João de Barro
O que será feito?
Depois da apresentação no informativo “Caminhos para a reparação” n° 1, vamos contar como estão as ações da Concatu Consultoria e da Aedas (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social) com o objetivo de reparação dos danos às casas e aos bairros causados pelo rompimento das barragens da empresa Vale S.A. em Brumadinho, na Região 2 da Bacia do Rio Paraopeba, municípios de Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e aos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (incluindo Mateus Leme).
Agora que já compartilhamos nosso plano de trabalho com você, vamos propor uma estratégia para conhecer e medir os danos às moradias e serviços de infraestrutura atingidos pelo rompimento da barragem B-I e pelo soterramento das barragens B-IV e B-IV-A da Mina Córrego do Feijão. Método esse construído com base em pesquisas de bibliografia e de documentos para nortear uma avaliação técnica precisa dos danos às populações atingidas.
Lembramos que o plano de trabalho contido no informativo n° 1 orienta todas as ações daqui para a frente e foi construído em diálogo com as comissões do Grupo de Atingidas e Atingidos (GAAs), dos Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMAs), também atendendo aos Protocolos de Consulta dos PCTRAMAs.
No “Caminhos da Reparação” n° 2, você fica por dentro do trabalho que está sendo desenvolvido e pode ainda revisar alguns conceitos de reparação integral, responsabilidade objetiva, racismo ambiental e justiça ambiental. Além disso, vamos falar da diversidade de danos à moradia, à existência, danos morais, materiais e sociais, bem como diretrizes para a reparação.
Apresentação da forma de trabalho
Para que a gente possa realizar esse trabalho da melhor maneira possível, vamos coletar informações que deem base para entender e caracterizar as regiões atingidas em suas dimensões arquitetônicas, sociais, econômicas, ambientais e do compartilhamento de experiências vindo das pessoas moradoras desses locais e que foram também atingidas.
Isso vai ajudar no processo de produção de conhecimento e contextualização sobre a moradia, o patrimônio individual de bens móveis dessas pessoas, bem como dos serviços e da infraestrutura urbana e rural que foi impactada e que deve ser reparada.
Por meio desse método, nosso foco é a identificação de danos gerados pelo rompimento das barragens da Vale S.A. em curto e longo prazo, porque entendemos também que, muito além de danos imediatos, há aqueles que se evidenciam com o tempo.
Consideramos a participação de pessoas atingidas como um ponto-chave para que o trabalho reflita a realidade e os anseios da população diretamente envolvida com o ocorrido. Por isso, desenvolvemos uma estratégia participativa de coleta de dados em nível primário e secundário.
No nível primário, conversamos com as pessoas e ouvimos seus relatos, seus saberes, suas opiniões e seu entendimento sobre o desastre. Já no nível secundário, vamos coletar dados para estudar as características dos territórios e da vegetação e observar os mapas e os lugares para entender os impactos.
Reforçamos que a metodologia participativa é essencial nessa proposta e entendemos que o trabalho conjunto com Grupos de Atingidas e Atingidos (GAAs) e Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMAs) é central.
Reparação integral e responsabilidade objetiva
A Constituição Federal brasileira diz que cidadãos e cidadãs têm direito ao meio ambiente com equilíbrio ecológico, sendo que esse é considerado um bem coletivo cuja importância está, entre outras coisas, em manter a qualidade de vida da sociedade. Um meio ambiente ecologicamente harmônico, conservado e equilibrado garante água limpa, comida sem veneno, ar puro, clima estável, além de uma biodiversidade rica e protegida.
Nossa legislação afirma ainda que atividades e condutas poluidoras estão sujeitas a sanções penais e administrativas, além de os responsáveis serem obrigados a reparar os danos causados, considerando qualquer tipo de pessoa (física ou jurídica). Há legalmente o reconhecimento efetivo da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, independentemente da existência de culpa ou intenção pelo exercício da atividade.
