ECOS DO AUTORITARISMO: A DITADURA REVISITADA

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SAMUEL DE JESUS

ECOS DO AUTORITARISMO

A Ditadura Militar revisitada (Textos Reunidos)


"A interferência política dos militares na sociedade brasileira, a partir dos anos 50, se fundamenta na Doutrina de Segurança Nacional, elaborada na ESG (Escola Superior de Guerra), cujas origens pertencem ao Estado Novo (1937-1945). A interferência política dos militares na cena do poder no Brasil, quando não se configurou em regimes militares, configurou-se em atos que demonstram a capacidade de interferência política desta instituição na sociedade, assim passaram a exercer um poder tão grande que poderia ser comparado ao Poder Moderador"


Samuel de Jesus. É paulista, nascido em São José do Rio Preto/SP. Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de pós Graduação em Ciências Sociais da Faculdade Ciências e Letras UNESP em Araraquara/SP. Atualmente é professor adjunto II da Cadeira de História da América da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. E-mail: Samueldj36@yahoo.com.br Academia.edu: https://ufms.academia.edu/ SamueldeJesus


ECOS DO AUTORITARISMO


© 2019 - Samuel de Jesus TÍTULO

ECOS DO AUTORITARISMO: A DITADURA REVISITADA (TEXTOS REUNIDOS) AUTOR

Samuel de Jesus EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO

Editora Oeste

DIAGRAMAÇÃO

Ricardo Barbosa Porto REVISÃO O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva do autor da obra. ILUSTRAÇÃO DA CAPA

Samuel de Jesus PUBLICAÇÃO DA

Editora Oeste

www.editoraoeste.com.br editoraoeste@hotmail.com

ISBN 978-85-45584-14-8

Depósito Legal na Biblioteca Nacional Impresso no Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Jesus, Samuel de. Ecos do autoritarismo : a ditadura revisitada (textos reunidos) / Samuel de Jesus. -- Campo Grande, MS : Ed. Oeste, 2019. 128 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografías. ISBN 978-85-88523-14-8 (broch.) 1. Autoritarismo – Brasil. 2. Brasil – História – 1964-1985. 3. Brasil – Política e governo – Século XX. 4. Brasil – Política e governo – Século XXI. I. Título. CDD (23) 981.063

Bibliotecária responsável: Wanderlice da Silva Assis – CRB 1/1279


Samuel de Jesus

ECOS DO AUTORITARISMO A Ditadura Revisitada (Textos Reunidos)

Campo Grande 2019


Obra aprovada pelo conselho editorial da Editora Oeste através da Resolução n. 114/2019.

CONSELHO EDITORIAL Drª. Alda Maria do Nascimento Osório / UFMS Drª. Alexandra Ayach Anache / UFMS Dr. Amaury de Souza / UFMS Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório / UFMS Drª. Carla Dupont – Vercors, França Drª. Eurize Caldas Pessanha / UFMS Drª. Fabiany de Cássia Tasvares Silva / UFMS Dr. Flávio Aristone / UFMS Me. Horacio Porto Filho / UTCD-PY Dr. Leo Dayan – Univ. de Paris 1 – Sorbonne Dr. Luiz Otavio Saraiva Ferreira / UNICAMP Drª. Margarita Victoria Rodriguez / UFMS Drª. Maria Dilnéia Espindola Fernandes / UFMS Drª. Myrna Wolf B. dos Santos / UFMS Drª. Regina Tereza Cestari de Oliveira / UCDB Drª. Soraia Napoleão de Freitas / UFSM Drª. Silvia Helena Andrade de Brito / UFMS Drª.Tatiana Calheiros Lapas Leão / SED-MS

UMA PUBLICAÇÃO DA

Editora Oeste www.editoraoeste.com.br • editoraoeste@hotmail.com Campo Grande • Mato Grosso do Sul ISBN 978-85-45584-14-8 Tiragem: 50 exemplares. 1ª Edição - Ano 2019 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora, como pesquisa é permitido desde que citada a fonte.


Sumário

A IDEOLOGIA DO “CIDADÃO DE BEM” Cidadão,

quem?..................................................... 9

O “cidadão

de bem” na teoria. .................................

13

A

greve dos caminhoneiros e a luta pela narrativa. ..........

15

A

moral dos pobres. ........................................... 20

“Cidadão Quem

de bem” e armado..................................... 24

são eles?.................................................. 28

O Antipetismo.................................................... 30 Bibliografia...................................................... 32 A DITADURA REVISITADA As

condicionantes para o surgimento dos

Militares Os

na

Estados

América L atina..................................... 37

militares de esquerda contra a ditadura................... 40

Relações

extra-oficiais entre

Caparaó:

a gênese da guerrilha no

...ainda

EUA

e

Brasil (1964-1980)....... 51

Brasil.................... 62

a tutela militar..........................................

71


Universidade

e

Forças Armadas:

o caso da

ABED............ 82

No marco das desconfianças entre civis e militares: 2003-2004: XXIX ANPOCS e a criação do GT Forças Armadas, Estado e Sociedade (2005)........................... 89 No marco das confianças: Livro Branco de Defesa e a Universidade Brasileira: o caso da ABED..................... 92 A

luta pela narrativa histórica em tempos de

ataques à democracia..........................................

Ascensão

do

104

Bolsonarismo.................................... 115


A IDEOLOGIA DO “CIDADÃO DE BEM”



Cidadão,

quem?

Segundo José Murilo de Carvalho (1995) a construção da democracia brasileira colocou em voga a palavra cidadania. Na retórica política, esta palavra substituiu o termo povo. A afirmação: “a cidadania quer” indica que ela foi transformada em gente, ou seja, é como se a palavra cidadania tivesse ganhado relativa individualidade. Neste momento nutrimos a ilusão de que, apenas, bastava democratizar as instituições para alcançarmos a felicidade nacional, no entanto, problemas como a violência urbana, desemprego, assim como a falência da educação pública, serviços de saúde e saneamento, exclusão, a permanência dos contrastes sociais persistem e ameaçam comprometer o tecido social. Ao contrário do que afirmou em 1995, hoje ocorre a descrença no sistema democrático e isto gerou o saudosismo dos tempos da Ditadura Militar (1964 -1985). Segundo J. M. de Carvalho, o cidadão pleno seria o indivíduo que possui o direito à vida, a liberdade, propriedade e igualdade. Os indivíduos que não possuem estes direitos seriam considerados não-cidadãos. Os cidadãos incompletos seriam os que possuíssem apenas alguns destes direitos. A partir dessa premissa podemos imaginar que o termo cidadania não é homogêneo e quando mencionamos esta palavra é preciso compreendermos que não estamos falando de todos os membros de uma cidade, mas de uma camada social específica. A natureza histórica da cidadania se desenvolveu como um fenômeno histórico, por exemplo, o termo cidadania surgiu de um sentimento de pertencimento, uma identidade nacional que se deve a fatores como a língua, religião, sobretudo a coesão gerada pelas lutas e guerras contra inimigos comuns. (CARVALHO, 1995)

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No caso do Brasil, de 1500 a 1822, tínhamos (e temos) um território continental dotado de uma unidade territorial, cultural, linguística e religiosa, no entanto perdurou uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora, latifundiária, praticamente um Estado Absolutista e quando chegamos à independência, não existiam cidadãos e patriotas. Para J. M. de Carvalho o fator mais danoso ao nascimento da cidadania foi, sem dúvida, a escravidão. Na época da independência estima-se que o Brasil teria em torno de um milhão de pessoas feitas escravas. A escravidão e a grande propriedade foram os elementos impeditivos para a constituição da cidadania, para a formação de cidadãos. Os homens livres não poderiam ser considerados cidadãos, pois eram dependentes dos grandes proprietários, assim eram desprovidos dos direitos civis. Os grandes proprietários, ou os senhores, também não poderiam ser chamados de cidadãos, apesar de serem livres e gozarem de direitos políticos, faltavam-lhes o sentido da cidadania, ou seja, o sentido de igualdade de todos perante à lei, pois exercia o poder privado em suas fazendas. (CARVALHO, 1995) Para Botelho e Schwarcz (2012, p. 12) cidadania é noção construída coletivamente e ganha sentido nas experiências tanto sociais quanto individuais, e por isso é uma identidade social. A cidadania assume um aspecto de identidade social construída socialmente. No caso do Brasil se refere aos aspectos relativos à inclusão ou exclusão social. Ser detentor legítimo de direitos e obrigações sugere, em primeiro lugar, que cidadania sempre envolve uma dinâmica de inclusão e exclusão, suas reivindicações são sempre reivindicações de inclusão no usufruto de direitos, e se criamos critérios para incluir alguém estamos, necessariamente, também excluindo outros. Isso é importante para que se perceba como o discurso que cria os atributos de um bom cidadão, do “cidadão virtuoso”, ao mesmo tempo o distingue e cria, por contraste, um “outro”, cujas práticas e valores podem ser estigmatizados e identificados como “maus” ou “não” cidadãos. Assim, por exemplo, se o “bom” cidadão paga impostos pontualmente, já sabemos como identificar aqueles que não o fazem. ( BOTELHO & SCHWARCZ, 2012, p. 11, 12)

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Imagina-se que o cidadão é aquele recebedor dos benefícios do Estado. Desta forma a cidadania seria conferida por nascimento ou por consentimento, ou seja, é o único que recebe a proteção do Estado, no entanto existem diferentes tipos de cidadãos: o cidadão “oprimido”, “isolado” e “pluralista”, por exemplo, o cidadão oprimido seria o indivíduo que possui pouquíssima proteção do Estado e o isolado é aquele protegido pelo Estado, mas decide não participar das decisões políticas. ( BOTELHO & SCHWACZ, 2012). Se Gilberto Freyre e Casa Grande & Senzala fizerem algum sentido para o presente, perdura entre nós um abismo social que separa os bairros suntuosos e a periferia. Quando estamos falando em cidadão, falamos de um sujeito pertencente a uma elite que possui a cidadania, ou seja, tornou-se um privilégio e podemos identificar a impossibilidade de concebermos a cidadania como algo que é para todos/todas, pois alguns são mais cidadãos que outros. Colocada desta forma o termo cidadania assume uma forma ideológica, afinal sua historicidade indica uma verticalidade social. A partir desta tipologia podemos considerar a existência do cidadão de bem. O Golpe de 2016 foi sustentado por este tipo social. O termo é tão excludente que, não por acaso nos referimos semanticamente ao homem: “O” cidadão de bem e não “A” cidadã de bem, torna-se um termo masculinizado, conservador, machista. No dia 03 de abril de 2018, um dia antes de o Supremo Tribunal Federal tomar decisão sobre a concessão de habeas corpus ao ex-presidente Lula, o General Eduardo Villas Bôas escreveu em seu twitter: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantem atento às suas missões institucionais”. Seu gesto foi interpretado como um enquadramento do Supremo, ou uma pressão sobre a Corte para que ela negasse o pedido de Lula, como de fato foi negado. Afinal, o que queremos dizer quando invocamos o termo cidadão de bem? Seria o cidadão manso, obediente, pagador de seus impostos que vê as notícias do dia em um telejornal e sente-se indignado com a corrupção. Já foi às ruas pedir a intervenção militar para colocar ordem no caos? É aquele senhor ou senhora que vai a igreja aos domingos, é temente a Deus, mas defende a comercialização das armas de fogo e votou no candidato de Ideologia do “cidadão de bem” •••

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extrema-direita. O mesmo que reúne a misoginia, a homofobia, racismo, preconceito de origem e difusão do ódio como um antídoto para a cura dos males sociais? Se a resposta for sim, teremos um novo tipo político, sobretudo capaz de subverter a democracia, capaz de impor aos governos eleitos as suas premissas autoritárias. O “cidadão de bem” seria a resultante de fatores que impossibilitam a configuração plena da cidadania brasileira. Ou seja, a ausência de um sentido público, restos da escravidão, da indolência, do patrimonialismo, estamento, compadrio, cordialidade, coronelismo, populismo, ou seja, todos os elementos que impediram a emergência do povo como agente político e permitiu o predomínio do poder privado, do individualismo, do corporativismo que assegurou poderes ao estamento militar, a oligarquia agrária e ciclos de tirania como o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964 -1985). O “cidadão de bem” corresponderia a uma parcela da população que possui uma cidadania relativa e que reivindica sua plenitude de forma conservadora e autoritária, por meio de um salvador da pátria como um Napoleão Bonaparte, um herói capaz de libertá-los dos grilhões. Esta personagem promoveria uma incursão para restituir os seus valores morais fundamentais e impô-los ao conjunto da sociedade, a restituir a “ordem” das coisas. Quando faço uma busca no Google usando o termo “cidadão de bem”, aparece um texto assinado por Cefas Carvalho, intitulado: Porte de arma para o cidadão de bem, mas quem é o cidadão de bem? O autor Questiona quais os parâmetros para uma pessoa receber esta denominação. Presume que este seja o sujeito que paga seus impostos, trabalha sério e com responsabilidade. Sua antítese são os indivíduos que moram nas regiões periféricas, possuem pele escura, sofrem carências, são pobres economicamente, assim como os jovens que dão um “rolezinho” nos shoppings.

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ECOS DO AUTORITARISMO

O “cidadão

de bem” na teoria

Segundo Foucault para compreender o sujeito “eu” é preciso enxergar os tentáculos do poder, pois o sujeito é fruto de relações de poder e não de imposição de poderes. Considerando que o sujeito, ou o seu lugar é um espaço vazio que espera ser ocupado por alguém que possui algumas condições e requisitos. Os sujeitos precisam de um discurso que os legitime ao ocupar estes espaços. Os sujeitos são reconhecidos pela produção de seu discurso. O discurso é determinante em relação ao que o sujeito deve pensar, falar, produzir. É o discurso que define o sujeito. (CUNHA MOURA apud FOUCAULT, 1999, p. 33) Foucault (1996, 39) chama de ritual os aspectos visíveis, presentes nas práticas sociais e que define o lugar do sujeito. A partir do aparato discursivo os sujeitos começam a construir mitologias. O poder que gravita no âmbito do discurso assume o caráter de imposição de regras e condutas “ao outro”. O discurso obedece uma ordem, todos os atos são controlados por arquétipos, modelagens. A sensação de liberdade ocorre pela sensação de inclusão e pertencimento a determinado espaço como sujeito, ao final o sujeito é sujeitado, ele controla e, é controlado (CUNHA MOURA apud DELEUZE, 1992, P. 221) Para Foucault existem três sistemas de exclusão que atingem o discurso. A palavra proibida, a segregação da loucura e a vontade da verdade. Trata-se de determinar as condições do funcionamento do discurso, impor aos indivíduos que os pronuncia um conjunto de regras e assim não permitir que todo mundo tenha acesso a elas. Desta maneira, ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfazer certas exigências, ou se não for, de início qualifiIdeologia do “cidadão de bem” •••

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cado para fazê-lo. Mais precisamente, nem todas as regiões do discurso são altamente abertas (diferenciadas e diferenciantes). Só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza, fecundidade, força doce (...) ignoramos, em contrapartida, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto a ponto, em nossa história, procurará contornar essa vontade de verdade e coloca-la em questão contra a verdade, lá justamente onde a verdade assume a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura. (FOUCALT, 2004, p. 21).

Segundo Durkheim um dos grandes desafios da ciência está em superar as noções do fato, pois, muitas vezes, é confundido com o real. Geralmente estas noções são colocadas como acontecimentos inerentes ou que pertence à “natureza das coisas”, possui a ideia de “naturalidade” do fato social, tal como uma “verdade inquestionável” dos fatos. Em vez de buscar compreender os fatos adquiridos e realizados, ela empreende realizar novos, mas conforme aos fins perseguidos pelos homens. (Durkheim, 2007, p. 18) Sendo assim a ciência assume um aspecto prático de obtenção de resultados, assim não querem explicações, mas remédios. São idola, fantasmas que nos desfigura o verdadeiro aspecto das coisas, que, no entanto tomamos como as coisas mesmas. (DURKHEIM, 2007, p. 18). Há uma rejeição à busca da verdade. Os documentos não mais importam e são ignorados, assim como as estatísticas, as pesquisas e os boletins. A verdade ganhou vários sentidos, os poderes: cada um com sua verdade, cada um com sua democracia, cada um com a sua ética, cada um com suas próprias convicções, assim os indivíduos se entrechocam, vence o mais forte. Vivemos um vácuo de legitimidade, muitas vezes o consenso é forçado e os impasses permanecem como cadáveres insepultos da injustiça. A mídia é a grande construtora de narrativas e embrenha-se na luta pela versão oficial, há uma luta pela narrativa, uma batalha pelo discurso e no caso da mídia ela acaba por subverter e se apropriar do discurso, assim criando demônios e anjos alados, a santificando ou a amaldiçoando personas. Possui a capacidade de modelar a opinião pública.

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ECOS DO AUTORITARISMO

A

greve dos caminhoneiros e a luta pela narrativa

A greve dos caminhoneiros foi um acontecimento que nos permite entender como de fato isto ocorre. Em maio de 2018 os caminhoneiros paralisaram o sistema e ameaçaram colapsar o país, protestavam contra o aumento do diesel que havia sido indexado ao dólar. No Governo Temer ocorreram mais de duzentos aumentos sucessivos no preço dos combustíveis. Neste momento a imprensa destacava os prejuízos aos cidadãos, sobretudo, gerados pela greve dos caminhoneiros. Os repórteres entrevistavam as pessoas na fila de ônibus, esperando o transporte público que não vinha, mostravam as imensas filas nos postos de combustíveis, as prateleiras dos supermercados em desabastecimento. As pesquisas indicavam que, aproximadamente, 80% dos brasileiros apoiavam a greve dos caminhoneiros. Este fato gerou desconfianças nos movimentos de esquerda de que a paralisação, apesar de justa, poderia representar uma nova guinada dos movimentos de caráter similares à extrema-direita. Sobretudo, tinham desconfianças de que o movimento foi patrocinado pelos empresários, o que caracterizaria um lockout. Foi baseado nesta tese que o governo recorreu às forças armadas para reprimir os caminhoneiros. Os quartéis estavam de prontidão, a Força Nacional e o Exército agiram para liberar o tráfego. No país ocorreram movimentos de apoio aos caminhoneiros, dos grupos de esquerda e de direita. Em Coxim-MS, os patrões fecharam as lojas, fábricas e foram com seus funcionários apoiar os caminhoneiros. Os trabalhadores vestiam o uniforme de suas empresas, assemelhavam-se às torcidas organizadas. Alguns marchavam segurando uma grande faixa preta com a inscrição em branco: “QUEREMOS INTERVENÇÃO MILITAR”, Ideologia do “cidadão de bem” •••

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percorreram as ruas da pequena cidade com mais de 30 mil habitantes e ao final bloquearam a BR 163 na frente do 47° Batalhão de Infantaria do Exército com suas faixas e cartazes. Para o grande conglomerado midiático estes não eram os “cidadãos de bem”, mas sim o indivíduo sem transporte e abastecimento. Aquele que gostaria de comparecer ao trabalho e voltar para casa de forma obediente. A imprensa foi surpreendida pelo aumento de adesão ao movimento e encontrou dificuldades em fazer colar a sua versão da notícia. Este movimento autônomo foi formado por proprietários de caminhões que corresponderam a 70% do movimento e profissionais representados pelas empresas de transporte e logística, aproximadamente 30% do movimento. A grande diferença nestes dois tipos de caminhoneiros é que os primeiros reivindicaram o fim da política de preços da Petrobrás que indexava o preço dos combustíveis à flutuação do dólar no mercado internacional e o segundo reivindicou, somente, a redução dos impostos nos preços dos combustíveis como COFINS e CIDE . Na luta pela narrativa, a imprensa adotou o termo “lockout” para se referir ao movimento. Esta é uma prática proibida por lei, pois seria uma prática ilegal de união de empresários e proprietários que obrigam os trabalhadores a pararem com o objetivo de prejudicar a economia. A utilização do termo “lockout” permitia neutralizar o discurso do movimento, desqualificá-lo e deslegitimá-lo perante a opinião pública e também permitiria a repressão ao movimento, como de fato ocorreu. Para entendermos o papel político da imprensa ao construir a versão dos fatos é preciso uma volta à teoria. Segundo Silvia T. Maurer Lane (1985, p. 22 , 23, 24) a identidade social e os seus papéis são mediados ideologicamente, sobretudo ao ponto de conferir uma naturalidade, um cunho de necessidade e liberdade artificiais. Desta forma, escamoteando que os papéis sociais são determinados por fatores exteriores ao indivíduo, ou seja, são definidos pela produção da vida material, ou a divisão social do trabalho. É isto, realmente que estabelece nossas preferências, costumes e ideias. Para a autora esta questão suscita o problema da consciência em si, afinal de contas, um espirito questionador poderá nos fazer perceber que os nossos papéis, identidade e lugar são resultados dessas relações

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de dominação. Contrapõem-se a esta tomada de consciência os grupos que exercem esta dominação e assim atribuem papéis sociais através de seus aparelhos ideológicos pra anular, abrandar, amenizar os possíveis questionamentos que possam colocar em xeque sua hegemonia. (LANE, 1985, p. 24) O jornal O GLOBO de 26.06.2018 publicou análise assinada por José Ricardo Rocha Bandeira, especialista de Segurança Pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, intitulada: A greve dos caminhoneiros e suas consequências para a segurança. O autor tentou construir uma narrativa dos caos na segurança pública, supostamente ocasionada pela greve dos caminhoneiros. Afirmou: Faz alguns dias que o Brasil foi surpreendido pela greve nacional dos caminhoneiros, que tem causado falta de abastecimento de gêneros de primeira necessidade como alimentos, remédios e combustíveis, levando a sociedade a um estado de quase calamidade. E no que diz respeito à segurança pública, a situação é ainda mais grave, pois devido à falta de combustível, as viaturas policiais estarão, muito em breve, sem condições de realizar o patrulhamento. Como consequência, teremos uma diminuição na capacidade de repressão policial em todas as grandes capitais do país, fazendo com que a mancha de criminalidade se expanda e aumente os índices de violência nas ruas. ( BANDEIRA, 2018).

Esta narrativa midiática lembra o controle pelo medo descrito na obra de George Orwell, chamada: 1984, ou seja, uma imprensa que difunde o medo e o caos para vender como solução a utilização do aparato repressivo estatal e isto, na prática, cria um Estado Policial que utiliza a censura, o controle social como meio para garantir uma falsa segurança a todos. A revista ISTOÉ publicou artigo em 31.05.2018, assinado por André Solitto, Cilene Pereira, Giorgia Cavicchioli e Luisa Purchio, com a seguinte afirmação: VIROU BADERNA! Neste artigo afirmaram que o movimento era oportunista e afundou o país no caos: Defensores da volta do regime militar, sindicalistas oportunistas e líderes trabalhistas que pedem a libertação do Ideologia do “cidadão de bem” •••

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ex-presidente Lula se apropriaram da greve dos caminhoneiros e afundaram o País no caos. Os prejuízos econômicos ultrapassam os R$ 75 bilhões e atrasam o crescimento. (SOLITTO, PEREIRA, CAVICCHIOLI & PURCHIO, 2018).

Neste momento, para a mídia, o cidadão de bem era aquele que gostaria de ir para o trabalho e não conseguia, queria comprar no supermercado, mas não tinham produtos na prateleira para serem vendidos, os que precisavam de remédios, gasolina, aulas, segurança e não tinham devido ao lockout, promovido pelos empresários que eram “inimigos” do país, pensavam somente em seu interesse corporativo e que deveriam ser punidos, exemplarmente. O jornal Folha de S. Paulo de 31.05.2018 reproduziu a fala do Ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o título da matéria, assinada por Angela Boldrini, é uma afirmação deste ministro: ‘Quem paga a conta sempre é o cidadão’, diz Padilha. Segundo o ministro: “quem pagará pelos subsídios (aos caminhoneiros) é a sociedade brasileira como um todo, já que o governo não fabrica dinheiro, administra”. Segundo a matéria da Folha de S. Paulo do dia 10.07.2018, assinado por Anaís Fernandes, intitulado: “Famílias mais pobres sentem impacto maior de paralisação dos caminhoneiros nos preços. Inflação para pessoas de renda muito baixa mais que triplicou em junho, diz Ipea”. Segundo a matéria: A inflação entre as pessoas mais pobres representou alta de 1, 5 no mês, mais que o triplo observado em maio, de 0,41, de acordo com o indicador do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) calculado com base no SNIPC (Sistema Nacional de índice de Preços ao Consumidor) do IBGE , divulgado no dia 10 .07. 2018 . (FERNANDES 2018)

Os setores jornalísticos não se mostraram favoráveis à paralisação dos caminhoneiros como podemos ver neste pequeno apanhado de notícias sobre o movimento. Todos eles divulgam aspectos negativos da paralisação, como o aumento do custo de vida, destaca a fala do ministro de que o conjunto da população que iria pagar a conta. A narrativa deste modo é

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assumida a partir da versão da notícia. A mídia é a grande correia de transmissão do discurso oficial, difusora das ideias baseadas no senso-comum, assim como afirma o sociólogo Jessé Souza, a mídia imbeciliza a sociedade. Para o professor Milton Santos trata-se da violência da informação praticada pelos veículos da comunicação que, por exemplo, difundem as fábulas do neoliberalismo, tais como a aldeia global, fábrica global. Instituição fundamental para a projeção econômica de uma elite global que concentra o capital globalmente, a partir da supressão dos nacionais-desenvolvimentismos, mas isto é outro assunto que não aprofundaremos aqui. O tamanho dos conglomerados de comunicação e sua concentração em torno de pouquíssimas famílias poderão indicar que a luta pela narrativa está perdida, no entanto, a internet, sobretudo as redes sociais tem imposto grandes obstáculos aos meios televisivos e, em muitos casos, subvertido as condições do funcionamento do discurso oficial, invertendo a “versão oficial” dos fatos, pois como afirma Foucault (1996), os poderosos determinam as condições do funcionamento do discurso, assim impõem aos indivíduos, que o pronuncia, um conjunto de barreiras e assim não permitem que todo mundo tenha acesso a elas. Desta maneira, ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer certas exigências, ou se não for, de início qualificado para fazê-lo. Mais precisamente, nem todas as regiões do discurso são altamente abertas. Só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria riqueza, fecundidade, força doce (...) ignoramos, em contrapartida, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto a ponto, em nossa história, procurara contornar essa vontade de verdade e coloca-la em questão contra a verdade, lá justamente onde a verdade assume a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura. (FOUCAULT, 2004, p. 21).

