmãs da Irmandade da Espada tinham perecido também. Ela é uma menina ainda. Ela deve ter o cuidado adequado, assim que possível. Talvez Maura, sendo uma mulher, saberia o que fazer. Romilly enviou o pássaro para cima e, com a ajuda de Ruyven, Carolin seguiu na harmonia, voando em círculos lentos, gradualmente ampliando. A chuva estava mais leve, de modo que uma estranha luz solar aguado penetrava nas nuvens. Em pouco tempo, o pássaro viu um movimento à distância. Carolin reconheceu o padrão do exército de Rakhal, andando rapidamente em direção as colinas. Aos olhos de Carolin, o exército fugindo parecia encolhido em tamanho. Ao norte, ele viu um outro corpo de homens e cavalos, cavalgando para longe da força principal. Os homens de Rakhal estavam o abandonando, mas não, Carolin pensou, por covardia. Haviam lutado bravamente como qualquer outro exército. Eles sabiam do que Rakhal era capaz e, vendo que Carolin não era facilmente derrotado, eles fizeram a sua escolha. Com seu cansaço e persistente dor no coração quando via a carnificina, o espírito de Carolin alegrou-se ante essa novidade. O corpo principal do exército de Rakhal deteve-se no cume de um aceso à colina, aproveitando o terreno mais vantajoso. Com essa posição o exército de Carolin seria obrigado a subir para alcança-los. Os cavaleiros de Rakhal rapidamente formaram um perímetro, em torno dos soldados de infantaria e arqueiros. Eles cercaram o morro, de modo que, enquanto eles se mantivessem firmes, seria impossível romper suas defesas. Esta, então, seria a batalha decisiva. Mas com quais termos? Carolin não estava disposto a perder a vida de seus homens em uma batalha inútil contra enormes probabilidades. Roald Mclnery havia descrito como uma colina fortificada poderia ser tomada, mas tinha aconselhado não tentar. De alguma forma, Carolin devia atrair Rakhal para baixo ou quebrar a linha de defesa. Seria difícil e valeria uma árdua batalha contra o inimigo com muitas chances de fracasso ou de enormes perdas de vidas. Orain, que montava um pouco distante, falando seriamente com seu filho, Alderic, trouxe seu cavalo para mais perto de Carolin, de modo que eles pudessem falar de modo privado.


-Com sua licença, meu senhor, tenho um plano em mente, um velho truque das montanhas. Dê-me uma ou duas dúzias de seus homens, bem como um leronyn para lançar uma ilusão de que somos quatro vezes mais numerosos. Podemos enganar Rakhal em um ataque, deixando a parte principal de suas forças aberta. Então você pode vir e levá-lo no flanco. -Isso pode funcionar. -Carolin disse, embora ele não considerasse realmente enviar Maura e Ruyven diretamente para a batalha. A maioria dos leronyn nem sequer carregam espadas para se defenderem. O que ele mesmo tinha dito a Varzil, após a tentativa de assassinato no caminho para o Lago Azul? Você teria como me salvar ou tentar impedir que todas as catástrofes concebíveis acontecessem? A vida deve ser vivida em seus próprios termos e parte de ser um Hastur, muito ainda mais um rei, é o risco de vida permanente. Varzil tinha respondido, de mente para mente: ... Eu não vivo minha vida murada de terrores imaginários. Eu não posso pedir ao meu amigo para fazer o que eu mesmo não faria. Em voz alta ele acrescentou: “Uma vez você disse que havia dois tipos de poder, o do mundo físico e o da Torre... Devemos ter os dois poderes unidos se quisermos ter sucesso com o nosso sonho de uma nova Darkover. Então Carolin lembrou das palavras de Maura: Não há segurança certa para qualquer um de nós, nem mesmo nas Torres. Ela não era um brinquedo a ser protegido do perigo ou dado como um prêmio para quem prevalecesse no campo. Todos os dias, na Torre, ela assumiu riscos inimagináveis, assim como Varzil o fez. Suas escolhas eram menos honrosas por ela ser uma mulher? Ela não tinha saído da batalha, usando seu laran contra o fogo aderente, fazendo o que nenhum homem comum poderia fazer? Protegê-la é diminuir a importância de seu trabalho. Ele se lembrava de como Alianora, que teria se encolhido para não chegar perto de nenhuma batalha, tinha morrido. Ele não tinha sido capaz de protegê-la também. -Uma vez que a linha de defesa de Rakhal quebrar, devemos tomar a posição mais alta o mais rápido possível. -Disse Carolin. -Rakhal já está desesperado. Ele vê seus próprios homens abandoná-lo e nós o temos retido naquela colina. Ele não hesitará em usar fogo aderente ou qualquer outra coisa que ele possua se ele acredita que tudo está perdido. Orain assentiu tristemente e Carolin viu isso também em seus pensamentos. De todos eles, Orain era quem melhor conhecia a mente de Rakhal. Carolin deu ordens para os soldados acompanharem Orain e posicionar suas forças para atacar rapidamente na primeira brecha no perímetro. Pouco tempo depois, duas dúzias de homens de Carolin, encabeçados pelo pequeno grupo de leronyn’s, andava em direção ao morro. Se aproximavam da base, circulando para longe do declive suave e se aproximando da subida cada vez mais rochosa. Carolin, assistindo na segurança de sua própria guarda, viu uma nuvem densa, como o fumo, subir rapidamente para engoli-los. Não poderia ser de pó natural, no entanto, porque a terra ainda estava úmida. A nuvem ondulava aumentando muitas vezes seu tamanho e atacando. Figuras surgiram, as formas borradas de pilotos, não algumas dúzias, mas uma centena ou mais na formação de ataque, correndo na frente dos homens. Flâmulas azuis e pratas dos Hastur’s fluíam para fora atrás deles. Carolin tinha visto esses mesmos pilotos antes, eram os homens de Rakhal.


Orain tinha usado a imagem como um espelho, desta vez correndo em direção a colina defendida. Por um tempo, os homens de Rakhal mantiveram-se firmes sob o assalto que se aproximava. Arqueiros moveram-se para a frente e enviaram uma chuva de flechas, usando a altura da colina como uma vantagem. O objetivo deles ficou aquém, no entanto, já que eles disparavam contra a falsa imagem dos soldados correndo em direção a eles. Eles perderam os pilotos reais em direção à traseira. Em nome de Aldones, onde Maura e os outros tinham arranjado essas imagens horríveis? Em torno dele, os guardas de Carolin murmuravam orações ao Senhor da Luz, ao Santo St. Christopher, Portador dos Fardos do Mundo, e até mesmo a Zandru, Senhor dos infernos congelados. Ele não pôde reprimir um arrepio de terror, por que isso não era um inimigo comum, mas um pesadelo dos mais obscuros medos primitivos dos homens. Em sua guarda ecoou um murmúrio silencioso de gratidão pelo anfitrião profano estar correndo e atacando longe deles. Um tipo de delírio agitado atravessou Carolin, como se ele tivesse tocado algo imundo, uma poluição da alma. Ele manteve sua determinação de não usar um armamento laran, mas a facilidade com que ele tinha concordado com tal uso de poder psíquico, esta deformação das mentes dos homens que não tinham defesa contra ele, o abalou. Isso não era algo desprezível, terrivelmente obsceno como o fogo aderente? Eu não tenho escolha. É a única maneira de salvar as vidas de meus próprios homens. Reis e generais, pensou, desde a Era do Caos até o fim dos tempos sempre tiveram e teriam boas razões para usá-las. Homens diriam: Apenas esta uma batalha, só dessa vez. Que tipo de rei serei com tal princípio? Um rei melhor do que aquele que nunca questiona suas próprias ações. Um pensamento sussurrou através de sua mente e Carolin sentiu Varzil olhando por cima de seu ombro, balançando a cabeça. Será preciso mais do que a resolução de qualquer homem para fazer tais coisas impensáveis. Pensou Carolin. É por isso que devemos fazê-lo juntos, você e eu, castelo e Torre. Mas primeiro você deve ganhar de volta o seu trono de Rakhal, que não tem tais escrúpulos. Você está certo, meu amigo. Carolin estreitou sua atenção para a batalha iminente. Estrela-Sol bufou e arqueou seu pescoço. Cada vez mais perto, o exército fantasma se aproximou da colina. Ele fluiu até a parte mais íngreme, sem abrandar. A linha defensiva vacilou em uma dúzia de lugares. -Fiquem firmes! Fiquem firmes! -A voz de Rakhal ecoou. As forças enfeitiçadas continuaram, os pilotos fantasmagóricos subiram, sua velocidade aumentou. Faíscas voaram dos chicotes ondulantes e os cascos dos cavalos faíscaram. Carolin viu escravos fantasmas, brilhando num amarelo antinatural, pingando das garras dos cães gigantes. Os capitães de Rakhal tentaram em vão manter suas forças. Eles eram lutadores experientes, certamente cientes dos usos do laran em batalha, mas ainda havia um limite para o que os homens podiam suportar. Levados a um ponto de ruptura, o mais bravo iria fugir em terror. As forças macabras haviam quase chegado ao topo da colina. Os homens de Carolin mantiveram a posição no terreno plano.


