Revista Paraná Faz Ciência Ed. 3

Page 1

3ª Edição - Dezembro/2014 - Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - Fundação Araucária

O CAMINHO PARA O DESENVOLVIMENTO ROBÔS AUXILIAM MÉDICOS NO TRATAMENTO DE PACIENTES 14

ESPECIALIDADES VETERINÁRIAS GANHAM ESPAÇO 37


Flávio José Arns Vice-Governador João Carlos Gomes Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Diretoria da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná: Paulo Roberto Brofman Presidente José Carlos Gehr Diretor Administrativo e Financeiro Janesca Alban Roman Diretora Científica Comitê Editorial Sueli Édi Rufini Coordenadora e Ciência de Tecnologia Irvana Chemin (DRT 2037/08/20v), Ticiane Barbosa (DRT 4689/PR) e Vanessa Barazzetti (05.749/PR) Jornalistas da Seti e da Fundação Araucária Produção GBR Assessoria de Comunicação Jornalista Responsável Mário Sérgio Brum (DRT 769/PR) Equipe Edição e reportagem: Mara Andrich (DRT 04.272/PR) Repórteres: Marivone Ramos, Paula Melech e Rosângela Oliveira Revisão: Debora Capella Fotografia Isabelle Neri Vicentini, Banco de Imagens (shutterstock.com) e Assessorias de Comunicação das Universidades do Paraná e órgãos vinculados . Projeto Gráfico e Editoração Samira Harger Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Av. Pref. Lothário Meissner, 350 Jardim Botânico CEP 80210-170, Curitiba - PR www.seti.pr.gov.br Fundação Araucária Av. Comendador Franco, 1341 Jardim Botânico CEP 80215-090. Curitiba - PR www.fundacaoaraucaria.org.br www.fappr.pr.gov.br Distribuição Gratuita Tiragem 2.000 exemplares Impressão Gráfica Ipiranga Revista semestral da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Seti) e da Fundação Araucária. Direitos Reservados É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização.

2

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

Foto: Isabelle Neri.

Beto Richa Governador do Estado do Paraná


ÍNDICE

ASTRONOMIA DIRETOR DO OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA (UEPG) FALA SOBRE OS AVANÇOS E OS DESAFIOS DA ÁREA NO PARANÁ

05

MÁQUINAS “INTELIGENTES”

FLORESTA DAS ARAUCÁRIAS

SUPORTE PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DE UM PAÍS

ROBÔS QUE FAZEM A DIFERENÇA NA SOCIEDADE JÁ SÃO MAIS COMUNS DO QUE SE IMAGINA

APESAR DAS DIFICULDADES NA PRESERVAÇÃO, PESQUISAS SÃO DESENVOLVIDAS PARA PROTEGER A ÁRVORE NA REGIÃO SUL

08

14

19

PESQUISA

QUALIDADE DE VIDA

BOLSAS INCENTIVAM OS ALUNOS À PESQUISA E AUXILIAM NA EVOLUÇÃO SOCIAL

FAPS POTENCIALIZAM A CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS POR MEIO DO INVESTIMENTO EM PESSOAS E IDEIAS

PESQUISAS BUSCAM MELHORAR A QUALIDADE DOS ALIMENTOS QUE CHEGAM À MESA DOS BRASILEIROS

ESPECIALIDADES VETERINÁRIAS OPORTUNIZAM MELHORES CUIDADOS AOS ANIMAIS E TRANQUILIZAM OS PROPRIETÁRIOS

A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

27

30

33

37

42

INICIAÇÃO CIENTÍFICA

INOVAÇÃO

SUSTENTABILIDADE PROJETOS DESENVOLVIDOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL BUSCAM REDUÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS

22

BEM ATENDIDOS ARTIGO

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

3


UM ANO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA revista Paraná Faz Ciência está

disseminação científica. Os avanços al-

novidades no campo da astronomia,

completando um ano de existên-

cançados nas últimas décadas no setor

com o renomado professor e diretor do

cia, e para marcar essa iniciativa

são inegáveis, resultado de esforços con-

Observatório Astronômico da Universi-

importante para a divulgação

juntos do governo, das instituições cientí-

dade Estadual de Ponta Grossa (UEPG),

científica do estado do Paraná,

ficas e tecnológicas e das empresas.

Marcelo Emilio.

em sua terceira edição, traz um assunto

A inovação, tema de Capa desta edi-

A Revista conta, ainda, com uma ma-

que norteia o despertar do interesse de

ção, mostra à sociedade a necessidade

téria dedicada exclusivamente ao papel

uma pessoa em se tornar um futuro pes-

de mudanças nos modelos atribuídos à

das Fundações de Amparo à Pesquisa

quisador: trata-se dos Programas de Ini-

geração do conhecimento, processo im-

(FAPs), com relação ao desenvolvimento

ciação Científica (englobando Bolsas para

prescindível para o desenvolvimento e o

científico e tecnológico do país. Foi utili-

Iniciação Científica Júnior (PIBIC-Jr); Bolsas

enriquecimento do estado. os debates

zada, como exemplo, a FAP do Paraná –

para Extensão Universitária (PIBEX); o Pro-

recentes acerca do desenvolvimento do

Fundação Araucária, que, com incentivo

grama Institucional de Apoio à Inclusão

Brasil, tornou-se consenso a importância

e financiamento de projetos de pesquisa

Social - Pesquisa e Extensão Universitária

da integração entre Ciência, Tecnologia

e disponibilização de bolsas, contribuiu

e Bolsas de Iniciação Científica e Inicia-

e Inovação. É realidade concreta que as

para que as notas dos programas de

ção em Desenvolvimento Tecnológico

nações que investiram na valorização de

Pós-Graduação stricto sensu do estado

e Inovação (PIBIC&PIBIT), nos quais os

processos inovadores são os potenciais

aumentassem a cada avaliação trienal

estudantes são estimulados a conhecer a

líderes mundiais. A inovação é considera-

realizada pela Capes.

ciência, podendo gerar amplos e signifi-

da por muitos como a terceira revolução

cativos benefícios para a sociedade.

industrial.

Os programas da região Sul tiveram o melhor desempenho na última ava-

O Brasil, de modo geral, e o Paraná

Também podem ser verificadas nes-

liação e, dos estados do Sul, o Paraná se

de modo específico, construíram uma

ta edição reportagens relacionadas aos

destacou, pois 27% das notas aumenta-

grande e competente estrutura de pes-

avanços da robótica, da medicina vete-

ram. Essas informações e muitas outras

quisa científica e tecnológica e formam

rinária, da tecnologia de alimentos, da

referentes aos programas e projetos de-

anualmente um número considerável

sustentabilidade e de projetos voltados

senvolvidos por pesquisadores, discen-

de pesquisadores. Como resultado, é re-

à preservação das araucárias. Como for-

tes e docentes paranaenses podem ser

conhecida a importância da publicação

ma de valorização dos pesquisadores

encontradas na revista Paraná Faz Ciência.

brasileira nos veículos internacionais de

paranaenses, a entrevista é referente às

Boa leitura!

ESPAÇO DO LEITOR Esse espaço é direcionado a você, leitor, para que possa contribuir com sugestões e críticas. Para isso, temos os seguintes canais: www.paranafazciencia.com.br prfazciencia@fundacaoaraucaria.org.br

4

PARANÁ FAZ CIÊNCIA


ENTREVISTA

DE OLHO NO UNIVERSO

Foto: Isabelle Neri

O mundo da Astronomia é objeto de estudo do professor Marcelo Emilio, da UEPG om ampla experiência em Astronomia, o professor e diretor do Observatório Astronômico da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Marcelo Emílio, é pesquisador afiliado R5 da Universidade do Havaí e doutor em Astronomia pela Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutorado no Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí (2012). Com experiência na área de Física Solar, é um dos responsáveis por uma pesquisa que mede o diâmetro do Sol. O professor também atua em cursos de formação continuada em Astronomia no Paraná (FOCAR), que visa à capacitação de professores. Marcelo Emilio conversou com a reportagem da revista Paraná Faz Ciência e contou detalhes sobre sua experiência na área. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

5


Foto: Isabelle Neri

O país está avançando no processo de internacionalização para a troca de experiências no meio científico. Qual a importância dos projetos de intercâmbio com universidades estrangeiras para o desenvolvimento da ciência aqui no Brasil? Grandes projetos científicos são um esforço internacional hoje. Cito, por exemplo, o Projeto Genoma, o Grande Colisor de Hádrons do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), a estação espacial internacional (ISS) e o observatório europeu do Sul (ESO). A ciência se tornou muito cara para um único país financiá-la. Manter e capacitar recursos humanos é uma empreitada longa e difícil. Projetos de intercâmbio são necessários para fazer boa ciência tanto no Brasil quanto em qualquer outro país no mundo. No grupo em que participo, há pesquisadores americanos, japoneses, russos e franceses. Dos projetos que citei, o Brasil está se integrando ao ESO (http:// www.eso.org). A astronomia brasileira possui boa integração internacional. Já há experiência brasileira em projetos internacionais de construção de telescópios, como o GEMINI (http://www.gemini.edu) e o SOAR (http://www.soartelescope.org). O Brasil também participará da construção de dois dos maiores telescópios do mundo: o European Extremely Large (E-ELT) Telescope (http://www.eso.

6

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

org/public/teles-instr/e-elt/) e o Giant Magellan Telescope (GMT) (http://www. gmto.org/). Como a participação do Brasil no ESO é nacional, a UEPG também terá acesso aos telescópios, possibilitando continuar a desenvolver astronomia de primeiro mundo aqui. Esse é um dos motivos para abrirmos um curso de graduação em Astronomia na UEPG. A maior parte do financiamento para um bom curso de graduação já está sendo feita pelo governo federal. Atualmente, estou

O que ainda não há no Brasil é um fluxo contínuo de editais científicos para satélites científicos promovido pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Essa ação fomentaria e manteria a indústria aeroespacial e desenvolveria tecnologia para o país.

buscando recursos para a participação brasileira de um telescópio chamado PLANETS, que será construído no Havaí (EUA). O senhor tem ampla experiência em pesquisas na área de Astronomia. Como está o Brasil em relação a outros países nessa área científica? Temos condições de avançar? O Brasil tem boas pesquisas devido à sua inserção internacional. Além dos projetos de telescópios que já citei, tivemos participação no satélite CoRoT. Atualmente, estamos negociando nossa participação em um satélite que buscará planetas ao redor de outras estrelas, chamado PLATO. O que ainda não há no Brasil é um fluxo contínuo de editais científicos para satélites científicos promovido pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Essa ação fomentaria e manteria a indústria aeroespacial e desenvolveria tecnologia para o país. Como foi sua experiência nos EUA com a pesquisa sobre o cálculo do diâmetro solar? Qual o próximo passo dessa pesquisa? Aprendi e continuo aprendendo bastante com minhas experiências em projetos internacionais. Temos atualmente um projeto aprovado pela agência internacional americana (NASA), projeto


esse de que sou coinvestigador principal (CO-I). Trabalhei com um satélite da NASA em meu doutorado, chamado Solar and Heliospheric Observatory (SOHO). Atualmente, lançaram outro satélite, chamado Solar Dynamics Observatory (SDO) e eu faço parte do time que construiu e mantém o instrumento Helioseismicand Magnetic Imager (HMI) (http://hmi. stanford.edu/hmi_files/HMI_team.pdf). Contribuí com parte de um software que analisa as imagens do satélite em solo. A cada seis meses, o SDO faz uma manobra para obter medidas do achatamento do Sol para nosso grupo. O desvio da simetria esférica do Sol causa mudança na geometria do campo gravitacional. Isso está relacionado a um dos testes clássicos da teoria da relatividade geral proposta por Albert Einstein. Em 2012, publicamos os primeiros resultados com as medidas de achatamento do Sol do HMI na revista Science. Além disso, faço parte de um grupo internacional sediado na França que analisa dados de um tipo de estrela quente em emissão do satélite COnvenctionROtation et Transits plánetaires - CoRoT (http://corot-be.obspm.fr). A expectativa de retorno financeiro das pesquisas em curto prazo prejudica os investimentos em ciência? A ciência não deve ser vista unicamente como geradora de riqueza. A maior parte de pesquisas científicas não gerará riqueza. Isso não só no Brasil, mas em qualquer lugar no mundo. Tanto o governo como empresários no Brasil não investem suficiente em pesquisa científica. A título de comparação, empresas brasileiras investem em ciência e desenvolvimento 0,55% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto na Coreia do Sul são investidos 2,68%, e na China, 1,22%. Quando me falam em inovação, o exemplo que primeiramente vem à minha memória é à invenção da lâmpada por Thomas Edison e a distribuição da corrente alternada por Nikola Tesla. A iniciativa

desses homens revolucionou nosso modo de vida e produção. Cidades puderam ser facilmente iluminadas e inúmeros processos industriais puderam ser desenvolvidos. Nada disso seria possível sem os trabalhos em ciência básica desenvolvidos por Michael Faraday e James Clerk Maxwell na teoria do eletromagnetismo clássico. A aplicação em ciência básica é absolutamente necessária para o desenvolvimento tecnológico, porém a geração desse conhecimento não prevê retorno financeiro. O investimento em ciência básica é feito para gerar conhecimento, e não riquezas diretas. O Observatório Astronômico da UEPG participou de atividades que registram grandes descobertas. Foto: Isabelle Neri A mais recente foi a identiParaná também percorre o estado com ficação dos anéis do asteroide Chari- planetários móveis. klo. Quais as ações desenvolvidas no Na pesquisa científica, temos contriObservatório? buições importantes em revistas como No observatório da UEPG, é realizado o tripé do eixo fundamental da Universidade: pesquisa, ensino e extensão. Há disciplinas de Astronomia na graduação e Pós-Graduação na UEPG. Temos hoje ex-alunos da UEPG fazendo doutorado em Astronomia no exterior. Tivemos também ex-alunos passando em primeiro lugar em testes nacionais para admissão no curso de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), que tem a nota máxima segundo a Capes. Estamos propondo um novo curso de bacharelado em Astronomia na UEPG. O projeto está em trâmite. Atualmente, na extensão, desenvolvemos cursos de formação continuada em Astronomia no estado do Paraná (FOCAR). Já foram realizadas nove edições do FOCAR. Um projeto chamado Céu do

Nature e Science sobre a forma do Sol e participação em medidas de tamanho de objetos transnetunianos e pela contribuição na descoberta do primeiro anel encontrado em torno de um asteroide.

