AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 5 Inclusão Produtiva

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avaliaÇão dE polÍticas pÚBlicas:

REFLEXÕES ACADÊMICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E O COMBATE À FOME

1. Introdução e Temas Transversais 2. Transferência de Renda 3. Assistência Social e Territorialidades 4. Segurança Alimentar e Nutricional

5. inclusão produtiva


Dilma Rousseff Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello Secretário Executivo Marcelo Cardona Secretário de Avaliação e Gestão da Informação Paulo de Martino Jannuzzi Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Arnoldo Anacleto de Campos Secretário Nacional de Renda de Cidadania Luis Henrique da Silva de Paiva Secretária Nacional de Assistência Social Denise Colin Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza Tiago Falcão

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avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Presidenta da República Federativa do Brasil

Expediente: Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. SECRETÁRIO DE AVALIAÇÃO E GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Paulo de Martino Jannuzzi; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE AVALIAÇÃO: Júnia Valéria Quiroga da Cunha; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO: Marconi Fernandes de Sousa; DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA INFORMAÇÃO: Caio Nakashima; DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO: Patricia Augusta Ferreira Vilas Boas.


inclus達o produtiva

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© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.

Coordenação Editorial: Kátia Ozório Equipe de apoio: Victor Gomes de Lima, Valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes Diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe Bibliotecária: Tatiane Dias Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia Valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro Vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.

Brasil. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à fome, v.5: Inclusão produtiva -- Brasília, DF: MDS; Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, 2014. ISBN: 978-85-60700-68-4 84p. 1. Política social, Brasil. 2. Desenvolvimento social, Brasil. 3. Políticas públicas, avaliação, Brasil. I. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. CDU 304(81)

Abril de 2014 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340 CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501 http://www.mds.gov.br Central de Relacionamento do MDS: 0800-707-2003


FICHA TÉCNICA

Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Organizadores Júnia Valéria Quiroga da Cunha Alexandro Rodrigues Pinto Renata Mirandola Bichir Renato Francisco dos Santos de Paula

Agradecimentos Os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a participar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos. Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem listados, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de seu nome.


Pareceristas Alberto Albino dos Santos

Lucélia Luiz Pereira

Alcides Fernando Gussi

Luciana Maria de Moura Ramos

Aldaíza Sposati

Luís Otávio Pires Farias

Alexandro Rodrigues Pinto

Luiz Rafael Palmier

Ana Maria Segall Corrêa

Marconi Fernandes de Sousa

Andrea Butto

Marcos Costa Lima

Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra

Mariana Helcias Côrtes

Bruno Barreto

Mariana López Matias

Carla Cristina Enes

Marina Pereira Novo

Crispim Moreira

Marta Arretche

Daniela Sherring Siqueira

Marta Battaglia Custódio

Dirce Koga

Milena Bendazzoli Simões

Eduardo Cesar Leão Marques

Neuma Figueiredo de Aguiar

Eduardo Salomão Condé

Onaur Ruano

Elizabete Ana Bonavigo

Paula Montanger

Elza Maria Franco Braga

Paulo de Martino Jannuzzi

Fabio Veras Soares

Pedro Antônio Bavaresco

Fátima Valéria Ferreira de Souza

Pedro Israel Cabral de Lira

Fernanda Pereira de Paula

Rafael Guerreiro Osorio

Frederico Luiz Barbosa de Melo

Renata Mirandola Bichir

Haroldo Torres

Renato Francisco dos Santos de Paula

Igor da Costa Arsky

Rodrigo Constante Martins

Jeni Vaitsman

Rômulo Paes de Sousa

Juliana Picoli Agatte

Sergei Suarez Dillon Soares

Júlio César Borges

Silvia Maria Voci

Júnia Valéria Quiroga da Cunha

Simone Amaro dos Santos

Kyara Michelline França Nascimento

Simone de Araújo Góes Assis

Leonor Maria Pacheco Santos

Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade

Letícia Bartholo

Walquiria Leão Rego

Luana Simões Pinheiro



Tiago Falcão - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate À fome Ricardo karam - Ministério do desenvolvimento Agrário

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a política social no sÉculo XXi: conciliando direitos e oportunidades


A Constituição de 1988 representou um marco indelével na luta por uma sociedade mais justa e igualitária em nosso país. Contrapondo-se à lógica que caracterizou historicamente nossa estratégia econômica e de sociabilização, a nova Carta lançou as bases de um inédito pacto redistributivo e universalista, centrado na expansão de direitos e oportunidades a todos. Contudo, a efetivação dos diversos avanços previstos esbarrou na crise econômica dos anos que se seguiram à promulgação do texto constitucional, fazendo com que o Brasil pagasse um alto preço por consolidar sua democracia e ampliar direitos sociais num momento de baixo crescimento e instabilidade. Agravando ainda mais esse quadro, nosso projeto de welfare state se instalou num momento em que os ideais de solidariedade perdiam espaço em todo o mundo para a ética individualista, sob a hegemonia neoliberal. Durante toda a década de 1990, com destaque para a América Latina, valores como coesão e equidade ficaram fora dos debates, cedendo espaço à retórica do Estado mínimo que logrou colocar em prática políticas e programas sociais tímidos e de curto fôlego. No Brasil, tal processo retardou a consolidação de diretrizes fundamentais estabelecidas em 1988, como o fortalecimento do pacto federativo, o aprofundamento da participação popular e a efetiva responsabilização do Estado. Os resultados decepcionantes desse modelo, inclusive quanto à dinamização econômica, apressaram seu ocaso em praticamente todo o mundo. No Brasil, ao longo dos últimos dez anos, uma série de políticas ativas foram adotadas em diversos campos da vida econômica e social, com impactos extraordinários. Sem abrir mão do respeito aos contratos e da estabilidade, assistimos à recuperação do papel inalienável do Estado como promotor do desenvolvimento e da justiça social. O Plano Brasil Sem Miséria, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), pode ser apontado como um novo marco nessa trajetória de resgate da imensa dívida social do Brasil com seus cidadãos mais pobres. A ambiciosa missão atribuída ao Plano é concluir o processo de universalização de direitos formalmente previstos no texto de nossa Carta Magna, mas ainda não efetivados em razão das dificuldades dessa população excluída de fazer valer suas aspirações legítimas a um presente e um futuro dignos. A estratégia intersetorial adotada, baseada em três eixos complementares e indissociáveis – garantia de renda, acesso a serviços públicos e inclusão produtiva –, traduz uma concepção multidimensional, segundo a qual a superação da extrema pobreza exige atuação articulada de todos os níveis de governo e ampla participação social. Fruto do amadurecimento dos debates e do aprendizado institucional no campo dos direitos de cidadania, o Plano Brasil Sem Miséria ilustra, ainda, o embate entre visões absolutamente distintas sobre a natureza e o papel das

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maiores erros da agenda anterior foi apostar na incompatibilidade entre políticas sociais e pujança econômica. Fatos recentes, contudo, têm evidenciado que os argumentos sobre a pretensa acomodação de beneficiários, mesmo os de transferências diretas de renda, partem de premissas profundamente equivocadas. Colhendo melhoras em saúde, educação e autoestima feminina, o público assistido por políticas e programas de proteção e promoção social é majoritariamente ativo no mundo do trabalho, e tem se juntado aos inúmeros brasileiros que melhoraram substancialmente de vida na última década, inclusive ascendendo na pirâmide social. Corolário das alegações sobre a “necessária” transitoriedade dos programas sociais, a imposição de “portas de saída” aos beneficiários é outro argumento que temos tratado de forma menos superficial e ligeira. Muito embora seja salutar e democrático discutir medidas de emancipação para os indivíduos pobres, é preciso considerar que os segmentos mais marginalizados enfrentam uma realidade histórica de exclusão que tem como característica a escassez crônica de direitos fundamentais, estando sujeitos a constantes retrocessos nas suas condições de vida. O verdadeiro desafio que enfrentamos é o de repensar e requalificar o debate nos termos de políticas de acesso permanente a direitos e oportunidades, capazes de viabilizar a emancipação sustentada de nossa população mais pobre. Invertendo o argumento, trata-se de abordar o problema pela perspectiva de “portas de entrada”, amplas e abertas pelo tempo necessário para garantir um país mais justo, solidário e competitivo. A opção brasileira pela mescla virtuosa de política social e crescimento colhe frutos que têm rendido elogios em todo o mundo. De campeão da desigualdade, nosso país torna-se referência de um novo modelo de desenvolvimento, inclusivo e democrático, respaldado pelo que há de mais avançado na literatura internacional. É sob esta perspectiva que especialistas vêm advertindo sobre o equívoco de dissociar benefícios sociais da teoria econômica, ressaltando que a opção redistributiva em hipótese alguma prescinde ou negligencia princípios de eficiência. Explorando a função capacitadora do Estado numa era intensiva em conhecimento e inovação, várias linhas de pesquisa apontam o papel que os sistemas de proteção social podem desempenhar na melhoria da competitividade geral da nação, caso dos investimentos em formação profissional inicial

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políticas sociais numa sociedade brutalmente desigual como a nossa. Um dos

e continuada para trabalhadores de baixa renda. Nessa seara, o carro-chefe do Plano Brasil Sem Miséria é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico


e Emprego (Pronatec/BSM), uma parceria entre o Ministério da Educação e o MDS. Até 2014, o Pronatec/BSM ofertará 1 milhão de vagas a pessoas de baixa renda em cursos gratuitos que dialogam com as demandas do mercado de trabalho em cada região e observam as especificidades do público do Plano. São 189 tipos de cursos, em sua maioria acessíveis inclusive a pessoas com pouca escolaridade, ministrados pelo Sistema Nacional de Aprendizagem (Senai e Senac), pelos Institutos Federais de Educação Técnica e Tecnológica e pelas redes estaduais de ensino técnico. O material didático e escolar é gratuito e os alunos recebem recursos para transporte e alimentação. Fica, assim, cada vez mais claro que políticas públicas efetivas, incluindo as de transferências de renda, podem contrabalançar incertezas e vulnerabilidades que caracterizam a nova economia globalizada. No atual paradigma tecnoprodutivo, a estabilidade no emprego foi substituída por inúmeras formas de empreendedorismo, trabalho por conta própria ou estratégias associativas e cooperativas. Cabe ao Estado apoiar também esse público, evitando a precarização das condições de trabalho, provendo um conjunto de ações e iniciativas que tratem o direito a renda, oportunidades de trabalho e acesso a serviços públicos sob uma lógica integrada. É por isso que o Brasil Sem Miséria contempla ações de Economia Solidária, coordenadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Para quem prefere trabalhar por conta própria, oferece o microcrédito produtivo orientado por bancos públicos no Programa Crescer e, em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), incentiva os trabalhadores autônomos a se tornarem Microempreendedores Individuais (MEI), assegurando direitos previdenciários e outros benefícios da formalização. A concepção combinada de direitos traduzida pelo Plano Brasil Sem Miséria não mira apenas o público-alvo imediato. A política social do século XXI se distingue do passado justamente por conciliar objetivos humanos e econômicos, rejeitando todos os falsos dilemas que marcaram a era do pensamento único, tal como a suposta incompatibilidade entre dinamismo e justiça social. A reforma do Estado que propomos é a mudança no padrão de atuação do poder público, colocando-o a serviço dos mais desassistidos para que estes possam assumir a condição de protagonistas do próprio destino, transformação essencial para a consolidação do novo papel do Brasil no cenário global. Os artigos a seguir apresentados abordam uma série de questões sensíveis ao esforço de inclusão produtiva da população mais pobre, oferecendo uma

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que as reflexões propostas pelos autores de modo geral reforçam o diagnóstico sobre os principais gargalos a serem enfrentados nesse campo. Com efeito, um dos apontamentos que perpassa a narrativa das experiências analisadas é a histórica inadequação das políticas de qualificação e inserção profissional à realidade das pessoas pobres e extremamente pobres, estimulando uma seleção adversa que aprofunda desigualdades ao invés de combatê-las. A necessidade de aprimoramento do desenho das iniciativas em curso, sintonizando-as às especificidades desses cidadãos, revela-se, portanto, imperativa. Nesse sentido, é auspicioso perceber que o uso intensivo do Cadastro Único e a priorização de beneficiários do Programa Bolsa Família têm sido opções deliberadas por todo o país, demostrando, a um só tempo, a maturação de inovações da política social brasileira nos últimos dez anos e a convergência de diretrizes intergovernamentais, sinais de um claro fortalecimento da nossa coordenação federativa. Igualmente satisfatória é a constatação de que a atuação em rede de instituições e organizações públicas e privadas representa uma tendência, apostando

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preciosa contribuição ao Plano Brasil Sem Miséria (BSM). É possível perceber


em ganhos de sinergia a partir da articulação da atuação do governo (em seus diversos níveis) com a sociedade civil, não por acaso uma diretriz do BSM. Por fim, vale sempre ressaltar a importância e mérito de iniciativas voltadas à sistematização e disseminação de experiências locais, sejam elas exemplos de sucesso a serem seguidos ou lições sobre equívocos a serem evitados. Se é fato que a literatura internacional é pródiga em advertências acerca da impossibilidade de simples replicação de best practices, é cada vez mais clara a percepção de que o campo das políticas públicas é dinâmico e complexo, fortemente baseado na aprendizagem institucional e organizacional. A análise de fatores subjacentes às iniciativas públicas e privadas permite avaliar de que forma e em que grau a interação de ideias, atores e ambientes gera os resultados observados. Esse conhecimento, devidamente contextualizado, pode converter-se em poderoso instrumento de aprimoramento da eficiência, eficácia e efetividade da ação governamental, condição fundamental para a melhoria da qualidade de vida de nosso povo e superação definitiva da extrema pobreza em nosso país.

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1.

Programas de transferência de renda:

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potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda

2.

Inclusão produtiva de jovens estudan-

tes: um estudo de caso em organização não

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governamental na cidade de São Paulo

3.

AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITA-

ÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE

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SUMÁRIO

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Eucidio Pimenta Arruda - FACED | uFu Durcelina Ereni Pimenta Arruda - FACED | uFu

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proGramas de transFerência de renda: potencialidades da QualiFicação proFissional na inclusão produtiva da população de baiXa renda


INTRODUÇÃO Este trabalho surge de uma pesquisa realizada entre os meses de março e novembro de 2011, com financiamento do MDS/SAGI/CNPq, cujo principal problema foi compreender as possibilidades de inclusão de famílias beneficiárias de programas de transferência de renda do governo federal no setor produtivo, a partir da identificação e análise das principais lacunas de qualificação profissional que resultam em vagas de trabalho não preenchidas na cidade de Uberlândia. Este problema é resultado de análises teóricas que demonstram haver cerca de cinco mil postos de trabalhos ociosos por falta de mão de obra qualificada e mais de 10 mil famílias (e seus respectivos chefes) beneficiadas pelos programas de transferência de renda que poderiam ser inseridas nestes postos de trabalho e deixarem de depender do governo federal para sua sobrevivência, em uma perspectiva de inclusão produtiva que, conforme o inciso II e III do art. 1º da Constituição Federal de 1988 coloca como fundamentos a garantia da cidadania e da dignidade da pessoa humana, aspectos fundamentais para a erradicação das desigualdades sociais e regionais, bem como da pobreza e marginalização, conforme inciso III do art. 3º da Constituição. O Brasil tem obtido avanços significativos na ampliação dos direitos e integração de populações historicamente marginalizadas, por meio das políticas recentes de redes de proteção e promoção social, entretanto, observa-se que o desafio posto ao Estado diz respeito a ultrapassar o caráter específico do atendimento à população vulnerável, de maneira que sua cidadania seja plenamente observável a partir de sua inclusão social mais ampla que engloba uma educação de (boa) qualidade, garantia da saúde e condições de manutenção familiar financeira por meio de seu trabalho. Em síntese, trata-se de garantir condições equitativas para a plena eficácia do Estado de Direito republicano.

Relações entre trabalho, educação e desigualdade social A educação escolar, de acordo com a Constituição Federal - CF 88 e a Lei nº 9394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) é um bem público e implica em uma formação cidadã na medida em que se inscreve em um exercício de qualificar para o mundo do trabalho, para a devida inclusão social do aluno como sujeito de direitos, autônomo e crítico em suas posições a respeito de seu lugar na sociedade. Conforme afirma Cury (2008), alcançar o status de direito subjetivo foi permeada por movimentos conservadores e progressistas, notadamente entre as décadas de 1970 e 1980 que, conforme afirma Oliveira (2011) foi palco de reivindicações de diferentes setores sociais e profissionais, em específico os professores e demais personagens ligados à educação. Cabe notar que a gratuidade não é garantia da universalização, pois a Constituição Federal de 1988, ao estabelecer o caráter subjetivo, determina que o Estado é obrigado a prover a sociedade da formação mínima, caracterizada como Educação básica, em uma oferta inicial do ensino fundamental, sendo progressivamente atendido o ensino médio e a educação infantil.

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de e à desigualdade. Igualdade de condições de acesso e permanência na escola, no sentido de se construir uma sociedade na qual a educação seja o espaço das oportunidades. A diferença diz respeito à heterogeneidade, às necessidades específicas dos grupos sociais que adentram a escola, que demandam por atendimentos especiais que, em última instância, conforme afirma Cury (2008) representa o reconhecimento da igualdade. A educação emerge, neste contexto, como condição para assegurar a cidadania, pois ela é espaço sistematizado de formação e qualificação para o trabalho e, como direito subjetivo assegurado pela constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996, oferece oportunidades à população para que sua condição de “exclusão” social seja minimizada. Por outro lado, conforme afirma Oliveira (2011), a baixa escolaridade das gerações anteriores, no caso brasileiro, é um dos fatores do baixo desempenho dos alunos. E isso é resultado de uma herança histórica, de desigualdades persistentes. A baixa escolaridade dos chefes de família, portanto, cria situações de desigualdade não apenas para a sua geração, mas também para as novas gerações sob sua guarda, na perspectiva de Pierre Bourdieu, na qual as relações entre sucesso e fracasso na vida escolar e produtiva tem relação direta com o histórico cultural familiar. Ou seja, a educação é importante para a inclusão social, mas não é a única, apesar de na história brasileira ela ter se tornado sinônimo de titulação nobiliárquica, sendo que a valorização recai sobre os títulos de maior valor, a saber, os universitários, desvalorizando, dessa forma, outras formações necessárias para o crescimento econômico do país, mas sem reconhecimento social e econômico. Rocha (2006) aponta, com base nos dados do PNAD, 1999, evidências de uma relação direta entre o baixo nível educacional e a pobreza. À medida que o nível educacional do sujeito se amplia, diminui a incidência de pobreza. Entretanto, o Brasil tem, desde 2003, crescido de forma ininterrupta e sólida, promovendo modificações nesta estrutura secular de relação trabalho/escola, direcionando cada vez mais suas necessidades laborais em áreas para as quais o grau de formação tem duração menor e maior flexibilidade quanto às mudanças típicas da sociedade capitalista, ou seja, condições de reorganizar suas qualificações e for-

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O direito à educação, conforme afirma Cury (2008), pressupõe o direito à igualda-

mações de maneira a atender novas demandas do mercado de trabalho, em uma perspectiva de empregabilidade na qual o trabalhador mantém uma estratégia de atualização continuada, em contraposição à perspectiva de empregabilidade na qual o desemprego é atribuído exclusivamente ao trabalhador, sem considerar as suas condições macro e microestruturais geradoras. As políticas de compensação têm gerado no Brasil resultados positivos quanto à diminuição da miséria e da pobreza mas o desafio que se coloca agora é o de construção de uma política que deixe, paulatinamente, de promover políticas específicas, em uma direção clara de garantia da igualdade como pressuposto fundamental de direito e de uma sociedade desejosa de maior igualdade entre as classes sociais e entre os indivíduos que as compõem e expressam (CURY, 2008).


Direito à educação, portanto, deve pautar-se pelo dever do Estado de oferecer a equidade aos cidadãos em tudo aquilo que é básico e necessário para a sua integração social. Significa ainda reconhecer que não cabe ao mercado formar para o trabalho, mas ao Estado, responsável pela formação escolar sistematizada , de caráter amplo, marcadamente emancipatório e democrático. Observa-se, dessa forma, uma relação direta entre a inclusão social e produtiva e a ampliação do acesso à educação em níveis cada vez maiores, pressupostos das políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que dependem diretamente do sucesso escolar dos jovens e de seus familiares, para deixar de se tornar uma política de sobrevivência da população brasileira, para se transformar em uma política também emancipatória.

