Revista Clima e Caminhabilidade

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Clima e Caminhabilidade

Caminhando Juntas São Paulo, 2022

Autoras: Carolina Fortes, Leticia Sabino e Louise Uchôa Projeto gráfico: Juliany Siqueira

Imagens: Acervo SampaPé! (salvo quando indicado na própria imagem)

Leticia Sabino | Diretora Fundadora do SampaPé!. Mestra em Planejamento de Cidades e Design Urbano pela UCL em Londres. Administradora de empresas pela FGV - EAESP, com pós em Economia Criativa e Cidades Criativas, FGV.

Louise Uchôa | Analista de Desenvolvimento Institucional Arquiteta e urbanista maranhense (UEMA) e mestre em Arquitetura Sustentável de Múltipla Escala pelo Politecnico di Milano. Envolvida com iniciativas que valorizam e conscientizam sobre a importância dos espaços públicos e de uma cidade mais democrática.

Carolina Fortes | Analista de Comunicação Jornalista (PUCRS, 2016), gaúcha e estudante de Letras (USP, 2019). Foi editora do portal Jovem Pan News, repórter na Revista Fórum e na Elástica, e faz parte do projeto Emerge Mag, focado em cultura e ativismo social.

FICHA TÉCNICA

Realização:

sampape.org

/sampape.sp

@sampapesp

ONG SampaPé! @ contato@sampape.org

Apoio:

Esta apostila foi realizada no âmbito do projeto Caminhando Juntas, realizado pela ONG SampaPé! e contemplado no edital Mulheres Liderando a Ação Climática, promovido pelas organizações Fundo Casa e Embaixada da França, como parte da Aliança GAGGA. E tem como bjetivo capacitar mulheres e lideranças femininas em conceitos de urbanismo feminista, caminhabilidade, crise climática, mobilidade das mulheres, direito à cidade e incidência política.

Este trabalho está licenciado sob a Licença Atribuição Compartilha Igual 3.0 Brasil Creative Commons. Para visualizar uma cópia desta licença, visite: https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/br/ ou mande uma carta para Creative Commons, PO Box 1866, outain View, CA 94042, USA.

Sumário Introdução .......................................................................................................... 5 Glossário ............................................................................................................ 26 Qual é a relação entre direito a participar da cidade e espaços políticos de reivindicação? ................................................................................................. 19 Qual é a relação entre ir a pé e mudanças climáticas? ................................. 6 Qual a relação entre ser mulher me deslocando e cidades feitas por e para homens? ................................................................................................ 12

Introdução

Olá, como vai?

Que bom ter a sua atenção e participação.

Desenvolvemos este material para que mais mulheres se empoderem sobre seu direito a caminhar em segurança e com conforto nas cidades, em qualquer momento e podendo acessar o que quiserem, assim como reivindiquem o direito à natureza, ar limpo e a participar da transformação das cidades.

Se deslocar e viver a cidade a pé é sustentável, saudável e sociável. Garantir o acesso a espaços verdes e naturais na cidade, e preservar estes espaços, é essencial para o combate à crise climática que estamos enfrentando no mundo.

Mulheres caminham mais do que homens nas cidades e ainda atuam socialmente como as principais cuidadoras. Por isso, mulheres e meninas devem ser prioridade na transformação das cidades em espaços que promovam o desenvolvimento justo, individual e coletivo!

Venha percorrer as próximas páginas com a gente!

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Qual é a relação entre ir a pé e mudanças climáticas?

Oi Maria, tudo bem? Você está sentindo esse ar seco e pesado? Hoje fui levar o Rafa na escola e percebemos como está mais difícil para respirar.

Oi Carla, eu estou bem sim! Nossa, não sabia que vocês iam a pé para a escola, que legal! Caminhar é ótimo para a saúde e para o meio ambiente.

Falando nisso, eu também tenho tido muitas alergias respiratórias, acho que deve ser a poluição. Esses dias, vi na televisão uma reportagem que contava que a fumaça que os carros, as motos e os ônibus liberam é uma das mais poluentes, sabia?1 Além de ser horrível para respirar, vi na TV que o gás carbônico, que o pessoal chama de CO2, que sai na fumaça dos carros, age como um grande cobertor em torno da Terra, retendo o calor do sol e aumentando as temperaturas - o que é chamado de efeito estufa2 .

1 Todo ano, 7 milhões de pessoas morrem por causa da poluição do ar ao redor do mundo. E a cada 10 pessoas, 9 respiram ar com níveis de poluição maiores que os estipulados pela OMS. (Sem autor. 9 out of 10 people worldwide breathe polluted air, but more countries are taking action. OMS, 2018. Disponível em: LINK).

2 O setor de transportes é responsável por 27% das emissões globais de dióxido de carbono (CO2). (ONU. World Cities Report 2022. ONU-Habitat, 2022. Disponível em: LINK ). Em São Paulo, os automóveis são responsáveis por 72,6% das emissões de gases de efeito estufa. (Inventário de Emissões Atmosféricas do Transporte Rodoviário de Passageiros no Município de São Paulo. Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA). Disponível em: LINK ).

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Maria Carla Maria

Nossa, já tinha ouvido falar sobre isso, mas às vezes eu fico pensando se não é um exagero…

Não é exagero não Carla, infelizmente. Vários cientistas alertam e estudam sobre o aquecimento rápido da Terra há mais de 30 anos. Na reportagem, eles falavam que a Terra está 1,1 ºC mais quente do que no século passado e que os últimos 10 anos foram os mais quentes da história 3 , tudo isso acelerado pela ação humana. Por isso, já começaram a chamar de emergência ou CRISE CLIMÁTICA4 !

Carla

Nossa, mas isso é por causa das indústrias e do desmatamento nas florestas, né? Está longe da gente.

Não está não! Além dessas causas, a vida nas cidades consome muita energia! 5 E a maior parte das pessoas do mundo mora em cidades, que é onde se consome mais energia com a queima de combustíveis fósseis como o petróleo, que é um dos componentes da gasolina que os carros usam, o que acelera muito a poluição e a crise climática. Por isso eu achei tão legal você levar o Rafa a pé para a escola, porque caminhar e andar de bicicleta não polui e é saudável!

3 Sem autor. O que são mudanças climáticas?. Nações Unidas Brasil. Disponível em: LINK

4 Ver no glossário

5 Atualmente, as cidades ocupam menos de 2% da superfície da Terra, porém abrigam 56,2% da população global. O modo de vida urbano atual agrava a crise climática, pois o ambiente urbano consome 78% da energia produzida no mundo e libera mais de 60% dos gases de efeito estufa. (ONU. World Cities Report 2022. ONUHabitat, 2022. Disponível em: LINK).

