De volta à folia: o carnaval de rua e o Bixiga na retomada dos espaços públicos em São Paulo

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de volta à

Folia

o carnaval de rua e o Bixiga na retomada dos espaços públicos em São Paulo





SAMIRA ABDELNUR CHAMMA

DE VOLTA À FOLIA

o carnaval de rua e o Bixiga na retomada dos espaços públicos em São Paulo

Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau de Arquiteta e Urbanista.

ORIENTADORES: Paula Raquel Jorge e Ângelo Cecco

São Paulo 2019


agradecimentos

Agradeço à minha família, especialmente aos meus pais, pelo incentivo e apoio incondicional em todas as empreitadas da vida, e à minha irmã, que mesmo tão longe, está sempre tão perto de mim. Por comemorarem minhas vitórias e chorarem minhas lágrimas. Sem eles, nada seria possível. Aos meus amados amigos, companheiros de cada parte desses anos e motivação diária: a faculdade não teria sido a mesma sem vocês. Guardo com muito amor todos os momentos compartilhados e sou eternamente grata por termos cruzado caminhos. Às minhas orientadoras, Larissa e Paula. Larissa, que desde o início acreditou que iria dar samba. Paula, que soube me conduzir em meio à tantos devaneios e pôs meus pés no chão. Ao meu orientador, Ângelo, pelos encontros semanais acolhedores e enriquecedores, por acreditar tanto no potencial do aluno e por incentivar o pensamento crítico e a ampliação do sentido do TFG na escola. Agradeço ainda às vivências que esse trabalho me proporcionou. Pude sentir o carnaval mais de perto e de dentro, me apaixonei por um bairro, me emocionei ainda mais com o samba e tive certeza de que a arquitetura parte, antes de tudo, do enxergar as pessoas.


“A rua, que eu acreditava fosse capaz de imprimir à minha vida giros surpreendentes, a rua, com as suas inquietações e os seus olhares, era o meu verdadeiro elemento: nela eu recebia, como em nenhum outro lugar, o vento da eventualidade” André Breton


resumo

Este trabalho fala sobre espaço público e sua apropriação, entendendo-o como algo essencial para a formação e desenvolvimento da cidade, e percebendo-o, principalmente, como lugar de encontro, onde há trocas sociais, alteridade e onde a urbanidade floresce. A condição de pedestre, e, portanto, a dimensão humana – negligenciada inúmeras vezes durante a formação das cidades, incluindo São Paulo –, é fundamental para a percepção desse universo de possibilidades que a cidade pode oferecer. Algumas formas de apropriação do espaço público são as festas de rua, como o carnaval, que além de contribuírem para a apreensão da cidade como lugar de encontro, são expressões culturais legítimas e instrumentos de afirmação e resistência para diversos grupos sociais. Tais movimentos, apesar de terem um grande valor imaterial e relevância histórica, são diversas vezes reprimidos por políticas públicas, que acabam por gerar consequências como a descaracterização e a perda de espaço e, portanto, de grupos na sociedade. O objetivo geral deste trabalho consiste em propor uma intervenção no bairro do Bixiga que contribua para a geração de urbanidade, confira caminhabilidade e que dê suporte às festas de rua, incluindo o carnaval, numa tentativa de potencializar as apropriações e festejos que ali acontecem com tanta força e que são reflexo das manifestações culturais no bairro. Para isso, foi realizada pesquisa bibliográfica sobre os três universos que compõem o trabalho – espaços públicos e sua apropriação, principalmente em São Paulo, carnaval de rua e o bairro do Bixiga – e também uma pesquisa a campo, culminando numa proposta projetual. Ao fim do desenvolvimento deste trabalho, percebe-se como as políticas públicas podem atuar sobre o ambiente urbano de forma excludente, tanto no que diz respeito à morfologia da cidade, quanto à comportamentos sociais, e como as manifestações culturais, por vezes tolhidas por tais políticas, servem


de instrumento de afirmação e resistência de diversos grupos a esse modelo. Percebe-se também a força e a importância dos ativismos urbanos, incluindo a retomada do carnaval de rua, num movimento maior de reapropriação dos espaços públicos e de tentativa de mudança na lógica do pensar a cidade. Nota-se, ainda, a recorrente tendência de limitar e mercantilizar apropriações culturais espontâneas que se popularizam, assim como conclui-se que o olhar crítico ao longo da história para tais movimentos num território pode servir de instrumento para colocar em pauta a discussão da marginalização de grupos e culturas que merecem ser valorizadas.

Palavras-chave: Espaço público. Carnaval de rua. Bixiga. Manifestações culturais. Ativismos urbanos.


lista de figuras Figura 1 (Parte 1) - O espaço público como lugar de encontro

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Figura 2 - O espaço público como lugar de encontro para os caminhantes

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Figura 3 - Pessoas param para assitir à um artista de rua em São Paulo

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Figura 4 (Parte 2) - Roda de samba

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Figura 5 - Demolições na Av. São João para seu alargamento em 1911/1912

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Figura 6 - O Corso na Av. Paulista nos primeiros anos da década de 1910

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Figura 7 - Desfile carnavalesco na Lapa, na década de 1920

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Figura 8 - Romeiros acampam na festa do Bom Jesus de Pirapora

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Figura 9 - O samba de lenço

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Figura 10 - Detalhe da planta da cidade de São Paulo em 1952

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Figura 11 - Membros do Camisa Verde reunidos num bloco para sair na segunda-feira

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de Carnaval, na década de 1920 Figura 12 - Piquinique realizado pelo Camisa Verde em Santos, em 1915

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Figura 13 - O vale do Saracura, na região da Praça 14-Bis, em 1910

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Figura 14 - Disparidade entre a ocupação da região central, no canto direito, e a região

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do Bixiga, próxima aos cursos d’água, em 1881 Figura 15 - Foto tirada para a Exposição Retratos do Bixiga, faz menção à

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multiculturalidade presente no bairro Figura 16 - Fachadas coloridas na R. Conselheiro Carrão

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Figura 17 - Vista do Vale do Anhangabaú na década de 1940/50

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Figura 18 - Cordão carnavalesco Vai-Vai em 1949

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Figura 19 - Desfile da Nêne da Vila Matilde na década de 1960, grupo carnavalesco já

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criado como escola de samba Figura 20 - Foto tirada para a Exposição Retratos do Bixiga

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Figura 21 - Foto tirada para a Exposição Retratos do Bixiga

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Figura 22 - Membros do Bloco Esfarrapado. Armandinho, um dos fundadores, ao centro

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Figura 23 - Minhocão corta a São Paulo do fim do século XX

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Figura 24 - Muro e ausência de urbanidade nas ruas do Morumbi

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Figura 25 - Desfile no Anhangabaú em 1968. O prefeito Faria Lima se encontra ao centro,

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sobre um palanque Figura 26 - Desfile na Av. TIradentes em 1978. Nota-se as fantasias elaboradas e as câmeras

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de televisão Figura 27 - Topografia acidentada e os diversos cursos d’água do bairro, hoje tamponados

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Figura 28 - A construção da Radial Leste, cortando o Bixiga em 1971. Vista do Glicério para a

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Bela Vista Figura 29 - Delimitação do bairro do Bixiga

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Figura 30 (Parte 3) - Minhocão aberto para pedestres, 2017

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Figura 31 - Manifestação na Av. Paulista, junho de 2013

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Figura 32 - Coletivo propõe atividades no Largo da Batata

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Figura 33 - Projeto Centro Aberto, no Largo São Francisco e São Bento

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Figura 34 - Projeto Centro Aberto, no Largo São Francisco e São Bento

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Figura 35 - Paulista aberta

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Figura 36 - Virada Cultural toma a região do Teatro Municipal

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Figura 37 - Ilustração do Manifesto Carnavalista, de 2012

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Figura 38 - Cortejo do Baixo Augusta

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Figura 39 - Av. 23 de Maio tomada por desfiles de blocos no carnaval de 2018

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Figura 40 - Cortejo do Bloco Tô de Bowie no centro

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Figura 41- Foliões se divertem no cortejo do Bloco Tarado Ni Você, no sábado de Carnaval

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Figura 42 - Foliões nos cortejos em frente ao Monumento às Bandeiras

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Figura 43 - BaianaSystem arrasta multidões na Av. Tiradentes

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Figura 44 - Extravasar: foliã se diverte ao som de BaianaSystem

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Figura 45 - Cortejo do Bloco Pagu próximo ao Páteo do Colégio

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Figura 46 - Foliões se vestem de laranja, satirizando polêmica dos candidatos laranja do PSL

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Figura 47 - Bloco Orquestra Voadora faz referência à morte de Marielle Franco

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Figura 48 - Vendedores oficiais deixam a região do Ibirapuera após dispersão de blocos

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Figura 49 - Moradoras do bairro asisstem cortejo do Espetacular Bloco da Charanga do

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França da janela Figura 50 - Moradores asisstem cortejo do Espetacular Bloco da Charanga do França da

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sacada Figura 51 - Blocos se unem em cortejo no Arrastão dos Blocos, no centro

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Figura 52 - Grande quantidade de bens tombados da região

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Figura 53 - Gabarito predominantemente baixo na região central do bairro, condizendo em

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grande parte com os bens tombados


Figura 54 - Foto de sobrevôo na altura da Praça Dom Orione em direção ao centro. É visível a

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predominância do baixo gabarito na região Figura 55 - Festa da Nossa Senhora da Achiropita: agosto e setembro

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Figura 56 - Ensaios da Vai-Vai na rua: Quintas e Domingos próximos ao carnaval

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Figura 57 - Bloco dos Esfarrapados: sempre na Segunda-feira de carnaval

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Figura 58 - Bolo Gigante do aniversãrio de São Paulo: todo dia 09 de janeiro

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Figura 59 - Lavagem do grupo Ilú Obá de Min na Rua Treze de Maio

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Figura 60 - Samba da Treze: toda noite de sexta-feira

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Figura 61 - Jazz na Escadaria: ao menos uma vez no mês

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Figura 62 - Feira de Antiguidades na Praça Dom Orione

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Figura 63 (Parte 4) - Cortejo do Bloco Filhos de Gil na Vila Mariana em 2019

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Figura 64 - O encaixe XYZ, presente no protótipo feito em Groningen

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Figura 65 - Protótipo em Groningen, 2013

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Figura 66 - Protótipo em Groningen, 2013. Alguns usos possíveis

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Figura 67 - Pequeno pavilhão construído na entrada da travessa

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Figura 68 - Apropriações no pavilhão constuído

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Figura 69 - Espaço livre e mobiliário na travessa do bairro

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Figura 70 - Cartografia sensitiva

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Figura 71 - As três centralidades de festejos

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Figura 72 - Análise de pontos de interesse histórico-culturais

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Figura 73 - Análise de pontos vazios/sub-utilizados

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Figura 74 - Diagrama do percurso lúdico

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Figura 75 - Masterplant

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Figura 76 - Diagrama do percurso lúdico

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Figura 77 - Corte esquemático da rua Treze de Maio

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Figura 78 - Nivelamento de calçada e pista de rolamento na R. Treze de Maio

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Figura 79 - Vegetação, mobiliário e iluminação como balizadores na R. Treze de Maio

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Figura 80 - Características da R. Treze de Maio a serem preservadas

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Figura 81 - Corte esquemático da rua de velocidade reduzida tipo 1

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Figura 82 - Corte esquemático da rua de velocidade reduzida tipo 2

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Figura 83 - Esquema: algumas funções do “estar”

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Figura 84 - Os elementos base e os possíveis módulos formados a partir deles

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Figura 85 - Funções atendidas a partir da junção de módulos

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Figura 86 - Funções atendidas a partir da junção de módulos

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Figura 87 - Funções atendidas a partir da junção de módulos

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Figura 88 - Os encaixes: sistema construtivo

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Figura 89 - Os encaixes: sistema construtivo

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Figura 90 - Processo e resultado do experimento

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Figura 91 - Programas propostos para as intervenções

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Figura 92 - Localização das Intervenções 1 e 2

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Figura 93 - Vista da Rua Santo Antônio para o fm do muro e a Rua Coração da Europa

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Figura 94 - Vista aérea do muro de grafitti na R. S. Antônio

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Figura 95 - Vista da R. C. Europa para o terreno de intervenção 1

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Figura 96 - Vista da R. L. Barreto para o terreno da intervenção 2

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Figura 97 - Perspectiva: intervenções 1 e 2

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Figura 98 - Implantação das intervenções 1 e 2

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Figura 99 - Corte longitudinal AA: intervenções 1 e 2

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Figura 100 - Corte transversal BB: intervenções 1 e 2

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Figura 101 - Perspectiva da intervenção 2

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Figura 102 - Localização da intervenção 3

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Figura 103 - Escada existente, que leva até a R. L. Granato

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Figura 104 - Vista da rua Dr. L. Granato

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Figura 105 - Implantação Intervenção 3

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Figura 106 - Perspectiva intervenção 3

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Figura 107 - Localização da intervenção 4

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Figura 108 - O terreno da intervenção 4 hoje

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Figura 109 - Implantação Intervenção 4

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Figura 110 - Perspectiva intervenção 4

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Figura 111 - Localização da intervenção 5

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Figura 112 - O terreno da intervenção 5 hoje

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Figura 113 - Implantação Intervenção 5

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Figura 114 - Perspectiva intervenção 5

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Figura 115 - Localização da intervenção 6

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Figura 116 - Vista da Escadaria do Bixiga

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Figura 117 - Largo formado no início da escadaria

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Figura 118 - Implantação intervenção 6

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Figura 119 - Alunos na área de estudo

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Figura 120 - Alunos na área de estudo

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Figura 121 - Produção da cartografia

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Figura 122 - Parte da cartografia produzida

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Figura 123 - Alunos participantes no dia da exposição dos trabalhos realizados

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Figura 124 - Cartografia produzida pelos alunos

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sumário capítulo 1

introdução

PARTE 1 - da cidade

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espaço público e urbanidade

18

a importância do espaço público o caminhar e outra forma de pensar a cidade

18

capítulo 2

PARTE 2 - da história capítulo 3

da fundação da cidade à década de 1930

de vila à cidade burguesa primeiros carnavais dos campos do Bixiga às primeiras ocupações capítulo 4

da década de 1930 à década de 1960

o caminho para o descaso o carnaval negro cresce Bixiga povoado e a rua como espaço de lazer e festejos

19 24 26 26 28 35 40 40 41 44


capítulo 5

do fim da década de 1960 ao fim do século XX

o medo do espaço público carnaval oficializado Bixiga de resistência

PARTE 3 - da retomada capítulo 6

século XXI

a retomada do espaço público o carnaval volta às ruas o Bixiga na virada do século

