AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

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aVaLiaçãO de POLÍTicas PÚBLicas:

REFLEXÕES ACAdÊMICAS SoBRE o dESENVoLVIMENTo SoCIAL E o CoMBATE À FoME

1. introdução e temas transversais 2. transferência de Renda 3. assistência social e territorialidades 4. segurança alimentar e nutricional 5. inclusão produtiva


Presidenta da República Federativa do Brasil

Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello Secretário Executivo Marcelo Cardona Secretário de Avaliação e Gestão da Informação Paulo de Martino Jannuzzi Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Arnoldo Anacleto de Campos Secretário Nacional de Renda de Cidadania Luis Henrique da Silva de Paiva Secretária Nacional de Assistência Social Denise Colin Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza Tiago Falcão

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avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Dilma Rousseff

Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO: Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.


TransferĂŞncia de renda


© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.

Coordenação Editorial: Kátia Ozório Equipe de apoio: Victor Gomes de Lima, Valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes Diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe Bibliotecária: Tatiane Dias Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia Valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.2: Tranferência de renda -- Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014. ISBN: 978-85-60700-68-4

108p. 1. Política social, Brasil. 2. Desenvolvimento social, Brasil. 3. Políticas públicas, avaliação, Brasil. I. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

CDU 304(81) Abril de 2014 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340 CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501 http://www.mds.gov.br Central de Relacionamento do MDS: 0800-707-2003


FICHA TÉCNICA

Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Organizadores Júnia Valéria Quiroga da Cunha Alexandro Rodrigues Pinto Renata Mirandola Bichir Renato Francisco dos Santos de Paula

Agradecimentos Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a participar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos. Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem listados, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de seu nome.


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avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Pareceristas Alberto Albino dos Santos

Lucélia Luiz Pereira

Alcides Fernando Gussi

Luciana Maria de Moura Ramos

Aldaíza Sposati

Luís Otávio Pires Farias

Alexandro Rodrigues Pinto

Luiz Rafael Palmier

Ana Maria Segall Corrêa

Marconi Fernandes de Sousa

Andrea Butto

Marcos Costa Lima

Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra

Mariana Helcias Côrtes

Bruno Barreto

Mariana López Matias

Carla Cristina Enes

Marina Pereira Novo

Crispim Moreira

Marta Arretche

Daniela Sherring Siqueira

Marta Battaglia Custódio

Dirce Koga

Milena Bendazzoli Simões

Eduardo Cesar Leão Marques

Neuma Figueiredo de Aguiar

Eduardo Salomão Condé

Onaur Ruano

Elizabete Ana Bonavigo

Paula Montanger

Elza Maria Franco Braga

Paulo de Martino Jannuzzi

Fabio Veras Soares

Pedro Antônio Bavaresco

Fátima Valéria Ferreira de Souza

Pedro Israel Cabral de Lira

Fernanda Pereira de Paula

Rafael Guerreiro Osorio

Frederico Luiz Barbosa de Melo

Renata Mirandola Bichir

Haroldo Torres

Renato Francisco dos Santos de Paula

Igor da Costa Arsky

Rodrigo Constante Martins

Jeni Vaitsman

Rômulo Paes de Sousa

Juliana Picoli Agatte

Sergei Suarez Dillon Soares

Júlio César Borges

Silvia Maria Voci

Júnia Valéria Quiroga da Cunha

Simone Amaro dos Santos

Kyara Michelline França Nascimento

Simone de Araújo Góes Assis

Leonor Maria Pacheco Santos

Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade

Letícia Bartholo

Walquiria Leão Rego

Luana Simões Pinheiro



Luis Henrique Paiva1 Letícia Bartholo2

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avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

bolsa Família, deZ anos de tRaJetÓRia

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DouToR EM SoCIoLoGIA E PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS E SECRETÁRIo

NACIoNAL DE RENDA DE CIDADANIA Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE à FoME (MDS). 2

MESTRE EM DEMoGRAFIA PELA uNIvERSIDADE ESTADuAL DE CAMPINAS E SECRETÁRIA NACIoNAL ADJuNTA

DE RENDA DE CIDADANIA Do MDS.


Tendo recentemente completado dez anos, o Programa Bolsa Família (PBF) afirmou-se como um dos pilares da proteção social não-contributiva, apresentando avanços céleres e impactos positivos para a sociedade brasileira. A ampliação do direito à renda, já previsto constitucionalmente na Seguridade Social, o aumento da frequência e a diminuição da evasão escolar entre as crianças e adolescentes beneficiários, tal como o apoio à estruturação do próprio Sistema Único de Assistência Social (SUAS) são alguns exemplos dos bons resultados obtidos desde a instituição do Programa. Nascido sob embates de distintas perspectivas sobre transferência de renda, o Programa foi alvo de uma série de críticas, como a de que o repasse direto de renda aos mais pobres poderia produzir efeitos negativos no engajamento produtivo dessas famílias. No terreno das condicionalidades, conviveram críticas antagônicas: de um lado, os defensores do direito à renda mínima afirmavam que condicionar a recepção de um benefício financeiro à comprovação da frequência escolar e do acompanhamento de saúde seria, em essência, não uma ampliação de direitos, mas sua restrição; de outro, foram também fortes as afirmações que contestavam a capacidade do Programa em acompanhar as condicionalidades, sugerindo que controles haviam sido afrouxados, o que limitaria seu papel ao alívio imediato da pobreza, sem a perspectiva de sua superação entre as gerações. Talvez tenha sido este ambiente de crítica e acompanhamento constante por parte da sociedade um dos fatores mais importantes para a evolução do Bolsa Família. Em relação à transferência de renda, o Programa reajustou suas linhas de entrada em 2006 e 2009. Instituiu, em 2010, a chamada regra de permanência, que possibilita a manutenção das famílias no Programa pelo prazo mínimo de dois anos, ainda que sua renda mensal per capita varie acima dos R$ 140,00 definidos para entrada no Programa, até o limite máximo de ½ salário mínimo. Com essa medida, objetivou-se fornecer alguma segurança às famílias pobres que conseguem acessar condições para melhorar seu rendimento monetário. No ano de 2011, novos aprimoramentos no contexto do Brasil sem Miséria: a meta de atendimento do Programa alcançou 13,8 milhões de famílias e os valores dos benefícios sofreram reajuste médio de 19%, com maior impacto sobre os benefícios variáveis (que tiveram reajuste de 45%), pela constatação da maior prevalência da pobreza entre os mais jovens. Também sob este argumento, o limite de benefícios variáveis por família foi ampliado de 3 para 5 e estendido a gestantes e nutrizes. Como medida complementar à regra de permanência, foi criado o retorno garantido, pelo qual as famílias que se desligam voluntariamente do Programa por terem saído da situação de pobreza têm a garantia de retorno imediato, caso retornem a esta situação. Também nesse contexto, os recursos do Governo Federal de reforço à gestão do PBF repassados a municípios, estados e ao Distrito Federal foram ampliados em 82%. Hoje, são destinados R$ 560 milhões anuais para apoio à gestão descentralizada, que são repassados aos municípios e estados, conforme seu Índice de Gestão Descentralizada (IGD), indicador que avalia a qualidade do Cadastro Único e do registro de condicionalidades feito pelos municípios. Em 2012, o Bolsa Família passou a contar com um novo benefício (benefício de superação da extrema pobreza), destinado às famílias que continuavam com renda

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familiar per capita igual ou inferior a R$ 70 após o recebimento dos benefícios complementa a renda familiar até que ela atinja um determinado patamar – no caso, a superação do valor de R$ 70 por pessoa. Inicialmente, o benefício foi voltado para famílias nesta situação que tinham em sua composição crianças entre 0 e 6 anos, como parte integrante das iniciativas da Ação Brasil Carinhoso3. Ainda em 2012, esse benefício foi estendido para famílias com crianças e adolescentes com idade de até 15 anos e, no início de 2013, o benefício alcançou as famílias beneficiárias independentemente da presença de crianças. Dessa maneira, houve um forte aumento no orçamento de benefícios do Programa (que saltou de R$ 15 bilhões em 2010 para praticamente R$ 24 bilhões em 2013), voltado para famílias em situação de extrema pobreza. De maneira sucinta, a trajetória do PBF em sua dimensão principal, de transferência de renda, logrou em manter o poder aquisitivo dos valores de seus benefícios financeiros, ampliou o investimento nas crianças – parcela da população sobre representada na pobreza – e garantiu, às famílias pobres, a segurança para que procurem oportunidades de engajamento produtivo sem o risco de não mais poder contar com o Programa. Na dimensão das condicionalidades, também houve avanços importantes. A melhoria da verificação de seu cumprimento pelas famílias se deu em paralelo à construção de um modelo de gestão que afirma direitos sociais e se contrapõe à perspectiva punitiva. Entre 2006 e 2013, a proporção de crianças entre 6 e 15 anos com acompanhamento de frequência passou de 62,8% para praticamente 95,0% e o número de famílias acompanhadas pela área de saúde, de 33,4% para 73,4%. Essa evolução ocorreu sob um mecanismo de acompanhamento que não objetiva retirar do PBF as famílias que descumprem condicionalidades, pois enxerga o descumprimento como um sério indicativo de vulnerabilidade social. Com as novas regras de 2012, uma família só terá o benefício cancelado após ter uma atenção do Poder Público durante 12 meses, que deve, a partir da identificação da situação de suspensão do benefício da família, fazer o acompanhamento socioassistencial e registrá-lo no Sistema de Condicionalidades (Sicon). Essa estratégia evita o desligamento imediato da família que está em situação de vulnerabilidade.

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“tradicionais” do Programa. Trata-se de um típico benefício do tipo top up, que

Vale lembrar também que há motivos de descumprimento que não repercutem nos benefícios, tais como a falta de oferta do serviço, motivos de saúde ou fatores impeditivos do deslocamento à escola. Ainda, os efeitos por descumprimento podem deixar de ser aplicados se o município, além de realizar o acompanhamento sócio assistencial, solicitar a interrupção temporária dos efeitos do descumprimento no Sicon. Ou seja, as famílias que não cumprem seus direitos sociais básicos são vistas como as que mais merecem atenção do poder público e não como as que devem ser deixadas à margem do sistema de proteção social. Este novo modelo de gestão de condicionalidades explica a baixa proporção de cancelamentos por descumprimento das condicionalidades: em março de 2014, apenas 407 famílias das cerca de 14 milhões, ou 0,003% tiveram o benefício cancelado ( ou 3 em cada 100 mil famílias).Para seleção e acompanhamento de seu público, o Bolsa

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Conjunto de ações do Brasil em Miséria direcionadas para a primeira infância.


Família conta com o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), que hoje funciona de forma on line em nos municípios brasileiros. Com a nova versão, lançada em dezembro de 2010 e implementada sobremaneira a partir de junho de 2011, o poder público consegue mapear variadas dimensões de vulnerabilidades que atingem os 40% mais pobres da população brasileira, para além da limitação de acesso à renda monetária. No fim de 2013, 89% das cerca de 23 milhões de famílias cadastradas já estavam com dados atualizados na nova versão. Para essas famílias, tem-se um leque amplo de informações, hoje utilizado por praticamente todos os programas que compõem o Brasil sem Miséria e outros, como as tarifas sociais de telefonia, energia elétrica e de envio de cartas. Diversas pesquisas acabaram demonstrando a boa evolução do Programa. Na Educação, trabalhos como os de Glewwe & Kassouf (2008) e Silveira Neto (2010) já haviam apontado para impactos do Programa Bolsa Família na frequência escolar. Por sua vez, a segunda rodada da Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família – AIBF (BRASIL/MDS, 2012) também detectou impacto sobre a taxa de aprovação – demonstrando que, no médio prazo, a maior frequência dos alunos do Programa às aulas acaba trazendo resultados positivos para o próprio desempenho escolar. Na saúde, a AIBF detectou impacto na vacinação em dia, para algumas vacinas, bem como na saúde materna (as mulheres grávidas do Programa tiveram, em média, 1,6 consultas de pré-natal a mais do que as não beneficiárias de mesmo perfil). Não há evidência de que o programa tenha tido qualquer impacto sobre a fecundidade das mulheres, aumentando seu número de filhos. Estudos como os de Signorini e Queiroz (2011) apontam, ao contrário, que o impacto observado sobre a fecundidade, de pequena magnitude, é negativo. Nesse aspecto, a AIBF evidenciou aumento no do uso de métodos contraceptivos pelas beneficiárias do Programa, o que pode derivar da ampliação da capacidade feminina de tomada de decisão sobre sua vida reprodutiva. Há ainda, nesta pesquisa, outros indicativos de aumento do poder decisório das mulheres no domicílio. Outro possível efeito indesejado, de redução do trabalho, também já foi desmentido por vários estudos: não foi encontrada redução significativa da oferta de trabalho pelos beneficiários. As duas rodadas da AIBF chegam à mesma conclusão – a primeira, inclusive, aponta para um discreto aumento da oferta de trabalho nos homens (BRASIL/MDS, 2009). Outros estudos sugerem uma redução também muito discreta no número de horas trabalhadas pelas mães, o que pode ser uma consequência positiva do Programa (como sugerem Soares e Satyro, 2009), em contextos de vínculos laborais precários e escassez de oferta de serviços públicos de cuidado de crianças Potenciais efeitos sobre a formalidade encontrados na segunda rodada da AIBF (BRASIL/MDS, 2012), ainda que de magnitude relativamente pequena, devem continuar a ser acompanhados, especialmente em função da adoção nos últimos anos, pelo MDS, de medidas para evitá-los. A despeito dos bons resultados, o PBF é um programa jovem, que não pode prescindir de aprimoramento, a fim de fazer frente a novos desafios, muitos deles derivados de sua própria estruturação. Sem dúvida, a capacitação de gestores e técnicos locais, a promoção da intersetorialidade e o fortalecimento dos mecanismos de apoio à gestão descentralizada são aspectos ainda desafiadores, cujo

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atingimento tende a reforçar o percurso exitoso do Programa. Os textos seguintes, na medida em que explicitam lacunas e necessidades de melhorias na gestão do

Assim, tem-se no texto de Veloso o reconhecimento da importância do Cadastro Único como tecnologia social propiciadora de ações mais efetivas no enfrentamento da pobreza. O autor ressalta o contexto de crescente associação entre tecnologia e política pública, no qual a gestão social e a gestão da informação passam a caminhar juntas. Nesse cenário, refere-se ao CadÚnico como instrumento tecnológico que contribui para ampliação do exercício de direitos sociais e a consolidação da cidadania. No entanto, Veloso também explicita a insatisfação dos usuários do CadÚnico com as limitações da utilização gerencial das informações cadastrais, para fins de planejamento e implementação de políticas públicas. De certo, o autor aponta uma importante lacuna à concretização do potencial do Cadastro, que persistiu no biênio 2010-2011 e somente foi atenuada em 2012. Tal insuficiência não derivou de problemas de capacitação ou repasse de informações aos usuários do Sistema de Cadastro Único, mas sim da inexistência de funcionalidades de tabulação ou extração de microdados na versão do Sistema implantada a partir de 2010. Apesar dos avanços acima mencionados, esta versão ainda não conta com todas as possibilidades de relatórios de informação existentes na versão anterior e, durante 2010 e 2011, municípios e estados ficaram sem ferramenta de manejo dos dados das famílias cadastradas. Em 2012, porém, o MDS atenuou esta insuficiência da nova versão, por meio da implantação do sistema de Consulta e Extração de Dados do Cadastro Único (CECAD). O CECAD, hoje acessível a todos os gestores municipais e estaduais do CadÚnico e da Assistência Social, permite compor relatórios a partir de diversas variáveis do Cadastro Único e extrair relação identificada das famílias com base em características definidas. No entanto, a solução estrutural ainda está em desenvolvimento e baseia-se na implantação de ferramenta de Business Inteligence, que permitirá consulta e extração de relatórios pré-formatados e parametrizados pelos gestores e técnicos dos três níveis da federação. Tal implantação certamente requererá uma estratégia de capacitação muito bem desenhada, que permita a disseminação do uso da ferramenta. Felizmente, a com-

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PBF, contribuem nessa direção.

posição de boas estratégias de capacitação tem sido uma marca da gestão do Bolsa Família e do Cadastro Único: somente entre 2010 e 2012, foram formados mais de 20 mil entrevistadores e 12.000 operadores do Sistema de Cadastro Único em todos os municípios brasileiros. Em decorrência da rotatividade de técnicos municipais que trabalham com o tema, tal como dos aprimoramentos do Cadastro Único, essas capacitações são continuamente ofertadas. O modelo de capacitação adotado para o preenchimento dos formulários do Novo Cadastro Único foi efetuado com participação essencial das coordenações estaduais do PBF e Cadastro Único. Os estados indicaram ao MDS um conjunto de 561 técnicos com disponibilidade para atuar como multiplicadores da informação para os municípios, os quais foram formados em curso presencial de 40 horas, ministrado diretamente por técnicos do MDS. O sucesso da estratégia levou a Senarc a utilizar o mesmo modelo, a partir de 2012, também para a formação de multiplicadores de gestão, os quais repassam aos municípios orientações sobre as regras e procedimentos envolvidos no desenho e implementação do PBF e Cadastro Único.


Este novo curso, já implantando, visa suprir também a necessidade de disseminação de informação aos profissionais envolvidos na gestão local do PBF, o que ainda é um desafio, conforme apontam os três outros estudos desta seção, dedicados sobretudo ao tema das condicionalidades. Medeiros e Machado notam, por exemplo, que, em todos os municípios paraibanos onde realizaram o trabalho de campo, os profissionais envolvidos cotidianamente com o PBF referem-se às condicionalidades fundamentalmente no âmbito da frequência escolar. Por sua vez, Monnerat e Nogueira, analisando a implementação da condicionalidade de saúde no Rio de Janeiro, apontam depoimentos de profissionais de saúde que se referem ao atendimento das famílias pobres como função exclusiva da área de assistência social e outros que interpretam o não comparecimento dessas famílias aos serviços de saúde como resultado da “falta de punição” presente na gestão de condicionalidades do Bolsa Família. No trabalho de campo que embasa o estudo de Silva e Guilhon, feito em 13 municípios do Maranhão, as autoras também identificaram a presença da leitura punitiva das condicionalidades entre os profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, tal como entre os representantes do conselho de controle social do Programa. Esses dois estudos indicam, portanto, que a perspectiva educativa e de ampliação de direitos, presente na estratégia desenhada pela gestão federal do PBF para as condicionalidades, pode não ter ressonância ampla entre os profissionais envolvidos em sua gestão local. De fato, esse é um aspecto que deve ser objeto de análise da gestão federal, a fim de que possam ser planejadas e conduzidas ações de formação dos gestores locais que reafirmem a dimensão das condicionalidades como esfera de fortalecimento dos direitos sociais. Vale lembrar, contudo, que a proteção social brasileira edificou-se, por séculos, sobre uma perspectiva conservadora e restritiva de direitos: aos cidadãos, produtivos e contribuintes, a garantia do seguro social; aos pobres ou incapazes, o locus da caridade e do voluntarismo. Ainda que esse itinerário tenha sido rompido em direção à maior abrangência da proteção social, que tem na Constituição de 1988 um marco e no Bolsa Família um dos pilares de sua concretização, romper esse constructo conservador absorvido culturalmente é, e certamente será por mais algumas décadas, um dos maiores desafios não somente do Bolsa Família, mas do Estado e da sociedade brasileira. Monnerat e Nogueira, como Medeiros e Machado, chamam também atenção para as insuficiências nas estruturas de gestão do PBF nos municípios, em termos de equipamentos de trabalho, de recursos humanos e da prática intersetorial. Medeiros e Machado notam, por exemplo, a ausência de planejamento de ações de acompanhamento das famílias que descumprem condicionalidades nos municípios pesquisados. Ainda, tendo em vista a escassez de pessoal para realizar visitas domiciliares, estas acabam ficando restritas às famílias com indícios de problemas cadastrais. De certo, a escassez de recursos humanos e de infraestrutura hoje presente nas gestões municipais do PBF deriva da própria consolidação recente do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Espera-se que os ganhos de institucionalização do SUAS, como a aprovação da nova LOAS e a ampliação dos recursos aportados para a gestão por meio do IGD SUAS, além do próprio aumento do IGD Bolsa Família, possam contribuir para sua superação. Se isso provocará o fortalecimento da gestão do Bolsa Família nos municípios, não necessariamente levará a ganhos de intersetorialidade. Por isso, é central o

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investimento no diálogo federal entre os ministérios do Desenvolvimento Social, da Saúde e da Educação, que leve ao desenho de ações conjuntas capazes de minimamente entre estes setores. A intersetorialiedade no Bolsa Família, mais do que uma necessidade prática, é um componente de sua estrutura, do qual depende seu funcionamento adequado e sua evolução. Outro aspecto fundamental está na ampliação da oferta de serviços públicos às famílias mais pobres, cuja necessidade o Bolsa Família tem sido capaz de desvelar por meio do acompanhamento de condicionalidades. Ao estimular seus beneficiários à utilização de serviços básicos de assistência social, saúde e educação, o PBF provoca pressões sobre a oferta de serviços, explicitando ao poder público sua insuficiência. Tal como as regras do PBF induzem as famílias à busca pelo acesso a seus direitos sociais básicos, espera-se que os dados de acompanhamento de condicionalidades, sistematizados em nível federal, contribuam para induzir o Estado à ampliação e à melhoria da qualidade dos serviços. Assim, não só pela importância de contar com informações que permitam acompanhar o acesso dos beneficiários do PBF a seus direitos, mas também de conseguir avaliar a adequação de oferta de serviços, é importante garantir o envio dos registros de acompanhamento de condicionalidades pelos municípios. É o que o Governo Federal busca estimular por meio do Índice de Gestão Descentralizada Municipal (IGD-M), ao vincular o montante de recursos repassados à gestão local também ao grau de informação sobre acompanhamento de condicionalidades. No entanto, deve-se sublinhar que o IGD é um indicador cujo objetivo é mensurar a qualidade e o comprometimento de municípios e estados com a gestão do Bolsa Família, e não a qualidade dos serviços de educação e saúde ofertados, tampouco o impacto das condicionalidades sobre as condições de vida das famílias. O IGD mede a capacidade de municípios em cadastrar a população de baixa renda e registrar a frequência escolar e as consultas de saúde do público beneficiário. Os impactos das condicionalidades na situação dos beneficiários são mensurados em outras avaliações, como a própria AIBF. Imputar ao IGD, um indicador de processo, a responsabilidade de medir a melhoria das condições de vida das famílias do PBF,

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induzir as esferas subnacionais à adoção do compartilhamento da gestão do PBF

como fazem Silva e Guilhon, é, portanto, um equívoco basilar. De fato, como afirmam as autoras, é fundamentalmente importante avaliar o comprometimento do Estado na oferta dos serviços de saúde e educação, de boa qualidade, e da disseminação da informação para que, beneficiários e não beneficiários, possam acessá-los. Porém, ainda que os dados do IGD possam contribuir para identificar escassez de oferta desses serviços, a responsabilidade por esta avaliação e pelo atingimento desta meta não pode ser atribuída ao Programa Bolsa Família. Em outros termos, o direcionamento de atribuições de políticas sociais diversas a um programa social específico leva à armadilha de incutir uma perspectiva restritiva ao próprio Sistema de Proteção Social brasileiro. De todo modo, dissensos são parte da construção das políticas públicas e, felizmente, o Bolsa Família tem provocado diversas pesquisas e reflexões contributivas para o bom debate sobre seu aprimoramento, tal como os estudos que compõem esta seção.


REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sumário Executivo – Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família. Brasília: MDS, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sumário Executivo – Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família – 2ª rodada (AIBF II). Brasília: MDS, 2012. GLEWWE, P.; KASSOUF, A. L. The Impact of the Bolsa Escola/Familia Conditional Cash Transfer Program on Enrollment, Grade Promotion and Dropout Rates in Brazil. ANPEC - Associação Nacional dos Centros de Pós-graduação em Economia, 2008. SIGNORINI, B.; QUEIROZ, B. (2011). The impact of Bolsa Familia on beneficiaries’ fertility. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar. (Texto para Discussão no. 439). Disponível em: <http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20439.pdf>. SOARES, S.; SÁTYRO, N. O Programa Bolsa Família: desenho institucional, impactos e possibilidades futuras. Brasília: Ipea, 2009. (Texto para Discussão n° 1.424).

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1.

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E O SISTEMA

ÚNICO DE SÁUDE: DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO

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DAS CONDICIONALIDADES EM UM MUNICÍPIO DE GRANDE PORTE

2.

CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO:

Desafios à gestão do Programa Bolsa Família

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em municípios paraibanos

3.

O BOLSA FAMÍLIA (BF) NO CONTEXTO DA

PROTEÇÃO SOCIAL: significado e realidade das

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condicionalidades e do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão

4.

A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA

PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: contribuições REFLEXÕES acadêmicas acadêmicas sobre sobre o Desenvolvimento o Desenvolvimento Social Social e o Combate e o Combate à Fome à Fome

SUMÁRIO

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Giselle Lavinas Monnerat - Faculdade Serviço Social - uERJ Juliana França Nogueira - uFF

Transferência de renda

avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

pRoGRama bolsa Família e o sistema único de sÁUde: desaFios da implementação das condicionalidades em Um mUnicípio de GRande poRte


Introdução Este artigo analisa1 a implementação das condicionalidades do Programa Bolsa Família - PBF no setor saúde, tendo em vista dimensionar dificuldades e possibilidades, de modo a contribuir com a qualificação de seu processo de operacionalização. Cabe salientar que há poucos estudos que abordam diretamente o tema em questão e este artigo pretende, de alguma forma, contribuir para sanar tal lacuna. O Programa Bolsa Família (PBF), criado 2003, por meio da Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, tem como objetivo instituir um programa nacional de transferência de renda para as famílias pobres. Este Programa exige como contrapartida que as famílias beneficiárias mantenham vínculos de adesão à escola e unidades de saúde como uma estratégia de melhorar o acesso aos direitos sociais básicos. Busca-se aqui identificar como o setor saúde do município do Rio de Janeiro vem se comportando diante das requisições postas pelo PBF em termos da criação de estratégias gerenciais e da organização dos serviços de atenção básica para desenvolver as ações relativas às condicionalidades da saúde. A perspectiva de análise do processo de implementação se mostrou adequada aos objetivos da pesquisa visto que possibilita focar os fatores que interferem negativa ou positivamente nos resultados de operacionalização de uma dada política ou programa social, contribuindo assim para o dimensionamento de elementos vinculados às condições de sua sustentabilidade, tais como capacidade institucional, estrutura de incentivos e possibilidade de continuidade das ações, bem como os pontos críticos em relação ao alcance dos resultados (DRAIBE, 2001). A aproximação empírica, através de um estudo de caso, se traduz em uma exigência da investigação proposta, uma vez que as atribuições relacionadas à implementação das condicionalidades do PBF no setor saúde recai sobre os municípios, entes responsáveis pela oferta de ações de atenção primária em saúde na esfera local de governo desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entende-se que a execução do Programa Bolsa Família exige mudanças na organização dos serviços de saúde, o que torna o nível local um ‘espaço’ privilegiado de análise dos rumos do programa de transferência de renda brasileiro. A escolha do município do Rio de Janeiro busca contemplar a complexidade que caracteriza a execução do Programa Bolsa Família, assim como a estruturação de sistemas municipais de saúde em grandes centros urbanos, haja vista o reconhecimento de enormes dificuldades de acesso aos serviços sociais nesses contextos. O Rio de Janeiro contabiliza uma população em torno de 6,3 milhões de habitantes segundo dados do censo 2010 (IBGE, 2010). As grandes dimensões geográficas e enormes desigualdades sociais existentes no município tornam ainda mais complexa a tarefa de colocar em prática o PBF, tanto no que se refere ao cadastramento das famílias quanto ao acompanhamento das condicionalidades que, por sua vez, 1

Este artigo é parte dos resultados da pesquisa Programa Bolsa Família: um estudo avaliativo

da implementação das condicionalidades da saúde em um município de grande porte, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (Edital MCT/CNPq/MDS-SAGi nº36/2010 - Estudos e Avaliação das Ações do Desenvolvimento Social e Combate à Fome).

21 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


exige um mínimo de coordenação intersetorial. A complexidade do desenvolvideste município ter mais de um milhão de seus habitantes residindo nas 1020 favelas. A renda per capita no município é de 596,65 reais, com um percentual de miseráveis de 14,572, índice menor do que o apresentado pelo estado do Rio de Janeiro que é de 19,45% (IBGE, 2000). A gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família no setor saúde no Rio de Janeiro necessita de estudos para maior entendimento acerca dos dilemas que interferem nos baixos índices de acompanhamento das famílias. Sobre este ponto, vale registrar que os dados de cobertura das “famílias perfil saúde totalmente acompanhadas” para a primeira vigência de 2011 era de 35,1%, percentual abaixo da média do estado, cujo índice para o mesmo período esteve em 46,9%. Já o índice para o Brasil era de 70,2% (MDS, 2011). Diante da dimensão do município e das condições de viabilidade da pesquisa, elegeu-se como campo de pesquisa a Área Programática 2.2, uma das 10 áreas em que se divide o município, abarcando duas Regiões Administrativas (a VIII e a IX RA’s) constituídas pelos seguintes bairros: Praça da Bandeira, Tijuca, Alto da Boa Vista, Maracanã, Vila Isabel, Andaraí e Grajaú. Nesta Área Programática, com população total de 356.036 habitantes, verifica-se um enorme contingente populacional vivendo em favelas3. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com gestores e profissionais da Secretaria Municipal de Saúde que participam da operacionalização do PBF em oito unidades básicas de saúde, seja nas de tipo ‘tradicional’4 ou nas unidades que trabalham com a metodologia da Estratégia Saúde da Família. As entrevistas tiveram como referência um roteiro integrado por perguntas abertas e fechadas, elaboradas com base no quadro teórico e nos objetivos da pesquisa, cuja intenção foi reconstruir o processo cotidiano de implementação das condicionalidades da saúde. A formação dos profissionais de saúde entrevistados é variada, isto é, há médicos (pediatra, cardiologista e geriatra), assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, odontólogo, técnicos e auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Os depoimentos foram gravados com a autorização dos entrevistados que as-

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mento de políticas públicas e sociais no Rio de Janeiro também se traduz no fato

sinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado conforme os preceitos da ética na pesquisa social5. Os entrevistados foram referidos no corpo do trabalho de modo genérico para evitar qualquer identificação. Realizaram-se trinta e quatro entrevistas em profundidade, as quais foram transcritas na íntegra.