Em um instante, a linha defensiva quebrou. Os cavaleiros de Rakhal correram pelo monte abaixo, direto para a nuvem de imagens mágicas. A parte do perímetro da frente para os atacantes cedeu e os pilotos de outras áreas correram atrás deles. Como Orain tinha previsto, o flanco agora estava vulnerável. Carolin sinalizou a seus próprios pilotos para iniciarem seu ataque. As formas horríveis, cavalos, dragões, cavaleiros espectrais e lobos demoníacos desapareceram. A nuvem de poeira sumiu. Fogo explodiu para cima através do chão, uma conflagração em cores vivas verde e azul. As chamas desapareceram rapidamente, substituídas por um rio de sangue que corria para cima. Os cavalos dos homens de Rakhal paralizaram bufando de terror. Alguns atiraram-se para trás, debatendo-se e esmagando seus soldados. Outros homens caíram enlouquecidos de suas montarias ou saltaram e correram para longe. Alguns mais corajosos ainda mantinham seu posto. -É um truque! Um truque! O aviso veio tarde demais. A linha de defesa de Rakhal tinha quebrado. Os cavalos correram, atropelando os soldados caídos. Oficiais lutaram para reagrupar seus homens. Trombetas soaram numa confusão de sinais. Os soldados de infantaria se reuniram com as costas juntas, sem saber se deviam ficar e lutar ou recuar. -Agora! -Carolin gritou. As forças de Carolin moveram-se como um rio fluído e vivo sobre as defesas que agora estavam dispersas. Uma energia animada, dinâmica e crescente movia-os para a frente. Estrela-Sol avançou como um animal possuído por um enorme poder natural. Os homens de Carolin gritavam o grito de combate, emanavam energia e triunfo. O avanço desacelerou junto ao foco da resistência, não mais invadindo através das linhas inimigas, mas próximo da luta. Carolin sentiu o miasma preto do vagão de fogo aderente. Em meio à batalha, ele viu os arqueiros de Rakhal reunidos em torno dele, mergulhando suas flechas no material cáustico. -O vagão! -Ele gritou, apontando com a espada. -Nós deve levar o vagão! Carolin incitou Estrela-Sol para frente, mas os homens de Rakhal apressaram-se e nem mesmo o grande garanhão poderia seguir tão rápido através de suas fileiras. Orain, por alguma sorte, não estava tão fortemente cercado. Gritando, ele virou o cavalo em direção ao vagão. Alderic e Ranald galoparam em seus calcanhares. Carolin sentiu as mentes ligadas dos leronyn ligação mentes e então lançou seu próprio laran para entrar no vínculo, assim como ele tinha aprendido a fazer em Arilinn. Orain também estava lá e em algum lugar atrás deles, aumentando a sua força, Maura, Ruyven e Romilly também se faziam presente. O fogo azul irrompeu da terra furiosamente e, de repente, foi disparado para cima de maneira a formar uma parede. Ele rolou para afastar o vagão, engolindo qualquer um que estivesse em seu caminho. Os arqueiros que estavam mergulhando suas flechas no fogo aderente foram atingidos, suas armas cairam no chão, suas faces empalideceram no brilho azul celeste que se aproximava e, então, o rugido do incêndio abafou seus gritos. O fogo azul atingiu o vagão, brilhando acima, um trovão ressoou no alto. Um inferno faíscou no céu com uma explosão azul e branca. Os homens de Rakhal, aqueles fora da esfera de incêndio, dispersaram e correram para salvar suas vidas. Onde as setas mergulhadas no fogo aderente tinham caído a grama


explodiu em chamas alaranjadas. Ele acelerou as rodas de madeira, surgindo nas laterais das barreiras de proteção, com um som como se o próprio céu tremesse, o vagão explodiu. Fragmentos de fogo e pó branco e quente jorraram em direção ao céu. Carolin estremeceu quando o cheiro acre do clingfire o invadiu. Cada fragmento de seus instintos recuavam contra aquilo, mas ele preparou-se para segurar firme. Ele não deveria pensar no terrível perigo, apenas no que ele tinha vindo fazer Gotículas caíram sobre os arqueiros e soldados em fuga queimando-os. Eles inflamavam tornando-se tochas vivas. Seus corpos ficaram retorcidos, enrugados e escurecidos enquanto o fogo os consumia. O resto das forças de Rakhal, ouvindo os gritos de agonia de seus companheiros, entraram em pânico e se dispersaram. Muitos correram em direção às espadas dos homens de Carolin. Mantenham o círculo! Ruyven clamou silenciosamente. Temos de apagar o fogo aderente antes que fique fora de controle. Juntem-se a nós! Falou silenciosamente. Em nome de tudo que é sagrado, todo mundo que tem algum fragmento de laran, ajudem-nos a controlar o fogo aderente. O cheiro de carne queimada saturava o ar. A chuva começou a cair levemente de novo, mas o fogo aderente continuava queimando insaciavelmente. Segurem... esperem... Carolin sentiu o fogo aderente como se fosse uma coisa viva, criado a partir do coração pulsante do planeta, imbuído de maldade para com todos os seres vivos, voraz e implacável. Ele se estava enfurecido consumindo tudo o que tocava, vagão, homens e grama. Um halo de luz azul, piscando como a mais suave das chamas, surgiu para cercá-lo. Segurem... esperem. . . Os incêndios queimavam agora por dentro fazendo o azul do feitiço com laran misturar-se com o vermelho-alaranjado brilhante do fogo aderente, deixando um anel de terra enegrecida onde não havia nada mais para ser consumido. -Olhe ali! -Orain gritou, apontando para além da queima de fogo aderente. -Veja ali onde Rakhal foge com seus feiticeiros! -Sigam-os, homens! -Carolin gritou. Carolin cutucou Estrela-Sol com os calcanhares. Por um instante, o cavalo congelou apavorado com o fogo. O que Romilly tinha dito quando lhe ofereceu o cavalo um presente? ...Ele vai levar você por amor. Nem por espora, nem por chicote. Estremecendo, mas ainda firme, o garanhão avançou. Agora vou pôr fim a esta barbárie. Pensou Carolin. A imagem de Rakhal ficou à vista, com seus homens lutando furiosamente para proteger sua retirada, cada passo desesperado avançando, fracassando antes mesmo do ataque dos homens de Carolin. Um dos soldados de Rakhal se lançou para Carolin com a espada na mão. Ao sinal de Carolin, Estrela-Sol empinou golpeando o ar e desceu atingindo o homem que caiu sob seu golpe. Um casco enorme atingiu a cabeça do homem. Carolin perdeu o equilíbrio na sela por um instante, mas se recuperou rapidamente. Outro soldado correu com um raio em sua direção. O garanhão desviou. Mas era tarde demais. Carolin viu que não era ele o alvo, mas o cavalo abaixo dele.


Sua mente estava tão aberta, tão em sintonia com o cavalo que, por um momento terrível, parecia que a espada cortava seu próprio pescoço, sua própria garganta, e que era o sangue de sua própria vida que jorrava para dentro da lama. Em um reflexo, ele soltou seus pés dos estribos e rolou. Estrela-Sol caiu de joelhos, balançando a cabeça enorme, lutando para conseguir forças para levantar... ... Desaparecendo, como o céu no crepúsculo, demorando-se por um momento abençoado. A dor desapareceu, o terror, a memória ... tudo desapareceu... O cavalo nunca sentiu seu corpo atingir o chão. Um terrível vazio preencheu a mente de Carolin, a total ausência de vigor e coragem do garanhão. O homem que tinha matado Estrela-Sol jazia sob o corpo do cavalo. A cabeça de Estrela-Sol foi quase cortada. Haverá o tempo para lamentar por esta morte e por tantas outras. Carolin prometeu a si mesmo. Ao redor dele, seus homens estavam lutando duro, pressionando o inimigo para trás. Aço confrontava aço. Os homens de Rakhal não gritavam seu nome como um grito de guerra, mas se esforçavam na batalha em silêncio. A guarda de Carolin estava agrupada ao redor dele. Em uma pausa na luta, um homem de Castamir, com o tartan manchado de sangue, o levou até um pequena égua castanha suja de lama. Ela revirou os olhos enquanto Carolin tomava as rédeas, mas ficou mansa para ele montar. Depois do poderoso Estrela-Sol com seu corpo forte e grande, sentia leve, quase incapaz de suportar o seu peso. Quando ele tocou-a com seus calcanhares, ela afastou-se enérgica. Mesmo montado, Carolin não poderia fazer muito na batalha além de um pequeno círculo. Ansiava por uma visão de um pássaro-sentinela, mas não podia, simultaneamente, voar e lutar. Só então, o resto do exército de Rakhal fez um último assalto frenético. Eles avançavam para o corpo principal da força de Carolin. Carolin e sua guarda foram arrastados pelo ataque. Os homens de Rakhal lutavam de forma imprudente, negligenciando os riscos. Por um tempo, os guardas de Carolin foram pressionados duramente. Eles se juntaram, lutando de perto. Carolin foi mantido apertado com sua égua castanha. Infectado com a febre da batalha e o terror, ela relinchou e empinou, fazendo-o puxar com força o freio. A batalha mudava com a dinâmica do último ataque efetuado. Os homens de Carolin começaram a fazer progressos, enquanto os de Rakhal retrocediam, passo a passo, na luta sangrenta até à borda do topo da colina. Em pouco tempo, o pior da luta terminou. Os homens ainda lutavam aqui e ali, mas a maioria das forças de Rakhal ou tinham fugido ou jogado suas armas no chão e caído de joelhos. Carolin empurrou a pequena égua em torno do cume, observando os campos abaixo. Haviam tantos mortos, homens e animais... O círculo onde o clingfire e o azul do laran haviam se misturado ainda exalava um odor lancinante na garganta e uma fumaça gordurosa. Os leronin’s não se atreviam a se retirar até que cada resquício do material infernal tivesse desaparecido. Ele questionou o capitão mais próximo. -O que se sabe de Rakhal? Foi capturado ou morto? Onde está Orain? -Vai dom, não há nenhum sinal de qualquer um deles, nem mesmo de Lord Lyondri.


Morreu? Escapou? Isso não poderia ser... Orain nunca deixaria Rakhal escapar por entre suas mãos, não enquanto ele tivesse fôlego e força para impedi-lo. Carolin estava com um mal pressentimento e procurou através da fumaça o cavalo amarelo. Ele enxugou seus olhos que ardiam, manchando o rosto com suor e graxa. Encontre-os! O comando telepático veio rugindo de Carolin ao oficial. Encontre-os agora! O jovem e pálido oficial baixou a cabeça e estimulou seu cavalo em direção ao corpo principal do exército. -Meu senhor, -o chefe da guarda de Carolin disse –estamos prontos no campo e aguardamos as suas ordens. Carolin assentiu. Não havia nada que pudesse fazer sobre Orain ou Rakhal no momento. Ele deve estabelecer um acampamento agora para que o trabalho necessário pudesse continuar, desde a contabilização das perdas, enterrar os mortos e providenciar instalações para cuidar dos feridos e enviar mensagens para Hali.