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A

moral dos pobres

No livro A Família como Espelho, um estudo sobre a moral dos pobres (2005), Cynthia Andersen Sarti, analisa a articulação de elementos morais e religiosos aos econômicos ou a naturalização da pobreza. Estes aspectos são revelados a partir de algumas afirmações, tais como: sempre vão existir rico e pobre. Parte da ideia que o rico não sabe fazer os serviços que o pobre faz, o que colocaria, em tese, os pobres em vantagem em relação aos ricos. Esta é uma dádiva dada por Deus, assim aos ricos caberia a função de dar o trabalho e o empregado é aquele que cuida do patrão, tal como uma família. Entre rico e pobre existe uma igualdade que está em outro plano, no reino de Deus, pois todos somos filhos de Deus, assim neste mundo cada um é designado a cumprir um papel definido hierarquicamente. Dentro desta concepção as injustiças sociais serão redimidas em outro mundo. Para evitar a miséria é preciso a obediência, escreve Sarti: Eles (os não-iguais que detém a riqueza, prestígio e/ou poder) tem de dar aos pobres a oportunidade de trabalho, e os pobres tem de trabalhar, inserindo o trabalho num universo de obrigações no qual o esforço legitima a oportunidade de trabalhar que é conferida ao pobre. (SARTI, 2005, p.108)

O esforço do trabalho confere um caráter, um valor moral, por exemplo, o trabalhador fez por merecer, sobretudo quando se recebe é necessário retribuir, através do seu trabalho, o pobre dá o que tem, assim o trabalho assume um papel redentor, pois torna-se uma obrigação dentro de uma relação e a pros-

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peridade é reservada aos que fizeram por merecer, assim o esforço reafirma a honra de quem trabalha. De acordo com essas concepções a esmola é um ato condenável, pois fere os valores inerentes ao trabalho. Os considerados vagabundos, os mendigos representam uma antítese aos trabalhadores. (SARTI, 2005, p.109) O princípio de dar sem receber, no qual se funda o trabalho, é negado pela esmola. Nesse prisma, pedir esmola humilha porque quem o faz recebe sem dar, sem o esforço valorizado. (SARTI, 2005, p.110)

Pensando assim, o desemprego representa uma humilhação, pois o trabalhador é privado do ato de dar e receber. Os pobres acreditam que a obrigação dos ricos é lhe dar o trabalho, seguindo uma cadeia de obrigações entre desiguais. Desta maneira o desemprego representa uma ruptura desta relação entre estas classes. Se o trabalho é negado, então se recorre à caridade que é legitimada socialmente através do lema: “Dando aos pobres, empresta-se a Deus”, pois afinal “pedir é melhor que roubar” (SARTI, 2005, p.111). Deste ponto de vista os benefícios sociais providos pelo Estado são observados como um retrocesso social, pois, segundo esta ótica, o indivíduo terá sucesso se trabalhar duro e assim possuirá dinheiro para pagar por todos estes serviços. A dimensão do Estado de bem-estar social ou acesso aos benefícios do Estado de Direitos Sociais representam um obstáculo ao merecimento, pois quem recebe benefícios sociais, segundo a moral do trabalho, não progredirá. Os benefícios não são entendidos como direitos do cidadão. Esta visão é a base para o fim do Estado de Bem-Estar Social, para privatização e o Estado-mínimo. O princípio de honestidade faz parte da moral dos pobres igualmente. O trabalhador mesmo diante da opressão do dia a dia, possui a sua moral inabalável, sua honra. Os meios de comunicação, rotineiramente, divulgam casos em que os pobres acharam uma fortuna e acabaram por devolver aos seus donos. Matéria do Portal G1 informa que Catador de recicláveis encontra R$ 50 mil e devolve ao dono no Paraná. Na cidade de Iporã-PR , o catador de recicláveis, Sr. Antônio Garcia do Prado, encontrou R$ 50 mil no meio de um caderno jogado na rua e foi até a rádio local divulgar o achado. A reportaIdeologia do “cidadão de bem” •••

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gem destaca que, apesar de receber, aproximadamente, R$ 20 reais por dia, em nenhum momento pensou em ficar com o dinheiro. O dinheiro era do empresário Amauri Rodrigues que afirmou ter esquecido o caderno com dinheiro na capota do carro, antes de sair com o veículo, esqueceu-se de pegar e saiu com o carro, assim o caderno acabou caindo meio no percurso. Alegou: cabeça cheia, descuido e disse que não deu falta do dinheiro, nem imaginava que tinha perdido. Existe uma ética neste exemplo: o Sr. Antônio achou o dinheiro, apesar de dizer o ditado: “achado não é roubado”, mas “Deus tudo vê” e castiga. A honestidade do pobre é uma instituição, afinal sua recompensa não está neste mundo. O dinheiro será sempre do rico, ao pobre restará o suficiente para sobreviver, além disto; a virtude, a moral, a honestidade. Ao pobre está reservado o trabalho de dia e de noite, o trabalho que dignifica. O portal G1 (Jornal Nacional) de 24.02.2017 divulga que Jovem devolve celular perdido e não aceita recompensa; pede emprego. As afirmações do jornalista que escreve esta reportagem são ilustrativas em relação a “moral do pobre”, afirma: “Agora uma pausa nesse noticiário de suspeitos, de delatados e investigados só para lembrar a beleza de nosso povo, a beleza que o nosso país também tem”. O jovem Pablo encontrou o celular e rejeitou uma recompensa de R$ 200.00, mesmo precisando de dinheiro. Disse para o dono do celular que precisava de ajuda para encontrar um emprego. “O fato de ele não se interessar pelo dinheiro e querer ajuda para o emprego, para arrumar um emprego, para mim foi o que tocou”, disse Nikolas Soares Valério, que é analista de redes. Nicolas postou a história na internet e teve 14 mil curtidas. A Associação dos Magistrados de Goiás ofereceu uma oportunidade a Pedro, trabalhar como auxiliar de almoxarifado, mas com uma condição: retomar os estudos. Afirmou seu contratante, o Juiz Eduardo Perez; “Você só vem trabalhar conosco se você estudar porque só avança na vida, só tem condição de avançar aquele que se dedica, aquele que estuda”. Estes dois casos são ilustrativos sobre o papel exercido pela imprensa na manutenção de uma ordem social hierarquizada, ou seja, duas pessoas pobres, o primeiro catador e o segundo um jovem desempregado que tinham necessidades materiais, mas foram honestos e devolveram o que não lhes pertencia. A honestidade é um elemento muito importante na moral do pobre, pois sua recompensa como afirmamos, anteriormente, poderá não estar neste mundo, mas no plano divino. O pobre não tem riqueza material, mas possui honra, é uma pessoa em que devemos confiar, pois ele respeita o que

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é dos outros, ou dias melhores virão, Deus proverá, assim, ele reconhece o “lugar do pobre” e o “lugar do rico”. Pedro não quer a recompensa, quer um trabalho, quer ter dignidade, ou seja, não é vagabundo, é “cidadão de bem”. Ocupará um lugar no sistema produtivo, terá dignidade, ainda que ocupando uma função subalterna. Através dos valores positivos do trabalho e da família, criam, como fronteira do mundo dos pobres e trabalhadores, a adesão a um código de obrigações morais que delimita seu grupo de referência, como a família. (SARTI, 1995, 130)

A mídia é o grande instrumento de afirmação dos princípios conservadores e faz isto cotidianamente, através de novelas, filmes e reportagens como aquelas apresentadas anteriormente. A mídia é um aparelho ideológico de Estado, sem dúvida. Na obra Aparelhos Ideológicos do Estado, Louis Althusser menciona que as técnicas aprendidas na escola se referem ao bom relacionamento, ao respeito à divisão técnica do trabalho e à submissão às normas da ordem vigente ou submissão da classe operária à ideologia dominante, pois o “todo social” possui níveis e instâncias pré-determinadas, tais como a infraestrutura (economia), superestrutura (Estado, Direito) e a ideologia (religião, moral) que ocupa o cume da pirâmide social. Desta maneira o Estado é visto como uma instituição que reprime os trabalhadores, afinal é o Estado que assegurará a reprodução das relações de produção. Deste modo, a narrativa é assumida como parte da categoria ideológica, através dela se transmite o discurso oficial e a mídia é a sua grande correia de transmissão.

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“Cidadão

de bem” e armado.

No Brasil, hoje, é corrente a tese de que o cidadão deve andar armado para se “proteger”. Esta ideia é fomentada pela chamada bancada da bala, deputados que eram financiados pela indústria de armas leves do Brasil. O portal de notícias on line O tempo, divulgou que em uma audiência pública sobre mudanças no estatuto do desarmamento, realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais em 26.06.2015, o Deputado Federal Jair Bolsonaro, afirmou, “O cidadão armado é a primeira linha de defesa de um país” A reportagem conta com comentários que devem ser analisados, pois embora represente a opinião de apenas algumas pessoas, de fato reflete o pensamento de milhões de pessoas e, assim torna-se fonte para nossas análises. Aqui não mencionamos o nome dessas pessoas, apenas as iniciais de seus primeiros nomes. Dentre várias mensagens escolhemos aquelas que mencionam o termo “cidadão de bem” e em segundo, aquelas mensagens que mencionam termos como “homens de bem” e outras derivações. Os comentários assinados por pseudônimo foram mantidos. Mencionamos aqui a fala de D. Até que enfim o tal de Jair Bolsonaro deu uma “dentro”. SE o bandido anda armado, por que o cidadão de bem não pode ter uma arma para se defender destes cânceres da sociedade ? O porte de armas em casos especiais é justificável (inclusive eu já tive, mas não tentei renovar) em alguns casos - não se pode generalizar, nisto eu concordo. A polícia NUNCA TEVE e nem NUNCA TERÁ condições de fiscalizar TUDO e estar em TODOS os lugares ao mesmo tempo - não há efetivo para isto, em NENHUM lugar do

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mundo. Quanto à redução da maioridade penal, sou favorável, pois se pode votar com 16 anos, por que não pode responder pelos crimes? MAS, o pior e que existe no Brasil, é a IMPUNIDADE. (D. In: PEIXOTO, 2015).

Segundo Epitáfio Se bandido pode meter tiro na cara de cidadão de bem, por que o cidadão de bem não pode ter uma arma registrada e com porte? Seria até melhor a polícia saberia melhor onde identificar um cidadão que cometeu um crime, pois essa bandidagem aí atira nos outros e desova a arma e ninguém prova nada. Maioridade penal já, Bolsonaro tem razão e quem discorda é por que é conivente com essa bandidagem aí!!!! (Epitáfio In: PEIXOTO, 2015).

Segundo C. P. Qualquer cidadão de bem deveria ter um porte de arma (caso quisesse possui-lo),o grande problema nesse país é a impunidade, e a insanidade dos líderes desse BRASIL , há alguns anos fizeram a campanha do desarmamento, como se isso fosse solução, como se os bandidos fossem entregar as suas armas ! O que precisamos nesse país é a segurança que as leis serão iguais para todos e que as mesmas sejam cumpridas, não podemos viver com flanelinhas nos extorquindo com a conivência das autoridades, com assassinos que matam e sequer são presos e tantos outros disparates que todos já sabemos e cansamos de pedir solução! (C. P. In: PEIXOTO, 2015)

Segundo P. B. Temos de lembrar que nos EUA, desde o Velho Oeste, os homens de bem de cada vila ou cidade é que ajudavam o Xerife a banir os mal feitores. Países onde não há impunidade sempre souberam usar a seu favor a força civil armada, para cumprimento do dever e da Lei. Sabemos que qualquer pivete na rua hoje anda armado e a polícia nada faz para defender a sociedade. As armas vão e voltam para os marginais. Somente as pessoas de bem é que ficam indefesas. Se votamos todos contra o desarmamento naquele pleIdeologia do “cidadão de bem” •••

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biscito ridículo, por que Lula teimou em desobedecer a vontade das urnas e desarmar a sociedade mesmo assim? Pensemos...... (P. B. In: PEIXOTO, 2015)

Segundo H. M. Este deputado é polêmico, mas na verdade é dos melhores que temos em Brasília, pena que são poucos, mas acho muito boa a ideia do armamento das pessoas de bem. (H. M. In: PEIXOTO, 2015).

A revista Carta Capital publicou em 12.02.2016 artigo assinado por Robert Muggah e Daniel Cerqueira intitulado: Quatro mitos sobre o “cidadão de bem armado”. Segundo os autores o Brasil é o país que possui maior número de homicídios, ocasionados por armas de fogo, no mundo. Um levantamento de dados, feitos em 2010, revelou que existem, em torno de 17,6 milhões de armas leves em circulação no país, dessas 57% eram ilegais. De fato, a proliferação das armas se deu ao mesmo tempo em que se verificou um crescimento acelerado da taxa de homicídio por arma de fogo. Enquanto em 1980 de cada 100 pessoas assassinadas 44 eram vitimadas por armas de fogo, em 2003, nas vésperas da sanção do Estatuto do Desarmamento (ED), esse número já era de 77, diminuindo para 75 nos anos subsequentes. Em países como a Inglaterra e a Espanha tal proporção gira na ordem de 7 e 14 vítimas, respectivamente. (MUGGAH & CERQUEIRA, 2016)

De acordo com Robert Muggah e Daniel Cerqueira (2016), esta tese de armar o cidadão já ocorre, desde os anos 80, e de lá para cá, isto gerou o aumento do número de mortes e não fez a sociedade brasileira mais segura, sobretudo chamam atenção para o movimento que pretende a revogação do Estatuto do Desarmamento aprovado no Congresso Nacional. Aqueles que pretendem revogar o Estatuto do desarmamento, na prática querem permitir ao adulto, acima de 21 anos ter o direito de comprar até seis armas, sobretudo permitir sua utilização nas ruas. Na sequência assinalam quatro mitos sobre a utilização das armas de fogo pelo cidadão brasileiro. Mito 1: O cidadão armado provê maior segurança à sua família. Na prática, ter armas em casa, significa aumento no risco

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de suicídio, acidente e homicídio entre familiares. Mito 2: A regulação mais restritiva de acesso às armas de fogo não é importante, uma vez que as armas dos bandidos entram ilegalmente pelas fronteiras. De acordo com dados disponibilizados pelas polícias do RJ e SP, também ONGs como Instituto Sou da Paz, aproximadamente, 75% das armas utilizadas em crimes foram produzidas no Brasil e 38% das armas utilizadas em crimes fatais eram armas nacionais, compradas por brasileiros e desviadas e entrando na ilegalidade. Mito 3: O cidadão de bem armado irá dissuadir o criminoso, fazendo com que o número de crimes e de homicídios diminua. Na verdade, a flexibilização do porte de armas de fogo aumentam os números de roubos e invasões a residências. Mito 4: O ED não evitou o crescimento da violência armada no Brasil. Segundo estudos de pesquisadores do IESP/UERJ e do Ipea, o Estatuto do Desarmamento evitou, aproximadamente, 121 homicídios entre 2004 e 2014. (MUGGAH & CERQUEIRA, 2016) A tese do armamento da população extrapola os argumentos sobre a necessidade de autoproteção pelo cidadão de bem e assume interesses corporativos, ou seja, os da indústria armamentista, tal como ocorre nos Estados Unidos onde existe um lobby muito forte das empresas armamentistas sobre os congressistas. Os deputados e senadores financiados por esta poderosa indústria defendem os seus interesses, ou seja, visam alterar a legislação que restringe a ampliação do mercado de armamentos, sobretudo de vendas de armas leves que podem ser adquiridas por civis. Os dados demonstram que a tese da proteção através do porte de armas é falsa e ao contrário, na prática, amplia os riscos de morte por acidentes ou motivos passionais e existem dúvidas sobre a eficácia de reação a um assalto, pois os cidadãos não possuem treinamento e preparo suficientes.

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Quem

são eles?

Surge um novo tipo social, muito embora já esteja presente na raiz histórica do Brasil. O cidadão de bem é o herdeiro da casa grande e seus capitães do mato, a elite escravocrata e os comensais que se alimentavam de suas sobras como parasitas. São aqueles que fizeram pelo trabalho dos outros, da mulher e do homem D’África, do indígena. Os que compareciam às cerimonias do beija-mão de Dom João VI, ato público onde o monarca se colocava em posição de superioridade ante ao vassalo. Posteriormente aquele que mostrava submissão poderia solicitar alguma benesse. O homem bom ou os homens bons. Esta designação recebiam somente os proprietários, homens brancos que não possuíam “impureza” racial, católicos e que tivessem acima de 25 anos. Estas raízes históricas profundas fazem com que as árvores do pensamento racial brasileiro continuem resistentes contra qualquer vento de mudança. A reafirmação da elite branca, um modo de ser, sentir e pensar de uma expressiva parcela da população brasileira. O verniz da elite branca com a qual pinta uma sociedade pluriétnica. Difunde seus signos racistas através de livros infantis como os de Monteiro Lobato, por exemplo, Tia Nastácia teve como castigo ser negra, mas um dia tornará à branquidão ou o extenso estudo de Joel Zito de Araújo sobre o negro na telenovela brasileira, sempre ocupando o papel do empregado, chofer, jardineiro, cozinheiro, aquele sabedor de seu lugar e que nunca estaria no primeiro plano, mas depois de 60 anos de televisão no Brasil, Lázaro Ramos o protagonismo novelesco, mas quantos outros mais ocuparão esta ribalta? Estes arquétipos foram difundidos em massa pela televisão, muito embora a Constituição Cidadã de 1988 tenha determinado que racismo como

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um crime inafiançável, mas, assim como afirmou Lilia Moritz Schwarcz, o racismo não ocorre no aspecto formal, mas na intimidade em áreas não atingidas pela formalidade, no secreto, na vaga resposta da entrevista de empregos: “não obedece ao perfil da empresa”. O cidadão de bem é branco, heterossexual, de estrato alto ou mediano da sociedade, ocupa os melhores lugares da cidade, com acesso a transportes, comércio e serviços, locais com segurança pública e privada, próximos a hospitais, shoppings, restaurantes, cinemas, teatros, entre muitos outros. Na invisibilidade estão os “não cidadãos”. Estes ocupam os bairros mais distantes, longe do acesso à saúde, compras e lazer, o transporte público é precário, não existe segurança, a violência graça. O músico Humberto Gessinger fez a pergunta, em sua canção; Quem são eles? Em resposta: eles são os donos dos bancos, a classe política, os militares, os juízes, os líderes religiosos, os donos dos meios de comunicação, empresários da indústria e do agronegócio, sobretudo agentes do mercado financeiro e de interesses estrangeiros de corporações. Estes atores políticos fomentam este sistema racial, econômico e socialmente excludente. Estes conferem apenas a alguns a cidadania plena. Podemos detectar outros diferentes tipos de “cidadãos de bem”. Diante de uma revista policial qualquer pessoa afirma que é trabalhador. Muitos policiais pedem a carteira de trabalho ou algo que o identifique como ocupado. Os trabalhadores se contrapõem aos vagabundos. Este último não é bem visto na sociedade e todos dizem para estes arrumarem um trabalho. O trabalhador, embora ocupe um estrato social baixo, é considerado um “cidadão de bem”. Os jovens estudantes ou aprendizes profissionais contrapõem-se aos que praticam pequenos delitos, são usuários de drogas ou envolvidos no tráfico, mortos, em muitos casos, por esquadrões da morte, pois são considerados degenerados, incorrigíveis e sendo assim recebem a pena capital. Sua morte é considerada como um tipo de “limpeza”. O aumento de jovens, principalmente da periferia, todos sabemos que sempre possui números expressivos e isto já vem de muitas décadas atrás. Os jovens estudantes que “querem aula” contrapõem-se aos estudantes que protestam. Estes últimos recebem spray de pimenta, bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, Jatos de água, prisões ilegais ou a perseguição no espaço universitário, sobretudo do corpo administrativo. Ideologia do “cidadão de bem” •••

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Em relação os que protestam há uma distinção. Aqueles que se concentram na frente da FIESP, usam a camisa da seleção brasileira de futebol empunhando um pato amarelo e pedindo intervenção militar contrapõem-se aqueles de vermelho que empunham bandeiras de sindicatos, movimentos e partidos de esquerda. Para a mídia é o “pacato cidadão”, trabalhador que chega no horário, estuda, alcança a prosperidade, o achador de uma maleta gorda com milhares e que devolve sem pensar duas vezes, é o povo que somente sofre, lamenta e retoma tudo no dia seguinte, pois sua indignação cabe em uma caixinha ressonância, reproduzindo as verdades da televisão, torce pelo seu time, sofre, chora, toma uma cervejinha no bar, desfila na escola de samba, vai ao zoológico ou a praia com a família, financia um carro popular e, é vítima de balas perdidas. A definição sobre o “homem de bem” é heterogênea. Vários grupos reivindicam para si este termo, desde o conservador com armas na mão, passando pelos militares, mídia, classe política e os grupos econômicos. Observamos aqui, pelo menos em parte, como isto ocorre no âmbito ideológico.

O Antipetismo

O cidadão de bem é, sobretudo, um antipetista. A ascensão do antipetismo é uma verdade artificial construída pelos setores midiáticos sob a tese de que o PT é o maior e talvez o único responsável pela corrupção e pela crise econômica do Brasil na atualidade. Assemelha-se muito ao que ocorreu aos Judeus no período anterior à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ou seja, eles foram considerados responsáveis pela crise alemã. Os paralelos possíveis: Hannah Arendt em “As Origens do Totalitarismo”, no capítulo 2: “Os Judeus, o Estado-Nação e o nascimento do Antissemitis-

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mo”. Pelo fato dos Judeus constituírem um Estado dentro do Estado-Nação da Alemanha, ou sua não incorporação ao Estado Alemão, fez com que fossem considerados párias da sociedade alemã, expatriados que formavam uma unidade cultural, não reconhecedora do nacionalismo alemão. (ARENDT, 1989, p. 31) Buscando semelhanças históricas possíveis, quando a extrema-direita brasileira chama os petistas de comunistas, difundem a ideia de que o PT é uma pária da “boa” sociedade brasileira, pois não amam o país, mas suas ideologias que são estranhas ao nacionalismo brasileiro, são sanguessugas, elementos estranhos que destruíram o país. O nacionalismo brasileiro opera sobre uma ordem social, ou seja, uma hierarquia que reserva lugares distintos e fronteiras bem delimitadas entre os diversos grupos sociais. A distinção entre pobres e ricos, estes últimos consideram que possuem uma importância no sistema social brasileiro, ou seja, os ricos dependem deles, pois fazem o que os ricos não sabem ou não se propõem a fazer. Esta mentalidade indica uma codependencia intraclasses, a subalternidade como algo naturalizado. Ao promover, através de suas políticas, uma autonomização do indivíduo, o PT rompeu com esta hierarquia social que foi naturalizada por séculos no Brasil. Por exemplo: o acesso à universidade, tanto pública, quanto privada, espaço, até então, reservado às camadas dominantes da sociedade brasileira. Este fato representou uma inversão da ordem, uma insubordinação pelo fato de integrarem os pobres ao locus privilegiado da sociedade brasileira. Isto é observado nas falas das camadas médias, tal como: “...agora, qualquer um pode entrar na universidade”, ou seja, espaços acadêmicos eram espaços de privilegiados, neste sentido a democratização do acesso à universidade pública é observada de forma negativa. Outro espaço até então demarcado e exclusivo das elites são os aeroportos brasileiros. As elites se sentiram invadidas pelos membros da chamada nova classe C. Ou seja, pessoas que a partir do incremento e democratização do consumo gerada, por exemplo, pela valorização do salário mínimo, andaram de avião pela primeira vez. Antes, as camadas marginalizadas da sociedade estavam restritas às rodoviárias, indo para destinos mais longínquos do país. Este assunto requer uma pesquisa mais aprofundada, mas registramos aqui uma sugestão de pesquisa que poderá ser alargada com estudos posteriores. Ideologia do “cidadão de bem” •••

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34 ••• Ideologia do “cidadão de bem”


A DITADURA REVISITADA



As

condicionantes para o surgimento dos Estados Militares na América Latina

Segundo Rouquié (1984) podemos observar na História do Brasil Republicano a presença de um Poder Militar Moderador, ou seja, um poder que segundo os militares brasileiros conservaria a “ordem” e garantiria o “progresso”. Esse Poder Moderador Militar pode ser constatado nas seis intervenções militares que corresponde aos anos de 1937, 1945, 1954, 1955, 1961 e 1964. Dessas, três resultaram em tomada do poder (1937, 1945 e 1964), outras três em intervenção sem tomada do poder (1954, 1955, 1961). Este fato indica um sistema civil com fortes componentes marciais, possibilitada pela atitude de partidos e forças políticas civis que prolongam suas ações junto aos exércitos, quase de forma institucionalizada, ou seja, recorrem às forças armadas para a manutenção de seu Status Quo. Foi o caso da UDN, que era chamada frequentemente de UDN militar e que teve um papel decisivo na pressão política que levou ao suicídio de Vargas e, sobretudo no Golpe Civil e Militar de 1964. A essa lógica Rouquié (1984) denominou lógica pretoriana que é a obtenção de apoio militar por partidos e grupos políticos cujo objetivo é o de amplificar seu poder. No caso do Brasil existe uma relação muito importante entre o Estado e as Forças Armadas Brasileiras. A burocracia estatal militar sempre teve no Brasil um alto nível de autonomia. A continuidade política sempre ocorreu através de intervenções militares periódicas. Dessa forma, as oposições cultivam hoje, como ontem, dependências militares, tanto para aumentar seu poder, como para afastar as autoridades do momento, e os sucessivos governos procuram obter uma legitimidade que parece ser decisiva. Os militares por seu lado selam alianças com os partidos (ou com os sindicatos), às vezes simplesmente para sa-

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tisfazer ambições pessoais, mas na maioria das vezes para reforçar uma tendência ou clã contra seus adversários institucionais. (ROUQUIÉ, 1984, p. 325).

As ambições pessoais de um Pinochet no Chile, Stroessner no Paraguai, Castelo Branco, no Brasil e Jorge Videla, na Argentina, foram, sem dúvida, uma motivação para a manutenção do seu grupo de sustentação no poder. No caso do contexto chileno dos anos 70, Allende é um símbolo de socialismo pela via institucional. O Chile já tinha experimentado um governo progressista liberal e tudo indicava que Allende representaria um desenvolvimento desta opção Chilena. Certamente o governo Allende representou a ruptura de um consenso que levou a perda do controle político pela elite chilena que recorreu à caserna para o restabelecimento do Status Quo. O Caso Allende no Chile em 1973 é um grande exemplo de um governo que caiu por não ter um leque de alianças e por estar isolado. A Unidade Popular, que detém o governo, mas não o poder, visto que a Câmara, o aparato judiciário e uma boa parte da administração lhes são hostis, saberá pagar o preço das boas relações com os militares. (ROUQUIÉ, 1984, p. 288).

Sobre o fato do isolamento do governo socialista de Allende não deve ficar somente na conta da burguesia, sobretudo foi a divisão interna dos socialistas e sua rejeição em buscar alianças como, por exemplo, com a Democracia Cristã que os levaram a um impasse institucional. O Partido Socialista, partido do presidente, assim como o MIR não queriam a preço nenhuma uma aliança com a burguesia nacional através da democracia cristã. (ROUQUIÉ, 1984, p. 289-290).

A posição “puritana” do Partido Socialista Chileno e a adoção da ideia de formação de uma “Ditadura Popular”, assim como a destruição do “Estado Burguês” (o que seria conseguida por meio de uma guerra civil), arregimentou uma aliança entre as classes médias e a burguesia para repelir

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a “ameaça” socialista. O Governo Allende sofreu um golpe brutal e mergulhou o Chile em uma longa e sangrenta ditadura. Os partidários de uma “Ditadura Popular” que pediam a destruição de um Estado Burguês, e, dessa forma, minavam os fundamentos do governo socialista, teve um peso muito grande em toda essa história. Aqueles que no próprio seio da coalização governamental, anunciavam como inevitável uma confrontação e clamavam por uma guerra civil, criando irrisóriamente cordões de autodefesa industrial (as cordones) que desmoronarão sem combate a 11 de setembro, sem dúvida contribuíram para as atemorizadas classes médias fossem oferecidas pela direita em uma bandeja. (ROUQUIÉ, 1984, p. 290, 291).

