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José Gregório, 80 anos a tocar guitarra portuguesa
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Aprendiz de sapateiro, aprendeu o instrumento com 14 anos. Hoje, aos 94, ainda toca com regularidade.
nhar a variação completa”, conta.
O fado mudou muito ao longo de todos estes anos. Naquele tempo, cantavam e tocavam nas tabernas, mas tinham de pagar as garrafas de vinho e as conservas que eram o petisco usual. Até aparecer o turismo, nos anos 60, os músicos não eram pagos.
“Aquilo era fado vadio, tão vadio que acabava, muitas vezes, em pancadaria, porque as pessoas bebiam muito e discutiam por tudo e por nada. Bastava acabar o dinheiro de um e o outro não lhe pagar um copo para haver murro. E começou a ser difícil tocar nas tabernas, porque os donos já sabiam como iria acabar e nem deixavam começar. Hoje é que os fadistas e guitarristas são excelências, bem pagos, com direito a jantar”, afirma.
// José Garrancho
Quando se fala de fado e de guitarra portuguesa, principalmente no Barlavento algarvio, o nome do mestre José Gregório vem à baila, um lagoense que vive no Parchal.
Mestre, sim, porque ensinou muita gente e tocar e a cantar, ao longo da sua vida, quando estavam no início e iam visitá-lo na sua casa de pasto. E sempre com a humildade que faz toda a gente gostar dele, sem cobrar um tostão, apenas por amizade.
curso, o Lagoa Informa quis saber como o guitarrista entrou nestas andanças do fado...
“Tinha 13 ou 14 anos, apareceu uma guitarra lá em casa. Era de um amigo que a comprara e tinha medo da reação dos pais, pois o dinheiro não abundava. Ele já tocava alguma coisa, não sei onde aprendera, e treinava na minha casa. Eu via o que ele fazia e depois, às escondidas, tentava imitá-lo. Ao fim de uns dois meses, os pais descobriram e disseram que podia levar o instrumento para casa. Mas eu continuei”, diz.
tinha nível para acompanhar fadistas de Lisboa. Depois, apareceu o Zé da Matilde, mas com esse ninguém aprendia nada. Até se virava de lado, escondendo o instrumento, para não vermos as posições dos dedos na escala. E não era o único. Quem tocava e ensinava todos os instrumentos de cordas era o Tio Cardoso, de Ferragudo, mas quase não ganhava para comer, porque os alunos eram poucos e desistiam logo”, recorda.
Para José Gregório a guitarra era uma paixão. “Naquela idade, achava que ser capaz de tocar um instrumento era o máximo”, afirma. Trabalhava como sapateiro e, por volta dos 18 anos, veio o namoro e abandonou a guitarra. “As raparigas não gostavam muito de fadistas e guitarristas, que tinham má fama, porque andavam a cantar e a tocar por aí, à noite”.
A velha guitarra do avô ros em Ferragudo, cujos nomes não recordo, um tocava guitarra portuguesa e o outro, viola. Fizeram parte do meu início do fado, pois eu ia ouvi-los para aprender. Um dia, atuou em Ferragudo um guitarrista do Barreiro, o Militão Hilário, que tocou uma variação. Nada de especial, nos dias de hoje, mas muito bom para nós, na altura. Eu e os dois barbeiros fomos assistir, cada um tirou um bocadinho e conseguimos apa-
Perdeu dinheiro com o fado, mas ganhou amigos José Gregório começou como sapateiro, seguindo as pegadas do seu pai, durante mais de 20 anos. Entretanto, começaram a aparecer sapatos mais baratos nas feiras, a produção do calçado artesanal decaiu e, ainda não tinha 40 anos, dedicou-se ao negócio das amêijoas, adquirindo viveiros na Ria de Alvor. Entretanto, transformou o rés-do-chão do prédio em casa de pasto, onde também laborava, em conjunto com a es-
Homenagem com o I Concurso de Guitarra de Lagoa
De um modo geral, naquele tempo, iniciavam-se na viola, acompanhando-o depois nas suas atuações. Alguns mudaram, mais tarde, para a guitarra portuguesa. Além disso, José Gregório também ajudou vários fadistas em começo de carreira. Com este per-
Não havendo escolas de música, professores, vídeos ou internet, como hoje, os jovens aprendiam a tocar da maneira possível. “Aprendíamos quase sozinhos, porque havia poucos guitarristas e não ensinavam. Era muito difícil. O António da Mariazinha, de Portimão,
O Mestre Zé Gregório ainda guarda uma ‘guitarrinha’ com que o seu avô tocava em casamentos e batizados. Foi-lhe enviada, teria 23 ou 24 anos, por um primo que sabia que ele gostava de tocar.