Perspectivas da Educação a Distância para a formação da população de baixa renda Esta pesquisa foi realizada dentro de uma hipótese de que a variável qualificação para o trabalho dos chefes de família é um dos principais obstáculos para a inclusão produtiva das famílias beneficiárias de programas de transferência de renda do governo federal. Os dados encontrados, conforme veremos, demonstram um alto percentual de chefes de família que estão fora do mercado formal de trabalho e não há indícios de sua inclusão por meio de outros tipos de trabalhos. Dessa forma, partimos de uma perspectiva na qual a modalidade de Educação a distância poderia ser uma opção de formação continuada desta população, seja

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devido às distâncias entre as moradias dos beneficiários e os locais presenciais de oferta dos cursos, seja pela necessidade de flexibilidade de horários, principalmente quando o chefe de família é mulher e precisa acompanhar seus filhos nas diversas atividades que realizam ao longo do dia. Entretanto, é necessário conhecer um pouco mais a respeito da Educação a Distância - EAD, de maneira a entender suas possíveis relações com a diminuição da pobreza no Brasil. As primeiras iniciativas de Educação a distância no Brasil surgiram no ano de 1904 com a criação das Escolas Internacionais, que trouxeram para o Brasil suas experiências com essa modalidade de educação. Segundo Litto e Formiga (2009), os cursos oferecidos eram destinados a pessoas que necessitavam de formação básica para sua inserção no mercado de trabalho da época. A expansão esteve associada à escassez de vagas nos grupos escolares1 para o acesso da população às escolas presenciais ou “físicas”. Ainda na primeira metade do século XX, a atuação do governo na formação básica de profissionais para o mercado de trabalho se intensificou por intermédio de cursos por correspondência, com a criação do Instituto Monitor (1939) e do Instituto Universal Brasileiro (1941).

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O Grupo Escolar surgiu no país em 1893, no Estado de São Paulo e representou uma das mais

importantes inovações educacionais ocorridas no FInal do século passado. Tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de crianças, portanto, uma escola adequada à escolarização em massa e às necessidades da universalização da educação popular. Ao implantá-lo, políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam modernizar a educação e elevar o país ao patamar dos países mais desenvolvidos (SOUZA, 1998, p. 20).

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do rádio a partir de 1923 por meio da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. O uso do rádio na EAD desde então, acabou se popularizando devido ao crescente acesso à tecnologia em questão e ao seu caráter massificador, apesar da preocupação do governo brasileiro com as possibilidades de difusão de pensamento subversivo, sobretudo após a década de 1930, no governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Há de se chamar a atenção ainda para o fato de que o próprio Getúlio Vargas se apropriou do rádio de tal maneira que acabou por inaugurar uma era em que a difusão da política e dos ideais governistas chegavam a praticamente a todo o território brasileiro. A televisão pode ser considerada um terceiro marco da EAD no Brasil a partir dos anos 1960 e 1970 e possui influência direta, juntamente com a radiodifusão, na criação do primeiro Código Brasileiro de Telecomunicações. É possível perceber que a televisão começou a ser vista como um importante meio de comunicação urbano, com grande potencial de ampliação do acesso nas demais regiões. O crescimento das cidades, aliada a este meio de comunicação, fez com que a televisão ganhasse status de recurso educacional, por meio de iniciativas na EAD. De acordo com Litto e Formiga (2009), o Código Brasileiro de 1967, promulgado à época do regime militar, passou a determinar a obrigatoriedade de transmissão de programas educativos pelas emissoras de radiodifusão, bem como pelas televisões educativas. Muitas concessões de TVs “educativas” acabaram sendo direcionadas a grupos de poder da época. Em 1970, por meio da Portaria interministerial nº 408/70, estabeleceu-se a obrigatoriedade de transmissão de programas educativos em emissoras de rádio e televisão comerciais, apesar dos horários de transmissão nem sempre serem favoráveis aos ouvintes e telespectadores. Um dos programas televisivos mais conhecidos e de maior repercussão nacional foi o Telecurso – sistema de educação à distância criado em 1978 em uma parceria da Fundação Roberto Marinho e da Fundação Padre Anchieta (mantenedora da TV Cultura) -, com a transmissão do “Telecurso 2º grau” e, em 1981, transmitindo o “Telecurso 1º grau”. Segundo dados da Fundação Roberto Marinho, todas as edições do Telecurso beneficiaram cerca de 5,5 milhões de pessoas, que obtiveram formação dos anos iniciais ou do ensino médio por meio da EAD.

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Um segundo marco da EAD no Brasil foi, segundo Litto e Formiga (2009), a inserção

Há de se chamar a atenção para o alcance questionável dos objetivos propostos por este programa, uma vez que, historicamente, seu horário de transmissão se deu em períodos pouco favoráveis aos trabalhadores – geralmente entre cinco e seis horas da manhã – quando eles estavam saindo de casa para o trabalho. A metodologia utilizada pelo Telecurso, conhecido também como educação supletiva, proporciona ao aluno sem acesso à escola regular o estudo por meio da televisão e da resolução de exercícios. Os exercícios estavam disponíveis em apostilas vendidas em bancas e livrarias (não obrigatório). Ao final, os estudantes eram submetidos às provas presenciais, aplicadas pelo governo federal e consideradas como requisito básico para a obtenção do diploma de nível fundamental ou médio.


O quarto e último marco da EAD pode ser considerado o uso do computador e da Internet nos processos educativos a distância. Os computadores nas universidades brasileiras datam da década de 1970, mas somente, em meados da década de 1990 eles começam a se disseminar por todo o pais devido, entre outros fatores: a abertura do mercado, a diminuição dos preços ao consumidor e a abertura da Internet para o público em geral (ARRUDA, 2004). É interessante notar que há alguns equívocos do senso comum que vinculam a EAD a tecnologias contemporâneas como o computador. Ocorre que as tecnologias baseadas na microinformática acabam por tornar a EAD mais “atrativa”, principalmente devido a uma característica exclusiva: a possibilidade de produção e transmissão de conteúdos por qualquer pessoa, diferentemente do rádio e da televisão, cuja produção era e continua sendo, necessariamente, elaborada por uma equipe produtora e transmitida com baixas taxas de interação com o ouvinte ou telespectador. Já o computador, por meio da internet, permite ao aluno um contato direto e quase instantâneo com os transmissores do conteúdo e também a sua própria constituição como produtor/transmissor de conteúdo. Como pôde ser percebido, a Educação a Distância historicamente está relacionada à oportunidade de formação inicial e continuada às classes trabalhadoras, justamente aquelas que perderam tempo e oportunidade. Dessa forma, acreditamos que esta modalidade de educação apresenta-se como adequada para atender a uma camada significativa da população que, além de todos os problemas enfrentados em sua idade escolar, enfrenta ainda a falta de tempo fixo e impossibilidade de deslocamento aos locais de cursos, seja do ponto de vista financeiro para o pagamento de materiais e transporte, seja pela impossibilidade de se distanciar de sua casa e de seus filhos ou dependentes.

Desafios das políticas de transferência de renda Conforme afirma Rocha (2008), é sabido que a pobreza no Brasil está associada à desigualdade de renda, e não à sua insuficiência para atender às necessidades básicas de todos. Retirar as pessoas da condição de dependência de políticas de transferência de renda e, ao mesmo tempo, diminuir as desigualdades de renda da população brasileira emergem como grandes desafios brasileiros dos últimos anos. A emergência do poder nas oligarquias nos séculos anteriores e posterior sucessões de regimes autoritários que retiraram da arena pública as camadas populares, criaram situações de grande desigualdade que em um contexto de lutas históricas da população leva o Estado a construir ações de compensação para um número expressivo de brasileiros que sequer possuem direitos básicos como saúde e educação. Portanto, as políticas de transferência de renda quando obtém resultados positivos, como é o caso do Brasil, em que nos últimos anos ao menos 20 milhões de brasileiros deixaram a condição de miséria (PNAD, 2010). Entretanto, segundo Rocha (2009):

23 Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


É nesse contexto que se torna necessário construir novas bases e exigências para a saída do Estado da condição de provedor com condicionalidades para instaurar a condição de cidadania na qual a pessoa possui direito e condição de garantir a sua subsistência por meio do trabalho remunerado. Esta não é uma tarefa fácil, uma vez que a globalização construiu uma insegurança generalizada como norma de crescimento. O desenvolvimento tecnológico contemporâneo, bem como os processos recentes de reestruturação produtiva, com a ascensão do modelo toyotista de produção, conforme afirma Coriat (1994) incorporam as dimensões de flexibilidade e inovação contínua como características primordiais do desenvolvimento econômico. Tal modelo privilegia a instabilidade e a busca incessante pela manutenção do status social, para manter o respeito na comunidade. As oportunidades de crescimento econômico, segundo Rocha (2006), tendem a ter efeitos essencialmente concentradores, pois envolvem a utilização de tecnologias modernas associadas ao uso de mão de obra qualificada, o que requer medidas compensatórias de modo a evitar aumento da desigualdade, assim como promover a redução da pobreza absoluta. Para Standing (2010)

“A insegurança econômica crescente e generalizada está associada a outro aspecto que define o contexto da reforma da política de desenvolvimento social. A insegurança socioeconômica em três dimensões – a probabilidade de um evento adverso ocorrer, a probabilidade de ser capaz de suportar (ou sobreviver) às consequências de um evento adverso, e a probabilidade de se recuperar do evento.” Interessante observar a atualidade desta afirmação, pois países europeus e os Es-

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avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

“Na medida em que o Bolsa Famólia expande a sua cobertura e que o número de domicílios elegíveis a descoberto diminui, reduz-se concomitantemente o potencial do programa de, mantendo as regras em vigor(...), levar a reduções adicionais da pobreza e da desigualdade.”

tados Unidos tem enfrentado uma grave crise econômica desde 2008, gerada por bolhas especulativas e observa-se uma aparente inversão na segurança econômica, com os países considerados emergentes demonstrando maior resistência à crise. Mas não se pode esquecer que há poucos anos, ainda no final da década de 1990, os mesmos países emergentes enfrentaram crises semelhantes. Ou seja, a insegurança e instabilidade desconstroem as relações sociais historicamente construídas, as identidades se tornam móveis em função da necessidade de modificar o seu eu de acordo com as novas condições sociais, políticas e culturais postas, em uma fluidez já apontada por Bauman (2005) perigosa pela superficialidade que gera entre as pessoas.


Este movimento de transformação contínua tem vínculo direto com o desenvolvimento dos microchips que aceleram não só o desenvolvimento tecnológico, mas nossa capacidade de tornar obsoleto os objetos produzidos para o consumo e, por que não, obsoletizar também os sujeitos. A garantia da cidadania passa então por uma educação que forma o cidadão para se movimentar pelas transformações, compreendendo o mundo como mudança da mudança histórica em um sentido mais acelerado do que tempos anteriores. Ou seja, a renda básica é o primeiro passo para diminuir a pobreza e a posterior inclusão produtiva é a consolidação desta ação social. Entretanto, as famílias que dependem desta renda básica, como o Bolsa Família, são exatamente aquelas que possuem dificuldades de sobrevivência em um ambiente tão instável, pois elas são oriundas de uma realidade na qual a ocupação de um único espaço econômico é grande vitória familiar e a formação para se transformar continuamente de acordo com as modificações no mundo do trabalho não são sequer cogitadas pelos históricos de frequente marginalização e expropriação. Ultrapassar a situação de dependência econômica de programas governamentais, a nosso ver, se relaciona diretamente com a formação desta população para compreender as complexidades postas pelo mercado de trabalho globalizado e das condições e oportunidades abertas (e fechadas) em um país que se encontra completamente inserido neste contexto de transformação produtiva e tecnológica. É importante salientar que isso não significa formar esta população para um contexto de responsabilização individualizada pelo seu sucesso econômico, as

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inscrevendo em ações voltadas para o empreendedorismo, individualidade e informalidade, mas em uma perspectiva de sua inserção na formalidade do mercado de trabalho, de maneira a não responsabilizá-la unicamente pelos seus fracassos, mas considerar as responsabilidades do Estado e das empresas que dele se beneficiam por isenções diversas. É nesse contexto que partimos para as análises de dados obtidas ao longo da pesquisa. Inicialmente traçamos o perfil da cidade de Uberlândia, suas características econômicas, sociais e políticas, suas distinções quanto às condições de pobreza de outros municípios e as perspectivas postas para a inclusão produtiva da população atendida pelos programas de transferência de renda por meio da educação continuada, bem como das possibilidades da modalidade de Educação a Distância para atendimento às populações geograficamente dispersas e distantes dos espaços presenciais formativos (além das suas dificuldades financeiras para deslocamento aos espaços educativos).

Informação sobre o município de Uberlândia - MG A cidade de Uberlândia, Minas Gerais, está localizada no triângulo mineiro e é atualmente a segunda maior população do estado de Minas Gerais, atrás somente da capital Belo Horizonte. Segundo dados do IBGE, sua população é estimada em 604.013 habitantes, distribuídos da seguinte forma: (Tabela 1 e gráfico 1).

Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


Urbana

587.266

Rural

16.747

Total

604.013

Fonte: IBGE (2010)

Gráfico 1: Distribuição da população de Uberlândia

Fonte: IBGE(2010)

Conforme pode ser observado pela tabela e pelo gráfico, somente 3% da população Uberlandense reside na zona rural, apesar de sua força produtiva na agropecuária e agricultura, conforme veremos nas próximas análises. Observa-se, portanto, uma forte concentração da população no espaço urbano e forte concentração de renda e de terras no espaço rural, já que a área do município é de 4.115,82 km² e o seu perímetro urbano se restringe a 135,35 km. Quanto à renda, Uberlândia possui os seguintes indicadores: (Tabela 2 e 3)

Renda per capita da população Tabela 2: Renda per capita de Uberlândia. Renda per capita da população Média

Urbana

Rural

R$ 1.002,02

R$ 1.012,60

R$ 582,86

Fonte: IBGE(2010)

Se comparados com os municípios do estado de Minas Gerais, a cidade alcan-

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Tabela 1: população do município de Uberlândia – número de habitantes. População de Uberlândia

ça o 4º lugar como a maior renda, atrás somente das cidades de Nova Lima (R$ 1.653,47) Belo Horizonte ( R$ 1.493,21) e Juiz de Fora (R$ 1.063,03). A cidade possui médias maiores do que o estado de Minas Gerais e do Brasil, em suas rendas média na zona urbana (R$ 829,50 e R$ 419,14) Tabela 3: Comparação da renda per capita de Uberlândia, Minas Gerais e Brasil. Renda per capita Urbano-Rural

Urbana

Rural

Uberlândia

R$ 1.012,60

R$ 582,86

Minas Gerais

R$ 829,50

R$ 419,14

Brasil

R$ 904,71

R$ 366,92

Fonte: IBGE(2010


Conforme pode ser observado, apesar da renda média da zona rural de Uberlândia se aproximar do valor do salário mínimo do ano de 2011, existe uma diferença significativa entre a renda urbana e rural. O mesmo é observado na média brasileira, com um nível de desigualdade bem maior, demonstrando o quanto os bolsões de miséria no Brasil tem permanecido nas regiões rurais, direcionando políticas públicas para esta população. O Decreto nº. 7.492, de 2 de junho de 2011 instituiu o Plano Brasil sem Miséria e o seu artigo Art. 4o apresentou como objetivos do referido plano:

I - elevar a renda familiar per capita da população em situação de extrema pobreza; II - ampliar o acesso da população em situação de extrema pobreza aos serviços públicos; e III - propiciar o acesso da população em situação de extrema pobreza a oportunidades de ocupação e renda, por meio de ações de inclusão produtiva. Conforme dados preliminares do Censo IBGE ,2010, existem atualmente 16,2 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza, ou seja, possuem renda per capita de até R$ 70,00. Deste total, 47% estão localizados na zona rural, sendo a maioria no Nordeste Brasileiro (66%). Se considerarmos ainda que 51% desta população possui até 19 anos, observamos um quadro preocupante para o futuro, pois há grandes riscos de manutenção da pobreza na constituição de famílias futuras. Em função do quadro agravado da pobreza rural, o governo federal publicou o Decreto no. 7.644 de 16 de dezembro de 2011, que Regulamenta o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, instituído pela Lei no 12.512, de 14 de outubro de 2011. Dentre os objetivos deste programa, o inciso I, do seu artigo 3º estabelece como meta: estruturar atividades produtivas dos beneficiários com vistas à inclusão produtiva e promoção da segurança alimentar e nutricional. Observa-se, portanto, um quadro de atenção à população pobre, com vistas à sua inclusão produtiva e posterior saída desta condição. No que tange ao emprego na cidade de Uberlândia, temos os seguintes dados: (Tabela 4 e 5) Tabela 4: Quadro de empregos em Uberlândia Setor

No. de empresas

Participação (%)

No. de empregados

participação (%)

Indústria

2.535

7,49

30.394

16,1

Construçao Civil

2.549

7,53

14.322

7,6

Comércio

12.069

35,6

42.584

22,6

Serviços

15.102

44,6

95.568

50,8

Agropecuária

1.597

4,7

5.306

2,8

Total

33.852

100

188.174

100

Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia, 2011

27 Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


Setor

Admitidos

Demitidos

Saldo

Indústria

15.659

13.597

2062

Construçao Civil

17.095

13.948

3.147

Comércio

26.504

23.545

2.959

Serviços

43.852

36.847

7.005

Agropecuária

3.709

3.807

-8

Total

106.819

91.744

15.075

Fonte:Prefeitura Municipal de Uberlândia, 2010

Conforme pode ser percebido, o município de Uberlândia é dinâmico quanto à movimentação de sua população economicamente ativa e se apresenta como uma das cidades que mais abrem vagas de trabalho em todo o Estado de Minas Gerais. Apesar disso, conforme veremos na apresentação dos dados sobre a população beneficiada por programas sociais há um número relativamente alto de pessoas com baixa renda (em termos absolutos, não percentuais) e um alto quadro de oferta de novas vagas em diferentes setores, em especial os de Serviços, comércio e construção civil. O problema que se apresenta a partir destes dados preliminares é: quais os problemas para a inclusão produtiva da população economicamente ativa no mercado de trabalho de Uberlândia e porque, apesar da ampla oferta de vagas e crescimento do mercado, ainda existe um contingente populacional dependente dos programas de proteção social federal. Uma das hipóteses levantadas é a baixa escolaridade e qualificação da população atendida pelos programas sociais. O problema que se configura é mais a dificuldade de fazer com que a população sem qualificação específica para uma função a desenvolva do que a oferta dos cursos com esta função. Ocorre que a cidade possui políticas públicas de capacitação continuada da população de baixa renda e, entre 2009 e 2010 capacitou, por meio da oferta de cursos de curta duração nas áreas de serviços, construção, informática, atendimento, etc., mais de 15.000 pessoas. A previsão de oferta de vagas para 2012 é de 13.600 vagas. Este número é superior à quantidade de famílias atendidas, em média, pelo

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Tabela 5: número de admissões e demissões em 2010 .

Bolsa Família em 2011 no município, além de ser cerca de 1/3 das vagas de trabalho ofertadas mensalmente na cidade, conforme dados que iremos apresentar e analisar adiante. Do total de contingente de trabalhadores da cidade de Uberlândia, apenas cerca de 5.000 estão empregados na zona rural e o restante na área urbana. O setor de comércio e serviços é o que mais emprega e possui relevância no mercado de trabalho da cidade. Quase 75% da população está empregada em um destes setores, sendo que somente no setor de Call Center são 10 mil empregados nas duas principais empresas da cidade (Algar e Callink), conforme dados do Correio de Uberlândia e Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), publicados em dezembro de 2011.