No caso da mídia chilena de 1973 lembrou muito a campanha de setores hegemônicos da mídia brasileira contra o governo Dilma. Afirma que a hábil propaganda da imprensa “burguesa” cobria suas primeiras páginas com os excessos cometidos pelo MIR e que eram relacionados ao governo, assim a mídia esforçava-se para criar a imagem da desordem econômica e social. (ROUQUIÉ, 1984, p. 290, 291). As ditaduras militares representam um triste capítulo da história latino-americana, afinal representou um retrocesso democrático. No Brasil mesmo após 50 anos ainda estamos querendo respostas. A Comissão Nacional da Verdade já elucidou alguns casos ao reunir documentação mantida em sigilo pelos militares, assim como na Argentina onde o processo está mais avançado que no Brasil, o que comprova isso são condenações e prisões como a do ex-presidente da Argentina, General Videla, assim como muitos responsáveis pelos mortos e desaparecidos durante a ditadura Argentina. Ao entendermos quais as condicionantes históricas que permitiram o surgimento das ditaduras militares, percebemos que é válido questionar se a mesma conjuntura histórica não está se reconfigurando ao ponto de permitir atualmente incursões militares sobre a democracia? O jogo dos partidos de oposição, setores radicais pedindo intervenção militar e a oposição da mídia que tenta criar a imagem da desordem econômica. Esse é o objetivo deste presente texto, ou seja, refletir por meio da leitura do clássico O Estado Militar na América Latina. A Ditadura Revisada •••

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Os

militares de esquerda contra a ditadura

Em 2013, a Comissão Nacional da Verdade de São Paulo produziu documentos muito importantes sobre a perseguição tortura e morte de companheiros de fardas. Destaca-se o valoroso trabalho do deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP). Quando falamos sobre a Ditadura Civil-Militar quase não mencionamos o grupo de opositores militares ao regime que foram aniquilados de forma implacável pelo regime. O Movimento dos Sargentos, ocorrido nos quartéis no final da década de 1950 e início de 1960, teve o objetivo de modificar os estatutos militares, pretendiam politizar os militares, cunharam o termo; sargento também é povo fardado. Os estatutos militares faziam restrições aos graduados (subtenentes e sargentos), por exemplo, não podiam se casar antes de completar cinco anos de serviço, nem andar em trajes civis, e só podiam se profissionalizar depois de cinco anos. Os que já eram profissionais, muitos próximos dos 40 anos, não tinham os mesmos direitos que os jovens recém-saídos da Academia Militar. Em 1961 se engajaram na luta para garantir a posse do vice-presidente João Goulart. Os sargentos uniram-se aos soldados e cabos em uma perspectiva legalista, ou seja, a defesa da Constituição. (MACIEL , 2013). Procuramos adicionar à historiografia sobre o Regime Militar (1964 1985) documentos resgatados pela Comissão Nacional da Verdade e divulgados ao grande público. Relatam as perseguições, prisões e torturas cometidas por policiais contra policiais, sobretudo aqueles considerados comunistas ou realmente filiados ao PCB. Os presentes relatos reforçam e ampliam o conhecimento sobre as arbitrariedades cometidas não mais

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contra militantes dos grupos civis armados, os guerrilheiros, mas contra seus companheiros de ofício. Arbitrariedades reveladas pela historiografia e que, agora adquirem ainda mais informações com os materiais divulgados pela Comissão da Verdade. O senso comum difunde a ideia de que “todos” os militares juntamente com os civis desfecharam o golpe contra a democracia em 01 de abril de 1964, porém a História dos Sargentos desmente esta afirmação. Dividimos a analise dos relatos em três tópicos de interesse. O primeiro é sobre a origem dos sargentos. Estas informações são importantes para entender como se inicia a consciência política e engajamento político de alguns sargentos e posteriormente sua inserção nos círculos castrenses. Em segundo é o relato da atuação que o levou à prisão. Este fato revela os métodos utilizados pela repressão em relação aos seus companheiros considerados subversivos e terceiro o relato de perseguições, torturas e assassinatos cometidos nos porões da Ditadura que recebiam tanto civis quanto muitos militares de esquerda. Origens Começamos pelo relato de Vicente Sylvestre, ex-sargento da Guarda Civil de São Paulo. Cresceu em um bairro operário, o seu pai era operário ligado ao Partido Comunista. Conta que após a Segunda Guerra Mundial, tinha 15 ou 16 anos e no momento da legalização do Partido Comunista do Brasil – PCB – foi uma festa muito grande no bairro porque trabalhadores, operários que a gente conhecia, chefes de família, homens exemplares e se revelam, então, integrantes do Partido. Tinha um entusiasmo juvenil pelo PCB, revela: Aquilo foi um entusiasmo muito grande, a gente vinha falar queria saber tudo sobre o partido. Então, eu me entusiasmo e... muito embora negue envolvimento com o partido, segue: Mas não me envolvo com nenhuma organização, fiquei só na... Recebendo notícias, tal, mas sem participação na vida do Partido. (SYLVESTRE, 2013). O sargento José de Menezes Cabral conta sua origem humilde no distrito de Ibaretama, município de Quixadá, estado do Ceará, hoje é município Ibaretama, trabalhou até dezessete anos no meio rural, depois serviu o Tiro de Guerra. Na sequência foi trabalhar de balconista na construção do A Ditadura Revisada •••

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Açude Rosado Lisboa, o Banabuiú. Veio para São Paulo a partir de uma promessa de emprego na Fundação Ford, proposta que nunca se concretizou. (CABRAL , 2013) ...fui indicado pelo filho do Prefeito para trabalhar na Fundação Ford em São Paulo, eles foram colegas, esse rapaz se chama Josafá, eles foram colegas na Alemanha, estudaram na Alemanha e me indicou para trabalho na Fundação Ford. E esse rapaz se chamava Norberto de Souza Norberg e ele me garantiu que arranjava uma vaga na Fundação Ford no Ipiranga. Eu vim, mas só que ele estava viajando e eu passei três meses e não encontrei o cidadão, e fiquei desempregado e sem dinheiro. Mas de qualquer maneira trabalhei como Balconista, trabalhei na Goodyear como Auxiliar de Tecelão, trabalhei na Rhodia como... Na fábrica de encerados. (CABRAL , 2013)

Engajamentos O ex - sargento Sylvestre revela que seu engajamento político ocorreu na Campanha do Petróleo, diz: Aí vem a luta pelo petróleo, que entusiasmou muito mais, então essa luta, a gente procurou se engajar da melhor forma possível. Com 18 anos ingressou na Guarda Civil de São Paulo e afirma que se integrou a organização do PCB dentro da corporação da Guarda Civil de São Paulo. Afirma: Mas o Partido acaba se organizando dentro da corporação e como... Uma única tarefa, a principal tarefa era liderar os membros da Corporação sem se falar ostensivamente em Partido, não é? O sargento Sylvestre constata: Então eu passo a ser um elemento pertencente à célula do Partido Comunista que existia dentro da Guarda Civil. Revela que se tornou um líder na corporação... nós então vamos ganhando muita liderança, inclusive criamos até uma entidade de caráter nacional que se chamava Conselho Nacional das Forças Civis do Brasil e eu fui o presidente, nessa altura eu já 52 fui eleito presidente. (SYLVESTRE, 2013) O envolvimento do ex - sargento Francisco José da Paz com grupos de resistência à Ditadura começou quando ingressou no curso de Ciências Econômicas e não demorou muito para começar sua atuação na UNE, inicialmente como colaborador. Comenta: participei da coligação do congresso da

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UNE que houve no campo da USP depois da queda de Ibiúna, na época eu era segundo Sargento. Em seguida admite que desde os anos de 62 e 63 participava ati-

vamente do movimento dos praças... por direitos civis, direitos políticos, direitos sociais, como voto pra praças, voto para soldado, voto, direito de voto para Sargentos e a democratização da carreira na corporação, a desmilitarização, a questão de direitos humanos. Francisco da Paz comentou que ingressou na Força Pública em 06 de agosto de 1962 . A patente de sargento foi conseguida na de soldado no regimento cavalaria. Trabalhou no choque, na ROTA foram cinco anos. (PAZ, 2013) O ex - sargento José de Menezes Cabral afirma que até mesmo antes do golpe participava dos movimentos, lutas e ideias do Governo Goulart como, por exemplo; a reforma do ensino, reforma agrária, inclusive tinha muitos contatos com as ligas camponesas. No Centro Social dos Sargentos tinha inclusive palestras com pessoas de esquerda falando sobre vários temas como reforma agrária. Em seguida descreve suas relações com o Partido Comunista do Brasil, segue: Eu gostaria de dizer que seria membro estruturado do Partidão, do Partido Comunista, mas nós tivemos algumas coisas meio estranhas, que a 138 gente não entendia bem. O pessoal às vezes não confiava muito na gente, porque nós éramos pouco liberais, eles queriam... Nós éramos meio livres na coisa. Então esta razão foi que nos dificultou ter acesso à cúpula do Partidão, mas sempre ligados com os 141 companheiros. Por exemplo: a minha mulher tinha parente que era ligado ao Prestes, na minha casa eu dei refúgio a uns três parentes dela, que foram capturados junto com o Gregório Bezerra. (CABRAL , 2013)

Lembra que em 1964 estava no Estado Maior da PM, trabalhava na 1º 174 Seção do Estado Maior, segue: Naquela época eu era... Aliás, no dia do golpe eu estava ouvindo pessoas 178 que se envolveram em compra de diplomas para a Escola de Oficiais, para a Escola de Sargentos, concurso para Sargentos. Eu era escrivão de um IPM , onde uma corrupção violenta aconteceu na venda de gabaritos, para o próprio conA Ditadura Revisada •••

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curso para Oficiais, para Sargento, e na época para Sargento era feito o curso e outros eram concursados. E naquela... Uma certa noite lá, eu não me recordo, acho que foi no dia... Há uns três dias 183 que precedeu o golpe, eu estava com o Major Hélio, que é o Chefe do IPM , ouvindo 184 uma das pessoas que comprou a prova. Quando chegou o General Franco Bosco, 185 Comandante da Força Pública, o General Amaury Kruel, o Governador Ademar de Barros, o Coronel Delfim Cerqueira Neves, Chefe da Casa Militar, e entraram para uma 187 sessão no fundo da 3 ª Seção do Estado Maior. E passaram... Chegaram mais ou menos 188 1h da madrugada e ficaram até 5h da manhã, discutiram fortemente onde Ademar de Barros falou vários palavrões para o General Kruel, e infelizmente nós não gravamos. E depois o Ademar de Barros saiu daquele momento, daquela sala, e foi direto para 191 Cochabamba na Bolívia. (CABRAL , 2013)

Francisco Jesus da Paz conta sobre o seu engajamento político em 1965 nos movimentos políticos dos sargentos que reuniam lideranças sindicais, movimentos populares favoráveis às reformas de base do presidente João Goulart. Em 36 outubro de 65 (...) já comecei a fazer, a participar do movimento de Sargento e havia um movimento nacional e as funções social dos Sargentos na verdade elas reuniam as lideranças sindicais, movimentos populares que lutaram pela reforma de base do governo João Goulart e aquilo eu já participava intensivamente, quando ingressei na universidade isso melhorou muito porque eu passei a ter agora um conteúdo político, contato com os movimentos e isso fez com que eu me dedicasse intensivamente a resistência democrática. Em 68 já parti do congresso da UNE eu já defendia que o movimento deveria, passar pra clandestinidade, eu já tinha, as poucas informações que tinha, mas indicavam que o regime militar ele ia endurecer, ele ia pra uma repressão muito forte e havia necessidade do movimento, até por uma questão de segurança, como eu era Sargento e na época inclusive, trabalhava na Rotam então eu tinha uma posição assim um tanto quanto privilegiada, porque de um lado tinha o movimento estudantil, tinha o movimento de resistência que eu participava e do outro lado eu também via a repressão, quer dizer, eu tava numa situação e, muito

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delicada, muito perigosa, então na verdade eu brincava com o perigo, né? Quando foi em 64, com o golpe militar, a diretoria do Sindisocial dos sargentos foi presa, foi afastada, foi presa no navio Raul Soares e ficava em Santos, colado em Santos e também uma parte da diretoria dos cabos e soldados também foi destruída, foi presa, então e quando foi, a direita assumiu a direção das duas entidades em 68, em 68 eu organizei uma chapa para disputar as eleições do Sindisocial dos sargentos e não conseguimos e em janeiro, fevereiro de 1970 em uma assembleia geral, nós derrubamos a diretoria dos sargentos e assumi a presidência, né? Quando eu assumi a presidência aí fortaleceu mais a nossa luta e mas por outro lado eu fiquei extremamente visado, né? Aí, já em 68 nós tivemos novamente um grupo de prisões de sargentos, de praças, o pessoal ligado a direita, ao (ininteligível 00:08:30), que é vinculado a casa militar do governo Costa e Silva, que jogavam bombas, jogaram bombas no quartel general, no alistamento, no bombeiro e atribuiu isso ai a esquerda que na verdade já era um trabalho que era feito pela inteligência da ditadura preparando a opinião pública pro AI-5, né? ( PAZ, 2013)

Tortura Neste momento, Vicente Silvestre faz o relato dos meses de torturas pelas quais passou. O objetivo de obter informação sobre outros militares que estivessem envolvidos. No caso dos militares a expulsão era uma forma de punição exemplar. Relata também a morte de um companheiro, o tenente José Pereira de Almeida: Então três meses de torturas, as mais absurdas do mundo. Como é que um ser humano pode fazer isso com uma pessoa indefesa? Não é? Mas não tinha apelação, era.... E o que eles queriam de mim? Como eu era um tenente- coronel da ativa e que estava fazendo o Curso Superior de Polícia e que eles tiveram acesso ao material que a gente produziu durante o curso, então eles mostraram que eu tinha um outro nível para estar só naquela coisa, achavam que eu tinha ligações exteriores e tal, aí pancadaria até sair... E aí acharam que tinha um general ligado comigo e eu falei: “eu não conheço nenhum general, não tenho nenhuma ligação com ninguém do Exército, das Forças Armadas, não conheço ninguém”. Aí fui até setembro. Encontrei... Poucas vezes encontrava, me enA Ditadura Revisada •••

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contrava com os companheiros presos. Havia uma preocupação de me manterem sempre isolado, sempre eu estava isolado, porque eles achavam que eu tinha mais informação que os outros. Aí eu volto, em setembro eu volto para o Quartel General da Polícia Militar por responde a uma chamado Proce... A um processo que chama “Conselho de Justificação”. O Conselho de Justificação tem esse nome no meio militar, mas no meio jurídico ele não passa... Não vai além de um Processo Administrativo, não é? Então nesse processo, que durou desse primeiro dia que me ouviram até o final, durou 48 horas. Em 48 horas, eles concluíram o processo, não deixaram o advogado entrar, foi proibida a entrada do advogado, o advogado foi denunciar lá na Justiça Militar, mas isso fazia parte dos, do sistema, né? Então, no dia 2 de outubro publica a minha expulsão da Polícia Militar. Aí continuo preso, mas já não mais na condição de tenente coronel. Aí, graças à intervenção de Dom Paulo Evaristo Arns, o governador Paulo Egídio Martins, atendendo ao apelo do Dom Paulo Evaristo Arns, manda para a Assembleia Legislativa um projeto de lei dando uma pensão para a minha mulher e para as demais, né? Que estavam no... Os que eram da ativa, uma pensão e eu fiquei, fiquei na condição de... Não podia exercer nenhuma atividade econômica, pública ou privada. Durante nove anos, a minha mulher figurava como... Como viúva de marido vivo e eu como morto vivo. Não podia exercer nenhuma atividade. Aí entra... Nessa altura já entra um novo (ininteligível) porque o meu primeiro advogado foi o Professor... Foi o Sobral Pinto. Depois o Sobral Pinto deixa, ele estava no Rio, ficava muito difícil para ele vir em todas as audiências em São Paulo, aí ele (ininteligível) o meu advogado passa a ser Luiz Eduardo Greenhalgh. Aí o Luiz Eduardo Greenhalgh acompanha até o desfecho final. Nesse meio de tempo, quando eu já estava na Polícia Militar de volta, chega a notícia que o tenente José Pereira de Almeida havia se suicidado dentro do DOI- CODI. Aquilo foi uma coisa, um choque tremendo porque não havia condições de alguém se suicidar dentro do DOI- CODI, era humanamente impossível, não tinha instrumento, não tinha elementos para isso. Aí deu que ele se suicidou. Mais tarde ficamos sabendo que ele foi... Ele foi vítima de torturas dentro do DOI- CODI e introduziram no ânus dele um cabo de vassoura com uma...Quebrado na ponta e perfuraram todo o intestino dele, quer dizer, ele morre sem o corpo deixar nenhum vestígio, nenhum hematoma, nada. (SYLVESTRE, 2013)

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Francisco Jesus da Paz segue o relato de torturas e assassinatos dos militares presos, menciona datas, nomes e situações: ...no dia 8 de agosto de 1975 o Tenente Almeida foi assassinado sob tortura, então ele apareceu enforcado na cela número 1 do DOI- CODI, na mesma cela em que o Herzog apareceu enforcado, né? Nas mesmas circunstancias. E no dia 18 de agosto, 10 dias depois o Coronel Maximiliano, também que estava preso lá com a gente é, foi solto, pegou um táxi pra ir pra residência que morava em Campinas e morreu dentro do táxi, um assassinato, pra nós foi um assassinato, bastante obscuro porque na época se falava muito que o preso saltou do viaduto, que se jogou debaixo do caminhão, aquela coisa toda pra justificar os assassinatos sob tortura, então nós não temos testemunha, não temos dados nenhum a respeito da morte do Coronel Maximiliano, mas pra nós ele foi torturado, foi preso, foi torturado e o estranho é isso, sair do DOI- CODI e morrer dentro do táxi, quer dizer, então. (SYLVESTRE, 2013)

Segue contando um pouco sobre a trajetória de Werneck, herdeiro de uma liderança que vinha desde os tempos do Governo Jânio Quadros, em 1961. Morto em plena anistia. No caso do Werneck é que ele era uma liderança extraordinária, primeiro foi a criação da Associação dos Soldados pelo Sabadim, é uma liderança extraordinária, criou no governo, governo Jânio Quadros, em 1955, mas a repressão era tão vigorosa que a direção era clandestina, atas, documentos, eles escondiam debaixo do colchão lá do alojamento, entende? A repressão era muito dura, muito violenta, isso já antes do golpe militar. O Sabadim faleceu e o sucessor dele foi o Werneck e o Werneck tinha uma liderança, uma coragem, uma consciência crítica muito forte, eu, a tropa acreditava nele, era um líder mesmo, então quando ele foi já em 64, logo após o golpe, ele foi afastado do cargo e também foi demitido da corporação, isso já em 64, abril de 64, e ele com a anistia do Figueiredo em 79, questão de data, eu não, é claro que ele ganhou a anistia, ele iria votar pra o associativo contra os outros, frutuoso, o Silvestre, enfim, todo pessoal e quando faltava poucos dias pra ele ser, retornar ao serviço ativo, A Ditadura Revisada •••

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faltavam poucos dias, foi quando ele foi assassinado. Perfeito? E ele foi assassinado por Coronel nosso, o Coronel e dois praças. (SYLVESTRE, 2013)

Referências DILMA: “hoje é um dia de encontro do Brasil com a sua história.” In: Portal Brasil. 14.11.2013, Disponível em: http://www.brasil.gov.br/ cidadania-e-justica/2013/11/presidenta-participou-de-cerimonia-emhomenagem-ao-ex-presidente-joao-goulart Extraído em: 01.01.2016 ÉBOLI E. Em documento, Forças Armadas admitem pela primeira vez tortura e mortes durante ditadura, Jornal O Globo, 20.09.2014. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/em-documentoforcas-armadas-admitem-pela-primeira-vez-tortura-mortes-duranteditadura-13998824 Extraído em 01.01.2016. Em memorando, diretor da CIA diz que Geisel autorizou a execução de opositores durante a ditadura. In: G1, 11.05.2018. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/em-memorando-diretor-da-ciadiz-que-geisel-autorizou-execucao-de-opositores-durante-ditadura.ghtml. Extraído em 05.06.2018. Forças Armadas resistem à Comissão da Verdade. In: O Globo, 08.03.2011. Disponível em: http://oglobo.globo.com/politica/forcas-armadas-resistemcomissao-da-verdade-2814216. Extraído em 01.01.2016 Operação Condor: novas revelações. Entrevista especial com Jair Krischke In: INSTITUTOS HUMANITAS UNISINOS, 24.03.2013. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/518667-operacao-condornovas-revelacoes-entrevista-com-jair-krischke Extraído em 01.01.2016. Integra da Palestra do General do Exército em Loja da Maçonaria. YouTube, 09.09. 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Pk8cQkunrcA. Extraído em 17.05.2018. João Goulart recebe honras de chefe de Estado nesta quinta. EBC, 14.11.2013. Disponível em: http://www.ebc.com.br/cidadania/2013/11/ joao-goulart-recebe-honras-de-chefe-de-estado-nesta-quinta. Extraído em 18.05.2018 JUCÁ & MACHADO. In: TV Folha 23.05.2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogosgravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml. Extraído em 18.05.2018 NOGUEIRA, K. Braço forte, mão amiga: adeptos da intervenção militar têm seu desejo atendido e apanham do Exército. In: DCM,

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30.05.2018. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/ braco-forte-mao-amiga-adeptos-da-intervencao-militar-tem-seu-desejoatendido-e-apanham-do-exercito-por-kiko-nogueira/. Extraído em 03.06.2018. RENAN & MACHADO. In: TV Folha 23.05.2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774719-em-conversagravada-renan-defende-mudar-lei-da-delacao-premiada.shtml. Extraído em 18.05.2018 ROSSATO, N. Comandante da Aeronáutica emite esclarecimento sobre contexto atual do País. Disponível em: http://www.fab.mil.br/ noticias/mostra/31878/INSTITUCIONAL%20-%20Comandante%20 da%20Aeron%C3%A1utica%20emite%20esclarecimento%20sobre%20 contexto%20atual%20do%20Pa%C3%ADs. Extraído em 17.05.2018 ROUQUIÉ, A. O Estado militar na América Latina. São Paulo: Alfa, 1984. SENRA, R. ‘Último prego no caixão de Geisel’, diz coordenador da Comissão da verdade sobre memorando da CIA. In: UOL Notícias, 11.05.2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ bbc/2018/05/11/ultimo-prego-no-caixao-de-geisel-diz-coordenador-dacomissao-da-verdade-sobre-memorando-da-cia.htm. Extraído em 05.06.2018. SOUZA, J. Exército espiona sem-terra desde 1998. In: Folha de S. Paulo, 15 de agosto de 2001. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ brasil/fc1508200117.htm. Extraído em 02.06.2018 SOUZA, J. Arquivo revela ação secreta do Exército. In: Folha de S. Paulo, 02 de agosto de 2001. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ brasil/fc0208200106.htm. Extraído em 02.06.2018 Veja o que o chefe do Exército falou na cara do Pedro Bial, YouTube, 20.09.2017. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=gNoqzjxmZTE Extraído em 17.05.2018. Vídeo: PM bombardeia manifestação de estudantes da UnB. In: Revista Fórum 26.04.2018. Disponível em: https://www.revistaforum.com.br/ video-pm-bombardeia-manifestacao-de-estudantes-da-unb/. Extraído em 03.06.2018 VILLAS BOAS, E. In Twitter, 03.04.2018. Disponível em: https://twitter. com/Gen_VillasBoas/status/981315180226318336?tfw_site=UOL&ref_ src=twsrc%5Etfw&ref_url=https%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpoli tica%2Feleicoes%2F2018%2Fnoticias%2F2018%2F04%2F04%2Fcelso-demello-responde-a-general-do-exercio.htm Extraído em 17.05.2018.

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Documentos Comissão Nacional da Verdade. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/ Extraído em 01.01.2016. Vicente Sylvestre Categoria do depoente: Vítima militar - Coronel Tipo de arquivo: Áudio Duração: 01:37:51 Ocasião: Testemunho colhido por integrantes da CNV Data: 18/03/2013 Local: São Paulo, SP Responsáveis pela tomada de depoimento: Maria Rosa Loula e Paulo Cunha NUP: 00092.000439/2013-83 Francisco Jesus da Paz, categoria do depoente: Vítima militar - tenente Tipo de arquivo: Áudio Duração: 01:48:17 Ocasião: Depoimento colhido por integrantes da CNV Data: 18/03/2013 Local: São Paulo, SP Responsáveis pela tomada de depoimento: Maria Rosa Loula e Paulo Cunha NUP: 00092.000438/2013-39 JOSÉ DE MENEZES CABRAL Categoria do depoente: Vítima militar Tipo de arquivo: Áudio Duração: 01:31:58 Ocasião: Depoimento colhido por integrantes da CNV Data: 10/12/2013 Local: São Paulo Responsáveis pela tomada de depoimento: Paulo Cunha NUP: 00092.000281/2014-22

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extra-oficiais entre EUA e Brasil

Relações

(1964-1980)

Neste presente capítulo, nós analisamos um período dramático da vida brasileira que vai do Golpe Militar de 1964, até o surgimento da Operação Bandeirante e a participação de agentes da OPS órgão da CIA, responsável pela repressão aos opositores do regime civil-militar brasileiro. Sobretudo analisamos a atuação surpreendente dos órgãos do governo estadunidense no esforço de manutenção da repressão, envolvimento que compreendia o treinamento, organização, até o ensino de técnicas de tortura. Este artigo contribui com a historiografia sobre o período do Regime Militar Brasileiro (1964 -1985) ao reunir analise de importantes livros que contém importantes documentos que demonstram a organização e sistematização dos atos de perseguição, tortura e morte dos insurgentes do regime. Operação Brother Sam, assim foi chamada a operação que daria suporte logístico aos militares golpistas de 01 de abril de 1964, caso ocorresse uma guerra civil entre os conspiradores e legalistas. Dois importantes livros revelam o grau de envolvimento entre o governo estadunidense e o grupo hegemônico das Forças Armadas Brasileiras, são eles; 1964: visto e comentado pela Casa Branca do jornalista Sá Corrêa e Polícia e Política de Martha Huggins. O primeiro livro apresenta documentos como os obtidos na Biblioteca Lyndon Johnson da Universidade do Texas. Esses documentos mostram a dimensão da Operação Brother Sam. O segundo livro revela o grau de envolvimento do órgão da CIA chamado de OPS no treinamento, estruturação e articulação do sistema repressivo aos opositores do Regime Militar Brasileiro. Utilizamos como fontes estes importantes livros e seus documentos que nos oferece subsídios para ampliarmos o conhecimento sobre este dramático momento da vida brasileira.