A ciência se tornou muito cara para um único país financiá-la. Manter e capacitar recursos humanos é uma empreitada longa e difícil. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

7


CAPA

Há muitas definições para inovação. No entanto, é praticamente um consenso que ela é o imperativo para o desenvolvimento de qualquer nação onsiderada uma das condições primordiais para o desenvolvimento de um país, a inovação tem um significado muito mais amplo do que se imagina: só podemos chamar de inovação quando o conhecimento elaborado ou desenvolvido, por meio de pesquisas,

8

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

é aplicado e gera benefício para a sociedade. Sendo assim, a inovação pode (e deve) se transformar em geração de riqueza para o país; no entanto, o que gera essa riqueza é a aplicação do conhecimento, e não somente a pesquisa. Assim, muitos especialistas e pesquisadores da área defendem o incentivo e

Tudo que melhora a condição de vida da sociedade é inovação. Cristina Quintella


investimentos para a inovação. A doutora em Ciências Moleculares pela Universidade de Sussex (UK), professora e coordenadora de Inovação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Cristina Quintella, diz que, quando se fala em inovação tecnológica, deve-se pensar em transferência de tecnologia. “Tudo que melhora a condição de vida da sociedade é inovação”, completa. Segundo Cristina, qualquer inovação deve impactar o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), dois grandes indicadores do desenvolvimento de uma nação. Porém, a apropriação de tecnologia ainda é baixa no Brasil (veja o infográfico). “Em outros países, o pesquisador se apropria da patente e publica, mas aqui ainda não temos procedimentos e rotina nessa direção”, comenta. As transferências de tecnologias e os registros de patentes — passos importantes para a inovação — são fatores igualmente apontados pelo diretor executivo da Agência de Inovação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Emerson Camargo. “Apesar de a UFPR contar com bons índices de depósitos de patentes (são 327 hoje) e contratos de transferência de tecnologia (44), os números ainda são muito baixos, se comparados aos de outros países”, comenta. O professor acredita que no Brasil falta um contato maior entre universidade e empresa, por isso, é mais difícil a transferência do conhecimento gerado na universidade para a sociedade. “É necessária uma mudança desse paradigma. Acredito que a inovação precisa ser feita conjuntamente, entre indústria e academia”, afirma. No Paraná, um dos incentivos para aproximar o pesquisador e a academia, do meio empresarial é a feira Inovatec, realizada em Curitiba, com o apoio da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Durante o evento realizado em setembro de 2014, o coorde-

Acredito que a inovação precisa ser feita conjuntamente, entre indústria e academia. Emerson Camargo nador de Serviços Tecnológicos da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (Setec) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Jorge Mario Campagnolo, destacou a necessidade de aproximar ainda mais a academia do mundo dos negócios e apontou alguns avanços no Brasil na área de inovação. “A Inova Empresa — criada em 2011 com o objetivo de fomentar projetos de apoio à inovação no país — e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) — cuja missão é apoiar instituições de pesquisa tecnológica em selecionadas áreas de competência — executam projetos de desenvolvimento de pesquisa tecnológica para inovação, em cooperação com empresas do setor industrial”, afirmou. Foto: Agência FIEP

PATENTES VÁLIDAS NO MUNDO 2012 1º ESTADOS UNIDOS (2,2 MILHÕES) 2º JAPÃO (1,6 MILHÃO) 3º CHINA (875 MIL) 4º COREIA DO SUL (738 MIL) 5º ALEMANHA (549 MIL) 6º FRANÇA (490 MIL) 7º REINO UNIDO (459 MIL) 19º BRASIL (41 MIL) De acordo com a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO), o número de pedidos de patentes cresceu 9,2% em 2012 — um recorde nos últimos 18 anos. Dos 20 países pesquisados, 16 registraram crescimento. Os maiores foram: China (24%), Nova Zelândia (14,3%), México (9%), Estados Unidos (7,8%) e Rússia (6,8%). No Brasil, também houve aumento (5,1%). A Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996) diz que, a partir da data de depósito no INPI, a patente de invenção tem prazo de validade de 20 anos, e a de modelo de utilidade, 15 anos.

Jorge Mario Campagnolo: incentivo à ciência e à tecnologia.

Fonte: Relatório anual da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado em 2014. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

9


AVANÇOS O Paraná passou a contar com uma lei específica, em 2012, para nortear as ações voltadas para a inovação no estado (Lei nº 17.314, de 24 de setembro de 2012), que define que 2% do orçamento estadual sejam destinados à inovação. A regulamentação aconteceu no começo de 2013. Um de seus principais objetivos é fortalecer as parcerias público-privadas de transferência de conhecimento e tecnologia entre universidades e empresas. Um grande diferencial da lei paranaense com relação às demais aplicadas nos outros estados brasileiros foi o destaque dado para a sustentabilidade nos modelos de aplicação das políticas de incentivo e de produção tecnológica. A Lei estabelece medidas de incentivo à inovação e regulamenta as parcerias entre universidades e centros de pesquisa públicos e a iniciativa privada no âmbito do estado. A Lei também estabelece os dispositivos legais para a incubação de empresas no espaço público e a possibilidade de compartilhamento de infraestrutura, equipamentos e recursos humanos, públicos e privados, além de criar regras claras para a participação do pesquisador público nos processos de inovação tecnológica desenvolvidos no setor produtivo. Em 2015, serão investidos cerca de R$ 11 milhões para projetos de empresas inovadoras ou outros empreendimentos privados que tenham por finalidade criar um ambiente favorável à inovação. A primeira lei brasileira que trata do relacionamento universidades (e instituições de pesquisa) e empresas para estimular o incremento à transferência de tecnologia completa 10 anos em dezembro de 2014 (Lei nº 10.973).

10

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

“ECOSSISTEMAS DE INOVAÇÃO” Apesar de o Brasil produzir conhecimento, a inovação como aplicação do conhecimento — o verdadeiro sentido da inovação — ainda é incipiente. O pró-reitor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), vice-presidente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e presidente da Associação Internacional de Parques Tecnológicos e Áreas de Inovação (IASP América Latina), Jorge Audy, salienta que é preciso criar no Brasil “ecossistemas de inovação”, ou seja, não deixar tudo a cargo apenas das universidades e criar ambientes onde as pessoas “respirem inovação”. “Isso permitiria criar uma cultura empreendedora que levaria nossos empresários e pesquisadores a transformar a pesquisa de ponta que produzimos em desenvolvimento para o nosso país”, ressalta. Essa opinião é compartilhada pelo coordenador-geral do Núcleo de Inovações Tecnológicas (NIT) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Camilo Morejon, especialmente no que se refere às universidades. “Pouco ou quase nada tem sido feito na criação de ambientes de inovação. O maior volume do conhecimento se encontra represado nas universidades”, explica. Segundo Audy, outro dificultador para o desenvolvimento desses “ecossistemas de inovação” é o fator cultural, além da falta de informação. Para o professor, é necessário mudar essa cultura. “O que nos falta é mais ousadia para

avançar mais, visando transformar esse potencial científico em riqueza”, afirma. Na opinião de Audy, o país evoluiu muito em termos científicos nos últimos anos, está hoje entre os 15 países do mundo que mais produzem conhecimento, fruto de políticas muito efetivas de agências públicas, como a Capes e o CNPq. “Nosso grande desafio é gerar desenvolvimento econômico e social, agregando valor aos produtos e serviços que nossas empresas, públicas e privadas, produzem, gerando mais emprego e renda para nossa gente”, afirma.

Foto: divulgação

Nosso grande desafio é gerar desenvolvimento econômico e social, agregando valor aos produtos e serviços que nossas empresas, públicas e privadas, produzem, gerando mais emprego e renda para nossa gente. Jorge Audy


INOVAR NÃO É APENAS TER UMA IDEIA

Inovar é muito mais do que fazer ciência e desenvolver tecnologia. Inovar é aplicar uma ideia nova para gerar negócios lucrativos e sustentáveis, por meio de processos e produtos que beneficiem a sociedade. “Inovar é transformar um conhecimento novo em negócios sustentáveis de alto impacto”, afirma o gerente executivo do Centro Internacional de Inovação do Senai Paraná (SENAI C2i), Filipe Cassapo. A definição é bastante contundente, e ao mesmo tempo clara, visto que se baseia em dois conceitos centrais: geração de conhecimento e negócios de alto impacto.

INOVAÇÃO EM XEQUE A taxa geral de inovação da indústria ficou em 35,6% em 2011, em relação a 2008, quando era 38,1%. A falta de mão de obra qualificada aparece como um dos principais obstáculos à inovação. Cerca de 70% das empresas industriais atribuem a falta de inovação a esse motivo. Custos elevados e burocracia foram apontados por 81,7% das empresas como razões da dificuldade de investimentos em inovação. As indústrias despenderam 0,71% de sua receita líquida de vendas para a inovação em 2011. Em 2008, foi despendido 0,62%. A aquisição de máquinas e equipamentos ainda é a atividade considerada mais relevante para 75,9% das empresas. Assim, o financiamento para a compra de máquinas e equipamentos é de 27,4%, e para inovação, apenas 0,8%. Fonte: Pesquisa de Inovação

Ou seja: para inovar, é preciso gerar ou transferir conhecimento novo sobre determinado assunto, para que a pesquisa desenvolvida a partir disso se torne necessariamente um negócio lucrativo, que cause um resultado positivo na sociedade. “Inovar não é modernização, não consiste em fazer mais do mesmo, de forma mais eficiente”, ressalta. Assim, de forma simples, é possível afirmar que fazer ciência permite transformar dinheiro em conhecimento. “Já a inovação consiste na operação recíproca: converter o conhecimento gerado em riqueza”, observa Cassapo. No Brasil, a atividade científica e tecnológica começa com o surgimento das primeiras universidades, entre 1920 e 1930. Posteriormente, o sistema é reforçado com a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), ambos em 1951; em 1962, surgem as fundações de amparo à pesquisa; em 1967, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); e em 1985, surge o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), cujo nome foi alterado em 2011 para Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Foto: Agência FIEP

Filipe Cassapo

NÚMERO DE MESTRES E DOUTORES NO BRASIL

Mestres (81.124) Doutores (117.348) Fonte: Dados

(PINTEC), do Instituto Brasileiro de

da Plataforma Lattes,

Geografia e Estatística (IBGE).

do CNPq, em 31 out. 2014. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

11


AGÊNCIAS DE INOVAÇÃO As agências (ou núcleos) de inovação tecnológica têm como objetivo proteger o conhecimento gerado nas universidades e fazer a transferência de tecnologia resultante das pesquisas científicas. “Mas a competência das agências é mais ampla; não é só proteger e transferir o conhecimento, mas também avaliar a viabilidade econômica de sua aplicação no mercado”, explica o diretor da Agência de Inovação e Propriedade Intelectual da UEPG, João Irineu de Resende Miranda. Ele acredita, no entanto, que hoje não existe dificuldade de aproximação entre academia e empresas. O professor defende que seja invertido o processo: as empresas hoje esperam algo inovador da academia e, muitas vezes, não financiam os projetos porque aquilo não atende às suas necessidades imediatas. “Pode acontecer de termos uma boa pesquisa, mas que não tem aplicabilidade na indústria. Então é melhor ouvir o que a indústria necessita e pesquisar em cima disso”,

defende. A Agipi tem hoje 46 patentes depositadas (há três anos havia somente um pedido para isso) e quatro contratos de licenciamento de tecnologia. Miranda também defende que as uni-

A competência das agências é mais ampla; não é só proteger e transferir o conhecimento, mas também avaliar a viabilidade econômica de sua aplicação no mercado. João Irineu de Resende Miranda

versidades sejam classificadas pelo número de acordos de cooperação científica, e não pela quantidade de patentes depositadas. A UEPG, por exemplo, conta com bolsistas que ajudam a universidade a concluir Acordos de Cooperação com empresas, os quais resultam em patentes. O doutor em Química e diretor da Agência de Inovação (Novatec), da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), Paulo Rogério Rodrigues, também acredita que o mercado não acompanha as inovações. Para ele, algumas mudanças devem ser operadas para que a inovação dê saltos, como leis federais que isentem as universidades das taxas de patentes, por exemplo, mais pressão por parte dos governos estaduais para que os órgãos federais modifiquem algumas formas de avaliação (hoje a nota da Capes é obtida por meio da produção acadêmica e tecnológica). “Mas poderiam avaliar primeiramente as patentes, depois os artigos. Estamos jogando nossa tecnologia fora”, comenta.

AMENIZANDO O PROBLEMA DO LIXO Ao mesmo tempo que a fração orgânica do lixo, quando descartada de forma inadequada, gera problemas ambientais, essa fração orgânica, quando separada na fonte, se constitui num dos principais materiais com grande potencial de aproveitamento. A explicação é do coordenador do Núcleo de Inovações Tecnológicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Camilo Morejon. Para tentar auxiliar nessa questão, uma usina para industrialização de resíduos

12

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

orgânicos domésticos e transformação em fertilizante e biogás foi desenvolvida pela Unioeste e já está sendo utilizada na cidade de Paudalho, localizada próximo a Recife (PE). De acordo com Morejon, por meio de um contrato de transferência de tecnologia, nos moldes da Lei de Inovação, está em fase de implementação uma usina para a industrialização de resíduos orgânicos nesta cidade. Outro resultado positivo do NIT da Unioeste é a transferência de tecnologia

inerente a um sistema de tratamento de efluentes de frigoríficos de peixes. Nesse caso, a empresa Inomaq, de Toledo (PR), fabricou e comercializou o produto. Um frigorífico da cidade se interessou pela tecnologia e, no momento, já se encontra em operação. Morejon conta que a Unioeste possui um total de 13 transferências de tecnologias firmadas nos moldes da Lei de Inovação.


