Ficha Técnica Título: Amália Rodrigues: Estranha Forma de Vida Coordenação: António Jorge Pires, Joana Costa, Nuno Cravo e Sabrina Bleicher 1.ª ed.: Junho de 2008 - 500 exemplares ISBN: 972-789-050-4 Número de Depósito Legal: 172903/01 Design de capa: António Jorge Pires, Joana Costa, Nuno Cravo e Sabrina Bleicher Editora: Centro de Línguas e Culturas – Universidade de Aveiro
Catalogação recomendada Amália Rodrigues: Estranha Forma de Vida / coord. António Jorge Pires, Joana Costa, Nuno Cravo e Sabrina Bleicher Aveiro: Universidade, 2008. ISBN: 972-789-050-4 CDU 821.14 02
Amália Rodrigues: Estranha Forma de Vida António Ferreira, Joana Costa, Nuno Cravo, Sabrina Bleicher
Centro de Línguas e Culturas | Universidade de Aveiro
ESTRANHA FORMA DE VIDA
Amália Estranha Forma de Vida
“ Cumpre-se, hoje, a decisão tomada, por unanimidade, pela Assembleia da República de conceder honras de Panteão Nacional a Amália Rodrigues. Esta é uma grande homenagem nacional, prestada em nome do Povo português, que reconheceu em Amália a altura de um símbolo colectivo. A voz de Amália, essa voz criadora, transformou-lhe a vida em destino. Amália fez da sua voz uma pátria, um bilhete de identidade, dela e nosso, um passaporte que a levou, que nos levou, a todo o lado. Extraordinária vida a dela, a primeira mulher a entrar no nosso Panteão, que alcançou ser ouvida em todo o Mundo. Iniciada num bairro popular de Lisboa, com raízes beirãs, a sua biografia é a história da fidelidade ao coração, à voz, à vocação, ao fado. Talvez por isso ela gostasse tanto de acentuar o que havia de involuntário e, por isso mesmo, de fatal no que lhe foi acontecendo. Isso que prodigiosamente lhe foi acontecendo constituiu a sua carreira, que durou mais de cinquenta anos e foi das mais gloriosas do século XX. Amália conheceu o sucesso absoluto mal começou a cantar em público – primeiro, em Portugal; depois, no estrangeiro. Cantou nas mais míticas salas de espectáculo de todos os continentes. Deu ao Fado uma ressonância universal. Foi aclamada, idolatrada, comparada aos maiores nomes de sempre. Tudo o que fez, marcou, mesmo no cinema ou no teatro. Há versos da sua autoria que são belíssimos. Quem alguma vez viu Amália num palco não esqueceu mais o seu carisma, a sua entrega total ao público, feita de mistério, de generosidade, de dádiva. No Retiro da Severa ou no Café Luso, em Tóquio ou em Paris, em Nova Iorque ou em Moscovo, em Telavive ou em Beirute, no Rio de Janeiro ou em Roma, por onde passou, foi provocando adoração. Houve gente que aprendeu a falar português apenas para entender as palavras dos seus fados. Figuras tão prestigiadas e diferentes como Orson Welles, Yehudi Menuhin, Marguerite Yourcenar, Sofia Loren, Vinicius de Moraes, Rodolf Nureyev, Pedro Almodóvar falaram dela com um apreço excepcional. Recebeu, ao longo dos anos, os mais prestigiados prémios e as mais altas condecorações. Nos anos 70, a Unesco editou um disco com interpretações de Amália, Maria Callas e John Lennon.
AMÁLIA RODRIGUES
No entanto, e apesar desta carreira internacional única, sentimos que, ao falar de Amália, estamos a falar de alguém que permaneceu sempre próximo de nós. Na casa da Rua de S. Bento, no campo onde colhia flores, nas ruas de Lisboa, encontrávamos a Amália de sempre, com a sua grande inteligência intuitiva, a sensibilidade apuradíssima, a sua naturalidade desarmante, a fidelidade à amizade, o seu bom gosto. Nos momentos de glória ou nos momentos difíceis, vimo-la sempre igual a si mesma – livre, simples e subtil, cultivando uma irónica distância em relação a si própria, mas possuindo a consciência exacta de quem era e do que representava. A obra que nos legou é, ao mesmo tempo, popular e erudita, antiga e moderna, portuguesa e universal. Quando escutamos o “Ai, Mouraria”, com música de Frederico Valério, ou o “Com que Voz”, com música de Alain Oulman; quando a ouvimos cantar os poemas de D. Dinis, Camões, Junqueiro, Régio, O’Neill, Homem de Mello, Mourão-Ferreira, Manuel Alegre, Ary dos Santos e os dela própria, damo-nos conta dos múltiplos e assombrosos recursos do seu talento, das metamorfoses do seu génio trágico. Como todos os autênticos criadores, foi por vezes incompreendida. Minhas Senhoras e Meus Senhores: Estamos aqui reunidos, familiares, amigos, admiradores, músicos que a acompanharam, para honrar a memória de Amália. Fazêmo-lo, com a saudade que ela disse ser toda dela, com gratidão, com reconhecimento. Saudade da sua presença tão forte. Gratidão, pelo que nos deu – nos continua a dar - de encantamento, de beleza, de revelação. Reconhecimento, pelo muito que prestigiou Portugal e projectou a nossa cultura no Mundo. A Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, que, em vida, por ocasião da homenagem prestada na Expo’98, lhe anunciei, e com que agora a condecoro, a título póstumo, é um testemunho desse reconhecimento. Neste fim de tarde de Julho, o mês do seu nascimento, não muito longe do rio que foi espelho da sua voz, frente a este Panteão que ficará depositário da sua memória, de uma memória que não pertence a ninguém, particularmente, porque é de todos, neste momento de homenagem, temos uma certeza. A certeza de que os grandes artistas como Amália não morrem. Vivem pela e na obra que legam. Quando, nas gravações que nos deixou, ouvimos a voz genial de Amália, sentimos de novo a sua presença, com uma força e uma intensidade que a tornam viva. Por isso, podemos dizer que a sua lembrança prevalecerá sobre o esquecimento, pois, como a sua voz, pertence ao futuro. Ao entregá-la a este templo civil da memória, é às gerações futuras que a entregamos. O canto de Amália será sempre um apelo, uma descoberta – a nossa própria descoberta. Em nome de Portugal, obrigado, Amália!
Homenagem Nacional a Amália Rodrigues Presidente da República Lisboa, 08 de Julho de 2001
ESTRANHA FORMA DE VIDA
Índice A vida de Amália | 9 1920/1940
De criança pobre à mais bem paga fadista de sempre I 11 1941/1943
O fado é demasiado estreito para uma voz como a sua I 13 1944/1948
O êxito no Brasil e a estreia no cinema I 15 1949/1954
Um símbolo nacional, conhecido no mundo I 17 1955/1961
Uma das quatro melhores cantoras do mundo I 19 1962/1967
A sua afirmação e o abandono do cinema I 21 1968/1974
O auge da carreira discográfica I23 1975/1999
O público a seus pés I 25 hoje e sempre
A eterna saudade I 27 Amália e o mundo I 29 Testemunhos I 33 Homilia da Missa Exequial de Amália I 36
ESTRANHA FORMA DE VIDA
A vida de Amália A vida de Amália
“Há anos que pergunto o porquê daquilo que me acontece. Não sei bem...talvez por isso estou sempre a agradecer a Deus a vida que me deu.” Amália Rodrigues
10 AMÁLIA RODRIGUES
1.
GAIVOTA
2.
Se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa no desenho que fizesse, nesse céu onde o olhar é uma asa que não voa, esmorece e cai no mar. Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração. Se um português marinheiro, dos sete mares andarilho, fosse quem sabe o primeiro a contar-me o que inventasse, se um olhar de novo brilho no meu olhar se enlaçasse.
3.
Que perfeito coração no meu peito bateria, meu amor na tua mão, nessa mão onde cabia perfeito o meu coração. Se ao dizer adeus à vida as aves todas do céu, me dessem na despedida o teu olhar derradeiro, esse olhar que era só teu, amor que foste o primeiro.
4.