2

Considerando-se R$ 80,00 por pessoa ao mês em julho de 2001 (PNUD/IPEA/Fundação João Pinheiro/

IBGE, 2003. 3

Podem-se citar algumas favelas como: Barro Preto, Vila Cabuçu, Barro Vermelho, Morro do

Encontro, Morro do São João, Morro da Matriz, Morro dos Macacos, Pau da Bandeira, Parque Vila Izabel, Alto Simão, Favela do Metro, Morro Andaraí, Morro Jamelão, Morro da Cruz, dentre outras. 4

O termo ‘tradicional’é usado apenas para diferenciar das unidades que trabalham na lógica

da Estratégia saúde da Família. 5

Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ - Parecer 040-2011.


DESENVOLVIMENTO Nos anos 1990, a maioria dos programas de transferência de renda desenvolvidos por diversos municípios brasileiros apostou na combinação de ações assistenciais e estruturais. Em razão disso, observa-se a recorrência de programas que apresentam em seu desenho a exigência de contrapartidas com o argumento de promover processos de inclusão social, pelo menos das gerações futuras. Acompanhando essa tendência, o PBF exige das famílias beneficiadas o cumprimento de uma agenda de compromissos. As chamadas condicionalidades se traduzem na obrigatoriedade de inserção de crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes em determinados programas de saúde e a matrícula e freqüência das crianças, adolescentes e jovens na escola. Para os idealizadores do Programa Bolsa Família a exigência de contrapartida é a chave para criar processos de autonomização das famílias pobres. A legislação pertinente explicita que a gestão das condicionalidades deve englobar os três níveis de governo, sendo entendida como um conjunto de ações que vai desde o acompanhamento do cumprimento das contrapartidas até o registro, por parte dos municípios, das informações acerca do monitoramento realizado. A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem contribuir para que as famílias beneficiárias tenham condições de cumprir a agenda de compromissos, além de criar estratégias para evitar que estas permaneçam em situação de descumprimento das condicionalidades previstas no Programa. As famílias em situação de não cumprimento das condicionalidades estão sujeitas a: bloqueio do benefício por 30 dias; suspensão do benefício por 60 dias e cancelamento do benefício. As famílias estão preservadas de qualquer sanção quando ficar comprovado que o cumprimento das condicionalidades foi prejudicado em razão de problemas relativos à oferta de serviços por parte dos municípios. No caso das condicionalidades da saúde, se por um lado, tais exigências têm potencial de facilitar o acesso de camadas da população que dificilmente conseguiriam chegar aos serviços de saúde, por outro, coloca dúvida sobre a capacidade de os serviços de saúde absorver adequadamente, em termos de quantidade e qualidade, o aumento de demanda resultante da implementação do Programa. Também não se podem desconsiderar as condições de vida (material e subjetiva) das famílias pobres para atender as várias requisições impostas pelas condicionalidades. Não há dúvida, portanto, que tais questões dependem de vários fatores que se complementam, tais como: capacidade de indução dos níveis supranacionais para proceder à necessária reorganização dos serviços; capacitação dos profissionais envolvidos; grau adequado de coordenação intersetorial; amadurecimento das relações intergovernamentais, capacidade institucional e política do nível local, controle social, dentre outras questões. A exigência de contrapartidas é um ponto central do desenho do PBF e, notadamente nos primeiros anos de sua operacionalização, se traduziu em uma questão bastante polêmica nas discussões acadêmicas e políticas sobre o Programa. De uma parte, se reconhece que as condicionalidades têm potencial de pressionar a demanda sobre os serviços de educação e saúde, o que, de certa forma, pode

23 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


representar uma oportunidade ímpar para ampliar o acesso de um contingente de outra parte, a obrigatoriedade de contrapor um dever ao direito social foi fortemente questionada por diversos estudiosos da área, haja vista o entendimento de que à medida que o direito social é condicionado ao cumprimento de obrigatoriedades, os princípios clássicos de cidadania estão ameaçados (LAVINAS, 2000). Esta autora afirma também que a contrapartida condiciona o direito constitucional à assistência ao cumprimento de exigências numa situação em que os potenciais beneficiários já estão em situação bastante vulnerável. Ainda que reconhecendo os riscos da cobrança de contrapartidas, Silva (2001) tematiza a contrapartida como uma possibilidade de combinação do compensatório com o estrutural, considerando que, por exemplo, é a própria exigência de manter crianças na escola que pode permitir minimizar os efeitos do trabalho infantil sobre as oportunidades de escolaridade de crianças e jovens. No entanto, é preciso registrar que a contrapartida exigida não se configura em termos de contribuição financeira tal como no passado meritocrático de nossa política social. Ao exigir contrapartida dos beneficiários, os programas de transferência de renda introduzem a difícil escolha entre romper com a noção de direito incondicional à medida que os compromissos tornam os beneficiários corresponsáveis pela superação de suas dificuldades e adotar a estratégia de exigir contrapartidas com a perspectiva de atacar, de uma só vez, várias dimensões da pobreza. Desse modo, é forçoso levar em conta que esta última perspectiva pretende suprir uma deficiência de longa data, atendendo a um conjunto de carências pouco considerado no rol de políticas e programas sociais brasileiros. Num outro plano de análise, Medeiros (2007) afirma que as condicionalidades de saúde e educação já são algo que os pais devem fazer com ou sem o benefício. Nesse caso, a discussão sobre a necessidade de cobrar condicionalidades é importante porque tem como pano de fundo questões políticas e éticas. O autor sinaliza que:

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importante da população aos circuitos de oferta de serviços sociais. Entretanto,

“As condicionalidades em parte atendem às demandas daqueles que julgam que ninguém pode receber uma transferência do Estado – especialmente os pobres – sem prestar alguma contrapartida direta. As condicionalidades seriam algo equivalente ao “suor do trabalho”; sem essa simbologia, o programa correria o risco de perder apoio na sociedade. Esta característica não é uma idiossincrasia do Bolsa Família, pois aparece também em vários programas implementados em outros países”. (MEDEIROS et al., 2007, p. 18). A cobrança de condicionalidades tem sido, via de regra, instituída independentemente de avaliações objetivas da relação-custo benefício destas ações. Sobre isso, Monnerat assinala que:

“A adoção de condicionalidades em programas de transferência de renda somente é válida quando entendida e implementada como estratégia de ampliação do acesso aos serviços sociais e políticas de emprego e renda, não sendo, portanto, o mero reflexo de uma visão restrita do direito social” (2007, p. 1460).


Importa salientar que há consenso entre os estudiosos do assunto de que a obrigatoriedade de contrapartidas não pode se transformar numa forma de punição das famílias beneficiárias. Na atualidade, provavelmente em razão da contínua e enorme expansão do Programa, o debate acadêmico condicionalidade versus direito social vem dando lugar à reflexão sobre o processo de implementação do PBF e seus impactos sobre a pobreza e a desigualdade social no país, assim como sobre as reais oportunidades geradas em termos de acesso aos serviços sociais. O alcance do PBF em termos de público beneficiário – já é o maior programa de transferência de renda da América Latina – e a novidade relacionada à sua concepção e desenho operacional, têm atraído a atenção de formuladores e estudiosos vinculados tanto à área social como econômica. A operacionalização do PBF desafia as formas de gestão mais cristalizadas nas instâncias governamentais e exige um nível de diálogo com outras áreas de política jamais requisitado por outros programas sociais no país. Do ponto de vista social e político, as opiniões contrárias ao PBF também arrefeceram. As críticas de que o Programa é assistencialista não aparecem mais na mídia, indicador de que a aceitação e legitimidade social com relação à transferência direta de renda para a população pobre já é algo em construção entre nós. Com efeito, dada a expansão do PBF na atualidade, grande parte da população conhece ou convive com alguma família beneficiária do Programa, proximidade que desmistifica preconceitos e leva a formação de um pensamento de que, diante das agruras da pobreza, em sã consciência, não é possível ser contrário ao PBF. Ademais, os dividendos eleitorais provocados pelo Programa traduzidos especialmente no tamanho da popularidade do ex - presidente Lula, na sua reeleição e no fato de ter feito seu sucessor, são fenômenos políticos fortemente atribuídos à criação e execução do Bolsa Família, programa central na política social brasileira nos últimos anos. Na esteira destes acontecimentos, verifica-se que além do Bolsa Família estar implantado na maioria dos municípios brasileiros, o cálculo político realizado pelos atuais governantes em favor do Programa vem apontando para a tendência de replicar essa ‘receita de sucesso’ nos níveis subnacionais de governo. São os casos dos governos do município e do estado do Rio de Janeiro que recentemente iniciaram a execução de programas de transferência de renda com condicionalidades utilizando orçamentos próprios6. Como ambos os governos são politicamente alinhados à gestão federal, os programas criados se articulam ao PBF, buscando potencializar os benefícios das famílias já atendidas pelo programa federal.

6

O programa Cartão Família Carioca, criado pela prefeitura municipal do Rio de Janeiro, tem

por objetivo retirar da linha da pobreza cerca de 100 mil famílias beneficiárias do programa federal Bolsa Família residentes na cidade do RJ, que vivem atualmente com menos de R$ 108 por mês por pessoa. Os valores a serem recebidos variam de acordo com a renda per capita e o número de beneficiários por domicílio. Para receber o complemento, é exigido das famílias que cada criança em idade escolar mantenha frequência mínima de 90% nas aulas, além da participação de pelo menos um dos responsáveis nas reuniões bimestrais da escola. Os alunos que melhorarem seu desempenho escolar ao longo do bimestre receberão um bônus de R$50 (até R$ 200 por ano). O Programa Renda Melhor é parte integrante do Plano de Erradicação da Pobreza Extrema no estado do Rio de Janeiro e tem como objetivo assistir com benefício financeiro as famílias que vivem com menos de R$ 100 per capita por mês. O auxílio varia de R$30 a R$300, de acordo com a renda e as características de cada família e está sendo implantado em vários municípios do estado do Rio de Janeiro.

25 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


Contudo, é exatamente em razão do reconhecimento da sustentabilidade dos procidadania não pode ser secundarizado, senão recolocado, como sempre o foi, no centro do debate da política social. Os termos desse debate devem passar necessariamente pelo dimensionamento da capacidade política e social que o PBF vem alcançando para contribuir na dinâmica de inserção da população pobre no circuito de produção, de serviços sociais e nos processos de sociabilidade e decisão política. Do ponto da vista da inserção nos serviços sociais, há vários desafios que passam tanto pela sabida desigualdade de acesso e de atendimento às necessidades de saúde da população no SUS, quanto pela complexidade da gestão intersetorial das condicionalidades previstas no desenho do Programa Bolsa Família. O iníquo sistema distributivo da atenção em saúde no país está confirmado no recente relatório da Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) intitulado “As causas das iniqüidades sociais em saúde no Brasil”. Este documento reitera o que muitos outros estudos já demonstraram, ou seja, a distribuição das ações em saúde conflita com os princípios constitutivos do SUS. Nesta linha, Travassos, Oliveira e Viaca (2006) afirmam que:

“Notou-se que o local de residência afeta o acesso, que melhora com o grau de desenvolvimento socioeconômico da região. Os residentes na região Sudeste e Sul tiveram maior acesso do que os residentes nas outras regiões, com exceção da região norte. No entanto, contrariamente à diminuição das desigualdades sociais no acesso, as desigualdades geográficas pioraram no período do estudo. O diferencial no acesso entre os residentes das regiões Norte e Nordeste e os residentes das regiões Sudeste e Sul aumentou, isto é, a melhora observada no acesso foi maior nas regiões mais desenvolvidas “.(p. 983-984) De igual modo, sabe-se que no Brasil a mortalidade infantil está diretamente relacionada ao acesso ao emprego, à renda das famílias, ao local de moradia, ao nível

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gramas de transferência condicionada de renda entre nós que o debate sobre a

de escolaridade da mãe, isto é, à situação social da família (BUSS, 2007). Assim, não se pode desconsiderar que a política universal de saúde - o SUS -, tal como implementada hoje, expõe a parcela mais pobre da população às situações de discriminação e desvantagem no acesso aos serviços (FLEURY, 2007). Apesar de estar em curso um processo de expansão da atenção via implantação de unidades do PSF nas áreas mais vulneráveis do município, a introdução de novas formas de gestão, ditas inovadoras e racionalizadoras, como as Organizações Sociais, vem levantando questionamentos entre os profissionais de saúde. Os entrevistados nesta pesquisa afirmam que um dos pontos tido como negativo diz respeito à principal forma de contratação dos profissionais para comporem a Estratégia de Saúde da Família. Isto é, parte destes profissionais tem sido contratada pelas Organizações Sociais que, apesar de garantir os direitos trabalhistas, não garante a fixação do profissional (e, por vezes, seu comprometimento), fato que pode interferir na qualidade da assistência prestada.


Com efeito, as atuais mudanças na relação público-privado no campo da saúde no estado (e especialmente no município do Rio de Janeiro), marcada pela terceirização da gestão e forte empresariamento do setor, situação na qual chama atenção a precarização dos contratos de trabalho e aniquilamento da carreira do servidor público, desafiam a crença dos defensores do SUS de que o projeto de um sistema universal de saúde não esteja sendo desconstruído entre nós. Ao resgatar o debate acerca do PBF e a acessibilidade aos serviços de saúde, os argumentos acima atestam que a inserção (de qualidade, com adesão aos programas) das famílias pobres no SUS depende de inúmeras outras variáveis para além da eficiência e potencialidade esperada com a operacionalização dos programas de transferência condicionada de renda. No entanto, apesar de os problemas estruturais do SUS serem determinantes para as condições de acesso da população pobre aos serviços e afetarem a qualidade da atenção ofertada, não se pode deixar de reconhecer a importância da capacitação técnica e política dos profissionais de saúde para executar os diversos programas sociais no âmbito do setor saúde. Reconhece-se, assim, que o modo de organização dos serviços e a forma como as unidades básicas de saúde definem seu processo de trabalho e sua linha de cuidado é também crucial na discussão sobre o poder de utilização dos serviços de saúde por parte dos usuários. Com isto, se quer sublinhar que a capacidade técnica e política dos serviços sociais é elemento fundamental na facilitação da integração dos beneficiários do Programa Bolsa Família aos serviços públicos de saúde. Sendo assim, uma vez exigidas condicionalidades é preciso traçar mecanismos consistentes de acompanhamento social das famílias beneficiárias, tendo em vista a necessidade de reverter tal exigência em oportunidade de inserção no circuito de acesso à cidadania. A implementação de programas de transferência de renda com condicionalidade exige investimentos institucionais, políticos, assim como a organização de processos de gestão intersetorial que, por sua vez, requer uma dada capacidade de diálogo nada trivial na trajetória de constituição de nosso sistema de proteção social. Para instituir em nível nacional a gestão das condicionalidades, a coordenação do PBF no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social vem, desde 2005, regulamentando as atribuições dos entes federados, das famílias beneficiárias, assim como definindo as ações de acompanhamento e monitoramento a serem desenvolvidas. A cobrança de condicionalidades já está prevista desde a lei de criação do PBF (Lei n.° 10.836, de 09 de janeiro de 2004), mas a normalização da gestão das condicionalidades está traduzida, basicamente, em duas Portarias – uma de 2005 e outra de 2008 – as quais demarcam momentos diferentes do itinerário de implementação do Bolsa Família. Em novembro de 2005, o MDS publica a Portaria N.° 551 que regula a gestão e controle das condicionalidades, estabelecendo principalmente as sanções aplicáveis às famílias que não cumprirem as contrapartidas do Programa. A observação atenta da conjuntura autoriza cogitar que uma das razões que motivou a publicação dessa Portaria foi a massiva divulgação, pela mídia, de inúmeras críticas ao PBF, notadamente a falta de controle do cumprimento das condicionalidades.

27 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


Em 2008 é publicada uma nova Portaria (GM/MDS N.° 321/2008) com o mesmo bemos mudanças significativas no intuito de rever a perspectiva punitiva atribuída às condicionalidades e fortalecer uma concepção mais educativa. Nos parágrafos de introdução da Portaria é dada uma nova conotação às condicionalidades, não sendo essas destacadas somente como contrapartida da família para recebimento do benefício. De fato, há na Portaria N.° 321/2008 uma flexibilização da idéia de co-responsabilidade das famílias, visto, claro, a patente fragilidade e falta de efetividade de nosso sistema de proteção social. Embora mantenha o sistema de sanção progressiva, as condicionalidades são, nesta legislação de 2008, enfaticamente apresentadas como possibilidades de:

“(...) Reforçar o direito de acesso das famílias às políticas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população beneficiária, assim como levar o Poder Público a assegurar a oferta desses serviços “.(BRASIL, 2005). Ademais, nesta norma está sinalizada a importância de identificação das vulnerabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias aos serviços a que têm direito. Ou seja, é reconhecido que essas famílias possuem direitos previamente garantidos, aos quais elas têm dificuldade de acessar, sendo dever do poder público identificar os motivos que interferem nesse acesso, acompanhando essas famílias de forma que as dificuldades de acesso sejam superadas.

Resultado O Programa Bolsa Família foi implantado no município do Rio de Janeiro em 2004 estando, desde o início, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS). A gestão intersetorial apresenta-se ainda pouco estruturada havendo indefinição em termos de canais institucionais para o diálogo. A interface entre a assistência social e a saúde vem ocorrendo, principalmente, por meio de um

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objetivo, revogando a anterior, de 2005. Na apresentação desta Portaria, já perce-

profissional da SMAS que tem a delegação de acompanhar o PBF junto à Secretaria Municipal de Saúde (SMS). É sabido que a implantação de qualquer programa social descentralizado depende, dentre outras coisas, de como se dá o processo de formulação, principalmente no que se refere ao grau de participação da cadeia de atores interessados e das estratégias de operacionalização adotadas. Assim como em outros municípios7, também no caso do desenvolvimento do PBF no setor saúde do Rio de Janeiro, todos os atores entrevistados afirmam que tiveram que iniciar a implementação de um programa sobre o qual não conheciam quase nada, situação emblemática da dificuldade inicial de concertação intergovernamental em torno de um programa que o governo federal teve (e tem) como prioritário e,

7

Estudo de caso do município de Niterói – RJ realizado por Monnerat (2009) detecta os mesmos

resultados para o caso do Rio de Janeiro.


por isso, impôs urgência em sua execução8. É certo que a impressionante velocidade de implementação do Bolsa Família adicionou outros dilemas à já complexa operacionalização descentralizada de programas e políticas sociais no país.

“Assim, apesar de o Programa prever em seu desenho a gestão intersetorial, parte dos gestores e profissionais da SMS desconhece a forma como ocorreu a implantação do PBF no município ou se refere a este momento de forma impressionista, mostrando dificuldade para reconstituir tal processo”. Neste estudo chama atenção a persistência do elevado grau de desconhecimento dos profissionais sobre o Programa, o que, em parte, pode ser explicado em razão do lugar institucional ocupado pelo PBF na SMS. Isto é, atualmente o profissional que coordena o Programa Bolsa Família no âmbito desta secretaria compõe a equipe da Coordenação de Saúde da Família, uma das cinco coordenações da Superintendência de Atenção Primária. Cabe ressaltar que esse profissional não possui formalmente o cargo de coordenador do PBF na saúde, apenas assume essa função, dentre outras, não possuindo uma equipe específica para realizar tal função.

“Na verdade eu não tenho cargo assim, eu não sou coordenadora do Bolsa Família no município porque não existe esse cargo no município. Eu sou responsável por fazer o acompanhamento (das condicionalidades). Eu não tenho equipe do Bolsa Família...é a equipe da coordenação da saúde da família, porque eu estou dentro da coordenação.” (Entrevista 1 - Gestor Saúde). Tal situação indica a pouca prioridade dada ao programa pela gestão municipal. Se, por um lado, o profissional responsável pelo PBF na saúde encontra-se lotado na Coordenação de Saúde da Família, por outro, o acompanhamento das condicionalidades não ocorre apenas em unidades de Saúde da Família. Ao contrário, a maioria das Unidades Básicas do município ainda é do tipo tradicional, e estão sob outra gerência, a Coordenação de Policlínicas. Essa situação é bastante complexa, pois tende a comprometer a gestão do Programa e, consequentemente, o acompanhamento das condicionalidades. É importante ressaltar que nas coordenadorias de saúde em cada Área Programática do RJ, há definição de um profissional responsável pelo acompanhamento das condicionalidades da saúde. Mas, assim como no nível central, este cargo não está formalizado e tampouco há estrutura administrativa e de recursos humanos para tal. Deste modo, o responsável pelo PBF assume inúmeras outras funções, além da coordenação do Programa, o que é visto de forma bastante negativa pelos profissionais responsáveis, pois a coordenação do PBF demanda muito tempo e a falta de dedicação exclusiva ao Programa vem fragilizando a operacionalização das ações que devem ser realizadas. 8

Não é à toa que, em 2006, após exatos três anos e três meses de funcionamento, o PBF já havia

atingido a sua meta, qual seja: a de atender 11 milhões de famílias. Em outubro de 2011, o número total de famílias beneficiárias já estava em torno de 13.171.810.

29 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


Este cenário ajuda a compreender a debilidade do processo de implementação mação para conduzir o acompanhamento das famílias beneficiárias e a agenda de compromissos prevista no Programa. A ausência de formulação de uma política de capacitação continuada é um dos reflexos da especificidade da gestão do PBF no nível local. Para os entrevistados, os encontros realizados desde a implantação do Programa têm por objetivo a discussão dos dados de cobertura das condicionalidades da saúde em cada vigência e a cobrança no acompanhamento das famílias beneficiárias, não tendo a perspectiva de capacitação propriamente dita.

“A gente nunca foi treinado. Costuma ter uma reunião pra falar sobre a estatística, sobre as metas, mas esse ano ainda nem teve. E aí, nessas reuniões, é sempre pinçada alguma coisa”. (Entrevista 8 - Profissional de Saúde UBS) A insuficiência de capacitação para implementar o Bolsa Família é apontada pelos entrevistados como um dos nós críticos do Programa. Durante o trabalho de campo, e mesmo nas entrevistas, verificaram-se várias demandas por informação, assim como diversos questionamentos sobre a concepção e a logística de funcionamento do PBF. Os poucos entrevistados que afirmaram ter algum grau de informação sobre o Programa, sinalizaram que este acesso ocorreu por iniciativa própria. Os resultados da pesquisa mostram que as equipes envolvidas9 com as condicionalidades do PBF nos Centros Municipais de Saúde e nas unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF) são diferentes, em razão do próprio modelo assistencial que caracteriza cada tipo de unidade. Segundo os gestores da saúde, há predominância nas unidades básicas ‘tradicionais’ do assistente social como profissional de referência para o acompanhamento das condicionalidades, muito embora essa responsabilidade seja compartilhada com outros profissionais – nutricionistas e enfermeiros. No caso das unidades de Saúde da Família, a responsabilidade fica a cargo da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) e dos agentes

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do Bolsa Família na cidade, assim como a persistência da insuficiência de infor-

comunitários de saúde.

9

Unidade de Saúde

Profissionais envolvidos na implementação

Unidade Básica de Saúde 1

Serviço Social, Nutrição e Enfermagem (e PACS ) captação)

Unidade Básica de Saúde 2

Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

Unidade Básica de saúde 3

Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

Estratégia de Saúde da Família 1

Enfermagem (enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 2

Enfermagem (técnicos) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 3

Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4

Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4

Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS


Uma questão recorrentemente assinalada nas entrevistas é a visão entre os profissionais de saúde de que a ação junto aos beneficiários do PBF é atribuição unicamente do assistente social da unidade. Neste sentido, alguns entrevistados, em especial gestores e os próprios assistentes sociais, apontam a necessidade de intervir sobre esta concepção:

“Isso foi uma coisa que a gente suou pra acabar. Porque pra qualquer unidade de saúde o dono do Bolsa Família era o assistente social, né? Só que, é o que eu explico pra eles, eu não sou assistente social, mas desde que começou eu estou. Por quê? Porque são condicionalidades da saúde. Não é condicionalidades do assistente social. É da saúde. Então, são pessoas da saúde que vão olhar aquela família e cuidar daquela família. E, por um acaso, aquela família faz parte do Bolsa Família. Certo? Então, a explicação que foi sempre dada a eles foi essa”. (Entrevista 2 – Gestor Saúde) Interessante notar que o Sistema Único de Saúde (SUS) passa a requisitar que os assistentes sociais assumam a função de agente executor das condicionalidades do Bolsa Família numa possível alusão à compreensão de que as ações deste Programa ‘fogem’ ao objeto específico da saúde. Tal questão é evidência inequívoca de que a concepção ampliada de saúde e o desenvolvimento de práticas baseadas na integralidade ainda são dilemas cruciais para a política de saúde. Na esteira desta trajetória, parece, então, que a implantação do Bolsa Família propiciou resistências e estranhamentos que podem estar relacionados, dentre outras coisas, ao fato de o setor saúde ter que desenvolver um programa que, embora tenha desenho intersetorial, não vem do Ministério da Saúde ou das correspondentes secretarias estaduais e municipais. Ademais, pode-se cotejar a hipótese de que a utilização de critérios sociais e não de saúde (ou doença?) estrito senso para a seleção do público do PBF é algo que de alguma forma contribui para a conformação da centralidade do assistente social na equipe de acompanhamento das famílias beneficiárias do PBF na saúde. De modo geral, os gestores dos Centros Municipais de Saúde do R.J, onde o profissional de Serviço Social ocupa lugar central na operacionalização do PBF, mostram forte preocupação com a possibilidade de perda ou diminuição do número de profissionais do quadro funcional das unidades de saúde, sejam por aposentadorias, licenças de diversas naturezas ou o retorno dos assistentes sociais para a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS), órgão de lotação destes profissionais. Sobre este ponto, cabe ressaltar que em 2001 foi criado o Sistema Municipal de Assistência Social (SIMAS) que se caracteriza por um conjunto integrado e descentralizado de todas as ações e programas no âmbito da assistência social. A lei nº 3.343 de 28 de setembro de 2001 subordina ao SIMAS os mecanismos de lotação de pessoal e a realização de concursos para os assistentes sociais e demais agentes do sistema e de servidores de apoio. Durante a pesquisa foi possível observar o exacerbamento desta preocupação no momento em que o secretário de assistência social do município (SMAS) informou

31 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


sua decisão de suspender a cessão deste grupo profissional para a Secretaria MuÚnico de Assistência Social, a necessidade de retorno dos assistentes sociais à sua secretaria de origem. O depoimento que segue é taxativo quanto à centralidade do serviço social na implementação do PBF:

“(...) Como eu estou pedindo para as unidades mandarem um responsável pelo Bolsa Família, se essa assistente social sair o diretor vai ter que indicar outra pessoa, né? Só que vai ser um problema, né? É um problema que a gente vai ter pela frente porque nessas pessoas se centraliza todas as ações do Bolsa Família na unidade”. (Entrevista 1 – Gestor Saúde) No que concerne à organização dos serviços de saúde para o atendimento das condicionalidades, é relevante analisar em que medida esta atribuição modifica o fluxo de atendimento nas unidades. Nota-se que a maior mudança na rotina de atendimento é percebida nas unidades tradicionais que, em função do modelo assistencial, apresenta maior dificuldade de vínculo com os usuários do sistema. O município do Rio de Janeiro apresenta baixo índice de cobertura de acompanhamento das condicionalidades da saúde, o que, na opinião dos entrevistados, está relacionada à dificuldade de captação das famílias beneficiárias, principalmente nas unidades de saúde do tipo ‘tradicional’. Semestralmente as unidades de saúde recebem da Coordenadoria de Área Programática uma listagem com as famílias vinculadas e que deverão ser acompanhadas a cada vigência do Programa. Embora os profissionais tenham acesso aos dados das famílias perfil saúde, nessas unidades não há estrutura10 para realizarem busca ativa, prevalecendo assim o acompanhamento das famílias que comparecem por iniciativa própria ou espontaneamente à unidade de saúde. A fim de mudar tal situação os profissionais vêm utilizando, ainda de modo incipiente, algumas estratégias de captação, tais como: visitas às comunidades, aerogramas11, contato com a associação de moradores e contatos telefônicos.

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nicipal de Saúde (SMS), alegando, com base no incremento das ações do Sistema

Como vimos, nos Centros Municipais de Saúde, apesar de haver envolvimento de assistentes sociais, nutricionistas e enfermeiros, o trabalho realizado não pode ser caracterizado como multidisciplinar. Em geral, o assistente social acolhe e absorve as demandas sociais, o nutricionista verifica o estado nutricional e a enfermagem o acompanhamento da situação vacinal. Nessas unidades percebe-se uma preocupação em absorver outras demandas apresentadas pelas famílias, mas, nem sempre tal preocupação é materializada em termos do cuidado ampliado em saúde. Paradoxalmente, essa perspectiva de atenção integral não aparece com a mesma força nos 10

Disponibilidade de tempo, liberação da unidade, carro, acesso às comunidades, etc.

