Exposição "I Guerra Mundial"

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1914

1918

Centenรกrio da

GRANDE GUERRA


“Um belo dia a indiscreta e arrepiante senhora mobilização bate-me à porta. Bateu, intimidou e desandando

furibunda sem me ouvir as tristes súplicas que fazia por me arrastar de um ninho amoroso constituído ainda há pouco tempo, toda orgulhosa do seu poder, batendo aqui, batendo acolá, a todas as

portas onde farejava,

necessidade entregue ao aconchego dos seus lares, obriga esta a levantar-se, a uniformizar-se, a partir.” FREITAS, Pedro de - As minhas recordações da Grande Guerra.

Há 104 anos atrás, o atentado de Sarajevo, que vitimou o herdeiro do trono austro-húngaro, desencadeou uma crise militar e diplomática de consequências imprevisíveis. O incidente de 28 de junho surgiu num contexto internacional instável e que, devido ao

sistema de alianças pré-existentes, despoletou um conflito à escala

mundial, num confronto que mudaria, para sempre, o mapa geopolítico e criaria uma nova ordem mundial. É o fim do mundo tradicional e conservador do século XIX e o começo de um caos global, que se prolongaria por duas décadas com profundas clivagens internacionais.

Relembrar o Passado, Evocar a Memória de um povo é fundamental para a construção da sua História, da sua Identidade. Temos de ser capazes de reverter o progressivo apagamento da memória deste conflito. O século XX foi talvez um dos mais negros da

História, que traiu as esperanças que os finais do século XIX haviam

depositado e que nos lembra quão trágica pode a história ser. O esquecimento daquela que foi a primeira Grande Guerra do século XX aconteceu quando deflagrou outra em 1939, que a desclassificou e despojou do seu estatuto, substituindo-a por uma mera data. Ao “negligenciarmos” este conflito estamos a esquecer os milhões de soldados que morreram e que foram feridos em combate. A “guerra que acabaria com todas as guerras” teve consequências tão devastadoras que se sentem ainda nos dias de hoje. Direta ou indiretamente, a Grande Guerra deixou marcas nas instituições, nas economias, nos comportamentos, nas mentalidades e no inconsciente coletivo. Sob a ruína dos impérios históricos e a queda das dinastias seculares consagram-se novos países. É a vitória da Democracia. O domínio britânico é abalado com a guerra, os impérios Austro-Húngaro, Russo, Alemão e

Otomano são os grandes vencidos da guerra. Com este conflito surgem os EUA, que uniram o seu desejo de expansão à fraqueza e instabilidade dos países vencedores da Europa. Os anos vindouros trouxeram o esforço da recuperação social e emocional da reconstrução, a dificuldade da inclusão de uma nova classe social os ex-combatentes de guerra e o começo de um mundo novo carregado de políticas extremistas, à esquerda e à direita, que conduziriam a um conflito ainda mais destrutivo e aterrador, a Segunda Guerra Mundial. A participação de Portugal neste conflito, quer no teatro de operações africano, quer europeu, envolveu milhares de homens, cuja memória deve ser preservada e honrada, pessoas comuns que, em nome da Pátria e da soberania nacional, deixaram os seus lares e partiram para o desconhecido, motivados por questões patrióticas, financeiras e até aventureiras. No Arquivo Histórico de Albufeira não queremos deixar cair no esquecimento os “heróis” desconhecidos desta terra que lutaram, no inferno das trincheiras, pela liberdade, contra a tirania, a opressão e o medo.


ANTECEDENTES - 1914

1882 - Alemanha, Áustria-Hungria e Itália formam a Tríplice Aliança. 11 de janeiro de 1890 - A Inglaterra apresenta o ultimato a Portugal sobre os direitos territoriais do Mapa Cor-de-Rosa, área entre Angola e Moçambique. janeiro de 1894 - Aliança entre a Rússia e a França. 16 de junho de 1896 - Apesar dos direitos de soberania de Portugal sobre todos os territórios ao sul do rio Rovuma, uma força naval alemã ocupou o posto de Quionga e zona envolvente, a sul desse rio.

abril de 1904 - Inglaterra e França formam a Entente Cordiale. 01 de fevereiro de 1908 – O Rei D. Carlos e o Príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, são assassinados no Terreiro do Paço.

Prisão de Gavrila Prinzip, pelo assassinato do Arquiduque Franz Ferdinand em Sarajevo (Wikimedia)

Partida da expedição de Alves Roçadas e Massano de Amorim para África. PT-AHM-FE-CAVE-JBGR-1-0578. (AHM)

Outubro de 1908 - A Áustria-Hungria anexa a Bósnia-Herzegovina. 05 de outubro de 1910 - Proclamação da República em Portugal. O Rei de Espanha faz múltiplas diligências em Londres para obter autorização para uma intervenção militar que restabeleça a monarquia em Portugal. 01 de julho de 1911 - A 3.ª Crise Marroquina foi um conflito entre a Alemanha e a França, sobre o domínio de Marrocos que, por pouco, não antecipou a Primeira Guerra Mundial. 1912 - Segunda conveção secreta entre Alemanha e Grã-Bretanha para uma eventual divisão das colónias portuguesas. A recente República portuguesa tem conhecimento do documento secreto e teme o pior.

1914 28 de junho - Atentado de Saravejo - Assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, na Bósnia. 28 de julho de 1914 - Declaração de guerra da Áustria-Hungria à Servia com o apoio da Alemanha. 01 - 04 de agosto - No dia 1 de Agosto, a Alemanha declara guerra à Rússia, provocando o eclodir da 1.ª Guerra Mundial. Entre o dia 1 e 4 de Agosto, os países beligerantes vão ocupando os seus lugares de acordo com as alianças diplomáticas previamente estabelecidas. Desta forma, a Alemanha declara guerra à França, a Alemanha invade a Bélgica até então neutra, a Grã-Bretanha declara guerra à Alemanha. Os EUA declaram que mantêm a política de neutralidade em relação aos assuntos europeus, tal como tinha sido preconizado por George Washington. 04 de agosto - Com a declaração de guerra da Grã-Bertanha à Alemanha, os navios alemães surpreendidos pela guerra no alto mar, recebem ordens para se dirigirem rapidamente para os portos neutros mais próximos. Setenta e dois navios alemães entram em portos portugueses, onde são de imediato imobilizados, com a sua guarnição a bordo.


07 de agosto - O Congresso concede ao Governo Português autorização para intervir militarmente na guerra e a 12 de agosto foi decretado o envio de expedições militares para Angola e Moçambique. 23 agosto - 02 setembro - O Japão declara guerra à Alemanha e a Áustria-Hungria invade a Polónia. 25 de agosto - Os alemães atacam o posto de Maziúa, no rio Rovuma, fronteira Norte de Moçambique. 06 - 12 setembro - Batalha do Marne travada no início da Primeira Guerra Mundial, que opôs o exército francês e britânico, contra os avanços das tropas alemãs, que já tinham invadido a Bélgica e o nordeste da França e se encontravam a apenas 48 km de Paris. A batalha foi ganha pelo general francês Joseph Joffre, que conseguiu

travar o avanço do exército alemão. 11 de setembro - Partida de Lisboa numa expedição militar, comandada pelo tenente-coronel Alves Roçadas, com destino a Angola. Parte igualmente a 1ª expedição para Moçambique, comandada pelo coronel Massano de Amorim. outubro de 1914 - Os Serviços Secretos ingleses dedicam-se à descodificação de mensagens alemãs, transmitidas via rádio. 19 de outubro - As batalhas na localidade de Ypres, na Bélgica, prolongaram-se durante a Grande Guerra, tendo como consequência um elevado número de baixas. 29 de outubro - O Império Otomano entra na Guerra ao lado da Tríplice Aliança ou Bloco Central. 01 de outubro - Chegada de tropas portuguesas a Moçâmedes e Angola, comandadas por Alves Roçadas. A 7 de outubro embarca a segunda expedição com destino a Moçambique, sob o comando de Massano de Amorim. 20 de outubro - Movimentos revolucionários monárquicos em Mafra e Bragança declaram-se contrários à participação de Portugal na Guerra. Os revoltosos apelam a adesão de outras unidades para derrubar o Governo. 31 de outubro - O posto português de Cuangar, na margem esquerda do rio Cubango, no Sul de Angola, é atacado por alemães. 04-07 de novembro – No dia 4 de Novembro as tropas britânicas são vencidas em Tanga, na Tanzânia, pelas tropas alemãs, e no dia 7 de novembro os Japoneses tomam a base alemã de Tsingtao na China. 30 de novembro - É estabelecida a censura para notícias militares não oficiais. 18 de dezembro - Combate de Naulila. As forças alemãs atacam as portuguesas obrigando-as a retirar, em direção a Humbe, no Sul de Angola. 25 de dezembro - Soldados que lutavam na frente europeia, de ambas as partes, fazem umas tréguas de Natal.

Cidade de Ypers após bombardeamento. (National Library of scotland)

Soldados alemães na Primeira Batalha do Marne. (Wikimedia)


A GRANDE GUERRA 1914/1918 Por José João Pais Como tudo começou A 28 de Junho de 1914 é assassinado em Serajevo, na Sérvia, o Arquiduque Francisco Fernando, o primeiro na linha de sucessão do Império Austro-húngaro. Apesar de não se ter provado o envolvimento do governo sérvio no atentado, a Áustria considerou-o responsável pela referida morte, pelo que em 28 de julho lhe declarou guerra. Estava dado o tiro de partida para a que viria a ser chamada de Grande Guerra. Em seguida, o sistema de alianças que unia diversos países é ativado, pondo assim em movimento várias nações com acordos entre si. Os primeiros passos foram dados pela Alemanha que apoiou a decisão do governo austríaco com quem tinha um acordo de cooperação militar. Por sua vez, a Rússia czarista, que se assumia como protetora dos eslavos balcânicos, foi em socorro da Sérvia. Acontece que a França também estava ligada à Rússia por uma aliança,

pelo que, a 3 de agosto, a Alemanha lhe declara guerra. A 4 de agosto os alemães violam as fronteiras belgas que tinham uma politica de neutralidade e um acordo de defesa dessa neutralidade com a Inglaterra. Esta, vendo os belgas atacados, declara guerra aos agressores. Foi assim, por via das alianças, que o mundo se dividiu em dois blocos para fazer a guerra. Alemães, austro-húngaros e império otomano integram a Tripla Aliança. Fez-lhe frente a Tripla Entente, os chamados Aliados, composta pelo Reino Unido, a Rússia, a França e, a partir de 26 de abril de 1915, a Itália, que se desvinculou da Tripla Aliança. Portugal entra oficialmente na guerra em 9 de março de 1916 ao lado da Inglaterra. Numa fase já adiantada, em abril de 1917, os Estados Unidos, após o afundamento do navio Lusitânia, em Maio de 1915, com muitos americanos a bordo, decidiram acabar com a sua tradicional política isolacionista relativamente à Europa e vão em socorro dos Aliados. Todos pensavam que o conflito se resolveria em poucos meses, mas durou 4 anos. Combateu-se na Europa, na África e na Ásia, por isso se designou de 1ª Guerra Mundial. O resultado final foi dramático: 10 milhões de mortos entre civis e militares, milhões de feridos e deslocados e muita destruição, sobretudo na Europa. A paz

foi assinada no dia 11 de novembro de 1918.

Portugal e as colónias Quando a guerra começou a República tinha apenas 4 anos de vida. A situação política era explosiva. Greves e prisões de grevistas, agitação nas ruas e no Parlamento, assaltos a estabelecimentos comerciais acusados de açambarcarem produtos. Governos de vida curta e difícil era o dia-a-dia desde a instauração da República. Desde então já tinham tomado posse 6 governos, o que mostra bem o efervescente ambiente político destes anos do novo regime. Quando a guerra começou, em julho de 1914, o governo era liderado por Bernardino Machado. No início do conflito, Portugal assumiu uma posição de neutralidade que não punha em causa a secular aliança com a Inglaterra, nem as boas relações com os alemães. Contudo, participar ou não na guerra era fonte de grandes discussões. Os portugueses dividiram-se quanto a esta questão. Uns defendiam a entrada, os chamados

guerristas, liderados pelo Partido Democrático, de Afonso Costa. Outros eram totalmente contra, os antiguerristas, como era o caso da União Operária Nacional e o grupo de Machado Santos, um dos heróis da República. Os primeiros apontavam motivos políticos, estratégicos e territoriais para participar na guerra. Consideravam que a jovem República necessitava de se afirmar politicamente no contexto internacional e a participação na guerra ao lado de grandes potências era uma boa oportunidade para tal. Justificavam, também, a entrada na guerra com o facto de sermos uma potência colonial. Havia que garantir a soberania nacional nas colónias, algumas das quais, como Angola e Moçambique, faziam fronteira com territórios sob influência alemã. Nesta matéria, guerristas e anti-guerristas estavam de acordo. Contudo, o governo pensava que seria imprescindível estar presente nas reuniões que se realizariam no fim da guerra para poder intervir e impedir qualquer movimentação que pusesse em causa os nossos direitos nesses territórios. Para que tal acontecesse tinha que ser um parceiro ativo na guerra.


O receio do governo relativamente às colónias não era descabido. Sabia da existência de um acordo para repartir os territórios de Angola e Moçambique por ingleses e alemães. Estes países já aí tinham grandes interesses

instalados, sobretudo em Moçambique, que era um território alugado às companhias majestáticas, como a companhia do Niassa e de Moçambique. Várias cimeiras secretas anglo-germânicas realizadas entre 1893 e 1913, tinham abordado a partilha das colónias portuguesas. Segundo refere A. J. Hannah, citado por Henri Brunschwig, no seu livro “Partilha da África” (p. 69), “Sempre incitados à acção pelos défices portugueses, e desejosos de controlar o caminho-deferro de Lourenço Marques ao Transval, Ingleses e alemães, enquanto afirmavam a integridade das colónias portuguesas, assinaram em 30 de agosto de 1893 acordos secretos no caso de Portugal não poder já assumir a administração do seu império, este seria dividido entre os contratantes, com exclusão de uma terceira potência (a França). O porto de Ambriz seria reservado à Alemanha. A guerra dos Boéres, o arrefecimento das relações entre a Inglaterra e Alemanha, a 1ª guerra mundial, impediram a realização destes projectos”. Outra opinião, bastante significativa sobre os “apetites” que incidiam sobre as nossas colónias, está refletida nas palavras do general alemão Bernhardi, um oficial muito apreciado entre o oficialato português da época, que

escreveu diversos livros sobre a grande guerra. Num artigo de Victoriano Serra, publicado na Revista Militar nº 2, de fevereiro de 1916 (p. 74), (ainda não estávamos em guerra com a Alemanha), é analisado o pensamento daquele general sobre a guerra. Relativamente a Portugal, Bernhardi diz que “apenas contaremos com ele para nos apoderarmos das suas colónias”. Um desastre financeiro ou politico em Portugal poderá dar ocasião a que adquiramos uma parte das suas colonias. Um acordo já existiu entre a Alemanha e a Inglaterra para essa partilha, acordo que não tem tido publicidade, e que até parece ter sido posto de parte pela Inglaterra, visto que num convénio recente garantia àquele país a posse de todas as suas colonias”. Dito isto, o governo português temia, de facto, pela sorte das suas colónias no fim da guerra. Na sequência destas preocupações é publicada na Ordem do Exército nº 19, de 21 de agosto de 1914, a formação de duas expedições militares a enviar para Angola e Moçambique. O objetivo oficial destas forças era controlar e pacificar os indígenas. Mas, prevendo outro tipo de intervenção, em 23 de novembro desse ano, o Governo pediu

autorização ao Parlamento para “intervir militarmente quando entendesse conveniente e necessário aos nossos altos interesses e deveres de nação livre e aliada de Inglaterra”. Nessa perspetiva, o Conselho de Ministros discutiu, também, a organização de uma força para, eventualmente, combater na Europa. A guerra começou no fim de julho de 1914 com Portugal numa posição de neutralidade como já referi. Contudo, mesmo não estando em guerra connosco, no dia 25 de agosto de 1914, uma força alemã atacou e matou a guarnição do posto fronteiriço de Maziua, a norte de Moçambique. Engano, disseram os alemães. E assim se desculparam. Dois meses depois, em outubro, ocorreram a sul de Angola, em Naulilla e Cuangar, novos confrontos entre portugueses e alemães com acusações mútuas de agressão e com muitas baixas do lado português. Foi grave, mas não houve declaração de guerra de Portugal à Alemanha.

Reduto alemão na frente de Namoto. PT AHM-FE-CAVE-GGA2-0169. (AHM).

Militares na trincheira.PT AHM-FE-CAVE-GGA20174. (AHM)

Coluna militar a fazer o atravessamento de rio. PT AHM-FE-CAVE-GGA2-0178. (AHM)


Foi com este pano de fundo que, mês e meio depois de ter começado a guerra, partem as primeiras expedições para Angola e Moçambique. No dia 11 de setembro de 1914 embarcam dois contingentes, um destinado a

Porto Amélia, a norte de Moçambique, comandado pelo tenente-coronel Massano de Amorim e o outro, liderado pelo tenente-coronel Alves Roçadas, que iria desembarcar em Moçâmedes, no sul de Angola. Em 1915 envia-se uma segunda expedição para Angola, chefiada pelo gen. Pereira d’Eça. Para Moçambique seguiriam mais três, comandadas respetivamente pelo major Moura Mendes, coronel Garcia Rosado e Sousa Rosa. Em Angola a 1ª expedição ficou marcada pela batalha de Naulilla a 18 de dezembro de 1914. Foi um momento difícil para as nossas forças e para o seu comandante Alves Roçadas que sofreram uma derrota pesada e muitas baixas. Tivemos 3 oficiais mortos, o capitão Homem Ribeiro, o Tenente Sereno, que estivera na origem do 1º incidente em Naulilla a 19 de outubro, e o Alferes Alves. Morreram também 54 praças europeias e 12 indígenas. Entre os feridos registam-se 5 oficiais, 61 praças europeias e 10 indígenas. Por outro lado, verificase que 3 oficiais e 62 praças ficaram prisioneiros dos alemães. Estes registaram 10 oficiais e 12 praças mortos e 20 feridos. (in: Livro, O 14 de Infantaria, ob. cit.). Além das baixas, estes combates levaram ao abandono de muitos fortes que eram o único sinal da presença portuguesa nas vastas regiões do sul de Angola. A 2ª

expedição reocuparia essas posições e conseguiria dominar o gentio mais adverso. O ponto alto em termos militares, que fez esquecer o desastre de Naulilla, foi a vitória sobre as forças do soba Mandume pela posse das cacimbas de Môngua. Em 1916 já não havia guerra em Angola, pois a 9 de julho de 1915 as forças alemãs haviam sido derrotadas pelas tropas da União Sul Africana, cessando assim a sua atividade na zona. Em Moçambique, o feito mais assinalado foi a reocupação, em 10 de abril de 1916, de Quionga, ocupada pelos alemães desde 1894. Apesar da operação ter decorrido sem qualquer troca de tiros pois os ocupantes abandonaram antecipadamente o local, tal seria considerado como um grande feito de guerra, glorificado no Parlamento e nos jornais. Aventurámo-nos, também, em território alemão, para lá do Rovuma, mais por pressão política de Lisboa, do que por iniciativa do líder da expedição. Ocupámos, de facto, o fortim alemão de Nevala entre 26 de outubro e 28 de novembro de 1916, altura em que fomos obrigados a retirar em condições dramáticas. Seguiram-se reveses militares com muitas baixas às mãos do general alemão Lettow-Vorbeck,

primeiro em Negómano, a 27 de outubro de 1917, e a finalizar, em Nhamacurra, a 3 de julho de 1918, onde uma força anglo-portuguesa foi aniquilada. Durante estes 10 meses os alemães “passearam-se” por Moçambique sem qualquer oposição. Se na parte operacional o que mais sobressaiu nas expedições a Moçambique foi a desorganização, o improviso, a falta de preparação das tropas e, de um modo geral, a pouca aplicação dos oficiais, no plano sanitário os problemas foram mais graves. A maioria das baixas sofridas foi por doença. De facto, dos 2.063 militares europeus que aqui morreram entre 1914 e 18, só 58 caíram em combate e os restantes 2.005 (93%) faleceram por doença. Não se pode dizer que a campanha em Moçambique tenha sido um sucesso militar, bem pelo contrário.

