A ditadura da Feira do Ponto - O debate

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Associação Caué – Amigos de São Tomé e Príncipe Grupo STP no Yahoo!Groups

Oléo “A Feira do Ponto”, de Olavo Amado, 2005

A DITADURA DA FEIRA DO PONTO DEBATE NO GRUPO STP NO YAHOO!GROUPS SOBRE O ARTIGO QUE ALCÍDIO MONTOIA PEREIRA PUBLICOU NO DEZEMBRO DE 2005 NO SEMANÁRIO "CORREIO DA SEMANA" Dezembro de 2005 – Junho de 2006

Escritas originais (podem conter erros ortográficos ou gramaticais)


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Participantes nesse debate: Alcídio Montóia Pereira (iniciador) Osvaldo Cravid Viegas d'Abreu Liedsson Abreu Sósimo Leal Bragança Brígida Rocha Brito Adelino Cassandra Luiz Manuel Gamboa da Silva Celsio Junqueira Xavier Muñoz Torrent J.A. Rocha José Santiago Josep M. Setó Verdés Kilu Tiny Sumu Yaya Safu Zedu ...


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "alcidiopereira" <alcidiopereira@y...> wrote: ...à moda da terra. A Ditadura da Feira do Ponto O grande símbolo do triunfo da nossa revolução é, sem qualquer margem para dúvidas a "Feira de Ponto". Epicentro e viveiro da crescente e asfixiante lumpenização da sociedade santomense, essa feira não pára de estender os seus poderosos tentáculos por todo o país. É, seguramente, a sede do poder político em STP, a expressão mais eloquente do nosso retorno às origens, do regresso à "Mãe África"! O palácio do Governo, a escassos metros, mais não é que o anexo desse poder ao ar livre. Só assim se percebe a impunidade com que diariamente os mais elementares direitos da sociedade são atropelados e espezinhados nesse centro de "poder popular" gerado pela falência da "Nossa Revolução". A atitude "Feira de Ponto" é hoje o pensamento dominante e transversal em São Tomé e Príncipe. Para muitos, ela é o reduto da democracia, pois, diz-se, quem quer ganhar eleições em STP, sejam elas quais forem, tem de ganhar primeiramente a "Feira de Ponto". Fala-se em gente extremamente poderosa, intocável, acima da lei. Não são ministros, não são políticos, técnicos, nem empreendedores, não produzem nada de útil para a sociedade. Vivem de expedientes, a que atribuem estatuto de desígnio nacional: o "bilá kabá". É isso que nos querem impingir como sendo iniciativa privada. Não, isso nada tem a ver com economia de mercado, nem com sobrevivência. Em boa verdade esse antro de imundice, da pouca vergonha, da vadiagem e do banditismo é a progenitora e a propagadora da corrupção que hoje grassa pelo país e corrói todas as nossas instituições. Cientistas sociais e uns quantos bem intencionados, politicamente correctos e sabichões ocidentais (e não só!) já interiorizam que esse local é a expressão mais genuína do ser-se santomense, no que são secundados por folclóricos intelectuais da nossa praça. Não! Feira de Ponto e seus subprodutos, como são os casos de extracção ilegal de areia, comércio de pedras, abate indiscriminado de árvores para construção e fabrico de carvão e outras mais manifestações grosseiras de incivilidade (passe-se a redundância), não podem representar-nos! Não são uma eloquente demonstração do nosso espírito de sobrevivência nem da nossa capacidade para empreender. São, isso sim, o oposto desses valores. Representam o culto do ócio, a resignação, o fatalismo, o laxismo militante e a quanto a arrogância e a prepotência desses vícios podem levar um povo. Sinto asco e repugna-me essa suposta santomensidade e o miserabilismo que a alimenta. Há falta de empregos, sem dúvida uma grande verdade. Mas, dificilmente encontramos competentes carpinteiros, pedreiros, marceneiros, agricultores,


