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contos
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Dannie Richmond para Dannie Charles Richmond Mingus, par prestes a desistir de tocar prestes em night-clubs porqueem ninguém night-clubs estava porqu a fim de ouvir: Faz issoa não, fim de o Mingus. Olha lá no fundo: Mingus. tem um cara lá que está tem ouvindo. um cara lá
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Paulo Bentancur
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Reinaldo Santos Neves Reinaldo é o autor Santos dessaNeves aventura é o autor [A longa história]. E autor [A longa a serhistória]. imediatamente E autor a ser i examinado. [...] Não examinado. só pelos leitores [...] Não em geral só pelos lei [...], mas também pelos [...],críticos, mas também que salivam pelos críticos, diante do nonsense, dos diante enigmas do nonsense, de carteirinha, dos enigmas ou dos regionalismosou revigorados dos regionalismos por umarevigorado batida mais nervosa (contribuição mais nervosa da doença (contribuição urbana), da d e viram as costas quando e viram o projeto as costas narrativo quando o proje de alguém pretende –deonde alguém já sepretende viu!? – contar – onde já se histórias, dezenas delas, histórias, interligadas dezenas pordelas, umainterliga única e longa história, única espinha e longa dorsal história, a costurar espinha d os incidentes de umaos missão incidentes quasede impossível. uma missão qua [...] Assim se faz ficção [...]deAssim Primeiro se fazMundo. ficção de Prime Em Vitória, Espírito Santo. Em Vitória, [...] Entretanto, Espírito Santo. os [...] E cadernos “culturais” (a cadernos cultura “culturais” do mercado (a ou cultura a d cultura de uma tendência, culturaseja de acadêmica, uma tendência, seja aseja a dos “transgressores”),dos desconfio, “transgressores”), vão dedicar-se desconfio, ao que já lhes é familiar ao que e sempre já lhesacaba é familiar comoe sempr pauta. [...] Seu romance, pauta. sob[...] diversas Seu romance, óticas (essa sob div discussão recém começa), discussão está recém muitoscomeça), pontos está m acima da literatura brasileira acima dacontemporânea. literatura brasileira con Razão pela qual, infelizmente, Razão pelapoderá qual, infelizmente, não ser po notado com a merecida notado atenção comque a merecida lhe devem atenção os críticos de plantãoosoucríticos os leitores de plantão onívoros. ou A os leito excelência muitas vezes excelência é um entrave. muitas[A vezes Idade é um en Média na literatura contemporânea Média na literatura brasileira, contemporân Rascunho, Curitiba, novembro Rascunho, de Curitiba, 2007, p.novembro 3] d
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reinaldo santos neves
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contos
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Copyright © Reinaldo Santos Neves Capa, projeto gráfico e editoração Samira Bolonha Gomes Foto da capa Maria Clara Medeiros Santos Neves Ilustração interna Paulo Roberto Sodré, grafite sobre papel, circa 1990 Revisão Reinaldo Santos Neves Editor Saulo Ribeiro Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil) N517h
Neves, Reinaldo Santos, 1946 Heródoto, IV, 196 / Reinaldo Santos Neves. - Vitória, ES : Cousa, 2013. 221 p. ; 21 cm ISBN: 978-85-63746-33-7 1. Literatura brasileira - Espírito Santo (Estado). 2. Contos. 3. Ficção. I. Título. CDU: 82-34 IMPRESSO NO BRASIL | PRINTED IN BRAZIL | 2013 | Todos os direitos desta edição reservados à Editora Cousa
Má Companhia casa dos grupos Repertório e Z Rua Professor Baltazar, 152, Centro Vitória | ES | CEP 29.015-180 www.cousa.com.br
Instituto Phoenix Cultura Rua Carolina Leal 289, sala 209 Jaburuna | Vila Velha | ES CEP 29.123-220 www.ipcultura.org.br
O livro ao autor: — E a quem, autor, serei dedicado? O autor ao livro: — A minha filha Inês. O livro ao autor: — Boa escolha. Fico feliz.
introdução
Os contos deste livro fazem parte de um ciclo. Todos têm a vida literária como tema: seus personagens são escritores, leitores, críticos literários, professores de literatura e, aqui e ali, musas. Henry James escreveu vários contos nessa linha, uma seleção dos quais, feita por José Geraldo Couto, foi publicada em 1993 no Brasil pela Companhia das Letras, com o título A morte do leão; Couto, no posfácio, diz que “são variações sobre o tema dos desencontros entre o artista e a sociedade”. Este ano faz dez anos que escrevi o primeiro deles, “Mistério na montanha” (único, nestes dez anos, a sair à rua, publicado que foi na revista Bravo! de outubro de 2008). Há um sonho na origem desse conto, que por sua vez, ao longo de cinco anos, deu origem aos demais. O sonho foi um desses sonhos retardatários que chegam de manhã cedo e deixam alguma coisa na lembrança depois que despertamos. 7
Havia no sonho um escritor — famoso e hispano-americano — e um crime, e duas testemunhas desse crime, uma delas o próprio sonhador. Daí deriva uma onírica atmosfera de ameaça e perigo, pois os envolvidos no crime procuram silenciar as testemunhas. Há entendimentos no sentido de uma conciliação, na verdade um ardil. Tentam matar o sonhador. Ele escapa por pouco, mas não a parede da sua sala, onde se abre um grande rombo produzido por arma pesada. Enfim uma amiga, professora de literatura, aparece em casa do sonhador como porta-voz dos inimigos. Traz uma pizza em sinal de paz e documentos para assinar: documentos que, assinados, darão ao sonhador a garantia de que não será mais perseguido nem molestado. O sonhador assina a pizza e não os documentos. Assim que acordei fiz a primeira versão do conto, inspirado nos retalhos do sonho que ficaram na memória. Dei-lhes forma e seqüência e acrescentei coisas que não sonhara, tentando preencher lacunas. Aproveitei para beliscar o tema da rivalidade entre as línguas portuguesa e espanhola. “Mistério na montanha” foi sonhado e escrito em 14 de outubro de 2003. Daí para diante, a cada semana produzi um novo conto. O que inspirou “Heródoto, iv, 196” foi a leitura de uma passagem de Heródoto num ensaio do escritor português Antônio Sérgio. Depois de uma ou duas abordagens que não funcionaram, funcionou — bem ou mal — a velha fórmula das histórias de Sherlock Holmes. Nos arremates, ao escolher o porto de onde o suspeito pudesse deixar o país, consultei The Oxford Literary Guide to the British Isles, de Dorothy Eagle e Hilary Carnell, onde li que em Portsmouth, naquela época, clinicava um jovem médico chamado Arthur Conan Doyle. Ali escreveria o 8
muitas histórias de mistério se dariam melhor como contos do que como romances. Espero ter feito a coisa certa aqui. A informação sobre o duelo foi encontrada por acaso ao folhear o livro Histoire de la vie sexuelle, de Richard Lewinsohn (Payot, Paris, 1957, p. 324), e decidi incorporá-la (substituindo por bolas de gude as balas de revólver) ao conto em que já vinha trabalhando na ocasião. Eis o trecho do livro: Les parties s’accordent pour régler le cas plus discrètement: par un duel “à l’americaine”. Les duellistes n’échangeront pas des balles de pistolet, mais tireront des balles au sort. Qui tire la blanche a gagné, qui tire la noire doit disparaître dans les six mois. Le destin venge la morale: le prince Auersperg tire la balle blanche, pour le prince héritier [Rudolf de Habsburgo] il reste la noire.