PARTE 4 - das reflexões

48 48 50 52 56 58 58 64 77 90

capítulo 7

referências projetuais

92

capítulo 8

proposições

98

leitura do território o projeto capítulo 9

98 103

conclusão

134

referências

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apêndice

140


capítulo 1

introdução Este trabalho discorre sobre espaço público e sua apropriação, entendendo-o como algo essencial para a formação e desenvolvimento da cidade. Percebe-se o bom espaço público como lugar de encontro, onde há trocas sociais, alteridade e onde a urbanidade floresce: “A urbanidade é o que rege os encontros entre os cidadãos e é no território da urbanidade que a cidade completa (ou não) a experiência pessoal, por meio das trocas, da conversa, dos imprevistos, do flanar, do viver a aventura coletivamente” (CALLIARI, 2016, p. 23). Esse universo só tem sentido quando experimentado pelo olhar da dimensão humana e do caminhar, pois a partir dessa condição, as atividades opcionais, tão atrativas num meio urbano que as permitem, podem ser aproveitadas e, assim, o convívio social pode ser assegurado. Apesar de sua importância, tal ótica foi deixada de lado inúmeras vezes durante a formação de cidades, incluindo São Paulo – contexto deste trabalho –, o que acabou gerando espaços que em nada favorecem a urbanidade. Entende-se os festejos de rua, como o carnaval e outras manifestações aqui colocadas, como algumas das formas de apropriação do espaço público que, além de contribuírem para a apreensão da cidade como lugar de encontro, são expressões culturais legítimas e instrumentos de afirmação e resistência para diversos grupos sociais. Tais movimentos têm um grande valor imaterial e relevância histórica, mas são diversas vezes reprimidos por políticas públicas, que acabam por gerar consequências como a descaracterização e a perda de espaço, e, portanto, de grupos na sociedade. Tem-se nesses entraves a problemática, e, apontando para a valorização de tais manifestações, bem como para seu apoio e tentativa de acolhida, justifica-se esse trabalho. O objetivo geral consiste em propor uma intervenção no bairro do Bixiga que contribua para a geração de urbanidade, confira caminhabilidade e que dê suporte às festas de rua, incluindo o carnaval, numa tentativa de potencializar as apropriações e festejos que ali acontecem com tanta força e que são reflexo 14


das manifestações culturais no bairro. Para a realização deste trabalho, foi feita pesquisa bibliográfica sobre os três universos que o compõem: espaços públicos e sua apropriação, principalmente em São Paulo, carnaval de rua e o bairro do Bixiga. Sobre o primeiro, ressalta-se Calliari (2016), Gehl (2010) e Rolnik (1997); sobre o segundo, Simson (2007), Soares (1999) e DaMatta (1990); e no terceiro, Marzola (1979), Gonçalves (2016) e Lucena (2016). Foram também realizadas pesquisas a campo para a familiarização com o bairro, seu contexto urbano e suas apropriações e festas de rua, o que colaborou para a definição do percurso, escolha de terrenos e maneiras de intervir no território. Tendo em vista que esses três universos de estudo se permeiam, em determinado momento do trabalho, optou-se por discorrer sobre eles por períodos históricos, definidos a partir da periodização proposta por Calliari (2016) com algumas alterações. Dessa maneira, em cada período intercalase os três temas, para que o entendimento de cada um se dê de forma mais completa e contextualizada.

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PARTE 1 da cidade


capítulo 2

espaço público e urbanidade a importância do espaço público O espaço público sempre esteve no cerne da formação das cidades ocidentais, tanto em sua construção física, quanto em sua própria identidade. Na Grécia Antiga, o espaço público, especificamente a ágora, era onde tudo acontecia: “A ágora era o lugar do mercado, das compras, do encontro cotidiano, mas também o ambiente onde se discutiam as questões da cidade – a “política” [...] Era, portanto, uma configuração que misturava o conceito abstrato da vida pública a um espaço físico e concreto” (CALLIARI, 2016, p. 30). A religião também teve grande influência no uso do espaço público, sendo a razão das primeiras grandes construções que marcaram a paisagem das cidades. Uma olhada às praças centrais de cidades europeias e percebese a influência que as catedrais tiveram e ainda têm no espaço ao seu redor. As trocas comerciais também se deram historicamente no espaço público, sendo a praça o ponto de encontro entre os habitantes das cidades medievais, por exemplo (CALLIARI, 2016). A cultura, a circulação, o transporte, as festas e as manifestações de poder são algumas das tantas outras dinâmicas que foram, historicamente, surgindo e se desenvolvendo no espaço público (GEHL, 2010). Palco da vida em sociedade, pode-se entender o espaço público, então, como um lugar de encontro, onde se dão as trocas, o lazer, o exercício da função cidadã. Um lugar onde se estimulam os sentidos e, principalmente, onde se convive com o outro, com o diferente. Um bom espaço público é aquele que propicia a urbanidade: “A urbanidade é o que rege os encontros entre os cidadãos e é no território da urbanidade que a cidade completa (ou não) a experiência pessoal, por meio das trocas, da conversa, dos imprevistos, do flanar, do viver a aventura coletivamente” (CALLIARI, 2016, p. 23).

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Figura 2 - O espaço público como lugar de encontro para os caminhantes Fonte: Blog Carol Sassateli, 2014.

o caminhar e outra forma de pensar a cidade A condição de lugar de encontro, tão cara para o convívio social, só faz sentido quando na escala humana, do pedestre, e, portanto, no caminhar. Os olhares que se cruzam, a chance ao acaso, as atividades programadas ou espontâneas, tudo depende dessa circunstância: “Caminhar é o início, o ponto de partida. O homem foi criado para caminhar e todos os eventos da vida – grandes e pequenos – ocorrem quando caminhamos entre outras pessoas. A vida em toda a sua diversidade se desdobra diante de nós quando estamos a pé” (GEHL, 2010, p. 19). Apesar de tão importante para a vida conjunta em cidade, durante muito tempo, a condição do pedestre foi negligenciada em diversas partes do mundo. Políticas públicas e ideologias marcantes conformaram espaços que visavam a circulação ou a separação das funções, o que acabou resultando em ausência de urbanidade, e gerou cidades pouco agradáveis para o andar e todas as possibilidades que o acompanham. A partir das décadas de 60 e 70, questiona-se tal conduta e vem à tona a importância da dimensão humana no planejamento urbano, discussão que se estende à atualidade e é ainda mais ampliada hoje. 19


Jan Gehl (2010) é um dos estudiosos que hoje defendem o pensar na escala das pessoas como fator essencial para pensar a cidade e obter cidades mais vivas, seguras, sustentáveis e saudáveis. A preocupação a nível dos olhos deve ser a prioridade, o que inclui levar em conta desde o mobiliário urbano até os sentidos aguçados durante um percurso pela cidade, que pode ser um objetivo em si mesmo. Para o autor, a maior atração da cidade é a própria presença das pessoas e as atividades opcionais – aquelas como o observar o movimento, assistir à um artista de rua e sentar no banco de uma praça – são as atividades mais atrativas e populares, que só conseguem florescer quando a cidade oferece uma boa qualidade urbana para o pedestre. Figura 3 - Pessoas param para assitir à um artista de rua em São Paulo Fonte: Revista Afinal Cultura & Comunicação, 2015

Tais atividades opcionais, ou intervenções temporárias, são de grande importância para a vida em sociedade, à medida que proporcionam a amabilidade urbana – termo definido pela autora Adriana Fontes (2011) para denominar o atributo do espaço amável, aquele que propicia a proximidade entre as pessoas e o espaço: [...] Ao mesmo tempo em que a intervenção interage com as pessoas, faz também com que estas interajam entre si, 20


aproximando-as, vitalizando os espaços e dando origem a um novo ciclo que se autoalimenta, uma vez que a amabilidade pode permitir novas intervenções, que vão gerar espaços cada vez mais amáveis, e assim sucessivamente[...]” (FONTES, 2011, p.15) Sob ótica similar, Jeff Speck (2017) discorre a favor da cidade caminhável e traz o termo “walkability”, ou “caminhabilidade”, reunindo recomendações para melhorar a experiência do caminhar na cidade. Ele fala, por exemplo, da demanda induzida: mais e melhores rodovias significam mais tráfego, assim como o inverso também é verdadeiro, como ocorreu em diversas cidades do mundo. Diz também da importância da experimentação quando se faz transformações nos espaços, através do uso de elementos temporários para testar uma ideia antes de torná-la permanente, como ocorreu por exemplo na conversão da Times Square em Nova York em uma zona peatonal. Speck ressalta também as vantagens da rua compartilhada, que ao distribuir as responsabilidades e privilegiar a permanência, é uma tentativa de contribuir para uma cidade mais caminhável. O olhar do pedestre e o caminhar, além de ter sua importância para nortear o planejamento urbano e contribuir para o encontro e para as trocas sociais, pode também ser entendido como um instrumento de simultânea leitura e escrita do espaço, ele próprio uma intervenção urbana. Em muitos momentos da história da arte, o caminhar e o percurso aparecem como um ato estético, de transformação do lugar e de seus significados (CARERI, 2002). A relevância do caminhar na cidade e sua utilização como um instrumento urbanístico e artístico, e também de certa forma para o entendimento das trocas sociais já foi evidenciado inúmeras vezes ao longo do tempo. Se a produção da cidade, como materialização espacial, pode ser entendida como “sempre contínua e consequência de um processo histórico [...]” (MARINO, 2018), não há como mudar drasticamente a cidade consolidada, que tantas vezes esqueceu do caminhar, mas é possível que daqui para frente se aproveite do que propicia urbanidade e se construa e transforme espaços a partir da perspectiva mais humana, democrática e inclusiva, que é a do olhar do pedestre. “[...] Caminhar pelos espaços comuns da cidade pode ser um objetivo em si mesmo – mas também um começo” (GEHL, 2010, p.29). 21



Percebe-se que o estar no espaço público, como “seres caminhantes” que convivem em sociedade, está no cerne da dinâmica da cidade. Um bom funcionamento dessa convivência cidadão-espaço público reflete muito em como a sociedade se comporta. Tendo isso em mente, volta-se agora para São Paulo: como essa relação cidadão-espaço público se desenrolou ao longo dos anos e como essa dinâmica teve influência no carnaval de rua e no bairro do Bixiga, até chegar na contemporaneidade, num movimento de retomada.



PARTE 2 da histรณria


capítulo 3

são paulo

da fundação da cidade à década de 1930

de vila à cidade burguesa

Até o século XIX, a então Vila de São Paulo tinha uma vida marcada pela rotina de uma pequena comunidade. O espaço público era frequentado pelos homens livres, escravos, tropeiros, lavadeiras e quitandeiras em suas atividades cotidianas, sendo que a vivência das ruas era baseada sobretudo nas ocasiões festivas, que incluíam procissões religiosas, festas juninas e outros festejos. O comércio também acontecia no espaço público, enquanto que a maioria das atividades da elite aconteciam ainda dentro de casa (CALLIARI, 2016). A partir da segunda metade do século XIX, diversos fatores fazem com que a vila se transforme, gradativamente, em cidade. A chegada da ferrovia, em 1867, para escoar a produção de café do interior para o litoral, juntamente com o alto contingente de imigrantes e, posteriormente a instalação de indústrias na região, são os principais deles: As mudanças causadas pelo tripé café-indústria-imigração foram de tal ordem que moldaram as bases para que São Paulo começasse o século XX em condições relativas totalmente distintas daquelas verificadas 30 anos antes: aumento brutal de população (de 31 mil para quase 240 mil em 1900), maior importância relativa no cenário nacional (de décima maior cidade a terceira) e maior relevância política (cidade provinciana no Império, protagonista na República) (CALLIARI, 2016, p. 102). A cidade de ruas escuras vai ganhando melhorias urbanas, como a iluminação das vias e posteriormente a presença dos bondes. Tudo isso modifica e reconfigura a cidade, que recebe cada vez mais gente e diversidade,

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são paulo

e com ela, vem o conflito, fruto do lidar com o diferente, das novas interações sociais, situações nunca antes experimentadas com tal intensidade no território (CALLIARI, 2016). O Código de Posturas, promulgado em 1875 e estabelecido em 1886, é reflexo disso e traz uma série de regras sobre a vida cotidiana, edificações, arruamento e higiene. O Código é um dos instrumentos utilizados pela elite do café recémestabelecida para se aproximar cada vez mais de uma imagem burguesa, limpa e ordenada, que se estende à cidade. Para isso, ele ressignifica o espaço da rua – destinando-o somente à fruição da cidade –, prevê o alargamento de vias e, principalmente, proíbe a existência dos cortiços (ROLNIK, 1997). Pode-se dizer que “a primeira preocupação da legislação municipal, além de redesenhar as ruas centrais, foi eliminar estas formas de ocupação da área mais valorizada – o centro da cidade” (ROLNIK, 1997, p. 37). Figura 5 Demolições na Av. São João para seu alargamento em 1911/1912 Fonte: Desconhecido, 1910-1915. Acervo artístico e cultural da Prefeitura se São Paulo

A proibição dos cortiços expulsa a população que morava na região central, uma camada de baixa renda, em grande parte composta por escravos libertos vindos das lavouras para a cidade em busca de oportunidades. Assim, tal população se vê obrigada a se estabelecer na então periferia da cidade, que compreendia principalmente as regiões hoje conhecidas por 27


são paulo

Barra Funda, Baixada do Glicério e Bixiga, áreas próximas ao centro comercial e desvalorizadas, principalmente por serem áreas de fundo de vale ou muito íngremes (SOAREAS, 1999). Enquanto isso, a elite emergente continua enriquecendo e a busca pela cidade burguesa permanece. No início do século XX, o centro da cidade assiste à uma sofisticação de cara europeia, com a expansão de um comércio de luxo, lojas francesas, cinemas e cafés, além de reformas de grandes espaços públicos, como o Anhangabaú: a elite finalmente ganha as ruas. Ao mesmo tempo, o setor industrial cresce e emprega em grande parte a população imigrante recém-chegada ao país, que se afasta cada vez mais do centro e acaba por formar os bairros operários. Dentre eles, destaca-se o Brás, que nas primeiras décadas do século XX, podia ser considerado a primeira nova centralidade presente na cidade (CALLIARI, 2016).

carnaval de rua

primeiros carnavais

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Quando as vivências nas ruas se davam sobretudo pelas ocasiões festivas, o carnaval era uma delas. O festejo chega ao Brasil na forma de Entrudo, trazido pelos colonizadores portugueses. A festa era realizada para saudar a primavera, e consistia em “batalhas aquáticas”, incluindo limões e laranjas de cheiro. No século XIX, o entrudo era celebrado principalmente pela elite dos grandes centros urbanos, como Rio de Janeiro e Salvador (SOARES, 1999). A partir de 1855, o Carnaval Veneziano aparece por aqui, celebrado pelas classes mais privilegiadas, e ocorre concomitantemente ao Entrudo até o fim do século XIX. Nessa forma de festejo, as famílias desfilavam em carros abertos, luxuosamente enfeitados. Em 1915 o corso à la carnaval veneziano, na Avenida Paulista recém asfaltada, era a forma de fazer carnaval em São Paulo pela emergente elite do café, que almejava cada vez mais uma cultura de cunho burguês-europeu (SIMSON, 2007).