Que perfeito coração no meu peito morreria, meu amor na tua mão, nessa mão onde perfeito bateu o meu coração. Música: Alain Oulman Letra: Alexandre O’Neill
1. Amália em 1939 | 2. Com a mãe na infância | 3. Família Rodrigues | 4. No seu primeiro casamento
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1920 - Amália da Piedade Rodrigues nasce em Lisboa. 1929 - É durante a escola primária (frequenta a escola da Tapada da Ajuda) que canta pela primeira vez em público. Até aí, cantara só para a família, e especialmente para o avô, que gostava de a ouvir. 1935 - Começa a trabalhar numa banca de recordações no Cais da Rocha do Conde de Óbidos. É convidada para sair na Marcha de Alcântara, cantando como solista. Faz a sua primeira apresentação pública, acompanhada pelo tio à guitarra. 1938 - Concorre ao Concurso da Primavera. Amália declina inicialmente o convite. É também nos ensaios que conhece o seu primeiro marido, Francisco da Cruz, guitarrista amador e torneiro mecânico. 1939 - A sua estreia no Retiro da Severa causa sensação.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 11
1920/1940
BARCO NEGRO
De criança pobre à mais bem paga fadista de sempre A 23 de Julho e 1920, nascia em Lisboa uma criança que viria a marcar, em definitivo, a cultura portuguesa, mais propriamente a história do fado. Amália da Piedade Rodrigues nasceu numa família pobre e numerosa, que tentava a sua vida na capital, oriunda da Beira Baixa. Com pouco mais de um ano de vida, Amália vê-se separada de seus pais que voltam à província, deixando a jovem ao cuidado dos avós maternos. É numa festa da Escola Primária da Tapada da Ajuda que canta pela primeira vez em público Aos 14 anos volta a viver com pais e irmãos que, entretanto, haviam regressado a Lisboa, mas a adaptação não foi fácil, pois a jovem Amália mal conhece a família que vive em condições de grande pobreza. Começa, agora com 15 anos, a vender fruta no Cais da Rocha, em Alcântara, destacando-se pelo timbre especial da sua voz, que a leva a ser escolhida para solista da Marcha de Alcântara. Estreia-se em 1936 nas Marchas Populares de Lisboa, que ficarão para sempre no seu repertório. Num Concurso da Primavera para escolha de uma nova cantadeira, onde acaba por não participar devido à recusa das restantes participantes em competir consigo, Amália conhece o guitarrista Francisco da Cruz, com quem casa em 1940, casamento que não dura mais de dois anos. Em 1939 estreia-se finalmente no Retiro da Severa, em 1939, acompanhada por Armandinho, Jaime Santos, José Marques, Santos Moreira, Abel Negrão e Alberto Correia, interpretando três fados. O seu êxito pega como um rastilho e espalha-se por Lisboa, com todos a querem ouvir esta nova cantadeira e todas as casas de fado quererem-na contratar, tornando-se Amália, rapidamente, cabeça de cartaz.
De manhã, que medo, que me achasses feia! Acordei, tremendo, deitada n’areia Mas logo os teus olhos disseram que não, E o sol penetrou no meu coração. [Bis] Vi depois, numa rocha, uma cruz, E o teu barco negro dançava na luz Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas Dizem as velhas da praia, que não voltas: São loucas! São loucas! Eu sei, meu amor, Que nem chegaste a partir, Pois tudo, em meu redor, Me diz qu’estás sempre comigo.[Bis] No vento que lança areia nos vidros; Na água que canta, no fogo mortiço; No calor do leito, nos bancos vazios; Dentro do meu peito, estás sempre comigo. Música: Caco Velho; Piratini Letra: David Mourão-Ferreira
Amália vai mudar a lista dos ídolos máximos do fado, título detido, até agora por nomes como Ercília Costa, Berta Cardoso, Hermínia Silva ou Alfredo Marceneiro. O seu nome faz esgotar lotações e subir preços de bilhetes e, em poucos meses, o seu cachet será, de longe, o maior até então pago a uma fadista. No ano de 1940 faz a transição para o teatro, estreando-se como atracção da revista “Ora Vai Tu”, no Teatro Maria Vitória.
1955 ... 1961
«Dizia-me a minha família que aos 4 anos já ganhava a vida a cantar, pelas vizinhas que dizia: “ó Amália anda cá, canta lá esta”»
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1921 - Primeira emissão pública de rádio nos Estados Unidos. 1922 - Gago Coutinho e Sacadura Cabral fazem a travessia aérea do Atlântico Sul. 1923 - Criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. 1926 - Revolução do 28 de Maio conduzida pelo Marechal Gomes da Costa. Início ao cinema sonoro. 1929 - Crise económica nos EUA e a seguir na Europa. 1930 - Suicídio de Florbela Espanca. Primeira emissão experimental de televisão na Grã Bretanha. Revolução no Brasil com Getúlio Vargas como novo presidente. 1932 – Hitler e o nacional-socialismo vencem as eleições na Alemanha. 1934: Fernando Pessoa escreve “Mensagem”. 1937 - Os alemães destroem Guernica. No Brasil, ditadura de Getúlio Vargas. 1939 – Início da II Guerra Mundial.
12 AMÁLIA RODRIGUES
FADO PORTUGUÊS
1.
2.
3.
O Fado nasceu um dia, quando o vento mal bulia e o céu o mar prolongava, na amurada dum veleiro, no peito dum marinheiro que, estando triste, cantava, que, estando triste, cantava. Ai, que lindeza tamanha, meu chão , meu monte, meu vale, de folhas, flores, frutas de oiro, vê se vês terras de Espanha, areias de Portugal, olhar ceguinho de choro. Na boca dum marinheiro do frágil barco veleiro, morrendo a canção magoada, diz o pungir dos desejos do lábio a queimar de beijos que beija o ar, e mais nada, que beija o ar, e mais nada.
4.
5.
Mãe, adeus. Adeus, Maria. Guarda bem no teu sentido que aqui te faço uma jura: que ou te levo à sacristia, ou foi Deus que foi servido dar-me no mar sepultura. Ora eis que embora outro dia, quando o vento nem bulia e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro velava outro marinheiro que, estando triste, cantava, que, estando triste, cantava.
6.
Música: Alain Oulman Letra: José Régio
7.
1. Amália fadista 2. Frederico Valério 3. Amália 4. Popularidade de Amália 5. “Ora vai Tu” 6. Amália com Linhares Barbosa 7. Retiro dos Fadistas
1920 ... 1940
1941 1941 ... ... 1943 1943
1944 ... 1948 1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1941 - Transfere-se para o Solar da Alegria como artista exclusiva, e estreia-se na revista com “Ora Vai Tu!”. 1943 - Actua pela primeira vez no estrangeiro, em Madrid, a convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira. É a esta viagem que Amália diz dever o seu prazer em cantar canções espanholas e flamenco. Separa-se de Francisco da Cruz.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 13
1941/1943
MEU AMOR, MEU AMOR
O fado é demasiado estreito para uma voz como a sua
Meu amor meu amor meu corpo em movimento minha voz à procura do seu próprio lamento.
Amália transfere-se para o Solar da Alegria, como artista exclusiva e já com repertório próprio. É no Solar da Alegria que é abordada por José de Melo que passa a ser seu empresário, e que evita que grave discos, com o argumento de que a possibilidade de ouvir a voz da cantora em casa iria afastar o público das casas de fado. Ao longo do tempo Amália vai aparecendo em várias revistas e operetas, criando no Teatro fados e canções de grande sucesso, abrangendo e conquistando assim um público muito mais vasto. É no Teatro ainda, que encontra o compositor Frederico Valério. Valério compreende que a melodia do fado é demasiado estreita para uma voz com tal extensão e compõe para Amália músicas que ficariam para sempre no seu reportório. Amália é convidada pelo realizador António Lopes Ribeiro para integrar o elenco do filme “O pátio das cantigas”, mas o maquilhador António Vilar aponta-a como pouco fotogénica e o seu papel acaba por ser atribuído a Maria Paula. Surge na revista do teatro Variedades “Espera de Toiros”, ao lado de Mirita Casimiro, Vasco Santana e Santos Carvalho.
Meu limão de amargura meu punhal a escrever nós parámos o tempo não sabemos morrer e nascemos nascemos do nosso entristecer. Meu amor meu amor meu nó e sofrimento minha mó de ternura minha nau de tormento este mar não tem cura este céu não tem ar nós parámos o vento não sabemos nadar e morremos morremos devagar devagar. Música: Alain Oulman Letra: Ary dos Santos In: “Com que Voz”, 1968
Cria Maria da Cruz na revista “Essa é que é essa”. Amália actua pela primeira vez no estrangeiro, em Madrid, a convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira. É a esta viagem que Amália diz dever o seu prazer em canções espanholas e flamengo.
«No Retiro de Severa eram 500 escudos por mês. Daí a um mês, já ganhava 300 escudos por dia, e a dois meses já ganhava um conto por espectáculo.»
1955 ... 1961
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1940 - Contrariando as ordens de Salazar, Sousa Mendes, Consul de Portugal em Bordéus, passa mais de 30.000 vistos a judeus e outras minorias perseguidas pelos nazis. Chaplin filma “O Grande Ditador”. Exposição “Mundo Português”, em Lisboa. 1941 - Orson Welles realiza “Citizen Kane”. 1943 - Saint-Exupéry escreve “O Principezinho”.
14 AMÁLIA RODRIGUES
UMA CASA PORTUGUESA
2.
1.
Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa. Quando à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa co’a gente. Fica bem essa fraqueza, fica bem, que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente. Quatro paredes caiadas, um cheirinho á alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim, um São José de azulejo sob um sol de primavera, uma promessa de beijos dois braços à minha espera... É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa!
3.
4.
No conforto pobrezinho do meu lar, há fartura de carinho. A cortina da janela e o luar, mais o sol que gosta dela... Basta pouco, poucochinho p’ra alegrar uma existência singela... É só amor, pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tigela. Quatro paredes caiadas, um cheirinho á alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim, um São José de azulejo sob um sol de primavera, uma promessa de beijos dois braços à minha espera... É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa! Música: V. M. Sequeira; Artur Fonseca Letra: Reinaldo Ferreira
5.
1. Espetáculo “Capa Negra” 2. Amália no Rio de Janeiro 3. Amália no prêmio do SNI 4. Amália: “Espetáculo” 5. Cartaz Teatro Repúbica
1920 ... 1940 1941 ... 1943
1944 ... 1948 1944... 1948
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1944 - Cria o “Fado do Ciúme” na opereta “Rosa Cantadeira”. Viaja pela primeira vez para o Brasil, onde o sucesso é tão grande que a sua estadia de seis semanas é prolongada para três meses. 1945 - Regressa ao Brasil para uma estadia de quase um ano, acompanhada por uma companhia teatral. Aí apresenta uma revista, “Boa Nova”, e “Rosa Cantadeira”, e grava igualmente os seus primeiros discos. 1946 - É vedeta da opereta “Mouraria”, numa nova montagem pensada especificamente para o seu estatuto. 1947 - Estreia “Capas Negras”, que marca a sua estreia no cinema e bate todos os recordes de bilheteira nessa altura, e, seis meses depois, é a vez de “Fado - História de uma Cantadeira”.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 15
1944/1948
ESTRANHA FORMA DE VIDA
O êxito no Brasil e a estreia no cinema
Foi por vontade de Deus que eu vivo nesta ansiedade. Que todos os ais são meus, Que é toda a minha saudade. Foi por vontade de Deus.
Por esta altura já Amália tem um papel proeminente na opereta “Rosa Cantadeira”, onde cria o “Fado do Ciúme” de Frederico Valério. Estreada no Teatro Apolo em Abril, a opereta fica dois meses em cartaz. Em Setembro de 1944, Amália chega ao Rio de Janeiro acompanhada pelo maestro Fernando de Freitas para actuar no mais famoso casino da América do Sul: o Casino Copacabana. Com 24 anos Amália estreia já um espectáculo inteiramente concebido para ela. A recepção é tal que o seu contrato inicial de 4 semanas se prolongará por 4 meses. O êxito é tão grande que, seis meses mais tarde, o Casino Copacabana convida Amália para mais uma temporada, com intenções de montar um espectáculo para levar por todo o Brasil. É então no Rio de Janeiro que nasce um dos seus maiores sucesso de sempre, “Ai, Mouraria” que Amália estreia no teatro República do Rio em 1945.
Que estranha forma de vida tem este meu coração: vive de forma perdida; Quem lhe daria o condão? Que estranha forma de vida. Coração independente, coração que não comando: vive perdido entre a gente, teimosamente sangrando, coração independente. Eu não te acompanho mais: para, deixa de bater. Se não sabes aonde vais, porque teimas em correr, eu não te acompanho mais. Letra e música: Alfredo Duarte; Amália Rodrigues
É também em terras brasileiras que Amália grava pela primeira vez uma série de discos de 78 rotações. De regresso a Lisboa em 1946 fala-se muito dum convite que a 20th Century Fox faz a Amália para filmar em Hollywood. No entanto, a sua estreia no cinema será em Portugal, em Maio de 1947, com o filme “Capas Negras”,o qual bate todos os recordes de exibição até então. “Capas Negras” fica 22 semanas em cartaz, tornando-se no maior sucesso do cinema português. Amália atingirá em breve, uma popularidade até então nunca conhecida. Em 1947, Amália é já um nome indispensável no fado, no teatro no disco e no cinema. Novembro traz a estreia no Coliseu do Porto do segundo filme de Amália: “Fado – História de uma cantadeira”, fortemente publicitado como inspirado pela vida de Amália (o que não corresponde à verdade), e que é um novo êxito comercial. Pela sua interpretação neste filme, Amália recebe o Prémio do SNI para a melhor actriz de cinema do ano.
1955 ... 1961
«O Atalaia, sentado numa mesa com uma garrafa de champanhe, do melhor que havia, chamou-me para a mesa dele e deu-me os parabéns.»
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1944: Vieira da Silva pinta “A Libertação de Paris”. 1945: Fim da II Guerra Mundial; Fundação da ONU. Carlos Drummond de Andrade escreve “A Rosa do Povo”. 1946: A Itália proclama a República. Julgamento de Nuremberg. Na Argentina Peron vence as eleições. 1947: Plano Marshall para auxílio à Europa arruinada pela guerra. Independência da Índia e do Paquistão. Primeiro voo supersónico. è publicado “ O Diário de Anne Frank”. 1948: Bloqueio soviético a Berlim. Fundação do Estado de Israel. Grande Marcha na China. John von Neumann inventa o primeiro computador.
16 AMÁLIA RODRIGUES
1.
POVO QUE LAVAS NO RIO Povo que lavas no rio E talhas com o teu machado As tábuas do meu caixão. Pode haver quem te defenda Quem compre o teu chão sagrado Mas a tua vida não.
2.
Fui ter à mesa redonda Bebi em malga que me esconde O beijo de mão em mão. Era o vinho que me deste A água pura, puro agreste Mas a tua vida não. Aromas de luz e de lama Dormi com eles na cama Tive a mesma condição. Povo, povo, eu te pertenço Deste-me alturas de incenso, Mas a tua vida não. Povo que lavas no rio E talhas com o teu machado As tábuas do meu caixão. Pode haver quem te defenda Quem compre o teu chão sagrado Mas a tua vida não.
4.
3.
Música: Fado Victoria Letra: Pedro Homem de Melo
5.
1. Amália e Valentim de Carvalho 2. “Personagem” 3. “Mexicana” 4. Mocambo 5. “Amantes do Tejo”
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954 1949...
NA VIDA DE AMÁLIA I 1949 - Divorcia-se de Francisco da Cruz. Canta pela primeira vez em Paris e em Londres. 1950 - Actua nos espectáculos do Plano Marshall pela Europa. 1951 - Grava pela primeira vez em Portugal, para a editora Melodia (Rádio Triunfo). 1952 - Actua pela primeira vez em Nova Iorque, no La Vie En Rose, onde ficará 14 semanas em cartaz. Assina contrato com a Valentim de Carvalho. 1953 - Grava as suas primeiras colaborações com David Mourão-Ferreira, “Primavera” e “Libertação”. É a primeira cantora portuguesa a cantar no programa televisivo “Eddie Fisher Show” (E.U.). 1954 - Estreia-se no Mocambo, em Hollywood. Participa no filme “Os Amantes do Tejo”, onde interpreta “Solidão (Canção do Mar)” e “Barco Negro”.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 17
1949/1954
NÃO É DESGRAÇA SER POBRE
Um símbolo nacional, conhecido no mundo
(Fado menor do Porto) Não é desgraça ser pobre, não é desgraça ser louca: desgraça é trazer o fado no coração e na boca.
Em poucos anos, Amália torna-se num símbolo do sucesso nacional: a rapariga pobre que com o poder do seu canto passa da noite para o dia a ser rica e famosa, despertando todas as paixões. À sua volta gera-se uma curiosidade sem precedentes, sendo discutida, criticada, copiada, e seguida com ilimitado fervor. Amália canta pela primeira vez em Paris e em Londres no Ritz. Um marco decisivo na internacionalização de Amália é a sua participação, em 1950, nos espectáculos do Plano Marshall; um programa de apoio Americano à Europa do pós-guerra onde participam os mais importantes artistas de cada país. O êxito repete-se por Trieste, Berna, Dublin e Paris. Amália começa a dar que falar pela Europa. A partir de 1950, Amália não pára de viajar. Sucessivas tournées levam-na a África, e às Américas. No México obtém um grande sucesso, aí permanecendo longas temporadas. Amália que sempre cantou em espanhol, descobre então a canção popular Mexicana, a ranchera, que passa a acrescentar ao seu reportório. No entanto, será com o fado que Amália conquista o México. Após as suas actuações no Mocambo de Hollywood, ponto de encontro das grandes estrelas do cinema Amália recebe propostas para filmes bem como os mais rasgados elogios da crítica.