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serralheiros e pessoas de outras artes e ofícios que queiram trabalhar. Mas basta-nos passar pela zona do "Turismo" para sermos placados, literalmente, por cambistas, vendedores de estatuetas, pintores, escultores, "artistas" de vária ordem e até prestadoras (e prestadores) de serviços sexuais! É o resultado de uma cultura de enriquecimento fácil, promovida de alto a baixo na sociedade. Não chegamos a esse ponto apenas por causa da incompetência dos sucessivos governantes, mas também por causa do contínuo e crescente poderio político e económico da Feira-de-Ponto e de centros afins (no fundo, uma é consequência da outra). São estes centros de lumpenização que vêm ditando cada vez mais a escolha dos dirigentes. Tomaram de assalto os partidos políticos, o parlamento e o populismo de Fradique de Menezes conferiu-lhes o estatuto de "povo" que jamais deveriam ter. Não se consegue acabar com essa vergonha nacional porque é ela que detém e exerce o poder. Essa gentalha, presente em todos os escalões, instituições e actividades da vida nacional nada tem a ver com o povo, desconfio até que são alienígenas, seres extra-terrestres (mas não são estrangeiros!). Usam e abusam, isso sim, do povo e da sociedade em geral, delapidando os recursos naturais, vendendo bens de consumo adulterados, medicamentos falsificados, bebidas alcoólicas marradas, propagam criminosamente doenças como a cólera, a disenteria, a febre tifóide, etc. Quem é do povo não pode querer tanto mal ao povo, nem mesmo em nome da sobrevivência! Essa gentinha não pode ser mais importante que a sociedade. É preciso que os medicamentos voltem às farmácias, que os produtos de mercearia, o vestuário, etc., voltem às lojas; lugares de onde nunca deviam ter saído. Que a orla costeira seja protegida, que a floresta seja explorada de forma sustentável. Que o Estado volte a ser Estado. Muito se vem dizendo sobre o Estado de Direito. Contudo, pouco se diz de esse estado ser também, e sobretudo, um Estado de Deveres. Assacamos-lhe, quando possível e bem, responsabilidades pela não satisfação dos nossos direitos, mas não manifestamos atitude equiparável, mesmo quando isso se impõe, no que toca a cumprir os deveres. Um deles é o cumprimento da Lei. Quem tem o dever de assegurar esse cumprimento tem feito vista grossa, sido extremamente condescendente, benevolente, compreensivo (nós sabemos que os adjectivos são outros, mas...) com a situação de ilegalidade dos comércios informais, de tal forma que esse incumprimento ganhou, pasme-se, estatuto de direito. Tudo isso em nome da democracia, da paz social, concórdia, que é como quem diz, traduzindo para linguagem acessível às pessoas menos conhecedoras das coisas à moda da terra, em nome da falência do estado. As iniciativas até hoje tomadas para tentar conter a expansão (para não dizer a explosão) desse maldito mercado e de tudo quanto ele representa, tem esbarrado, sistematicamente, na alegada capacidade de resistência dos supostos feirantes e congéneres. Invariavelmente, conseguem fazer passar para a opinião pública a ideia de que a Polícia Nacional recorre à brutalidade


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nas suas acções de reposição da legalidade. No passado dia 10/12/2005 a história repetiu-se. Ainda que sem deixar de lamentar as vítimas (inocentes, espero) desse incidente, é dever de qualquer bom cidadão apoiar a iniciativa da Polícia e do Governo. O recente recrudescimento do surto de Cólera iniciado em Abril, é uma questão extremamente séria de saúde pública que não pode ficar à mercê do poder dos lumpens (feirantes, seus patrocinadores e seus patrocinados). Perdoem-me a frieza do raciocínio, mas se para travar a Cólera e outros males da sociedade as autoridades tiverem de recorrer à borracha, que seja democraticamente feita a vontade dos lumpens (os graúdos e os reles). Borracha neles! Se preferirem chumbo, também se arranja. Não seja por isso! Chega de paninhos quentes, de democracia flácida, invertebrada, de cobardia política, do coitadinho do "Zé Povinho", do "Pôvu Piquenu", do "...e porque é jovem, e tal..." e outras chantagens emocionais e gastos mecanismos de manipulação. O que querem, sei eu! A Cólera e outros problemas nacionais não se resolvem apenas desmantelando o simbolismo da Feira de Ponto. Mas seria um bom começo. Salvaguardando as devidas distâncias, teria o mesmo significado do acto temerário mas inútil de Jesus Cristo quando tentou destruir as bancas de agiotas e de outros mercadores no grande templo judaico de Jerusalém. Acabou dando origem a uma grande Religião. Viva a Polícia Nacional! Pela Lei, pela Ordem! Nota-1: O "viva" é dedicado exclusivamente aos membros da Corporação que honram a farda e não para os que se excedem desnecessariamente no exercício das suas funções ou se perdem diariamente na Praia Brasil, no Jardim do Pensamento ou nas 1001 pitisqueiras (um grande "produto cultural" destes 30 anos) a entornar "tampas de bule" de cacharamba (mais um grande "produto cultural" da independência) e outras práticas inadmissíveis em agentes da autoridade. Nota-2: Os meus votos de Festas Felizes aos leitores do Correio da Semana (em especial os que têm paciência para ler os meus longos "testamentos") e a todos os santomenses e principenses. Até 2006. Alcídio Montóia Pereira (alcidiopereira@y...) Carnaxide, 22 de Dezembro de 2005