O MEIO AMBIENTE AGRADECE Ainda em fase de ajustes, a tecnologia inerente à dissertação de Mestrado em Engenharia Química da Unioeste de Toledo, Andy Saavedra, tem o objetivo de identificar poluentes e suas concentrações, em tempo real, por meio de um software embarcado em um sistema eletrônico. Esse software, denominado de “nariz digital”, tem sensores, microchips e um sistema de comunicação por rádio-frequência que permite o monitoramento por meio de um computador localizado a 500 metros do ponto de medição. Segundo Saavedra, o projeto já despertou o interesse

elas poderão otimizar seus sistemas de controle. Órgãos como o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) também poderão utilizá-lo para os mesmos fins. Afinal, no Brasil, e em particular na região oeste do Paraná, existem várias atividades industriais que emitem poluentes gasosos”, explica. No atual cenário, as demandas por tecnologias para o monitoramento de poluentes é cada vez maior. A tecnologia desenvolvida na Unioeste, após a proteção intelectual, deverá atender essas demandas. “Nas universidades brasileiras, em particular na Unioeste, não existem

de empresas, e pode beneficiar, ainda, órgãos de fiscalização ambiental. A tecnologia já conta com interessados. “Poderá auxiliar na qualificação e na quantificação dos poluentes gasosos das indústrias, e

espaços apropriados para atuar com pesquisas na área de inovação nem recursos financeiros”, critica Saavedra (na foto, à esquerda). Fotos: Isabelle Neri

Foto: Assessoria de Comunicação/Unicentro.

CONTRATOS FIRMADOS

Neste ano, durante a Inovatec Regional realizada em Guarapuava (PR), uma transferência de tecnologia está se concretizando. Desta vez, quem teve seu trabalho reconhecido foi a Novatec, da Unicentro.

Durante o evento, uma palestra ministrada por Guido Ganassali, diretor de Negócios, Tecnologia e Inovação da empresa Ciser Parafusos e Porcas, de Joinville (SC), foi o ponto inicial para essa transferência de tecnologia. Até o momento, quatro projetos estão engatilhados para parcerias de futuras transferências de tecnologia entre a Unicentro e a Ciser. Um deles prevê a proteção da corrosão de parafusos e porcas, substituindo as tradicionais zincagem e cromação. “Estamos repassando para a empresa os custos diretos e indiretos dos projetos, para execução de um Plano de Trabalho e, também, para viabilizar o contrato de transferência de tecnologia por ambas as

partes. Nesse plano, haverá inicialmente investimentos em bolsistas e reagentes”, conta Paulo Rogério Rodrigues. O Grupo de Pesquisa em Eletroquímica da Unicentro-GPEL será o parceiro efetivo nas pesquisas a serem desenvolvidas, visando ao uso em escala piloto industrial. O projeto está sob sigilo, mas já foi testado em escala laboratorial — o próximo passo é a escola semi-industrial — e já tem carta-patente. “Em breve, informaremos os resultados que poderão levar aos primeiros royalties em inovação tecnológica na Unicentro”, comemora. Paulo ressalta que esses contratos foram frutos de uma grande e bem-sucedida parceria.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

13


ROBÓTICA

14

PARANÁ FAZ CIÊNCIA


Desenvolvimento de robôs “inteligentes” reforça vanguarda das universidades do Paraná na área e transforma a vida das pessoas

Ele vem deslizando pelos corredores do Hospital Universitário de Maringá (HUM) e chamando a atenção de todos: funcionários, médicos, pacientes e acompanhantes. É o R1T1, robô de telepresença, desenvolvido pela Project Company, que acaba de retornar ao hospital todo “turbinado”. Projetado por Antonio Henrique Dianin, coordenador da Project Company, o robô ganhou bateria com

duração de 24 horas (no início, eram apenas duas horas), câmera com 2.5 K de resolução, tela touch com dez pontos de contatos simultâneos e tinta antibactericida que não absorve água. Dianin está muito satisfeito com as inovações, principalmente porque o R1T1 é o primeiro robô de telepresença desenvolvido na América Latina. Os funcionários do hospital também têm comemorado a presença do novo “colega”, pois o utilizam para possibilitar o contato de pacientes internados com seus parentes distantes. Sem contar a alegria na ala de pediatria do hospital, onde as crianças ficam fascinadas pelo robô. A imagem delas aparece na tela do aparelho e ganha acessórios divertidos, como cartola, nariz de palhaço, máscara de rena e uma infinidade de desenhos, tudo controlado por controle remoto. “É como brincar de videogame”, simplifica Dianin.

“Amei! Queria um desses lá em casa para brincar”, disse Jucileide Alves Rodrigues, mãe de Vitória, de 11 meses, que estava internada e se divertia com as figuras que surgiam na tela do robô. Carlos Marescalchi acompanhava a filha Giovana, de 1 ano, com pneumonia. Ele também ficou impressionado. “Já tinha visto na televisão. Acho que gostei mais do que ela.”

Queria um desses lá em casa para brincar. Jucileide Alves Rodrigues O robô é capaz de desviar de obstáculos e manter uma distância ideal de conversação com os humanos graças a sensores sonares, de infravermelho e câmeras. De acordo com seu idealizador, ele consegue enxergar em 3D, por isso não colide com objetos e pessoas. “O desvio dele é muito natural. Ele tem sensores de identificação e sabe qual é a área do outro numa intercomunicação pessoal. Estou muito feliz por ter ficado tão natural”, comenta Dianin.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

15


MUDANDO O RUMO DOS JOVENS Geovana Andrade dos Santos tem 17 anos e é aluna do Ensino Médio no Colégio Estadual Vandyr de Almeida, em Cornélio Procópio. Até o segundo semestre de 2013, ela estava decidida a cursar Medicina Veterinária. Estava. Porque desde que conheceu o projeto Ninho de Pardais, da Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), mudou seus planos: agora vai cursar Engenharia Elétrica. Esse é justamente um dos objetivos do projeto financiado pela Agência Brasileira de Inovação (Finep): atrair alunos do Ensino Médio para as áreas de engenharia por meio da robótica. E tem dado certo. Vanderlei Ferreira, 22 anos,

16

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

começou no Ninho de Pardais em 2010, está no 5º semestre de Engenharia Elétrica e ainda não bateu asas. “Eu pretendia fazer Física, mas encontrei aqui o que eu esperava”, diz Vanderlei, que já deu uma grande contribuição ao projeto, desenvolvendo um sensor de toque adaptável a qualquer outro kit de robótica.

tainment Value”, em que o robô participa de uma coreografia e a apresentação reúne tecnologia, arte e criatividade; e o primeiro lugar numa apresentação em equipe com Hungria e Austrália. Do projeto saem os tutores que cuidam das oficinas de robótica nas escolas de Ensino Médio. Ao todo são cinco colégios que receberam kits Foto: UTFPR/Cornélio Procópio robótica, um notebook, e desenvolvem as atividades no contraturno escolar. Os estudantes interessados participam de um treinamento no Ninho de Pardais e, depois, são selecionados de acordo com desempenho, interesse e responsabilidade. Outras características necessárias são proatividade e Projeto Ninho de Pardais: mudando habilidade para trabaos rumos da vida dos jovens. lhar em grupo. Alex Soares Duarte, O projeto tornou-se realidade em 2008, 22 anos, aluno de Engenharia Elétrica, graças ao empenho do professor Marcos é tutor no núcleo do Colégio Estadual Banheti Rabello Vallim, coordenador do Zulmira Marchesi da Silva. No primeiro curso de Engenharia Elétrica na UTFPR semestre de 2014, ele atuou no projeto de Cornélio Procópio. “O objetivo do edi- como voluntário. tal era atrair alunos do Ensino Médio para Já no meio do ano, conseguiu uma os cursos de engenharia e o nosso pro- bolsa de iniciação científica que o ajuda jeto está entre os 42 aprovados no Brasil tanto na vida pessoal longe da família todo”, conta. quanto na compra de componentes eleAprovado o edital, foi construído um trônicos. Segundo Alex, os núcleos se rebloco de quase 300 m² especialmente únem cerca de três a quatro horas, uma para o Ninho de Pardais, com laboratórios vez por semana, e trabalham conceitos e um ambiente ideal para pesquisa. Hoje, de matemática, equações e criatividade, os alunos participam de competições in- tudo aplicado à robótica. ternacionais, como a RoboCup, realizada Além de atuar como tutor, ele também em 2013 na Holanda, da qual participa- inventa robôs. Um deles joga jokempô e ram 38 países. Nessa ocasião, o projeto outro se parece com um guindaste: ele ganhou dois prêmios: o primeiro lugar pode pegar uma bolinha no solo, por na modalidade “Special Award Enter- exemplo, e transportá-la para outro lugar.


MERCADO O R1T1 foi lançado em 2013, logo depois do registro da patente. Para introduzi-lo no ambiente hospitalar, foi preciso obedecer a uma série de exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por causa do risco de infecção. Por exemplo, ele é todo arredondado para que não haja acúmulo de água ou sujeira. O Hospital Universitário de Maringá foi o primeiro do país a receber tal tecnologia. Atualmente, a Project Company tem seis robôs prontos para venda a um custo de R$ 48 mil anuais, que incluem todas as atualizações e a manutenção. “É possível acessar os mais variados dados do paciente no robô e acoplar uma série de aparelhos: ultrassom, estetoscópio”, comenta. A robótica é uma realidade no mercado industrial há mais de três décadas. Os robôs industriais são amplamente utilizados na manufatura de automóveis, por exemplo. Dentre as aplicações correntes da robótica na indústria, destacam-se a soldagem, a pintura, a montagem e o transporte dos produtos em processo.

O papel da universidade é desenvolver conhecimento sobre o processo de produção, inclusive dos materiais. Marcos Banheti Rabello Vallim O robô R1T1 é utilizado na área médica, mas segundo o professor Dianin, ele

também pode ser muito bem aproveitado em outros setores, como educação e marketing, por exemplo. E os especialistas garantem que logo teremos robôs dentro de casa. “Em um futuro próximo nós teremos robôs trabalhando em cada setor da economia, dentro de cada casa, eles se tornarão tão naturais quanto nossos celulares. Eles serão amigos, avatares, vigias, limparão nossas piscinas e calhas”, acredita Dianin. Mesmo com as perspectivas positivas, tudo isso ainda depende de muita pesquisa científica. O professor Vallim, por sua vez, avalia que embora já existam muitos trabalhos bem estabelecidos na área de robótica, as soluções em termos de produto ainda não são acessíveis. “O custo é elevado e a confiabilidade deixa a desejar. O Brasil tem centros de excelência na pesquisa acadêmica em robótica industrial, porém, tal como acontece em outras áreas, o conhecimento científico produzido não tem gerado patentes e produtos disponíveis no mercado, na mesma proporção”, avalia Vallin. O professor Dianin também acredita que o Brasil está “engatinhando” no assunto, principalmente se compará-lo a outros países que desenvolvem pesquisas na área, como o Japão e os Estados Unidos. “Nós sentimos na pele essa dificuldade, mesmo que 80% do desenvolvimento do R1T1 seja nacional, hoje contamos com mais parcerias internacionais do que nacionais”, conta Dianin. Países como Holanda, Canadá e Alemanha já utilizam amplamente os robôs para os cuidados com os idosos, por exemplo. “Em um futuro não muito distante, a expectativa é que robôs desse tipo sejam disponíveis como um eletrodoméstico, tal como hoje compramos uma máquina de lavar inteligente”, diz o professor Vallin.

“É possível colocar todos os dados do paciente no robô e acoplar qualquer aparelho: ultrassom, estetoscópio.” Foto: Isabelle Neri

Antônio Henrique Dianin Foto: Isabelle Neri

R1T1 é utilizado na área médica, mas pode ser aproveitado em outros setores.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

17


DIMINUINDO DISTÂNCIAS O R1T1 começou a “trabalhar” efetivamente no Hospital Universitário de Maringá em maio de 2014, em atividades de controle de infecção. “Ele circulou pelos corredores, apresentou músicas, vídeos”, lembra a coordenadora de pesquisa do Núcleo de Pesquisa Clínica do HUM, Sandra Regina Bin Silva. “Foram atividades mais lúdicas e as pessoas viram com outros olhos. Tivemos bons resultados”, assegura. A ideia agora, segundo Sandra, é continuar realizando trabalhos também direcionados à área acadêmica. Já foi testado, por exemplo, o acompanha-

mento de um atendimento ambulatorial. Na sala de consulta, ficam o preceptor, um ou dois alunos, além do robô e da turma, que podem acompanhar a discussão do lado de fora. Segundo Sandra, o R1T1 poderá ajudar também as crianças que permanecem muito tempo internadas e, por isso, têm que ficar longe das salas de aula. “Mesmo tendo o acompanhamento de professores e pedagogo no ambiente hospitalar, seria interessante ter esse contato com a escola”, observa Sandra.

MATERIAIS DE ÚLTIMA GERAÇÃO O laboratório de protótipos do Ninho de Pardais recebeu uma impressora 3D de última geração, a partir da qual os pesquisadores pretendem fazer moldes e desenvolver kits com preços mais acessíveis para os colégios. A primeira experiência já foi feita com uma figura tridimensional bastante detalhada em resina polimérica (único material que a impressora reconhece, mas muito caro). A partir da matriz, fizeram um molde em

silicone e o preencheram com plástico. “É um encapsulamento de R$ 100 para um produto de R$ 1. Então, com essa rota tecnológica, o custo de uma peça pode ser reduzido, por exemplo, de R$ 100 para R$ 1, quando produzida em escala”, compara o professor Marcos Vallim. “Estamos dominando essa tecnologia para baixar custos. Não somos indústria. O papel da universidade é desenvolver conhecimento sobre o processo de pro-

dução, inclusive dos materiais.” Conforme Vallim, com os dispositivos produzidos no Ninho de Pardais, é possível montar um mesmo robô com 33% a menos de peças que os kits disponíveis no mercado. “Agora temos que transformá-los em produtos.”

