Ana Salles
design portf贸lio 2014
Ana Salles « ana.sallescruz@gmail.com « cel.: 96308 2963
Formação 2006 Práticas em Webdesign – DePaul University – Chicago, EUA
2004 Ampliação de fotografia colorida – The School of the Art Institute of Chicago – Chicago, EUA, The School of the Art Institute of Chicago – Chicago, EUA
1999 Workshop de Fotografia – Oficina Arte em Movimento ministrada pelos fotografos Márico Cravo Neto e Arnaldo Pappalardo – SESC, São Paulo
1996 Bacharelado em Desenho Industrial – Fundação Armando Alvares Penteado - São Paulo
1995 Fotografica Branco e Preto – SENAC, São Paulo
1992 História da Arte, Impressionismo e Japão – Professor Gilson Pedro, São Paulo
Experiência de Trabalho 07/2009 – 02/2014 Assistende de Arte, revista Mente e Cérebro – Duetto Editorial, São Paulo
04/2008 – 06/2009 Design Gráfico, Freelancer
09/2007 – 04/2008 Design Gráfico, Freelancer - Fonte Design, São Paulo
2006 – 2007 Design Gráfico e Webdesign – Talcott Comunication, Chicago, EUA
2001 – 2006 Freelancer: • Editoração Eletrônica – revista The Baffler, Chicago, EUA • Wesite para G. Caleb Alexander, professor da Universidade de Chicago, Chicago, EUA • Websites para grupos de estudos dos alunos de MBA da Universidade de Chicago, Chicago, EUA • Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica do livro para a Conferência da Associação Afro-Americana de Cursos de MBA – Universidade de Chicago, Chicago, EUA
10/1996 – 06/2001 Designer Gráfica, Fonte Design, São Paulo
Idiomas Inglês, fluente
Conhecimentos em Informática Indesing – PageMaker – Illustrator – Photoshop – Adobe Acrobat – Dreamweaver
Memória dos Brasileiros, março de 2004 Cliente Museu da Pessoa Editoração eletrônica
MemóRias De
brasileiros
brasileiros
Uma história em todo canto
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eu Domingos
Vicentina Dalva
Domingos da Fonseca Sobrinho nasceu em 6 de julho de 1943, em Coruripe da Cal, povoado próximo a Palmeira dos Índios (AL). É funcionário aposentado dos Correios. É Mestre da Ação Griô Nacional (programa de valorização do saber popular vindo da tradição oral).
Vicentina Dalva Lyra de Castro nasceu em 18 de novembro de 1971, em Penedo (AL) . É professora de artes.
O causo da navalha
As águas do Velho Chico
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Tive o privilégio de ter muitas mães: a Baunga, que trabalhou em minha casa desde antes de eu nascer; minha madrinha, que também foi muito presente em minha vida, e minha mãe. Hoje, a Baunga continua na família, e é uma avó muito dedicada para os meus filhos. Tenho cinco irmãos, duas mulheres e três homens. A Baunga, desde pequena, cantava e me ensinava o coco. Passei a infância em vários lugares, pois meu pai viajava muito pelo Estado de Alagoas como técnico agrícola. Passei um tempo em Penedo, depois em Pindorama, mas a maior parte da infância foi em Piaçabuçu, onde meu pai comprou um terreno em uma ilha. A gente ia sempre no fim de semana e as festas de família eram todas lá. Tinha uma casa sem nada de especial, mas a ilha foi muito importante. É a parte que mais lembro. Todo fim de ano tinha festa na ilha. Meus avós tiveram 13 filhos e reuniam todo mundo numa festa enorme. Imaginem 13 filhos e cada um com mais uns filhos. A gente virava o ano lá. Não tinha eletricidade, mas a festa era muito boa, com lampiões, candeeiro... Lembro que todo dia tinha que dar banho nos porcos. A mangueira servia para lavar os porcos, e a gente acabava se lavando junto também. E tinha o rio que era um desafio... Cresci tomando banho nesse rio e minha relação com ele é muito forte. Mas me pergunto até quando vamos poder nadar nele. A mudança do Rio São Francisco começa pela falta das cheias periódicas que alteraram o cultivo do arroz e a criação do camarão, da manjuba. A água é muito influente na minha vida. Não consigo ficar longe, por isso moro na beira do rio.
Já fui barbeiro e fiz serenata. Escrevi a autobiografia A Saga de um Caipira. Meu pai trabalhava em barbearia e cuidava da roça também. Hoje toco acordeão, um tipo de sanfona, e conto causos. Na roça, era plantar um milho, um feijão, cultivar a terra, dali a gente tirava o sustento. Domingo é sempre dia de descanso, mas era o dia em que eu mais trabalhava. No meu tempo de barbeiro, no domingo o pessoal procurava o barbeiro para cortar o cabelo e tirar a barba. Às vezes, tocava um forró no baile, na noite de sábado, e eu era obrigado a trabalhar o domingo inteiro com sono. Vou contar um causo, daqueles “acredite se quiser”. Certa vez, estava tirando a barba de um freguês, uma barba muito cheia, rosto grande, a pele muito sensível. Era preciso uma navalha bem afiada, porque ele ia reclamar com certeza. Acontece que eu, já sabendo disso, tratei de ensaboar muito direitinho, demoradamente, na esperança de amolecer mais para não judiar do cliente. Amolei a navalha direitinho. Na época não tinha os recursos de hoje. Hoje é fácil tirar uma barba, existe a lâmina, tem o barbeador elétrico, tudo facilita a vida do barbeiro. Pois bem. Quando peguei a navalha, que aparei a costeleta, que puxei a navalha até o queixo, ele estava cochilando e se distraiu... E, naquele momento, soltou um peido no salão. Veja só a situação. E não foi um peido qualquer, não, assustou até quem estava ali na barbearia esperando para cortar o cabelo. Eu, inocentemente, achei de perguntar para o cliente se queria que eu trocasse de navalha, pois aquela podia estar cega, e o cliente naturalmente me respondeu: “Não, o senhor pode tirar, pode continuar com essa navalha de peidar mesmo, porque pode ser que o senhor bote em mim uma outra pior, e eu me borro na sua cadeira...” E esse foi o caso mais singular que aconteceu na barbearia. Quem não quiser acreditar tem toda a liberdade de discordar.
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SEU DOMINGOS ENTRE PARTICIPANTES DO ENCONTRO REGIONAL DA AÇÃO GRIÔ. PIAÇABUÇU (AL), 2007
Revista “The Baffler”, abril de 2005 Cliente Revista “The Baffler” – Chicago, EUA Editoração eletrônica
Ana Salles « ana.sallescruz@gmail.com « cel.: 96308 2963
Revista Mente e Cérebro no 252, janeiro de 2014 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica
psicanálise
Conectividade, compartilhamento e implicações subjetivas
por Pedro Luiz Ribeiro de Santi
as novas formas da tecnologia e a transmissão de informações nos impõem questões até então inéditas sobre a maneira como nos relacionamos com produções culturais, marketing, empresas e instâncias de poder 18
O AUTOR PEDRO Luiz RiBEiRO DE SANTi é psicanalista, doutor em psicologia, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
ivemos uma situação ambivalente: graças aos novos recursos tecnológicos de comunicação são criados novos e interessantes recursos psicológicos, mas, ao mesmo tempo, enfrentamos a perda de condições que costumamos tomar como fundamentais para a constituição subjetiva. Essa situação se relaciona a nossa experiência atual com a conectividade. A partir da lógica do compartilhamento (característica do Facebook, mas não só dele), da forma como nos relacionamos com as redes sociais e armazenamos dados em meios virtuais, é possível derivar para mecanismos psíquicos (relativos a confiança, dependência e perda da experiência de interioridade privada) envolvidos nesses processos. Desenvolvo cada uma das partes deste artigo a partir de três filmes de curta-metragem produzidos pela empresa de mobile marketing Pontomobi e pela agência de publicidade JWT, lançados em junho de 2013, para mapear o comportamento do consumidor móvel no Brasil. 19
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psicanálise
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crer que manter dados na nuvem seja tecnicamente mais seguro que fazê-lo num disco rígido ou pendrive, já que estes últimos podem queimar ou travar, afinal. Mas quem é o fiador da disponibilidade da nuvem ou da garantia de privacidade sobre suas informações? Quero aqui evidenciar que, sobre a experiência imediata de liberdade, cria-se uma condição de dependência absoluta e renúncia à privacidade, sem que isto seja sequer claramente consciente. Ao depositarmos nossas informações, delegamos a empresas particulares – com seus interesses comerciais – nosso patrimônio cultural e passamos a depender delas como seus guardiães. Ocasionalmente, a estrutura invisível subjacente ao nosso uso cotidiano da internet se evidencia. Há poucos meses, tornou-se público um processo de espionagem sistemática do Sistema Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos. Parte das análises apontavam surpresa e ofensa; outra parte se perguntava se as pessoas não sabiam ou imaginavam que a movimentação telefônica pudesse ser controlada como medida estatal de segurança ou instrumento de marketing. No Brasil, recorrentemente recebemos notícias de que cadastros pessoais feitos para determinadas instituições (inclusive governamentais) tornam-se disponíveis para uso mercadológico. A ilusão de liberdade e privacidade na movimentação pela internet fica ainda mais próxima no dia a dia das redes sociais. Cada um de nós recebe a cada instante publicidade específica relativa aos nossos hábitos de consumo, aos sites pelos quais passeamos ou pesquisas que fazemos. Desde a aquisição do Orkut pelo Google, gradativamente temos tomado consciência de que nossa movimentação pela rede se torna “cadastro de consumidor”. De alguma maneira, esse uso mercadológico de nossa vida virtual nos A era do desapego
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AS mOLdURAS ignORAdAS dEnTRO dAS qUAiS nOS mOVEmOS A era do desapego, um vídeo com 7:19 min., apresentava a marca da “liberdade” proporcionada pela possibilidade de guardar informações (fotos, textos, músicas etc.) num ambiente on-line, uma nuvem que dispensa um disco de armazenamento à mão. De qualquer lugar e com qualquer dispositivo é possível acessar as informações. A dimensão libertária é evidente: virtualmente, todos os seus livros, arquivos e informações oferecidas pela mídia deixam de ocupar espaço físico, tornando-se disponíveis em qualquer lugar ou momento. Aliás, não só os seus arquivos, mas os acervos de bibliotecas e museus de todo o mundo. Não é necessário sequer que você leve sua plataforma (notebook, tablet, smartphone e outros tantos aparelhos). A imagem arcaica que me ocorre é a daqueles casos em que pessoas esqueciam a única cópia de sua tese ou do original de seu livro num táxi e os perdiam irremediavelmente. Hoje, essas experiências aterrorizantes podem estar superadas. Mas a liberdade celebrada pelo vídeo ignora – e torna gritante – a dimensão alienante de tudo isso. Em nenhum momento se fala da absoluta dependência e confiança nas condições de possibilidade do processo: dispositivos de acesso e aplicativos atualizados disponíveis, provedores de acesso e armazenamento, sem nem mencionar a eletricidade para carregar as baterias (afinal, apagões existem). Tudo leva a
causa menor desconforto que o monitoramento governamental. Isso parece um tanto estranho, uma vez que, em última instância, os governos devem mais satisfações à sociedade que empresas particulares. Talvez tomemos o poder público como inimigo, por estar associado à lei e aos nossos deveres, enquanto nos rendemos com relação às ações de marketing, tornando-as cúmplices em nosso anseio por acesso ao consumo e prazer. De toda maneira, quando a estrutura da moldura que nos enquadra se torna evidente, reagimos e protestamos, mas basta que ela desapareça para que nos reacomodemos. Em contrapartida, a consciência do monitoramento nos entrega a uma experiência paranoica, de persecutoriedade. É como se entrássemos em contato com o Big Brother do Admirável mundo novo, de Aldous Huxley. A percepção de um poder invisível que irá nos usar em função de seus interesses, sem que alguma instância de controle intermedeie essa relação, nos deixa entregues a um estado infantil de desamparo e terror. Temos visto de pouco tempo para cá um novo movimento. A revelação da falta de privacidade na rede passa a ser assumida. O Google comunicou aos usuários de seu e-mail que não pode garantir sua privacidade; e o governo americano, que não doura mais a pílula, assume que seguirá espionando em nome da segurança do país, e, alega, dos próprios espionados. Como essa estratégia ainda é recente, não sabemos se ela irá “colar”. Por vezes, o limite do aceitável vai sendo empurrado sem que nos demos conta. A despeito de essa estratégia tentar ‘naturalizar” o monitoramento, aqueles que tornam a estrutura visível e denunciam os dispositivos de monitoramento continuam pesadamente perseguidos e punidos como traidores. A crença num mito da liberdade só pode ser mantida se fingimos não saber aquilo que sabemos, numa defesa subjetiva que a psicanálise chama de recusa, ou “eu sei, mas mesmo assim”. Talvez tenhamos encontrado um novo “discurso da servidão voluntária” (para usar a expressão de Étienne de La Boétie, no século 16).