Formação do Corpo Expedicionário Português – a caminho da Flandres

No dia 24 de fevereiro de 1916 Portugal, a pedido da Inglaterra, confiscou os barcos alemães atracados em portos nacionais. Por esse facto, a 9 de março, a Alemanha declarou-nos guerra. A partir de então os esforços concentram-se na formação do Corpo Expedicionário Português (CEP) a enviar para França. A preparação do Corpo Expedicionário Português (CEP) decorreu em Tancos, no distrito de Santarém, de abril a julho de 1916. Esta tarefa ficou a cargo do então Ministro da Guerra, General Norton de Matos, apoiado pelo General Tamagnini. Foi o próprio Norton de Matos que usou a expressão “Milagre de Tancos” quando nos seus relatórios descreveu a forma eficaz como se transformaram em soldados aptos e capazes para um conflito duro, homens que, pouco tempo antes, tinham uma vida civil, pacata e tranquila. Num misto de organização/ improvisação, em escassos três meses, deu-se instrução a mais de 20 000 soldados para participarem na guerra europeia, o maior contingente de sempre do exército português, até àquele momento.


Os homens estabeleceram-se no grande acampamento, que ficou conhecido como “Cidade de Paulona”, precisamente por existirem muitas tendas de pau e lona montadas naquela zona. O governo fez um grande

esforço financeiro com a aquisição de 300 camiões aos EUA, 4 000 cavalos à Argentina, a Grã-Bretanha forneceu armas, rações de combate e, mais tarde, o próprio transporte para França. Em França, confirmar-se-ia que a instrução não havia sido a mais adequada em termos táticos, os militares tiveram dificuldades em adaptar-se à realidade da “guerra de trincheiras” e que o equipamento e fardamento que os soldados portugueses possuíam não eram apropriados para a mesma. Ficou assente com a Inglaterra que o CEP seria integrado no 1º Exército britânico, que lhe forneceria as armas e apoio logístico. Acordou-se, ainda, na formação do Corpo de Artilharia Pesada (CAP) que atuaria integrado em unidades inglesas e com armas fornecidas por estas. O CAP recebeu instrução na Inglaterra, nos campos de Roffey e Hazeley-Down-Camp e na escola de tiro de Lydd. A pedido dos franceses foi constituída em 26 de dezembro de 1916 outra força de artilharia pesada. O Corpo de Artilharia Pesada Independente (CAPI), também chamado de CALP, Corps de Artillerie Lourde Portugaise, ficou sob o comando francês e teve instrução em França, em Bailleul-sur-Thérain. Registou escassa actividade

operacional. Mais de 55.000 homens seriam colocados em França durante o ano de 1917. Os primeiros partiram em finais de janeiro. Desembarcavam em Brest e depois faziam mais de 800 km de comboio até Aire-sur-La Lys, nos arredores da qual ficavam os acantonamentos. Aí também se instalaram escolas de instrução onde os militares aprendiam a manejar novas armas, a máscara antigás e métodos mais modernos de combate. É que esta guerra introduziu novas tecnologias, como a aviação, os tanques de combate, a guerra química e armas mais eficientes e mortíferas. Depois do período de treino, as tropas vão entrando na zona que lhes cabia defender. O setor português ficava junto à fronteira franco-belga, na Flandres. Situava-se perto de Lille, então ocupada pelos alemães. Ia de Armentières a La Bassée e de Merville a Béthune. Era um terreno plano, rodeado de rios e canais, como o rio Lys, que o tornavam alagadiço e frio no inverno. O inverno que os portugueses aí suportaram em 1917/18 foi muito agreste, com temperaturas a rondar os 20º negativos, muita chuva e neve, que tornou a vida mais difícil nas trincheiras. Clima e alemães foram os grandes inimigos que tivemos que defrontar na

Flandres. O setor português tinha no dia 8 de abril uma extensão de cerca de 11km, dividido por 3 sub-setores: Ferme Du Bois, Neuve Chapelle e Fauquissart. No dia 4 de abril de 1917 tomaram lugar nas trincheiras os primeiros batalhões da 1ª Divisão portuguesa. Esse dia ficou logo tristemente assinalado pela morte do primeiro soldado português na Grande Guerra, António Gonçalves Curado. A 2ª Divisão só começaria a defender o setor em novembro. Ficaram ambas nas trincheiras até à primeira semana de abril de 1918. A partir de março de 1918 os alemães haviam ficado mais ativos na frente ocidental em virtude da assinatura do Tratado de Brest-Litowsk com os russos, o que lhes permitiu transferir milhares de homens e armas da frente russa para esta zona. De facto, segundo conta o capitão Carlos Olavo “neste mês de março o inimigo parece ter enraivecido, e bombardeia constantemente todos os pontos em que consegue descobrir o mais ligeiro indício de

movimento” (Olavo, ob. cit.). Nesta altura os batalhões da 1ª Divisão já tinham 11 meses de trincheiras e a 2ª Divião 5 meses, todos eles com muitas baixas e com a resistência moral e física no seu limite mais baixo. Devido ao estado de exaustão dos militares, os comandos ingleses decidiram-se pela retirada das duas divisões portuguesas para a retaguarda. A 1º Divisão saiu no início de abril e a 2ª Divisão iria a 9. Mas, já não partiu. No dia 9, pela madrugada, começou um violento bombardeamento da artilharia alemã seguido do avanço da infantaria. Os batalhões que estavam na frente, reduzidos em pessoal e com a força física e anímica em baixo, foram dizimados. Às primeiras horas do dia 9, Infantaria 1 e 2, por exemplo, tinham perdido 70% do seu efetivo.


Os outros batalhões também não conseguem resistir àquela onda avassaladora e retiraram com muitos dos seus oficiais e soldados mortos, feridos ou prisioneiros. Contudo, alguns focos de resistência glorificaram o exército

português nesses dias, como aconteceu em La Couture, havendo também muitos casos individuais de grande heroísmo, onde ressalta a ação do mítico soldado Milhões, da Brigada do Minho. Nos combates junto ao rio Lys, a 2ª Divisão registou 29 oficiais e 369 sargentos e praças mortos e 6.585 prisioneiros (Henriques e Leitão, ob.cit. p79). Este rácio entre mortos e prisioneiros levou os ingleses a acusarem os portugueses de falta de resistência. Depois de 9 de abril o CEP ficou inoperacional deixando de existir como Corpo de Exército. O próprio comandante, general Tamagnini Barbosa, foi substituído pelo general Garcia Rosado. Grande parte dos militares vão efetuar trabalhos de retaguarda, reparar trincheiras, caminhos, pontes e outros do género. Contudo, algumas unidades reorganizam-se, mantêm atividade operacional integrados em unidades britânicas e marcaram presença nos combates finais da guerra na zona do rio Escalda. No dia 11 de novembro de 1918 é assinada a paz. A partir daí os nossos militares ficam a aguardar o repatriamento, que aconteceria ao longo de 1919. Maior ansiedade tinham os milhares de prisioneiros espalhados pelos campos alemães que, com grande dificuldade conseguiram chegar aos portos holandeses e ao contacto com as autoridades militares.

Todos iriam encontrar um país em situação difícil, ainda a chorar os milhares de mortos da gripe pneumónica, a que se juntavam agora milhares de estropiados e gaseados da guerra. O futuro não era risonho para ninguém. Este descontentamento estaria na génese do golpe militar de 28 de maio de 1926 e da ditadura que a partir daí se instalou, que teve a participação ativa de muitos oficiais do Corpo Expedicionário Português. Mas, isso é outra história. O número de mortos, feridos e inutilizados foi de 14.623 em França e de 21.000 em África, tendo sido mobilizados 55.000 homens para França, 50.000 para África e 12.000 para outras colónias .

Artigos Eletrónicos: FERREIRA, João J B (Tenente Coronel) - Portugal na I Guerra Mundial. Revista Militar. Nº 2553 (2014). [Consult. 22 Abr. 2018]. Disponível internet: <http:// www.revistamilitar.pt>

Bibliografia consultada: BRUNSCHWIG, Henri - A Partilha da África. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1972. CARVALHO, Vasco - A 2ª Divisão Portuguesa na Batalha do Lys. Lisboa: Lusitânia Editora Lda., 1924. HENRIQUES, Mendo Castro e LEITÃO, António Rosas - La Lys - 1918 - Os Soldados Desconhecidos. Lisboa: Tribuna da História, 2001. OLAVO, Américo - Na Grande Guerra. Lisboa: Edições Vercial, 2010. PÉLISSIER, René - História das Campanhas em Angola - resistências e revoltas 1845-1941. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, pp. 164-228. PÉLISSIER, René - História de Moçambique - Formação e oposição 1854-1918. 2º Vol. Lisboa: Edição Estampa, 1997.


Recrutamento para a Grande Guerra, Canadรก. (Wikimedia)

Partida de Tropas para a ร frica. PT-AHM-FE-CAVE-JBGR-2-2016. (AHM)

Recrutas no gabinete de recrutamento de Whitehall, Londres. (World War Museum)


A 1ª GUERRA MUNDIAL E A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA MILITAR Por Bruno Miguel Carvalho A 1ª Guerra Mundial é considerada como o início da modernidade, as suas características destrutivas vieram mandar por terra muitos dos conceitos do século anterior. Nas várias áreas verificou-se inúmeras alterações, politicamente o mapa geográfico da Europa alterou-se, em termos sociais, minorias como as mulheres omeçaram a ter um papel mais predominante na sociedade e ao nível tecnológico verificaram-se grandes avanços no armamento. Mar - Ao longo da história, o mar sempre deteve um papel fundamental nas trocas culturais e comerciais entre os povos. Assim sendo, quem conseguisse dominar o mar submeteria a sua vontade aos outros e por princípio do séc. XX esta realidade pertencia à Inglaterra. No entanto, a Alemanha, que surgia como nova potência mundial pretendia reafirmar-se e para isso necessitava de uma forte armada capaz de fazer frente à marinha

real britânica. Couraçados - Em 1906 surgia um novo tipo de embarcação que viria a elevar a engenharia naval a um novo nível. O Dreadnought (fig.1) totalmente diferente dos navios de guerra que se utilizavam até a altura, detinha um revestimento geral reforçado em aço, 1 a 2 canhões de alto calibre para armas ofensivas e um motor de propulsão a vapor, que mesmo com o peso do revestimento de aço, poderia chegar aos 39 km/h. O seu conceito foi tão revolucionário que no início da 1ª Guerra Mundial a Inglaterra detinha cerca de 25 Dreadnoughts seguida da Alemanha com 17 destes “super-navios”.

HMS Dreadhought da Marinha Real Britânica. (Wikimedia)

Cruzadores - Este foi outro tipo de navio que teve uma vasta utilização. Com comprimento até 130m, sendo mais pequeno que o Dreadnought, tinha como função essencial, a escolta de navios de transporte de tropas, mantimentos ou o patrulhamento em alto mar. Ofensivamente os cruzadores contavam com 2 canhões de médio calibre na proa e cerca de 8 canhões de pequeno calibre situados a bombordo e a estibordo. Podia atingir facilmente os 50km/h dando-lhe uma rapidez superior para compensar o escasso armamento ofensivo. Submarinos - Antes da Grande Guerra o submarino era utilizado para patrulhamento costeiro e defesa dos portos. Apesar de desacreditado por muitos, a partir de 1915 demonstrou grande eficácia em missões de alto mar, afundando cerca de 5.000 navios aliados. Um dos acontecimentos mais marcantes foi a destruição do navio “Lusitânia” que levou à entrada dos Estados Unidos para o conflito a favor dos Aliados.

Submarino alemã U-boat. (Wikimedia)


Entre 1914 e 1918, milhares de marinheiros e civis perderam as suas vidas no mar, 50% das embarcações civis inglesas foram afundadas e para os exércitos portugueses que atravessavam o mar de Lisboa para França este

era um perigo constante. Por questões estratégicas muitas vidas foram sacrificadas, como o caso do navio patrulha Augusto de Castilho, que a 13 de outubro de 1918 sob o comando do primeiro-tenente Carvalho Araújo batalhou contra o submarino U-139 Alemão, com o objetivo de salvar o navio a vapor S. Miguel. No entanto o comando do Augusto de Castilho não sobreviveu tendo sido em 1920 considerado um herói da República Portuguesa Ar - Uma das maiores invenções do séc. XX e inovações da 1ª Guerra Mundial foi sem dúvida a aviação, desde o primeiro bem-sucedido voo protagonizado pelos irmãos Wright, a aviação começou a ter um papel predominante na área da tecnologia militar. Avião de Reconhecimento - Numa fase inicial da guerra a aviação sendo ainda muito débil a nível tecnológico era apenas utilizada para missões de reconhecimento e observação no campo de batalha. As movimentações e posições inimigas eram apontadas pelos pilotos que depois as transmitiam para o Quartel

General de modo a que a artilharia as pudesse neutralizar. Estes aparelhos tinham também a possibilidade de manusear armas ofensivas como bombas, granadas e mesmo pregos, no entanto estas teriam de ser carregadas no cockpit junto ao piloto e lançadas à mão pelo mesmo, tornando-as ineficazes contra posições inimigas. Caças - Com o desenrolar da guerra e de modo a dar meios de proteção aos pilotos, invenções como a metralhadora começaram a ser instaladas nos caças. Este tipo de avião era responsável por patrulhamento aéreo e proteção dos bombardeiros, detinha um comprimento máximo de 6m e uma envergadura de 7m, podendo atingir uma velocidade de 60 a 150 km/h e subir a uma altura máxima de 5.000m.

Salmson 2. (Wikimedia)

Bombardeiros - Com a necessidade de infligir mais danos e em locais de maior importância estratégica, um novo tipo de avião foi pensado, o bombardeiro. Este aparelho detinha o triplo do tamanho de um caça normal podendo carregar bombas de maior calibre e atacar alvos mais distantes, como fábricas de munições e até mesmo Quartéis-generais que a artilharia não conseguia alcançar. Zeppelins - O maior dos aparelhos que dominava os céus da europa era o Zeppelin, este detinha um comprimento de 158 metros e fora criado por Ferdinand von Zeppelin, tendo diversos usos ao longo do conflito.

Numa fase inicial foi utilizado para observações aéreas, quer em terra quer no mar, tentando localizar submarinos. Por fim, foi utilizado para bombardeamentos aéreos, principalmente contra a cidade de Londres, que pela primeira vez sofreu este tipo de ataques. No entanto, este engenho aéreo provocava mais medo à vista face à eficácia dos seus ataques, devido ao seu tamanho era facilmente abatido pela artilharia aérea tendo que realizar os seus ataques durante a noite, sendo estes maioritariamente imprecisos. Nos ataques realizados à Inglaterra entre 1915-1918 cerca de 500 pessoas morrem, nada comparado com o mesmo tipo de ataques realizados durante a 2ª Guerra Mundial.


Terra - Em terra foi o local onde mais vidas se perderam durante os 4 anos do conflito, no início do confronto, entre agosto e setembro, o chamado período de movimentos, a guerra esteve para ser ganha pela Alemanha,

com os seus exércitos a ficarem apenas a 50 km de Paris. No entanto, uma abertura entre os exércitos alemães e aproveitada pelos exércitos aliados provocou uma necessária retirada dos alemães com estes a fixarem-se na área conhecida como a “Frente Ocidental” uma extensão de 700km, desde a fronteira da Suíça até ao Canal da Mancha. A dividir os exércitos encontrava-se a “Terra de Ninguém” com uma extensão entre 15 a 1000 metros de comprimento, sendo povoada por arame farpado, minas e cadáveres. Trincheiras - A grande característica da 1ª Guerra Mundial é sem dúvida as trincheiras, este tipo de estrutura militar foi largamente utilizado durante o conflito, principalmente na Frente Ocidental. No entanto, as trincheiras não podem ser consideradas uma das invenções da Grande Guerra, visto que estas surgiram em plena guerra civil americana (1861-1865) Durante a 1ª Guerra Mundial estas estruturas evoluíram para complexas redes, com 3 e 4 linhas de defesa, equipadas com dormitórios, postos médicos, peças de artilharia, entre outros. O dia-a-dia passado nas trincheiras marcava-se por longos períodos de espera reconstruindo as áreas destruídas

pela artilharia, a jogar cartas e na tentativa de dormir, dado o constante sentimento de alerta dos homens.

Trincheira. (Wikimedia)

Táticas - As táticas aplicadas numa fase inicial do conflito não foram as mais eficazes, a combinação da

metralhadora com a artilharia na defesa das trincheiras provava ser um problema para o exército que as atacava, com um ataque frontal e em larga escala. As táticas do passado demonstravam estar ultrapassadas para este novo tipo de guerra, desta forma muitas foram as novas aprendizagens que ocorreram. Um excelente exemplo são as modificações que os uniformes sofreram de modo a proteger o combatente. As calças vermelhas francesas que facilmente identificavam o militar foram substituídas por fardamento da cor da terra e os capacetes de couro dos alemães alterados para capacetes de metal de modo a dar maior proteção aos soldados. Comunicações - Uma parte importante do conflito prendia-se nas comunicaçoões, o telefone e o telegrafo, inveções recentes do séc XIX, possibilitam aos comandantes moverem rapidamente os seus exércitos. No entanto, com o inicio da Grande Guerra estes dispositivos ainda apresentavam alguns problemas, a necessidade dos aparelhos estarem conectados por fio levava a que facilmente, através de bombardeamentos ou de assaltos às trincheiras, as linhas fossem cortadas, impedindo as comunicações entre as linhas da frente e o comando.