Nesta vida desvairada, ser feliz é coisa pouca. Se as loucas não sentem nada, não é desgraça ser louca. Ao nascer trouxe uma estrela; nela o destino traçado. Não foi desgraça trazé-la: desgraça é trazer o fado. Desgraça é andar a gente de tanto cantar, já rouca, e o fado, teimosamente, no coração e na boca. Letra e música: Norberto Araújo
Em 1952 Amália actua pela primeira vez em Nova Iorque, no La Vie en Rose, onde ficará 14 semanas em cartaz. Torna-se na primeira artista portuguesa a actuar na televisão americana no famoso programa “Coke Time with Eddie Fisher”, onde interpreta “Coimbra”. Assina contrato com a casa Valentim de Carvalho, fazendo as suas primeiras gravações para a companhia discográfica nos estúdios da EMI inglesa, em Londres. A relação discográfica de Amália com a Valentim de Carvalho só será interrompida brevemente, nos final dos anos 50, por uma passagem pela editora francesa Ducretet-Thomson, após a qual Amália regressará à Valentim de Carvalho de vez. Amália é convidada para um pequeno papel no filme de Henri Verneuil “Os Amantes do Tejo”, produção francesa parcialmente rodada em Portugal, com Daniel Gélin e Trevor Howard. No filme Amália interpreta “Canção do Mar” e “Barco Negro”. Edita o seu primeiro LP: “Amália Rodrigues sings Fado from Portugal and Flamenco from Spain”, publicado nos EUA pela Angel Records. Este álbum nunca será editado em Portugal com este alinhamento, mas conhecerá edições em Inglaterra e, em 1957, também em França.
1955 ... 1961
«Uma orquestra enorme e eu sozinha com uma guitarra e uma viola. E eu enchi-me de medo, e eles também, os guitarristas, ficaram apavorados.»
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1949 - Portugal adere à NATO. Fundação da República Popular da China. Egas Moniz, prémio Nobel da Medicina. 1950 - Getúlio Vargas é eleito Presidente do Brasil. 1952 - Invenção da pílula contraceptiva. 1953 - Armistício na Coreia. A URSS tem a bomba atómica. Morte de Estaline. Watson e Crick descobrem a estrutura do ADN. Criação da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. 1954- Morre Sousa Mendes, “pobre e desonrado”. Criação da Eurovisão. Agustina Bessa Luís escreve “Sibila”.
18 AMÁLIA RODRIGUES
MADRUGADA DE ALFAMA Mora num beco de Alfama e chamam-lhe a madrugada, mas ela, de tão estouvada nem sabe como se chama.
1.
2.
Mora numa água-furtada que é a mais alta de Alfama e que o sol primeiro inflama quando acorda à madrugada. Mora numa água-furtada que é a mais alta de Alfama. Nem mesmo na Madragoa ninguém compete com ela, que do alto da janela tão cedo beija Lisboa. E a sua colcha amarela faz inveja à Madragoa: Madragoa não perdoa que madruguem mais do que ela. E a sua colcha amarela faz inveja à Madragoa. Mora num beco de Alfama e chamam-lhe a madrugada; são mastros de luz doirada os ferros da sua cama.
4.
3.
E a sua colcha amarela a brilhar sobre Lisboa, é como a estatua de proa que anuncia a caravela, a sua colcha amarela a brilhar sobre Lisboa. Música: Alain Oulman Letra: David Mourão-Ferreira
1. O Céu da MInha Rua 2. Amália e Charles Aznavour 3. Segundo Casamento 4. Severa Cartaz
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1955 - Interpreta a Severa numa encenação do drama de Júlio Dantas “A Severa”. 1956 - Actua pela primeira vez no Olympia de Paris. Dias mais tarde, estreia-se no Olympia como “vedeta americana”. No ano seguinte, estreia-se naquela sala como primeira vedeta. 1958 - Assina contrato com a editora francesa Ducretet-Thomson. Actua no filme “Sangue Toureiro”, e estreia-se na televisão portuguesa, no papel principal da peça “O Céu da Minha Rua”, de Romeu Correia. 1961 - Casa-se com César Seabra, que conhecera no Brasil anos antes, e com quem continuará casada até à morte de Seabra no início da década de 90. Tira um “ano sabático” durante o qual se afasta do olhar público, sem gravar nem actuar ao vivo.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 19
1955/1961
LIBERTAÇÃO
Uma das quatro melhores cantoras do mundo
Fui à praia, e vi nos limos a nossa vida enredada: ó meu amor, se fugirmos, ninguém saberá de nada.
Como no palco, também em estúdio, Amália só canta quando gosta de se ouvir, tendo ambiente familiar que se veio a criar nos estúdios Valentim de Carvalho, onde se rodeava de amigos, gravando pela noite dentro, se tornando indispensável para transformar essas sessões em momentos únicos. Em 1955 Amália estreia-se como actriz dramática na célebre peça de Júlio Dantas “A Severa”. Também em 1955, filma “April in Portugal”, inteiramente dedicado a Portugal e às suas belezas naturais, em Technicolor e Cinemascope. Estreado em Londres, este filme, em que Amália interpreta “Coimbra” e “Canção do Mar”, foi premiado nos festivais de Berlin e Mar del Plata. Em nova deslocação ao México, filma “Musica de Siempre” com Edith Piaf. Em Abril de 1956, Amália, actua pela primeira vez no Olympia de Paris, numa das festas de despedida de Josephine Baker. Dias mais tarde, estreia-se no Olympia como “vedeta americana”, encerrando a primeira parte do espectáculo. O sucesso é tal que, terminadas as três semanas do contrato, Amália é convidada para o prolongar mais três semanas. No ano seguinte, estreia-se como primeira vedeta no Olympia de Paris. Em menos de três anos, Amália atinge em França o máximo do prestígio e da popularidade. Também os artistas a adoram, muitos escrevendo canções especialmente para ela, como foi o caso de Charles Aznavou.
Na esquina de cada rua, uma sombra nos espreita, e nos olhares se insinua, de repente uma suspeita. Fui ao campo, e vi os ramos decepados e torcidos: ó meu amor, se ficamos, pobres dos nossos sentidos. Hão-de transformar o mar deste amor numa lagoa: e de lodo hão-de a cercar, porque o mundo não perdoa. Em tudo vejo fronteiras, fronteiras ao nosso amor. Longe daqui , onde queiras, a vida será maior. Nem as esp’ranças do céu me conseguem demover Este amor é teu e meu: só na terra o queremos ter. Música: Santos Moreira Letra: David Mourão-Ferreira
Actua no filme de Augusto França “Sangue Toureiro”, o primeiro filme português colorido, onde tem um dos papéis principais e interpreta cinco canções de Frederico Valério. Estreia-se na televisão portuguesa, no papel principal da peça “O céu da minha rua” adaptada de uma peça de Romeu Correia. Durante a exibição desta peça as ruas das principais cidades portuguesas ficam desertas. Nessa altura o sucesso internacional de Amália leva a que se organizem em Lisboa grandes festas em sua homenagem. Na Feira Internacional de Bruxelas, Amália recebe do governo português a primeira das suas muitas condecorações. A sua popularidade não pára de aumentar. Em 1959, a revista Variety elege-a como uma das quatro melhores cantoras do mundo. Em 1961, confirmam-se os boatos que desde há muito andam no ar. Amália casa-se no Rio de Janeiro com o engenheiro César Seabra e anuncia que vai abandonar a carreira artística passando a viver no Brasil. Um ano depois Amália regressa a Lisboa.
1955 ... 1961 1955...
«Tive um sucesso muito grande, e pela primeira vez na minha vida e última tive um chelique, chorava e ria ao mesmo tempo »
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MIUNDO I 1955 - Virgílio Ferreira publica “Manhã Submersa”. 1956: nacionalização do Canal de Suez. 1957- Assinatura do Tratado de Roma, que dá origem à Comunidade Económica Europeia. Em Cuba, guerrilha de Fidel Castro. A URSS lança o primeiro e o segundo sputniks. 1958 – Humberto Delgado é candidato à Presidência da República. É eleito Américo Tomás com fraude. Aquilino Ribeiro publica “Quando Os Lobos Uivam”. 1959 - Fidel de Castro toma o poder. 1960 - Fuga de Álvaro Cunhal e outros presos políticos do forte de Peniche. John Kennedy, presidente dos EUA. Início da guerrilha em Angola. A Índia invade Goa, Damão e Diu. Construção do muro de Berlim. Entra em órbita o satélite soviético Vostok 1, o primeiro a transportar um homem: Yuri Gagarine.
20 AMÁLIA RODRIGUES
AI, MOURARIA
1.
2.
Ai, Mouraria da velha Rua da Palma, onde eu um dia deixei presa a minha alma, por ter passado mesmo ao meu lado certo fadista de cor morena, boca pequena e olhar troçista. Ai, Mouraria do homem do meu encanto que me mentia, mas que eu adorava tanto. Amor que o vento, como um lamento, levou consigo, mais que ainda agora a toda a hora trago comigo.
3.
Ai, Mouraria dos rouxinóis nos beirais, dos vestidos cor-de- rosa, dos pregões tradicionais. Ai, Mouraria das procissões a passar, da Severa em voz saudosa, da guitarra a soluçar.