CAPÍTULO 48 O crepúscuolo chegou mais cedo e mais espessoa com nuvens negras pesada apagando o sol da tarde. Após receber relatórios e reunir-se com seus oficiais, Carolin perambulava por sua tenda, agitado demais para repousar. As perdas, embora tristes, eram bem menores do que havia imaginado. Os homens de Rakhal tinham sido mais afetados pelo fogo aderente, do contrário o prejuízo para as forças de Carolin teriam sido muito maiores. Mesmo assim, ele tinha ficado abalado ao ouvir e identificar os mortos. Mikhail Castamir... Ranald Ridenow, cuja habilidade de pensar rápido e seu laran tinha salvo as vidas de tantos outros... Alaric, o homem sem-terra que havia cavalgado com ele desde o Kadarin... Em cada relatório, ele preparou-se para ouvir os nomes que ele mais temia. Orain... onde estaria Orain? Nem ele nem o cavalo amarelo tinham sido encontrados. Até agora, estava claro Rakhal e Lyondri tinham escapado, juntamente com a sua leronyn. Carolin tentou se convencer de que Orain, juntamente com o grupo de homens que ele comandava, ainda estavam em seu encalço. Fiel e tenaz, Orain, que antes havia jurado serviço a Lyondri, agora tinha todas as razões para odiar seu antigo mestre até a morte. Lyondri estaria morto? Ou seria Orain? Não, ele não devia pensar dessa forma. Ele era o rei. Seus homens olhavam para ele em busca de comando firme e de coragem. Ele era o coração e a espada deles. A dúvida era um luxo que apenas os homens comuns poderiam pagar. Ele sentiu a proximidade de Maura antes mesmo da guarda lá fora anunciar. Outras vozes se juntaram a dela, uma mulher e dois homens. A aba da tenda levantou e Alderic, Ruyven seguidos por Maura entraram, com Jandria um passo atrás. O rosto de Maura estava muito branco, seu cabelo desgrenhado e úmido. A marca irregular de uma queimadura cobria a manga do ombro ao cotovelo, ela demonstrava esforço para ficar firme, mas não parecia estar ferida. Quando ela viu Carolin, seu sorriso iluminou todo o seu corpo. Ansiava por estar em seus braços. Ruyven inclinou a cabeça. Como os outros, o seu rosto estava pálido. -Lamento não poder vir mais cedo. Carolin fez um gesto de compreensão. -Qual é a situação? Ruyven arrumou o cabelo para trás com uma mão, um gesto que fez Carolin lembrar de Varzil. -Verificamos que o clingfire está completamente extinto e estamos fazendo o que podemos por aqueles que ainda estão ao alcance de nossa ajuda. Carolin preparou-se a perguntar: -O que sabem de Orain? Ele foi encontrado? -Não há nenhum vestígio do meu pai. -Disse Alderic. Em sua voz, no cansaço de seu espírito, Carolin viu que ele tinha procurado no campo de batalha de um lado para o outro, com a sua mente, bem como seus olhos, e tinha sentido mais a morte do que a maioria dos soldados viu na vida.


-Temos procurado por ele em todos os lugares. -Disse Jandria. -Ele se foi... assim como Romilly. -Romilly sumiu? -Carolin ecoou. Seu coração se apertou. -Nenhum deles está entre os mortos. -Ruyven disse e Carolin lembrou que ele era o irmão de Romilly. Se ele e Alderic, que tinham o treinamento das Torres, não puderam encontrála, então ela deve ter corrido para longe. -No começo, pensamos que ela poderia ter procurado conforto na Irmandade da Espada, como tinha feito antes. -Disse Jandria. -Nada a vi desde a batalha. Temíamos o pior, mas não encontraram o corpo dela. -Eu saberia se ela estivesse morta. -Disse Ruyven, balançando a cabeça. Não está morta, então, mas fugiu na loucura nascida de muita dor, muita morte. Romilly era como uma criatura selvagem em sua confiança inocente, a generosidade de seu amor. Ela sentiu a perda dos pássaros-sentinela como se fossem seus próprios filhos. Para ela teria sido mais aguçada e mais devastadora deve ter sido a morte de Estrela-Sol que treinou com suas próprias mãos e coração? Era demais para ela suportar. Ele próprio tinha pedido cada vez mais dela em nome de salvar vidas humanas. Ele teria sido egoísta por exigir tanto por sua própria causa? Temos de encontrá-la! Maura encontrou seus olhos com aquele olhar direto, inflexível. -Nós não vamos abandoná-la. Ela pode estar muito ferida em espírito, com dor no coração, para nos ouvir, mas nós não vamos parar até que a tenhamos encontrado. Carolin assentiu. Quanto a Orain, não havia nada mais a ser feito, a não ser esperar por notícias. -Meu pai não está no campo de batalha. -Alderic disse de novo. -Achamos que ele e os seus homens ainda devem estar na estrada para Hali, seguindo Rakhal e Lyondri. Carolin apertou os lábios. Sim, Rakhal iria correr de volta para Hali, mesmo na derrota. Ele não era do tipo que abriria mão do amado luxo do Castelo Hastur para fugir aos ermos além do Kadarin. O deixaria imaginar-se seguro na cidade que uma vez tinha governado com mão brutal. Se ele conseguiu alcançar o castelo antes de Orain o pegar, teria para si apenas uma curta trégua. -Vá agora para o descanso que você merece. -Ele disse ao seu leronyn. -Vamos fazer o que for necessário aqui e, assim que possível, vamos cavalgar para Hali também. Se Aldones sorrir para nós, vamos encontrar Orain lá com Rakhal sob sua custódia, ou então acampado na porta esperando por nós. Jandria e os homens se retiraram, mas Maura ficou para trás. Ele estendeu as mãos e ela veio a ele. Seu cabelo não tinha o cheiro habitual de sol e ervas doces, mas sim de fumaça e o amargo sabor de fogo aderente. Carolin sentou-a em uma das cadeiras dobráveis de acampamento e sentou-se na outra. Ele ofereceu-lhe uma taça de vinho que não tinha sido capaz de tocar mais cedo. -Agora me diga, preciosa... Só então ele ouviu um barulho do lado de fora da tenda de vozes dos homens, cascos de um cavalo e dificuldade para respirar, um grito agudo de comando. A aba da tenda foi levantada e o guarda enfiou a cabeça. -Vai dom, é um dos homens que montavam com Lorde Orain. Carolin saltou ansioso para dar atenção.


-Mande-o entrar. Ele reconheceu o homem, um menino que mal tinha a idade que ele tinha quando foi para Arilinn, mas um dos soldados mais rápidos em sua companhia. Pela maneira como ele lidou com cavalos, Carolin se perguntava se ele não tinha um toque do dom MacAran. O menino vacilou em seus pés, ofegante. O que restou do manto e túnica estava preto com suor, lama e sangue. Ele deu um passo para dentro da tenda, levantou um pé e caiu para a frente sobre os joelhos. -Nós... nós quase os pegamos... eles montaram uma emboscada... homens... de Lyondri... vieram... -Sua voz falhou, à beira de um soluço. -Nós lutamos... Aldones sabe como nos lutamos... Carolin sentiu Maura se agitar ao lado dele, mas ela não disse nada. -E Lorde Orain? -Ele perguntou, temendo a resposta. O rapaz caiu para trás, de modo que ele ficou sentado sobre os calcanhares, o corpo curvado para a frente, as mãos apoiadas em ambos os lados dos joelhos. Seus ombros desceram com o esforço para respirar. -Ele está vivo... pelo menos, estava quando o deixei... mas... -Ele olhou para cima, com lágrimas escorrendo junto com a sujeira em seu rosto. -Mas, vai dom, a última vez que o vi, ele era o prisioneiro de Senhor Lyondri. Aqueles de nós que podiam continuaram a perseguição. Peguei o cavalo mais rápido e voltei. Não queria morrer com os outros, ao invés de trazer esta notícia! -Fique tranquilo, rapaz. -Disse Carolin e viu o alívio sensível do espírito do rapaz. Ele sentiu uma onda de compaixão por ele carregar tal fardo e alguém tão jovem. E de repente sentiu sua própria fúria e pesar, mas teve tempo suficiente para enviar o menino para longe com um bocado de conforto e para ordenar a um guarda para lhe dar comida e uma cama quente. Ele virou-se para Maura quando seu controle estourou. Orain nas garras de Lyondri! Ele explodiu. Zandru amaldiçoe tanto ele quanto Rakhal com açoites de escorpiões até o último nível de seus infernos congelados! Se eles feriram um único fio de cabelo da cabeça de Orain, vou rasgá-los em pedaços sangrentos com minhas próprias mãos... -Calma, amor. -Ela sussurrou, colocando um dedo em seus lábios. -Você não pode saber o que você vai encontrar em Hali. A única coisa certa é que você vai prejudicar a sua capacidade de pensar e agir se você continuar dessa maneira. Por enquanto, não há nada que você pode fazer por Orain, nada, exceto descansar e se preparar para a jornada de amanhã. Nenhum soldado poderia ter dito mais claramente. Ele suspirou, desejando que ele pudesse facilmente pôr de lado a angústia furiosa em seu coração. -Vou tentar descansar, já que é o sábio a se fazer, -disse ele, ouvindo o cansaço e a irritação em sua voz -embora eu jamais tenha me sentido menos capaz de dormir. -Deixe isso comigo. Maura acordou no meio da noite, sentando-se. Carolin, despertando a seu lado, não poderia dizer se ela gritou em voz alta ou apenas em sua mente. Ele estendeu a mão para ela e sentiu seu tremor. -O que é? O que aconteceu? Ela estava respirando rápido e áspero, como se ela tivesse sido executada. -Eu vi... uma terrível batalha.


Por seu tom, esse não havia sido um sonho comum, mas um resultado da Visão. Sentado, ele a tomou em seus braços. -Você está segura aqui. Meus exércitos nos protegem. Nada pode prejudicá-la. Ela balançou a cabeça, criando ondas de movimento em seu cabelo solto. -Não aqui... Longe... Em Hali... o círculo lá... Ordens para atacar a Torre Hestral... Torre Hestral! Onde Varzil tinha ido... -Eles lançaram um feitiço de aniquilação sobre os alicerces de Hestral, o suficiente para levar a Torre abaixo em ruína. Oh, Carlo, é uma coisa terrível quando uma Torre faz guerra em cima de outra. Muitos de nós têm parentes em outras Torres ou treinamos juntos. Quase todas as noites nos comunicamos de mente para mente através das Hellers. -Em nome de todos os deuses, por que Hali faria uma coisa dessas? –Carolin perguntou. -Eles não farão clingfire para Rakhal. -Ela estremeceu, envolvendo os braços em torno de seu corpo. -Essa foi a sua decisão e estão sozinhos. Mas nem tudo está perdido. Hali interrompeu o ataque antes da destruição ser completa. Varzil estava contra eles, banhado em luz prateada como o próprio Aldones. Ele... ele mostrou-lhes o horror do que eles estavam fazendo e convenceu-lhes de que não devem lutar entre si -Ela respirou fundo. Agora Hali jura que nunca vai fazê-lo novamente, nem darão qualquer armamento de laran para Rakhal ou qualquer outro rei. Carolin sacudiu a cabeça com espanto. Hali, de todas as Torres, tinha uma dívida de gratidão com Rakhal, concordava agora com o pacto. Se alguém poderia trazer tal conflito a um impasse, e de tal forma que as Torres prometeria neutralidade, esse alguém seria Varzil. Varzil o Teimoso, Varzil o Versátil. -Ele pensou. Varzil que enfrentou um bando de homens-gatos para salvar seu irmão, que havia frustrado mais de uma tentativa de assassinato, que compartilhou seu sonho de uma paz com honra para todos em Darkover. Varzil, o Bom.