Na Região 2, o processo de reparação do rompimento das barragens da Mina Córrego do Feijão é variado em suas dimensões de tempo e de espaço. A responsabilidade objetiva e a reparação integral devem sanar situações e estados de vulnerabilidade para recompor os direitos das pessoas atingidas, com: garantia de moradia adequada, custos acessíveis, disponibilidade de serviços de infraestrutura, adequação cultural, localização estratégica de reassentamento, segurança jurídica da posse e não discriminação de grupos vulneráveis, além de assegurar condições adequadas para a habitabilidade de edificações
Racismo ambiental e justiça ambiental
Entendemos o racismo ambiental como a discriminação socioambiental implícita e explícita às pessoas moradoras da Região 2, a partir de práticas poluidoras diretas e indiretas que violam os direitos e a qualidade de vida dessas populações.
Por trás dessas práticas, vemos a tentativa de diminuir atingidos e atingidas por suas etnias, suas existências materiais, suas condições econômicas e de renda, bem como por suas organizações culturais. São pessoas que foram sujeitas à degradação ambiental intensa e se veem frente a situações vergonhosas e violentas cujas ações poluidoras desconsideram seus direitos preestabelecidos como cidadãos e cidadãs.
Percebemos também, por dados secundários, que há recorrente fragilização das populações atingidas pelo rompimento, sejam elas rurais ou urbanas, fato que é possivelmente reforçado pelas desigualdades sociais. A estrutura do sistema capitalista em que vivemos acaba favorecendo a existência de classes de pessoas com pleno acesso a direitos, mas ao mesmo tempo de classes de pessoas que não têm garantia de seus direitos e que sofrem com os danos ambientais que se concentram nos locais onde vivem em situação de vulnerabilidade na Região 2.
Toda essa situação é um exemplo de injustiça ambiental, que percebemos, acima de tudo, como a continuidade de impactos ambientais negativos sobre pessoas que foram historicamente colocadas à parte dos direitos fundamentais.
Isso abre espaço para movimentos pela reparação integral e pela justiça socioambiental. A justiça ambiental pode ser provocada a partir da movimentação coletiva e em rede de pessoas e coletivos organizados para a defesa dos bens e dos direitos das pessoas atingidas.
Diversidade de danos
Danos podem ser materiais e imateriais, individuais e coletivos. E existem muitas dimensões do impacto que esses danos podem causar em diversos aspectos da vida: saúde, segurança alimentar e nutricional, além das relações sociais e culturais, que também foram alteradas.
DanosGrandes empresas que exploram recursos naturais têm poder político e econômico para impedir a reparação plena e a manutenção dos direitos das pessoas atingidas por suas ações. Entretanto, para contribuir para o processo de retomada dos direitos específicos das populações da Região 2, alguns marcos jurídicos estão sendo considerados por esta consultoria, tendo em vista que o rompimento das barragens colocou muita gente em situação de violação de direitos que vão além da moradia, da infraestrutura e de acesso a serviços.
Tipos de danos com reparo previsto na Constituição Federal de 1988
Dano Material Dano Moral Dano Existencial Dano Social
Prejuízo patrimonial organizado em
1) danos emergentes: referentes ao que a pessoa perdeu; 2) lucros cessantes: envolvem tudo aquilo que se deixou de lucrar.
Lesão a um interesse, e não a um patrimônio em si. É uma violação ligada à dor, ao sofrimento e à tristeza, não restrita a esses sentimentos.
Indenizável, é uma lesão que atinge as perspectivas pessoais de vida de uma pessoa, afetando negativamente sua existência e seu projeto de vida.
Comportamento que causa mal-estar social e rebaixa o nível de vida de uma sociedade, violando-a como um todo.
A lei brasileira destaca diversas possibilidades para reparação e indenização por danos causados por poluidores, seja do ponto de vista individual ou coletivo.
Diretrizes para a reparação
O direito à moradia das populações atingidas pelo desastre das barragens na Região 2 foi violado e deve ser reparado de forma ágil. Compreendemos que o primeiro passo da reparação integral é a restituição da moradia e da infraestrutura dos bairros atingidos pelo espalhamento de rejeitos das barragens.
Entendemos o direito à moradia com a garantia do padrão de vida adequado, superando o conceito de casa unicamente enquanto um bem material, porque ter uma boa casa envolve também o direito de viver em um lugar seguro, ajustado e digno.