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Maria Carla Maria

Sim Maria, e além de tudo isso, imagina o tanto de lixo que gera, e o gasto de água e luz com tanta gente morando nas cidades!

Nem consigo imaginar Carla… E como a Terra é um sistema onde tudo está conectado, o que acontece aqui na cidade impacta nas florestas e o contrário também, e até em outros países.

E isso atinge de forma direta a nossa saúde, alimentação, moradia, segurança, trabalho… Por exemplo, com o aumento das temperaturas, as enchentes têm se tornado cada vez mais frequentes, o que deixa mais pessoas desabrigadas e vulneráveis 6 . Você se lembra das enchentes em dezembro de 2021 que aconteceram na Bahia e em Minas Gerais?7 Foi muito mais forte do que costumava ser, e morreu muita gente. Uma tristeza, porque quando as pessoas perdem suas casas, muitas vezes precisam mudar de bairro, cidade e até mesmo de país, o que aumenta a pobreza…

Carla

Agora eu fiquei aqui pensando que essas mudanças climáticas podem impactar no trabalho do meu marido, que é feirante, porque o aumento na temperatura pode prejudicar a produção dos alimentos, né?

6 RAMIREZ, Rachel; MILLER, Brandon; WEIR Bill. Enchentes, incêndios florestais e urgência: a crise climática em 2021. CNN Brasil, 2021. Disponível em: LINK

7 SANTOS, Rodrigo J. Fortes chuvas escancaram negligência do Brasil diante da crise climática. Greenpeace, 2022. Disponível em: LINK

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Carla Maria

Pode sim, Carla. Isso é para a gente perceber que a forma como vivemos nas cidades está mudando o clima, o que tem várias consequências como escassez de água, inundações, incêndios e secas.

Nossa, mas nós não podemos fazer nada em relação a isso? Eu me preocupo muito com o futuro dos meus filhos, que ainda são crianças.

Carla

Acho que o primeiro passo é a gente reconhecer que isso é verdade e que está acontecendo. Depois, cobrar os governos para ter ações mais sustentáveis e de enfrentamento da situação na nossa cidade! Ou seja, criar boas soluções de saneamento básico, melhorar os sistemas de transporte público, a destinação do lixo, criar mais espaços verdes nas cidades e, claro, melhorar as condições e oportunidades para caminhar!

Carla

É, porque do jeito que a cidade está, fica difícil fazer as coisas caminhando… A gente quase sempre tropeça na calçada - isso quando tem calçada - e ainda temos muito medo de sermos atropelados. Por isso eu não deixo o Rafa ir sozinho para a escola.

Eu te entendo Carla. Os carros, ônibus e motos andam a uma velocidade muito alta e ocupam a maior parte das ruas. Às vezes a gente precisa andar no cantinho da calçada, ficar passando por vários obstáculos. E nunca tem onde atravessar com segurança! Fica claro que caminhar ainda não é uma prioridade!

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Maria Maria Maria

Carla

Não dá mesmo para deixar o Rafa ir sozinho, imagina se ele atravessa a rua e é atropelado8! Esse é o meu maior medo! Mas ia ser tão bom se as crianças pudessem andar sozinhas e se nós, mulheres, nos sentíssemos seguras para caminhar à noite9, e também tivéssemos mais lugares para ir a pé, né?10

Ia mesmo! Daqui a gente só chega andando na vendinha, na escola e no posto de saúde! Se quisermos ir ao parque, temos que pegar dois ônibus! Mas imagina se tivesse um parque aqui pertinho, que desse para ir a pé… Como você gostaria que fosse o caminho até ele? Maria

8 Entre janeiro e agosto de 2021, mais de 6 mil crianças e adolescentes entre zero e 19 anos foram internadas em estado grave por atropelamentos na condição de pedestres ou ciclistas e quase 500 morreram. (Abramet. Internações de crianças e adolescentes por atropelamentos volta a subir em 2021; SUS já registra mais de 6 mil casos. Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, 2021. Disponível em: LINK).

9 A caminhabilidade avalia o quanto uma rua, bairro ou cidade é segura, agradável e confortável para que as pessoas (de todas as idades, gêneros e condições sociais) possam se deslocar a pé. O conceito, criado por Chris Bradshaw em 1993, inicialmente avaliava: densidade, estacionamento na rua, bancos para sentar, chances de encontrar conhecidos nas ruas, idade em que as crianças começam a andar sozinhas, como as mulheres avaliam a segurança para andar, conectividade com transporte público, lugares significantes no bairro, verde (parques e praças) e calçadas. (BRADSHAW, C. Creating - And Using - A Rating System For Neighborhood Walkability Towards An Agenda For “Local Heroes”. 14th International Pedestrian Conference. Ottawa, 1993).

10 Para o urbanista americano Jeff Speck, autor do livro Cidade Caminhável, quatro elementos são essenciais para que o caminhar nas cidades seja agradável e convidativo:

• a utilidade – no sentido de ter equipamentos, comércio e outras facilidades possíveis de acessar a distâncias a pé;

• a segurança – garantia de caminhar sem risco de quedas, atropelamentos e até mesmo assaltos e assédio;

• o conforto – caminhos com espaços de parada e de sombra, entre outros elementos que garantem uma experiência cômoda;

• o interesse – trajetos com identidade que proporcionem o que ver, com o que interagir e se conectar.

(SPECK, Jeff. Cidade caminhável. São Paulo. Perspectiva, 2016).

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Eu gostaria que tivesse sombra nas calçadas e lugares para sentar no caminho, além de mais natureza e flores, assim daria vontade de ir nos dias de muito sol! Eu adoro também observar a arte nos muros da cidade, é tão lindo! E você Maria, o que te faria caminhar mais feliz? Carla

Me sentir segura caminhando! Muitas vezes eu tenho medo de sair na rua à noite, ou de deixar minha filha andar sozinha… Seria tão bom que mais pessoas estivessem lutando por mais CAMINHABILIDADE 11, para que nossas ruas, bairros e cidades nos convidassem a caminhar com conforto e segurança!

Ver glossário.

11 11
Maria

Qual a relação entre ser mulher me deslocando e cidades feitas por e para homens?

Eu também sinto medo de caminhar nas ruas, principalmente sendo mulher, e olha que sempre que levo o Rafa a pé na escola noto que tem muito mais mães do que pais levando os filhos.

Verdade?

Sim, e o mesmo quando levo minha sogra ao médico. Ainda somos nós, as mulheres, que ficamos com o papel de cuidar das outras pessoas e fazemos tudo isso a pé12! O que é muito lindo e saudável, mas muito difícil quando a cidade é feita por homens13 que não entendem de cuidado, e planejam a cidade pensando que só serve para deslocamentos para o trabalho.