11

Vale dizer que as unidades não têm usado extensivamente a convocação por aerograma

por ser, de acordo com um gestor do PBF na saúde, de alto custo para o município. Embora considerado um ponto conflituoso no processo de concertação intersetorial do PBF, um dos gestores aponta a possibilidade de usar parte dos recursos do IGD para a compra de aerograma. Entretanto, no momento da pesquisa, a ausência de reuniões do Comitê Intergestor dificultava o encaminhamento da referida questão.


depoimentos dos profissionais das equipes de Saúde da Família, o que talvez possa ser justificado pela fraca tradição e especificidades deste programa no município. Assim, para efetivar o acompanhamento das condicionalidades, as unidades básicas ‘tradicionais’ estabeleceram fluxos específicos para atender as famílias beneficiárias. Apesar de não haver uniformidade no modo de funcionamento desses fluxos e tampouco discussão coletiva sobre o assunto, todas as unidades realizam agendamento prévio das famílias para o acompanhamento. Nessa direção, os profissionais afirmam que o programa impactou na rotina da unidade de saúde, uma vez que os técnicos envolvidos tiveram que dispor de parte de suas agendas para o PBF. De acordo com os entrevistados, o acesso dessas famílias às unidades gerou aumento de demanda por serviços no interior da própria unidade, devido aos encaminhamentos feitos pelos profissionais envolvidos com o programa. Por exemplo, em uma das unidades, houve aumento significativo para os grupos de educação em saúde em funcionamento (gestante, adolescentes, tabagismo, obesidade, entre outros). Nas unidades de Saúde da Família verifica-se uma outra forma de organização do serviço para atender as demandas do PBF. Nestas unidades a captação dos beneficiários do PBF fica sempre a cargo dos agentes comunitários de saúde. Antes de realizarem visita domiciliar para captação das famílias, esses profissionais verificam a listagem enviada pela CAP, pois, como assinalado pelos entrevistados, geralmente este documento apresenta muitos erros, como: endereço errado, incompleto ou desatualizado; famílias que não mais residem ou nunca residiram no território; e outros erros de registro que, em muitos casos, revelam falhas no cadastramento. Apesar da possibilidade de realização da busca ativa através dos ACS, os profissionais entrevistados das unidades de Saúde da Família afirmam que ainda assim possuem algumas dificuldades para captarem essas famílias. A principal delas está relacionada ao fato de que algumas famílias apresentam resistência para ir à unidade de saúde, sendo vários os motivos elencados por eles: desconhecimento dos beneficiários acerca das condicionalidades da saúde; dificuldade de compreensão do papel da saúde; despreocupação devido à “falha” no sistema de repercussão em caso de descumprimento das condicionalidades da saúde; incompatibilidade de horário por conta do trabalho; entre outros.

“A gente fica cobrando ali o ano inteiro “Oh, o Bolsa Família!”, “Oh, o Bolsa Família!”, “Oh, o Bolsa Família!” pra poder vir pesar. E muitas vezes têm pessoas que não vêm mesmo. Você avisa cinco vezes e eles não vêm pesar! ” (Entrevista 17 Profissional de Saúde ESF) “Nós aqui temos um trabalho imenso pra convencê-las que quando a gente marca a consulta pro acompanhamento do Bolsa Família, que elas têm que vir, e que não é uma obrigação da saúde tá indo fazer com que elas venham regularmente na consulta”. (Entrevista 21 – Profissional de Saúde ESF)

33 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


Acredita-se que parte das famílias beneficiárias acesse com frequência as unidapermite que se aproveite tal oportunidade para captar e acompanhar as condicionalidades e proceder ao registro de dados. Acompanhando este raciocínio, é de notar que um dos entrevistados tece severas críticas à atuação de médicos e dentistas das equipes de Saúde da Família pelo fato de que esses profissionais não se envolvem com o PBF, indo de encontro ao que está preconizado no SUS.

“Quase nunca o médico, o dentista se apoderam disso, mesmo nesse modelo de PSF”. (Entrevista 19 – profissional de Saúde ESF) Nos depoimentos seguintes é recorrente a afirmação de que as famílias não comparecem à unidade de saúde devido à falta de punição. Neste caso, existiriam falhas no sistema de repercussões das condicionalidades do PBF, sendo as sanções efetivamente aplicadas apenas nos casos de descumprimento das condicionalidades da educação. Essa situação demonstra, dentre outras coisas, o quanto o caráter punitivo previsto na legislação encontra receptividade junto aos profissionais, ao passo que revela a dificuldade de compreender a transferência de renda como um direito de cidadania.

“Eu acho que deveria ser assim na saúde porque os agentes de saúde ficam atrás desse povo, resgatando uma vez a cada seis meses a família para poder estar acompanhando. Não são todos, mas alguns são resistentes. Eu já ouvi: ah, não corta, não foi cortado, eu não vou. Por isso que eu acho que tinha que ser obrigatório. Obrigatório é, mas penalizado”. (Entrevista 22 – Profissional de Saúde ESF) Nesta mesma linha de entendimento, registra-se que parte significativa dos profissionais corresponsabiliza a família pela dificuldade de captação para o atendimento da agenda de compromissos. Aqui, prevalece a concepção de que esta dificuldade é externa ao setor saúde, condição que inviabiliza a reflexão sobre o impacto da qualidade da atenção sobre os índices de cobertura das condicionali-

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

des de saúde, porém a forma como o processo de trabalho está organizado não

dades da saúde no município. No entanto, esta não é uma concepção homogênea dado que se verifica outro tipo de visão, então vejamos:

“O desafio é conscientizar as pessoas a virem não porque bloqueia, mas para cuidar de si e da sua família. Eu vou fazer um acompanhamento da minha saúde, embora eu não esteja sentido nada. Eu acho que isso também é aos poucos e esse é o principal objetivo da Estratégia de Saúde da Família, eu acho”. (Entrevista 22 – Profissional de Saúde ESF) Nas unidades de saúde da família, ao contrário das unidades tradicionais, predomina o atendimento sem agendamento anterior, podendo a família beneficiária comparecer à unidade de saúde em qualquer horário para acompanhamento. Situação que é facilitada pela proximidade geográfica entre unidade de saúde e


famílias. Contudo, a atenção dispensada às famílias neste acompanhamento está focada em ações elementares no campo da saúde pública, além de se restringir àquelas que são solicitadas para efeito de alimentação do sistema de informação de gestão das condicionalidades. Quando indagados sobre quais ações são desenvolvidas para acompanhamento das condicionalidades, os entrevistados fazem referência ao monitoramento do calendário vacinal e, sobretudo, da aferição de peso e altura de crianças e gestantes. Entretanto, a maioria dos profissionais não menciona a utilização desses dados para a avaliação efetiva do estado nutricional. Em geral, os entrevistados não sabem informar dados sobre a situação de saúde das famílias beneficiárias atendidas

“A pessoa do INAD tem que me dizer que a aquela criança está desnutrida. Quem deveria ver isso é aquele profissional que está fazendo aquele tipo de procedimento. É esse tipo de coisa que a gente encontra ainda. Os profissionais têm que entender que não é uma ação de pesar e medir e ver se o cartão de vacina está em dia. Não é isso, é a gente ver qual é o risco que aquela família tem, e se o cartão de vacina não está em dia o que isso gera para aquela família. Não é só a perda daquele beneficio que a gente tem que pensar, tem que pensar que se aquela criança está acima do peso ou abaixo do peso o que acontece com essa família? Em que eu vou intervir para que eu possa solucionar esse problema? ” (Entrevista 1 – Gestor Saúde) Apesar de prevalecer nas equipes de saúde da família um tipo de atendimento das condicionalidades pautada nas ações elementares de saúde pública, alguns profissionais afirmam dispensar maior atenção a essas famílias na perspectiva de captar outras demandas de saúde.

“O técnico ele vai pesar, vai verificar PA, vai fazer medição e o enfermeiro vai colocar na planilha, vai calcular o IMC, vai orientar, vai ver no prontuário, se é puericultura, se está acompanhando; a quanto tempo essa mulher é hipertensa, se não vem fazer o acompanhamento. Olha tudo, toda a condicionalidade da saúde, no geral”. (Entrevista 20 – Profissional de Saúde ESF) Diferentemente das unidades ‘tradicionais’, as requisições do PBF não exigiram grandes alterações na rotina de atendimento das unidades de Saúde da Família. Segundo os profissionais, essas famílias já são cadastradas e, ademais, a visita domiciliar faz parte das atividades cotidianas desse modelo assistencial. Todavia, parece que tais fatores não têm efetivamente impactado as taxas de cobertura de acompanhamento.12 A compreensão deste fato requer maior aprofundamento, 12

Cabe ressaltar que não foi possível ter acesso aos dados consolidados de cobertura

discriminados por unidade, dificultando assim o dimensionamento entre os diferentes modelos assistenciais.

35 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


cabendo lembrar que a implementação da Estratégia de Saúde da Família no muem termos quantitativos e qualitativos.13

CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa realizada não deixa dúvida quanto aos desafios experimentados pelas unidades de saúde para atender as requisições do PBF. Ao contrário do que se esperava, a Estratégia Saúde da Família - que trabalha com famílias cadastradas e acompanhadas por equipes específicas - também apresenta importante grau de dificuldade, se comparada aos Centros de Saúde, para incluir as famílias do Bolsa Família na rotina de atendimento. De fato, esta não é uma tarefa fácil e tampouco funciona como previsto na formulação do Programa. Destaca-se que após nove anos de implementação do Programa, o município do Rio de Janeiro ainda não estruturou o lugar institucional do Bolsa Família no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde. A gestão do PBF apresenta fragilidade que pode ser demonstrada, por exemplo, na inexistência de uma equipe de coordenação em nível central da administração municipal na área da saúde. Nas unidades de saúde ‘tradicionais’ os profissionais que implementam o PBF são os assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, enquanto na Estratégia Saúde da Família estão envolvidos os enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Importante ressaltar a prevalência do assistente social como principal profissional responsável pelo Programa nas unidades ‘tradicionais’. A situação de dependência do PBF com relação ao serviço social traz fortes preocupações em razão de que os assistentes sociais envolvidos hoje com a execução do Bolsa Família não pertencem ao quadro funcional da Secretaria Municipal de Saúde, havendo assim uma situação conflituosa no que se refere à gestão do trabalho deste profissional com conseqüências no desenvolvimento do PBF. Sobre este ponto, é forçoso reconhecer que o PBF é visto como um programa externo ao setor saúde, configurando aqui uma espécie de negação de seu desenho intersetorial, bem como do conceito ampliado de saúde tão caro ao projeto de reforma

Transferência de Renda

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nicípio é recente, pouco consolidada e vem passando por mudanças substantivas

sanitária brasileiro. De igual modo, a característica da composição da equipe questiona o modelo de assistência em curso se for considerado que a atenção integral requer que abordagem interdisciplinar para intervir sobre a situação de saúde e de vulnerabilidade social das famílias beneficiárias.

13

Há no momento um privilegiamento da expansão da atenção básica, via Clínicas de Família,

onde a contratação dos profissionais tem ocorrido através de organizações sociais, que assumem a gestão das unidades e dos recursos humanos. Este fato tem sido alvo de fortes polêmicas no cenário local. Entretanto, a expansão da Estratégia de Saúde da Família em áreas de maior vulnerabilidade social, pode, dependendo da qualidade da atenção ofertada, favorecer o incremento do acompanhamento das condicionalidades da saúde.


Em relação à existência de cursos e reuniões de capacitação dos profissionais para operacionalizar as condicionalidades de saúde do Bolsa Família, vê-se que não existe um esforço permanente nesta direção por parte da SMS e SMAS. O grau de desinformação é bastante preocupante, o que é injustificável dado o tempo de operacionalização do Programa. Esta situação impõe restrições à compreensão do Programa, em especial pelos profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família, notadamente os agentes comunitários de saúde. No município não há um fluxo pré-estabelecido pelos gestores para o acompanhamento das famílias beneficiárias do PBF. Assim, cada unidade de saúde tem autonomia para determinar a forma de realizar esse cuidado em saúde. As unidades de saúde têm buscado estratégias diferenciadas para captação e atendimento das famílias beneficiárias conforme a concepção prevalecente sobre o Programa e as condições institucionais existentes. Quanto às ações desenvolvidas pelas equipes da Estratégia Saúde da Família junto aos beneficiários, os profissionais destacam as ações mais elementares no campo da saúde pública, destoando em muito do que se espera da atenção no âmbito do modelo assistencial preconizado pelo Saúde da Família. Observa-se que há um vazio em termos de referência ao desenvolvimento de ações que se aproximem da perspectiva da educação em saúde e da concepção ampliada de saúde. Interessante salientar que enquanto nas unidades ‘tradicionais’ o Programa é predominantemente concebido como meio de inserção das famílias no cuidado à saúde, na ESF, paradoxalmente, se destaca a visão do beneficiário como acomodado e o programa como assistencialista. Entretanto, nas unidades ‘tradicionais’, ao contrário da Estratégia Saúde da Família, o acesso às famílias é dificultado pelo próprio modelo de atuação da unidade, onde as visitas domiciliares não fazem parte da rotina institucional. O fato é que o cumprimento das condicionalidades da saúde permanece aquém do desejável, apesar dos esforços e estratégias adotadas pelos gestores e profissionais nas diferentes unidades de saúde. Contraditoriamente, o tipo de atenção prestada aos beneficiários do PBF na área pesquisada, sabidamente a parcela mais vulnerável da população, oscila entre a burocratização e a intenção de ampliar o acesso garantindo o cuidado integral em saúde. Os baixos índices de cobertura do acompanhamento das condicionalidades do PBF no setor saúde, indicam, dentre outras coisas, a dificuldade, notadamente nos grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro, de o Sistema Único de Saúde compreender o Bolsa Família como um Programa intersetorial; ao passo que também sinaliza as debilidades de implementação do Sistema Único de Assistência Social.

37 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


BRASIL. Ministério da Saúde. Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS). As causas sociais das iniquidades em saúde no Brasil. Relatório final. Abril de 2008. Disponível em: <www.determinantes.fiocruz.br>. Acesso em: 20/10/11. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria n. 5.209, de 17 de setembro de 2004 - Regulamenta a Lei N.° 10.836, que cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Brasília: MDS, 2004. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria GM/MDS Nº 551, de 09 de novembro de 2005 - Regulamenta a gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família. Brasília: MDS, 2005. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Portaria GM/MDS Nº 321, de 29 de setembro de 2008 - Regulamenta a gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família, revoga a portaria GM/MDS nº 551, de 9 de novembro de 2005, e dá outras providências. Brasília: MDS, 2008. ______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. Informações do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família (1ª vigência/2010). Disponível em:< www.mds.gov.br/bolsafamilia>. BUSS, P. M. Globalização, pobreza e saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n.6, dez. 2007. DRAIBE, S. A. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de trabalho em políticas públicas. In: BARREIRA, M. C. R. N.; CARVALHO, M. C. B (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo IEE/PUC SP, 2001.

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Referências Bibliográficas


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39 Programa Bolsa Família e o Sistema Único de Sáude: desafios da implementação das condicionalidades em um município de grande porte


Rogério de Souza Medeiros - universidade Federal da Paraíba Nínive Fonseca Machado - universidade Federal da Paraíba

Transferência de renda

avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

condicionalidades e monitoRamento: desaFios à Gestão do pRoGRama bolsa Família em mUnicípios paRaibanos


Introdução Este artigo busca apresentar os resultados obtidos a partir do projeto de pesquisa “Transferência de Renda e Monitoramento: Mudanças no papel do gestor municipal no acompanhamento das famílias em situação de descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família no estado da Paraíba”, realizado em sete) municípios paraibanos e financiado no âmbito do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010. A pesquisa buscou analisar as estratégias desenvolvidas por gestores municipais para o acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF) no estado da Paraíba a partir do levantamento de dados em sete municípios. Para tanto, foi necessário: i) Analisar criticamente o processo de construção do Programa, seus pressupostos e suas diretrizes, no nível federal; ii) A partir do conhecimento de suas diretrizes estruturadoras, avaliar o desenvolvimento de arranjos locais para a implementação e coordenação das ações do Programa; iii) Identificar e traçar um perfil dos agentes e/ou órgãos que, no nível municipal, são responsáveis pelas ações voltadas ao acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condicionalidades vinculadas ao PBF; iv) Delimitar o universo das famílias em situação de descumprimento de condicionalidades em cada município e, a partir deste, analisar casos que revelem as estratégias e os padrões de atividade dos municípios no acompanhamento dessas famílias.

Contextualização e qualificação do problema de pesquisa Nas últimas décadas, o Brasil tem passado a adotar modelos de programas sociais que representam importantes mudanças nos padrões de proteção social historicamente vigentes no país. De um sistema de proteção social contributivo, assentado na força de trabalho formal, que conduzia, em última instância, à reprodução de desigualdades históricas, a um sistema fortemente baseado na solidariedade nacional (SOARES e SÁTYRO, 2009). Instituído pela Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004, o Programa Bolsa Família (PBF) tornou-se o exemplo mais significativo de uma tendência recente a uma mudança no padrão das políticas sociais brasileiras, pela adoção de programas mais focalizados de combate à pobreza e à vulnerabilidade social. O PBF consiste em um programa de transferência condicional de renda direcionado a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. Oito anos após a sua criação, hoje o PBF tem uma cobertura que ultrapassa os 12 milhões de famílias beneficiadas, envolvendo mais de 46 milhões de pessoas em todos os estados da Federação, tornando-se o maior programa de transferência direta de renda do mundo na atualidade (www.mds.gov.br/bolsafamilia). O programa tem sido objeto de análises quanto aos seus mais diversos aspectos, como sua relação com a redução da pobreza, da desigualdade e da fome (ROCHA, 2008; SOARES et.al., 2006; HALL, 2004; MENDONÇA, 2005), com o mercado de trabalho (BRITO & KERSTENETZKY, 2011), ou mesmo a sua sustentabilidade (BI-

41 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


CHIR, 2010; SILVA, 2007). A literatura acadêmica recente revela uma relativa falta torno do caráter universal de acesso a direitos e sua natureza focalizada e condicional, o que leva à divisão de opiniões sobre os pressupostos e conseqüências de suas condicionalidades para a concessão de benefícios (MONNERAT et.al., 2007; MEDEIROS et.al., 2007a, 2007b e 2008). Independentemente dos questionamentos sobre a eficácia/relevância das condicionalidades do programa, a importância de se compreender de forma detalhada como elas são aplicadas e geridas parece evidente, apesar de ainda serem escassos os estudos que revelem as dinâmicas locais de implementação desta política. De acordo com as diretrizes encontradas na documentação oficial (ver Referência) que institui o PBF, as condicionalidades vinculadas aos benefícios transferidos pelo programa consistem em compromissos assumidos tanto pelas famílias beneficiárias, quanto pelo poder público, visando ampliar o acesso das famílias a seus direitos sociais básicos (saúde, educação e assistência social). Nesse sentido, uma vez que o objetivo principal do programa, com a adoção das condicionalidades, é a promoção do acesso a direitos e serviços sociais básicos, o monitoramento e acompanhamento das famílias em situação de descumprimento torna-se fundamental para que os objetivos do programa sejam alcançados. Mesmo os efeitos do descumprimento sobre o benefício não devem, segundo as diretrizes do programa, cumprir uma função “punitiva”, e sim ajudar no esclarecimento dos motivos que levaram ao descumprimento, e assim, auxiliar os gestores do programa na adoção de estratégias que possam contribuir para a inclusão dessas famílias de volta nos serviços e benefícios do programa. O fraco caráter “punitivo” na aplicação das condicionalidades do PBF tem como pressuposto o fato de serem as famílias em situação de descumprimento aquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social, consistindo assim, no público prioritário das ações do programa. Os aspectos do programa apontados acima revelam a necessidade crescente de pesquisas que possam revelar as estratégias dos gestores municipais no acompanhamento das famílias em situação de descumprimento. Soma-se a isso o fato de

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

de consenso em relação ao programa, seus impactos, e em relação ao debate em

o caráter de descentralização ligado à implementação do programa ter passado, recentemente, por uma mudança ainda pouco analisada pelos estudos acadêmicos. Ela diz respeito a uma mudança nas atribuições/responsabilidades do gestor municipal, a partir da publicação da Resolução nº7, de 10 de setembro de 2009 do MDS, que implicou no aumento do poder de decisão do gestor, no sentido de aliviar ou reforçar os efeitos do descumprimento sobre o recebimento do beneficio. Ou seja, o aumento do poder de decisão do gestor adiciona um aspecto importante e ainda pouco conhecido sobre a dinâmica de efetivação desta política, o que inspirou a realização da pesquisa. Inicialmente, as condicionalidades PBF relacionavam-se exclusivamente a ações no campo da educação e da saúde. No entanto, com a publicação da Instrução Operacional Conjunta SNAS/SENARC MDS nº 5 de abril de 2010, a Assistência Social passou a fazer parte do conjunto de condicionalidades vinculadas ao PBF. De acordo com o documento citado acima, crianças e adolescentes com até 15


anos em risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) deste programa e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal. Ao mesmo tempo em que a medida buscou contribuir para a gestão integrada das ações no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, ela também colocou um desafio aos gestores municipais, uma vez que o monitoramento na implementação da política, que envolve um cuidado maior na atualização dos cadastros e das bases de dados do MDS, assim como o necessário acompanhamento das famílias que se encontram em situação de descumprimento, requerem um esforço maior do monitoramento de condicionalidades, agora em três áreas (saúde, educação e assistência social). Em conjunto com essa mudança, o MDS também publicou a Resolução nº7, de 10 de setembro de 20091, fornecendo as diretrizes para a operacionalização de uma gestão integrada entre benefícios, serviços socioassistenciais e o programa de transferência de renda, além de fundamentar as ações que devem levar ao cumprimento de um dos objetivos centrais do programa, que é a garantia de manutenção dos serviços de proteção social às famílias socialmente mais vulneráveis. Como mostra a seguinte passagem do referido documento:

“O adequado monitoramento das condicionalidades permite a identificação de riscos e vulnerabilidades que dificultam o acesso das famílias beneficiárias aos serviços sociais a que tem direito. Quando se observa descumprimento de condicionalidades, (...) são necessárias ações que promovam o acompanhamento dessas famílias, visando o desenvolvimento ou recuperação de sua capacidade protetiva e a eliminação ou diminuição dos riscos e vulnerabilidades sociais a que estão submetidas”. (p.5) Em concordância com o que acaba de ser destacado, uma das principais inovações introduzidas com a publicação desta resolução foi uma mudança nas responsabilidades do gestor municipal do PBF e um conseqüente aumento de seu poder de decisão sobre os efeitos do descumprimento das condicionalidades. Como está expresso na seguinte passagem do documento:

“(...) ao incluir uma família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço, o gestor municipal pode optar por interromper temporariamente os efeitos do descumprimento sobre os benefícios”. (p.5)

1

Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda no Âmbito

do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Comissão Intergestores Tripartite do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.

43 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


Essas novidades recentes constituem um marco central nos esforços envidados tados pelo Ministério. Por outro lado, elas reforçam a necessidade de se compreender melhor as estratégias que têm sido desenvolvidas no nível dos municípios para o acompanhamento das condicionalidades do PBF, assim como as ações que têm sido realizadas para garantir a superação das vulnerabilidades sociais que impedem as famílias de cumprir as condicionalidades do programa. Sendo assim, o principal problema abordado pela presente pesquisa consistiu em investigar como os gestores têm trabalhado com essa nova atribuição e como têm planejado as atividades de acompanhamento das famílias em descumprimento das condicionalidades do PBF. Nesse sentido, o trabalho de levantamento de dados nos municípios pesquisados buscou, prioritariamente: a) Identificar as principais dificuldades encontradas pelos municípios na articulação do monitoramento integrado (condicionalidades em saúde, educação e assistência social); b) Identificar os atores envolvidos e os critérios utilizados no planejamento das ações de monitoramento; c) Analisar o papel da equipe técnica dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, no acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condicionalidades do PBF; d) Identificar quem são e qual o papel dos profissionais técnicos responsáveis pelo Bolsa Família no município e) Buscar captar a dinâmica do processo de articulação da equipe do PBF com as equipes da Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE). Com esse recorte analítico o presente estudo pretende revelar e ajudar a compreender aspectos do Programa Bolsa Família ainda pouco abordados na literatura recente sobre o tema, e com isso, contribuir para a ampliação do conhecimento atualmente existente acerca das relações estabelecidas entre atores federais e municipais na efetivação de uma política pública de abrangência nacional.

MÉTODO O estudo envolveu uma análise documental - documentação oficial (leis, portarias, resoluções, instruções, protocolos, relatórios e estatísticas) produzida pelo

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

pelo governo federal no sentido de integrar os diversos serviços e programas pres-

ente federal responsável pelo Programa (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS) -, análise de cadastros eletrônicos/bases de dados e ferramentas de gestão utilizadas pelo MDS, visitas aos municípios e análise de listas e registros mantidos pelos gestores municipais, assim como entrevistas com gestores e profissionais técnicos dos municípios que lidam diretamente com o PBF. Para a realização da pesquisa foi selecionada uma amostra de 7 (seis) muncípios paraibanos, abrangendo as quatro mesorregiões geográficas do estado e divididos por porte (critério populacional, IBGE2 ). Segue detalhamento dos municípios:

2

O critério ‘porte do município’ tem sido amplamente utilizado nas pesquisas conduzidas

pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAGI/MDS e, como confirmamos em nossa pesquisa, constitui-se numa estratégia metodológica valiosa quando se deseja salvaguardar especificidades entre grupos de municípios e aprofundar uma análise mais qualitativa dentro desses subgrupos.


Tabela1 – Amostra de municípios pesquisa Município

Mesorregião

Porte

População

João Pessoa

Mata Paraibana

Grande

597.934

Campina Grande

Agreste

Grande

355.331

Sousa

Sertão

Médio

62.635

Guarabira

Agreste

Médio

51.482

Bayeux

Mata Paraibana

Médio

99.716

Sumé

Borborema

Pequeno

15.035

Lucena

Mata Paraibana

Pequeno

9.755

2

Tabela 2 - Número de entrevistados na pesquisa

Município

Gestor do PBF entrevistado?

Nº de Assistentes Sociais entre vistados do PBF

Nº de Técnicos de informática entrevis tados

Nº de CRAS no município

Nº de CRAS que participaram da pesquisa

Nº de Assistentes Sociais entrevistados nos CRAS

João Pessoa

Sim

4

1

8

4

4

Campina Grande

Sim

3

1

5

2

2

Sumé

Sim

0

0

1

1

1

Lucena

Sim

1

0

1

1

1

Sousa

Sim

2

1

1

1

1

Guarabira

Sim

1

1

2

1

1

Bayeux

Sim

1

1

3

1

1

TOTAL

07

12

5

21

11

11

Total de entrevistados: 35 pessoas

O município de João Pessoa possui oito CRAS e foram selecionados para participar da pesquisa os quatro CRAS com maior número de famílias referenciadas no município; O município de Campina Grande possui cinco CRAS e foram selecionados para participar da pesquisa os dois CRAS com maior número de famílias referenciadas no município; O município de Sumé possui apenas um CRAS e o PBF funciona dentro do CRAS. Todas as visitas do PBF são realizadas pela equipe do CRAS e por isso eles não possuem uma equipe exclusiva do PBF para realização de visitas; O município de Lucena possui apenas um CRAS e a Gestora do PBF é a responsável por realizar as visitas domiciliares. O município não dispõe de equipe específica para realizar monitoramento e o CRAS também não realiza visitas relacionadas ao PBF; O município de Sousa possui apenas um CRAS; O município de Guarabira possui dois CRAS e foi selecionado para participar da pesquisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município; O município de Bayeux possui três CRAS e foi selecionado para participar da pesquisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;A pesquisa foi planejada em três etapas. A primeira etapa envolveu: uma revisão crítica da literatura recente nos seguintes campos: políticas públicas, programas sociais, programas de transferência de

45 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


renda; Revisão da legislação que institui e regulamenta o Programa Bolsa Família aspectos envolvidos na implementação dessa política (atribuições, responsabilidades e competências do diversos atores envolvidos, diretrizes, critérios, medidas e ações práticas envolvidas, mudanças nos serviços e benefícios do programa, etc.); levantamento de dados gerais, nas principais bases de dados eletrônicas relacionadas ao PBF (ex.: Matriz de Informação Social do MDS), sobre a cobertura e perfil do público alvo do programa nos municípios que compõem a amostra; agendamento das visitas dos pesquisadores junto aos responsáveis pelo PBF nos municípios; elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados; início do trabalho de coleta de dados nos municípios (visitas dos pesquisadores e realização de entrevistas); A segunda etapa consistiu: na continuação do trabalho de coleta de dados nos municípios (visitas dos pesquisadores e realização de entrevistas); catalogação dos dados colhidos em forma de material impresso nos municípios (formação de banco de dados); transcrição das entrevistas e sistematização dos dados (elaboração de quadros analíticos); análise preliminar dos dados e discussão dos resultados parciais3. A terceira etapa envolveu: o tratamento e análise dos dados; elaboração de artigos acadêmico-científicos; participação em eventos acadêmicos (seminários, congressos, conferências) para discutir os resultados finais da pesquisa; elaboração do relatório final da pesquisa.