CAPÍTULO 49 Maura e Ruyven continuaram sua busca com laran por Romilly quando Carolin moveu suas forças através das periféricas colinas Venza até as portas de Hali. Levou consigo todos os homens ainda capazes de lutar, deixando para trás apanas um número suficiente para cuidar dos feridos. Felizmente, os senhores e pequenos agricultores nessa áream eram simpáticos à Carolin, tendo sofrido muito sob o governo de Rakhal, de modo que o alimento para os soldados e os animais não seria um problema. Como Maura tinha dito, Carolin não sabia que condições ele poderia encontrar em Hali, embora fosse improvável que Rakhal seria capaz de formar um outro exército. No entanto, Carolin devia mover-se rapidamente, antes que Rakhal elaborasse outra armadilha ou cavasse sua posição tão profunda que eles tivessem que lutar de uma sala do castelo a outra. Cada hora que se passava cortava o coração de Carolin. Às vezes, quando ele olhava para o fogo do seu acampamento ao longo da estrada, parecia que todo aquele que ele tinha amado ou confiado havia tido algum terrível destino. Todos os homens e cavalos mortos em sua causa, até mesmo a pobre Alianora morreram ao carregar seu filho, Romilly foi levada a loucura, Orain... ele não se atrevia a pensar no que Orain poderia estar sofrendo. Um sussurro soprou sua mente: Eu estou aqui, bredu Ele sentiu a presença de Varzil, um conforto inexprimível. Não desanimes, porque os homens que lhe seguiram, e as mulheres também, o fizeram livremente. Já o nosso sonho está tomando forma. As Torres estão afastando-se da loucura da destruição e em toda parte os homens olham para você com esperança. Então, Carolin prometeu silenciosamente que ele não daria lugar ao desespero. Ele levantou e pôs-se a andar pelo campo para que todos o vissem, ouvissem sua voz, sentissem seu cuidado para com eles, fossem seus próprios homens ou as Espadachins que tinham escolhido seguir com ele. Ao longo da estrada, as fileiras haviam aumentado com os soldados do exército de Rakhal. Alguns dos homens, tendo se submetidos a Carolin, pediram para serem postos em liberdade condicional e voltar às suas fazendas, mas outros ofereceram suas espadas para o verdadeiro Rei Hastur. Por fim, chegaram a Hali, a profunda escuridão do lago, a Torre como um dedo delgado pálido de luz erguendo-se na margem oposta, e a cidade curvada e cinza sob um céu sombrio. Uma parede que ainda carregava muito resquício do laran que marcava sua construção apressada, cercava a cidade. Em pouco tempo, Rakhal enviou um mensageiro. Orain era seu refém e se Carolin ou qualquer um dos seus homens entrassem na cidade em uma tentativa de resgate, ele iria matar Orain no mesmo momento. Claramente, Rakhal estava desesperado. Carolin enviou de volta uma oferta de condução segura a Rakhal e Lyondri para além do Kadarin ou onde quer que eles quisessem ir, desde que Orain fosse libertado ileso. O filho de Lyondri poderia voltar em segurança para Nevarsin ou ser criados de acordo com a sua posição em Hali, juntamente com os próprios filhos de Carolin. Era, talvez, uma oferta demasiadamente generosa, mas ele queria dar a Rakhal uma razão sólida para se render.


Enquanto seu primo não visse nenhuma esperança, seu desespero crescente iria levá-lo a mais e mais ações imprudentes. O silêncio foi a resposta. Horas se passaram, depois, um dia. A busca por Romilly continuou. Alderic falou a Carolin sobre seu desejo de oferecer-se em troca de seu pai, junto com um pequeno tesouro de cobre e ouro. -Eu não acho que Rakhal vá aceitar, -disse Carolin- mas você pode tentar. Ele esperava que Orain saísse desta provação vivo para ver o bom filho e leal a seu pai que ele tinha. Rakhal rejeitou categoricamente a proposta de Alderic. Maura fez a mesma oferta de se entregar a Rakhal, até mesmo indo para o exílio com ele se assim ele desejasse. Rakhal nem sequer respondeu. Pouco antes do pôr do sol, uma buzina soou da cidade e outro mensageiro cavalgou para fora. Carolin o reconheceu como um lorde menor, cuja fortuna tinha ficado mal depois de algumas aventuras nas cortes e que, claramente, tinha prosperado sob o favor de Rakhal, percebido pelos ricos tecidos de seu manto e os ornamentos de prata na sela de seu cavalo. Depois de uma curva elaborada, ele entregou a um oficial de Carolin uma pequena caixa de madeira, dizendo que ele tinha sido ordenado a entregar nas próprias mãos de Carolin antes de transmitir a sua mensagem. Carolin o levou para sua tenda onde, cercado por Maura, Ruyven e Alderic, abriu a caixa. O pacote delgado de seda amarela estava pegajoso com sangue. Suas mãos tremiam quando ele levantou-a e desdobrou o embrulho. Dentro havia um dedo cortado, ferido e coberto de sangue. Ele ainda tinha um pouco de anel de cobre com uma pedra azul chamado um céu de lágrimas. Carolin tinha visto pela última vez na mão de grão. Esse mesmo dedo tinha apertado um punho de uma espada em defesa de Carolin, envolveram trapos ao redor dos pés semi-congelados de Carolin no primeiro inverno terrível além do Kadarin, alimentaram o fogo com um punhado, tinha levantado uma taça de vinho nas celebrações, concertando arnês quebrados com habilidade precisa, acariciado um amante... Agora, não era mais do que um pedaço podre de carne da mão dele... A visão de Carolin ficou cinza e vermelha. Ele sentiu o toque de Maura quando ela tomou o pacote horroroso dele. Ela não disse nada, oferecendo apenas a sua presença silenciosa. A raiva de Alderic percorreu a tenda e então ele chorou. Passaram-se muitos e longos minutos antes de Carolin estar pronto para ouvir o resto da mensagem. Ruyven deu um sinal para os guardas anunciando que o mensageiro podia entrar. O mensageiro fez uma reverência e assumiu uma postura oratória. -Em nome de Rakhal Felix-Alar... -Sim, nós sabemos quem enviou você. -Carolin rosnou. -Basta dizer o que veio dizer. O mensageiro engoliu em seco empalidecendo. -Eu fui enviado para dizer que, a menos que você, Carolin, pretendente ilegal ao trono de Hastur, renda-se juntamente com seus exércitos para o Rei Rakhal, ele irá enviar seu ajudante para você um pedaço de cada vez. Você tem até o amanhecer para dar a sua resposta. Suas últimas palavras desapareceram num silêncio chocado. Com outra reverência, esta consideravelmente menos segura do que a primeira, o mensageiro retirou-se. Ruyven, parecendo ainda mais pálido do que o habitual, virou-se para Carolin.


-Você não está levando essa hipótese a sério?... Você não pode considerar... Com todo esforço de que dispunha, Carolin caminhou calmamente para a cadeira de acampamento e sentou-se. Na verdade ele acreditava que a única maneira de salvar a vida de Orain era fazer o que Rakhal propunha. Sua própria morte seria rápida o suficiente, por que Rakhal não poderia arriscar outro pretendente ao trono. Em seguida, a enormidade da demanda de Rakhal, a verdade monstruosa do que e quem ele era, atravessou o íntimo de Carolin. Rakhal era capaz de fazer isso com Orain ou, mais provavelmente, mandasse Lyondri fazê-lo, Orain que tinha sido como um irmão para ambos desde que eles eram crianças, Orain que tinham servido a Lyondri fielmente por tanto tempo... Então, em o nome de todos os deuses, o que ele vai fazer ao meu povo? Carolin pensou. Todos se viraram para olhar para ele. Carolin encontrou sua voz com dificuldade. -Não. -Disse ele. -Não importa o que aconteça, não vou trair tudo pelo que lutaram arduamente. -Orain não iria querer que fosse de outra forma. Ele se deixou ser cortado em pequenos pedaços para te salvar, para salvar o reino. -Maura disse gentilmente. Rakhal sabe disso. Ele sabe que eu daria minha própria vida pela de Orain. Mas minha vida não é minha para dar. Carolin pensou. -Todos nós amamos Orain. -Maura continuou. -Se houvesse uma maneira de salvá-lo, qualquer um de nós ofereceria a si mesmo. Mas isso não é o que Rakhal quer. Eu sei como ele pensa, embora me envergonhe, eu que uma vez tentei justificar suas ações. Ele quer, acima de tudo, vencer e ele não se importa como fará isso. Ele sabe que você ama Orain e pensa que ele pode usar esse amor para dobrar-lo à sua vontade. Mas ele não sabe quem é você. Ele te vê apenas como um tolo que confiava demais. Ele não imagina que você é obrigado por algo maior do que seus próprios sentimentos pessoais. Carolin endireitou os ombros. O pesar o atingiu, a dor da perda que viria e o conhecimento de que ele estava impotente para impedir a tortura que os açougueiros de Lyondri certamente infligiriam a Orain, pedaço por pedaço, dia a dia... -Vamos continuar as tentativas de negociação. –Ele disse. -Talvez Rakhal consiga nos prender do lado de fora enquanto ele acredita que não temos opções. Algo imprevisível ainda pode acontecer e transformar toda a situação. Enquanto isso vamos começar os preparativos para tomar a cidade pela força. No final do dia, Jandria veio à tenda de Carolin. Ele lhe deu as boas-vindas e pediu para que se sentasse ao lado dele. À luz da lâmpada, ela parecia abatida, com pouco de sua antiga beleza, mas ela mantinha-se tranquila. Tudo o que ela tinha sido havia acabado. Agora ela era uma Espadachin, membro da Irmandade da Espada, com a promessa de ser a irmã de qualquer outra mulher que usasse o brinco de ouro e a capa vermelha. -Fizemos contato com o laran de Romilly. -Ela disse iluminando seu rosto com alegria. Maura e os outros têm tentado alcançá-la desde que ela desapareceu depois da última batalha. Nós pensamos que ela devia estar escondida, não querendo ser encontrada, por que Ruyven certamente saberia se ela estivesse morta. -Ela está viva, então. -O nó de dor no coração de Carolin diminuiu muito ligeiramente. -Sim, embora ela tenha vivido nas selvas como um animal. Você estava certo, a batalha foi demais para ela. Sua mente estava ligada à Estrela-Sol quando ele morreu. Você sabe o


vínculo que ela tem com todos os animais que ela treinou, especialmente com aquele garanhão. Carolin assentiu. Muita dor, muita perda, sentir tão profundamente, sem qualquer defesa... Ele se perguntou se algum deles foi verdadeiramente preparado para os horrores da guerra, as brutalidades de homens como Rakhal e Lyondri, a traição de parentes. Jandria havia parado e estava olhando para ele com uma mistura de compaixão e reserva. -Romilly virá o mais rápido que puder, embora por só a Misteriosa Avarra saiba quando isso será. Ela também ama Orain e não vai deixá-lo nas garras de Lyondri. Se houver qualquer maneira dela ajudar, ela o fará.