4.
Letra e música: Amadeu do Vale; Frederico Valério
1. Amália com Vitorino Nemesio 2. Fado Corrido 3. Amália com Pedro Homem de Melo 4. Amália com David Mourao Ferreira
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1962 - Regressa aos discos e à Valentim de Carvalho. Grava e edita o célebre LP “Amália Rodrigues”, mais conhecido como “Busto”. 1964 - Aceita o papel principal do filme “As Ilhas Encantadas”. Actua em “Fado Corrido”, filme de Jorge Brum do Canto. 1965 - Edita o célebre EP em que canta Camões, e o álbum “Fado Português”. “As Ilhas Encantadas” estreia com má recepção crítica e pública. 1966 - Actua no Lincoln Center de Nova Iorque com o maestro André Kostelanetz. 1967 - Faz uma temporada no Olympia como primeira figura de um espectáculo com Simone de Oliveira, o Duo Ouro Negro e Carlos Paredes entre outros. Amália Rodrigues recebe em Cannes o prémio MIDEM (Disco de Ouro).
ESTRANHA FORMA DE VIDA 21
1962/1967
MARIA LISBOA
A sua afirmação e o abandono do cinema
É varina, usa chinela, tem movimentos de gata; na canastra, a caravela, no coração, a fragata.
Em 1962, Amália inicia aquela que será a grande viragem da sua carreira: o encontro com a música de Alain Oulman. Compositor cuja música permite a Amália cantar poetas que até então não cabiam no fado clássico. A compreensão entre ambos é tão intensa que nunca mais se o compositor deixa de escrever para a fadista. É editado, em 1963, o célebre LP “Amália Rodrigues”, mais conhecido como “Busto” ou “Asas fechadas”, sendo o primeiro álbum de Amália pensado como tal, representando uma grande viragem na sua vida artística e aí canta temas como “Estranha forma de vida” e “Povo que lavas no rio”, de Pedro Homem de Melo. Continua a voltar aos países que não se cansam de a reclamar, com grandes sucessos como em Edimburgo ou Beirute. Em Paris, o acolhimento do público é sempre delirante, não só no Olympia, como participando nos mais sensacionais acontecimentos artísticos.
Em vez de corvos no xaile, gaivotas vêm pousar. Quando o vento a leva ao baile, baila no baile com o mar. É de conchas o vestido, tem algas na cabeleira, e nas velas o latido do motor duma traineira. Vende sonho e maresia, tempestades apregoa. Seu nome próprio: Maria; seu apelido: Lisboa. Música: Alain Oulman Letra: David Mourão-Ferreira
Em 1964 Amália regressa ao Cinema com “Fado Corrido”, mais uma vez num papel de fadista. Em 1965, Amália atinge a sua melhor interpretação no cinema em “As Ilhas Encantadas”, diferente de todos os outros da sua carreira. Pela primeira vez não canta. Volta a receber o prémio de melhor actriz com este filme e no ano seguinte aparece no filme francês “Via Macau”. É durante as filmagens nos Açores que conhece Augusto Cabrita, que se transformará até à sua morte, no seu fotógrafo oficial. Em 1967 em Cannes, Anthony Quinn, com enorme entusiasmo, anuncia oficialmente que prepara dois filmes para Amália, sendo o primeiro Bodas de Sangue. Mas Amália prefere exprimir-se no canto. No meio de grande polémica é editado o “infame” EP “Amália canta Luís de Camões”, que inclui “Lianor”, “Erros meus” e “Dura memória” musicados em fado, e o célebre álbum “Fado Português”. “As ilhas encantadas” estreia em Portugal; o filme é mal recebido pela critica e pelo público e Amália não voltará a aceitar um papel principal no cinema, apesar da insistência de amigos como Anthony Quinn. Faz uma temporada no Olympia como primeira figura de um espectáculo denominado “Grand Gala du Music-Hall Portugais”, inteiramente composto por um elenco português do qual fazem parte Simone de Oliveira, o Duo Ouro Negro e Carlos Paredes, entre outros. Edita o álbum “Fados ´67” (que virá a ser mais conhecido por “Maldição”). Em 1967, Amália recebe o prémio MIDEM atribuído ao cantor que mais vendas teve no seu país com o disco “Vou Dar de Beber à Dor”. O prémio MIDEM de 68 e 69 é-lhe de novo atribuído, uma proeza excepcional só igualada pelos Beatles.
1955 ... 1961
«O Alain foi a mudança, a música dele era formidável e mesmo ao meu feitio. Eu estava à espera daquela música e cantei os poetas por causa do Alain.»
1968 ... 1974 1962 ... 1967 1962...
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1962 - EUA iniciam bloqueio a Cuba. Início em Roma do Concílio do Vaticano II. 1963 - Assassínio de John Kennedy. Manifestações em Washington pela igualdade de direitos. Início da guerra pela independência da Guiné-Bissau. Os Beatles tornam-se mundialmente conhecidos. 1964 - Início da guerrilha da FRELIMO para a libertação de Moçambique. Martin Luther King recebe o prémio Nobel da Paz. 1965 - Os EUA entram na guerra do Vietnam; Humberto Delgado é assassinado pela PIDE. 1966 - Inauguração da Ponte sobre o Tejo. Jorge Amado escreve “Dona Flor e os Seus Dois Maridos”. 1967 - «Guerra dos Seis Dias». Morre “Che” Guevara na Bolívia. Gabriel Garcia Marques escreve “Cem Anos de Solidão”.
22 AMÁLIA RODRIGUES
JÚLIA FLORISTA
1.
A Júlia florista Boêmia e fadista Diz a tradição Foi nesta Lisboa Figura de proa Da nossa canção Figura bizarra Que ao som da guitarra O fado viveu Vendia as flores Mas os seus amores Jamais os vendeu Ó Julia florista Tua linda história O tempo marcou Na nossa memória Ó Júlia florista Tua voz ecoa Nas noites bairristas Boêmias, fadistas Da nossa Lisboa Chinela no pé Um ar de ralé No jeito de andar Se a Júlia passava Lisboa parava Para a ouvir cantar No ar um pregão Na boca a canção Falando de amores Encostado ao peito A graça e o jeito Do cesto das flores.
2.
3.
Letra e Música: Joaquim Pimentel e Lionel Villar
1. “Sapateira Prodigiosa” 2. Amália em Tóquio 3. Amália com Vínicius de Moraes 4. “Um Amor de Amália”
1920 ... 1940
4.
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1968 - Edita “Vou Dar de Beber à Dor”, um dos seus maiores êxitos. 1969 - Actua pela primeira vez na União Soviética. 1970 - Actua na Itália e, pela primeira vez, no Japão. Recebe a condecoração de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras em França. Edita “Amália / Vinicius”. 1971 - Participa na telenovela brasileira “Os Deuses Estão Mortos”,.1972 - Grava um álbum com Don Byas. 1973 - Grava um álbum de canções italianas, “A una Terra che Amo”. 1974 - É publicado o álbum “Encontro - Amália e Don Byas”, bem como “Amália no Café Luso”. Após o 25 de Abril, retira-se temporariamente da vida pública, enquanto as suas gravações antigas continuam a ser reeditadas. 1977 - Edita o seu primeiro álbum originais em sete anos, “Cantigas numa Língua Antiga”.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 23
1968/1974
O auge da carreira discográfica Amália edita “Vou dar de beber à dor”, uma composição do estreante Alberto Janes que se tornará num dos seus maiores êxitos de vendas, vendendo para cima de cem mil cópias entre singles e EP´s. A RTP transmite a peça de Frederico Garcia Lorca “A sapateira prodigiosa”, com Amália no papel principal. Actua pela primeira vez na União Soviética. Lança o álbum “Marchas de Lisboa”, que reúne uma selecção das melhores marchas gravadas entre 1963 e 1968, e “Vou dar de beber à dor”, a primeira de uma série de compilações reunindo material publicado anteriormente em singles e EP´s avulsos. É convidada de honra no Festival du Marais, em Paris e das Olimpíadas da Canção, em Atenas. Em 1970, Amália atinge o auge da sua carreira discográfica em “Com que Voz” onde, canta alguns dos maiores poetas da língua portuguesa. Este disco conquista para Amália os mais importantes prémios da indústria discográfica: IX Prémio da Critica Discográfica Italiana (1971), o Grande Prémio da Cidade de Paris e o Grande Prémio do Disco de Paris (1975). Recebe do presidente da República, Américo Thomaz, a Ordem Militar de Santiago de Espada, grau de oficial. O estado francês concede-lhe a Ordem das Artes e das Letras, grau de cavaleiro. Edita o álbum “Amália e Vinícius”. Em inícios da década de 1970, Amália canta pela primeira vez em Tokyo, e também o Japão, apesar de tão longínquo e com uma cultura tão diferente, se rende ao fascínio de Amália. Edita o segundo álbum de folclore com orquestra, “Amália canta Portugal II”; é também o ano de “Oiça lá ó senhor Vinho” e do LP “Cantigas de Amigos” onde Ary dos Santos e Natália Correia participam declamando poesia medieval portuguesa acompanhada à guitarra e à viola. Lança “Amália canta Portugal III”, também conhecido por “Folclore à Guitarra e à Viola”.