RESULTADO E DISCUSSÃO Nessa seção apresentamos alguns dos principais resultados alcançados com a pesquisa, organizados por grupos de municípios divididos por porte (ver a seção Método acima). O primeiro é composto pelos dois municípios de grande porte presentes na amostra, Campina Grande e João Pessoa, capital do estado. O segundo grupo reúne os três municípios de médio porte que foram investigados: Sousa, Guarabira e Bayeux. O terceiro grupo inclui os municípios de Sumé e Lucena, am-

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(PBF), assim como a documentação oficial específica que dispõe sobre os diversos

bos de pequeno porte. Primeiro apresentamos aspectos específicos a cada grupo de municípios, incluindo elementos e contrastantes entre os casos que compõem cada grupo, para em seguida apontarmos aqueles elementos que são comuns a todos os municípios pesquisados, independentemente do porte.

Elementos de contraste entre municípios de grande porte: João Pessoa e Campina Grande O primeiro ponto de contraste entre os dois municípios de grande porte presentes na amostra (João Pessoa e Campina Grande) diz respeito ao vínculo institucional 3

Além das reuniões mensais do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas

e Trabalho – LAEPT, da Universidade Federal da Paraíba – onde tivemos a oportunidade de discutir com os demais membros do laboratório (professores e estudantes de pós-graduação) – o coordenador do projeto ainda participou da I e da II Oficina Técnica de Acompanhamento do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº 36/2010, realizadas pelo MDS em Brasília em 2011.


da gestão do Programa Bolsa Família dentro da estrutura de funcionamento da prefeitura. Enquanto na capital do estado, João Pessoa, a coordenação do PBF está abrigada institucionalmente na Secretaria de Desenvolvimento Social, em Campina Grande o programa está diretamente vinculado ao gabinete do prefeito. Cada uma das alternativas traz consigo algumas consequências para a gestão adequada do programa. Tabela 1 – Características da gestão do PBF nos municípios de João Pessoa e Campina Grande Município

João Pessoa

Campina Grande

Número de famílias PBF

58.626

34.089

Vínculo Institucional da Gestão do PBF

Secretaria de Desenvolvimento Social

Gabinete do Prefeito

Local de Funcionamento do Atendimento

Funciona em prédio no centro da cidade em conjunto com coordenação dos CRAS e de outros programas da SEDES

Funciona em prédio próprio, porém alguns outros programas/ serviços funcionam no mesmo local 4 Assistentes sociais

6 assistentes sociais Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

30 digitadores/entrevistadores 1 psicóloga 1 recepcionista

40 digitadores/ entrevistadores 2 gerentes de atendimento/ entrevistadores 2 responsáveis pela triagem 1 recepcionista

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

Visitas esporádicas Averiguação de denúncias

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

Inconsistência nos dados do benefício (falta de documentação, desconfiança quanto aos bens declarados e renda) Auditoria TCU

Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte Como é feito o contato com beneficiários em situação de descumprimento

Relação PBF – CRAS

Serviços oferecidos pelos CRAS

Visitas esporádicas

Inconsistência nos dados do benefício (motivos variados) Averiguação de denúncias Auditoria TCU

Automóvel, disponível uma vez por mês

Automóvel (sempre disponível)

Extrato da conta (caixa)

Extrato de conta (caixa)

Demanda espontânea (sede PBF)

Anúncio na rádio, jornal

Bloqueio de recursos (temporário)

Bloqueio de recursos (temporário)

Coordenação dos CRAS funciona no mesmo prédio do PBF. CRAS faz acompanhamento de algumas atividades do PROJOVEM e PETI, mas não há controle centralizado de informação sobre acompanhamento

Relação falha, não há contato entre a gestão PBF e os CRAS

Grupos de Idosos, Gestantes, Jovens

Grupo de idosos, jovens

Atividades PROJOVEM

Atividades do PETI

Atividades PETI Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

No entanto, para melhor compreender os contrastes entre os dois casos é preciso considerar este aspecto em conjunto com outros dois elementos: o local de funcionamento das atividades de atendimento ao público beneficiário e a relação entre a Coordenação do PBF e as equipes dos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS.

47 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


No município de João Pessoa a coordenação do PBF, inserida na estrutura funabriga a coordenação dos CRAS, aproximando, em termos funcionais, a equipe responsável pelo programa e os funcionários que lidam com a organização das atividades dos CRAS. Com efeito, em João Pessoa as equipes dos CRAS realizam visitas relacionadas ao PBF. Em contraste com esta situação, no município de Campina Grande o PBF está institucionalmente vinculado ao gabinete do prefeito e funciona em uma sede própria, embora esta sede também seja parcialmente utilizada para atividades relacionadas a outros programas. No entanto, a principal conseqüência desse aspecto da gestão do programa em Campina Grande é um grande distanciamento entre a equipe responsável pelo PBF e os CRAS no município, o que resulta numa redução da capacidade de acompanhamento das famílias, uma vez que os profissionais da assistência social vinculados aos CRAS não realizam atividades relacionadas ao PBF. Por outro lado, em João Pessoa, a proximidade (física e funcional) com as equipes dos CRAS não se traduz, necessariamente, no desenvolvimento de estratégias/ práticas mais efetivas para otimizar o uso dos recursos (humanos e logísticos) no trabalho de acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condicionalidades do PBF. Esse aspecto será discutido mais adiante quando considerarmos alguns elementos da gestão do programa que são comuns a todos os municípios pesquisados. Dados gerais sobre a gestão do PBF em João Pessoa e Campina Grande estão compilados no Tabela 1.

Desafios à gestão do PBF em municípios de médio porte: Bayeux, Guarabira e Sousa Ao analisarmos os casos dos municípios de médio porte contidos na amostra (Bayeux, Guarabira e Sousa), o dado mais significativo no que diz às dificuldades encontradas na gestão do PBF refere-se a uma grande separação entre as atividades relacionadas às ferramentas de ‘gestão das informações’ do programa e a ‘execução das ações diretas’ junto ao público beneficiário do programa. Na realidade cotidiana dos profissionais que lidam diretamente com o PBF parecem existir dois

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cional da Secretaria de Desenvolvimento Social, funciona no mesmo prédio que

programas separados, um “PBF sistema de informações” e um “PBF execução de ações”. Nos três municípios – embora de forma mais aguda em Bayeux e Guarabira – verificou-se uma grande importância do pessoal de informática na gestão do PBF. Como boa parte das atividades que têm impacto sobre as ações do programa dependem de ferramentas/sistemas de gerenciamento de informação (bases de dados virtuais e ferramentas de gestão), os técnicos que lidam com essas ferramentas acabam tendo uma participação maior na gestão do programa, maior do que seria esperado para o seu perfil de qualificação profissional4. Esses profissionais detêm o conhecimento técnico necessário à efetivação das ações que são planejadas a partir do contato direto com o público beneficiário. Suas atividades envolvem: a atualização de bases de dados e cadastros, envio de relatórios, o uso de senhas para bloqueio e desbloqueio de benefícios, entre outras. O que leva a 4

A maior parte desses profissionais detém um conhecimento técnico básico em ferramentas de

informática, como experiência no uso de computadores e da internet.


distorções na condução do programa é o fato de os profissionais que conhecem as diretrizes, têm qualificação profissional e são responsáveis pelos serviços não se apropriarem das ferramentas de gestão que incidem sobre benefícios e serviços, fazendo com que uma parte significativa da gestão do programa – inclusive quanto a decisões importantes para a execução dos serviços e concessão dos benefícios – esteja nas mãos de técnicos em informática, quando estes existem. Não foi uma coincidência o fato dos técnicos em informática dos municípios de Guarabira e Bayeux terem sido informantes-chave na pesquisa. Nos municípios onde não há a atuação constante desses profissionais, como é o caso dos municípios de Sumé, Lucena (ambos de pequeno porte) e Sousa (médio porte), a gestão do programa sofre ainda mais, pois procedimentos simples, como acessar listas de famílias ou informações contidas nas ferramentas de gestão do MDS, não são realizadas. Como a via de comunicação entre Ministério e municípios se dá prioritariamente através dessas ferramentas, a gestão do programa fica prejudicada. Dados mais gerais sobre a gestão do PBF em Bayeux, Guarabira e Sousa estão compilados no Tabela 2. Tabela 2 – Características da gestão do PBF nos municípios de Bayeux, Guarabira e Sousa Município

Bayeux

Guarabira

Sousa

Número de famílias PBF

10.169

6.004

9.179

Vínculo da Gestão PBF

Secretaria de Trabalho e Ação Social

Secretaria de Ação Social

Secretaria de Ação Social

Local de Funcionamento do Atendimento

Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

Prédio recéminaugurado que abriga a Secretaria de Ação Social, PBF, Instância de Controle Social e PETI

O PBF tem sede própria numa antiga biblioteca no centro de Bayeux.

O PBF funciona no prédio da Secretaria da Ação Social

2 assistentes sociais

2 assistentes sociais

2 assistentes sociais

15 digitadores/ entrevistadores

4 digitadores/ entrevistadores

3 digitadores/ entrevistadores

1 recepcionista

1 recepcionista

1 recepcionista

Visitas esporádicas

Visitas são comumente realizadas pelo CRAS. Visitas de acordo com área de abrangência dos CRAS são esporádicas

Visitas esporádicas de acordo com necessidade e abrangência dos CRAS

Visitas de averiguação de denúncias Auditoria TCU

Averiguação (principalmente após cruzamento de dados com outros benefícios de nível local) Acompanhamento em áreas sem CRAS Auditoria TCU

Averiguação de inconsistência de dados Denúncias Auditoria TCU

49 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


Como é feito o contato com beneficiários em descumprimento

Relação PBF – CRAS

Van disponível periodicamente

2 carros e uma Van disponíveis quando necessário

Extrato bancário (caixa)

Extrato bancário

Rádio e carro de som já foram utilizados Bloqueio de recurso (temporário) CRAS envia beneficiários dentro do perfil para o PBF já com uma triagem prévia Grupos de Idosos

Serviços oferecidos pelos CRAS

Grupos de Gestantes Grupos de Jovens PROJOVEM

Carta do Bolsa para os beneficiários Bloqueio de recurso (temporário) A relação é bem aproximada. PBF presta cobertura a áreas sem CRAS para acompanhamento de alguns casos

Grupos de gestantes Grupos de Idosos PROJOVEM

1 carro

Extrato Bancário Rádio (mais eficiente) Bloqueio de recurso (temporário) Trabalham em conjunto, dividindo não só a sede como as funções de acompanhamento quando necessário PROJOVEM PETI Brinquedoteca Grupos de atividades

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

Desafios à gestão do PBF em municípios de pequeno porte: Sumé e Lucena Entre os municípios de pequeno porte contidos na amostra, o problema mais agudo observado em relação às dificuldades na gestão do PBF foi a insuficiência do número de funcionários. Essa escassez de pessoal faz com que os gestores do programa acumulem diversas funções e centralizem as atividades, tornando ainda mais difícil o desenvolvimento de estratégias e práticas adequadas às diretrizes do programa. Em ambos os municípios de pequeno porte (Sumé e Lucena), os coordenadores responsáveis pelo programa no município afirmaram não ter acesso ao sistema de informação a partir do qual se poderia obter a lista de famílias em situação de descumprimento das condicionalidades do PBF que precisavam de acompanhamento. No caso de Lucena, o gestor afirmou depender de um funcionário de informática lotado em outro órgão da prefeitura, que por sua vez não dedicava um tempo definido ao cumprimento de ações relacionadas ao PBF. Ao contrário, ele auxiliava o gestor do

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Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte

programa esporadicamente, quando do surgimento de alguma demanda mais urgente. De modo geral, para os municípios de pequeno porte, que não possuem a presença de pessoal de informática, essa pareceu ser uma das grandes dificuldades na execução do programa. A falta de uma pessoa capacitada para acessar sistemas como SIBEC, CadÚnico, SIG-PBF e SICON, impossibilita que alguns municípios se mantenham informados sobre as novidades do Programa e possam, com isso, executar as ações de forma adequada. Essa importância destacada a esse profissional pode ser decorrente do aumento e aperfeiçoamento dos sistemas de registro de informações elaborados pelo MDS. Com os sistemas eletrônicos ganhando uma importância cada vez maior na gestão do PBF nos municípios, destaca-se também a necessidade crescente de se capacitar os profissionais para a utilização desse sistema, visto que estes não foram desenhados para serem utilizados especificamente por técnicos de informática. Nesses municípios, muito do trabalho ligado ao programa tem sido feito de forma manual (ex. o recolhimento de fichas escolares), quase sempre pela própria pessoa


que coordena o PBF. Isso tem gerado basicamente dois tipos de conseqüências para a gestão do programa, especificamente no que diz respeito à gestão das condicionalidades (monitoramento e acompanhamento das famílias): se por um lado a presença constante do gestor na atuação direta dentro das atividades fins (pela falta de uma equipe de profissionais) abre a possibilidade da gestão do programa antecipar-se na identificação das famílias em situação de descumprimento, por outro lado isso também abre a possibilidade de uma certa “personalização” na definição das estratégias de acompanhamento, cujo resultado mais visível seria o favorecimento de certas famílias em detrimento de outras, sem que essa decisão esteja baseada, necessariamente, no grau de vulnerabilidade social a que as famílias estão submetidas. Os dados mais gerais sobre a gestão do PBF nos municípios de Sumé e Lucena estão sistematizados no Tabela 3 apresentado abaixo:

Tabela 3 – Características da gestão do PBF nos municípios de Sumé e Lucena Município

Lucena

Sumé

Número de famílias PBF

1.553

2.848

Vínculo da Gestão PBF

Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania

Secretaria Ação Social

Local de Funcionamento do Atendimento

Sede da Secretaria de Desenvolvimento Social

PBF funciona na sede do CRAS

Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

3 entrevistadores/ digitadores

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

51

Visitas esporádicas ou de recadastramento quando necessárias

Visitas esporádicas em caso de necessidade

Averiguação de dados informados

Averiguação de denúncias

Averiguação de denúncias Auditoria TCU

Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte

2 digitadores/entrevistador

Averiguação de Dados Auditoria TCU

A pé A pé

Carro disponibilizado pela secretaria requisitado previamente

Como é feito o contato com beneficiários em descumprimento

Extrato Bancário Bloqueio (temporário)

(não há acesso ao SIGPBF para acompanhamento)

Relação PBF – CRAS

Mínima – PBF envia certos beneficiários ao CRAS

PBF funciona dentro do CRAS – os funcionários do CRAS foram recentemente treinados como digitadores e entrevistadores e vão acumular funções

Grupo de Gestantes

Brinquedoteca

Creche

Grupos de Gestantes

Reforço escolar

Grupo de Jovens

Serviços oferecidos pelos CRAS

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

Extrato bancário

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Uma primeira prática mencionada por todos os gestores diz respeito às estratégias utilizadas para induzir o comparecimento dos beneficiários ao atendimento para solução de pendências (na maior parte dos casos, pendências cadastrais). Em todos os municípios pesquisados os gestores fazem uso do bloqueio temporário do benefício do PBF para provocar a necessidade do beneficiário comparecer à sede do programa para resolver pendências ou prestar esclarecimentos sobre imprecisões nas informações constantes de seu cadastro. Além disso, em três dos sete municípios pesquisados os profissionais responsáveis pelo programa afirmaram que também fazem uso dessa estratégia para resolver questões ligadas a outras ações desenvolvidas pelo próprio município. Como fica claro na fala de um dos gestores entrevistados:

“Bem, eu diria que aqui [no município] nós temos as nossas próprias condicionalidades”. Ao considerarmos esse aspecto é importante afirmar que esta é uma prática que envolve o uso de uma ferramenta no mínimo controversa do PBF, que são as repercussões sobre o benefício. Se por um lado esta parece ser uma medida eficaz para garantir o alcance às famílias que necessitam fornecer informações sobre sua real situação, por outro lado o abuso dessa prática carrega o risco de enfatizar o caráter “punitivo” das condicionalidades.5 Isso se torna ainda mais problemático quando percebemos que a maior parte dos entrevistados, ao serem questionados sobre a quem, de fato, caberia a responsabilidade de solucionar as pendências, responderam que esse é um papel da gestão municipal do programa e que na realidade fazem uso dessa estratégia por não conseguirem realizar – por falta de pessoal ou de recurso logístico – as visitas às famílias. Ou seja, além de acentuar o aspecto “punitivo” das condicionalidades do PBF, essa é uma prática que normalmente é utilizada para sanar debilidades institucionais das próprias administrações municipais. Outro aspecto problemático encontrado em todos os municípios é apresentado no campo “motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares”, nos quadros 1, 2 e 3. Em todos os casos estudados há uma priorização de visitas de cunho

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Aspectos da gestão do PBF comuns a todos os municípios da amostra e algumas considerações finais

fiscalizador, com uma atenção especial para os casos que caracterizam fraude ou desvio de cobertura do programa. Este é um aspecto particularmente problemático quando consideramos que o trabalho de monitoramento das famílias deveria estar, antes de tudo, voltado para o acompanhamento e suporte às famílias em situação de vulnerabilidade social, como afirmamos anteriormente. Ou seja, essa prática acaba por revestir o trabalho de monitoramento das famílias de um caráter muito forte de ‘averiguação’.

5

Aqui cabe esclarecer que a prática a que se refere esta parte do texto é uma ação ligada à

‘gestão de benefícios’, e não à ‘gestão de condicionalidades’. O gestor municipal do PBF pode bloquear famílias, com base em uma ação de gestão de benefícios, diretamente no Sistema de Gestão de Benefícios ao Cidadão - SIBEC. A repercussão sobre o benefício advinda do descumprimento de condicionalidades é feita exclusivamente pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania – SENARC/MDS. Ou seja, o bloqueio comumente feito por gestores municipais para induzir o comparecimento dos beneficiários não tem efeito cumulativo sobre as repercussões do descumprimento das condicionalidades.


Outra distorção gerada com essa prática é a impossibilidade do desenvolvimento de estratégias de planejamento mais efetivas por parte do gestor local do programa, uma vez que sua agenda de monitoramento e acompanhamento termina sendo pautada pelos órgãos de controle e regulação (ex. Tribunal de Contas). Em todos os municípios, independente do porte, observou-se a ausência de um padrão (critérios claros) na definição das estratégias de priorização das famílias que devem ser acompanhadas. Ou seja, todos os gestores locais – e essas informações foram confirmadas nas entrevistas com o pessoal técnico ligado ao programa e aos CRAS – relataram dificuldades encontradas para estabelecer uma estratégia precisa de priorização das famílias que devem receber a visita domiciliar. Em uma grande quantidade de casos, visitas são realizadas em respostas a medidas de controle e/ou fiscalização, tais como denúncias ou auditorias. Esse aspecto nos leva a comentar um dos casos discutidos anteriormente. Ao compararmos com o município de Campina Grande (grande porte), afirmamos que em João Pessoa havia uma aproximação (física e funcional) entre as equipes do PBF e dos CRAS. No entanto, observamos que isso não se refletia, necessariamente, numa gestão mais eficiente das condicionalidades. Na realidade, embora compartilhem a mesma estrutura logística e parte do trabalho de acompanhamento das famílias em descumprimento, falta o estabelecimento de diretrizes comuns que possam guiar o trabalho de acompanhamento familiar, seja este realizado pela equipe do PBF ou pela equipe dos CRAS. Ou seja, embora a proximidade funcional entre PBF e CRAS nas administrações municipais possibilite uma relação mais estreita entre gestão integrada de benefícios, serviços e transferência de renda, a separação das atribuições das duas coordenações (PBF e CRAS) dificulta o desenvolvimento de estratégias integradas para o monitoramento das condicionalidades e acompanhamento familiar. No caso de João Pessoa, a coordenação do PBF chega a ter diretrizes na priorização dos casos e estas orientam o trabalho da equipe de assistentes sociais ligadas ao programa, no entanto, essas diretrizes não chegam a orientar o trabalho das equipes de assistentes sociais dos CRAS que também exercem atividades ligadas ao PBF. Ou seja, os CRAS, em sua maioria, recebem a demanda para realizarem visitas às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades, porém, o planejamento da realização dessas visitas não ocorre de forma sistemática. Todos os CRAS que recebem a demanda para visitar famílias em situação de descumprimento indicam não conseguir visitar todas as famílias listadas. No entanto, quando questionados sobre como é feita a relação dos casos prioritários a serem visitados – levando-se em consideração que não é possível visitar todos – verificou-se que não existe esse planejamento. Apenas a Coordenação do PBF do município de João Pessoa informou que as equipes priorizam as visitas às famílias que estão com recursos suspensos, visto que a repercussão seguinte seria a do cancelamento do benefício. O interessante é que a equipe social do PBF, em João Pessoa, adota essa ação, mas as Assistentes Sociais dos quatro CRAS pesquisados no mesmo município dizem não seguir nenhuma diretriz específica para a seleção de famílias a serem visitadas, e que realizam as visitas de forma aleatória, muitas vezes priorizando somente aquelas que residem nas proximidades dos CRAS.

53 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


Nesse ponto, torna-se ainda necessário considerar um outro aspecto encontrado mas à forma como estes profissionais concebem as condicionalidades do PBF. Verificamos em todos os casos que, para os profissionais que lidam cotidianamente com o PBF, as condicionalidades do programa referem-se basicamente aos dados de frequência escolar. Ou seja, condicionalidades da área da Saúde e da Assistência Social não chegam a ser mencionadas como parte do trabalho cotidiano das equipes. Acreditamos que este seja um aspecto bastante relevante quando percebemos os esforços do gestor federal do programa no sentido de promover o monitoramento integrado das três áreas que incidem sobre o benefício.6 De fato, seja pela frequência maior com que as equipes municipais têm que lidar com dados da Educação, seja por ser a área da Educação a que lida com o público mais numeroso, o fato é que “descumprimento de condicionalidades”, na forma como as equipes municipais lidam com o PBF, quase sempre remete a medidas e ações ligadas ao campo da Educação.7 De modo geral, ‘infraestrutura’ e ‘recursos humanos’ constituem o maior desafio para todos os municípios investigados. Com exceção de Campina Grande, que demonstrou possuir uma sede bem equipada do PBF, todos os outros municípios revelaram dificuldades nesses dois aspectos. O acesso e o uso da internet é outro fator complicador na gestão do PBF em todos os municípios. Alguns municípios não possuem internet de boa qualidade na sede, e isso dificulta a utilização da nova versão do CadÚnico. Os CRAS, em sua maioria, não dispõem de internet, dificultando ainda mais o acesso aos sistemas de registro de informações como SIG-PBF, SICON, etc. Alguns gestores/técnicos municipais indicaram não possuir sequer a senha de acesso ao SIG-PBF, o que quer dizer que esses municípios não possuem acesso sequer à lista com os nomes das famílias em situação de descumprimento disponibilizada pelo MDS. Esse dado nos levou a investigar aspectos relacionados ao planejamento e à definição de diretrizes na execução das ações do programa, o que posteriormente nos levou a concluir que esses municípios simplesmente não planejam ações de monitoramento para esse público, esperando apenas que eles compareçam ao atendimento na coordenação do PBF para resolverem os problemas referentes ao bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício. Com

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em todos os municípios. Esse não mais ligado a práticas dos gestores e técnicos,

6

Aqui vale chamar atenção para o fato de que, embora já constem das normas do MDS enquanto

‘condicionalidades’, os dados relacionados à Assistência Social (serviços de convivência e fortalecimento de vínculos/PETI), até o encerramento da pesquisa, ainda não constituíam (ou não estavam implementadas) ferramentas que possibilitassem a operacionalização de repercussões sobre o benefício em caso de descumprimento. 7

De acordo com informações fornecidas pela SAGI/MDS, o descumprimento em relação ao

acompanhamento da Saúde é equivalente a 0,5% das famílias acompanhadas, quando na Educação o percentual é de 3,5 a 5% do total de beneficiários entre 6 e 17 anos com frequência escolar acompanhada.


problemas de pessoal, infraestrutura e acesso a internet, os municípios acabam se isolando e não conseguem acompanhar as novidades referentes aos sistemas e às normativas do PBF. Essa pode ser a explicação para o fato de quase todos os gestores e técnicos do PBF, em maior ou menor grau, terem revelado desconhecimento ou inadequação na utilização do SICON – Sistema de Condicionalidades do PBF. Apenas gestores/técnicos de três municípios demonstraram conhecer o SICON, mas mesmo assim, afirmaram não utilizá-lo com frequência. Por fim, cabe um destaque para o fato de que, em todos os municípios pesquisados, os gestores/técnicos demonstraram desconhecimento no que se refere às mudanças nas atribuições do gestor do Programa Bolsa Família, publicado no Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de Renda no Âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (Resolução nº7, de 10 de setembro de 2009 - Comissão Intergestores Tripartite do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.) No que se refere ao quesito específico obervado por essa pesquisa, que diz respeito ao aumento do poder do gestor municipal, onde este passa a ter a opção de interromper temporariamente os efeitos do descumprimento sobre o benefício, desde que inclua a família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço, pôde-se observar que os gestores não estão utilizando essa ferramenta. Isso quer dizer, principalmente, que famílias que descumpriram condicionalidades e tiveram seus benefícios bloqueados, poderiam voltar a receber o benefício, se estivessem sendo acompanhadas pelo PBF, mas como esse recurso não tem sido utilizado pelos gestores municipais - ao que sugere a pesquisa, por falta de conhecimento e de capacidade para cumprir suas atribuições em relação ao programa - as famílias -, muitas vezes em situação de maior vulnerabilidade, continuam desassistidas. As discussões aqui apresentadas são o resultado de seis meses de pesquisa de campo e mais seis meses de trabalho de catalogação e análise dos dados colhidos. Esses resultados têm rendido debates interessantes nas esferas acadêmicas onde têm sido apresentados, contribuindo com isso para despertar o interesse de estudantes e pesquisadores para os aspectos da gestão municipal do PBF.

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59 CONDICIONALIDADES E MONITORAMENTO: DESAFIOS À GESTÃO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MUNICÍPIOS PARAIBANOS


Maria ozanira da Silva e Silva - universidade Federal do Maranhão Maria virgínia Moreira Guilhon - universidade Federal do Maranhão

Transferência de renda

avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

o bolsa Família no conteXto da pRoteção social: siGniFicado e Realidade das condicionalidades e do índice de Gestão descentRaliZada no estado do maRanHão


INTRODUÇÃO Os programas de transferência de renda integram a agenda da proteção social ao redor do mundo, com maior destaque a partir dos anos 1930, quando vinham sendo implementadas experiências em países da Europa. Nas últimas duas décadas, esses programas vêm se fortalecendo no campo assistencial na América Latina e em países da África enquanto versão regional-periférica de enfrentamento do quadro decorrente do ajuste neoliberal. Tais programas são, em grande parte, organizados e ideologizados por organismos multilaterais, representando, na verdade, estratégias de enfrentamento ao desemprego, à precarização do trabalho e ao aumento da pobreza. Ao serem popularizados, procuram favorecer a demanda por educação e saúde dos pobres e estimular o desenvolvimento humano, com a co-responsabilidade do Estado e das famílias (CASTIÑEIRA; NUNES; RUNGO, 2009) às quais, ao ingressarem nesses programas, são impostas determinadas condicionalidades, principalmente no campo da saúde e da educação. Num levantamento de programas de transferência de renda na América Latina, verificamos que praticamente todos os países do continente desenvolvem programas dessa natureza. Entre estes, merecem destaque programas de abrangência nacional, focalizados em famílias pobres e extremamente pobres com transferência de renda condicionada, tais como: o Programa Jefas e Jefes de Hogar, criado na Argentina, em 2002, dirigido a desocupado, chefe de família e com filhos sob sua responsabilidade. Esse programa foi criado para atender a situação de desemprego decorrente da crise na economia argentina iniciada em 2001, sendo incorporado, em 2009, ao Sistema de Prestações Familiares, subsistema não contributivo, instituindo o programa em vigência denominado Asignación Universal por Hijo para Protección Social, para incorporação de amplos contingentes da população a um dos benefícios do regime de prestações familiares, definido historicamente sob um esquema contributivo, só vigente precedentemente para os trabalhadores empregados em relação de dependência, sendo ampliado a todos os menores de 18 anos cujos pais ou tutores se encontrem desempregados, sejam monotributistas sociais ou se encontrem na economia informal ou em serviço doméstico, desde que recebam remunerações inferiores ao Salário Mínimo Vital e Móvil. Destacam-se ainda na América Latina o Programa Chile Solidário, criado em 2002 no Chile para apoiar pessoas e famílias em extrema pobreza, tendo ampliado a cobertura em 2005, incluindo famílias com adultos cumprindo pena, maiores que vivem sós e outros grupos em situação de vulnerabilidade. É constituído de três componentes: apoio à família; vários subsídios monetários e acesso prioritário a outros programas de proteção social e o Programa Ingreso Ciudadano, instituído no Uruguai, em 2005, no âmbito do Plano de Atención a la Emergência Social (PANES), constituindo-se na porta de entrada dos benefícios transferidos às famílias. Trata-se de uma transferência monetária mensal independentemente do número de integrantes da família, sendo a transferência condicionada à frequência escolar das crianças e adolescentes até 14 anos e a realização de controle de saúde para crianças e mulheres grávidas1. 1

Os demais programas de transferência de renda em implementação na América Latina são

os seguintes: Bolívia – Bono Madre Niño Niña “Juana Azurduy”; Brasil - Bolsa Família, objeto de reflexão ampliada no presente texto; Colômbia – Programa Familias em Acción; Equador – Bono Soliddario; Peru – Programa Nacional de Apoyo Directo a los mas Pobres (Programa Juntos); Paraguai – Programa Abrazo e Programa Tekoporã.