Celular: super poderes
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EmAnciPAçãO E POLiTizAçãO REnOVAdAS Com 7:58 min, Celular: super poderes fala de empreendedores que criam recursos inéditos de comunicação para seus pequenos negócios. O vídeo mostra, por exemplo,um chaveiro que cria um modo de ser acessado on-line e uma vendedora que usa o tablet como leitor de cartão de crédito. A despeito da dinâmica alienante descrita anteriormente, é indubitável que o uso da internet criou recursos novos de subjetivação e cidadania. Entre outras coisas, houve uma quebra na estrutura básica da cultura de massa. Quando pensamos nela dos 50 aos 90 do século 20, temos como uma de suas principais características a verticalidade e unilateralidade. A TV, sobretudo, foi o grande instrumento disso. No Brasil, muito se produziu sobre o poder e os efeitos das novelas. Há quem considere que elas impunham modas, dissolviam sotaques e culturas regionais, por meio de uma padronização de costumes. O filme Bye bye Brasil (1980), de Cacá Diegues, foi emblemático na ilustração desse processo. Dos anos 90 para cá, e mais aceleradamente nos últimos anos, a internet em casa passou a produzir uma relativa perturbação desse processo. As mídias deixaram ser unilaterais. No limite, cada um pode produzir ou processar os dados de massa e apropriar-se deles. Mesmo que os “criadores de conteúdo” não sejam tantos, todos passam a lidar de forma menos passiva com o processo. 21
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Os 7 mandamentos da boa convivência online
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imagens: ryger/shutterstock
Outra imagem do potencial criativo e emancipatório da conectividade: um amigo que está prestes a concluir sua tese de doutorado em antropologia é um entusiasta da capacidade de pesquisa e acesso a livros e artigos do mundo todo instantaneamente. Ele pôde mobilizar e articular um volume de informações numa escala que provavelmente seria impossível sem estes nossos recursos atuais. Mas, para além dos recursos individuais, temos visto o aparecimento de usos coletivos e políticos: considere-se o uso das redes sociais no que foi chamado Primavera Árabe, nas recentes manifestações ou na difusão de informação fora dos instrumentos jornalísticos tradicionais. Jovens que jamais haviam se envolvido com questões coletivas se postaram nas ruas em grandes e provocativas manifestações. Algo de nosso narcisismo cultural das últimas décadas pode estar se quebrando. Haverá consequências efetivas? Isto pode mudar o jogo eleitoral em 2014, com todo o seu aspecto de cartas marcadas entre velhos jogadores? O relativo fracasso das manifestações convocadas para 7 de setembro indicam um enfraquecimento do movimento? Num dos momentos mais violentos das manifestações de junho em São Paulo, assisti da janela de minha casa a um confronto entre jovens e a polícia; os jovens incendiavam latas de lixo e obstruíam a rua Augusta. Consultei sites jornalísticos e canais de TV e, naquele momento, todos afirmavam que a manifestação seguia sem confronto. Postei o que via no Facebook e, em poucos segundos, um aluno me indicava um canal do Twitter pelo qual a manifestação a que assistia estava sendo transmitida ao vivo pelos próprios manifestantes. Não há jornal impresso ou televisivo capaz
de estar tão colado nos acontecimentos. Aliás, há pouco tempo houve uma tentativa, com um repórter usando o Google Glass numa das manifestações recentes. E ainda se anuncia que agora policiais também levarão consigo câmeras para filmar provocações ou poderem se defender de acusações de abuso. Tudo isso é muito impressionante e, penso, positivo. A difusão dos mecanismos de acesso e sua velocidade dificultam a censura ou manipulação da informação por qualquer instância de poder (governamental ou midiática). Ao argumento do controle exercido na rede, com a eventual censura de conteúdos, contrapõese a dinâmica dos usuários, sempre dispostos a criar novos caminhos de expressão não tutelada. É um novo capítulo da história do conflito entre controle e liberdade. Nessa perspectiva, de fato estaríamos vivendo uma época única, na qual nunca tantas pessoas tiveram acesso a tantas coisas (consumo, informação, possibilidade de manifestação). Essa perspectiva interessante e criativa seria capaz de produzir novas formas de cidadania e subjetivação singular, na contramão da massificação do Big Brother. Talvez a pulverização inicial das manifestações que se iniciaram em junho por todo o Brasil tenha a ver com isso. Manifestações disseminadas pela internet, sem liderança ou estrutura comum. Neste momento, o frescor inicial se diluiu, sobretudo desde que determinados partidos ou causas procuraram se apropriar da movimentação. De toda maneira, vale o sinal positivo: ninguém soube ao certo determinar o que estava acontecendo. Quem nutre o sentimento mais comum e decadentista (“este mundo está acabando e esses jovens de hoje são vazios e superficiais”, ou ainda, “não há nada de novo nisto, é só o de sempre”) mostra não ter ainda conseguido compreender o que há de potencial de criação nesses processos. Certos modos de ser estão desaparecendo, outros estão sendo traduzidos e, mesmo, criados; novas formas de subjetivação podem estar surgindo. Concluí a parte anterior evocando a obra de Étienne de la Boétie, Discurso da servidão voluntária. O livro era um manifesto contra a tirania e tinha como título alternativo Le contr’un (“Contra o um”). A difusão e a fragmentação sofrem da dificuldade de não serem propositivas, mas têm seu poder subversivo e criativo justamente na recusa de discursos e dispositivos unificadores.
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psicanálise
nOVAS fORmAS dE SUbjETiVAçãO O terceiro vídeo do conjunto, Os 7 mandamentos da boa convivência online, com 10:55 min, discute a necessidade de criar regras de convívio para os novos recursos de conectividade. A onipresença dos celulares criou a ideia de que todos nós estamos acessíveis (ou ainda mais, disponíveis) 24 horas. A qualquer momento do dia ou da noite recebemos e-mails, SMS e mensagens em aplicativos – o que se tornou absolutamente invasivo. A situação parece mais ostensiva no campo das relações de trabalho. Com um aparelho da empresa ou mesmo com nosso particular, passamos a ser tomados como “livres” a todo momento. Essa, aliás, é outra dimensão a mais da perda de privacidade, distinta da questão do monitoramento. De acordo com o vídeo, o problema se deve à novidade desses meios. E passada a novidade, passavamos a transplantar para a rede os mesmos critérios de convívio e civilidade aplicados em outros campos. Mas aqui tendo a discordar. Na medida em que despendemos cada vez mais tempo conectados, compartilhamos cada vez mais informações, experiências e sentimentos; de fato criamos novos modos de experiência subjetiva. No livro The culture of connectivity – A critical history of social media (Oxford University Press, 2013), o autor José van Dijk é muito perspicaz em desvendar os princípios que regem a vida em redes sociais e, mais especificamente, no Facebook. Toda a política do site é estimular ao máximo os mecanismos de “curtir” e “compartilhar”. A cada momento, novos avanços são feitos para dificultar a reserva e privacidade de dados. Some-se a isso o ponto da primeira parte desta discussão: temos também cada vez mais salvo nossos dados numa nuvem virtual. Meu ponto é o seguinte: vamos incluindo nossa subjetividade nos mecanismos e fóruns da rede, despojando-nos de nosso mundo interno privado. Não só fazemos nosso currículo e movimentação bancária pela internet, mas fazemos confissões e declarações, postamos fotos de momentos íntimos familiares. Expomos nossos sentimentos
como o fazíamos em diários íntimos: a internet ganha uma dimensão confessional, tendo como interlocutor não Deus, um amigo ou um analista; mas algumas centenas de (infinitos) “amigos”. Muitas pessoas incorporam a mentalidade de postar sua experiência a cada instante que pareça que algo de notável se deu. Ao criarmos a ideia de que alguma situação só existiu de fato se estiver registrada e postada, estamos diante de uma nova condição de existência, bastante distante daquela que caracterizou o sujeito moderno ou, em termos psicanalíticos, distante da criação de uma subjetividade autônoma e privada. A individualidade interiorizada e privatizada foi criada no Renascimento e dela emergiu o sujeito moderno. Hoje, ela estaria sendo dissolvida numa rede de dependência mútua. Não estamos levando a etiqueta antiga para a rede, mas sim estamos inventando uma nova etiqueta. Cria-se uma grande rede de espelhamentos e reconhecimento, nas quais se deve curtir e compartilhar por princípio posts de determinados amigos a quem queremos agradar, ou, é claro, de pessoas de quem queremos chamar a atenção. Nossos chefes, por exemplo. Ao ingressar no Facebook há dois anos, fui instruído por um aluno: caso um post seu não seja comentado ou curtido em um prazo razoável (algo até uma hora e meia) é melhor retirar o post: posts zerados são “queima-filme” num perfil. Assim, o psicanalista francês Jacques Lacan encontra-se com o psicólogo francês B. F. Skinner. Vamos nos constituindo como personalidades virtuais na medida em que nossos posts são reforçados pelo ambiente e nos situam numa bolsa de valores simbólicos através da qual temos espelhado quem somos nós. Daí a ânsia em postar fotos da balada, de manifestações, dos restaurantes, das férias, dos humores cambiantes ao longo do dia etc. Ou posts em blogs. Ânsia seguida pelo desespero em conferir quantas pessoas viram, curtiram, comentaram, compartilharam. Se isto fizer sentido, a tendência não será transplantarmos nossas regras de civilidade para a rede, mas colocar a lógica da rede em outros campos da vida. Em vez de construirmos uma autonomia relativa – capaz de estar só, descolada do outro – estaríamos nos mantendo numa modalidade de interdependência infantil, pulverizada em uma nuvem com interesses, estes sim, privados. mec
PARA SABER MAIS Vídeos: http://onthegoreport.com.br/
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Revista Mente e Cérebro no 251, dezembro de 2013 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica
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A dieta da inteligência e do bom humor nutrientes e atitudes que ajudam a manter as engrenagens cerebrais preparadas contra os efeitos do estresse e do envelhecimento por Fernanda Teixeira Ribeiro
a aUTORa Fernanda Teixeira ribeiro, jornalista, editora-assistente de Mente e Cérebro.
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cérebro humano evoluiu em face da escassez de comida. Nossos ancestrais percorriam longas distâncias para coletar frutos silvestres ou caçar animais. Gastavam enorme quantidade de energia para encontrar uma presa e abatêla. Saciada a fome, nunca sabiam quando seria a próxima refeição nem como conservar o que eventualmente sobrasse. É compreensível, assim, que nossos neurônios tenham aprendido a considerar alimentos com maiores quantidades de gordura e açúcar mais saborosos, pois, ricos em calorias, eram mais vantajosos em um contexto em que era preciso estocar energia para sobreviver. Hoje, porém, basta uma caminhada do sofá à geladeira ou do escritório à lanchonete mais próxima para comer. É interessante imaginar que uma bancada de restaurante por quilo oferece uma variedade de nutrientes e sabores que um homem paleolítico nunca chegaria a ingerir.
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te dobrou desde o século 18, quando para a maioria das pessoas obter comida suficiente ainda era mais importante que selecionar o que comer. Se os pesquisadores daquela época lidavam com vírus e bactérias que dizimavam populações, os de hoje têm como desafio tratar e compreender complexas patologias cerebrais associadas ao envelhecimento, como Parkinson e Alzheimer. O cérebro está se adaptando a um novo estilo de vida, que exige mais informação e consciência no momento de decidir o que colocar no prato. E os cientistas estão descobrindo que os hábitos alimentares saudáveis podem ser decisivos para manter nossas engrenagens cerebrais mais resistentes aos efeitos do estresse e do envelhecimento. Assim, maneiras inteligentes de se alimentar, de manter o corpo ativo e, como não poderia deixar de ser, de reagir ao estresse compõem uma cartilha elementar de preservação da saúde do corpo e da mente.
CaRdápiO sem carne
Quando a carne é levada ao fogo, suas proteínas e creatina (composto de aminoácidos presente nas fibras musculares) reagem ao calor e formam aminas heterocíclicas (HCA), substâncias que danificam o DNA mitocondrial das células. Como explica o neurologista Cícero Galli Coimbra, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a mitocôndria é uma organela que funciona como uma usina, pois metaboliza nutrientes, como gordura e açúcar, e libera energia para a célula. Se os motores dessa usina são adulterados pelas HCA, eles passam a poluir mais, ou seja, a liberar maiores quantidades de radicais livres (moléculas que danificam as células). “A liberação de oxidantes causa o envelhecimento da célula, o que a predispõe a doenças, como o câncer. Como é o órgão que mais consome energia, o cérebro se ressente dessa pane mitocondrial”, diz Galli.
A carne grelhada, como a de churrasco, é a que apresenta maiores quantidades de HCA. Ao contrário do que se poderia imaginar, o tipo que mais produz a substância é a de ave, seguida da carne vermelha. “Quanto menos carne, melhor para a preservação da saúde do cérebro”, diz o neurologista, que afirma que a dieta vegetariana – que elimina carne, mas permite outros produtos de origem animal, como ovo e queijo – supre a necessidade de proteína e vitamina B12 (ver quadro na pág. 29). Em relação às outras carnes, os peixes liberam muito menos HCA, portanto são opção mais saudável. Mas é importante saber sua procedência: são preferíveis de alto mar ou criados em cativeiro, pois os de rio e os da costa marinha têm mais capa risco de estar contaminados com metais como mercúrio, causa comprovada de dano cerebral.
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A gema é rica em colina, nutriente importante para a construção e reparação da membrana celular. É produzida apenas em pequenas
imagens: shutterstock
Ômega-3: COnsTRUTOR quantidades peloneURal organismo, por isso deve ser
Ácidos graxos do tipo ômega-3, em especial o ácido docosa-hexaenoico (DHA), têm propriedades anti-inflamatórias. Estudos mostram que o consumo desse nutriente, presente em maiores quantidades no óleo de peixe, óleos de linhaça e peixes marinhos de águas frias e profundas, como sardinha, atum e salmão, ajuda a proteger os neurônios contra processos inflamatórios, como as doenças de Parkinson e Alzheimer. No caso do DHA, ele é incorporado pelas membranas celulares desde o nosso desenvolvimento intrauterino. Esse ácido tem funções importantes: ajuda a construir a bainha de mielina, uma fina camada que reveste o corpo dos neurônios, o axônio. Uma bainha mais íntegra significa que a velocidade de condução do impulso nervoso é maior, o que fortalece as sinapses (comunicação neuronal). “O DHA também é usado na metabolização de neurotransmissores (substâncias que atuam como mensa-
geiros químicos entre neurônios). Conse- A colina adquirida poros meio da alimentação. quentemente tem éinfluência sobre o humor, neurotambém precursora da acetilcolina, o desenvolvimento cognitivo e a em memória”, transmissor envolvido funções cognitiexplica o nutricionista Rafael Soares, pesquivas como memória e sador do Instituto de Ensino e Pesquisa (Iep) aprendizagem. Mas do Hospital do Coração (HCor) em São Paulo. atenção ao preparar o Outra substância, aliás, usada na formação da frito, por ovo: quando bainha de mielina é o ácido oleico, presente exemplo, a clara deve no abacate, por exemplo.
somente a vitamina D adquirida através da luz solar chega em quantidade suficiente até o cérebro
Cereais integrais
Óleo de oliva é uma opção saudável para temperar a salada ou dar mais sabor ao prato. No entanto, se aquecido em altas temperaturas, sofre oxidação e perde suas propriedades benéficas. É melhor usá-lo, então, no fim das preparações. Outra alternativa de óleo vegetal é o de linhaça, que contém boas quantidades de ômega-3.
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humanOs graças à cOzinha
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antioxidantes e anti-inflamatórios presentes em todas as frutas (principalmente na casca), com destaque para o mirtilo. O consumo regular 28 l mentecérebro l dezembro 2013 da substância ajuda a prevenir o declínio cognitivo relacionado ao envelhecimento e também a aprimorar a função cognitiva em idosos em estágio inicial de doença neurodegenerativa. “Os flavonoides parecem ter várias funções fisiológicas, como capacidade de modular o sistema imune cerebral. A melhora no desempenho cognitivo pode estar relacionada aos seus efeitos sobre o sistema vascular, isto é, ao aumento do fluxo sanguíneo cerebral”, diz Soares. Outros alimentos ricos na substância são o chocolate amargo (com mais de 70% de cacau), o chá-verde e o chá-preto. Outro antioxidante poderoso é o licopeno, responsável pela coloração avermelhada dos tomates.