Para resolver estes problemas os exércitos contavam com as antigas formas, para se manterem informados. Estafetas a pé, a cavalo ou de bicicleta e pombos e cães-correio percorriam as longas linhas da frente para entregar as mensagens. Durante a sua presença em França o CEP, utilizou essencialmente Estafetas, para manter os contactos entre as suas linhas. Espingardas - No início do séc. XX a espingarda era considerada a arma basilar de qualquer exército no Mundo. Espingardas como a Gewehr 98 (Alemã), a Lebel Modelo 1886 (Francesa) e a Mosin Nagant (Russa) tinham a capacidade de 5 disparos contínuos antes de um novo recarregamento, enquanto a Lee Enfield (Britânica), utilizada pelos portugueses tinha a capacidade de 9/10 tiros. Para além desta característica em cada espingarda podia ser incorporada uma baioneta, sendo utilizada nas cargas de infantaria e com objetivo de penetrar no corpo do inimigo. Com o evoluir da guerra esta arma demonstrou algumas ineficácias principalmente no combate corpo a corpo e com o final do conflito a sua utilização começava a ser ponderada.


Metralhadoras - Em 1914 a metralhadora já existia no arsenal da maioria dos exércitos europeus. Inventada em 1861 por Richard J. Gatling o seu conceito destrutivo impressionou todos os líderes europeus. No inicio da 1ª

Guerra Mundial novas versões melhoradas desta arma como a russa, Pulemyot Maxima 1910 e a Inglesa Vickers Gun foram largamente utilizadas no campo de batalha, capazes de disparar entre 500 a 600 tiros por minuto tornaram-se responsáveis pela carnificina da guerra. No entanto a sua falta de portabilidade e capacidade de movimentação contribuíram para a sua substituição. A francesa Chauchat M1915 e a inglesa Lewis Gun vieram revolucionar o conceito de Metralhadora. A partir deste momento apenas um soldado poderia deslocar este tipo de arma para qualquer ponto que estivesse a ser atacado e com a mesma cadência de tiro dizimar as tropas inimigas. Um dos mais famosos soldados portugueses da 1ª Guerra Mundial, o Soldado Milhões operava uma Lewis Gun e graças a esta arma a sua posição foi assegurada tempo suficiente para que as tropas portuguesas recuassem com segurança durante a Batalha de La Lys.

Lewis Gun. (Militaryfactory)

Artilharia - A Grande Guerra foi o auge da artilharia, os ataques às trincheiras inimigas eram na maioria das vezes antecedidos por enormes descargas contra as posições inimigas, isto servia para neutralizar os ninhos de metralhadoras e acima de tudo o arame farpado que protegia a frente da linha. Este tipo de arma dividia-se em 3 categorias gerais. A Artilharia anti-aérea que atuava contra os ataques aéreos. A Artilharia de Trincheira, onde eram utilizados os famosos morteiros Stokes, que devido ao seu alcance reduzido tinham de ser manuseados

mais na linha da frente para que o seu ataque fosse eficaz. E na retaguarda das trincheiras, encontrava-se a Artilharia Pesada de onde eram disparadas enormes “granadas” contra as posições inimigas. Um dos melhores exemplos é a maior peça de artilharia utilizada durante a guerra, a “Paris Gun” pesava 256 toneladas e era manuseada por uma equipa de 80 militares. Tinha um comprimento de 34 metros e conseguia disparar um projétil de 106 kg, podia atingir uma máxima altitude de 42 km alcançando os 130 km de distância.

Paris Gun. (Wikimedia)


Tanque - A dificuldade em capturar as trincheiras inimigas provava ser um dos desafios de maior calibre e uma solução era necessária. Em 1915, o Coronel Ernest Swinton propôs um novo carro de combate para quebrar o

impasse das trincheiras, com o apoio de Winston Churchill chegava à linha da frente o” MARK I TANK”. Utilizado pela primeira vez na Batalha do Somme em 1916 este aparelho conseguiu romper pelas trincheiras inimigas, no entanto esta nova máquina detinha ainda muitos problemas para ser considerada eficaz no campo de batalha. Com uma velocidade média de 6km/h e com um peso de 28 toneladas, a sua equipa de 8 homens tinha enormes dificuldades em operar este veículo. A elevada temperatura e gazes provocados pelo aquecimento das armas e dos motores levavam muitas vezes ao desmaio dos seus operacionais e noutras à morte.

Tanques britânicos “Mark I” .(National Library of Scotland)

Gás - O gás tornou-se uma das mais temidas armas da 1ª Guerra Mundial, mesmo com a sua proibição de uso pelas convenções de Haia de 1899 e de 1907, o gás foi largamente utilizado durante o conflito. Ao contrário do que se acreditou na época foram os Franceses os primeiros a empregar esta arma contra as forças Alemãs, em agosto de 1914, foi mais o seu efeito de medo do que a sua eficácia que justificou o exaustivo uso durante a 1ª Guerra Mundial. Os gases utilizados como o lacrimogéneo, o cloro e a mostarda provocaram a morte a mais de 90 mil pessoas e 1.3 milhões sofreram problemas de respiração e de visão, atormentando-os para o resto da vida. Para salvaguardar as tropas, inúmeros tipos de máscaras de gás foram criados, conta-se que a razão de

Adolfo Hitler utilizar o seu icónico bigode veio da utilização deste engenho visto que naquela altura todos os homens com grandes barbas tinham que as cortar para mais facilmente poder acomodar as máscaras de proteção.

Ataque de gás. (Encyclopedia)

Lança-chamas - Inventado em 1901 pelo alemão Richard Fiedler, o Lança-Chamas possibilitava o disparo de um jato de fogo até 18 metros de distância, devido à sua eficácia e o medo que provocava nos inimigos, o exército alemão foi o primeiro a utilizar esta arma a 26 de fevereiro de 1915. Mesmo com a sua popularidade este engenho não era considerado de fácil utilização, o seu combustível apenas durava 2 minutos tornando-se mais uma arma de intimidação do que uma arma eficaz para neutralizar as posições inimigas. Mesmo assim o exército alemão empregou esta arma em mais de 300 batalhas durante a 1ª Guerra Mundial, tendo os Franceses, os Ingleses e os Russos seguido o mesmo caminho.


Stormtroopers - Com o desenrolar do conflito e as trincheiras inimigas a não conseguirem ser capturadas pela infantaria, um novo tipo de tropa especial foi criado, os Stromtroopers. Constituído por pequenos grupos nunca

mais de 10 homens, armados apenas com granadas, facas ou outras armas de arremesso. Os Stormtroopers ou tropas de choque saiam durante a noite, atravessando a Terra de Ninguém e tomando de assalto posições inimigas, desde ninhos de metralhadora a postos de comando avançados. O seu objetivo era simples, atacar, neutralizar, recolher o máximo de informação, capturar prisoneiros e regressar rapidamente às suas trincheiras. Este tipo de tropa especial seria primeiramente utilizada pelos alemães, onde os voluntários destes grupos recebiam extra ração de combate e mais privilégios comparados as tropas de infantaria. Este tipo de tropa seria mais tarde aperfeiçoado e no caso alemão constituiria a base das famosas tropas SS.

Starmtroopers. (Militaryhistorynow)

Em suma a 1ª Guerra Mundial veio revolucionar e mandar por terra os ideais do mundo antigo, a implementação de novas armas de guerra implicou a alteração da maneira de combater e as próprias táticas foram condicionadas pela tecnologia militar. No entanto, inúmeros avanços na medicina e na tecnologia foram descobertos e melhorados durante a guerra. A 1ª Guerra Mundial marcou cada um dos que lutou e viveu este conflito, 10 milhões de soldados e 8 milhões de civis perderam a sua vida, todas as consequências do culminar da Grande Guerra preparou o terreno para uma segunda guerra mundial ainda mais destrutiva.

Bibliografia: -FRAGA, Luis Alves de, O Fim da Ambiguidade, A estratégia nacional portuguesa de 1914 a 1916, Ediual, 2012. - OVERY ,Richard e GRANT, RG, World War 1, The Definitive Visual Guide from Sarajevo to Versailles, Londres, Penguim Random House, 2018. - Revista Visão História nº 4, I Guerra Mundial, Portugal nas Trincheiras, Medipress, Fevereiro 2009. - Revista Visão História nº 24, I Guerra Mundial em Imagens, Medipress, Junho 2014. - Revista Visão História nº 25, 1914-1918, Portugal durante a Grande Guerra, Medipress, Setembro 2014. Netgrafia: - NEIDELL, Indy, The Great War, disponível: https://www.youtube.com/user/TheGreatWar, acedido a 12/3/2018. - http://www.historynet.com/weapons-of-world-war-i.htm, acedido a 21/2/2018 - CANAVILHAS, José Manuel, As transmissões na grande Guerra, Relatório de Soares Branco, disponível: https://historiadastransmissoes.wordpress.com/, acedido a 23/4/2018


1915 14 de janeiro - Forças Sul Africanas derrotam as tropas alemãs e ocupam Swakopmund, na Namíbia. 15 de janeiro - O Presidente da República, Manuel de Arriaga, chama a Belém os principais líderes políticos para os ouvir relativamente à participação ativa de Portugal na guerra. 20 de janeiro - Protesto contra a intervenção militar, por parte de dezenas de oficiais. Os oficiais envolvidos são conduzidos sob prisão para navios no Tejo. A 21 de janeiro, Machado Santos, o “Pai da República” manifesta solidariedade para com os oficiais presos. 31 de janeiro - Os alemães utilizam, pela primeira vez, gás em Bolimov, na Polónia. Os alemães tinham um gás de nome T-Stoff (xylyl bromide), uma

espécie de gás lacrimogéneo, no entanto devido às temperaturas

negativas o gás congelou e não provocou quaisquer danos.

Tropas portuguesas du rante o exercí ci o

RMS Lusitania. (Wikimedia)

anti-gás em Marthes. (Worl d War Museum)

03 de fevereiro - As tropas britânicas derrotam o exército turco no canal do Suez. 03 de fevereiro - Partida de tropas para Angola para fazer frente ao ataque das forças alemãs, vindas da

África Alemã do Sudoeste. 03 de março - Os alemães afundam o vapor português, Douro. 31 de março - O Governo de Pimenta de Castro manda desmobilizar as praças das unidades expedicionárias para a Europa, mantendo a mobilização das que estavam previstas partir para África. 22 de abril - Segunda batalha de Ypres, Bélgica, em que os alemães utilizam gás Chlorine, desta vez letal para as tropas aliadas. 26 de abril - Itália assina o Pacto de Londres e entra na guerra ao lado dos Aliados.


07 de maio - Submarino alemão afunda o navio de passageiros Lusitânia, vitimando 1200 passageiros. 14 de maio - Sai para a rua o golpe preparado pelo Partido Democrático, sob o comando de Leote do Rego, o que conduz à demissão de Manuel de Arriaga. 29 de maio - Governo Turco dá início à deportação em massa de arménios. 29 de de maio - Tem lugar em Angola o combate de Tchipelongo. 31 de maio - Primeiro raide alemão, feito por um zeppelin, em Londres. 07 de julho - As forças portuguesas reocupam Humbe, no sul de Angola. 05 de agosto - Forças alemãs tomam Varsóvia na Polónia. 06 de agosto - Bernardino Machado é eleito o terceiro Presidente da República. Teófilo Braga tinha sido eleito

somente para completar o mandato de Manuel de Arriaga. 18 de agosto - Combate da Mongua no sul de Angola. 24 de agosto - Regressam a Portugal os primeiros prisioneiros feitos pelos alemães em Naulila. 06 de setembro - Bulgária entra na guerra ao lado da Tríplice Aliança ou Bloco Central. 25 setembro a 14 de outubro - Tropas britânicas fazem uso de gás tóxico na batalha de Loos, França. 07 de novembro - As forças da 2ª expedição desembarcam em Porto Amélia em Moçambique. 23 de novembro - Em reunião extraordinária do Congresso da República, o Governo é autorizado a participar na guerra ao lado da Grã-Bretanha. 30 de dezembro - O Governo inglês consulta o Governo português sobre a possibilidade de requisição dos navios alemães ancorados em portos portugueses.

Comício republicano com o doutor Bernardino Machado, 1907. (Wikimedia)

Regresso a Portugal dos oficiais portugueses que foram presos pelos alemães em Naulila. PT AHM-FE-CAVE-JB-GR-1-0700. (AHM)


Com o desenrolar da guerra e o facto de não se vislumbrar o fim do conflito, os países beligerantes começam a adotar estratégias para atrair os países neutros. Os países neutrais vão-se integrando no conflito, apoiando ora uma ora outra coligação, consoante as negociações e promessas que lhes eram feitas. O primeiro país a sair da neutralidade foi o Império Otomano, que bloqueou as comunicações das forças aliadas com a Rússia e estendeu a guerra até ao Médio Oriente, seguindo-se a Itália, a Bulgária e a Grécia. O governo português envia uma segunda expedição para Angola, chefiada pelo General Pereira d’Eça, que

desembarca em Porto Amélia, Moçambique, a 7 de novembro de 1915. Para Moçambique seguiriam mais três expedições, comandadas respetivamente pelo major Moura Mendes, coronel Garcia Rosado e Sousa Rosa. No dia 9 de julho de 1915 as forças alemãs haviam sido derrotadas pelas tropas da União Sul Africana, cessando assim a sua atividade na zona.

Prisioneiros turcos em Gallipoli. (Bibliothèque National de France)

A Campanha de Galípoli, também conhecida como Batalha dos Dardanelos. Foi uma operação ofensiva conduzida pela Grã-Bretanha, esta acabou por se tornar uma das campanhas mais custosas e trágicas da Primeira Guerra Mundial. Envolveu uma combinação de forças britânicas, francesas, australianas e neozelandesas (ANZAC), numa tentativa de dominar o estreito de Dardanelos e subjugar o império Otomano, o objetivo era o de obrigar as forças alemãs a estenderem-se para mais uma frente de guerra e também obter uma rota marítima segura para a Rússia, através do Mar Negro, cuja comunicação só se podia fazer através do estreito de Dardanelos. A ineficácia do comando aliado à resistência dos turcos, resultou numa tentativa falhada, com pesadas perdas para ambos os lados. Os aliados se retiraram do local durante os meses de dezembro de 1915 e janeiro de 1916. Cerca de 480 000 soldados aliados tomaram parte Campanha, as tentativas de abrir caminho não surtiram os resultados pretendidos pelas forças aliadas. O estreito de Dardanelos permaneceu fechado para a Tríplice. Entente até o final da guerra, dificultando o apoio de Inglaterra e França à Rússia. Os britânicos e seus aliados tiveram cerca de 220 000 baixas. Houve mais de 33 600 perdas entre as tropas ANZAC. As tropas coloniais franceses tiveram 47 000 baixas. Do outro lado, as baixas turcas são estimadas atualmente em cerca de 250 000.


Tiro de metralhadora. PT AHM-FE-CAVE-GGA2-0161.(AHM)

Evacuação da baía de Suvla, Dardanelos, Penísula de Gallipoli. (Bibliothèque National de France)

Vista do Cabo de Helles, Gallipoli. (Wikimedia)

Militares indígenas junto ao matadouro. PT AHM-FE-CAVE-GGA2-0167. (AHM)


A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES PORTUGUESAS NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL Por Hélio Monteiro Quando irrompe a Primeira Grande Guerra Mundial, a vida das mulheres, um pouco por todo o lado encontrava-se atada à organização do lar e às tarefas domésticas. Apesar de longínquo, o pensamento de Platão (1), ainda prevalecia numa sociedade ocidental fortemente influenciada pelas correntes liberais mas que era estruturada em torno do modelo social patriarcal. A guerra, nova realidade emergente, era

entendida como uma atividade exclusivamente masculina. A participação feminina era tida como indesejável (Fussel, 1975). Nos países de tradição católica apostólica romana, era esperado que a mulher se comportasse de modo misericordioso, como nos demonstra a aparição de Nossa Senhora de Fátima (1917) e a profecia relativa ao final da Guerra. Insatisfeitas com a submissão e opressão a que estavam sujeitas, as mulheres desde o século XIX, agrupadas nos movimentos feministas reclamam igualdade jurídica, direito ao voto e acesso à educação e às profissões liberais assim como, declaram oposição

Nos países beligerantes, as mulheres responderam ao apelo através de uma mobilização sem precedentes, acreditando que findada a guerra o empenho das mulheres viria a ser recompensado ao nível do mercado de trabalho, do acesso a profissões até então vedadas ao género feminino como também, à obtenção de alguns direitos como o direito de voto. Na Grã-Bretanha, as organizações sufragistas Women’s Social and Political Union (1903-1917) e National Union of Women’s Suffrage Societies

(1897-1919), incentivaram a mobilização feminina. Em 1917, foi criado o Women’s Army Auxiliary Corps composto por 40 mil mulheres que prestaram serviço como mecânicas, condutoras, cozinheiras, dactilógrafas, telefonistas e secretárias, apesar das críticas e acusações, que estas desonravam o uniforme e renegavam o género. Na Alemanha, o exército feminino Nationaler Frauendienst (1914-1918), auxiliava a administração, a assistência e o aprovisionamento, com o apoio do Bund Deutscher Frauenvereine (1894-1933).

à obediência ao seu cônjuge, aos casamentos

Em Itália, o Comitato Nazionale Femminile per

arranjados e ao regime de propriedade a que as

l’Intervento Italiano (1915-1918) sugeriu o

mulheres estavam sujeitas perante o marido.

recrutamento de todas as mulheres entre os 14 e os

A participação das mulheres portuguesas na Primeira Guerra Mundial configura-se como um breve ensaio sobre a participação das mulheres portuguesas na Primeira Grande Guerra Mundial e pretende mostrar de forma sucinta o empenho e dedicação empreendida pelas mulheres portuguesas ao longo do esforço de guerra.

48 anos. Em França, o Conseil National des Femmes Françaises (1901) e a Union Française pour le Suffrage des Femmes (1909) mobilizaram as mulheres para o trabalho de voluntariado nos campos de combate, nas fábricas, nos hospitais e na assistência aos soldados e às suas famílias. Na Sérvia, as mulheres foram para a frente de combate, onde se destaca, a motorista de ambulância, Flora Sandes (1876-1956) que conseguiu

1 - A participação feminina na Primeira Grande

alistar-se no exército sérvio na Frente Oriental e, que

Guerra

em 1916, foi promovida a sargento-major. Na Rússia,

A deslocação massiva de homens nos países beligerantes para a frente de combate mobilizou as mulheres tanto para o trabalho voluntário como para o remunerado, de acordo com a classe social, as necessidades económicas mas, também, para dar resposta a anseios de libertação e de autonomia alicerçados a um espírito caritativo e patriótico. De fato, a primeira década do século XX é considerada como a Belle Époque dos movimentos feministas, que se tornaram transnacionais (Cova, 2014). acreditando que findada a guerra o empenho das

outra grande combatente, porventura a mais famosa

da Grande Guerra, Maria Bochkareva, convenceu o ministro-presidente do governo provisório Alexander Kerensky, em 1917 a formar um batalhão, o Batalhão Feminino da Morte, composto exclusivamente por mulheres, 2.000, para colmatar o elevado número de desertores no exército russo.