SABE-SE LÁ Lá porque ando embaixo agora Não me neguem vossa estima Que os alcatruzes da nora Quando chora Não andam sempre por cima Rir da gente ninguém pode Se o azar nos amofina E se Deus não nos acode Não há roda que mais rode Do que a roda da má sina. Sabe-se lá Quando a sorte é boa ou má Sabe-se lá Amanhã o que virá Breve desfaz - se Uma vida honrada e boa Ninguém sabe, quando nasce Pró que nasce uma pessoa. O preciso é ser-se forte Ser-se forte e não ter medo Eis porque às vezes a sorte Como a morte Chega sempre tarde ou cedo Ninguém foge ao seu destino Nem para o que está guardado Pois por um condão divino Há quem nasça pequenino Pr’a cumprir um grande fado. Letra e Música: Frederico Valério e Silva Tavares
Em 1972 no Brasil, estreia-se no Canecão do Rio de Janeiro “Um Amor de Amália”. O espectáculo foi gravado em disco. É finalmente editado o álbum “Encontro – Amália e Don Byas”. Sai também a lume o duplo-álbum “Amália no café Luso”, com o registo até aqui inédito de uma apresentação ao vivo de Amália naquele recinto lisboeta nos anos 50. No dia 25 de Abril de 1974 dá-se a revolução que derrubou o regime fascista que há 48 anos governava Portugal. Amália, devido a um contrato que tinha para actuar na televisão espanhola, partiu para Madrid no dia seguinte. Em Lisboa, a grande popularidade internacional de Amália fez circular boatos que a ligavam ao regime deposto. Embora só ligeiramente prejudicando a sua carreira, estes boatos afectaram gravemente a sensibilidade de Amália. no entanto, Amália aparece logo no Coliseu onde 5 mil pessoas a aplaudem de pé, provando que o seu público nunca a abandonou. A partir dessa altura, faz as mais longas tournées por Portugal e o seu sucesso internacional continuou a aumentar fazendo tournées por todo mundo.
1955 ... 1961
«A loucura deu-se, porque quando cheguei ao Japão, já estavam loucos por mim. Fiz um disco ao vivo que se vê como aquela gente me recebeu.»
1968 ... 1974 1968... 1962 ... 1967
1975 ... 1999
NO MUNDO I 1968 – Contestação juvenil em França. Mário Soares é deportado. Marcelo Caetano sucede a Salazar. Martin Luther King é assassinado Primeiro transplante cardíaco. 1969 - Nixon é eleito presidente dos EUA. Yasser Arafat torna-se líder da OLP. A Apollo II alcança a Lua. Festival de Woodstock. 1970 - Salvador Allende, presidente do Chile. Morte de Salazar. 1971 - A URSS lança primeira estação orbital habitada. 1972 - Jogos Olímpicos de Munique: atentado contra os atletas israelitas. Agitação estudantil em Coimbra. É fundado o PS. EUA e Vietname do Norte assinam acordo de cessar fogo. Salvador Allende é morto durante o golpe militar de Pinochet. Petróleo leva a crise nos países industrializados. 1974 - Nixon renuncia à presidência dos EUA.
24 AMÁLIA RODRIGUES
FADO DA MADRAGOA
1.
Uma saudade do mar, tem Seu monumento em Lisboa Velho bairro popular Sombrio e vulgar Que é a Madragoa. E reza a história que foi, lá Numa noite de natal Que veio a luz o primeiro Herói marinheiro Que honrou Portugal Ó velha Madragoa Tens a esperança e nada mais E há tanta coisa boa Noutros bairros, seus rivais Ó velha Madragoa, Não tens um só painel Um arco ou um brazão Só tens ó Madragoa Nos lábios doce mel No peito um coração
3.
A noite cai, e o luar vem Dar-lhe cor de opala E as estrelas a brilhar Parecem baixar Do céu para beijá-la E a Madragoa a dormir tem Como prêmio teu labor Lindos sonhos de princesa Da eterna beleza Dos sonhos de amor.
2.
Letra e Música: Frederico Valério
4. 1. “A Importância das Palmas” I 2. Amália com Jack Lang I 3. Amália com o Papa João Paulo II I 4. Amália com Mário Soares
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I Z1976 - Le Cadeau de la Vie: disco editado pela UNESCO, no qual Amália Rodrigues figura ao lado de Maria Callas e John Lennon. 1980 - Edita “Gostava de Ser Quem Era”, o seu primeiro álbum de material inédito em três anos, composto por dez fados originais com letras da própria Amália, escritas em sua casa durante a convalescença de uma doença. Os anos seguintes serão um período difícil, com inúmeros problemas de saúde obrigando a operações delicadas. 1982 - Edita “Amália Fado”, onde recria fados de Frederico Valério. 1983 - Edita o seu último álbum de material original publicado em sua vida, “Lágrima”.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 25
1975/1999
DÁ-ME UM BEIJO
O público a seus pés
Talvez por muito amar a liberdade
Em 1976 são editados “Amália no Canecão” e “Cantigas da Boa Gente”. É publicado pela UNESCO o disco “Le cadeau de la vie”, onde figura ao lado de Maria Callas, John Lennon, Yehudin Menuhim, Aldo Ciccolini, Gyorgy Cziffra e Daniel Barenboim. No ano de 1977 editadas mais duas compilações – “Fandangueiro” e “Anda o Sol na Minha Rua” – de um novo single de Alberto Janes, “Caldeirada”, e de “Cantigas numa língua antiga”, primeiro álbum de material original de Amália em três anos. Em 1980, Amália edita “Gostava de ser quem era” escrito em sua casa durante a convalescência de uma doença. Durante anos, o sentimento fatalista de Amália leva-a considerar como mortal uma doença que de todos esconde. Nesse período grava dois discos inteiramente com versos seus, “Gostava de Ser Quem Era” e “Lágrima”. Recebeu do Presidente da República a condecoração de grande oficial da ordem do infante D. Henrique. Amália edita, em 1982 “O senhor extra-terrestre”. O álbum atinge o 5.º lugar do top de vendas de álbuns compilado pela revista Música & Som. Em 1983, é editado o álbum “Lágrima”. Será o seu último disco de material inédito até à edição de “Obsessão”, em 1990. É editado, em 1984, “Amália na Broadway”. A 19 de Abril de 1985, Amália dá o seu primeiro grande concerto a solo no Coliseu dos Recreios. Em Paris é condecorada pelo ministro da Cultura Jack Lang, com a Ordem das Artes e das Letras. É editado o duplo álbum “O melhor de Amália – Estranha forma de vida”, que atinge o 1.º lugar do top de vendas: É editado um segundo álbum compilação, “O melhor de Amália volume II – Tudo isto é Fado”, que atinge o 2.º lugar do top. A partir de 1985, o dia 6 de Outubro, em Toronto, no Canadá, passa a ser o dia oficial de Amália Rodrigues. Em 1987, é editada a biografia oficial de Amália, “Amália – Uma biografia”, por Vítor Pavão dos Santos. O primeiro CD de Amália é editado em Portugal: “Sucessos”. É também lançado neste ano, o triplo-álbum de luxo “Coliseu 3 de Abril de 1987”. Em 1989, comemorando os 50 anos de carreira de Amália, a EMIValentim de Carvalho edita “Amália 50 anos”. Em Portugal recebe do Presidente da República Mário Soares a Ordem Militar de Santiago de Espada. Festas, condecorações, exposições. Estas festividades prolongam-se numa grande tournée mundial que vai de Lisboa, Madrid, Paris, Roma, Tel Aviv, Macau, Tokio, Rio De Janeiro a Nova Iorque. É recebida pelo Papa, no Vaticano, em audiência privada. 1990 vê ser editado “Obsessão”, o primeiro álbum original e inédito em sete anos. É editada, em 1991, a cassete de vídeo “Amália live in New York City”. Recebe do presidente francês, François Miterrand, a Legião de Honra. Em 1995, é editada pela primeira vez em CD a compilação “Estranha forma de Vida – O melhor de Amália” e a RTP transmite a série documental “Amália – uma estranha forma de vida”. É editado “Pela primeira vez – Rio de Janeiro”. “Segredo”, um álbum com gravações inéditas realizadas entre 1965 e 1975, é editado em 1997. Falecimento do seu marido, César Seabra, após 36 anos de casamento. Publica um livro de poemas “Versos” na editora Cotovia. Nova homenagem nacional na Feira Mundial de Lisboa Expo98.