Grãos, como arroz, trigo e aveia, são27fontes de carboidratos. As versões integrais conservam partes ricas em vitamina B (essencial para o metabolismo de energia e transmissão dos impulsos nervosos) e fibras, como a casca, que geralmente são descartadas no processo de refinação.
Proteína saudável Leguminosas, como feijão, grãode-bico, ervilha, lentinha e soja (com a qual se faz o tofu e bifes vegetarianos), são fonte de proteína de origem vegetal, mais saudável que as de origem animal. Dentre estas, melhor escolher peixes e ovos e evitar carne vermelha.
Frutas Variadas, de diferentes cores, suprem o organismo com açúcar saudável, vitaminas, minerais e substâncias oxidantes.
Vegetais Tomates, os de folhas verde-escuras, cenouras e tantos outros. Quanto maior a quantidade e a variedade, melhor. Cuidado com as versões fritas em óleo, pois têm muita gordura e perdem nutrientes. Tente substituir a batata comum por batata-doce ou abóbora em algumas receitas: são ricas em substâncias antioxidantes.
Água, suco, chá Sucos naturais (sem açúcar), água e chás são a melhor opção. Atenção também para as quantidades de açúcar no café. Refrigerantes devem ser evitados, pois contêm muito açúcar e produtos químicos.
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emOções saudáveis, O pRaTO pRinCipal nossos antepassados provavelmente também não conseguiam. O número limitado de calorias obtidas da comida crua faz com que seja inviável, para um gorila, sustentar um cérebro maior ainda, além do corpo enorme que já tem. Pelas mesmas contas, dado nosso cérebro com três vezes mais neurônios que o dos gorilas... nós não deveríamos estar aqui. Com a dieta crua dos outros primatas, o Homo sapiens não seria energeticamente viável. A história muda com o cozimento dos alimentos, o que mais que dobra seu rendimento energético e reduz drasticamente o tempo necessário para ingeri-los – e assim ter um cérebro grande deixa de ser um risco e passa a ser uma vantagem, o que explica o aumento enorme e rápido do tamanho do cérebro de nossos antepassados. Excelente. O problema, contudo, é que nossas invenções seguintes, como a agricultura, a geladeira e o supermercado, tornaram fácil demais... comer demais.
suzana Herculano-Houzel Neurocientista, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), autora do livro Pílulas de neurociência para uma vida melhor (Sextante)
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vinhO, tOmate e chOcOlate
A casca das uvas pretas, suas sementes, o suco integral da fruta e o vinho tinto contêm resveratrol, molécula com efeitos antioxidantes que ajuda a melhorar a vascularização e a prevenir problemas cardiovasculares e cerebrovasculares, associados ao envelhecimento. Por ser uma bebida alcoólica, porém, o vinho deve ser consumido com moderação. As uvas também contêm maiores quantidades de flavonoides, potentes
“A tranquilidade no dia a dia é o passaporte para manter as funções cognitivas íntegras”, diz Galli, citando um longo estudo do psiquiatra George Vaillant, da Universidade Harvard, que mostrou que pessoas que vivem em tumulto emocional ao longo dos anos têm alto prognóstico de Alzheimer. Nutrição adequada, atividade física e toda espécie de terapias e cuidados praticamente perdem o sentido sem mudar atitudes emocionais negativas ou sem continuar a exercitar as funções cognitivas – do contrário, por que motivo o cérebro as preservaria? Como bem sugere um popular provérbio chinês: “Coma metade, ande o dobro e ria o triplo”.
cru OU cOzidO? Os dOis
O cozimento destrói alguns nutrientes presentes nos legumes e verduras, como o ácido fólico, encontrado em vegetais de folhas verde-escuras, como brócolis e espinafre, envolvido na produção de substâncias cerebrais associadas
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O que nos torna humanos, com capacidade cognitiva superior à dos outros animais? “Nosso enorme número de neurônios no córtex cerebral” é a resposta que damos em meu laboratório. E como conseguimos esse enorme número de neurônios que nos torna humanos? “Graças à invenção da dieta cozida por nossos ancestrais, que assim conseguiram superar a barreira energética que mantém outros primatas e demais mamíferos limitados a números bem menores de neurônios”, respondemos. A sugestão original é do antropólogo britânico Richard Wrangham, pesquisador da Universidade Harvard. Wrangham notou que a duplicação rápida do tamanho do cérebro na história da evolução humana coincide com uma redução do tamanho dos dentes e das cristas ósseas que sustentam os músculos da mastigação – como se nossos antepassados de repente não precisassem mais fazer tanta força para comer. Seria o esperado de quem passa a se alimentar de comida cozida, que é mais macia e fácil de mastigar do que folhas, raízes e carnes cruas. Em 2012, ao calcular quantas calorias são necessárias para sustentar corpos e cérebros de tamanhos diferentes, mostramos que humanos teriam de passar cerca de nove horas e meia se alimentando de comidas cruas, como fazem grandes primatas – o que não é possível. Os crudívoros modernos apenas subsistem graças à disponibilidade de altas concentrações de alimentos crus em supermercados e truques como purês e sucos. Basta pensar em como seria a nossa vida se as horas dedicadas ao trabalho diariamente tivessem de ser passadas procurando e consumindo alimentos crus, sem parar. É o que fazem gorilas e orangotangos – mas “apenas” por oito horas por dia. Em épocas em que a comida perde valor nutritivo, eles não conseguem compensar comendo mais e perdem peso. Se eles não conseguem comer muito mais do que oito horas por dia,
alimenTO qUe vem dO sOl
A exposição à luz solar estimula a pele a produzir vitamina d. Seu produto metabólico, o calcitrol, tem mais 4.500 sítios de ligação em cada uma das células do genoma e controla mais de 200 funções das células cerebrais. Ela está envolvida na biossíntese de fatores neurotróficos, que são proteínas endógenas que favorecem a sobrevivência dos neurônios e a plasticidade sináptica do sistema nervoso periférico e do central. Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que quase 80% dos habitantes de São Paulo têm carência da substância no inverno. A exposição ao sol é necessária, pois a quantidade de vitamina D presente nos alimentos é irrisória. Somente a exposição solar proporciona quantidade suficiente da vitamina para atravessar a barreira hematoencefálica (a membrana que protege o sistema nervoso de agentes químicos presentes no sangue) e chegar até o cérebro. “Bastam cerca de 20 minutos diários de sol, com braços e pernas expostos. O melhor horário é aquele em que a sombra projetada no chão tem tamanho igual ou menor que sua estatura”, diz Galli. Um estudo da Universidade da Califórnia, publicado em fevereiro no Journal of Alzheimer’s Disease, sugere inclusive que a combinação de vitamina D e ômega-3 torna o sistema imunológico mais apto para “limpar” placas amiloides, acumulação de proteínas alteradas, do cérebro com Alzheimer.
Comida para os neurônios
Azeite
o cozimento garante maior consumo de calorias com menos esforço – isso é fundamental para o desenvolvimento de nosso cérebro
ficar branca, pois as extremidades tostadas – com textura que lembra uma superfície caramelizada – têm aminas heterocíclicas (ver item anterior sobre o consumo de carne). Cozido sem que a gema fique endurecida, é fonte de colesterol não oxidado, benéfico e necessário para o organismo; cozinhar demais, porém, oxida o colesterol. Sementes e grãos (em especial a soja) também são fonte de colina.
com informações da escola de saúde pública de harvard (www.hsph.harvard.edu/nutritionsource) e do livro power foods for the brain, de neal barnard (grand ventral life & style,2013); azeite, prato, copo, ovo, sementes e grãos: shuttterstock; infografico: isabela jordani
Nossos hábitos, não só os alimentares, mudaram especialmente no último século: a tecnologia tornou-nos mais sedentários e afetou a quantidade e a qualidade do sono. De maneira que as preferências que o cérebro foi elegendo ao longo de milhares de anos de evolução já não são as mais adequadas para nossa realidade, pontuada, ao menos nas grandes metrópoles, pela permanente “falta de tempo” que impacta a qualidade das refeições. Uma situação corriqueira: um pacote de salgadinhos industrializados (pobre em nutrientes, mas rico em componentes que estimulam circuitos neurais de prazer) parece uma maneira bem mais tentadora de enganar a fome quando saímos às pressas do trabalho a caminho de um curso noturno ou qualquer outro compromisso do que quando vamos para casa, cientes de que haverá tempo suficiente para preparar e escolher melhor o jantar. A expectativa de vida mundial praticamen-
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capa
Uma bancada de restaurante por quilo oferece uma variedade de nutrientes e sabores que um homem paleolítico nunca chegaria a ingerir
bem-estar, como a serotonina. Uma revisão de estudos feita por pesquisadores da Universidade de York, no Reino Unido, com mais de 15 mil pessoas relaciona a depressão a níveis mais baixos dessa substância no sangue. (Leia sobre a importância de ingerir alimentos cozidos no texto da neurocientista Suzana Herculano-Houzel, na pág. ao lado).
receitas nO site CONFIRA TABELA DE ALIMENTOS de origem vegetal que são fonte de proteína, além de sugestões fáceis e nutritivas para o cérebro, elaboradas pelo nutricionista Rafael Soares, pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa (Iep) do Hospital do Coração (HCor) em São Paulo. Acesse www.mentecerebro.com.br. LEIA NA EDIçãO DE JANEIRO sobre a relação entre saúde do cérebro e do coração.
PARA SABER MAIS Power foods for the brain. Neal Barnard. Grand Ventral Life & Style, 2013. diga-me o que você come. Stefanie Reinberg. Mente e Cérebro no 238, págs. 22-29, novembro de 2012. 12 alimentos para o cérebro. Mary Franz. Mente e Cérebro no 218, págs. 28-35, março de 2011. The brain diet: the connection between nutrition, mental health and intelligence. Alan Logan. Cumberland House Publishing, 2007.
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Ana Salles « ana.sallescruz@gmail.com « cel.: 96308 2963
Revista Mente e Cérebro no 251, dezembro de 2013 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica
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por robin Marantz Henig
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medicamentos disponíveis no mercado deixam a desejar: podem levar semanas até fazer efeito e para muitas pessoas realmente não funcionam. cientistas buscam melhores opções a autora ROBIN MARANTZ HENIG é jornalista científica.
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oana completou 26 anos no mês passado. Formada em propaganda e marketing, prepara-se para iniciar um curso de pós-graduação. A maioria das pessoas com quem convive não sabe que ela toma antidepressivos há três anos, principalmente contra a ansiedade e ataques de pânico. Por dez meses usou Paxil, um inibidor seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), mas acabou desistindo, pois o medicamento inibiu seu desejo sexual. O psiquiatra trocou por Xanax, droga ansiolítica que lhe devolveu a libido, mas à custa de novos sintomas. Para evitá-los, usou Paxil novamente, depois Lexapro (outro ISRS) e passou para Pristiq, que faz parte de uma classe relacionada de inibidores seletivos da recaptação da serotonina e da noradrenalina (ISRSNs). Hoje, toma outro ISRS o Zoloft, juntamente com Wellbutrin (um “parente” dos ISRSNs, que influi na atividade da dopamina e da noradrenalina), para compensar os efeitos colaterais do Zoloft. “Não noto muita diferença, mas volto ao meu psiquiatra semana que vem, talvez ele aumente a 63
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saúde mental
EM buSca DE vElociDaDE Nos últimos dois anos gigantes farmacêuticos como o Glaxo-SmithKline anunciaram a intenção de abandonar o desenvolvimento de drogas psiquiátricas, por considerar o processo muito oneroso, difícil e pouco preciso.
nnum
Cientistas de laboratórios estatais e universitários de vários países e de pequenas empresas tentam preencher a lacuna. O fato, no entanto, é que milhões de pacientes permanecem sem ajuda de psicoterapia e medicamentos – e estão desesperados para experimentar qualquer coisa que alivie a dor psíquica. Pesquisadores que procuram encontrar antidepressivos de ação mais rápida têm estudado compostos conhecidos como levantadores-relâmpago de humor, na esperança de descobrir por que eles funcionam muito mais rapidamente que os ISRSs, aumentando os níveis de serotonina, molécula sinalizadora, no cérebro. Um desses compostos é a cetamina. Ela é um anestésico, analgésico (também usada como droga recreativa) que, entre outras coisas, há risco de afetar a consciência e provocar alucinações. Experimentos com roedores mostram que pode ser tóxica para as células neurais – motivo que a desqualifica para um antidepressivo, mas ela provou ser um composto fascinante de estudar na procura de ideias de como fazer antidepressivos reduzir os sintomas de forma mais rápida. Como os pesquisadores Ronald Duman e George Aghajanian, da Universidade Yale, e seus colegas demonstraram, apenas duas horas após uma injeção de cetamina, ratos de laboratório começaram a aumentar a produção de proteínas necessárias para construir novas sinapses (pontos de contato através dos quais os sinais fluem entre as células nervosas) no córtex pré-frontal. Essa região do cérebro, localizada logo atrás dos olhos, é conhecida por se comportar de forma anormal em pessoas deprimidas. Após 24 horas da aplicação da injeção de cetamina também começaram a brotar nos ratos no-
passar de olhos
Antidepressivos atuais podem levar semanas para aliviar a depressão. Em certas pessoas nem chegam a funcionar e, se hoje são efetivos, podem não ter o mesmo resultado amanhã. Novos agentes de ação mais rápida e outros, com novos mecanismos, são necessários, mas a fonte dessas drogas na grande indústria farmacêutica é limitada. Laboratórios do governo, de universidades e de algumas empresas farmacêuticas pequenas tentam preencher essa lacuna e têm algumas ideias promissoras.