Com o endurecer da guerra, a mulher cada vez mais

“(...) a guerra como a grande oportunidade para as

deixa de ser invisível. Muitas ganharam fama e

mulheres mostrarem o seu valor, inteligência e

notoriedade. As suas experiências de guerra figuraram

capacidades de iniciativa na realização do trabalho ao

na imprensa diária(2). Mobilizadas tanto para as linhas

serviço da Pátria e na construção de um futuro mais

da frente como para as da retaguarda, as mulheres

progressista, a fim de merecerem o reconhecimento

passaram a interpretar novos papéis sociais

social e político que há muito ambicionavam (...)”(6).

provocados pela falta de mão-de-obra masculina, em ações diversificadas que emanciparam a condição do género feminino, afirmando a mulher como parte ativa

Com a entrada de Portugal na guerra (Março de 1916),

e determinante na sociedade. Contudo, o preconceito

um grupo de notáveis mulheres portuguesas (7)

sexista/machista coexistiu ao longo de toda a guerra,

voluntariou-se para auxiliar a nação perante a nova

prevalecendo a ideia que, em termos militares, há

realidade emergente. O resultado desta ação

mais sentido em enviar para a frente de combate, os

materializou-se em experiências no âmbito da

cidadãos fisicamente mais aptos, os homens.

intervenção social, no campo da educação, da

2 - A participação das mulheres portuguesas na Primeira Guerra Mundial

organização hospitalar, da assistência a feridos, doentes e mutilados e do apoio material e moral aos combatentes (Monteiro, 2016). Todos os movimentos

Em Portugal, as mulheres viviam reféns da sua

criados para socorrer a nação, acabam por confluir e

condição. No início do século XX, a condição da mulher

emergir dos diversos quadrantes da tumultuosa

era regulada pelo Código Civil de 1867, códice

sociedade portuguesa da década de dez do século

vulgarmente conhecido como Código de Seabra, a

transato, como o republicano, o monárquico, o

mulher casada estava obrigava a prestar obediência ao

católico, o feminista e o maçónico alinhando as

seu cônjuge (3). Com a instauração do regime

mulheres portuguesas quanto à questão da guerra.

republicano (1910), muitas normas foram atenuadas

Dois grupos marcam o alinhamento. Por um lado, a

(4), contudo a capacidade eletiva das mulheres nunca

fação aristocrática, monárquica e cristã, do outro, a

se concretizou, apesar da lei em vigor, referir que

laica e republicana. Através de um comprometimento

reunião condições para votar os cidadãos portugueses

absoluto, ambas as fações trabalharam em prol da

com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e

pátria, como também disputaram terreno e influência

fossem chefes de família.

na sociedade.

Com o início da conflagração a primeira proposta de adesão das mulheres portuguesas ao projeto beligerante nacional surge das organizações femininas

2.1. A fação laica e republicana

existentes na época, como comprovam as posições

A necessidade de legitimar a República

tomadas por Maria Veleda e Ana de Castro Osório.

internacionalmente contribuiu para os adeptos da

Para Maria Veleda, Portugal deveria participar na

República desenvolverem esforços em prol do novo

guerra para garantir “(...) a defesa da integridade

regime e da nação. Enquanto os homens se

territorial, a identidade nacional e o reconhecimento e

circunscreviam à partida para as frentes de combate e

prestígio internacional do regime (...)”(5) face às

se desdobravam entre a política e a diplomacia, um

pretensões alemãs como também, a uma hipotética

grupo de mulheres pertencentes à sociedade

tentação por parte da Inglaterra. Por seu turno, Ana

portuguesa e relativa dos altos quadros do regime

de Castro Osório, dirigente da Associação de

republicano encetou esforços para atenuar os efeitos

Propaganda Feminista, num discurso mais direcionado

da guerra como também para mostrar as capacidades

para o género feminino, defendia que tanto Portugal

das mulheres, da humanidade (Esteves, 2006).

como a mulher portuguesa deveriam encarar


Mulheres a trabalhar numa fรกbrica de glicose, em Manchester. (National Library of Scotland)

Mulheres na Grande Guerra. (National Library of Scotland)

Grupo de mulheres a trabalhar numa oficina de carpintaria, em Franรงa. (National Library of Scotland)


Trabalhadoras no noroeste de Inglaterra. (National Library of Scotland)

Mulheres na Grande guerra. (National Library of Scotland)

Motorista de ambulância debaixo do seu veículo. (National Library of Scotland)


Com a comissão feminista Pela Pátria (1914-16),

Suportada pelo governo da União Sagrada, a CMP

comissão fundada no início da conflagração por, Ana

apresentou como fundamento da sua existência,

Augusta de Castilho, Antónia Bermudes, Ana de

prestar assistência moral e material aos soldados

Castro Osório e Maria Benedita Mouzinho de

portugueses, assim como mobilizar homens para a

Albuquerque Pinho, nascem a primeira tentativa para

frente de combate. Para a consecução de tamanho

mobilizar as mulheres portuguesas para o esforço de

desiderato, a instituição criou diversas comissões e

guerra. Através do jornal A Semeadora [1915-1918]

núcleos locais nas principais cidades e vilas nacionais.

(8), a comissão propagandeia e esclarecesse a sua

A partir de 1917, o raio de ação do movimento

missão. Com um discurso direcionado para o género

alargou-se. Com a publicação do decreto n.º 2493, a

feminino, intitulado “A Questão Actual - As mulheres

CMP podia ministrar cursos de enfermagem para a

e a guerra” procura aglutinar as mulheres

formação de enfermeiras, para os hospitais militares

portuguesas para o esforço de guerra justificando o

portugueses assim como para os hospitais de

duplo fim da comissão “(...)fazer a propaganda

campanha na frente europeia. Suportada pelo governo

patriótica e ao mesmo tempo de angariar donativos e

até à revolução sidonista beneficiou de inúmeros

metodizar o trabalho feminino para juntar roupas e

direitos e privilégios, lançou uma lotaria patriótica,

agasalhos para os nossos soldados”(9). Com uma

esteve isenta de franquia postal, regalias e privilégios

propaganda patriótica, a comissão dirigiu-se a todas

que foram negadas ao associativismo monárquico e

as Câmaras Municipais do país através de um

católico da APVG.

manifesto onde solicitou que as entidades supracitas prestassem auxílio “(...) orientando as senhoras dessa localidade e em especial as professoras, para que se liguem na missão nobilíssima de angariar donativos e trabalhos para os soldados que vão combater pela honra e autonomia da Pátria”. Para a consecução dos seus pressupostos, a comissão beneficiou do apoio da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1909-1919) (LRMP) e da Associação de

Com um trabalho diversificado e abrangente a CMP procurou deixar uma marca de profundo humanismo e fraternidade com os soldados portugueses conforme é exemplo a realização de iniciativas beneficentes e assistenciais orientadas no apoio às famílias dos soldados mobilizados para o Corpo Expedicionário Português (CEP) na Flandres e no auxílio aos prisioneiros de guerra portugueses.

Propaganda Feminista (1911-198) (APF). Com a

Findada a guerra, o trabalho heróico e persistente

remodelação da Comissão nasce A Cruzada das

deste movimento foi reconhecido pelo governo da

Mulheres Portuguesas (10) (CMP) (1916-1938). A

República. A CMP foi agraciada com a Grã-Cruz da

CMP, criada para apoiar a União Sagrada (1916-17),

Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor Lealdade e

teve como núcleo fundador 80 mulheres pertencentes

Mérito (12 de Junho de 1919. A sua presidente, Elzira

à elite republicana, esposas e relativas dos ministros

Dantas Machado, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de

de governo e dos partidos, Partido Democrático e

Cristo.

Partido Republicano Evolucionista. Este apoio

Outro organismo com um forte trabalho desenvolvido

prestado pelas mulheres da fação republicana

durante o esforço de guerra foi o Núcleo Feminino de

resultou da necessidade de apoiar politicamente os

Assistência Infantil (NFAI), organismo criado pela

maridos, da importância social do projeto mas

Junta Patriótica do Norte (JPN), presidido por

também, do sentimento nacionalista e das aspirações

Filomena Nogueira de Oliveira, esposa do Dr.

de emancipação e valorização do género feminino

Henrique Pereira de Oliveira, presidente do Senado

(Monteiro,2016).

Municipal da cidade do Porto. Com uma natureza caritativa misericordiosa e humanista, o NFAI. Com a fundação do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) (1914-1947) Adelaide Cabete, ordenou e agrupou todas as agremiações e grupos femininos que se encontravam espalhados pelo país, numa grande associação filiada no International Council of Women (1988). Apolítica e areligiosa a CNMP lutava e trabalhava para alterar a situação jurídica das mulheres na família e na sociedade assim

Trabalhadora fixa grampos em máscaras de gás ( World War Museum)

como procurava integrar a sua luta das mulheres portuguesas na causa comum do progresso


assumiu como missão amparar os órfãos de mãe e

É já durante o sidonismo (1917-18), período em que

cujo pai estivesse mobilizado em França ou África.

Bernardino Machado, Afonso Costa, Augusto Soares,

Através das tradicionais formas de angariação de

Norton de Matos e João Chagas foram exilados ou

donativos, o NFAI procurou criar creches e uma casa

afastados, que a APVG passa a ter proteção e

para o acolhimento de crianças. A casa de

atenções governamentais. Segundo Maria Lúcia de

acolhimento dos órfãos tornou-se uma realidade em

Brito Moura, o objetivo principal da APVG era formar

1971. Num palacete instalado na Rua de Cedofeita,

enfermeiras que cuidassem e tratassem dos feridos

n.º 461, espaço gentilmente cedido por Serafim

de guerra (Moura, 2010), objetivo que tardou a

Ribeiro e Delfim Alves de Sousa, o NFAI começou a

vingar devido ao fato do governo republicano, da

receber crianças até aos 7 anos de idade, com a

União Sagrada recear o crescimento do poder e

missão de as educar e criar. Até ao final da guerra, a

influência por parte do movimento monárquico e

casa de acolhimento albergou 85 crianças com idades

católico. Castradas as intenções de formar

compreendidas até aos 7 anos de idade. O forte

enfermeiras por ordem do Ministro do Interior,

espírito maternal do movimento levou a que a NFAI

António Pereira Reis, que ordenou que as candidatas

lançasse uma campanha, para a adoção dos orfãos de

a enfermeiras deveriam frequentar os cursos de en-

guerra. Fruto da persistência e tenacidade das

fermagem entretanto abertos e ministrados pela

senhoras portuenses, a NFAI conseguiu ampliar o

Sociedade Portuguesa da Cruz Vermelha, no princípio

acolhimento aos órfãos da guerra mudando para a

o raio de ação da APVG restringiu-se à beneficência

Quinta Amarela na Rua Oliveira Monteiro. Com a

caritativa. No ano de 1917 a APVG cria a obra

extinção da JPN em 1938, a tutela da Casa dos Filhos

Madrinhas de Guerra (12), fundam creches, infantá-

dos Soldados Portugueses passou para a Liga dos

rios e uma casa de trabalho. O financiamento para tal

Combatentes da Grande Guerra. O tempo de

desiderato, é feito através das tradicionais formas de

atividade da Quinta Amarela ou Casa dos Filhos dos

angariação, a organização de festas, as récitas, as

Soldados, perdurou muito para lá do final da Primeira

peças de teatro, as conferências, os saraus e os

Grande Guerra, extinguindo-se no ano de 1971.

concertos. O alcance foi grande conforme nos comprova a implantação deste trabalho em distritos como Beja, Castelo Branco, Évora, Faro, Guarda,

2.2. A fação monárquica e católica

Leiria, Portalegre, Santarém e Viseu. Com a iniciativa

As mulheres aristocratas, monárquicas e católicas

Venda da Flor (1917), a APVG demonstrou a sua forte

portuguesas, não obstante estarem há alguns anos

preocupação assistencial com as famílias dos

arredadas dos círculos de influência, no seguimento

soldados, recolhendo fundos para estes. Outras

da declaração de guerra da Alemanha a Portugal,

iniciativas como a fundação da Casa da Assistência,

agruparam-se, tomaram a palavra e dispuseram-se a

da Casa Maternal e de um Dispensário para

agir e contribuir para a assistência e socorro às

assistência médica, medicamentosa e alimentar

vítimas portuguesas da guerra. Motivadas para a

reforçam o trabalho desenvolvido pela APVG. Graças

propaganda patriótica, motivação da nação

à tenacidade e perseverança da Condessa de Burnay,

procuraram também através desta iniciativa restaurar

a APVG nunca desistiu de organizar cursos de

o prestígio, o lugar e a influência que outrora

enfermeiras. À Cruz Vermelha Portuguesa, a

detinham na sociedade. A fundação da Assistência

Condessa de Burnay cedeu um espaço na Junqueira,

das Portuguesas às Vítimas da Guerra (APVG),

Lisboa, que culminou no Hospital Temporário da Cruz

associação de matriz católica e monárquica está

Vermelha, iniciativa materializada com os esforços

estritamente ligada às condessas de Burnay e Ficalho,

desenvolvidos por parte da Sociedade da Cruz

Maria Josefa de Mello e Maria Amélia de Carvalho

Vermelha, Ministério da Guerra e APVG. No Hospital

Burnay, associação que reúne senhoras que outrora

Temporário da Cruz Vermelha, a APVG preparou as

foram assíduas do Paço Real do rei D. Carlos como

jovens pertencentes à alta burguesia e à aristocracia

também, senhoras que eram relativas das famílias

que foram para França com a Cruz Vermelha. Com a

(11) que ditavam o funcionamento dos setores

formação de enfermeiras, onde se destacam na

económico e financeiro do país. Atendendo ao fato de

colaboração técnica, o Professor Reinaldo dos Santos

congregar personalidades relacionadas com a

e Domitila de Carvalho consubstanciou-se a

monarquia, a APVG só teve os seus estatutos

constituição do Grupo Auxiliar das Damas

aprovados pelo governo civil de Lisboa, a 10 de Abril

Enfermeiras, grupo chefiado por Eugénia Manuel, que

do ano de 1917, um ano após a fundação e adesão

se deslocou para a frente de combate em auxílio ao

de Portugal à beligerância.

Corpo CEP.


A título individual, a participação das mulheres

Contudo a partir de 1918, as tendências femininas

monárquicas portuguesas apresenta heroínas. O

alteram-se e nasceu uma libertação em relação à

grande exemplo surge através de D. Amélia, rainha

indumentária que libertou os corpos das mulheres,

no exílio que cumpriu serviço como enfermeira

mas isso não significa que suas vidas tenham sido

voluntária em hospitais de campanha em Londres e

emancipadas. Os traços discricionários do Código Civil

Paris. Na sociedade civil destacamos a aristocrata

de 1867, atenuados pelo regime republicano,

Maria Antónia Ferreira Pinto Basto, que a exemplo das

voltaram em força com o Estado Novo (1933). As di-

mulheres dos países beligerantes ofereceu-se como

ferentes conceções de identidade e género retornam

enfermeira e se destacou em França como enfermeira

entre nós, a mulher voltou a estar circunscrita ao lar

-chefe das Damas Enfermeiras da Sociedade

e à maternidade, como Mãe, esposa e dona-de-casa

Portuguesa da Cruz Vermelha (CVP), ao serviço do

num papel muito valorizado e incentivado pelo

Hospital de Ambleteuse e que corporiza o propósito

regime. Afastada do espaço público, sem acesso a

maior e principal da APVG. Ao serviço da CVP, Maria

certas profissões e com direitos muito limitados, os

Antónia Ferreira Pinto Basto negociou com o comando

homens mandavam e as mulheres obedeciam

militar inglês e com o comissário da British Red Cross

(Pimentel, 2001) apesar da Constituição de 1933

(BRC), Lord Donoughmore, Richard Walter John Hely

estabelecer o princípio da igualdade. A emancipação

Hutchinson a construção do hospital português em

foi um percurso muito longo para a mulher

França onde chefiou 36 damas enfermeiras. Os altos

portuguesa. É com o 25 de Abril de 1974, que as

serviços prestados à Nação, levaram Maria Antónia

mulheres finalmente se libertam dos seus espartilhos

Pinto Basto a ser reconhecida com a Cruz Vermelha

e se lançam nas grandes transformações sociais em

de Benemerência e com a medalha de serviços distin-

curso na sociedade portuguesa participando

tos da Cruz Vermelha e a receber por parte do Minis-

ativamente nas lutas pela defesa das liberdades, pelo

tério da Guerra, a medalha da Vitória e o grau de Ofi-

direito ao trabalho, pela Reforma Agrária, pelas

cial da Ordem de Cristo. Entre 1914 e 1918, as

nacionalizações, pelo direito à igualdade em todas as

mulheres desempenharam um papel muito

esferas da vida, pública e privada.

importante na participação no esforço de guerra. Por quatro anos, milhões de homens lutaram nas linhas da frente da guerra. Na retaguarda, as mulheres

também viram as suas vidas voltadas de cabeça para

Notas (1) De acordo com Platão no livro V de A República à mulher exigia-se recato. O seu

baixo por esse conflito sangrento. As mulheres

lugar era em casa. O mundo exterior estava-lhe vedado, em resultado de

portuguesas no seguimento da declaração de guerra

“capacidade para a virtude” pois, o seu raciocínio não lhe permitia poder de

serem consideradas inferiores em relação aos homens, devido à falta de

da Alemanha a Portugal conforme ficou exposto

escolha/decisão. As suas obrigações eram claras, venerar o marido, educar e

agruparam-se, tomaram a palavra e dispuseram-se a

marido. Os papéis e arquetípicos de género estavam bem definidos.

agir e contribuir para a assistência e socorro às vítimas portuguesas da guerra. Com um profundo sentimento de patriotismo contribuíram para o esforço de guerra apesar de serem visíveis as clivagens ideológicas e partidárias na sociedade portuguesa, que determinaram as fações de resposta ao flagelo. O papel desempenhado tanto pelas aristocratas/ monárquicas/católicas como republicanas laicas para minimizar os horrores da guerra foi heroico, acabando por afirmar única e simplesmente a mulher. Na memória coletiva, temos presente que a Grande Guerra foi um período de emancipação para as mulheres. Consideramos excessivo. Defendemos que a mulher conseguiu afirmar que também é capaz. Para este desiderato consideramos que seria fundamental a obtenção de um direito fundamental, o direito de voto que é conseguido em países como Inglaterra, Áustria, Alemanha, Hungria e Estados Unidos da América ao contrário de países como Portugal, França e Itália.

criar os filhos, cuidar dos trabalhos da casa e manter-se submissa ao seu

(2) Flora Sandes, publicou o livro An english woman in the serbian army (1916) relatando as suas experiências como soldado no exército sérvio em 1916, com vista à angariação de fundos para os seus irmãos de armas. (3) A capacidade da mulher poder administrar, adquirir, alienar bens, publicar escritos e apresentar-se em juízo carecia de autorização por parte do esposo. (4) As normas atenuadas pelo regime republicano estão relacionadas com a subjugação das mulheres casadas aos maridos assim como aboliu certas diferenciações jurídicas consoante o sexo. As leis do Divórcio e da Família de 1910 estabeleceram a igualdade entre os cônjuges quanto às causas da separação e na sociedade conjugal. Entre outras coisas, a lei do Divórcio

eliminou um artigo do Código Penal de 1886, segundo o qual a esposa adúltera era punida com prisão maior celular de dois a oito anos, enquanto o homem casado adúltero era condenado a uma simples multa que podia ir de três meses a três anos do seu rendimento.