Romilly galopou para o acampamento do exército, chegando dois dias depois, montando um esguio, mal treinado castrado ruão sem sela ou freio. Carolin sentiu sua presença, quando ela passou pelos guardas periféricos. Jandria saiu correndo para encontrá-la, juntamente com Alderic e Ruyven. Ela parecia cansada, vestindo uma túnica imunda e calças rasgadas, o cabelo emaranhado e selvagem. Marcas de garras, ainda sangrando, atravessavam seu rosto e um lóbulo da orelha estava rasgado completamente. Mas seus olhos estavam firmes quando ela fez suas perguntas. -Mais tarde explicarei tudo. -Ela insistiu. -O que é essa história de Orain sendo mantido refém por Lyondri? Digam-me! Carolin estendeu as mãos para ela. Seu coração subiu em sua garganta e falou com dor em sua voz. -Criança... -Ele começou e ela entrou em seus braços como se ela fosse de fato a sua querida filha. Ele abraçou-a com força, sentindo a força de seu corpo. No emaranhado de seu cabelo, ele murmurou: -Orain também a ama muito. Eu pensei que tinha perdido você também. Você e Orain, que tanto me seguiram lealmente, e não como um rei, mas como um fugitivo. Venha comigo! Ele a puxou para dentro da tenda onde todos eles se reuniram, todas as pessoas que tinham procurado por ela, Maura, Alderic, Ruyven e Jandria. Jandria insistiu que Romilly comesse um pouco de carne fria e pão. Romilly comeu como se ela não tivesse sentido o sabor de uma comida desde a grande batalha. Ela não falou de seu sumiço ou como ela havia sobrevivido no deserto, nem mesmo quando Jandria, lavando os cortes em seu rosto, questionou ela. Seus pensamentos eram apenas para Orain, como Carolin sabia que seriam. Quando ele tirou o pacote com o dedo de Orain, ela lutou visivelmente se impediu de vomitar. Seu horror e indignação tomou conta dele, ecoando em seus próprios sentimentos. -Ontem, foi uma orelha. Hoje... -A voz de Carolin vacilou e ele temia que, se ele continuasse, ele choraria em voz alta. Jandria disse severamente: -Eu juro, não vou dormir até que Lyondri seja esfolado vivo! -Não jure assim, -disse Maura -pois todos nós já sofremos o suficiente com tudo isso.


-Você chegou justo quando já perdemos quase toda esperança. -Disse Carolin. -Estamos à beira de um ataque à cidade, sabendo que a nossa ação trará a Orain uma morte rápida e limpa.

Nos últimos dois dias, seus homens e leronyn’s tinham lutado para encontrar um caminho para a cidade, mas Rakhal tinha usado aves sentinelas e cães selvagens em torno dos portões que davam o alarme quando um olheiro tentava esgueirar-se. Com o seu laran, eles tentou seguir o soldado comum que trouxe o segundo “presente” sangrento, mas os feiticeiros de Rakhal haviam estabelecido um escudo psíquico ao redor da cidade. No final, eles não tinham escolha a não ser fazer um ataque direto. Em preparação, Carolin enviou uma promessa de anistia para todos os homens da cidade que não levantassem a mão contra eles. A Torre já havia se declarado neutra como resultado da intervenção de Varzil. Não faria mais armas nem forneceriam nenhum leronyn para ambos os lados. Foi extinto qualquer esperança de reforço para Rakhal. -Vamos tomar a cidade ao amanhecer. -Carolin alertou. Romilly ouviu cuidadosamente, especialmente a descrição dos animais sentinelas. -Meu laran é de pouca utilidade contra os homens, -ela lembrou a ele -e eu não tenho nenhum poder contra as defesas psíquicas de Rakhal. Mas eu não tenho medo de qualquer cão ou pássaro, ou qualquer criatura natural. Deixe-me ir para a cidade antes do amanhecer e procurar uma brecha da minha própria maneira. Se eu puder encontrá-lo, e trazê-lo com segurança, então você pode atacar livremente. Não, eu não posso arriscar ela, não agora que ela foi recém-encontrado! Então Carolin lembrou que ela era uma Espadachim, assim como Jandria. Ela tinha provado sua coragem e desenvoltura nas terras selvagens, na fuga, na batalha. Ela não tinha nenhum orgulho vazio. Se ela dizia que poderia fazer uma coisa, fosse cuidando de um pássaro-sentinela doente ou da formação de um cavalo de batalha, ela o faria eficientemente. -Você pode tentar. -Ele concordou. -No mínimo, teremos uma ideia de onde atacar primeiro, para dar a eles para uma morte rápida. Descanse agora e espere até escurecer. Ela saiu com Jandria para a tenda da Irmandade. Carolin controlava-se por momentos, mas sentia que entraria em colapso sob o peso de tantas mortes, tantas decisões. Ele saiu para o campo, como fizera tantas vezes antes, sob a luz pálida de uma única lua. Os homens que cozinhavam reunidos em torno de suas fogueiras, levantaram o rosto quando ele passou. Ele fez uma pausa aqui e ali para falar com eles. Aos poucos, o fardo terrível abrandou, ou talvez fosse o sentimento com cada pequena reunião com aqueles homens que o mostravam que ele não estava sozinho. Romilly tinha deixado o acampamento agora, deslizando como uma sombra para a cidade e por sua própria escolha. Maura, também o tinha escolhido, como todos que andavam com ele. Ele próprio também tinha escolhido. Ele poderia facilmente ter ficado nas terras selvagens além do Kadarin com a vida de um fugitivo. Ele poderia ter pedido asilo com seus parentes Aldaran’s nas distantes Hellers.


Uma memória o atingiu, a figura de luz que tinha tomado suas mãos e ouviu o voto falado apenas no silêncio de seu coração. Pensou em Varzil, na Torre Hestral a muitas léguas de distância, e como ele tinha trazido o cerco ao fim, não pela força das armas ou as armas de laran, mas pelo simples poder da palavra. Existem dois tipos de poder no mundo, o da Torre e o da coroa. Ele tinha dito. Mas cada um deles deveria ter a livre escolha de a quem serviria. Ele iria honrar essa promessa, mantendo a fé com o seu povo e seus amigos mais queridos, seus irmãos jurados e sua amada, mas, o mais importante, com ele mesmo.


CAPÍTULO 50 Carolin teve um sono agitado, entrando e saindo de sonhos fragmentados. Ele parecia estar se movendo através de uma cidade extraordinariamente tranquila. Sombras densas e nada tranquilas, agarravam-se às ruas como cortinas. Nas bordas de sua visão ele captava furtivas formas e luzes cobertas rapidamente. O aroma e o sabor do medo pairavam como uma névoa negra no ar. Paz... paz... silêncio... Os pensamentos de Romilly espalhados pelas paredes onde as aves sentinelas se sentavam como grandes estátuas. Ele sentiu sua vigilância macia sob seu toque mental. Paz... silêncio... Em algum lugar além do muro, um cão rosnou para um rato, em seguida, calou-se. Cavalos cochilavam em seus estábulos, os ratos dentro de seus ninhos. Gatos enrolado em seus lares. Bebês irritados se acalmaram. Silêncio... silêncio... paz ... O contato desapareceu e ele acordou, Romilly deve ter passado da barreira de laran. Ele se perguntou se Rakhal tinha pensado em ver o resto da cidade, ou se seus leronyn’s já estavam a postos guardando os portões. Evanda e Avarra mantenham-na segura. Antes de Romilly sair ele lhe oferecera qualquer recompensa que estivesse em seu poder conceder, até mesmo o casamento com um de seus próprios filhos, se ela pudesse libertar Orain ou, caso estivesse muito ferido, colocar um fim rápido ao seu sofrimento. Ela olhou para ele estranhamente. -Eu faço isso por amor a Orain e não por qualquer recompensa, -ela disse -porque ele era bom para mim, sem qualquer obrigação, quando ele me conhecia apenas como um aprendiz de mestre falcoeiro fugitivo. E então perdeu todos os vestígios dela. Ela estava nas mãos dos deuses. Ele devia tentar descansar o quanto podia antes do amanhecer, pois em breve precisaria de toda a sua força. Pegou água para lavar as mãos e o rosto, comeu um pequeno almoço frio e preparou -se. Do lado de fora da tenda, uma coloração leitosa fraca iluminava o céu oriental. Onde estava Romilly? Por que ela não havia voltado ainda? Algo tinha ido mal e ela estaria também nas mãos de Lyondri agora? E se ela precisasse de mais tempo para encontrar Orain? E será que o alarme havia sido soado e resultado em sua morte, bem como a de Orain? Ele não deveria esperar um pouco mais? Seus oficiais já estavam se movendo, dando ordens em vozes baixas e tensas, soldados e cavaleiros terminavam a refeição apressadamente, apagando as fogueiras e pegando suas armas. Ao longo das linhas de piquete, os homens carregavam os cavalos. A expectativa corria pelo acampamento. Carolin se reuniu brevemente com seus conselheiros e diretores, dando um último incentivo. Um de seus assessores trouxe o cavalo que ele iria montar. Não era tão bom e corajoso como Estrela-Sol, mas duvidava que ele algum dia veria um garanhão negro igual a ele.