12 Mulheres caminham mais do que homens. Isso foi constatado em estudos sobre pesquisas Origem Destino de diversas cidades do Brasil, como São Paulo, Curitiba e Salvador. Em São Paulo, 50% dos deslocamentos de mulheres de famílias com ganhos mensais menores que R$ 1.244,00 são feitos a pé e 28% de ônibus. (Secretaria de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo. A mobilidade das mulheres na cidade de São Paulo. Informe Urbano, 2016. Disponível em LINK). Em Salvador, de todos os deslocamentos a pé feitos na cidade, 56% são realizados por mulheres. (SALVADOR. Prefeitura Municipal de Salvador. Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana de Salvador. Plano de Mobilidade Sustentável de Salvador. Salvador, 2017. Disponível em: LINK). Em Curitiba, 1/3 das viagens das mulheres são realizadas a pé, enquanto apenas 1/5 da viagem dos homens são feitas neste modo. (CURITIBA. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. Curitiba, 2017).

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Carla Carla Maria

Nossa, é verdade. Se quisermos pegar transporte público ou carro para ir até os bairros com os prédios espelhados tem várias linhas que vão, e muito espaço para carros e motos. Mas, para ir ao posto de saúde e à escola, que vamos a pé, as condições são horríveis, com todos os problemas que você contou que você e o Rafa enfrentam no caminho. Maria

Carla

Pois é, isso porque o planejamento das ruas e do transporte nas cidades foi feito e continua sendo feito por homens brancos e ricos, que só pensam no ir e vir de casa para o trabalho e para os bairros de renda alta. A gente que sai de casa, passa na escola, vai para o trabalho, passa no mercado, depois na farmácia, e depois passa na escola de novo14 , e só depois volta para casa, não tem transporte para se deslocar. Quando tem, pagamos mais de uma tarifa e temos que nos apertar, e indo a pé o caminho é perigoso e sem estrutura.

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“Entre as razões que levaram à construção de cidades desiguais e excludentes, está uma amplamente conhecida: até hoje o planejamento urbano é feito principalmente por homens, a partir de uma perspectiva técnica, e sem a participação da população em sua diversidade, que é quem vive o cotidiano das cidades. Como resultado, como destaca Ana Ortiz, ‘as cidades foram construídas desconsiderando as experiências e necessidades específicas das mulheres’, inclusive ignorando a importância do caminhar.” (SAMPAPÉ!. Mulheres são as que mais caminham, e as que menos decidem nas cidades. Carta Capital, 2019. Disponível em: LINK).

14 Os deslocamentos das mulheres e o seu planejamento são muito mais complexos do que os dos homens, já que têm que realizar movimentos sequenciais e gerar uma rede própria de mobilidade realizando mais trajetos regionais e intra-bairro. (FORNECK, Maria Luiz; ZUCCOLOTTO, Silvana Zuccolotto. Mobilidade das mulheres na Região Metropolitana de São Paulo. Revista dos Transportes Públicos, ANTP 19, n.º 73 páginas 95-103, 1996.) As viagens das mulheres são geralmente de tipo poligonal, ligando diferentes percursos para desempenhar funções diversas, enquanto as viagens dos homens são geralmente do tipo pendular - da casa ao trabalho, do trabalho à casa. (BUJALANCE, Susana García; NARANJO, Lourdes Royo Naranjo. La perspectiva de género en el urbanismo. Trabalho apresentado no IV Congresso Universitário Nacional “Investigación y Género”. Sevilha, Espanha, 21 e 22 de junho de 2012. Disponível em: LINK).

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Como se não bastasse essa humilhação, quando caminho com a Renatinha, que tem 12 anos, o assédio na rua é terrível. Além de ser difícil de se deslocar, é muito inseguro como mulher e menina! 15 Eu já não uso vestido, tive que mudar até meu estilo para me sentir melhor andando na rua. Onde já se viu se sentir censurada pela cidade! Tudo isso influencia na MOBILIDADE DAS MULHERES16 na cidade.

Nossa, esses dias a Camila me contou que parou de estudar porque tem medo de ser assediada ou assaltada no caminho para a faculdade. Isso não acontece tanto com os homens, né? Não deixam de estudar por medo de chegar na faculdade. Ouvi na rádio uma pesquisa que entrevistou as mulheres sobre seus deslocamentos e descobriu que 69% já foram alvo de olhares insistentes e cantadas inconvenientes, que algumas pessoas tratam como “brincadeirinhas”, ao se deslocarem pela cidade. Além disso, a reportagem também disse que 35% afirmaram já ter sofrido importunação ou assédio sexual e, ainda por cima, que 67% das mulheres negras relataram ter passado por situações de racismo quando estavam a pé!17 Que horror!

15 As mulheres enfrentam barreiras físicas, sociais e simbólicas para se deslocar a pé nas cidades. As barreiras físicas são consideradas as faltas de condições para caminhar. As sociais, o medo de usar a cidade à noite e os espaços públicos com campos de futebol e monofuncionais. Já as simbólicas são propagandas sexistas, falta de representatividade de mulheres nos nomes das ruas e espaços públicos, entre outras. (SAMPAPÉ!. Índice técnico de caminhabilidade sensível a gênero. Curitiba, 2019. Disponível em: LINK).

16 Ver glossário.

17 Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva. Segurança das Mulheres nos Deslocamentos na Cidade: As Mulheres e Seus Trajetos. 2021. Disponível em: LINK

14
Carla

Eu acredito que tudo isso seja verdade, porque é raro eu sair na rua e não ouvir um grito ou um “fiu fiu” de um homem… Essa sociedade é muito machista, e parece que isso se reflete nas cidades, né? Se as cidades fossem feministas, nós não teríamos medo de sair nas ruas, e poderíamos sair a hora que a gente quisesse e estar onde a gente quisesse.

Maria Mas, como assim cidades feministas?

Carla

O que poderia ser diferente nas ruas que faria a gente se sentir melhor?

Cidades feministas colocam nós, mulheres, como protagonistas do processo de transformação, e as nossas necessidades como prioridade. Os pontos de ônibus, por exemplo, não deveriam ter aquela propaganda enorme, que não dá para ver quem está vindo e se tem alguém escondido atrás. Isso gera muita sensação de insegurança… Também tem todo aquele espaço para nem dar a informação que a gente precisa. Se as cidades fossem feministas, os pontos de ônibus seriam bons lugares para parar, sentar e descansar, e também para saber onde estamos na cidade e ainda iluminar as calçadas.

Carla

Verdade, Maria, a cidade poderia ser bem melhor para a gente se nós sentíssemos que pertencemos a ela. Mas fica difícil com as ruas todas com nomes de coronéis. Se a gente tivesse ruas com nomes de mulheres que admiramos e nos identificamos, e até mesmo arte urbana que mostrasse mulheres e crianças, e que as ruas são nossas, já seria um passo!