na Av. Paulista nos primeiros anos da década de 1910

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Figura 6 - O Corso

Fonte: Revista Careta apud Acervo Estadão, 2015

De fora dessas celebrações – ou participando como meros expectadores das calçadas –, o povo cria sua própria maneira de festejar o carnaval: surgem os carnavais populares em bairros operários, mais afastados do centro urbano, começando no Brás e alcançando também a Lapa e a Água Branca, com participação majoritária dos imigrantes e suas famílias que ali se instalaram. A princípio, no Brás, os folguedos tinham lugar dentro dos salões e, a partir de 1915, começaram a ocorrer na rua, inspirados no modelo de carnaval veneziano praticado pela elite. Jogavam-se confetes, serpentinas e lança-perfumes, tocavam-se marchinhas e atraía-se um público cada vez maior (SOARES, 1999). Em 1916, as manifestações carnavalescas chegam à Lapa, promovidas principalmente pelos clubes da região, grandes congregadores da população do bairro. Anos depois, a Água Branca também festeja o carnaval, iniciado com a criação do Bloco Moderado, por dois amigos operários que viviam no bairro e com o apoio de comerciantes (SIMSON, 2007). Os folguedos dos bairros operários tinham suas particularidades, mas todos baseavam-se em uma relação de grupos de vizinhança e eram fruto do relacionamento social entre as famílias e moradores do bairro, fossem operários, pequenos industriais ou comerciantes. 29


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Figura 7 - Desfile carnavalesco na Lapa, na década de 1920 Fonte: Simson, 2007

O carnaval negro Nas primeiras décadas do século XX, a vinda de uma população negra do interior à cidade implica também na chegada de uma expressão cultural própria. Porém, sob a ótica de um prevalecimento da cultura burguesaeuropeia, as manifestações culturais negras não tinham lugar na cidade. A batucada, a umbigada e o samba, passaram a ser banidas. “Na época, não podia fazer samba em São Paulo. Quem fazia samba ia em cana...” (FILME apud Samba à Paulista: fragmentos de uma história esquecida). Com isso, as manifestações negras acabam buscando espaço em outras festividades, as celebrações profano-religiosas. A festa de Santa Cruz, por exemplo motivava rezas, procissões, folguedos e zambumbas junto à Liberdade e ao Glicério. A Festa da Nossa senhora da Achiropita, no Bixiga, era recheada de samba e procissões para a Madona. O Treze de maio era festejado na Barra Funda e ainda em pontos mais afastados da cidade, com samba e comidas típicas (SIMSON, 2007).

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Quem foi que disse que paulista não faz samba? O samba paulista vem do samba rural, do interior de São Paulo, com o bumbo como instrumento principal. A Festa de São Bom Jesus em Pirapora teve grande importância na afirmação do samba paulista, pois atraía muitos grupos negros de diversas regiões, que, abrigados em barracões durante as romarias, realizavam os batuques, samba de lenço, umbigadas, etc, que eram proibidos na capital, após a parte religiosa da festa (SIMSON, 2007).

Figura 8 - Romeiros acampam na festa

Figura 9 - O samba de lenço

do Bom Jesus de Pirapora Fonte: Acervo Casa do Samba apud Revista Campo & Cidade

Batuque de Pirapora - Geraldo Filme Eu era menino Mamãe disse: vamos embora Você vai ser batizado No samba de Pirapora Mamãe fez uma promessa Para me vestir de anjo Me vestiu de azul-celeste Na cabeça um arranjo Ouviu-se a voz do festeiro No meio da multidão Menino preto não sai Aqui nessa procissão Mamãe, mulher decidida Ao santo pediu perdão

Jogou minha asa fora Me levou pro barracão Lá no barraco Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia Iniciado o neguinho Num batuque de terreiro Samba de Piracicaba Tietê e campineiro Os bambas da Paulicéia Não consigo esquecer Fredericão na zabumba Fazia a terra tremer

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Cresci na roda de bamba No meio da alegria Eunice puxava o ponto Dona Olímpia respondia Sinhá caía na roda Gastando a sua sandália E a poeira levantava Com o vento das sete saias Lá no terreiro Tudo era alegria Nego batia na zabumba E o boi gemia [...]

Em “Batuque de Pirapora”, de Geraldo Filme, fica evidente a segregação racial que os negros sofriam na capital, mesmo adentrando as festas religiosas, e é quase possível sentir a ambiência festiva do samba de Pirapora.

Além de se revelar no interior de São Paulo, o samba acabava acontecendo em alguns pontos de concentração negra na cidade, a partir de altas horas da noite até o fim da madrugada. O Largo da Banana, na Barra Funda, próximo ao terminal das estradas de ferro Santos-Jundiaí e Sorocabana (MARCHEZIN, 2016), era local de trabalho informal dos negros na venda de produtos alimentícios e foi um dos maiores redutos do samba, da tiririca, da umbigada, e do surgimento de importantes nomes do samba paulista, como Geraldo Filme, Dionísio e Tio Mário (AZEVEDO, 2014). Figura 10 - Detalhe da planta da cidade de São Paulo em 1952

Fonte - Histórico demográfico do município de São Paulo apud Marchezin, 2016

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Lá no Largo da Banana, na Barra Funda... a rapaziada, o ordenado era, o soldo era pequeno. Então eles ganhavam tantos cachos de banana, por cada tantos cachos carregados, eles ganhavam um. Então eles colocavam ali na praça para o...E na hora em que folgavam um pouquinho, eles armavam um samba. A gente era moleque, ficava olhando os “véio”, eles não deixavam entrar na roda, sabe: ‘Sai daqui moleque, chega pra lá... (FILME apud AZEVEDO, 2014, p. 320)

Mais à frente, o Largo da Banana vai dar lugar ao Viaduto Pacaembu, numa época de investimentos em obras de infraestrutura e busca do “progresso” (MARCHEZIN, 2016). Vou sambar n’outro lugar - Geraldo Filme Fiquei sem o terreiro da Escola Já não posso mais sambar Sambista sem o Largo da Banana A Barra Funda vai parar Surgiu um viaduto, é progresso Eu não posso protestar Adeus, berço do samba Eu vou-me embora Vou sambar noutro lugar

Havia também os bailes de porão, amplamente frequentados pelos negros na década de 30, principalmente no Bixiga (MARZOLA, 1999), e os “salões de raça”, muito numerosos entre 1920 e 1950, fatores que somados foram contribuindo para uma elaboração e consolidação da cultura negra e do samba em São Paulo (SIMSON, 2007).

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Assim, essa vivência festiva, repetida anualmente, dá origem aos folguedos carnavalescos da população negra, em territórios que lhes eram próprios, de modo que em 1914 surge o primeiro cordão carnavalesco negro, criado por Dionísio Barboza, o Grupo Carnavalesco da Barra Funda, depois apelidado de Camisa Verde. Depois dele, alguns outros começam a surgir, como o dos Campos Elísios em 1918, apesar das repressões policiais aos

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folguedos negros, que se abrandavam durante o período do Momo. “A polícia não interferia nas atividades propriamente carnavalescas [...]. Mas dançar samba fora do período carnavalesco era atividade mal vista e reprimida pela polícia.”, como aponta o relato de seu Zezinho do Morro da Casa Verde na obra de Olga von Simson (2007, p.194). Figura 11 Membros do Camisa Verde reunidos num bloco para sair na segunda-feira de Carnaval, na década de 1920 Fonte: Simson, 2007

Os festejos negros tiveram influência da estadia de Dionísio no Rio de Janeiro, que traz muito do rancho (manifestação carnavalesca que fazia sucesso por lá) e das bandas militares, dando origem à marcha sambada, ritmo que ditava um desfile não muito rápido, com muitas evoluções e bastante ginga. Além disso, os festejos também se influenciaram pelas festas profano-religiosas mencionadas, além dos folguedos locais, configurando assim um “verdadeiro caleidoscópio cultural incorporado à criação do desfile” (SIMSON, 2007, p. 116). As agremiações não se restringiam aos festejos nos dias de carnaval, sendo na verdade entidades organizadoras do lazer da população pobre e negra da cidade durante todo o ano. Promoviam confraternizações, bailes e romarias, celebrações que arrecadavam verba e culminavam nas atividades carnavalescas, que consistiam nos cortejos em seus bairros de origem. 34


Figura 12 -

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Portanto, sendo lugar de convívio, os cordões se pautavam nas relações familiares e de grupos de vizinhança, sendo essenciais na manutenção de uma tradição.

Piquinique realizado pelo Camisa Verde em Santos, em 1915 Fonte: Simson, 2007

Até meados de 1920, os cordões buscavam seu espaço na cidade e ainda não tinham aceitação do público em geral, que viam os folguedos negros como manifestações de menor importância e de um grupo etnicamente diferenciado. Nesse período também saíam pelas ruas os “blocos de sujo”, grupos de pessoas de um estrato social mais pobre, que se reuniam em volta de um instrumento e saíam cantando, de forma espontânea, principalmente pela Av. São João (região de morada de tal estrato da população). Já se nota aí o esboço de uma diferenciação entre os folguedos assistidos e os folguedos com maior participação (SIMSON, 2007).

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dos campos do Bixiga às primeiras ocupações Numa São Paulo ainda pouco ocupada, os Campos do Bixiga eram território de uma estalagem. Têm-se registros de que a estalagem era de

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Antonio Bexiga (uma das hipóteses para a origem do nome do bairro)1 , que se localizava no início do que é hoje a Rua Santo Antônio, e servia de pousada aos que vinham do interior para vender seus animais no Largo do Piques, que depois se tornaria o Largo da Memória e hoje Praça da Bandeira. No local, realizava-se uma espécie de feira livre, onde também se leiloavam escravos (MARZOLA, 1979). À beira do Rio Saracura, os Campos do Bixiga também se tornavam um reduto de escravos fugidos, que saíam muitas vezes do Piques, nas proximidades do córrego do Anhangabaú. Além de seguir o curso d’água, aproveitavam da topografia acidentada da região da Grota para se esconder. Assim, surge um dos muitos quilombos urbanos de São Paulo, o Quilombo Saracura, localizado na mesma área do Tanque Reúno (MARZOLA, 1979). Figura 13 - O vale do Saracura, na região da Praça 14Bis, em 1910 Fonte: Vicenzo Pastore, 1910

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Há algumas hipóteses para o território ser chamado de Bexiga. Uma delas, é que a área

abrigou muitas pessoas que haviam contraído varíola, doença essa também chamada popularmente de “bexiga” por conta de seus sintomas. Outra, vem de um matadouro que fora construído na região entre 1773 e 1774, no qual se comercializava bexigas de boi. A última faz alusão à estalagem de Antonio Bexiga (nome que poderia estar relacionado à contração 36


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São Paulo começa a se urbanizar por volta de 1870, mas a região do Bixiga demora a ser densamente ocupada, e é em 1878 que ocorre o primeiro loteamento das terras da Chácara, agora em posse de Antonio José Leite Braga, aproveitando o embalo da urbanização. Figura 14 Disparidade entre a ocupação da região central, no canto direito, e a região do Bixiga, próxima aos cursos d’água, em 1881 Fonte: Companhia Cantareira de Esgotos apud Gonçalves, 2016

Bixiga multicultural Com a política higienista estabelecida pela elite do café na área central, o Bixiga, como uma das regiões periféricas, recebe muitos negros em seu território. Vale ressaltar que um motivo importante de estabelecimento dessa população no bairro era a possibilidade de morar nas proximidades da Avenida Paulista – região onde se localizavam as casas de barões, nas quais

de varíola ou ao próprio nome da família), que correspondia à região em questão. Fato é que o território começa a ser chamado pelo nome Bexiga no final do século XVII.

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mulheres negras eram admitidas como criadas e lavadeiras – a um baixo custo de terreno, já que a área sofria frequentemente com alagamentos por estar em região de vales (SIMSON, 2007). Ao mesmo tempo que recebia os negros vindos do centro, o Bixiga passava também a ser ocupado por imigrantes, em sua maioria italianos da região da Calábria. De classes modestas, vinham de áreas rurais desde 1880 para trabalhar como artesãos ou pequenos comerciantes na São Paulo que oferecia, agora, muitas oportunidades (GONÇALVES, 2016). Os imigrantes se instalavam nas áreas mais nobres do Bixiga, como no Morro dos Ingleses, na Rua Treze de Maio ou na Rua Rui Barbosa, espaços fisicamente menos vulneráveis que as regiões mais íngremes e fundos de vale, a região da Grota e o Baixo Bixiga, mais ocupadas pela parcela negra do bairro. Apesar disso, a relação entre um grupo e outro ainda era mais pacífica que em outras regiões da cidade. Figura 15 - Foto tirada para a Exposição Retratos do Bixiga, faz menção à multiculturalidade presente no bairro Fonte: Vicenzo Pastore, 1910

Nas ruas estreitas e tortuosas do Bixiga, desenhadas pelos capomastres – mestres construtores italianos - surgiam construções que recriavam ambientes da Itália, carregando consigo toda uma tradição cultural que se mantém muito forte até hoje no bairro, seja nas fachadas coloridas e 38


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ornamentadas, na presença das inúmeras cantinas ou na Paróquia da Nossa Senhora da Achiropita, erguida em 1914 ainda como capela. Mais à frente, a festa da santa já evidenciaria um Bixiga multicultural: “[...] no dia 15 de agosto, o samba corria solto pela rua Treze de Maio, festejando a Madona italiana e reunindo os negros do bairro.” (SIMSON, 2007, p. 102). Hoje, a festa conta com a participação da bateria da Vai-Vai, tradicional reduto negro, da mesma maneira que a imagem da santa está presente nos ensaios da escola. Figura 16 Fachadas coloridas na R. Conselheiro Carrão Fonte: Caio Pimenta/SPTuris

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capítulo 4

da década de 1930 à década de 1960

o caminho para o descaso

Nas décadas que se sucedem, São Paulo passa gradativamente de cidade à metrópole. Com constante crescimento demográfico, a cidade inicia um processo de espraiamento a partir da opção pelo modelo de transporte sobre rodas, que tem como marco o famoso Plano de Avenidas de Prestes Maia de 1930, implementado durante seu mandato. As novas avenidas vão redesenhar o espaço urbano e alcançar zonas ainda não muito povoadas, além de muitas delas ocuparem regiões de fundos de vale, fazendo do sistema viário o elemento estruturador da cidade. Nessa época, há o abandono dos bairros operários, primeiro por parte das indústrias, já que agora a lógica do transporte se distancia da ferrovia, e acompanha as estradas onde as terras ainda são mais baratas, e depois, por consequência, pela própria população operária, que também sai à procura de terrenos mais acessíveis em direção à periferia (CALLIARI, 2016). Esse movimento de periferização das classes mais baixas se generaliza na cidade e é impulsionado, além da valorização da terra nas regiões mais centrais, pelas linhas de ônibus, enquanto as classes média e alta ali permanecem, uma vez que o centro continua reunindo atividades comerciais e de lazer. A dinâmica da valorização da terra também provoca um aumento nas formas mais baratas de moradia na região central – que concentra a maioria dos empregos –, como os cortiços. Grande parte do alto número de migrantes, muitos deles nordestinos, que chegam em São Paulo a partir da década de 60, atraídos pela indústria, acaba se dirigindo à tal meio de morar. Ao final da década de 60, tem-se, então, uma metrópole com novas centralidades, que se estabeleceram a partir de um desenho rodoviário, constituído em detrimento da fruição pública. Não raro, os novos eixos 40


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criaram fissuras urbanas e barreiras para os pedestres, contribuindo para a conformação de espaços ausentes de urbanidade. O pedestre, deixado de lado, se vê gradualmente, expulso do espaço público. Figura 17 - Vista do Vale do Anhangabaú na década de 1940/50 Fonte: Desconhecido, 1940-50. Acervo artístico e cultural da Prefeitura se São Paulo

Com o gradual deslocamento da população operária de seus bairros, os laços de vizinhança se enfraquecem, e isso implica diretamente no desaparecimento do festejo carnavalesco desse grupo social. O carnaval operário, então, se desarticula, enquanto os folguedos negros começam a se afirmar (SIMSON, 2007). A partir da década de 1930, há uma expansão dos cordões, à medida que surgem novas agremiações em outros centros negros paulistanos que se formavam em regiões mais afastadas do centro, em decorrência do movimento de periferização, e há o fortalecimento de alguns cordões existentes. É nessa época que surge o cordão carnavalesco Vai-Vai, no Bixiga.