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uma enorme lacuna vas “espinhas sinápticas”, como cravos em uma topiária, ao longo dos dendritos, que são projeções de células nervosas receptoras de sinais de outros neurônios. Quanto mais espinhas, mais rápida a transmissão. Nos experimentos de Duman e Aghajanian, quanto mais espinhas menos os animais demonstram comportamento depressivo (como abandonar atividades a que normalmente se dedicariam). “Vários trabalhos nos últimos dez anos ou mais mostram que na depressão há atrofia e não crescimento no córtex pré-frontal e no hipocampo”, avalia Duman, que dirige hoje o Laboratório de Psiquiatria Molecular de Yale. A cetamina pode reverter essa atrofia rapidamente e restaurar a normalidade. A rapidez é ponto central da pesquisa: cientistas examinam o cérebro de ratos apenas algumas horas após a injeção de cetamina para ver se o aumento nas espinhas sinápticas ocorre ainda antes das 24 horas. Pesquisa adicional em um grupo diferente de ratos deprimidos revelou como a cetamina faz as espinhas sinápticas crescer: ativando uma enzima em neurônios, conhecida como mTOR. Duman e seus colegas descobriram essa conexão administrando aos ratos uma droga que bloqueia a ação da enzima. Depois usaram cetamina em ratos com mTOR bloqueada. Nada aconteceu, o que indica que, quando a mTOR é inibida, a cetamina não exerce efeito na proliferação de espinha sináptica ou na reversão de comportamento depressivo. Em outras palavras, a mTOR deve estar ativada para a cetamina fazer seu trabalho de brotação de espinhas. Considerando a cetamina perigosa demais para ser usada rotineiramente como remédio, cientistas começaram a buscar outros ativadores de mTOR. Eles sabiam que a cetamina estimula a enzima prevenindo o glutamato (principal neurotransmissor excitatório do cérebro) de agir em uma molécula de acoplamento particular – denominada receptora NMDA – na superfície dos neurônios. Então, testaram outro bloqueador NMDA e descobriram que este também elevou a atividade da
A necessidade de melhores antidepressivos é realçada por dados do ensaio Star*D, que monitorou os efeitos do tratamento com remédios em cerca de 3 mil pacientes. Os resultados, publicados em 2006, mostram que embora medicamentos ajudem muitas pessoas, uma grande proporção dos pacientes não responde completamente, ou tem recaídas, mesmo quando os agentes funcionam por um tempo. Os fármacos também podem levar semanas para atingir o máximo de eficácia. O ensaio foi complexo, mas, no início, pacientes receberam citalopram (Celexa), inibidor seletivo da recaptação da serotonina – a classe de agentes mais prescrita hoje. Aqueles que não sentiram melhoras receberam algum dos vários tratamentos alternativos, geralmente por até três vezes. Pacientes que melhoraram foram monitorados por um ano enquanto estavam em terapia de manutenção. As informações a seguir se originam da primeira fase de tratamento do ensaio, com citalopram. No total, 67% dos pacientes que passaram por todos os estágios do ensaio alcançaram remissão (pelo menos uma vez), mas a cada fase sucessiva a porcentagem de pacientes que apresentaram melhoras declinou e a probabilidade de reincidência aumentou. o melhor caso: resultados da primeira fase de tratamento de Star*D Clinicamente deprimidos Responderam, mas não completamente Em remissão (sintomas praticamente desapareceram) Reincidentes durante terapia de manutenção
Alguns participantes iniciais não estiveram na fase seguinte do estudo
Resposta ao antidepressivo 37% dos pacientes em tratamento entraram em remissão ficando assim, em média, por 6,3 semanas. (Os reincidentes estavam entre os 49% que “tiveram resposta” – seus sintomas declinaram pelo menos pela metade.)
Taxa de recaída 34% dos pacientes em remissão ao começar a terapia de manutenção voltaram a apresentar sintomas em 12 meses.
gráfico de jen christiansen; fonte: “acute and longer-term outcomes in depressed outpatients requiring one or several treatment steps: a star*d report”, de a. john rush et al., em american journal of psychiatry, vol. 163, no 11; novembro de 2006
dose, quem sabe”, comentou Joana há pouco mais de um mês. Só há poucas semanas iniciou as sessões de psicoterapia. “Achei que remédios eram seriam eficazes, hoje penso que deveria ter começado a análise antes.” Sua trajetória revela a típica abordagem de tentativa e erro baseada na prescrição não apenas para a depressão em si, mas também para distúrbios relacionados. O escritor Andrew Solomon, autor de O demônio do meio-dia (Objetiva, 2002), no qual retrata sua experiência no período em que esteve mergulhado em profunda depressão, escreveu que essa tática dos médicos o faz se sentir como “um alvo de dardos”. Efeitos colaterais não são o único motivo de preocupação. Os ISRSs e ISRSNs que dominam o mercado de antidepressivos desde sua introdução, nas décadas de 80 e 90, não ajudam todos os pacientes e acabam fracassando para mais de um terço dos usuários. É preciso levar em conta que um comprimido que parece funcionar hoje pode muito bem não ajudar amanhã. Além disso, os medicamentos podem levar várias semanas até começar a mostrar efeito perceptível – e sem acompanhamento psicológico esse período é potencialmente perigoso. Segundo um relatório publicado no American Journal of Psychiatry, entre pessoas deprimidas com mais de 66 anos que tomam ISRSs, o risco de suicídio é cinco vezes maior durante o primeiro mês de tratamento com medicação.
pilulas: photka/shutterstock, triff/shutterstock
Apenas duas horas após uma injeção de cetamina, ratos de laboratório começaram a aumentar a produção de proteínas necessárias para construir novas sinapses no córtex pré-frontal
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dora da equipe do Experimental Therapeutics and Pathophysiology Branch, no Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH, na sigla em inglês), e seus colegas descobriram que a escopolamina intravenosa alivia sintomas em três dias. Na verdade, conta ela, pacientes normalmente relatam acordar no dia seguinte se sentindo melhor. No final do estudo de quatro semanas, quase dois terços dos pacientes mostraram melhora significativa em seus sintomas e metade alcançou remissão. Esses benefícios duraram 15 dias após a dose final. Os efeitos foram reproduzidos em outras 22 pessoas deprimidas.
luta contra SintoMaS O NIMH espera encontrar uma empresa para executar os testes e ensaios clínicos necessários para trazer a escopolamina ao mercado como antidepressivo de ação rápida. A administração da droga, no entanto, é uma pedra no caminho. Suprir escopolamina de forma intravenosa, como é feito por alguns anestesistas como parte de uma mistura anestésica, é impraticável. Um adesivo de pele não oferece níveis da droga no sangue suficientemente altos; com a formulação oral, a maior parte da escopolamina é eliminada pelo sistema digestivo. No momento, Maura busca um método de administração que seja prático e eficiente. Além do tempo que levam para surtir efeito, outra grande desvantagem dos antidepressivos da nova geração é que não funcionam com todos os pacientes. Para resolver esse problema cientistas estão se concentrando em várias novas ações. Alguns investigam uma segunda classe de receptores de acetilcolina, conhecidos como receptores nicotínicos (assim chamados por responderem também à nicotina). Em especial, cientistas da Targacept, pequena empresa biofarmacêutica em Winston-Salem, na Carolina do Norte, estudam uma droga experimental chamada TC-5214 que bloqueia um receptor nicotínico específico; eles esperam comercializar o composto como terapia adicional quando um único antidepressivo não reduz suficientemente os sintomas. Em ensaios anteriores com 265 indivíduos, pacientes que não responderam apenas ao ISRS citalopram (Celexa) tiveram TC-5214 ou um placebo adicionados ao tratamento. Em 2009
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mTOR, rapidamente promoveu a formação de espinhas e produziu efeitos antidepressivos em ratos. Agora, Duman e seus colegas examinam outros compostos que bloqueiam receptores NMDA para ver se algum pode ser promessa de antidepressivos seguros e de ação rápida. Outro composto eleva o humor rapidamente, mas com outra finalidade: a escopolamina, vendida como adesivo de pele para o tratamento da cinetose. A substância influencia um circuito cerebral diferente da cetamina, impedindo a ligação do neurotransmissor acetilcolina – envolvido na atenção e memória – a moléculas conhecidas como receptores muscarínicos. Já na década de 70 pesquisadores sabiam que manipular a atividade da acetilcolina no cérebro podia levar à depressão. Quando pacientes bipolares, que alternam a euforia e a depressão, estavam na fase de euforia e lhes era dado medicamento que melhora a sinalização de acetilcolina, desenvolviam em uma hora sintomas de depressão, como humor rebaixado e letargia. E quando pacientes recebiam um fármaco que aumentava o nível de acetilcolina no cérebro, a depressão piorava. Pode-se concluir que cientistas pesquisariam, portanto, maneiras de desativar a acetilcolina. No entanto, o interesse inicial foi descartado pelo neurotransmissor “estrela” daquela era, a serotonina. Na verdade, muitos psiquiatras acreditavam que o que tornava os ISRSs tão úteis era especificamente o fato de que eles não tinham como alvo circuitos cerebrais que empregam acetilcolina (que depois disso passou a ser ignorada). Prevaleceu então a ideia de que os antigos antidepressivos tinham tantos efeitos colaterais porque, diferentemente dos ISRSs, agiam no sistema colinérgico, especificamente sobre os receptores muscarínicos, que compõem um subconjunto de receptores de acetilcolina distribuídos por todo o cérebro. Assim, estranhamente, parece ir contra o saber estabelecido investir na pesquisa de uma droga que aja especificamente nos receptores muscarínicos – ainda que tenha relativamente poucos efeitos colaterais e seja um antidepressivo de ação rápida e eficaz. Em um estudo envolvendo 22 pacientes diagnosticados com depressão, a cientista Maura Furey, pesquisa-
a Targacept relatou que pessoas que tomaram citalopram e placebo melhoraram em 7,75 pontos segundo uma ferramenta de avaliação padrão (a Escala de Depressão de Hamilton), enquanto os que tomaram citalopram junto com a droga experimental melhoraram em 13,75 pontos. Depois, a AstraZeneca assinou contrato com a Targacept para estudos de eficácia mais extensos (ensaios de fase III) em que pacientes recebem um placebo ou TC-5214 além do antidepressivo original. Os dois primeiros ensaios, com 614 pessoas, tiveram resultados decepcionantes: nenhuma melhora na pontuação de depressão, quando comparados ao placebo, após oito semanas. Mas as pesquisas não pararam: além do estudo de segurança a longo prazo, outros ensaios de eficácia estão planejados, agora com mais de 1.300 pacientes do mundo todo. Os cientistas pretendem apresentar um requerimento de droga nova para a TC-5214 na Food and Drug Administration (FDA) em 2014. Com um mecanismo de ação não relacionado a seu efeito na serotonina, ou na noradrenalina, o antagonista do receptor nicotínico da Targacept visa atender pacientes deprimidos que não respondem a medicamentos atualmente no mercado. Outra proposta é dar uma guinada ainda mais radical – ao não mirar a sinalização por esse ou aquele receptor e agir sobre um processo biológico diferente: a neurogênese (o crescimento de novos neurônios), em especial no hipocampo, uma pequena estrutura na base do cérebro que se acredita hoje ser uma das regiões no cérebro adulto onde a neurogênese ocorre. Alterações estruturais no hipocampo vêm sendo relacionadas à depressão há tempos. Autópsias de cérebro de pessoas clinicamente deprimidas muitas vezes mostram atrofia nessa região e significativa redução de volume. Os ISRSs e ISRSNs já em uso aliviam a depressão não apenas pela manipulação de níveis de serotonina, mas também pelo aumento de novas células. Mas esse crescimento ocorre de forma lenta, e talvez isso seja parte do motivo pelo qual os benefícios dos medicamentos levam tanto tempo para se manifestar. Cientistas da pequena empresa farmacêutica Neuralstem, em Rockville, Maryland, esperam ter descoberto um modo diferente de estimular a neurogênese
– e de mantê-la mesmo depois de a droga deixar de ser administrada. Para encontrar seu estímulo pesquisadores da Neuralstem contaram com culturas de células-tronco neurais derivadas de células do hipocampo humano – as únicas culturas assim no mundo, de acordo com a empresa. Primeiro testaram o efeito de cerca de 10 mil compostos nas células do hipocampo, em cultura. Segundo o diretor científico Karl Johe, o objetivo era verificar que compostos aumentam a taxa de proliferação celular após sete dias. Menos de 200 passaram pelo teste e desses a equipe Neuralstem selecionou meia dúzia de candidatos que pareciam mais propensos a estimular a neurogênese do hipocampo. Em 2004 começaram os testes em animais, com a inoculação dos preparos em camundongos sadios. Os melhores compostos para provocar crescimento de novas células no hipocampo foram dados a ratos com comportamento depressivo e desse protocolo emergiu o mais promissor de todos.
cavanDo MaiS FunDo Atualmente a Neuralstem faz testes de segurança iniciais (ensaios clínicos de fase I) em seres humanos substância NSI-189 em forma de pílula. Se tudo correr conforme o planejado, os especialista da Neuralstem esperam iniciar os testes de eficácia nos próximos meses. Esses estudos usarão ressonância magnética para determinar se a droga aumenta a neurogênese e outras medidas para determinar se ela alivia os sintomas da depressão. Mesmo se a NSI-189 funcionar ela não terá efeitos rápidos. “Não é como um ataque de epilepsia, em que você dá um remédio para parar a epilepsia instantaneamente”, compara Johe. “Esse tratamento exige mudanças na célula em escala genética”. Ele ressalta que a atrofia do hipocampo leva anos para ocorrer, acrescenta ele, e “reverter o processo também requer um longo período”. Mas
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Revista Mente e Cérebro no 249, outubro de 2013 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica
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Psicanálise é ciência? o critério freudiano de cientificidade, que resiste ao tempo, não é o acúmulo triunfal de saber em um sistema completo, mas sim a capacidade de errar, reinterpretar e criar problemas
por Christian Ingo Lenz Dunker
o AUToR Christian ingo Lenz Dunker, psicanalista, professor livre-docente do instituto de Psicologia da universidade de são Paulo (usP).