Ao considerar o quadro econômico da cidade de Uberlândia, é possível observar uma aparente discrepância quando à gravidade do seu quadro de pobreza, já que a cidade não apresenta população residente na zona rural significativa e tampouco quadro de pobreza grave, já que é uma das cidades com maior renda em todo o Estado de Minas Gerais e do Brasil. Apesar disso, a cidade é constituída das desigualdades que acometem os municípios brasileiros e, ao mesmo tempo, tem demonstrado significativo vigor econômico, a exemplo do restante do Brasil. O vigor econômico se materializa pela criação de vagas no mercado de trabalho de todo o país, que, necessariamente, não são preenchidas em sua totalidade, em parte pela falta de qualificação da população, mas também pela sua dificuldade em obtê-la. Dados do Censo IBGE 2010, analisados pela organização não governamental Todos pela Educação mostra que quase 10% da população entre 4 e 17 anos encontra-se fora da escola, apesar da Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases Nº 9394/1996 considerar obrigatório e universal o acesso escolar nessa faixa etária. Não se trata de considerar os pressupostos da Teoria do Capital Humano e indicar uma relação direta entre escolaridade e renda, mas o desenvolvimento tecnológico contemporâneo tem transformado o mercado de trabalho e ampliado as exigências formativas do trabalhador. Mesmo se forem considerados setores como o de serviços, construção civil e comércio, a microinformática e novas técnicas e tecnologias aplicadas ao trabalho, demandam do trabalhador a ampliação do

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seu tempo de formação escolar e continuada. Segundo Oliveira (2011), “sob uma visão sistêmica, o vínculo entre educação e desigualdade social é inegável e tem consequências importantes para se pensar as estratégias políticas destinadas a enfrentar os problemas de desigualdade educacional”. Ou seja, apesar das políticas sociais de proteção social não contributiva terem, nos últimos anos, retirado da condição de pobreza um grande contingente de brasileiros, a consolidação destas políticas se dará com a efetiva inclusão produtiva da população atendida, de maneira a não dependerem mais destas políticas. Oliveira (2011, p. 334) afirma ainda que:

“As políticas destinadas à promoção de distribuição de renda mais democrática devem contemplar a educação, mas, sobretudo, a criação e manutenção de empregos. As pressões sobre a escola são maiores quanto menos a sociedade é capaz de desenvolver outras formas de distribuição de posições sociais.” A dificuldade encontrada no modelo de proteção social está em articular as suas políticas específicas com a formação continuada dos beneficiários e sua respectiva inclusão produtiva nas vagas criadas, bem como sua manutenção no emprego. Esta articulação é significativamente complexa, pois envolve diferentes setores políticos e atribui ao Brasil a necessidade de estabelecer políticas de Estado que garantam condições para o desenvolvimento produtivo e humano e sua respectiva manutenção da produção de riqueza em longo prazo. Ou seja, diminuir a probreza

Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


de renda e se torna uma articulada política de Estado. A partir destes dados, outro problema se apresenta para nossa análise: se há oferta de capacitação, bem como de vagas no mercado de trabalho, como explicar o número de pessoas atendidas pelo Bolsa Família no município? Medeiros et al (2008) afirma que não há indicações de que as transferências afetem de modo substantivo (e indesejável) a participação no mercado de trabalho. Entretanto, os dados mostram um número significativo de pessoas fora do mercado formal de trabalho na cidade. Há de reforçar o caráter da formalidade, pois os dados analisados do CADÚNICO não nos permitiram ter outras referências financeiras da população atendida, devido à ausência das informações. Além disso, a pesquisa não pôde ser realizada in loco com a população pelo seu escasso tempo de realização, mas acreditamos que o próximo passo seja empreender um grande levantamento de dados qualitativo junto à população atendida pelo Bolsa Família, de maneira a compreender outras formas de renda obtidas por elas. A seguir na tabela 6 temos o número de ofertas de emprego no município (levantamento feito entre maio e agosto de 2011) Tabela 6: escolaridade exigida para ocupar vagas de emprego em Uberlândia. Escolaridade

850

Até 5ª série

325

Ensino fundamental incompleto

115

Ensino fundamental completo

441

Ensino médio incompleto

172

Total

1903

Fonte: SINE-Uberlândia

O recorte na formação se deu pela hipótese levantada pelo grupo de que a maioria das pessoas atendidas pelo Programa Bolsa Família ou por qualquer programa social do governo não possuíam qualificações mínimas para sua inclusão produtiva. Este recorte foi realizado antes do recebimento dos dados referentes ao CADÚNICO da cidade, conforme mostraremos adiante. Ainda que o ensino médio incom-

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

ultrapassa uma política de governo, como são os atuais programas de distribuição

pleto não fizesse parte de nossa hipótese de formação dos beneficiários, optamos por mantê-lo, de maneira a ampliar as possibilidades analíticas após o recebimento do dados do CADÚNICO. Outra questão importante em relação às vagas oferecidas foi o recorte naquelas que não exigiam condicionalidades quanto ao local de moradia ou idade. A maioria das vagas não exigia experiência anterior (cerca de 80%) e mais da metade está voltada para a área de serviços, principalmente no setor de atendimento telefônico (Call Center, Telemarketing etc). Conforme dito anteriormente, Uberlândia se destaca no cenário nacional por ser um centro de serviços de call-centers, com atendimento a diferentes segmentos de empresas, devido a isso, o percentual de vagas para este campo atinge cerca de 500 vagas do total levantado.


Dados do Sistema Nacional de Emprego (SINE) (2011) indicam que as vagas em aberto, juntamente com a média de contratações realizadas mês a mês, mostra cerca de 700 novas vagas sendo ofertadas todos os meses, acumulando mais de 15.000 novos postos de trabalho em 2010 e 2011. Ou seja, há uma manutenção do número de cargos em aberto em Uberlândia. Uma análise mais detalhada junto às empresas é necessária, pois não foi possível pesquisar junto a elas o índice de rotatividade dos cargos, ou seja, a sua reorferta no período pesquisado em função de alto índice de demissões ou de troca de emprego pelos trabalhadores.

CADÚNICO em Uberlândia: aspectos sociais. O CadÚnico foi utilizado como referência para cruzamento de dados a respeito da população atendida por programas sociais do governo federal e suas potencialidades de inclusão produtiva, bem como de realização de cursos de capacitação. Em 2011 o CADÚNICO passou por uma atualização de grande porte que fez com que os seus dados e variáveis fossem modificados e ampliados significativamente. Isso gerou um grande processo de atualização e transição que acabou por gerar problemas para o desenvolvimento da pesquisa. No início de 2011 a nova versão, (número 7), passou a ser utilizada para atualização dos dados dos beneficiários de programas do governo. Dentre as principais novidades desta versão, houve uma ampliação de dados e variáveis, tornando a avaliação social do beneficiário mais completa, além da atualização e cadastro instantâneos, por meio do preenchimento de formulários online (antes os arquivos eram enviados pela internet e atualizados na base de da-

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dos do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome). Após análise junto à equipe da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAGI-MDS, a equipe optou por utilizar os dados da versão 6. Inconveniente desta versão, além da ausência de dados constantes na versão 7, foi o fato dos dados serem referentes a agosto de 2010, portanto, desatualizados no período em que houve a pesquisa do banco de dados do SINE (entre março e agosto de 2011). Entretanto, esta base encontrava-se mais confiável do que a última versão, devido ao processo já mencionado de atualização.

Percurso de análise dos dados Após o recebimento do banco de dados CADÚNICO com as variáveis definidas pelo grupo de pesquisa, iniciamos a categorização dos dados, para posterior análise. Trata-se de um conjunto extenso e complexo de dados e a delimitação dos dados, em função de nossos objetivos de pesquisa, foi fundamental para compreender o problema. O banco de dados possuía um total de 112.395 pessoas cadastradas no CADÚNICO. Entretanto, sabemos que este cadastro não diz respeito apenas àqueles que possuem algum benefício do governo federal, pois é um cadastro obrigatório para obter isenção de taxa de vestibular, Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), concursos públicos, etc. Dessa forma, organizamos os dados em função do número de famílias cadastradas, já que cada uma possui um código familiar que a identifica. Dessa forma, chegamos ao total de 30.588 famílias, sendo que a referência familiar era a identificação

Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


outras treze que indicam cônjuge, companheiro, filhos, pai, avô etc. Recorremos então ao objetivo de nosso trabalho, que era o de localizar famílias beneficiárias e elaborar análises de dados que demonstrassem suas referências escolares e financeiras, no intuito de compreender as possibilidades de qualificação profissional deste público para sua inclusão produtiva. Selecionamos então aquelas famílias cujos chefes informaram não possuírem trabalho remunerado à época do cadastro. Apesar desta situação ser indicada por mais de 11401 famílias, precisamos efetuar outros filtros, pois havia dados imprecisos que informavam situações de trabalho com carteira assinada. Retiramos também o universo de pessoas que se declararam aposentadas, bem como aquelas que estavam recebendo seguro-desemprego. No primeiro caso, em função de haver uma renda permanente na família, no segundo, por ela ser provisória, com tempo de duração determinado. Optamos por não retirar o item pensão alimentícia, por ser, historicamente, baixo para ser considerado uma remuneração, desde que não ultrapassasse o valor de R$ 70,00 per capita. Em seguida, eliminamos os dados que mostravam haver apenas uma pessoa (ou até mesmo nenhuma) na família, de maneira a detectar a presença de crianças, jovens e adultos dependentes financeiros do chefe/responsável legal pela família. Não eliminamos as famílias com duas pessoas, por considerar que existem casos de separação de casais com um filho, constituindo-se, dessa forma, uma família com duas pessoas. Ao excluir do universo de pesquisados as pessoas com renda per capita superior a R$ 140,00, chegou-se ao número de 8.115 famílias, um número abaixo da média publicada mensalmente pela prefeitura de Uberlândia, para fins de habilitação para pagamento do benefício bolsa-família. Os números da prefeitura são variáveis, mas oscilam entre 8.500 famílias e 9.200, desde abril de 2011. Acreditamos que os dados coletados podem apresentar imprecisões, uma vez que foram retirados do quadro analítico, por exemplo, pessoas cadastradas no CADÚNICO com renda de 20 mil reais ou mais,o que demonstra, possivelmente, imprecisões na digitação dos dados. De qualquer forma, não é possível trabalhar com dados que não possuímos, por isso, optamos por considerar o número encontrado de famílias: 8.115.

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

do beneficiário como mãe/responsável legal pela família. Além desta variável, há

Escolaridade das mulheres/chefes de família selecionadas Do total de 8.115 famílias analisadas, 7.796 responsáveis legais não freqüentam a escola e 319 a freqüentam. Do total, a escolaridade informada pode ser observada na tabela 7 e no gráfico 3 a seguir:


Tabela 7: escolaridade dos chefes de família cadastrados no CADÚNICO Escolaridade

Chefes de familia

Não informado

929

analfabeto

292

4ª serie incompleta 4ª série completa 5ª a 8ª series incompletas

1.561 751 2.470

Ensino fundamental incompleto

498

Ensino médio incompleto

647

Ensino médio completo

926

Ensino superior (todos)

41

TOTAL

8.155

Fonte: CADÚNICO, agosto de 2010

Gráfico 3: escolaridade dos chefes de família cadastrados no CADÚNICO.

33 Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda

Fonte: CADÚNICO, agosto de 2010

Conforme pode ser percebido, há uma proximidade entre a escolaridade declarada pela maioria dos responsáveis legais e as demandas no mercado de trabalho de Uberlândia. 77% dos responsáveis legais possuem até o ensino médio incompleto. Cabe salientar que o percentual declarado analfabeto não ultrapassa 4% da população pesquisada, alcançando, números menores do que a média brasileira. Outro dado interessante foi o alto percentual de responsáveis legais com ensino médio incompleto ou completo (19% do total). A hipótese ante-


mais baixa entre os responsáveis legais desempregados, devido à interpretação de que o desemprego estava referenciada à sua baixa qualificação e formação.

Políticas formativas continuadas A pesquisa de campo demonstrou haver uma proximidade entre a qualificação e escolaridade exigidas para assumir um posto de trabalho na cidade de Uberlândia. De uma média 2.345 vagas abertas entre os meses de maio e agosto de 2011, cerca de 1900 foram ofertadas para pessoas com escolaridade até o ensino médio incompleto, ou seja, 81% das vagas ofertadas. Este dado é bem próximo do percentual de responsáveis legais, de acordo com sua escolarização. Conforme visto neste texto, a prefeitura de Uberlândia tem oferecido cursos gratuitos de qualificação profissional para este público, sendo que anualmente são formadas aproximadamente 8 mil pessoas e há a previsão de 13.700 vagas para 2012. É pertinente chamar a atenção para o fato de haver, inclusive, cursos de formação itinerante, ofertados em ônibus municipais, de maneira a minimizar os problemas com gastos referentes a transporte do aluno que, possivelmente, não possui condições financeiras de se responsabilizar por este custo. O problema que se coloca é: que existem vagas em aberto na cidade, com qualificação semelhante à das pessoas beneficiárias de programas de transferência de renda do governo. Além disso, existem projetos de qualificação e formação continuada dos públicos que se encontram fora do mercado de trabalho, em número adequado ao contingente demandado pelo mercado de trabalho de Uberlândia, além do contingente que se encontra em condições de pobreza ou pobreza extrema na cidade. Entretanto, há uma manutenção histórica, desde 2010, do número de beneficiários mensais do Bolsa Família na cidade de Uberlândia. Uma possível explicação pode ser relacionada aos horários de ofertas dos cursos. Praticamente todos são oferecidos no período da tarde. Caso o possível aluno esteja em situação de busca por emprego, ou desenvolvendo alguma atividade produtiva informal para garantir o seu sustento, dificilmente teria condições de desenvolver os cursos. Além disso, os dados mostram que 70% dos chefes de família pesquisados são mulheres, o que indica a necessidade de cuidados com as crianças e jovens que pertencem

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

riormente levantada considerava mais provável encontrar uma escolaridade

à família, tornando o seu tempo para capacitação ainda mais reduzido. Entretanto, uma melhor análise desta situação exige um trabalho de campo intensivo junto às famílias, uma vez que os dados do CADÚNICO não nos forneceram pistas a respeito das possíveis atividades desempenhadas pelas chefes de família que podem diminuir ou mesmo inviabilizar suas atividades formativas e laborais (exemplo: cuidado de crianças ou pessoas idosas, ausência do companheiro/cônjuge para ajudar nas atividades familiares etc.).


Outro aspecto que merece a atenção diz respeito ao tipo de oferta de cursos de capacitação. Há uma oferta excessiva de cursos voltados para o empreendedorismo individual, como bordado, costura, manicure, pedicure. Dados publicados em julho de 2011 (CORREIO DE UBERLÂNDIA, 2011) mostram que a população da cidade tem declinado de determinados tipos de trabalho, sobretudo aqueles relacionados a trabalhos manuais, como: corte e costura, marcenaria, serralheria, pedreiro, etc. Além disso, conforme afirmado no início deste texto, o foco das políticas públicas de formação profissional e geração de emprego e renda deve ser, a nosso ver, a criação de condições para inclusão formal no mercado de trabalho e não a qualificação para atividades empreendedoras e informais. Estas atividades, ao invés de promover a cidadania, devolvem para a população a responsabilização pela sua empregabilidade. A instabilidade do mercado global não dá quaisquer garantias aos trabalhos formais e menos ainda aos informais. Durante a década de 1990 o Brasil chegou a ter pouco mais de 30% da população com carteira assinada, momento no qual houve recrudescimento nas desigualdades socioeconômicas. Conforme afirmado por Oliveira (2011), a oferta de condições concretas de crescimento econômico são fundamentais para diminuir a pressão pela escola, na medida em que a inclusão produtiva se dá nos diferentes níveis educacionais e não somente no topo da formação profissional. Há um grande risco, portanto, das políticas públicas voltadas para a inclusão produtiva formal desta população serem ineficazes, pois há uma necessidade de se

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compreender quais as expectativas, dificuldades, desejos e interesses profissionais deste público, de maneira a permitir a ele a opção de escolher suas trilhas, seus caminhos para seu pleno desenvolvimento profissional. Não basta oferecer um número reduzido de cursos, cuja oferta se relaciona mais a tradições das políticas públicas. A análise dos dados, nas condições que foram colocadas ao grupo de pesquisa, mostrou que pouco se conhece a respeito das famílias atendidas pelos programas de transferência de renda. Não se trata apenas de conhecer suas limitações financeiras, ou os aspectos objetivos que as condicionam na linha de extrema pobreza, mas de atribuir subjetividade e humanidade no seu atendimento, de permitir escolhas que ultrapassem uma qualificação de curta duração, mas se transformem em ações educativas sólidas, que formem os sujeitos para a sua efetiva emancipação. A Educação a Distância (EAD) deve ser considerada, neste contexto, como possibilidade de concretização deste modelo educativo que privilegie a procura dos chefes de famílias por garantir formações de maior solidez para torná-los profissionalmente mais qualificados, sem que a limitação do deslocamento ou falta de recursos financeiros sejam limitadores para a conclusão destes cursos.

Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


tar políticas de formação profissional para a população atendida pelos programas sociais que não privilegiem a curta duração, seja pela ausência de recursos para deslocamentos, seja pela compreensão de que privilegiar o empreendedorismo seria a melhor opção para estes grupos sociais. É necessário que estas políticas formativas tenham relação direta com as políticas econômicas, no sentido de empreender ações educativas que atendam tanto inclusão produtiva destes grupos historicamente marginalizados, quanto as atuais e contínuas demandas produtivas, relacionadas ao crescimento econômico do país. Ou seja, trata-se da criação de uma cultura de formação sólida e integral para a população pobre, em um sentido de efetiva constituição de cidadania. A nosso ver, dadas as limitações físicas e materiais, tanto desta população, quanto do alcance do governo, a EAD é a modalidade mais indicada, porque privilegia a flexibilidade necessária a estes chefes de famílias que são, conforme dados apresentados, em sua predominância mulheres que precisam cuidar de seus filhos. A EAD diminui também a pressão sobre os gastos da família, ao diminuir as despesas com a educação profissionalizante, dada a necessidade de poucos deslocamentos ao espaço escolar. A EAD permite ainda a oferta de diferentes áreas profissionais, permitindo ao beneficiário dos programas governamentais tecer escolhas sobre seu futuro na sociedade, retirando assim a perspectiva de inserção por meio de ofertas que o direcionam menos para a integração na sociedade do que a sua individualização em atividades informais e empreendedoras. Conforme pôde ser observado ao longo deste artigo, esta pesquisa possui como desdobramentos a necessidade de se repensar as práticas de formação profissional das pessoas em situação de vulnerabilidade. Tais práticas devem ser vinculadas a propostas educativas que não se atenham a resultados imediatos, mas de uma formação mais sólida que garanta a capacidade de emancipação econômica presente e futura do educando. Nesse sentido, podemos concluir que a perspectiva de formação continuada por meio da Educação a Distância pode ser um caminho possível, pois garante a flexibilidade de tempo e espaço necessária para um público que já se desacostumou

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

O que queremos indicamos com esta afirmativa é a necessidade de implemen-

com a escola convencional (presencial), mas que necessita de uma formação com as características deste modelo escolar, sob o risco de “experimentar” formações curtas que não lhe permitam se posicionar e realizar escolhas profissionais, mas apenas se inserir de maneira informal e sem garantias sociais.


REFERÊNCIAS ARRUDA, Eucidio Pimenta. Ciberprofessor: novas tecnologias, ensino e trabalho docente. Belo Horizonte: Autência, 2004. BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Concepção e gestão da proteção social não contributiva no Brasil. Brasília: UNESCO, 2009. BRASIL. Presidência da República. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 24/12/1996. BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 7492, de 02 de junho de 2011. Institui o Plano Brasil Sem Miséria. BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 7447, de 1º de março de 2011. Dá nova redação ao art. 19 do Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta a Lei no 10.836, de nove de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família. COELHO, Maria Francisca Pinheiro et al. Políticas públicas para o desenvolvimento: superar a pobreza e promover a inclusão. Brasília: MDS, UNESCO, 2010. CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: Revan/UFRJ, 1994. CORREIO DE UBERLÂNDIA. Jornal. Uberlândia, 15 de dezembro de 2011. CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação básica como direito. Cadernos de Pesquisa, v. 38, n. 124, maio/ago. 2008. MEDEIROS, Marcelo; BRITTO, Tatiana; SOARES, Fábio. Transferência de renda no Brasil. Novos estud. CEBRAP, n.79, p. 5-21, 2007. LITTO, Fredric Michel; FORMIGA, Manoel Marcos Maciel (Orgs.). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. FORMIGA, João Roberto Moreira Alves. A história da EaD no Brasil. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. MOURA, Erica Meireles de; Castro, Milena Resende; ARRUDA, Eucidio Pimenta. A crescente demanda no setor de telemarketing e o aumento do desemprego. Quais os motivos e caminhos possíveis para sanar o paradoxo. In: Simpósio Internacional O Estado e as Políticas Educacionais no Tempo Presente, 7. Anais. Uberlândia: Edufu, 2011.

37 Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


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inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). 2010.