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Operação Brother Sam Thomas Skidmore (1982) afirma não existir dúvidas de que Lincoln Gordon (ex-embaixador dos EUA no Brasil em 1964) foi um entusiasta do governo ditatorial brasileiro, pois em 23 de abril de 1964 falou em Porto Alegre que a queda de Goulart simbolizou uma nova arrancada do Brasil para a realização dos ideais da Aliança para o Progresso. Em 05 de maio do mesmo ano na Escola Superior de Guerra exaltou a “Revolução” Brasileira e disse que ela poderia ser comparada como um momento decisivo da História Mundial, assim como foi o Plano Marshall (1947), o Bloqueio de Berlim (1948 -1949), a derrota do comunismo na Coréia e a resolução da Crise dos Mísseis em Cuba (1962). Em 1966, quando encerrou sua missão no Brasil, Lincoln Gordon afirmara sua crença no compromisso do governo Castelo Branco em restaurar os procedimentos “democráticos” no Brasil, compatíveis com os princípios da política Estados Unidos - América Latina. É importante afirmar que as palavras de Lincoln Gordon eram endossadas por Washington. (SKIDMORE, (1982) 2000, PP. 397). Sá Corrêa (1977) revela os canais de telex que ligavam a Casa Branca e a embaixada estadunidense no Brasil que confirmam a Operação Brother Sam, cujo objetivo era evitar o estrangulamento dos golpistas de 64, em seu ponto mais frágil que era a falta de combustível, isso considerando a hipótese de uma luta longa. O Embaixador Lincoln Gordon foi responsável por acioná-lo. (CORRÊA, 1977, pp. 97). A Operação Brother Sam não daria o apoio bélico, mas estratégico, pois o maior temor dos EUA seria a falta de combustível, assim 40 mil barris de gasolina comum, 15 mil barris de gasolina de aviação, 33 mil barris de óleo diesel e 20 mil barris de querosene estavam prontos para serem enviados ao Brasil via Montevidéu. Outro petroleiro, o Chapacket, traria 35 mil barris de querosene, 40 mil de gasolina comum e 33 mil de aviação, o terceiro barco Hampton Road preparado para o porto de pequeno calado, carregaria 150 mil barris. E o quarto Nash Bulk, 56 mil barris de gasolina comum, 39 mil de gasolina de aviação e 92 mil de querosene. (CORREA, 1977, pp. 17).

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Esse volume todo de combustível somado aos quatro petroleiros que levavam 136 mil barris, corresponderia a um dia de consumo do Brasil no ano de 1976 ou 1977. Por exemplo, o Santa Inez estava pronto para zarpar de Aruba rumo ao Brasil no dia 02 de abril e chegaria na vizinhança de Santos entre 10 e 11 de abril. No mesmo dia se encontraria por aqui o porta-aviões Forrestal cuja missão era garantir o desembarque do combustível. (SÁ CORRÊA, 1977, pp.17) O embarque de munição é apresentado, num comunicado do Estado Maior conjunto da Força Aérea como missão de apoio ao plano operacional de que a força tarefa naval fora encarregada. Destina-se à Operação Brother Sam 110 toneladas de armas e munições e há mensagem que falam em encaixotar 250 carabinas de calibre 12 . (SÁ CORRÊA, 1997, pp.17).

Está escrito em um telegrama de 04 de março de 1964 da Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, destinada ao Secretário para Assuntos Latino Americanos, que os militares brasileiros seriam um fator estabilizador e moderador na cena política brasileira e um fator essencial para conter os “excessos” da esquerda do Governo Goulart. Destaca ainda que os militares brasileiros não possuem origem aristocrática, possuem orientação nacionalista, mas não fascista e pró-constitucionalista democrática. Sobretudo possuem capacidade de suprimir as desordens internas dentro dos limites constitucionais. Salienta ainda que durante o período pós-guerra se beneficiaram da orientação pró-americana de Oficiais das Forças Armadas Brasileiras, resultando em uma aliança ativa durante a Segunda Guerra, porém estes oficiais estavam se aposentando, o que tornava necessária a aproximação com a nova oficialidade para manter relações estreitas e eficazes. (GORDON, 1964 apud SÁ CORRÊA, 1977, pp.87). A CIA-OPS e a OBAN Marta Huggins (1998) revela não só envolvimento entre a Central americana de inteligência (CIA) no treinamento da repressão brasileira (no período pós – Ato Institucional nº 5), mas a montagem de uma estrutura de A Ditadura Revisada •••

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repressão baseada no DOI- CODI1. A Casa Branca sabia e a CIA através do Office of Public Safety Brasil (OPS -Brasil), montou, operacionalizou a estrutura de repressão e treinou seus agentes. Richard Helms, diretor da CIA, afirma que pelo menos indiretamente a OPS contribuiu para uma centralização da Polícia Brasileira (HUGGINS, 1998, pp. 188). Os Comandantes Militares de cada um dos Exércitos Brasileiros, tinham responsabilidade por tudo que envolvia a segurança. Sobretudo legitimou a ideologia baseada na divisão do país em “verdadeiros cidadãos” de um lado e “subversivos” de outro, a parte “desviante”. A criação do DOI – CODI1, uma rede nacional interligada de forças de segurança da polícia e das forças armadas, todas sobre o controle militar direto. Em 1969, o primeiro desses novos órgãos foi instituído em São Paulo como a Operação Bandeirantes (OBAN), comando das operações de defesa interna em âmbito estadual. Um ano depois, esse modelo estendeu-se para todo o Brasil como DOI- CODI, sendo sua missão obter informações e neutralizar os terroristas. (HUGGINS, 1998, pp. 189)

Richard Helms entendia o DOI- CODI em comissões compostas por membros das forças armadas e da polícia. A posição mais alta na hierarquia era ocupada por cada comandante dos distritos militares. A estrutura do DOI- CODI destinava-se a ajudar as forças de segurança do Brasil a superar as disputas de jurisdição e falta de coordenação entre os inúmeros órgãos militares e civis de inteligência e segurança, como explicou o próprio Helms. (HUGGINS, 1998, pp. 189).

DOI era o Departamento de Ordem Interna, consistia em uma força de prontidão para combater diretamente as organizações “subversivas”, desmontar sua estrutura pessoal e material. Em cada uma das zonas de defesa interna (DOI-COD) possuía um CODI (Centro de Comando de Operações de defesa interna), identificava as prioridades, analisava informações obtidas pela inteligência, planeja va missões e esquadrões do DOI. (HUGGINS, 1998, pp. 190).

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A utilidade da normatização da violência estatal no Brasil obedeceu a interesses dos Estados Unidos, pois ofereceram treinamento, tecnologia, apoio moral e político à tortura no Brasil promovida pela polícia e pelo governo brasileiro. Washington sabia sobre essa prática (HUGGINS, 1998, pp. 189-190). Os DOIs dos maiores Estados eram divididos em três esquadrões: um prendia e caçava os sujeitos (“busca e captura”), outro captava informações e recolhia os prisioneiros (“informação e interrogação”) e o outro analisava as informações obtidas a partir das infiltrações obtidas a partir da infiltração em associações e interrogatórios de informantes (“informação”) (HUGGINS, 1998, pp. 191).

Os consultores de segurança (da OPS – Brasil) consideravam o seu trabalho como uma espécie de “missão religiosa”, consideravam seu método legitimo para acabar com a desordem brasileira, pois seu principal objetivo era proporcionar segurança aos Estados Unidos e garantir as “liberdades democráticas”. O DOPS era essencial nessa estrutura, pois os militares estavam despreparados inicialmente para coletar informações de inteligência civil, para interrogar prisioneiros para conduzir operações de segurança interna. (FON, 1986 apud HUGGINS, 1996, pp.190). Helms, diretor da CIA, utilizou o termo “guerra santa” para falar da violência do Governo Brasileiro contra os “terroristas” a firmou ainda que “a violência não era nada de novo no Brasil”. Em algumas regiões, particularmente no nordeste (do Brasil), a violência é tida como um meio tradicional - e muitas vezes bastante respeitável – de punição. Em muitas áreas rurais, os espancamentos e, em casos extremos, os tiros da polícia e até mesmo dos proprietários de terras locais constituem há muito tempo um dos métodos favoritos para manter as classes inferiores em seu lugar... em quanto esse tipo de tratamento não resulta em mortes, a população rural mantêm-se indiferente. (HELMS, 1971 apud HUGGINS, 1998, pp.204).

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Martins Filho (1998) destaca a participação da CIA na Sexta-Feira Sangrenta. Afirma: Para Huggins, contudo, o OPS operou em 1968 não apenas como observador, mas como ativo assessor, sugerindo inclusive mudanças de tática para colocar as forças repressivas à altura das passeatas-relâmpago do movimento estudantil. Uma dessas novas medidas foi a colocação de franco-atiradores no alto dos edifícios, o que talvez explique as numerosas mortes da “sexta-feira sangrenta” (MARTINS FILHO, 1998, pp. 04, 05).

A sexta-feira sangrenta se refere ao dia 21 do julho de 1968 em que ocorreu um grande protesto contra a Ditadura Militar (1964 -1985) nas ruas do Rio de Janeiro. Foram levantadas barricadas, na Avenida Rio Branco e apedrejamento do Consulado dos Estados Unidos. O grau de envolvimento da OPS no treinamento da repressão brasileira chegou a tal ponto que fora construída uma sala de simulação. Nessa sala era ensinado à polícia o “combate” aos “subversivos“; depois do AI-5, segundo Huggins, existem dados que confirmam a triplicação do número de policiais brasileiros enviados aos EUA para treinamento e também em 1969 a OPS teve participação na criação da Operação Bandeirantes - OBAN (na fase do Regime Militar chamada de policialização do Regime Militar brasileiro). Finalmente, a autora mostra com abundância de evidências que a tortura serviu não apenas ao regime brasileiro, mas aos objetivos de segurança nacional dos EUA, naquela quadra da Guerra Fria. Para Huggins, também é impossível isentar os Estados Unidos da degeneração das atividades policiais nos tristemente conhecidos “esquadrões da morte” atuantes no Brasil nos anos 60 e 70. (MARTINS FILHO, 1998, pp. 04, 05).

A partir dessa informação, observamos uma colaboração secreta de agentes dos EUA na montagem de um aparato de perseguição, tortura e aniquilamento de insurgentes ao Regime Militar no Brasil (1964 -1985). Isso envolveu, inclusive, ensino e treinamento de práticas de tortura. Esse fato revela um estreito grau de cumplicidade entre a CIA e as Forças Armadas brasileiras.

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Sobre a atuação do Esquadrão da Morte paulista é preciso citar Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte do autor Hélio Pereira Bicudo, na época Procurador de Justiça do Estado de São Paulo e responsável por investigar a atuação do Esquadrão da Morte Paulista no ano de 1970. Essa importante obra relata as ações do Esquadrão da Morte em São Paulo, Bicudo afirma: Um livro sobre o “Esquadrão da Morte” e sua atuação em São Paulo, muito embora os fatos já se tenham afastado no tempo, é de conteúdo, sem dúvida, polêmico. Vai daí que após muito meditar, resolvi transmitir a minha experiência na luta contra os policias que, num dado instante se arvoraram em árbitros da justiça, e praticaram toda uma gama de delitos e se envolveram em todas as formas de corrupção. E foi justamente por este último motivo que a luta travada contra o “Esquadrão da Morte” foi bastante árdua e permite uma conclusão pessimista quanto aos resultados. É que em São Paulo, os principais implicados na execução dos crimes do “Esquadrão” passaram a atuar no campo da polícia política, integrando o sistema de segurança, ao qual transmitiram suas técnicas de ação. Inversamente, os que se dispuseram a apontar os crimes por eles cometidos, inspirados inicialmente e depois acalentados por um governador e por um secretário de Estado, inebriados pelo poder, passaram a ser classificados como inimigos do regime e como tal tratados. ( BICUDO, 1977, pp.21).

Apesar de vocês! O historiador estadunidense James Green publicou um livro chamado Apesar de Vocês: oposição à Ditadura nos Estados Unidos (1964 -1985). Nesse livro descreve questionamentos, no final dos anos 60, sobre o apoio dos Estados Unidos à Ditadura Militar Brasileira. Foram os exilados brasileiros que começaram a angariar apoio dentro dos Estados Unidos contra a ditadura. Um dos fatos mais importantes foi a prisão e deportação do grupo teatral Leaving Theater em Ouro Preto no ano de 1979. Esse incidente teve grande repercussão nos Estados Unidos e chamou a atenção da opinião pública norte-americana para o regime ditatorial brasileiro. A Ditadura Revisada •••

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Também a expulsão do Brasil do pastor Brady Tyson sob a acusação de ter promovido uma greve em Osasco/SP em 1966. Nos anos 70, Tyson convidou Marcio Moreira Alves, Deputado Federal cassado pelo Ato Institucional n°05, a percorrer os Estados Unidos denunciando o regime autoritário vivido no Brasil. Moreira Alves tentou convencer os membros do Partido Democrata a não seguirem a política de apoio a o governo militar brasileiro. A estilista Zuzu Angel também denunciou, nos Estados Unidos, as violações dos Direitos Humanos no Brasil. Seu filho, Stewart Angel, foi perseguido, torturado e morto por órgãos do governo militar. Esses fatos foram marcantes para despertar a consciência de setores liberais estadunidenses de que o apoio do governo dos Estados Unidos ao Regime Militar Brasileiro não podia continuar. Em 1969 houve uma mudança no Congresso desse país com relação ao apoio de seu governo à Ditadura Brasileira. Os congressistas passaram a exigir a garantia dos Direitos Humanos no Brasil. (GREEN, 2009). Dois congressistas foram importantes para essa tomada de posição. Edward Kennedy que fez um discurso em 1970 denunciando a postura do governo ditatorial brasileiro e criticando a política pró-ditadura dos EUA. O segundo foi Frank Church, influente senador que investigou as atividades ilegais da CIA e do FBI. A política do Governo Carter de Direitos Humanos nasceu por causa do Brasil, sobretudo resultado dessa pressão promovida por setores progressistas estadunidenses. (GREEN, 2009) Na campanha presidencial norte-americana de 1976, o candidato democrata, Carter, acusou o Partido Republicano de apoiar as ditaduras vigentes no Brasil e no Chile. Sua campanha apoiava o fim da ditadura e o restabelecimento da democracia, sobretudo o respeito aos direitos humanos. Em visita ao Brasil em 1978, o presidente Carter discursou: Hoje estamos todos nos unindo num esforço global em prol da causa da liberdade humana e do Estado de Direito. Esta é uma luta que só será vitoriosa quando estivermos dispostos a reconhecer as nossas próprias limitações e a falarmos uns com os outros com franqueza e compreensão. (Folha de S. Paulo, 30 - 03 -1978).

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A defesa dos Direitos Humanos frente à Ditadura Militar Brasileira teve impacto nos rumos do governo militar. Essa mudança da Política Externa Estadunidense foi um dos fatores que contribuíram para a queda do Regime Militar, mas não deixa de representar uma influência da Política Externa Estadunidense sobre os rumos da Política Interna Brasileira mesmo sob o argumento da defesa dos Direitos Humanos. O presidente norte-americano Jimmy Carter fez uma visita de três dias ao Brasil. Nessa visita, ouviu relatos de violações dos direitos humanos no país. O Comitê Brasileiro pela Anistia criticou o apoio público que Carter terminou dando ao regime militar e entregou durante o encontro realizado em Brasília um dossiê com o histórico dos últimos 14 anos de ditadura, em que denunciava a existência de 10 mil brasileiros no exílio. Deste total, 122 haviam sido banidos por leis de exceção. (Universidade de Passo fundo, 2010). O documento citava também os relatórios da Anistia Internacional em que constam os nomes de milhares de brasileiros torturados pelos órgãos policiais, dos quais centenas foram mortos e de 600 pessoas que tiveram seus direitos políticos cassados. Já os jornais norte-americanos Washington Post e The New York Times destacaram a forma fria com que Geisel recebeu Carter, devido às divergências entre ambos a questão direitos humanos e a oposição norte-americana à proliferação nuclear. (Universidade de Passo fundo, 2010). A relação entre os dois países ficou tensa quando, um ano antes dessa visita, a Primeira Dama estadunidense Rosalyn Carter contou ao presidente Geisel que esteve em Recife e ouviu de dois missionários, saídos da prisão, que haviam sido torturados. Geisel reagiu negativamente às palavras da Primeira–Dama estadunidense. Após esse incidente, cinco acordos militares entre os dois países foram cancelados. Principalmente após o Departamento de Estado norte-americano ter levado ao Congresso, um relatório sobre as torturas a presos políticos no Brasil. (Universidade de Passo fundo, 2011). Geisel, em carta a Carter datada de 1974, mostra toda a sua divergência com Carter em relação à questão dos Direitos Humanos e deixa claro que o gesto do governo estadunidense é uma interferência na política interna do Brasil. A Ditadura Revisada •••

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No que concerne à questão dos Direitos Humanos, considera o Brasil que seu respeito constitui um dos principais deveres políticos e morais do Estado. Existem é claro, prioridades a serem atendidas para assegurar aos cidadãos o gozo pleno desses direitos, inclusive no que se refere a condições essenciais de desenvolvimento econômico e social do país. Não creio que sejam muito diferentes os nossos pontos de vista. O Brasil considera, porém, que a responsabilidade por determinar essas prioridades e por assegurar respeito àqueles direitos é do próprio Estado e não pode ser atribuído a outros Estados. Não faltamos com a nossa recuperação voluntária para o exame do assunto em foros internacionais, o que o Brasil recusa, e continuará acusando, é a intervenção de outros países em assuntos que considera internos, pois temos o dever para com o nosso povo de não lhes criar novas formas de dependência. (GEISEL , 1974)

Considerações Finais O apoio dos Estados Unidos à Ditadura Militar Brasileira foi amplo, envolvendo, como já foi visto, o ensino de técnicas de tortura à Polícia Civil de São Paulo e participando também da criação do Esquadrão da Morte através de seus órgãos de Estado como a OPS- CIA. Uma contradição com os ideias de liberdade, sobretudo à democracia da qual se consideram paladinos, Direitos Fundamentais expressos na Declaração dos Direitos Humanos da ONU. Por outro lado é preciso reconhecer a posição do povo dos Estados Unidos contra o Regime Militar no Brasil, o povo pressionou o Congresso Estadunidense, foi para as ruas e elegeram o presidente Carter para promover os Direitos Humanos frente às Ditaduras latino – Americanas. Este foi um dos fatores externos para o fim do Regime. Referências BICUDO, H. P. Meu Depoimento Sobre o Esquadrão da Morte. São Paulo: Pontifícia Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, 1977. CARTER, J. Discurso do presidente Carter em visita ao Brasil, In: Folha de S. Paulo, 30-03-1978.http://almanaque.folha.uol.com.br/ brasil_30mar1978.htm

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CORRÊA, M S. 1964: visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre: LPM, 1977. GEISEL, E. Presidente da República Federativa do Brasil. À sua excelência senhor Jimmy Carter. Presidente dos Estados Unidos da América. Arquivo Ernesto Geisel FGV-CPDOC - Cod: trb02481.0105, data 30.08.2008 EG PR 1974.06.07, http://docvirt.com/docreader.net/docreader. aspx?bib=PREG&pasta=EG%20pr%201974.06.07 GREEN, J. N. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985 / James N. Green; tradução S. Duarte; prefácio Carlos Fico. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. HELMS, R. Testimony to the Committee ON Foreign Relations of the USA Senate, U.S. Programs in Brazil, 05 de maio 1971. FOIA: Depoimento Helms. HUGGINS, M. Polícia e política. Relações Estados Unidos/América Latina. São Paulo: Cortez, 1998. MARTINS FILHO, J. R. O Amigo Americano. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: vol. 12, n. 22, 1998. ROUQUIÉ, A. O Estado militar na América Latina. Rio de Janeiro: Alfa-Ômega, 1984. SKIDMORE, T. Brasil: de Getúlio à Castelo Branco, 1930 – 1964. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. SKIDMORE, T. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998. SKIDMORE, T.; SMITH, P. H. Modern Latin America. Oxford University Press, New York – Oxsford, 1984, pp. 419. Universidade de Passo fundo. 29 de março de 1978- Comitê Brasileiro da Anistia denuncia ditadura. http://historiaupf.blogspot. com/2011/03/29-de-marco-de-1978-comite-brasileiro.html. Retirado em 15-07-2011.

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CAPARAÓ gênese da guerrilha no

Brasil

A decisão da direção do Partido Comunista Brasileiro pela via armada teve seus próceres ou uma primeira grande experiência em Caparaó no ano de 1966, na divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Sucederam-na guerrilhas do Vale do Ribeira-SP, liderada por Carlos Lamarca e a guerrilha icônica de Araguaia-PA ou até mesmo a guerrilha urbana de Carlos Marighela, inimigo número um da Ditadura. Em tempos de Comissão da Verdade algumas certezas, muito embora o movimento guerrilheiro tenha sofrido uma derrota militar, obteve vitória política, afinal, pesam sobre a Nova República os corpos insepultos e perguntas perturbadoras. Sobretudo, as Forças Armadas Brasileiras ainda são vistas com grandes desconfianças por amplos setores da sociedade civil, principalmente o setor jornalístico. Em 2014 as investigações da Comissão da Verdade confirmam que o ex-deputado Rubens Paiva, assim como Edgar Stuart Angel (filho da estilista Zuzu Angel) foram mortos em instalações militares, porém a instituição militar ainda recusa admitir as violações aos Direitos Humanos cometidos em suas dependências. Alguns setores militares argumentam que as ações contra a guerrilha corresponderam a uma guerra interna, portanto as ações que praticaram foram legitimas, pois combatiam inimigos internos da pátria. O fato é que o trauma gerado pela tortura proveniente das perseguições, prisões e aniquilamento dos insurgentes causam ainda grandes oposições à instituição militar. Este texto é mais uma resenha extemporânea de uma série de reportagens sobre a guerrilha do Caparaó publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo em 1980 e que estavam dentre algumas pastas da emeroteca da

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Biblioteca de Sorocaba – SP. Em 1980 sob o título Caparaó, 13 anos depois. A série de reportagens investigativas de Gilson Rebello ao jornal “O Estado de S. Paulo” exigiu que fossem percorridos quase dois mil quilômetros de carro e mais de trinta quilômetros a pé ou em lombo de cavalo na procura subsídios e informações sobre a presença dos guerrilheiros e soldados na região. Várias cidades foram visitadas como Guaçuí, Espera Feliz, Manhuaçu, Manhu-Mirim, Caparaó Novo e Velho, Presidente Soares, Carangola, Dores do Rio Preto, Paraíso, Santa Maria, Forquilha do Rio, Pedra Menina. Em breve introdução o jornalista escreve sua reportagem de uma forma romântica, lendária e episódica. Um indicativo é a escolha do título da reportagem: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra. Outro é a escolha da narrativa que conduz a um heroísmo ou quixotismo presente na guerrilha do Caparaó em alguns momentos tal como aquele em que afirma: com um antigo binóculo de campanha e sem coturnos, mapas, armas e fardas militares, o ex-guerrilheiro, Amadeu de Almeida Rocha, de 40 anos, vai começar mais uma vez a “Guerrilha do Caparaó” na divisa com Minas e o Espírito Santo (RABELLO, p. 16, 17), ou seja, quando destaca a ausência de coturnos, mapas e armas (no momento em que Amadeu Rocha retomou a guerrilha) está conferindo uma imagem heróica ao guerrilheiro Amadeu. Ainda sobre a reportagem em questão, sobretudo, em relação ao título, ou seja, a versão mineira de Sierra Maestra. Rabelo (1980) destaca o Diário de Campanha da Guerrilha do Caparaó onde é revelada a suspeita da presença ali de Ernesto “Che” Guevara, o que faria com que essa guerrilha assumisse aspectos “mitológicos” (RABELLO, 1980, p. 16, 17). Em seguida faz uma chamada para a série de reportagens semanais sobre a Guerrilha do Caparaó: Durante uma semana, todo o roteiro da guerrilha, as marchas pelo mato, as rotas de fuga, os acampamentos, a estrutura do movimento, as prisões, o cerco militar, o fim da ação armada... O início A Guerrilha do Caparaó é considerada a primeira guerrilha visando à derrubada do regime militar, no caso, o Governo Castelo Branco (1964 -1967) (RABELO, 09/02/1980, p. 10). Na região chamada Tronqueira, a 2.300 metros de altitude, quase na divisa entre Espírito Santo e Minas Gerais, pode ser A Ditadura Revisada •••

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encontrada uma casa de pedra. Amadeu Rocha afirma que foi realizada ali a primeira reunião do “MNR”. Essa casa de pedra situa-se na subida do Pico da Bandeira. (RABELO, 07/02/1980, p. 22). No dia 06 de novembro de 1966, 14 homens armados fizeram uma reunião no alto da Serra do Caparaó, definidos como revolucionários marxistas-leninistas. Suas marchas e manobras se estenderam por 150 dias e ocupou diversos acampamentos como os de “Macuco”, “Escada”, “Tatu” e “Cristal”. Suas doações vieram do exterior e de simpatizantes, assim compraram armas e mantimentos. Quando o grupo foi preso, seus captores encontraram uma metralhadora 45 de uso exclusivo das Forças Armadas, uma espingarda Winchester 44, uma carabina alemã, um revolver 45, um punhal, dois binóculos, quatro bussolas e material para a fabricação de explosivo. O documento escrito sobre a Guerrilha do Caparaó é o Diário de Campanha de Amaranto. Diário escrito pelo guerrilheiro Amaranto Jorge Moreira Rodrigues e abrange o período entre 26 de novembro de 1966 a 18 de janeiro de 1967, dois meses antes da prisão do grupo. Inicialmente Amaranto escreve sobre as razões que os conduziram a via armada a qual chama de violência revolucionária: Todos os caminhos que possuíam um mínimo de possibilidade de probabilidade de conduzir a Nação Brasileira á sua almejada liberdade foram destruídos pela ditadura, restando apenas responder com violência revolucionária à violência reacionária. (AMARANTO, 1980).

Na sequência Amaranto relata os pseudônimos de seus companheiros e destaca a origem militar deles, assim como a liderança do guerrilheiro de codinome Alexandre. Objetivando iniciar de imediato o processo armado da RB, um grupo de 14 homens (Alexandre, Cláudio, Alencar, Márcio, Marcelo, João, André, Pedro, Nemésio, Sérgio, Januário, Lino, Roberto e Henrique, este último ausente por estar cumprindo tarefa na cidade). Esta reunião, cujos componentes são ex-militares, em sua maioria e civis, todos revolucionários e marxistas leninistas, foi iniciada e dirigida a partir das 20 horas pelo companheiro Alexandre que já desde algum tempo

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vinha liderando a maioria destes homens em sua luta antiditatorial e consequentemente preparo deste núcleo guerrilheiro. (AMARANTO, 1980).

O documento revela aspectos da organização, por exemplo, os que chegavam para engrossar o contingente guerrilheiro recebiam o que chamaríamos hoje vulgarmente de “kit” que consistia em: ...uma mochila, um toldo de “nylon”, uma rede de “nylon”, um cobertor, um macacão de lã, um gorro, um par de coturnos, um par de luvas, um abrigo de “nylon”, um conjunto de calça, lusa e meia, um cinto-cartucheira de “nylon” um cinto de lona, uma marmita, um jogo de talheres, um par de tênis. (AMARANTO, 1980).