Quanto a John Francis Shade, é o autor do poema Fogo pálido, no romance (do mesmo nome) de Vladimir Nabokov. Numa história sobre poetas imaginários achei apropriada a presença de um dos grandes poetas imaginários da literatura. Os três contos seguintes foram produzidos num segundo momento criativo, que se estendeu pelos meses de novembro e dezembro de 2003. “A edificante história do Guia Literário Turnbull” (originalmente “Tempestade na garrafa”) foi iniciado antes mas concluído depois de “A porta secreta da morte”. A leitura de The Oxford Literary Guide conduziu-me ao projeto de uma história em que um guia literário 11
fosse o personagem principal. Já “A porta secreta da morte” trabalha o tema do suicídio na linha da intertextualidade, neste caso evocando R. L. Stevenson e Robert Graves, enquanto “Viagem de jangada numa poça d’água” joga com a possibilidade de alguém escrever um ensaio crítico sobre livro que nunca leu, no caso A jangada de pedra, de José Saramago: o não-leitor fazendo não-crítica. Em sua primeira versão o ensaio fazia parte do conto. Preferi, na versão definitiva, dar apenas uma idéia geral do ensaio e, para o possível leitor interessado, apresentá-lo na íntegra à parte: até (por que não?), como conto à parte. Inspirado numa visita virtual feita às páginas das editoras francesas Casterman, Dargaud e Dupuis, especializadas em histórias em quadrinhos, iniciei “O destino de José Lourenço Tristrão” em janeiro de 2004, mas logo o descartei como inviável. Em meados de maio, porém, retomei e finalizei o conto, a que dei um título alternativo: “Chovia em quase todas as páginas”. Seu tema principal é a desilusão de um escritor com a literatura e a descoberta de uma alternativa de felicidade. Da mesma semana é “O Clube de Leitura da Rua Níobe” (títulos e subtítulos originais: “Renée, Susannah, Bernardo” e “Triângulos isósceles”), uma bijuteria que traça um paralelo entre os escritores Giraldus Cambrensis, Henry James e Gilbert Highet. A história registrada por Giraldus Cambrensis (Gerald of Wales), a que se faz referência no conto, aproveitei no capítulo 125 do romance A longa história. “Homens de letras” foi começado e abandonado em algum momento de 2004 e por fim concluído em janeiro de 2005. No mesmo mês foi concebido e escrito “Nascido em Quatro de Julho”, a que logo
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se seguiu “Darsunisque”. A ligação com a literatura se faz, no primeiro, através de um poema de Konstantinos Kavaphis e, no segundo, de referência a uma antiga canção de gesta. A duas histórias, “Frio” e “Não que eu me lembre”, ambas da primeira metade de 2006, falta (sobretudo à primeira delas) uma ligação mais estreita com livros ou autores de literatura. Ainda assim, incluías no conjunto por produzidas no mesmo período que os outros e ambientadas no mesmo país fictício da Fímbria. Outros contos escritos em 2006 e 2007 constituem a raspa de tacho do ciclo: “Já leu ‘Os mortos’, de Joyce?” (ou “O eterno marido”), “Mina Rakastan Sinua”, “Emma Veras (née Lilienkrantz)” (título original: “Pelo espesso labirinto: seu cabelo”) e “Somos todos escritores”, o último da série. Neste livro o leitor encontrará nove dessas histórias sobre vida literária. As demais ficam para outra hora, outro lugar. RSN Praia da Costa, Vila Velha, ES 2013
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sumário 17 25 64 95 106 139 170 182 201
Mistério na montanha Arábia Feliz
A porta secreta da morte Não que eu me lembre O destino de José Lourenço Tristrão ou Chovia em quase todas as páginas Darsunisque Emma Veras (née Lilienkrantz) Viagem de jangada numa poça d’água Heródoto, IV, 196
mistério na montanha
Somos todos ligados à literatura na nossa família. Eu escrevo algumas ficções. Minha mulher faz crítica literária. É essa a nossa família: minha mulher e eu. Ela se chama Laura. Laura Lemos. Quem é do meio acadêmico certamente já ouviu falar nela. Conheci-a nos tempos de faculdade, numa festa. Chamou-me a atenção porque fumava um charuto. Além disso, era inteligente e, além disso, gostava de literatura. A primeira vez que saímos, à noite, para um passeio pelo parque Éden, quando voltei para casa tive um sonho. Contei-lhe o sonho no dia seguinte. Isso dá, se não um romance, pelo menos um conto, ela disse. Nesse dia à noite fomos comer uma pizza. Pedi de mussarela a minha metade; ela, a dela, de quatro queijos. Mais tarde fomos para a cama (a minha): nessa primeira vez fizemos as coisas de modo simples e frugal. De madrugada, enquanto ela dormia, sentei-me à mesa 17
da copa e transformei num conto o sonho da véspera. Acrescentei uma coisa aqui, outra ali, interpretei uma ou outra charada onírica, mas no todo, ou no quase todo, era o sonho convertido em conto. Que ela leu assim que acordou. O conto não está mau, disse ela; mas o sonho é melhor. Ali começamos as nossas carreiras, ela de crítica literária, eu de autor de algumas ficções. Ela foi mais longe que eu: fez mestrado e doutorado, fez concursos, foi aprovada, tornou-se professora desta universidade, depois daquela. Quanto a mim, além de algum jornalismo, não fiz mais do que algumas ficções, um livro a cada três, quatro anos, bem recebidinhos pela crítica menos pela crítica de Laura. Não que ela jamais tivesse escrito e publicado alguma coisa sobre obra minha. Em primeiro lugar, não era ético, dizia-me. Em segundo lugar, escolhera como especialidade a literatura dos nossos vizinhos, escrita num dialeto — o hispanículo — que arremeda a nossa própria língua. Não é dialeto, é outra língua, dizia-me Laura. Não para mim, dizia-lhe eu. Laura escolhera como tema de sua tese de doutorado um grande romance de Tito Hastaluego, Mistério na montanha. Fez muito sucesso, a tese, no meio acadêmico. Mereceu, inclusive, carta do próprio Hastaluego, escrita naquele vernáculo de circo. Alguns anos depois, Laura dedicou sua licença sabática a uma ampliação da tese. O projeto incluía uma entrevista pessoal com o grande autor. Viajamos juntos para a Vespúcia. Era um país selvagem, e Hastaluego morava na cidade de Sebástol, no meio das montanhas do centro do país. A estada em Sebástol me incomodou: fazia frio, e todos falavam aquela língua que soava aos meus ouvidos
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sabem que eu nunca disse nada, esse tempo todo, escrevi em resposta. Isso não basta? Ela respondeu que era necessário assinar o documento. Recebi os homens no meu chalé, onde morava, no alto da montanha, que aqui também temos montanhas, ainda que de menor estatura. Tentaram matar-me. Consegui fugir. A marca dos tiros ainda se pode ver nos tijolinhos nus da parede da sala. Laura escreveu-me logo a seguir: Tito fora traído por eles, os outros. Não tivera nada a ver com aquela falta de hombredad. Não fiz esforço nenhum para crer nem para descrer. Dez anos depois do assassinato de Hoyos, Tito Hastaluego veio à minha cidade participar de um congresso de escritores. Era autor de fama internacional. Ainda assim, um ano antes fora preterido pela Academia Sueca em favor de um poeta desconhecido das ilhas Tonga. Talvez, para a Academia Sueca, o nebuloso assassinato de Hoyos Sancho ainda pairasse sobre a cabeça de Hastaluego, tornando-o inelegível para o Prêmio Nobel. Laura acompanhou Hastaluego ao congresso, é claro. Ligou para mim, queria um encontro comigo. Chamei-a ao chalé. Ela veio. Estava madura e linda. Beijou-me de leve os lábios. Trazia consigo uma pizza. Metade mussarela, metade quatro queijos. Como nos velhos tempos, disse. E trazia também um documento com espaço para minha assinatura. Passou-me uma caneta. Era uma caneta tinteiro, antiga, folheada a ouro, que achei vulgar; provavelmente presente de Tito. Abri a caixa da pizza. Com a caneta dourada fingi assinar meu nome sobre a mussarela. Laura riu. Agora aqui, disse ela, apontando para o documento. Vi que o texto estava escrito no dialeto inimigo: cada palavra escarnecia de mim. Assinei sem ler. Laura suspirou aliviada. Pronto, agora mistério na montanha 23