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, Xavier Muñoz <xavier270962@y...> wrote: Caro Alcídio, Sinceiramente, acho que o seu artigo é exagerado de mais. Curiosamente, a Feira do Ponto não é o único exemplo de concentração de interesses e poder econômico em um mercado (se é realmente um exemplo disso), nem na África nem no resto do mundo. Agora lembro da história de Ghana, como el regimen de Rawlings teve que desmantelar o poder das "mamies" (matriarcas que controlavam o comércio) para eliminar contrapoderes no Estado. Mas nunca reparei que alí, nesse paradiso "lúmpen", como você qualifica, há organizado um contrapoder que mediatiza as decisões políticas. Não acredito que haja "mamies" na Feira do Ponto. Também não acho que todas as atividades sejam improdutivas e estejam a constituir focos de vício e insalubridade. Eu não percebo o comércio em geral ou as atividades de restauração como atividades improdutivas; porquê todas elas se identifiquem directamente com atividades femininas não tem que considerar-se improdutivas. A gestão comercial e a organização do trabalho em um restaurante, bar ou petisqueira pode requerir tanto esforço ou penalidades como trabalhar nas atividades industriais. A desconsideração geralizada dessos trabalhos, ainda que localizados em um distrito da Cidade, é uma exageração, por não dizer um disparate. Nem todas atividades na Feira do Ponto tem concordância com atividades ilícitas nem também não são foco de distribução massiva de doenças. Quando estou em São Tomé eu costumo comer diariamente em uma petisqueira da Feira do Ponto, porquê a comida é excelente e além disso barata, porquê há boas conversações, porquê há simpatia e total confiança. Nunca uma comida da Feira sentou-me mal, nem tive nenhuma doença como resultado de um almoço lá, e nunca senti-me inseguro nesse lugar. Prefiro mil vezes uma boa conversação em uma petisqueira, ante umas cervejinhas e um petisco de búzio do mato, que toda a finura dos melhores restaurantes dos resorts turísticos ou dos ocidentalizados locais de Praia Lagarto e Praia Francesa, onde a comida é a mesma que podas apanhar em qualquer capital europeia ou americana onde não há conversação nenhuma se não a chevas tu. Caro amigo, eu ouví e falei com poetas e cantores na Feira, com médicos naturais e com filósofos locais. Isso não é apenas poeria!! Posso concordar com você que o mercado pode chegar a ser um organizado centro de intercâmbio de interesses. Mas já é isso neste momento?? Eu acho que não. Se fosse assim, produtos políticos do mercado, como o comandante Cóbó (habitual das tertúlias nas petisqueiras da Feira), anunciariam sem dúvidas a sua candidatura para as próximas elecções presidenciais.