(5) In Monteiro, pág. 113. (6)Ibidem. (7) Entre as notáveis mulheres que se voluntariaram figuram nomes

facilmente identificáveis com os seus pares, na alta sociedade portuguesa, senão vejamos: Ana de Castro Osório, Ana Augusta de Castilho, Antónia de Bermudes, Maria Benedita Mouzinho de Albuquerque Pinto, Adelaide de Cabete, Elzira Dantas Machado, Rita Norton de Matos, Maria Amélia de Carvalho Burnay, Maria Josefa de Melo e Maria van Zeller. (8) A Semeadoura foi um periódico de Propaganda Feminista e Defesa dos Direitos da Mulher que teve como editora Antónia Bermudez. (9) In A Semeadora, N.º 1 A Questão Actual - As mulheres e a guerra, pág. 2, 15 de Julho de 1915. (10) Movimento de beneficência feminino criado a 20 de Março de 1916, fundada por iniciativa de Elzira Dantas Machado, esposa de Bernardino Machado, ao tempo Presidente da República Portuguesa. (11) No primeiro decénio do século XX, o tecido económico e financeiro

Grupo de Damas Enfermeiras Auxiliares. PT AHM-FE-CAVEAG-A11-074. (AHM)

português assentada em torno das famílias Palmela, Ficalho, Rio Maior, Alcáçovas, Mafra, Ulrich, Burnay, Olivaes, Anjos, Pinto Basto e Van-Zeller.

(12)

Serviço de correspondência que estabelecia o contato entre os militares na frente de combate e as respetivas famílias.

Bibliografia Alma Feminina, Janeiro de 1917, nº1, p. 1. COVA, Anne (2014). As mulheres foram activistas na guerra, depois voltaram ao lar. Jornal Público, 20 de Agosto. ESTEVES, João (2008), Mulheres e republicanismo: 1908-1928, Lisboa Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, ed., Fio de Ariana, ISBN (978-972-597-304-2) ESTEVES, João (2006). Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, in Revista Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, N.º 15.

Grupo de Damas Enfermeiras Auxiliares. PT AHM-FE-CAVEAG-A11-0745 (AHM)

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher, nº.38, Lisboa dezembro, pp. 188-194. FUSSELL, Paul. The Great War and Modern Memory. Oxford: Oxford University

Press, 1975, p. 274). HORSTER, Heinrich Ewald (1992). A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra. LOUSADA, Isabel, Pela Pátria: «A Cruzada das Mulheres Portugusas» (1916 - 1938). Margaret Randolph Higonnet, Jane Jenson, Sonya Michel, Margaret Collins Weitz (Eds), Behind the lines: Gender and the Two World Wars, New Haven, Yale University Press, 1987. Monteiro, Natividade (2017). Maria Antónia Ferreira Pinto - aristocrata e tenente do exército português na I Guerra Mundial. Monteiro, Natividade (2016) Mulheres portuguesas no tempo de guerra (1914-1918). In Leituras da Guerra. Instituto de Defesa Nacional, N.º 145,Lisboa pp.109-121. MOURA, Maria Lúcia de Brito (2010), Nas Trincheiras da Flandres. Com Deus ou sem Deus, eis a questão, Lisboa, Edições Colibri. MOURA, Maria Lúcia de Brito, A Assistência aos Combatentes na I Guerra Mundial – Um Conflito Ideológico in Revista Portuguesa de História, Tomo XXXVIII, Coimbra, Faculdade de Letras, 2006. PLATÃO, A República, Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira, 9.ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

Grupo de militares feridos. PT AHM-FE-CAVEAG-A11-0748. (AHM)


1916 09 de janeiro - Termina a Campanha de Galípoli, Turquia, que teve lugar entre 25 de abril de 1915 a 9 de janeiro de 1916, também conhecida como a Batalha dos Dardanelos. 18 de fevereiro - Tropas alemãs rendem-se nos Camarões, África. 21 fevereiro – 18 de dezembro - Na cidade de Verdun-sur-Meuse, França, o exército alemão e as tropas

francesas defrontaram-se na mais famosa de todas as batalhas da 1.ª Guerra - Batalha de Verdun. 24 de fevereiro - Marinha portuguesa requisita e ocupa navios alemães fundeados no Porto de Lisboa a pedido do governo britânico. 09 de março - A Alemanha declara guerra a Portugal. 20 de março - É criada a Cruzada das Mulheres Portuguesas, presidida por Elzira Dantas Machado, esposa do Presidente da República, Bernardino Machado. 20 de abril - É publicado o decreto que estipula a expulsão de todos os alemães residentes em Portugal. 23 de abril - Ataque das tropas alemãs ao posto de Namoto nas margens do Rovuma, em Moçambique, que provoca pequenos confrontos e algumas baixas. 24 de abril - Foram afixados editais, indicando os locais e as datas para a apresentação dos homens licenciados. 04 de maio - A Alemanha acorda com os aliados a não agressão aos navios civis e de mercadorias. 08 e 15 de maio - Vários ataques alemães aos postos de Nhica, Mitimone, Mocimboa e Xivinda em Moçambique. 19 de maio - A Grã-Bretanha e a França concluem o acordo de Sykes-Picot. O tratado, firmado durante a Primeira Guerra Mundial e já com a expectativa de vitória aliada em mente, permitiu a partilha do Médio Oriente entre a França e o Império Britânico. 27 de maio - Combate do Rovuma, as tropas portuguesas desencadearam um ataque de artilharia seguido por ataques simultâneos de duas colunas. 28 de maio - Parte para Moçambique, a 3ª expedição militar, comandada pelo general Ferreira Gil. 31 de maio - 01 de junho - As Marinhas Britânica e Alemã defrontam-se na maior batalha naval da primeira

Guerra Mundial, Batalha da Jutlândia. Esta batalha, no entanto, resultou em perdas de ambos os lados sem que fosse claro o resultado. 04 de junho - 20 de setembro - Vitória da Rússia frente a Áustria-Hungria, nos Cárpatos. 09 de junho - Afonso Costa e Augusto Soares partem para Paris para participar na Conferência Económica dos Aliados. Nessa reunião considera-se a restituição dos territórios indevidamente ocupados pela Alemanha: Alsácia e Lorena à França, em 1871, e Quionga, Moçambique, em 1894, a Portugal. 01 de julho – 18 de novembro - A 1 de Julho as tropas britânicas e francesas lançam uma ofensiva contra as tropas alemãs na Batalha de Somme. Só no primeiro dia os britânicos perderam 20 mil homens. 15 a 27 de junho - Ataques alemães aos postos de Unde, Xivinda e Negomano, em Moçambique.


Rebocador Cisne conduzindo as forças que tomaram posse dos navios alemães fundeados no rio Tejo. (Wikimedia)

Navio SMS Derfflinger da marinha alemã, que participou na Batalha da Jutlândia. (Wikimedia)

Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. (Wikimedia)

22 de julho - É constituído, em Tancos, sob o comando do general Norton de Matos, o Corpo Expedicionário Português (CEP), formado por 30 mil homens. 01 de agosto - Ataque pelas tropas alemãs ao posto de Nangadi em Moçambique. Estas conseguem cortar as linhas telegráficas e isolar o posto. 24 de agosto - O navio Canhoeira Ibo foi atacado por um torpedo disparado por um submarino alemão U -22, a cerca de 60 milhas da barra de Lisboa. 31 de agosto - Parlamento aprova a pena de morte em situação de guerra. 23 de setembro - Os alemães dão início à construção da Linha de Hindenburg que consistiu num sistema de defesa, entre Lens e Verdun, França, com uma distância de 50 km e incluía bunkers, arame farpado, túneis e trincheiras.

04 de outubro - Tem lugar o combate de Maúta, na Tanzânia, iniciado com um ataque alemão a uma força portuguesa de reconhecimento sob o comando do capitão Liberato Pinto, que é obrigada a recuar até à fronteira. 08 de novembro - Combate de Quivambo, quando uma coluna comandada pelo major Leopoldo da Silva se dirigia para Mikindani após o combate de Nevala sendo intercetada pelas forças alemãs. O major Leopoldo da Silva é morto e a coluna retira. 15 de novembro - O navio português “Machico” foi atacado junto das ilhas Canárias por um submarino alemão. 22 de novembro - De 22 a 28 de novembro tem lugar o cerco de Nevala. Para recuperar Nevala, as tropas alemãs começaram por atacar a zona da água. Foi um

combate muito violento chegando-se à luta corpo a corpo.

18 de dezembro - O presidente dos EUA, Woodrow Wilson, enceta negociações com o países beligerantes com o propósito de obter um compromisso de paz.


Verdun Entre os dias 21 de Fevereiro e 18 de Dezembro de 1916, nos arredores de Verdun, nordeste da França, o exército alemão e as tropas francesas defrontaram-se na Batalha de Verdun, a mais longa da Primeira Guerra Mundial, e a segunda mais sangrenta após a Batalha do Somme. De acordo com as estimativas terão morrido 714 321 homens, 377 231 do lado francês e 337 mil do lado alemão. Por cada mês de batalha, em média, terão ocorrido 70 mil baixas. A chuva e a elevada concentração de combates numa área relativamente pequena

tornaram as condições de vida terríveis para ambos os lados do conflito. As florestas ficaram reduzidas a pilhas de madeira devido aos constantes bombardeamentos e, em alguns casos, chegaram mesmo a desaparecer. As batalhas nesta localidade não cessaram e continuaram até ao Armistício em 11 de Novembro de 1918. O último grande combate no sector de Verdun teve lugar, entre 12 de Setembro e 11 de Novembro, contando já com o apoio da Força Expedicionária Americana (FEA).

“Verdun foi com mais frequência uma guerra de homens abandonados, uns poucos homens em torno de um chefe, um subalterno, um cabo, ou mesmo um simples soldado que as circunstâncias indicaram ser capaz de liderar. Às vezes era um único homem tomando toda a iniciativa. Punhados de homens obrigados a agir, a responsabilizar-se pela defesa – ou pela retirada. Houve os que se descontrolaram – alguns deles – e em geral isso ocorria nas unidades maiores, que nem sempre eram as mais aguerridas, e sim as mais atingidas pelo choque inesperado da catástrofe. Atos decisivos e corajosos eram, sobretudo, individuais, e, por isso, permaneci-

am ignorados”. MEYER, Jacques - Les soldats de la Grande Guerre. Paris: Hachette Litterature, 1998.

A Batalha do Somme, também conhecida como a ofensiva do Somme , foi uma batalha travada pelos exércitos do Império Britânico e da França contra o Império Alemão. Ocorreu entre 1 de julho e 18 de novembro de 1916, numa frente que se estendia por 24 km, ao longo do curso do rio Somme, França. A Ofensiva teve como objetivo romper as linhas de defesa alemãs, estacionadas na região do Rio Somme, e desviar as atenções das forças alemãs que lutavam contras os franceses na região de Verdun. A batalha começou com um

bombardea-

mento da artilharia britânica sobre as linhas alemãs que durou uma semana, com um total de mais de 1,7 milhão de projeteis disparados. Estima-se que terão participado nesta confronto mais de 3 milhões de homens e 1 milhão terão sido feridos ou

mortos, tornando-se uma das batalhas mais sangrentas da história da humanidade. No final da batalha, forças britânicas e francesas tinham penetrado 10 km em território ocupado pelos alemães.

"No sábado, dia 1 de julho, partimos para as trincheiras por volta das 10 horas. Assim que chegamos à estrada, vimos uma visão horrível, pois havia centenas de homens feridos vindo da linha. Quando estávamos atravessando um lamaçal, os projéteis alemães começaram a cair por todo lado, mas nenhum de nós foi atingido. Então aterramos numa trincheira de comunicação. Mas antes que tivéssemos tempo para entrar, Fritz nos mandou uma bomba de gás lacrimogénio. Essa foi a nossa primeira amostra de gás.” Excerto do diário de bolso do soldado Walter Hutchinson dos primeiros quatro dias da Batalha do Somme. The Daily Telegraph, 22 de Fevereiro de 2007.


Ofensiva inglesa no Somme (Bibliotèque National de France)

Um camião btitânico explode após um ataque aéreo alemão em ST Mayent. (World War Museum)

Artilharia pesada no Somme. ( Bibliothèque National de France)

Transporte de um homem ferido perto de Verdun. (Bibliothèque National de France).


FORMAÇÃO DO CORPO EXPEDICIONÁRIO PORTUGUÊS A CAMINHO DA FLANDRES

Soldado britânico felicitando vencedor de corrida no campo de Roffey. (World War Museum)

Soldados portugueses em exercícios no campo de Roffey. (World War Museum)

A preparação do Corpo Expedicionário Português (CEP), decorreu em Tancos, no distrito de Santarém, de abril a julho de 1916. Esta tarefa ficou a cargo do então Ministro da Guerra, General Norton de Matos, apoiado pelo General Tamagnini. Foi o próprio Norton de Matos que usou a expressão “Milagre de Tancos” quando nos seus relatórios descreveu a forma eficaz como se transformaram em soldados aptos e capazes para um conflito duro, homens que, pouco tempo antes, tinham uma vida civil, pacata e tranquila. Num misto de organização/ improvisação, em escassos três meses, deu-se instrução a mais de 20 000 soldados para participarem na guerra europeia, o maior contingente de sempre do exército português, até àquele momento. Os homens estabeleceram-se no grande acampamento, que ficou conhecido como “Cidade de Paulona”, precisamente por existirem muitas tendas de pau e lona montadas naquela zona. O governo fez um grande esforço financeiro com a aquisição de 300 camiões aos EUA, 4 000 cavalos à Argentina, a Grã-Bretanha forneceu armas, rações de combate e, mais tarde, o próprio transporte para França.

Em França, confirmar-se-ia que a instrução não havia sido a mais adequada em termos táticos, os militares tiveram dificuldades em adaptar-se à realidade da “guerra de trincheiras” e que o equipamento e fardamento que os soldados portugueses possuíam não eram apropriados para a mesma. Ficou assente com a Inglaterra que o CEP seria integrado no 1º Exército britânico, que lhe forneceria as armas e apoio logístico. Acordou-se, ainda, na formação do Corpo de Artilharia Pesada (CAP) que atuaria integrado em unidades inglesas e com armas fornecidas por estas. O CAP recebeu instrução em Inglaterra, nos campos de Roffey e Hazeley-Down-Camp e na escola de tiro de Lydd. A pedido dos franceses foi constituída, em 26 de dezembro de 1916, outra força de artilharia pesada. O Corpo de Artilharia Pesada Independente (CAPI), também chamado de CALP, Corps de Artillerie Lourde Portugaise, ficou sob o comando francês e teve instrução em França, em Bailleul-sur-Thérain.


Militares portugueses terminando corrida no campo de Roffey. (World War Museum)

Oficiais portuguese num treino com baioneta na Escola de infantaria de Marthes. (World War Museum)

Soldado português usando máscar de gás no campo de Roffey. (World War Museum)

Tropas portuguesas num treino de lançamento de granada. Escola de Infantaria de Marthes. (World War Museum)

Soldados portugueses com metralhadoras lewis na Escola de Infantaria de Marthes. (World War Museum)

Tropas portuguesas entrando numa trincheira com máscaras de gás, durante um exercicio. Escola de infantaria de Marthes. (World War Museum)


1917 03 de janeiro - É assinado um acordo luso-britânico relativo ao envio de forças portuguesas para França. O CEP ficou subordinado ao BEF (British Expeditionary Force). 05 de janeiro - A 4ª expedição militar embarca para Moçambique. 09 de janeiro - O Império Alemão aprovou a guerra submarina total o que conferia aos submarinos autorização para violar as leis de não-agressão marítimas e torpedear sem restrições as embarcações. 10 de janeiro - Aliados manifestam objetivos de paz entre os Estados em resposta à nota do presidente dos EUA, Woodrow Wilson, em dezembro 1916. 30 de janeiro - A 1.ª Brigada do CEP, sob o comando do General Gomes da Costa sai do Tejo a bordo de três vapores britânicos, desembarcando no porto de Brest no dia 2 de fevereiro. 03 de fevereiro - EUA cortam relações diplomáticas com a Alemanha. 23 fevereiro - 05 abril - As forças alemãs iniciam retirada de posições fortes na Linha Hindenburg. 24 de fevereiro - O Telegrama de Zimmermann enviado ao embaixador alemão no México assinalando a intenção de formar uma aliança militar entre o México e a Alemanha. 11 de março - Tropas Britânicas reconquistam Bagdade, no Império Otomano. 12 de março - Presidente dos EUA, Woodrow Wilson, anuncia o armamento dos navios mercantes dos EUA por ordem executiva, depois de não conseguir obter a aprovação do Congresso. 0 4 de abril - As tropas portuguesas entram nas trincheiras e dá-se a morte do primeiro soldado português na frente francesa: António Gonçalves Curado. 06 de abril - O Gabinete de guerra do governo americano toma a iniciativa de declarar guerra à Alemanha. 09 - 20 abril - Segunda Batalha de Aisne, Terceira Batalha de Champagne que termina com uma elevada derrota do exército francês. 24 de abril - Um submarino inimigo ataca dois navios mercantes a sul de Sagres, acabando por afundar um deles. 29 abril - 20 maio - Tropas francesas desgastadas amotinam-se na frente de batalha. 07 de maio - Entra em funcionamento a Escola de Gás do Corpo Expedicionário Português em Mametz, França.

Sepultura de António Gonçalves Curado o primeiro soldado português a ser morto em acção em frança a 4 de abril de 1917. (World War Museum)

Presidente da República Portuguesa, Bernardino Machado, saudando tropas portuguesas. (World War Museum)

Vladimir IlYich Ulyanov, “Lenin”. (Wikimedia)


19 de maio - Greves, motins e assaltos a mercearias e armazéns em Lisboa e no Porto devido à falta de alimentos provocada pelo racionamento, levam à declaração do Estado de Sítio. 26 junho - Desembarque do primeiro contingente americano em França. 27 de junho - A Grécia entra na guerra ao lado das forças Aliadas. 04 de julho - A cidade de Ponta Delgada é atacada por um submarino alemão, sendo defendida pelo navio americano “Orion”, que se encontrava no porto para reparações.