15
Maria

Ótima ideia! Já pensou se tivessem mais praças no caminho com crianças brincando? Iluminação, mais natureza na rua? Tudo isso faria com que mais pessoas diversas ficassem nas ruas, como pessoas idosas e crianças, e nós nos sentiríamos muito mais seguras18 Nossa, muitas coisas poderiam ser diferentes para que a gente pudesse andar tranquilas pela cidade!

Sim! E nossa vida seria bem mais fácil com boas calçadas para caminhar, inclusive com o carrinho da feira, com bancos para sentar no meio das ladeiras e com banheiros nas praças para podermos ficar mais tempo ao ar livre com as crianças. Quem não ia gostar disso?

Verdade, se a cidade correspondesse às nossas necessidades, com URBANISMO FEMINISTA 19 , seria bom para as crianças, para as pessoas mais velhas e para as pessoas com deficiência. Afinal, seria uma cidade de cuidado!

18 Anne Michaud, pesquisadora feminista canadense, elaborou seis princípios básicos de desenho urbano seguro para mulheres, publicados em 2001 no “Guia para Construção de um Ambiente Urbano Seguro” de Montreal, como parte do programa Mulheres e Cidades (tradução livre de Femmes et Villes).

Convivência (MICHAUD, ANNE (Coord.). Guide dáménagement - Pour un environnement urbain sécuritaire. Ville de Montréal, 2001. Disponível em: LINK). 19 Ver glossário.

16
Carla
1.
2.
3. Vitalidade 4. Vigilância 5. Equipamentos
6.
Sinalização
Visibilidade
e Mobiliário
Maria

20

As auditorias de segurança de gênero começaram no Canadá como ferramenta de construção de cidades mais seguras feitas com e para as mulheres. No Brasil, o SampaPé! já realizou metodologias que convidam mulheres cidadãs a avaliarem as condições das ruas e proporem mudanças, como no projeto Mulheres Caminhantes e no Caminhar Afro Femino. Disponíveis em: LINK e LINK

17
Por isso precisamos nos organizar para mudar as cidades! Eu descobri que existem caminhadas de avaliação dos espaços públicos só com mulheres20, para justamente entendermos o que seria melhor para nós e pressionarmos o poder público com as nossas necessidades!
Carla

Qual é a relação entre direito à cidade e se organizar para propor mudanças?

A gente, mudar a cidade? Como assim, Carla? Quem muda a cidade não são os políticos?

Os políticos e o pessoal que trabalha na prefeitura realizam o serviço, mas é muito importante que a gente, como cidadãs e moradoras da cidade, participemos das transformações e das decisões. É um direito nosso! Afinal de contas, quem sabe mais do que tem que ser melhorado do que a gente?

É isso mesmo, Carla. Olha o tanto de coisas que a gente já falou! O que você acha que a gente poderia fazer para pedir essas melhorias que a gente estava falando?

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Maria Carla Maria

.

Pois é. É um lugar de participação social 22 , e a Silvia estava me contando que é muito importante a gente ocupar esses espaços de articulação para que a gente possa pressionar por políticas públicas a partir das nossas demandas como moradoras da cidade. Carla

21 O Estatuto da Cidade é uma lei federal criada em 2001 que resulta de lutas sociais para garantir a participação social no planejamento e gestão das cidades. Dentre os instrumentos para viabilizar e garantir essa participação, estão os conselhos (federais, estaduais e municipais). A cartilha Moradia como Prática de Cidadania explica que os conselhos têm as funções de acompanhar, orientar e assistir à sociedade civil; planejar, fiscalizar, avaliar, controlar e gerenciar orçamentos, políticas públicas e fundos. Também estão previstas conferências onde a população coloca suas demandas, elabora e encaminha propostas para o Poder Legislativo e fiscaliza os resultados. (CAFFÉ, Carla; Estúdio 9 de Julho; MSTC; O grupo inteiro (Org.). Moradia como Prática de Cidadania. Publicação produzida na Bienal de Arquitetura de Chicago, 2019. Disponível em: LINK ).

22 A participação social, comunitária ou popular é a atuação e envolvimento da população em processos de definição e realização de políticas públicas de diversos tipos. Segundo o pedagogo Paulo Freire, a participação e a educação popular andam lado a lado para dar autonomia e liberdade às cidadãs e cidadãos e são fundamentais para garantir o funcionamento da democracia. (FREIRE, Paulo. Política e educação. São Paulo: Paz & Terra, 1993).

19
Então, sabe a Silvia lá da minha rua? Ela participa já faz um tempo de um conselho municipal que trata de temas como transportes. E eu fui com ela em uma das reuniões e lá a gente pode levar nossas demandas, participar da elaboração de propostas e até acompanhar e fiscalizar o que está sendo feito pelo poder público 21
Carla
Nossa, eu já tinha ouvido falar desses conselhos, mas não sabia que era um lugar aberto para a gente participar.
Maria

Mas será que isso funciona mesmo, Carla? Às vezes fico achando que não dá em nada.

Carla

Então, participar de conselhos é uma forma de se fazer escutar e participar da transformação das cidades, mas muitas vezes, para ser ouvida, é preciso fazer outras ações também! Sabe os movimentos de luta por moradia 23 ?

Então, conheci algumas lideranças nesse dia na reunião do conselho que estão sempre por lá, justamente porque é importante estar nesses espaços e garantir que eles continuem existindo. Elas me contaram que também se organizam entre si para pressionar o poder público a atender necessidades urgentes de gente que precisa de casa, mas que demoraria décadas para conseguir porque o sistema pode ser muito lento.

23

Os movimentos de luta criaram corpo no Brasil a partir da década de 70 e foram fundamentais para a consolidação da pauta e da luta pelo direito à cidade no Brasil. (FERREIRA, Regina F. C. F. Movimentos populares e política habitacional no Brasil. Disponível em: LINK).

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Carla Sei sim! Maria Maria

24

Verdade. Lembro daquele caso do hotel 24 no centro de São Paulo, que estava abandonado há muito tempo e que depois de muita pressão de um movimento de moradia o governo transformou em casa para quem não tinha! Maria

Verdade, é uma vergonha com tanto prédio ter gente sem casa. Temos que nos indignar e lutar mesmo. E nada disso é errado, ou contra a lei, viu? Não é porque existem os conselhos para a gente participar, que a gente não pode se organizar e tentar outras formas legais de pedir por melhorias, pois às vezes tem coisas urgentes e a gente precisa chamar atenção de quem toma decisões nas cidades. E têm muitas formas de se fazer isso.