Essas informações descritas no Diário de Amaranto nos permitem pensar sobre o nível de organização, assim como o provimento de recursos destinados aos equipamentos e acessórios necessários para a organização da guerrilha. O diário relata ainda o processo de adaptação dos guerrilheiros à vida no campo: Material coletivo: Acostumados como estávamos com a vida na cidade, ainda que clandestina nestes dois últimos anos, é difícil adaptarmos á vida no campo. As condições do terreno, o clima frio e úmido, a ausência de conforto proporcionado por uma casa, mesmo humilde, contrasta violentamente com o que estávamos acostumados. Despendemos esforços no sentido de superarmos estes obstáculos e, tendo-se em consideração as lacunas abertas por estes fatos, pode-se dizer o moral bom da tropa. Ainda que muitos companheiros queixem-se de não saberem dormir nas redes, reclamam do frio (estamos na primavera e a temperatura a noite desce com frequência a 17 graus), escorreguem nas pedras do “Rio das Cabras” (tão contrastante com as belas calçadas da cidade em que vivíamos), sintam pesados os coturnos e chorem com a fumaça do fogão de lenha improvisado, nada disso impede de que a camaradagem mútua, o bom humor e a disposição de luta nos distancie, o que pressagia para o futuro bem próximo um grupo excelente e uno. (AMARANTO, 1980). A Ditadura Revisada •••

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Localização Na área de divisa entre Minas Gerais e o Espírito Santo, em uma faixa de 1. 300 metros de altitude com 77 quilômetros de extensão foi considerada ideal para o treinamento da guerrilha. O Comando foi entregue ao ex-sargento Amadeu Felipe da Luz Ferreira. Esse é a ponta de lança para a estruturação do movimento cabendo ao professor Boiteaux e a Amadeu Rocha integrarem o comando nacional. Considerando necessária a elaboração de um jornal criaram O Levante, primeiro jornal clandestino da luta armada no Brasil. Esse jornal teve somente uma primeira edição e um primeiro número, seu editorialista foi o escritor Otto Maria Carpeaux. (RABELO, P. 12, 1980). O Povo de Caparaó e a guerrilha A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo do dia 07.02.1980 expressa o título: A vida com medo de tudo e de todos é iniciada com a reportagem do Jornal da Tarde de 1967. Algumas famílias de fazendeiros, que vivem perto da cidade de Caparaó Velho, na zona onde foram presos guerrilheiros, começaram ontem a abandonar suas casas: está correndo um boato de que a região seria bombardeada (Jornal da Tarde 11/04/67).

Os jornais da época evidenciam o medo vivido pela população local e não era para menos, afinal muitos deles, apesar de inocentes foram presos e outros torturados. A esse respeito o coronel Ralph Grünewald Filho, afirma: Precisamos fazer uma operação pente fino no local, pois não podíamos correr o risco de deixar guerrilheiro livre. (RABELLO, 1980, p. 22)

Segundo o fazendeiro José Marques de Abreu, o povo da região ficou “entre a cruz e a espada”, pois tinham medo de sofrer represálias tanto dos

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soldados quanto dos guerrilheiros, mas registra que somente o Exército cometeu violências contra pessoas de sua comunidade. José Marques fala sobre os casos envolvendo a tortura de cidadãos do lugar. Aconteceu com o filho de Luiz Oliveira. O rapaz não sei porque cargas d’água, foi acusado de ser guerrilheiro e sofreu o diabo. Foi torturado a golpes de tijolo, pisado, queimado com cigarro, queriam a todo custo ele falasse, ele não sabia de nada. A família dele ficou desacorçoada que acabou mudando daqui. (RABELLO, 1980, p. 22, 23).

O fazendeiro Luiz Faria da Silva, na época morador de Dores do Rio Preto que fica na região de divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo conta sobre a violência praticada pelo Exército em relação à população local: Est ava n a m i n h a propr ied ade qu a ndo cheg ou u m tenent i n ho e foi log o d a ndo voz de pr isão: “ vamos embora que dessa o sen hor n ão escapa”. (RABELLO, 1980, p. 22, 23).

Eles queriam saber sobre as cartas provenientes do Rio de Janeiro que o Sr. Luiz entregava aos moradores da cidade. Foi liberado quando mostrou o teor delas, ou seja, cartas que continham assuntos particulares e que não possuíam nenhuma relação com a guerrilha. Leonel Brizola e a Guerrilha Caparaó Segundo o texto do relatório do Exército Brizola era O chefe principal dos guerrilheiros de Caparaó que se preparavam para estender suas ações até a Serra dos órgãos, como parte de um plano para a deflagração de outros movimentos em todo o país. Os guerrilheiros teriam recebido instruções de guerrilha de um sítio do ex-deputado em Pando, Uruguai, e, em Cuba, num campo de treinamento próximo a “Pinar Del Rio” (RABELLO, 1980, p. 10, 11. Apud texto relatório do Exército publicado pelo Jornal do Brasil na edição de 13/08/1967). A Ditadura Revisada •••

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O ex-governador Leonel Brizola nega ao afirmar que apenas colaborou com a Guerrilha do Caparaó e afirma ainda que nunca acreditou na ação da guerrilha: Nunca acreditei na ação da guerrilha como processo de luta possível contra o regime no Brasil, por sua inviabilidade. (RABELLO apud BRIZOLA, 1980, p. 10, 11).

Porém afirma que a Guerrilha do Caparaó foi planejada no exílio e tinha como objetivo a derrubada do sistema político vigente no Brasil, assim era necessário a formação de um grupo civil-militar visando uma insurreição militar. Ao final, afirma que resolveu não defender a guerrilha devido à sua inviabilidade, embora continuasse ajudando aqueles que se propunham a combater o Regime Militar pela via armada. A reportagem utiliza os depoimentos do ex-guerrilheiro Amadeu Rocha que afirma ser, a base de Caparaó, formada por ex-militares cassados no governo Castelo Branco (1964 -1967) e políticos do Partido Comunista do Brasil também cassados e alijados do sistema político pelo regime e que defendiam a solução armada. Afirma Rocha: Apesar de não ignorarmos a realidade imposta pelo regime de 64, acreditávamos possibilidade de barrá-lo por meio de um amplo movimento de massa. Éramos de opinião que a oportunidade mais propicia seria a das eleições para governador dos Estados, quando poderíamos ir ao povo diretamente e pregar o restabelecimento da democracia. (ROCHA apud RABELLO, 1980, p. 12).

Essa parece ser uma crença dos movimentos guerrilheiros de que o povo tomaria consciência e em sua revolta e apoiaria os insurgentes, mas o povo foi o seu delator, ou seja, apoiou os agentes da repressão defendendo uma ordem política oficial. Considerações Finais A guerrilha do Caparaó merece destaque, pois foi a primeira guerrilha contra a Ditadura Militar organizada em 1966. Antes do Ato

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Institucional n° 5 de 1968 que representou o endurecimento do regime com suspensão de habeas corpus e fechamento do Congresso Nacional. A Guerrilha do Caparaó nos permite concluir que via armada fora decidida nos primeiros anos do regime militar. Estabeleceu, sobretudo, uma continuidade aos anos posteriores, principalmente nos movimentos armados dos anos 70. Os guerrilheiros tinham a ilusão de que o povo tomaria consciência de sua exploração e se insurgiria contra o governo ditatorial. Certamente não parece descabida a hipótese de que foi a ausência de apoio popular uma das causas da derrota precoce dos grupos guerrilheiros. No Brasil a adesão popular aos movimentos guerrilheiros não existiu. O fato é que os movimentos armados contra o Regime Militar e seu sacrifício revelaram toda a brutalidade do aparato militar-policial e essa brutalidade trouxe muita indignação, sobretudo os desaparecimentos impediram que as feridas fossem fechadas devido a angustia das famílias que passaram suas vidas em busca de respostas, exercendo pressão. Os torturados denunciaram seus algozes que continuam impunes. A Comissão da Verdade, tanto a nacional quanto as estaduais trouxeram documentos, elucidações de desaparecimentos como o do ex- deputado Rubens Paiva e Edgard Stuart Angel, filho da ex-estilista Zuzu Angel também vítima do Regime. Neste momento rememorar a Guerrilha do Caparaó não é importante somente por ser a primeira, sobretudo para que não seja um acontecimento esquecido em tempos de Comissão da Verdade, certamente este não é um dos capítulos mais comentados sobre a luta contra a Ditadura e por isto mesmo merece ser mencionado. Referências MOREIRA, A. J. R. Diário de Amaranto. In: RABELO, G. Malogra a campanha Lott. É o começo. O Estado de S. Paulo 06/02/1980. P. 12. REBELLO, G. A Grande Manobra e a Morte do Guerrilheiro. In: O Estado de S. Paulo 08.02.1980, p.12-13. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra. REBELLO, G. Os personagens do movimento. In: O Estado de S. Paulo 09.02.1980, p.10-11. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra. A Ditadura Revisada •••

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REBELLO, G. De volta à montanha por onde a guerrilha passou. In: O Estado de S. Paulo 07.02.1980, p.22-23. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra. REBELLO, G. Caparaó, 13 anos depois. In: O Estado de S. Paulo 05.02.1980, p.16-17. Dossiê: A Guerrilha do Caparaó: uma versão mineira de Sierra Maestra.

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...ainda

a tutela militar

Na década de 80, a revelação do Projeto Calha Norte mostrou que as Forças Armadas se mantiveram como a principal e, talvez a única instituição autorizada pelo Estado brasileiro, a formular e empreender ações na área de Defesa e Segurança da região amazônica. Isto se deve ao fato de que no primeiro governo democrático, após longo governo autoritário (1964 1985), as ações das Forças Armadas deram-se por meio do exercício do que foi chamado: tutela. A “tutela militar”, segundo Oliveira (1987) e Zaverucha (1994) é a tutela sob a qual o Brasil vive desde 1984; situação criada pelo fato da transição para o governo civil ter sido gerenciada e negociada com as forças civis que assumiriam o governo e, também por não ter sido removido o “entulho autoritário” mencionado por Coelho (2000), nem criado instrumentos com os quais os civis pudessem limitar as ações dos militares. A interferência política dos militares na sociedade brasileira, a partir dos anos 50, se fundamenta na Doutrina de Segurança Nacional, elaborada na ESG (Escola Superior de Guerra), cujas origens pertencem ao Estado Novo (1937-1945). A interferência política dos militares na cena do poder no Brasil, quando não se configurou em regimes militares, configurou-se em atos que demonstram a capacidade de interferência política desta instituição na sociedade, assim passaram a exercer um poder tão grande que poderia ser comparado ao Poder Moderador exercido pelo imperador do Brasil D. Pedro II (1840 -1889), um poder centralizado e legitimado constitucionalmente. Para Sebastião Velascos e Cruz (1984) os militares não só conquistaram o poder, mas o mantiveram, ressalta que por outro lado o regime passou por transformações, em determinados momentos tomava uma direção de um Estado de exceção, outras vezes, tomava uma direção contrária.

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Segundo Maria Hermínia (1994) a partir de 1968 o poder dos militares deixou de ser dirigente e alcançou uma configuração ditatorial. Afinal, isso representa o recrudescimento dos militares no poder e para os demais (sociedade e elite) a perda de controle da situação política. No plano externo, desenvolveu-se, no campo da estratégia e defesa, um caráter ofensivo, não defensivo frente aos países da América Latina que compreendeu um grande investimento na indústria bélica. A tese do setor militar no governo, representado por Médici, era a de que devido às suas condicionantes históricas e sociais, o Brasil nunca poderia ser uma grande potência, caberia ao Brasil configurar no plano externo como uma média potência de alcance regional. Neste contexto é elaborado o Tratado de Cooperação Amazônica de 1975. Esse tratado visa manter o status conseguido pelo Brasil como potência emergente, pois sobre a “liderança natural” do Brasil tentou reunir os países amazônicos no intuito de estabelecer políticas de desenvolvimento comuns. Com a nova república em 1985 não há submissão dos militares ao controle do poder civil. Os civis mostraram despreparo e falta de interesse em lidar com as questões puramente militares. Em tese, esses fatores configuraram na permanência, mesmo após a abertura democrática, do Conselho de Segurança Nacional e da Doutrina de Segurança Nacional. Isso foi resultado da abertura política conduzida pelos militares, que saíram do governo, mas não perderam o poder de todo. Este processo foi integralmente conduzido pelo Estado e acabou livrando os militares do expurgo, como afirma Suzeley Kalil Mathias (1995) “houve no caso brasileiro uma transição negociada com alto controle das elites sobre um longo processo de abertura em um quadro de disputa regulada entre o Estado e a sociedade”. É no governo Geisel (1974 -1979) que começa o processo de “Distensão” que nada mais é do que o abrandamento de tensões que não pode ser confundido com ruptura ou transição para a democracia. Eliézer Rizzo de Oliveira (1987) escreve que os militares construíram uma forte simbologia que lhes servem de sólido invólucro visual e mental, afirma que a Nova República não encontrou o seu próprio simbolismo de poder. Em 1985 os militares saem do governo e se voltam a projetos de defesa e segurança do território brasileiro. Baseados na argumentação de que a proteção da soberania se faz necessária (por meio de uma ação mais enérgica e realmente efetiva para a Amazônia) impuseram a aprovação e implementação de sistemas de segurança e desenvolvimento na região como o Projeto

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Calha Norte de 1985 e o SIVAM, sancionado em 1993 (que no ano 2002 ao final de sua instalação tinha como objetivo cobrir toda a região amazônica). O SIVAM veio como resposta à argumentação de internacionalização da Amazônia, uma vez que, segundo os organismos internacionais (bancos, governos, ONGs), o Brasil não possui política governamental efetiva para esta região (no que se refere ao combate ao desflorestamento pela ação do desmatamento e do garimpo, narcotráfico). Segundo Saint Pierre (1993), com o fim da “Guerra Fria” caiu a tese do inimigo comunista, assim as forças armadas do ocidente são obrigadas a reorientar a sua estratégia, escreve: Desde que o conflito leste/oeste se desmantelou, a concepção estratégica oficial, perdeu a sua premissa principal de formulação estratégica (...) A necessidade de um conflito plausível para justificar está levando as forças armadas a ver índios, ecologistas e narcotraficantes, crianças de rua e antropólogos como possíveis inimigos. O SIVAM propiciou aos militares a sua manutenção e ao que tudo indica sua modernização. O espaço amazônico oferece um argumento ideal à crise de identidade ocasionada pelo fim da “Guerra Fria”. O enfraquecimento da tese do “inimigo comunista” que movimentava a ação de setores militares próximos à esfera de influência norte americana. A reorientação da estratégia militar brasileira, sobretudo em projetos de defesa e segurança para a região amazônica, é parte de uma série de mudanças que visam à manutenção da instituição militar. Nos anos 90, toda opinião internacional discutia as questões ligadas ao meio ambiente, tais como a escassez de recursos naturais dentre eles; a exploração cada vez mais intensa da biodiversidade, o corte de árvores para obtenção de madeira, a extração dos recursos minerais. Segundo as Forças Armadas, a ocupação da região amazônica pelo governo é essencial para a defesa da soberania nacional, pois a Amazônia constitui-se na maior bacia de água doce do planeta. A floresta possibilitaria a construção de usinas a gás natural na região de Urucum, situada na calha do rio Juruá, tendo esta sua potencialidade estimada pela Petrobrás em 55 bilhões de m³. A região possui uma grande quantidade de gás natural, alternativa limpa. A Amazônia possui 18 espécies oleaginosas nativas; seu potencial energético comprovadamente substitui o óleo diesel com eficácia maior e sem danos ao meio ambiente, sobretudo com a vantagem de ser renovável. Dentre alguns dos produtos extraídos da flora amazônica, destacamos as A Ditadura Revisada •••

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plantas produtoras de látex. A seringueira, responsável pelo desenvolvimento da região, também plantas produtoras de óleo e gorduras como as palmeiras, a castanha do Pará, Jatobá, Copaíba, onde são extraídas resinas para a fabricação de vernizes e aromáticas, importantes na elaboração de cosméticos. Além destas, existem plantas medicinais como a graviola, empregada no tratamento do diabetes, e copaíba, usada contra infecções. O combate ao narcotráfico era parte da justificativa para a instalação do SIVAM. Foi sob esta justificativa que o governo brasileiro conseguiu o financiamento necessário para a sua instalação junto ao EXYMBANK. Isto ocorreu em um contexto em que ocorriam esforços dos estadunidenses no combate ao narcotráfico que resultaram, em 1995, na criação do Plano Colômbia. Este plano elaborado e articulado pelo Departamento de Estado dos EUA previa, além da ajuda financeira, a presença de funcionários civis e militares norte-americanos no território colombiano. A Colômbia, como sabemos, é um país que está assentado sobre a bacia amazônica. A justificativa para o Plano é o combate ao narcoterrorismo, supostamente promovido pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e pelo Exército de Libertação Nacional (ELN). Segundo Martins Filho (2001) há três tipos de análises em relação ao problema da autonomia militar no Brasil. O primeiro tipo considera essa questão como superada; o segundo tipo, afirma que as prerrogativas militares estão sendo mantidas e, o terceiro, defende a tese segunda a qual importantes áreas do setor castrense ainda persistem, mas estando o problema em vias de ser resolvido. Nossa tese se enquadra na segunda análise, a da presença e permanência dos militares na cena de poder. Nas décadas posteriores, os militares continuaram a incluir na agenda governamental seus projetos de interesse. Nos anos 2000 destacamos a tentativa em revitalização da indústria de defesa do Brasil. Livro Branco de Defesa (2012) Quando a aplicação militar se coloca como um fim e não um meio para a solução dos grandes problemas nacionais, principalmente àqueles do setor estratégico, podemos pensar em militarismo. Ao mencionarmos militarismo devemos conceituá-lo. Segundo Norberto Bobbio (1998, p. 748) o mi-

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litarismo transcende os objetivos puramente militares, pois objetiva penetrar em toda a sociedade, impregnar a indústria e a arte, visa também superioridade sobre o governo ostentando atitudes como as de autoridade e fé. Podemos observar a militarização presente em alguns itens do Livro Branco da Defesa Nacional (LBDN), lançado em 2012, esse documento compõe as diretrizes do Estado Brasileiro em relação aos assuntos de defesa. Duas diretrizes do LBDN são preocupantes, a primeira, é a ação conjunta entre Ministério da Defesa e Ministério das Relações Exteriores (evidente quando o LBDN afirma que estes dois ministérios deverão agir conjuntamente) e a segunda é o desenvolvimento da Indústria Brasileira de Materiais de Defesa. Nossa hipótese é a de que as Relações Exteriores do Brasil estariam sofrendo uma forte tendência à militarização e o Brasil com a Indústria de Materiais de Defesa estaria se tornando uma nação altamente militarizada, exportadora de materiais bélicos. Ação conjunta Ministério da Defesa e Ministério das Relações Exteriores Norberto Bobbio (1998, p.384) define a diplomacia como a condução das relações internacionais através de negociações. O método através do qual essas relações são reguladas e mantidas por embaixadores e encarregados; ofício ou arte do diplomata. (p.384). A partir desta definição podemos afirmar que o LBDN introduz um novo paradigma no campo da diplomacia e das relações internacionais ao afirmar que os ministérios da Defesa e das relações exteriores deverão agir conjuntamente no campo das Relações Internacionais, dessa forma alienaria a diplomacia à área defesa. O aumento da importância do Ministério da Defesa em relação ao Ministério das Relações Exteriores demonstra a introdução dos assuntos de defesa em um ministério que se pautaria por pressupostos como o diálogo e a diplomacia. O LBDN afirma que essa articulação entre militares e diplomatas e sua participação em fóruns como o Conselho de Defesa da UNASUL facilitaria no exterior a defesa dos interesses brasileiros e teriam como exemplo cooperações envolvendo os países que compões os BRICS (Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul). (Livro Branco de Defesa Nacional, 2012 , pp. 49-50). A Ditadura Revisada •••

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Poderemos perguntar se o LBDN estava elevando os militares a condição de diplomatas ou a diplomacia está ganhando status militar? O receio era o de uma militarização do Ministério das Relações Exteriores, o avanço do ethos militar sobre o ethos civil. Por que o Ministério da Defesa deve agir conjuntamente com o Ministério das Relações Exteriores? Por que os assuntos da alçada diplomática deverão “embutir” os assuntos de defesa por meio do Ministério da Defesa? Fica de fato a sensação de militarização da diplomacia. A nomeação de Celso Amorim, diplomata, ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil para o Ministério da Defesa representou, voluntária ou involuntariamente, um passo nessa direção. Amorim era defensor de uma política externa independente que tentou articular e angariar apoios às pretensões brasileiras em ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, sobretudo tentou mediar com o Irã, no caso do enriquecimento de urânio à revelia dos Estados Unidos. Sobretudo, a pergunta no momento de sua nomeação era: como seria um diplomata a frente do Ministério da Defesa? Embora não fosse o primeiro, vide o Caso Viegas. As armas ou a diplomacia? Ou existe uma relação estreita entre a diplomacia e as forças armadas? Desde a nomeação de Celso Amorim questionávamos: como será a reativação da indústria de defesa em sua gestão e o reaparelhamento das Forças Armadas Brasileiras? Hoje temos uma parte da resposta que é a conversão da diplomacia em irmã siamesa do Ministério da Defesa segundo o Livro Branco da Defesa. Defesa e desenvolvimento da indústria bélica Outro viés dessa concepção é a Defesa e o desenvolvimento industrial, o LBDN invoca a Estratégia Nacional de Defesa nos itens que se referem ao desenvolvimento da indústria de defesa nacional “tecnologicamente independente”. Segundo o LBDN, esse tipo de indústria privilegiaria o domínio de tecnologias nacionais e para isso seria necessário uma reestruturação da indústria brasileira de produtos de defesa. (Livro Branco de Defesa, 2012, pp. 187). Essa diretriz baseada no desenvolvimento da indústria de defesa nacional “tecnologicamente independente” resultou na criação do

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Núcleo de Promoção Comercial, (NPC-MD) que tem a finalidade de elaborar ações de incentivo e promoção de material bélico e atração de capital e tecnologias a serem aplicados aos produtos de defesa do Brasil. (Livro Branco de Defesa, 2012, pp. 187). Dentre outras ações estatais estão a) o levantamento da base industrial de defesa com o objetivo de diagnosticar as capacidades e potencialidades deste importante setor da economia nacional, b)criação da Política Nacional da Indústria de Defesa ( PNID) que norteará as ações da Política Nacional de Exportações de Produtos de Defesa ( PNEPRODE). O PNID segundo o Livro Branco de Defesa atuará em parceria com o Ministério da defesa e o Ministério da Ciência, Tecnologia e inovação (MCTi), o objetivo dessa cooperação é maximizar e otimizar os esforços de pesquisa nas instituições científicas e tecnológicas militares visando ao desenvolvimento de tecnologias de ponta para o sistema de defesa. (Livro Branco de Defesa, 2012, pp. 187). Alguns projetos da defesa estão sendo apoiados pela FINEP (financiadora de estudos e Projetos) como o radar SABER M60. Segundo o que está escrito no LBDN estas políticas tem como foco as atividades de infraestrutura de apoio à produção e comercialização; a normatização de medidas que permitam maior competitividade das empresas que compõem o setor industrial; e o financiamento mais consistente e duradouro de atividades empreendedoras. (Livro Branco de Defesa, 2012, pp. 187). O elo entre o Ministério da Defesa e o setor empresarial é feita pela Associação brasileira das indústrias de Materiais de defesa e segurança (ABIMDE) tem a missão congregar, representar e defender os interesses das empresas associadas, contribuindo na formulação de políticas públicas para o setor de defesa. Rede de Revitalização (2003) O professor Renato Dagnino (2010) já mencionava uma rede de revitalização da Indústria de Defesa formada por atores militares e civis que surgiu a partir de 2003. A organização de um ciclo de debates em Brasília (2003), em matéria de defesa e segurança seria o marco inicial do ressurgimento da indústria de material de defesa no Brasil. Os temas abordados no ciclo eram o reaparelhamento das forças armadas e a revitalização da indústria de defesa. Foi consensual a ideia de que a revitalização dependeria de uma reorganização baseada em um A Ditadura Revisada •••

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novo contexto geopolítico. Essa rede de revitalização é formada por atores públicos (principalmente militares) e privados (empresários, pesquisadores e jornalistas.), que participam do jogo da revitalização da Indústria de Defesa. Um grupo de pressão que procura influenciar o processo de elaboração de políticas públicas. No caso, o setor de defesa. Essa rede de revitalização criou uma agenda particular cujo objetivo era fazer com que fosse admitida na agenda política pública. (DAGNINO, 2010, pp. 36). Pensamos a partir da obra do professor Dagnino (2010) que a reativação da indústria de defesa brasileira se deve, em grande parte, à capacidade que possuem as forças armadas brasileiras de influenciar as decisões dos governos em assuntos de defesa e segurança, sobretudo de aliar os seus interesses aos interesses do empresariado e outros setores dominantes da sociedade. Isso faz lembrar o momento da criação do Sistema de Vigilância da Amazônia - SIVAM (1993) - que representou, naquele momento, a capacidade dos militares em lançar, aprovar um projeto importado e bilionário e através dele reorientar parte de sua estratégia, além de oferecer oportunidade para empresários e proporcionar vantagens para alguns políticos. A presença dos militares se estende à coisas, como por exemplo, a escolha dos aviões caça e a sua tentativa em impedir a escolha das aeronaves francesas Dassault Raffale no Governo Lula (2003 -2010). Em relação a esta escolha, a BBC de Londres informou a existência de um relatório que foi divulgado ao público. Neste documento, os militares brasileiros demonstravam sua preferência pelo avião caça sueco Gripenn NG. A mencionada reportagem saiu com a seguinte afirmação: “O vazamento de um relatório das Forças Armadas brasileiras recomendando a compra de caças suecos ameaça criar um atrito entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os militares” e segue mencionando a reportagem publicada em importante jornal brasileiro: “Mas uma reportagem publicada na terça-feira pela Folha de São Paulo afirmava que um relatório da Aeronáutica enviado ao Ministério da Defesa apontava o caça Grippen NG, da empresa sueca Saab, como a melhor opção entre três concorrentes para a renovação da frota brasileira”. Ao final, a sucessora de Lula, presidenta Dilma Rousseff, escolheu os aviões suecos Gripen. (Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/ noticias/2010/01/100107_imprensa_rafale_rw.shtml

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SISFRON - Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira

É um sistema de monitoramento de sensoriamento, apoio à decisão, à atuação integrada que visa fortalecer a presença e a capacidade de ação do Estado na faixa de fronteira terrestre. Objetiva a melhoria de capacitação do Exército Brasileiro no apoio à execução do Plano Estratégico de Fronteiras (Decreto 7496/2011), ampliação da integração regional entre os órgãos do governo e com os países vizinhos. Mais recentemente, o Programa de Proteção lntegrada de Fronteiras (Decreto N° 8.903, de 16 de novembro de 2016) reenfatizou a importância das ações de prevenção, do controle, da fiscalização e da repressão dos delitos transnacionais e ambientais na faixa de fronteira. A diretriz principal desse diploma legal é a atuação integrada dos órgãos de segurança pública, das Forças Armadas, Vigilância Sanitária e da Receita Federal, além de outras agências federais, estaduais e municipais. O SISFRON, desde a sua concepção, está alinhado com o Programa. (“Integrando capacidades na vigilância e na atuação em nossas fronteiras.” Escritório de Projetos do Exército). O SISFRON foi concebido pelo Comando do Exército Brasileiro, sobretudo como parte da Estratégia Nacional de Defesa e além da ação de monitoramento contribui no apoio à decisão em relação ao emprego operacional, ao fortalecimento na faixa de fronteira terrestre, visa assegurar o fluxo contínuo de dados entre vários escalões da força terrestre, apoio às ações de defesa ou delitos na área de fronteiras e crimes ambientais através de ações isoladas ou conjuntas. Visa cobrir 18.886 km de linha de fronteira, monitorando 140 km de largura de faixa fronteiriça e com uma aplicação dual, ou seja, ações em conjunto com as forças dos países vizinhos e operações interagências. (“Integrando capacidades na vigilância e na atuação em nossas fronteiras.” Escritório de Projetos do Exército).