39 Programas de transferência de renda: potencialidades da qualificação profissional na inclusão produtiva da população de baixa renda


Frida Marina Fischer - universidade de São Paulo | uSP Andréa Aparecida da Luz - universidade de São Paulo | uSP

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à Fome

inclusão produtiva de Jovens estudantes: um estudo de caso em orGaniZação não Governamental na cidade de são paulo

introdução


Juventude e trabalho na sociedade contemporânea De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2011), cerca de 62 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, no mundo, estão inseridos em atividades produtivas e de trabalho formal e informal. No Brasil, aproximadamente 18 milhões de jovens estão inseridos no mercado de trabalho (IBGE, 2009). Em 2011, nas capitais: Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre o número de jovens trabalhadores, com mesma faixa etária representavam 17,2% da população economicamente ativa dessas cidades. Contudo, nas mesmas capitais, concentra-se um grande número desses jovens desempregados, totalizando 41,6% (IBGE, 2011). Para os jovens pertencentes a famílias de baixa renda a dificuldade para ingressar no trabalho é ainda maior (DIEESE, 2006). Mediante essas circunstâncias, os jovens se deparam com a necessidade de ingressar no mercado de trabalho cada vez mais cedo, em busca de melhorias das condições financeiras pessoais e da família e de adquirir experiência profissional (FISCHER et al., 2003; LUZ, 2010). Esferas políticas e governamentais estão envolvidas com o objetivo de promover projetos de inclusão produtiva à população. Segundo Castro et al. (2010) persiste um discurso que o Programa Bolsa Família (PBF) deveria fazer a ponte entre os projetos de inclusão produtiva e seus beneficiários. De acordo com esses autores atribuir essa responsabilidade a um só programa pode comprometer os objetivos essenciais do próprio programa Bolsa Família.

“O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O Programa integra o Fome Zero que tem como objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais vulnerável à fome. O Programa atende mais de 13 milhões de famílias em todo território nacional. A depender da renda familiar por pessoa (limitada a R$ 140), do número e da idade dos filhos, o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32,00 a R$ 306,00”. (MDS, 2012). Mediante esse contexto há necessidade de ampliar esforços e iniciativas que garantam a população, tida com a premissa de vulnerabilidade social, meios de superação da pobreza, inserção social e inclusão produtiva (CASTRO et. al., 2010). Nesse sentido, apesar das dificuldades observadas para a obtenção de empregos, notadamente, para a população jovem, o Governo Brasileiro tem reconhecido a importância do ingresso no trabalho para essa população, criando leis e programas socioeconômicos direcionados à juventude brasileira no intuito de se promover inclusão produtiva, erradicar o trabalho infantil e proteger o jovem trabalhador. Dentre elas, destacam-se neste estudo: A Lei nº 10.097/2000 – A Lei da Aprendizagem Profissional, trata das relações jurídicas pertinentes à contratação de aprendizes, garantindo seus direitos trabalhistas e previdenciários, além do direito ao acesso e frequência à escola (BRASIL, 2000).

41 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


que o programa social que tenha por base o trabalho educativo, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada, como exemplificado: Parágrafo 1º “Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo” (BRASIL, 1990). São muitas as estratégias atualmente empregadas na mobilização pela inserção social e no trabalho de jovens, com a criação de leis e programas que permitem formas alternativas de inclusão produtiva em busca de melhorias da condição financeira pessoal e da família. Reconhecer essa realidade e fomentar esse potencial inclusivo, até mesmo pela capacidade desses programas de gerar e distribuir renda e proteção social deve ser uma tarefa constante na aplicação e formulação de políticas públicas específicas para a juventude (IPEA, 2008).

Políticas públicas, trabalho e juventude no Brasil A juventude pode ser compreendida como um processo de construção social, histórica e de desenvolvimento biológico e psíquico (PERALVA, 1997). Para uma melhor compreensão da faixa etária que abrange o período da Juventude, utilizaremos o ciclo etário definido pela Organização das Nações UnidasUNESCO (2004), entre 15 e 29 anos. De acordo com Mendonça (2002), a concepção da criança e do jovem como seres em desenvolvimento no mundo moderno, foi resultado de um longo processo que envolveu transformações na organização social, desde o ponto de vista da esfera da família até as Políticas Públicas. Assim, essa autora aponta que a infância e juventude na perspectiva de grupos socialmente construídos, permitiram a adoção de práticas sociais condutoras de formação de identidade sociocultural infanto-juvenil, somando à agenda das políticas públicas e sociais, cuidados mais abrangentes em relação à formação pessoal, educação e saúde dessa população. No âmbito internacional, algumas práticas específicas, incluindo a faixa etária infanto-juvenil, estão incluídas nas agendas governamentais e de desenvolvimento social, quais sejam: direito a educação, saúde, moradia, alimentação, entre outros

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

A Lei 8.069/2000 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - O Art. 68 descreve

aspectos da atenção integral à infância e juventude (OIT, 2004). Na Europa e nos Estados Unidos, a formulação de Políticas para a Juventude é apresentada no decorrer do século XX, marcada pela criação de leis e instituições governamentais de atendimento específico infanto-juvenil. Na América Latina, a preocupação com os jovens e com políticas direcionadas a essa população ganhou representatividade a partir da década de 1970, com iniciativas de algumas instituições latino-americanas e mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e ações de cooperação regional Íbero-americana (KERBAUY, 2005). Em nível mundial, outros estudos apontam uma preocupação com a Juventude nas agendas políticas desde a década de 1950, com maior investimento na educação como aspecto importante para a inclusão dos jovens aos processos de globalização e inserção social. Os resultados dessas pesquisas apontam para uma esta-


tística representativa de inserção de jovens na escola e o Estado como instância responsável pela garantia ao acesso à educação (MENDONÇA, 2002). No Brasil, o debate sobre políticas infanto-juvenil apresenta como um dos seus marcos histórico-institucionais, a Lei Nº 8.069 de 1990, que trata da redação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Esta mobiliza diversos setores da sociedade e novas práticas de atenção integral à infância, adolescência e juventude (BATISTA, 2009). De acordo com essa Lei considera-se criança a faixa etária entre zero a 12 anos e adolescência (também compreendida no período adotado para juventude neste estudo) entre 12 e 18 anos (BRASIL, 1990). A partir da publicação do ECA (1990), passou-se a considerar na perspectiva da juventude (compreendendo infância e adolescência) , etapas distintas da vida em processo de desenvolvimento físico e psíquico, com garantias à cidadania. A constituição de políticas públicas de juventude esbarra na ausência de uma agenda que inclua, de fato, os próprios jovens como participantes do processo de construção de práticas relacionadas aos problemas da juventude, dos quais serão beneficiários (KERBAUY, 2005). De acordo com Abramo (1997), essa perspectiva coloca o jovem em uma posição antagônica à da vida adulta e com a necessidade de ser preparado para ser tornar um adulto produtivo, responsável pelo seu futuro pessoal e profissional, e pelo progresso nacional. Dessa forma, o foco das políticas para jovens dirige-se, então, para a ocupação produtiva do tempo livre, a educação e a profissionalização dessa população.

43

Sposito e Carrano (2003) apontam em seus estudos sobre a juventude e políticas públicas no Brasil quatro pontos importantes e que marcaram os distintos modelos de políticas direcionadas à juventude na contemporaneidade, quais sejam, a ampliação da educação e a ocupação do tempo livre, o controle social de setores juvenis, o enfrentamento da pobreza e a prevenção de delitos e a inserção laboral de jovens socialmente excluídos. Mediante esse contexto, o foco das políticas públicas, atualmente, busca delinear uma “juventude” ocupada e em plena produtividade, dinâmica e que contribua com o desenvolvimento social e econômico no país, assim, resignificando a juventude como um “ator” estratégico no desenvolvimento e não como conotação “problemática” (IPEA, 2008). Em relação à ocupação produtiva do tempo livre e inserção no mercado de trabalho, Batista (2009) aponta que, tradicionalmente, os estudos apresentam a condição juvenil como passagem para a vida adulta e com especificidades relacionadas ao comportamento e a vulnerabilidade a qual o jovem está exposto - marginalidade, uso de drogas, delitos, entre outros - e a mudança desse cenário está diretamente ligada ao ingresso no trabalho. Entretanto, no processo para ingressar no mercado de trabalho os jovens se deparam com as exigências da capacitação, da experiência, desemprego, trabalho informal e precário (SPOSITO e CARRANO, 2003). As transformações nas esferas do trabalho nas últimas décadas, refletidas nos quadros atuais de desemprego e falta de qualificação, inserem novos desafios e complexidades à Juventude, em relação concomitância entre escola, educação, capacitação profissional e necessidades financeiras pessoais dos jovens e da fa-

Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


Nesse sentido, algumas ações em nível mundial, das políticas públicas direcionadas ao trabalho de jovens destinam-se à proteção dos direitos trabalhistas, a garantia e frequência à escola e ao desenvolvimento de atividades práticas no mercado de trabalho (OIT, 2004; IPEA, 2008).

Inclusão Produtiva, escola e saúde de jovens em São Paulo A inserção de jovens no mercado de trabalho foi analisada por vários autores. Destacamos os estudos de Fischer et al, 2003, 2006; Teixeira et al, 2004, 2007; Luz, 2010, Turte, 2012. Nestas publicações foram observadas várias repercussões na saúde e qualidade de vida dos jovens estudantes trabalhadores. O ingresso precoce em atividades laborais somando-se a frequência à escola, principalmente no período noturno, está relacionado com sobrecarga de atividades levando a débitos importantes de sono durante a semana, sonolência excessiva durante as aulas, falta de tempo para estudar e para atividades físicas e de lazer, dificuldades para alimentar-se adequadamente; somam-se queixas frequentes de dores no corpo, cansaço físico e desgaste mental (estresse), incluindo a violência psicológica no trabalho. Vários estudos apontam consequências negativas para o desenvolvimento físico e psicossocial de jovens inseridos precocemente no trabalho. Conforme mencionado acima a competição entre atividades de trabalho, extracurriculares, domiciliares e escolares, podem causar conflitos ao jovem na administração destes eventos, o que impede o jovem de dedicar-se a atividades lúdicas e sociais condizentes com sua idade, contribuindo para um isolamento social, dos pares e da família. Além disso, a sobrecarga de atividades contribui para o comprometimento do desenvolvimento acadêmico do jovem (FISCHER et al, 2003; OLIVEIRA et al., 2006). Em recente trabalho de Santana et al, (2011) foi evidenciado que os jovens estão muito mais suscetíveis aos acidentes de trabalho do que os adultos (SANTANA, 2011). Embora a faixa etária compreendida entre 15 e 29 anos, seja um período importante para a conclusão da formação escolar e para o ingresso na vida profissional, a maioria dos jovens que trabalha não consegue conciliar a formação escolar e profissional (VIEIRA, 2001). Dessa forma, a diminuição da evasão escolar também é um fator importante para proteção do adolescente trabalhador. Segundo o Anuá-

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

mília (BATISTA, 2009).

rio dos Trabalhadores (DIEESE, 2007) a porcentagem de jovens que não estudam e são trabalhadores e/ou estão procurando emprego é significativa, representando 50,6% do total dos jovens de regiões metropolitanas do estado de São Paulo, a maior porcentagem comparada a outros estados brasileiros (Tabela 1).


Tabela 1: Distribuição dos jovens de 16 a 24 anos, segundo situação de trabalho e estudo – Regiões Metropolitanas e Distrito Federal 2006 (em %)

Situação de Trabalho e Estudo

São Paulo

Porto Alegre

Belo Horizonte

Salvador

Recife

Distrito Federal

Só Estuda

13,6

20,4

21,8

23,3

28,4

17,9

Estuda e trabalha e/ou procura trabalho

25,3

23,8

25,3

26,4

20,0

28,1

50,6

45,1

44,4

40,0

35,7

44,8

Apenas cuida dos afazeres domésticos

4,9

5,1

4,0

3,4

5,8

3,2

Outros

4,5

5,6

4,5

7,0

10,0

5,9

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Só trabalha e/ou procura

TOTAL

Fonte: DIEESE/Seade, MTE/FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, 2007.

Em busca de melhores condições financeiras e inserção social por meio do ingresso no trabalho, os jovens se deparam com a necessidade de trabalhar e estudar concomitantemente (FISCHER et al., 2003). Além disso, encontram os desafios do próprio ambiente de trabalho, que, em virtude das mudanças ocorridas na economia mundial, tem exigido um perfil profissional polivalente e multifuncional (ANTUNES, 2007). Inserido nessas mudanças, o trabalhador enfrenta os desafios do aumento da competitividade e produtividade no mercado de trabalho e entre os próprios colegas no ambiente profissional, com maiores exigências de suas habilidades e competências (GOMES e COSTA, 1999). Mediante o crescente número de jovens inseridos no mercado de trabalho, torna-se importante a avaliação das condições de inserção e das repercussões da inclusão produtiva na vida de jovens estudantes. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) por meio de diferentes instâncias – públicas, privadas, religiosas, sindicais, sociais, entre outras – vêm promovendo várias ações de inclusão produtiva para combater à fome e à miséria. Na tentativa de construir soluções coletivas o Governo Brasileiro tem criado leis e programas que promovem a inserção social e produtiva de jovens e adolescentes estudantes, tais como, a Lei 10.097/2000 e Lei 8.069/1990. A inclusão produtiva é uma estratégia fundamental a ser adotada para que a população possa ter condições de assumir efetivamente a plena cidadania, com direito a adequadas condições de vida e saúde (CAMPOS, 2007). Contudo, resultados de vários estudos nas últimas décadas mostraram as repercussões negativas da inclusão produtiva na saúde e no desempenho escolar de jovens estudantes (FRANKLIN et al., 2001; TEIXEIRA et al., 2004; NAGAI et al., 2007; GALASSO e FISCHER, 2005; AMAZARRAY, et al., 2009, LUZ, 2010).

45 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


poderá auxiliar na implementação de leis e programas destinados a inserção da juventude no mercado de trabalho. Uma vez que, quando aliados, MDS e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) visam proporcionar inclusão produtiva aos jovens com o objetivo de promover a inclusão social bem como tornar mais digna as condições de vida da população. O presente trabalho teve como objetivo geral analisar e descrever formas de Inclusão Produtiva e suas repercussões na vida de jovens estudantes. E como objetivos específicos:

(1) Identificar por meio dos relatos dos participantes aspectos relacionados ao ingresso no mercado de trabalho dos jovens. (2) Conhecer as formas de inclusão produtiva dos participantes e a composição da renda familiar antes e após inserção dos jovens no trabalho. (3) Analisar e descrever as percepções dos jovens e de seus responsáveis legais sobre mudanças ocorridas, na vida individual e familiar, após inclusão produtiva do jovem.

MÉTODO Local e População do Estudo O estudo foi realizado numa Organização Não Governamental (ONG) situada na região Sul de São Paulo, Capital, que tem como objetivo a preparação profissional, encaminhamento e colocação de jovens no mercado de trabalho. A ONG oferece um curso de “Preparação para o trabalho” de 600 horas a cada semestre. Após o término do curso preparatório o jovem é encaminhado e pode ser contratado, por empresas parceiras da instituição, por até dois anos na condição de Aprendiz do Programa de Aprendizagem ou como Estagiário do Programa Estágio do Trabalho Educativo. Desde a contratação até a finalização do contrato de trabalho, os jovens são acompanhados pelos profissionais da ONG. O curso de

inclusão produtiva

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A avaliação das repercussões da inclusão produtiva na vida de jovens estudantes

preparação para o trabalho oferecido nesta ONG segue as diretrizes estabelecidas pela legislação da Lei da Aprendizagem (Portaria 615, Decreto no. 5.598/2000) e Artigo 68 do ECA. Portanto, estão inclusos no programa de preparação para o trabalho nesta ONG, entre outros, os seguinte itens: preenchimento de currículos, postura profissional durante e após seleção, temas relativos à segurança e direitos do jovem trabalhador, oficinas de saúde, idiomas, técnicas administrativas, relações humanas no trabalho, lógica e matemática, informática, dinâmica de grupo, comunicação oral e escrita. A inserção dos jovens no trabalho se faz a partir de encaminhamentos da ONG para as empresas parceiras das regiões sul, centro e oeste de São Paulo.


Composição dos grupos participantes e critérios de inclusão Grupo 1 (G1): Jovens integrantes do curso preparatório para o trabalho no primeiro semestre de 2011.

Grupo (G2): Jovens do G1 contratados na condição de Aprendiz ao final do curso preparatório.

Grupo (G3): Jovens do G1 contratados na condição de Estagiário ao final do curso preparatório.

Grupo (G4): Pais e/ou responsável legal pelo jovem participante. Critérios de inclusão no estudo Dos 120 jovens que concluíram o curso preparatório ao final do mês de junho de 2011, 30 foram encaminhados para o mercado de trabalho entre julho e agosto de 2011. Destes, 20 aceitaram participar deste estudo, acompanhados do pai, mãe e/ou responsável legal. Foi feito contato pessoal com os jovens encaminhados ao trabalho no período citado.

Pré-teste Foi realizado um pré-teste com todos instrumentos (roteiro de entrevista e grupo focal, questionário sobre condições socioeconômico e demográficas, e de saúde) com população semelhante a do estudo, ou seja, de jovens entre 14 e 20 anos, acompanhados dos pais ( ou responsáveis), visando avaliar a adequação da condução dos instrumentos. Observou-se que, tanto no grupo focal, entrevista quanto no preenchimento do questionário, pais e jovens não apresentaram nenhum sinal de descontentamento ou constrangimentos por estarem juntos participando; ao contrário, colocaram-se à disposição do pesquisador nas discussões e reflexões acerca da temática “inclusão produtiva de jovens estudantes”.

Procedimentos para a coleta de dados A coleta de dados foi realizada entre os meses de junho a novembro de 2011. Foram utilizadas diferentes técnicas para a coleta, tais como: grupos focais, entrevistas individuais e aplicação de questionário. A coleta de dados foi realizada em duas etapas, apresentadas a seguir:

Etapa 1: Foram incluídos na pesquisa 20 jovens – (G1), entre 14 e 20 anos, que estudavam no período noturno (escola pública, curso técnico ou faculdade) participantes do programa de preparação para o trabalho e que estavam sendo encaminhados para empresas contratantes na condição de aprendiz (G2) ou estagiário (G3), todos acompanhados de pai, mãe ou responsável legal (G4).

47 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


estudo. Uma breve explicação dos instrumentos e a finalidade do estudo foram apresentadas ao início de cada encontro. Os jovens juntamente com seus pais ou responsável legal aceitaram participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa COEP da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Todos os encontros foram realizados em sala reservada na própria ONG. Durante todo o processo de coleta de dados os pesquisadores se colocaram à disposição para esclarecer eventuais dúvidas e questionamentos. No momento da realização das entrevistas e dos grupos focais com roteiro semi estruturado, foi reiterado aos participantes sobre o sigilo das informações e do uso do gravador de voz durante o período da entrevista. As entrevistas foram gravadas.

Grupos Focais: Para a realização dos grupos focais utilizou-se como referencial teórico Gondim (2002) e Gatti (2005), que apontam o grupo focal como uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em profundidade, e é também utilizado como recurso para compreender o processo de construção de percepção de grupos. De acordo com esses autores, o tamanho do grupo é um importante aspecto a ser abordado neste trabalho: o número convencional varia de quatro a dez pessoas, ou seja, o tamanho do grupo não deve ser grande para possibilitar a participação de todos. Dessa forma, foram realizados 3 grupos focais com 05 jovens (G1) em cada grupo e acompanhados pelo pai/mãe ou responsável (G4) 1 grupo com 3 jovens acompanhados (G4) e duas entrevistas com 01 jovem em cada uma e acompanhado (G4) A entrevista foi realizada com os participantes em que os pais não puderam comparecer no dia e horário marcados para os grupos focais, neste caso optou-se pela entrevista. Para a condução do grupo participaram 1 moderadora (uma bolsista de nível superior DTI) e 1 redatora (bolsista PIBIC). As reuniões com os grupos focais foram gravadas.

Questionário: Após a realização das entrevistas e dos grupos focais, os jovens e pais/responsável preencheram o questionário para a caracterização sócioeconômico-demográfica, aspectos da escola e sintomas de saúde.

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Tanto os jovens quanto os pais/responsável foram convidados para participar do

Etapa 2: Foi constituída pelos participantes do G1 da Etapa1, que foram contratados e estavam trabalhando havia dois meses (G2 e G3), e acompanhados (G4). Dos 20 participantes da Etapa 1, onze foram contratados na condição de Aprendizes e seis na condição de Estagiários. Três participantes da primeira etapa de coleta de dados – não ingressaram no trabalho.

Grupos Focais: Foram realizados 4 grupos focais com os jovens do Grupo 2 e 3 acompanhados (G4). Foram abordadas algumas questões (retomadas do roteiro da etapa 1) para verificar quais mudanças ocorreram na vida familiar e individual do jovem após 2 meses de trabalho.


Questionário: Todos os participantes desta etapa preencheram novamente o questionário da Etapa 1, no intuito de identificar possíveis mudanças após a inclusão produtiva do jovem.

Análises dos dados Grupos focais e entrevistas individuais Tanto o conteúdo das entrevistas quanto dos grupos focais foi transcrito integralmente valorizando as falas e expressões dos participantes, segundo recomendação de GUERRA (2008). Para a análise do material empírico utilizou-se a análise temática respaldada na Análise de Conteúdo (BARDIN, 2009). Para operacionalizar essa técnica foram necessárias três etapas:

Etapa 1: Leitura e escolha do material a ser analisado em profundidade mediante regras da exaustividade, da representatividade, da homogeneidade e da pertinência do conteúdo do material em relação as hipóteses e aos objetivos do estudo.