Constituição Federal de 1988
Estatuto da Cidade [Lei n° 10.257/01]
Regularização Fundiária Urbana [Lei n° 13.465/17]
Estatuto do Idoso [Lei n° 10.741/13]
Comentários Gerais números 4 e 7 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU
Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Moradia
Adequada
Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS) [Lei n° 11.888/08]
Estatuto da Pessoa com Deficiência [Lei n° 13.146/15]
Declaração Internacional de Direitos Humanos Estatuto da Juventude [Lei n° 12.852/13]
Estatuto da Criança e do Adolescente [Lei n° 8.069/90]
Consideramos importante também a norma NBR 15575, que fala sobre habitação e edificação, voltadas para o cumprimento de exigências de moradores e moradoras ao longo dos anos. A aplicação dessa norma possibilita a melhoria da qualidade da edificação, considerando a fase de construção e também de uso. Portanto, as populações atingidas devem estar amparadas por um sistema que reconheça os danos à moradia e que garanta a participação e centralidade das pessoas atingidas no processo de reparação.
Edificação com qualidade construtiva sólida, sendo necessários tanto um cuidado no desenho do projeto quanto uma boa qualidade dos materiais utilizados.
Metragem satisfatória necessária para os espaços internos e externos para uso integral dos membros da família.
A redução dos riscos à saúde
Características da Habitabilidade
A não construção de edificações em possíveis áreas de risco (o que também fere a legislação ambiental)
O cumprimento de todas as normas técnicas, respeitando as legislações pertinentes nas diferentes escalas
A garantia de acesso dentro dos lotes, bem como das estruturas coletivas do reassentamento (quando for caso de reassentamento)
Como será feito?
A forma com que vamos colher as informações sobre os danos às moradias envolve a participação ativa de todos os atingidos. Isso vai acontecer em espaços de conversa com oportunidade para que os participantes construam conhecimentos sobre os danos. A ideia é juntar o saber das pessoas e das comunidades com os dados técnicos e científicos.
Entendemos que as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem conhecem melhor do que ninguém os problemas vividos nas suas comunidades e são os maiores interessados em ver as soluções acontecendo.
Faremos encontros presenciais para proporcionar um momento de conversa, cumprindo os protocolos de segurança e limitação do número de participantes, se for preciso. Por questão de segurança na pandemia, também poderão ser marcados encontros virtuais pela internet.
Serão vários tipos de métodos de ações para desenvolver o trabalho, incluindo momentos de participação e interação e visitas técnicas até as moradias atingidas.
Na parte de conversa, a proposta é usar mapas para entender os impactos do rompimento da barragem, caminhada em grupo, uso de linha do tempo para ajudar a lembrar e entender os acontecimentos, e entrevistas individuais e em grupo com moradores.
Para avaliar com mais precisão o cenário, vamos usar também técnicas como o geoprocessamento, que analisa o relevo, a vegetação e outras características da terra por imagens de satélite.
Moradia e habitat nos municípios da Região 2
Betim
6.378
Pessoas assessoradas pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
1.720
Núcleos familiares assessorados pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
dos atingidos que passaram pelo Registro Familiar acham que os danos foram Muito Altos ou Altos.
Falta de infraestrutura urbana é um problema de determinados bairros agravado pelo rompimento.
Igarapé
473
Pessoas assessoradas pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
131
Núcleos familiares assessorados pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
Maioria dos locais na zona rural está em condições precárias, sem abastecimento de água. A falta de infraestrutura, como iluminação e transporte, da população de baixa renda foi agravada pelo rompimento da barragem e pelo impedimento de usar o rio Paraopeba para subsistência.
dos atingidos que passaram pelo Registro Familiar se declaram negros (pretos e pardos), na maioria mulheres.
dos atingidos que passaram pelo Registro Familiar acham que os danos foram Muito Altos ou Altos.
Juatuba
72%
das pessoas atingidas que passaram pelo registro familiar disseram passar por irregularidades no abastecimento de água.