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A psicanálise ocupa-se do que o teórico da ciência T. S. Kuhn chamava de anomalia científica. Para o autor de Tensão essencial e Estrutura das revoluções científicas a anomalia era originalmente um fenômeno reconhecido por uma comunidade científica como explicável por determinado paradigma, mas que, não obstante, era refratário à decifração. Admitido o estado de ciência normal, a anomalia deve ser incluída ou neutralizada pelo paradigma. Quando isso não ocorre a anomalia pode criar crise e, subsequentemente, revolução científica fazendo emergir um novo paradigma. Considero que a psicanálise é o análogo de uma anomalia desse tipo, tomada como um fenômeno histórico parasitário da epistemologia, uma vez que ela não pode nem ser propriamente incluída, nem propriamente expelida como um epifenômeno da ciência. Esta tese da paradoxalidade científica da psicanálise não é nova nem original. Está presente em inúmeros desenvolvimentos de Jacques Lacan sobre a cientificidade da psicanálise, tais como “o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência” ou “a psicanálise é a ciência da linguagem habitada pelo sujeito”. Os sonhos, os sintomas, os lapsos de memória, as repetições sentidas como irracionais, os laços sistemáticos de relação com os outros são todos casos nos quais o fenômeno estudado requer o que alguns teóricos da ciência chamavam de “ontologia em primeira pessoa”, ou seja, o reconhecimento de que a natureza do que se está a estudar depende de como cada sujeito interpreta a situação na qual o fenômeno emerge. O tratamento do sofrimento depende dos modos específicos de produção do sentido para cada um e este campo não é acessível apenas por meio de estratégias genéricas, próprias da seara da técnica, nas quais se supõe que a forma como se fala do mal-estar é indiferente à sua causalidade.
podemos aprender algo com tais fracassos. Mas longe de ser uma técnica, que se aplica de forma invariável ao longo do tempo, a psicanálise é um método, e como tal desenvolveu inúmeras novas formas de escuta e intervenção em seus mais de cem anos de existência. A concepção de psicanálise é historicamente covariante com a concepção de ciência. Da psicanálise do fogo de Bachelard, às críticas de Wittgenstein, do critério popperiano de irrefutabilidade à redefinição foucaultiana da psicanálise como um discurso, há um longo caso, um julgamento perpétuo acerca da cientificidade da psicanálise. O Livro negro da psicanálise infelizmente não pertence a esta série, pois ele é absolutamente inexpressivo e quase vexatório do ponto de vista da história da epistemologia, ao contrário dos autores anteriores que se ocuparam do problema. O que está em jogo na crítica contemporânea contra a abordagem psicanalítica não é, primariamente, sua eficácia ou sua fundamentação conceitual, mas a recusa global do campo da clínica. A abolição da clínica e sua substituição por um conjunto de técnicas, disciplinas e protocolos não é um argumento propriamente epistemológico, mas uma recusa ética de que a experiência de tratamento se unifique em torno de uma pessoa que sofre.
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polêmica
Estudar sonhos, sintomas e lapsos depende de como cada pessoa interpreta a situação na qual esses fenômenos emergem
A psicanálise define-se como um método de tratamento, um método de investigação e uma teoria; sua cientificiedade não se verifica da mesma forma em cada caso. Tendo em vista esta separação a hipótese científica se aplica de modo diferencial. No primeiro caso a cientificidade implica a concatenação de seus desenvolvimentos teóricos em termos de critérios de transmissibilidade, públicos, universais e repetitíveis como se espera de um saber em forma de ciência. Por outro lado a clínica – seja ela médica, psicanalítica, psicológica ou psiquiátrica – jamais foi e jamais será um ciência. Isso não significa que seus procedimentos e seus fundamentos não nos remetam a modalidades de ciência. Mas assim como anatomia não é medicina e genética não é clínica, o tratamento psicanalítico não é uma ciência. Há uma série de estudos comparativos sobre eficácia e eficiência da psicanálise como forma de tratamento clínico. Após um primeiro momento no qual a psicanálise era descartada do “páreo” uma vez que não se sabia como enquadrar seus resultados de forma comparativa e segundo os critérios que ela mesma poderia oferecer, seguiu-se mais recentemente uma série de pesquisas científicas e meta-análises, mostrando como a
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A diversidade de entendimento, de leituras e de interpretações faz parte da cientificidade da teoria psicanalítica. Muitos problemas começam porque assim como não há uma unidade universal dos critérios de ciência, há baixos teores de consenso quando o assunto são os critérios que definem o que é a psicanálise. Ou seja, para afirmar a cientificidade da psicanálise temos de produzir “metodologicamente” uma unidade do que nossa comunidade científica chama de psicanálise, cujo poder de representatividade é tão restrito quanto uma redução operacional de conceitos. Nesta direção tem se argumentado que a psicanálise possui um tipo de teoria da prova semelhante à que encontramos na teoria da evolução proposta por Darwin. Isso não quer dizer que a psicanálise seria uma ciência natural, aliás, como advogava este péssimo epistemólogo
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4 “psicoterapia psicodinâmica de longo prazo” apresenta efeitos mais consistentes, mais permanentes e mais abrangentes que a maior parte das psicoterapias conhecidas. Estas pesquisas utilizam métodos estatísticos complexos capazes de incorporar dados obtidos por meios e modalidades de apresentação muito divergentes entre si. Nesta via o problema se desdobra indefinidamente para a comparação entre tipos de patologias, diferença para adultos ou crianças, contextos culturais e institucionais, extensão e qualidade da experiência do psicanalista, linhagens e sublinhagens psicanalíticas. Para todos estes casos há pesquisas que comprovam a eficácia do tratamento psicanalítico. Note-se que estes estudos não comprovam a cientificidade da psicanálise, mas a sua eficácia. Um xamã amazônico que utiliza plantas mágicas, que contêm princípios ativos insabidos ao próprio agente da cura, não está praticando o que nós chamamos de ciência, mesmo que ele seja extremamente eficaz. A eficácia simbólica é um fenômeno interveniente na cura, assim como o efeito placebo. Nenhum dos dois é um argumento de cientificidade, mas de efetividade técnica. A cientificidade é um atributo do método, a efetividade um predicado da técnica.
de si mesmo chamado Sigmund Freud, mas que a estrutura da verificabilidade das evidências clínicas da psicanálise é homóloga à teoria da evolução: ela reúne fatos de diferentes proveniências, implica hipóteses indemonstráveis, pretende explicar um grande espectro de fenômenos com poucos princípios básicos. Aqui também surgem subdivisões do problema: haveria uma única ciência na psicanálise, ou trata-se de várias ciências “básicas”, como a linguística, a matemática, a neurologia, a psicologia do desenvolvimento, a antropologia, que concorrem para formar os fundamentos de uma ou mais ciências “aplicadas”? De fato o consenso técnico, que derivaria da leitura constante e invariante dos conceitos fundamentais em noções “operacionais”, está fora de questão em psicanálise, mas isso parece ser antes uma forma de como esta ciência se transforma no tempo do que um déficit tecnológico de sua teoria.
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PARA SABER MAIS
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A psicanálise participa das instituições da ciência. Desde a mudança epistemológica dos anos 80 a ciência passou a ser um assunto legislado e definido pela existência de uma comunidade de cientistas. A ciência é o que os cientistas fazem e o que os cientistas fazem é ciência. Define-se um cientista por seu grau de acesso e de impacto à publicação de seus problemas e resultados em revistas científicas. Podemos nos indignar com esta tautologia, mas ela representa o estado de coisas em vigor hoje no mundo. Ocorre que por este critério não há a menor possibilidade de que uma disciplina que conta com milhares de teses, dezenas de milhares de artigos científicos em revistas científicas “controladas”, centenas de grupos de pesquisa cadastrados no Diretório Nacional de Pesquisa do CNPq, que está presente massivamente em cursos universitários no Brasil e no mundo, e assim por diante, possa ser considerada não científica. Ocorre que nós não gostamos de usar este argumento. E com razão. Isso significaria apelar para nossa inclusão no Estado. O psicanalista não se forma como pesquisador e não o faz apenas em universidade. É certo que os subsídios do Estado para a pesquisa em psicanálise são menores que para outras áreas, mas isso não significa que nossa ciência seja menor, apenas que recebemos menos dinheiro. Aliás, isso levanta o incômodo contra-argumento, que começa a ser debatido, acerca da real cientificidade das pesquisas subsidiadas por laboratórios farmacêuticos, com muito dinheiro, mas também com muitos interesses tecnocientíficos.
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A psicanálise não é uma visão de mundo porque assume (e se inclui) na ideia de mundo proposta pela ciência. Acredito que a psicanálise é incapaz de criar uma visão de mundo particular. Isso, porém, não lhe faz falta; ela forma parte da ciência e pode aderir à visão de mundo científica. Mas não merece esse nome grandiloquente, pois não contempla o todo, é demasiadamente incompleta, não pretende absolutismo nenhum, nem formar um sistema, segundo afirma o próprio Freud na 38a Conferência introdutória à psicanálise – Sobre a visão de mundo. Chamo a atenção para a segunda parte da proposição. A psicanálise é uma ciência desde que não se entenda a ciência como sistema completo. Ou seja: o critério freudiano de cientificidade, que resiste ao tempo, não é o acúmulo triunfal de saber, mas o contrário, a capacidade de errar, de reinterpretar e criar problemas. Esta é a diferença entre ciência e metafísica. A ciência se equivoca e é capaz de reconhecer isso. Se a psiquiatria da década de 30 amarrava crianças em cadeiras e as prendia em quartos escuros, usava choques insulínicos e eletrochoques, isso não significa que a psiquiatria seja indiferente à ciência. Se os casos clínicos de Freud não narram curas perfeitas e acabadas, é exatamente por isso que ainda
lonely/shutterstock
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polêmica
Não há a menor possibilidade de que uma disciplina com milhares de teses, artigos em revistas científicas, centenas de grupos cadastrados no CNPq, em cursos universitários possa ser considerada “não científica”
bobboz/shutterstock
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uitas transformações ocorreram na psicanálise ao longo de sua história e tantas outras no sentido que damos ao conceito de ciência. Nesse tempo a psicanálise teve na ciência, primeiramente, um ideal, depois esta se tornou um contraideal e hoje se pode dizer que a psicanálise é uma espécie de ciência clássica em tempos de tecnociência. Ou seja, há muitos argumentos em favor da cientificidade da psicanálise, tanto de sua teoria metapsicológica, cada vez mais confirmada por evidências neuropsicológicas, quanto de sua prática clínica, que comparativamente sobressai favoravelmente diante de outras psicoterapias, quando conseguimos criar parâmetros razoáveis de comensurabilidade. O que se encontra em questão nos argumentos dos críticos da psicanálise é outra coisa. Eles apontam, não sem razão, que a psicanálise é uma péssima técnica. E por técnica devemos entender um conjunto de procedimentos que podem ser anonimamente repetidos e controlados por qualquer um em qualquer circunstância. Neste artigo apresento sete razões pelas quais devemos entender que a psicanálise é uma ciência, e, em cada caso, mostrar por que ela não é uma tecnociência, ou seja, uma ciência definida pela técnica.
marion kalter/akg images/latinstock (foto); joão simões(arte)
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A e s t ra t é g i a internalista no debate contemporâneo em torno da cientificidade da psicanálise afirma a autonomia epistemológica e clínica desta prática. Ela nos faz dizer que “temos nossa própria cientificidade, com critérios que podemos apresentar e justificar em termos universais, públicos e transmissíveis”. Neste ponto, costumamos cometer o equívoco de nos opor a outras formas de ciência de tipo empírico ou positivista, sem nos apercebermos que o internalismo já foi absorvido pela lógica do capital científico. Ou seja, o debate dominante não é mais saber se há características intrínsecas e verificáveis na conceitografia psicanalítica que a tornaria admissível na ciência. O grande ideal unicista do método científico foi abandonado nos anos 80. No lugar dele emergiu uma nova cultura científica que tolera perfeitamente bem a diversidade, as formalizações internas dos objetos, as regionalidades epistêmicas. Esta nova edição da ciência a define por critérios tais como: a qualidade das revistas científicas, o impacto de citações, a capacidade de se impor aos seus concorrentes “locais”, a capacidade de obter e justificar financiamento, a força de seus quadros na administração deste grande negócio chamado tecnociência. A ciência assim como a universidade da qual ela se tornou serva, tornou-se um imenso empreendimento burocrático. Do outro lado a pesquisa sobre a técnica se autonomizou formando o novo casamento entre universidade-empresa.
A estratégia externalista na discussão sobre a cientificidade da psicanálise precisa reforçar seus argumentos. Neste caso temos de entender a face normativa das práticas científicas. No interior dos processos de judicialização do saber e de certificação das práticas a psicanálise tem mais dificuldade de se posicionar. Quando advogamos que nós temos nossos próprios critérios e que não precisamos da esfera pública para legitimar nossa prática, ainda um último resíduo da prática liberal, isso facilmente pode se transformar em um contra-argumento autodestrutivo. Ou seja, entregamos a racionalidade diagnóstica ao Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), renunciamos a lutar pela autonomia da psicanálise no interior dos cursos universitários, recusamos as modalidades de reconhecimento interpares em vigor na sociedade civil, advogamos nossa extraterritorialidade entre as ciências, ao final nos retiramos de todo contexto regido e organizado pela normatividade. A dificuldade maior não reside no externalismo epistemológico e metodológico, mas no externalismo normativo. Quando a medicina baseada em evidência introduz o cálculo dos custos na equação que define qual estratégia clínica será adotada, esta consideração simplesmente não tem nada de científico. Ela é uma consideração administrativa, política e de gestão securitária. A psicanálise ainda não aprendeu a se justificar nestes termos, mas aqui a pergunta que remanesce entre os psicanalistas é: será que deveria? mec
Comparison of cognitive-behaviour therapy with psychoanalytic and psychodynamic therapy for depressed patients – a three-year follow-up study. Dorothea Huber, Johannes Zimmermann, Gerhard Heinrich e Guenther Klug em Z Psychosom Med Psychother, págs. 299–316, 2012. estrutura e constituição da clínica psicanalítica. Christian Lenz Ingo Dunker. Annablume, 2011. a tensão essencial. Thomas Samuel Kuhn. Editora da UNESP, 2011. effectiveness of long-term psychodynamic psychotherapy a meta-analysis. Falk Leichsenring e Sven Rabung em Journal of the American Medical Association, págs. 1551-1565, 2008. Que tipo de ciência é, afinal, a psicanálise? Renato Mezan em Natureza Humana online, vol. 9 no2, págs. 319-359, dezembro de 2007. an effective treatment of psychosis with psychoanalysis in Quebec City, since, 1982. Lucie Cantin em Annual Rewiew of Critical Psychology, 1999. empirical evidence for the efficacy of psychoanalytic psychotherapies and psychoanalysis: an overview. Norman Doidge em Psychoanalytic Inquiry, págs. 102-150, 1997. Predictors of outcome in child psychoanalysis: a retrospective study of 763 cases at the anna Freud Centre. Peter Fonagy e Mary Target em Journal of the American Psychoanalytic Association, págs. 44:27-77, 1996. a eficácia simbólica: antropologia estrutural. Claude LéviStrauss (1953). Civilização Brasileira, 1988. a estrutura das revoluções científicas. Thomas Samuel Kuhn. Perspectiva, 1988. Pulsão e suas vicissitudes. Sigmund Freud. Obras Completas, Sigmund Freud (1915). Amorrortu, 1988. 38a Conferência introdutória à psicanálise: sobre a visão de mundo. Sigmund Freud Obras completas. Sigmund Freud. Amorrortu, 1932-1936.