61 O BOLSA FAMÍLIA (PBF) NO CONTEXTO DA PROTEÇÃO SOCIAL: significado e realidade das condicionalidades e do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão


Todavia, o debate internacional vem destacando, a partir dos anos 1980, os prose estrutural do capitalismo, com o desenvolvimento da reestruturação produtiva, marcada pelo ajuste econômico, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, aprofundando a mundialização do capital, com a hegemonia do capital financeiro. Nesse contexto passam a ser considerados mecanismos para o enfrentamento do desemprego e da pobreza, ampliada na sua dimensão estrutural e conjuntural (ATKINSON, 1995; BRITTAN, 1995; BRESSON, 1993; VUOLO, 1995; GORZ, 1991). O Programa Bolsa Família - PBF, criado em 2003, é a expressão atual do desenvolvimento dos programas de transferência de renda no Brasil. Produto de um processo iniciado na esfera municipal, em 1995, com a implantação das experiências pioneiras de Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo, e da experiência do Bolsa Escola de Brasília2, seguindo-se da implementação de programas na esfera estadual e programas federais. O presente artigo se referencia em resultados de estudos realizados a partir do projeto “A IMPLEMENTAÇÃO DO IGD E DAS CONDICIONALIDADES DO BOLSA FAMÍLIA NO MARANHÃO: identificando possibilidades, limites e propostas de melhoria”, apresentado em concorrência ao Edital MCT/MDS/SAGI/CNPq n. 36/2010. O objetivo central do estudo foi oferecer elementos de avaliação sobre a gestão do PBF em nível municipal, considerando o IGD e as condicionalidades, de modo a contribuir para o desenvolvimento e possíveis ajustes desses mecanismos para elevação do padrão de gestão do PBF nos municípios e, consequentemente, para incrementar os impactos do Programa junto às famílias beneficiárias. A proposta metodológica fez uso dos seguintes procedimentos de pesquisa: Estudo de campo realizado numa amostra aleatória simples composta por 13 municípios do Estado do Maranhão, selecionados por sorteio, incluindo municípios de porte pequeno (I e II), médios, grandes e a metrópole, São Luís. O Estado do Maranhão é o segundo Estado mais pobre do Brasil, com uma popu-

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

gramas de transferência de renda no campo da proteção social no contexto da cri-

lação, segundo o Censo 2010, de 6.574.789, e os municípios selecionados para o estudo de campo foram os seguintes: Maracaçumé com uma população de19.155, Cedral (10.297); Cajapió (10.593); Capinzal do Norte (10.698); Poção de Pedras (919.708); Presidente Vargas (10.717); São João Batista (19.920); Alto Alegre do Maranhão (24.590); Santa Quitéria do Maranhão (29.191); Viana (49.496); Barreirinhas (54.930); Caxias (155.129); São Luís (1.014.837). A escolha aleatória de 13 municípios, considerando diferentes portes, objetivou permitir representatividade da realidade do Estado, sendo que a similaridade dos resultados da pesquisa de campo não justificou a análise das informações levantadas de modo desagregado. Portanto, a seleção de municípios de diferentes portes foi justificada para que se procurasse verificar na pesquisa de campo se havia

2

Sobre os antecedentes e as experiências pioneiras dos Programas de Transferência de Renda

no Brasil, veja SILVA, YAZBEK; GIOVANNI, 2011, capítulo 1 Os programas de transferência de renda: inserção no contexto do Sistema Brasileiro de Proteção Social.


diferenciação da realidade no desenvolvimento das condicionalidades e do IGD relacionada com o porte do município. Como não foi identificada diferenciação significativa, a análise das informações empíricas foi desenvolvida considerando o conjunto dos municípios. A pesquisa de campo foi realizada mediante o procedimento de grupo focal, junto a Centros de Referência da Assistência Social - CRAS: tendo sido escolhido o maior CRAS em cada município, considerando a população atendida e entre esta o maior número de beneficiários do PBF. Em São Luís e no município de porte grande (Caxias) foram considerados os 02 maiores CRAS, totalizando 15 CRAS. Os grupos focais foram compostos por técnicos dos CRAS; representantes dos Conselhos Municipais de assistência Social e usuários do PBF dos respectivos municípios, não ultrapassando a um total de 12 integrantes em cada grupo focal, tendo sido realizadas duas reuniões com os mesmos grupos em cada município. Levantamento Bibliográfico e documental. Nesse aspecto foram considerados publicações e documentos de estudos desenvolvidos sobre o PBF, mais especificamente sobre o IGD e as condicionalidades, tendo em vista contextualizar o estado da arte sobre esses dois aspectos do Programa bem como referenciar o estudo proposto. Realização de Entrevistas semi-estruturadas com o gestor estadual, os gestores municipais e os coordenadores do acompanhamento das condicionalidades de Saúde, Educação e Assistência Social do PBF nos municípios selecionados para compor a amostra da pesquisa. O texto segue apresentando o PBF e as particularidades atribuídas às condicionalidades, seguidas de problematização sobre a contribuição do IGD para a gestão do Programa nos municípios, destacando resultados da pesquisa de campo, sendo finalizado com algumas reflexões à guisa de conclusão.

CARACTERIZANDO O BOLSA FAMÍLIA O Bolsa Família, em implementação em todos os municípios brasileiros e no Distrito Federal, atende a um público de 13.330.714 famílias3. Instituído pela medida provisória nº. 132 de 20 de outubro de 2003, transformada na Lei nº. 10.836 de 09 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro de 20044. É um programa intersetorial, instituído no âmbito do Fome Zero para unificação de programas de transferência de renda5. Tem por objetivo “assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome”6 3

Dado acessado no site www.mds.gov.br em 05/02/2012.

4

Todas a legislação citada no pr esente artigo encontra-se disponibilizada em www.mds.gov.br.

5

A estratégia Fome Zero é representada por um conjunto de políticas governamentais e não-

governamentais, tendo como principal objetivo erradicar a fome e a desnutrição no país. Seus principais programas são: Bolsa Família; Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA); Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); Programa de Construção de Cisternas; Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF); Restaurantes Populares e Centros de Referência de Assistência Social (CRAS). 6

Citação do texto de apresentação do Bolsa Família divulgado no site www.mds.gov.br,

acessado no dia 12/06/2011.

63 O BOLSA FAMÍLIA (PBF) NO CONTEXTO DA PROTEÇÃO SOCIAL: significado e realidade das condicionalidades e do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão


Desde 2003, quando foi instituído, vem sendo marcado por significativa expansão 41 bilhões, a metade na Região Nordeste, a mais pobre do país. A partir de outubro de 2009 e até março de 2011, destinou a famílias extremamente pobres, renda per capita familiar inferior a R$ 70,00, um benefício mensal fixo de R$ 68,00, além de um benefício variável mensal de R$ 22,00, pago conforme o número de crianças e adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando até R$ 134,00. As famílias pobres, renda per capita familiar inferior a R$ 140,00, recebiam o benefício variável de R$ 22,00, pago conforme o número de crianças e adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando até R$ 66,00. Foi acrescido um benefício vinculado aos adolescentes de 16 e 17 anos de R$ 33,00 mensais, até dois adolescentes por família, para manutenção desses jovens na escola. A partir de abril de 2011, a Presidente Dilma, determinou um reajuste médio no valor dos benefícios de 19,4%. A correção correspondente à faixa de até 15 anos chegou a alcançar 45%. Desse modo, o valor médio dos benefícios é de R$ 115,00 e o valor recebido pelas famílias pode variar de R$ 32,00 a R$ 242,00. Esse reajuste foi justificado como medida de ataque à pobreza extrema no Brasil, principal prioridade de governo da presidente Dilma Rousseff, consolidado no Plano Brasil sem Miséria. Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria, o governo fixou a meta de inclusão no PBF de mais 800 mil famílias extremamente pobres até dezembro de 2013. Outra modificação foi a elevação do limite do número de crianças e adolescentes com até 15 anos, de famílias extremamente pobres, de 03 para 05, as quais passaram a ter direito ao benefício variável de R$ 32,00, possibilitando a inclusão de mais 1,3 milhões de crianças e adolescentes, com vigência a partir de setembro de 2011, elevando o valor máximo do benefício de R$ 242,00 para R$ 306,00. O repasse para custear o PBF, no mês de janeiro de 2012, foi de R$1.561.780.652,00, conforme dados acessados no site www.mds.gov.br em 05/02/2012. O PBF tem sua proposta estruturada em três eixos principais: transferência de renda, condicionalidades e programas complementares. O primeiro objetiva promover o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades são referidas pelo MDS,

Transferência de Renda

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geográfica. Ao completar cinco anos, em outubro de 2008, já havia investido R$

órgão gestor nacional, enquanto compromissos assumidos pelas famílias e pelo poder público para que os beneficiários sejam atendidos por serviços de educação, saúde e assistência social, constituindo-se em um reforço ao acesso a direitos sociais básicos, enquanto os programas complementares visam o desenvolvimento das famílias para superação da situação de vulnerabilidade7.

7

Conforme consta do texto de apresentação do Bolsa Família divulgado no site www.mds.gov.

br, acessado no dia 12/06/2011.


As famílias têm liberdade na aplicação do dinheiro recebido, podendo permanecer no Programa enquanto atendam aos critérios de elegibilidade8, desde que cumpram as condicionalidades de matrícula de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos na escola; frequência regular mínima de 85% das aulas para as crianças e adolescentes de 6 a 15 anos e de 75% para os jovens de 16 e 17 anos; frequência de crianças de 0 a 7 anos de idade aos postos de saúde para vacinação, pesar, medir e fazer exames de proteção básica à saúde. A frequência de mulheres gestantes aos exames de rotina é considerada, também, condicionalidade no campo da Saúde. Na área da assistência social, as crianças e adolescentes de até 16 anos, em situação de risco ou retirados do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), devem ter uma freqüência mínima da carga horária mensal de 85% aos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) desenvolvidos pelo PETI, conforme estabelecido no art.13 da Portaria GM/ MDS n° 666, de 28 de dezembro de 2005. Além da transferência monetária, destinada à melhoria na alimentação e nas condições básicas de vida do grupo familiar, o PBF considera necessária a inclusão dos membros adultos das famílias beneficiárias em ações complementares, oferecidas pelos três níveis de governo, sendo atendidos por outros programas, como: tarifa social de energia elétrica, cursos de alfabetização, de educação de jovens e adultos e de qualificação profissional; ações de geração de trabalho e renda e de melhoria das condições de moradia, além de isenção de taxas de concurso públicos federais . 9

A implementação do PBF ocorre de modo descentralizado, com implementação pelos municípios; o processo é iniciado com a assinatura de Termo de Adesão pelo qual o município compromete-se a instituir comitê ou conselho local de controle social e a indicar o gestor municipal do Programa. Para efetivação do processo de implementação, são previstas responsabilidades partilhadas entre a União, Estados, municípios e a sociedade.

AS CONDICIONALIDADES ENQUANTO MECANISMO DE INCLUSÃO SOCIAL As condicionalidades do BF são apresentadas pelo gestor nacional, Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como compromissos atribuídos às famílias beneficiárias nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social para continuarem a receber o benefício financeiro do Programa. São também apresentadas como compromissos assumidos pelo poder público, responsável pela oferta 8 Às famílias do PBF é requisitada a atualização de seu cadastro de dois em dois anos, para que seja revalidada ou não a permanência da família no BF. 9 Os programas complementares articulados ao Bolsa Família, em nível federal, são os seguintes: Programa Brasil Alfabetizado destinado à alfabetização de pessoas com 15 anos de idade ou mais; ProJovem voltado para reintegração ao processo educacional e qualificação social e profissional de jovens entre 15 e 29 anos; Projeto de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária para acesso ao trabalho e renda tendo como público comunidades e segmentos excluídos; Programa Nacional de Agricultura Familiar e programas de micro-crédito do BNB para acesso ao trabalho e renda direcionado a agricultores familiares; Programa Nacional Biodisel para acesso ao trabalho e renda também direcionado a agricultores familiares e Programa Luz para Todos para expansão de energia elétrica no meio rural.

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dos serviços públicos de saúde, educação e assistência Social. São fixadas na Lei 2004, que instituem e regulamentam o PBF. O marco legal que regulamenta as condicionalidades é constituído pela Portaria n. 321, de 29 de setembro de 2008; pela Portaria MS/MDS n. 2.509 de 18 de novembro de 2004, que regulamenta os compromissos das famílias relacionados à saúde e pela Portaria MEC/MDS n. 3. 789, de 17 de novembro de 2004, que regulamenta os compromissos das famílias relacionados à educação. O acompanhamento gerencial das condicionalidades é de responsabilidade do MDS em articulação com os Ministérios de Educação e da Saúde, cabendo aos municípios prestar as informações aos ministérios, conforme calendários fixados previamente e com registros de informações relativas a cada condicionalidade na educação, saúde e assistência social nos respectivos sistemas informatizados. O acompanhamento, além de identificar o grau do cumprimento das condicionalidades, objetiva buscar os motivos do não cumprimento para que os municípios desenvolvam ações de acompanhamento das famílias em descumprimento, consideradas em situação de maior vulnerabilidade social. O descumprimento das condicionalidades é previsto na Portaria GM/MDS n. 321 de 29 de setembro de 2008, que determina na ocorrência do primeiro descumprimento, que a família receberá uma advertência por escrito, lembrando dos compromissos com o Programa e da vinculação do cumprimento das condicionalidades com o recebimento do benefício. A partir da segunda ocorrência de descumprimento, a família fica sujeita às seguintes sanções: no segundo, o benefício é bloqueado por 30 dias; no terceiro e quarto, ocorre a suspensão do benefício por 60 dias e, no quinto, há o cancelamento da concessão do benefício. No caso das famílias que têm filhos de 16 e 17 anos, que sejam beneficiados pelo Benefício Variável Jovem (BVJ), serão advertidas no primeiro descumprimento da condicionalidade de frequência de 75% da carga horária escolar mensal; terão o benefício suspenso no segundo descumprimento e, no terceiro, o cancelamento. As condicionalidades, contrapartidas ou compromissos constituem, por conse-

Transferência de Renda

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nº. 10.836 de 09 de janeiro de 2004 e no Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro de

guinte, uma dimensão central no desenho do PBF, o que vem levantando questões polêmicas, consensuais, antagônicas ou divergentes. Assim, uma análise da literatura sobre as condicionalidades do PBF permitiu identificar diferentes entendimentos, conduzindo à sistematização das seguintes concepções.

a) Condicionalidades enquanto acesso e ampliação de direitos A versão oficial sobre as condicionalidades do PBF as situa como mecanismo que objetiva combater a transmissão intergeracional da pobreza mediante inversão em capital humano por medidas de educação e saúde em articulação com o objetivo imediato de alívio da pobreza representado pela transferência monetária para famílias pobres e extremamente pobres. Nesse sentido, as condicionalidades são situadas no campo do direito, ampliando o acesso das famílias usuárias a direitos sociais básicos e incentivando a demanda por serviços de educação, saúde e assistência social. Trata-se de um movimento de mão dupla, cabendo ao Estado ofer-


tar serviços públicos e os beneficiários a assumir os compromissos determinados pelo Programa. Nesse sentido, são vistas como necessárias, até para forçar o Estado a melhorar os serviços prestados à população (VALE, 2009). Ademais, podem incentivar as famílias a fazer investimento em capital humano, além de estimular a demanda por serviços sociais. Nessa direção, as condicionalidades são vistas como favorecedores da intersetorialidade entre secretarias municipais (MONNRAT; MAIA; SCHOTTZ, 2006), favorecendo interrelação de uma dimensão compensatória com políticas estruturantes de saúde e de educação. Por conseguinte, a versão oficial das condicionalidades defende o seu cumprimento com possibilidade de acesso e inserção da população pobre nos serviços sociais básicos, favorecendo a interrupção do ciclo de reprodução da pobreza, enquanto forma de ampliar o direito à saúde e à educação. No seu limite, só reforçariam obrigações sociais ou legais dos pais.

b) As condicionalidades enquanto negação de direitos Em oposição à concepção acima, há os que entendem as condicionalidades atribuídas aos programas de transferência de renda como infração ao direito por tratar-se de uma imposição ou restrição à concessão do direito essencial à sobrevivência de pessoas. O entendimento é de que a um direito não se deve impor contrapartidas, exigências ou condicionalidades, visto que a titularidade do direito jamais deve ser condicionada, o que deve ocorrer é a punição do Estado pelo não cumprimento da obrigação em garantir o acesso aos direitos à educação e à saúde (ZIMMERMANN, 2006). A contradição entre condicionalidades e direito reforça a seletividade da Assistência Social, que já é focada na extrema pobreza, reforçando o controle e a pressão e ferindo a noção de cidadania por condicionar um direito constitucional à assistência ao cumprimento de exigências por parte de beneficiários que já se encontram em situação bastante vulnerável (LAVINAS, 2000). Nesse sentido, “pode-se afirmar que a adoção de condicionalidades em programas de transferência de renda somente é válida se entendida e implementada como estratégia de ampliação de acesso aos serviços sociais e políticas de emprego e renda, e não apenas o mero reflexo de uma visão restritiva de direito” (MONNRAT; MAIA: SCHOTTZ, 2006. p. 8). No campo da compreensão das condicionalidades como infração ao direito mais fundamental, que é o acesso a condições essenciais para sobrevivência, estas são concebidas tão somente como obrigação do Estado na prestação de serviços sociais básicos a todos os cidadãos e não como mecanismo de punição.

c) As condicionalidades enquanto questão política e imposição moralista conservadora Os que apontam a conotação política e moralista das condicionalidades expressam o entendimento de que ninguém, principalmente os pobres, pode receber uma transferência do Estado sem contrapartida direta. A transferência deve ser mérito do beneficiário: ”suor do trabalho” (SILVA, 2010-a). Como dizem: “não deve haver almoço grátis”, daí a necessidade de cobrar do governo o controle e o desligamento dos beneficiários que são culpabilizados pelo não cumprimento do que

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os programas impõem. Não é considerado que a não obediência às condicionadeveria ser responsabilizado era o Estado que fica isento de qualquer punição, ocorrendo apenas a isenção dos beneficiários quando fica comprovado que o não cumprimento não dependeu deles (KERSTENETZKY, 2009). Esse entendimento contém um caráter mistificador que perpassa à lógica das condicionalidades, fazendo com que as políticas sociais escamoteiam um direito, passando a ser consideradas como troca, concessão e contrapartida, esvaziando a noção de direito e de proteção social como dever do Estado (SILVA, 2010-a). Procurando problematizar as controvérsias, encontros e desencontros em torno das condicionalidades enquanto dimensão estruturante dos programas de transferência de renda, partimos da proposta dessas condicionalidades enquanto possibilidades de garantia de direitos sociais básicos, buscando potencializar impactos positivos sobre a autonomização das famílias atendidas. Consideramos que, mesmo assim, apresentam problemas e desafios que merecem ser considerados:

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lidades possa ser decorrente da precariedade dos serviços e, nesse caso, quem

“Primeiro, ferem o princípio da não condicionalidade peculiar ao direito de todo cidadão a ter acesso ao trabalho e a programas sociais que lhe garantam uma vida com dignidade; segundo os serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos municípios brasileiros, mesmo no campo da Educação, da Saúde e do Trabalho são insuficientes, quantitativa e qualitativamente, para atender às necessidades das famílias beneficiárias dos Programas de Transferência de Renda. Nesse sentido, as condicionalidades deveriam ser impostas ao Estado, nos seus três níveis e não às famílias, visto que implicam e demandam a expansão e a democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade, que uma vez disponíveis, seriam utilizados por todos, sem necessidade de imposição e obrigatoriedade. Entendo que o que poderia ser desenvolvido seriam ações educativas, de orientação, encaminhamento e acompanhamento das famílias para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim concebidas, as condicionalidades, ao contrário de restrições, imposições ou obrigatoriedades, significariam ampliação de direitos sociais”. (SILVA, 2002-b). Contrapondo ao caráter punitivo e destacando o caráter educativo das condicionalidades, consideramos que poderiam ser concebidas, sim, mas como recomendações às famílias beneficiárias do PBF e como dever do Estado na proteção social de seus cidadãos e no oferecimento de serviços sociais básicos, com destaque à educação e à saúde. Nesse debate, reafirmamos a insuficiência quantitativa e qualitativa dos serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos municípios brasileiros.


“A questão que coloco é que o debate sobre condicionalidades nos Programas de Transferência de Renda deve ser orientado em duas direções. De um lado, temse o dever do Estado, nos seus três níveis, de expandir e democratizar os serviços sociais básicos de boa qualidade, disponibilizando-os a toda a população. Entendo que uma vez disponíveis esses serviços seriam utilizados por todos, sem imposição e obrigatoriedade. O trabalho do Estado e da sociedade, nesse aspecto, poderia voltar-se para o desenvolvimento de ações educativas, de orientação, de circulação de informações, de encaminhamento e acompanhamento das famílias para que essas pudessem buscar ter acesso e fazer uso adequado dos serviços disponíveis”. (SILVA, 2008). Ao serem configuradas como exigência para permanecer no PBF, o trabalho de campo realizado sobre as condicionalidades e o IGD no Estado do Maranhão evidenciou, com muita insistência, em entrevistas com gestores e coordenadores e nos grupos focais com a participação de técnicos, membros de conselhos municipais de controle social do PBF e de usuários, a forte assimilação da conotação punitiva das condicionalidades, levando a maioria dos sujeitos a repetirem que as famílias levam os filhos para a escola e para atendimento à saúde motivadas, pelo medo de perder sua inserção no PBF. Na medida em que o acompanhamento e o registro do cumprimento das condicionalidades têm como orientação a possibilidade de punição, acreditamos que o medo tende a ser incorporado pelas famílias. Se a frequência das crianças e adolescentes à escola e o atendimento à saúde fossem recomendações trabalhadas numa perspectiva educativa, provavelmente essas famílias veriam mais, no atendimento a essas recomendações, a importância para a vida de todos. O trabalho de campo realizado em treze municípios do Maranhão e a análise de relatórios elaborados pelo MDS sobre a gestão das condicionalidades do PBF evidenciaram para a equipe de pesquisadores a complexidade desse processo e o investimento aplicado. Essa realidade nos leva a alguns questionamentos: qual a efetividade da gestão das condicionalidades, tal como é operacionalizada, para a melhoria das condições de vida das famílias beneficiárias do PBF? Os custos, o tempo e os resultados alcançados nesse processo podem ser justificados? Ademais, esse processo vem contribuindo para aumento do acesso aos serviços, mais, concretamente, qual a contribuição para a melhoria da qualidade dos serviços ofertados, aspecto que consideramos de suma importância para elevação das condições de vida das famílias inseridas no PBF? O que é mais preocupante: admitidas na forma de sanção, as condicionalidades podem ser uma forma de agravamento de vulnerabilidades e riscos sociais prévios. A família termina sendo responsabilizada por sua situação que é interpretada como disfuncional. O avanço legal não foi capaz de substituir a metodologia coercitiva por uma metodologia mobilizadora e educativa, sendo o direito à vida limi-

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tado pelo cumprimento de condicionalidades, instituindo um híbrido de proteção

Outro aspecto a ser considerado é que, mesmo que as condicionalidades estejam afetas e se constituam responsabilidades dos três níveis de governo, é sobre o município que recai a maior parte da oferta de serviços, da sua gestão e acompanhamento. Sabemos da fragilidade da oferta de serviços de educação e de saúde por parte da grande maioria dos municípios brasileiros, não sendo os municípios responsabilizados por essa deficiência. Ademais, os custos administrativos e financeiros que o controle acarreta, mesmo não se tendo clareza de quanto se gasta e o que se ganha com esse controle, expressam muito mais uma questão política e juízo de valor: “o Estado tem que cobrar a conta para não incentivar a preguiça e a acomodação”. Esse é o argumento conservador que perpassa segmentos da sociedade, com grande suporte da mídia. Alguns autores apontaram obstáculos ao cumprimento das condicionalidades. No caso da saúde, acabam propiciando apenas o acesso à atenção primária materno-infantil (FONSECA, 2006) e no caso da educação, o foco é a frequência escolar sem maiores considerações sobre a qualidade do ensino. A dimensão qualitativa dos serviços de saúde e educação não é considerada no processo de acompanhamento das condicionalidades. Não se leva quase sempre em conta a fragilidade institucional e gerencial dos municípios brasileiros; dificuldades de se relacionarem com os diversos setores e esferas de governo; de baixa capacidade de oferta de serviços, principalmente de educação e saúde (ARRETCH, 2000), de saneamento básico e de habitação (LAVINAS, 2006), o que é agravado com a precariedade dos mecanismos de controle social (SILVA, 2010-d). A transferência monetária direta ao beneficiário é responsabilidade da esfera federal, enquanto as condicionalidades são descentralizadas nos municípios, cabendo a estes o oferecimento dos serviços e o seu acompanhamento e controle (SILVA, 2010-a). A disponibilização e informações sobre serviços e a desarticulação do BF com as duas políticas estruturantes - educação e saúde - são frequentemente apontadas como obstáculos fundamentais ao cumprimento das condicionalidades. Es-

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social e controle coercitivo (SILVA, 2010-a).

ses aspectos constituem responsabilidade do Estado. Como diz (CACCIAMALI; TATEI; BATISTA, 2010), a curto prazo, as condicionalidades do BF são eficientes para criação de externalidades positivas, contudo demandam a conjugação com ações complementares de melhoria da oferta de serviços escolares e saúde e de políticas de geração de emprego, renda e capacitação para os pais (CACCIAMALI; TATEI; BATISTA, 2010). Portanto, não se pode correr o equívoco de “sobreculpar” famílias por não atenderem determinadas condicionalidades, sem considerar as condições objetivas de que dispõem para “efetivá-las” (SPOSATI, 2008, apud MOURA, 2009). A dificuldade de realizar articulação com as três esferas de governo e entre o conjunto das políticas sociais e destas com um modelo econômico distributivo é limite estrutural dos programas de transferência de renda (SPOSATI, 2008, apud MOURA, 2009 p. 15), o que significa dificuldade de articulação com a rede local de serviços, já precária, para acesso da população à infraestrutura, a serviços sociais básicos, à política de trabalho e renda.


Por conseguinte, o problema não é o desconhecimento das famílias sobre os deveres para continuar no Programa, expressas em forma de condicionalidades. No que se refere aos serviços de saúde, as queixas principais são a ausência de postos de saúde no bairro; falta de vacina; balança quebrada; ausência do profissional no posto; falta de recursos financeiros das famílias para se locomoverem; demora no atendimento. Na educação o problema não é o acesso à escola, mas certamente é a baixa qualidade do ensino. Ou seja, os municípios não estão suficientemente estruturados para propiciar o cumprimento das condicionalidades exigidas pelo BF (SIQUEIRA, 2008).

APRESENTANDO E PROBLEMATIZANDO O ÍNDICE DE GESTÃO DESCENTRALIZADA (IGD) O IGD foi instituído por meio da Portaria GM/MDS nº 148/06, de 27 de abril de 2006 e serve para verificar a qualidade da gestão municipal do Programa BF e do CADÚNICO (Cadastro Único), além de refletir os compromissos assumidos pelos municípios no Termo de Adesão ao BF, conforme Portaria GM/MDS n° 246/05. É utilizado para o cálculo dos recursos financeiros repassados mensalmente pelo MDS aos Estados e Municípios para apoiar a gestão descentralizada do PBF10. O IGD foi regulamentado pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, expresso por um número indicador que varia de 0 a 1, refletindo a qualidade da gestão do PBF no município e servindo de base para repasse de recursos do MDS para que os municípios façam a gestão do Programa, de modo que quanto maior o valor do IGD, maior será o valor do recurso transferido para o município que refletirá no recebimento do aporte de recursos pelo estado. Assim, o MDS objetiva incentivar o aprimoramento da qualidade da gestão do PBF em âmbito local e contribuir para que os municípios e Estados implementem as ações que estão sob sua responsabilidade. Portanto, o IGD tem como proposta medir a qualidade da gestão municipal do PBF e do Cadastro Único, constituindo-se, também numa forma de controle sobre o cumprimento das condicionalidades do Programa no âmbito da educação, saúde e assistência social. É qualificado pela geração de informações que, por um lado, permitem a aplicação da dimensão punitiva das condicionalidades sobre os beneficiários do PBF, que vai da advertência ao desligamento das famílias do Programa. Por outro lado, o estímulo para o melhor controle das condicionalidades é a transferência de recursos financeiros a Estados e municípios que, sem dúvida, tem contribuído para a melhoria da gestão da implementação do PBF, aliás, esse é um aspecto que foi destacado na pesquisa de campo por todos os sujeitos envolvidos com o PBF nos municípios. Os recursos repassados pelo MDS são transferidos do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) aos Fundos Estaduais de Assistência Social (FEAS) e aos Fundos 10

Embora, na sua configuração, o IGD se desdobre em Índice estadual (IGD-E) e em Índice Municipal

(IGD-M), a pesquisa desenvolvida foi centrada no IGD-M. Convém ressaltar apenas que os estados recebem apoio financeiro do IGD-E desde 2008, quando da adesão dos estados ao BF e ao Cadastro Único, conforme estabelecido pela Portaria MDS n° 76, de 07 de março de 2008, para exercerem as atividades de apoio aos municípios de sua jurisdição e monitoramento dos mesmos no processo de cadastramento e atualização do Cadastro Único, além do acompanhamento das condicionalidades.