Carla Maria

Você diz fazer manifestações e protestos como aqueles das escolas secundaristas?25

O Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, permaneceu abandonado por 10 anos sem cumprir sua função social, como consta na Constituição de 1988, além de dever impostos ao governo, estando em situação fiscal irregular. Em 2012, foi ocupado pelo Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e Frente de Luta por Moradia (FLM). Em 2016, sua posse foi garantida por lei e integrou o programa Minha Casa Minha Vida Entidades para ser reformado e transformado em moradia para 170 famílias do MSTC e FLM. (CAFFÉ, Carla; Estúdio 9 de Julho; MSTC; O grupo inteiro (Org.). Moradia como Prática de Cidadania. Publicação produzida na Bienal de Arquitetura de Chicago, 2019. Disponível em: LINK). Vídeo no Youtube sobre a história do Hotel Cambridge: LINK

25

O movimento das secundaristas ocupou mais de 200 escolas em São Paulo em 2015 para enfrentar a proposta de “reorganização do ensino” do governo do Estado, que previa fechar 92 escolas. Em 2016, o movimento se espalhou pelo Brasil e ganhou manifestações pelas ruas de várias cidades. (Sem autor. Retrospectiva 2015: O movimento secundarista que chacoalhou a educação brasileira. UOL, 2015. Disponível em: LINK).

21

Carla

Esse é um jeito, sim. Mas tem outras formas de fazer INCIDÊNCIA POLÍTICA26 e pressionar e conversar com quem está no poder. Eu fiquei sabendo de um caso na periferia de São Paulo. A comunidade da Vila Nova Esperança estava sendo ameaçada de despejo e uma moradora, chamada Lia, se organizou e foi para a justiça com o caso. E não é que o juiz disse que não tinha motivo para eles saírem de lá?27

Uau, Carla. Isso deve ter fortalecido muito as pessoas que moram lá!

Fortaleceu mesmo! A Lia continuou liderando muitas iniciativas de desenvolvimento comunitário. Hoje eles têm horta comunitária, creche, cisterna e até um instituto de inovação, tudo com muito mutirão, conversas e parcerias com organizações, universidades e o poder público. Já ganharam até prêmio! Tá vendo só como a gente tem poder e capacidade de mudar o rumo das coisas quando se organiza juntas?

Que incrível, Carla! É muito bonito ver as pessoas se organizando e conseguindo o que querem e precisam. Isso me lembrou da Joana, minha prima, que mora no Rio de Janeiro. Os filhos dela estudam numa escola municipal, que fica quase dentro do Maracanã. Ela me contou que, em 2012, o governo do Estado queria colocar um estacionamento no lugar da escola, já pensou?

26 Ver glossário.

27

O caso aconteceu na Vila Nova Esperança, Zona Oeste de São Paulo. A ordem de despejo é de 2011, mas as ações na comunidade sob a liderança de Lia de Lourdes continuaram a se desdobrar nos anos seguintes. (Sem autor. Lia, Esperança. Ecoa UOL. Disponível em: LINK).

22
Maria Maria

Nossa, Maria! Como é que pode?

Carla

Pois é. Mas uma mãe se juntou com outras e pediu ajuda para uma organização que tinha experiência em mobilizações assim para pressionar o governo a manter a escola onde estava. Todo mundo da escola se uniu, adultos e crianças. Foram 10 meses de mobilização e conseguiram manter a escola de pé! 28 Se essas pessoas não tivessem se unido e pressionado o poder público, os filhos da Joana não estariam estudando lá hoje, que é uma escola ótima e que dá para eles irem a pé de casa!

Com certeza! Parece a história da Paulista Aberta, na Avenida Paulista, aqui em São Paulo, que só servia para carro, moto e ônibus passar, mas uma cidadã achou aquilo muito injusto e começou a juntar algumas organizações e, desse mesmo jeito que você falou, fizeram uma mobilização para pressionar a prefeitura a transformar ela num espaço de lazer nos domingos e feriados. 29

28

A mobilização foi da Escola Friedenreich em 2012, e a organização que apoiou a comunidade na mobilização foi o Meu Rio. (Sem autor. Vitória da Friedenreich: Escola não se destrói. Meu Rio. Disponível em: LINK).

29

A mobilização da Paulista Aberta foi liderada pela ONG SampaPé!, encabeçada pela diretora Letícia Sabino, junto com a organização Minha Sampa, resultando em um programa que abre uma das avenidas mais emblemáticas de São Paulo para as pessoas usarem para cultura, esporte e lazer todos os domingos e feriados. (Sem autor. Paulista Aberta. SampaPé!. Disponível em: LINK).

23
Maria

Que legal saber dessa história. Eu já fui lá com a Renatinha algumas vezes e é muito legal ver a rua cheia de pessoas! Eu nunca pensei que a gente pudesse tirar os carros e tomar conta de uma avenida tão grande assim e bem no meio da cidade, como se ela fosse um parque. Pena que é um pouco longe para a gente. Queria que a gente tivesse mais espaços assim de lazer perto de casa.

Eu também. O Rafinha já tentou reunir os amigos para brincar aqui na rua de casa, mas com o movimento dos carros não acho seguro. Só que não acho justo. Os parques estão muito longe da gente e temos essa rua na porta de casa, mas que só serve para carros passarem. É nosso direito usar a rua para outras coisas. Carla

Com certeza é nosso direito! Assim como temos direito à casa, água, esgoto, escola, hospital, ir e vir… Por que a gente não teria direito a espaços de lazer e a usar a rua para brincar? Minha mãe sempre fala que brincava na rua quando era criança. Eu acho que a gente deveria ter mais DIREITO À CIDADE30 , transformando juntas para ser melhor para nós!

Carla, com essa conversa toda fiquei com muita vontade de falar com outras pessoas aqui do bairro e ver se elas também se incomodam com as mesmas coisas que a gente e quais ideias elas têm. O que você acha?

30 Ver glossário.

24
Maria Maria Maria

Carla

Acho super importante. Sabe o que eu pensei também? Todos esses casos que a gente conversou começaram com mulheres, ou tem mulheres liderando. Acho que agora entendi quando você estava me falando que as cidades deveriam ser feministas! As cidades não são tão cuidadosas com as pessoas e são muito centradas nos carros (poluindo e aquecendo o planeta) porque nós mulheres ainda participamos pouco das decisões!

Verdade, Carla! E quando a gente vê esses casos, que deixam a cidade melhor para todas as pessoas e para as gerações futuras, são mulheres que estão à frente! Acho que é por isso que ouço falar dessas histórias e me identifico e fico pensando que a gente pode se juntar também para viver em um lugar mais seguro, caminhável, saudável, sustentável e JUSTO!

Carla

Vamos nos organizar para construir cidades mais caminháveis e assim enfrentar a crise climática!