Etapa 2: Escolha da categoria analítica “Inclusão Produtiva de jovens estudantes”, que possibilitou a exploração e integração de 3 novos temas:

Tema1: Inserção de jovens no mercado de trabalho. Tema 2: Aspectos sócioeconômico-demográficos. Tema 3: Inserção produtiva X Sobrecarga de trabalho. Etapa 3: Consistiu na classificação dos elementos segundo suas semelhanças, diferenciação e articulação com o referencial teórico existente sobre a temática

Questionários Foram realizadas análises descritivas dos aspectos sócioeconômico-demográficos (idade, escolaridade, situação conjugal, presença/número de filhos, renda per capita familiar e salário do jovem), aspectos relacionados à escola (nota para o desempenho acadêmico antes e após inclusão produtiva, sono e frequência às aulas), sintomas de saúde (alimentação, saúde nos últimos 30 dias, nota para a saúde antes e após inclusão produtiva, Índice de Massa Corporal).

49 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


Tema 1: Inserção de Jovens no Mercado de Trabalho Identificou-se que, além das necessidades financeiras pessoais e da família haviam outros fatores relacionados às expectativas e motivos pela busca da inclusão produtiva do jovem, tais como: aquisição de experiência profissional, exigências da família para se ocupar, necessidade de inserção social, o trabalho como veículo para ingressar na faculdade.

“E eu quero aprender mais, e quero bancar meus estudos, sem atrapalhar no orçamento de casa, quero investir em mim, quero fazer uma faculdade futuramente.” (Jovem, 17 anos, feminino, encaminhada como aprendiz) “Eu incentivo porque tudo hoje é mais fácil. Eu comecei a trabalhar muito cedo na roça, no pesado, plantando e colhendo junto com o meu pai, era pequeninha. Era meio período na roça e meio período na escola, às vezes não aguentava. Então eu do valor ao serviço, e a pessoa que começa a trabalhar cedo começa a dar valor ao seu dinheiro, começa a dar valor mais a vida também. (mãe de uma jovem de17 anos)” “No caso do meu filho, incentivei por causa do tempo ocioso dele. Tempo que precisa ser preenchido, é um dos motivos. Como ele ainda não vai fazer faculdade, ele vai preencher o tempo dele trabalhando e tendo experiência. Porque o que a gente fala sempre, que trabalhar só pra ganhar salário baixo, não é compensador, precisa se preparar, pra ter um salário adequado, uma qualidade de vida adequada.” (pai de um jovem de 18 anos)

Tema 2: Aspectos socioeconômicos e demográficos Tabela 1: Distribuição dos jovens, segundo sexo, idade e escolaridade, São Paulo, 2011.

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sexo, idade e escolaridade

Jovens

%

Sexo masculino

10

50

Sexo feminino

10

50

Idade (14-18)

16

80

Idade > 18 anos

04

20

Ensino médio

19

95

Superior ou tecnólogo

01

05

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011.


A maioria dos participantes residia em bairros na periferia da região sul de São Paulo, alguns são considerados perigosos para os jovens devido ao índice de violência, criminalidade, tráfico de drogas e número de mortes por causas externas nesta faixa etária (PROAIM, 2010). Além disso, observou-se que 55% dos jovens deslocavam-se de bairros distantes da ONG, devido a necessidade de frequentar um curso gratuito de capacitação profissional, não disponíveis onde moravam. Outros aspectos relacionados ao bairro onde residiam foram apontados por 85% dos participantes, tais como: criminalidade, uso e tráfico de drogas, ausência de espaços para realização de atividades esportivas e lúdicas pertinentes à juventude.

Atividades dos Pais A maioria dos pais trabalhava em atividades com baixa remuneração, tais como, diarista, porteiro, funileiro, pintor, segurança, professora, camareira, balconista; 10% relataram estar desempregados. A baixa renda familiar contribuiu para que os jovens procurassem o curso de capacitação para ingressar no mercado de trabalho na adolescência, mesmo que concomitante com os estudos. Outro aspecto importante observado foi que, 15% dos participantes relataram não conhecer o pai biológico e 10% relatou não conhecer a mãe biológica ou esta já havia falecido.

Renda familiar e do jovem antes e após inserção no trabalho A maioria das famílias dos participantes (65%) relatou auferir entre 1 e 3 salários mínimos mensais antes do jovem começar a trabalhar. Após inserção do jovem no mercado de trabalho, duas famílias relataram alteração na categoria da renda familiar, de 4-6 para 7-8 salários mínimos mensais, a seguir na Tabela 2. Tabela 2: Distribuição da renda familiar, antes e depois da inserção do jovem no trabalho São Paulo, 2011

Salário mínimo*

ANTES**

%

DEPOIS***

%

De 01 a 03

13

65

10

59

De 04 a 06

07

35

05

29

De 07 a 08

00

00

02

12

Total

20

100

17

100

*Base salário mínimo Federal R$545,00 **Antes do trabalho *** Depois de 2 meses no trabalho ; Fonte: Dados da pesquisa de campo, São Paulo, Capital, 2011.

Em relação à renda per capita na família, 45% referiu ter entre R$90,00 a R$ 272,50, 35% entre R$300,00 a R$ 400,00 e 20% de 500,00. Após inserção produtiva do jovem, a maioria (65%) relatou a renda per capita entre R$100,00 e 272,50, 30% entre R$300,00 a R$400,00 e 5% de 500,00. As alterações foram decorrentes da “não participação” de 3 jovens pois estes não estavam trabalhando na segunda etapa da pesquisa, e se encontravam entre os grupos que referiram entre R$300,00-R500,00 na primeira etapa. Além disso, um pai e uma mãe (duas famílias distintas), relataram estarem desempregados no momento da segunda etapa do estudo. A maioria das

51 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


do jovem no trabalho, ou seja, aumentou a renda per capita. A contribuição financeira efetiva mensal foi mencionada por 88% dos jovens aprendizes e estagiários. Os jovens chegam a contribuir com 50% ou mais do seu salário para auxiliar nas despesas da casa. A maioria relatou ajudar a pagar as contas de água, luz, telefone ou compras no supermercado. A contribuição do jovem com algum rendimento do seu salário para complementar a renda familiar também foi avaliada por Facchini et al.(2003). Em estudo com crianças e adolescentes trabalhadores em Pelotas, RS, esses pesquisadores identificaram que, quanto menor o rendimento financeiro dos adultos na família, maior é a proporção de contribuição das crianças e adolescentes na composição financeira da casa. Em relação à renda per capita da família: 45% referiu ter entre R$90,00 a R$ 190,00, 35% entre R$300,00 a R$ 400,00 e 20% de R$500,00. Após inserção produtiva do jovem, a maioria (65%) relatou a renda per capita entre R$100,00 e 272,50, 30% entre R$300,00 a R$400,00 e 5% de R$ 500,00. As alterações foram decorrentes da “não participação” de 3 jovens que não estavam trabalhando na segunda etapa da pesquisa, esses participantes estavam entre os grupos que referiram entre R$300,00 e R500,00 na primeira etapa. Além disso, um pai e uma mãe relataram estar desempregados no momento da segunda etapa do estudo. Contudo, a maioria manteve a renda per capita entre R$100,00 e R$ 272,50 mensais.

Inclusão Produtiva x consumo A maioria dos participantes relatou melhora no consumo de vários alimentos, notadamente na aquisição de: arroz, carnes e ovos, frutas, leite e derivados e verduras e legumes. Estes alimentos são importantes para a família, principalmente, para o jovem em fase de desenvolvimento. Figura 1.

Figura 1: Consumo de alimentos antes e depois da inserção no trabalho dos jovens. São Paulo, 2011.

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avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

famílias relatou a renda per capita entre R$100,00 e 272,50 mensais após inserção

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011.

Os participantes também relataram melhora no consumo de alguns alimentos devido ao acesso a cestas básicas, cedidas pelas empresas contratantes como benefício aos funcionários.


“Ela trabalhando agora tá bom. A gente tá conseguindo colocar algumas contas em dia; e outra que ela tem a cesta básica do trabalho, ajudou bastante na feira de casa.” (Mãe aprendiz, feminino, 17 anos) “Eu tô ajudando na compra do mês, porque eu ganho Vale Refeição e dou tudo pra minha mãe, pro supermercado do mês.” (Jovem após 2 meses de trabalho como estagiário, 17 anos, masculino) Em relação às diferentes formas de inclusão produtiva com o objetivo de combater a fome, foi perguntado aos participantes se eles conheciam ou já utilizaram algum serviço/programas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no intuito de identificar se as famílias eram usuárias dos programas ou se deixaram de utilizar o serviço devido ao ingresso do jovem no mercado de trabalho. Observou-se que a maioria dos participantes não era usuário, ou utilizou-se do programa quando os filhos eram pequenos (antes dos 10 anos de idade).

“Eu me cadastrei faz um tempo. Eu precisava, eles eram pequenos, meu marido desempregado, mas não consegui. Na época disseram que o cadastro tava errado, fui na prefeitura e levei os documentos, mas nunca mais falaram nada.” (mãe – filho 15 anos) “Eu me cadastrei na época(da implantação do bolsa-família, 2004), que eles eram menores, mas nunca fui contemplada. Não tive resposta e eu também deixei pra lá.” (mãe – filha 17 anos) “Eu desacredito desses planos do governo, porque as vezes você vê pessoas que realmente tem necessidade e não conseguem e outras que não precisam conseguem. Por isso nunca me cadastrei.” (mãe – filha 16 anos) “Já ouvi falar, mas não sei como usar esse programa. Não sei nem onde tem que ir procurar.” (Pai – filho 15 anos) “A gente usou só quando eles eram pequenos, mas só um ano, depois tinha que cadastrar de novo e era na Barra Funda, era muito longe, aí a gente não usou mais.” (Pai – filho 17 anos)

Mudanças dos aspectos financeiros Antes do ingresso dos jovens no trabalho, tanto os pais quanto os próprios jovens relataram não ter dinheiro ou ter dificuldades para pagar, no último ano, contas como: aluguel ou prestação da casa em que moravam, comprar remédios ou ter que pagar consultas médicas particulares, falta de dinheiro para utilizar transporte público para ir para a escola e para o curso e para fazer ou participar de atividades de lazer – cinema, parques, teatros entre outros. A aquisição de vestuário, como roupas e calçados também foi apontada como um aspecto difícil antes do jovem ter sua própria renda e comprar “suas coisas”, de acordo com o seguinte relato:

53 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


Tema 3: Inserção Produtiva x Sobrecarga de Trabalho Os jovens relataram diferentes perspectivas em relação às expectativas que tinham do primeiro emprego e o que de fato ocorreu após os 2 meses no trabalho.

“A administração do tempo em relação a amigos, família, passeio, isso ficou muito apertado. Uma coisa que você fazia naturalmente antes que era ficar com os amigos agora é restrito, uma conquista. Sair mesmo, com meus pais, agora eu só vejo eles a noite e olhe lá. Tem dias que você chega e vai direto pra cama.” (Jovem após 2 meses de trabalho, feminino, 17 anos, estagiária). “Parece que eu virei gente sabe? Fiquei importante. É verdade, na minha rua o pessoal que vende cosméticos, nunca tinha chegado perto, pra me vender nada. Agora que to trabalhando eles vêm me oferecer, vender. Ganhei crédito!” (Jovem após 2 meses de trabalho, feminino, 17 anos, estagiária). “No meu caso acho que todo mundo deixou de me ver como criança, me veem como adulto. Por sinal, ontem eu tava contanto pra minha mãe o que eu estava fazendo na empresa e ela falou:você faz isso? Mas isso é um profissional que faz. Eu falei pra ela:mãe eu não sou mais criança. Eu já tenho responsabilidade. Você acaba tendo mais moral em casa, ser reconhecido.” (Jovem após 2 meses de trabalho, masculino, 17 anos, aprendiz). Embora a inclusão produtiva tenha proporcionado aspectos positivos, como aquisição de vestuário, maior consumo de alimentos para a família, a constituição de uma identidade profissional, entre outros, também foram identificados os aspectos negativos nas repercussões da inclusão produtiva na vida dos jovens, notadamente na saúde e na escola. Quando avaliadas as condições de trabalho de jovens

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“Com ele trabalhando as coisas ficaram melhor em casa, ele tá pagando luz, água e as coisas dele, ajudou muito, desafogou um pouco.” (Mãe - aprendiz, masculino, 15 anos)

estudantes de uma escola pública, Fischer et al. (2005) destacaram que, além dos estressores físicos do trabalho, também devem ser levados em consideração os fatores psicológicos. De acordo com esses pesquisadores em um estudo sobre controle e apoio social, as exigências psicológicas mostram-se associadas aos relatos dos adolescentes de dores no corpo, e a redução da duração do sono durante os dias da semana estão relacionadas à maior duração da jornada diária de trabalho. Teixeira et al. (2007), em estudo sobre privação do sono com jovens trabalhadores, ressalta que a dupla jornada, trabalhar e estudar, pode dificultar sua frequência à escola, acarretando problemas associados com o aprendizado escolar, baixo desempenho, perda de concentração, alerta e atenção. Segundo esses autores, observaram-se diferenças entre os grupos de trabalhadores e não-trabalhadores com relação à duração do sono e regularidade nos horários de dormir e acordar. Os trabalhadores tinham menor duração de sono e regularidade nos horários de dor-


mir e acordar, o que indica que este grupo pode ter um baixo rendimento escolar. As dificuldades apresentadas pelos jovens na administração da jornada dupla, trabalho e estudo, são resultados de uma rotina pesada e como consequência a interferência no desenvolvimento psíquico e sócio-cognitivo, fato que desrespeita os direitos como cidadão e da legislação trabalhista em vigor para o trabalho de jovens (OLIVEIRA et al., 2006). Aspectos positivos no ingresso no trabalho foram também relatados neste e em outros estudos conduzidos. Amazarray et al. (2009), Luz (2010), identificaram por meio de relatos de jovens trabalhadores que estes sentem-se privilegiados por estarem inseridos no mercado de trabalho, adquirindo uma experiência profissional importante para o seu futuro. Os jovens vislumbram alcançar a felicidade através da atividade laboral. Segundo Sarriera et al, o trabalho representa para esse grupo uma vida melhor, uma identidade, que acreditam que poderá levá-los ao próprio negócio, a um emprego estável, uma boa qualidade de vida e melhores condições de vida para si e seus familiares. Segundo Franklin (2001) os adolescentes estão mais suscetíveis aos riscos do trabalho. Alguns destes estão relacionados à imaturidade e inexperiência, distração e curiosidade naturais à idade, desconhecimento dos riscos físicos e psíquicos do trabalho, tarefas inadequadas a sua capacidade física, locais e instrumentos de trabalho desenhados para adultos. Alguns participantes do estudo relataram que a saúde piorou após inclusão produtiva, no momento do início do trabalho registraram nota entre 8-9 para a sua saúde, após dois meses de trabalho, nota entre 4-5. Os jovens relataram alguns sintomas de saúde associados às longas jornadas de trabalho, demanda de atividades profissionais, pessoais e escolares, tais como: dores musculares e alimentação inadequada.

“Eu tô mais quebrado, eu sou Office boy. Ontem me mandaram andar a Zona Oeste e o Centro todinho. Andei demais. Lá em casa mudou bastante coisa, antes eu acordava tarde, ficava até tarde no MSN, agora tem que acordar 6h30 da manhã, pegar trem lotado, pegar metro lotado, chegar no trabalho, sair de lá 17h e a mesma coisa, pegar tudo lotado, ir pra escola, é muita responsabilidade.” (Jovem após 2 meses de trabalho como estagiário, 17 anos, masculino) “Outra coisa que mudou é que eu fico o dia inteiro parada no computador, eu to com a mania de comprar um monte de besteira depois do almoço e ficar comendo à tarde. Mudou mesmo a alimentação e o tempo, eu também passei mal fiquei na enfermaria, porque a gente só come na rua, restaurante essas coisas, e você não sabe se a comida é de hoje ou de ontem. Eu só almoço e também não janto em casa, como alguma besteira na escola.” (Jovem após 2 meses de trabalho como aprendiz, feminino)

55 Inclusão produtiva de jovens estudantes: um estudo de caso em organização não governamental na cidade de São Paulo.


antes e após 2 meses de trabalho. Os jovens foram pesados e medidos em sala reservada individualmente. Os dados foram calculados gerando um banco de dados. Para o cálculo do IMC utilizou-se a fórmula: IMC= Peso( Kg)/Altura(m)2 . Para a interpretação e análise desses dados utilizou-se a classificação do estado nutricional a partir do valor bruto de IMC (SISVAN, 2011). Alguns jovens referiram perder peso devido à dupla jornada e falta de tempo para alimentar-se com regularidade durante o dia; outros mencionaram ter ganho peso devido ao acesso à alimentação fast food e outros alimentos como: lanches, chocolates, doces. Antes de trabalhar, não tinham dinheiro para comprá-los.

“Eu engordei 4 kg, porque eu almoço uma marmita gigante. E não tenho tempo de jantar antes de ir pra escola. Aí na escola eu como pastel, cachorro quente, não janto. Acho que por isso eu engordei” (Jovem após 2 meses de trabalho, 16 anos, masculino, estagiário) Em artigo recentemente publicado por Gorgulho et al (2012) foi constatado que entre jovens universitários trabalhadores a nutrição é prejudicada. Calculado o Índice de Alimentação Saudável, (B-HEIR), observou-se um baixo escore R score (53.43,±7.81) indicando um risco de má qualidade da dieta, com elevada ingestão de sódio e açúcar e baixo consumo de frutas e grãos integrais. A má qualidade da dieta pode resultar em inadequado estado nutricional, que poderá aumentar o risco de obesidade, e precocemente, de doenças crônicas. Os jovens relataram que a jornada dupla “trabalhar e estudar” simultaneamente prejudicou a frequência e seu desempenho na escola. Antes do ingresso no trabalho a maioria dos participantes (65%) referiu nota entre 7-8 para seu desempenho na escola, e após 2 meses no trabalho, 12% , destes relataram uma média menor - entre 4 e 6 (escala de 0 a 10). De acordo com os participantes, estudar e trabalhar concomitantemente prejudicou a frequência à escola. O tempo gasto entre o trabalho e a escola aliada às longas distâncias foram as consequências mais citadas.

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Outro aspecto abordado em saúde foi o Índice de Massa Corporal IMC dos jovens

“Acho que foi toda a nossa rotina que mudou praticamente, virou de cabeça pra baixo. Que a gente teve que se esforçar bastante. Porque quando a gente sai do trabalho, a gente tenta ir para a escola. Porque tem o trânsito de sexta feira que complica bastante. Ai tem que decidir se vai pra escola ou não. No meu caso, como ontem mesmo, peguei bastante trânsito cheguei atrasado na escola. Praticamente chego sempre na segunda aula.” (Jovem após 2 meses de trabalho, 17 anos, masculino, aprendiz) Dificuldades para conciliar desempenho acadêmico e jornada de trabalho também foram apresentadas nos estudos de Fischer et al (2003), Teixeira et al (2004) e Luz (2010). A redução do período do sono foi mencionada por todos os participantes após a inclusão produtiva. De segunda-sexta feira nenhum jovem relatou dormir antes das 23h e a maioria relatou acordar antes das 5h da manhã. Os seguintes relatos ilustram muito bem essa situação, ou seja, redução do sono associada ao ingresso no trabalho.


“Pra mim o que mais pesou nesses dois meses foi o sono, é difícil ficar acordado. No trabalho eu vivo a base de café, e na escola eu tomo uma lata de coca cola, chego em casa e no outro dia parece que eu nem dormi. No meu trabalho tem uma máquina de café, se eu pudesse colocava ela do lado do computador.” (Jovem após 2 meses de trabalho, 17 anos, masculino, aprendiz). “Eu tenho tomado uns 7 ou 8 copos de café por dia. Eu chego no trabalho com muito sono, aí eu tomo um pouco de café pra ficar esperto e depois do almoço eu tomo mais porque também me dá bastante sono nesse horário.” (Jovem após 2 meses de trabalho, 17 anos, masculino, aprendiz). Estes dados corroboram os publicados por Fischer et al (2003). O fato de acordar mais cedo para trabalhar e ir dormir mais tarde por estudar estão associados a uma privação parcial do sono em jovens trabalhadores. A privação parcial do sono noturno durante os dias da semana também pode interferir no rendimento escolar e na qualificação profissional do jovem.

