ROTA DO RIO DOURO O sol ainda não acordou. O céu está cinzento. As gaivotas deixaram o Tejo E esvoaçam à minha frente Soltando a sua tristeza No pio repetido, Misturado com a doce melodia Do melro que rodopia De ramo em ramo na figueira, Chorando a minha partida. O sol já se levantou E sorri para a nuvem passageira Que sobrevoa os campos floridos
E intensivamente cultivados, Estendendo seus longos braços Envolvendo, com fortes abraços, As montanhas que circundam o vale, Extasiadas com a sua imensidão, Deixando o grupo dos portugueses Desperto e tão embevecido Qual tapete colorido, Bordado por mãos delicadas. Não vimos a Laguna Negra, Não escutámos as suas lendas Pelas águas escuras e profundas segredadas, Mas vimos a neve tão branca e tão pura Nas Serras de Urbión e da Ceboleira, Contrastando com a diversificada vegetação, Sorrindo à nossa passagem. Em Castro Viejo, os rochedos esculpidos Pelas mãos da natureza, Ficaram sensibilizados Por nos verem extasiados, Perante tanta beleza. Não mergulhámos o olhar Nas nascentes do Rio Douro, Na Serra de Urbión, Mas contemplámos o tesouro Dos campos acariciados Pelos seus afluentes Correndo, ansiosos, para as suas águas Docemente beijarem. Ouvimos o pio das aves entontecidas
De incontida satisfação Pela nossa chegada à Ermida e à Gruta Do Parque Natural de Canon del Rio Lobos Onde o silêncio nos deixava ouvir O turbilhão dos nossos pensamentos. Ali queríamos ficar sentados De olhar perdido, no horizonte, Interrogando-nos: porque apressados, Vivemos cada dia? Da porta sul do Castelo de Gormaz Gostávamos de ver crescer as sementes Nas leiras multicolores Dos campos amarelos, verdes, vermelhos, Que se estendem, em perfeita harmonia, Até ao sopé das montanhas nevadas Que, com nostalgia, Se despedem de nós, acenando Seu manto branco, tão puro. Estivemos mais perto do céu Nos Castelos de Peñaranda de Duero E de Peñafiel, fortalezas construídas Para defesa de reis, de povos, Hoje transformadas em ermidas Do silêncio, da glória, da história, Que se pretendem exemplos da paz. Dias tão intensos de sol ou de chuva, Em que não faltou o ribombar do trovão Para celebrar a nossa chegada A Tordesilhas, não para assinar novo tratado A dividir o mundo descoberto ou a descobrir,
Apenas para comemorar O respeito e a aproximação De um Estado para outro Estado, De um Povo para outro Povo. Já o sol se foi deitar E a lua se espelha no Rio Douro, Vaidosa, tão vaidosa, Saudosa, tão saudosa, Por nos ver partir com algum cansaço Acumulado pelo despertar matinal, Pelas longas caminhadas, Pelas subidas e descidas das encostas Dos castelos e dos miradouros imponentes. Vimos moinhos de água Na histórica cidade de Zamora, Onde se misturava O árduo trabalho, o sentimento, O amor e a mágoa Que o Douro transportava Na sua forte corrente Pela vastidão do vale Que se estende à nossa frente. Subimos e descemos Íngremes estradas, Sem sabermos se eram elas, Com suas curvas bem pronunciadas, Ou a beleza da paisagem Que nos cortavam a respiração. Vimos arribas de quatrocentos, Seiscentos e outros tantos metros,
Por tantas aves de rapina habitadas E, outrora, por cabreiros, Agricultores e contrabandistas Das margens do Rio Douro, Que percorremos num cruzeiro. As aves no seu voo picado, Os animais pastando, pachorrentos, Nos lameiros verdejantes, Olhavam-nos por uns instantes, Desejando o nosso regresso, Depois de um merecido descanso Para assentarmos os sentimentos, Para digerirmos os conhecimentos De geografia, de história, de estilos de construção, Que nos provocaram os deslumbramentos Dos meandros dos rios, das arribas, dos vales, Das igrejas e catedrais, dos miradouros e dos castelos Das margens do Rio Douro em Espanha, voltadas para Portugal.
Alcina Adriano