Salvar a vida de recém-nascidos. Assim pode ser definido o principal objetivo do projeto Care On, desenvolvido pelo estudante de Engenharia de Controle e Automação (Mecatrônica) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Matheus von Biveniczko Tomio. Trata-se Foto: Isabelle Neri de um par de pulseiras que emitem um sinal sonoro quando os pais se afasProjeto Care On: pulseiras tam do filho emitem sinal sonoro. mais de 10 metros. O projeto foi concebido para evitar que crianças sejam esquecidas no interior de um veículo, ou para localizar aquelas que sofrerem sequestros.

18

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

A bateria do equipamento dura até dez dias e é recarregada por indução eletromagnética. O projeto já foi patenteado pela PUCPR e a meta agora é miniaturizar a placa de transmissores para baratear o custo e disponibilizar o dispositivo no mercado. Existe a possibilidade ainda que o equipamento funcione via aplicativo de celular. “Dessa forma, será possível calibrar a distância. Outra possibilidade é a utilização de sensores diferentes que detectam quando a pulseira é tirada, o que alerta em caso de sequestros”, explicou. Outro projeto desenvolvido por Matheus é o exoesqueleto, uma órtese inteligente que devolve ou auxilia o movimento dos membros de pacientes que perderam a mobilidade, seja por alguma doença ou um acidente. Também batizado de NSA2, o equipamento foi projeta-

Foto: Isabelle Neri

BENEFICIANDO PESSOAS Matheus von Biveniczko Tomio

do a pedido do Instituto Sabrina Belon, uma organização humanitária sem fins lucrativos que atua no desenvolvimento de projetos de alta tecnologia para medicina, acessibilidade e reabilitação. A presidente do instituto, Michele de Souza, explica que o exoesqueleto consiste em um eletrodo que fica em contato com a superfície da pele e capta a mensagem do cérebro, fazendo com que o membro realize o movimento. Segundo ela, o NSA2 deverá ser implantando em breve em um paciente com sequelas de poliomielite.


ENGENHARIA FLORESTAL

SALVANDO AS ARAUCÁRIAS Diversas pesquisas vêm sendo desenvolvidas para tentar diminuir os danos causados à floresta de araucária na região Sul do país Diversas pesquisas e iniciativas vêm sendo desenvolvidas para tentar mitigar os danos causados à floresta de araucária na região Sul do país, após longos períodos de devastação. Considerado o ‘missionário da araucária’, o professor do Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal do Setor de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Flávio Zanette, dedica-se há 29 anos ao estudo e ao desenvolvimento de novas tecnologias para proteger e divulgar a espécie. Entre seus trabalhos, está o popularmente chamado de “pinheiro de proveta” e o cruzamento artificial. Atualmente, Zanette está

investindo na enxertia de araucária, uma técnica de melhoramento genético, para a produção de pinhões - fruto da araucária -, o que ele defende que pode ser uma saída para estimular o plantio econômico da espécie e contribuir com sua preservação. “Não conseguimos salvar a araucária pelo coração, então resolvemos salvar pelo bolso”, comenta. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012, a extração de pinhão gerou quase R$ 14,5 milhões nos três estados do Sul, um aumen-

Foto: Isabelle Neri

Flávio Zanette: produção de pinhão pode ser alternativa para salvar as araucárias.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

19


to de cerca de 32% em relação ao ano anterior. Zanette destaca que, na natureza, é possível encontrar árvores produzindo mais de 100 quilos de pinhões por ano. “É possível clonar pela enxertia. Quando adultas, essas araucárias poderão produzir 70 quilos de pinhões em média por ano”, afirma. Um pomar pode render, segundo Zanette, de R$ 15 mil a R$ 20 mil por hectare/ano, a custo zero, a partir de

As previsões, infelizmente, não são otimistas para a araucária. A espécie, cuja floresta chegou a abranger uma área de 200 mil quilômetros quadrados – equivalente ao tamanho do estado do Paraná – possui hoje menos de 3% de sua cobertura original, e somente 0,22%, o que equivale a cerca de 41 hectares, está sob proteção em unidades de conservação. No entanto, diversos especialistas apontam uma série de sugestões que podem, não reverter, mas melhorar esse quadro. Registros históricos apontam que a rápida devastação da floresta de araucária teve início a partir do século XIX, quando o Sul do Brasil começou a ser ocupado por imigrantes europeus que vieram para o país atraídos pela promessa de uma vida melhor. A madeira era utilizada para a construção de habitações, móveis e artigos domésticos. Houve, igualmente, o desmate de trechos para a prática da policultura de

15 anos do plantio, mantendo-se produtiva ao longo de 150 anos. “É um retorno que vai para os netos e bisnetos do produtor”, diz o pesquisador. Entre as vantagens da araucária enxertada, está o início de produção em período inferior a dez anos na propagação natural por meio de sementes, a produção começa entre 12 e 15 anos. Além disso, será possível selecionar materiais genéticos de matrizes de alta qualidade produtiva e variedades mais atrativas ao consumidor. A Embrapa Florestas mantém, há 35 anos, material genético em um banco ativo de germoplasma. A pesquisadora e doutora na área de Recursos Genéticos Florestais da Embrapa Florestas, Valderes Aparecida de Sousa, explica que o banco

proibiu a extração e a comercialização da espécie. Um trabalho coordenado pela professora do departamento de Ciências Florestais do Setor de Ciências Agrárias da UFPR, Ana Paula Dalla Corte, apontou que, da cobertura florestal nativa em parte da Floresta Ombrófila Mista no Paraná, 26,36% estão em estágio médio e avançado de desenvolvimento, e apenas 10,27% estão em estágio inicial, ou seja, na situação de uma floresta mais Foto: Isabelle Neri jovem. O trabalho foi realizado em 51 municípios na região de maior ocorrência da espécie a partir da utilização de imagens de satélite e levantamentos de campo, com mais de 100 pontos de controle para o enquadramento da vegetação segundo o seu desenvolvimento. “Esse estudo teve como objetivo realizar um levantamento das florestas de araucária, ou seja, produzir Ana Paula Dalla Corte: estudo para um retrato da situação da cobertura analisar parte da Floresta Ombrófila florestal em parte do estado”, explica a Mista no Paraná auxilia no entendimento pesquisadora.

alimentos, seguido de exportações para diversos mercados. Sem mecanismos oficiais para barrar a exploração, as medidas de proteção da floresta chegaram tarde. Em 1992, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) incluiu a araucária na lista oficial de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção. E somente em 2001 o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)

da situação da planta no estado.

20

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

reúne coletas feitas em regiões de maior ocorrência da araucária no Paraná, em Santa Catarina, no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, e tem como objetivo conservar geneticamente o gene que pode ser usado para melhoramento e promover uma conservação indireta. “Os bancos são tentativas de salvar os genes importantes para o futuro da espécie”, diz Valderes. No entanto, ela entende que a solução para o não desaparecimento da araucária vem de um conjunto de ações. Entre elas, o incentivo ao plantio com a proposta de uma conservação mais participativa, com o envolvimento dos proprietários de áreas. “A conservação para o uso será bem mais efetivo”, pondera.


MUDANÇAS CLIMÁTICAS Outras ameaças surgem para colocar a araucária ainda mais em risco. As mudanças climáticas, por exemplo. Um trabalho de pesquisa da mestranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Florestal da UFPR, Lara Clímaco de Melo, visou explorar as relações entre o clima e a floresta, buscando, em linhas gerais, conhecer como a Floresta Ombrófila Mista – como é denominada a floresta de araucária no Brasil – responderia a possíveis mudanças no clima. Cenários climáticos foram projetados com base no IPCC por meio da geoestatística para 2100 (0,3°C; 2,4°C; 4,8°C e 6°C) e cruzados com os dados de cobertura original (ocorrência) de 10 espécies, dentre elas, elas a araucária. “Olhando de forma isolada a araucária, observamos que, em um cenário otimista – aumento de 0,3°C na temperatura – a espécie perderia 11% de sua área de ocorrência. Já em um cenário extremo – aumento de 6°C –, ela estaria criticamente em perigo de extinção, perdendo 81% da sua área natural de ocorrência”, explica Lara. Para a pesquisadora, esses resultados demonstraram a urgência da necessidade em se investir em pesquisas, ações e políticas que promovam o manejo florestal e na conservação desses fragmentos. Já o professor do curso de Engenharia Florestal da UFPR, especialista em pesquisa em araucária e autor de três livros sobre o tema, Carlos Roberto Sanquetta, afirma que, por ser uma espécie de desenvolvimento lento, houve muito pou-

co estímulo dos órgãos públicos para o plantio e a proliferação da floresta de araucária. “Os governos pensam em curto prazo”, observa. Em seu mais recente trabalho “Pesquisa com Araucária e suas Transições – Pesquisas Ecológicas de Longa Duração”, lançado neste ano, Sanquetta reúne uma série de observações sobre a floresta de araucária ao longo de 20 anos de pesquisas. Entre elas está a potencialidade desse ecossistema em fixar e acumular biomassa e carbono. “Estima-se que as florestas em geral, quando conservadas ou manejadas sustentavelmente, são capazes de absorver cerca de 16% do carbono atmosférico, acumulando-o em seus diversos componentes, enquanto o desmatamento e a degradação desses ecossistemas, juntamente com a agricultura, são responsáveis pela emissão de 31% dos gases do efeito estufa”, defende o pesquisador. O pesquisador da área de Agrometeorologia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), unidade Florestas, Marcos Silveira Wrege, afirma que a araucária é uma espécie primitiva considerada um ‘fóssil vivo’, que dificilmente terá condições de se manter diante das mudanças climáticas e de pluviosidade. Segundo ele, até o final deste século existe uma projeção para um aumento da temperatura na região Sul do Brasil entre 4 e 5 graus. “A araucária é uma espécie de clima frio e que necessita de um regi-

me de chuva regular para se desenvolver. Além disso, ela tem um ciclo reprodutivo de quatro anos, e qualquer interferência nesse período, compromete sua manutenção”, observa. Foto: Isabelle Neri

Carlos Sanquetta e Lara Melo: mudanças climáticas contribuem para a diminuição da ocorrência das araucárias. Em outros países onde também existe a presença de floresta de araucária, como no Paraguai, os pesquisadores já estão observando a mortalidade da espécie em função das mudanças climáticas. Isso se deve não só à elevação da temperatura em si, mas também porque esse aumento facilita a proliferação de pragas e doenças. De acordo com Wrege, no Brasil, em virtude da fragmentação das florestas, esse fenômeno ainda não foi observado, “mas também será preciso ficar alerta”, pondera.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

21


SUSTENTABILIDADE

CONSCIÊNCIA CONSTRUTIVA Foto: Isabelle Neri

Foto: Isabelle Neri

Casa da Tecverde: habitação sustentável para a população de baixa renda.

Foto: Isabelle Neri

22

PARANÁ FAZ CIÊNCIA


O setor da construção civil vem buscando alternativas para se adequar às metas globais de redução de impactos ambientais e, primordialmente, trazer alternativas benéficas para toda a sociedade romover a cultura da habitação sustentável na população de baixa renda. Essa é a intenção do projeto ZEMCH Network, que concentra esforços para implementar inovações tecnológicas e gerenciais nas construções. Construídas em apenas três horas, as casas do ZEMCH são feitas de um sistema de painéis de madeira que se encaixam para formar paredes pré-moldadas. Inicialmente, serão construídos cinco modelos, que terão o uso monitorado. Pretende-se melhorar a produtividade, reduzir a geração de resíduos, diminuir os gastos dos usuários com moradia e agregar mais valor ao produto. Em um momento em que a questão ambiental norteia qualquer atividade, o setor da construção civil vem buscando alternativas para se adequar às metas globais de desenvolvimento sustentável. Entre todas as indústrias, a da construção civil é notadamente a que mais ocasiona impactos ambientais. Estima-se que entre 14% e 50% dos recursos naturais extraídos no planeta sejam consumidos pelo setor construtivo, de acordo com dados da tese do professor Vanderley John, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Porém, mesmo em atividades altamente impactantes, a aplicação de práticas sustentáveis é possível e necessária. Para isso, vários projetos buscam menor impacto ambiental, racionaliza-

EL F o to : G i l b e r to A b e l h a / U

F o to : I s a b e l l e N e r i

ção de matéria e energia e diminuição do volume de resíduos sólidos gerados. O ZEMCH Network é um deles. Trata-se de uma rede internacional de pesquisa científica, e um dos projetos está sendo desenvolvido por um grupo da Universidade Estadual de Londrina (UEL). As casas elaboradas para o projeto devem atender a requisitos de eficiência energética e tecnologias que favoreçam a sustentabilidade e a customização em massa. Por isso, optou-se pela utilização da tecnologia wood frame pré-fabricada, desenvolvida pela empresa Tecverde Engenharia, de Curitiba. Os painéis de madeira que formam as paredes são revestidos internamente por placas de gesso e, externamente, por placas cimentícias. Para auxiliar no desempenho térmico, as paredes são preenchidas por lã de PET ou de vidro. “Um dos fatores que nos levaram a adotar essa tecnologia é a velocidade de produção, com um mínimo de geração de resíduos de construção”, explica Ercília Hitomi Hirota, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Gestão de Projetos Integrados da UEL. Outro ponto relevante do projeto é a customização em massa, uma estratégia de desenvolvimento de produtos que busca atender ao máximo os requisitos dos clientes. A tecnologia desenvolvida pela Tecverde já recebeu homologação, requisito que permite o financiamento das habitações, e poderá ser viabilizada por meio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

23


BAGAÇO SUSTENTÁVEL [o subproduto da queima de bagaço de cana-de-açúcar] é um ótimo ganho econômico e ambiental, pois substitui o cimento, um produto caro cuja produção é muito poluidora.