Desafios para as políticas públicas para a juventude Kerbauy (2005) destaca que apesar do surgimento de políticas públicas direcionadas à juventude, essas ainda estão circunscritas às instituições escolares e da família, com enfoque maior na situação de “risco e vulnerabilidade de jovens na sociedade”. De acordo com essa autora, a cultura e a atenção integral à juventude, inclusive como trabalhador, não é alvo da agenda das políticas públicas, ou seja, faltam políticas que estimulem a participação do jovem na construção de sua cidadania. A ênfase na dimensão da cidadania também é abordada por Sposito et al (2006), que ressaltam a importância da apropriação e da construção dos jovens sobre sua cidadania e de políticas voltadas às suas necessidades. Assim, a cidadania seria vista como direito possibilitada pelas ações públicas participativas e articuladas, entre jovens e políticas de educação, saúde e trabalho, possibilitando à Juventude a promoção da igualdade, direito a atenção integral social, saúde e como trabalhador, educação, cultura e ao lazer. São muitas as estratégias atualmente empregadas na mobilização pela inserção social e no trabalho de jovens, com a criação de leis e programas que permitem formas alternativas de ingresso no mercado de trabalho cada vez mais cedo. Reconhecer a realidade e fomentar esse potencial inclusivo, até mesmo pela capacidade desses programas de gerar e distribuir renda e proteção social devem ser tarefas constantes na aplicação e formulação de políticas públicas específicas para a juventude (IPEA, 2008). Andrade e Santos (2007) corroboram com a idéia da necessidade de uma perspectiva de ações articuladas entre juventude e políticas públicas. Esses pesquisadores ainda destacam que no Brasil as essas políticas ainda se encontram em nível

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e ainda dificuldades em sua implementação. Após o processo decisório de uma política pública, a formulação/decisão e implementação é linear e vertical, sem articulação com as demais políticas existentes de uma forma horizontalizada. É necessário que as políticas públicas atendam as demandas da juventude, proporcionando programas de inclusão produtiva, considerando a formação escolar e a saúde do jovem estudante trabalhador.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os jovens participantes deste estudo, integrantes de um programa de capacitação para o trabalho em uma organização não governamental da cidade de São Paulo, ingressaram no trabalho principalmente por necessidades financeiras, obtenção de experiência profissional, exigências do mercado de trabalho e pela busca de uma ocupação que lhes dê inserção social (respeito e reconhecimento por seus pares e suas famílias). Após inclusão produtiva alteraram-se as condições de vida dos jovens e de suas famílias, como: aumento da renda familiar, aquisição de alimentos de maior valor para a família, compra de vestuário para os próprios jovens, e acesso à internet. A inserção no trabalho precocemente esteve associada a relatos de aspectos prejudiciais à saúde dos jovens, tais como, ocorrência de doenças relacionadas ao trabalho, débito de sono e sonolência durante o dia e no período noturno durante as aulas, faltas e atrasos à escola noturna, falta de tempo para alimentação e atividades de lazer. Programas diferenciados de geração de renda como o de “Aprendizagem e Estágio do Trabalho Educativo” podem auxiliar na expansão da inclusão produtiva, à medida que esses programas promovem o acesso ao mercado de trabalho, fortalecendo a renda per capita da família. Há necessidade de articulação (intersetorial) entre as políticas públicas direcionadas à saúde, educação e trabalho, na elaboração de programas que contemplem a qualificação e inclusão produtiva de jovens, levando em consideração sua condição de desenvolvimento e priorizando a educação e formação profissional.

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fragmentado, com competição interburocrática, descontinuidade administrativa


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Sibelle Cornélio Diniz – Cedeplar|uFMG Elizabeth Filizzola – Instituto da Atenção Social Integrada|IASIN Jacqueline E. Rutkowski – Instituto Sustentar Thiago Araújo do Pinho – Cedeplar|uFMG Luisa F. Lima – Cedeplar|uFMG Patrícia vargas – Cedeplar|uFMG Roberto L. M. Monte-Mór – Cedeplar|uFMG

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o desenvolvimento social e o combate à Fome

avaliação de eXperiências de capacitação para inclusão produtiva na reGião metropolitana de belo HoriZonte


INTRODUÇÃO A situação de pobreza e exclusão social é configurada por múltiplas dimensões subjetivas e objetivas, individuais e coletivas, que impõem grandes desafios ao seu enfrentamento, mesmo em uma conjuntura de crescimento econômico (COELHO ET AL, 2010). A multidimensionalidade da pobreza e da exclusão dá forma a diversas armadilhas que, como “teias”, tendem a prender indivíduos e famílias nessa condição, mesmo quando conseguem avançar em algumas dimensões da vida (GORDON ET AL, 2000; SPICKER 2007). Uma questão central para as políticas de enfrentamento da pobreza se refere, pois, à efetiva capacidade de fortalecimento de indivíduos e famílias que lhes possibilite uma ruptura e uma transformação sustentável de suas condições de vida, tendo em vista sua situação de amplas e múltiplas vulnerabilidades. Programas de transferência condicionada de renda, como o Programa Bolsa Família (PBF), têm sido uma alternativa para enfrentamento da pobreza e as evidências apontam seus efeitos positivos ao longo do tempo, sobretudo no que diz respeito aos indicadores educacionais, de saúde e nutricionais dos atendidos (COELHO ET AL, 2010). Entretanto, tais programas constituem uma estratégia certamente importante, mas não suficiente: ações de articulação ao mercado de trabalho (inclusão, reinserção ou melhoria das condições de trabalho) tornam-se importantes na perspectiva da promoção e da inclusão social, com impactos positivos não apenas para as famílias beneficiadas, mas também para toda a sociedade. Várias iniciativas dos poderes públicos e de instituições não governamentais têm investido na promoção da inclusão produtiva da população de baixa renda, principalmente através de ações de capacitação e qualificação profissional, e de incentivo a grupos produtivos. Ocorre que, freqüentemente, essas ações mostram-se de baixa eficiência, não propiciando, para grande parte do público-alvo, a inserção efetiva no mundo produtivo (IPEA, 2011; TEIXEIRA, 2004; MORETTO, 2007; PRAXEDES, 2009; GUIMARÃES, 2010). As razões encontram-se justamente nas múltiplas dimensões da pobreza e da exclusão, que vão desde a falta de aparato pedagógico para o aprendizado formal até a inadequação aos processos burocráticos, passando por problemas psíquicos e de relacionamento inter-pessoal. Por outro lado, muitas vezes essas ações não reconhecem as formas alternativas de conhecimento e as visões diferenciadas de mundo que trazem os treinandos (RUTKOWSKI, 2008), assim como suas aspirações vocacionais e as demandas do mercado de trabalho local. A pesquisa aqui relatada se propôs a investigar duas experiências de inclusão produtiva em curso na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que possuem como público-alvo os beneficiários do PBF. A primeira experiência, implementada na Vila São José, no município de Belo Horizonte, Minas Gerais, consistiu na estruturação de uma unidade de produção, na área de confecção, composta por moradores reassentados com recursos do Programa de Aceleração de Crescimento – PAC. Essa experiência desenvolveu uma metodologia de capacitação simultânea ao processo de produção e comercialização possibilitando, já durante o período de aprendizado dos treinandos, uma atividade que remunerava pelos produtos. A segunda experiência é associada ao “Programa Vida Nova” - PVN, implantado pela Prefeitura Municipal de Nova Lima, Minas Gerais. A proposta do Programa é implementar ações

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lias mais vulneráveis e articulando ações em diversas áreas para a promoção social destas famílias. Entre outros objetivos, a iniciativa visa proporcionar meios para a inclusão dos beneficiários no mercado de trabalho, por meio de cursos de qualificação e serviços de orientação e intermediação profissional, tanto pela colocação no mercado formal quanto pela estruturação de pequenos negócios. A definição dos casos estudados considerou a aplicação de métodos diferenciados: enquanto a primeira experiência, da Unidade de Produção de Confecção e Silk da Vila São José, buscou a estruturação de uma unidade produtiva coletiva, partindo dos preceitos da economia solidária e também da necessidade de articulação ao mercado competitivo formal, a segunda tem como objetivo principal a inserção individual no mercado de trabalho, a partir de ações de qualificação e intermediação profissional do Programa Vida Nova. Em comum a ambas as experiências há o fato de que as metodologias adotadas buscaram considerar as especificidades do público envolvido, ou seja, as ações foram definidas e direcionadas levando em conta questões que em geral impedem a efetividade, para este público, dos processos tradicionais de qualificação profissional, e que se referem, por sua vez, às múltiplas dimensões da pobreza e da exclusão. Sendo assim, a investigação aqui descrita buscou compreender as duas iniciativas do ponto de vista: i) das escolhas metodológicas envolvidas na concepção das ações; ii) dos obstáculos e avanços na implementação das ações; iii) da efetividade quanto à promoção de melhorias nas condições de renda e de vida dos beneficiários. Este artigo apresenta um relato das duas experiências estudadas: seus antecedentes, sua concepção e implementação. Em seguida, são discutidos os resultados dessas iniciativas, em termos de seus avanços e das dificuldades enfrentadas, identificados a partir de entrevistas realizadas com os beneficiários e gestores. Busca-se, assim, contribuir para a discussão sobre as diretrizes metodológicas e a conseqüente efetividade das ações que visam a inclusão produtiva do público-alvo das políticas do MDS, em âmbito urbano.

CONTEXTO Ao abordar o conceito de exclusão social, Joan Subirats aponta para a necessidade

inclusão produtiva

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complementares ao Programa Bolsa Família, elevando o valor do benefício das famí-

de reavaliá-lo à luz da atual reconfiguração das relações sociais, como também reavaliar o papel do Estado e do mercado nessas relações. A exclusão social seria definida como “a impossibilidade ou dificuldade intensa de ter acesso aos mecanismos de desenvolvimento pessoal e inserção sócio-comunitária, e aos sistemas preestabelecidos de proteção” (SUBIRATS, 2010, p. 104). A exclusão, para ele, deve ser entendida como um fenômeno estrutural, inscrito na trajetória histórica das desigualdades sociais, e também dinâmico e composto por um conjunto de processos de geometria e impactos variáveis, além de multidimensional, formado pela articulação de um acúmulo de circunstâncias desfavoráveis, em geral fortemente inter-relacionadas.


A situação de exclusão é determinada pela inter-relação entre um conjunto de fatores de exclusão que operam em várias esferas ou âmbitos (trabalho, formação, social, saúde, política, etc.) com outro conjunto de elementos estruturais que operam como circunstâncias intensificadoras do risco de exclusão: idade, etnia, origem e classe social. Como fontes geradoras de exclusão poder-se-ia citar como exemplos: precariedade do trabalho, analfabetismo digital, incapacidade cognitiva, habitação precária, desestruturação familiar, proteção social insuficiente ou antecedentes criminais, entre outros. Tais fontes incidiriam com maior força nos grupos de alta vulnerabilidade estrutural: mulheres, jovens, idosos, imigrantes ou classes de baixa renda (circunstâncias intensificadoras). A inserção produtiva, ou sócio-profissional, seria uma das peças da inclusão social, não sendo, no entanto, suficiente para o seu pleno estabelecimento:

“...muitas vezes a inserção socioprofissional é tida como a forma mais completa ou definitiva de inserção, e a comparamos com formas sociais de inserção, que seriam menos satisfatórias ou mais próprias daqueles com os quais já não se sabe o que fazer. Na realidade, há situações em que, apesar de se ter um emprego, não se pode falar de inserção social, e, de igual forma, há muitíssimos casos em que uma plena inserção social não vem acompanhada de emprego remunerado algum, sem que isso signifique que essa, ou essas pessoas, não façam seu trabalho. Poderíamos dizer que da ênfase no emprego surgiram modalidades de jazidas de emprego ou novas ocupações que, em algumas ocasiões, não são mais do que faixas de empregos mal remunerados e precários.” (SUBIRATS, 2010, p. 115) Desse modo, considerando-se o atual contexto de reconfiguração das relações sociais e redefinições do papel do Estado na promoção e proteção de direitos, as políticas de inclusão social devem visar à integração à sociedade, de modo abrangente, perpassando três esferas básicas, que precisam realimentar-se: a esfera produtiva, considerando inclusive as transformações recentes no mercado de trabalho; a esfera institucional, especificamente o grau de alcance dos direitos de cidadania no novo contexto social; e a esfera da reciprocidade, no que tange às transformações nas estruturas familiares e nas redes sociais e comunitárias. Como apresentam Castro et al (2010), desde a Constituição de 1988 o Brasil tem implementado uma ampla agenda no que se refere à ação social do Estado, resultando em expansão e consolidação do sistema de proteção social, voltado à redução dos riscos e vulnerabilidades sociais, na linha da seguridade social clássica. No entanto, o sistema inclui também ações que buscam a promoção social, de modo a possibilitar a equalização de oportunidades e resultados. As ações de promoção social se desenvolvem em duas vertentes: a promoção do desenvolvimento de capacidades e a promoção do exercício destas capacidades. Assume-se que o desenvolvimento de capacidades somente se realiza plenamente com o seu exercício, do mesmo modo que o exercício de uma determinada atividade somente é pleno se ocorre a partir do desenvolvimento das potencialidades da pessoa.

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Sendo assim, a inclusão produtiva deve ser entendida como um eixo da promoção social e da inclusão social, que passa pela atenção às capacidades, considerando seu desenvolvimento e seu exercício como determinantes da inserção sócio-econômica. Não pode ser tratada, portanto, à revelia dos demais processos sociais que compõem a situação de exclusão.

“Políticas de educação e de inclusão socioprodutiva – sobretudo as políticas definidas em caráter de alta prioridade para melhorar o acesso, a cobertura e a qualidade do ensino público –, com destaque para a área de capacitação e qualificação profissional, são chaves para a redução da pobreza, promoção da igualdade e edificação de sociedades includentes. Todavia, encontram limites quando não incorporam e integram em sua abrangência o diálogo com o enfrentamento do problema da exclusão e das desigualdades socioterritoriais na articulação e sinergia entre políticas sociais e econômicas.” (COELHO ET AL, p. 19-20) Do mesmo modo, torna-se difícil pensar em uma fórmula geral, que dê conta dos mais diversos matizes da exclusão; ao contrário, devem ser consideradas as especificidades dos sujeitos e das suas limitações, e, ainda, as exigências externas que muitas vezes impedem a articulação efetiva à sociedade e, mais especificamente, à esfera produtiva. Estudos recentes evidenciam que, a despeito da queda recente do desemprego, da informalidade, da pobreza e da desigualdade no Brasil, parcela da população encontra-se ainda “presa” a situações de insuficiência de renda e articulação inexistente ou precária no mercado de trabalho (IPEA, 2011). Utilizando dados da

inclusão produtiva

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“O conceito de promoção social, nesse sentido, permite construir um entendimento mais geral sobre uma miríade de políticas de geração de emprego e renda, desenvolvimento local, crédito, entre outras. O que permite também, ainda que muito preliminarmente, visualizar sinergias a serem exploradas a partir de uma visão mais integrada destas políticas.” (CASTRO ET AL, p. 9).

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do ano de 2006, Castro et al (2010), caracterizam o público em situação de pobreza no Brasil e apontam a diversidade de ações de apoio necessárias à efetiva inclusão produtiva das famílias vulneráveis, que passam pela melhoria da qualidade da educação formal, expansão e melhoria da educação infantil, educação de jovens e adultos, apoio à agricultura familiar, ações de microcrédito, formação e qualificação profissional e intermediação de mão de obra. De fato, nos anos recentes, o número e a extensão de ações voltadas à inclusão produtiva e relacionadas aos beneficiários de transferências condicionadas de renda cresceu fortemente, podendo ser citados o Programa Brasil Alfabetizado, Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), Projeto de Promoção do Desenvolvi-


mento Local e Economia Solidária (PPDLES), Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec), Programas de Microcrédito, Programa Nacional Biodiesel e Programa Luz para Todos, programas ligados ao Plano Nacional de Qualificação (PNQ), como o Próximo Passo, entre outros. A estratégia nacional explícita no Plano Brasil Sem Miséria é de expansão e focalização das ações de qualificação e intermediação de mão de obra e de apoio ao empreendedorismo, a partir da construção de um “Mapa da Pobreza” e um “Mapa de Oportunidades”. Entre os objetivos do Plano, são citados: “ampliar o mercado das pequenas e microempresas, estimular a formação de empreendimentos cooperativados e apoiar o microempreendedor individual, as políticas de microcrédito e a Economia Popular e Solidária.” (BRASIL, 2011). No entanto, alguns estudos indicam que os esforços, em nível federal, para inclusão produtiva desta população são, de modo geral, de baixa eficácia (IPEA, 2011; TEIXEIRA, 2004; MORETTO, 2007; PRAXEDES, 2009; GUIMARÃES, 2010; SOUZA, 2009). Ações de qualificação e formação profissional, intermediação de mão de obra, incentivo à formação de grupos produtivos solidários e microempreendimentos apresentam ainda baixo alcance e efetividade quando o público tratado é aquele em situação de pobreza. Do ponto de vista do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda, são diversos os desafios, que dizem respeito “à ausência de objetivos claramente concebidos, à falta de definição de públicos prioritários, à insuficiência de recursos financeiros, à incapacidade de gestão dos recursos disponíveis, à articulação precária com os demais programas de trabalho e renda, à capilaridade reduzida ao longo do território, à indefinição dos papéis desempenhados pelas instituições federadas, à ausência de relações complementares com instituições privadas e à falta de avaliação de processos e de resultados alcançados” (IPEA, 2011, p. 226). Soma-se a isto a dificuldade de enquadramento da população mais vulnerável, para a qual o desemprego está associado muitas vezes a questões psicológicas, como desalento e falta de confiança (GUIMARÃES, 2010). A política federal de apoio à Economia Solidária (ES), por sua vez, tem avançado após a criação, em 2003, da Secretaria Nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e do Emprego. No entanto, as ações nessa área das políticas públicas ainda se encontram restritas pelo baixo volume de recursos e pela ausência de integração entre as diversas esferas estatais relacionadas. As ações mais efetivas são implementadas pelos estados e municípios, mas com baixa integração entre si e entre os três níveis de governo. Ademais, carecem de legislações adequadas (PRAXEDES, 2009). Além disso, estudos (SINGER, 2003; GAIGER, 2003; LAVILLE, 2004) demonstram que compreender a ES como uma alternativa de geração de trabalho e renda exige um olhar ampliado da economia, uma capacidade de ir além da visão hegemônica e da racionalidade que acompanha a teoria econômica mainstream. Nesse tipo de produção alternativa, dinâmicas não-econômicas - culturais, sociais, afetivas e políticas - adquirem importância tanto na decisão de empreender quanto no sucesso dos empreendimentos. Por isso, são necessários novos critérios, gradualistas

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tendo como base estudos da economia das comunidades e da práxis (RUTKOWSKI, 2008). Além de habitualmente não reconhecerem essas diferenças entre as formas de economia, as políticas públicas de fomento à ES raramente são de longo prazo, dificultando a continuidade e a atuação multidisciplinar necessária para ampliar a sustentabilidade de empreendimentos econômicos solidários.

MÉTODO Discutindo a evolução do debate epistemológico, Godoi, Bandeira-de-Mello & Silva (2006) recomendam utilizar nos estudos organizacionais métodos que permitam a obtenção de um conhecimento intersubjetivo e compreensivo, pois estes são mais úteis para se decifrar as formas simbólicas nas quais se desenvolvem as ações sociais, as quais assumem aparência codificada em forma de linguagem. Porém, não interessa ao pesquisador das organizações a linguagem por sua gramática ou estrutura interna, mas por seu caráter comunicativo de mediador e formador de experiências e das necessidades sociais. Mais do que um conhecimento objetivo e explicativo interessa, ao pesquisador das organizações, examinar as produções geradas e construídas pelos sujeitos dessas organizações em seus contextos situacionais, o que indica a utilização de abordagens qualitativas de pesquisa (RUTKOWSKI, 2008), tais como o estudo de caso. O estudo de caso é um método de pesquisa qualitativa utilizado desde a década de 1910 e que tem sido muitas vezes questionado pela especificidade de seus resultados, o que dificultaria a sua generalização ou, até mesmo, poderia invalidá-los (GODOY, 2006). Autores como Goode & Hatt (1969) e Yin (2001) se opõem a essa crítica lembrando que seu emprego destina-se à compreensão de fenômenos sociais complexos, porém, individuais, ou seja, preservando o caráter unitário do objeto social estudado. Isto é, tal especificidade não está centrada nas formas de pesquisa empregadas, mas no tipo de questão que o estudo de caso responde e cujo foco está no individual, no específico. Para a ciência positivista, o estudo de caso seria válido como estratégia de pesquisa se representativo de uma população. Em métodos alternativos de pesquisa social, de caráter não positivista, porém, os casos podem ser considerados fontes suficientes de conhecimento, desde que se reconheça que a base para a generalização dos resultados é situacional e limi-

inclusão produtiva

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e inclusivos, para se avaliar o êxito ou o fracasso dessas alternativas econômicas,

tada pelo contexto (SUSMAN & EVERED, 1978 apud THIOLLENT, 1997). O estudo de caso é, assim, especialmente indicado quando se deseja capturar atividades e ações formal e informalmente estabelecidas na dinâmica da vida de uma organização. O estudo de caso interpretativo, além de se ocupar da descrição do fenômeno estudado, permite, tal como pretendido na pesquisa aqui relatada, encontrar padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais para confirmar ou ilustrar suposições teóricas (GODOY, 2006) admitindo, tal como defendido por Thiollent (2008) para a pesquisa social, construir progressivamente uma generalização a partir da discussão dos resultados de várias pesquisas organizadas em locais e situações diferentes. Os estudos de caso são, deste modo, “generalizáveis a proposições teóricas e não a populações e universos”, atendendo ao objetivo de “expandir e generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências (generalização estatística)” (YIN, 2001, p. 29).