acabou. Lá se foi lépida até à porta da varanda. Abriu-a. Tito Hastaluego entrou na minha casa. Trazia um charuto entre os dentes. Levantei-me, o escritor menor diante do grande escritor. Só que eu escrevia numa língua mais nobre, mais sóbria e mais elegante que a dele. Ele era enorme. A barba se tornara grisalha, e o cabelo também. Ficamos ali olhando um para o outro. Ele fumando, eu não. — Nunca li nada teu, — ele disse, lá na língua dele. — Laura disse que não valia a pena. — Também nunca li nada seu, — eu disse, na minha língua. — Laura disse que valia. Ele tirou o charuto da boca. — Por que nunca contaste nada? — perguntou. — Aquilo não me dizia respeito, — respondi. Ele estendeu-me a mão. Eu a apertei. Vi que Laura estava emocionada. — Então acabou, — disse ela. — Acabou, — Tito disse. Olharam para mim, esperando que eu dissesse alguma coisa. Então eu disse: — Só falta uma simples formalidade. — Qual? — Tito disse. Tirei o revólver do bolso do casaco. Era um .32. Vi o susto nos olhos de Tito. Adivinhei-o nos olhos de Laura. — Isso não está no sonho, — Tito disse. — Mas está no texto, — eu disse. E atirei. Ele era enorme. E eu, mesmo sendo um escritor menor, não podia errar. 24 reinaldo santos neves
ar ábia feliz
Sou professor de literatura na Universidade de Anglada. Minha tese de doutorado teve por tema a poesia de John Francis Shade. Foi publicada pela imprensa universitária e, pelo que sei, nunca lida por mais de meia dúzia de leitores. Minhas aulas não costumam seduzir os alunos: não os empolgam os autores que lhes imponho para leitura e estudo; a Jorge Bórgia, por exemplo, declaradamente preferem Tom Plim, que, saudado por colegas meus como um novo Jorge Bórgia, fica, a meu ver, muitos degraus abaixo do mestre tanto em qualidade estilística como em originalidade temática. Tenho cinqüenta e dois anos de idade e quatro de divórcio. No meu aniversário, em agosto, escrevi este poema: Ontem foi o seu aniversário. Comemorou-o diante de uma cerveja morna, 25
num bar de luzes rarefeitas, servido por um garçom de unhas sujas, de punhos puídos, pobre diabo. Sua mulher telefonou, dando os parabéns: agora vive com outro. Depois, diante da televisão, viu um filme de 48, ou 49: seu pai teve um Hillman igual àquele. Sentiu que estava um ano mais velho, mais cansado, mais perdido. A morte lhe mandou um telegrama: por que não veio pessoalmente?
Pertenço à Faculdade de Letras do Colégio Trentino — o nome nada tem a ver com a província italiana de Trento, mas sim com Basílio Trent, homem de negócios que fez fortuna na indústria de porcas e parafusos e fundou o colégio em 1901. Temos uma arcaica organização acadêmico-administrativa que se divide em células chamadas cátedras. Aquele de nós que é eleito catedrático tem direito de vida e morte sobre os demais professores da célula. Sou há quatro anos catedrático de Teoria Literária. Meus colegas elegeram-me em parte por mérito, em parte para suavizar o coice emocional que sofri quando Kátia resolveu trocar-me por um professor visitante de Química Inorgânica. O cargo de catedrático é vitalício: por honra da firma, sou obrigado a ocupá-lo até que a morte venha pessoalmente. Uma semana atrás, era ainda outubro, recebi em minha sala, para audiência previamente marcada, um funcionário graduado do 26 reinaldo santos neves
Arquivo Público Provincial: Dr. Bederich Fell era o seu nome: doutor em Arquivística: com tese defendida em nossa universidade, acrescentou. Era homem baixo e robusto, e usava sobre o nariz óculos de lentes espessas para corrigir acentuada miopia e sobre o crânio uma peruca — que até a mim foi fácil identificar — basta e negra para corrigir acentuada calvície. Trazia, na mão, uma velha e bojuda valise de couro macio, do tipo que já ia saindo de moda, digamos, em 1948, 49. Eis o verdadeiro saudosista, pensei de mim para mim. O Dr. Fell sentou-se à minha frente e depositou a valise, com carinho paternal, sobre os joelhos. Depois cofiou a gravata borboleta e coçou os suspensórios, para, deduzi, chamar minha atenção para esses elementos de sua indumentária, e começou a esquiar por entre algumas amenidades: mencionou as saudades que tinha da instituição, dos professores com quem aprendera tudo que sabia, até mesmo dos gatos que, em sua época, antes do grande massacre, percorriam todo o campus como ícones. Depois dessa demonstração de nostalgia que lhe pôs marejados, por trás das lentes, os olhos sentimentais, entrou subitamente, sem fazer parágrafo, no assunto que o soprara até à minha sala. E o assunto era a própria valise — para minha decepção, pois me agradara ver ali um objeto de uso pessoal e cotidiano do Dr. Fell, como a gravata borboleta, como os suspensórios. Mas não: fora encarregado, e por isso estava ali, da missão de transferi-la aos cuidados da nossa Faculdade de Letras. Como bom arquivista, confiava cegamente no texto impresso, sobretudo se impresso em papel timbrado: estendeu-me uma correspondência oficial do mordomo (é assim que, por tradição centenária, se denomina em Anglada o diretor do Arquivo Público), correspondência que acompanhava a valise, arábia feliz 27
ou melhor, que a valise acompanhava. Lendo, fiquei ciente de que no ano de 1960 uma pessoa anônima depositara a valise no vestíbulo do Arquivo, com a expressa recomendação de só se abrir daí a quinze anos. Anexo à correspondência do mordomo vinha a cópia fotostática, devidamente autenticada, de um cartão em que se lia, em letra miúda e estreita: “Para ser aberta de hoje a quinze anos.” Abaixo, em caligrafia feminina, alguém acrescentara: “Recebida em 24 de março de 1960, às 10:38h”. Nesse ponto o Dr. Fell içou de sobre os joelhos a valise e apontou para o original do cartão, imiscuído numa espécie de bolso de plástico afixado a um dos flancos da valise. Dali meu olhar saltou para o calendário que mantenho em dia sobre a mesa. Não havia engano: não estávamos em 1975, mas em 1992. O Dr. Fell respondeu ao meu pensamento: — Perdoe-nos, professor. A valise foi armazenada no porão do Arquivo e ninguém mais se lembrou dela até à semana passada. Aí é que percebemos que já havia expirado o prazo estabelecido pelo doador. Então abrimos a valise e verificamos que o conteúdo consistia de documentos literários: documentos poéticos. O que há aqui são velhos manuscritos de poesia, e poesia, lamento dizer, professor, está fora da nossa jurisdição. Por isso é que nos pareceu indicado transferir a vocês literatos o encargo de avaliar esta documentação e decidir o destino que se deve dar a ela. Imaginei o constrangimento dos arquivistas diante da descoberta da valise, ainda fechada e intacta, trinta e dois anos depois da estranha doação: imaginei-os abrindo a valise; achando ali dentro apenas velhos manuscritos de poesia; fechando de novo a valise como médicos 28 reinaldo santos neves