24

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

Na proposta, a cinza pesada será reaproveitada por meio da substituição parcial da areia na confecção dos pavers. Isso contribuiria para a diminuição da extração desse material de forma irregular de rios. A cinza leve será substituída parcialmente no cimento Portland para evitar a disposição final incorreta do resíduo (veja quadro “Cinzas maléficas e benéficas”). O pesquisador destaca que a incorporação tanto de cinza leve como pesada em pavers será benéfica para as indústrias e para o meio ambiente. “Serão reduzidos o consumo de cimento e a poluição atmosférica gerada pela produção. Também será reduzida a extração de areia dos rios, e as usinas realizarão a destinação correta por meio da reciclagem desses resíduos”, salienta Martins. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra de 2013/2014, foram geradas 650 mil toneladas de cinza leve. Porém, essa cinza gerada na usina possui aproximadamente 100% de umidade. Dessa forma, a geração de cinza leve seca é de aproximadamente 325 mil toneladas que poderiam ser utilizadas como cimento, ou, aproximadamente, 6.5 milhões de sacos de cimento. “Se pensarmos hoje, que a média de 1 saco de 50 kg de cimento custa R$ 30, poderíamos obter uma economia de aproximadamente R$ 195 milhões. Esse é o aspecto econômico do reaproveitamento dessa cinza como cimento”, ressalta o engenheiro. Foto: Isabelle Neri

Carlos Humberto Martins

dade (característica de cimento) e pode ser utilizada na substituição parcial do cimento em até 7,5%. “Um ótimo ganho econômico e ambiental, pois substitui o cimento, um produto caro cuja produção é muito poluidora”, afirma Carlos Humberto Martins, coordenador do curso de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e coordenador do projeto de uso de resíduos para a produção de argamassa. Foto: Isabelle Neri

Práticas ambientalmente sustentáveis visam aumentar o ciclo de vida dos materiais utilizados na construção civil. Um dos materiais que apresentam ótimo resultado é o subproduto da queima de bagaço da cana-de-açúcar, aplicado para substituir parcialmente a areia e o cimento em argamassas, concretos e pavers (blocos para pavimentação). A utilização de concreto nas construções cresce anualmente e, consequentemente, eleva o consumo de cimento Portland (veja quadro “Emissões de CO2”) e agregados naturais na confecção de concretos. Buscando reduzir o custo do produto e diminuir a degradação ambiental, várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas para substituir componentes do concreto por materiais alternativos. No processo de beneficiamento da cana-de-açúcar, o maior subproduto gerado é o bagaço da cana-de-açúcar, utilizado em larga escala como combustível em caldeiras para geração de energia (vapor) que resulta em uma cinza pesada e leve. Com as pesquisas, chegou-se à conclusão de que a cinza pesada pode substituir 20% da areia comum na construção civil sem alterar suas características. Já a cinza leve apresentou ótimo resultado de pozolanici-


O concreto autoadensável (CAA) proporciona a diminuição de falhas de concretagem decorrentes da segregação resultante do excesso de vibração no concreto convencional. Outra vantagem é a redução da mão de obra para serviços de concretagem, já que não é necessário adensar e os serviços de espalhamento e nivelamento são facilitados. Essas propriedades são conferidas ao CAA devido à composição dos materiais que o constituem.

Somente no Paraná, na safra 2013/2014, teríamos a possibilidade de produzir 270 mil toneladas do produto se todo o bagaço fosse queimado para cogeração de energia. Romel Dias Vanderlei A cinza do bagaço de cana-de-açúcar, resíduo gerado pelo setor da agroindústria, também pode ser fonte de matéria-prima para a composição do CAA, que apresenta grande fluidez e alta trabalha-

Foto: Isabelle Neri

EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Romel Dias Vanderlei: grandes avanços com o concreto autoadensável. bilidade, ou seja, é muito plástico. “Para se ter ideia, somente no Paraná, na safra 2013/2014, teríamos a possibilidade de produzir 300 mil toneladas do produto se todo o bagaço fosse queimado para cogeração de energia”, explica Romel Dias Vanderlei, chefe do Departamento de Engenharia Civil da UEM e coordenador do projeto de desenvolvimento de concreto com cinza do bagaço da cana-de-açúcar. Vanderlei destaca que uma das contribuições que justificam o desenvolvimento do CAA se refere à durabilidade do elemento estrutural. Além disso, o CAA permite a concretagem de peças com pequenas seções ou densamente armadas sem que haja vazios.

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA Existe uma tendência de construção de edificações sustentáveis, principalmente nos grandes centros urbanos. A eficiência energética faz parte desse cenário, tanto vinculada aos procedimentos das certificações ambientais quanto por meio do programa brasileiro de etiquetagem de edificações

do Inmetro, que apresenta procedimentos para classificação do nível de eficiência energética. A habitação desenvolvida no ZEMCH terá nível A de eficiência energética, ou seja, demandará menos energia elétrica ao longo de sua vida útil.

EMISSÕES DE CO2 O cimento Portland é o principal ligante hidráulico utilizado no concreto. A fabricação de uma tonelada de clínquer* de cimento Portland lança uma tonelada de gás carbônico (CO2) na atmosfera. Assim, a produção anual mundial de cimento chega a 1,5 bilhão de toneladas, responsável por quase 7% das emissões globais de CO2 (MEHTA; MONTEIRO, 2008). Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), em 2012 estima-se que o Brasil tenha produzido 68,787 milhões de toneladas de cimento (SNIC,2013). *clínquer é o material a partir do qual é fabricado o cimento.

CIMENTO DESNECESSÁRIO Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), em 2012 o Brasil produziu 68,787 milhões de toneladas de cimento. Segundo as pesquisas, é possível substituir até 5% de cimento por cinza leve, ou seja, seriam necessárias aproximadamente 3,4 milhões de toneladas de cinza, e atualmente são geradas aproximadamente 325 mil toneladas.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

25


RECURSOS AMEAÇADOS Estima-se que entre 14% e 50% dos recursos naturais extraídos no planeta sejam consumidos pelo setor construtivo.

CINZAS MALÉFICAS E BENÉFICAS Na safra 2013/2014, foram processadas 652 milhões de toneladas de cana-de-açúcar no país, gerando aproximadamente 3,9 milhões de toneladas de cinza pesada e 650 mil toneladas de cinza leve.

CANA-DE-AÇÚCAR

01

BAGAÇO

02

COMBUSTÍVEL EM CALDEIRAS DE GERAÇÃO DE ENERGIA

03

CINZA PESADA

04

SUBSTITUI AREIA COMUM

05

CINZA LEVE

06

SUBSTITUI CIMENTO

07

Fonte: Companhia Nacional

ab

e ll

e eN

ri

Fo

to

: Is

de Abastecimento (Conab).

26

PARANÁ FAZ CIÊNCIA


INICIAÇÃO CIENTÍFICA

NOVOS OLHARES Bolsas de iniciação científica estimulam os estudantes a pesquisar desde muito cedo e podem resultar em amplos e significativos benefícios para a sociedade Foto: Isabelle Neri

Levar os resultados de pesquisas científicas para a grande massa é o objeto de estudo da consultora externa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e professora/ coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Désirée Motta Roth. Por meio da Linguística Aplicada, ela estuda como o discurso científico do contexto acadêmico é retextualizado na mídia. Ou seja, como os textos chegam aos livros didáticos, a revistas e até a editais. “O discurso passa por processos tendo em vista outros interlocutores. Cada instância tem sua função”, diz. Segundo a pesquisadora, o que ocorre é uma percepção errônea por parte de quem produz sobre quem é seu leitor. “As pessoas acabam não entendendo o que leem.” Désirée informa que uma pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia apontou que entre 2006 e 2010 houve um aumento do número de entrevistados com interesse em aprender mais por meio de jornais e revistas (de 41% para 65%). “As pessoas dizem que se interessam, mas não compreendem o que está

escrito.” Em 2006, essa mesma pesquisa revelou que 85% dos 2.004 entrevistados de diferentes classes sociais e em todo o país afirmaram não compreender textos sobre ciência. O estudo foi coordenado por Ildeu Moreira, diretor do Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, e demonstrou, em 2006, que somente 15% das pessoas abordadas foram capazes de citar uma instituição científica importante no Brasil ou o nome de um cientista famoso. Na opinião de Désirée, são necessários cada vez mais estudos sobre quais estratégias discursivas utilizar, sobre a organização da informação no texto, e que temáticas estão a serviço da sociedade. “Se não, a ciência fica enclausurada”, avisa. “O pensamento científico, seja na matemática, física, química ou arte, deveria ser estudado intensivamente na escola para que qualquer sujeito fosse capaz de se relacionar com a ciência”, opina. A professora comenta que as áreas de informática, biologia e ecologia, por exemplo, são mais exploradas nos jornais, o que não ocorre com o letramento e o

Camila Bourguignon de Lima, estudante de Licenciatura em Artes Visuais na UEPG: bolsas auxiliam em sua pesquisa sobre a presença da mulher na arte contemporânea. ensino de leitura e produção de textos, práticas fundamentais para a educação, segundo sua avaliação. Consequentemente, os financiamentos tendem mais para outras áreas. Ressalta, ainda, que a mídia só faz ciência de um sujeito e não traz a voz da sociedade. “Só quem fala é o cientista.” O processo de fazer com que as informações relacionadas à ciência cheguem até a população pode ser realizado a partir do programa de iniciação científica implantado nas universidades. Camila Bourguignon de Lima, que cursa Licenciatura em Artes Visuais na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), utiliza esse programa para dar sequência ao estudo da presença da mulher na arte contemporânea (séculos XX e XXI). “Elas ainda não são reconhecidas em seu potencial artístico em museus, galerias”, relata. Segundo Camila, as exposições de artes em galerias e museus são predominantemente de artistas homens, “porque visam a mais público e lucro”. Como a arte é PARANÁ FAZ CIÊNCIA

27


expressão da sociedade num determinado tempo, ela considera essa discussão bastante importante. Camila estudou 30 quadros de artistas mulheres de vários países do Ocidente e observou que elas ainda não são vistas como criadoras de arte, mas “apenas como um objeto a ser contemplado”, sem convites para participação em exposições de artes.

A estudante identificou que algumas artistas têm em sua temática o cotidiano feminino, outras, padrões de beleza como uma forma de crítica às exigências estéticas ao corpo feminino. O fato de ser pesquisadora dessa área abriu à estudante as portas da Faculdade de Belas Artes, em Lisboa (Portugal) onde pôde intensificar seus estudos. Ela conta que

ESTÍMULO À PÓS-GRADUAÇÃO A crescente oferta de bolsas reflete na procura por cursos de Pós-Graduação, como ocorreu na Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro). O primeiro curso de Pós-graduação stricto sensu da universidade é de 2006. Hoje são 17, resultado dos projetos e das bolsas de iniciação científica na graduação que, a cada dia, têm estimulado mais estudantes a seguirem os caminhos da pesquisa. A conclusão é do pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Marcos Ventura Faria. “Na verdade, a base da criação da Pós-Graduação na Unicentro foi a iniciação científica. Se analisarmos os gráficos do crescimento de projetos de iniciação científica e da ampliação dos cursos na pós, veremos que são coincidentes”, revela. Faria

está na Unicentro há 12 anos e pôde acompanhar esse incremento na área de pesquisa. “Os alunos enxergam outras possibilidades além da graduação. Toda a visão do graduando mudou”, observa. Ventura orienta vários projetos que fazem parte do Programa de Melhoramento Genético de Milhos Especiais. A pesquisa está dividida em milho forrageiro (alimentação animal) e milho doce (consumo industrializado). O principal objetivo é desenvolver novos híbridos adaptados às condições regionais que sejam competitivos no mercado. O aluno do curso de Agronomia da Unicentro Carlos Augusto da Silva comenta que o projeto é essencial para auxiliar na formação do curso. “O projeto abre as portas do mercado de trabalho, princiFoto: Isabelle Neri palmente para quem quer continuar os estudos cursando mestrado ou doutorado. Agrega conhecimento para quem quer focar em milhos especiais e entender os nichos de mercado”, diz ele. “O diretor de pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual Norte do Paraná (UENP), Fernando Moreno da Marcos Ventura e seus alunos Carlos Silva, conta que, dos cinco mil aluAugusto da Silva, Reginaldo Calixto e nos da UENP, pelo menos 200 estão Emanuel Gava (da esquerda para a direita): inseridos em programas de financiaVentura orienta vários projetos que fazem mento. Ele explica que a iniciação parte do Programa de Melhoramento científica basicamente tem duas Genético de Milhos Especiais. funções. “Converter conhecimento

28

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

também pôde comprar diversos livros e participar de eventos relacionados à sua área de estudo. Camila é orientada pela professora Lenir Mainardes, doutora em Serviço Social e representante do Comitê de Iniciação Científica na UEPG.

em utilidade pública e criar a cultura de pesquisa na universidade desde seus primeiros anos”, salienta. Um dos projetos orientados por ele é o da aluna do curso de Letras Samantha Isabela Pinto, cujo título é “Estilo dos Jornais Paranaenses”. Na pesquisa, Samantha analisou o perfil de alguns leitores de dois dos maiores jornais do estado (Gazeta do Povo e Folha de Londrina). A aluna pesquisou 14 edições de cada jornal, de uma determinada semana, e chegou à conclusão de que os leitores da Folha são mais tradicionais, preferem ler sobre temas mais regionais; e os da Gazeta preferem temas macro, de economia ou internacionais. Foto: Tiago Ângelo

Professor Fernando Moreno (ao centro) com alunos de iniciação científica. Na opinião do pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Frank Mezzomo, também coordenador do Programa de Pós-Graduação interdisciplinar Sociedade e Desenvolvimento do campus de Campo Mourão, a iniciação científica torna a vivência do aluno mais intensa dentro da universidade e mais assídua. “A formação é para o estudante e para o professor, que potencializa sua pesquisa”, observa. Em sua visão, a comunidade


ganha com um egresso mais bem preparado tanto na área acadêmica quanto no mercado de trabalho, porque não se pode mais pensar hoje em uma “ciência encastelada”. Ele ressalta que as pesquisas não devem ser feitas individualmente, mas de forma ampla e conjunta. “Pode ocorrer de o pesquisador estar investigando algo que possa contribuir para o projeto de outro pesquisador e que pode ser relacionado ao mesmo assunto e vice-versa”, reforça. Investigar o perfil do jovem universitário — com relação à religião e à política — é o objetivo de uma das pesquisas desenvolvidas na Unespar. Por ser uma universidade nova, ainda não existe o mapeamento dos perfis dos alunos da instituição. Outro projeto realizado na Unespar que conta com a participação de alunos da iniciação científica é o estudo das representações da mulher presentes no jornal Folha do Norte do Paraná — veiculado de 1962 a 1979, na região norte do Paraná (sediado em Maringá). Esse trabalho foi dividido em três fases: digitalização dos jornais, tabulação dos dados e avaliação do material coletado. Além de ajudar a preservar documentos históricos, o objetivo também é estudar como o jornal se reportava às mulheres naquela época, já que era organizado pela Igreja Católica, e como esse tratamento influenciava a opinião das pessoas.