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o carnaval negro cresce

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Vai-Vai: orgulho da Saracura O cordão carnavalesco Vai-Vai é fundado em 1930 a partir do time de futebol Cai-Cai, em um dos primeiros redutos negros da cidade: o bairro do Bixiga. Nas proximidades do vale do rio Saracura, o cordão era aglutinador das atividades negras no bairro, promovendo bailes, piqueniques, romarias, além de claro, folguedos carnavalescos. Nascido na fase de expansão dos cordões, o VaiVai conta desde o início com o apoio da população do bairro, incluindo os numerosos imigrantes italianos, que muito incentivaram a agremiação negra. O Vai-Vai não demora a ter seus ensaios indo das casas dos fundadores para as ruas, contribuindo para a atmosfera permanentemente festiva do bairro (SIMSON, 2007). Que Barulho é aquele. Que barulho é aquele que vem lá! É o Vai Vai Que vai brincar no carnaval No Carnaval Quem nunca sambou na vida Primeira vez, por ventura É o Vai Vai do Bixiga Orgulho da Saracura

Os versos a cima formam um dos primeiros sambas da Vai-Vai, compostos por Tino, e evidenciam a maior afirmação do folguedo carnavalesco no bairro e a busca por visibilidade ao cordão (LUCENA, 2016). Figura 18 - Cordão carnavalesco Vai-Vai em 1949

Fonte - Vai Vai

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Durante a observada periferização dos negros em São Paulo, o Vai-Vai, juntamente com o Camisa Verde, conseguem permanecer, revelando a grande articulação na qual a agremiação se estruturava e sendo expressão da resistência negra até hoje. Com a oficialização do carnaval, o Vai-Vai, como muitos cordões, se transforma em escola de samba e é ainda hoje referência no bairro.

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Desse período em diante, nota-se uma institucionalização progressiva do carnaval: os cordões passam a ser obrigados a se registrar junto ao poder público, definindo as cores que os identificavam nas apresentações e pagando taxas, além de terem seus estandartes carimbados na prefeitura. Apesar da aceitação oficial dos folguedos negros, isso não se traduzia num tratamento amigável por parte do poder público, nem na concessão de um espaço na cidade reservado para eles, como ocorria com os corsos da Paulista e do Brás. Nos dias de Momo, os cordões saíam de seus bairros e “andavam pela cidade em busca de locais onde já estivessem ocorrendo brincadeiras carnavalescas animadas, o que lhes garantia certa segurança contra uma repressão policial explícita” (SIMSON, 2007, p. 195). Buscavam, então, a região da Paulista, seguida do Triângulo Histórico (o espaço do centro comercial da cidade estava aberto à folia) e, por fim, dos salões de raça. A institucionalização era observada também nas competições entre agremiações. Estas ocorriam inicialmente na região do Triângulo Histórico e, posteriormente, no Vale do Anhangabaú e na Avenida São João, que contavam com palanques armados por emissoras de rádio e jornais. Surgiu também a Cidade da Folia, no Parque Antártica, na Água Branca, que cobrava ingresso dos expectadores e garantia bons prêmios em dinheiros às melhores agremiações, fator que atraía os cordões após o desfile no centro. Mais à frente, em 1954, o Parque do Ibirapuera era incluído no percurso, cada vez mais extenso e disperso pela cidade (SIMSON, 2007). Se adequando a esses moldes, com o passar dos anos, os cordões se multiplicavam e ganhavam cada vez mais visibilidade e aceitação na cidade, ao mesmo tempo que enfrentavam também a perda progressiva das características de folguedo livre e descompromissado, já que se

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encontravam cada vez mais a mercê das regras a ele impostas e da busca de financiamento dessa lógica de cortejo (SIMSON, 2007). Figura 19 - Desfile da Nêne da Vila Matilde na década de 1960, grupo carnavalesco já criado como escola de samba

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Fonte: Simson, 2007

Bixiga povoado e a rua como espaço de lazer e festejos O Bixiga tem, nesse momento da história, como seus frequentadores somente os próprios moradores, que trabalhavam em pequenas indústrias familiares e oficinas. Os negros, até a década de 1930, viviam excluídos do trabalho fabril e do comércio formal e se ocupavam do pequeno comércio e de trabalhos braçais e domésticos, pior remunerados (AZEVEDO, 2014). Não havia grandes casas comerciais que atraíssem moradores de outros bairros, o que contribuiu para o fortalecimento de uma íntima relação de vizinhança (GONÇALVES, 2016). Essa atmosfera de “cidade de interior”, de estabelecimentos familiares, onde os moradores se conhecem, é sentida de maneira muito forte até hoje, em várias partes do bairro. Não raro se vê pelas ruas do Bixiga vizinhos conversando durante a tarde e crianças andando sozinhas, comportamentos não muito comuns no frenesi da contemporânea megalópole paulistana.

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tirada para a

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Figura 20 - Foto Exposição Retratos do Bixiga Fonte: Felipe Torres, 2010

Figura 21- Foto tirada para a Exposição Retratos do Bixiga Fonte: Anderson Peccí, 2010

A urbanização e o consequente adensamento da cidade se intensifica na década de 30, com a crise da economia cafeeira, e é nesse período e na década seguinte que as múltiplas culturas do bairro começam a se manifestar com mais força, dando origem aos festejos, rituais, folguedos, procissões e serestas pelas ruas do bairro: A música já era parte do lugar, iniciava ao anoitecer, culminava na noite alta, e se encerrava no alvorecer do novo dia. Música e letra, poesia e voz acompanharam a história do Bixiga, anunciando o território de forma contagiante. Diferentes grupos por meio da musicalidade foram insinuando ao espaço um bairro sonoro (LUCENA, 2016, p. 58). 45


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A Festa da Nossa Senhora da Achiropita, símbolo da presença italiana, tem seu início em 1926 e continua acontecendo, com a presença de iguarias e música (LUCENA, 2016). O Cordão Carnavalesco Vai-Vai se forma em 1930 – e, como visto anteriormente, é expressão da resistência negra – e realiza seus folguedos carnavalescos nas ruas. Em 1947, o primeiro bloco de carnaval da cidade, o Bloco Esfarrapado, também traz a folia para as vias. Os bares e restaurantes se firmavam como espaços de encontro e a presença de artistas, músicos e boêmios é cada vez mais frequente pelas ruas do Bixiga, que atendiam às chamadas dos sambistas e seresteiros em suas letras musicais.

Bloco Esfarrapado O Bloco de carnaval mais antigo de São Paulo surge a partir de integrantes do cordão Vai-Vai em 1947, como uma atividade pré-carnavalesca. O Bloco servia também para aliviar a tensão entre as associações, que se acirrava nas décadas de 1940 e 1950 resultando invariavelmente em disputas físicas. O cerne do cortejo era a espontaneidade e o improviso, com os fundadores saindo pelas ruas do Bixiga vestidos como desejassem, portando um velho e “esfarrapado” estandarte, os instrumentos mais antigos da agremiação, ou mesmo latas, enquanto moradores lhes davam vinho e comida. Não havia competição, de modo que de forma inédita, brancos e negros participavam do folguedo: “[...] No Farrapo era branco, preto, azul, amarelo, todo mundo entrava [...] Era bagunça, então eles entravam [...] (Seu Livinho apud SOARES, 1999, p. 34). Figura 22 - Membros do Bloco Esfarrapado. Armandinho, um dos fundadores, ao centro

Fonte - Portal do Bixiga, 1947

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Despontam no bairro as cantinas italianas, restaurantes e os teatros e companhias cênicas2, estas já nos anos de 1950, de modo que o espírito artístico, musical e poético do Bixiga começa a atrair gente de outros territórios (MARZOLA, 1979). Muitas figuras do samba paulista passaram pelo bairro e produziram letras em homenagem ao Bixiga e sua vida noturna. Adoniram Barbosa se estabelece na cidade em 1930 e tem um impacto na popularização do bairro, enquanto visava seu sucesso no rádio. Geraldo Filme, por sua vez, que compôs muitos sambas para a Vai-Vai, vive no Bixiga quando já reconhecido como sambista e compositor. Em 1950, com o parque industrial de São Paulo mais consolidado, a Bela Vista era o subdistrito de maior densidade demográfica da cidade: 170 habitantes por hectare. Da mesma maneira, a quantidade de cortiços e habitações precárias segue em aumento (MARZOLA, 1979). Cabe aqui colocar que o cortiço e outras formas insalubres de habitar, são fatores que tornam o espaço público e, principalmente a rua, o único espaço de lazer da população. A rua como palco de manifestações populares é uma questão intrínseca ao Bixiga, como será enfatizado mais à frente.

Os teatros do Bixiga tiveram grande importância, principalmente na década de 70, quando

muitos deles se tornaram ícones de resistência política e cultural. Um grande exemplo é o Teatro Ruth Escobar, inaugurado em 1963, que em 1969 foi palco da peça “Roda Vivda”, de Chico Buarque. 47


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capítulo 5

do fim da década de 1960 ao fim do século XX

o medo do espaço público

Em 1970, São Paulo se tornava o centro de uma megalópole global, atraindo ainda mais imigrantes internos e aumentando seu número de grandes avenidas e rodovias, como as Marginais, a Radial-Leste e o famigerado Minhocão, obras implantadas rapidamente pelo governo militar vigente. O movimento pendular periferia-centro se intensifica, assim como a valorização fundiária, o que faz com que os assentamentos informais, tais como as favelas, aumentem muito nessa década (CALLIARI, 2016). O centro começa a perder sua variedade de usos quando o crescente setor terciário acompanha o vetor de expansão para a região da Av. Paulista, e posteriormente, nas décadas de 1980/90, para a Av. Faria Lima e Berrini. A classe média cresce, assim como a desigualdade social e a violência urbana. O aumento do crime na cidade e a busca pela sensação de segurança, além das transformações no âmbito econômico, acabam por resultar numa nova forma marcante de ocupação espacial da cidade, que se prolifera a partir da década de 1970: os condomínios residenciais e corporativos fechados e os shoppings centers. Esses grandes espaços fechados têm natureza semipública, áreas de propriedade privada, que possibilitam o acesso a outras pessoas que não somente os proprietários ou usuários. A disseminação desses espaços evidencia o conflito entre o público e o privado, à medida que intensifica a segregação dentro de um mesmo território e acaba, por vezes, substituindo parte da vida coletiva no espaço público (OLIVEIRA, 2013). Sobre esses espaços, a autora Teresa Caldeira (apud CALLIARI, 2016, p. 152) os define como “enclaves fortificados”: “Os enclaves fortificados [...] são propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito, 48


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ao mesmo tempo que desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São controlados por guardas armados e sistemas de seguranças que impõem as regras de inclusão e exclusão [...]” Figura 23 Minhocão corta a São Paulo do fim do século XX Fonte: Divulgação CET apud Mobilidade Sampa

Figura 24 - Muro e ausência de urbanidade nas ruas do Morumbi Fonte: Hélvio Romero

Tem-se, então, no fim do século XX, uma cidade repleta de fissuras urbanas, que abriga as diversas classes sociais de modo compartimentalizado, cada uma em seu modo de morar. O espaço público aberto e democrático vai sendo evitado, assim como uma das muitas qualidades que ele permite: o convívio com o diferente e as trocas sociais. É um período de medo e abandono do espaço público. 49


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carnaval oficializado Apesar de exigir uma regularização, o poder público raramente destinava recursos aos folguedos carnavalescos, que atraíam um número cada vez maior de foliões. Na década de 60, essa conduta se acentua sob o mandato do prefeito Prestes Maia, que concentrava esforços na reurbanização da cidade com a construção de viadutos e avenidas, em detrimento do financiamento de manifestações populares de lazer. Os cordões passam por dificuldades para financiar os desfiles, que se tornavam cada vez mais elaborados (SIMSON, 2007). Diante disso, os líderes das agremiações se mobilizam em associações para reivindicar às autoridades auxílio aos cordões, até que em 1968, os folguedos populares são oficializados pelo prefeito Faria Lima, seguindo o modelo carioca de escolas de samba. Tais moldes se distanciavam do carnaval dos cordões paulistanos, que deveriam se enquadrar à uma série de regras. Não era mais batuque, e sim bateria. Não mais estandarte, e sim bandeira, levada pela porta-bandeira e mestre-sala. Instrumentos de sopro, tais como o clarim, que tradicionalmente introduzia o cortejo do cordão, foram banidos. Oficializa-se o samba no formato carioca como o ritmo do carnaval, dando adeus às levadas mais gingadas dos cordões. Figura 25 - Desfile no Anhangabaú em 1968. O prefeito Faria Lima se encontra ao centro, sobre um palanque Fonte: Simson, 2007