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Ana Salles « ana.sallescruz@gmail.com « cel.: 96308 2963
Revista Mente e Cérebro no 242, março de 2013 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica do miolo
especial Maconha
A verdade sobre a erva novas pesquisas desmistificam a maioria dos temores a respeito da cannabis sativa e comprovam o potencial terapêutico de substâncias presentes na planta
por Hal Arkowitz e Scott O. Lilienfeld
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foto: lew robertson/corbis/glow images; fundo: olga miltsova/shutterstock; folha: iurii konoval/shutterstock
OS AUTORES HAL ARKOWITZ e SCOTT O. LILIENFELD são consultores da revista Scientific American Mind. Arkowitz é professor de psicologia da Universidade do Arizona e Lilienfeld é professor de psicologia da Universidade de Emory.
m narcótico violento, um flagelo invisível, o verdadeiro inimigo público no 1”, apregoam as legendas do curta-metragem educativo Reefer madness (“Baseado da loucura”), exibido em escolas e associações de moradores nos Estados Unidos nas décadas de 30 e 40 para alertar sobre supostos riscos do consumo de maconha. Em uma cena, estudantes saudáveis e felizes do ensino médio experimentam maconha e, nas sequências seguintes, aparecem afundados na dependência, promíscuos, agressivos, com problemas na escola e até mesmo com doenças mentais. Hoje, o vídeo pode parecer risível e alarmista, mas o tom com que aborda o tema não fica distante do usado por muitos meios de comunicação em todo o mundo. Volta e meia resultados de pesquisas são divulgados de maneira distorcida. Um exemplo é a ampla repercussão de estudos que sugerem relações entre uso da droga e desencadeamento de sintomas psicóticos:
não raro uma ou outra manchete se antecipa e aponta a erva como causa de transtornos severos, como esquizofrenia. Na última década, porém, periódicos de prestígio publicaram resultados que não apenas desmistificam a maioria dos temores a respeito da maconha como mostram que alguns de seus psicoativos podem ser aproveitados pela medicina. Evidências sugerem que o risco de dependência é pouco comum e geralmente está associado à quantidade, frequência e precocidade do uso. Sobre o consumo ocasional, não há nenhuma comprovação de que ofereça perigo para a maioria das pessoas.
ONDA DE LEGALIZAÇÃO A maconha, também conhecida como Cannabis, é a substância ilícita mais utilizada em todo o mundo, de acordo com um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2002. Alguns países já regularizaram seu uso,
principalmente com fins terapêuticos (veja texto na pág. 34). Em um estudo de 2007, a psicóloga Louisa Degenhardt, da Universidade Estadual de Michigan, e seus colegas revelaram que 43% dos adultos americanos com mais de 18 anos já experimentaram maconha. Os números não são muito diferentes entre os adolescentes: no levantamento mais extenso já feito sobre o tema, Monitoring the future, pesquisadores da Universidade de Michigan descobriram que 14% dos alunos da oitava série haviam usado a erva pelo menos uma vez no ano anterior; entre os alunos do 12o ano, a estatística é de 35%. Obviamente as porcentagens serão maiores nos levantamentos seguintes, pois no fim de 2012 os estados de Colorado e Washington legalizaram o porte de pequenas quantidades de maconha (até 28 gramas) e o cultivo para consumo próprio. Além disso, o uso medicinal já é permitido em outros 18 estados e no distrito de Columbia, e mais alguns consideram mudar a legislação. 31
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APLICAÇÃO TERAPÊUTICA Outra questão polêmica é o falso lugar-comum de que a maconha é uma “porta de entrada” para outras drogas, isto é, o primeiro degrau para o uso de substâncias com maior potencial de causar dependência. Muitos estudos mostram que a maioria das pessoas que utiliza outras drogas ilícitas também já usou maconha. No entanto, apesar de estabelecer essa associação, nenhum deles demonstra por que a Cannabis favorece o uso de outras drogas. O mais provável é que pessoas que se tornam dependentes de maconha sejam predispostas a ter essa relação com substâncias psicoativas em geral, independentemente de o primeiro contato ter sido com a erva. Além disso, a maioria esmagadora de usuários de drogas como cocaína e crack afirma que a primeira substância que experimentou não foi maconha, mas bebida alcoólica ou cigarro de tabaco. Não seriam elas as reais portas de entrada? Há estudos observacionais que sugerem, inclusi-
Consumo no Brasil No país, 1,5 milhão de pessoas usa Cannabis diariamente. Os dados são do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), divulgado em 2012. Mais de 4 mil adultos e adolescentes responderam a um questionário que avaliou o padrão de uso de substâncias lícitas e ilícitas, entre elas a Cannabis. Outro dado em especial chama a atenção: os resultados apontam que há 1,3 milhão de brasileiros com sintomas de dependência de maconha. Os pesquisadores avaliaram a relação com a droga por meio da Escala de Severidade da Dependência (SDS, na sigla em inglês), um conjunto de cinco perguntas: ansiedade por não ter a substância, sensação de perda de controle sobre o uso, preocupação com o próprio uso, ter tentado parar e achar difícil ficar sem a droga. A metodologia da pesquisa, porém, é questionada por cientistas que estudam a Cannabis, como o neurobiólogo Renato Malcher-Lopes, da Universidade de Brasília (UnB). Ele explica que a ausência de definição científica formal para o termo “dependente” pode cau-
stepan kapl/shuttertock
ReefeR MAdneSS (“Baseado da loucura”), filme educativo rodado na década de 30 sobre supostos problemas causados pela maconha. Disponível no YouTube: www.youtube.com/ watch?v=W6D6m_Ig45k
Assim, o debate sobre os possíveis perigos da droga ganhou força. A principal preocupação é a questão da dependência, popularmente denominada “vício” e chamada por muitos especialistas de “adição”. Na bíblia da saúde mental, o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), o diagnóstico de dependência da Cannabis requer que uma pessoa atenda ao menos três de sete critérios (listados no quadro ao lado). Uma quantidade significativa de estudos revela que a porcentagem de usuários de fato dependente é baixa – principalmente em comparação a outras drogas legalizadas, como álcool e nicotina. Por exemplo, em uma pesquisa de grande escala publicada em 1994, o epidemiologista Anthony James e sua equipe, na época do Instituto Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos, entrevistaram mais de 8 mil pessoas entre 15 e 64 anos sobre o uso da maconha e outras drogas. Os pesquisadores descobriram que, entre pessoas que usaram maconha ao menos uma vez, 9% eventualmente se encaixavam no diagnóstico do DSM. A média para o álcool foi de 15%; cocaína, 17%; heroína, 23% e nicotina, 32%. Assim, embora a maconha possa causar dependência para alguns, isso não se aplica a 91% das pessoas que a usam ao menos uma vez.
fundo: olga miltsova/shutterstock; folha: iurii konoval/shutterstock; cartaz: divulgação
Diagnóstico de dependência De acordo com o manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), a presença de três destes sintomas durante o último ano é suficiente para o diagnóstico de dependência de maconha: • Necessidade de usar maiores quantidades da droga ao longo do tempo para continuar a obter os mesmos efeitos (fenômeno conhecido como tolerância). • Ansiedade, dificuldade para dormir ou outros sintomas de abstinência quando se tenta parar de usar maconha. • Uso da droga em quantidades maiores ou por períodos mais longos do que se pretende. • Tentativas frustradas de reduzir ou controlar o uso de maconha. • Gastar muito tempo com a droga: tentando obtê-la, usando-a e se recuperando de seus efeitos. • Desistir de atividades importantes, como trabalho, eventos sociais ou lazer, para usar maconha. • Insistir no uso frequente apesar de o hábito agravar problemas físicos ou psicológicos.
ve, que a maconha é um recurso eficiente em estratégias de redução de danos, pois ajuda dependentes de outras drogas a resistir aos sintomas de abstinência. Quanto ao uso recreativo, é mais que claro que o consumo frequente de cigarros de maconha agrava problemas respiratórios e cardiovasculares ao longo do tempo e afeta a memória de curto prazo. É fato também que a droga pode, eventualmente, desencadear sintomas psicóticos em pessoas com predisposição (veja texto na pág. 34). Além disso, há o contexto sociopolítico atual: a maconha é ilegal na maioria dos países, logo é necessário ter consciência de que, até que as leis sejam revistas, seu comércio estará atrelado à violência intrínseca ao sistema de tráfico de drogas, que impacta toda a sociedade. No campo da medicina, por outro lado, é comprovado que a maconha pode trazer vários benefícios. A administração de Cannabis em pacientes com glaucoma ajuda a reduzir a pressão ocular que pode levar à perda de visão. Também auxilia no alívio da dor crôni-
sar confusão. A expressão “dependência fisiológica”, por exemplo, se refere ao conjunto de reações físicas mais ou menos severas causadas pela abstinência de uma substância – como os tremores decorrentes da privação de álcool em dependentes. “A ‘síndrome de abstinência’ da maconha, se pode ser chamada assim, dura poucos dias e consiste em irritabilidade e diminuição do apetite”, diz Malcher-Lopes, que é autor, com o neurocientista Sidarta Ribeiro, do livro Maconha, cérebro e saúde (Vieira&Lent, 2007). Um dos aspectos da dependência é a necessidade de recorrer a doses cada vez maiores e frequentes da droga, comportamento que resulta, segundo o neurobiólogo, do “sequestro”, pela droga, de circuitos cerebrais relacionados à motivação e ao controle de impulsos. “Em animais, o nível desse tipo de efeito é medido por experimentos em que o bicho aprende a se autoinocular. Drogas como a nicotina e a cocaína – e também o crack – são altamente reforçadoras do comportamento de autoinoculação. O THC (tetraidrocanabinol, principal psicoativo da maconha) não é”, explica o neurobiólogo. (Fernanda T. Ribeiro)
PARA SABER MAIS Dependência química: prevenção, tratamento e políticas públicas. Capítulo “Maconha”, págs. 161-169. Antônio Waldo Zuardi e José Alexandre de Souza Crippa. Artmed, 2011. Maconha para desvendar o cérebro. Fernanda Teixeira Ribeiro. Mente e Cérebro no 234, págs. 24-33, setembro de 2011. Cannabis dependence: its nature, consequences, and treatment. Editado por Roger J. Roffman e Robert S. Stephens. Cambridge University Press, 2006. Comparative epidemiology of dependence on tobacco, alcohol, controlled substances, and inhalants: basic findings from the national comorbidity survey. James C. Anthony, Lynn A. Warner e Ronald C. Kessler, em Experimental and Clinical Psychopharmacology, vol. 2, no 3, págs. 244-268, 1994.
ca, combate náuseas e vômitos em pacientes que enfrentam quimioterapia contra o câncer e ajuda a estimular o apetite em pessoas que têm o vírus HIV. No caso de dependência, a terapia comportamental cognitiva (TCC) tem revelado bons resultados: especialistas utilizam técnicas de enfrentamento especialmente voltadas para mudar a relação com a maconha, por exemplo, estimulando o paciente a questionar e a modificar pensamentos que contribuem para a dependência, com o objetivo de abandonar ou reduzir o uso. Porém, as taxas de recaída são altas. Em um estudo publicado em 2003, o psicólogo Brent Moore e sua equipe, agora da Universidade Yale, observaram que 41% dos dependentes de maconha tratados com sucesso reincidem em seis meses. Os cientistas buscam maneiras mais consistentes de contornar a abstinência de longo prazo. Talvez a estratégia mais honesta também seja a mais eficiente – esclarecer a população sobre os reais riscos da droga. Dessa forma, as pessoas poderão pesar os perigos e os benefícios em situações específicas. m c e 33
Revista Mente e Cérebro no 211, agosto de 2010 Editora Duetto – São Paulo, Brasil Editoração eletrônica do miolo
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em moviment s e t o Men
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Cada vez mais pesquisas comprovam que a prática física não fortalece apenas o coração e os músculos, mas também a capacidade mental de adultos, ajuda crianças a se desenvolver melhor, é aliada no combate à depressão e torna mais lento o declínio cognitivo atrelado à idade. E para desfrutar desses benefícios não é preciso se torturar, basta incluir passeios a pé ou de bicicleta na rotina (quase) diária
Durante muito tempo pais e educadores se acostumaram a pedir às crianças desde pequenas que ficassem sentadas e quietas em vez de correr e pular
E
m que você pensa quando falamos em esporte? Em disciplina, desempenho, condicionamento? Na academia onde você malha muito raramente? Ou no parque onde caminha de vez em quando apesar de, no fundo, preferir estar relaxado no sofá de casa? Não se deixe enganar pela ladainha do prêmio que não vem sem suor ou da juventude eterna! O exercício que realmente faz bem está muito distante desses conceitos. Infelizmente, muitas pessoas associam a ideia de esporte principalmente ao esforço. Impulsionados pelo peso na consciência, muitos tentam se animar a ser ativos – a fim de manter o corpo em forma, perder alguns quilos ou ser mais saudáveis. Com um resultado bastante modesto. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que 1,6 bilhão de pessoas no planeta têm excesso de peso. No Brasil estima-se que esse número chegue a
70 milhões, sendo 25% considerados obesos. O motivo principal, além da má alimentação, é a falta de exercício. Segundo estimativas, isso gera custos de pelo menos 70 bilhões de euros por ano aos órgãos de saúde. Contudo, a solução parece simples. Não é novidade que a atividade física moderada e regular estimula e mantém a saúde do corpo. O que cada vez mais pesquisadores têm comprovado é que a prática não fortalece apenas o coração e os músculos, mas também a capacidade mental, ajuda crianças a se desenvolver melhor, é aliada no combate à depressão e torna mais lento o declínio intelectual atrelado à idade. Para tanto, não é necessário nenhum esforço absurdo ou tortura – pelo contrário: o limiar da “dose salutar” é surpreendentemente baixo. Incluir passeios a pé ou de bicicleta na rotina (quase) diária já cumpre o objetivo.