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Mas contráriamente ao que você escreve eu acredito que a Feira do Ponto não é exemplo de nenhuma trama maquiavélica perfeitamente orquestrada, senão um poduto da necessidade social para sobreviver. É um lugar onde você pode ver na sua maior intensidade a capacidade de trabalho da mulher santomense, sobre a que se soporta o sustento familiar e também a economia toda do país, com os pobres recursos que tem nas mãos. Quiçás seja um exemplo paradigmático de organização espontánea ou anárquica, que funciona e que dá trabalho a centos de pessoas. E o trabalho não é nenhuma vergonha. Sinceiramente, não acredito que a Feira do Ponto exerça nenhuma "ditadura" sobre a sociedade santomense, mas quiçás seja ela directamente o reflexo da sociedade mesma, da imensa maioria de santomenses que não têm capacidade de poupança, que vivem ao dia, que malvivem. Para câmbiar a Feira do Ponto primeiro tem que obrar um câmbio radical na redistribuição da riqueza. Um abraço, Xavier

Uma janela de loja na Feira do Ponto. Foto: X. Muñoz (2006)


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "alcidiopereira" <alcidiopereira@y...> wrote: > Caro Xavier, Antes de mais, espero que tenha entrado com o pé direito em 2006 e aproveito para desejar-lhe um resto do ano bem sucedido, a todos os níveis, sejam profissional, pessoal ou outro. Agradeço as tuas observações, mas confesso que já esperava algo assim. Sei que a "feira de ponto" (e tudo quanto gira à volta) tem os seus adeptos, o que me custa muito a entender, mas há coisas que os meus modestos recursos intelectuais recusam-se a encaixar. Seja como for, não é obra do acaso eu ter começado o 3º parágrafo do artigo com "Cientistas sociais e uns quantos bem intencionados, politicamente correctos e sabichões ocidentais (e não só!) já interiorizam que esse local é a expressão mais genuína do ser-se santomense, no que são secundados por folclóricos intelectuais da nossa praça." Não creio que tenha sido exagerado quanto ao peso político da tal feira. Quanto muito terei pecado por defeito. Como você mesmo reconhece o Cóbó é um produto político desse espaço e teve a "ousadia" de liderar um golpe-deestado bem sucedido em termos militares e que só não vingou em termos políticos por causa de intervenções externas. Há várias maneiras de se medir o poder, uma delas é certamente a capacidade de ser contrapoder e nesse aspecto a Feira de Ponto tem dado cartas. Exagero, Xavier, é quando se tenta vender a santomensidade com as cores, os odores e os sabores da feira de ponto. Proponho-lhe um excelente negócio para 2006: se gosta assim tanto desse antro de vícios e de incivilidade, então estou disponível para ajudá-lo a transferir (gratuitamente) essa atracção turística e essa genialidade cultural "santomense" para o centro da cidade de Barcelona, para ombrear (em matéria de construção humana) com as magníficas obras de Gaudi. Ficaríamos todos felizes e contentes. Búzios, petisqueiras, venda de medicamentos na rua, esculturas em madeira.... o que é que a tradição de STP tem a ver tudo isso?!?!?! Xavier, talvez não fosse má ideia você investigar melhor as tradições de STP, despindo-se dos novos (pre)conceitos da Antropologia. Perdoe-me a afronta e a carga emocional, mas acho uma tremenda irresponsabilidade fazer-se propaganda positiva de locais que, de acordo com os padrões de higiene da Catalunha por exemplo, seriam certamente objecto de encerramento imediato e os seus proprietários objecto de processo-crime por atentado à saúde pública. Como antropólogo você sabe que as civilizações são criações do homem. Nenhuma civilização resultou do livre arbítrio, do deixar andar. São criações de um punhado de homens e mulheres que procura dar um sentido, que traça desígnios para a sociedade. É óbvio que há limites objectivos para essa


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empreitada, mas não creio que seja boa ideia transformar esses mesmos limites no motor da mudança. Um abraço. Alcídio Pereira

Pisando malagueta, em uma petisqueira da Feira do Ponto. Foto: X. Muñoz (2001)