darsu nisque
1 Éramos em seis os convidados para jantar aquela noite de sábado em casa da Sra. Mór, em Arcadélfia. Éramos em sete à mesa, contando a Sra. Mór. Que ocupava, anfitriã, a cabeceira, de onde, ao dirigir-se ela a todos nós, seu olhar varria-nos como o facho de luz de um farol: ora os três de nós à direita, ora os três de nós à esquerda, para voltar depois aos três da direita e assim indefinidamente. Não havia mais nenhum Sr. Mór, a não ser numa pintura a óleo que pendia austera de uma das paredes da sala de estar. A Sra. Mór ficara viúva alguns anos antes. Não era idosa. Andava em seus cinqüenta e cinco anos, não mais, e boa parcela ainda remanescia da grande beleza que tivera aos vinte e até mesmo aos quarenta e cinco; a beleza que levara o Sr. Mór, septuagenário convicto, a casar-se com ela. Era bela ainda, portanto, e sempre fiel, contudo, ao marido morto; fidelidade que, assumida no dia das bodas e cultivada ao longo do 139
casamento, florescera na viuvez como frondosa tília de belas flores roxas cabisbaixas. Uma das inocentes diversões da Sra. Mór em sua estação de viuvez era o alpinismo; uma queda, ao tentar, pela primeira (mas não última) vez, escalar o monte Leque, tinha-lhe deixado cruas mas honrosas cicatrizes no braço, onde sofrera fratura exposta. Outra era manter e expandir a biblioteca do marido, uma biblioteca especializada, contendo milhares de volumes que tratavam, sob a forma tanto de ciência como de ficção, de um só tema: o crime. Uma terceira era reunir em jantares mensais os três amigos que herdara do marido: o médico, o advogado e o secretário. Esses jantares tinham algo de ritualístico: a cada um desses amigos cabia trazer consigo, a cada mês, um convidado especial. Aos convidados especiais, por sua vez, cabia, em troca da honra e do prazer de jantar em casa e em companhia da Sra. Mór, contar uma história. Não uma história qualquer: uma história de mistério. O secretário do Sr. Mór era um homem de cerca de cinquenta anos chamado Fernando Cardim. Fôramos, ele e eu, na remota década de 60, colegas da Faculdade de Letras da Universidade de Sombor, onde Cardim granjeou fama de excêntrico porque levava o guardachuva, a que adaptara uma alça, atravessado às costas como um fuzil. Havíamo-nos encontrado por acaso no começo da semana no vagão de fumantes de um expresso que vinha para Arcadélfia. Não nos víamos há duzentos anos, mas não tínhamos mudado muito. Ele me reconheceu apesar de trazer uma barba, eu o reconheci apesar de trazer o guarda-chuva na mão como um cetro. O encontro foi caloroso: em Sombor fôramos amigos desses que gostam um do outro, 140 reinaldo santos neves
Não tive tempo para muito bulir nos livros, porque a Sra. Mór queria começar a sessão de histórias. Sentou-se à escrivaninha do marido. Havia, espalhadas num meio círculo à frente da escrivaninha, seis poltronas, onde nos acomodamos nós: os convidados especiais da noite e seus respectivos padrinhos. Ao fundo, a Srta. Reis sentou-se numa cadeira com lápis e caderno nas mãos. Talvez lhe coubesse fazer anotações taquigráficas para redigir uma ata.
2 Teresa Leme contou a história de um mistério que sobreviera a um tio de seu falecido marido. A história ocorrera nos anos 40, em Esquilstuna, e desde então fazia parte da mitologia familiar. Era uma história simples que soara talvez melhor nos anos 40: talvez estivesse agora envelhecida de tanto que a contaram vários membros da família ao longo de três gerações. O tio em questão, um certo Gabriel Galbray, de Agram, fizera com um sócio uma viagem de negócios a Esquilstuna. Hospedaram-se no Hotel Rei Olavo, que por sinal, disse Teresa Leme, nem existe mais. Dividiram um mesmo apartamento no quarto andar, por questões práticas e econômicas. Era começo de noite quando, terminadas as formalidades na recepção, subiram para o apartamento, que ficava solitário no fim do corredor, dobrando-se à direita. Ali tomaram um banho e vestiram-se adequadamente; dali desceram ao restaurante para jantar. Galbray era homem tímido que, aos vinte e sete anos, nunca se havia relacionado com uma mulher; o que me fez lembrar de meu amigo Cardim, que estava a caminho do casamento porque beijara darsunisque 145
na boca a Srta. Reis. Jorge Bentley Smith, o sócio de Galbray, pelo contrário, era o que se chama um incorrigível mulhereiro; o que me fez lembrar de mim e de minhas cinco esposas e duzentas e cinqüenta e seis amantes cujas histórias registrei em dezoito volumes de um diário secreto que penso publicar um dia. Da mesa, contou Teresa Leme, Bentley Smith aproveitou, enquanto comia, para flertar com uma mulher sentada sozinha a uma mesa próxima. Após o jantar, deu logo um jeito de abordá-la. A moça se chamava Margaret e, por coincidência, Smith, mas de uns Smiths obscuros de Bratislava. Era, por — considerando a época — incrível que pareça, jornalista de profissão, e estava em Esquilstuna por conta de uns quíntuplos nascidos na cidade aquela semana. O calor que fazia aquela noite levou a saírem à varanda e sentarem-se ali os dois sócios e a jornalista. Smith e a moça estavam por demais ocupados um com o outro para prestar muita atenção a Galbray, de modo que ele, depois de dez minutos de constrangimento, resolveu retirar-se. O sócio mal respondeu ao seu boa-noite. A moça é que lhe sorriu, agradecida por poupá-los de sua presença. Aconteceu, porém, para desagrado dela e de Smith, que Galbray voltou logo depois à varanda, e em momento muito pouco oportuno, pois sua chegada interrompeu um longo e úmido primeiro beijo trocado entre Smith e a moça. E voltou tão atônito que nem pediu desculpas pela interrupção. Tomando pela mão o sócio, que tentava limpar os lábios com um lenço, quase o arrastou até o meio do jardim. O que há, disse Smith, contrariado mas paciente: gostava de Galbray, apesar de sua timidez e de uma certa ingenuidade pueril que, porém, não prejudicavam os negócios. Galbray replicou: O que há? O que há é 146 reinaldo santos neves
A Sra. Mór ficou em silêncio, e os demais também. — Creio, — acrescentei, — que o nome de Paulius foi mencionado naquela noite. Não sei como, nem por quê, nem por quem. Talvez Jonas, incitado pelo destino, pode ter cedido à tentação de tentar a mulher. Pode ter dito apenas isso: Vi os irmãos Tautavicius no restaurante. Marta, em vez de contornar o perigo, preferiu, incitada também pelo destino, confrontá-lo. Era mulher forte e honesta. Talvez tenha dito: Eu soube por eles que Paulius está bem. Talvez tenha sido assim, talvez tenha sido de outro modo. Mas não foi preciso mais do que a menção do nome proibido para desencadear a tragédia. — E, dirigindo-me ao advogado: — Sim, Sr. Katiliskis, um nome pode ser uma coisa muito perigosa. Raoul, Paulius, tudo depende do contexto. Mas basta que seja pronunciado, e sempre será, para se consumar a inevitável tragédia. Porque é assim que está escrito e não de outra maneira.