Os exemplos de Désirée e Camila mostram, na prática, o crescimento da iniciação científica em todo o país: em torno de 40% na última década. No Paraná, esse índice sobe para quase 70%, segundo o CNPq.

2014 50.125

2004

bolsas

34.977

2010 a 2014 11.000 bolsas 52 milhões em investimentos

bolsas

PARANÁ BRASIL

Em 2004, eram 34.977 bolsistas em todo o país. Neste ano, são 50.125. Nos últimos quatro anos, foram financiadas pela Fundação Araucária, em parceria com o CNPq, mais de 11.000 bolsas de iniciação científica, um investimento acima de R$ 52 milhões.

CONTROLE BIOLÓGICO EM ESTUDO

Comer uma fruta ou hortaliça sem resíduos de agrotóxicos é o que deseja o mercado consumidor na atualidade. E é um dos objetivos das pesquisas da professora doutora em Fitopatologia Maristella Dalla Pria, da UEPG, que há vários anos se dedica a pesquisar alternativas naturais aos fungicidas em conjunto com pesquisadores da UFPR. “Existem várias substâncias, extratos vegetais que não são considerados agrotóxicos e podem ser utilizados no controle de fitopatógenos”, afirma. Foto: Isabelle Neri Segundo a pesquisadora, os experimentos são conduzidos no campo, em laboratório e na Casa de Vegetação do campus da UEPG e UFPR. Os mais recentes foram realizados nas culturas de soja, feijão, milho e frutíferas, com alguns resultados promissores. Há uma ampla gama de substâncias que ainda podem ser testadas, Alex Gatto e Maristella Dalla Pria: contato as quais, além de terem sua do aluno da graduação com a pesquisa. eficiência comprovada, não

podem deixar resíduos nos alimentos e no ambiente. Essas substâncias são escolhidas com base na literatura e na curiosidade dos próprios pesquisadores. Maristella trabalha com dois alunos de iniciação científica júnior, três alunos de iniciação científica, três de mestrado e quatro de doutorado. “O importante da iniciação científica é que mantemos o contato do aluno da graduação com a pesquisa e podemos encaminhá-lo para a Pós-Graduação. Na iniciação científica, já conseguimos visualizar alunos que têm aptidão para a pesquisa”. Um de seus alunos, do curso de Agronomia da UEPG, Alex Gatto, pesquisa o uso de óleos essenciais no controle de doenças do milho. Segundo Alex, o Projeto de Iniciação Científica possibilitou a compreensão de todas as fases necessárias antes de uma nova tecnologia ser implementada no mercado. “As empresas buscam quem já tem experiência. É um diferencial na contratação”, disse o estudante.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

29


FAPs

INVESTIMENTO EM PESSOAS E IDEIAS As FAPs são responsáveis pelo desenvolvimento do país à medida que estimulam a ciência e a tecnologia por meio de apoio a pesquisas

crescimento de países emergentes como o Brasil tem proporcionado à população o acesso a uma melhor qualidade de vida. Mas essa evolução depende de mecanismos capazes de suportar o avanço de diversos segmentos produtivos no país. Nesse campo, destacam-se as políticas de desenvolvimento de ciência, tecnologia e inovação, as quais têm encontrado respaldo nas Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs). O Brasil conta com 26 fundações estaduais em funcionamento, cuja finalidade é dar apoio a projetos de pesquisa, ensino, extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico para instituições de ensino superior e institutos de pesquisa. “As FAPs são grandes instrumentos para potencializar a ciência e a tecnologia no Brasil. O número e o alcance das nossas fundações são fatores inéditos em qualquer país em desenvolvimento semelhante

30

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

ao nosso”, avalia o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães. Os impactos da ciência, da tecnologia e da inovação são percebidos em diversos setores e atividades, como promoção da saúde, redução nos preços de equipamentos e produtos, oferta de novas tecnologias, conservação dos recursos naturais, orientação ao desenvolvimento de políticas públicas e aumento da competitividade pela incorporação de novas

Já estamos em estudos adiantados para parcerias com instituições do Canadá e da Comunidade Europeia, as quais possibilitarão ainda mais o apoio a pesquisas para o Brasil e para parceiros. Sérgio Gargioni

tecnologias. O presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, destaca que, por meio das agências de fomento, pesquisadores e docentes passam a ter mais oportunidades de formação e capacitação, além de “perspectivas de intercâmbio com instituições e pesquisadores estrangeiros, possibilitando um incremento das atividades de educação e pesquisa no país”. O presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Sérgio Gargioni, também destaca as parcerias internacionais. Dentre elas, a parceria com o Fundo Newton, do Reino Unido, com o Conselho Britânico e a norte-americana Fundação Bill & Melinda Gates. “Já estamos em estudos adiantados para parcerias com instituições do Canadá e da Comunidade Europeia, as quais possibilitarão ainda mais o apoio a pesquisas para o Brasil e para parceiros”, conta.


PARANÁ O Paraná está entre os estados de referência quando o assunto é apoio à ciência e à tecnologia. A Fundação Araucária — única FAP no país de personalidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos —, vinculada à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, deu um salto em qualidade e atendimento nos últimos quatro anos desde que passou a focar sua gestão em pessoas e ideias, ou seja, disponibilizando boa parte de seus recursos para bolsas e projetos. O presidente da Fundação Araucária, Paulo Brofman, explica que a gestão da entidade foi feita “a quatro mãos”, já que as linhas de atuação da fundação foram definidas a partir das demandas da comunidade universitária. Somente de 2011 a 2014, a entidade financiou mais de 14 mil bolsas, o que representa 50% da demanda; além de apoiar outros 4 mil projetos. “O Paraná conta hoje com 290 programas de Pós-Graduação e mais de 15 mil alunos. Isso faz com que a demanda para bolsas e financiamentos seja muito grande”, comenta Brofman. Para tentar ampliar o atendimento, a fundação vem mantendo

parcerias, principalmente com as agências de fomento do governo federal, o que possibilitou dobrar a quantidade de financiamentos. Essas parcerias são possíveis em função da credibilidade que a Fundação Araucária conquistou. “Hoje nós somos uma FAP de referência em acordos assinados. E quando existe um saldo de recursos de entidades como a Capes, essas verbas são direcionadas para nós, que temos condições de executar rapidamente”, analisa. Outro ponto positivo na gestão da fundação foi o investimento na reestru-

Hoje nós somos uma FAP de referência em acordos assinados. E quando existe um saldo de recursos de entidades como a Capes, essas verbas são direcionadas para nós, que temos condições de executar rapidamente.

turação administrativa, com novos programas de informática, visando garantir mais agilidade e facilitar os processos de todos os envolvidos. O apoio da Fundação Araucária aos programas de Pós-Graduação stricto sensu foi um dos motivos que ajudaram a colocar o Paraná em destaque novamente na classificação dos programas de Pós-Graduação realizada pela Capes. O Paraná também manteve a liderança em relação à melhora na qualificação, com 27% dos programas, enquanto a média nacional foi de 23%. “Isso é mérito das universidades, dos institutos de pesquisas e dos docentes e discentes envolvidos”, disse Paulo Brofman. Para o presidente da Fundação Araucária, apesar de todos os avanços, ainda existem desafios a serem alcançados. Um deles é transformar a fundação em política de estado. Outro é possibilitar o recebimento por duodécimos, assim como diminuir a burocracia da liberação dos recursos. “Dependendo do projeto, que os recursos possam ser destinados diretamente para o pesquisador, pessoa física, e não somente para as instituições”, explica.

Paulo Brofman

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

31


FUNDAÇÃO ARAUCÁRIA A Fundação Araucária elegeu quatro eixos temáticos de atuação: verticalização do ensino superior e formação de pesquisadores, produção científica e tecnológica, disseminação científica e tecnológica, e o quarto eixo, que representa outras ações financiadas. Além dos programas tradicionais que vem desenvolvendo ao longo de 14 anos de atividades, a fundação criou três novas bolsas: bolsa técnico (que estimula a presença de pesquisadores responsáveis em laboratórios), bolsa sênior (que destina bolsas a professores prestes a se aposentar para continuarem na orientação de mestrandos e doutorandos) e bolsa pós-doc empresas (com bolsas para pesquisadores desenvolverem projetos dentro de empresas).

O coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Imunova — empresa curitibana que atua com novas tecnologias para a indústria veterinária —, Celso Fávaro Júnior, conta hoje com dois pós-doutorandos trabalhando no desenvolvimento de novos produtos na empresa. Ele afirma que, se não fosse por meio

32

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

da bolsa da fundação, não teria condições de manter esses profissionais. “Além de podermos contar com a excelência da pesquisa, também existe uma integração empresa-universidade que é fundamental”, avalia. A pós-doutoranda da empresa Imunova, Clarissa Cavarsan, enxerga essa bolsa como algo agregador para sua carreira. “É uma oportunidade muito interessante, porque passamos a ter um foco diferente da academia e podemos verificar a real aplicabilidade da pesquisa”. Outra preocupação da fundação é ampliar o envolvimento da comunidade acadêmica com a sociedade. E isso tem sido possível por meio do Programa Institucional de Bolsas de Extensão (PIBEX), que incentiva a participação de alunos de graduação no desenvolvimento de atividades de extensão universitária. A pró-reitora de Extensão e Cultura da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), Marquiana de Freitas Vilas Boas Gomes, diz que atualmente a instituição conta com 24 alunos bolsistas que desenvolvem atividades nas áreas de atendimento à saúde, meio ambiente, educação, cultura, tecnologia, trabalho e direitos sociais. “Esses projetos de

extensão têm atendido comunidades muitas vezes isoladas pela distância, e são grandes possibilidades de transformação social”, ressalta. Para Bruno Cesar Elias, graduado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do programa de Pós-Graduação de Ciência Animal da Universidade Estadual de Londrina (UEL), ter apoio para custear os estudos é fundamental para uma vida acadêmica. “Eu tenho a bolsa de mestrado e acredito que esse auxílio é de vital importância, pois oferece ao aluno estabilidade econômica e, consequentemente, vida acadêmica plena”, afirma.


TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

Métodos e tecnologias atendem à demanda do consumidor por praticidade no preparo e saúde na mesa rato típico na mesa dos brasileiros, o feijão deve ter o consumo incentivado por suas qualidades nutricionais, que incluem proteínas, fibras, ácido fólico e minerais, como o ferro e o potássio. Porém, o tempo necessário para o preparo doméstico tem diminuído o consumo e, consequentemente, a demanda por produção. Dados do Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, na última década, houve uma redução de 26,4% no consumo do grão pela população brasileira, quando se comparam os anos de 2003 e 2009. A informação reflete a influência que o modo de vida exerce sobre a forma como nos alimentamos. Com a correria do dia a dia, ganham espaço na casa do consumidor produtos que oferecem praticidade no preparo e que, além de

nutrir, também ofereçam benefícios à saúde. Seguindo a tendência, a indústria alimentícia procura atender a essa demanda e está cada vez mais interessada em métodos e tecnologias que racionalizem a produção, evitando perdas e melhorando a competitividade. Dessa forma, oferecer um produto previamente processado, com cozimento mais rápido, mantendo todas as suas características nutricionais, é um PARANÁ FAZ CIÊNCIA

33


dos focos do estudo sobre feijão realizado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) em parceria com a Embrapa. O projeto pretende reduzir o tempo de preparo por meio da técnica de maceração, prática de deixar o feijão de molho antes de cozinhar. “Assim, o feijão fica pronto em apenas sete minutos, bem menos que os 30 minutos necessários para cozinhar o grão comum”, ressalta Silvia Renata Machado Coelho, coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Agrícola da Unioeste (campus Cascavel).

Silvia Renata Coelho (terceira, da esquerda para a direita): reduzir o tempo de preparo por meio da técnica de maceração, prática de deixar o feijão de molho antes de cozinhar, é o objetivo de uma de suas pesquisas.