“Já estava esquecido, nem me lembrava de como se afinava o instrumento, mas comecei tudo de novo e nunca mais parei. Ainda hoje toco. Havia dois barbei- posa e uma empregada. Foi o local onde muita gente se iniciou e começou a gostar de fado, durante cerca de cinquenta anos.
O Mestre José Gregório tem sido homenageado várias vezes, não só pelos diversos presidentes da Câmara de Lagoa, como por profissionais e amadores do fado, que o consideram o decano dos guitarristas algarvios. Frequentaram a sua casa, como amigos e companheiros, tocando juntos, os guitarristas António Chainho e Raimundo Seixas e o viola de fado Carlos Velez, entre outros grandes intérpretes a nível nacional. A 27 de outubro de 2002, a sua festa de homenagem, na ACD de Ferragudo, teve em palco imensos fadistas e músicos algarvios, do Alentejo e de Lisboa, incluindo o grande guitarrista António Chainho. Era uma espécie de festa de despedida, mas, mais de 20 anos depois, continua a dedilhar a sua guitarra com o mesmo amor com que sempre o conhecemos. De 31 de março a 2 de abril, haverá o ‘I Concurso de Guitarra de Lagoa’, (ver página 16) em que será o homenageado, tributo bem merecido, pois até a rua onde mora, no Parchal, é mais conhecida, há muitos anos, como 'a rua do Zé Gregório', do que pelo seu nome oficial, Rua de S. João.
“Havia um homem, o José Duarte, que foi dos melhores fadistas do Algarve. E um bom viola, o Luís Gatinho. Ouviram dizer que eu arranhava na guitarra, apanharam-me aqui, um domingo, e nunca mais me deixaram. Há 50 e tal anos, convidaram-me para ir a Lagos, à Muralha, uma taberna decorada com redes. Muito bonita. Fomos lá uma noite, jantámos e fizemos uma brincadeira. Apareceram mais dois fadistas, um deles filho do José Duarte, e esteve engraçado. Regressámos mais dois ou três sábados e o dono, o senhor Abílio, convidou-nos para tocar lá todos os sábados à noite. Pagava-nos cento e cinquenta escudos (75 cêntimos) por programa. Foi a primeira vez que toquei por dinheiro”, revela.
E continuou, mas o dinheiro do fado nunca foi importante para ele. Se lhe dessem a escolher entre uma atuação paga e uma tertúlia entre amigos, onde acabava por pagar sozinho metade da conta, escolhia a segunda. Recorda “os fins de tarde com fado na sua casa de pasto, com peixe assado e vinho, em que os fadistas apareciam, cantavam, iam embora, alguns sem pagar o que consumiam”. Muitas vezes, no final, ele e o Correia, que era o viola habitual, dividiam a despesa entre si.
Estreia no cinema do Parchal
A primeira atuação de José Gregório aconteceu pouco depois de ter recomeçado a tocar. Uns amigos que iam fazer uma récita no cinema do Parchal queriam que uma rapariga da terra cantasse uns fados e foram ter com ele.
“Comecei a ensaiar com o Joaquim Henrique, que fora o comprador da primeira guitarra que toquei e que também tocava viola. Bem ou mal, lá conseguimos acompanhar a moça. Naquele tempo, o acompanhamento consistia em fazer três ou quatro posições e o toque era raspado, sem os acordes que hoje se fazem”, relata.
Um almoço no campo
Entre muitas histórias, José Gregório conta mais uma. “Nos tempos antigos, um dia fomos convidados para almoçar no campo, entre Estômbar e Lagoa. Era uma favada e penso que também uns caracóis. Falei com o Joaquim Henrique, que também tocava viola, juntámos uns amigos e lá fomos, de carro de besta, o transporte da época. Os tipos de lá, como sabiam que iam fadistas e guitarristas, fizeram uma subscrição e compraram um garrafão de vinho. Comemos as favas, o vinho acabou-se logo e queríamos outro garrafão. Éramos oito ou nove, mas não conseguimos arranjar dinheiro suficiente. O dono da casa ficou um bocado envergonhado e decidiu ir buscar outro garrafão”, lembra.
“Abalou depois do almoço e chegou quase ao sol-posto. E começou logo aos berros, porque o nosso ‘macho’, durante a tarde, tinha comido toda a cevada que ele semeara para os animais dele. No final, ficámos sem o garrafão de vinho e ele ficou sem a forragem para os animais”.