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CONCEITOS-CHAVE
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n Exercícios de resistência moderados têm efeito positivo não apenas sobre o corpo, mas também sobre o cérebro. A atividade física estimula, estabiliza e protege o condicionamento mental. Nos últimos anos, pesquisadores têm esclarecido os mecanismos desse efeito: váras substâncias que facilitam a circulação sanguínea e a reorganização neuronal revelaram-se benéficas para o cérebro. Elas são produzidas de forma intensificada durante atividades musculares. n Outros estudos comprovam que o exercício periódico pode refrear o declínio intelectual na velhice e ainda combater o estresse, pois o treinamento regular reduz o nível do hormônio do estresse, cortisol, que a longo prazo prejudica as células cerebrais. A atividade física funciona aqui de forma “neuroprotetora”. O exercício também eleva a concentração de triptofano, uma substância precursora do neurotransmissor serotonina que favorece a recaptação do neurotransmissor, diminuindo efeitos da depressão. Além disso, durante a atividade física, são liberadas substâncias endógenas que estimulam a sensação de bem-estar.
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Essa descoberta de pesquisadores contraria um antigo conceito segundo o qual o corpo e a mente estariam em concorrência entre si. Durante muito tempo, dizia-se que seria melhor para as crianças ficarem sentadas lendo um livro ou aprenderem uma língua estrangeira ou um instrumento musical em vez de correr atrás de uma bola, por exemplo. E quem quisesse manter seu potencial intelectual deveria exercitar preferencialmente o cérebro. Engano! Na verdade, a ciência tem comprovado que atividades físicas e mentais estão intimamente associadas. E para tirar o melhor proveito dessa interseção é preciso levar em conta características de cada fase da vida. SALTOS E AUTOESTIMA De maneira geral, a sociedade ocidental não atribui grande valor ao exercício para o desenvolvimento infantil. Adultos costumam fazer as crianças desde pequenas ficar sentadas e quietas em vez de correr por aí, a se concentrar, no lugar de pular de um lado para outro. A televisão, o computador e os videogames também colaboram para tirar dos pequenos a vontade natural de se movimentar. Com isso, aparecem prejuízos primeiramente para o estado geral de saúde, com o surgimento de problemas posturais e obesidade, por exemplo. O corpo e o psiquismo, porém, não
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amadurecem independentemente – como uma função motora desenvolvida de forma insuficiente, por exemplo, pode frear o intelecto, pois, quanto mais segura a criança está ao explorar seu ambiente, mais facilmente absorve novos estímulos. Dessa forma, subir nas coisas, saltar e correr marca o início de um ciclo que reforça a si mesmo. Um estudo coordenado pelo pesquisador Charles Hillman, da Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, e publicado em 2008 mostra que crianças que se movimentam mais, em geral, obtêm melhores notas na escola. O desempenho em cálculo ou leitura, por exemplo, aumenta proporcionalmente à atividade física. No entanto, podemos perguntar aqui, com razão, o que determina esse resultado: será que pais que apoiam mais seus filhos em questões escolares também os estimulam mais a praticar esportes? A correlação entre valores estatísticos, porém, não revela nada sobre motivos mais profundos. O pesquisador Phillip Tomporowski, da Universidade da Geórgia, também confirmou que o bom condicionamento físico de crianças é acompanhado de melhores resultados escolares. No entanto, ainda não é possível demonstrar experimentalmente a influência do esporte sobre o desempenho cognitivo. O que se sabe é que nem toda prática esportiva estimula a capacidade intelectual. O condicionamento aeróbico por meio de atividade muscular moderada costuma ser considerado frutífero, assim como treinamentos de força parecem reforçar a capacidade de planejar e coordenar ações – em resumo, aquilo que chamamos “capacidades executivas”. Outro grande grupo de estudos, no qual em geral são utilizados camundongos e ratos, defende que a atividade física prepara a mente para o aprendizado. HÁ PARTICULARMENTE DOIS EFEITOS importantes do exercício sobre o sistema nervoso: estimula o crescimento vascular e o neuronal
Experimentos para testar o efeito de concluir que há principalmente dois treinamentos físicos sobre o cérebro tipos de efeito do exercício sobre o de roedores remontam aos anos 60. sistema nervoso: estimula o cresciA neurobióloga Marian Diamond, da mento vascular e o neuronal. Universidade da Califórnia em BerkeO primeiro refere-se a processos ley, hoje com 78 anos, foi considerada que permitem que as ramificações dos pioneira nessa área. Ela criou animais em vasos sanguíneos se desenvolvam ainda “ambientes enriquecidos”, gaiolas cheias mais – e não apenas nos músculos, mas de “brinquedos”, onde as cobaias eram também em tecidos neurais. Dos capilaconstantemente estimuladas de forma res cerebrais provêm os neurônios com do porospesquisadores Universidade no entanto, questões lúdica. Entre roedores, as da rodas de oxigênio e, Surgem, consequentemente, a enerde Xangai com ratos de semanasgia. de Essas inevitáveis: obtidas com exercícios são as preferidas: eles5 perestruturasinformações são fundamentais publicado em 2008a indicou animaismecanismo: podem serotransferidas correm,idade sem edificuldade, cinco seis que para o segundo constante para exercícios como caminhada moderada humanos?eSerá que o exercício é quilômetros por dia. trabalhoseres de construção reestruturação influenciam principalmente bomcélulas. para crianças apenas porque o córAo analisar o tecido cerebral des- o giro das próprias Um recém-nascido dentado, um importante segmentovem do aotex de “ratos é mais grosso ses ratos treinados em laboratório, mundo comesportistas” a mesma quantihipocampo. tem melhor Os Diamond concluiuUma quequantidade o córtex,elevada dade deeneurônios decirculação um adulto:sanguínea? entre de substâncias mensageiras, o bilhões processos cerebraisNo são, em princípio, responsável pelas funções cognitivascomo100 e 500 bilhões. entanto, fator de crescimento vascular (VGF,nos na pequenos os mesmos roedores e humanos. mais elaboradas, de maneira geral essasem células não estão sigla vascular growth factor) eeoera fator neuPortanto, pareceAssim, óbvionos queprimecanistinha melhor irrigação sanguínea densamente interligadas. rotrófico derivado do encéfalo (BDNF, mos semelhantes desencadeiem resulmaior, em comparação à mesma região meiros anos de vida, o plano é “moldar derived neurotrophic tados similares. caso de pessoas, cerebralbrain de animais da mesmafactor), espécielevoueao semear”: de acordo comNo a necessidade processo no entanto, acrescentam-se inúmeros criados em gaiolasdenominado comuns. Alémneurogênese, disso, e os estímulos, estoques de células não que “estimulados” nada mais é que o crescimento de aspectos emocionais os animais dessa forma utilizadas rotineiramente sãoe interpessoais. descarcélulas neurais. Porém, o exagero no início vida ésão crucial o atingemnovas melhores resultados em testes tados, assimSecomo novas da ligações dessa atividade benéfica teve efeito desenvolvimento do repertório de aprendizagem e comportamento. formadas e fortalecidas. Os neurônios motor, limitante: com excesso de corrida,desenvolvem a da linguagem e do pensamento, com Esses experimentos oferecem longos prolongamentos, construtora no cérebro dos passar uns do tempo grandesfunção vantagens aos pesquisadores: tomam ocontato com ossurgem outrosoutras por prioroedores recrudescia. adquirir um camundongo ou rato não vive meio dasridades, sinapsescomo e criam redes competências de comais de dois ou três anos; sendo assim, municação que processam informações é possível estudar o decorrer de sua de forma cada vez mais rotineira. FLEXIBILIDADE NAS CÉLULAS NEURAIS vida quase em “câmera rápida”. Além Pesquisas com animais indicam disso, as alterações no tecido cerebral que principalmente o hipocampo, que podem ser observadas até mesmo em funciona como uma central de aprennível molecular com os métodos ladizagem e memória, é a área que mais boratoriais bem mais refinados desde tira proveito da melhor circulação sanos usados nos tempos de Diamond. guínea no cérebro e da produção desse Pela observação, cientistas puderam “hardware” neuronal. Um estudo realiza-
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Fascia dentata
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uma inquietação ansiosa. Mas quando há sintomas graves e causas profundas, como um trauma, somente o exercício não é suficiente. O estudo já citado desenvolvido por Karen Petty com jovens com sobrepeso nos leva a supor a mesma coisa. A “porção extra de esporte” fortaleceu a autoestima de participantes brancos – mas o mesmo não ocorreu com os de origem afro-americana! Nesses últimos, o desânimo aparentemente não apenas tinha raízes na insatisfação com a própria aparência, mas estava ligado a questões mais amplas, como a discriminação e marginalização social. EPIGENÉTICA E CURA No caso de quadros de ansiedade e depressão a prática esportiva favorece a recuperação do controle sobre a própria vida, ajuda a pessoa voltar a fazer algo por si mesma e a desfrutar de um lugar no grupo de treinamento. E, ao que tudo indica, a prática regular diminui o risco de recaídas. Dez meses após o término do programa esportivo do estudo de Blumenthal, menos participantes retomaram o tratamento, em comparação com o grupo que recebeu medicamentos. Isso ocorreu principalmente quando os pacientes continuaram se exercitando de maneira regular depois do fim do experimento. No entanto, independentemente das condições psíquicas, os efeitos positivos do exercício podem ser
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comprovados. A palavra mágica é “epigenética”. Ela designa o complexo processo no interior das células que determina qual informação genética será lida em que momento e transformada em novas proteínas e substâncias mensageiras. Essas modulações genéticas também ajudam a determinar se – e quantos – novos receptores, ligações sinápticas e neurônios devem surgir, inclusive no cérebro saudável. Hoje se sabe que a atividade física influencia a ativação e desativação de mais de 500 genes. Isso foi demonstrado pelos pesquisadores James Timmons e Carl Sundberg, do Instituto Karolinska, de Estocolmo, quando eles “receitaram” exercícios ergométricos a um grupo de homens jovens. O neurobiólogo molecular Jeff Lichtman, da Universidade Harvard, comprovou em 1999 a rapidez com que alterações neuronais podem ocorrer. O pesquisador injetou uma tinta especial fluorescente no tecido intacto de cobaias, e assim puderam ser marcadas moléculas receptoras na membrana de células neurais e musculares às quais se conecta a acetilcolina, uma substância mensageira que transmite ordens de movimentação para as junções sinápticas, os locais de ligação entre o nervo e o músculo. O cientista esperava que uma estimulação artificial das transmissões de sinais levasse a alterações após alguns dias ou semanas, mas a densidade dos receptores aumentou muito após poucas horas.
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ESTÍMULOS E ATIVIDADES lúdicas tornam cobaias mais espertas
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saudáveis entre 60 e 79 anos em três grupos: o primeiro passou por um treinamento cardiovascular; o segundo realizou exercícios de alongamento; e o terceiro, um programa de relaxamento. Todos os participantes treinaram três vezes por semana durante seis meses e, antes e depois desse período, tiveram o cérebro examinado no laboratório. Ficou demonstrado que o volume do lobo frontal, assim como o do temporal, cresceu após os exercícios de resistência. Como isso ocorreu exatamente é difícil de estudar em seres humanos. Para esclarecer a questão, os pesquisadores recorrem ao modelo animal. O grupo de trabalho coordenado por Fred Gage e Henriette van Praag, do Instituto Salk, em La Jolla, na Califórnia, forneceu informações inéditas sobre a neurogênese em idade avançada. Os neurobiólogos treinaram ratos de 19 meses durante várias semanas com rodas de exercícios. Depois, os animais idosos foram submetidos ao “water maze test” – um experimento para avaliar a memória no qual eles nadam dentro de uma bacia d’água e devem se lembrar do local onde está uma plataforma que pode salvá-los. E vejam só: os velhinhos esportistas conseguiram cumprir a tarefa melhor do que os roedores sedentários da mesma idade. Além disso, o índice de neurogênese nos animais treinados era apenas pouco menor do que o de cobaias jovens. Aparentemente, a perda de hardware neuronal com a idade pode ser, em parte, compensada. 43 “O desenvolvimento do cérebro dura a vida inteira”, confirma também o pesquisador da neurogênese Gerd Kempermann, da Universidade Técnica de Dresden. No final dos anos 90, ele descobriu junto com Van Praag e Gage que a atividade física
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A FONTE DA JUVENTUDE FICA NA CABEÇA O exercício leva a uma melhor circulação sanguínea não apenas nos músculos, mas também no tecido nervoso. Os mais finos vasos sanguíneos, os capilares cerebrais, atravessam o hipocampo e proveem os neurônios com nutrientes. O volume e a ramificação aumentam com a atividade física, podendo surgir novos vasos (angiogênese). Por meio da ativação e desativação de genes – ou seja: os planos de construção gravados no núcleo celular para substâncias mensageiras e estruturas celulares –, o exercício também estimula a construção de novos “hardwares” (neurogênese). Esse processo é coordenado pelas moléculas de crescimento VGF (vascular growth factor – fator de crescimento vascular), BDNF (brain derived neurotrophic factor – fator neurotrófico derivado do encéfalo) e IGF (insulin-like growth factor – fator de crescimento insulina símile).
Transmissor
Cérebros de pessoas maduras também passam por constante transformação; só no hipocampo aparecem vários milhares de novos neurônios por dia estimula o crescimento de neurônios também em adultos. Os pesquisadores Charles Cotman e Nicole Berchtold, da Universidade da Califórnia em Irvine, descobriram as causas moleculares: camundongos que corriam assiduamente na roda produziam mais um importante fator de crescimento neuronal (BDNF). E após um descanso de vários dias os animais voltavam a atingir rapidamente o nível que os seus semelhantes não treinados só conquistavam por meio de um programa de corrida de semanas. Mas o que acontece no caso da demência já presente? Será que o declínio intelectual pode ser refreado pelo exercício? Isso foi estudado em 2005 por um grupo coordenado por Paul Adlard, também da Universidade da Califórnia, em camundongos geneticamente alterados. Os animais foram induzidos artificialmente a desenvolver um problema genético que causa redução das células neurais. A situação é semelhante à de pessoas com Alzheimer. Os pesquisadores dividiram os roedores doentes em dois grupos. A única diferença é que em uma das gaiolas havia uma roda de exercícios e na outra não. Após cinco meses, os animais que corriam apresentaram menos placas amiloides no córtex do lobo frontal e temporal do que outros, da mesma idade, que estavam em gaiolas comuns. No hipocampo foi encontrada apenas metade
Botão sináptico
MAIS PLASTICIDADE SINÁPTICA
O aprendizado e a memória têm como base a transmissão de sinais nas sinapses, os minúsculos pontos de conexão entre os neurônios. Um rápido aumento das moléculas receptoras na membrana celular torna mais fácil estimular a célula receptora por meio de transmissores químicos. Se um neurônio recebe muitas mensagens de seus vizinhos em um curto intervalo, então sua sensibilidade aumenta. Isso é denominado por pesquisadores potenciação de longo prazo (LTP, de long-term potenciation). Os exercícios estimulam esses processos. Além disso, substâncias anti-inflamatórias protegem as células de prejuízos que possam surgir no decorrer do processo metabólico. Consequência: os neurônios continuam funcionando por mais tempo.