Núcleos familiares assessorados pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
68%
dos atingidos que passaram pelo registro familiar acham que os danos foram Muito Altos ou Altos.
Alto número de domicílios sem banheiro e água encanada (6,65%).
Mário Campos
674 739
Núcleos familiares assessorados pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
60%
68%
das pessoas atingidas que passaram pelo registro familiar se sentem inseguras com a qualidade da água da rede geral.
dos atingidos que passaram pelo registro familiar relataram queda na renda depois do rompimento da barragem.
61%
das famílias que passaram pelo registro familiar não têm acesso a esporte, cultura ou lazer.
São Joaquim de Bicas
877
Núcleos familiares assessorados pela Aedas que passaram pelo Registro Familiar.
68%
dos moradores que passaram pelo registro familiar se autodeclaram negros (pretos e pardos).
Importante núcleo agropecuário fornecedor de alimentos, as zonas rurais disputam espaço com a atividade minerária e a expansão urbana. O avanço da agricultura tradicional e o uso de insumos químicos podem ameaçar o abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Agenda do trabalho de campo
Nossa equipe vai visitar e conversar com pessoas atingidas nas cidades de Betim, Igarapé, Juatuba, Mário Campos, São Joaquim de Bicas e Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (incluindo Mateus Leme).
Queremos nos encontrar com você e o máximo de pessoas que for possível para ter um bom papo, mas sem atrapalhar o dia a dia nem tirar ninguém de suas atividades!
Confira nossa agenda, que tem programação até fevereiro de 2022:
Mês Atividade
2021 Novembro
Início dos primeiros diálogos com a população atingida nas cidades.
Duração
5 dias
2021 Dezembro
Realização de questionários com a população, conversas em grupo (grupos focais) e levantamento de informações nas cidades. No caso dos PCTRAMAS, já começaram as primeiras visitas técnicas e entrevistas semiestruturadas nas UTTs.
2022 Janeiro
Continuação dos questionários, das conversas em grupo (grupos focais), da construção de cartografias sociais, das visitas técnicas em moradias selecionadas e do levantamento de informações nas cidades.
Continuação das visitas técnicas e das entrevistas semiestruturadas nas Unidades Territoriais Tradicionais (UTTs) dos PCTRAMAS.
20 dias 25 dias
2022 Fevereiro
Conversas com a população sobre a aplicação das propostas para a reparação integral dos danos à moradia das pessoas que foram atingidas e que sofreram tais danos.
5 dias
É meu direito!
O direito à moradia não quer dizer só o acesso a uma casa, mas tem a ver com os meios para se ter um padrão de vida adequado: viver em um lugar seguro, digno e bem servido de infraestrutura e de serviços, especialmente públicos.
É direito de todas as pessoas ter segurança na posse da casa, sem ameaça de remoção. Ter acesso à rede de água, de esgoto e à energia. Poder contar com escola, transporte, postos de saúde na região. E tudo isso a um custo acessível, sem comprometer o orçamento familiar.
Diversas leis e estatutos brasileiros e normas e acordos internacionais, além da Constituição Federal, garantem esse esse direito à população.
O que é racismo ambiental
Chamamos de racismo ambiental as injustiças sociais e ambientais que recaem de forma implacável sobre etnias e populações colocadas em situações mais vulneráveis de existência, sem ter garantida, muitas vezes, a estrutura necessária para uma qualidade de vida equilibrada, como seria de direito.
O racismo ambiental não se configura apenas por meio de ações que tenham uma intenção racista, mas, igualmente, por ações que tenham impacto “racial”, independentemente da intenção que tenha dado origem a atitudes desse tipo.
Esse conceito nos desafia a ampliar nossas visões de mundo e a lutar por novas maneiras de ver e organizar a sociedade para que ela seja igualitária e justa, na qual a democracia plena e a cidadania ativa não sejam direitos de poucos privilegiados, mas se apliquem a todas as pessoas em sua rica e plural diversidade de cor, de origem, de cultura e de etnia.
Estamos esperando sua ligação, mensagem ou e-mail para ouvir o que você tem a dizer sobre tudo isso. Ficaremos felizes em saber sua opinião!