1955 ... 1961
Invejo a vida livre dos pardais Mas prende bem teus braços sem piedade E eu juro da prisão não sair mais. Não posso ouvir o fado sem vibrar E não domino em mim a febre de o cantar Mas dá-me um beijo teu fremente Verás que fico assim, calada eternamente. Adoro a luz do sol que me alumia Por grata e singular mercê de Deus Mas fecha-me num quarto noite e dia E eu troco a luz do sol pelos olhos teus Não posso ouvir o fado sem vibrar... Baixinho aqui pra nós, muito em segredo Eu sempre fui medrosa até mais não Mas pra que sejas meu não tenho medo Nem mesmo de perder a salvação. Não posso ouvir o fado sem vibrar... Letra e música: Frederico de Freitas Silva Tavares
«Foi um disco que me apanhou numa altura muito triste da minha vida, nota-se uma voz com uma tristeza, sem voltinhas, é uma tristeza cá de dentro.»
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999 1975...
NO MUNDO I 1975 – Independência de Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe e Angola. Juan Carlos sobe ao trono de Espanha. 1976 - Jimmy Carter, presidente dos EUA. Ramalho Eanes, presidente da República. 1978 - João Paulo II é Papa. Em Inglaterra, nasce o primeiro bebé-proveta. Manoel de Oliveira filma “Amor de Perdição”. 1979 – Margaret Tatcher chefia o novo governo inglês. Tropas soviéticas invadem o Afeganistão. É inventado o CD. 1980 – Sindicato «Solidariedade», na Polónia. 1981 - Umberto Eco publica “O Nome da Rosa”. 1982 - Guerra das Malvinas entre a Argentina e o Reino Unido. 1984 – Desmond Tutu, bispo sul-africano, prémio Nobel da Paz. Carlos Lopes medalha de ouro em Los Angeles.
26 AMÁLIA RODRIGUES
AMÁLIA Amália quiz Deus que fosse o meu nome Amália acho-lhe um jeito engraçado bem nosso e popular quando oiço alguém gritar Amália hhcanta-me o fado Amália esta palavra ensinou-me Amália tu tens na vida que amar são ordens do Senhor Amália sem amor não liga, tens de gostar e como até morrer amar é padecer Amália chora a cantar! Amália disse-me alguém com ternura Amália da mais bonita maneira e eu toda coração julguei ouvir então Amália p’la vez primeira Amália andas agora à procura Amália daquele amor mas sem fé alguém já mo tirou alguém o encontrou na rua com a outra ao pé e a quem lhe fala em mim já só responde assim Amália? não sei quem é! Letra e Musica: José Galhardo Frederico Valério
1. Amália Rodrigues
1920 ... 1940
1944 ... 1948 1941 ... 1943
1949 ... 1954
NA VIDA DE AMÁLIA I 1987 - É editada a biografia oficial de Amália por Vítor Pavão dos Santos, director do Museu Nacional do Teatro, bem como o primeiro CD de Amália - “Sucessos”, uma compilação concebida originalmente para o mercado internacional. 1990 - No Teatro S. Carlos, em Lisboa, pela primeira vez em 200 anos, ouve-se cantar o fado pela voz de Amália Rodrigues. 1995 - Na passagem do 75º aniversário de Amália, a RTP transmite a série documental “Amália - uma Estranha Forma de Vida”, cinco episódios de uma hora dirigidos por Bruno de Almeida incluindo muitas imagens de arquivo provenientes dos cinco cantos do mundo e nunca antes exibidas em Portugal. 1999 - A 6 de Outubro, morre Amália.
ESTRANHA FORMA DE VIDA 27
hoje e sempre
COM QUE VOZ
A eterna saudade A 6 de Outubro de 1999, pouco depois de regressar da sua casa de férias no litoral alentejano, a voz de Amália cala-se para a eternidade, deixando um vazio na história do fado, preenchido apenas pela memória das suas músicas e feitos. Aos 79 anos, Amália fez parar o país, que se uniu na última despedida à fadista. No seu funeral centenas de milhares de lisboetas descem à rua para lhe prestar uma última homenagem. O coração de Lisboa chora. Flores, lenços brancos acenam. Nas ruas, nos carros, nas lojas, por todo o lado o fado de Amália. Dor e saudade, o âmago alfacinha, trespassam. Seis da tarde. Suave melancolia, Lisboa. Largo da Estrela, a grande Basílica prevalece. Centenas de pessoas, as escadarias ocupam. Tocam os sinos. O féretro da Amália chega. Emoção geral. Nunca a multidão à solta teve tanta grandeza. Homens, mulheres, crianças, imagens sobrepostas, redondas e volumosas, dissolvem. Caras lampejadas, cabeças reluzentes, cabelos de cor nem loira nem escura, na Basílica entram. Não se distingue o novo do velho, o bonito do feio. A idade e o gesto, afirmam. Tudo se neutraliza: tempo, pessoas, coisas. Na nave central, Amália. O adeus à “melhor embaixadora de Portugal no mundo”. “É uma parte da nossa vida que está ali. Ela é a referência da nossa mocidade”, ouvia-se nas ruas. Apesar do frio que se faz sentir ao fim da noite, há quem não arrede pé. Aguarda-se pacientemente a sua vez para chegar junto ao caixão. Choro miudinho de mulheres. Espuma dos dias, milhares de pessoas, adeus à diva do fado. Fuga ao olhar atento da polícia: o último beijo, o último toque. Um jovem diz que não gosta de fado, “mas ouvi-la cantar arrepia-me”.
Com que voz chorarei meu triste fado, que em tão dura paixão me sepultou. que mor não seja a dor que me deixou o tempo, de meu bem desenganado. Mas chorar não estima neste estado aonde suspirar nunca aproveitou. triste quero viver, poi se mudou em tisteza a alegria do passado. Assim a vida passo descontente, ao som nesta prisão do grilhão duro que lastima ao pé que a sofre e sente. De tanto mal, a causa é amor puro, devido a quem de mim tenho ausente, por quem a vida e bens dele aventuro. Letra e Musica : Luis de Camões Alain Oulman
A 8 de Julho de 2001, quatro anos após a sua morte, foi-lhe prestada a última homenagem, com os restos mortais de Amália a serem transladados para o Panteão Nacional, onde jaz ainda hoje, entre os portugueses ilustres, disposições legais que apenas permitiam a sua trasladação.
«Foi uma estranha forma de vida porque eu não fiz nada por ela, foi por vontade de Deus, não é? Quer dizer já eu pressentia que tinha sido Deus que me tinha feito o destino, que me tinha marcado o destino... nasci com esta obrigação de cantar fado! Ou foi o fado que fez isto! O fado é destino, portanto deu-me este destino a mim! Quando eu morrer vão inventar muitas histórias sobre mim, se inventaram sobre a severa e não se sabe se ela existiu, e de mim sabem concerteza que eu existi.»
«Estou sempre a dizer a dizer a toda a gente que não chego ao ano 2000.»
Janeiro de 1998
1955 ... 1961
1968 ... 1974 1962 ... 1967
1975 ... 1999 1975...
NO MUNDO I Entrada de Portugal na CEE. 1987 – Cavaco Silva alcança a primeira maioria. 1988 - Grande incêndio no Chiado. Nova Constituição repõe as liberdades democráticas do Brasil. 1989 - Em Pequim, revolta de Tiananmen. Queda do Muro de Berlim. 1990 – Primeira Guerra do Golfo. 1991 - Guerra dos Balcãs. 1993 - Em Lisboa é inaugurado o Centro Cultural de Belém. 1995 - Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente da República do Brasil. 1996 - Criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Ramos-Horta e Ximenes Belo recebem o Nobel da Paz. 1997 – Clonagem da “Dolly”. Morte de Lady Di. Morte de Madre Teresa de Calcutá. 1998 - Saramago recebe o Prémio Nobel de Literatura. EXPO 98 em Lisboa. 1999
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Amália e o mundo Amália e o mundo “Ainda hoje, quando entro num palco, penso que a casa está vazia, que vou cantar mal e que o público não vai gostar de mim.” Amália Rodrigues
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Amália levou o F Londres, 1948. Amália canta no Ritz, em festa promovida pelo Departamento de Turismo, de António Ferro.
Dublin, 1950. Canta “Coimbra”, que a cantora francesa Yvette Giraud ouve e populariza em França com o título “Avril au Portugal”
Hollywood, 1954. Actua no Mocambo. Recebe elogios da crítica e propostas para filmes. Temporada no México na década de 1950.
Nova Iorque, 1952. Actua pela primeira vez nos EUA. Recebtaz. Em 1953 é a primeira artista portuguesa a cantar no programa televisivo Eddie Fisher Show. Em 1966, actua no Lincoln Center (NI).
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Madrid, 1943. A convite do embaixador Pedro Teotónio Pereira, Amália actua pela primeira vez no estrangeiro.