Entre 13 e 18 de março
Seleção Nacional de Atletismo
realizou estágio em Lagoa
A Seleção Nacional de Atletismo realizou, entre 13 e 18 de março, um estágio no Estádio Municipal da Bela Vista, no Parchal, tendo utilizado a nova pista de atletismo, as inovadoras rampas, o ginásio e o equipamento necessário para treinos específicos. A comitiva contou com sete atletas e do técnico nacional de 400m/400m barreiras e estafetas mistas 4x400m, Victor Zabumba. Numa semana marcada pelo bom tempo, para além dos treinos, ainda houve a troca de experiências e de boas práticas com clubes, treinadores e atletas da região do Algarve. Este será apenas um de vários estágios previstos pela Federação Portuguesa de Atletismo, depois da colocação das novas rampas, que permitem a realização de um treino mais específico e de trabalho de força.
Teatro no Auditório Carlos do Carmo
Virgílio Castelo apresenta
‘O Homem da Amália’
Uma bicicleta ‘emprestada’
Nos anos 60, ia tocar numa casa de fados em Lagos, a Caravela. Uma noite, não tendo transporte, a dona da casa mandou alguém vir trazê-lo ao Parchal, de carro, quando a sessão acabou. Quando chegaram a Odiáxere, o motorista alegou que estava quase sem gasolina e deixou-o ali, de madrugada. E ele conta, com muita graça: “Comecei a pensar que tinha de me desenrascar, pois não podia vir a pé, àquela hora, e não passava um carro. Comecei à procura de um transporte, até que vi uma luz acesa, ouvi um homem a discutir com a mulher e vi uma bicicleta à porta. Agarrei a bicicleta pelo quadro com uma mão, a caixa da guitarra com a outra, dirigi-me para a estrada à pressa, montei-me e vim para casa. No dia seguinte, fui deixá-la junto à passagem de nível para Lagos, em Portimão, onde passavam os carros e os autocarros para Lagos. Estava visível, para as pessoas, se ouvissem o dono a queixar-se, lhe dizerem que estava ali uma bicicleta abandonada e ele vir recuperá-la. No dia seguinte, fui lá e já não estava”, conta. E remata, com muita graça, dizendo que “a ocasião é que faz o ladrão”.
O Auditório Carlos do Carmo recebe, a 28 de março, às 17h00, a peça de teatro ‘O Homem da Amália’, interpretada por Virgílio Castelo. O conhecido ator mostra a história de um homem que existiu e deixou de existir, por se ter apaixonado por uma estrela que não podia alcançar. Dedicou a sua vida e a sua morte, a seguir, para onde quer que a única diva portuguesa fosse. Através dos fados que ela cantou, dos versos que escreveu e das paixões que sentiu. Nesta peça, cheia de 'golpes de teatro', o espetador ficará a conhecer a Amália que só este homem conheceu nas casas de fado, nos teatros, no cinema e no êxito lá fora. Serão recordadas alguns aspetos já conhecidos da sua vida, e divulgados outros sobre os quais a fadista nunca falou. Os bilhetes custam dez euros (20% desconto com Passaporte Cultural, cartão Lagoa Social ou Passaporte Rota do Petisco) e estão à venda online (cmlagoa.bol.pt) e nas bilheteiras dos CTT, da Fnac, Worten, Auditório Carlos do Carmo, Centro Cultural Convento de São José e Balcão Único da Câmara Municipal de Lagoa.
‘Ponto de Partida’ é o álbum comemorativo
André Sardet celebra 25 anos de carreira
O Auditório Carlos do Carmo recebe o concerto de 25 anos de carreira do musico André Sardet, a 21 de abril, às 21h30. Neste espetáculo, o artista apresenta o novo álbum ‘Ponto de Partida’ que assinala esta efeméride. “Ao longo do seu percurso, André Sardet fez muitos amigos na música e, por isso, em palco estará a cumplicidade de uma vida, a amizade e muita música”, descreve a produção. Os bilhetes custam dez euros, com 20 por cento de desconto para portadores de Passaporte Cultural, Cartão Lagoa Social ou Passaporte Rota do Petisco 2022. Podem ser adquiridos online (cmlagoa.bol.pt) ou nas bilheteiras dos CTT, da Fnac, da Worten, do Auditório Carlos do Carmo, do Centro Cultural Convento de São José e no Balcão Único da Câmara Municipal de Lagoa.
ENTRE 24 E 26 DE MARÇO