Yin (op.cit.) indica seis fontes distintas para a coleta de evidências em um estudo de caso: documentos, registros em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos, tais como o uso que se dá a ferramentas ou equipamentos. Utilizar cada uma dessas fontes requer procedimentos metodológicos diferentes. Nos estudos de caso aqui relatados foram empregados, na pesquisa de campo, os seguintes elementos: Análise de documentos relativos às duas experiências (projetos-básicos e relatórios de acompanhamento), visando levantar informações sobre os recursos financeiros, humanos e materiais empregados nas duas experiências, e sobre as metodologias adotadas em sua implantação; Análise de fichas cadastrais com informações individuais dos beneficiários, no caso da Unidade de Produção de Confecção e Silk da Vila São José, e de banco de dados com informações dos beneficiários, cedido pela equipe gestora do Programa Vida Nova; Realização de entrevistas individuais semi-estruturadas com beneficiários do projeto Unidade de Produção da Vila São José e do Programa Vida Nova, visando diagnosticar a efetividade das metodologias empregadas, as limitações encontradas e os resultados percebidos; Realização de entrevistas semi-estruturadas com gestores públicos responsáveis pela implantação e acompanhamento de ambas as experiências, visando compreender as diretrizes metodológicas e os obstáculos encontrados na definição das ações, bem como os resultados percebidos;

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Observação participante de locais de trabalho e residência de participantes de ambas as experiências. Quanto às entrevistas realizadas, na avaliação da experiência da Unidade de Produção de Confecção e Silk da Vila São José, foram entrevistados 17 beneficiários e 3 gestores, no período de julho e agosto de 2011. No caso do Programa Vida Nova, foram entrevistados 33 beneficiários e 3 gestores, entre setembro e novembro de 2011 . 1

Os roteiros utilizados nas entrevistas buscaram captar a percepção dos beneficiários quanto à efetividade das metodologias utilizadas ou seja, se estas conseguiram prover capacidade de inclusão no mercado de trabalho ou a geração de renda por meio da participação em um empreendimento econômico autogestionário. Em relação aos gestores, buscamos aprofundar em que bases metodológicas e pressupostos teóricos foram construídas as ações que fundamentam os projetos estudados e a sua visão em relação aos resultados alcançados.

1

A seleção dos gestores entrevistados se deu pelo grau de envolvimento dos mesmos

no projeto. Quanto aos beneficiários, o cálculo do tamanho das amostras foi baseado na fórmula,

onde n é o número de indivíduos na amostra, z/2 é o valor crítico que corresponde ao grau de confiança desejado, é o desvio-padrão populacional da variável estudada (definidas a partir de dados pré-existentes para o universo dos beneficiários, nos dois casos estudados) e E é a margem do erro ou erro máximo da estimativa, que corresponde à diferença máxima desejada entre a média amostral e a média populacional. Maiores detalhes sobre a definição das amostras e sobre os demais métodos empregados na investigação são encontrados no Relatório Final da pesquisa: UFMG et al, 2012.

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ticas públicas, partimos, nas escolhas metodológicas, de uma concepção teórica de Pesquisa Avaliativa, que considera toda avaliação um ato técnico e político e é desenvolvida em contexto de sujeitos e interesses distintos e, portanto, jamais será consensual ou definitiva, mas sim uma versão, um julgamento sobre o real. Como descreve Silva (2008), a avaliação de políticas públicas não constitui um ato desinteressado; contrapõe-se à objetividade da ciência positiva, mas requer esforço de objetivação na relação do avaliador com a realidade social e com os sujeitos que participam do processo de avaliação; valoriza a análise crítica da política ou programa social em consideração; busca compreender os princípios e fundamentos teórico-conceituais que orientam a política ou programa avaliado; considera os vários interesses e procura envolver os diferentes sujeitos no processo da política ou programa objeto da avaliação; fundamenta-se em valores e concepções sobre a realidade social partilhada pelos sujeitos da avaliação; contrapõe-se à idéia de neutralidade e, não percorrendo um caminho único, considera os resultados da avaliação como uma versão parcial da realidade, posto serem as realidades historicamente construídas e dotadas de um caráter relativo e temporal; considera a política ou programa como decorrência de vários fatores: ação de vários sujeitos, especificidades das conjunturas, condições financeiras e materiais e elementos culturais envolvidos; e finalmente, situa a política ou programa na sua relação com o Estado e a Sociedade.

RESULTADO Histórico da experiência de implementação da Unidade Produtiva Fábrica Social, Belo Horizonte - MG A Vila São José está localizada na região noroeste de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais. Sua formação como aglomerado urbano teve início na década de 1960 e os primeiros moradores da Vila teriam vindo de bairros próximos, e também do interior do Estado. Desde o início da ocupação, observou-se bastante heterogeneidade no padrão das habitações. A população da Vila convivia constantemente com riscos de inundação e deslizamento, além de, recentemente, proble-

inclusão produtiva

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Além disso, considerando tratar-se de uma pesquisa que pretende avaliar polí-

mas com o tráfico de drogas e altos índices de violência. Nas décadas recentes, os moradores da Vila se organizaram em lutas pela melhoria das condições de moradia; em 2009, apesar de ocupar uma área de 197 mil metros quadrados e possuir 9 mil moradores em 2.400 domicílios, a Vila ainda não contava com saneamento básico. Segundo dados da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL, órgão responsável pelas intervenções nas vilas e favelas da capital, em 2009, o percentual de residentes com renda inferior a um salário mínimo era de 67,3%, e aqueles que ganhavam acima de três salários mínimos constituíam apenas 2,0% do total. Somente 49% possuíam o Ensino Fundamental completo (URBEL, 2011). A partir de 2009, a Vila São José teve a sua infraestrutura urbana alterada pelas intervenções do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Tais intervenções, ligadas ao Programa Vila Viva, da Prefeitura de Belo Horizonte, envolveram, principalmente, a


remoção de 2.200 famílias, parte delas reassentada em 1.408 apartamentos construídos com recursos no valor de R$ 115 milhões, a fundo perdido (URBEL, 2011). Como parte do processo de intervenção na Vila, foi desenvolvido um trabalho social com os moradores, a partir de diretrizes contidas no Caderno de Orientações do Trabalho Social – COTS, desenvolvido pela Caixa Econômica Federal – Caixa - com a finalidade de orientar as equipes técnicas envolvidas na elaboração e monitoramento do Projeto de Trabalho Técnico Social – PTTS. O PTTS orienta as ações desde a concepção do projeto até a etapa posterior à conclusão das obras e serviços e tem como pilar o desenvolvimento de 3 eixos: Mobilização e Organização Comunitária e/ou Condominial; Educação Sanitária e Ambiental; e Capacitação Profissional e Geração de Trabalho e Renda (URBEL, 2011). Para o eixo de Geração de Trabalho e Renda, a Caixa orienta em seu COTS a adoção de uma metodologia denominada Sistemática Fábrica Social – FS. Segundo o COTS, o objetivo dessa Sistemática é contribuir para o desenvolvimento local, por meio de parcerias, com integração de políticas públicas, mediante a inclusão produtiva imediata das pessoas atendidas, pautada na sustentabilidade dos grupos e nos princípios da Economia Solidária (CAIXA, 2009). A Sistemática Fábrica Social teve origem em experiência piloto desenvolvida em 2007 em Belo Horizonte, por meio da Gerência Nacional de Políticas Sociais da Caixa – GEPOS, tendo como beneficiário um grupo de costura da Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte – ASMARE. A proposta de atuação da Caixa seria de apoio institucional ao grupo, buscando a articulação das parcerias, oportunidades e formalização de acordos comerciais com empresas de atuação social, em especial a rede das Santas Casas de Misericórdia, hospitais e entidades filantrópicas, clientes da operação CAIXA Hospitais (CAIXA, 2009). A lógica empregada foi garantir, prioritariamente, que a atividade econômica adotada pelo grupo tivesse sua comercialização garantida, ou seja, o escoamento da produção já deveria ser garantido antes mesmo da confecção das peças encomendadas. Além disso, a metodologia buscava conciliar o processo de capacitação à produção e à remuneração, em tempo real. Para tanto, os produtos seriam classificados segundo as várias etapas do aprendizado, de modo a conciliar, na mesma linha de produção, treinantes e produtoras já capacitadas. Outro aspecto importante da metodologia seria o empenho coletivo de uma rede de instituições comprometidas com o aspecto social (FIGUEIREDO & COSTA, 2007). Considerando a orientação do COTS, a Prefeitura de Belo Horizonte passa a adotar a metodologia da Fábrica Social para o eixo de Geração de Trabalho e Renda na Vila São José. O objetivo principal era incluir produtivamente as pessoas reassentadas para que conseguissem arcar com parte das despesas domiciliares após o reassentamento (por exemplo, despesas com água, IPTU e luz). A empresa Assessoria Social e Pesquisa – ASP, contratada pela URBEL por meio de processo público, ficou responsável pelo desenvolvimento do PTTS na Vila São José. Entre as atividades desenvolvidas, implementou a metodologia da FS na UP, a partir de três etapas: a primeira consistia na elaboração de diagnóstico para identificação da atividade econômica vocacional e de interesse dos moradores da área; a segunda consistiu na elaboração e implementação de Projeto Básico, visando a incubação de um

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sessoramento técnico, por meio de uma agência de negócios, para a estruturação da unidade produtiva - UP. A primeira fase do trabalho, de diagnóstico, apontou para quatro possíveis atividades econômicas a serem desenvolvidas na UP, das quais foi escolhida a confecção e o silk, uma vez que as demais atividades propostas já contavam com empreendedores individuais que não aceitaram coletivizar suas atividades. O processo de estruturação da Unidade de Produção de Confecção e Silk da Vila São José foi realizado de forma participativa, envolvendo o Fórum de Entidades da Vila São José, composto de cerca de 30 entidades, além dos gestores públicos e dos moradores reassentados. Foi constituída uma rede social e material, por meio da assinatura de Protocolo de Intenções, onde cada entidade se comprometeu a apoiar a iniciativa, assumindo diversas funções. Posteriormente, as instituições parceiras se constituíram no Grupo Gestor, cuja função era monitorar o processo e tomar decisões ao longo da incubação da UP. O Projeto foi orçado em aproximadamente, R$ 300.000,00, a serem desembolsados em 12 meses, sendo que, deste montante, R$ 150.000,00 viriam do PAC e o restante, dos parceiros. Os recursos provenientes do PAC custearam a compra de equipamentos, pagamento das despesas fixas (exceto aluguel), remuneração dos técnicos e consultores, pagamento de bolsas-auxílio durante 3 meses e compra de matéria-prima (ASP, 2009). Um galpão foi alugado e adequado às várias fases da capacitação e produção em escala industrial, tendo sido a reforma custeada pela Construtora Santa Bárbara, empresa responsável pela construção das moradias na Vila São José. Para o processo de seleção dos 50 integrantes, foram estabelecidos critérios pactuados com o Grupo Gestor, por ordem de prioridade: 1º) Famílias que seriam reassentadas nos prédios (PAC/Vila Viva); 2º) Beneficiários do BF e que estivessem em acompanhamento sócio-familiar no Núcleo de Assistência Familiar/CRAS São José; 3º) Pessoas em situação de desemprego/subemprego; 4º) Famílias com maior número de crianças/adolescentes; 5º) Famílias que possuíssem, em sua composição, pessoas com deficiência; 6º) Grupo familiar com indicação de violência doméstica (negligência, violência psicológica, violência física, exploração sexual); 7º) Grupo familiar com 40% dos participantes com escolaridade até a 4ª série; 8º) Não contemplar mais de um membro do mesmo grupo familiar; e 9º ) Pessoas com idade

inclusão produtiva

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empreendimento coletivo voltado à atividade definida; a terceira constituiu no as-

acima de 16 anos e alfabetizadas. A execução do projeto foi dividida em 3 módulos: (i) Preparação da empresa social – 9 meses; (ii) Funcionamento da empresa – 4 meses e; (iii) Monitoramento e assessoramento técnico e de mercado - 4 meses. Tinha-se a expectativa de que, nos últimos 4 meses, a UP estaria apta a arcar com as despesas fixas e que, para tanto, a assessoria de mercado deveria ser processual e contínua mesmo após o término dos recursos públicos. O fato não ocorreu devido a um atraso no cronograma para o funcionamento da entidade responsável pela assessoria de mercado, a Agência de


Negócios da Fábrica Social – ANEFS, projeto financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e coordenado pela ONG Moradia e Cidadania-MG2. Quanto à qualificação recebida pelas produtoras, foram ministrados cursos de Gestão do Processo Produtivo, Formação da Empresa/Direito de Empresa, Costura Industrial (Modatec – FIEMG) e Formação Social/ Integração do Grupo, processo que teve a duração de três meses, durante os quais as produtoras receberam bolsa mensal no valor de meio salário mínimo vigente à época (cerca de R$ 200,00). O objetivo geral das capacitações era “transmitir conhecimentos sobre o funcionamento de uma empresa na área de confecção e preparar o grupo para atender pedidos de peças têxteis de fácil produção (enxoval hospitalar e roupa de cama e mesa)” (ASP, 2009). As produtoras contavam com o acompanhamento, em tempo integral, de uma qualificadora, o que visava garantir que as peças comercializadas estivessem de acordo com as exigências do mercado nos quesitos eficácia e qualidade. A permanência da profissional deveria, ainda, permitir a estruturação de uma linha de produção que conciliasse o trabalho das produtoras já capacitadas com o daquelas em estágio de aprendizado: enquanto as iniciantes produziam roupas de cama e enxovais hospitalares, aquelas em estágio avançado trabalhavam com uniformes da construção civil. A UP contava, também, com o acompanhamento de uma técnica social, que tinha a função de auxiliar a formação do grupo como um coletivo, mas que acabou sendo também responsável pela prospecção de novos mercados até que a ANEFS iniciasse as suas atividades. Em novembro de 2010, a ANEFS conseguiu formalizar a unidade de produção, que se cadastrou como Associação Nova Esperança. Essa formalização possibilitou a emissão de notas fiscais de modo equivalente ao de uma empresa enquadrada no sistema SIMPLES. Entretanto, o projeto enfrentou diversas dificuldades relacionadas à sustentabilidade da unidade produtiva, descritas na próxima seção, que acabaram contribuindo para o esvaziamento do projeto e o fim da UP, em fevereiro de 2012. No total, passaram pelo projeto cerca de 70 mulheres.

Histórico da experiência do Centro de Qualificação Profissional e Empreendedorismo Social - Programa Vida Nova, Nova Lima - MG Ocupando uma extensão territorial de 428 km2 e população estimada em 80.998 habitantes (IBGE-2010), o município de Nova Lima se situa na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Apesar de possuir renda per capita relativamente alta (R$ 404,75, segundo dados do Censo 2000) e bom nível de desenvolvimento humano (IDH-M de 0,821, em 2000, segundo o PNUD), Nova Lima apresenta um contingente significativo de sua população em situação de pobreza e de extrema pobreza. 2

A ANEFS “visa assessorar grupos de produção vinculados ou não às políticas públicas de

geração de trabalho e renda nas atividades (financeiras e logística de produção) relacionadas aos seus negócios. A estratégia tem por objetivo dotar as unidades de produção de mecanismos viáveis para a realização de negócios, por meio da articulação de parcerias técnicas, financeiras e comerciais” (site da ONG Moradia e Cidadania). A Agência funciona em parceria com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio do Centro Público de Economia Solidária.

73 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE


Lima implementou, entre outras ações, uma estratégia articulada entre os diversos setores responsáveis pelas políticas sociais no município, criando o Programa Vida Nova. As ações do Programa consistem em apoio às famílias, tanto financeiro quanto social, condicionado ao cumprimento de condicionalidades, visando potencializar as capacidades de seus membros, bem como ampliar suas chances de integração e inclusão na sociedade. O Programa Vida Nova articula-se ao Programa Bolsa Família, adaptando conceitos operacionais chave, tais como: definição de família, utilização do Cadastro Único para seleção de beneficiários, incorporação das condicionalidades definidas pelo programa federal e utilização do IDF – Índice de Desenvolvimento Familiar -, disponibilizado pelo Ministério, para definição dos beneficiários. O acompanhamento das famílias que ingressam no Programa é processual e regionalizado, sendo realizado por uma equipe de profissionais composta por assistentes sociais e psicólogos. Para tanto, são constituídos grupos familiares que se reúnem periodicamente com a equipe técnica. A metodologia empregada procura atuar na promoção da auto-estima; são discutidos diversos temas focando principalmente os sonhos, desejos, habilidades e vocações. As reuniões permitem identificar famílias em situação de maior privação e vulnerabilidade, que demandam encaminhamento para outros serviços públicos, tais como: acesso à moradia, ofertas de vagas de trabalho/emprego, capacitação (cursos de idiomas, de informática, profissionalizantes), educação de jovens e adultos, educação infantil, cultura e lazer, entre outros. Como forma de aprimorar as ações de geração de trabalho e renda, o Programa Vida Nova criou o Centro de Qualificação Profissional e Empreendedorismo Social – CQPES, cujo objetivo é qualificar e encaminhar os beneficiários ao mercado de trabalho. O Manual de Procedimentos do CQPES define sua missão como: “transformar os sonhos de nossos beneficiários em realidade, através da escolha de vida, formação profissional e encaminhamento ao mercado de trabalho”. Os recursos para custeio do CQPES são provenientes do orçamento municipal e do MDS, que, a partir do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), repassa um valor mensal para a gestão do Programa Bolsa Família e implementação de programas

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

Visando minimizar a situação das famílias mais vulneráveis, a Prefeitura de Nova

complementares a este3. O CQPES atua em dois espaços físicos de trabalho e suas ações são desenvolvidas a partir de três eixos:

3

Orientações profissionais e vocacionais;

Qualificação técnica e fomento ao empreendedorismo;

Intermediação para o mercado de trabalho.

O IGD é uma sistemática de apoio aos municípios, adotada em 2006 pelo Ministério com base no

número de famílias beneficiárias e no desempenho da gestão do PBF.