5 Mais tarde, mal o táxi deixara a propriedade da Sra. Mór, Cardim perguntou: — Você inventou aquela história de Raoul de Cambrai? — Acho que não, — respondi. — Há muito tempo li um excerto da canção numa antologia de textos medievais franceses. O excerto não abrangia a cena da morte de Bernier às mãos do sogro, mas uma nota de rodapé revelava o desfecho da história. Anos mais tarde, por alguma razão, procurei na internet uma versão completa do poema. Só encontrei uma tradução inglesa em prosa, sem introdução nem notas de espécie alguma. Procurei ali a passagem, mas não achei. darsunisque 167
No final da história, Bernier e Guerri uniam-se para enfrentar um rei prepotente: quase um happy end. Ocorreu-me que talvez o texto não estivesse completo, mas não havia informação nenhuma a respeito. Ou, como essas canções têm várias versões, talvez essa fosse uma versão diferente da que lera na antologia. — Ou talvez você a tenha inventado mesmo, — disse Cardim. — Talvez, — concordei. — Quanto a mim, desisti de casar, — disse Cardim. — Quer ficar com isto? — E ofereceu-me o cartão postal que recebera da Srta. Reis: a não mais futura Sra. Cardim. Em meu apartamento, antes de dormir, examinei o cartão postal. Havia uma foto em sépia mostrando um lúgubre cenário de inverno com três árvores em primeiro plano deitando sombras sinistras sobre a neve. Sob a foto, à guisa de legenda, havia três versos em italiano de um poeta desconhecido para mim: Pascoli. Dal bosco morto viene un infinito rombo nel gran silenzio sonnolento, tra le sue rame odi um ansar di vita...
No verso do cartão, numa letra miúda em nanquim, o remetente escrevera a uma mulher chamada Mary, na ortografia de início do século: “Vês esta paisagem? Achas linda? Talvez seja, pois muitas vezes os quadros tristes encerram em si grande beleza! E este que te ofereço é imensamente triste! Essas sombras... essa neve... esse silêncio... tudo, enfim, demonstra a melancolia e a tristeza desse local tão deserto. Mas... como há semelhança entre essa paisagem e a minha 168 reinaldo santos neves
pobre alma! Sim, pois sombria é a minha alma, tão sombria quanto a solidão desse lugar... Em torno de mim tudo é frio, deserto, escuro, como esse recanto melancólico e desolado... E a tristeza que me invade a alma assemelha-se à que, pairando sobre esse cenário tão morto e silencioso, dá-lhe um quê de beleza que comove! A diferença única é que a tristeza de minha pobre alma não sensibiliza a ninguém...” Estava assinado William. Senti-me um tanto melancólico. Sensibiliza, sim, pensei. Sensibiliza a mim. Sensibiliza-me porque, Jonas e Marta, William e Mary, Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, todos os grandes amantes da pobre e patética história humana, todos passaram, assim como passou também a neve que cobre o morto e silencioso cenário da foto.
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emma veras (née lilienkr antz)
Éramos quatro amigas de faculdade reunidas para um chá em casa de Dora Nuncmaier depois de sete ou oito anos sem pouco ou nada nos vermos. O retorno de Adèle Fitz à cidade natal — sua e nossa — motivara o encontro. Adèle fora a única de nós que saíra de Arcadélfia. Passara várias temporadas em diferentes locais e em diferentes casamentos e agora estava de volta ao ponto zero de partida: sem nada, sem ninguém, mas sempre Adèle. Falamos de filhos, de maridos, de casa, de dieta, de trabalho, de viagens e de mortes em família. Quando veio um cansaço da ginástica de falar e dos assuntos abordados, calamo-nos para, suponho, uma tomada de consciência. Então Adèle perguntou: Bem, já vi que estão todas muito bem casadas, mas e o amor, como é que vai? Encontraram o grande amor de suas vidas?
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Era por isso que não gostávamos dela. Não por inveja de ela ter vivido mais e melhor que nós, embora isso também contasse, mas, principalmente, pela vocação que trazia de nascença e que exercia de costume: a vocação de pousar o dedo nas feridas alheias e pressionar fundo. Não gostávamos dela, nunca tínhamos gostado; no entanto, ali estávamos, suas amigas, reunidas em nome de nossa amizade por ela. Não éramos capazes de agir diferente, e também isso contribuía para a sensação desagradável que tomava conta de nós na presença de Adèle. Encontraram o grande amor de suas vidas? Sim, dissemos todas que sim, que claro que sim, que certamente que sim. Adèle então: E quem foi esse grande amor? Dora e Judite deram os nomes dos maridos e eu, sem nem parar para refletir, dei o do meu. E perguntei: E quanto a você? Foi um de seus maridos ou um de seus amantes? Ela disse: Dia desses vi um filme na televisão. O personagem é um velho vaqueiro do Arizona ou do Novo México e está conversando sobre mulheres e amor com alguns rapazes. E conta que, quando jovem, passando por um rancho no meio de um deserto, viu uma mulher estendendo roupa num varal. O sol estava se pondo no horizonte e os raios colhiam a mulher em cheio. Ele parou para contemplar aquela cena em que a mulher, mais que o sol, era a figura principal. Aí um dos rapazes pergunta: O que você fez então? O velho vaqueiro diz: Esporeei o cavalo e fui embora. O rapaz se surpreende: Foi embora? Foi embora sem nem falar com ela? Mas ela podia ter sido a mulher de sua vida! E o velho vaqueiro diz: E foi. Judite riu, como se tivesse ouvido uma história engraçada. Adèle disse: Não ria não, querida. Quem sabe algo parecido possa acontecer
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com você — ou com todas vocês? Quem sabe já até aconteceu — e vocês nem se deram conta do significado da coisa? Dora disse: Então você não encontrou o grande amor de sua vida? Adèle disse: Não. E, se encontrar, espero ter presença de espírito para esporear o meu cavalo e ir embora sem nem olhar para trás. * Quando conheci o professor e poeta Floriano Druso eu era noiva do meu atual marido. Ficou na lembrança aquela noite meio chuvosa. Eu tinha aula com o professor Paulino Santelmo e surpreendeu-me saber que ele convidara um poeta para conversar conosco naquela noite. Eu faltara à aula anterior e não sabia de nada: do contrário, nem me teria dado o trabalho de ir à faculdade só para assistir a uma sessão de vaidade literária. Mas Floriano Druso mostrou ser uma pessoa sofrivelmente agradável — e até espirituosa e bem-humorada. A aula passou mais depressa do que habitualmente passava sob a dura e desafinada regência de Santelmo. Se Druso me impressionou? Nem um pouco. Não me impressionou nem como poeta nem como homem. Eu estava apaixonada por Leonardo Veras, meu noivo, Léo — ou achava que estava (o recorrente auto-engano das mulheres). Mas poeta nenhum era meu fraco e, como homem, Druso não passava de um louro magrelo e mal vestido, de cabelo revolto e olho arregalado. Ele impressionou, sim, Regina Vagem, uma colega minha: já lera um livro de Druso antes, como fez questão de anunciar, e, sentada lá na frente, não tirou olhos e ouvidos das palavras dele, e tantas perguntas 172 reinaldo santos neves
heródoto, iv, 196
Naquela noite de outono estávamos acomodados cada qual em sua poltrona de um e de outro lado da lareira. Meu amigo ia mergulhado na leitura do seu jornal vespertino e eu, na dos meus próprios pensamentos. Daí a pouco já eu não tinha mais o que ler e, erguendo-me, fui catar à estante algum livro que me entretivesse. Passando o olho por uma das prateleiras, estranhei ali a presença de um volume que nunca vira antes. — Holmes, — exclamei. — Não sabia que tínhamos um par de Heródotos. Holmes baixou o jornal sobre os joelhos para responder: — Na verdade, Watson, tínhamos realmente um só. O outro, que lhe chamou a atenção, encontrei ontem ao remexer os arquivos de velhos casos. Esse exemplar é uma das peças de evidência do caso Trask. Achei, porém, que, sendo antes de tudo um livro, deveria 201