Maura, que tinha passado esta noite separada dele com o outro leronyn preparando-se para seu papel na batalha do dia, veio até ele. -Tudo pode estar bem. Ainda não há agitação na cidade, nem mesmo com os pássarossentinela, que deviam ser acordados a esta hora. Eu suspeito que é obra de Romilly. Você não vai adiar um pouco nosso avanço e esperar que ela retorne? Ela tinha falado exatamente o que estava em sua própria mente, a tentação de agarrar-se à esperança, para atrasar uma ação irrevogável. Se ele fizesse o que seu coração pedia, no entanto, ele nunca poderia recuperar o impulso desta manhã. Ele beijou sua testa. -Todos estão em prontidão. Se vamos tomar a cidade e colocar um ponto final no sofrimento de Orain, tem que ser agora. Romilly compreendeu isso. Vamos atacar conforme o planejado. Ela caminhou com ele por todo o acampamento. Os primeiros raios do nascer do sol lançavam um brilho suave sobre a cidade antiga e brilhavam sobre as vestimentas de batalha. Os homens levavam os cavalos para a posição com o tilintar dos anéis do arnês. Eles ficaram em posição de sentido quando Carolin passou. De repente, um clamor irrompeu além dos portões, cães ladravam loucamente, pássaros voaram e o alarme soou descontroladamente. -Veja! -Alderic apressou-se. -Olha lá, junto à porta! Carolin se esforçou para ver a três figuras correndo longe de uma das entradas laterais da cidade. Ele reconheceu Romilly, com o cabelo amarrado para trás sob um lenço escuro, o rosto lambuzado de fuligem, segurando a mão de um menino de cabelos louros em um camisolão branco... E em seus calcanhares, Orain! Ataduras ásperas cobriam um lado de sua cabeça e ele mancava. Com um soluço inarticulado, Carolin correu e pegou Orain em seus braços. Orain cheirava a sangue e sujeira, mas ele estava vivo. Ele abraçou Carolin de volta com fervor. Carolin ouviu Romilly chorando. -Nós estamos seguros... nós estamos seguros. Oh, Caryo, nós nunca conseguiríamos sem você! Ele virou a cabeça para ver o pequeno filho de Lyondri, seu xará. O rosto do garoto estava coberto de lágrimas brilhavam na luz do alvorecer. Carolin, num único movimento, abraçou o pequeno Caryo e Romilly, juntamente com Orain. -Ouça. -Orain disse, afastando-se. Seu corpo tremia incontrolavelmente. Um segundo e ainda mais frenético alarme soou na cidade. -Eles sabem que eu sumi... -Nosso exército está aqui para protegê-lo. -Disse Carolin. -Eles não vão tocá-lo de novo, meu irmão. Agora, eu acho que eles não têm escolha, senão se render, já que eles têm poucos adeptos e a maioria deles deixou a cidade e não possuem nada para negociar. Orain estremeceu quando Carolin, abraçando-o mais uma vez, roçou-lhe a orelha enfaixada. Em pouco tempo, Carolin pegou Orain e levou à sua tenda, onde Jandria tomou conta dele. Romilly novamente recusou qualquer recompensa, dizendo que esperava que Orain soubesse que, mesmo ela sendo uma menina, ela não tinha menos coragem que qualquer homem. Algo em sua independência orgulhosa amoleceu e ela permitiu que Orain a balançasse como uma criança, ambos chorando. Orain estendeu a mão livre para Alderic.


-Deram-me a notícia de que você se ofereceu para ficar no meu lugar como refém, meu filho... Eu não sei o que eu fiz para merecer isso, pois eu nunca fui um bom pai para você. Alderic ficou em silêncio por um momento. -Você me deu a vida, senhor, e você me deixou livre para seguir meu próprio caminho. Devo-lhe isso pelo menos, já que não teve mais nada de mim em termos de amor e respeito. -Vocês estão todos aqui, sãos e salvos. -Disse Carolin. -Isso é suficiente. E então voltou-se ao filho pequeno de Lyondri e disse: -Você está seguro comigo, Caryl. Juro que serei um pai para você e será criado como um de meus próprios filhos. E não matarei Lyondri, se eu puder evitar. Ele pode me deixar sem escolha e não me atrevo a confiar em sua palavra de honra, mas se puder, vou oferecer-lhe uma vida no exílio. -Eu sei que fará o que for honroso, tio. –O menino respondeu com voz trêmula. Romilly ficou de pé e pegou a mão de Caryl. -Meu senhor, eu posso levar o seu pequeno parente para a tenda da Irmandade e encontrar para ele algumas calças decentes? -Por favor, tio, -disse o menino- eu não posso me mostrar para o exército em uma camisola. Carolin riu e parecia que um grande peso tinha sido retirado de seu coração. -Faça como quiser, minha mestra falcoeira. Você foi fiel a mim e àqueles que eu amo. Ele notou o sorriso de Maura. -Prometi-lhe que iríamos celebrar o nosso Festival de Verão em Hali e iremos. Mas, primeiro, eu devo tomar de volta a minha cidade. Carolin andava com seu exército para o portão principal. Maura e seu outro leronyn vieram com ele, Jandria comandava as espadachins, mas sem Romilly ou Orain. Eles permaneceram na segurança do acampamento, já tendo sofrido demais. Não seria difícil de romper as paredes ou derrubar os portões de madeira. As fortificações de Rakhal tinham sido feitas às pressas, mais para mostrar do que para realmente defender. Carolin preferiu não arruinar a cidade que ele iria governar ou derramar o sangue de seu povo, se tivesse seu apoio. Seu arauto gritou que o rei legítimo havia retornado e alertou aos habitantes para que não houvesse resistência e o recebessem. Mais uma vez, Carolin prometeu que não iria prejudicar qualquer homem que não oferecesse nenhuma violência contra ele. Por um tempo, não houve resposta. Os portões permaneceram fechados e em silêncio. O primeiro sinal de rendição foi o súbito afastamento dos feitiços de laran. Em seguida, surgiram os sons de luta atrás dos portões. -Os leronyn de Rakhal devem tê-lo abandonado, -disse Maura -e os seus homens restantes estão lutando um com o outro em desacordo. -Seus olhos tinham um olhar um pouco vítreos com a concentração, e Carolin sabia que ela estava olhando com a Visão. -Olhe agora para a porta lateral. Aqueles que desejam rendição e reconciliação vão tentar abri-lo. Enquanto falava, a porta menor abriu-se. A vanguarda de Carolin pressionou. No início, eles encontraram resistência, mas os defensores também estavam lutando contra suas


próprias forças divididas. Logo, os homens de Carolin foram capazes de vencer e abriram o portão principal, permitindo que o seu exército entrasse. Enquanto as forças de Carolin entravam mais e mais na cidade, as pessoas comuns surgiam na frente de suas casas, ficando em varandas ou aventurando-se nas ruas. De suas varandas, algumas senhoras acenavam com seus lenços coloridos. -É Carolin! -Alguns choravam, torcendo pelo rei. -Rei Carolin! Outros responderam. -O nosso legítimo rei! O rei voltou! A oposição mais determinada surgia em pequenos grupos de homens usando o distintivo de Lyondri. Eles lutavam desesperadamente, sem esperança de misericórdia, pois eles não tinham dado nenhuma. Com a derrota de seu mestre, eles certamente seriam chamados para prestar contas sobre suas brutalidades. Homens comuns uniram-se aos soldados de Carolin e os recém-fiéis guardas da cidade no ataque. Um por um, confrontados com a mais irresistível força em uma cidade despertando para a sua libertação, os homens de Lyondri sucumbiram ou largaram as armas. Maura apontou para uma parede cinzenta e maciça de uma casa, mais forte do que qualquer outra habitação. -Ali está a fortaleza de Lyondri onde ele mantinha Orain cativo. -Será que ele vai render? Ou ele vai lutar? -Carolin perguntou a ela. Ela balançou a cabeça, balançando-se na sela. -A Visão mostra muitas coisas, mas não os corações dos homens. -E Rakhal? -No palácio. Eu acho que ele está fugindo para as câmaras superiores, a sala onde estavamos habituados a jogar em dias chuvosos. -Chega. Ele disse suavemente. -Você já me deu o que preciso. Nenhum homem poderia pedir mais. Volte agora para a segurança do acampamento. Maura pediu para permanecer em um lugar com o outro leronyn, embora ela concordasse em não usar a visão ainda mais, a menos que houvesse extrema necessidade. Ela argumentou que era mais seguro no meio do exército de Carolin do que em qualquer outro lugar. -Deixe-me ir com você. -Disse Jandria para Carolin. -Por Caryl ter ajudado na fuga de Orain, e pelo o amor que nós compartilhamos uma vez, eu não traria a morte Lyondri desnecessariamente. Os últimos dos homens de Lyondri esperaram no interior das barricadas. Quando a força de Carolin irrompeu, a luta mais feroz entrou em erupção. Alguns usavam equipamentos dos soldados, mas não todos, e Carolin se perguntou se o torturador de Orain estava entre eles. Esses homens não eram covardes. Eles lutaram com firme determinação. Jandria e suas Espadachins ocupava-os fortemente, pressionando-os para dentro. Eles tomaram o corredor central e as entradas para os corredores e escadas que levavam para cima. A cada minuto que se passava, menos defensores permaneciam. Seu sangue respingou no limiar de uma câmara que cheirava a dor e desespero. Esta deve ter sido a câmara onde Orain tinha sido torturado, onde... Carolin arrancou sua atenção para o momento, para o choque das espadas, o peso da espada na mão, os gritos dos homens ao seu redor. O último dos homens de Lyondri, quatro deles ainda em seus pés e um quinto


mais abaixo com um corte em uma coxa jorrando sangue, tomaram posições antes da porta de uma sala interna. -Esperem! -Carolin gritou. -Vocês não podem ganhar. Entreguem-se agora e vou poupar suas vidas. -Nunca! -Um dos homens gritou. Ele manteve a sua posição, a espada levantada, os olhos iluminados com desespero. -Nós vamos entrar para a história com glória! -Acabou. -A porta se abriu e Lyondri ficou lá, seu ombro tombado como se estivesse sob um peso insuportável. Ele adiantou-se para a luz que mostrou as linhas profundas em seu rosto. Seus olhos cinzas sob cílios pálidos se arregalaram quando ele viu Jandria em seu colete vermelho de pé atrás Carolin. -Então é isso... -Ele disse como se tentasse convencer a si mesmo. Então ele levantou sua voz. -Entreguem-se ao Rei Carolin, assim como eu. É minha última ordem à vocês! -Embora ele falasse em voz baixa, os homens baixaram as armas ante sua autoridade. Lyondri avançou e fez menção de se ajoelhar diante de Carolin. Carolin segurou-o mantendo-o em pé, mas ordenou aos seus homens para prender as mãos de Lyondri. Mesmo vencendo e ele se entregando, não me atrevo a confiar nele como eu fiz uma vez. -Você não vai me deixar com um único punhal para que eu possa da fim a minha própria vida? -Lyondri disse com um sorriso amargo. -Deve ser, então, porque você reserva esse prazer para si mesmo. -Você não sabe quem é o Rei Carolin ou você não diria uma coisa dessas. -Disse Jandria. -Você também veio para tripudiar sobre mim na derrota? -Lyondri rosnou. -Não. -Ela respondeu com um toque de tristeza. -Apenas para ver se havia restado qualquer coisa do amigo uma vez que eu amei. -Você fala como se esperasse o mesmo tratamento que você tem dado a tantos outros. Disse Carolin. –Por amor a Orain, eu deveria esfolar você vivo e despejar sal em cada tira sangrando que saísse de sua pele. Mas então eu seria como você, Lyondri, e seu mal teria triunfado. Para o meu próprio bem, e de seu filho inocente, eu ofereço-lhe sua vida, contanto que você nunca pise em minhas fronteiras novamente. Lyondri hesitou. -Então Caryl está com você? Eu me preocupei tanto quando vi que ele não estava em sua cama. Eu não tenho escolha a não ser concordar com seus termos. Você mantém o meu único filho como refém contra mim. Ele acha que sou um monstro porque foi isso que ele se tornou. -Vou manter Caryl comigo, sim, -Carolin disse -mas não como um prisioneiro, nem vou puni-lo por seus crimes. A sua própria consciência, se você ainda tem uma, deve fazer isso. Desgostoso, Carolin virou as costas para o primo que uma vez ele tinha amado, e foi lidar com o outro.