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O resultado desse processo foi o desaparecimento dos cordões na década de 1970 e o surgimento de escolas de samba nesses novos moldes, frequentemente fruto da adaptação dos cordões – muitas com dirigentes brancos, presença até então quase inédita nas agremiações –, passando a interessar a setores mais amplos da sociedade. Se inicia também a transmissão pela televisão dos desfiles no Rio de Janeiro, muito mais rebuscado do que se via em São Paulo, atribuindo “um novo status ao ato de desfilar na avenida” (SIMSON, 2007, p. 220). O carnaval negro ganhava espaço na mídia nacional e internacional. O padrão do carnaval carioca imperava progressivamente, de modo que até carnavalescos eram importados de lá para cá, visando a vitória na avenida. Os dirigentes das escolas se tornavam mais jovens, brancos e ambientados à visão empresarial. O desfile de escola de samba se transformava numa mercadoria, no qual lucravam autoridades, meios de comunicação e os setores turístico e comercial. O sambista virava profissão e o divertir-se, um ato de consumo. Figura 26 - Desfile na Av. TIradentes em 1978. Nota-se as fantasias elaboradas e as câmeras de televisão Fonte: Simson, 2007

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Com a consolidação dos desfiles de carnaval ao modo carioca, durante o fim da década de 60 e 70, o distanciamento de um cortejo mais democrático e participativo, que ocupasse o espaço público, é cada vez maior. Não à toa, isso acontece ao mesmo tempo em que o país vive um período de restrições à liberdade, durante a ditadura militar, com violência e censura a manifestações artísticas. Como consequência, percebe-se um abandono dos espaços públicos de uma maneira geral e o desaparecimento concreto do carnaval de rua. O caráter visual e exclusivo que o carnaval dominado pelas escolas de samba adquire se afirma ainda mais com a migração dos desfiles da Av. São João e do Vale do Anhangabaú para o Sambódromo Anhembi, em 1991, com ingressos pagos e explicitamente voltados para a transmissão televisiva (SIMSON, 2007).

bixiga

Bixiga de resistência O processo de urbanização e verticalização chega ao bairro e o Bixiga se vê marcado por cicatrizes urbanas: viadutos, avenidas e a ligação lesteoeste rasgam o bairro, além do alargamento de ruas e demolições de casarões e vilas (LUCENA, 2016). O Bixiga demora a se conectar ao traçado da cidade, principalmente por não ser englobado pelos planos urbanísticos. Muitas vias abertas no bairro foram de interesse de ligação de pontos na cidade, e não dialogam com o entorno próximo. Há também o asfaltamento de ruas e tamponamento de rios3 : a avenida Nove de Julho, por exemplo, foi construída sobre o Rio Saracura e a Vinte e Três de Maio, sobre o Itororó. Essas mudanças na morfologia urbana são sentidas pela população do bairro e retratadas com maestria pelo icônico samba “Tradição”, composto por Geraldo Filme na década de 70: Quem nunca viu o samba amanhecer Vai no Bexiga pra ver Vai no Bexiga pra ver O samba não levanta mais poeira 3

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Apêndice


JU LH

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bixiga

Asfalto hoje cobriu o nosso chão Lembrança eu tenho da Saracura Saudade tenho do nosso cordão Bexiga hoje é só arranha-céu E não se vê mais a luz da Lua Mas o Vai-Vai está firme no pedaço É tradição e o samba continua

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Figura 27 - Topografia acidentada e os diversos cursos d’água do bairro, hoje tamponados

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Fonte: da autora, a partir do MDC (Mapa Digital da Cidade), em 2018 Figura 28 - A construção da Radial Leste, cortando o Bixiga em 1971. Vista do Glicério para a Bela Vista Fonte: Ivo Justino, 1971

No contexto de forte imigração nacional na década de 1960, um grande número de nordestinos se estabelece no Bixiga, encontrando no bairro aluguéis a baixo preço e proximidade do mercado de trabalho. Essa 53


bixiga

população se dirige, principalmente, a cortiços, vilas, porões e outros tipos de habitações insalubres, processo esse que, segundo Gonçalves (2016, p. 89), “deu início à degradação dos bens patrimoniais históricos do bairro, com intensa deterioração e demolições de edifícios relevantes para dar lugar a prédios comerciais e para eliminar os cortiços ali instalados”. De inúmeras maneiras, a resistência se faz presente. Numa população à margem, que luta pela sua permanência ali; em sua delimitação, que não existe oficialmente e transcende os limites do distrito da Bela Vista; na sua nomenclatura, que em registros oficiais se escreve com “e”, mas em sua história oral, com “i”. A frase dita e afirmada pelo bairro não é por acaso: O Bixiga é um estado de espírito. Figura 29 Delimitação do

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bairro do Bixiga

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REPÚBLICA BELA VISTA BIXIGA

Após esse período de diretrizes objetivando “progresso” em detrimento da questão patrimonial, artística e mesmo humana – o que ainda hoje se observa em diversas políticas públicas – na década de 1980, num contexto de abertura política, são colocadas em pauta discussões em diversos âmbitos, 54


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inclusive sobre revitalização de patrimônio histórico na cidade, de preservação cultural e de costumes (LUCENA, 2016). A proposta de tombamento para o bairro começa a ganhar espaço, assim como o surgimento de projetos urbanos para diversas regiões da cidade, incluindo bairros centrais como o Bixiga. Fala-se sobre ressignificação, história, cultura: “As paisagens vão sendo ressignificadas sob um imaginário denominado patrimônio, levando a que o casario e as manifestações culturais caracterizem o “espírito” do bairro” (LUCENA, 2016).

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PARTE 3 da retomada


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capítulo 6

século XXI a retomada do espaço público Resultante de todo esse processo, tem-se a São Paulo de hoje: uma cidade de muitas cidades, com um sistema viário ainda determinante para ocupação do espaço e a desigualdade e segregação espacial como características marcantes do território. Por outro lado, percebe-se uma tendência de reintegração e reapropriação dos espaços públicos por diversos setores da população, iniciada num período pós ditadura, nos anos 80 e 90, mas que ganha força principalmente no século XXI (MARINO, 2018). O ressurgimento da vontade de estar no espaço público é evidenciado por diversos indicadores, como as manifestações políticas, os ativismos urbanos, as ações institucionais e, ressaltados neste trabalho pelo carnaval de rua, os eventos.

manifestações políticas Talvez uma das primeiras evidências mais marcantes da retomada do uso do espaço público neste século, foram as manifestações de junho de 2013, que se relacionam com uma onda de protestos ao redor do mundo, entre eles a Primavera Árabe, no Oriente Médio, e o Occupy Wall Street, em Nova York. A partir de um aumento das passagens de ônibus e refletindo uma profunda crise de representatividade política, as ruas de São Paulo e de outras cidades do Brasil foram tomadas por milhares de pessoas em várias manifestações diferentes. Em 2016, o impeachment rendeu novamente o controle das ruas à sociedade civil (CALLIARI, 2016), seguido ao período da pré-eleição presidencial de 2018. O manifestar-se nas ruas parece ter voltado ao rol de práticas da cidade. 58


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Figura 31 Manifestação na Av. Paulista, junho de 2013 Fonte: Psicanalistas e democracia, 2013

ativismos urbanos Na vida cotidiana, o desejo de reocupação é constatado pelos movimentos e ativismos urbanos que despontaram para reivindicar e discutir seu espaço na cidade. Alguns surgiram para discutir a mobilidade, seja do ponto de vista do pedestre, como o coletivo Sampapé (2012) e a ONG Cidade a Pé (2015), ou do ciclista, através da associação Ciclocidade (1999), por exemplo, resultando até, em alguns casos, em políticas públicas efetivas. Outros buscam promover a ocupação e utilização dos espaços da cidade, enquanto incentivam seu uso. Em relação às praças, pode-se mencionar o Movimento Boa Praça (2008), que surgiu a partir da iniciativa de vizinhos e chegou até um modelo de gestão colaborativa de praças com o apoio de diversos coletivos, e o A Batata Precisa de Você (2014), que promoveu encontros e eventos sociais no Largo da Batata para fortalecer a relação afetiva com o local e reivindicar melhorias no espaço. Os imóveis abandonados, por sua vez, assistiram à atuação de coletivos artísticos, como Casa Amarela (2014), Ouvidor 63 (2014), Calefação Tropicaos (2010) e Mamba Negra (2013), que neles promovem festas e atividades culturais. Há ainda coletivos que 59


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promovem expedições a pé pela cidade, como o coletivo Rios e Ruas (2010) e o já mencionado Sampapé, e aqueles que lutam pela ressignificação de alguns espaços, como a Associação Parque Minhocão (2016) e a série de coletivos relacionados ao Parque Augusta. Figura 32 - Coletivo propõe atividades no Largo da Batata Fonte: Carta Capital, 2014

Em suma, começa-se a perceber que o urbanismo tradicional, com decisões de cima para baixo e que, na maioria das vezes, ignora o olhar da dimensão humana, não condiz com os anseios de quem está clamando o rumo dos acontecimentos da cidade para si. O fortalecimento do urbanismo tático – que não deixa de ser uma forma de ativismo urbano – é um exemplo de contestação desse modelo, à medida que a prática se baseia na escala do microplanejamento, propondo transformações eficientes a curto prazo e baixo custo, com engajamento da comunidade local. As intervenções realizadas podem servir inclusive para experimentar e testar medidas que futuramente serão, ou não, consolidadas (MARINO, 2018). 60


No período tratado, observa-se também uma série de ações institucionais na direção do incentivo ao uso do espaço público pelas pessoas e que contribuíram para o fortalecimento dos movimentos e coletivos e, assim, para a retomada. No início deste século, a prefeitura e os principais órgãos da administração da cidade voltam a funcionar no centro, que tem suas atividades dinamizadas pelo Plano Diretor Estratégico de 2002. Nessa época são feitas diversas obras de melhorias urbanas e a construção de corredores de ônibus (MARINO, 2018). A Ciclofaixa de Lazer surge em 2009 e em 2013, uma rede de ciclovias foi parcialmente implementada. Nesse ano também, a cidade implanta seu primeiro parklet, forma de uso de vagas de estacionamento como extensão do espaço público para pessoas, ao mesmo tempo em que regulariza e reconhece por lei a arte de rua. O novo Plano Diretor Estratégico, de 2014, foi construído de forma participativa e busca humanizar a cidade, requalificando os espaços públicos de diversas maneiras, junto com a Lei de Ocupação e Uso do Solo (2016), ao estimularem o uso misto e as fachadas ativas, buscam o mesmo fim. Também em 2014, a prefeitura promove alguns eventos e programas, como o SP na rua, que convocou alguns coletivos para ocuparem o centro em forma de festa, e o Projeto Centro Aberto, que busca revitalizar espaços públicos na região central por meio da instalação de atividades e mobiliário temporário. A abertura de vias emblemáticas para o uso de lazer para pedestres, que se estabelece a partir de uma apropriação existente anteriormente, é outra dessas ações, sendo o Minhocão e a Av. Paulista expoentes desse processo.

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ações institucionais

Figuras 33 e 34 - Projeto Centro Aberto, no Largo São Francisco e São Bento Fonte: GestãoUrbana SP 61


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Figura 35 - Paulista aberta Fonte: Catraca Livre, 2016

eventos Seja atraindo multidões, ou reunindo grupos pequenos, os eventos promovidos em espaços públicos se mostram cada vez mais presentes na vida da cidade. Shows, mostras, intervenções artísticas, eventos esportivos, celebrações, festivais e feiras em parques e ruas... São inúmeras as atividades que crescem em sintonia com os demais movimentos desde a virada do século. A Virada Cultural, emblemática na cidade, teve sua primeira edição em 2005, e continua a animar o centro da cidade e durante 24 horas de duração, anualmente. Estima-se que a edição de 2019 foi a maior de todas, atraindo 5 milhões de pessoas em mais de 1200 atividades (PUTINI; TITO, 2019). Seguida dela, surgem outros eventos similares, como a Virada Esportiva (2006) e a Paulista Cultural (2018). O carnaval de rua, recentemente retomado, é outro evento que estimula a permanência e o uso dos espaços públicos. Figura 36 - Virada Cultural toma a região do Teatro Municpal Fonte: G1, 2019 62



carnaval de rua

o carnaval volta às ruas o início

É somente no fim da década de 1980 e início de 1990, no contexto de abertura política e redemocratização, que a volta dos folguedos para os espaços públicos se inicia. Ocorrendo paralelamente aos desfiles das escolas, o movimento no sudeste se inicia no Rio de Janeiro e se espalha anos mais tarde para Belo Horizonte e São Paulo (DIAS, 2019), de modo que ganha força na década de 2000, quando surgem alguns blocos que hoje são referência, como o Kolombolo Diá Piratininga (2002), o Acadêmicos do Baixo Augusta (2009) e o Agora Vai (2004), todos afirmando o direito de estar na cidade, no espaço público. Em 2010, falava-se em 70 mil foliões pelas ruas de São Paulo, mas os jornais da ocasião tratavam a folia como uma alternativa inesperada dos paulistanos (BONATELLI, 2010). Apesar disso, a infraestrutura fornecida para a festa era quase inexistente, enquanto boicotes e repressões aos cortejos eram constantes. Neste mesmo ano, o fundador do Baixo Augusta recebeu voz de prisão por ocupar a Rua Augusta com o cortejo e em 2012, o bloco enfrentou proibições e teve que se apresentar em um estacionamento no centro (BLOCOS, 2014). Contra a repressão e reivindicando reconhecimento e infraestrutura, representantes dos vários blocos se uniram para lançar o Manifesto Carnavalista, em 2012. O Manifesto ressaltava a importância do exercício da cidadania ao ocupar a rua através de manifestações artísticas e da valorização da tradição cultural paulistana, se colocando a favor do direito à folia e à alegria (MANIFESTO, 2012).