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Maria

Glossário

CAMINHABILIDADE

A caminhabilidade avalia o quanto uma rua, bairro ou cidade é segura, agradável e confortável para que as pessoas (de todas as idades, gêneros e condições sociais) possam se deslocar a pé para acessar serviços essenciais como educação, trabalho e lazer. Para isso, considera a estrutura existente (calçadas, árvores, bancos para sentar, iluminação, parques, entre outros), assim como o seu uso (presença de pessoas diversas, respeito e segurança ao caminhar, entre outros).

Caminhabilidade é diferente de caminhar. Enquanto caminhar é o ato de mover o corpo dando passos, a caminhabilidade está relacionada às condições sob as quais esta atividade é promovida nas cidades, considerando a interação entre fatores referentes ao espaço, como: o espaço construído, o ambiente natural, as sensações individuais e o comportamento das pessoas (SABINO; UCHÔA, 2020).

Desde a primeira elaboração do conceito, a idade em que as crianças caminham sozinhas e a segurança das mulheres são determinantes para entender quão caminhável é um ambiente (BRADSHAW, 1993). Quatro elementos são essenciais para que o caminhar nas cidades seja agradável e convidativo: a utilidade – no sentido de ter equipamentos, comércio e outras facilidades possíveis de acessar a distâncias a pé; a segurança – garantia de caminhar sem risco de quedas, atropelamentos e até mesmo assaltos e assédio; o conforto – caminhos com espaços de parada e de sombra, entre outros elementos que garantem uma experiência cômoda; e o interesse – trajetos com identidade que proporcionem o que ver, com o que interagir e se conectar (SPECK, 2016).

Cidades mais caminháveis são melhores em aspectos sociais, políticos, econômicos e ambientais, pois promovem, por exemplo, vidas mais ativas e saudáveis, mais segurança, mais lugares de convivência, maior equidade e justiça, promoção do turismo e de comércios locais, mais integração e opções de deslocamento e maior desenvolvimento de projetos urbanos (ARUP, 2016). Além disso, são mais justas e inclusivas, pois são melhores para mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiência, pois respeitam e acolhem sua presença, ritmos e necessidades.

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Saiba mais

Vídeo da Cicloação, organização da sociedade civil de Recife, que aborda como as cidades foram tirando a prioridade do caminhar para dar mais espaço aos carros: LINK

Vídeo sobre como melhorar a caminhabilidade nas cidades: LINK

Prêmio Cidade Caminhável 2021, que levantou e premiou projetos em todo o Brasil que melhoraram a caminhabilidade: LINK

Vídeo do TEDX em que Jeff Speck explica a caminhabilidade (a partir do contexto dos Estados Unidos): LINK

Artigo sobre caminhabilidade em São Paulo a partir do que as pessoas acessam em uma caminhada de 15 minutos na cidade: LINK

Referências

ARUP. Alive - Towards a walking world. Londres, 2016. Disponível em: LINK

BRADSHAW, C. Creating - And Using - A Rating System For Neighborhood Walkability Towards An Agenda For “Local Heroes”. 14th International Pedestrian Conference. Ottawa, 1993.

SABINO, Leticia; UCHÔA, Louise. Can the pandemic situation generate walkable cities? Pandemic Urbanism, MONU Magazine, 33ª edição, 2020. Disponível em: LINK

SABINO, Leticia. Melhorar a caminhabilidade garante oportunidades e acesso a serviços. Carta Capital, 2019. Disponível em: LINK

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CRISE CLIMÁTICA

A crise climática aponta a gravidade das consequências das mudanças climáticas e do aquecimento global acelerado pela atividade humana e intervenção na natureza, que estão desencadeando fenômenos sociais e ambientais catastróficos.

As mudanças climáticas acontecem em grande parte pela ampliação do fenômeno do efeito estufa - aquecimento da terra por uma camada de concentração de CO2 e outros gases que retêm parte da temperatura dos raios solares. Esse fenômeno é natural, mas desde a Revolução Industrial, em 1800, as atividades humanas são responsáveis pela sua aceleração, devido à queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás como fonte de energia. Esses combustíveis são usados em transportes (motos, carros, caminhões, navios, aviões), indústria, agropecuária e também nas casas. Além disso, a produção desenfreada de produtos, que aumenta o descarte e outros processos, solta gases como metano, o que também acelera a crise climática.

O modo de vida nas cidades é elemento importante para acelerar ou desacelerar a crise climática, pois apesar dos ambientes urbanos ocuparem menos de 2% da superfície da Terra, abrigam 56,2% (4,4 bilhões) da população global (ONU, 2020), e consomem 78% da energia produzida no mundo. Além disso, liberam mais de 60% dos gases de efeito estufa (ONU Habitat).

A aceleração do aquecimento do planeta tem gerado fenômenos e consequências graves para a vida na Terra e, por isso, foi denominada de crise climática. As mudanças climáticas alteram o ambiente, afetando a natureza e, como consequência, as pessoas, atingindo a saúde, a capacidade de cultivar alimentos, os locais de habitação, segurança e trabalho. Por exemplo, com o aumento das temperaturas, têm se intensificado fenômenos naturais de grande impacto e desastres sociais, como chuvas intensas que levam a alagamentos e deslizamentos de cidades, deixando mais pessoas desabrigadas e vulneráveis. Ou seja, a crise climática não olha somente para as mudanças climáticas em si, mas para as consequências que elas têm causado no meio ambiente, nas cidades e para as pessoas e seus modos de vida e produção. As mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis à crise climática. Estima-se, por exemplo, que aproximadamente 80% das pessoas deslocadas pelas mudanças climáticas sejam mulheres (Women in Finance Climate Action Group).

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A Organização das Nações Unidas (ONU) lidera um plano de ação global firmado por 193 países em 2015, incluindo o Brasil, a Agenda 2030, que definiu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que apontam diretrizes para a elaboração de planos e ações de governos para o desenvolvimento responsável. Dentre eles, destacam-se a Ação Contra a Mudança Global do Clima e Cidades e Comunidades Sustentáveis, que possui relação direta com ações para enfrentamento da crise climática.

Saiba mais

Vídeo

Referências

Sem autor. O que são as mudanças climáticas? Nações Unidas Brasil. Disponível em: LINK

Sem autor. COP26: Enquanto promessas são feitas, combustíveis fósseis recebem trilhões em subsídios. Nações Unidas Brasil, 2021. Disponível em: LINK

Sem autor. Agenda 2030. Site do Supremo Tribunal Federal (STF). Disponível em: LINK

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Artigo do SampaPé que aborda as consequências para o aquecimento global das cidades planejadas para carros: LINK Podcast que aborda mudanças climáticas e a desigualdade de gênero: LINK que fala para crianças sobre mudanças climáticas: LINK

DIREITO À CIDADE

Direito à cidade é o direito de usufruir dos serviços e espaços públicos no ambiente urbano, participar na transformação das cidades e acessar os espaços políticos e de tomada de decisão.