06 de julho - Thomas Edward Lawrence comanda as tropas árabes que capturam pontos estratégicos das

po-

sições turcas na Arábia e na Palestina, que é um elemento chave para vencer o Império Otomano. 26 de julho - A 12 milhas ao sul de Cascais, o caça-minas “Roberto Ivens” choca com uma mina que, ao explodir, parte o navio ao meio, afundando-o. Dos 22 tripulantes, apenas sete sobreviveram. 31 de julho - 10 de novembro - Batalha de Passchendaele ou 3.ª Batalha de Ypres, caracterizou-se por ser uma ofensiva britânica contra as posições germânicas. Ficou marcada pelo mau tempo e prolongados bombardeamentos. Esta longa batalha terminou com o avanço de apenas 8 km’s sobre as tropas alemãs. 11 de outubro - O Presidente da República, Bernardino Machado e o chefe do Governo, Afonso Costa, iniciam a visita às tropas portuguesas destacadas em França. 05 de novembro - O Corpo Expedicionário Português assume a responsabilidade da defesa do Setor Português na frente. Anteriormente, encontrava-se subordinado ao Exército Britânico. 07 de novembro - Revolução Bolchevique na Rússia liderada por Lenine EUA declaram guerra à ÁustriaHungria. 21 de novembro - Movimentações alemãs em Moçambique. Após os combates em Nevala, as forças alemãs do comandante Lettow-Vorbeck dirigem-se para a fronteira com Moçambique. 25 de novembro - Combate de Negomano nas margens do rio Rovuma. Von Lettow lança um violento ataque e derrota completamente as forças portuguesas. 05 de dezembro - Sidónio Pais, embaixador de Portugal em Berlim, chefia uma revolução, conhecida como o “Dezembrismo”, que provocou a destituição de Bernardino Machado.


A Revolução Russa de 1917 vem, momentaneamente, perturbar o equilíbrio entre estas duas forças. A Rússia é de longe o país beligerante com mais baixas militares e civis, terminando a sua participação no conflito através da celebração de um Tratado, firmado com a Alemanha, na localidade de Brest-Litovski. Com a sua saída, o Bloco Central centra a atenção na frente de combate europeia. Apenas após a entrada dos Estados Unidos da América, em 1917, é que se pode falar em reequilíbrio das forças. A “ajuda americana” só se sentiu alguns meses depois porque os americanos também tiveram que improvisar um exército e uma economia de

guerra. O ano de 1917 caracteriza-se pela exaustão das populações, de ambos os lados do conflito, que se manifestam um pouco por toda a Europa, e dos soldados, da frente de combate, esgotados por uma guerra que não tem fim à vista. Desde Janeiro de 1917 que Portugal vivia num estado

turbulento, a

fome alastrava, sucedendo-se manifestações nas ruas, greves na distribuição da água, assaltos a padarias, dando forma ao desespero existente. Mais de 55.000 homens seriam colocados em França durante o ano de 1917, desembarcavam em Brest onde se instalaram escolas de instrução para os militares aprenderem a manejar novas armas, a máscara antigás e métodos mais modernos de combate. O sector português ficava junto à fronteira franco-belga, na Flandres. O clima rigoroso e os alemães foram os

grandes inimigos que o CEP teve que defrontar na Flandres. No dia 4 de abril de 1917 tomaram lugar nas trincheiras os primeiros batalhões da 1ª Divisão portuguesa. Esse dia ficou tristemente O século cómico, junho de 1917. (Hemeroteca digital)

Poster de recrutamento. (Hemeroteca digital)

assinalado pela morte do primeiro soldado português na Grande Guerra, António Gonçalves Curado.

“Estados Unidos em Guerra” (The Chicago Daily Tribune)


Corpo de Artilharia pesada reunido em Winchester, Inglaterra. (World War Museum)

Desembarque no porto Brest, dos artilheiros do regimento de artilharia da Figueira da Foz. (Bibliothèque National de France)

Assinatura do Tratado de Brest– Litovski.(wikimedia)


A VIDA NAS TRINCHEIRAS UMA PATRULHA DE COMBATE “Chegámos hoje às trincheiras. A minha gente, em reserva, não descansára ainda, nem oficiais nem soldados. Anunciam-se patrulhas, raids, o diabo! O comando necessita de identificações. Vivos ou mortos são necessários boches... Vai começar a caça, a dolorosa caça em que se vive e morre”

AGORA É SÓ CORAGEM…

“Três horas da manhã. Primeira linha. Calma... Só de vez em quando uma rajada de metralhadora varre o parapeito, rasga o silêncio, fere o ar... Em cada posto velam as sentinelas, trémulas de frio, os pés regelados, as mãos insonsíveis (...) Cai a geada com as horas da madrugada. Raros, os very-lyghts sobem, revelam o campo

branco e silencioso, as árvores dilaceradas, as trincheiras como túmulos sob neve...”

“Longe, muito longe, é o rolar dos canhões preparando um ataque... As estrelas descem a curva do céu... Há silêncios tamanhos que dir-se-ia entender- se o ruído leve das horas calcando terra fofa, o dôce arminho”

“Ao longo das passadeiras brancas o oficial de ronda passeia, transido… E o frio é feito de agulhas de aço penetrando a carne, insensibilizando, numa invasão lenta… E a hora em que em certos países fecham os restaurantes caros, e o bando verde, esgotado, dos convivas insulta a noite, pelas ruas silenciosas”

“Como são longas as noites de inverno em 1.ª linha!

Já fôram rendidas as sentinelas regeladas... Outras vigiam, sob a geada, a cabeça à altura da morte no parapeito cortado de balas...”

“Súbito, do lado de lá, surdas, rolantes, erguem-se as vozes dos canhões, erguem-se chamas, explosões sôbre a nossa primeira linha... E a confusão cresce no tumulto dos ruídos diferentes e das chamas … Sôbre o fundo iluminado pelos nossos very-lights mais frequentes, nervosos e seguidos, projectam-se no ar os géiseres da terra atirada ao alto, na violência brutal dos explosivos…”

CASIMIRO, Augusto (Capitão) – Nas Trincheiras da Flandres. Porto: Renascença Portugueza, 1918.


Tropas portuguesas escrevendo cartas nas trincheiras. (World War Museum)

Soldados canadianos numa trincheira. (Bibliothèque National da France)

Fazer a barba nas trincheiras. PT AHM-FE-CAVEAG-A11-0230. (AHM) Lavando como a mãe. (National Library of Scotland)

Portugueses nas trincheiras. (National Library of Scotland)

Distribuição de uma refeição quente nas trincheiras. (World War Museum)


1918 - Pós-guerra 03 de março - Acordo entre a Rússia Bolchevique e a Alemanha, no âmbito do Tratado de Brest-Litovsk. 02 de março - Ataque alemão contra o setor português na Flandres, durante o qual 70 militares do CEP foram aprisionados. 26 de março - Instalado na retaguarda do Hospital do CEP, na zona de Ambleteuse, que se destinava a acolher e tratar feridos e doentes. 02 de abril - Devido à crise de subsistências que tem lugar durante a guerra, surgem conflitos em Alcântara, Lisboa. 4 de abril - Insubordinação de tropas portuguesas na Flandres, que se recusam a avançar para as primeiras linhas. 09 de abril - Tem início a batalha de La Lys na região da Flandres, Bélgica. A 2ª divisão do CEP é destruída no decurso da batalha.

28 de maio - Batalha de Cantigny, França, onde os americanos obtêm a sua primeira vitória. 15 de julho - Fase final do impulso alemão com o início da Segunda Batalha do Marne, França. 04 de julho - Reorganização do CEP, com as tropas que sobreviveram a La Lys, de modo a assegurar a continuação da participação portuguesa na frente europeia. 08 de agosto - Os aliados obtêm sucesso na ofensiva de Amiens, obrigando as tropas alemãs a retroceder para a linha de Hindenburg. 08 de setembro - Distribuição de senhas de racionamento e cartas de consumo. 03 a 04 de outubro - Troca de correspondência entre a Alemanha, a Áustria e os EUA sobre a possibilidade de rendição. A 21 de outubro a Alemanha renuncia à guerra submarina.

14 de outubro - Combate entre o caça-minas “Augusto de Castilho” e um submarino alemão U-139, que termina com o afundamento do caça-minas, a morte do seu comandante, Carvalho Araújo e de parte da tripulação. 30 de outubro - Rendição do Império Otomano e no dia 3 de novembro rendição da Áustria-Hungria. 07-11 novembro - A Alemanha negoceia um acordo de paz com os Aliados e no dia 9 de novembro o Kaiser Wilhelm II abdica e foge na Holanda. 11 de novembro - A notícia da assinatura do armistício chega a Portugal e a 12 de novembro, o comandante alemão Lettow-Vorbeck , rende-se em Moçambique. 18 de novembro - Greve geral, contra a carestia e falta de produtos alimentares.


14 de dezembro - Sidónio Pais é assassinado em Lisboa, na Estação do Rossio, baleado por um sargento do exército. A 16 de dezembro, Canto e Castro é eleito presidente da República. 02 de janeiro de 1919 - Chegada a Portugal dos primeiros 710 militares feitos prisioneiros pelos alemães. 18 de janeiro de 1919 - Início das negociações de paz em Paris, onde estão representadas nas negociações 27 nações mas devido ao elevado número de participantes, depressa se reduz o Conselho dos Quatro, composto pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália e França. 28 junho de 1919 - Assinatura do Tratado de Versailles, elaborado pelas nações aliadas. Para assegurar o entendimento político e a paz, o tratado previa a constituição da Sociedade das Nações, a redução dos territórios dos vencidos, a sua desmilitarização e o pagamento de indemnizações de guerra.

14 de julho de 1919 - Um contingente português, constituído por 400 homens de infantaria, participam na Festa da Vitória, em Paris. 28 de julho de 1919 - Com a assinatura do Tratado de Versailles, Quionga é restituída a Portugal. 10 de setembro de 1919 - Assinatura do Tratado de Saint-Germain entre os Aliados e a Áustria. 27 de novembro de 1919 - O Tratado de Neuilly-sur-Seine foi um acordo de paz firmado entre os Aliados e a Bulgária. 04 de junho de 1920 - Assinatura do Tratado de Trianon com a Húngria. 10 de agosto de 1920 - Assinatura do Tratado de Sévres com o Império Otomano. 31 de outubro de 1922 - Benito Mussolini, líder fascista, forma governo em Itália após a famosa Marcha sobre Roma. 11 de janeiro de 1923 - Após o incumprimento das obrigações de pagamento de dívidas de guerra por parte da Alemanha, as tropas francesas e belgas ocupam a área de Ruhr, na Alemanha. 16 de outubro de 1925 - Pacto de Locarno, na Suíça, assinala a transição da imposição de Versailles para uma postura mais diplomática por parte dos aliados. A Alemanha adere voluntariamente a este Pacto e é admitida na Sociedade das Nações em 1926. 1928 Pacto de Briand-Kellog - Assinado por 60 nações, todos os signatários renunciam formalmente a recorrer à violência nos diferendos internacionais. 05 julho de 1932 - António de Oliveira Salazar nomeado presidente do Conselho de Ministros. 30 de janeiro de 1933 - Adolf Hitler, foi eleito Chanceler da Alemanha.


A Batalha de La Lys A força alemã, procurando romper o sistema defensivo nos sectores de ligação entre as tropas portuguesas e as tropas britânicas, por forma a isolá-las, dão início na manhã do dia 9 de Abril à Batalha de La Lys, naquele que constitui o momento mais traumático da acidentada participação portuguesa na Primeira Grande Guerra. A batalha começa às 4:15h com um bombardeamento alemão maciço. As comunicações ficaram todas cortadas, desde as ligações telefónicas, ao telégrafo. Com fogo tão intenso também não se podiam lançar os pombos, as estafetas ciclistas e motociclistas não conseguiam passar, pois as estradas estavam intransitáveis. Sem comunicações, cada unidade ficou entregue a si própria sem qualquer direção. Os soldados alemães, a

coberto da sua artilharia e do nevoeiro, saltam os parapeitos das trincheiras, atravessam a “terra de ninguém”, e atacam diretamente as posições defensivas. As tropas portuguesas e britânicas não conseguiram aguentar o embate e cederam perante uma avalanche que chegou a ser na proporção de dez para um. Muitos são mortos e feridos e milhares são feitos prisioneiros. O Corpo Expedicionário Português perdeu 398 soldados, mortos em combate, e 6 585 foram feitos prisoneiros.

"O espectaculo flagelante de loucura humana continua em permanente actividade; e, nestas lutas terriveis de ferro e fogo, verdadeiras apoteoses infernaes deslumbrantes de horror, é-me gratissimo saber que ha amigos muito queridos que me lembram e se interessam pela minha sorte. [...] Como sempre depois da tempestade vem a bonança ceu depois de ver a todos os momentos a morte estou vivo ainda, mas já não é sem que um véo de tristeza me envolva a alma. Não posso esquecer-me dos desgraçados que morreram ao pé de mim, meus companheiros d'armas, e da dôr das famílias que não é nem pode ser-me indiferente". Raul Pereira de Araújo, alferes de Artilharia, em carta dirigida a um amigo em Portugal no dia 2 de Maio de 1918, após ter sido feito prisoneiro na Batalha de La Lys.

Na noite de 7 de Novembro, em Rethondes, em França, reuniram-se a delegação alemã, liderada por Mathias Erzberger, e o representante das Forças Aliadas, Marechal Ferdinand Foch. Neste encontro foi imposto ao governo alemão que retirasse de imediato as suas forças militares de França, Bélgica e Alsácia-Lorena, e entregasse o seu equipamento bélico às forças militares aliadas. Entre as forças aliadas existiam opiniões diversas sobre a rendição da Alemanha. Douglas Haig, Marechal Britânico, tinha ficado impressionado com a força e resistência alemã no campo de batalha e tinha sérias dúvidas sobre a sua rendição imediata. Por sua vez, John Pershing, General Americano, tinha a esperança que

a proposta de armistício fosse rejeitada para que as hostilidades se prolongassem. A possibilidade dos alemães rejeitarem o armistício foi anulada pelo eclodir de manifestações e motins na Alemanha que resultaram na implantação da República alemã, proclamada a 9 de Novembro. Na noite de 10 de novembro, Erzberger recebe um telegrama que o autorizava a aceitar os termos dos aliados. Na madrugada seguinte, a delegação alemã reuniu-se na carruagem onde se encontrava a delegação liderada por Foch. Aqui foram discutidos vários pontos do armistício, sem que essas negociações fossem bilaterais mas sim impostas. No final Erzberger leu um protesto, em nome do governo alemão, em que dizia: “Uma população de 70 milhões de alemães está a sofrer, mas não estão mortos”. Às 5h10 foi finalmente assinado o armistício. A guerra no entanto continua, verificando-se ainda 11 mil baixas para os aliados. O soldado canadiano George Price é reconhecido como tendo sido a última baixa da grande guerra.


Chegada do comboio que transportava o Marechal Ferdinand Foch à estação de Copenhaga, para o início das negociações com os representantes alemães . (World War Museum)

Parada da vitória em Westminster. (Blibliotéque National de France)

Prisioneiros ingleses e portugueses da Batalha de La Lys .(World War Museum)

Fotocópia da primeira página do armistício. (World War Museum)

Um prisioneiro português sendo examinado por um oficial alemão no campo de prisioneiros de Foormies. (World War Museum)


PRISIONEIROS DA GRANDE GUERRA “Os prisioneiros de Guerra ficam em poder do governo inimigo, mas não dos indivíduos ou corpos que os capturam. Devem ser tratados com Humanidade. Tudo o que lhes pertence pessoalmente, exceptuando armas, cavallos e papeis militares continua sendo propriedade sua.”(…)

Artigo 4.º, Convenção de Haia, 1907

Desde 1864, altura em que se realizou a primeira Convenção de Genebra (4 no total) que ficou assente entre os subscritores que os feridos de guerra que tombassem em solo inimigo deviam receber cuidados médicos. A convenção de Haia, em 1907, inclui novas regulamentações relativas ao estatuto de prisioneiro de guerra, ao seu tratamento durante o período de cativeiro e aos abusos sofridos nos campos de prisioneiros. Quando eclodiu a Grande Guerra nenhum dos países beligerantes ponderou que a guerra tivesse a duração e a extensão que teve, daí que não tivesse existido grande planeamento. Durante a guerra os países intervenientes tiveram que organizar uma verdadeira Economia de Guerra e regulamentar, organizar e racionar recursos que pudessem esgotar-se ou cujas disponibilidades não acompanhassem as necessidades da indústria de guerra ou abastecimento da população. Outra das necessidades não previstas foi a criação de campos de prisioneiros. Com

os primeiros conflitos de 1914, vieram os primeiros prisioneiros, que eram transportados consoante a disponibilidade que existia na altura. Os feridos em combate foram altamente prejudicados devidos às condições desumanas a que eram sujeitos. A falta de tratamento, durante o transporte para os campos improvisados, conduzia a infeções que na maior parte das vezes se tornavam letais. Os prisioneiros de guerra que se encontravam aptos para trabalhar foram encaminhados para a construção de campos de prisioneiros, os que estavam feridos, doentes ou incapacitados, eram mantidos inicialmente em tendas ou barracas improvisadas para o efeito. O processo de criação dos campos para prisioneiros de guerra, por parte dos alemães, só teve início em 1915, com o aumento progressivo de prisioneiros. A partir de 1916 a maior parte dos países beligerantes já tinham construído campos de prisioneiros que eram naturalmente afastados dos centros populacionais, utilizando-os para trabalhos forçados, ao contrário do que tinham acordado na Convenção de Haia. Eram ainda utilizados para transportar feridos, nas frentes de batalha, carregar munições e abrir trincheiras. Os campos de prisioneiros não eram iguais para todos, os oficiais encarcerados tinham direito a melhores

alojamentos, alimentação e condições de higiene razoáveis. Os soldados, esses, eram encarcerados em campos lotados e sujeitos a trabalhos forçados. Os países neutros e a Cruz Vermelha desempenharam um importante papel no apoio aos prisioneiros de guerra. No caso dos países Neutros foram criados grupos que inspecionavam os campos, tanto das Forças Aliadas como do Bloco Central. Em 1914, os EUA aceitaram a responsabilidade de inspecionar as condições em que se encontravam os prisioneiros de guerra ingleses nos campos alemães, e os prisioneiros alemães que se encontravam nos campos ingleses. À Espanha coube inspecionar os prisioneiros franceses na Alemanha e os prisioneiros Otomanos na Rússia. A Suíça teve como função observar o tratamento dos prisioneiros alemães em Inglaterra. Estes grupos de diplomatas tinham como missão inspecionar os campos de prisioneiros, as condições de higiene, a comida, condições de trabalho e as queixas dos prisioneiros transmitindo-as aos respetivos países de origem.