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Municipais de Assistência Social (FMAS) de forma regular e automática, na modadas atividades vinculadas à gestão do PBF e do CADÚNICO. Como já mencionado, não resta dúvida que a transferência de recursos financeiros pelo MDS aos Estados e municípios para a gestão local do PBF é um encaminhamento importante, considerando as condições precárias da grande maioria dos municípios brasileiros que antes do IGD arcavam com todas as despesas para gerir o Programa. Todavia, convém registrar-se que o cofinanciamento das ações desenvolvidas no âmbito da gestão do PBF é praticamente nulo por parte dos Estados e municípios. Gestores, técnicos e membros de conselhos de controle social, com quem temos tido oportunidade de contatar no desenvolvimento de pesquisas empíricas, expressam, com muita contundência, a importância da melhoria das condições de trabalho conseguidas com os recursos do IGD, como compra de carros, de equipamentos, melhoria de espaços físicos, realização de atividades complementares, melhor acompanhamento das famílias, entre outros. Admitindo um novo patamar na gestão municipal do PBF. Todavia, o que questionamos não é a importância da transferência de recursos financeiros para os Estados e municípios gerirem melhor o PBF na perspectiva de sua gestão descentralizada. O que problematizamos é a adoção do IGD para o repasse desses recursos, pelas seguintes razões: O IGD é, essencialmente, um mecanismo gerador de informações que, objetivamente, são também aplicadas como fundamento para punição das famílias beneficiárias que “falham” no cumprimento das condicionalidades a elas demandadas pelo PBF. Ou seja, terminam secundarizando a dimensão educativa que deveria fazer das condicionalidades, não imposições, mas recomendações às famílias, com apoio do Estado, mediante a garantia de serviços de saúde e de educação de boa qualidade e suficientes para atender à população; A complexidade, os custos e o tempo dedicado para acompanhamento das condicionalidades, permitindo a formulação do IGD, parecem não compensar seus resultados, não se atendo no dimensionamento da qualidade dos serviços oferecidos nem na identificação da insuficiência quantitativa dos serviços, de modo que venham a criar condições para sua ampliação e melhoria.

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lidade fundo a fundo e depositados em contas especificas destinadas à execução

Além de não ser considerada a dimensão qualitativa dos serviços de saúde e educação, a geração dos dados para constituir os índices do IGD não é submetida a uma revisão consistente de validade, podendo acarretar inconsistência, prejudicando sua confiabilidade (MACEDO; SANTOS, 2008). Por conseguinte, a questão que se coloca é a real contribuição do IGD para qualificar e dimensionar o impacto do cumprimento das condicionalidades na superação intergeracional da pobreza. Mesmo o acompanhamento das famílias que apresentam infrequência na educação, saúde e nas atividades do PETI deixa muito a desejar, por falta de pessoal e condições para realização de ações educativas e complementares capazes de gerar impactos significativos nas condições de vida dessas famílias.Em resumo, a problematização sobre o IGD remete, necessariamente, para as reflexões que foram consideradas acima em relação às condicionalidades, cujas questões centrais são: Qual o incremento da efetividade alcançada pelo PBF com


o acompanhamento das condicionalidades para a superação da pobreza das famílias beneficiárias? O tempo e os custos requeridos para o acompanhamento das condicionalidades para gerar o IGD se justificam? Consideramos que não basta acesso a serviços de saúde e educação. O mais importante é o compromisso do Estado na provisão dos serviços de boa qualidade para todos e o desenvolvimento de ações informativas e educativas para que esses serviços sejam utilizados pelos usuários ou não do PBF.

5 ILUSTRANDO A REALIDADE COM RESULTADOS DA PESQUISA DE CAMPO 11

O processo de gestão do IGD e das condicionalides do PBF expressa um movimento contraditório: esforços coletivos para aperfeiçoamento da gestão do PBF vesus dificuldades estruturais - persistência das práticas assistencialistas junto às famílias, disputas políticas, mandonismos locais e dos municípios - estrutura deficiente da maioria dos municípios, equipe de trabalho insuficiente, instável e com problemas de capacitação, improvisação e desarticulação na estruturação das ações. Partindo dessa referência, a pesquisa de campo realizada em treze municípios no Estado do Maranhão permitiu a indicação de alguns aspectos importantes que são, a seguir, destacados.

a) Acompanhamento da Condicionalidade da Saúde A pesquisa de campo evidenciou que a Saúde é a área menos estruturada dentre as que realizam o acompanhamento dos beneficiários do PBF nos municípios que compuseram a amostra, sendo destacadas precárias condições de infraestrutura para a realização do controle das contrapartidas exigidas das famílias (precariedade de espaço físico e inexistência ou insuficiência de equipamentos, recursos materiais, humanos e financeiros). Ademais, foi indicado o não reconhecimento e não incorporação dessa atividade como parte da dinâmica de prestação rotineira dos serviços de saúde. Nesse aspecto, as situações mais críticas são aquelas de municípios nos quais nem sequer existem responsáveis da área da saúde para coordenar o processo ou, quando existem, têm pouco ou nenhum domínio sobre a dinâmica de acompanhamento das condicionalidades ou têm uma visão desse acompanhamento centralizada unicamente na gestão de sua área específica ou tão somente no manuseio do sistema informacional. Isso tem contribuído para improvisação das ações de acompanhamento das famílias e, consequentemente, para o rebaixamento do IGD em todos os municípios da pesquisa. Os beneficiários revelaram que, muitas vezes, não conseguem ter acesso aos serviços por falta de médicos e outros profissionais, carência de material e de equipamentos nas unidades de saúde:

11

É importante esclarecer que o limite de páginas indicado para apresentação do artigo, impediu o

uso mais frequente de depoimentos dos informantes da pesquisa de campo de modo que permitisse ilustrar mais os resultados apresentados. O mesmo limite levou-nos a utilizar o espaço da conclusão para destacar aspectos gerais e aqueles que consideramos mais relevantes nos resultados do estudo dos 13 municípios.

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Nesse aspecto, como estratégia para não perder o benefício, alguns beneficiários recorrem aos serviços de outros bairros, mas que também têm problemas, o que para eles representa a existência de mecanismos que “obrigam” as famílias a cumprirem sua parte no “acordo” entre elas e o poder público, sem que existam formas de assegurar o compromisso do poder público nesse mesmo “acordo”, ou seja, cobra-se dos beneficiários o cumprimento das condicionalidades sem que o próprio município consiga efetivar o direito à saúde. Nos municípios maranhenses que fizeram parte da pesquisa, incluindo São Luís, que é a capital do Estado, o acompanhamento da agenda de Saúde é desenvolvido sem integração com as demais áreas. Os municípios atuam com pessoal restrito, funcionando em salas improvisadas e inadequadas, muitas vezes sem dispor de materiais e equipamentos suficientes para o desenvolvimento do trabalho. Ademais, o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades por parte das famílias não tem servido como instrumento capaz de (re)orientar as Políticas Públicas, pois os dados coletados não são utilizados como subsídios em outras iniciativas, como por exemplo, naquelas relacionadas à Atenção Básica ou no trabalho desenvolvido pelos agentes de saúde. Nesse aspecto, o acompanhamento das condicionalidades parece se constituir muito mais numa estratégia de controle dos beneficiários (que sofrem diversas punições) do que de garantia de direitos sociais, por meio do acesso aos serviços básicos. Acrescentam-se a esses aspectos, dificuldades em localizar os beneficiários, em razão de constantes mudanças de endereço das famílias sem a devida comunicação à Secretaria de Assistência Social ou à coordenação do PBF; por erros no Mapa de Acompanhamento enviado pelo MDS e por dificuldades relacionadas a problemas na base de dados. No que se refere aos impactos da condicionalidade de Saúde, os entrevistados destacaram pouca contribuição para seu próprio bem-estar, não ocorrendo o registro de modificações significativas, que possam ser consideradas efetivas e

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“a gente vai para o hospital, mas não tem médico ou tem muita fila”.

duradouras nas suas vidas, representando, quando muito, um cumprimento forçado pelas instâncias envolvidas no acompanhamento, motivado pelo medo das famílias perder o benefício. Todavia, foi registrado na pesquisa o relato de “que as mães já procuram os agentes de saúde, às vezes, para anotar o peso ou a vacina”, sem atribuir essa mudança ao medo de as famílias perderem o benefício, sendo considerado também possível ver mudanças na forma de as famílias lidarem com sua saúde, destacando maior conscientização acerca do aleitamento materno e da vacinação, expressando-se também na realização, cada vez mais frequente, do pré-natal, o que é creditado ao trabalho educativo realizado com as comunidades nos postos de Saúde da Família.

b) Acompanhamento da Condicionalidade da Educação Nos municípios visitados, a área da Educação pareceu mais estruturada do que a da Saúde para realizar o processo de acompanhamento do cumprimento das condici-


nalidades do PBF. O espaço físico e condições materiais pareceram mais favoráveis, pois não foram reclamadas pelos coordenadores da área. Desse modo, o controle da frequência escolar apresenta bons indicadores de acompanhamento. Essa situação é favorecida com o Projeto Presença e porque o controle da frequência escolar é feito mediante impressão de formulários, que são enviados e recebidos preenchidos das escolas, ficando a resolução dos problemas de infrequência mais sob a responsabilidade da diretoria das escolas. Todavia, alguns gestores municipais do PBF na Educação parecem ter uma concepção mais ampla de acompanhamento, não ficando restrito ao controle da frequência escolar, não se reduzindo a alimentar o sistema, nem mesmo só fornecer informações com qualidade, pois

“não basta gerar dados, a gente precisa fazer alguma coisa por essas crianças que estão em situação de infrequência, que estão em situação de evasão, que estão geralmente com problemas, como alcoolismo dos pais, que são situações que levam as crianças a faltar à escola”. Há ainda a atribuição da responsabilidade do cumprimento da condicionalidade apenas aos beneficiários, na medida em que alguns gestores entendem que o não alcance do percentual mínimo de frequência escolar se deve à falta de clareza das famílias quanto aos benefícios de manter os filhos na escola e que, consequentemente, basta esclarecê-las sobre a importância de mantê-los nesse espaço para que o Programa obtenha o sucesso esperado. Os entrevistados apontaram como principais impactos gerados em razão da exigência da condicionalidade no campo educacional: aumento na frequência e a diminuição da evasão escolar. A diminuição da evasão e aumento da frequência escolar entre os alunos beneficiários do Programa é vista como resultado da preocupação de algumas famílias com o futuro dos seus filhos, mas, ao mesmo tempo, consideram que o estímulo dado pelos pais para os alunos irem de forma assídua à escola e estudar de forma séria, teria como pano de fundo o desejo de obter ou não perder o recurso: “é o medo de perder o benefício que tem acabado por manter os alunos na escola”. Assim sendo, a questão da qualidade do ensino e das condições de funcionamento da rede escolar também não aparecem no debate como componente do direito à educação, ficando a reflexão restrita à ideia de que basta incluir o aluno no sistema e de que se a criança ou jovem não estuda é por responsabilidade dele ou dos seus pais.

c) Acompanhamento da Condicionalidade da Assistência Social A condicionalidade da Assistência Social é restrita ao cadastramento, validação e atualização dos cadastros, não sendo considerada como condicionalidade a participação das famílias nas ações educativas realizadas nos CRAS, nem a frequência nas atividades do PETI, o que, segundo entrevistados “desvaloriza o trabalho educativo realizado pelos CRAS”. Nesse aspecto, foi muito destacado o caráter de quase não condicionalidade atribuído ao acompanhamento desenvolvido pela Assistência Social por não implicar em penalidades, sendo a gestão da própria Assistência colocada como dependente do desempenho das demais condicionalidades.

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Cabe aos técnicos dos CRAS realizar trabalho de acompanhamento familiar no outras políticas setoriais com o objetivo de contribuir para a superação das vulnerabilidades sociais que impedem ou dificultam o cumprimento dos compromissos previstos pelo Programa, por parte das famílias. Reuniões e palestras de esclarecimento se constituem nas estratégias de acompanhamento mais utilizadas pelos municípios. Torna-se importante dar destaque ao fato de que, independentemente de o município reunir ou mão boas condições de funcionamento, os técnicos, em geral, apontam dificuldades para realizar satisfatoriamente o acompanhamento das famílias, sobretudo em razão do número limitado de profissionais para realizar esse trabalho. Em relação aos possíveis impactos do acompanhamento das famílias, foi indicado o ingresso de número expressivo de participantes do PróJovem na Universidade via PROUNI e no mercado de trabalho, além de significativa redução do número de crianças e adolescente na rua ou no trabalho infantil.

d) Referente ao Índice de Gestão Descentralizada (IGD) Na pesquisa de campo foi verificado que nenhum município tem conseguido atingir um índice sintético integral de 100% para permitir o recebimento integral dos recursos que lhes são atribuídos pelo MDS. Vários são os fatores apontados pelos entrevistados como determinantes do não alcance de índice integral no IGD pelos municípios. Como ficou claro, o resultado insatisfatório decorre predominantemente das menores taxas de acompanhamento das condicionalidades, com destaque para os piores resultados do monitoramento da Saúde. Além das falhas na coleta das informações exigida pelo acompanhamento da agenda de Saúde das famílias beneficiárias, a maioria dos municípios, senão a totalidade, atribui os resultados negativos prioritariamente à alimentação dos dados por causa, tanto do próprio sistema utilizado pelo MDS, como da internet disponível cujo acesso é precário e de má qualidade, ou seja, instável e lento.

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âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que deve ser articulado a

O atraso no repasse dos recursos do IGD pelo MDS foi outro problema apontado por vários municípios para explicar os resultados encontrados. Mesmo que os municípios busquem soluções provisórias para não paralisar as atividades do Programa (adiantamento de recursos e depois ressarcimento das despesas pelas prefeituras), para eles o atraso reclamado compromete a fluência do trabalho de acompanhamento das condicionalidades e mesmo a manutenção de um trabalho sistemático com as famílias mais vulneráveis, além de desmotivar as equipes de trabalho. Isso pode indicar que os repasses do MDS se constituem não apenas em subsídios de recursos para fazer face aos custos administrativos dos municípios, mas numa fonte essencial de recursos sem a qual a continuidade das ações ficaria comprometida. Em que pese esse problema, os recursos do IGD são utilizados corretamente na gestão do BF, ajudando na melhoria do ambiente de trabalho, com aquisição de mobílias (mesas, cadeiras e estantes) e aparelhos de ar condicionado; na melhoria das condições de trabalho propriamente ditas: compra e aluguel de carros e mo-


tos, compra de combustível, aquisição de materiais didáticos e outros materiais permanentes e de consumo para realização das atividades com as famílias, além de conserto e compra de computadores, impressoras e outros equipamentos e materiais necessários ao registro e repasse das informações nos sistemas, bem como pagamento de internet e compra de modem para melhorar o acesso. Os recursos ainda são usados para treinamento e capacitação de pessoal técnico e administrativo do Programa, para pagamento de diárias e de gratificações para os técnicos do Programa e operadores dos diferentes sistemas de informação, estas últimas como forma de complementação salarial, contratação e pagamento de técnicos e de palestrantes e professores para os cursos. Em âmbito estadual, a coordenadora da condicionalidade da Assistência Social declarou que aplica os recursos em atividades que visam melhoria dos indicadores do IGD dos municípios e do atendimento às famílias, como capacitações dos gestores e de técnicos responsáveis pelo PBF e CADÚNICO, Seminário Intersetorial que agregou as Políticas de Educação, Saúde, Assistência, Segurança Alimentar e o Controle Social, Encontro Estadual da Frequência Escolar, monitoramento e assessoramento às 18 Unidades Regionais de Educação, existentes no Maranhão, no que diz respeito à frequência escolar bem como monitoramento e assessoramento para atualização cadastral de 70 municípios com mais baixos índices de cadastros atualizados, além da aquisição de equipamento de informática para a Supervisão de Transferência de Renda/Proteção Básica. Na verdade, cada município procura encontrar, por si próprio, as estratégias e as regras para gerir o recurso. Mas no caso dos municípios maranhenses participantes da pesquisa, essa gestão, em geral, encontra-se ou centralizada nas mãos dos prefeitos ou dos secretários de Assistência Social, passando muitas vezes ao largo da possibilidade de interferência dos gestores das condicionalidades e até do coordenador do PBF no município, além do próprio Conselho que deve participar da elaboração do planejamento e do orçamento e aprovar a prestação de contas referentes a esses recursos. Essa centralização na aplicação dos recursos do IGD cria obstáculo ao trabalho, visto que, na maior parte dos casos, somente os projetos que o prefeito aprova ou considera relevantes são realizados, o que pode levar a um uso político desse recurso e gerar procedimentos burocráticos que resultem em demora na realização das ações, ou até inviabilizar parte destas. É informação relevante a que mostra que poucos são os municípios que se referiram explicitamente ao Conselho como instância de planejamento, acompanhamento e fiscalização, sobretudo no seu papel de aprovar a prestação de contas dos recursos do IGD. Ademais, verificou-se em alguns municípios disputa dos recursos do IGD: sua aplicação fica sob a responsabilidade do gestor da Política de Assistência Social, em geral, o Secretário, mas existem esforços, em alguns municípios para democratizar as decisões sobre a destinação desses recursos, e sua partilha entre as três Políticas. Todavia, nos municípios maranhenses, a situação mais generalizada é a concentração do gasto desses recursos nas ações específicas da Assistência Social, sobretudo, em cursos e capacitações visando geração de trabalho e renda. Isso porque, como se viu, não existem mecanismos ou instâncias de deliberação conjunta, evidenciando dificuldades dos gestores se pensarem num trabalho de fato conjunto ou até mesmo articulado. Na verdade, os recursos são

77 O BOLSA FAMÍLIA (PBF) NO CONTEXTO DA PROTEÇÃO SOCIAL: significado e realidade das condicionalidades e do Índice de Gestão Descentralizada (IGD) no Estado do Maranhão


vistos unicamente como da Assistência Social, que poderá ou não repassá-los para

O que acontece em âmbito municipal se repete na instância estadual: os recursos do IGD recebidos são administrados de forma centralizada na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social que repassa determinados valores para as demais secretarias, a seu próprio critério. Apesar de nenhum município da amostra receber o teto dos recursos do IGD, todos ressaltaram sua importância para o aperfeiçoamento da gestão e do desenvolvimento de atividades educativas e complementares, melhorando a infraestrutura com equipamentos, a realização de ações itinerantes, visitas domiciliares, cursos de geração de renda, treinamentos de técnicos, além de garantir melhor atendimento aos beneficiários do PBF. Convém, todavia, ressaltar que a quase totalidade dos sujeitos que participaram da pesquisa demonstrou desconhecer a existência do IGD, limitando-se esse conhecimento praticamente aos gestores (principalmente da Assistência Social). Em relação a críticas e sugestões ao IGD, o principal destaque foi atribuído ao atraso no repasse dos recursos pelo MDS aos municípios, além de considerados baixos e insuficientes para a gestão do Programa nos municípios. A complexidade da prestação de contas do recurso, gerando incertezas nas formas legais de sua utilização, também é criticada por um município. Em relação à utilização dos recursos, a coordenadora estadual da Assistência Social percebe que existe pouca autonomia dos gestores municipais do PBF no planejamento e no acompanhamento dos gastos dos recursos do IGD. A inexistência de contrapartida do gestor municipal que possa potencializar os recursos do IGD é outra crítica levantada, mesmo que apenas por um município. Nesse sentido, os recursos do IGD deveriam ser ampliados para permitir o aperfeiçoamento e a ampliação do Programa, com o envolvimento de um número maior de famílias nos projetos de inclusão produtiva e os repasses deveriam ter regularidade e pontualidade para permitir a continuidade das ações e manter a motivação das equipes.

Transferência de Renda

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as demais áreas, considerando critérios próprios.

CONCLUSÃO No estudo desenvolvido em treze municípios do Estado do Maranhão alguns aspectos merecem destaque nessa conclusão. Verificamos que a maioria dos beneficiários demonstrou timidez e insegurança para se pronunciar, expor ideias, prestar informações, destacando, sobretudo, o caráter punitivo das condicionalidades e desconhecendo o que seja o IGD. Sobressaiu-se, também, a quase total ausência de informações dos conselheiros sobre a implementação do PBF, sobre o acompanhamento de condicionalidades e a maioria desconheciam também a existência do IGD. A deficiência da estrutura dos prédios dos CRAS merece destaque: a maioria carece de adequação, enquanto órgão público, para prestar serviços de qualidade à


população usuária, majoritariamente funcionando em prédios alugados, limitando a continuidade e adensamento do trabalho realizado junto às famílias. Acresce-se a esse aspecto os limites impostos em decorrência da baixa qualificação e da rotatividade dos trabalhadores do SUAS pela insuficiência/ausência de concurso público, entrave para a realização e continuidade do trabalho com as famílias: acompanhamento das condicionalidades e realização de ações educativas e complementares. Verificamos que são limitadas as estratégias desenvolvidas pelos municípios visando proporcionar a autonomia das famílias, praticamente restritas a cursos tradicionais de “prendas domésticas” que, no limite, podem assegurar um patamar mínimo de renda, na maioria, sem acompanhamento das ações de qualificação/ capacitação dos egressos para verificação de melhorias ou não das condições de vida dos beneficiários após participação nessas atividades. Nesse aspecto, foi destacado que o esforço de realização dos cursos também não é precedido de estudo das tendências do mercado de trabalho. Considerada a autonominação das famílias aspecto relevante no âmbito do PBF, além dos cursos de capacitação, outras iniciativas foram destacadas, como organização de hortas e organizações de cooperativas. Entre as dificuldades para realizar os cursos e as demais atividades, foram destacadas aquelas referentes às condições estruturais de funcionamento da Política de Assistência Social, inclusive limitações financeiras e de recursos materiais e humanos, e a pouca capacidade de os municípios maranhenses integrar um conjunto de Políticas Públicas em torno de uma política de desenvolvimento com ênfase numa Política de Trabalho que tenha condições de ampliar o mercado de trabalho e garantir o emprego para a maioria dos trabalhadores de forma a favorecer a superação da pobreza de modo sustentável. Ademais, as iniciativas oferecidas têm pouca amplitude, atingindo somente um número reduzido de famílias. Foi acrescido o fato de que os CRAS passam a ser vistos como uma espécie de locus de qualificação profissional, em detrimento de uma política mais ampla de desenvolvimento. Apesar das críticas, tanto beneficiários quanto técnicos consideram positiva a relação entre benefício e condicionalidade, ou seja, concordam com as contrapartidas exigidas pelo Programa, pois impedem que “as famílias se acomodem e não façam o que deve ser feito”, embora se constituam muito mais num preço a pagar pelo recebimento do benefício, do que o acesso a serviços que contribuam para melhoria na sua condição de vida, pois os serviços não são prestados com a regularidade nem com qualidade. Nessa mesma direção, os gestores e técnicos consideram que se o Programa deixasse de “punir” os beneficiários não cumpririam as exigências porque não as percebem como um bem em si. Portanto, não haveria mudança na sua forma tradicional de pensar e agir, mesmo que possa ter aumentado o nível de procura pelos serviços de saúde. Essa visão reforça a concepção conservadora das condicionalidades apontada anteriormente. É relevante, porém, destacar que foi considerado que as repercussões observadas sobre o poder público são decorrentes, algumas vezes, da pressão das famílias que têm que responder às exigências feitas pelo próprio Estado, de modo que o município cobra o cumprimento de condicionalidades pelas famílias, e estas pas-

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sam a cobrar dele que coloque os serviços à sua disposição para poder cumprir as

Apesar das limitações apontadas, verificou-se, no geral, que os beneficiários, em sua maioria, parecem estar cumprindo as condicionalidades postas pelo PBF, mesmo que por medo de perder o benefício, embora percebam que há distância entre o que é posto pelas condicionalidades e as reais condições de acesso aos serviços de saúde, educação e assistência social nos municípios, por falta de investimento local em expansões e melhorias dos serviços. Outro aspecto significativo foi a identificação de desarticulação entre as instituições gestoras das condicionalidades (Assistência Social, Saúde e Educação), produzindo “ativismo” dissociado de uma compreensão acerca dos significados desses elementos da gestão do Programa. Destaque também foi atribuído à inexistência de contrapartida financeira dos municípios e do Estado para desenvolvimento da gestão do PBF. Podemos, a partir do estudo desenvolvido, considerar que as denominadas condicionalidades representam campo de tensão enquanto dimensão central do PBF. Entendidas como contrapartidas ou compromissos das famílias e do Estado, vêm levantando questões polêmicas, ora consensuais, antagônicas ou divergentes. Chega a serem consideradas direito, negação de direito ou imposição moralista conservadora. Essa cultura conservadora é reproduzida na sociedade pela manifestação de que os programas de transferência de renda criam dependência, desestimulam o trabalho e as famílias beneficiárias que precisam ser educadas pelo cumprimento de condicionalidades. Quanto ao IGD, o estudo revelou tratar-se de um mecanismo importante para melhoria da gestão do PBF, considerando as condições precárias da grande maioria dos municípios brasileiros, inaugurando um novo patamar na gestão municipal do PBF. Todavia, nossa problematização central é sobre a falta de clareza quanto a contribuição do IGD para a melhoria das condições de vida das famílias beneficiárias, visto que sua formulação incide tão somente sobre o cumprimento das exigências que são colocadas às famílias beneficiárias, não se atendo a verificação da qualidade dos serviços oferecidos nem à sua insuficiência quantitativa.

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condicionalidades que são exigidas.

As reflexões desenvolvidas permitem a indicação de alguns desafios para o futuro do PBF, tais como: considerar o risco de redução desses programas a uma mera funcionalidade compensatória ou de distribuição de renda insuficiente e incapaz de reverter o quadro social de pobreza e indigência da sociedade brasileira; garantir a sustentabilidade dos programas enquanto política de Estado e não de governo; articular os programas federais com iniciativas estaduais e municipais; melhorar o acesso e qualidade das políticas de educação, saúde, trabalho e renda. Finalmente, há que se destacar, que, apesar de todos os limites dos programas de transferência de renda, apresentados e problematizados no texto, a contribuição de programas, como o PBF, é de significativa relevância para as famílias e as pessoas beneficiadas, por constituírem possibilidades concretas de melhoria de condições imediatas de vida de grande parte da população que, muitas vezes, não dispõe de qualquer renda.


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Transferência de renda

avaliação de políticas públicas: ReFleXÕes acadêmicas sobRe o desenvolvimento social e o combate à Fome

a centRalidade do cadastRo único na pRoteção social bRasileiRa

Renato veloso universidade Estadual do Rio de Janeiro - uERJ


Introdução As políticas públicas vêm incorporando recursos das tecnologias da informação e comunicação1 (TIC) em quantidades expressivas, ocasionando uma crescente informatização nos seus processos de gestão. Este processo de conjugação das tecnologias e da gestão das políticas vem sendo acompanhado por estudos e investigações que descortinam seu caráter político e estratégico, enfatizando os impactos e as novas e crescentes demandas gerados no seu âmbito. O Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) consiste numa das expressões desse processo de introdução das TIC nos processos de gestão de políticas sociais e, devido à sua centralidade para a integração e gestão destes programas, pode ocasionar significativas alterações na condução da política de assistência social. Trata-se de um potencial estratégico que precisa ser desvelado e apropriado pelos profissionais que lidam cotidianamente com este importante recurso. A gestão das políticas sociais na atualidade envolve uma série de desafios, e dentre eles encontra-se a questão do tratamento de grandes volumes de informações produzidas pelo próprio desenvolvimento e aprimoramento das ações e programas constitutintes de tais políticas. O enfrentamento desta questão vem, cada vez mais, apontando a importância do uso de ferramentas tecnológicas na organização, sistematização e análise do grande volume de dados e informações disponíveis, tornando-se necessária aos processos de gestão de políticas a introdução de tecnologias capazes de integrar dados e informações sociais produzidos ao longo da sua condução e do seu processamento. Inúmeros gestores têm se deparado com a recorrente demanda de tratar as informações geradas pelas políticas, criando, com isso, as condições para a estruturação de uma série de atividades de gestão que deem apoio e atendam às diversas demandas por informações estratégicas. Desta forma, o uso de instrumentos e ferramentas de gestão da informação vem se intensificando, auxiliando o acompanhamento das ações e programas sociais, a avaliação e o monitoramento das políticas, e a produção de informações estratégicas que subsidiem a tomada de decisões. As demandas postas à gestão de políticas sociais na atualidade tornam imprescindível o uso de ferramentas tecnológicas que abarquem o grande volume e escala das operações necessárias para realizar e aprimorar o seu desempenho. Neste contexto, a informação ganha centralidade e a sua gestão aparece como importante fator na condução das políticas sociais, permitindo, fundamentalmente: favorecer a instalação de uma nova cultura de gestão; atender necessidades de informação estratégica para gestores nos diferentes níveis; proporcionar acesso rápido às informações de todos os programas e ações sociais para os quais se tenha dados disponíveis; constituir-se como um instrumento fundamental para o planejamento estratégico das ações, programas e projetos. A gestão da informação situa-se no contexto de incremento técnico e institucional das políticas públicas, expresso na crescente incorporação das novas tecnologias 1

Para um aprofundamento sobre as novas tecnologias da informação e comunicação e o seu

potencial estratégico, Veloso (2011).