A expressão direito à cidade foi desenvolvida em 1968 pelo sociólogo e filósofo francês Henri Lefebvre, abordando a urgência por cidades que ofereçam melhor qualidade de vida a seus habitantes. O termo nasce no contexto da ascensão de lutas e movimentos por direitos civis ao redor do mundo, como os movimentos sindicalistas, o movimento negro nos Estados Unidos e os movimentos de luta por moradia no Brasil. Portanto, é um conceito nomeado por Lefebvre por meio do estudo e observação das lutas sociais e movimentos revolucionários urbanos liderados por pessoas oprimidas pelos modelos econômicos, sociais e urbanos do momento (FERREIRA 2012 e HARVEY, 2014).

O direito à cidade é a contraposição ao modelo global de desenvolvimento urbano, centrado nos interesses econômicos em detrimento dos interesses das comunidades e do convívio social. Algumas ameaças ao direito à cidade são a mercantilização e financeirização do solo urbano, a gentrificação de bairros tradicionais e populares, a privatização de espaços coletivos e o uso de fundos públicos para promover grandes infraestruturas em locais ricos das cidades. O direito à cidade reivindica os espaços urbanos como lugares coletivos para as pessoas, feito por pessoas, que não devem marginalizar e vulnerabilizar grupos sociais, e sim estimular o desenvolvimento próspero e justo (PLATAFORMA GLOBAL DO DIREITO À CIDADE).

O direito à cidade, além abarcar a garantia de acesso a direitos básicos (garantidos pela Constituição de 1988), como educação, moradia, lazer, trabalho, ir e vir, entre outros, envolve o direito de fazer parte dos espaços e processos de decisão, transformação e construção do ambiente urbano, ou seja, o direito de exercer a cidadania ativa para conquistar melhores condições espaciais e sociais para viver e, sobretudo, garanti-las. Sendo assim, é um direito de elaboração e prática coletiva e não individual (HARVEY, 2013). Neste sentido, o Estatuto da Cidade, legislação federal de 2001 reconhece a importância da participação dos movimentos sociais e cria e regula espaços para essa integração nas gestões públicas, como a criação de conselhos temáticos.

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Saiba mais

Vídeo em que Bianca Tavolari apresenta de forma didática o que é o conceito de direito à cidade: LINK

Podcast sobre direito à cidade: LINK

Artigo sobre crime climática e o direito à cidade: LINK

Referências

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo. Martins Fontes, 2014.

HARVEY, David. O direito à cidade. Revista Piauí, edição 82, julho de 2013. Disponível em: LINK .

LEFEBVRE, Henri. Direito à cidade. São Paulo. Centauro, 2001.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo. Editora de São Paulo, 2007.

Sem autor. O que é direito à cidade? Instituto Pólis. Disponível em: LINK

Sem autor. What is the Right to the City? Global Platform for the Right to the City. Disponível em: LINK .

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INCIDÊNCIA POLÍTICA

Incidência política (do termo advocacy em inglês) consiste em um conjunto de ações estratégicas e ferramentas para influenciar tomadores de decisão a desenvolver ou modificar políticas públicas, programas e ações de interesse público reivindicando direitos e promovendo transformações positivas na sociedade.

O termo advocacy é derivado do verbo em inglês “advocate”, que significa “advogar”, defender ou argumentar em prol de algo. As ações de incidência política são organizadas pela sociedade civil e organizações para fazer pressão em tomadores de decisão, como governos, empresas ou grandes corporações, de forma legal e não violenta (PRAKASH, Aseem; GUGERTY, Mary K). A incidência política é definida por esforços sistemáticos, e não por ações pontuais, por meio de atores que buscam alcançar objetivos políticos específicos.

Algumas das ações e estratégias que fazem parte da incidência política são levantar dados sobre um tema, pautar a mídia e ter grande alcance, engajar a população e fazer ações nas ruas, além de reuniões e negociações com tomadores de decisão. Ou seja, para incidir politicamente é preciso ter objetivos claros e se organizar.

A motivação para demandar e reivindicar políticas e transformações é solucionar desejos ou necessidades da população que deveriam estar sendo atendidas de forma coletiva, com programas e decisões públicas, mas que não estão acontecendo, muitas vezes porque não se conhece a demanda ou não há interesse ou vontade política. Dessa forma, por meio da incidência política, é possível mudar o cenário, colocando as demandas da população na agenda pública, de forma a construir opinião e gerar discussão e diálogo entre atores e atrizes de diferentes setores sociais (público, privado, organizações e sociedade).

Dessa forma, a incidência política é capaz de modificar a democracia, ampliando a participação e representatividade, criando novos espaços e modificando as prioridades e agendas políticas. Ou seja, o aumento de estratégias de incidência desenvolve a cultura política de maior engajamento, transparência e coletividade (POLITIZE).

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Saiba mais

Material que explica de forma simples e direta o que é advocacy: LINK

Conheça o caso de incidência para a abertura da avenida paulista aos domingos e feriados para lazer (Paulista Aberta) realizado pelo SampaPé em 2014: LINK LINK

Referências

FREITAS, Vitor. Advocacy: o que é e como construir uma estratégia de impacto? Portal do Impacto, 2022. Disponível em: LINK

PRAKASH, Aseem; GUGERTY, Mary K. Advocacy organizations and collective action: an introduction. Cambridge University Press. Disponível em: LINK

Sem autor. Advocacy como instrumento de engajamento e mobilização: um olhar sobre o panorama atual e a proposta da Cause para a defesa de interesses nas organizações brasileiras. Cause, 2017. Disponível em: LINK .

Sem autor. Advocacy: o que é? Politize!, 2017. Disponível em: LINK

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MOBILIDADE DAS MULHERES

A mobilidade das mulheres é compreendida como complexa e múltipla, com sequências de deslocamentos curtos com muitas paradas, majoritariamente a pé e de ônibus, pelo fato delas assumirem tarefas de cuidados (atividades reprodutivas e não remuneradas). A mobilidade das mulheres também é limitada por medo de violência de gênero e por cidades feitas para atividades produtivas e masculinas.

Mulheres ainda assumem papéis sociais de cuidado com as outras pessoas e com a casa, tarefas consideradas reprodutivas (trabalho não remunerado) e que muitas vezes são somadas a atividades produtivas, como o trabalho remunerado. Isso faz com que os deslocamentos das mulheres e o seu planejamento sejam muito mais complexos do que os dos homens, já que têm que realizar movimentos sequenciais e gerar uma rede própria de mobilidade (FORNECK; ZUCCOLOTTO, 1996), realizando mais trajetos regionais e intra-bairro. As viagens das mulheres são geralmente de tipo poligonal, ligando diferentes percursos para desempenhar funções diversas – da casa à escola, da escola ao trabalho, do trabalho à loja, da loja à escola, da escola à casa -, enquanto as viagens dos homens são geralmente do tipo pendular - da casa ao trabalho, do trabalho à casa (BUJALANCE; NARANJO, 2012).