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FONTE: http://www.defesanet.com.br/leo/noticia/14049/Arma-Blindada-Renasce-Carros-

de-Combate-Leopard-1A5/

A rede de revitalização e o Sisfron demonstram a capacidade das forças armadas brasileiras de fazerem proposições de novos projetos militares sob o manto do interesse público. Iniciou-se com o Projeto Calha Norte que se encontra ativo, prosseguiu com o Sivam, e mais recentemente, em aliança com setores civis, à proposição de reativação da indústria de materiais de defesa e a implantação de um sistema de vigilância terrestre, o Sisfron que é a versão de vigilância terrestre alternativa à vigilância aérea e marítima. Na época da descoberta do Pré-sal, o almirante-de-esquadra Júlio Saboya, chefe do Estado-Maior da Marinha falou sobre a necessidade de um Sivam marítimo. Revelou que a Marinha pretendia construir uma estrutura de radares semelhante ao Sistema de Vigilância da Amazônia, o Sivam, ou seja, a instalação de antenas nas plataformas da Petrobras em alto-mar. (“Precisamos de um Sivam que funcione no mar”. In: Poder Naval: 05.09.2008). As Forças Armadas do Brasil demonstram seu poder de articulação e proposição a cada

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novo projeto sob o lema de segurança e defesa. A aprovação de seus projetos bilionários reflete este poder e assim estamos, ainda, sob a sua tutela. Referências ALMEIDA, M.H.T.; SORJ, B. Sociedade e Política no Brasil pós-64. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994. COELHO, E. C. Em Busca de Identidade: Exército e a política na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000. CRUZ, S. V.; MARTINS, C. E. De Castelo a Figueiredo: uma incursão na pré - História da Abertura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. “Integrando capacidades na vigilância e na atuação em nossas fronteiras.” Escritório de Projetos do Exército Brasileiro. Disponível em: http://www.epex.eb.mil.br/index.php/sisfron. Extraído em 26.07.2018 Livro Branco de Defesa Nacional, Brasília, Presidência da República, Disponível em: https://www.defesa.gov.br/arquivos/2012/mes07/lbdn.pdf. Extraído em 13/02/2013. MARTINS FILHO, J. R. A Visão Militar Sobre as Novas Ameaças no Cenário Amazônico. São Carlos: UFSCar, 2001 (Texto preparado para o Seminário Brasil e Argentina frente as novas ameaças, realizado em Campinas/ UNICAMP- agosto de 2001). MATHIAS, S. K. Distensão no Brasil: o projeto Militar. São Paulo: Papirus, 1995. MORAES, J. Q.; COSTA, W. P.; OLIVEIRA, E. R. de. A Tutela Militar. São Paulo: Vértice Editora/Revista dos Tribunais, 1987. “Precisamos de um Sivam que funcione no mar”. In: Poder Naval: 05.09.2008. Disponível em: https://www.naval.com.br/blog/2008/09/05/ precisamos-de-um-sivam-que-funcione-no-mar/. Extraído em 25.11.2019 SAINT-PIERRE, H.L. “Racionalidade e Estratégias”. In: “Premissas”, caderno 03 - NEE - UNICAMP, 1993. ZAVERUCHA, J. Rumor de Sabres: tutela militar ou controle civil? São Paulo: Editora Ática, (Série Temas, 37), 1994.

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UNIVERSIDADE E FORÇAS ARMADAS: O Caso

da

ABED

As gravações do diálogo do Senador Romero Jucá com Sérgio Machado (ex-presidente da Transpetro) revelaram o envolvimento das Forças Armadas do Brasil no monitoramento das ações de oposição do Movimento dos Sem Terra ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. Jucá revelou a existência de uma “garantia” da situação política dada pelos Comandantes Militares. Esta revelação contrariou todas as declarações públicas (que os três Comandantes vinham fazendo) de que não interfeririam na política brasileira, pois estaríamos vivendo em uma democracia. O silêncio da ampla maioria dos especialistas civis em defesa e segurança sobre este caso despertou questionamentos. Este silêncio repetitivo, nos últimos anos, sobre assuntos militares nos impulsionou a esta investigação. A hipótese é de que a institucionalização das relações entre a Universidade e os militares, através da ABED, está gerando constrangimentos que levam à hesitações nas formulações críticas em relação às ações políticas da caserna sobre a sociedade civil. Entendemos que instituições como a ABED são muito importantes para o estabelecimento de um elo entre civis e militares. Destacamos também a importância dos trabalhos desenvolvidos por esta grande instituição, no entanto procuramos investigar os atuais rumos dos estudos sobre defesa e segurança nacional e internacional desenvolvidos no âmbito da ABED, desenvolver uma reflexão crítica construtiva. A afirmação repetitiva de que o Livro Branco de Defesa foi elaborado em conjunto com os setores civis, de nada adianta se a concepção do LBDN é baseada nos preceitos militares. E os preceitos civis? Procuramos definir neste texto o que seria o ethos civil em Defesa e Segurança. Uma hipótese

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seria a adicionar à Defesa Nacional a cultura aplicada à linguística, questões ecológicas de preservação ambiental e desenvolvimento humano, sobretudo à questão indígena, entre outras. A Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional não fazem referência a estes temas. Entendemos que estes temas deveriam ser incorporados à Estratégia e à Defesa Nacional de forma independente fazendo com que estas diretrizes de defesa fossem amplamente democratizadas. O argumento consiste na ideia de que os civis não se interessam por estes assuntos. Porém não adianta o engajamento dos civis se estes incorporam a visão do militar. É preciso estabelecer outra maneira de entender os assuntos de Defesa. Procuramos aqui oferecer uma pequena contribuição sobre como os civis deveriam pensar este tema. Este trabalho é uma crítica endógena que visa contribuir para o fortalecimento da ABED. Os historiadores possuem um procedimento em suas pesquisas que consiste na crítica ao objeto de investigação, ou seja, manter relativo distanciamento para evitar uma possível influência do objeto de pesquisa sobre o pesquisador. É um pouco disto que este trabalho propõe, ou seja, fazer uma análise com um relativo distanciamento crítico. Ethos Civil O objetivo deste capítulo é definir o que é ethos civil. Esta definição é urgente, pois atualmente muitos pesquisadores civis tecem suas análises sobre defesa, segurança nacional e internacional com base no ethos militar. As resoluções de problemas que afligem a nacionalidade e a soberania não deverão ser as mesmas para civis e militares. Atualmente, o que observamos é o predomínio dos preceitos militares sobre uma grande parcela dos acadêmicos civis de universidades civis. Desenvolver, conceitualmente, uma concepção civil sobre assuntos de defesa é contribuir para o fortalecimento da relação entre civis e militares, sobretudo, reforçar a estratégia brasileira. O predomínio do ethos militar (ainda que involuntariamente) levará fatalmente a universidade à alienação e cooptação dos civis aos preceitos militares. É isto que chamo de militarização da universidade brasileira. Afinal, quais os preceitos civis a serem considerados nas formulações de segurança e estratégia de Defesa Nacional? É o que procuramos também definir neste capítulo. A Ditadura Revisada •••

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Neste sentido o que vem a ser este ethos a qual chamo de civil, quais são suas premissas? Inicialmente procuramos a definição clássica em Aristóteles. Segundo a definição Aristotélica: Os argumentos convincentes fornecidos através do discurso são de três espécies: 1) Alguns fundam-se no caráter de quem fala; 2) alguns, na condição de quem ouve; 3) alguns, no próprio discurso, através da prova ou aparência de prova. Os argumentos são abonados pelo caráter sempre que o discurso é apresentado de forma a fazer quem fala merecer a nossa confiança. Pois temos mais confiança, e temo-la com maior prontidão, em pessoas decentes (...). Isto, contudo, tem de resultar do próprio discurso, e não das perspectivas prévias do auditório quanto ao caráter do orador. A convicção é assegurada através dos ouvintes sempre que o discurso desperta neles alguma emoção. pois não damos os mesmos veredictos quando sentimos angústia e quando sentimos alegria, ou quando estamos numa disposição favorável e numa disposição hostil (...). as pessoas são convencidas pelo próprio discurso sempre que provamos o que é verdade a partir de seja o que for que é convincente em cada tópico.

Ethos tem origem no grego e significa “caráter moral”. Ethos define hábitos e crenças de uma comunidade ou nação, assim como o comportamento de determinada pessoa ou cultura e o espírito motivador das ideias e costumes. Segundo Aristóteles, ethos está ligado à persuasão ou autoridade que dispõe o orador para cativar o publico. Aqui podemos pensar em dois tipos de ethos, o civil e o militar. O que seria o ethos civil? A resposta seria: a formulação civil de resolução dos problemas caros à soberania nacional. Pensar a soberania brasileira com a cabeça de civis. Um grande objeto para começarmos a definir ethos civil é a questão amazônica. De acordo com o ethos civil, não se garantiria a soberania somente pela força, talvez mais eficaz que as armas seja a presença, na fronteira, de uma população que fale o português, sobretudo que viva e sinta-se brasileiro. Certamente, a visão militarista não alcança a dimensão total da problemática amazônica. É preciso escutar outros setores, considerar outras visões. É preciso o entendimento de que a instituição Forças Armadas é apenas

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um dos tentáculos fundamentais para a garantia da soberania nacional na fronteira amazônica. Os dados sobre a pobreza e subdesenvolvimento fazem pensar que a garantia da soberania seja algo muito mais amplo e difuso que a concepção de segurança e defesa nacional. Os presentes dados sobre a pobreza na Amazônia mostram que a ausência do Estado poderá favorecer a afronta de grupos criminosos respaldados pelo tráfico de drogas, armas e todas demais atividades ilegais. O termo Florestania significa o acesso à floresta e tudo que nela existe. Consiste no desenvolvimento sustentável dos amazônidas através de ações baseadas no aproveitamento dos recursos vegetais que a floresta proporciona. Atualmente, a concepção civil sobre a Questão Amazônica é uma apropriação da concepção militar que está baseada na Defesa e Segurança do território Nacional. Muitos Jornais e revistas brasileiras pertencentes às Organizações Globo e Bandeirantes, por exemplo, despertam a idéia de ameaça à soberania representada por indígenas e organizações não governamentais, ameaças de internacionalização da Amazônia, narcotráfico e não associam o desmatamento à pobreza do povo. Essas ideias de cunho militar estão presentes no imaginário popular e são constantemente reproduzidas verbalmente pela maior parte dos cidadãos brasileiros. Podemos mencionar outros exemplos de formulação das diretrizes de Defesa Nacional pelos civis e de acordo com os pressupostos civis. Um destes exemplos é o Livro Branco de Defesa do Brasil que tem como justificativa o fato de ter sido elaborado também por setores civis. O problema, no entanto, é o fato de ter sido concebido sob a ótica militar de segurança & desenvolvimento e com a ausência de um ethos civil, chamado por este autor de a outra estratégia que nada mais é que desenvolvimento social e econômico e em alguns casos excluindo o termo segurança. Existem civis que incorporam a percepção militar para questões de soberania nacional. Em alguns casos estes se portam militarmente frente à sociedade democrática brasileira, chegando a alguns casos a serem mais militaristas que os próprios militares. O LBDN de 2012 representa a consolidação da autonomia militar sobre a estratégia brasileira, sobretudo a ampliação dos tentáculos militares sobre o desenvolvimento nacional. Aliar o desenvolvimento do Brasil à área militar acoplando a isto a revitalização da Indústria de Materiais de Defesa do Brasil é uma demonstração deste fato. O lema militar é segurança e desenvolvimento A Ditadura Revisada •••

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e o civil no caso certamente poderá ser como já afirmei, desenvolvimento social e econômico considerando o aspecto segurança um meio e não um fim. Geralmente, uma nação militarista atende somente aos interesses da Indústria Bélica e não aos interesses do país, ainda gera desconfianças desnecessárias em um momento que é exigido uma ampla ação diplomática. Escreveu Samuel Pinheiro Guimarães que seja qual for a Ordem Internacional é imprescindível o uso dos meios militares brasileiros. O meio militar é importante, mas nem sempre a estratégia pressupõe a utilização de arsenais bélicos, por exemplo, a guerra atualmente assume outras formas como a da informação e a cibernética. A militarização fomenta no âmbito da sociedade civil a concepção de que as armas são fator importante para a estabilidade interna e externa, mas existem alternativas disponíveis, dentre elas a mais poderosa é a do diálogo. Um grande exemplo do equivoco da aplicação militar é o caso das fronteiras amazônicas. A região de fronteira não precisa somente de radares, armas e pelotões, mas de geração de emprego renda, sobretudo o desenvolvimento humano, pois afinal o patriotismo é um sentimento de pertencimento e se há injustiça, desigualdade, violência e pobreza o único sentimento que perdura é o da injustiça social e um estranhamento em relação aos sentimentos patrióticos. Dessa forma não podemos militarizar a questão amazônica, assim como não podemos militarizar a projeção continental brasileira. Devemos estabelecer parcerias soberanas no campo da agricultura comércio, cultura, educação e tantas outras áreas. Os militares são importantes? A resposta é obviamente sim, mas a aplicação militar tem que ser um meio e não um fim. O assunto: Defesa Nacional envolve também a cultura. A questão da Língua Portuguesa é um importante aspecto de fixação da população da fronteira brasileira no âmbito da identidade e fundamental no processo civilizatório. A manutenção da fronteira através da dimensão cultural possibilita a criação de raízes profundas de nacionalidade na região fronteiriça. A cultura para além do aspecto linguístico pode ser entendida também como a ação da mídia. As novelas da televisão ou até mesmo a transmissão dos jogos da Seleção Brasileira de Futebol são elementos que podem levar à relativa coesão nacional. Do extremo sul ao extremo norte do país os brasileiros acompanham cada capítulo da novela ou o resultado do futebol. Todos compartilham as mesmas emoções. Isto significará o sentimento de

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pertencimento à comunidade nacional. A imagem dos indígenas em suas tribos que antes dos jogos da seleção brasileira se pintam para a batalha, mas em verde e amarelo, símbolos pátrios. Este é um exemplo que demonstra o poder da cultura no âmbito da Defesa nacional. Uma reportagem exibida em 1995 antes do último capítulo da novela das oito horas da noite chamada: A Próxima Vítima mostrou como populações de áreas distantes e remotas do país acompanhavam o final da novela.

FONTE: Agência O Globo / Catharina Wrede

Na relação entre a universidade brasileira e as forças armadas, deverá ocorrer a separação entre o que é civil e o que é militar, pois estamos falando do risco de coisas similares à apropriação cultural ou até mesmo cooptação. Quando dois grupos distintos se aproximam para o diálogo, farão isto respeitando as caracteristicas de cada grupo envolvido, o contrário será a alienação de um sobre o outro. É por isto, muito importante definirmos o ethos civil. Sem esta definição é muito dificil demonstrar certos equívocos. Ao entendermos o ethos civil, podemos facilmente conceber como antinatural, o fato dos civis imaginarem que a relação entre as forças armadas e a sociedade deverá se basear no domínio (pelos civis) dos aspectos organizacionais, bélicos e de emprego da força militar. Este é um erro muito repetido pelos A Ditadura Revisada •••

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estudiosos da área de defesa. É assustador perceber que muitos integrantes (civis) da comunidade de estudos de defesa não fazem esta crítica. É muito comum, na área de História, os professores advertirem os jovens pesquisadores sobre o risco de serem devorados pelos seus objetos de pesquisa, assim os mestres os alertam para manterem certo distanciamento crítico e necessário. Parece que este ensinamento basilar da época de bacharelado foi esquecido pelos pesquisadores já experimentados. Pelas informações que reunimos parece ser este o grande equívoco da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, a ABED. A nossa proposta é analisar os encontros nacionais da ABED, os ENABEDs. Entendemos que os encontros regionais são ainda fatos muito recentes. Dividimos tematicamente e temporalmente as informações que seguem. O primeiro tema é o das desconfianças ou o marco das desconfianças entre civis e militares que correspondente ao período entre 2003 e 2005. Consideramos que até 2005 os trabalhos produzidos reconheciam uma oposição aos reflexos da Ditadura ainda na primeira metade dos anos 2000 e, sobretudo a inserção da temática indígena nos estudos sobre Defesa Nacional na Amazônia. Na segunda parte analisamos os acontecimentos pelo marco das confianças no período referente a 2006 -2014. Este período é marcado por uma institucionalização dos estudos sobre Defesa e Segurança Nacional através da ABED. Os estudos produzidos, nestes anos, consideram uma análise diplomática no âmbito das Relações Internacionais e aspectos organizacionais e estruturantes das Forças Armadas Brasileiras, assim assume um aspecto técnico–diplomático-militar em detrimento de uma perspectiva crítica sobre a Defesa e Segurança Nacional e não incorporando a questão indígena, assim como as dimensões ecológicas e sociais.

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No

marco das desconfianças entre civis e militares: 2003-2004:

XXIX ANPOCS e a criação do GT

Forças Armadas, Estado

e

Sociedade

(2005) No XXIX Encontro Anual da ANPOCS no GT 08 - Forças Armadas, Estado e Sociedade, em 2005, ocorrido na cidade de Caxambú-MG demonstrou a formação de um grupo já constituído de pesquisadores sobre Forças Armadas. O professor João Roberto Martins Filho, na apresentação, falava sobre a importância deste GT dentro da ANPOCS. Abria-se o espaço para discussões sobre Forças Armadas nos domínios das Ciências Sociais e isto não era pouco. Sobretudo este GT, Forças Armadas Estado e Sociedade, demonstrou um grande avanço das pesquisas sobre Forças Armadas e uma reunião que aconteceu sob a égide da criação da ABED. O GT 08 Forças Armadas, Estado e Sociedade foi coordenado pelos professores João Roberto Martins Filho (UFSCar), Celso Castro (FGV ) e Antonio Jorge Ramalho da Rocha (UNB). Foram três sessões. A sessão 1: FORÇAS ARMADAS E DEMOCRACIA foi coordenado pelo prof. Celso Castro (FGV ) e Eliézer Rizzo de Oliveira (UNICAMP) ocorrido na sala 08 do Hotel Glória Caxambú-MG e que teve a exposição dos seguintes trabalhos: SESSÃO 1: FORÇAS ARMADAS E DEMOCRACIA

1. O discurso Militar da Ordem: uma análise dos pronunciamentos militares durante o Governo João Goulart (1961-1964): Daniel de Mendonça ( UFRGS) 2. As Forças Armadas e o processo de acerto de contas com as vítimas do regime militar autoritário. Glenda Mazzaroba ( USP).

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3. Esquerda e Forças Armadas no Brasil pós-Guerra Fria. Roselene Aparecida Paschoalino ( UFSCAR) 4. Relações civis-militares no Congresso no Brasil Democrático. Maria Helena Castro Santos ( UNB) SESSÃO 2: PENSAMENTO MILITAR E POLÍTICAS DE DEFESA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO. Coordenado pelos professores João Roberto Martins Filho (UFSCAR) e Manuel Domingues Neto (CNPQ-UFC).

Os trabalhos apresentados foram:

1. O Pensamento Estratégico Brasileiro 1980 -2005. Carlos Eduardo de Melo Viegas da Silva ( UFSCAR) 2. Programa Calha Norte (PCN): A Amazônia na rota da segurança nacional. Durbens Martins Nascimento ( UFPA). 3. O Papel Estratégico da Indústria de Defesa. Umberto R. Andrade (ESG), Pedro L. Schneider (Indústrias Condor). 4. Guerra, Terrorismo e Forças Armadas no Século XXI. Antonio Ricardo Leis ( UFSCAR) Sessão 3: EDUCAÇÃO E RECRUTAMENTO MILITAR Coordenador: Antonio Joge Ramalho (UNB) Debatedor: Hector Saint Pierre (UNESP). 1. A Presença Feminina nas Forças Armadas do Brasil. Maria Celina D’Araujo ( FGV-UFF). 2. Homens e Mulheres: identidade militar. Emilia Takahashi (AFA) 3. A Formação militar-naval Brasil-Argentina no contexto de cooperação no Atlântico Sul. Claudio de Carvalho Silveira ( UERJ). 4. Recrutando libertos para a Guerrado Paraguai. Impasses e Dilemas. Vitor Izecksohn ( UFRJ). Entre desconfianças e confianças Neste período inicial de trabalhos da ABED é possível perceber que os temas tabus estão ainda sendo colocados em debate, dentre eles: o Governo João Goulart que foi derrubado pelo golpe militar de 1964, outras

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assuntos como vítimas do regime militar, relações civis e militares e o Programa Calha Norte. Todos estes são temas críticos em relação ao período da ditadura. Este período inicial de visão crítica aos poucos vai dando lugar a um aspecto tecnicista em relação aos assuntos relativos à defesa nacional. Ocorreu um impulso crítico inicial, mas que foi paulatinamente saindo de cena, pois temas como, por exemplo, a Comissão da Verdade quase não foi colocado em exposição, menos ainda, debatido. Por isto chamamos o período posterior ao ano 2004 como o período marcado, em tese, por uma construção de confianças entre os civis e militares. Neste período em diante a ABED passa a ser incorporada pelo Livro Branco de Defesa como entidade responsável por promover esta aproximação.

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No

marco das confianças:

Livro Branco de Defesa e a Universidade Brasileira: o caso da ABED No capítulo 4 do Livro Branco de Defesa Nacional, intitulado; Defesa e Sociedade e no item Defesa e a Academia está escrito: Em uma sociedade democrática, a academia desempenha importante papel junto às instituições do Estado produzindo conhecimentos e analises que permitem romper os limites das verdades estabelecidas. A produção de trabalhos acadêmicos relacionados ao tema; Defesa Nacional aumentou significativamente em período recente, e se tornou sensível particularmente após a criação da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Embora houvesse acadêmicos que isoladamente, se concentrassem no estudo de pesquisas de temas relacionados à Defesa Nacional, não havia cursos, programas e infraestrutura que permitissem a produção de resultados robustos. (LBDN, 2012).

Na conformação do Livro Branco da Defesa Nacional do Brasil o grande fato inédito é que uma instituição de origem acadêmica foi incorporada às diretrizes do Estado Brasileiro no âmbito de Defesa Nacional. É notado que a relação entre Defesa e a Academia ganham apenas uma página (p. 185) ou no máximo duas se considerarmos o Programa Pró-Defesa (p. 186), embora seja uma página, este é um gesto muito importante e representa um avanço. Na edição de 2012 do LBDN é afirmado: A Estratégia Nacional de Defesa enuncia como uma de suas ações estratégicas a necessidade de formar civis especialistas em defesa e apoiar programas e cursos sobre Defesa Nacional. O objetivo

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é promover maior integração e participação dos setores governamentais na discussão de temas ligados à defesa, assim como a participação efetiva da sociedade brasileira por intermédio de institutos e entidades ligados aos assuntos estratégicos de defesa.

A institucionalização dos estudos na área de defesa, segurança e estratégia representada pela ABED apresentou limites ou avanços reais ? Esta pergunta tentaremos responder aqui, afinal se o volume de estudos foram ampliados, mas e o aspecto critico? Ganhou a mesma dimensão? Nossa hipótese central é a de que a institucionalização dos estudos de Defesa Nacional, representada pela criação da ABED, oferece constrangimentos à formulação da crítica sobre a atuação das Forças Armadas na política brasileira. A criação da ABED ocorreu ano de 2005. O I Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa foi realizado pela Universidade Federal de São Carlos, na cidade de São Carlos (SP). O evento ocorreu entre os dias 19 e 21 de setembro de 2007 e com o seguinte tema: “Defesa, Segurança Internacional e Forças Armadas”. Na Conferência de Abertura proferida pelo professor Eliézer Rizzo de Oliveira afirmou: Gostaria de saudá-los e desejar pleno sucesso ao evento. Que novos projetos encontrem aqui sua inspiração e que o conclave estimule novas amizades e oportunidades de cooperação, tendo como pano de fundo o excelente programa de todos conhecido. Em particular, saúdo a Diretoria da ABED na pessoa do Prof. Dr. João Roberto Martins Filho, seu presidente. Estes colegas, encarregados dos primeiros passos da ABED, convidaram-me para falar-lhes neste momento. Agradeço-lhes a enorme generosidade e espero que vocês não se sintam frustrados com o que lhes exporei a seguir. Tomo a liberdade de destacar a presença do Dr. Richard Downes (do Center for Hemispheric Strategic Studies, Washington, DC, Estados Unidos), um querido amigo que acompanha de perto o processo político, as Relações Exteriores e a Defesa Nacional do Brasil. Saúdo igualmente as pessoas que vieram do exterior para participar deste evento.

Nesta fala é destacada a presença de Richard Downes do Center for Hemisferic Strategic Studies dos Estados Unidos. O William J. Perry Centro de Estudos Hemisféricos de Defesa é um órgão do Departamento de Defesa dos A Ditadura Revisada •••

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Estados Unidos. Promove cursos, seminários, divulgação, diálogo estratégico e pesquisa. Faz parte funcionários civis e militares de todo o continente americano. Objetiva construir redes e instituições de segurança e defesa, promover maior compreensão da política estadunidense e alinhamento destes estudos com o Escritório de iniciativa global do secretário de Defesa, da Segurança e Defesa Reforço Institucional (SDIB). Na sequência Eliézer Rizzo de Oliveira destaca o avanço dos estudos em temas de segurança e defesa tais como forças armadas, conflitos e processos de paz. O surgimento de disciplinas e Programas de Pós Graduação sobre esta temática. Ressalta a militância na ANPOCS. Nos caminhos que levam a criação da ABED – restrinjo-me ao âmbito brasileiro nestas considerações – acham-se a militância profissional universitária (inclusive nas escolas militares), o oferecimento de disciplinas sobre Forcas Armadas, Defesa Nacional, processos de paz, conflitos, sistemas políticos, etc. Além de disciplinas, encontramos programas, geralmente de pós-graduação, que ganharam expressão em anos recentes. Alem de disciplinas, acham-se nestes caminhos programas, geralmente de pós-graduação, que ganharam expressão em anos recentes. Onde há disciplinas e programas de pós, há também pesquisas de que alguns centros são realidades altamente consolidadas entre nós. Não e possível deixar de identificar a militância de diversos dos colegas na ANPOCS (não e o meu caso, mas acompanhei esta historia), onde labutaram no Grupo Forças Armadas. Mais recentemente, devemos ao professor Manuel Domingos Neto (e ao professor Erney Camargo, então presidente) a novidade do Grupo Técnico Defesa do CNPq, que está fadado a ocupar uma posição de maior reconhecimento. Aqui está um dos desafios que se colocam a ABED. A partir dos anos 1980 alguns centros e núcleos de pesquisa sobre a temática militar surgiram em nossas universidades. Dado que eles se relacionaram muito estreitamente com o que foi comentado acima, eles funcionaram como propulsores do que veio posteriormente.

As palavras do professor Eliézer, indicavam que os estudos sobre defesa ganhariam um grande impulso, sobretudo através do suporte governamental cujo indicativo era a presença do professor Domingues no Grupo Técnico de Dfesa do CNPq.