Carolin deixou um pequeno exército em torno da sede de Lyondri e seguiu para o castelo. Alguns dos guardas mudaram-se para bloquear o seu progresso através do pátio exterior, mas quando viram a pouca chance que tinham decidiram ouvir sua oferta de clemência, com coração mais desesperado e entregue a ele, então houve pouca luta em si no castelo.


Assim como Maura tinha visto, Rakhal tinha se escondido em uma das Torres mais altas. Carolin subiu a última série de degraus à frente de uma dúzia de seus melhores homens. Cada pedra evacava memórias de quem ele foi uma vez, vivendo dentro delas na inocência e confiança. No entanto, cada respiração agora também carregava o cheiro de sangue recém derramado. Os músculos de seus ombros doíam por causa do peso de sua espada. Seus lábios formavam os nomes daqueles que tinham ido embora para sempre, homens que ele tinha amado, homens que haviam morrido em seu serviço, mesmo o garanhão Estrela-Sol, tudo por causa da ganância e ambição do homem no quarto acima. Como posso mostrar-lhe misericórdia depois do que ele fez? Como posso ser um rei justo e fiel ao meu povo, como jurei fazer, se eu não for duro com Rakhal? O trinco moveu-se levemente debaixo de sua mão. Quando tinham jogado aqui no passado a câmara nunca tinha sido bloqueada. Uma luz aguada encheu a pequena câmara circular de modo que uma tela cinza parecia estar em cima de cada pedra, cada curva de madeira e cada almofada. As janelas tinham sido abertas totalmente. Rakhal estava ao lado de uma delas, com suas feições iluminadas por trás formando uma silhueta, estava segurando suas vestes de pele contra seu corpo. Por um momento, Carolin pensou que ele estava olhando para o passado, vendo um fantasma. Foi até a figura inchada, encharcado de vinho, com um desprezo lascivo, o olhar habitualmente se estreitou. Quando Rakhal se mexeu e a luz mudou, ele não parecia jovem, mas enrugado, como se estivesse consumido por dentro. Dois dos homens de Rakhal permaneciam a postos em defesa na frente de seu senhor com as espadas em punho. Carolin sentiu um terceiro atrás da porta aberta numa emboscada. -Então ele veio aqui... -Disse Rakhal. -O tolo se apresenta para reclamar o seu trono. -Ele balançou os braços, as mangas de seu manto batendo como as asas de um pássaro disforme. -Você está condenado! O dia de fogo está chegando e você não poderá evitar! Carolin sinalizou a seus homens para ficarem prontos para cuidar dos defensores de Rakhal. Seus dedos estavam enrolados em torno do punho da espada. -Oh, sim. -Rakhal continuou -Eu sei seus segredos, da bruxa cristofora que você manteve como esposa, sussurrando o veneno de fraqueza em seus ouvidos. Eu devia ter estrangulado aqueles pirralhos em seus berços, mas você teria descoberto cedo demais... O castelo estava cheio de espiões em todos os lugares, resmungando pelos cantos, cochichando em meus sonhos. Você virou todos contra mim, mesmo a doce Maura, mas ela não me deixou... Deixar a mim... Você é uma praga... A pestilência de Zandru vai atingir todos vocês! Seu rosto convulsionado era pura angústia. -Ataquem! -Espere! -Carolin chorou com tanta força que os homens de Rakhal hesitaram. -Você não pode ganhar. Você está preso aqui e em menor número. A cidade rendeu-se. Não há para onde correr. Suas mortes não servem de nada. Vocês não vão abaixar suas espadas e salvar suas vidas? Quanto a Rakhal... atrevo-me a deixá-lo viver? Ele nunca vai parar com as intrigas, nunca vai parar de me odiar. Lyondri ansiava por poder, mas nunca ambicionou ou alcançou o trono. Tendo sido rei uma vez, para Rakhal nunca faltariam homens descontentes ou corruptos prontos para


segui-lo. O preço de misericórdia poderia muito bem ser a causa que levaria o reino a cair sob as chamas. Com um grito medonho, Rakhal apontou para Carolin. -Matem ele! Matem todos eles! Carolin empurrou a porta que estava totalmente aberta, prendendo o terceiro homem contra a parede. Ele virou o corpo contra a porta para que seus homens pudessem entrar em primeiro lugar. No momento seguinte, a sala explodiu em ação frenética. A câmara era pequena, mesmo para eles quando eram crianças, agora meia dúzia de homens crescidos, cortando uns aos outros com espadas, enchia a câmara completamente. Mesmo se Carolin quisesse saltar para a briga, ele não conseguiria encontrar uma abertura. A porta bateu-se contra o ombro de Carolin. O homem preso estava tentando se libertar. Carolin empurrou de volta, tão forte quanto podia, e foi respondido por um grito abafado. Dois a mais de seus próprios homens aproximaram-se. Ele se encostou na porta e gritou novamente para os homens de Rakhal se renderem. A luta foi dura, mas, em alguns minutos, acabou. Um dos defensores de Rakhal estava no chão, desarmado e paralisado. O outro, diante de todas as adversidades, baixou a espada. Carolin, apontando para os seus homens, soltou a porta e o homem preso atrás caiu livre, apenas para enfrentar três pontas de espadas em sua garganta. Carolin esperou até que os homens de Rakhal entregassem suas armas e fossem presos antes de entrar na sala. -Então é isso, Rakhal. -Carolin repetiu a frase de Lyondri. Rakhal reuniu suas roupas em torno dele como uma dignidade esfarrapada... -Então você gostaria de acreditar que é assim que vai acabar... Você não conseguiu manter o trono antes, o que te faz pensar que você irá mantê-lo agora? Não importa o quão profunda seja a masmorra ou quanto tempo dure o exílio, eu não irei descansar até ter cortado sua cabeça e pendurá-la numa lança fora dos portões da cidade! -Não vamos fazer ameaças vazias diante dos homens, primo. Você perdeu e não quer entregar-se a minha justiça? Por um momento pareceu que Rakhal iria ceder. Então seus olhos se deslocaram com um brilho de loucura. -Se eu não posso ser rei, então você também não será! -Em um movimento relâmpago, uma espada apareceu em sua mão, escondida nas dobras de seu manto. Ele saltou para a frente, rápido demais para os soldados de Carolin reagirem. Carolin, prevenido pelo ligeiro movimento dos olhos de Rakhal, já estava levantando sua própria lâmina. Ele desviou o impulso de Rakhal que cambaleou e correu como uma enxurrada, tão rápido e firme, que precisou de toda a habilidade de Carolin para afastá-lo. Rakhal não se importa se ele vive, contanto que eu não viva. O pensamento consciente desapareceu no calor do ataque. Rakhal estava pressionando-o com força agora, lutando com uma ferocidade imprudente. O impacto dissonante do aço estremeceu o braço de Carolin. Os nervos e músculos perfurados em incontáveis horas no pátio de treinamento, reagiaram. A treinada respiração e o fogo de guerra surgiu em Carolin, cada sentido aguçando-se. A adrenalina percorreu seus nervos. Ele captou o ritmo dos golpes de Rakhal, o padrão para notar com antecedência dos golpes. Era como uma dança, um parceiro dando um passo adiante no mesmo instante em que o outro dava um passo atrás.


Rakhal diminuiu uma fração, um mero pequeno atraso entre os golpes. Sem pensamento consciente, Carolin fluiu na abertura. Sua espada disparou para a frente, uma extensão da sua vontade e da mão. Ele passou pela guarda mal erguida de Rakhal. A ponta da espada alcançou na base oca da garganta de Rakhal e pousou. Eu o venci agora... Nunca! Rakhal mexeu-se para o lado, os olhos brancos e selvagens. O movimento deixou um arranhão, jorrando sangue, mas não fatal. Carolin mudou-se para atacar ele novamente. Rakhal, em vez de fugir do ataque, avançou com uma estranha carga de ataque. Carolin reagiu, girando ao seu encontro. Sua espada atacou como se também procurasse um rápido fim a este jogo mortal. Com um empurrão, a espada de Rakhal enfrentou o chão. Carlo! A outra mão! O aviso silencioso de Maura gritou na mente de Carolin. Rakhal diminuiu a distância, com uma adaga nas mãos o avançando sobre Carolin. Por pouco, Carolin desviou. A adaga de Rakhal esfaqueou pano em vez de carne. Momentaneamente pegou o braço de Rakhal em um arco e ele se retorceu para outro ataque. Com os baques tão próximos, o comprimento da espada se tornou inutilizável na ponta ou na borda. Por algum instinto, Carolin levou a espada para cima, na vertical, como um escudo estreito. Ele pegou o seu primo ao longo da parte superior do braço, perto do punho e entrou no golpe. Rakhal tropeçou com o impacto, mas não deixou cair a adaga. Ele oscilava muito, recuperando–se loucamente, como uma esperança desesperada de escapar ultrapassando a guarda de Carolin. Sangue respingou dos ferimentos no braço e no pescoço. O punhal está envenenado! Maura chorou. Missericordiosa Avarra, agora eu preciso matá-lo. Um terrível silêncio tomou conta do coração de Carolin. Entregou-se totalmente a ele. Seu peso deslocou-se tornando seu passo mais leve. Era como se o espírito de algum animal predador, um lobo ou um leopardo-das-neves, entrasse nele. Ele não viu um homem diante dele, um primo... mas sim um traidor, torturador, assassino... somente um corpo através do qual a morte podia entrar. Rakhal levantou, deu um passo e depois outro até que se aproximou das janelas abertas. Seu rosto convulsionado, como se ele percebesse que sua chance tinha passado. Carolin avançou. Ele viu, sob as vestes de Rakhal, a curva das costelas, o caminho e o ângulo exato para o coração. No espaço entre os batimentos cardíacos, sua espada cortou o ar. Ele jogou toda a sua força em direção a ele. Quando ele o alcançou, Rakhal gritou, um rugido de fúria e desespero. Carolin sentiu o momento do contato, um instante de resistência, e depois nada. Um momento depois lançou-o para a frente. Rakhal caiu para trás sobre o parapeito da janela, sacudindo livre da espada de Carolin e tomando, caindo num grito. Um instante depois, seu grito cortou-se. Carolin correu para a frente. Inclinando-se, ele viu que Rakhal tinha caído em um muro baixo em torno do jardim ornamental abaixo. A partir do ângulo anormal do corpo, sua espinha tinha sido quebrada. Ele não se moveu mais. Uma tontura atingiu Carolin como uma doença na alma. Ele nunca, até o fim de seus dias, teria certeza se ele tinha matado seu primo ou se Rakhal tinha escolhido seu próprio fim.