Deslocamento poligonal

Deslocamento pendular

Além disso, devido ao machismo e patriarcado, a presença das mulheres nas ruas é limitada e moldada pelo gênero, o que gera sensação de insegurança e vulnerabilidade. Essa existência também é marcada pela ameaça de delitos de sexo, fazendo com que os movimentos das mulheres e os espaços de acesso a cidade sejam definidos pelo gênero (TONKISS, 2005).

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De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, mobilidade urbana é a condição em que se realizam os deslocamentos no espaço urbano (PNMU, 2012). Assim, o gênero faz com que o padrão de deslocamento das mulheres seja diferente do dos homens e que a experiência seja pior no modelo de cidade atual, visto que, apesar de lidarem com a insegurança, elas são as que mais caminham e as principais usuárias de transporte público.

Saiba mais

Referências

ALLEN, Heather; CÁRDENAS,

PEREYRA, Leda; SAGARIS, Lake. Ella se mueve segura. Un estudio sobre la seguridad personal de las mujeres y el transporte público en tres ciudades de América Latina. Caracas, CAF y FIA Foundation, 2019. Disponível em: LINK

BUJALANCE, Susana García; NARANJO, Lourdes Royo Naranjo. La perspectiva de género en el urbanismo. Trabalho apresentado no IV Congresso Universitário Nacional “Investigación y Género”. Sevilha, Espanha, 21 e 22 de junho de 2012. Disponível em: LINK

FORNECK, Maria Luiz; ZUCCOLOTTO, Silvana Zuccolotto. Mobilidade das mulheres na Região Metropolitana de São Paulo. Revista dos Transportes Públicos, ANTP 19, n.º 73 páginas 95-103, 1996.

TONKISS, Fran. Space, the City and Social Theory. Polity Press, 2005.

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Podcast entrevista a urbanista Kelly Fernandes sobre mobilidade e desigualdade de gênero e raça: LINK Filme “Chega de Fiu Fiu”, promovido pela Think Olga, aborda insegurança de gênero nos espaços públicos: LINK LINK Galo.;

URBANISMO FEMINISTA

O urbanismo feminista é uma reivindicação para transformar as cidades colocando as mulheres como protagonistas do processo e suas necessidades como prioritárias para criar cidades mais justas e equitativas.

O urbanismo é o conjunto de estudos, ações e decisões para desenvolver o espaço das cidades, ou seja, suas ruas, prédios, espaços públicos e outras infraestruturas necessárias para as pessoas viverem aglomeradas em um território (como acesso à água, luz, trabalho, comida, entre outros). O feminismo é um movimento que luta pela igualdade social e de direitos das mulheres e busca combater o modelo social baseado no patriarcado (dominância e privilégio dos homens) e os abusos e a violência contra as mulheres.

Dessa forma, o urbanismo feminista se propõe a fazer cidades que busquem justiça e equidade de acessos, direitos e experiência para as mulheres no ambiente urbano. Essa frente de ação e defesa parte da ideia de que as cidades não são neutras, ou seja, que elas perpetuam privilégios para pessoas de distintos grupos sociais, baseados em seu gênero, idade, cor/raça, classe, entre outros. Sendo assim, as cidades, ao terem sido construídas por homens e sem participação cidadã, desconsideram a diversidade das experiências e necessidades específicas das mulheres (ANA ORTIZ, 2007).

Dessa forma, o urbanismo feminista se propõe a fazer cidades que busquem justiça e equidade de acessos, direitos e experiência para as mulheres no ambiente urbano. Essa frente de ação e defesa parte da ideia de que as cidades não são neutras, ou seja, que elas perpetuam privilégios para pessoas de distintos grupos sociais, baseados em seu gênero, idade, cor/raça, classe, entre outros. Sendo assim, as cidades, ao terem sido construídas por homens e sem participação cidadã, desconsideram a diversidade das experiências e necessidades específicas das mulheres (ANA ORTIZ, 2007).

A luta pela participação das mulheres e a inclusão da perspectiva de gênero no planejamento urbano e nas políticas públicas é um processo que começou há muitas décadas, e que inclui ações para dar visibilidade ao problema, a demanda pela transversalidade da perspectiva de gênero e a criação de metas específicas para sua inclusão, além do desenvolvimento de metodologias participativas para alcançar transformação e inclusão (JUNQUEIRA; NUNES ; SABINO, 2019).

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Saiba mais

Vídeo sobre as Desigualdades de Gênero nas Cidades, feito no Rio de Janeiro LINK

Podcast do Banco Interamericano de Desenvolvimento que entrevistou Leticia Sabino, do SampaPé!, sobre os processos participativos com mulheres para a construção de cidades mais justas e feministas: LINK

Artigo do SampaPé! na Carta Capital sobre os deslocamentos das mulheres e suas condições em cidades planejadas por e para homens: LINK

Artigo da revista Veja sobre o Urbanismo Feminista com base no livro Cidade Feminista da Leslie Kern: LINK

Referências

JUNQUEIRA, Alice.; NUNES, Ana Carolina.; SABINO, Leticia Leda. ¿Cómo observar y evaluar el espacio público con las mujeres para contribuir con la construcción de ciudades seguras y sostenibles?. Revista de Estudios Urbanos y Ciencias Sociales. Almería, volume 9, número 1, páginas 73-92, 2019. Disponível em: LINK

KERN, Leslie. A Cidade Feminista: a Luta pelo Espaço em um Mundo Desenhado por Homens. Oficina Raquel, 1ª edição, 2021.

MICHAUD, Anne. Guide dáménagement - Pour un environnement urbain sécuritaire. Ville de Montréal. Disponível em: LINK

ORTIZ, Anna Guitart. Hacia una ciudad no sexista. Algunas reflexiones a partir de la geograf ía humana feminista para la planeación del espacio urbano. Territórios, número 16-17, páginas 11-28, janeiro-junho, 2007. Universidad del Rosario, Bogotá, Colombia. Disponível em: LINK

SANTORO, Paula Freire. Gênero e planejamento territorial: Uma aproximação, 2007. LINK

TIVERS, J., MCDOWELL, L. y BOWLBY, S. (1984) Geography and gender: an introduction to feminist geography. Hutchinson. London, Dover, NH.

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VAMOS REIVINDICAR UMA CIDADE MAIS JUSTA PARA MENINAS E MULHERES!

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