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Neste encontro de São Carlos foram apresentados os seguintes trabalhos: • O Papel das Forças Especiais nas Intervenções Militares Norte-Americanas Bernardo Wahl G. de A. Jorge • A Implicações das Questões Humanitárias em Conf litos Armados. Carlos Alberto Leite da Silva - Mestrando em Ciência Política pela UFF, área de concentração Estudos Estratégicos. • A possibilidade de uma integração européia em Segurança Carolina Castro Ozelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UNESP, UNICAMP e PUC-SP – “Programa San Tiago Dantas” • A importância da cultura como vetor da defesa nacional: Brasil e Estados Unidos numa perspectiva comparada nos séculos XX e XXI. Diogo Ferreira Netto Universidade Federal Fluminense – Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais • Política de Segurança Integrada da Amazônia. Eduardo Ishida Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas da UNESP/UNICAMP/PUC-SP • “Eu adoro ser mulher de militar”: Estudo exploratório sobre a vida das mulheres de militares. Fernanda Chinelli. • Novas Dinâmicas de Segurança Internacional: Failed States Leonardo Neves - Mestrando em Ciência Política no IUPERJ, Pesquisador do GAPCon/CEAS/UCAM. • Política de segurança dos Estados Unidos: relações entre civis e militares entre 1961 e 1968. Shênia Kellen de Lima (UFMG) • O desenvolvimento da Política Européia de Segurança e Defesa: As Missões de Petersberg. Thalia Lacerda de Azevedo Programa de Pós-Graduação da UNESP-Unicamp-PUC/SP • A Extraterritorialidade das Forças Armadas Norte-americanas para o Combate ao Tráfico de Drogas na Colômbia. André Cavaller Guzzi - Aluno do Programa de Mestrado em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMPPUCSP) sob orientação de Suzeley Kalil Mathias, pesquisador do GEDES e bolsista Fapesp. • Equacionando a Insegurança. Claudio Rogerio de Andrade Flor Mestrando em Ciência Política da UFF • MULHERES E FORÇAS ARMADAS: UMA ETNOGRAFIA DO SER MILITAR, SENDO MULHER. Cristina Rodrigues da Silva (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - UFSCar) A Ditadura Revisada •••

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• TENENTISMO E NAÇÃO – A AÇÃO E O PROJETO DO TENENTISMO CONSERVADOR NA CONSTITUINTE DE 1934. Fabrícia Carla Viviani Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Instituição de Fomento: FAPESP. • A Nação em armas se apresenta ao rei: uma análise da participação dos militares na visita dos reis da Bélgica ao Brasil (1920). Luciana P. Fagundes – Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHIS/UFRJ. • DISSUASÃO E COERÇÃO: o emprego da força pelo Estado brasileiro. Marcio de Andrade Nogueira (Universidade Federal Fluminense – UFF) Mestrando em Ciência Política • A Eficácia Política do Poder Aéreo à Luz das Estratégias da Paralisia e da Coerção: teorias de John Warden e Robert Pape Mauro Siqueira Barbosa – mestrando em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) • TESTES NUCLEARES CLANDESTINOS NO NORDESTE BRASILEIRO EM FINS DA DÉCADA DE 1950. Tácito Thadeu Leite Rolim – Mestre em História Social – (Univ. Fed. do Ceará) - UFC História Militar. • Generais de 1964: perfis de carreira militar e de atuação política. Eduardo Munhoz Svartman, Universidade de Passo Fundo (UPF) • EPITACIO PESSOA : MINISTROS CIVIS NAS PASTAS MILITARES. Francisco Carlos Pereira Cascardo (Marinha do Brasil) • Doutrina versus Realidade: a difícil formação da Liderança Militar da Força Aérea Brasileira para sua destinação na Defesa Nacional. Profa. Dra. Tânia Regina Pires de Godoy - Docente de História Militar na Academia da Força Aérea Brasileira – AFA. • A segurança regional amazônica e as relações entre o Brasil e a Venezuela. Cleber Batalha Franklin Universidade Federal de Roraima – UFRR

(Disponivel em http://www.abedef.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO= 62Extraído em 02.08.2016) Uma verificação inicial oferece informações importantes, primeiramente é de que em 2007 existe um predomínio de estudos elaborados por estudantes de Pós-Graduação de mestrado e doutoramento oriundos das academias civis como Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais,

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San Tiago Dantas UNESP-PUC--SP-UNICAMP, Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Federal do Ceará (UFCE), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Candido Mendes (UCAM), Universidade de Brasília (UnB), entre outras civis. Podemos observar que não existe o predomínio dos estudos oriundos das academias militares como a Academia da Força Aérea (AFA), Marinha do Brasil e Exército. Os trabalhos apresentados por oriundos das academias militares envolvem temas sobre doutrina, História militar e aspectos de segurança na Amazônia. Entre as academias civis existem estudos sobre intervenções militares estadunidenses, questões humanitárias e conflitos armados, integração européia, testes nucleares no nordeste nos anos 50 do século XX e História Militar, no caso o Tenentismo e outras sobre questões de gênero como é o caso da presença feminina nas Forças Armadas do Brasil. É preciso observar que os estudos civis sobre as Forças Armadas do Brasil preocupações vinculadas ao período da Ditadura Militar, por exemplo, estudos sobre os generais do Golpe de 64, emprego da força pelo Estado Brasileiro, intervenções militares, humanitárias ou até mesmo questões de integração em defesa e gênero. No II ENABED de 2008, em Niterói, a Conferência de Abertura foi proferida pelo Ministro da Defesa Nelson Jobim. Na sequência, o primeiro conferencista foi o Almirante de Esquadra Carlos Frederico Aguiar, o jornalista Oscar Azêdo, Prof. Dr. Luis Fernandes, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o deputado Marcondes Gadelha. Os trabalhos apresentados por pesquisadores civis e militares (em sua predominância civil) de instituições universitárias como a Fundação Getúlio Vargas (FGV ), Universidade Federal do Pará (UFPA), COPPE, Universidade Federal do Ceará (UFCE), Academia da Força Aérea (AFA), entre outras. Os temas refletem uma forte presença dos estudos sobre diplomacia, tais como: teoria das Relações Internacionais, Relação Brasil e Argentina, questões humanitárias, teorias para a paz, cooperação internacional, Tribunal Penal Internacional, resolução de conflitos, entre outros. Os estudos militares; doutrina da guerra, educação militar, conceitos militares, famílias militares, Exército e Política, Poder Legislativo e Forças Armadas, segurança hemisférica, conflitos, Ditadura militar e geopolítica A Ditadura Revisada •••

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dos recursos naturais. Existem grandes diferenças em relação aos temas do I ENABED 2007 e II ENABED 2008 para o VIII ENABED 2014 e o IX ENABED 2016. Faremos aqui uma exposição dos temas das sessões de comunicação do I ENABED e dos Simpósios Temáticos do VIII e IX ENABED. Como podemos observar; SIMPÓSIOS TEMÁTICOS VIII ENABED 2014

St 01 – “Filosofia da Guerra – a soberania e seus limites” St 02 – “A Instituição Militar: métodos e práticas de pesquisa” St 03 – “Educação e Profissão Militar: debates e perspectivas” St 04 – “Gênero e Família nas Instituições Militares” St 05 – “Visões de Defesa e Segurança” St 06 – “Exploração e Segurança no Atlântico Sul: desafios e perspectivas de regulação” St 07 – “Segurança Internacional e Defesa na América do Sul” St 08 – “O Brasil na História do Atlântico: um Atlanticismo que nos envolve, um Atlântico Sul que nos diferencia” St 09 – “História Militar” St 10 – “Novos Conflitos Internacionais: guerra e estudos estratégicos no século XXI” St 11 – “Pensamento Militar e Geopolítica no Cone Sul” St 12 – “Segurança e Defesa Regional Comparada” St 13 – O Sistema Inovativo e Produtivo de Defesa no Atlântico Sul: indústria, comércio, políticas, inovação e cooperação em uma perspectiva sistêmica” St 14 – “Projeção do Brasil no Atlântico Sul” St 15 – “Geopolítica e Geoeconomia de Defesa: impactos na Segurança e Cooperação no Atlântico Sul” St 16 – “África e Atlântico Sul: o papel da cooperação técnica internacional na resolução de conflitos e na construção nacional” (Disponível em http://www.abedef.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO= 62Extraído em 02 .08.2016)

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Ao darmos um grande salto e analisarmos os temas dos Simpósios Temáticos do VIII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa - realizado em 2014 observamos a ausência da crítica em relação à atuação das Forças Armadas Brasileiras. Os temas elencados demonstram escolhas temáticas da cúpula da ABED. Podemos afirmar que estas escolhas temáticas dão um direcionamento aos temas em pauta. Neste caso não podemos afirmar que os ENABEDs são apenas receptáculos de trabalhos desenvolvidos. Existe um direcionamento. Analisando os anais do I ENABED de 2007, observamos que ainda existiam preocupações da sociedade civil expressas em alguns trabalhos, tais como o Programa Nuclear Brasileiro, as intervenções dos Estados Unidos, processo de integração continental em defesa. Ao analisarmos os temas dos simpósios temáticos do VIII ENABED 2014 observamos a ausência de termos como sociedade, democracia, integração e a predominância de temas ligados à Indústria de Defesa do Brasil, à disciplina, profissão, instituição, educação militar, família militar, diplomacia e relações exteriores. Em 2014, passou a existir o predomínio de temas com aspectos técnicos, militares e diplomáticos em detrimento de temas críticos em relação à Defesa Nacional, Segurança e Estratégia. Ainda que estivessem presentes ali professores universitários, diplomatas, políticos e demais setores da sociedade civil. Os ENABEDs refletem os assuntos dos estudos sobre Defesa Nacional que estão sendo desenvolvidos, os temas escolhidos pelos pesquisadores da área e suas preocupações e problemáticas. Este levantamento já nos faz perguntar o motivo da ausência de preocupações em relação ao autoritarismo militar. Ocorreu um distanciamento na memória dos reflexos do março/ abril de 1964? A falta de estudos com massa crítica em relação à Defesa Nacional faz parte de um processo de tecnificação diplomático-militar ocorrido na Universidade? O fato é que os trabalhos apresentados nos ENABEDs não estão formulando novos padrões críticos, por exemplo, mesmo diante dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV ) ocorridos no ano de 2013, não observamos menção a CNV nos Simpósios Temáticos. O encontro de 2014 esteve impermeável ao assunto, sobretudo em relação à importância dos documentos a serem revelados pelos trabalhos desta Comissão, muito embora, este assunto esteja presente no IX ANABED 2016. Manuel Domingos A Ditadura Revisada •••

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e Eliézer Rizzo de Oliveira fizeram parte da mesa redonda 07 - Comissão Nacional da Verdade. (Disponível em http://www.enabed2016.abedef.org/areastematicas Extraído em 02.08.2016) MESA REDONDA 7 | A Comissão Nacional da Verdade,

Moderador: Manuel Domingos Neto (UEPI) Carolina Melo (PUC-Rio) Eliézer Rizzo de Oliveira (UNICAMP) Paulo Cunha (UNESP) O IX ENABED 2016, sediado na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis -SC - teve dentre os eixos temáticos a volta do tema FORÇAS ARMADAS, ESTADO E SOCIEDADE e como um dos coordenadores o prof. João Roberto Martins Filho (que esteve coordenando em 2005 em Caxambú do GT 08 Forças, Armadas, Estado e Sociedade). Porém os trabalhos selecionados em 2016 possuíam preocupações muito diferentes de 2005. Em 2016 não encontraremos mais preocupações sobre as Forças Armadas e a democracia e os reflexos históricos da Ditadura Militar, esquerda e Forças Armadas como em 2005. Em Florianópolis 2016, o eixo temático Forças Armadas, Estado e Sociedade esteve baseado em assuntos sobre a relação entre civis e militares, porém aplicado ao emprego e concepções de defesa como a profissionalização militar, outros como coordenação entre diplomacia e defesa, modelo do complexo militar industrial brasileiro e a política de investimentos do Ministério da Defesa em 2006. Tivemos apenas um trabalho apresentado sobre o direito à memória e à verdade. Os assuntos técnicos foram predominantes. (Disponivel em http://www. enabed2016.abedef.org/areastematicas Extraído em 02.08.2016). Como podemos ver abaixo: QUARTA FEIR A, DIA 06.07.2016 P17 | Relações Civis-Militares, Emprego e Concepções de Defesa Área Temática: AT5 - Forças Armadas, Estado e Sociedade Local: Centro Socioeconômico | Bloco D | Sala 217 | Auditório DSS Coordenador: Natália Diniz Schwether ( UFPE)

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Debatedor: Dois projetos de desenvolvimento em conflito: o tenentismo e a cúpula das Forças Armadas brasileiras durante o primeiro governo Vargas (1930-1945) Guillaume Azevedo Marques de Saes ( USP) O padrão de emprego dos militares no Brasil contemporâneo David Paulo Succi Junior (San Tiago Dantas (UNESP - UNICAMP - PUCSP) Profissionalização militar à brasileira Ana Amélia Penido Oliveira ( UNESP) Información, Defensa Nacional y Control Civil Luis Alberto Buttó (Universidad Simón Bolívar) A Ética e o Corpo de Saúde Militar: questões de estudo Sandra Maria Becker Tavares ( UFRJ), Sergio Tavares de Almeida Rego ( FIOCRUZ) QUINTA-FEIR A: DIA 07.07.2016 AT5 | Forças Armadas, Estado e Sociedade IC10 - A Sinergia Inextricável: as dificuldades de coordenação entre diplomacia e defesa Ana Maria Rodrigues Chimeca ( MOUR A LACERDA) IC11 - Clausewitz e a Guerra Absoluta na Era Nuclear Anna Carolina Monéia Farias ( UNESP) SEXTA-FEIR A: 08.07.2016 AT5 |Forças Armadas, Estado e Sociedade IC31 - Justiça de Transição no Brasil: reflexões acerca do Direito

à Memória e à Verdade Felipe Augustus Ferreira da Silva e Silva ( UFRJ) IC32 - Para a Construção de um Modelo de Complexo Militar Industrial: análise comparada dos casos de Inglaterra, EUA e China Luana Jardim Arosteguy da Rosa ( UFRGS) A Ditadura Revisada •••

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IC33 - A nova Política Externa e de Defesa do Brasil: análise

das políticas e dos investimentos para o Ministério da Defesa de 2006 a 2014”. Katiele Rezer Menger ( UFRGS), Vitória Gonzalez Rodriguez ( UFRGS). (Disponível em http://www.enabed 2016 .abedef.org/areastematicas. Extraído em 02.08.2016) A mudança nos temas de interesse presentes nos encontros do ENAé BED significativa se observarmos estes últimos 10 anos, pois assuntos que tinham preocupações urgentes em relação à sociedade civil não mais despertam interesses, assuntos que poderiam e deveriam ser incorporados aos assuntos de defesa não o foram, ao contrário, parece ter ocorrido o prevalecimento de assuntos mais técnicos e de preocupação estritamente militar cujo objetivo é fazer com que os civis obtenham alguns conhecimentos na área de equipamentos ou de qualquer tipo de aplicação militar. A sensação é de que está ocorrendo, neste período, a formação de uma tecnocracia civil - militar que opera sob o ethos militar. Considerações Finais Esperamos que este trabalho possa oferecer algum subsídio para o fortalecimento da relação entre civis e militares, sobretudo uma crítica construtiva e necessária à ABED. Nosso objetivo é levar nos encontros nacionais esta crítica sobre os caminhos tomados por esta instituição e que não é somente um receptáculo de trabalhos produzidos em academias civis e militares sobre defesa, mas é fomentadora. Entendemos que o atual caminho seguido poderá levar à formação de uma tecnocracia versada em assuntos de Defesa Nacional e com origem na academia civil. Neste trabalho destacamos muitos elementos que nos permitem fazer esta afirmação. Esta seria uma oportunidade perdida para o fomento do diálogo com autonomia entre a universidade civil e as Forças Armadas. A crítica é necessária e atualmente observamos um silêncio perturbador em relação aos assuntos sobre militarismo e de defesa. Observamos uma grande dificuldade da instituição

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em formular uma crítica sobre a interferência dos militares na vida política do país ou a formulação crítica sobre as ações das forças armadas que possuem influência sobre a vida do país. Neste âmbito destaco a revitalização da indústria de materiais de defesa que foi interrompida devido à crise de 2008, mas que poderá ser retomada na sua plenitude quando os indicadores econômicos melhorarem? Outro caso é o da Comissão Nacional da verdade. A ABED não foi capaz de manter uma posição abertamente favorável à CNV. Sabemos que os militares a reprovaram categoricamente. Recentemente o silêncio em relação às falas do senador Romero Jucá sobre o envolvimento das Forças Armadas no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Este não é um caso qualquer, pois demonstra uma clara contradição em relação às últimas declarações dos Comandantes Militares. Eles declaravam que não interfeririam na crise política de 2016. O silêncio sobre este fato no IX ENABED 2016 também deve ser considerado. Esperamos ter lançado alguns lampejos em relação às concepções civis sobre assuntos de Defesa. Entendemos que é possível o fato de muitos civis se apropriarem de uma perspectiva militar sobre este tema. Afirmamos que existe uma hegemonia dos militares sobre assuntos de Defesa Nacional e que este predomínio se deve ao fato dos civis não formularem uma contraproposta. Este estudo tem como objetivo entender o que seria esta outra visão não-militar sobre assuntos de Defesa Nacional. O objeto estudado são os encontros nacionais da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. A análise dos trabalhos apresentados nestes encontros nacionais demonstram as limitações a uma alternativa teórica e conceitual civilinizada sobre esta importante temática.

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luta pela narrativa histórica em tempos de ataques à democracia.

Contar a História é um ato de rebeldia. Hoje, o grande desafio para os professores é que para o brasileiro médio, o fato não mais importa, menos ainda a verdade. Os poderes tentam criar uma versão oficial, uma verdade artificializada carregada de rejeitos ideológicos aliados a uma inversão de valores e princípios. Começamos uma luta pelas narrativas. As forças conservadoras e reacionárias perceberam que sua vitória política dependerá da história que será contada. Na busca da hegemonia, embrenharam-se na luta pela narrativa. Para isto necessitam do controle das escolas e o esvaziamento da Universidade para suprimirem sua autonomia de pensamento e

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ação. Desta maneira pretendem reescrever a História que lhes dê suporte político, social e cultural. Seus instrumentos são o Programa Escola Sem Partido, sobretudo a difusão pelas redes sociais e nos meios de comunicação como whatsapp de uma versão artificial dos fatos históricos baseadas em meras opiniões, descartando os métodos e técnicas de pesquisa, defendendo versões estapafúrdias da História. Afirmam que pretendem contar o outro lado da História. Julgam que esta disciplina, da área de humanidades, está controlada, ideologicamente, por setores de esquerda. Desta maneira o autoritarismo ocorre não apenas através de armas, bombas e cassetetes ou censura, mas a partir de uma incursão no campo do ensino de História para fraudá-la, sobretudo para questionar sua legitimidade, colocar o fato histórico na berlinda através de mentiras, manipulação e cinismo. Os ataques à história ocorrem através de disparos de milhões de mensagens via whatsapp que aviltam e deturpam-na, colocando-a em uma posição de merecedora de desconfianças pelo conjunto da população. Como isto ocorre? Como o sujeito é facilmente ludibriado ao ponto de sustentar uma versão fantasiosa sobre o papel do ensino de História? A luta pela narrativa histórica em tempos de golpe Para Starling (2019, p. 341-342) cinquenta anos após 31 de março de 1964 os historiadores descobriram que o Golpe Militar instaurado nesta data não fazia parte dos conhecimentos históricos de parcela numericamente significativa dos brasileiros. Ou seja, não existia um consenso de que ocorreu um golpe de Estado. Recentemente, esta matéria ganhou novos contornos, pois começou a adquirir força. As novas versões, muito distintas dos fatos sustentados por uma abundância de fontes documentais, sobretudo esta nova versão artificializada sobre o Golpe de 1964, foi para no centro do debate político das eleições de 2018. Essas eleições acabaram por eleger Jair Bolsonaro, apólogo da tortura ocorrida nos governos militares (1964-1984). Segundo Starling (2019, p. 341-342), o que ocorreu é que o fato histórico passou a ser alvo de disputa política, sobretudo versões fantasiosas alimentadas por lideranças religiosas, autodeclarados filósofos e figuras anônimas que através de milhões de disparos de whatsapp invocaram o papel de interpretes da História. Esta ocorrência teve como ponto inicial as A Ditadura Revisada •••

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manifestações de 2013, pois foi a partir das jornadas de junho de 2013 que os movimentos conservadores e reacionários ganharam projeção e a partir deste trampolim tiveram disposição para adulterar os fatos históricos e moldá-los à sua versão ou conveniência ideológica. A partir de 2013, o empenho em fraudar a História para transformá-la em objeto de contestação e disputa política, só fez crescer. (STARLING, 2019, p. 342).

A fraude sobre os fatos históricos é uma forma de se investir contra a democracia. O principal problema na fraude, na História, não está, contudo, somente na atribuição de um sentido mistificador ou redutor à narrativa, está na veracidade ou não dos fatos que se relatam. (STARLING, 2019, p. 342)

Desta maneira, a fraude aparece sobre aquilo que os historiadores definem como a verdade factual. O fato histórico não pode ser modificado, a menos que isto ocorra através de mentiras, sobretudo, com o objetivo de colocar em xeque a veracidade da História como ciência, ou seja, a História é contaminada por versões fictícias, superficiais, sobretudo ao ponto de se tornar uma questão de opinião. A mentira permite reescrever a História, e a democracia pode cair por corrosão por que ninguém sabe ao certo quais os limites. (STARLING, 2019, p. 342).

Este processo é o que podemos chamar de “empate” na História, ou seja, é a capacidade de forçar uma versão fantasiosa dos fatos, sobretudo estimulando a imaginação através do que consideram a “outra” história, sobretudo não se trata de apresentar fontes documentais, mas oferecer uma versão sobre aquele fato histórico. O surgimento do Programa Escola “sem” Partido Após o golpe de agosto 2016, vários projetos conservadores ganharam força, dentre eles o Programa da Escola Sem Partido. Antes, em novembro

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de 2015, os estudantes secundaristas de São Paulo ocuparam mais de 205 escolas contra a reorganização escolar que foi proposta pelo então governo Alckmin cujo objetivo era fechar 95 escolas estaduais. A ocupação foi até dezembro e se espalhou por Estados como o Paraná. Este Estado paralisou mais de 831 escolas em outubro de 2016 contra a PEC 241 (do teto de gastos para a educação e saúde por 20 anos). Tornou-se um movimento vitorioso e que demonstrou de forma surpreendente a reação dos jovens ao processo de falência premeditada da educação pública. O projeto “Escola Sem Partido” foi uma reação dos setores conservadores a estas mobilizações estudantis. Eles imaginavam que sua motivação não fora espontânea, mas foi estimulada por professores “partidários” e “ideológicos”. O anteprojeto de Lei Federal que instituía o “Programa Escola sem Partido” afirmava em seu Artigo 5º. No exercício de suas funções, o professor: I – não se aproveitará da audiência cativa dos alunos para promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias; III – não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas; IV – ao tratar de questões políticas, socioculturais e econômicas, apresentará aos alunos, de forma justa, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito da matéria; Art. 6º. As instituições de educação básica afixarão nas salas de aula e nas salas dos professores cartazes com o conteúdo previsto no anexo desta Lei, com, no mínimo, 90 centímetros de altura por 70 centímetros de largura, e fonte com tamanho compatível com as dimensões adotadas. Art. 8º. Os alunos matriculados no ensino fundamental e no ensino médio serão informados e educados sobre o conteúdo desta Lei. Art. 9º. O ministério e as secretarias de educação contarão com um canal de comunicação destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta Lei, assegurado o anonimato. (Programa Escola sem Partido, 2016).

Trata-se de uma interferência na autonomia do professor, uma censura prévia às suas opiniões, ideologias, credo religioso, pois os consideram A Ditadura Revisada •••

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doutrinadores que fazem politica partidária e incitam os alunos a participarem de manifestações, passeatas e protestos. Desta maneira visavam interferir no processo pedagógico ao obrigar o professor a ensinar as diversas perspectivas tidas como ideologicamente de direita, obrigaria a fixação de cartazes informando sobre esta lei. A Constituição Brasileira de 1988 se inicia com a Garantia dos Princípios Fundamentais, reservada a todos os cidadãos brasileiros os direitos inalienáveis como a Liberdade de expressão, o pluralismo político. No capítulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais é garantida a livre manifestação de pensamento, assim como a livre expressão da atividade intelectual. O Titulo II das Garantias e Direitos Individuais: dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. No artigo 5° parágrafo IX afirma: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Estas são cláusulas pétreas e que não deverão sofrer nenhuma alteração. O fato atual que ignora os Princípios Fundamentais da Constituição Brasileira. (Brasil. Constituição 1988, 2016). Esta lei é típica dos regimes fascistas e nazistas ou movimentos totalitários de extrema-direita anteriormente mencionados. Ignora a Constituição Federal, portanto é uma excrescência autoritária. Leis como esta representam o retrocesso democrático e são fruto de grupos conservadores e religiosos fundamentalistas que pretendem suprimir a democracia e implantar na prática um regime teocrático no Brasil que é a fusão entre Estado e Religião. O Programa Escola Sem Partido seria mais uma forma de ataque às Ciências Humanas, mas infelizmente a Reforma do Ensino Médio gera danos ainda maiores às carreiras de Filosofia e Ciências Sociais. Desinteresse pelas humanidades Segundo Ranking Universitário do Jornal Folha de S. Paulo de

07.10.2019 a “Demanda por cursos de Filosofia e Ciências Sociais despenca

no país” isto se deve ao fim da obrigatoriedade destas disciplinas, sobretudo o estereótipo negativo das Ciências Humanas. A escala é descendente desde 2014, ou seja, após os protestos de junho de 2013. Segundo Elizabeth Balbachevsky do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo

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uma das explicações poderiam residir no fato de que os estudantes das Universidades Públicas possuem menos recursos financeiros, assim estão sendo mais pragmáticos no momento de escolher um curso, ou seja, escolhem os que poderão ter melhores oportunidades. (FERRASOLI, 2019)

FONTE: Folha de S. Paulo

O Ex-Ministro da Educação Renato Janine Ribeiro destaca que existe um desprezo por esses cursos que vem sendo muito estereotipados, existe uma campanha em curso que leva as pessoas a pensar que não são carreiras sérias e que são ideológicas. (FERRASOLI, 2019). Abandono da carreira docência Os desafios para a formação dos professores críticos e reflexivos encontram muitos desafios. Muitos profissionais se sentem intimidados, afinal não possuem estabilidade, muitos são contratados ou temporários. Devem ser consideradas as péssimas condições de trabalho que se somam às dificuldades existentes no exercício da profissão docente. Na Rede Pública de Ensino do Estado de São Paulo, por exemplo, existe um número expressivo professores deixando a profissão, assim como em todos os estados brasileiA Ditadura Revisada •••

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ros. Segundo o levantamento da Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, atualmente, existem 7.131 docentes fora da escola, ou seja, 11, 8% do quadro total dos profissionais da educação sobre um total de 41.857 efetivos e 18.483 contratados. Esses números foram levantados no dia 30 de abril de 2019. Até abril deste ano de 2019, ocorreu um aumento de 30% de pedidos de aposentadoria em relação a 2018. (“Levantamento aponta falta de mais de 7 mil professores na rede estadual”. In: GAUCHAZH EDUCAÇÃO E TRABALHO 10.05.2019). Dados do ano de 2012 e obtidos pelas Secretarias de Educação de Estados e Municípios. Em Minas Gerais: 1.283 pedidos de exoneração na rede pública. No Rio de Janeiro: 542 professores haviam pedido exoneração até setembro, de acordo com os dados do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação, mas segundo a Secretaria de Estado de Educação, foi uma média de 350 ao ano. Em Mato Grosso, foram 107. (PERES & MEIRELLES, 2019). Escolas militares De acordo com o Portal G1 de 21.11.2019 o “MEC divulga lista de cidades que devem ter escolas cívico-militares implantadas em 2020”. Este projeto irá receber R$ 54 milhões. Deste montante, mais da metade será repassado para o Ministério da Defesa que se encarregará de remunerar os militares que irão compor a equipe de gestão disciplinar. Serão 54, as cidades que receberão estas escolas. São elas: • Acre: Cruzeiro do Sul e Senador Guiomard • Amapá: duas escolas em Macapá • Amazonas: duas escolas em Manaus e outra indicação do estado • Pará: Ananindeua, Santarém e duas escolas em Belém • Rondônia: Alta Floresta d’Oeste, Ouro Preto do Oeste e Porto Velho • Roraima: Caracaraí e Boa Vista • Tocantins: Gurupi, Palmas e Paraíso • Alagoas: Maceió • Bahia: Feira de Santana • Ceará: Sobral e Maracanaú • Maranhão: São Luís • Paraíba: João Pessoa

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• Pernambuco: Jaboatão dos Guararapes • Rio Grande do Norte: Natal • Distrito Federal: Santa Maria e Gama (regiões administrativas de Brasília) • Goiás: Águas Lindas de Goiás, Novo Gama e Valparaíso • Mato Grosso: duas escolas em Cuiabá • Mato Grosso do Sul: Corumbá e duas escolas em Campo Grande • Minas Gerais: Belo Horizonte, Ibirité e Barbacena • Rio de Janeiro: Rio de Janeiro • São Paulo: Campinas • Paraná: Curitiba, Colombo, Foz do Iguaçu e outra indicação do estado • Rio Grande do Sul: Alvorada, Caxias do Sul, Alegrete e Uruguaiana • Santa Catarina: Biguaçu, Palhoça, Chapecó e Itajaí As Escolas civico-militares são diferentes das escolas militares das Forças Armadas, as secretarias estaduais de educação continuariam responsáveis pelos currículos e caberia aos militares a atuação como monitores na gestão educacional. (CRUZ & OLIVEIRA, 2019).