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Figura 37 - Ilustração do Manifesto Carnavalista, de 2012 Fonte: Manifesto, 2012

Figura 38 - Cortejo do Baixo Augusta Fonte: Flickr, 2012

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o estouro Com algum diálogo, mas ainda sem reconhecimento por parte do poder público, o carnaval de rua aos poucos se popularizava na capital e, fazendo a história se repetir, tentava buscar seu espaço na cidade. Somavam 40 cortejos até o ano de 2014, quando a prefeitura finalmente regulamenta a folia sob um decreto, que autorizava os folguedos de rua, proibia a exigência de abadás e cordas que separassem os foliões do trio elétrico, além de exigir o cadastramento dos blocos (SÃO PAULO, 2014). O cenário para a consolidação da festa estava formado: em 2014, 170 blocos saíam pelas ruas de São Paulo. No ano seguinte, o número passa para 270, arrastando cerca de 1,5 milhões de foliões, com blocos atraindo um público muito maior do que o previsto, e cada vez mais diversificados no quesito estilo musical. Em 2016, pela primeira vez o carnaval de rua recebe patrocínio privado e conta com 355 blocos cadastrados. Até aí, a folia se concentra nas regiões de Pinheiros e da Sé, e menos de um terço ocupa as periferias (FELITTI, 2016). No ano seguinte, cerca de 2,5 milhões participam dos 391 cortejos pelas ruas da capital e em 2018, o carnaval de rua de São Paulo se transforma em um dos maiores do Brasil: foram 433 blocos, acompanhados de 3 milhões de pessoas (PELLEGRINI, 2019). Figura 39 - Av. 23 de Maio tomada por desfiles de blocos no carnaval de 2018 Fonte: Rovena Rosa/ Agência Brasil, 2018

Figura 40 - Cortejo do Bloco Tô de Bowie no centro Fonte: Walmor Carvalho, 2017 66


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carnaval de rua

o hoje “Com verba e artistas em peso, Carnaval de rua de São Paulo deixa Rio para trás”, é a manchete da Folha de S. Paulo no domingo de carnaval de 2019. Neste ano, o crescimento estrondoso do carnaval de rua se faz visível na capital mais uma vez: 570 blocos se inscreveram, sendo que um em cada cinco blocos fizeram sua estreia nesse ano. E a prefeitura prevê que cerca de 5 milhões de pessoas curtiram a festa (CUNHA, 2019). Figura 41- Foliões se divertem no cortejo do Bloco Tarado Ni Você, no sábado de Carnaval Fonte: da autora, 2019

Esse número se distribui nos mais variados tipos de blocos. As marchinhas carnavalescas coexistem com o samba, o axé, o frevo, o ijexá e até o rock e o jazz, fazendo jus às dezenas de facetas do paulistano. Ainda que o circuito centro-pinheiros seja o maior palco para os cortejos, a folia se expandiu pelo município e os blocos na periferia aumentaram em número e receberam incentivos de projetos sociais (ZYLBERKAN, 2019). 68


carnaval de rua

Durante o carnaval, vias emblemáticas da cidade são fechadas para os carros e ocupadas pelas pessoas, assim como no pré e pós-carnaval. Em 2018, a Avenida 23 de Maio foi um dos circuitos ocupados por mega-blocos (capazes de atrair 100.000 pessoas), que em 2019 ocuparam a Avenida Luís Carlos Berrini e a Av. Tiradentes. Ao mesmo tempo, pequenas ruas de bairro se animam com pequenos blocos de vizinhança, atraindo até 500 pessoas. O espírito da folia parece ter extrapolado de vez a data do carnaval, tornando-se cada vez mais comum os ensaios abertos, as festas e as celebrações promovidas pelos blocos na cidade ao longo do ano, o que consolida ainda mais o carnaval de rua em São Paulo. Figura 42 Foliões nos cortejos em frente ao Monumento às Bandeiras Fonte: Bruno Santos, 2019

Figura 43 BaianaSystem arrasta multidões na Av. Tiradentes Fonte: Nelson Antoine, 2019

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carne e coração de carnaval A retomada do carnaval de rua, como visto anteriormente, está inserida num contexto mais amplo de reapropriação do espaço público em São Paulo. Além de ser um reflexo desse movimento, o carnaval carrega também um sentido particular na sociedade. Para o antropólogo Roberto DaMatta (1990), um dos primeiros intelectuais a discorrer sobre o tema, o carnaval diz muito a respeito das relações sociais dos brasileiros e é baseado no princípio da inversão de valores. Na década de 1990, ele defende que, em meio a uma sociedade desigual, este seria o momento no qual é possível se sentir grupo, como coletivo. Uma festa sem dono, onde todos têm o direito de brincar. É ali que nós, brasileiros, deixamos de lado nossa sociedade hierarquizada e repressiva, e ensaiamos viver com mais liberdade e individualidade. Essa é, para mim, a dramatização que permite englobar numa só teoria, não só os conflitos de classe (que são compensados e abrandados no Carnaval), como também a invenção de um momento especial, que guarda com o cotidiano brasileiro uma relação altamente significativa e politicamente carregada [...] (DAMATTA, 1990, p. 34).

Trazida a reflexão para a atualidade, esse momento especial representa uma inversão também do cotidiano, como um respiro à vida contemporânea, que é dura e repleta de normas, que dizem respeito também ao comportamento do próprio corpo na cidade. Uma suspensão temporária das regras, que inclui o caminhar pela cidade sem necessariamente um ponto final como objetivo, fazendo do percurso uma parte da própria celebração (DAMATTA, 1990). Adiciona-se a tudo isso, a simples, mas fundamental busca pelo lúdico, que é por vezes escassa quando fevereiro chega ao fim. O carnaval é um momento em que as pessoas “perseguem fundamentalmente o prazer e a sorte, a felicidade e o bem-estar. É isso que impede a precisão corporativa e permite religar (como um verdadeiro momento religioso) todos com todos como simples ‘foliões’” (DAMATTA, 1990, p. 94). Se vestir como quiser, com muito glitter, flores, adereços e fantasias. Tudo isso é mais que aceito durante o carnaval. Tem-se aqui um momento de puro

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extravasamento, miscelânea, espontaneidade e, principalmente, liberdade. O carnaval pode ser entendido, portanto, como um reflexo de quem somos e de como gostaríamos de ser. Figura 44 Extravasar: foliã se diverte ao som de BaianaSystem no carnaval de São Paulo Fonte: Edson Lopes Jr./UOL, 2019

Como visto na história, os folguedos populares nas ruas sempre foram um meio de afirmação cultural. Principalmente os negros, encontravam no carnaval – momento de abrangência e liberalidade – espaço para se manifestar. Da mesma maneira, crescem e se afirmam os blocos que se fundamentam em causas, pautas que normalmente não têm voz no mundo cotidiano. É o caso por exemplo do bloco Pagu (2017) e do Eu Acho é Coco (2019), que se apoiam no empoderamento feminino, o Ilú Obá De Mín, que colocam em pauta a cultura negra e o MinhoQueens (2016), um dentre dezenas que exaltam a cultura LGBT.

carnaval de rua

resistência, sobrevivência e política

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carnaval de rua

Figura 45 - Cortejo do Bloco Pagu próximo ao Páteo do Colégio Fonte: Marcos Bacon

O viés politizado também esteve tradicionalmente presente nos blocos. No carnaval operário, o carro alegórico do bloco Moderado criticava os comerciantes desonestos na década de 1940. Na década de 1950, o fundador do Bloco Esfarrapado foi preso pelo DOPS ao se vestir e satirizar o então presidente Juscelino Kubitschek durante o cortejo do bloco. As marchinhas de carnaval, por sua vez, sempre denotaram a sátira à política, desde a Segunda Guerra Mundial, quando a marchinha “Quem é o Tal?” fez sucesso ironizando Hitler, passando por Vargas e chegando até escândalos de corrupção como a Operação Lava Jato, em 2016 e o comportamento conservador e as polêmicas ligadas à presidência de Jair Bolsonaro, em 2019 (LOBEL, 2019). Isso também está presente nas fantasias e adereços portados pelos foliões. Para o historiador Luiz Antonio Simas (apud DIAS, 2019), os momentos mais complicados para o país tendem a gerar os melhores carnavais. “É uma festa engajada que satiriza o cotidiano, a política e os costumes, o atual momento. Os sambas e as marchinhas são muito adequados à caricatura. [Têm] esse papel de cutucar a onça com vara curta”. 72


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Figura 46 Foliões se vestem de laranja, satirizando a polêmica dos candidatos laranja do PSL Fonte: Folha, 2019

Figura 47 Bloco Orquestra Voadora faz referência à morte de Marielle Franco Fonte: André Lucas/UOL, 2019

Assim, o carnaval se mostra, através de diversas facetas, uma forma de resistência e de sobrevivência ao mundo “real”. É uma maneira de exercício de cidadania, num país que fechou seus canais formais para tal à maior parte da população (SIMAS apud DIAS, 2019). É um ato consciente e politizado, em forma de ode à música, ao democrático, à cultura e ao se apropriar da cidade. 73


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mercantilização X essência Com as enormes proporções que o carnaval de rua de São Paulo tomou, principalmente nos últimos cinco anos, a festa tem enfrentado, mais uma vez, o esboço de uma institucionalização. Os decretos estabelecidos em 2015, e mais recentemente em 2017, revogando o decreto de 2014, evidenciam um engessamento da folia através da burocratização, além de um crescente interesse econômico no festejo. Por um lado, os decretos significam o reconhecimento por parte do poder público ao carnaval de rua, o que quer dizer a disponibilização de uma infraestrutura à festa: banheiros públicos; fechamentos oficiais de ruas; mobilização de outros setores como o da saúde, para atendimento e campanhas específicas de conscientização; maior divulgação dos cortejos, entre outras medidas (SÃO PAULO, 2017). Mas, por outro lado, uma série de imposições é feita aos blocos, como a exigência do credenciamento com muita antecedência junto à prefeitura, os circuitos fixos previamente estabelecidos, a cobrança de taxas, os horários restritos de início e dispersão, e, principalmente, o não reconhecimento dos festejos que não se adequam às exigências impostas pela prefeitura (LISBOA, 2019). Além disso, percebe-se um crescente interesse econômico no evento, que se manifesta por exemplo no patrocínio de marcas de bebidas, que monopolizam as vendas durante os folguedos, e nos muitos blocos que se estruturam como empresas para viabilizar a estrutura exigida (PELLEGRINI, 2019). Há também a popularização dos mega-blocos, que atraem mais de 100.000 pessoas, e são inseridos num esquema de grandes trios elétricos e carros de som em uma longa avenida, liderados muitas vezes por artistas do Brasil todo com patrocínios do setor privado – em 2019 por exemplo, seis blocos desfilaram pela Av. Tiradentes durante todo o dia. Tudo isso indica uma espécie de pasteurização de uma manifestação popular que é, essencialmente, constituída de liberdade e democracia.


Vendedores oficiais deixam a região do Ibirapuera após dispersão de blocos

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Figura 48 -

Fonte: da autora, 2019

Na contra-mão desse movimento, observa-se vários blocos que se mantêm através de um financiamento de bairro, arrecadando verba durante o ano através de festas e celebrações. O Bloco Esfarrapado é um exemplo disso (PELLEGRINI, 2019). Outros, se colocam contra essa tendência ao negar a utilização de trios elétricos e caixas de som, fazendo uso somente da “corda de pessoas” para garantir um espaço aos integrantes da bateria, que fica no chão, lado a lado com o folião. É o caso do Espetacular Bloco da Charanga do França, por exemplo. Há ainda aqueles que, mesmo sem a autorização da prefeitura, saem nas ruas tocando e festejando, atraindo moradores do bairro e quem estiver passando. Em 2019, mais de 60 blocos se uniram no chamado Arrastão dos Blocos, se manifestando em um único cortejo no centro, fora das datas “oficiais”, para se posicionar contra a tendência da mercantilização, imposição de regras que limitam a manifestação cultural, e as repressões policiais, que também foram marcas do carnaval deste ano (MANIFESTO, 2019; Bloco Agora Vai acusa PM de truculência, 2019). 75


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Figura 49 Moradoras do bairro de Santa Cecília assistem ao cortejo do Espetacular Bloco da Charanga do França da janela Fonte: da autora, 2019

Figura 50 Moradores do bairro de Santa Cecília assistem ao cortejo do Espetacular Bloco da Charanga do França da sacada Fonte: da autora, 2019

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carnaval de rua

Figura 51 - Blocos se unem em cortejo no Arrastão dos Blocos, no centro Fonte: Arthur Lima, Bia Varella e Sofia Antunes, 2019

Os impasses que o carnaval de rua sofre na atualidade revelam o quão complexo é o conflito de interesses dos diferentes setores da sociedade e como uma manifestação cultural popular pode aos poucos ser disputada por todos eles. De uma maneira ou de outra, a explosiva retomada da folia só reforça o fato de que a apropriação da rua já se apresenta muito forte na cidade. É certo e observado durante sua história, que o carnaval tem como característica inerente a capacidade de se reinventar e encontrar seu espaço na cidade, servindo de instrumento de resistência e ocupação das ruas.

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o Bixiga na virada do século patrimônio Na virada do século, o Bixiga conta com a atuação de ONGs pelo território, que se voltam para os moradores de baixa renda – ainda há muitos cortiços no bairro. Criam-se acervos e museus para abrigar um pouco dessa história, enquanto coletivos dão continuidade ao tema da preservação. A proteção dos bens históricos toma forma em 1993 e é revisada em 2002, pelo COMPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico), quando o Bixiga se torna o primeiro bairro a possuir um tombamento por uma área em conjunto. O órgão de patrimônio da esfera estadual, o CONDEPHAAT

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bixiga

(Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) também tombou diversos edifícios do bairro, de modo que hoje o Bixiga possui mais de 800 imóveis tombados, 1/3 dos bens tombados de toda a cidade (ZOÉ, 2018). Vale ressaltar que o tombamento por si só, da forma como ocorre hoje, não garante necessariamente uma boa condição de preservação dos imóveis, de maneira que ainda percebese muitos edifícios degradados mesmo que tombados (GONÇALVES, 2017), mas tal política pode ser vista como uma maneira de incentivar a discussão e reconhecer a importância da história e cultura do local, além de conter minimamente a especulação imobiliária.

ESC 1:10.000

Bens/Áreas Tombadas 100 Edificações

0

100 200 300 m

até 3 pavimentos de 3 a 8 pavimentos de 8 a 15 pavimentos de 15 a 25 pavimentos mais que 25 pavimentos

Figura 52 - Grande quantidade de bens

Figura 53 - Gabarito predominantemente

tombados da região

baixo na região central do bairro, condizendo em grande parte com os bens tombados

Fonte: da autora, a partir do MDC (Mapa Digital da Cidade), em 2018

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de sobrevôo na

bixiga

Figura 54 - Foto altura da Praça Dom Orione em direção ao centro. É visível a predominância do baixo gabarito na região Fonte: Gustavo Dias, 2018

Bixiga de apropriações de rua Nesse contexto, as festas e manifestações populares que ocorrem na rua, permanecem acontecendo e ganham ainda mais força. Algumas festividades se mantêm na mesma dinâmica, enquanto outras adquirem linguagens mais contemporâneas (LUCENA, 2016), angariando um público cada vez maior. Pode-se questionar até que ponto as festividades, algumas com proporções tão maiores do que originalmente, como a Festa da Achiropita, são de fato uma expressão das manifestações espontâneas da coletividade, ou apenas uma reconstrução de um imaginário de tradição que visa o turismo e a valorização econômica (GONÇALVES, 2017). Fato é que as celebrações do Bixiga têm alcançado grande repercussão e, mesmo tendo suas características alteradas, muitas vezes até para sua própria sobrevivência, podem servir para que a preservação do bairro seja cada vez mais incentivada e para que sua história, tão rica e por vezes deixada de lado, e quase apagada, seja mais divulgada e prestigiada. “Vale o olhar do morador, do investigador e do visitante ser aguçado para as questões e preocupações do lugar, ampliam sensibilidades e as possibilidades no tocante à interpretação do patrimônio, na elaboração de planos e articulação de parcerias” (LUCENA, 2016). 79



Entende-se então, o território do Bixiga como construído socialmente por diversos grupos que se encaixavam na sociedade como minorias, sejam escravos libertos, sejam imigrantes, sejam nordestinos e, mais recentemente, refugiados de diversos países. Suas manifestações culturais têm lugar, historicamente, no espaço público do bairro – principalmente na rua –, onde a expressão de uma miscigenação cultural e de resistência são até hoje protagonistas. As diferentes festividades e manifestações populares que ocupam a rua das mais diversas formas são uma representação de tudo isso, e através delas, o Bixiga se mantém vivo.