Isso não importava. Ele tinha planejado matá-lo e assim pôr fim ao monstro degenerado que havia tomado o seu trono, mas também o menino de olhos brilhantes que jogava com ele nesta mesma sala, o jovem rindo enquanto dançava com Maura e Jandria, o sobrinho solícito atendendo os desejos do idoso Rei Felix, o companheiro de caça e amigo que dava conselhos sobre política da corte a Carolin. O homem que, para o bem ou para o mal, usou a coroa dos Hastur. Para ser um rei devia aceitar o peso total do que tinha feito. Sem culpas, sem desculpas e sozinho. Maura estava na porta. Seu rosto estava muito pálido e lágrimas brilhavam em seus olhos. -Ele escolheu ser o que ele era, assim como eu e você. O que eu sou? O que eu tenho feito de mim mesmo. Como o que eu sou resultou no exílio de um parente e a morte de outro? Ela deu um passo em direção a ele, de modo que a luz cinza caiu como um brilho em cima dela. -Você é Carolin, Rei Hastur de Carcosa e Hali, bredu para Varzil de Arilinn, salvador de Orain, pai e amigo, um bom homem que tem enfrentado desafios extraordinários e manteve a fé de todos nós. E pela graça de Evanda, você também é meu amado. Seu coração estava tão cheio de bons sentimentos que ele não pôde falar. Nessas poucas palavras, ela tinha devolvido o homem dentro da coroa. Ela pegou sua mão e levou-o de volta para as escadas e para a cidade, onde seu povo esperava por ele. Um pensamento veio a ele de que havia uma terceira potência no mundo. Além da Torre e da coroa... O coração. E talvez este último fosse o mais poderoso de todos eles.


EPÍLOGO Carolin Hastur estava na janela de sua câmara privada e permitiu que seus ombros cedessem. Ele estava mantendo-se em pé com dificuldade, mascarando seu cansaço, por dez dias seguidos. A coroação oficial aconteceu em Hali entre as coisas sagradas e a presença invisível de seus antepassados. Ele não a descartava, amava aquela cidade, mas mudou a capital para Thendara. Thendara: uma nova capital para uma nova era. Apesar dos resmungos dos guardiões auto-nomeados da tradição, ele mudou sua corte para o Castelo em Thendara. O último Rei Hastur a viver aqui tinha sido Rafael II, que também reinou em períodos de turbulência. O início foi complicado com todas aquelas providências que eram necessárias para um rei retornando do exílio. Reuniões, execuções, perdões, substituições de pessoal, verificação dos estoques... a lista parecia não ter fim, mesmo com o infatigável Orain como seu escudeiro. Agora, a maioria destas providências já estavam bem encaminhadas. Haveria sempre mais a resolver... núcleos de ressentimento, partidários de Rakhal, conflitos nas fronteiras e casos legais difíceis, além das atividades normais do funcionamento de um reino desse tamanho. Por enquanto, porém, ele podia descansar e desfrutar o seu próprio prazer. Suas promessas para as pessoas de que ele iria assumir o governo tinha sido cumprida. Havia mais uma promessa a cumprir. Uma batida na porta que levava a câmara exterior trouxeram de volta sua atenção. Carolin deu sinal para o guarda a posto ali, um dos jovens oficiais que haviam lhe servido tão bem na última campanha sangrenta. A porta se abriu e um homem entrou, elegante em suas vestes em cores verde e ouro, o rosto calmo e inteligente. Por um longo momento, Carolin olhou para a transformação de seu amigo. Anos haviam se passado desde que tinham se visto pela última vez pessoalmente, anos que as batalhas de cada um os havia separado. Ele não tinha imaginado que Varzil teria mudado tanto. Seu amigo tinha fios brancos cobrindo as têmporas e linhas de sofrimento marcavam seu rosto. Os anos tinham emagrecido o robusto Varzil, mas ainda havia um ar de poder sobre ele que fez Carolin pensar que nem mesmo uma montanha poderia derrubá-lo. Varzil inclinou a cabeça, mais numa saudação de homenagem, o reconhecimento do mestre de um tipo de poder para outro. Carolin pensou em como isso era verdade, Torre e castelo, cada um, tinha o poder de um mundo em si mesmo, mas ambos independentes entre si. Varzil estava esperando Carolin falar primeiro, como convinha a um anfitrião e rei. -Meu velho amigo, como é bom vê-lo novamente. -Disse Carolin. Ele começou a levantar os braços em um abraço de parente e depois pensou melhor. Embora a expressão de Varzil estivesse amigável, havia sobre ele um ar inefável de distanciamento, como se ele tivesse se fragmentado ao redor do mundo e depois se reestabelecido com dificuldade, e ainda assim sua essência tivesse permanecido à parte. Ele era, afinal, um Guardião. E então Varzil abriu um sorriso e ele tomou Carolin em um abraço apertado. -Meu amigo, Carlo. Faz muitos anos desde a última vez que nos cumprimentamos pessoalmente. -Muitos anos... -Disse Carolin, sorrindo um pouco mais amplamente por causa do apelido familiar. -Nem me lembre... Venha, fique à vontade. Bebe algo?


Carolin abriu caminho para um par de cadeiras acolchoadas dispostas em torno de uma mesa servida com jarros de vinho, ambos refrigerados e preparados com especiarias, e um prato de doces em formato artistico. O guarda na porta saiu, deixando a câmara em silêncio. Varzil ficou imóvel, com as mãos cruzadas no colo. Carolin não se lembrava como eles eram pequenas e o anel que seu amigo usava era desconhecido. Alguns minutos se passaram em constrangimento pelo tempo ausência antes que a conversa se estabelecesse. Carolin contou apenas uma pequena fração de suas aventuras, evitando grande parte dos tempos sombrios e omitindo inteiramente muitos episódios. Ele imaginou que Varzil estava fazendo o mesmo. Isso não importava. Nem era o historiador da dele. Muito mais importante era a camaradagem fácil que sentiu no fluxo de palavras e mesmo no silêncio. Depois de uma longa pausa, Carolin disse: -Cada um de nós sofreu muito e cresceu muito também. Ainda assim parece que só um pouco de tempo se passou desde que éramos meninos, compartilhando nossos sonhos para o futuro juntos. Você se lembra daqueles sonhos, Varzil? Você ainda se apega a eles? Eu nunca deixei de trabalhar por eles. -Mesmo quando você estava no exílio, -Varzil disse em voz alta- e parecia não haver esperança de nos encontrarmos de novo neste mundo. Mesmo nessa época. Eu temo que tenha criado uma reputação sobre mim mesmo ao falar do seu pacto. Loryn da Torre Hestral começou a chama-lo de “O Pacto de Honra” e por isso se tornou meu aliado e o sonho criou essa fama. Carolin riu. Os relatórios não haviam exagerado, então. -Pelo que ouvi, metade de Thendara acha que você é um santo e a outra metade está igualmente convencida de sua loucura. As mãos de Varzil moveram-se de modo engraçado. -Eu não ligo para o que eles pensam de mim, desde que eles ouçam as minhas palavras. As ideias são muito mais importantes do que a minha auto-estima ser rebaixada. -Sua própria baixa auto-estima? Ah, mas você sempre foi muito modesto, Varzil, descrevendo-se como menos do que você realmente é. O destino e o mundo ter apego por você. Você não pode escapar disso. As pessoas te chamam Varzil, O Bom e o Senhor de Hali. Eles ainda falam de como você apareceu na Torre vestido com luz viva, como o próprio Aldones. Alguns dos meu próprio exército tomou isso como um presságio de vitória, um sinal de que o poder de Rakhal estava finalmente em declínio. Varzil desviou o olhar e fez um gesto depreciativo. -É demais. Nunca tive a intenção de ser tal lenda. -E algum de nós teve? Sem dúvida, em algum canto deste mundo, as pessoas contam muito o mesmo tipo de história sobre mim, ou será assim em uma ou duas gerações. Varzil... -Carolin observou como seu amigo reagia à mudança em sua voz. Seus olhos se encontraram e a distância e os anos sumiram. -Varzil, vamos dar-lhes algo real para falarem. -Você quer dizer realizar o nosso Pacto? Haverá muita resistência. Reis não estão entusiasmado com a imposição de restrições em seus próprios recursos militares, a menos que seus vizinhos o façam em primeiro lugar e ninguém quer correr o risco de começar. -A


expressão de Varzil iluminou-se. -Eu não sei se ele poderá ser realizado em nossa vida, ou completamente, mas eu acredito que isso só será possível se nós dois fizermos isso juntos. Carolin estendeu as mãos. -Por esta razão, só podemos fazer a nossa parte. Quem vai ouvir e quem se unirá a nós, isso está nas mãos dos deuses. Eu tenho algo mais definitivo em mente, algo que podemos fazer juntos. Os homens precisam mais do que promessas de esperança. Vi muito claramente isso durante meus anos de exílio. Eu não poderia dar ordens aos meus homens e me esconder com segurança em minha tenda. Para dar-lhes a esperança em seus corações, eu andava pelo campo para que eles me vissem e ouvissem a minha voz. Os homens comuns não são animais sem imaginação nem deuses para si mesmos. O que eles precisam agora é um símbolo, uma promessa concreta de que o futuro não precisa ser uma repetição do passado. Os olhos de Varzil se arregalaram em compreensão. -A Torre de Neskaya. Falamos de reconstruí-la, você e eu juntos. -Isso nós podemos fazer e que seria um lugar de estudos e de prestação de serviços, à parte de quaisquer envolvimentos insignificantes em conflitos do mundo. Agora, esse sonho pode ser cumprido. Você vai trabalhar comigo para construir não apenas a Torre física, mas também um poder real? Você aceita ser o Guardião dessa nova Neskaya, esse farol de esperança? Sem pensar, Carolin estendeu suas mãos como ele tinha feito tantas vezes nos meses anteriores, como um senhor abençoando um membro leal de seu reino. Após um momento de hesitação, Varzil estendeu a mão. Ele colocou uma mão entre as de Carolin e a outra para fora, de modo que o gesto consagrado de lealdade foi feito. -Com todo o meu coração, e com todo o poder que está sob meu comando, eu serei leal a você, Rei Carolin Hastur, e nossa causa e farei o que for preciso. -Então vamos começar.


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