O efeito é obtido quando se coloca o grão de molho em solução salina. Na pesquisa, observou-se que a utilização de bicarbonato de sódio contribui para reduzir o tempo de cozimento. “Estão sendo testadas diversas variedades de feijão para analisar qual apresenta o melhor resultado”, salienta Silvia. No resultado, os grãos ainda apresentam uma coloração escurecida, por isso, ainda é preciso otimizar o processo para melhorar a aparência. Foram testados feijões cozidos com e sem a utilização da água do molho, e o melhor resultado foi obtido quando se descarta a água Foto: Isabelle Neri em que o grão ficou imerso. A maceração dos grãos em água de 12 a 16 horas demonstrou que o amido tornou-se mais digerível e fatores antinutricionais, como fitatos e taninos, tiveram remoção mais efetiva, sem alterar o valor nutritivo. Outro estudo investiga a influência do armazenamento nos teores nutricionais

“O feijão fica pronto em apenas sete minutos, bem menos que os 30 minutos necessários para cozinhar o grão comum.” Silvia Renata Machado Coelho do feijão submetido à maceração. Estão sendo analisadas também a presença de substâncias que levam ao envelhecimento do grão, e sua correlação com o armazenamento. A qualidade culinária, nutricional e de mercado é influenciada pelo tempo e pelo modo como é armazenado pós-colheita. Além do benefício para a população em geral — com um produto de mais fácil cozimento e com maior qualidade —, os produtores também saem ganhando. Quando comercializado, é ideal que o feijão tenha no máximo seis meses de armazenamento, mas o grão acaba sendo vendido mesmo quando ultrapassa esse tempo. Dessa forma, diminui o valor de mercado, mas também a qualidade do produto que chega ao consumidor. “Os produtores sinalizam muito interesse em pesquisas na área que venham solucionar essa questão”, afirma Silvia

Foto: Isabelle Neri

CARNE FUNCIONAL A elaboração de novos alimentos ou a alteração de produtos já existentes envolve o conhecimento de como combinar recursos para atender às demandas do consumidor. Uma proposta para atingir a busca de uma alimentação focada na qualidade de vida é a produção de derivados cárneos com a adição de okara —resíduo obtido do preparo de leite de soja e de outros produtos, como fibra da casca de aveia. A intenção é aproveitar ingredientes residuais com características funcionais e agregar valor comercial a produtos com baixo valor comercial. “Foram testados empanados de frango (nuggets) e salsicha de frango, ambos com ótima aceitação”,

34

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

Mayka Pedrão: pesquisas visam aproveitar ingredientes residuais com características funcionais e agregar valor comercial a produtos com baixo valor comercial.


conta Mayka Pedrão, pesquisadora colaboradora do projeto desenvolvido na Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), em conjunto com a professora Neusa Fátima Seibel e coordenado pelo professor Fábio Augusto Garcia Coró, ambos da UTFPR. Estima-se grande viabilidade na execução do projeto, pois, além de agregar valor, é uma alternativa para funcionalidade com enriquecimento com fibras em produtos cárneos. “O desenvolvimento desse tipo de produto é uma tendência diante dos

anseios dos consumidores em relação à melhor alimentação associada à qualidade de vida”, destaca Mayka.

“O desenvolvimento desse tipo de produto [adição de okara] é uma tendência diante dos anseios dos consumidores em relação à melhor alimentação associada à qualidade de vida.”

O benefício se estende à comunidade científica e às indústrias de alimentos, que estão cientes da importância da utilização integral de todos os subprodutos. Além das perdas nutricionais, há também prejuízos financeiros. A pesquisadora ressalta que um aproveitamento adequado pode minimizar essas perdas, além de originar novos produtos com diferenciação de mercado em relação à sua funcionalidade.

Mayka Pedrão

MELHORAMENTO GENÉTICO Ingrediente importante nas principais refeições dos brasileiros, a carne é tema de estudo de muitos pesquisadores. Atualmente, outra questão de destaque é o melhoramento genético por meio de cruzamento de raças puras. A intenção é aumentar a produtividade, o ren-

dimento e a qualidade da carne, principalmente no que diz respeito à maciez e ao sabor. O Brasil está entre os maiores produtores e exportadores do mundo e as pesquisas contribuem para o atendimento do mercado externo e do consumidor mais exigente. Foto: UTFPR/Medianeira O estudo da utilização da genômica é um dos que contribuem para a melhoria da qualidade da carne. “A intenção é avaliar interações entre diferentes genes que influenciam as características do tecido conjuntivo, o conteúdo de gordura, a composição das fibras musculares e a maturação da carne”, destaca Cristiane Canan, tecnóloga em alimentos, professora da área na UTFPR de

Medianeira e também professora de Tecnologia de Carnes. No caso de carnes suínas, há um esforço em reduzir carnes PSE (pálida, flácida e exsudativa) e DFD (escura, firme e seca). Esses produtos, salienta Cristiane, precisam de cuidados ao serem utilizados na elaboração de produtos cárneos. A qualidade pode ficar comprometida, não em relação à sanidade, mas quanto às propriedades tecnológicas. “Presuntos, por exemplo, podem ficar com cor alterada, com partes mais claras e outras mais escuras”, explica. Para minimizar esse problema, estão sendo realizados vários estudos envolvendo melhoramento genético, manejo adequado e atendimento à legislação de abate humanitário, que prevê o respeito aos animais (eles devem ser abatidos sem sofrimento). “Com isso, o consumidor ganha uma carne macia, saborosa e dentro dos padrões de segurança alimentar exigidos pela legislação”, afirma a professora. PARANÁ FAZ CIÊNCIA

35


TRIGO DE QUALIDADE A farinha de trigo é o ingrediente responsável por conferir aparência, aroma, sabor e textura a pães e biscoitos. O que pouca gente sabe é que existem diversas variedades de trigo e, para chegar a elas, são realizadas pesquisas que procuram melhorar a qualidade do produto. Desde 1976, o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) estuda o assunto. Já foram desenvolvidas 33 variedades de trigo com diversas características. “São realizados inúmeros cruzamentos e muitos testes de campo e depois no laboratório para selecionar as melhores variedades”, explica Maria Brígida dos Santos Scholz, pesquisadora do Iapar. Essas variedades são classificadas nas categorias melhorador, pão, doméstico e básico.

Os testes seguem protocolos especiais para se estudar a qualidade da farinha sem a influência dos demais ingredientes. Os diversos tipos de trigo também são testados antes da colheita para que seja conhecida a resistência à germinação. “Quando o trigo germina ainda no campo, perde toda a sua qualidade tecnológica e traz inúmeros prejuízos ao produtor”, ressalta a pesquisadora.

Maria Brígida Scholz: estudos sobre variedades de trigo buscam a melhoria do grão.

Foto: Isabelle Neri

MAIS SAÚDE Em busca de uma vida mais saudável, há uma tendência cada vez maior do consumo dos chamados alimentos funcionais. Nessa classe, destacam-se os que contêm probióticos, alimentos que apresentam microrganismos vivos, não patogênicos e que, quando consumidos diariamente e em concentração Foto: UTFPR/Medianeira

36

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

adequada, conferem efeitos benéficos à saúde. Os probióticos são bactérias que melhoram o sistema imunológico e a flora intestinal, e são adicionados a alimentos lácteos, como iogurtes e leites fermentados. No organismo, as bactérias mais conhecidas que exercem essas funções são Bifidobacterium e Lactobacillus. Estudos mais recentes mostram que, além desses benefícios, tem sido verificada a capacidade de os probióticos promoverem a descontaminação por microtoxinas (toxinas produzidas por algas, hidrocarbonetos policíclicos, que são compostos tóxicos resultantes da queima de gordura etc.). “Os probióticos se ligam a compostos tóxicos e, portanto, podem reduzir e/ ou eliminar a toxicidade deles”, revela Deisy Alessandra Drunkler, professora

do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia de Alimentos da UTFPR de Medianeira. Além dos alimentos lácteos tradicionais, a adição dos probióticos tem sido testada também em produtos como chocolates, sucos de frutas e fórmulas infantis. De acordo com as pesquisas realizadas na UTFPR, a viabilidade dos probióticos pode ser aumentada por meio da microencapsulação e, também, com o emprego de prebióticos — compostos não digeridos pelo trato digestório, mas utilizados pelos probióticos. O emprego conjunto de pro e prebióticos resulta na obtenção de um alimento simbiótico. Dessa forma, o emprego de probióticos em produtos alimentícios pode ser potencializado por esses efeitos que têm sido pesquisados nos últimos anos, impulsionando ainda mais esse mercado.


MEDICINA VETERINÁRIA

BEM CUIDADOS Os animais de estimação estão cada vez mais presentes na rotina das famílias. Paralelamente, a Medicina Veterinária vem se desenvolvendo e se especializando em diversas áreas

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

37


Foto: Isabelle Neri

Cães e gatos saíram dos quintais e foram morar em apartamentos. Perderam liberdade, tornaram-se mais sedentários, obesos e, consequentemente, mais suscetíveis a doenças. A maior proximidade com os donos, entretanto, fez com que essas doenças fossem mais rapidamente percebidas e, assim, logo diagnosticadas. A Medicina Veterinária tem que se adaptar às mudanças. Assim, vem se dividindo cada vez mais em especialidades para tratar pequenos e grandes animais, como nas áreas de neurologia, dermatologia, odontologia, ortopedia, oncologia, diagnóstico por imagem, endocrinologia, oftalmologia e homeopatia, o que possibilita tratamentos mais eficazes. O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) reconhece atualmente apenas algumas especialidades: anestesiologia, cirurgia, patologia, homeopatia, medicina veterinária intensiva e acupuntura. As outras são consideradas ainda “áreas de atuação”. Mesmo com tantas especialidades, dificilmente alguém leva seu cão ao veterinário porque ele está gordo. Mas, na verdade, é preciso estar atento a isso, pois os especialistas alertam que a obesidade pode estar ligada a várias doenças, como diabete, bronquite, dermatite, hipertensão, tumores, artrite e até problemas cardíacos. Além disso, cães obesos podem viver até 20% menos. Uma pesquisa realizada entre a Universidade Norte do Paraná, de Bandeirantes (UENP), a Universidade Estadual de Londrina (UEL) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) está estudando 60 cães obesos e 60 cães com peso normal para detectar os malefícios que o problema traz para o animal. Segundo o coordenador da pesquisa, professor da UENP, Mauro José Lahm Cardoso, com base no resultado, pretende-se conscientizar a população sobre como cuidar melhor de

38

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

Mauro Cardoso com sua aluna Laissa Iglesias: 60 cães foram submetidos a vários exames para pesquisa sobre obesidade. seu animal de estimação e alertar os veterinários clínicos para diagnósticos mais precisos. A primeira etapa da pesquisa do professor começou em janeiro deste ano e consiste na aplicação de um questionário virtual pela rede social Facebook (facebook/obesidadecanina) e outro físico com os donos dos cães, que levantará dados sobre como são tratados os animais, além de apontar o perfil socioeconômico das famílias. A segunda parte será identificar alterações no sangue, medir biomarcadores da obesidade, incluindo exames de colesterol, glicemia e triglicérides, além de medir a pressão arterial para checar as complicações causadas pela obesidade. O coordenador da pesquisa explica que os cães do estudo terão a gordura corporal estimada por meio de cálculos matemáticos, semelhante ao Índice de Massa Corpórea (IMC) usado em humanos. O terceiro ciclo da investigação será a campanha de conscientização para manter animais mais saudáveis em casa. Segundo Cardoso, cerca de 35% a 50% dos cães estão acima do peso e é necessário identificar as causas. Porém, já se sabe que os principais fatores são a superalimentação, o sedentarismo, os fatores genéticos e a castração.

Também serão estudados hormônios relacionados à obesidade como a insulina, leptina e adiponectina. Esses hormônios possuem importância na proteção ou no desenvolvimento das complicações da obesidade. “O tecido adiposo produz substâncias pró-inflamatórias, como as citocinas, que estimulam inflamação crônica leve inespecífica”, informa o veterinário. O objetivo é concluir os estudos até junho de 2015.


ESPECIALIDADES SALVAM CADA VEZ MAIS ANIMAIS

A pesquisa do professor Cardoso é apenas uma das várias investigações que vêm sendo desenvolvidas nas universidades com o intuito de melhorar a vida dos animais. Essas pesquisas também reforçam a importância das especialidades na área, já que os casos acometem determinadas partes do corpo dos animais. Os problemas tratados pela neurologia, por exemplo, são os mais diversos, desde hérnia de disco ou doença do disco invertebral, fraturas de coluna, epilepsia, encefalites, meningites, neoplasias cerebrais e até o Mal de Alzheimer. Conforme explica a médica veterinária Mônica Vicky Bahr Arias, docente das disciplinas de Técnica Cirúrgica e Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais na UEL, no caso da doença do disco invertebral tipo 1 (hérnia de disco), o animal sente muita dor e pode ficar paraplégico ou tetraplégico se não tratado adequadamente. “Nós fazemos o diagnóstico e optamos pela cirurgia ou pelo método conservativo, dependendo da gravidade do caso”, explica. Raças pequenas como teckel, lhasa apso e shitsu, diz a professora, têm um

tipo de nanismo, por isso são chamadas A equipe começou a fazer esse estudo de raças condrodistróficas (possuem porque notou outros animais com altemembros encurtados e, frequentemente, rações neurológicas nos quais era diagapresentam o canal vertebral mais estrei- nosticada por exame a hérnia tipo 2, sem to). “Nesses animais, o disco intervertebral melhora após a cirurgia. “Acreditamos sofre um tipo de degeneração diferente que outras doenças medulares, talvez do que ocorre nas outras raças”, observa. degenerativas, sejam as responsáveis peAnimais condrodistróficos, já aos 4 anos, los sinais neurológicos, sendo assim, nem podem apresentar a doença do tipo 1; sempre é necessária uma intervenção enquanto outras raças não apresentam cirúrgica”, diz a veterinária. “Estamos pesessa doença com frequência, porém po- quisando o porquê dessa alteração para dem apresentar a doença do tipo 2, me- não indicarmos uma cirurgia desnecessanos grave, mas cujo tratamento ainda é riamente.” controverso. Segundo Mônica, a doFoto: Isabelle Neri ença do disco intervertebral tipo 1 causa sinais agudos e necessita de cirurgia de emergência; já a hérnia ou doença do disco tipo 2 é crônica e atinge as raças maiores. “Estamos encontrando essa hérnia tipo 2 em animais trazidos para atendimento devido a outros problemas clínicos e que não apresenAlunas do curso de Medicina Veterinária da UENP com o professor Mauro Cardoso. tam dor ou dificuldade de locomoção”, explica.

NEUROLOGIA NÃO É RECONHECIDA A professora Mônica é vice-presidente da Associação Brasileira de Neurologia Veterinária (ABNV). Ela acredita que ainda serão necessários alguns anos para que a especialidade seja oficialmente reconhecida, devido às exigências do CFMV, aliadas à necessidade de realização de provas para avaliação de títulos e dos conhecimentos da área.