Figura 55 - Festa da Nossa Senhora da Achiropita: Agosto e Setembro Fonte: Globo, 2018


Figura 56 - Ensaios da Vai-Vai na rua: Quintas e Domingos prรณximos ao carnaval Fonte: Vai-Vai, 2017


Figura 57 - Bloco dos Esfarrapados: Sempre na Segunda-feira de carnaval Fonte: R7, 2014


Figura 58 - Bolo Gigante do aniversário de São Paulo: todo dia 09 de janeiro Fonte: Evento Bolo do Bixiga 463 anos de São Paulo, 2017


Figura 59 - Lavagem do grupo Ilú Obá de Min na Escadaria do Bixiga e na Rua Treze de Maio: todo dia 13 de maio Fonte: Blogspot, 2016


Figura 60 - Samba da Treze: toda noite de Sexta-feira Fonte: Bem Blogado, 2018


Figura 61 - Jazz na Escadaria: ao menos uma vez no mĂŞs Fonte: PĂĄgina oficial da Escadaria do Jazz, 2017


Figura 62 - Feira de Antiguidades na Praรงa Dom Orione: todo Domingo Fonte: Wordpress, 2011



PARTE 4 das reflexões


capítulo 7

referências projetuais XYZ open city O “XYZ Open City” é um dos braços do projeto “XYZ Factory”, um sistema modular e de baixo custo desenvolvido e disponibilizado para que as próprias pessoas, em suas comunidades locais, possam produzir e implementar diversas funções compartilhadas no espaço público. O sistema foi criado pelo coletivo artístico e ativista N55, fundado em 1994 em Copenhagen, e pode ser utilizado para construir desde jardins urbanos e espaços para comer, até estruturas flutuantes e habitações isoladas. O esquema de construção é baseado na técnica conhecida como XYZ, que consiste na amarração dos nós em três eixos, para a obtenção de módulos ortogonais, fazendo uso de ferramentas básicas. Dessa forma, os módulos podem ser combinados em qualquer direção, como num jogo de montar (N55). O protótipo da XYC Open City foi construído em 2013 em Groningen, na Holanda, através da parceria entre o coletivo e professores e estudantes da Minerva Art Academy. No protótipo, utilizou-se barras de alumínio para a formação do módulo e foram gerados espaços para funções como estar, comer, cozinhar e gerar energia (N55). Figura 64 - O encaixe XYZ, presente no protótipo feito em Groningen Fonte: N55, 2013

92


Figura 65 Protótipo em Groningen, 2013 Fonte: N55, 2013

Figura 66 Protótipo em Groningen, 2013. Alguns usos possíveis Fonte: N55, 2013

O XYZ Open City é uma forte referência projetual, tanto no que diz respeito ao sistema construtivo, quanto na ideia que defende. O projeto se propõe como ferramenta de empoderamento das pessoas sobre suas próprias cidades, algo que vem ganhando força principalmente desde a virada do século, em São Paulo e ao redor do mundo, como foi apontado. Essa lógica contesta o urbanismo tradicional de “cima para baixo”, que se observou na formação de muitas cidades, colocando o cidadão, usuário do espaço, como protagonista. A lógica construtiva está em consonância com essa ideia: o encaixe dos nós é simples e resistente, e a lógica modular permite a fácil construção e flexibilidade de usos, aspectos tão importantes para que a comunidade local consiga construir seus próprios espaços e, consequentemente, se aproprie deles. 93


a casa do quarteirão – Estúdio Orizzontale A Casa do Quarteirão é uma instalação de madeira permanente desenvolvida pelo Estúdio Orizzontale em parceria com o designer visual NOROCKET, na ilha dos Açores. Foi criada para o festival de artes Walk & Talk 2016, que visa produzir projetos experimentais, dialogando com o território, a cultura e a comunidade local e assim promover a partilha e a co-criação de espaços. A instalação se localiza numa pequena travessa do bairro O Quarteirão, na cidade de Ponta Delgada, com o intuito de transformá-la numa praça para uso da comunidade. A instalação consiste no conjunto de um pequeno pavilhão, um terraço e um espaço livre entre eles. Feito em cinco dias com a ajuda da comunidade, o projeto utiliza um tipo de madeira nativa da ilha, e segue a lógica modular, para que possa ser remontado em várias configurações atendendo às diversas necessidades (LYNCH, 2016). Figura 67 Pequeno pavilhão construído na entrada da travessa Fonte: Sara Pinehiro

94


Figura 68 Apropriações no pavilhão constuído Fonte: Rui Soares

Figura 69 - Espaço livre e mobiliário na travessa do bairro Fonte: Rui Soares

Este projeto, como XYZ Open City e outros ativismos urbanos apresentados, propõe o envolvimento da comunidade na construção de um espaço que será por ela utilizado, algo tão importante para a apropriação e sentimento de pertença na cidade. Através de uma intervenção singela, construída com poucos materiais em pouco tempo, o projeto dá um novo uso para um espaço em meio à cidade consolidada, considerando o entorno e suas particularidades. A leveza, a mistura do existente com o novo, e a distribuição do programa pela pequena travessa entre empenas podem ser apontadas como qualidades do projeto. 95



Fevereiro de 2019. É sexta-feira, pelas ruas do Bixiga. São oito horas da noite, e o termômetro marca 30 graus. O Bixiga ferve, de calor e de encontros. Em um bar pequeno, sambistas se preparam para dar início a uma das dezenas de rodas de samba que pipocam pelo bairro. Mais abaixo, amigos se reúnem nos botecos lotados de cerveja gelada e gente animada. Ruas acima, famílias enchem a barriga com os pratos fartos das cantinas italianas, enquanto o tradicional samba, esquinas ao lado, lota a rua. Filas se formam nas entradas das baladas, grupos de carnaval realizam seus ensaios abertos em casas de show, dezenas esperam nas calçadas para assistir a espetáculos nos teatros das redondezas. Já adentramos a madrugada, mas para as ruas pulsantes do Bixiga, a noite parece não ter fim.


capítulo 8

proposições uma leitura do território A partir da ótica das apropriações e festas de rua, elaborou-se uma cartografia sensitiva das apropriações que ocorrem no bairro, levando em consideração seu porte e sua localização habitual (Figura 70).

Apropriações sazonais (festa da Achiropita e Ensaios da Vai-Vai) Apropriações semanais (samba, feira livre, feira de antiguidades, eventos musicais...) Rotas dos blocos de Carnaval de Rua em 2018 Apropriações fruto de eventos internos (próximas a bares, teatros...)

Figura 70 - Cartografia sensitiva Fonte: da autora 98

o

lh

.

Av

N

e ov

de

Ju


a r bosa R. Rui B

Praรงa 14 Bis

Maio R. Treze de

rrรฃo R. Cons. Ca

Praรงa Dom Orione


A partir da cartografia elaborada, percebe-se uma concentração grande de festividades na região que vai da Praça Dom Orione até a quadra da Vai-Vai, próximo à Praça 14 Bis. Tal fato definiu o recorte territorial de estudo mais aprofundado do território e, consequentemente, as proposições realizadas. É possível perceber também a existência de três regiões nas quais acontecem muitos festejos. São elas a região da Vai-Vai e uma porção do grotão do Bixiga, a região próxima à Achiropita e a região da Praça Dom Orione (Figura 71). Figura 71 - As três centralidades de festejos

R.Sao Vicente

TREZE SAMBA ACHIROPITA

bosa R. Rui Bar

VAI-VAI GROTA

Fonte: da autora

Carrão R.Cons.

Maio Treze de

PRAÇA E ESCADARIA

Para o entendimento do território, adiciona-se à lente das festas de rua outros aspectos muito importantes para a formação do bairro que refletem diretamente em suas características atuais. São eles a multiculturalidade, o patrimônio histórico e a resistência. No recorte territorial definido, são mapeados pontos de interesse histórico e/ou cultural, que refletem essas características, bem como terrenos subutilizados que apresentam algum potencial para o uso público. 100


interesse histรณrico e/ou cultural

Figura 72 - Anรกlise de pontos de interesse histรณricoculturais Fonte: da autora

101


vazios/subutilizados

ESTACIONAMENTOS

ESCADARIA E ร REA VERDE

POSTO DE GASOLINA

ESTACIONAMENTO

Figura 73 - Anรกlise de pontos vazios/ sub-utilizados Fonte: da autora

102

LARGO ESCADARIA


As análises do território, somadas às demais questões estudadas, – tanto no que tange ao espaço público, entendido como lugar de encontro e que se relaciona com a importância do caminhar e da urbanidade, quanto no que tange ao carnaval de rua, como manifestação que quebra o cotidiano, que provoca, libera e instiga –, geram diretrizes para uma proposição: promover caminhabilidade, dar margem à usos, como respiros que instigam em meio à cidade consolidada e, principalmente, potencializar as apropriações e festejos de rua que ali acontecem com tanta força, numa tentativa de colaborar para a manifestação cultural tão rica e viva no Bixiga.

o projeto O projeto se define, então, como um percurso lúdico, da Vai-Vai até a Praça Dom Orione, que perpassa os pontos de interesse dessa investigação e permite, na verdade, muitos percursos. Assim, se constitui de três camadas: as ruas, o mobiliário urbano e as intervenções.

1. RUAS 2. MOBILIÁRIO 3. INTERVENÇÕES

Figura 74 Diagrama do percurso lúdico Fonte: da autora 103


masterplan

Figura 75 - Masterplan Fonte: da autora 104

10m 0m 10m 30m 50m

100m


1 - ruas Percebe-se que a morfologia da malha viária nessa porção do bairro não condiz com as apropriações e festejos que ali existem atualmente. O Samba da Treze, por exemplo, atrai muitas pessoas para a rua Treze de Maio todas as sextas-feiras, de modo que, sem o fechamento da rua, nem os automóveis conseguem circular adequadamente e nem os participantes do evento ficam em segurança. Além disso, a maioria das vias dispõem de calçadas estreitas, desconfortáveis e inseguras para o pedestre, além de muito espaço destinado a vagas de estacionamento, o que não contribui para a urbanidade. Dessa forma, propõe-se transformar as ruas do percurso em lugares mais caminháveis, diminuindo a velocidade, alargando calçadas onde possível, transformando algumas das vias em ruas compartilhadas, trabalhando travessias mais seguras e propondo o fechamento temporário de algumas ruas através de balizadores.

RUA COMPARTILHADA TRAVESSIAS EM NÍVEL VELOCIDADE REDUZIDA FECHAMENTOS TEMPORÁRIOS POR FESTAS E EVENTOS

Figura 76 Diagrama do percurso lúdico Fonte: da autora 105


rua compartilhada - Treze de Maio

2,5m

2m

1m

3,5m

3m 1m 2,5m 1,5m

2m

16m

Faixa de acesso Faixa livre

Faixa de serviço

Vagas eventu ais Faixa carro

Figura 77 - Corte esquemático da reconfiguração da rua Treze de Maio Fonte: da autora

A rua compartilhada parte da premissa de compartilhar o espaço e a responsabilidade da rua, para fazer do local de passagem um lugar de permanência que estimule as atividades sociais. Para isso, pode-se propor o nivelamento entre o espaço das pessoas e o espaço dos carros, afim de eliminar a hierarquia e estimular o contato visual (Figura 78), o que naturalmente diminui a velocidade dos veículos e aumenta a segurança. Pode-se também propor que a sinalização seja feita através de texturas e cores dos pisos, mobiliário e 106


vegetação (Figura 79), tornando a rua compartilhada um espaço atrativo para a vida urbana. É interessante também que se mantenha as características naturais da rua (Figura 80), coloborando para uma apropriação dos cidadãos locais (LAB, 2017). Figura 78 Nivelamento de calçada e pista de rolamento na R. Treze de Maio Fonte: da autora

Figura 79 Vegetação, mobiliário e iluminação como balizadores na R. Treze de Maio Fonte: da autora

Figura 80 Características da R. Treze de Maio a serem preservadas Fonte: da autora

107


velocidade reduzida - tipo 1

1,3m 2,45m

1m

3,5m

2,45m 1m 1m 2,5m 1,5m

13m

Faixa de acesso

Faixa de serviรงo

Faixa livre

Vagas eventu ais Faixa carro

velocidade reduzida - tipo 2

1,3m 1,7m 1m

7m

1m 1,7m 1,3m

15m

Faixa de acesso

Faixa de serviรงo

Faixa livre

Faixa carros

Figura 81 e 82 - Corte esquemรกtico da rua de velocidade reduzida tipo 1 e 2 Fonte: da autora 108


2 - mobiliário A segunda camada do percurso se constitui do mobiliário urbano, que está presente, tanto nas intervenções, quanto nas ruas. Ele visa dar suporte às festas de rua do bairro, atendendo necessidades do próprio “estar” durante os eventos, além de acomodar atividades da vida cotidiana. DESCANSAR

SE ABRIGAR

COMER

ESTAR BRINCAR

INTERAGIR

APRENDER

Figura 83 - Esquema: algumas funções do “estar” Fonte: da autora

A premissa do mobiliário é a fácil montagem/desmontagem e armazenamento, para que, conforme o desejo das pessoas e a ocorrência das festas, ele possa aumentar, diminuir e tomar as mais variadas formas. A ideia é que nas ruas, a maioria dos mobiliários sejam fixos, para que sua função balizadora seja garantida. Para atender a flexibilidade, o mobiliário parte de poucos elementos base: as barras metálicas e as placas de tetra pak recicladas – que podem receber pintura acrílica4 –, para a formação de módulos, que podem ser replicados em qualquer direção e assim atender às funções pretendidas. 4

A representação das placas do mobiliário conta com uma paleta de cores aleatória. Em

etapas posteriores, seria interessante a realização de um estudo cromático, para que, a partir de uma leitura sensível do bairro, se resgatasse cores que fazem sentido na proposta. 109


elementos base 10cm

BARRAS METÁLICAS

21mm

Perfil quadrado Seção de 21mm de lado

21mm 21mm

75cm

PLACAS DE TETRA PAK RECICLADO Placas quadradas Espessura 10mm

50cm

10cm

Travamento diagonal

75cm 54cm

89cm

50cm

75cm

50cm 50cm 50cm

75cm 75cm Figura 84 - Os elementos base e os possíveis módulos formados a partir deles Fonte: da autora 110


A partir dessa lógica, há inúmeras possibilidades de objetos e espaços que podem ser formados, como bancos, espaços para comer, tótens informativos, tablados e abrigos, atendendo às atividades pretendidas separadamente ou numa mesma situação e podendo gerar também outras funções. Quando um módulo é deixado em balanço, adiciona-se o travamento diagonal (Figura 87).