estar entre os de sua espécie, e por essa razão juntei-o aos outros. Ou talvez quisesse escondê-lo e, seguindo os ensinamentos de Monsieur Dupin, meu precursor e meu rival, escondi-o em nossa estante. O que não funcionou, porém, com você. — Nem poderia, — retruquei. — Conheço todos os livros que habitam esta estante; sei-lhes de cor os títulos, os nomes dos autores, a posição na prateleira, quem sabe até os editores e o ano de edição. — Você é um verdadeiro catálogo humano, — disse ele. — Sem dúvida, — disse eu. — Mas diga-me, Holmes, o que o levaria a esconder esse livro? O caso Trask, de que falou, estará entre os seus inúmeros fracassos? Holmes não se agastou com a minha ironia, sinal de que estava de muito bom humor. — Oficialmente, talvez, — disse ele, — conte como fracasso, e a alguns integrantes da Yard imagino que dê prazer declarar, de vez em quando: “Mas o caso Trask ele não solucionou”. Mas o que há é que esse caso passa, tanto em sua origem como em seu desfecho, por questões éticas, e ética é uma coisa perigosa como fogo: se não queima, chamusca. E às vezes bate-me a dúvida: terei saído chamuscado desse caso? — Acho que você precisa contar-me essa história, — instiguei. — Com a condição, — disse ele, — de que não a dê ainda a público. Espere até que eu esteja permanentemente a salvo do leviano julgamento dos fariseus. Voltei a sentar ao pé do fogo e Holmes contou-me, então, a história do caso Trask. Relembro com carinho essa noite de outono, vinte
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— Chamo-me Sherlock Holmes. — O nome não causou no outro a menor perturbação: era óbvio que andava há muito tempo fora do país e não acompanhava a crescente fama de meu amigo nos anais do crime. — Por acaso estava à minha procura? — disse Bascom. — Sim, — disse Holmes. — Vim devolver-lhe algo que deixou na casa de um amigo. E mostrou-lhe a cópia das Histórias que pertencera um dia a Henry Trask. O homem empalideceu. Quis dizer alguma coisa, mas os lábios tremeram-lhe. Estendeu a mão, tomou o livro, folheou-o, até vê-lo aberto àquelas únicas páginas que Holmes jamais lera de Heródoto. De um lado, as informações sobre os animais da Líbia, sobre as mulheres dos zaueques, sobre os melífluos gizantes, sobre o lago de Cirauis, de cujo fundo as virgens da ilha retiram ouro em pó usando varas com penas de pássaro untadas de piche. Do outro, as informações sobre o comércio entre os cartagineses e os nativos da Líbia Ocidental. — Chama-se a essa antiga prática de comércio mudo, — disse o homem. — Heródoto, é claro, foi o primeiro a registrá-la, mas não foi o único. Massoud, escritor árabe do século x, escreveu que em seu tempo esse tipo de comércio ainda persistia a sudeste de Marrakech. O italiano Luigi Cadamosto, explorador do século xv a serviço dos portugueses, soube dele através de contato com comerciantes árabes e berberes, que trocavam ouro por sal. Chamava aos nativos negros do ouro. — E ainda persiste em nosso século, — disse Holmes. — Sim, — confirmou Bascom. — Já não se faz próximo ao litoral, mas no deserto, e poucos conhecem o caminho até a terra dos negros do ouro. Trask e eu queríamos encontrá-los, para comerciar com heródoto, iv, 196 215
eles, mas durante alguns anos nossos esforços foram inúteis. Quando finalmente os encontramos foi por acaso. E estávamos em tal situação de penúria que já não tínhamos mais mercadorias para oferecer em troca do ouro. Bascom fez um silêncio. — Nada a não ser um de nós mesmos, — acrescentou ele, os olhos postos no horizonte. Holmes estremeceu. Bascom murmurou: — Estou aqui me despedindo da velha paisagem inglesa. Acho que nunca mais a verei. — O que aconteceu naquele maldito deserto, Mr. Bascom? — perguntou Holmes. — Na verdade o pobre Trask não teve culpa de nada, — disse Bascom. — Fui eu que sugeri que enganássemos os nativos. Sugeri que eu mesmo fosse oferecido como mercadoria. Depois seria simples levarmos o ouro embora e também a mercadoria. Os negros não nos perseguiriam: não se afastam de seu território. Foi isso que sugeri, e assim fizemos. Tornei-me artigo de mercadoria, Mr. Holmes. Os negros vieram, apalparam-me, olharam-me os dentes. Gostaram do que viram. Deitaram ao meu lado uma boa quantidade de ouro. Mas Trask, como bom mercador, não tocou na primeira oferta. Seguiu-se outra, e uma terceira. Um ser humano não tem preço, Mr. Holmes, mas tínhamos de aceitar o que pudéssemos levar em nossos dois cavalos. Duzentas e cinqüenta libras de ouro, Mr. Holmes. Uma fortuna. — E Trask levou o ouro e deixou a mercadoria, — Holmes disse. — Não o culpo, — disse Bascom. — Não o fez por ganância. Foi, sim, invadido por um profundo sentimento ético. Bascom, meu amigo, 216 reinaldo santos neves
ele me disse; não podemos romper uma tradição que remonta aos tempos de Heródoto; por isso você deve ficar aqui. Eu disse: Por que não fica você? Ele disse: Eu ficaria de bom grado, mas a mercadoria que estamos vendendo é você e não eu. Não me convenci. Foi-lhe preciso submeter-me e manietar-me antes de abandonar-me ali sozinho. Na hora o desespero me impediu de raciocinar. Com o tempo, no entanto, vi que tinha toda a razão. — Por que simplesmente não renunciaram ao ouro? — perguntou Holmes. — Que absurdo, Mr. Holmes, — disse Bascom. — Trata-se de um comércio mudo. Como explicar, sem palavras, uma atitude incongruente dessas? Holmes não respondeu. — Fiquei entre eles durante vinte anos, — disse Bascom. — Tudo que tinha comigo era este exemplar de Heródoto, que Trask teve a delicadeza de me legar. — Se é como o senhor diz, — Holmes disse, — se não havia mais nenhum rancor, por que a necessidade de vingança? — Mr. Holmes, — disse Bascom. — O senhor ainda não entendeu. Eu não voltei para vingar-me. Não havia do quê. Voltei, sim, para ver o meu amigo, e tranqüilizá-lo. Algo me dizia que, apesar da justificativa ética para o seu gesto, ele não se perdoaria o que fez comigo. Vim para perdoar-lhe. Vim para dizer-lhe que fui feliz durante os vinte anos que passei entre os negros do ouro. Eles são muito, sim, são muito éticos, e mesmo um escravo entre eles tem seus direitos e suas vantagens, e até mesmo suas regalias. Vim também para devolver-lhe a cópia de Heródoto, que afinal de contas era dele e não minha. heródoto, iv, 196 217
— Então ele se matou, — disse Holmes. — Lamento dizer, — disse Bascom, — que a minha visita foi pesada demais para o meu amigo. Meteu uma bala na cabeça à minha frente. Deus se apiede dele. Não resistiu ao meu perdão. — Tem certeza de que foi isso, Mr. Bascom? — disse Holmes. — Confesso, — disse Bascom, olhando para Holmes de modo penetrante, — que me passou uma dúvida pela cabeça: se Trask me entregara aos nativos por uma questão de ética ou de ganância. Creio que ele próprio talvez nunca tenha sabido ao certo: talvez tenha vivido anos na agonia dessa dúvida. Mas isso é especulação. Prefiro pensar que foi ética e não ganância que o fez fazer o que fez. Bascom pigarreou. — Há muito tempo não falo tanto, — disse ele. — Nosso comércio, Mr. Holmes, entre o senhor e mim, está longe de ser um comércio mudo. Holmes ignorou a observação. E disse: — Presumo que o senhor tenha vindo com a permissão de seus senhores. — Sim, com a condição de que eu retorne, — respondeu Bascom. — Que é o que vou fazer. Parto hoje à noite no Gloria Dawes. A menos que — Holmes ergueu-se. — Tenha uma boa viagem, Mr. Bascom, — disse ele. — Obrigado, — disse Bascom. — Realmente seria uma grande decepção se eu não voltasse. Ou não. Pensariam que eu morrera na viagem.