85 A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA


de informação e comunicação aos seus processos de gestão. Constata-se o cresa tecnologia, e com isso, a gestão da informação torna-se condição necessária, e não acessória, aos processos de gestão das políticas sociais. Assim, com base no processamento de dados provenientes de múltiplas fontes, a partir de um conjunto de instrumentos e ferramentas tecnológicas de significativa complexidade, é possível produzir e distribuir informação relevante, consistente e estratégica para as necessidades da gestão, gerando processos e produtos que proporcionem alterações qualitativas nos modelos e nos resultados obtidos pelas políticas. De acordo com Tapajós (2009), a gestão da informação compõe a associação entre a gestão estratégica da política e as tecnologias de informação, permitindo a obtenção e seleção de informação relevante para a instituição de processos, agilização de procedimentos, dinamização de fluxos, tomada de decisões e controle público e social dos diversos momentos e dimensões que constituem a política. Para a autora:

“A informação e sua gestão, por meio de ferramentas tecnológicas, são concebidas como mediação lógica e indispensável na ação decisória e, portanto, estratégica no contexto da política. Reconhecem-se, assim, as novas e amplas possibilidades de conjugação da Tecnologia da Informação com o campo da gestão pública. (...) Hoje podemos observar um fantástico potencial de programas e sistemas que sustentam o desenvolvimento dessas políticas de seguridade social, comprovando que é um paradigma de gestão em plena assimilação no campo da proteção social; e cada vez mais assumido como componente estratégico para o funcionamento dessas organizações”. (TAPAJÓS, 2009, p. 306-7) A informação configura-se como um importante componente do processo de gestão e controle social das políticas. Sua geração e disseminação têm como um de seus suportes fundamentais o uso das novas tecnologias da informação e comunicação, que, se adequadamente utilizadas, podem proporcionar significativas

Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

cimento cada vez mais acentuado de uma associação entre a política pública e

alterações nos níveis de efetivação dos direitos sociais, favorecendo a identificação de novas competências e habilidades fundamentais para que os processos de gestão possam, ao atingir seus objetivos, contribuir para o enfrentamento dos desafios presentes na intervenção competente e qualificada junto às expressões da questão social. A conjugação entre as tecnologias da informação e comunicação e as políticas sociais pode proporcionar um conjunto de alterações significativas nos processos de gestão pública. Em outras palavras, “a busca e formulação da cidadania são também fomentadas por ferramentas tecnológicas e informacionais que facultem o melhor acontecimento do direito”, o que leva à consideração de que a “operação da política pode ser positivamente impactada por melhores práticas de modernização facultadas pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação” (TAPAJÓS, 2006, p.179).


A apropriação das novas tecnologias da informação e comunicação vem adicionar novas possibilidades para a condução dos processos de gestão de políticas públicas, podendo, como mediação que é, produzir mudanças qualitativas na condução de processos de trabalho, ampliando competências e habilidades necessárias à gestão pública. Trata-se de um potencial estratégico que deve ser utilizado prioritariamente no atendimento às demandas dos usuários das políticas públicas e dos segmentos populares, no sentido de viabilizar um avanço na luta pela defesa de direitos, pela ampliação e consolidação da cidadania. Assim, a utilização crítica e consistente das TIC pode provocar alterações no desempenho de diversas atribuições e competências relacionadas ao atendimento direto a usuários e usuárias, formulação, avaliação e controle social. Destaca-se, neste sentido, a relevância da apropriação das tecnologias da informação e comunicação ao campo das políticas públicas, ressaltando o seu potencial para o aprimoramento e sofisticação de sua gestão, numa perspectiva de luta pela construção de novos usos sociais da tecnologia, voltados à satisfação das necessidades sociais do conjunto da população. Pretende-se apresentar alguns comentários e considerações introdutórias sobre o potencial do Cadastro Único (tomado como uma das expressões da conjugação entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comunicação), ressaltando os desafios e perspectivas postos à sua consolidação, a partir de resultados preliminares produzidos pelo projeto de pesquisa Cadastro Único: o potencial da tecnologia da informação para o acesso ao Programa Bolsa Família2, financiado pelo Edital MCT/CNPq/MDS-SAGI n º 36/2010 e realizado pelo Núcleo de Estudos em Gestão & Informação da UERJ - NEGI3. São discutidos alguns aspectos da centralidade do Cadastro Único no âmbito dos programas sociais, dentre os quais se destacam o seu caráter integrador, o seu potencial para a geração de informação estratégica, os investimentos realizados em capacitação e infraestrutura, e a postura participativa do profissional no processo de apropriação deste instrumento. Busca-se apreciar (com base nas entrevistas realizadas com os assistentes sociais que operam o CadÚnico) os avanços, estratégias, aspectos positivos, críticas e dilemas que permitam identificar e caracterizar novas possibilidades de aprimoramento do Cadastro e do processo de inserção e manutenção dos dados e informações, com vistas à melhoria dos processos de gestão e de defesa dos direitos sociais.

2

O projeto contou com a preciosa participação e envolvimento de toda a equipe, à qual dedico

sinceros agradecimentos: Profaª Drª Vânia Morales Sierra, Assistentes Sociais Cila Portugal, Mayana Silva e Lyvia Seabra, e bolsistas de graduação Gisele Mota, Cristiane Azevedo, Taiane Faustino, Daiane Magalhães, Dayanna Gomes, Letícia Lopes e Vanessa Teixeira. 3

O NEGI é um núcleo de estudos da Faculdade de Serviço Social da UERJ, cadastrado no Diretório

Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq, e tem como principal objetivo desenvolver projetos de pesquisa e extensão com ênfase nos processos de gestão de políticas sociais em suas diversas dimensões.

87 A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA


Método cipal instrumento de coleta de dados a entrevista, com roteiro semiestruturado previamente elaborado. Foram realizadas 43 entrevistas com assistentes sociais lotadas nos equipamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro4, visando identificar as suas percepções acerca do potencial do Cadastro Único para os programas sociais, em especial o Programa Bolsa Família. A fase de realização das entrevistas ocorreu no período de abril a maio de 2011, sendo cinco entrevistas em CREAS e unidade de acolhimento, 7 com Coordenadores de CAS, e 31 com assistentes sociais técnicos lotados nos CRAS e CAS de nove das dez áreas que integram o município. Todas as entrevistas tiveram o consentimento dos profissionais, cuja formalização ocorreu por meio da apresentação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformidade com a regulamentação ética que orienta o exercício da pesquisa envolvendo seres humanos. Do total de 43 entrevistas, 30 foram transcritas, produzindo 951 falas que se tornaram objeto de categorização pela equipe, demandando um significativo esforço de tratamento e organização dos dados, para o qual foi construído um sistema de informações capaz de sistematizar de forma eficiente o material produzido. As considerações apresentadas neste artigo têm por base os dados das 30 entrevistas transcritas, das quais foram extraídos trechos que exprimem as contribuições dos profissionais acerca de características como o potencial de produzir informação estratégica, as críticas à prevalência da renda na seleção dos beneficiários do Programa Bolsa Família e os investimentos em capacitação e infraestrutura. Visando garantir o sigilo e o anonimato das entrevistadas, cada trecho utilizado será qualificado apenas pela idade e ano de formação da profissional.

Resultado e discussão Transferência de Renda

avaliação de políticas públicas: REFLEXÕES acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Tratou-se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que utilizou como prin-

Entende-se o Cadastro Único como uma expressão da incorporação das novas tecnologias da informação e comunicação ao processo de condução das políticas públicas, em especial a de assistência social. Trata-se de um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, que deve ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados a esse público5. O número de famílias cadastradas vem crescendo de forma expressiva, e hoje o CadÚnico já conta com mais de 22 milhões de famílias cadastradas nacionalmente, das quais 4

O projeto contou com o importante apoio do Centro de Capacitação da Política de Assistência

Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que além de autorizar a entrada da equipe nos equipamentos da SMAS, estimulou a participação dos assistentes sociais na pesquisa. 5

Os critérios que permitem o cadastramento são: ter renda mensal igual ou inferior a ½

salário mínimo por pessoa ou ter renda familiar mensal de até três salários mínimos. Famílias que possuam renda maior também podem ser cadastradas se a sua inclusão estiver vinculada à seleção de programas sociais implementados em nível federal, estadual ou municipal.


cerca de 13,5 milhões são beneficiárias do Programa Bolsa Família. O gráfico 1 demonstra a evolução do cadastramento ao longo dos últimos anos. No Brasil.

Gráfico 1 – Número de famílias cadastradas nacionalmente distribuídas por ano, Brasil.

Fonte: SAGI/MDS (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/FerramentasSAGI_menu/internet.php).

O Cadastro Único costuma ser descrito como um mapa representativo das famílias mais pobres e vulneráveis do Brasil, com amplo potencial de uso por diversas políticas de proteção social. Apresenta tanto informações da família e do domicílio em que ela reside (tais como composição familiar, endereço, características do domicílio, acesso a serviços públicos de água, saneamento, energia elétrica, despesas mensais e vinculação a Programas Sociais), quanto dados de cada um dos componentes da família (como documentação civil, qualificação escolar, situação no mercado de trabalho e rendimentos). É regulamentado pelo Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007 (que revogou o Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001) e tem a sua gestão disciplinada pela Portaria MDS nº 177, de 16 de junho de 2011 (que substituiu a Portaria MDS nº 376, de 26 de junho de 2007). Constitui-se como uma importante ferramenta de planejamento para políticas públicas voltadas às famílias de baixa renda, que permite a criação de indicadores que reflitam as várias dimensões de pobreza e vulnerabilidade, por meio da identificação e caracterização dos segmentos socialmente mais vulneráveis da população. Segundo Soares et al. (2009), o CadÚnico configurou-se, após diversos aperfeiçoamentos e expansões, como uma das mudanças mais importantes no processo de unificação dos programas de transferência de renda condicionada. De acordo com Soares e Sátyro (2009, p.10), a situação destes programas em 2003 era marcada pelo caos: cada um deles tinha sua agência executora, a coordenação entre elas era mínima e os seus sistemas de informação eram separados e não se comunicavam. Quando o Governo Federal, neste mesmo ano, criou o Programa Bolsa Família, ele unificou os programas de transferência de renda então existentes e estabeleceu o Cadastro Único como a sua base de informações. Apesar de ser fundamental para Programa Bolsa Família, o Cadastro Único vai além dele, constituindo-se como uma rica fonte de informações para diversos programas focalizados.

89 A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA


O Programa Bolsa Família possibilitou a superação da pulverização orçamentária e existentes, “direcionando as ações para todo o grupo familiar e não mais para cada um de seus integrantes de forma isolada” (MODESTO e CASTRO, 2010, p.15). O Cadastro Único torna possível a integração desses programas e, a partir de 2005, passa, de um lado, por um consistente esforço de depuração dos seus dados, e de outro, por um amplo processo de cadastramento de novas famílias realizado, fundamentalmente, pelos municípios. Para Barros et al. (2009, p.7), três principais características do CadÚnico definem suas possibilidades de utilização: sua abrangência censitária (cobrindo a quase totalidade da população mais pobre do país); sua natureza cadastral, dispondo do nome e do endereço dessa população pobre (o que possibilita localizar e reentrevistar as famílias, e, com isso, melhorar a qualidade das informações cadastrais); uma ampla variedade de dados e informações sobre as condições de vida dessas famílias, que permite o estabelecimento de perfis e a consequente proposição de políticas e ações de proteção social. Trata-se, portanto, de uma das mais importantes fontes de informação sobre a população pobre no Brasil, e, neste sentido, a grande variedade de informações disponíveis sobre as famílias e a possibilidade de identificá-las, permite que o Cadastro Único ocupe uma posição central na elaboração de diagnósticos das condições sociais e na condução e gestão da política social brasileira. Ao longo dos anos, o Cadastro Único tem sido melhorado no sentido de aprimorar o processo de identificação e reconhecimento das famílias vulneráveis, visando a sua inclusão nas políticas sociais. A partir do ano de 2009, surge a sua versão 7, produzida com software livre, na qual todas as atividades de inclusão e atualização cadastral são realizadas on line, diretamente no seu portal de relacionamento, com o objetivo de imprimir mais dinamicidade e agilidade ao cadastramento, já que elimina as atividades de extração e transmissão existentes nas versões anteriores6.

Considerações dos profissionais sobre o Cadastro Único O Cadastro Único tem ocupado um lugar de destaque no processamento das po-

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administrativa, marcante nos diversos programas de transferência de renda então

líticas de proteção social brasileiras, demonstrando a sua centralidade para a integração dos diversos programas sociais. A utilização do Cadastro Único no município do Rio de Janeiro vem alcançando patamares significativos e pode fornecer subsídios importantes para o seu aprimoramento, principalmente devido ao de ter sido concluída em 2010, neste município, a experiência piloto de implantação da versão 7. Serão apresentados e discutidos, a partir deste momento, trechos das entrevistas realizadas, tecendo alguns comentários gerais que permitam uma breve avaliação de pontos considerados relevantes, tais como o acesso à informação, a importância das capacitações, a questão da renda autodeclarada, os erros de focalização e a questão da infraestrutura.

6 endereço: versao-7.

Maiores informações sobre a versão 7 do Cadastro Único podem ser obtidas no seguinte http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico/sistemas/sistemadecadastrounico/


Produção e acesso à informação O processo de cadastramento das famílias é realizado, de forma descentralizada, pelos municípios. São coletados e inseridos dados socioeconômicos básicos os quais permitirão a produção de perfis e indicadores de monitoramento e a avaliação dos impactos dos programas sociais nas condições de vida das populações beneficiárias. Tem sido imperativa a busca pela qualidade no registro dos dados, de modo que reflitam a realidade das famílias cadastradas. O conjunto das entrevistas realizadas com os operadores demonstra que os profissionais que operam o Cadastro têm uma sólida compreensão da sua importância para as ações e programas de proteção social.

“O CadÚnico, ele está cada vez mais sendo requisitado para diversas ações, não é só para o acesso ao Programa Bolsa Família. Há um programa de habitação, remoção de família por conta de enchentes, de obra, é necessário estar no CadÚnico, para isenção de taxa de concurso, para a questão da diminuição de tarifa elétrica; são muitos programas hoje que precisam do CadÚnico. Seu uso está crescendo muito, e a gente utiliza todo dia para diversas ações. O Programa Bolsa Família é o carro chefe, é o maior demandador do CadÚnico, mas outras demandas também são apresentadas por outros Programas”. (30 anos, formada em 2002). De forma geral, os profissionais reconhecem a importância do Cadastro e o papel central que ele ocupa ao longo do seu processo de trabalho. Reconhecem, também, que este instrumento proporciona uma rica fonte de informações que, se bem utilizada, pode potencializar o processo de gestão e avaliação das políticas sociais.

“O nosso processo de trabalho, 80% gira em torno do Cadastro Único, porque os CRAS do Município do Rio trabalham basicamente com os programas sociais do Governo Federal. O Cadastro é a porta de entrada para praticamente todos os programas sociais. Qualquer programa social, as famílias têm que ter o Cadastro do Governo Federal para gerar o número de NIS. Eu falei 80%, mas eu vou aumentar, 90% do nosso processo de trabalho hoje, dentro da proteção básica, dentro dos CRAS, dentro da Prefeitura do Rio de Janeiro, se dão em torno do Cadastro Único do Governo Federal”. (32 anos, formada em 2002). “O Cadastro Único hoje dentro da Prefeitura do Rio ele faz parte do trabalho do Assistente Social, você não tem como se desvincular disso, principalmente se você estiver na proteção básica. Hoje a gente trabalha tendo isso como um instrumento, a gente trabalha o tempo todo com esse Cadastro, qualquer pessoa que chegue hoje no CRAS, se ela vai acessar outro programa, de uma forma ou de outra, ela vai acabar parando aqui no Cadastro, porque tudo, hoje, pede

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Como destacam Soares e Sátyro (2009), o Cadastro Único “é a primeira experiência de coleta de informações sobre grande parte das famílias no Brasil que vai além de um nome e um número”, contando com “uma adesão massiva de milhares de agentes municipais, que nele acreditam e que se esforçam ao máximo para fornecer-lhe as melhores e mais atualizadas informações possíveis” (p.25). De acordo com boa parte dos entrevistados, mais do que um sistema de identificação da família do usuário, o Cadastro constitui-se como um instrumento que permite identificar demandas e necessidades da população de baixa renda. Trata-se de um importante recurso que auxilia a gestão pública, permitindo detectar necessidades, traçar o perfil das famílias, criar novas propostas de trabalho e atribuir visibilidade à importância da intersetorialidade. Neste sentido, as potencialidades do Cadastro Único extrapolam a identificação e a caracterização das famílias, podendo promover o aperfeiçoamento da gestão dos programas e dos serviços socioassistenciais, fomentando, também, a construção de políticas intersetoriais. Estes são pontos desatacados pelos entrevistados:

“O ponto positivo é esse de você ter todo o conhecimento amplo da situação familiar, situação geográfica, você ter um mapeamento de toda situação, de vulnerabilidade, de risco que aquele público está vivenciando”. (29 anos, formado em 2005).

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para que a família, para acessar determinados programas, esteja dentro desse Cadastro Único. Mesmo que o profissional relute, isso vai acabar fazendo parte do atendimento dele, querendo ou não”. (40 anos, formada em 2002).

“Através dele você tem uma gama de informações, de uma pesquisa séria, de uma análise aprofundada daquela situação. Você consegue pensar em programas e projetos para se trabalhar com a população, você elege indicadores que estão ali, de informações que estão presentes naqueles dados que a gente preenche daquelas famílias, e podem te dar indicadores de vulnerabilidade importantes, e a partir deles pensar em ações que possam atender diretamente as necessidades daquelas famílias”. (42 anos, formada em 1998). “A concentração desses dados, eu acho que foi um grande avanço pra equipe. E você vê que cada técnico utiliza esses dados de forma diferenciada, e é super legal porque vêm propostas maravilhosas por parte da equipe, que nem é a gestão que interfere, mas ela propõe pra gestão, e a gente propõe para as subsecretarias e vai até o secretário”. (53 anos, formada em 1983). Os entrevistados apontam que os dados contidos no Cadastro Único, além de permitir a seleção de famílias para programas sociais, também permitem o desenvolvimento de uma série de outras ações, tais como planejamento, monitoramento e avaliação. Com isso, a questão da qualidade dos dados registrados e a exigência de


que reflita a realidade das famílias cadastradas, ganha relevância, demonstrando a importância do contínuo aperfeiçoamento tanto do sistema do Cadastro quantos dos processos de treinamento e capacitação para o seu uso. Uma questão apontada pelos profissionais refere-se ao acesso às informações produzidas. Se por um lado o forte potencial de produzir informação estratégica é valorizado, por outro diversos profissionais relatam dificuldades no retorno das informações produzidas com o uso do Cadastro, impondo, desta forma, obstáculos à apropriação do conhecimento produzido.

“O ponto positivo é a possibilidade que ele tem de me retratar, me dar uma fotografia do meu território, e que ações eu preciso ter para atenuar, minimizar a questão da pobreza no meu território. Agora, um ponto negativo é que nessa versão eu não consigo, ainda, fazer isso. Eu não sei se é um problema nosso, que a gente não consegue fazer, é um problema estrutural, da SMAS, ou se é um problema da versão. A gente precisa pensar, não adianta eu ter um sistema em que eu jogo, jogo, jogo dados, uma série de dados, e ele não vem pra mim como um instrumento de informação para eu tentar pensar na minha ação”. (47 anos, formada em 1991). “Agora, nesse sistema, a grande dificuldade – não sei como eles vão arrumar, azeitar e aparar essas arestas – é a questão da própria gestão do sistema. Hoje, o próprio sistema, a gente não consegue extrair dados ou algumas informações que a gente necessita para o nosso dia-a-dia. [Por exemplo?] Referenciar endereços. Eu não consigo fazer um filtro de endereços. Eu, hoje, não consigo saber quantas famílias beneficiárias do Bolsa Família tem no meu território. O sistema não me dá isso, o sistema versão 7. Se eu tiver que trabalhar especificamente, dar um corte, hoje eu queria trabalhar com famílias chefiadas por mulheres, que só tenham mulheres como chefe de família, eu não consigo. Quero trabalhar com as famílias de uma determinada comunidade, fazer um recorte, priorizar... Pelo menos, a gente aqui não consegue, não sei o nível central”. (47 anos, formada em 1991). “O CRAS não consegue construir a sua proposta de trabalho pra oferecer para aquela população, aquele perfil que você levantou no CadÚnico, porque o CadÚnico não volta com informação pra mim. Eu só insiro a informação. O resultado trabalhado, bonitinho não volta para mim. Por exemplo, se o CAS hoje cadastrou 100 jovens; se esses 100 jovens têm 5ª série, 8ª série. É isso, então aquele cuidado todo, aquela informação rica com a qual eu posso estar planejando, sendo chamada pelo gestor para planejar... ‘O que você acha que tem que ter’? ‘O que você acha que a gente pode construir

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“Acho que eu gostaria mais de obter esse retorno das informações. Isso aí para mim seria muito importante, coisa que a gente não tem propriamente no trabalho aqui. A gente não tem muito retorno, a gente tem uma informação muito rápida junto à Caixa, até para poder dar um retorno para o próprio usuário. Mas de uma maneira geral, dados consolidados, a gente aqui na execução, nesse momento, a gente não tem”. (33 anos, formada em 2001). Cabe perguntar se as dificuldades de acesso às informações são geradas pela fragilidade de uma política de divulgação e disseminação por parte do MDS, ou se tais informações são produzidas e divulgadas, mas, no entanto, não atingem as equipes técnicas por falhas de comunicação e articulação no interior da estrutura do município. Trata-se de uma questão importante, que merece atenção. Lindert et al. (2007, p. 39), já há algum tempo atrás, observaram a política do MDS de produzir boletins regulares com informações básicas sobre o Cadastro Único e sobre o Programa Bolsa Família, os quais eram enviados por correio eletrônico para os municípios e estados. Se essa política ainda continua em vigor, o problema parece ser a chegada das informações nos equipamentos, como os CRAS e CREAS. A relevância do CadÚnico, como apontado, é justamente potencializar a gestão pública por meio do acesso a dados, informações e perfis. A conjugação entre política social e tecnologias da informação e comunicação só demonstra o seu valor se imprimir à informação um caráter estratégico, e para isso ela precisa estar acessível aos sujeitos envolvidos na condução das políticas, tanto gestores, quanto técnicos. A “função diagnóstica” do Cadastro Único, como apontado por Barros et al. (2009, p.39) precisa ser apropriada pelo conjunto dos profissionais envolvidos em sua utilização. Neste sentido, aproveitando a sugestão de Lindert et al. (2007,

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aqui’? Não é usada, não se trabalha as informações. Então, eu sou mera produtora de informação, eu sou mera executora, não sou a pessoa que vem para planejar a relação”. (32 anos, formada em 1999).

p. 50), fica demonstrada a importância de fortalecer os canais de comunicação entre os municípios, o MDS e a Caixa Economica Federal, no sentido de que as informações provenientes do Cadastro possam ser rapidamente disponibilizadas aos profissionais, que criativamente possam se apropriar destes dados e convertê-los, a partir das demandas e possibilidades identificadas, em projetos e propostas de atuação junto às famílias. Por outro lado, vale considerar a interessante observação feita por Romero (2010, p.73), que, ao abordar algumas questões do CadÚnico, aponta a existência de uma carência de aplicações na versão cliente, que poderiam ser instaladas nas Prefeituras e tornar o uso do Cadastro ainda mais ágil e útil. O autor destaca a importância de aumentar a geração de relatórios mais ágeis e variados, que permitam produzir estudos e diagnósticos, o que, hoje, segundo o mesmo, as prefeituras não conseguem obter diretamente do sistema. Por outro lado, como política de gestão da informação, o MDS disponibiliza uma diversidade de dados e informações em


seu portal, por meio da Matriz de Informações Sociais (MI Social), importante ferramenta que poderia ser objeto de consulta recorrente dos profissionais. De forma geral, fica demonstrada a relevância de se aprofundar esta função diagnóstica do Cadastro Único, e o exercício desta função demanda uma série de condições que permitam o aproveitamento da rica fonte de informações disponibilizadas pelo sistema. Neste sentido, a capacitação ocupa lugar de destaque, devendo, justamente por isso, ser cada vez mais aprimorada. Ressalta-se, também, a importância de intensificar ou, ainda, estimular a produção e disseminação de boletins e informativos que socializem amplamente as informações e dados básicos do CadÚnico entre os profissionais integrantes tanto da gestão quanto da equipe técnica. Além disso, o aprimoramento dos canais de comunicação entre MDS, Caixa Economia Federal e municípios também aparecem como uma importante estratégia para o aprofundamento na produção e acesso às informações do Cadastro Único pelos profissionais que lidam com ele cotidianamente.

Processos de capacitação A crescente incorporação das tecnologias da informação e comunicação às políticas sociais decorre da transferência de diversas atividades e tarefas para o ambiente tecnológico. Este processo tem sido acompanhado por processos de capacitação e qualificação diversificados, que visam estimular e mediar a apropriação destes novos recursos. Por conta da experiência piloto de implantação da versão 7 do Cadastro Único, o MDS realizou recentemente um maciço processo de capacitação dos seus operadores, tanto no que se refere ao uso dos novos formulários, quanto em relação à adequação ao novo sistema de cadastramento on line. Tais capacitações têm provocado expressivos impactos na gestão do Cadastro Único e na promoção do seu uso no território do município do Rio de Janeiro. Os profissionais entrevistados ressaltam o valor das capacitações, reafirmando a riqueza e a relevância destes momentos de reflexão e treinamento. Apontam, ainda, a necessidade de intensificar estes momentos, sugerindo o seu aprofundamento e reconhecendo a importância de um preparo consistente para operar e aproveitar o potencial do Cadastro Único. Sinalizam que as capacitações realizadas até o momento têm se constituído mais como um ponto de partida, uma orientação ou, ainda, uma apresentação mais geral e abrangente do Cadastro, sendo necessários outros momentos para ampliar os temas e questões levantados. Os profissionais destacam que as principais dúvidas e problemas aparecem e são equacionados durante o uso cotidiano do Cadastro, ao longo do processo de atendimento, no dia-a-dia, sempre contando com a colaboração e contribuição dos colegas que já detêm um maior domínio operacional deste sistema.

“Quando entra uma versão nova eles realmente fazem a capacitação, mas eu nem posso dizer se a capacitação em si ajuda, porque eu acho que tudo é novo, é no dia-a-dia, então muitas vezes a gente tem dúvidas e não tem quem tire essas dúvidas. Na capacitação é dado um ‘a, e, i, o, u’, digamos assim. No dia-a-dia que a gente vai tendo e vendo as dificuldades.

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“Não é capacitação, eu não chamaria de capacitação, é uma orientação sobre o Cadastro Único. Você começa a utilizar, vai acertando, vai errando, mas é tudo muito dinâmico. Eu vejo mais como um momento de informações”. (37 anos, formada em 2005). “Na verdade, as capacitações são importantes porque você visualiza a coisa ali aquele momento, mas no dia-a-dia é a prática, não deixa de ser porque os erros acontecem, as irregularidades vão aparecendo, a gente vai corrigindo no diaa-dia, o que na capacitação não acontece”. (54 anos, formada em 1982). “O Cadastro em si ele não é difícil, ele é autoexplicativo, ele pergunta você diz sim, não, e tal. O único problema é que tem algumas situações que a gente tem e só aprendeu na prática: ‘Ah, salva por página’, depois você vê que não tem que salvar por página, só tem que salvar no final, senão ele dá alguns problemas. Tem algumas coisas que só na prática... na capacitação não, eu acho que ele era tão novo que os problemas vieram com a prática”. (45 anos, formada em 1988). Os entrevistados apontam alguns limites identificados em suas experiências de capacitação, tais como, por exemplo, a baixa disponibilidade de computadores para a realização de treinamentos, os quais, além de atrair a atenção dos profissionais e tornar o aprendizado mais interessante, poderiam propiciar o detalhamento de problemas e dificuldades operacionais. Os profissionais sugerem uma atenção maior para a qualidade das apresentações, para a metodologia empregada, e um uso mais consistente dos manuais de treinamento, com acompanhamento mais

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Mas, é importante essa capacitação para que a gente saiba pelo menos como operar no início do sistema, depois a coisa vai mudando a cada dia”. (42 anos, formado em 1998).

direto de supervisores e/ou instrutores.

“Toda a capacitação é sempre bem-vinda, mas eu penso que ela precisa ter um pouco mais de qualidade. Como eu falei pra você, é um projeto piloto, a gente não consegue, como eu vou dizer pra você, a gente não consegue esmiuçar todas as possibilidades que o sistema tem. Tem uma cartilha lá e as pessoas acabam reproduzindo o que tem na cartilha, só que o trabalho com gente é muito mais dinâmico que uma cartilha”. (47 anos, formada em 1991). “Eu só participei de uma capacitação e nessa capacitação você não tinha um computador disponível para você; era um computador com uma pessoa na frente que explicava para um público de vinte, mais ou menos, assistentes sociais. Eu achei


que essa metodologia, sem você ter acesso ao computador, ela é menos interessante do que se você tivesse acesso direto”. (45 anos, formada em 1988). O reconhecimento da importância das capacitações é tão significativo que os profissionais sugerem o aumento da sua quantidade. Destacam a insuficiência da carga horária utilizada, e também, a pertinência de um processo de capacitação continuada, com certa periodicidade, que possibilite um acompanhamento sistemático de situações complexas, dúvidas, questões, troca de informações, debates, enfim, um espaço presencial que possibilite o aprofundamento e a qualificação do uso do Cadastro.