+ 50cm 50cm

DESCANSAR

+ 50cm 50cm

COMER

+ 75cm 75cm

Figura 85 - Funções atendidas a partir da junção de módulos Fonte: da autora 111


+ 75cm 75cm

APRENDER

75cm

50cm 50cm 50cm

75cm 75cm

75cm 50cm

Figura 86 - Funções atendidas a partir da junção de módulos Fonte: da autora 112

INTERAGIR


+ 75cm 75cm

2.25m

89cm

ABRIGAR-SE

ABRIGAR-SE APRENDER INTERAGIR DESCANSAR COMER BRINCAR

Figura 87 - Funções atendidas a partir da junção de módulos Fonte: da autora 113


os encaixes Não existe uma peça de encaixe, de modo que, para a construção do módulo, as barras são parafusadas entre si a partir do sistema XYZ, dispondo de furos sempre nos mesmos pontos. As placas se conectam ao módulo com o auxílio de espaçadores de plástico, peça que está presente também na união de um módulo com o outro.

XYZ

porca

arruelas

parafuso passante

7mm

15mm 65mm

7mm

perfis metálicos

15mm

6mm 5mm

parafuso passante

13mm

13mm

4mm

arruela

porca 13mm

13mm

espaçador

Figura 88 - Os encaixes: sistema construtivo Fonte: da autora 114

21mm

21mm


4mm 21mm

21mm

+

4mm 10mm 4mm 21mm 6mm 24mm

8mm

6mm

4mm 4mm

4mm

13mm 4mm 21mm

21mm

perfil metรกlico

perfil metรกlico

8mm

espaรงadores Figura 89 - Os encaixes: sistema construtivo Fonte: da autora 115


Para testar o funcionamento do encaixe, sua resistência e proporções de furos e elementos, foi realizado um experimento em madeira na escala 1:1.

Figura 90 - Processo e resultado do experimento Fonte: da autora

116


3 - intervenções Na terceira camada do percurso estão as intervenções: transformações feitas nos lotes identificados como subutilizados. O mobiliário desenvolvido está presente nelas, contribuindo para a conformação dos espaços. Para cada uma das intervenções, atribui-se um programa que dialoga com o contexto próximo, e a diretriz geral é a configuração de praças – atentando ao fato de o bairro ser bastante consolidado e possuir poucos respiros – que contêm pequenas edificações de apoio, com banheiros públicos e espaço para armazenamento do mobiliário/auxílio para eventos e, em algumas situações, espaços comerciais. Propõe-se a implantação de cobertura verde para essas edificações. CONTEMPLAR (praça + comércio)

CONECTAR (praça + apoio eventos)

TRANSPOR (estar + interação com área verde)

BRINCAR (praça + parquinho e apoio)

ESTAR (praça + apoio)

MIRAR (praça + mirante) 10m 0m 10m 30m 50m

100m

Figura 91 - Programas propostos para as intervenções Fonte: da autora 117


1 e 2

Aprofundou-se no conjunto das intervenções 1 e 2, que se localizam entre a área mais acidentada do percurso e uma área mais plana, além de estar entre duas das centralidades promotoras de eventos de rua identificadas, na porção norte do território. Pode ser entendida, então, como um ponto chave para conectar trechos do percurso e, portanto, do bairro. cente R. São Vi

o

769.00

TRANSPOR

R. Coração da Eur opa

CONECTAR 779.00 APOIO - ESCOLAS E EVENTOS

eto s Barr R. Luí

R. St o. An tônio

nat Gra L. R.

R MPLA

E CONT

Figura 92 - Localização das Intervenções 1 e 2 Fonte: da autora, 2018

Nas áreas de ambas as intervenções funcionam hoje estacionamentos. Em frente à área 1, há um grande muro de contensão que recebeu grafittis que contam a história do bairro, local hoje bastante degradado, enquanto a área 2, 10 metros acima da primeira, vai de uma extremidade à outra do quarteirão. Pretende-se então, transformar tais estacionamentos em praças, que se integram através da abertura da ligação entre a Rua Luís Barreto e a Rua Coração da Europa, sem saída, e uma passarela e elevador públicos, conectando ambas as áreas. 118


Figura 93 - Vista da Rua Santo Antônio para o fim do muro e a Rua Coração da Europa Fonte: da autora, 2018

Figura 94 - Vista aérea do muro de grafitti na R. S. Antônio e, acima, a Rua Coração da Europa Fonte: Bixiga Existe, 2018

Figura 95 - Vista da R. C. Europa para o terreno da intervenção 1 Fonte: Bixiga Existe, 2018

Figura 96 - Vista da R. L. Barreto para o terreno da intervenção 2 Fonte: Bixiga Existe, 2018 119


Figura 97 - Perspectiva: intervençþes 1 e 2 Fonte: da autora 120


B

A

A

B

5m

0m

5m

15m

35m

Figura 98 - Implantação das intervenções 1 e 2 Fonte: da autora 121


Figura 99 - Corte longitudinal AA: intervençþes 1 e 2 Fonte: da autora


1m 0m 1m 3m

7m

11m


No projeto, o mobiliário ora organiza os fluxos, como na intervenção 2, ora se assenta em platôs, que são pensados também para incentivar a contemplação dos grafittis, como na intervenção 1 (Figura 100), podendo ocupar mais ou menos espaço, dependendo dos eventos que ocorrem. A Rua Luís Barreto é uma das vias fechadas durante a Festa da Achiropita, de modo que os espaços propostos podem cumprir a função de desafogamento durante o festejo. Podem ser utilizados também por outras instituições que carecem de espaços para eventos, como escolas, por exemplo. A Figura 98 e a Figura 99 mostram a intervenção em duas situações diferentes, exemplificando possíveis montagens do mobiliário. Quanto às edificações de apoio, pensou-se em duas áreas para cafés na intervenção 1, incentivando a permanência, além dos banheiros públicos e sala de apoio, presentes também na intervenção 2.

Figura 100 - Corte transversal BB: intervenções 1 e 2 1m 0m 1m 3m

Fonte: da autora, 2019 124

15m

7m

11m

35m


Figura 101 - Perspectiva da intervenção 2 Fonte: da autora, 2019 125


3

Figura 102 Localização da intervenção 3

R. S to. Antô nio

As demais intervenções foram trabalhadas de forma mais diagramática. A intervenção 3 se localiza numa das poucas áreas verdes do bairro, que é adjacente à uma escadaria, hoje degradada. Para revitalizar o espaço, aproximar as pessoas do verde e evitar a deposição de lixo no local, algo que ocorre com frequência, propõe-se dois espaços de estar, que partem de patamares da escada existente.

Fonte: da autora, 2019

Figura 103 Escada existente, que leva até a R. L. Granato Fonte: da autora, 2019 126

Figura 104 - Vista da rua Dr. L. Granato Fonte: da autora, 2019


Figura 105 Implantação Intervenção 3 Fonte: da autora, 2019

Figura 106 Perspectiva intervenção 3 Fonte: da autora

depósito

2m 0m 2m

5m

0m

5m

6m

15m

10m

127

35m


4

A intervenção 4 é hoje um posto de gasolina na esquina da Rua Conselheiro Carrão com a Rua dos Ingleses, local importante na localização dos eventos. Propõe-se a implantação de uma praça em platôs, com um espaço reservado para parquinho, pensando nos poucos espaços livres voltados para crianças no bairro. Há, como na maioria, uma edificação de apoio.

Figura 107 Localização da intervenção 4 Fonte: da autora, 2019

Figura 108 O terreno da intervenção 4 hoje Fonte: da autora, 2019 128


Figura 109 Implantação Intervenção 4 Fonte: da autora, 2019

Figura 110 Perspectiva intervenção 4 Fonte: da autora

depósito

2m 0m 2m

5m

0m

5m

6m

15m

10m

129 35m


5

Figura 111 Localização da intervenção 5 Fonte: da autora, 2019

Figura 112 O terreno da intervenção 5 hoje Fonte: da autora, 2019 130

e Maio R. Treze d

A quinta intervenção ocupa o lugar de um dos muitos estacionamentos que existem no bairro e na área das cantinas. Sua transformação em praça seria interessante principalmente por se localizar num ponto sempre movimentado, especialmente na ocorrência de eventos. Sugere-se o uso da empena para projeção de filmes.


Figura 113 Implantação Intervenção 5 Fonte: da autora, 2019

Figura 114 Perspectiva intervenção 5 Fonte: da autora, 2019

depósito

2m 0m 2m

5m

0m

5m

6m

15m

10m

131 35m


6

A intervenção 6 compreende o largo da Escadaria do Bixiga, monumento tombado pelo patrimônio histórico. Atualmente, a pequena área de estar é seguida pela rua e por vagas de estacionamento a 45 graus. Propõe-se o deslocamento da pista de rolamento para entre as vagas, afim de estender a área de estar, que acaba se conformando em uma praça, e fazer dos carros estacionados elementos balizadores, para aumentar a segurança dos pedestres. Figura 115 Localização da

Fonte: da autora, 2019

Figura 116 - Vista da Escadaria do Bixiga Fonte: da autora, 2019 132

ia Escadar de Maio R. Treze

intervenção 6

om Praça D e Orion

Figura 117 - Largo formado no início da escadaria Fonte: da autora, 2019


depósito

2m 0m 2m Figura 118 - Implantação intervenção 6 Fonte: da autora, 2019

5m

0m

5m

6m

10m

15m

35m

133


capítulo 9

conclusão Com o olhar voltado ao desenvolvimento da cidade de São Paulo ao longo da história, percebe-se como as políticas públicas podem ter influência sobre o ambiente urbano, tanto no que diz respeito à própria morfologia da cidade, quanto à comportamentos sociais relacionados à determinados grupos. A aproximação aos universos desse trabalho evidencia o caráter excludente que essas políticas tiveram em inúmeros momentos: São Paulo como um todo se conforma em espaços públicos que carecem de urbanidade e que não favorecem o convívio com a alteridade; o Bixiga carrega diversas marcas em seu tecido urbano, como viadutos e grandes avenidas abertas sem diálogo com o contexto próximo e o tamponamento de rios, como cicatrizes deixadas ao longo da história; o carnaval de rua, por sua vez, quando praticado pelos negros era reprimido e visto como manifestação cultural de menor valor e, por muito tempo, não teve lugar na cidade. Como movimento de reação a tais políticas excludentes, os festejos e manifestações culturais aqui colocados podem ser entendidos como um instrumento de resistência e afirmação de grupos ao longo da história, como na prática do samba e dos festejos em cordões negros no início do século XIX, ou nas festas de rua que ainda acontecem no Bixiga, dando voz a diversos grupos diferentes – o que evidencia o sincretismo que habita o bairro. Percebeu-se a festa como uma fresta, um pequeno espaço de expressões legítimas, que permite a mudança momentânea do cotidiano e que ali quer permanecer. A reação também se mostra no contexto mais recente de retomada dos espaços públicos, no qual os ativismos urbanos, que despontaram aos montes no início deste século, envolvem o cidadão no pensar e se apropriar da cidade, representando uma forma mais assertiva de estar no ambiente urbano. A retomada do carnaval de rua se insere nesse contexto, e pode ser enxergada como uma forma de ativismo, onde a vontade de estar na rua floresce intensamente. Isso acaba por acarretar, muitas vezes, num movimento inverso, no 134


qual as políticas públicas e leis de incentivo se estabelecem em razão da pressão de movimentos dos mais variados grupos sociais. Quando se trata de manifestações culturais populares, as leis regulamentadoras, criadas pela pressão dos próprios festejos ou em decorrência de seu crescimento evidente, acabam por ser uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que respaldam e conferem algum tipo de infraestrutura, elas tendem a descaracterizar, limitar e até mercantilizar manifestações que são espontâneas. Observouse esse fenômeno nos cordões carnavalescos da década de 1930 e na implantação do modelo carioca de escolas de samba ao final da década de 1960. Com a retomada explosiva do carnaval de rua nos últimos anos, tem-se percebido a mesma tendência, que se acentua com o contexto da sociedade contemporânea, muito mais interessada em experiências do que em bens materiais. Ainda no contexto da contemporaneidade, percebe-se que a velocidade de mudança da sociedade é muito maior que a da cidade, entendida como fruto de um processo histórico. Dessa forma, as necessidades de mudança e a flexibilidade desejadas, muitas vezes não condizem com os espaços que a cidade oferece, questão abarcada pela proposta projetual deste trabalho. A partir de todo o processo, considera-se, então, que um olhar crítico ao longo da história para manifestações culturais, como o carnaval, e para um território, como o Bixiga, pode servir de instrumento para a melhor compreensão da atual conjuntura e para colocar em pauta a discussão da marginalização de grupos e culturas que merecem ser valorizadas. Nesse sentido, conclui-se, ainda, que este trabalho atingiu o objetivo de propor uma intervenção no bairro do Bixiga, que contribua para a geração de urbanidade, confira caminhabilidade e que dê suporte às festas de rua, incluindo o carnaval, numa tentativa de potencializar as apropriações e festejos que ali acontecem com tanta força e que são reflexo das manifestações culturais no bairro.

“Um povo que não ama e não preserva as suas formas de expressão mais autênticas, jamais será um povo livre” Plínio Marcos 135


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apêndice Durante a III Semana de Integração – semana que reuniu alunos de todos os semestres da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo para trabalharem sobre os temas de TFG – foi proposta uma atividade, juntamente com outro TFG que trabalhou o Bixiga do ponto de vista dos rios. A atividade consistiu na realização do percurso na área de estudo – que agregou partes dos percursos de ambos os TFGs – após a apresentação dos temas, acompanhado de um registro fotográfico. Esse processo gerou o registro das sensações, traduzido através de uma cartografia.

Figura 119 - Alunos na área de estudo Fonte: da autora, 2019

Figura 120 - Alunos na área de estudo Fonte: da autora, 2019 Figura 121 Produção da cartografia Fonte: da autora, 2019

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Figura 123 - Alunos participantes no dia da exposição dos trabalhos Fonte: da autora, 2019

Figura 122 - Parte da cartografia produzida Fonte: da autora, 2019

Figura 124 Cartografia produzida pelos alunos Fonte: da autora, 2019 141





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