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E estendeu o livro para Holmes. Holmes hesitou. Bascom disse: — Não preciso mais dele, Mr. Holmes. Vinte anos é tempo bastante para memorizar até mesmo um Heródoto. Holmes aceitou o exemplar do livro. E é por isso que temos dois Heródotos em nossa estante.
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sobre mim mesmo Nasci em Vitória, ES, em 3 de dezembro de 1946. Graduei-me em Letras (Português e Inglês) pela Ufes (1968). Fui servidor técnico da Ufes (1970-2012) e hoje sou escritor residente da Biblioteca Pública do Espírito Santo. Publiquei os romances Reino dos medas (1971), A crônica de Malemort (1978), As mãos no fogo: romance graciano (1984, com data de 1983), Sueli: romance confesso (1989), Kitty aos 22: divertimento (2006), A longa história (2007), A ceia dominicana: romance neolatino (2008) e dois dos três volumes de A folha de hera: romance bilíngüe (2011 e 2012). Publiquei também poesia (Poema graciano, 1982, e Muito soneto por nada, 1998), contos (Má notícia para o pai da criança, como encarte do jornal A Gazeta, 1995), a novela A confissão (1999) e literatura para crianças (dois títulos da série Crinquinim). Em vias de publicação, Dois graus a leste, três graus a oeste, “crônicas em folhetim” tendo como tema central o jazz, texto premiado em 2012 no edital de literatura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo. Já estes nove contos de Heródoto, IV, 196 não foram contemplados no Prêmio Paraná de Literatura de 2012. Sim, se alardeamos os prêmios que nos foram concedidos, por que não alardear também os que não foram?
Este livro foi composto em Minion Pro corpo 11,5pt e impresso em papel pólen soft natural 80g/m² pela GM Gráfica e Editora para Editora Cousa e Instituto Phoenix Cultura em novembro de 2013
O autor na berlinda
O autor na berlinda R EINALDO SANTOS NEVES
Dannie Richmond para Charles Dannie Richmond haverá de saberpara lê-losCharles em Mingus, cademia Sueca, o nebuloso assassinato deMingus, Hoyos leitores, mas quem
prestes a desistir de tocar tempos de ignorantismo e de céu prestes a desistir de tocar encoberto? em night-clubs porque ninguém estava Esperemos fervorosamente que alguém o saiba. [...] a fim de ouvir: Faz isso não, a fim de ouvir: Faz isso não, A ceia dominicana é uma fábula cheia de peripécias, o Prêmio Nobel. ■ GostariaMingus. de ter Olha alguma lá nodúvida fundo: Mingus. Olha lá no fundo: na ação e na linguagem. [...] Mais uma obra-prima tem um cara lá que está ouvindo. tem um cara lá que está ouvindo. de acordo com a evidência de que disponho, não
night-clubs porque ninguém estava airasse sobre a em cabeça de Hastaluego, tornando-o
ntos neves
rei
desse imenso naufrágio que é a literatura brasileira. o ter dúvida nenhuma de que seu pai não é o autor [Guia da Folha, São Paulo, 2008-12-19.] Paulo uma Bentancur Paulo Bentancur ■ Somos família de suicidas. É a nossa parti-
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HER
melhor, a nossa vocação. suicidas por voca- Joca Reiners Reinaldo Santos NevesSomos é o autor dessa aventura ReinaldoTerron Santos(2) Neves é o autor dessa aventura [A longa história]. E autor a ser imediatamente
[A longa história]. E autor a ser imediatamente
de Irene Sakalauskiene que quero falar aqui; mas Outro Reinaldo importante é Reinaldo Santos examinado. [...] Não só pelos leitores em geral examinado. [...] Não só pelos leitores em geral Neves[...], ou Reinaldo Santos Never, tamanha a lher natural dessa triste cidade queque é Darsunisque: [...], mas também pelos críticos, salivam mas também pelos críticos, que salivam maldição desse capixaba que permanece exilado ■ diante do nonsense, dos enigmas de carteirinha, diante do nonsense, dos enigmas de carteirinha, ■ Mas não cabe aqui registrar as aventuras eróticas em sua própria genialidade lá pras bandas de
os
ou dos regionalismos revigorados por uma batida
■
ou dos regionalismos revigorados por uma batida
H E R Ó D O T O, I V, 1 9 6
Vitória (o que não deixa de ser irônico); autor de e Best vários leitos franceses que compartimaispelos nervosa (contribuição da doença urbana), mais nervosa (contribuição da doença urbana), e viram as costas quando o projeto narrativo
romances de alto nível de faturaoeprojeto experimentação e viram as costas quando narrativo
única e longa história, espinha dorsal a costurar
Neolatino outros, Santosdorsal Nevesa écosturar única(2008), e longaentre história, espinha
Em Vitória, Espírito Santo. [...] Entretanto, os
da Literatura Brasileira (parte III),[...] Blog da Em Vitória, Espírito Santo. Entretanto, os
n Khatchatourian. Cabe registrar aqui, sim, o des- tais como As Mãos no Fogo (1984), A Longa de alguém pretende – onde já se viu!? – contar de alguém pretende – onde já se viu!? – contar (2007) dezenas e A Ceiadelas, Dominicana: Romance renço Tristrão, segundo relato de Diana Mórote História histórias, dezenas delas,o interligadas por uma histórias, interligadas por uma
idados especiais, por sua vez, cabia, em troca da sempre temerário ao exigir inteligência demasiada os incidentes de uma missão quase impossível. os incidentes de uma missão quase impossível. [Amaldicionário er de e em de companhia da Sra. Mór, do leitor [...]jantar Assimem se casa faz ficção Primeiro Mundo. [...]contemporâneo. Assim se faz ficção de Primeiro Mundo.