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De fato, estudos comprovam que a prática regular de atividade física ajuda a combater o estresse e a aliviar a sobrecarga emocional. Por que isso acontece? Motivo número um: treinamento regular reduz o nível do hormônio do estresse, cortisol, que é liberado em razão da sobrecarga da hipófise. Essa reação faz com que o organismo seja imediatamente abastecido com energia adicional, mas a longo prazo isso prejudica as células cerebrais. A atividade física funciona aqui de forma “neuroprotetora” com os efeitos do cortisol. Motivo número dois: o exercício eleva a concentração de triptofano no cérebro. Essa substância é um precursor do neurotransmissor serotonina
Membrana com receptores
Capilares cerebrais
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Em outro estudo, um grupo coordenado pela médica Ana Pereira, da Universidade Columbia, em Nova York, selecionou voluntários saudáveis com idade entre 21 e 45 anos, com pouco contato com esportes. Após a realização de um teste de memória e de uma tomografia por ressonância magnética (TRM), iniciou-se o treinamento na esteira por ou mais na bicicleta por princípio, hábitos mais saudáveis e capacidade cognitiva tempo. napesquisador academia da própria se alimentem melhor. Mesmo que isso O Eric Larson,universidade da Univerquatrode vezes por semana, seja verdade, não se pode desprezar o sidade Washington emdurante Seattle, uma por hora, pordemonstrou três meses.que Depois desse efeito do bom condicionamento. Que exemplo, esportistas período, mais os candidatos repetiram os o exercício protege contra infartos, adoecem raramente de Alzheimer. testes de memória e resistência física, diabetes ou mesmo osteoporose, já Ele estudou 1.740 homens e mulheres assimmais como O se sabe há muito. E quem está em mecom deo65exame anos.do Nocérebro. início da hipocampo, importante para a capacilhores condições físicas também não investigação de longo prazo, todos dade mnemônica,não passou a terestavam melhor sofre um declínio mental tão rápido. os participantes apenas circulação mas sanguínea, e os afetados Pesquisadores querem saber, porém, saudáveis, apresentavam altos tiveram pontuação mais alta nos exse exercício na ativação velhice também tem resultados para a faixa etária no teste NAo MALHAÇÃO: e desativação perimentos de Cognitive aprendizado. de maisdireto de 500sobre geneso cérebro. Uma efeito de inteligência Ability Screening pessoa saudável que chega aos 90 Instrument (CASI). Os médicos examiCOMBATE À DEMÊNCIA lhão já de perdeu pessoasaté sofrem demência anos 20%dedos neurônavam os voluntários a cada dois anos, É precisosinais reconhecer, porém, que isso nios por Alzheimer. envelheque possuíaDevido quando ao jovem. No avaliando de demência incipiente. nem sempre ocorre: muitas vezes, a aticimento da população e ao aumento entanto, novas células neurais surgem Paralelamente, foram levantados o tipo vidade físicafísica não eleva o desempenho da estimativa do tempo vida, esse ininterruptamente – só node hipocampo de atividade que praticavam ea cognitivo de jovens número deve crescer muito próestima-se que apareçam váriosnos milhafrequência com que oadultos. faziam,Cérebros além de que trabalham “no limite” ximos res poranos. dia. Até Ou 2050, seja: oa porcentagem cérebro em dados sobre o estado geral deraramente saúde, a podem ser ainda mais acelerados. Na de homens e mulheres com mais de 60 envelhecimento também passa por condição psíquica, hobbies etc. idade adulta média, pessoas tiram constante anos na população deve dobrar. O protransformação. Após seis anos, 158assujeitos estavam menos proveito direto das boas condiblema é que, nesse último terço de vida, O especialista em biomedicina dementes, e 107 tinham diagnóstico de ções neuronais. Nesse o que faz Stanley a probabilidade de umaepessoa adoecer Colcombe colegas da Alzheimer. O índice doscaso, doentes entre diferença o fortalecimento dafísicas saúde Universidade de Alzheimer de se eleva imensamente. Illinois, em Urbanaaqueles queé exerciam atividades física e psíquica. Nessa mais Champaign, No entanto, o risco pode serisso reduzicomprovaram em três vezes por semana ou fase mais éestava saudável exigência excessiva do por meioem de2006. um estilo vida ativo. um estudo Os de pesquisadoem 13 porevitar 1.000 –a uma proporção mais consigo devido à ambição Ao dividiram, lado da alimentação saudável e do res por sorteio, 59 idosos baixa que mesmo o valor de praticamente 20 esportiva exagerada. estímulo da rede de relacionamentos, entre os inativos. O esporte reduziu A Organização da Saúde os exercícios físicos parecem ser a especialmente o riscoMundial de demência en(OMS) estima que só no Brasil 1 miprática mais adequada para manter a tre aqueles que haviam apresentado as piores condições físicas antes do início do treinamento. VALE MOVIMENTAR-SE EM PENSAMENTO Várias dessas comparações enNão está com vontade de praticar esporte? mal: de mãos. Após treinamento de 15 minutos diários, cinco dias tre osNão quefaz gostam se exercitar simplesmente imagine! Apenas isso já pode aumentar a por semana, durante 12 semanas, a força muscular do dedo e outros mais ociosos apontam força muscular. Pelo menos é o que garantem pesquisadores na mesma direção: “mentalizado” os ativos dos atletas mentais aumentou em aproximadada Clínica Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos. O mente em 35%. Tomografias demonstraram que áreas do cérebro têm melhores resultados médico Vinoth Ranganathan e seus colegas pediram a 30atenção, frontalmeque preparam os movimentos se tornaram mais ativas. quesitos como adultos saudáveis que mentalizassem da forma mais intensa Aparentemente, o aumento da força deveu-se a uma “linha mória e capacidade intelectual: e detalhada possível o curvar do dedo mínimo de uma das direta” conseguem memorizar maisentre in- o cérebro e os músculos. formações, as processam melhor e demoram mais a se cansar. No entanto, ainda há uma WWW.MENTECEREBRO.COM.BR MENTE&CÉREBRO questão a ser resolvida. Pessoas bem ou mal condicionadas provavelmente se diferenciam também em outros pontos. Talvez as primeiras tenham, já
em segundo plano na idade adulta. Em outras palavras: as pessoas têm menos tempo e muitas vezes se acomodam, preferem ir aos lugares de carro em vez de bicicleta, e usam o tempo livre para namorar, resolver questões de trabalho ou ficar com os filhos em vez de se exercitar. Frequentar academias, por exemplo, exige abertura de espaço na agenda – e boa dose de determinação. Muitas vezes, porém, simplesmente não há tempo para entrar em forma. Se perguntarmos a adultos por que deveriam (pelo menos teoricamente) se exercitar, recebemos respostas que levam em conta “meios para atingir o fim desejado”: ajuda a emagrecer, manter a saúde, ter uma “válvula de escape” após um duro dia de trabalho.
Sinapse Dendrito Neurônio Núcleo Celular
O hipocampo, aqui representado em corte, é certamente a região mais bem estudada do córtex cerebral. Ele inclui, entre outras coisas, o corno de Ammon (amarelo-claro e escuro), curvado em espiral, e a fascia dentata (azul). Os neurônios, que aparecem entrelaçados, podem MENTE&CÉREBRO 39 gravar as informações que chegam por longo prazo. Para tanto, formaramse mecanismos específicos que desencadeiam rápidas alterações plásticas nas células neurais. Atividades físicas regulares aumentam a flexibilidade necessária para essas mudanças anatômicas.
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melhoras tão efetivas quanto os que receberam tratamento medicamentoso. No grupo que recebeu placebo ocorreu um fato curioso: um terço dos pacientes teve sintomas clínicos atenuados num primeiro momento. Como nenhum outro estudo confirma esse efeito benéfico, os cientistas tentam encontrar explicação por meio de outras análises, incorporados os resultados de vários trabalhos. O mais novo estudo comparativo desse tipo foi publicado por especialistas em saúde coordenados por Gillian Mead, da Universidade de Edimburgo, em 2009. Após a avaliação de 25 estudos com mais de 900 participantes, os pesquisadores perceberam o alto potencial antidepressivo nos exercícios de resistência. No entanto, se forem utilizados padrões metódicos muito severos, o efeito desaparecerá. Assim, seria necessário que os participantes não soubessem se pertenciam ao grupo de controle ou ao de tratamento. Naturalmente, esse tipo de teste cego é praticamente impossível em programas esportivos. Não se sabe também qual o papel desempenhado pelo apoio social mútuo, já que quando a pessoa corre, faz exercícios ou anda de bicicleta em grupo termina por desenvolver laços que podem influir em seu humor. De maneira geral, a atividade física parece bastante adequada no caso de uma leve tendência à depressão ou de
favoráveis ao desenvolvimento neuronal por meio da atividade física. Na verdade, o exercício e as experiências associadas a ele influenciam posturas e hábitos que afetam o caminho a ser seguido na vida. Por isso, a diversão deveria estar em primeiro lugar: uma atividade escolhida por vontade própria e divertida que gere experiências de sucesso. Isso estimula crianças efetivamente. A natureza já cuida para que isso ocorra, na medida em que provê os pequenos com uma intensa tendência natural ao exercício. Tudo depende “apenas” de que nós não as refreemos. O deslocamento das prioridades pessoais – estudo, trabalho, relacionamentos e família – quase sempre deixa a atividade física
Corno de Ammon
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que favorece o processamento das emoções. Em pessoas depressivas, o nível de serotonina e a neurogênese são bastante reduzidos. Médicos tentam compensar essa situação por meio da administração de inibidores da recaptação da serotonina (SSRI). Esses medicamentos fazem com que haja maior quantidade disponível do neurotransmissor nos contatos sinápticos das células neurais. Motivo número três: durante a atividade física, opioides endógenos (do próprio corpo) estimulam o centro de compensação no mesencéfalo. É provável que seja a causa do runner’s high, frequentemente relatado por esportistas assíduos – um sentimento de bem-estar experimentado durante o treino. Esse componente emocional da atividade física é hoje utilizado com sucesso no tratamento de distúrbios psíquicos. Em um estudo de 2007, coordenado pelo psiquiatra James Blumenthal, da Universidade Duke em Durham, na Carolina do Norte, por exemplo, mais de 200 pacientes com diagnóstico de depressão foram separados em três grupos. Os integrantes do primeiro foram instruídos a realizar exercícios regulares para melhorar a resistência; o segundo foi tratado com sertralina, inibidor seletivo da recaptação da serotonina, e o terceiro recebeu placebo. Quatro meses mais tarde, metade dos voluntários que faziam exercícios regulares apresentou
sociais, testar os próprios limites e construir a autoconfiança por meio de vivências bem-sucedidas. Isso também pode ser facilitado pelo exercício. Vários estudos já comprovaram que a atividade física eleva a sensação de bem-estar. Em um trabalho recente, a pesquisadora Karen Petty, colega de Tomporowski, comparou, por meio de questionário, a autoestima e o estado de espírito de adolescentes com sobrepeso antes e depois de um programa de treinamento de várias semanas. Resultado: ao final, os participantes se mostravam mais animados, satisfeitos consigo mesmos e com uma autoimagem mais positiva. Petty ressalta, porém, que não se trata apenas de criar condições
EFEITOS SOBRE O CENTRO DA MEMÓRIA
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A diversão deve estar em primeiro lugar: é importante que a atividade física seja escolhida por vontade própria e associada ao prazer e ao sucesso
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EM SEGUNDO PLANO: por falta de tempo, muitos se acomodam e preferem se locomover de carro em vez de usar bicicleta
dos emaranhados de proteínas que caracterizam a doença. No mesmo ano, pesquisadores da Universidade de Chicago comprovaram que camundongos transgênicos com Alzheimer também tiravam proveito de “pequenas expedições” por ambientes estimulantes: eles saíam em “férias de aventuras” em uma ampla gaiola com roda de exercícios, túneis coloridos e brinquedos, no início por três horas diárias – e, após um mês, três vezes por semana. Os passeios retardaram consideravelmente o declínio do hipocampo. O estímulo aparentemente fortaleceu a capacidade do cérebro dos roedores de eliminar a perigosa beta amiloide. Como demonstraram análises, as vias sinalizadoras epigenéticas foram responsáveis por isso: nos núcleos celulares dos neurônios, informações genéticas que estimulam processos de reparação e desenvolvimento de neurônios foram lidas com frequência. Os resultados estão de acordo com observações feitas em seres humanos. Stanley Colcombe e Arthur Kramer
avaliaram em 2003 os resultados de 18 estudos relevantes. Segundo eles, o treinamento aeróbico melhora o desempenho cognitivo em adultos saudáveis com mais de 50 anos. O psicólogo Ulman Lindenberger, diretor do Instituto Max Planck de Pesquisas em Educação, de Berlim, porém, relativiza esses resultados. Segundo ele, quanto mais for divulgada a ideia de que a demência não é fato do destino, mas consequência de um estilo de vida inadequado, mais provavelmente a culpa pela doença será atribuída à pessoa afetada. O especialista faz um alerta contra a estigmatização: “Não existe nenhum meio milagroso que proteja com certeza contra o declínio intelectual na velhice”. No entanto, parece que já está mais do que na hora de aplicar na prática o conhecimento científico para o bem do corpo e da mente. Afinal, o estudo do cérebro nunca nos deu tantos bons argumentos para começarmos a nos m c exercitar quanto agora. e
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por steve ayan
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Steve Ayan é psicólogo e jornalista.
PARA CONHECER MAIS Exercise effects on depressive symptoms and self-worth in overweight children: a randomized controlled trial. K. H. Petty et al., em Journal of Pediatric Psychology (on-line), 16 de fevereiro de 2009. Exercise and children’s intelligence, cognition, and academic achievement. P. D. Tomporowski et al., em Educational Psychology Review 20 (2), págs. 111-131, 2008.
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Cartaz para colóquio de filosofia, outubro de 2013 Cliente Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFSCar (PPGFil-UFSCar) Projeto Gráfico
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Colóquio de Filosofia das Luzes Britânicas:
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