A Cruz Vermelha procurou garantir um tratamento mais humano aos prisioneiros de guerra durante o seu período de cativeiro. A Agência Internacional de Prisioneiros de Guerra, criada em 21 de Agosto de 1914, fornecia listas de prisioneiros, nomes e registos de capturas, transferências de campos e mortes. Serviam de intermediários entre os prisioneiros de guerra e as famílias que estavam, por vezes, meses sem ter notícias dos familiares que lutavam na guerra. Em Janeiro de 1918 um prisioneiro francês relatou ao comando do Corpo Expedicionário Português (CEP) a situação dos portugueses no campo de Merseburg: “Os prisioneiros são frequentemente sujeitos a maus-tratos e

a comida é insuficientíssima. Os portugueses que não recebem como os franceses e os ingleses alimentos das suas famílias, passam verdadeira fome, sendo frequente vê-los suplicar aos franceses, chorando, que lhes dêem as suas bolachas de racção. Os fardamentos e o calçado estão completamente rotos”. Portugal conhecia há bastante tempo a situação dos militares portugueses aprisionados e tentavam que essa informação não se tornasse pública porque traria custos políticos muito elevados. Após a batalha de La Lys, o governo português proibiu a publicação de listas de presos de guerra na imprensa e ordenou que as informações aos familiares passassem a ser feitas por ofício. Durante a Grande Guerra cerca de 8 a 9 milhões de soldados foram feitos prisioneiros pelos países beligerantes, as principais causas de morte dos prisioneiros foram os ferimentos sofridos nas batalhas, má nutrição, \tuberculose, tifo, abusos corporais, trabalho forçado e a gripe pneumónica no final do conflito.

Um prisioneiro alemão ferido sendo levado por um soldado português e um soldado da 51ª Divisão, perto de Bethune. (World War Museum)

Um grupo de prisioneiros britânicos, depois de os alemães terem retomado a cidade de Bapaume. (International Red Cross)

Prisioneiro alemão, ferido e enlameado. (World War Museum)

Prisioneiros de guerra alemães na Grã-bretanha. (World War Museum)


O QUE MUDOU NO MUNDO DEPOIS DE 1918 A 1.ª Grande Guerra prolongou-se entre o dia 28 de junho de 1914 até 11 de novembro de 1918 com a assinatura do Armistício, que punha um fim nas hostilidades. O conflito mobilizou 65 milhões de homens, dos quais 9 milhões pereceram em combate, ficaram feridos 21 milhões e aproximadamente 8 milhões foram feitos prisioneiros ou desaparecidos em combate. Cerca de 60% dos mobilizados de guerra não sobreviveram ao primeiro grande conflito da História Moderna. A destruição e o sofrimento que provocou alterariam para sempre a História do Mundo. Winston Churchill diria, sobre a 1.ª guerra: “Todos os horrores de todos os tempos convergiram num terrível conflito que engoliu não apenas exércitos, mas populações inteiras.” Nenhuma outra guerra mudou o mapa da Europa de forma tão dramática. Quatro impérios desapareceram após o fim do conflito: o Alemão, o Austro-Húngaro, o Russo e o Otomano. Onde outrora governavam reis e imperadores encontram-se agora presidentes. O pós-guerra trouxe aos países “vencidos” pesados encargos. Assim têm início, em 1919, as Conferências de Paz que resultaram em diversos tratados, todos com nome de palácios franceses, do qual o mais conhecido é o Tratado de Versailles. Para assegurar o entendimento político e a paz entre os países, o tratado previa a constituição da Sociedade das Nações, a redução dos territórios dos vencidos, a sua desmilitarização e o pagamento de pesadas indemnizações de guerra. O aparente sucesso da Sociedade das Nações é a vitória do parlamentarismo e o triunfo do direito sobre a força, a resolução de questões através dos parlamentos e do sufrágio. Este aparente sucesso político e diplomático não colmatou as consequências sociais, políticas e financeiras da guerra. O conflito, pela sua duração, extensão e características provocou transformações na sociedade, nos costumes, nas ideias e nas mentalidades. Do ponto de vista económico, todos os países beligerantes tiveram que aumentar as suas dívidas nacionais e contrair empréstimos para custear o esforço de guerra. Mas não só de questões económicas se pode falar quando se aborda um conflito desta natureza e desumanidade, a guerra, a inflação, o desemprego e a fome que grassava pelos países que participaram provocou manifestações, greves, conflitos e inquietações sociais. A participação de gerações de homens, entre os 18 e os 45 anos, veio alterar a estrutura social tradicional e as mulheres passam a ocupar um lugar no mercado de trabalho, que antes era exclusivamente masculino. Em suma, o resultado do conflito foi a derrota para ambos os lados, quer isto dizer que as populações sofreram consequências de ordem moral, psicológica e ideológica. Os sacrifícios suportados e o esforço de guerra foram demasiado insuficientes para o que tinham investido, no caso dos vencedores e uma sensação de exasperação e necessidade de desforra, do lado dos vencidos. Com o fim da guerra o mundo assiste à transferência de poderes, os EUA passaram a ocupar e a dominar a economia sobretudo por não ter sido travado nenhum combate em território americano e por terem sido os principais credores dos países beligerantes.

A dança de Charleston, 1926. (Wikimedia)

Fila para conseguir comida e roupa nos Estados Unidos. No fundo um cartaz com o título “O mais alto padrão de vida do mundo”. (Word press)

Os tempos mudaram, 1926. (Word press)


O pós-guerra caracterizou-se pela euforia, prosperidade e notório progresso material e cultural, onde o jazz e o charleston ocupam lugares de destaque, parecia querer apagar-se cinco anos de tragédia. Este período consolidou as pequenas vitórias que as Mulheres obtiveram durante a guerra, como o acesso ao mercado de trabalho, direitos, a mudança na maneira de vestir e de se apresentar na sociedade. Essa consolidação do estatuto adquirido sofreu alguns reveses, mas de um modo geral, as mulheres foram conquistando o seu espaço. A indústria e a agricultura apresentavam um forte desenvolvimento, que inicialmente foi positivo mas com a saturação dos mercados os stocks começaram a aumentar e os produtos tinham grandes dificuldades em serem escoados. O crédito mal parado, a especulação das ações cotadas em bolsa, o crescente desemprego e a

es-

tagnação da economia conduziram à Grande Depressão. Para se defenderem desta crise mundial, os países, que mantinham relações comerciais com os EUA, começaram a adotar medidas protecionistas que incluíram em

muitos casos a suspensão do pagamento das dívidas de guerra. A Grande Depressão colocou, assim, um ponto final na euforia do pós-guerra e conduziu ao surgimento de políticas nacionalistas um pouco por toda a Europa. Na Alemanha o partido nazi de Hitler venceu as eleições com promessas de melhorias da economia, Mussolini impõe o fascismo na Itália, Estaline consolida o seu poder na URSS e em Portugal instala-se um regime que iria durar 48 anos, o Estado Novo. Em 1939 teria início um novo conflito à escala mundial que duraria até 1945 e arrastaria o mundo para um novo pesadelo.

Máquina de guerra Nazi. (Wikimedia)

António de Oliveira Salazar, Presidente do Conselho de Ministros. (wikimedia)

Crise da bolsa dos Estado Unidos, em 1926. (Wikimedia)


A “GRANDE GUERRA” NO ALGARVE 1914-1918 Por Dário Guerreiro Portugal e a Grã-Bretanha encontravam-se unidos desde 1373 pela mais antiga aliança política do mundo, o Tratado Anglo-Português, o que obrigava o governo a atuar em articulação com a monarquia britânica. No dia 9 de Março de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal, como consequência da requisição forçada de setenta e dois navios alemães e austro-húngaros estacionados nos portos portugueses feita pelo governo português a pedido da Grã-Bretanha(1). Mas as repercussões catastróficas da “Grande Guerra” tiveram um efeito quase instantâneo e já se faziam sentir em todo o país muito antes dessa data: fome, escassez de géneros, dificuldades de importação, instabilidade social e política, assim como a morte, consequência direta do envio de tropas para defenderem as colónias ultramarinas, Angola e Moçambique, desde Agosto de 1914. Um Olhar sobre o Algarve de 1911 De acordo com os dados dos Censos da População de Portugal de 1911, os únicos disponíveis quando eclodiu a guerra, o distrito de Faro albergava 272 861 habitantes. Os concelhos de Loulé (43 961), Faro (35 834), Silves (31 713), Tavira (25 768), Olhão (24 998), Lagos (16 259) e Portimão (15 931), eram os mais povoados. Estes eram, na sua maioria, constituídos por uma população rural (166 298) que vivia da exploração dos terrenos agrícolas. Albufeira, um concelho com cerca de 138 Km², tinha na altura 12 852 habitantes, que se distribuíam por 2 998 fogos habitacionais, tratava-se de um dos concelhos menos povoado do distrito. O concelho tinha também uma população com uma taxa de analfabetismo que rondava os 88,6%, acima da média nacional que se situava nos 75,3% (2). No que respeita aos setores de atividade, no ano de 1911, existiam em Albufeira 8 531 pessoas que tinham como modo de vida o trabalho no campo, cerca de 66% da população, maioritariamente mão-de-obra masculina, uma vila muito marcada pela economia da terra e do cultivo de produtos, especialmente os frutos secos como o figo, a alfarroba e a amêndoa. Estes produtos tinham um peso considerável, não só em Albufeira como também em toda a região e destinavam-se essencialmente à exportação para os mercados externos, principalmente a Inglaterra e Alemanha(3). A produção industrial desempenhava também, um papel de relativa importância na região, em 1911 existiam 5 019 operários no Algarve, distribuídos por 92 fábricas. A indústria algarvia tinha nas conservas de peixe e no setor corticeiro as suas principais áreas de especialização. Todavia este sector encontrava-se também fortemente dependente do mercado externo para escoar as suas produções devido à incapacidade do mercado interno de as absorver(4). Em Albufeira a produção industrial empregava 1 255 trabalhadores de forma direta nas fábricas conserveiras (2 estabelecimentos com um total de 231 empregados) (5)e de frutos secos. Associado à produção industrial estava a classe trabalhadora referida nos censos de 1911 como trabalhadores dos transportes, tratava-se de homens do mar, que viviam dos transportes marítimos, na condução das mercadorias para os grandes navios

para posteriormente serem exportadas para os mercados internacionais. Albufeira, Faro, Lagos, Olhão, Portimão, Tavira e Vila Real de Santo António eram os principais portos de pesca da costa algarvia. A questão da pesca era vital, as principais espécies capturadas eram a sardinha e o atum, produtos que rapidamente eram absorvidos pela indústria conserveira, setor que arrecadou elevados lucros durante a Grande Guerra. As Primeiras Preocupações Com o início da “Grande Guerra” constatou-se que um dos principais problemas a surgir, logo após o começo das hostilidades, foi a dificuldade sentida pela maioria dos países europeus em adquirirem cereais panificáveis, nomeadamente o trigo e produtos de origem animal, como a carne. No caso de Portugal, a produção nacional de trigo era deficitária, incapaz de responder às necessidades do país. Havia falta de meios modernos para o aumento da capacidade produtiva dos solos e a escassez de transportes resultava na incapacidade de abastecer tanto a metrópole, como as colónias ultramarinas.


A fome era uma realidade nos estratos sociais mais baixos, em particular nas classes operárias, mas a crise da subsistência viria a agravar-se com o desenrolar do conflito, para isso muito contribuiu o auxílio prestado por

Portugal aos países aliados com o fornecimento de matérias-primas e géneros alimentícios. A descida do câmbio português em relação às moedas dos outros países seria igualmente um problema, que aumentaria as dificuldades(6) A subida dos preços devido à escassez de géneros viria a atingir, com grande dureza, as classes médias. A 9 de Agosto de 1914, surge no jornal O Algarve as primeiras notícias relativamente às possíveis consequências do conflito para a região, indicando o facto da indústria algarvia estar muito dependente das exportações para o estrangeiro e com isto receando uma crise operária(7). Na semana seguinte num editorial intitulado “No período da Guerra” o jornal O Algarve, voltava a frisar o impacto do conflito na indústria da região: “As fábricas de conserva são em grande quantidade; a fábrica de rolha também ocupava muita gente; o trabalho marítimo - dos portos trazia um exército de homens do mar ao seu serviço. Tudo isto paralisou. As fábricas de conserva estão em frente de uma carestia e falta de carvão que torna exagerado o preço do produto fabricado (…) Esta industria já suspendeu trabalho em muitas terras da nossa provincia e com a suspensão de trabalhos a luta imediata dos operários para o seu sustento (…) Dos homens do

mar, dessa numerosa classe, que costumava viver dos transportes marítimos da condução das cargas para os grandes navios, só temos a dizer que estão absolutamente sem trabalho da sua espécie pois nenhuns embarques se fazem, nenhuma exportação pode ser feita”(8). No dia 10 de Agosto é decretado pelo governo de Bernardino Machado a proibição da elevação dos preços dos géneros alimentares para evitar a especulação, estabelecendo penalidades para os comerciantes que elevassem os preços dos géneros de primeira necessidade (9).No âmbito desta medida da política de contenção dos preços agrícolas, os bens de consumo estão sujeitos a tabelamento dos preços. Assim no dia 30 de Outubro o Administrador do concelho de Albufeira, João Pereira Barbosa, determinava que se fixasse em todo o concelho editais com a tabela de preços dos géneros de primeira necessidade. Estabelecendo o preço do arroz em $18 o quilo, leite $08 o litro, ovos $24 a dúzia, farinha de trigo 1$20 cada 15 quilos e petróleo $13 o litro(10). O que se verificou foi que os preços destes géneros foram sendo fixados no decorrer dos anos por diferentes

entidades, como as câmaras municipais, as cooperativas, os administradores dos concelhos e pelos próprios comerciantes. O mesmo produto podia apresentar diferentes tipos - “ de primeira” ou “ de segunda” - havendo desigualdades nos preços de umas tabelas para as outras. Sendo necessário atenuar, tanto quanto possível, os efeitos da guerra, a 18 de Agosto de 1914 o governo português avançou com a criação de dois organismos: os Armazém Gerais Industriais, que tinham como objetivo incentivar o desenvolvimento da produção nacional, mas também, conquistar os novos mercados de exportação, e a Comissão de Subsistências, para géneros alimentícios e combustíveis, na tentativa de travar a escassez dos produtos. A Comissão de Subsistências seria constituída pelo administrador do concelho, pelo presidente da Comissão Executiva Municipal e por um representante da agricultura, do comércio e da indústria. Estas comissões elaborariam tabela de preços máximos dos géneros, com o “justo lucro” dos produtores e comerciantes(11). Esta política seria fortemente criticada, em todo o país, pelos produtores e comerciantes, “Nada mais inútil em produção de providencias oficiaies para a venda dos generos de consumo do que as tabelas dos preços a que

teem de sujeitar se os vendedores (…) São uma enorme confusão taes tabelas!”(12). O que acabaria por conduzir à sua alteração em Novembro de 1915. Em 7 de Fevereiro de 1916, seria criada a Comissão Central de Subsistências, à qual competia, entre outras, estudar todas as questões relativas ao aproveitamento de matérias-primas e mercadorias de primeira necessidade do país. As tabelas de preços dos géneros organizados pelas comissões distritais estavam sujeitas à homologação por esta Comissão. No dia 13 de Outubro de 1915 o administrador do concelho de Albufeira, fazia saber através de um edital que “ a contar da presente data não é permitido o transito de ovos e gado bovino para fora dêste concelho sem as respectivas guias…”(13) Este seria também um dos graves problemas que a região teve de enfrentar, a saída dos produtos para fora dos concelhos ou das localidades. As populações impediam a sua saída com o receio da sua falta, por sua vez, os


O cenário de dificuldade de aquisição de géneros proporcionou negócios menos lícitos, que favorecia alguns, mas

prejudicava a grande maioria da população, “ao lado da miséria há fortunas improvidas”. O açambarcamento dos géneros com o intuito de obter “alguns proventos da retenção”(14), ou seja, abundantes lucros devido à sua escassez no mercado era visto pelo governo como uma traição aos interesses nacionais. Em algumas comissões havia entre os seus membros quem fosse alvo de muitas críticas, exemplo disso, José Bentes, que se encontrava a presidir a comissão de Albufeira, sobre este recaiam acusações como: “proceder incorrectamente na distribuição da farinha, preços por que a tem vendido e qualidades das farinhas vendidas; de ter o assucar escondido em uma propriedade sua no campo; de ter feito misturas com farinhas deterioradas, cevada, feijão, etc; de só vender a quem quer, como e quando quer, injuriando e ameaçando as pessoas a quem não quer vender; de ter comprado ao Dr. Henrique Leote, dessa vila, 5991 kilos de trigo bom a 3$30 cada 20 litros, e de com ele ter feito farinha ruim que foi vendida a 6$40 cada peso de 15 kilos; de ter feito varios negocios escuros em seu proveito e de ir agora montar uma padaria com farinhas desviadas, etc., etc.” (15) A composição destas comissões mostra o peso que usufruíam os proprietários, os industriais e os comerciantes.

A Marcha da Fome: Protestos, Greves e Descontentamento Social De forma mais ou menos intensa, todos os concelhos algarvios forma atingidos pela escassez de géneros essenciais ao quotidiano das suas populações, essencialmente entre 1915 e 1918. O pão faltava de uma forma geral em toda a região, mesmo depois de “recolhidas todas as eiradas de trigo e cevada”(16). O mesmo acontecia relativamente ao açúcar. Em Outubro de 1915 era noticiado a falta de ovos, em Faro, “não chegando para abastecer uma centesima parte da população”(17). Os preços praticados eram, geralmente, proibitivos. No ano de 1916, o concelho de Tavira era assolado pela falta do milho, apesar de no último arrolamento haver em quantidade suficiente para o abastecimento do concelho. O semanário a Província do Algarve aborda a questão da crise da subsistência, interrogando-se o porquê de não era colocado a vender o milho arrolado, desconfiando da real escassez desse género(18).

Em Outubro de 1918, o semanário a Província do Algarve voltava a publicar um artigo, desta vez relatando a falta de pão, carne, “carissima, ruim e pouca”, o leite, caro e mal medido, os ovos, os legumes, o azeite, o toucinho, o arroz, as batatas e o peixe, “vendido por um preço esmagador”(19). No início do ano de 1918, faltava para o consumo do povo trabalhador o figo, “o melhor equivalente do pão que os algarvios teem”(20). De uma forma geral as localidades fronteiriças, devido à sua localização, criaram “excelentes” oportunidades de exportação ou contrabando de produtos para Espanha. Exemplo disso mesmo foi Vila Real de Santo António, muitos foram os produtos que chegaram ao país vizinho, contribuindo para a maior escassez de géneros. A falta de géneros, o açambarcamento e o seu preço especulativo criaram oportunidades para desenvolver tão lucrativa atividade. Em Janeiro de 1916 faltava trigo no concelho de Silves (21).Em meados de Novembro daquele ano, não só não havia farinha, como a fábrica de moagem iria encerrar(22), pelo que a todo o momento se esperavam “graves

consequências” por esta falta. Os momentos de escassez e de aumento de preço foi um problema sem solução, que terminava frequentemente em conflitos sociais. Os primeiros protestos relativamente à escassez alimentar surgiram no Porto a 18 de Setembro de 1914, uma manifestação contra a especulação e a fome, que culminou no assalto a vários estabelecimentos de víveres. Este tipo de protestos foi uma constante durante os anos de conflito, em São Brás um numeroso grupo de habitantes invadiu a repartição pública da vila num protesto contra o aumento das contribuições e pela carestia de géneros. Em Lagos, diante da Câmara Municipal houve uma manifestação, reivindicando a elaboração de uma tabela de preço dos géneros para que se evitasse especulações(23).