ória. Não uma história qualquer: uma história de Companhia, 26 de abril 2011, 7:57 pm.]. cadernos “culturais” (a cultura do mercado ou a cadernos “culturais” (a cultura do mercado ou a Adèle perguntou: Bem, já vi seja que acadêmica, estão todas seja muito cultura de uma tendência, a cultura de uma tendência, seja acadêmica, seja a dos “transgressores”), desconfio, vão dedicar-se
dos “transgressores”), desconfio, vão dedicar-se
s e o amor, como é que vai? Encontraram o grande Alfredo Augusto Rabello Leite ao que já lhes é familiar e sempre acaba como ao que já lhes é familiar e sempre acaba como das?pauta. ■ O crítico que sempre quis [...] Seutorna-se romance,aquilo sob diversas óticas (essa pauta. [...] Seu romance, sob diversas óticas (essa
discussão recém começa), está muitos pontos acima da literatura brasileira contemporânea. am.Razão ■ Havia orifício de balapoderá em suanão têmpora pelaum qual, infelizmente, ser notado com a merecida atenção que lhe devem lver jazia no chão, ao sopé da cadeira. Sobre a mesa, os críticos de plantão ou os leitores onívoros. A s, havia um livro aberto, julgar mesmo por excelência muitas vezesque, é umaentrave. [A Idade Média na literatura contemporânea brasileira, ono da casa estivera lendo pouco antes de morrer. Rascunho, Curitiba, novembro de 2007, p. 3]
Como se explica, pois, o silêncio escandaloso discussão recém começa), está muitos pontos acima da literatura brasileira contemporânea. Malemort e Tristão e Iseu? Eu me pergunto Razão pela qual, infelizmente, poderá não ser e concluo: de duas, uma: ou porque a crítica notado com a merecida atenção que lhe devem não leu esses livros, ou porque os leu. os críticos de plantão ou os leitores onívoros. A [Convivium n. 6, São Paulo, 1984, p. 491.] excelência muitas vezes é um entrave. [A Idade Média na literatura contemporânea brasileira, Rascunho, Curitiba, novembro de 2007, p. 3] José Carlos Oliveira
z própria, e não satélite que reflete a luz das estre- que cercou o aparecimento de A Crônica de
r das Histórias de Heródoto de Halicarnasso. Joca Reiners Terron (1)
Meio esquecido lá em Vitória qual um Robinson Crusoé, Santos Neves não desiste e continua a mandar seus primorosos sinais de fumaça aos
Reinaldo Santos Neves, escritor da cabeça Joca Reiners Terron (1) aos sapatos. [...] Excelente leitor, confrade, aberto ao inaudito. [Diário selvagem, Meio esquecido lá em Vitória qual um Robinson Civilização Brasileira, 2005, p. 499.] Crusoé, Santos Neves não desiste e continua a mandar seus primorosos sinais de fumaça aos
O autor na berlind O autor na berlinda
o santos neves
R EINALDO SANTOS NEVES
Dannie Richmond para Charle prestes a desist em night-clubs porque ningu Dannie Richmond para Charles Mingus, Talvez, para a Academia Sueca, o nebuloso assassinato de Hoyos cademia Sueca, o nebuloso assassinato de Hoyos a fim de ouvir: Fa prestes a desistir de tocar Mingus. Olha lá Sancho ainda sobre night-clubs porquepairasse ninguém estavaa cabeça de Hastaluego, tornando-o airasse sobre a em cabeça de Hastaluego, tornando-o tem um cara lá que est a fim de ouvir: Faz isso não, inelegível o Prêmio Nobel. ■ Gostaria de ter alguma dúvida o Prêmio Nobel. ■ Gostaria de para ter Olha alguma Mingus. lá nodúvida fundo: tem um cara lá que está ouvindo. a respeito. Mas, de acordo com a evidência de que disponho, não de acordo com a evidência de que disponho, não
Paulo Bentancur
nem ter édúvida o ter dúvida nenhumatenho de que seuposso pai não o autornenhuma de que seu pai não é o autor
O T O, I V, 1 9 6
rei
Paulo uma Bentancur Feliz. Somospartiuma família de suicidas.Reinaldo É a nossaSantos parti-Neves é o autor dessa a ■ Somos famíliadedeArábia suicidas. É a■nossa
[A longa história]. E autor a ser imediata
HER
cularidade. Ou melhor, a nossa vocação. Somos suicidas por vocamelhor, a nossa vocação. Somos suicidas por vocaReinaldo Santos Neves é o autor dessa aventura examinado. [...] Não só pelos leitores em
[A longa história]. ção. a sernão imediatamente mas também ■ Mas é de aqui; Irenemas Sakalauskiene que quero[...], falar aqui; mas pelos críticos, que sal de Irene Sakalauskiene que quero falar o nt o[...] sNãoE ■autor examinado. só pelos leitores em geral diante do nonsense, dos enigmas de cart
de outra bela natural dessa triste cidade que Darsunisque: lher natural dessa triste cidade quemulher é Darsunisque: [...], mas também pelos críticos, que salivam oué dos regionalismos revigorados por u
diante do nonsense, dos enigmas de carteirinha, ou dos regionalismos revigorados por uma batida e viram as costas quando o projeto narr de Diana Mórote pelos vários leitos franceses compartie Best vários leitos franceses queBest compartimaispelos nervosa (contribuição da doença urbana), deque alguém pretende – onde já se viu!? – e viram as costas quando o projeto narrativo histórias, dezenas lhouregistrar com Lucien Cabe registrar aqui, sim, o des- delas, interligadas por n Khatchatourian. Cabe aqui, Khatchatourian. sim, o desde alguém pretende – onde já se viu!? – contar única e longa história, espinha dorsal a tinoode José de Lourenço Tristrão, segundo o relato de Mórote renço Tristrão, segundo relato Diana Mórote histórias, dezenas delas, interligadas por uma os Diana incidentes de uma missão quase imp única e longa história, espinha dorsal a costurar [...] Assim se faz Aoscabia, convidados especiais, por sua vez, cabia, em troca daficção de Primeiro Mu idados especiais, porBest. sua ■vez, em troca da os incidentes de uma missão quase impossível. Em Vitória, Espírito Santo. [...] Entretan ePrimeiro do prazer jantar da Sra. Mór, (a cultura do merca er de ehonra em de companhia dadeSra. Mór,em casa e em companhia [...]jantar Assimem se casa faz ficção Mundo. cadernos “culturais” Em Vitória, Espírito Santo.uma [...] Entretanto, os uma história qualquer:cultura de umade tendência, seja acadêmi contar Não uma história ória. Não uma história qualquer:história. uma história de cadernos “culturais” (a cultura do mercado ou a dos “transgressores”), desconfio, vão de mistério. ■ Então perguntou: Bem, já vi que estão todas muito Adèle perguntou: Bem, já vi seja que estãoAdèle todas seja muito cultura de uma tendência, acadêmica, a ao que já lhes é familiar e sempre acaba dos “transgressores”), desconfio, vão dedicar-se pauta. [...] Seu romance, sob diversas ót bem casadas, mas e ooamor, como é que vai? Encontraram o grande s e o amor, como é que vai? Encontraram grande ao que já lhes é familiar e sempre acaba como discussão recém começa), está muitos p amoraquilo de suas vidas? ■ O(essa crítico torna-se aquilo que sempre quis brasileira contempor das?pauta. ■ O crítico que sempre quis [...] Seutorna-se romance, sob diversas óticas acima da literatura discussão recém começa), está muitos pontos e não satélite que reflete Razão ser:que astro com a luzpela das qual, estre-infelizmente, poderá n z própria, e não satélite reflete aluz luzprópria, das estreacima da literatura brasileira contemporânea. notado com a merecida atenção que lhe las que iluminam. ■ Havia um orifício de bala os emcríticos sua têmpora am.Razão ■ Havia orifício de obala em suanão têmpora pelaum qual, infelizmente, poderá ser de plantão ou os leitores onív notado com a merecida atenção que lhe devem excelência direita seu revólver no chão, ao sopé da cadeira. Sobre amuitas mesa, vezes é um entrave. [A lver jazia no chão, ao sopé daecadeira. Sobrejazia a mesa, os críticos de plantão ou os leitores onívoros. A Média na literatura contemporânea bras deitado deaentrave. costas,mesmo havia um mesmo por novembro de 2007, s, havia um livro aberto, que, julgar porlivro aberto, que, a julgar excelência muitas vezes é um [A Idade Rascunho, Curitiba, Média na literaturasua contemporânea brasileira, posição, dono casa estivera lendo pouco antes de morrer. ono da casa estivera lendo pouco oantes dedamorrer. Rascunho, Curitiba, novembro de 2007, p. 3] Era um de exemplar das Histórias de Heródoto de Halicarnasso. Joca Reiners Terron (1) r das Histórias de Heródoto Halicarnasso.
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mais nervosa (contribuição da doença u Kubiliute. ■ Mas não cabe aqui registrar as aventuras eróticas ■ Mas não cabe aqui Otávia registrar as aventuras eróticas
H E R Ó D O T O, I V, 1 9 6
ISBN 978-85-63746-33-7
Joca Reiners Terron (1)
Meio esquecido lá em Vitória qual um Robinson Crusoé, Santos Neves não desiste e continua a mandar seus primorosos sinais de fumaça aos
Meio esquecido lá em Vitória qual um R Crusoé, Santos Neves não desiste e cont mandar seus primorosos sinais de fuma