FOTO: Jhonny Lima

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Segundo o Diário da Causa Operária as Escolas Civico-Militares representam a Fascistização do ensino. Trata-se de uma ofensiva não só reacionária e direitista contra o atual currículo disciplinar adotado no Ensino Médio em todo o Brasil, mas a “imposição de uma verdadeira ditadura aos alunos das escolas, com uma indisfarçável orientação fascista (...), vale dizer, a fascistização da sociedade em todos os seus segmentos”. A matéria da revista Carta Capital de 13.10.2019 intitulada: “DOI-Codi vai às salas de aula na era das escolas militarizadas” revela os abusos cometidos nas escolas militarizadas. Foram registradas 120 denúncias de abusos morais e sexuais, além de violências físicas nas escolas administradas pela Polícia Militar no Amazonas. Os abusos foram praticados pelos militares que trabalham nas unidades. A apuração das reclamações e a punição dos envolvidos sucumbem ao silêncio imposto pelo corporativismo, como de praxe nos inquéritos policial-militares. Os casos ocorrem desde 2015, mas só foram denunciados ao Ministério Público somente em 2019, mais de quatro anos depois. Foi preciso que o deputado Fausto Júnior, convocasse uma audiência pública na Assembleia Legislativa na qual foi exposta a situação das vítimas. Cerca de 80 mães registraram acusações contra os gestores e muitas alegam sofrer pressões para retirar as queixas. As violações aconteceram nos nove colégios da PM em Manaus, afirma Ricardo Gomes, advogado das Associações de Pais, Mestres e Comunitários. O Colégio Militar da Polícia Militar 1, na Zona Sul da capital, tornou-se, porém, o caso mais extremo. (BASILIO, 2019)

Esta violência e abusos se estendem também aos docentes. São alvo de violências físicas, psicológicas e assédio sexual. ( BASILIO, 2019). Considerações Finais As dificuldades para a formação de professores críticos reflexivos antes contava, em sua maioria, com a falta de condições de trabalho como um desestimulo ao exercício da carreira docente, no entanto, hoje, existe, adicionalmente, uma patrulha ideológica que muito embora não tenha sido vitoriosa pela ampla aprovação do Programa Escola Sem Partido como Lei Federal, ganhou adeptos entre as famílias conservadoras,

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chamados ideologicamente de “cidadãos de bem”, entre eles pastores e religiosos evangélicos e católicos que se opõem às discussões relativas a questões de gênero e sexualidade no cotidiano escolar. Esta oposição é proveniente da camada da classe média favorável às propostas como a de intervenção militar na política. A alternativa a esta conjuntura antidemocrática é a educação e formação política do povo brasileiro. É necessário salientar que a escolha pelo professorado não deva ser ocasional, mas militante. O espirito crítico deverá estar na natureza desta escolha e por consequência a opção pelo posicionamento político. Entendendo que a neutralidade torna-se omissão preconizada pelos partidários da Escola Sem Partido. A formação de professores críticos, reflexivos e politizados é cada vez mais necessária. De outra forma não viraremos este jogo. A Extrema-Direita pretende assumir o controle ideológico do espaço escolar de forma direcionada, e se pensarmos, ela já se encontra embrenhada em seu cotidiano. O flanco de resistência que representa a educação popular não deverá ser perdido para ela. Referências BASILIO, A. L. “DOI-Codi vai às salas de aula na era das escolas militarizadas”. In: Carta Capital de 13.10.2019. Disponível em: https:// www.cartacapital.com.br/educacao/doi-codi-vai-as-salas-de-aula-na-eradas-escolas-militarizadas/?fbclid=IwAR164Gvjfs_t6iziga-Y2r7yVKHj3W91 M7HbICvGWKI3whbdeSlU72spP5k. Extraído em 26.11.2019 Brasil. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações determinadas pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/94, pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 91/2016 e pelo Decreto Legislativo no 186/2008. – Brasília : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. CRUZ, C.; OLIVEIRA, É. “MEC divulga lista de cidades que devem ter escolas cívico-militares implantadas em 2020”. In: G1 de 21.11.2019. In: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/11/21/mec-regulamentaimplantacao-de-54-escolas-civico-militares-em-programa-piloto-em-2020. ghtml. Extraído em 26.11.2019 Militarização do ensino: Fascistização do ensino: Bolsonaro cria mais de 200 escolas militares. In: Diário da Causa Operária: 26.11.2019. Edição Nº 5838. Disponível em: https://www.causaoperaria.org.br/fascistizacaoA Ditadura Revisada •••

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do-ensino-bolsonaro-cria-mais-de-200-escolas-militares/. Extraído em 26.11.2019 FERASSOLI. D,“Demanda por cursos de Filosofia e Ciências Sociais despenca no país” In: Folha de S. Paulo de 07.10.2019. Disponível em: https://ruf.folha.uol.com.br/2019/noticias/demanda-por-cursos-defilosofia-e-ciencias-sociais-despenca-no-pais.shtml. Extraído em 26.10.2019 FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola. 2004. Levantamento aponta falta de mais de 7 mil professores na rede estadual. In: GAUCHAZH EDUCAÇÃO E TRABALHO 10.05.2019. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2019/05/ levantamento-aponta-falta-de-mais-de-7-mil-professores-na-rede-estadualcjvhc7adc00kz01peowff4hsa.html. Extraído em 26.10.2019. MOURA, J. C. da C. O cidadão de bem: o discurso jurídico e a construção das subjetividades através da leitura midiática dos blogs. Revista eletrônica da faculdade de direito de franca. In: revista.direitofranca.br v. 7, n.1, jul/2013. Disponível em: http://www.revista.direitofranca.br/index.php/ refdf/article/view/147/159. Extraído em 28.07.2018 STARLING. H. M. O Passado que não passou. In: Democracia em Risco? 22 Ensaios sobre o Brasil Hoje. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. PERES, P.; MEIRELLES, E. O Brasil não pode mais perder bons professores. In: Nova Escola. Disponível em: https://novaescola.org.br/ conteudo/8179/o-brasil-nao-pode-mais-perder-bons-professores. Extraído em 26.10.2019 Programa Escola Sem Partido. Disponível em: https://www. programaescolasempartido.org/. Extraído em 28.07.2018

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Ascensão

do

Bolsonarismo

(Escrito em dezembro de 2018)

L aerte

Em 2018, a emergência política do ex-capitão do Exército Jair Messias Bolsonaro reserva semelhanças com a chegada de Fujimori ao poder em 1990. Bolsonaro foi Deputado Federal e bem conhecido do público brasileiro por defender posições atrozes à democracia. Após os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade que investiga os excessos cometidos pelo Estado Brasileiro no período que cobre o Estado Novo (1937-1945) e da Ditadura Militar (1964 -1985), ainda Deputado passou a homenagear o tortu-

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rador militar Brilhante Ustra, um dos mais bárbaros torturadores do ciclo autoritário iniciado em 1964. Na sessão da Câmara dos Deputados que autorizou a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff dedicou seu voto a este notório torturador. Ex-aluno da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, formado na Academia Militar das Agulhas Negras (1977). Formado em Educação Física do Exército (1983) e chegou a patente de Capitão. Em 1986 liderou um protesto contra os baixos salários dos militares. Escreveu um artigo para uma revista de grande circulação no país, intitulado “O salário está baixo”. Por infringir o regulamento disciplinar do Exército, foi preso durante 15 dias. No ano seguinte, novos atos de indisciplina foram realizados. A “Operação beco sem saída” tinha como objetivos explodir bombas em várias unidades da vila militar da Academia Militar das Agulhas Negras e em outros quarteis, se o reajuste de salário ficasse abaixo de 60%. O plano foi atribuído a Bolsonaro e ao Capitão Fábio Passos. Em junho de 1988, os militares foram julgados e inocentados. Nesse mesmo ano, Bolsonaro foi para a reserva com a patente de Capitão. (FRAZÃO, 2018)

Em 1993, Bolsonaro defendeu a volta do regime militar e bradou pelo fechamento do Congresso Nacional. Na época, o corregedor da Câmara dos Deputados, Vital do Rêgo solicitou à Procuradoria Geral da República uma ação penal por ofensa à Constituição Federal e ao Regime Interno da Câmara. Em 1994 voltou a pedir o fechamento do Congresso Nacional, disse: “Prefiro sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia.” (FRAZÃO 2018). Foi a partir dos movimentos de junho de 2013, sobretudo a emergência de setores reacionários da sociedade brasileira que Bolsonaro começou a se projetar politicamente, sobretudo no processo de impeachment de Dilma Rousseff e a emergência de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados e preso pelo envio de remessa de dinheiro ilegal ao exterior. O antipetismo é um dos propulsores de Jair Bolsonaro. Ele é apoiado por aqueles que são favoráveis a uma intervenção militar que, segundo acreditam, acabaria com a corrupção no Brasil, à força, ou seja, suprimindo as liberdades civis, sobretudo os valores e preceitos da democracia. O grupo de eleitores que apoiam Bolsonaro não vêem a democracia como solução para os problemas brasi-

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leiros. Consideram, sobretudo que este candidato possa frear o avanço dos movimentos pela diversidade, como os movimentos LGBT, das mulheres e indígenas. Estes auto-intitulados “cidadãos de bem” compõem uma parcela da população que reivindica sua cidadania de forma conservadora e autoritária, sobretudo por meio de um “gênio militar” capaz de restituir seus valores morais fundamentais, o que consideram ser a “ordem das coisas”. Assim como Fujimori, o candidato Bolsonaro poderá chegar ao governo democraticamente, mas paulatinamente converter seu governo em uma Ditadura, sobretudo com a supressão das liberdades civis, pois existe uma base social de apoio para uma incursão autoritária e com semelhanças em relação ao que foi o Fujimorismo. Existe uma parcela organicamente conservadora e autoritária no Brasil capaz de sustentar uma guinada ao autoritarismo em um eventual governo Bolsonaro. Observamos que sua atuação, sobretudo suas declarações na Câmara dos Deputados que não faz jus ao sistema democrático que o elegeu por sete vezes. A possibilidade de um golpe militar e o fechamento do Congresso Nacional no Governo Bolsonaro aprofundaria ainda mais a crise política no Brasil. A declaração do Comandante do Exército General Eduardo Villas Bôas de que o resultado das eleições poderá ser questionado pelo Exército, recebeu reação do ministro da defesa (o primeiro general a Comandar o Ministério da Defesa), Joaquim Silva e Luna, que reprovou a fala do então Comandante do Exército, em tese, seu subordinado, apesar de terem a mesma patente. No portal de notícias TV 247, foi publica a manchete: “Ministro da Defesa confronta comandante do Exército e defende respeito ás eleições”. Segundo a reportagem o General Silva e Luna, afirmou: “a Bíblia das Forças Armadas é a Constituição Federal”. Disse ainda “Não há risco nenhum de as Forças Armadas quererem aceitar ou deixar de aceitar aquilo que é legal ou institucional”. (“Ministro da Defesa confronta comandante do Exército e defende respeito ás eleições”. In: TV 247, 22 .09.2018). O Comandante do Exército sofreu oposição de seu colega, o então Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Nivaldo Rosseto, quando em 03.04.2018, de forma ousada, Villas Bôas enquadrou o Supremo tribunal Federal via twitter no momento em que este poder da República decidia sobre a concessão de Habeas Corpus ao ex- presidente Lula. Segundo Villas Bôas: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social A Ditadura Revisada •••

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e à democracia, bem como se mantem atento às suas missões institucionais”. ( VILLAS BOAS, 2018). Em contraposição o então Comandante da Aeronáutica, afirmou: “Nestes dias críticos para o país, nosso povo está polarizado, influenciado por diversos fatores. Por isso é muito importante que todos nós, militares da ativa ou da reserva, integrantes das Forças Armadas, sigamos fielmente à Constituição, sem nos empolgarmos a ponto de colocar nossas convicções pessoais acima daquelas das instituições”. (ROSSATO, 2018). Sobre se a derrota do candidato Jair Bolsonaro poderia levar a uma incursão militar. O general Edson Leal Pujol, comandante Militar do Sul afirmou no dia 17.09.2018 que “Bolsonaro não representa o Exército (…) muitas das ideias que externa, ele aprendeu na vida militar, mas ele não é um candidato do Exército ou um candidato militar” (Jacobsen, 2018). O ex-Ministro da Defesa, embaixador Celso Amorim afirmou que “Bolsonaro e Mourão são vozes minoritárias no Exército” ele demonstra preocupação com a fala de Villas Bôas, mas salienta que o Alto Comando não possui posições extremas, afirmou: “Eu não colocaria as forças armadas como como inimigas de Lula, por exemplo. Eu acho importante voltar a esse assunto. Porque eu conheço gente, inclusive em posição de comando importante, que não tem essa visão. Gente que dará posse a quem ganhar. Que acha que esse é o caminho”. (MARTINS & CARTA, 2018). O papel da cúpula do Exército no Golpe de 2016 foi discreto devido ao fato de que os poderes da República se encontravam relativamente fortalecidos e eles ainda se encontram, sobretudo o Congresso Nacional que está prestes a se renovar e o Supremo Tribunal Federal que possui novo presidente, Dias Toffoli. As ameaças de Villas Bôas jamais poderão ser subestimadas, no entanto observamos que, internamente, não existe, entre os militares, coesão, convergência de opiniões e ações para uma possível incursão armada em oposição a um resultado que represente a volta do PT ao poder. Declarações como a dos Comandantes Rosseto, Luna e Pujol demonstram que a fala de Villas Bôas possui grandes dissensões. A vitória de Jair Bolsonaro ameaçará a ordem democrática iniciada na Constituição de 1988? Período em que ocorreram grandes mazelas, mas de ampla liberdade civil, de livres expressões culturais e liberdade de imprensa. O que estamos prestes a vivenciar poderá ser o encerramento de um ciclo democrático de 30 anos. Uma parcela predominante dos eleitores brasileiros está se expressando nas urnas, dizendo que não acredita que a democracia irá oferecer-

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-lhes uma vida melhor, assim apostam suas fichas em um tacão militaresco e, saudosistas, afirmam que no tempo da ditadura não existia corrupção. Porém, esta é uma sensação artificial e que não condiz com a realidade dos fatos, pois muitos não se lembram mais de escândalos do período militar como foi o Escândalo Coroa Brastel, ocorrido na primeira metade dos anos 80, em que os ex-ministros do Governo militar do general Figueiredo (19791985) desviaram recursos governamentais na forma de empréstimo na Caixa Econômica Federal. A crença em um salvador da pátria não é nova, nem original. O primeiro caso remonta ao início dos anos 60 com a vitória meteórica de Jânio Quadros que prometia varrer a corrupção e elegeu a vassourinha como símbolo de campanha. Seu governo durou sete meses e iniciou uma crise política que culminaria com o Golpe Civil Militar de 1964. O caso mais recente e que puxa a nossa lembrança foi a eleição de Fernando Collor em 1989. Um suposto líder moral, capaz de acabar coma corrupção e os “marajás” do funcionalismo público. Neste período os brasileiros terminaram com suas poupanças confiscadas e um cenário de crise econômica e política que levou o país à hiperinflação, ao final renunciou por escândalos de corrupção. Em 2018, este já conhecido personagem político, o “salvador da pátria” volta a rondar a política brasileira. Jair Bolsonaro que pode ser eleito com a promessa de acabar com a corrupção e com os corruptos. Ele é, erroneamente, considerado um político que está fora dos “esquemas” de Brasília, o “novo” que, na verdade é velho, pois está a quase trinta anos do parlamento. O fenômeno dos “salvadores da pátria” indica que o conceito de cidadania é pouco incorporado na vida brasileira, mesmo após trinta anos da promulgação da Constituição Cidadã de 1988. Por outro lado três décadas é pouco tempo para a História do Brasil, pois fomos mais de 300 anos (1530 -1822), colonos. Por mais de 60 anos (1922-1989), súditos, vivemos quase trinta anos de voto de cabresto (1995 -1930), passamos por duas ditaduras, a do Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Civil-Militar (1964 -1985). Ainda sim, hoje, quando falamos em cidadania, não estamos falando de todos os brasileiros. A cidadania plena é reservada a elite brasileira, o restante se resume aos indivíduos que possuem cidadania relativa e os não-cidadãos que ocupam as periferias brasileiras. É possível que estejamos perdendo o A Ditadura Revisada •••

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rumo, deixando de lado a busca pela cidadania plena e equivocadamente, terceirizando politicamente a nossa tarefa e, assim, entrando em mais uma zona abissal que custará várias gerações até ser superada e não demorarão a dizer: “éramos felizes e não sabíamos”. Sérgio Moro Ao observar a atuação do ex-juiz Sérgio Moro na condução da Operação Lava-Jato, sobretudo neste final de 2018, em que se exonerou do cargo de Juiz Federal para assumir o superministério da justiça no governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, no próximo dia 01 de janeiro de 2019. Ao acompanhar seus atos, pensamos em algumas personagens da História como Girolamo Savanarola (1452-1498) já mencionado pelo professor emérito da Unicamp Rogério Cesar Cerqueira Leite em seu artigo de 13.10.2016 intitulado “Desvendando Moro”. Savanarola foi frei dominicano e se tornou uma espécie de ditador moral em Florença do século XV. Declarava-se um profeta e, em seu Compendium Revelationum associava a corrupção clerical a um dilúvio de pecados e libertinagem. Considerava Florença como a Nova Jerusalém, ou seja, o novo centro do cristianismo no mundo. Foi promotor das chamadas “fogueiras das vaidades” onde eram queimados livros de Dante Alighieri, Ovídio, obras de arte de Boccaccio, Botticcelli, estátuas, máscaras. Segundo Cerqueira Leite (2016), Savanarola não teria existência histórica, caso a Itália do renascimento não fosse um terreno fértil à corrupção clerical e aristocrática. O Governo Bolsonaro tem como figura de proa o ex-juiz Sergio Moro ao qual comparamos a Savanarola. Resguardadas as diferenças, sobretudo as particularidades históricas, trata-se do mesmo contexto similar ao do florentino. A associação criminosa entre empresários e políticos que promovem a corrupção na estatal do petróleo brasileira Petrobrás pode ser comparada ao clero e à aristocracia dos tempos de Savanarola que promoviam corrupção na Igreja. Para Cerqueira Leite, a corrupção é um pretexto moral, no fundo trata-se de uma intolerância moralista que parte do pressuposto de que o plebeu que ascende ao poder é um usurpador e precisa ser removido, pois está retirando o poder da aristocracia. Moro assim como Savanarola atua invocando os preceitos éticos, mas a questão de fundo é o

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conservadorismo, o moralismo, um purismo apenas ideológico. Moro tem cometido grandes deslizes éticos e que podem reforçar o argumento de Cerqueira Leite. Um dos questionamentos foi o fato de que enquanto juíz ter recebido auxílio moradia mesmo possuindo imóvel em Curitiba. Sobre isto, o então juiz, respondeu que recebia o benefício, pois era uma forma de repor as perdas salariais dos últimos anos. Já indicado como ministro em 2018, em entrevista coletiva em Curitiba foi perguntado sobre o Caixa 2 do Deputado Onyx Lorenzoni ( DEM-RS), seu futuro colega, indicado para o cargo de ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Moro afirmou que “Ele já admitiu e pediu desculpas”. Em 2017, em palestra proferida em Harvard, Moro afirmou que: “Temos que falar a verdade, a Caixa 2 nas eleições é trapaça, é um crime contra a democracia. Corrupção em financiamento de campanha é pior que desvio de recursos para o enriquecimento ilícito”. Em entrevista a radio gaúcha, o deputado Onyx admitiu que utilizou dinheiro de caixa 2 para financiamento de campanha, confessou: “Final da campanha, reta final, a gente cheio de dívidas com fornecedores, pessoas, eu usei o dinheiro. E a legislação brasileira não permite fazer a internalização desse recurso”. O Senado Roberto Requião ( PMDB -PR) ironizou o fato ao protocolar um projeto de lei, intitulado: “Lei Lorenzoni”. Este PL prevê o perdão de todos os políticos pelo uso de Caixa 2 , caso façam um pedido de desculpas. Outra questão. Segundo o Deputado Paulo Pimenta ( PT-RS) Moro não poderia ter se exonerado, pois responde a processos disciplinares no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e, é possível que seu pedido de exoneração seja revisto. O governo Bolsonaro (2019-2022) estará sob uma forte influência teocrática, isto devido ao apoio que obteve de amplos setores religiosos, principalmente os evangélicos. Dentre estes se destacam o Bispo Edir Macedo da igreja Universal do Reino de Deus e dono da TV Record, a bancada evangélica na Câmara dos Deputados e no Senado federal. O aumento de ataques à comunidade LGBT é fruto de uma limpeza moral de parte expressiva da sociedade brasileira bem ao estilo de Savanarola e sua “fogueira das vaidades”. Neste contexto, Moro é o mais importante ministro de um governo que pretende classificar como terroristas os movimentos sociais, dentre eles, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST ) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST ). Em perspectiva, presumimos que a missão de Moro é a extinção do petismo e do Lulismo, pois considera que o país A Ditadura Revisada •••

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deve ser limpo daquilo que considera uma degeneração moralmente política e assim vedar qualquer possibilidade do PT voltar ao poder, sobretudo construir o caminho para a sua própria eleição à presidência da Republica em 2022. Dia 01.01.2019 começará a ser aberta totalmente a caixa preta de Bolsonaro. Os últimos vestígios oferecem o indicativo de que sairá dela muita coisa reprovável à democracia. Referências: Compendium revelationum. In: ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. Disponível em: https://www.britannica.com/topic/Compendiumrevelationum. Extraído em 19.11.2018 FRAZÃO, D. Biografia de Jair Bolsonaro. Disponível em: https://www. ebiografia.com/jair_bolsonaro/. Extraído em 25.11.2019 JACOBSEN, G. “Bolsonaro não representa o Exército” diz general Comandante Militar do Sul. Disponível em: http://www. ceilandiaemalerta.com.br/2018/06/13/bolsonaro-nao-representa-oexercito-diz-general-comandante-militar-do-sul/. Extraído em 26.09.2018 LEITE, R. C. Desvendando Moro. In: Cultura e Sociedade, 13.10.2016. Disponível em: http://rogeriocerqueiraleite.com.br/desvendando-moro/. Extraído em 18.11.2019. MARTINS, M.; CARTA, M. Celso Amorim: ‘Bolsonaro e Mourão são vozes minoritárias no Exército’. Carta Capital – Política – Entrevista Celso Amorim, 23/09/2018. Disponível em: https://www.cartacapital.com. br/revista/1022/bolsonaro-e-mourao-sao-vozes-minoritarias-no-exercito. Extraído em 26.09.2018 “Ministro da Defesa confronta comandante do Exército e defende respeito ás eleições”. In: TV 247, 22.09.2018. Disponível em: https://www.brasil247. com/pt/247/poder/369645/Ministro-da-Defesa-confronta-generalVillas-B%C3%B4as-do-Ex%C3%A9rcito-e-defende-respeito-%C3%A0selei%C3%A7%C3%B5es.html. Extraído em 19.11.2018 Quem foi Savonarola? In: Editora Cleofas. Disponível em: https://cleofas. com.br/quem-foi-savonarola-eb/ Extraído em 19.11.2018 ROSSATO, N. Comandante da Aeronáutica emite esclarecimento sobre contexto atual do País. Disponível em: http://www.fab.mil.br/ noticias/mostra/31878/INSTITUCIONAL%20-%20Comandante%20 da%20Aeron%C3%A1utica%20emite%20esclarecimento%20sobre%20 contexto%20atual%20do%20Pa%C3%ADs. Extraído em 17.05.2018

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Sobre Caixa 2 de Onyx, Moro disse: “Ele já admitiu e pediu desculpas”. In: FÓRUM, 06.11.2018. Disponível em: https://www.revistaforum.com. br/sobre-caixa-2-de-onyx-moro-disse-ele-ja-admitiu-e-pediu-desculpas/ Extraído em 19.11.2018 VILLAS BOAS, E. In: Twitter, 03.04.2018. Disponível em: https://twitter. com/Gen_VillasBoas/status/981315180226318336?tfw_site=UOL&ref_ src=twsrc%5Etfw&ref_url=https%3A%2F%2Fnoticias.uol.com.br%2Fpoli tica%2Feleicoes%2F2018%2Fnoticias%2F2018%2F04%2F04%2Fcelso-demello-responde-a-general-do-exercio.html. Extraído em 17.05.2018.

ANEXOS

Repercussão mundial da chegada de Bolsonaro ao poder no Brasil em imagens.

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Este livro foi composto por fonte Garamound, 12 pt Impresso em preto Papel Polen Soft 80 g/m² no miolo Papel Supremo Altoalvura 25o g/m² na capa no Formato 16 x 22 cm


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