Um pouco por todo o país generalizavam-se protestos e descontentamento social, face à escassez de alimentos e aumento do preço dos produtos de primeira necessidade. Esta situação agravar-se-ia…

No conjunto dos anos do conflito, os de 1917 e 1918 foram os mais dramáticos para o país, com o assustador agravamento das condições económicas para as classes operárias, o que resultou em manifestações, greves e revoltas. Ao mesmo tempo que o trabalho escasseia, a miséria aumenta com a constante subida de preços de todos os géneros de primeira necessidade. Apesar das dificuldades, assiste-se a uma tentativa de melhoria das condições de trabalho na indústria. À cabeça das reivindicações estavam problemas salariais (geralmente baixos) e de sustento alimentar, mas levantavam-se também outras questões: o horário de trabalho, o direito à folga semanal, o fim do trabalho de menores, a lei dos acidentes de trabalho e o direito de associação. No Algarve as crises de trabalho estavam relacionadas com o encerramento de fábricas, devido à escassez de matérias-primas. Nas páginas da imprensa várias notícias relatando manobras dos submarinos alemães em águas algarvias e o respetivo impacto na navegação comercial: “A caça que nos mares a Alemanha está fazendo aos transportes marítimos, levantando um terrivel pânico á navegação mundial, tem tido como consequência uma elevação notabilíssima dos preços de todos os artigos mais necessários á assistência dos povos, ás suas

artes, ás suas industrias”(24); “navegação comercial recolhe-se tímida por tanta ferocidade e a grande circulação de produtos do intercâmbio mundial, ante tais estorvos, é cada vez mais reduzida e tem por consequências múltiplas crises de toda a espécie…”(25) Em Albufeira, para se fazer face à crise de desemprego que afligia o concelho, a Câmara Municipal solicitou ao Ministro do Fomento uma verba de cinco contos para a reparação de estradas(26). À medida que os meses decorriam, aumentavam as dificuldades. O trabalho era escasso e o mar mostrava-se igualmente ingrato, pois o peixe escasseava, mas o preço era bem visível. O pouco que vinha à rede ia para as fábricas de conservas, “o que permite uma notável e fecunda distribuição de trabalho pelas classes que vivem mantidas naquelas industrias”(27).

Criminalidade Num período de grande instabilidade interna e externa, a conjuntura apresentava-se favorável à desordem. Na região algarvia verificou-se o aumento da mendicidade e do número de “vadios” nas principais localidades da região e também algum banditismo rural, assaltos a propriedades, assassinatos e roubos. Exemplo disso a noticia publicada pelo jornal O Algarve sobre a tentativa de assassínio do proprietário Francisco de Sousa Faísca, no sítio da Patã, por parte de uns “malfeitores, dos muitos que vagueiam pelas freguesias ruraes dos concelhos de Loulé e de Albufeira” (28). Também a vila de Albufeira não escapava aos roubos e assaltos, escasseando a iluminação, havendo apenas dois ou três candeeiros de “nauseoso petróleo”. A própria GNR era alvo de profunda crítica, insinuando-se que estava extenuada por “durante o dia levar a guardar certas costas (…) não tem a actividade conveniente”, e de levarem a cabo assaltos a propriedades para poderem matar a fome(29). Em Setembro de 1917, a população de Silves tomou de assalto os armazém de alguns proprietários e negociantes, “arrombou portas e conduziu os géneros encontrados, cereais, azeite e outros” para o depósito

municipal(30). Um ano depois, era noticiado em Portimão o grave caso de indivíduos que teriam sido apanhados a roubar figos e uvas, do qual resultaria uma vítima; de tiro de uma mulher grávida, atingida por um tiro, que acabaria por sucumbir(31). Durante o ano de 1918 houve várias queixas de que não chegavam intactas ao seu destino as encomendas transportadas pelos caminhos-de-ferro, “sabemos que de oito queijos encomendados a uma terra no Alentejo faltaram dois e metade de outro”(32). Durante o Governo de Sidónio Pais (Dezembro de 1917 a Dezembro de 1918), os denominados “sem trabalho” ou vadios, foram alvo de forte repressão, tendo o governo limpo, “o país desta gente inutil afastando-a de onde a sua acção póde ser nociva”(33)Caso exemplar desta política foi o envio para África de centenas de “vadios” no mesmo barco onde embarcaram opositores do governo(34).


Vila de Albufeira em 1905 - 1920. (Arquivo Histรณrico de Albufeira).



A pneumónica

Em 1918 foi também a humanidade vítima de uma epidemia de origem gripal, mais conhecida em Portugal como a “pneumónica” ou a “espanhola”, responsável pela morte de milhões de pessoas em praticamente todos os continentes do planeta. Tratou-se da epidemia conhecida mais mortífera de todos os tempos. Decorriam as últimas ofensivas da I Grande Guerra, as movimentações de soldados e outras deslocações populacionais acabariam por potencializar a expansão da doença entre países e continentes. O dia-a-dia no Algarve foi afetado “o trabalho acha-se paralisado em quase todas as fábricas e oficinas. Nos campos não se pode dar uma enxadada (…) No próprio mar (...) faltam braços para as fainas”. Inclusivamente a nível político em Albufeira, as sessões, de vereação, normalmente realizadas semanalmente, deixaram de realizar-se na fase mais crítica da epidemia, entre o dia 21 de outubro e 18 de dezembro. Durante este período as sessões de vereação só se realizaram em três ocasiões. Tudo muito reduzido e com a redução produtiva a carestia. Albufeira em nada foi poupada à pandemia gripal de 1918. No dia 9 de Outubro é enviada uma carta para o Governador Civil do Distrito de Faro, a pedir que fossem tomadas providências no sentido de se criar um hospital

de epidemiados pobres, no Chalet da fábrica do alemão que se encontrava desabitado, uma vez que o hospital geral era demasiado pequeno e só possuía duas enfermarias. Num telegrama de 3 de Novembro era comunicado ao Delegado de Saúde de Faro a existência de 24 óbitos devido à gripe pneumónica. Calcula-se que o flagelo da gripe pneumónica, que assolou o mundo, terá causado em Portugal cerca de 120 mil mortos. No Algarve o número ascende aos 1884 mortos, dos quais 5,6% (241 mortos) pertenciam ao concelho de Albufeira. A gripe de 1918 foi, em termos de mortalidade, a maior tragédia do século XX e possivelmente de toda a nossa história.

A Primeira Guerra Mundial foi um conflito verdadeiramente global, mas não foi por isso que ficou conhecida como a “Grande Guerra”. Este título é devido não só apenas a essa característica global, mas também (e sobretudo) às repercussões catastróficas que a guerra teve sobre as populações de quase todo o mundo.

A guerra estendeu os seus impactos muito para além dos campos de batalha, veio influenciar o dia-a-dia da região algarvia. Tudo escasseou, a fome entrou em muitos lares algarvios, perante a escassez e o aumento dos preços, acompanhado pelos baixos salários, instalou-se um clima de grande agitação social e instabilidade política. Foram anos dramáticos, difíceis para nós de visualizar, quando nos nossos dias vivemos numa época de “relativa” abundância. (1)PEREIRA, José António Rodrigues - A Marinha na Grande Guerra. Teatros de Operações da Europa, Atlântico e Mediterrâneo – 1914-1919. Revista militar, maio 2016. (2)Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911 (3)RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 - 1918). Dissertação de (3)Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010. (4)CABREIRA, Tomás - O Algarve Económico. Lisboa: Imprensa Libâno da Silva, 1918, pág. 165 in PIRES, Ana – Loulé e a Grande Guerra. Câmara Municipal de Loulé, 2017, p. 23 (5)Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911 (6) MONIZ, Egas, - Um Ano de Política. Lisboa: Limitada Editora, 1919, pág. 296 in RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 - 1918). Dissertação de Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010. (7)“Algarve e a Guerra”. O Algarve, 9 de Agosto de 1914, p. 1

(8)“No Período da Guerra”. O Algarve, 16 de Agosto de 1914, p. 1 (9)Consultar Diário do Governo n.º 138/1914, Série I de 10 de Agosto de 1914 (10)Copiadores das circulares Expedidas do Administrador do Concelho de Albufeira, “Edital Nº 35”, Agosto de 1914 (11)Consultar Decreto n.º 1:900, de 18 de Setembro de 1915. (12)O Algarve, n.º 399, 14 de Novembro de 1915, pág. 1 (13)Copiadores das circulares Expedidas do Administrador do Concelho de Albufeira, “Edital Nº 18”, Outubro de 1915 (14)“Açambarcadores”. O Algarve, n.º 420, 9 de Abril de 1916, p. 1 (15)Arquivo Distrital de Faro. Fundo do Governo Civil, Livros Copiadores de Correspondência do Governo Civil, 1918 (150A), “Ofício ao Sr. Administrador do Concelho de Albufeira” 2.º Secção, n.º 768, 6 de Novembro de 1918 in RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 1918). Dissertação de Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010. (16)O Algarve, n.º 434, 16 de Julho de 1916, p. 1 (17)O Algarve, n.º 398, 7 de Outubro de 1915, p. 1 (18)RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 - 1918). Dissertação de Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010, p. 163 (19)Idem, idem


(20)O Algarve, nº 512, 13 de Janeiro de 1918, p.1 (21)Arquivo Distrital de Faro. Livro de Registo de Correspondência Expedida pelo Governador Civil, 1912-1918, “Ofício ao Ministério do Trabalho”, n.º 5, de 13/1/1916 in RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 - 1918). Dissertação de Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010

(22)Arquivo Distrital de Faro. Inventário do Governo Civil, Livros Copiadores de Telegramas do Governo Civil, 1915-1918 (138A), “Telegrama ao Exmo. Ministro do Trabalho, Lisboa”, de 16 de Novembro de 1916 in Idem, idem (23)O Algarve, n.º 481, 10 de Junho de 1917, p. 1 (24)“Problemas instantes”. O Algarve, n.º 453, 26 de Novembro de 1916, p. 1 (25)“Prevenções”. O Algarve, n.º 455, 10 de Dezembro de 1916, p. 1 (26)O Algarve, n.º 337, 6 de Setembro de 1914, p. 2 (27)“Crise no Algarve”. O Algarve, n.º 369, 18 de Abril de 1915, p. 1 (28)“Tentativa de assassínio”. O Algarve, n.º 359, 7 de Março de 1915, p. 2 (29)O Algarve, n.º 516, 10 de Março 1918, p. 2 (30)“Assalto às reservas”. O Algarve, nº 497, 30 de Setembro de 1917, p.2 (31)“Efeitos da miséria”. O Algarve, n.º 548, 22 de Setembro de 1918, p. 1 (32)O Algarve, n.º 532, 2 de Junho 1918, p. 1 (33)“Os boatos”. O Algarve, n.º 515, 23 de Junho de 1918, p. 1 (34)“A gatunagem”. O Algarve, nº 529, 12 de Maio de 1918, p.1 (35)“A Crise”. O Algarve nº 555, 10 de Novembro de 1918, p.1

Bibliografia e Webgrafia: Arquivo Municipal de Albufeira - Copiadores dos Editais e Anúncios Emanados pela Câmara Municipal do Concelho de Albufeira (1911-1932). Diário do Governo n.º 138/1914, Série I de 10 de Agosto de 1914. Ministério do Fomento. [Em Linha]. [Consult. 3 de agosto de 2018]. Disponível em URL: <https://dre.pt> Diário do Governo, decreto n.º 1900, de 18 de Setembro de 1915. Presidência do Ministério. [Em Linha]. [Consult. 4 de agosto de 2018]. Disponível internet: URL: <https://dre.pt> Estatística Demográfica - Censo da População de Portugal no 1.º de Dezembro de 1911. MINISTÉRIO DAS FINANÇAS. Lisboa: Imprensa Nacional, 1913. GIRÃO, Paulo – A pneumónica no Algarve (1918). Lisboa: Caleidoscópio – Edições e Artes Gráficas, S.A., 2003. Jornal O Algarve (1914-1918). [Em Linha]. Hemeroteca Digital: [consultado entre 6 de fevereiro e 30 de agosto de 2018]. Disponível em URL: <http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt>

PEREIRA, José António Rodrigues - A Marinha na Grande Guerra. Teatros de Operações da Europa, Atlântico e Mediterrâneo – 1914-1919. Revista militar, maio 2016. [Em Linha]. [Consult. 15 de agosto de 2018]. Disponível em URL: <http:// www.revistamilitar.pt> PIRES, Ana – Loulé e a Grande Guerra. Câmara Municipal de Loulé, 2017, p. 23 RODRIGUES, Joaquim Manuel Vieira - O Algarve e a Grande Guerra – A Questão das Subsistências (1914 - 1918). Dissertação de Doutoramento Lisboa, FSCH-UNL, Janeiro de 2010


AS ESTÓRIAS DO MEU AVÔ BISPO Se eu soubesse então que iria precisar lembrá-las com mais rigor, seguramente teria registado os relatos do

meu avô em formato que impedisse os acrescentos ou diminuições de pontos que sempre se fazem nos contos. Também é verdade que havia alturas em que nem o ouvíamos, por serem de uma pinga a mais que era quase sempre o seu estado

repetidas vezes sem conta, à conta

normal.

Tinha mau feitio na bebida. O meu pai dizia que o mau feitio dele se devia a ter sido gaseado na Grande Guerra. A esta distância, com ou sem os gases da guerra, acho que o meu avô sempre foi um rebelde. Esteve em Angola e em França, entre 1915 e 1919, tendo passado pela Madeira na feira quando muitos que o conheciam de antes o chegou a pôr luto por ele, porque foi

viagem de ou para Angola. Regressou a Albu-

julgavam morto pelas terras de França. De facto, a família

dado como desaparecido após a batalha de La Lys. Entre os que puseram

luto esteve o meu bisavô viúvo, de quem era o único filho, e esteve a minha avó, Elisa, namorada de antes da guerra. À data do regresso tinha 24 anos.

Casou, teve uma filha e um filho, o meu pai. Foi banheiro e aguadeiro, o que não deixa de ser

irónico para

um alcoólico. Pescador nas horas vagas, viveu entre o cemitério e a Orada, por cima da praia do Biqueirão, entretanto rasgada para a construção da Marina, tendo dado o seu nome à curva sobre a qual se erguia a casa onde criou os dois filhos. Era a única casa entre a vila e a Orada. A casa está hoje transformada em restaurante, preservando a original traça com as ameias à volta do telhado, que honrou durante anos o seu apelido, como a curva, hoje Castelo do Mar foi, nos seus primeiros anos, do Bispo.

Viveu para lá dos 90, alimentado com sopas de cavalo cansado ao pequeno-almoço, copos de três nas tascas da Cova da Piedade e Feijó a jogar bisca lambida, no concelho de Almada, onde viveu os seus últimos anos, e muito tabaco barato sem filtro, conhecido então como cigarros mata-ratos.

Na Grande Guerra, em França e após uma breve passagem pelo hospital, participou na Batalha de La Lys de onde só regressou depois da guerra acabar por ter sido feito prisioneiro. Esteve num campo de prisioneiros, fortemente guardado pela tropa alemã, cercado de arame farpado. Meu avô contava ter visto prisioneiros serem mortos pelo simples facto de se aproximarem demasiado do arame

farpado. Também durante o seu cativeiro terá

sido submetido a trabalhos forçados e contava que a sede e a falta de água eram tantas que bebiam a água das poças, filtrando-a com um lenço. Lenço é a palavra que me lembro de ele ter usado, mas se calhar era um trapo qualquer que servia a função de só deixar passar o líquido, para abrandar o fogo que lhes consumia o corpo.


Dizia que nos dias de maior frio os prisioneiros se agrupavam encostados uns aos outros fazendo uma enorme bola de homens, em que os de fora se iam revezando, tal qual fazem os machos

pinguins Imperadores en-

quanto chocam os ovos e aguardam pelo regresso das fêmeas. Um dia foi enterrar prisioneiros e reparou que um deles levava umas belas botas de cano alto, enquanto ele andava com sapatos sem solas. Perguntou ao alemão que supervisionava a operação se podia tirar as botas ao morto, a quem não faziam falta, presumo que na linguagem gesticular universal, o descalçar o morto.

alemão riu-se e acenou que sim, imaginando que o meu avô não seria capaz de

Contava que lhe meteu um pé na virilha e à força se muito sacudir e estrebuchar, e para

admiração do alemão, lá conseguiu um belo par de botas.

A história mais luminosa que recordo diz respeito à sua passagem pelo hospital, meses antes da

Batalha de La

Lys. Não sei que motivo o levou ao hospital. Contava meu avô que a Rainha D. Amélia, então no exílio em França e que durante a Grande Guerra exerceu funções de enfermeira, terá um dia passado pelo hospital. À pergunta se havia ali portugueses indicaram-lhe a cama do meu avô. Esteve a Rainha D. Amélia sentada à beira da cabeceira do meu avô e com ele terá trocado umas palavras, que presumo de circunstância para este tipo de circunstân-

cias, dado que não recordo

relato do teor da conversa. Mas recordo o grande orgulho com que o meu avô Bispo

contava este episódio da sua passagem pela Grande Guerra. Muitos anos passados, um dia em passeio por Lisboa, já eu jovem adulto, vira-se para mim e diz: “Faz hoje anos que fui feito prisioneiro na Batalha de La Lys”. Fiquei a olhar para ele, com aquela cara que os jovens fazem para os velhotes quando acham que eles estão a delirar. Eu não fazia ideia em que dia tinha sido a batalha, mas depois de ficar a saber verifiquei que o meu avô à beira dos 90 anos de idade tinha partilhado comigo uma memória sua, num dia 9 de Abril, de um episódio que havia acontecido noutro distante 9 de Abril. Carlos Bispo

António de Nascimento Bispo. (Coleção privada)

António de Nascimento Bispo e Elisa de Jesus Bispo. (Coleção privada).


Ficha técnica

Organização Arquivo Histórico de Albufeira

Fotografias Arquivo Histórico Militar (Portugal) National Library of Scotland Bibliotheque Nationale de France World War Museum Wikimedia

Agradecimentos

Arquivo Geral do Exército Direção Geral do Exército Museu Militar de Elvas José João Pais Hélio Monteiro Bruno de Carvalho Ana Laura Martins João Ferreira


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