Tournée por na década d Rio de Janeiro, 1944. Amália canta no Casino Copacabana, o mais famoso da América do Sul, acompanhada do maestro Fernando de Freitas. O sucesso é tanto que a fadista volta em 1945 para uma longa temporada no Brasil. Em 1972, durante um mês, apresente no Canecão do Rio de Janeiro o espectáculo “Um amor de Amália”.
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Fado pelo mundo
ris, 1948. Amália canta pela primeivez em Paris, no Chez Carrére 1956 actua pela primeira vez no mpia, na despedida de Josephine ker. Em 1957 estreia-se nesta sala mo cabeça de cartaz. Em 1967, upa o Olympia durante uma temrada, com um elenco inteiramente rtuguês.
Moscovo, 1969. Primeira actuação na União Soviética.
Roma, 1950. Integrada nos espectáculos do Plano Marshall (ajuda norte-americana no pós-guerra), actua no Teatro Argentina, sendo a única cantora ligeira no meio das melhores vozes clássicas. A digressão levaa a Triste, Berna, Dublin e Paris. 1970, segunda actuação em Roma.
Japão, 1970. Primeira temporada neste país do Extremo Oriente.
África de 1950
«Fui convidada para ficar em Espanha, França, Hollywood... nunca aceitei, não seria capaz de abandonar o meu país.»
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Testemunhos Testemunhos
“Uma história simples não tem interesse; a naturalidade e a verdade nunca foram espectáculo. Uns dizem que eu era um demónio, outros que era uma santa!” Amália Rodrigues
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Testemunhos Amália na voz dos outros
“Ligação profunda. Duvido que alguém, em Portugal, tenha tido com as pessoas uma ligação tão profunda durante tantos anos, mesmo quando deixou de cantar. Era uma referência”. José Saramago
“O Fado morreu. O Fado morreu hoje um pouco com a morte de Amália Rodrigues. O país e o mundo perdem aquela que foi a grande embaixatriz de Portugal e da música portuguesa”. Eusébio
“Sensações loucas. Custa muito que Amália Rodrigues se tenha calado. Desapareceu um dos maiores vultos do século, porque Amália reinventou o fado e significou uma mais-valia para Portugal. Quando cantava, transmitia sensações absolutamente loucas.” Raul Solnado
“É insubstituível. É uma lenda e a história vai provar que ela é insubstituível. A Amália Rodrigues não era a única fadista, mas era sem qualquer dúvida, uma personalidade incomparável.” Nuno Câmara Pereira
“Amália Rodrigues foi sempre, e sobretudo, a pessoa que mais terá identificado naturalmente as características nacionais da saudade, da afectividade, do amor, da solidão, da nostalgia. Enquanto sofríamos uma ditadura, Amália foi um símbolo do Portugal em que todos se poderiam rever, e esse é o primeiro grande serviço que ela prestou a Portugal no seu conjunto.” Jorge Sampaio
“Era a voz de Portugal. Prestigiou imenso o País no mundo. Uma pessoa muito acessível, modesta, simples, nada diva. Digna de todo o apreço, não obstante ser uma pessoa muito conserva-
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dora, senão mesmo salazarista. Mas isso não tinha importância nenhuma comparativamente ao que ela representou sempre para todos nós.” Mário Soares
“Conheci Portugal há 20 e tal anos como o País de fado e do Benfica. Havia o fado e o futebol. Agora que há outros tipos de música, como o rock, o fado, aquele carácter da alma portuguesa, perdeu uma grande mensageira.” Xanana Gusmão
“Amália Rodrigues fazia parte da identidade dos portugueses, era um dos seus símbolos mais marcantes. Portugal perdeu uma das maiores figuras da sua cultura e simultaneamente todos perdemos alguém que fazia parte da nossa vida, da nossa afectividade, da nossa imaginação, da nossa identidade. Ao longo da História, algumas figuras permanecem como símbolos de um povo. Amália ficará na história de Portugal como um dos símbolos mais marcantes do povo português. Como primeiro-ministro, curvo-me respeitosamente em sua memória.” António Guterres
“A sua morte representa uma grande tristeza nacional. Tinha e tenho por Amália uma profunda admiração e respeito. Era uma mulher simples e de uma sabedoria profunda, que sempre fez questão de afirmar que era uma mulher do povo e entre o povo se sentia bem. No estrangeiro pude testemunhá-lo. Espalhou e prestigiou o nome de Portugal como poucos o fizeram neste século. O País deve muito a Amália.” Cavaco Silva
“Voz suave, sensual. Compartilho a imensa pena do povo português. Amália Rodrigues levou à perfeição a sua arte. Esta grande senhora do fado era o seu estandarte mais emotivo. A sua voz áspera, suave, sensual, penetrava no mais profundo da alma, rasgava os corações, transportava as imaginações para uma poesia musical de uma rara beleza”. Jack Lang
“Idolatrada e amada. Amália marcou a história da música popular portuguesa e é idolatrada e amada em todos os países de língua portuguesa”. José Sarney
“Esplendor do canto. Amália representa o esplendor do cântico mediterrânico. Ele estará sempre connosco. Os meus artistas mais amados estão morrendo.” Caetano Veloso
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A voz de Portugal
Homilia de D. José Sanches Alves na Missa Exequial de Amália Rodrigues
Emudeceu a voz que levou o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo. A Nação está de luto. Todos nos curvamos respeitosamente perante os restos mortais de Amália, a artista singular que cantou, como ninguém, a saudade da alma portuguesa e fez vibrar as cordas da tristeza em acordes de alegria. Artista verdadeira e construtora genial da beleza musical ficará para sempre associada ao mistério da criação. Nela brilhou com fulgor o poder criador de Deus. Pela música, abriu, a seu modo, «um caminho de acesso à realidade mais profunda do homem e do mundo», afastou para longe o desespero que invade os espíritos embotados e fez nascer a alegria no coração dos homens. Através da música, cultivou a beleza que, no dizer do papa João Paulo 11, «é chave do mistério e apelo ao transcendente. Convida a saborear a vida e a sonhar o futuro». Suscita nos homens a misteriosa saudade de Deus, Oceano infinito de beleza, onde o assombro se converte em admiração, inebriamento e alegria inexprimível (Cf Carta aos Artistas, 16). Cantou a saudade da terra, do mar e do céu. Saudade do passado. Saudade do futuro. Saudade da origem. Saudade do Além. Saudade de Deus que a criou. Saudade de Deus que a chamou para a outra margem da vida, sempre envolta em mistério, inacessível tanto à ciência como à filosofia e onde apenas a luz da fé pode fazer brilhar a esperança. Amália era uma mulher crente. Disse-o muitas vezes. Da sua fé falam os actos que praticou. As imagens que religiosamente trouxe consigo ou venerou religiosamente no santuário do seu lar. As orações que rezou. As esmolas que deu. As amizades que partilhou com as mais variadas classes de pessoas. Na sua vida há reflexos daquele ideal evangélico, sintetizado por Jesus Cristo nas bem-aventuranças, que há pouco foram proclamadas para nós, no decorrer desta celebração. As bem-aventuranças condensam o ideal mais elevado a que o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, pode e deve aspirar. É um ideal sublime que contrasta com os ideais humanos. Difícil de captar por quem vive enredado nas teias da razão, envolto no turbilhão da vida, absor-
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vido com as preocupações da cidade terrena e esquecido das exigências da cidade celeste. Esse ideal toma-se mais luminoso e compreensível nos momentos fortes do confronto directo com o mistério como este que estamos a viver. Quando «a tenda que é a nossa morada terrestre » se desfaz e, libertos do exílio, se nos franqueiam as portas do infinito, para entrar na «habitação eterna, que é obra de Deus(Cf 2Cor5, 1). Quando, iluminados pela fé e alentados pela esperança, nos confrontamos com uma experiência limite, então conseguiremos compreender o valor da simplicidade e da misericórdia, da humildade e da pureza de coração, do sofrimento, da perseguição e da luta pela justiça, como forças geradoras de paz, de alegria e de amor, tal como Jesus Cristo no ensina com o sermão da montanha. Com efeito, o que fica depois da morte é o espírito e não a matéria. O que acompanha, no Além, os que partem desta vida, é o bem que praticaram e não as riquezas que acumularam. Todos partem de mãos vazias. A bagagem chama-se justiça e verdade, amor e perdão. É invisível. Mas é real. Para os que partem munidos desta bagagem, cresce a esperança de imortalidade e a certeza da fé: «Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há-de ressuscitar a nós para nos levar para junto d’Ele» (2 Cor.4,14).
José Alves, bispo auxiliar na Missa Exequial de Amália Rodrigues Lisboa, 08 de Outubro de 1999
Impressão: Centro de Línguas de Aveiro Edição amiga do ambiente Edição limitada, 500 exemplares