As atividades desenvolvidas no primeiro eixo buscam facilitar a escolha de uma área de atuação, capacitar os beneficiários para adquirirem conhecimento e técnica referentes às atuações profissionais e desenvolver uma postura profissional adequada. Acreditando que uma das barreiras à entrada de pessoas de baixa renda no mercado de trabalho se relaciona aos processos seletivos para vagas de emprego, a equipe técnica do Programa identifica, previamente, as competências necessárias, e a partir desse resultado, são desenvolvidas as ações de capacitações para a qualificação profissional. O segundo eixo busca capacitar os beneficiários por meio da promoção de cursos em diferentes áreas, visando à qualificação e requalificação, possibilitando a elevação da renda no mercado formal e informal. Os cursos ocorrem em três módulos: o Módulo 1, Competências Comportamentais, busca orientar os alunos com relação à postura profissional a ser adotada em entrevistas de emprego e durante a permanência na empresa. No Módulo 2, Capacitação Profissional, são ministrados cursos técnicos, selecionados mediante demanda dos beneficiários. A proposta é qualificar pessoas em suas áreas de habilidades e interesse, desenvolvendo e/ou aprimorando técnicas profissionais. Esses cursos, de curta duração e carga horária variando entre 40 e 200 horas, são distribuídos nas seguintes áreas: administrativa, beleza, culinária, corte e costura, construção civil, artesanato, prestação de serviços, hotelaria e vendas e marketing. Buscando garantir a permanência dos alunos nos cursos, a Prefeitura de Nova Lima oferece horários diversificados, vale transporte, lanche e monitores para os filhos. O Módulo 3, Empreendedorismo, propõe-se a fomentar pequenos empreendedores e grupos de produção em áreas afins, potencializando ainda arranjos coletivos de economia solidária. Nesse módulo, são repassadas orientações para os interessados em montar pequenos negócios. O terceiro eixo de atuação do CQPES se desenvolve a partir de ações para a intermediação dos beneficiários para o mercado de trabalho. Esse encaminhamento é realizado por meio de parcerias com empresas de Nova Lima e da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A proposta é encaminhar os profissionais mais adequados às necessidades e à cultura da organização solicitante. Segundo a Prefeitura, são oferecidas diversas vantagens ao setor empresarial para aceitação do profissional, como seleção objetiva e adequada a cada organização e economia de tempo por parte do funcionário ou recrutador (PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA LIMA, 2011). Neste terceiro eixo, os beneficiários contam com a elaboração de currículos e orientação individual para entrevistas e processos seletivos. Esses currículos passam a fazer parte de um banco de dados constantemente consultado para encaminhamento a oportunidades de trabalho. Apresentamos a seguir alguns dados fornecidos pelos gestores do Programa Vida Nova, referentes ao ano de 2011, e que fornecem uma dimensão quantitativa do programa:

Beneficiários acolhidos pelo CQPES: 738

Beneficiários atendidos nos grupos de orientação profissional: 455

75 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE


Beneficiários que assistiram aos cursos:

Técnicas comportamentais: 341

Empreendedorismo: 174

Empreendedor individual: 29

Empreendedor juvenil: 27

Cursos técnicos: 488

Currículos recebidos e/ou elaborados: 801

Encaminhamentos de currículos: 288

Beneficiários inseridos no mercado: 150

Empresas parceiras: 29

A metodologia de trabalho do CQPES considera informações adquiridas durante o acompanhamento familiar dos beneficiários pela equipe técnica do PVN. Para tanto, essas famílias são abordadas de forma presencial nas reuniões regionais e por correspondência via correio, sendo convidadas a participar de grupos de orientação profissional. A orientação ocorre em reuniões com duração de 2 horas diárias, ao longo de duas semanas, sendo os grupos divididos entre adolescentes e adultos. Nas reuniões são repassados conhecimentos sobre os programas da prefeitura e discutidos temas de interesse conforme a faixa etária dos integrantes: ética, cidadania, planejamento de vida, sonhos e expectativas, dificuldades e limites, oportunidades de capacitação, ofertas de emprego entre outros. São produzidos relatórios de acompanhamento das atividades e pareceres de habilidades, vocações, competências e personalidade. A partir desses encontros, a equipe do CQPES extrai as informações que orientam as ações de inserção no mercado de trabalho, dentro dos 3 eixos descritos anteriormente. É interessante observar que a definição dos cursos e da intermediação para o mercado de trabalho parte dos resultados das dinâmicas nos grupos,

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

respeitando, prioritariamente, os interesses e vocações pessoais. Ao término da capacitação, o currículo é elaborado e inserido no banco de dados e, conseqüentemente, encaminhado para as empresas parceiras, juntamente a um laudo técnico e psicológico.

RESULTADOS DAS INVESTIGAÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS Analisando o perfil dos públicos-alvo das duas experiências conclui-se, a priori, que ambos se inserem numa classe social com poucas perspectivas de futuro, onde a ascensão social requer muito mais que a renda mínima, conhecimento teórico e habilidades profissionais. A necessidade premente de concentrar esforços na vida cotidiana, na busca pela sobrevivência, torna mais desafiadora a elabo-


ração e aplicação de metodologias de inclusão produtiva para este público. As metodologias aplicadas nos programas de inclusão produtiva muitas vezes não correspondem às necessidades das múltiplas dimensões da pobreza do público. Ademais, o segmento empresarial exige dos profissionais, além da escolarização, determinada cultura e experiência profissional, dificultando a entrada deste público que vive em situação mais vulnerável no mercado formal. Nas duas experiências investigadas, foram identificadas as seguintes características relativas ao público-alvo, que dificultam a efetividade de ações tradicionais de capacitação profissional:

Dificuldades em conciliar a carga horária da capacitação ou qualifica-

ção profissional à sobrevivência do dia-a-dia. Muitos fazem “bicos” visando complementar a renda e têm dificuldades de se dedicar à formação profissional;

Frustração e desestímulo por não conseguir colocação no mercado,

mesmo após a realização de cursos, tendo em vista as exigências do empresariado, que não condizem com a sua realidade, tais como escolaridade e experiência prévia;

Boa parte dos beneficiários são mulheres chefes de família com difi-

culdades em conciliar as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos ao aprendizado e exercício do trabalho profissional;

Interesses e vocações profissionais específicas, muitas vezes ligadas a

experiências de trabalho familiar, que precisam ser levadas em consideração na definição das áreas da qualificação;

Limites de assimilação de conteúdos e metodologias construídos com

vistas a atender prioritariamente às demandas do segmento empresarial;

No que diz respeito ao apoio aos empreendimentos solidários, as ca-

racterísticas dessas iniciativas colocam desafios e tensões ainda não totalmente debatidas e equacionadas, e que também foram identificadas no estudo de caso da UP São José;

Dificuldades de compatibilizar a perspectiva de comércio justo e coo-

peração à necessidade de inserção competitiva no mercado vigente;

Insuficiência das tecnologias de gestão em adequar-se às necessida-

des dos empreendimentos autogestionários, nos quais um mesmo indivíduo opera múltiplas atividades e onde as decisões devem ser coletivas, com total transparência das ações;

Dificuldades de apoio para articular questões fundamentais para o

sucesso dos empreendimentos, como acesso a financiamento, canais de comercialização e marcos regulatórios;

77 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE


Dificuldades de adequação, pelos empreendimentos, às exigências de

e/ou dos consumidores;

Dificuldades das equipes gestoras em apoiar o desenvolvimento do

empreendimento, dado que em geral são compostas por técnicos sociais com pouco conhecimento e/ou experiência em relação ao mercado e às noções de sustentabilidade e competitividade econômica; As experiências estudadas mostraram-se inovadoras por buscarem atender às especificidades acima citadas. O êxito das experiências, no entanto, foi limitado a outras questões, como será discutido adiante. Destacamos, a seguir, alguns aspectos centrais observados durante o estudo das experiências: Ambas as experiências foram capazes de garantir a inclusão, mas não a permanência no mercado de trabalho, da maior parte dos beneficiários. No caso da UP São José, a qualificação durante a produção assegurou uma remuneração mínima durante o período de aprendizado, o que elevou o interesse das treinandas e incentivou a permanência no projeto. Tal método permitiu minimizar a insegurança causada pela ausência de renda no curto prazo. No entanto, aspectos diversos contribuíram para que o empreendimento não alcançasse um grau de sustentabilidade econômica desejável, dentre eles, os custos de manutenção de uma estrutura física para o trabalho, a não regularidade de clientes, entre outras dificuldades de gestão e de atuação no mercado, que levaram à instabilidade da renda auferida e do número de produtoras. Ao que parece, houve dificuldades de implantar o que foi planejado, principalmente porque a articulação interinstitucional na qual o projeto se baseou não se concretizou. Passado o período inicial do projeto, a ausência de garantias quanto à remuneração fez com que ocorresse uma grande evasão de produtoras, que passaram a buscar outras formas de ocupação. Algumas conseguiram empregar-se em empresas de confecção, e outras se colocaram no mercado formal de trabalho em outras atividades. Essa rotatividade de pessoas no projeto impediu ao grupo gerar uma produção em escala industrial. Para o CQPES - PVN, o Programa foi capaz de incluir as produtoras no mercado de trabalho, mas não de garantir a permanência no mesmo. As ações foram bastante

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

qualidade, eficácia e desempenho profissional por parte do empresariado

eficazes no aspecto de preparação para o acesso a vagas no mercado; porém, nem sempre as vagas ocupadas se relacionaram diretamente com a qualificação feita. Parece, desta maneira, que os resultados positivos sobre a colocação no mercado se baseiam mais no trabalho social de elevação de auto-estima e incentivo à busca do emprego do que propriamente na qualificação técnica. Além disso, o acesso às vagas ofertadas pelo setor empresarial é dificultado pelas exigências de maior escolaridade e de experiência profissional, colocadas nos processos de seleção. Superar esses limites demanda tempo, o que contrasta com as demandas imediatas do setor empresarial e com as urgências do público alvo. Tais disparidades configuram um grande desafio aos formuladores das políticas de trabalho e renda: como implantar um programa, em curto prazo, com resultados efetivos para os três setores envolvidos - beneficiários, gestores públicos e setor empresarial?


Outro desafio observado na experiência em Nova Lima, em relação à permanência no mercado, diz respeito aos inúmeros problemas sociais que essas famílias vivenciam, principalmente aqueles relacionados aos cuidados com crianças pequenas e problemas de saúde e familiares. Vários dos beneficiários intermediados para o mercado precisaram desistir da vaga alcançada por algum(s) destes motivos. Há que se considerar a necessidade de políticas públicas complementares de educação infantil e de saúde que permitam a essas mulheres atuar no mercado de trabalho, sem desassistir suas famílias. Até o presente momento, a proposta do CQPES de assessorar a formação de microempreendedores ainda é incipiente e de pouca eficácia, apesar de se mostrar uma boa opção para aqueles que têm dificuldades com o afastamento dos afazeres domésticos e/ou que necessitam trabalhar em horários especiais. Em ambas as experiências, as metodologias de capacitação são adequadas ao perfil dos beneficiários. As duas experiências mostraram-se efetivas nos seus métodos de capacitação para o trabalho, podendo subsidiar a discussão de melhorias dos processos de qualificação geralmente fomentados pelas políticas públicas que, em geral, apresentam-se não adaptáveis à realidade do público. Vantagens da aproximação do espaço físico da capacitação ao local de moradia foram observadas, principalmente, no caso da UP São José. Como a UP foi estruturada próxima aos prédios onde as famílias foram reassentadas, era possível, para as produtoras, por exemplo, almoçar com os filhos, levá-los e buscá-los na escola, estudar no período noturno, entre outras atividades. A presença em tempo integral de uma qualificadora, orientando o processo de produção e (re)adequando os métodos utilizados sempre que necessário e possível, também foi observada como importante. Normalmente, os cursos de capacitação têm curta duração e utilizam metodologias pouco adequadas para suprir as necessidades cognitivas inerentes a este público (GUIMARÃES, 2010). Aliado a esse aspecto, a definição de um produto de fácil aprendizado e com mercado estável (associado à rede de relacionamentos do poder público) foi um facilitador para o processo de formação do empreendimento, sob dois aspectos. Em primeiro lugar, possibilitou às produtoras vivenciar os desafios de uma fábrica profissional, minimizando os receios de inserção no mercado de trabalho formal. Em segundo lugar, a experiência trouxe um diferencial em relação às experiências convencionais, já que se baseou na qualificação no trabalho, permitindo conciliar uma linha de produção avançada para as capacitadas e uma área de capacitação para as iniciantes, garantindo um processo de aprendizagem mais eficaz. Tal efetividade é comprovada pela facilidade de comercialização dos produtos e pela inserção de boa parte dos capacitados no mercado de trabalho após a saída do projeto, via emprego em fábricas de costura ou estruturação de empreendimentos individuais ou coletivos. Já a experiência do CQPES/PVN tem como ponto positivo uma atuação direcionada e adequada às especificidades do público alvo. Com o objetivo de preparar os beneficiários para o mercado formal, o trabalho é desenvolvido em várias etapas: sensibilização dos beneficiários e do setor empresarial; capacitação de acordo com os desejos e vocações; orientações e preparação para processos de seleção;

79 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE


outras. Outro aspecto observado foi com relação à estruturação da equipe gestora, composta por psicológos e pedagogos. Esses profissionais se dedicam a (re) alinhar continuamente os metódos de qualificação, de acordo com análises dos perfis e interesses dos beneficiários. O objetivo é adequar ao máximo a linguagem, a metodologia e os instrumentos à realidade do público alvo. Em geral, o que se observa nas ações tradicionais de capacitação é a aplicação de metódos migrados do mercado formal e pouco adequados a este público. Outra característica identificada foi a sensibilidade dos gestores em compreender que os desejos e vocações são pressupostos pedagógicos para a assimilação dos conhecimentos. A escolha dos cursos a partir de teste vocacional proporciona baixa desistência durante o percurso da capacitação. A estrutura montada para a realização dos cursos é também uma preocupação: são ofertados monitores infantis, horários alternativos e vales-transportes. Entretanto, destacamos as dificuldades, colocadas pelos gestores, de captar os beneficiários para o processo, bem como a burocracia exigida pela Prefeitura, que dificulta a contratação de profissionais adequados para a constituição da equipe multidisciplinar necessária. A articulação de empresas parceiras é outro aspecto positivo observado na metodologia. A busca de sinergia entre o perfil profissional que as empresas almejam e o desenvolvimento das ações do CQPES/PVN contribui para minimizar as dificuldades enfrentadas pelos capacitados para se colocarem no mercado de trabalho. Ambas as experiências são efetivas em relação aos resultados não mensuráveis: São notórios, nas entrevistas realizadas, os benefícios obtidos pelo público-alvo para além dos ganhos monetários, como melhorias na sociabilidade, saúde física e psíquica, relações familiares, entre outros. Esses resultados interferem diretamente na auto-estima, impactando a assimilação dos conhecimentos durante a capacitação e o desejo de alcançar desafios maiores, o que representa impactos óbvios sobre a capacidade de trabalho, quando se considera que a elevação das capacidades para a inclusão produtiva passa pela superação das diversas faces da vulnerabilidade e da exclusão. O impacto positivo nas condições de saúde é o mais observado. A convivência com outras pessoas, com problemas semelhantes, o empenho dos gestores públicos e a perspectiva favorável do mercado de trabalho apresentada para os treinantes favorecem a melhora de quadros de baixa

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

elaboração de currículos; manutenção de banco de dados dos qualificados; entre

auto-estima e depressão. O retorno aos estudos também foi ressaltado como um desejo das beneficiárias das duas experiências, tendo sido efetivado por boa parte dos entrevistados. Com relação ao arranjo institucional envolvido, um aspecto observado nas experiências, embora em menor escala, foi a articulação a priori com outras políticas públicas. No caso da UP São José, com a política habitacional custeada com recursos do PAC. No caso do CQPES/PVN, a articulação direta ao PBF do governo federal. Contudo, a baixa articulação das ações de cunho intersetorial foi observada como um aspecto limitador no desenvolvimento das duas experiências. Ademais, as duas iniciativas estudadas não eram de responsabilidade dos órgãos municipais diretamente responsáveis pela formulação e condução das políticas de geração de trabalho e renda. No caso do CQPES/PVN, a experiência é vinculada à Secretaria


Municipal de Educação e na UP São José, à Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte - URBEL, ambas com limitações orçamentárias e com baixa autonomia para elaborar e implantar programas de inclusão produtiva. Potencializar e articular as políticas públicas (de educação, saúde, habitação, abastecimento, segurança pública, trabalho e emprego, etc.) é uma boa alternativa para solucionar as diversas dimensões inerentes ao público alvo dos programas de renda mínima, visando a sua inclusão produtiva. Finalmente, foram notadas nas duas experiências dificuldades diversas enfrentadas pelas equipes gestoras na condução das ações, dada a inexistência de modelos pré-concebidos e a conseqüente necessidade de permanente revisão e readequação das metodologias. Apesar dessas dificuldades, as experiências e ações obtiveram diversos resultados positivos, sobretudo no que se refere à inclusão no mercado de trabalho (ainda que a permanência enfrente desafios) e aos resultados não-mensuráveis, como descrito anteriormente. Superar essas dificuldades depende de um empenho coletivo das instituições envolvidas – setor público, empresários da esfera privada e organizações não-governamentais – que precisam atuar de modo conjunto para realizar a contento essa difícil tarefa e minimizar as tensões que normalmente ocorrem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As ações de inclusão produtiva no Brasil, apesar de mostrarem grandes avanços nos anos recentes, apresentam ainda diversas dificuldades. Os programas de qualificação são frágeis, movimentam poucos recursos, oferecem cursos e metodologias inadequadas, contribuindo pouco para suprir as carências da população pobre e com baixa escolaridade. Os serviços de intermediação de mão de obra, por sua vez, têm pouca efetividade, não sendo capazes de identificar as demandas do público mais vulnerável e encaminhá-lo para as ações necessárias. Além de tais desarticulações, as informações sobre o mercado de trabalho são poucas e desencontradas face às políticas de emprego. Outra arena de ação, o apoio aos empreendimentos da economia solidária, enfrenta diversas dificuldades associadas à articulação ao mercado concorrencial e à inexistência de tecnologias e instituições públicas apropriadas para apoiar e promover a sustentabilidade dos empreendimentos coletivos, apesar de sua relevância em atingir os mais vulneráveis. Em ambas as experiências estudadas, verificou-se um esforço na concepção e implementação de ações, ao considerar as especificidades do público-alvo. Essas experiências inovaram ao propor metodologias diferenciadas em relação aos tradicionais cursos de qualificação, tendo apresentado bons resultados no que diz respeito à inserção no mercado de trabalho, ao aprendizado da profissão e a efeitos sobre a sociabilidade, saúde, convivência familiar, entre outros. Aponta-se, assim, como ponto crucial para o sucesso das ações de inclusão produtiva, o mapeamento das demandas reais do público-alvo e dos limites cognitivos, de mobilidade, familiares, de saúde e educacionais, entre outros, de modo a orientar estratégias e metodologias específicas de apoio. Idealmente, essas características devem orientar a adoção e a constante revisão e readequação das meto-

81 AVALIAÇÃO DE EXPERIÊNCIAS DE CAPACITAÇÃO PARA INCLUSÃO PRODUTIVA NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE


devem buscar a elevação das capacidades, por meio do resgate da auto-estima e de saberes tácitos e da definição de objetivos e vocações profissionais. Para tal, a valorização da equipe de profissionais envolvidos deve ser uma das prioridades, assim como a constituição de um grupo multidisciplinar de gestores que dê conta da multiplicidade de questões que envolvem a inclusão produtiva. Do mesmo modo, a oferta de horários alternativos, monitores infantis, vales-transportes e bolsas-auxílio durante o período da qualificação contribui para a elevação da freqüência e para o aprendizado. A não-permanência no mercado de trabalho de boa parte dos beneficiários que conseguiram vagas aponta o potencial de inclusão pelo empreendedorismo social (pequenos negócios da economia familiar ou solidária) para aqueles que não se adequam às exigências do mercado de trabalho formal, como horários rígidos e distância entre o local de residência e de trabalho. A dificuldade encontrada em constituir e manter a rede de instituições parceiras pensada para apoiar o projeto da UP São José aponta para o desafio de promoção de ações interinstitucionais voltadas à inclusão produtiva. Embora a existência de um grande conjunto de instituições instaladas no território e com ações interrelacionadas possa ser vista como um potencializador de um trabalho integrado, a ausência de modelos prévios a serem seguidos e a própria rigidez das estruturas estatais gera um desafio a ser enfrentado pelos gestores. Além disso, uma articulação efetiva com empresas privadas, potenciais parceiras demandantes de mão de obra ou, no caso de empreendimentos coletivos, fornecedoras de matéria-prima, surge como crucial no desenvolvimento dessas ações. Por outro lado, a eficácia das ações de inclusão através do fomento a empreendimentos coletivos esbarra na questão da sustentabilidade desses empreendimentos, que em geral enfrentam dificuldades relacionadas à gestão administrativa, à manutenção de um capital de giro, ao contato com os clientes, ao acesso ao crédito, entre outros fatores. Isto aponta para a importância da criação e fortalecimento de instituições (universidades, ONGs, OSCIPs, etc.) destinadas a assessorar os empreendimentos em seus processos organizativos, produtivos e comerciais, por meio de tecnologias e metodologias apropriadas. Deve-se visar o apoio permanente na organização de projetos, articulação de parceiros comerciais, qualifi-

inclusão produtiva

avaliação de políticas públicas: contribuições acadêmicas sobre o Desenvolvimento Social e o Combate à Fome

dologias. Os métodos de capacitação, para além do repasse do conteúdo técnico,

cação, definição de marcos regulatórios, processos de (auto)gestão e formalização, marketing e logística, acesso ao crédito, entre outros. Por fim, destaca-se que, dada a multiplicidade de questões que envolvem a exclusão sócioprodutiva, uma avaliação de ações de inclusão produtiva para este público não deve ater-se a índices de empregabilidade e renda, mas ainda, considerar as demais questões associadas à elevação de capacidades para o trabalho, que se articulam, por sua vez, às múltiplas dimensões da exclusão.


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