“É muito importante, só que eu acho que a gente deveria ter mais, deveria ser uma capacitação continuada, em relação a dúvidas também que nós temos”.(58 anos, formada em 1977). “A capacitação, eu participei, gostei, foi bem dinâmica. Eu consegui tirar muitas dúvidas, acho que foi extremamente importante. Mas acho que tem que ter, mesmo que seja bimestralmente, não sei se seria capacitação, mas, por exemplo, uma renovação, um debate, para ir aperfeiçoando o trabalho, talvez, assim eu acho que seria enriquecedor para quem realmente mexe com o cadastro”. (31 anos, formada em 2001). “Eu fiz, a minha capacitação na versão 7, durou uma semana, mas não foi suficiente, o conteúdo todo da capacitação não foi dado. Eu acho assim, não foi uma capacitação negativa, mas tinha que ter mais capacitações, não é que o conteúdo não foi dado, mas assim, foi passado muito corrido, a capacitação até que foi positiva, mas havia a necessidade de uma continuidade dessa capacitação”. (32 anos, formada em 2002). A demanda por momentos de capacitação continuada e qualificação é recorrente entre os assistentes sociais. As alternativas para promoção de espaços de discussão não precisam ser reduzidas aos espaços presenciais, podendo também ser fomentadas no chamado ciberespaço. Para ilustrar essa possibilidade, em consulta à Internet foram identificadas algumas iniciativas virtuais de troca de informações e experiências sobre o Cadastro Único, tais como blogs e fóruns de discussão7. Além disso, é válido considerar iniciativas como convênios e parcerias com universidades e centros de estudo e pesquisa que podem somar esforços no sentido de subsidiar e aprimorar as capacitações para o processo de cadastramento, tanto na inclusão e manutenção dos dados, quanto na sua análise e avaliação. Desta forma, é marcante a importância de continuar e, na medida do possível, ampliar o investimento que tem sido feito nos processos de capacitação e qualificação em relação ao Cadastro. Os entrevistados ainda sugerem uma ampliação do elenco de temáticas tratadas nas capacitações, abordando assuntos que extrapolem o uso do Cadastro, em si, e 7

Um ilustrativo exemplo pode ser acessado em http://www.forumcadunico.com.

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contemplem questões técnicas mais complexas que permeiam o cadastramento. também incorporar conteúdos transversais e necessários à realização das entrevistas, ultrapassando a dimensão operacional e interagindo com temas fundamentais ao trabalho e à coleta consistente de dados.

“Eu até participei da capacitação, até que é boa, mas só no dia-a-dia para você pegar as manhas do sistema. [O que você achou dessa capacitação?] Eu gostei ela explica tudo direitinho, mas tem situações que fogem da capacitação. [Como por exemplo?] Vamos dizer... tem cadastros que é avaliação técnica. Hoje em dia tem famílias que são duas vivendo no mesmo domicílio, vamos supor, tem pai, mãe e filho, e tem outro filho que tem uma família vivendo naquele domicílio, mas a lógica do sistema é que você cadastre todos que morem naquela residência. Mas aquelas famílias, uma tem a renda x e a outra renda y, entendeu? Se você contemplar aquelas famílias como se fossem uma só, aquela que não tem renda seria prejudicada, então você vai ter uma avaliação técnica, então você vai desmembrar essa família. A gente, enquanto técnica, a gente pode fazer isso, a gente tem essa brecha. [No treinamento explicou isso?] Não, disse para a gente incluir toda família, mas entre a gente, tem esse consenso, enquanto Assistente Social”. (35 anos, formada em 2002). À medida que a operação do Cadastro vai se intensificando, novas demandas vão aparecendo, e seu atendimento permite que o processo de cadastramento seja cada vez mais aprimorado, podendo gerar, inclusive, impactos para a redução dos erros de focalização. Como observaram Barros et a. (2009), “a qualidade de um cadastro está diretamente ligada ao seu uso” (p.11), e neste sentido, o aprofundamento dos processos de capacitação e qualificação relativos ao Cadastro Único consiste numa demanda legítima que expressa melhorias não apenas na inclusão e manutenção

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Consideram que as capacitações não deveriam ser apenas no uso do sistema, mas

dos dados, mas também na produção de análises, perfis e indicadores. As capacitações sobre o CadÚnico precisam avançar, ampliar o seu alcance, absorver novos temas e conteúdos, atingindo e atraindo o interesse e o reconhecimento de cada vez mais operadores do Cadastro. Assim, algumas sugestões interessantes merecem ser apreciadas: 1) criar espaços de acompanhamento contínuo e sistemático; 2) envolver atores e parceiros que possam contribuir para o aprimoramento do processo de cadastramento, como universidades, centros de pesquisa e organizações sociais; 3) ampliar os temas e conteúdos abordados. Segundo os relatos dos profissionais, a condução dos atendimentos demanda uma série de conteúdos, capacidades e competências, e a qualidade da informação produzida encontra-se relacionada à qualidade da formação detida pelo profissional, que o qualificará para outras dimensões, além da operativa. Desta forma, novas estratégias de ampliação da qualificação do uso do Cadastro podem ser estimuladas tanto pelo MDS quanto pelos sujeitos direta ou indiretamente envolvi-


dos com o seu uso e aproveitamento. A percepção de informações inconsistentes e a sua verificação é fundamental para que o mecanismo da focalização funcione e aqueles que são efetivamente elegíveis tenham acesso ao programa. Capacitações “ampliadas” podem contribuir significativamente para imprimir mais qualidade e consistência aos dados inseridos no Cadastro. Como sugeriram Lindert et al. (2007, p.50), é preciso ampliar o treinamento no uso do CadÚnico, aperfeiçoando os processos de inserção e manutenção dos dados e informações e proporcionando um aprimoramento contínuo da sua qualidade. Ações de validação como cruzamentos e comparações, voltadas à “higienização de sua base de dados” (ASSIS e FERREIRA, 2010, p.231) são fundamentais, mas não esgotam as possibilidades. É necessário investir em formas cada vez mais consistentes de capacitação e qualificação para uso do Cadastro, tanto no nível da inclusão de dados quanto no da produção e disseminação de informações. Numa perspectiva mais ampliada, as capacitações precisam prover os profissionais de uma competência teórica fundamental à apropriação das informações e do conhecimento gerados pelos aportes tecnológicos. Como lembra Tapajós (2006, p. 183):

“A geração de fontes automatizadas de dados, e a sua consequente transformação em informação qualificada, pleiteiam, ainda mais, a convivência com um aporte teórico expressivo, servindo de escudo contra as práticas reiterativas do mero cumprimento de rotinas e procedimentos sem a devida qualificação profissional”. (TAPAJÓS, 2006, p. 183). As capacitações ocupam posição central no aprimoramento e aperfeiçoamento não só dos processos de inclusão e manutenção de dados, mas também na identificação de possibilidades criativas e inovadoras de aproveitamento da riqueza que estas informações proporcionam. Trata-se, portanto, de uma condição essencial para a promoção de um uso cada vez mais intensivo, não só no município do Rio de Janeiro, como em todo o território nacional.

Focalização e renda autodeclarada Alguns depoimentos dos profissionais entrevistados problematizaram a primazia da renda como critério exclusivo de seleção para inclusão no Programa Bolsa Família, embora não tenham conseguido formular propostas alternativas a este quadro. Relatam que, na realização cotidiana do cadastramento, deparam-se com enormes dificuldades para incluir os usuários extremamente pobres. Ressaltam, também, a existência de uma grande volatilidade da renda, que, muitas vezes, segundo Barros et al. (2010, p. 122), não é acompanhada pelo cadastramento ou não é detectada pelos critérios de seleção do Programa Bolsa Família.

“Eu acho que essa questão da renda é muito complicada, pessoas que realmente precisam do Bolsa Família, muitas vezes não conseguem, por causa da renda per capita que eles colocam, da forma que a gente tem que obedecer o programa, então tem pontos negativos e positivos, e um ponto negativo é a questão da relação da renda”. (35 anos, formada em 2002).

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Uma sugestão interessante detectada nos depoimentos consiste na criação, no Cadastro, de um espaço para registro das observações e considerações dos profissionais a respeito da condição social da família. Sugerem também que este relato, poderia ser um Parecer Social, tenha algum tipo de interferência no processo de seleção dos beneficiários.

“Bom, eu acho que um ponto negativo, que eu sinto falta, é a gente ter alguns espaços onde a gente possa relatar com as nossas palavras algumas coisas que o Cadastro não tem, porque o cadastro é muito fechado, é um cadastro de opções, uma coisa ou outra você escreve. Ele não tem um espaço onde a assistente social possa relatar algo que você viu durante a entrevista e que você gostaria de deixar ali escrito”. (31 anos, formada em 2001). Soares et al. (2009, p.18) chama a atenção para o impacto de eventuais erros no levantamento de informações, sugerindo que as famílias que potencialmente seriam beneficiadas pelo PBF têm nítidos estímulos para subdeclarar sua renda. Os autores observam que alguns assistentes sociais, ao identificarem as fa-

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“Por exemplo, dona Maria recebe uma doação de R$200,00 para pagar o aluguel dela, aí tem um quadrinho lá na renda familiar chamado doação. Doação virou renda agora? E se no mês que vem dona Maria não receber esses R$200,00, entendeu? Por exemplo, eu atendi uma família, a senhora trabalhou seis meses durante o ano, ficou desempregada, o marido ficou desempregado, quatro filhos. Se registrar esses dados no Cadúnico, pura e simplesmente, ela não tem direito ao Bolsa Família, porque a renda dela supera. Mas espera aí! Ela está desempregada, o marido está desempregado, quatro filhos, a casa dela está caindo, tiveram as chuvas... Poxa, ela está há um ano desse jeito, se eu registrar esses dados, fazem uma conta mirabolante e ela não recebe o Bolsa Família”. (35 anos, formada em 2000).

mílias pobres, mesmo não satisfazendo formalmente critérios para ingresso no Programa, podem decidir fazer uma estimativa para baixo da renda familiar, tornando-a elegível. Situações como essas são citadas pelos entrevistados, como a que se apresenta a seguir:

“Eu não tenho como interferir nisso eu não tenho como dizer ‘Olha, essa família é mais prioritária do que essa’. Eu não posso falar assim: ‘O meu parecer social é esse. Continua pagando porque eu, como técnica do Serviço Social, estou acompanhando ele, então vou fazer com que ele venha, vou colocar ele no projeto assim assado, dá três meses, quatro meses, não cancela o benefício’. Então as pessoas começam a fazer manipulação errada, porque você começa a forjar os dados. Então tira o menino que está dando problema


no Cadastro Único para que aquela família, que precisa, possa receber o benefício do Bolsa Família. Vai diminuir um pouquinho, mas não vai ficar sem nada. Então, eu crio, dentro do sistema, uma forma de manter aquele menino dentro do Programa, e vou monitorando lá o sistema pra interferir. Então assim, aquele menino que tem problemas, que não vai à escola, ele não está indo à escola agora, mas está num tratamento de saúde. Faz diferença, é isso que as pessoas não querem ouvir. (...) O acompanhamento social não está interferindo nesse programa, o programa é que está interferindo no meu acompanhamento social, e aí para que as pessoas não saiam prejudicadas, eu tenho que manipular a informação. Eu vi muitas assistentes sociais fazendo isso, tirando o menino, continuando a acompanhar ele, mas tirando o menino para que continue o benefício”. (32 anos, formada em 1999). De acordo com este depoimento, práticas de “adequação” de dados, forjadas para “forçar” a seleção de determinadas famílias, embora não generalizadas, existem, e precisam ser combatidas. Ainda que o profissional tenha uma avaliação social, crítica, que sinalize a importância da inserção desta família no Programa, a solução relatada não é a adequada. A questão que se coloca, portanto, é definir a alternativa que poderia ser adotada para dirimir tais práticas, e, consequentemente, reduzir os erros de focalização. Barros et al. (2009) aponta que o objetivo central do CadÚnico, desde a sua criação, foi a seleção das famílias a serem beneficiadas pelos programas de transferência de renda condicionada, com a preocupação de garantir um elevado grau de focalização para tais programas. Como esta seleção tem sido feita apenas com base na renda autorreportada, nem sempre as informações relatadas pelas famílias correspondem à realidade. Esta situação pode gerar distorções, como demonstram os depoimentos a seguir:

“Existe uma questão da divulgação das informações dos usuários que é declaratório e isso muitas vezes gera uma discrepância, pessoas que muitas vezes têm maiores necessidades, maiores vulnerabilidades, não conseguem acesso a determinados programas, e outras que omitem algumas informações às vezes conseguem. É uma coisa que a gente não consegue resolver. A questão declaratória ela deixa muito aberta, as pessoas declaram o que quiserem e hoje, na sociedade em que o trabalho, na grande maioria para pessoa de baixa renda, é informal, ela pode declarar o que quiser. Já uma família que tem uma carteira assinada, mas ganha apenas um salário mínimo e que está numa situação muito precária, às vezes fica de fora porque está registrado, e aquele que é informal muitas vezes ganha mais e diz que ganha menos e está no programa, então muitas vezes gera desigualdade aí”. (30 anos, formada em 2002).

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Mostra-se relevante a reflexão sobre as possibilidades de se considerar o uso de outras informações, além da renda, presentes no Cadastro, ampliando o rol de fatores que permitem predizer a renda familiar e, com isso, melhorar o grau de focalização do Programa Bolsa Família (BARROS et al., 2009, p.9). Para além dos cruzamentos, verificações e comparações, os assistentes sociais parecem demandar o reconhecimento da relevância do seu Parecer Social, o qual, segundo sua visão, poderia ter algum tipo de interferência ou impacto no processo de seleção dos beneficiários. Trata-se de uma questão polêmica, mas que poderia trazer grandes avanços para o Programa, seja no âmbito da melhoria da focalização, seja no âmbito da própria capacitação, já que o aumento das responsabilidades deste profissional aumentaria, consequentemente, os níveis de qualificação e competência exigidos. Como salienta Vieira (2009), os erros de inclusão no Cadastro ocorrem quando uma família fora do perfil é cadastrada com renda subdeclarada e é beneficiada. Uma família incluída por erro pode ocupar a vaga de uma família com perfil pobre que não está cadastrada, gerando os erros de focalização do Programa. Os depoimentos dos assistentes sociais demonstram que muitas famílias se encontram em situação de pobreza extrema, precisam receber o benefício, mas, por uma série de fatores não previstos, não se enquadram nos critérios definidos no Programa. Elas não estão fora da condição de pobreza; o perfil estabelecido é que não consegue absorver estas famílias. De certa forma, a adoção de um Parecer Social, e a interferência deste Parecer na seleção

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“Tem muitos usuários que não precisariam receber esse benefício. Tem pessoas que têm Bolsa Família e têm uma renda de dois mil reais... o Sistema não consegue cruzar os dados que a gente alimenta e as pessoas continuam recebendo. (...) Tem rendas declaradas e não declaradas, tem pessoas que recebem com carteira assinada; eles deveriam ter um sistema de ponta que pudesse cruzar os dados. Tem pessoas que não conseguem receber porque não têm o perfil. Como uma vez, uma pessoa que tem casa, que tem carro e continua recebendo, e a outra que não tem nada, não recebendo”. (32 anos, formada em 2005).

dos beneficiários, poderia reduzir, ou corrigir, algumas distorções. Fica explícito nos depoimentos dos profissionais que essa redução de erros de focalização também é buscada por eles, só que, muitas vezes, com a utilização de meios incorretos. Estes profissionais conhecem, de forma detalhada, pelo cotidiano do trabalho profissional, as famílias, suas necessidades, suas características. Pleitear uma maior interferência técnica no processo de seleção dos beneficiários é uma demanda legítima destes profissionais, já que são eles que identificam e convivem diariamente, com as consequências destas distorções. Além disso, outras ações que permitem a redução de erros de focalização são apontadas pelos profissionais entrevistados, como, por exemplo, a verificação da veracidade dos dados e informações reportadas por meio de visitas domiciliares e a adoção de um processo contínuo de entrevistas aos beneficiários, visando atualizar sistematicamente o Cadastro, identificar lacunas e inconsistências, e construir novos indicadores de monitoramento, acompanhamento e avaliação do Programa e de seus impactos sobre as condições de vida desta população.


“Agora, a gente precisa estar validando esses dados através de visitas domiciliares, de grupos de convivência, porque as pessoas vêm aqui querendo um benefício imediato. A gente precisa estar monitorando essas famílias e atualizando. Eu acho que essa atualização tem que ser uma atualização contínua, de seis em seis meses, de quatro em quatro meses, eu não sei que dinâmica a gente vai ter que ter, mas, assim... O primeiro contato ou o segundo contato é o Cadastro, a pessoa vai lá e coloca o que ela quer: o benefício; ela vem aqui atrás do benefício. É através do acompanhamento que a gente vai vendo as nuances e as possibilidades dessas famílias. E aí a gente vai ver, ela está falando isso aqui, mas não é bem isso. Assim, as visitas domiciliares, o acompanhamento das famílias é fundamental para validação desse Cadastro, a atualização é muito importante, atualização não só da escola que mudou ou o domicilio que mudou. Um indicador que a gente percebeu, a criança que tem condicionalidade na educação, a mãe vem aqui pra tirar do Cadastro, não vamos tirar do Cadastro enquanto não fizer uma visita domiciliar e um contato com a escola. Porque, para ela não ter o beneficio bloqueado, porque o filho é faltoso ou infrequente na escola, ela acaba excluindo. Por que isso? Isso é um indicador para desenvolver política, então tem que se pensar em desenvolver algum tipo de ação naquele território ou naquela determinada escola ou naquele determinado bairro, por conta da infrequência de adolescente na escola. Tem que se pensar ou um programa ou uma ação dentro de algum programa que já existe para aquelas crianças ou adolescentes de um determinado território. Nem é o sistema que está me dando isso, a própria escuta, a própria chegada. ‘Eu vim aqui atualizar’, ‘O que a senhora veio atualizar?’, ‘Eu vim tirar meu filho do Bolsa Família’, ‘Por quê?’, ‘Ele foi morar com a avó’, ‘Foi morar com a avó por quê? Está morando onde? Qual a escola? Não sabe?’. Espera aí, como é isso? É esse instrumento, é essa entrevista, é esse Cadastro que a gente usa que vai estar ali no cotidiano do CRAS alinhando”. (47 anos, formada em 1991). As sugestões apresentadas pelos profissionais colocam uma série de questões e desafios que poderiam ser abordados ao longo de processos de capacitação contínua, em que tais questões pudessem ser discutidas do ponto de vista, técnico, ético e institucional. É nesta perspectiva que se concorda com Barros et al. (2010, p.121), que observam a relevância de um treinamento mais qualificado da equipe de cadastramento. Treinar e qualificar de forma cada vez mais consistente os profissionais pode levar à melhoria do processo de coleta dos dados e, consequentemente, aumentar os níveis de validação do Cadastro. Se, como sugeriram Lindert et al. (2007, p.50), é importante reduzir as irregularidades por meio de verificações automáticas baseadas em cruzamentos externos e internos, também é válido considerar a pro-

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posta de uma ampliação qualitativa das informações constantes do Cadastro, invisto, têm muito a oferecer na adequação do Sistema à realidade das condições de vida das famílias. Assim, ao mesmo tempo em que a competência do profissional, de avaliar as condições de vida das famílias é valorizada e absorvida, pode-se diminuir a probabilidade de informação falsa, manipulada e inconsistente.

Infraestrutura A conjugação entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comunicação tem acarretado uma série de impactos para gestão das políticas públicas. Do ponto de vista da infraestrutura, verifica-se que as políticas sociais têm estado cada vez mais permeáveis às novas tecnologias. Como mostra o Perfil dos Municípios brasileiros elaborado pelo IBGE (IBGE, 2010), para a área da Assistência Social, em 2009 somente 39 municípios brasileiros não possuíam qualquer computador em funcionamento nos órgãos gestores desta política. Em 2005, esse número era de 184 municípios. Observa-se, no período 2005/2009, um aumento na proporção de municípios com computadores em funcionamento em órgãos gestores da assistência social: 97,1% dos municípios declararam ter o equipamento em 2005, enquanto em 2009 essa proporção representou 99,3% do total de municípios do País. Em relação à Internet, em 2005, 88,9% dos municípios brasileiros contavam com acesso a Internet no órgão responsável pela política de assistência social, dentre os quais 79,7% tinham acesso por banda larga, enquanto para 20,3% o acesso era discado. Em 2009, 98% dos municípios contavam com acesso à Internet, sendo 93,4% com conexão por banda larga e 4,7% por acesso discado. Esta incorporação das novas tecnologias à política de assistência social tem sido verificada no município do Rio de Janeiro, e o uso do Cadastro Único nos equipamentos da SMAS é apontado pelos profissionais como um gerador de mudanças significativas na infraestrutura do município, as quais contribuem para a melhoria não só do cadastramento, mas também do conjunto dos programas e ações realizados.

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corporando cada vez mais a contribuição técnica dos assistentes sociais, que, como

“Antigamente a gente tinha menos computadores, e na versão 6, até junho do ano passado, o cadastro era off-line, ou seja, ele trabalhava sem internet. Essa nova versão do cadastro, que é a 7, ela é online, não trabalha sem ter a internet e isso meio que obrigou, forçou a Prefeitura do Rio a instalar internet nos Centros de Referência para que o cadastro pudesse funcionar, então, essa obrigação foi uma coisa positiva” (39 anos, formada em 1998). “As condições melhoraram muito, porque antes era muito mais precarizado, tivemos obras aqui, colocaram computadores novos, cadeiras, mesa, então hoje a gente está até em um nível bom de trabalho. As facilidades, a gente já está no computador, tem acesso rápido”. (39 anos, formada em 1998).


Apesar destes avanços, as dificuldades e desafios ainda são muitos, como apontam os profissionais, e a principal delas corresponde à ainda insuficiente infraestrutura disponível, expressa pela pouca disponibilidade de computadores e pela baixa velocidade da internet, fundamental para a utilização desta nova versão do Cadastro Único. De acordo com os entrevistados, a infraestrutura disponível ocasiona uma série de dificuldades na operação do Cadastro Único, com destaque para a baixa qualidade da conexão com a Internet e a precária manutenção dos computadores. O Manual Operacional do Cadastro Único8 recomenda uma conexão mínima de banda larga de, pelo menos, 1 Mbps, e memória RAM de 2GB. Segundo os entrevistados, os equipamentos usados no cadastramento parecem não atender a esta configuração mínima, como sugerem os depoimentos a seguir:

“A maior dificuldade é isso, não termos uma banda larga para segurar isso. Porque é uma coisa boa online, porque eu vejo isso na minha casa, quando eu faço, é muito rápido. Quando eu levo trabalho para casa é muito rápido, não é essa lentidão que é aqui; porque eu tenho banda larga, não é do CadÚnico, não é do programa, é da conexão. Então esse é o grande entrave no nosso atendimento, porque você às vezes fica uma hora, uma hora e meia com uma pessoa para você atualizar um cadastro”. (56 anos, formada em 2001). “O ideal é que todos os computadores tivessem uma manutenção contínua e que se tivesse computadores mais novos para que suportem melhor o acesso à internet, e que a rede mesmo seja uma rede de banda larga”. (32 anos, formada em 2002). “A questão do Cadastro Único, o problema é a Internet, a Internet é um problema sério porque é lenta e, fora o sistema, (...) que também dá umas coisas que a gente está aprendendo, usando ele há pouco tempo, a gente fica sem saber, ele pára, tem hora que some, fica dando erro de TI, fica acontecendo isso sempre. É uma dificuldade a questão do uso, não só devido à Internet, mas por conta de problemas do próprio Cadastro Único. Eu sei, a nossa coordenação nos fala que está num processo de adaptação, então todo problema a gente relata, eles passam para a Caixa e MDS, mas só que alguns foram resolvidos outros continuam acontecendo, aí tem algumas estratégias para você superar esses problemas que continuam acontecendo”. (30 anos, formada em 2005). Algumas estratégias foram criadas para tentar contornar os problemas referentes à infraestrutura. Alguns entrevistados relataram, por exemplo, a utilização de laboratórios de informática da Secretaria Municipal de Educação, e, ainda, o estabelecimento de parcerias com escolas para usar a sua infraestrutura: 8

Disponível em http://www1.caixa.gov.br/gov/gov_social/municipal/distribuicao_servicos_

cidadao/ cadastramento_unico/documentos_download.asp

105 A CENTRALIDADE DO CADASTRO ÚNICO NA PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA


Porém, na grande maioria dos depoimentos, a alternativa apontada foi mesmo o registro no formulário impresso para depois digitar os dados no Sistema, o que acabava gerando desperdício de tempo, de recursos e trabalho em dobro.

“Quando a internet não funciona a gente escreve no caderno, que depois tem que ser digitalizado... se o benefício do usuário está bloqueado, para ser cancelado, demora muito mais tempo para reverter esse processo. Então, isso tudo dificulta e o beneficiário, o usuário sai prejudicado e muito nesse processo”. (58 anos, formada em 1977). “... a nossa internet é 3G, uma conexão falha, tem dias que funciona bem e tem dias que não funciona, se passa uma nuvenzinha a conexão já fica ruim, aí a conexão não funciona e a gente tem que fazer no manual, são dois trabalhos, você vai escrever para depois passar para o computador”. (32 anos, formada em 2002). Apesar das dificuldades relatadas pelos profissionais, isso não tem impedido o processo de cadastramento no município do Rio de Janeiro. Tais dificuldades apenas demonstram parte dos enormes desafios com os quais os profissionais se defrontam diariamente no esforço de tornar o Cadastro Único uma realidade. O número de famílias cadastradas cresce a cada ano9, e demonstra que o Cadastro Único tem se firmado como um importante instrumento de suporte às políticas de proteção social. A superação dos desafios tende a se fortalecer à medida em que novos investimentos forem feitos com as melhorias de infraestrutura, mas o fundamental é o compromisso que os profissionais têm demonstrado de tornar viável o acesso das famílias atendidas a condições de vida mais dignas. Mais do que investir em equipamentos, é fundamental investir nos profissionais: qualificá-los, ouvi-los, criar espaços de reflexão e discussão participativos, implementar proces-

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“Os CRAS não tinham acesso a Internet, a gente conseguia entrar no sistema online nas escolas utilizando sempre as salas de informática das escolas”. (37 anos, formada em 2005).

sos de avaliação e monitoramento nos quais eles possam contribuir ativamente. Certamente este não é o único, mas pode ser um dos mais promissores caminhos para a consolidação e ampliação do Cadastro Único.

CONCLUSÃO Os desafios que se apresentam à consolidação do Cadastro Único são muitos, e dentre eles encontra-se o esforço de transformá-lo em um efetivo instrumento de auxílio aos processos de gestão, ampliando sua condição de ferramenta para o cadastramento e seleção de beneficiários dos programas sociais, e aproveitando o seu potencial para funções de diagnóstico, planejamento e avaliação, por meio da 9

De acordo com dados da SAGI/MDS, havia no município do Rio de Janeiro, em 2006, 116.961

famílias cadastradas. Em 2011, o número saltou para mais de 315 mil famílias.


produção e disseminação de informações estratégicas para as políticas e ações de proteção social. Sua atualização constante e a melhoria da qualidade dos dados coletados é tarefa complexa, e depende do envolvimento de diversos sujeitos, implicando em grandes investimentos de ordem financeira e técnica, e demandando a disponibilidade de infraestrutura adequada e capacitação dos recursos humanos. Os resultados preliminares apresentados neste artigo demonstram a centralidade do Cadastro Único no cotidiano da política de assistência social no município do Rio de Janeiro. As falas coletadas apontam o contundente reconhecimento do valor do Cadastro e suas possibilidades para a melhoria dos processos de gestão dos programas sociais, sobretudo no que se refere à produção e disseminação de informação estratégica para monitoramento e avaliação das ações. Os profissionais ressaltam a importância da qualidade do processo de coleta de dados durante os atendimentos aos usuários, destacando como foram valiosas as experiências de capacitação para operar a nova versão do Cadastro. Apontam também a existência de uma série de desafios em relação não só ao cadastramento como também ao processo de aproveitamento das informações e conhecimentos gerados. Neste sentido, a consolidação do Cadastro Único é mediada pela intensificação de capacitações periódicas e pela maior disponibilidade de infraestrutura adequada, com destaque para a conexão com a Internet, essencial para o uso da sua versão 7. Uma das principais demandas apontadas pelos profissionais entrevistados consiste em tornar as informações possibilitadas pelo Cadastro acessíveis a todos os sujeitos envolvidos com o seu uso, não só os gestores dos programas, mas também, os técnicos, que se encontram diretamente implicados na produção das informações, e os usuários da política, em tese os maiores interessados nas informações sobre suas condições de vida. Apesar dos desafios apontados, o uso do Cadastro Único tem se mostrado promissor. Sua operação cada vez mais qualificada pode possibilitar mudanças qualitativas nos processos de gestão dos programas, o que passaria a exigir dos profissionais habilidades e competências cada vez mais sofisticadas. Tais capacidades não são inauguradas pelo Cadastro, mas seu uso competente e qualificado pode criar condições para que elas sejam mais bem desempenhadas e aplicadas. O desenvolvimento do Cadastro Único precisa ser acompanhado do desenvolvimento das diversas competências necessárias ao seu uso, sejam elas teóricas, técnicas, éticas ou políticas. O caminho para a melhoria do Cadastro passa pela melhoria da infraestrutura, pela potencialização dos processos de apropriação das informações, pelo redimensionamento da concepção de capacitação, e pelo estímulo e valorização da participação dos profissionais diretamente envolvidos com a sua operação. Trata-se de um conjunto de medidas que contribuem significativamente para a consolidação de uma política de gestão da informação em assistência social no município do Rio de Janeiro. E este não é um desafio apenas do município e do MDS. Outros atores sociais, como universidades e centros de pesquisa, por exemplo, precisam reconhecer a relevância deste tema e absorvê-lo em seus processos de pesquisa, extensão, formação e qualificação profissionais.

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