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Mestre Joaquim Manuel, o presidente-pescador

Carapau valia ‘ouro’

Há cerca de 40 anos, peixe era o que não faltava no mar e o negócio era diferente. “Naquela altura, havia peixe com fartura, o carapau valia dinheiro. Vendia-se uma caixa de carapaus por dez ou doze contos, o equivalente a 50 ou 60 euros. Se, hoje, a vender por 25 euros, já é bom”, foi dizendo ao Lagoa Informa. “Ao sábado, chegava a terra de manhã, deixava logo um barlavento de peixe, vendia o nosso na lota, depois chegava mais à frente, onde estava o pessoal à espera, com sacos plásticos e canastras, para levar peixe para o almoço. Até guardas fiscais. Hoje, não se pode dar um peixe a um velhote ou a um pobre, não se pode dar nada. Pagamos impostos, pagamos tudo e não podemos dar aquilo que é nosso”, lamenta.

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redes, no espaço que lhe está destinado, no cais de Ferragudo, também a zona mais turística da vila.

“Muitos deles, como sempre me conheceram na traineira, pensam que não sei nada disto. Mas eu, com nove anos, já fazia rede à mão para mim. Chegava da escola, punha a mala, uma caixa de madeira, em casa e abalava descalço para a praia, que ficava a vinte metros de distância. As ruas eram em terra, não era preciso sapatos. No Verão, passava o tempo quase todo com o meu pai, na ilha de Faro. Ia à uva e ao figo nos terrenos onde estavam a fazer o aeroporto”.

Tem 71 anos, vive em Ferragudo há mais de 40 e mantém viva a tradição desta atividade.

Antigamente, o mestre da traineira era o último a chegar a bordo, com tudo pronto para partir. Agora, é o primeiro e os camaradas telefonam uns para os outros, alguns vão chegando nas calmas e outros nem aparecem…”

Assim começou a conversa o mestre Joaquim Manuel, um pescador com 71 anos que foi campeão na pesca da sardinha, durante décadas, na ‘Arrifana’. “As ordens, no passado, eram para pôr os motores a trabalhar antes do mestre embarcar, para estarem quentes. Agora, é chegar e arrancar”.

Embora viva em Ferragudo há mais de 40 anos, nasceu em Quarteira, onde se iniciou nas lides do mar, muito novo, com o pai.

“Vinha para aqui vender o peixe que apanhava com o meu barquinho, o ‘Espelho do Mar’. Tive uma avaria e conheci um moço, o primeiro amigo que tive em Portimão, o Joaquim José Bernardo Henrique. Um dia, perguntou-me se queria ir assistir ao leilão da ‘Arrifana’, fomos ver o barco, que já tinha estado no fundo, o motor estava ferrugento e o casco cheio de ervas. Acabámos por ficar com ele e assentei o arraial por estas bandas”, recorda ao Lagoa Informa.

“Quando acabarem as sardinhas, acaba-se o peixe no mar”

Era o tempo em que o peixe abundava. Depois, começou a escassear e tiveram de ser criadas as quotas, para proteção do 'stock'. Como vê um pescador esse siste- ma?

“Está bem feito. Há quanto tempo venho eu falando nisso. Muito antes de começarem, quando ia às reuniões lá em cima, já avisava para terem cuidado com as sardinhas. Quando acabarem, acaba-se o peixe no mar, porque fazem parte da cadeia alimentar de todas as outras espécies. Hoje, já se vê mais peixe no mar. Há três ou quatro anos, estava muito mau. Andávamos por aí horas e horas sem ver uma sardinha. Na costa de Portimão, que é muito rica em peixe, não havia. Tínhamos de ir para a Arrifana ou lá para baixo, o que encarecia bastante os custos, ao preço a que o combustível está”, explica.

O mestre Joaquim Manuel cansou-se da traineira e podemos dizer que regressou às origens. Tem um pequeno barco, no qual pesca com redes e covos, tendo o filho mais novo por camarada. Fomos encontrá-lo a preparar as

Como acontece com a maioria destas embarcações pequenas, usa redes e covos. Com as primeiras, pesca principalmente azevias. Com os segundos, apanham polvos, que têm um valor elevado na lota.

“Vamos ganhando para a bucha e vou preparando o moço. Já lhe disse que, qualquer dia, deixo de ir ao mar, só ajudo em terra, mas ele não acredita”.

“Cortavam-me as boias e as retenidas” Quando veio de Quarteira para Ferragudo, há mais de 40 anos, o mestre Joaquim Manuel já era ‘craque’ na pesca, mas não foi fácil a chegada a estas bandas.

“Quando aqui cheguei, como apanhava muito peixe, a malta de Alvor e de Portimão não me podia ver. Cortavam-me as boias e as retenidas. Eu ia ao mar à tarde e, outra vez, de madrugada. Quando eles iam para o mar, já eu vinha com o barco carregado de peixe. Quando saía à tarde, sabe lá os nomes que me chamavam!

Principalmente os sindicalistas. Eu dizia aos camaradas para não ligarem, porque eles queriam era confusão”, lembra.

“Em Sagres, era diferente. Os Galhardos, principalmente o pai do Marinho, sempre me ajudaram muito. Não conhecia a costa e ele dizia-me onde podia ou não podia pescar. Aqui, tive de me fazer um homem à minha custa”, frisa.

Cais de embarque flutuante é objetivo

O mestre Joaquim Manuel acumula as funções de presidente da nova Associação de Pescadores de Ferragudo, com cerca de dois anos de existência. Segundo ele, a anterior tinha tantos problemas que era mais fácil fazer uma nova do que recuperá-la.

E quem conhecerá melhor os problemas e as necessidades da classe piscatória do que um homem ligado à pesca, há mais de 60 anos? “Já arrumámos e dividimos o espaço em terra. Isto estava à balda. Uns tinham dois espaços e outros não tinham nada. Agora, há aqui 12 barcos, tudo moços novos. Além disso, temos como sócios as embarcações marítimo-turísticas e também alguns reformados que têm uns botes para ir à lula. Há ainda três associados da Senhora da Rocha, que só vêm no Inverno e partilham um espaço”, refere.

“O nosso objetivo, agora, é a construção de um cais de embarque flutuante, que permita o acesso seguro às embarcações, com qualquer altura de maré. Estamos em conversações com o senhor presidente da Junta de Freguesia Luís Alberto e contamos que aconteça brevemente”, afirma.

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