Mônica Arias: doenças do disco intervertebral são exemplos de problemas estudados pela Neurologia Veterinária. Foto: Daniel Procópio/UEL

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

39


BICHO COM DOENÇA DE GENTE É comum, por questões culturais, a ideia de que o genoma humano é todo exclusivo da espécie humana. “Na realidade, nosso genoma não é tão nosso assim. A maioria dos genes humanos é compartilhada pelos mamíferos e, em boa parte, por outros vertebrados”. A afirmação é do veterinário geneticista Enio Moura, professor de Genética e de Biologia Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Sendo assim, a maioria das doenças genéticas “humanas” ocorre em outros mamíferos também, inclusive com o mesmo padrão de herança. Foto: Isabelle Neri

Ênio Moura: doenças genéticas “humanas” também ocorrem nos animais. O estudo das doenças genéticas e dos defeitos congênitos de animais contribui para o esclarecimento de aspectos da etiologia e da patogenia e para o desenvolvimento de tratamentos, reduzindo o sofrimento tanto dos animais quanto dos humanos. Moura ressalta que todos os

40

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

casos que estuda de doenças genéticas e defeitos congênitos são espontâneos, nenhum induzido por tecnologia genética ou cruzamentos intencionais. Conforme o pesquisador, a partir dos estudos genéticos, muitos animais que antes eram sacrificados porque se desconhecia a doença puderam ter uma sobrevida de qualidade com tratamentos adequados. Exemplo disso foram seus próprios cães, que tinham displasia ectodérmica hipoidrótica ligada ao X, uma genodermatose que acomete principalmente machos por ser causada por uma mutação recessiva de um gene localizado no cromossomo X. “A aparência dos animais é característica, havendo alopecia (falta de pelos) em áreas específicas do corpo desde o nascimento, além de oligodontia (poucos dentes) e dentes conoides (dentes malformados e com forma cônica)”, descreve. Segundo ele, com alguns cuidados simples, os cães afetados têm boa qualidade de vida. Erros de diagnóstico já levaram muitos clínicos a optarem pela eutanásia. “É uma situação comum diante da suspeita de uma doença genética, uma vez que é bastante difundida a ideia de que se a causa é genética, nada pode ser feito”, diz o geneticista. Embora possa ser verdadeiro para determinadas doenças, para outras, não é. Dependendo do caso, pode haver soluções cirúrgicas ou procedimentos que proporcionam boa qualidade de vida ao paciente.

Outra pesquisa desenvolvida no Departamento de Clínicas Veterinárias da UEL é sobre a doença espondilomielopatia cervical caudal, que causa dificuldade de locomoção e necessita de tratamento cirúrgico. Há mais de 25 tipos de cirurgias descritas, mas nenhuma com mais de 80% de efetividade. Na medicina humana, existe uma doença semelhante e o tratamento envolve uma prótese. O mesmo começou a ser feito nos Estados Unidos há poucos anos para o tratamento dos cães, mas a prótese desenvolvida lá apresentou algumas complicações. “Estamos tentando melhorar essa prótese numa parceria com um professor do Departamento de Design da UEL e com outro professor da Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto (USP), que está orientando o desenvolvimento do material na parte biomecânica”, comenta Mônica. Foto: Isabelle Neri

Crânio de cão que teve “Sequência de Pierre Robin”.


DE OLHO NELES Os problemas de visão também afetam os pequenos animais. E quando eles começam a ter dificuldade para enxergar, somente o olhar atento dos donos detecta essa alteração. A oftalmologista veterinária Miriam Siliani Batista de Souza, da UEL, vem pesquisando há alguns anos a glândula da terceira pálpebra (glândula encontrada em muitos animais), que produz parte da lágrima e, muitas vezes é retirada por meio cirúrgico indevidamente. “Alguns animais podem desenvolver olho seco. E hoje tentamos preservar essa glândula.” Geralmente, os casos são de hiperplasia

ALZHEIMER CANINO Pode parecer estranho, mas sintomas semelhantes aos da Doença de Alzheimer, que acomete humanos, podem estar afetando cães. Investigar isso é um dos objetivos do doutorando em Ciência Animal da UEL, Rogério Anderson Marcasso. Em sua pesquisa, cães idosos que morreram por diversas doenças estão sendo estudados no Departamento de Medicina Veterinária em conjunto com o Departamento de Clínicas Veterinárias. Marcasso está pesquisando a disfunção cognitiva em cães que vieram a óbito. Essa disfunção é uma doença neurológica degenerativa que se assemelha à Doença de Alzheimer em humanos, cuja patogenia não é completamente compreendida. Animais acometidos apresentam sinais como alterações do ciclo do sono, se perdem dentro de casa e deixam de reconhecer os donos. Da mesma forma que na Doença de Alzheimer, o diagnóstico definitivo só é

(aumento de tamanho) ou protusão (movimentação ou deslocamento para a frente) da glândula. A professora fez mestrado em Ceratoplastia (transplante de córnea). “Juntamos os casos para que os alunos pudessem estudar um caso único”, informa. Já no doutorado, realizado na Escola Paulista de Medicina, da USP, estudou ceratoplastia com aplicação de membrana amniótica e abriu um novo projeto de extensão. Alguns trabalhos já foram levados para congressos e publicados.

possível por meio do exame histopatológico, e o estudo nos cães que naturalmente desenvolvem a doença auxilia no entendimento da patogenia. O doutorando destaca que os sinais clínicos presentes na disfunção cognitiva se assemelham aos de outras doenças que afetam o cérebro, como doenças infecciosas, neoplásicas e metabólicas. Foram encontradas várias dessas outras doenças além da disfunção cognitiva nos cérebros dos 44 cães estudados até o momento. Foto: Daniel Procópio/UEL

Foto: Daniel Procópio/UEL

Miriam Souza, professora da UEL: transplante de córnea é uma das cirurgias realizadas pela Oftalmologia Veterinária.

RARIDADES O professor Enio Moura cita dois casos interessantes por envolverem anormalidades registradas pela primeira vez em animais, embora sejam conhecidas há muito tempo no ser humano. Um deles é o caso de associação VACTERL (ou VATER) em uma gata. VACTERL é um acrônimo (em inglês) para se referir a defeitos vertebrais, atresia de ânus (ânus sem abertura ou inexistente), defeitos cardíacos, fístula traqueoesofágica (comunicação entre a traqueia e o esôfago), anormalidades renais e defeitos nos membros torácicos. O outro caso é o de sequência de Pierre Robin, afetando um cão da raça dachshund. Trata-se de uma condição em que a anormalidade primária é a micrognatia (malformação caracterizada por uma mandíbula muito pequena), que, por sua vez, provoca uma sequência de outras anormalidades do desenvolvimento.

Diagnóstico do Alzheimer canino é obtido com exame histopatológico.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

41


ARTIGO

A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR NO BRASIL a sociedade do conhecimento em que vivemos, as universidades desempenham papel central na formação de quadros para a consolidação dos países e o desenvolvimento da pesquisa que sustenta a sociedade. Embora o cenário universitário seja bastante heterogêneo, com instituições de ensino superior (IES) de tamanhos e vocações diferentes, um interesse comum se destaca: a internacionalização da educação superior. Ainda que reconhecida como importantíssima dimensão da educação superior, o verdadeiro significado da internacionalização ainda não é suficiente e adequadamente compreendido. Uma definição que julgo descrever bem o conceito é a da canadense Jane Knight, que define internacionalização como “processo de integração da dimensão internacional, intercultural ou global nos propósitos, funções e realização de educação superior”. Essa definição mostra a distância que a maioria das instituições de ensino superior brasileiras ainda tem em relação a uma efetiva internacionalização. Além disso, como indicou José Marques dos Santos, Reitor da Universidade do Porto, em evento realizado na Universidade

42

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

É importante reconhecer que tanto as grandes IES brasileiras, nas quais a pesquisa atua como motor de desenvolvimento e o processo de internacionalização já é mais desenvolvido, como as IES menores e mais voltadas para a formação de pessoas podem e devem se beneficiar das oportunidades trazidas pela internacionalização. Para cada tipo e tamanho de IES, existem oportunidades a serem exploradas. Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) em 2012, deve-se compreender que “a internacionalização não é um fim só por si, mas um instrumento hoje indispensável para cumprir os objetivos estratégicos que emanam da missão de cada universidade”. As universidades de maior prestígio no mundo atuam de forma estratégica para integrar a internacionalização transversalmente em suas estruturas e dinâmicas de funcionamento. Para tanto, contam com unidades e equipes profissionais que atuam em diferentes setores e respondem

pelas diversas atividades de internacionalização desenvolvidas por essas instituições, focadas em objetivos bem definidos, como parcerias interinstitucionais, projetos conjuntos de pesquisa, captação de estudantes internacionais, programas de estudos de curta duração no exterior etc. A situação no Brasil é bem diferente. Em 2011, quando o governo federal lançou o Programa Ciência sem Fronteiras (CsF), com o objetivo de enviar 100 mil estudantes ao exterior, a falta de estrutura adequada para tratar da mobilidade de estudantes — uma das principais atividades do processo de internacionalização das IES —, expôs uma grande lacuna ainda existente no país. Poucas instituições contam com um escritório internacional estabelecido, com dotação orçamentária e recursos humanos bem capacitados para desenvolver suas atividades. Muitas instituições tiveram que rapidamente se adequar e criar escritórios de relações internacionais, tanto para operar as atividades associadas ao Programa CsF quanto para acolher as inúmeras delegações de IES estrangeiras que passaram a vir cada vez mais ao Brasil, em busca de parcerias e de alunos. Desse modo, pode-se dizer que esse programa, ao mesmo tempo que foi um


Mas é necessário ir além da questão da mobilidade. Outras ações de internacionalização devem ser efetivamente abordadas pelas IES brasileiras. A chamada “Internacionalização em Casa” (Internationalization at Home), que envolve o desenvolvimento de atividades internacionais no campus, voltando-se para aqueles que não têm a oportunidade de ir ao exterior. A “Internacionalização do Currículo”, que prevê, dentre outras atividades, a inclusão de componentes internacionais nos currículos dos cursos, o ensino de línguas estrangeiras (principalmente o inglês) e o aumento da presença de estudantes e professores estrangeiros (que passa pela oferta de disciplinas em inglês) são algumas das ações a serem desenvolvidas Para que tudo isso possa ser realizado adequadamente, é necessário que os responsáveis estejam capacitados para essas tarefas. É nesse contexto que atua a Associação Brasileira de Educação Internacional (FAUBAI). Criada há mais de 26 anos, conta atualmente com representantes de mais de 200 IES de todos os setores (federal, estadual, comunitário e privado) e regiões do país e tem forte atuação no aperfeiçoamento do intercâmbio e da cooperação internacionais e na inserção da educação superior brasileira no cenário mundial. A FAUBAI realiza anualmente a mais importante conferência sobre a internacionalização da educação superior no país, contribuindo de forma efetiva para o processo de internacionalização das IES brasileiras. Em 2014, o evento contou com cerca de 400 inscritos, 137 deles estrangeiros, representando IES dos Estados Unidos, da Austrália, da Nova Zelândia, da Irlanda, da França, dentre outros países.

Se as IES já estão se adaptando para tratar da questão da mobilidade de estudantes, muitas outras atividades internacionais ainda precisam ser mais adequadamente abordadas.

Foto: Divulgação

grande catalisador, também ressaltou o problema da falta de estrutura e, sobretudo, a enorme importância do tema da internacionalização da educação superior no atual cenário internacional. Mas, se as IES já estão se adaptando para tratar da questão da mobilidade de estudantes, muitas outras atividades internacionais ainda precisam ser mais adequadamente abordadas. A principal delas é como efetivamente implementar a transversalidade da internacionalização na estrutura e no funcionamento das IES. Como transformar um escritório, que muitas vezes funciona com apenas um profissional, em agente e motor de transformação das instituições. Isso depende fundamentalmente da vontade política e do compromisso dos dirigentes da instituição. Esse é o primeiro e mais importante passo no caminho do sucesso. A conscientização de todo o ambiente acadêmico para a importância e as vantagens associadas à internacionalização da educação superior também tem um papel central, pois apenas com o compromisso de todos os envolvidos é possível construir um efetivo projeto de internacionalização. A questão da mobilidade também merece ser aprofundada. O Programa CsF, com a oferta de bolsas de mobilidade no exterior para estudantes e docentes, certamente contribuiu para a internacionalização de parte das instituições. A visibilidade internacional obtida deve poder ser aproveitada para se construir parcerias que contribuam para o processo de internacionalização de cada instituição, levando em conta seus objetivos e suas vocações. É importante reconhecer que tanto as grandes IES brasileiras, nas quais a pesquisa atua como motor de desenvolvimento e o processo de internacionalização já é mais desenvolvido, como as IES menores e mais voltadas para a formação de pessoas podem e devem se beneficiar das oportunidades trazidas pela internacionalização. Para cada tipo e tamanho de IES, existem oportunidades a serem exploradas.

José Celso Freire Junior é Assessor de Relações Externas (AREX) da UNESP (Universidade Estadual Paulista) e Presidente da FAUBAI (Associação Brasileira de Educação Internacional). Francisco Marmolejo, coordenador de Educação Superior do Banco Mundial, proferiu a conferência de abertura sobre novos cenários para a internacionalização da educação superior. Presidentes das mais importantes associações de educação internacional do mundo — como Fanta Aw, da Association of International Educators (NAFSA), Laura Howard, da European Association for International Education (EAIE), Helen Zimmerman, da International Education Association of Australia (IEAA), Lavern Samuels, da International Education Association of South Africa (IEASA) — discutiram a declaração conjunta “Global Dialogue on the Future of Internationalisation of Higher Education”, proposta em 2013, na África do Sul, com bases para uma efetiva internacionalização da educação superior no mundo. A FAUBAI 2015 ocorrerá em Cuiabá (Mato Grosso), de 25 a 29 de abril de 2015, com o tema geral “Criando parcerias sustentáveis através de uma internacionalização equilibrada”, e espera-se um número ainda maior de participantes e uma importante representação da América Latina, o que, sem dúvida, contribuirá para que a educação superior brasileira alcance cada vez mais padrões internacionais de excelência.

PARANÁ FAZ CIÊNCIA

43


Av. Pref. Lothário Meissner, 350 Jardim Botânico - Curitiba - PR 41 3281-7300 - Fax: 41 3281-7334 www.seti.pr.gov.br

Av. Comendador Franco, 1341 Jardim Botânico - Curitiba - PR 41 3218-9250 - Fax: 41 3218-9261 www.fappr.pr.gov.br


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.