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, Xavier Muñoz <xavier270962@y...> wrote: Caro Alcídio, Também tens os meus melhores desejos de sucesso neste 2006 (como é o meu desejo para todos os seguidores deste Grupo); para que como mínimo sigas a ter tanta capacidade crítica para criar bons debates ao redor de temas social e económicamente relevantes para STP. E, nesse sentido, no sentido da necessária crítica, tenho que confessar que sou seguidor puntual dos teus artigos na imprensa saotomense. Não é que eu seja especialmente um adepto da Feira do Ponto na sua forma e organização, mas é uma realidade palpável, é o que há. No sentido mais positivo do termo, para mim é um mercado da Cidade, como os há também em Catalunha e Europa, com mais ou menos poeria e cores, cheiros ou sabores, mais ou menos organizado, mais ou menos espontáneo. Eu falo desde a experiência, não desde nenhum análise de "cientista social e sabichão occidental", senão desde a mais simples pessoa, que apanhou nesse lugar serviços e amigos, sem queixa, como não obteve em outro lugar. Eu acho que deve ser muito difícil visitar São Tomé e não topar-se com a Feira do Ponte e não fazer alguma compra lá, ainda que seja um saquinho de arroz ou sal ou um pouco de malagueta bem pisada. Em todo caso, lembra que o comércio é a orígem das cidades, e os mercados centrais (como é na realidade a Feira do Ponto) são a esséncia mesma das relações urbanas, o centro. Não estamos por tanto a falar de qualquer coisa, senão do núcleo ao redor do qual se organizam as atividades económicas domésticas e não tão domésticas. Talvez seja neste ponto que eu possa entender a tua preocupação, especialmente na forma pouco estêtica do lugar. É um problema de continente mais que do conteúdo. Porquê as pessoas que alí trabalham desenvolvem as suas profissões como não fazeria melhor o mais moderno dos centros comerciais europeus, e são ainda de mais qualidade e originalidade. Com isso nunca eu tinha dito que a Feira seja "a expressão mais genuína do ser-se santomense", com certeza!! Mais sim que é a actual imágem da frenética atividade e do trabalho diário da gente para ganhar-se a vida, da maneira que pode e não por isso (por não estar a trabalhar num local de desenho), seja menos digna e mereça menor valoração. As aglomerações de atividades de comércio, sejam onde sejam, não merecem tanto desprécio, senão, ao contrário, são o pontal da vida cidadana. Tavez entendas a Feira do Ponto como alguma coisa fora do control do Estado, como poderia acontezer com as sociedades de mato, ou uma organização espontánea de interesses confrontados ao do Estado. Quiçás mesmo haja a possibilidade de manipulação dessa organização espontánea, que seja mesmo uma cova de bandidos e artesanos, vendedores de souvenirs emboscados, que planeam desestabilizar ao Governo, com todo tipo de sofisticadas e


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perversas estratégias... Mas não é mais normal pensar que detrás da Feira do Ponto não há mais que pessoas que trabalham para sobreviver e que, em caso de organização qualquer, não é mais que uma forma de espontaneidade anárquica? tavez, na verdade, os teus temores (temores da comunidade) unicamente sejam pela impossibilidade de controlar essa espontaneidade, esse mar heterogéneo de ideias e opiniões? Se São Tomé teve alguma vez qualquer manipulação sempre foi orquestrada desde fora, não desde a Feira do Ponto. Com respeito a trasladar a Feira do Ponto a Catalunha, as tuas palavras roçam a demagógia. Tras os monumentos e a ordem urbana de Barcelona há séculos de feiras e mercados assemelhados ao do Ponto. Os mercados e mesmo os modernos centros comerciais não nasceram todo de uma vez, senão que evolucionaram com o tempo, e também foram centros de troco de informações e de interesses, como atualmente são as principais Bolsas de Valores (Stock Exchange Centres) em todo o mundo (issas sim que são centros de tráfico de interesses!!). E em Barcelona, por exemplo, um dos grandes atractivos é o Mercado da Boqueria (perto das Ramblas), que como o seu nome indica (lugar onde tinha bocas) era um sítio onde se concentravam os pobres e mendigos da cidade, pedintes de comida!! Junto a eles também ladrões e caloterios, alcaiotes e prostitutas (como até há pouco tempo), mas também poetas e filósofos, médicos e arquitetos (como o Gaudí que também frequentava esse antro de perdição). O mercado era é ainda é o coração mesmo da cidade. Então não digas de trasladar essa Feira, porquê já a tivemos... e, além disso, porquê a seguridade pessoal de São Tomé e infinitamente melhor do que no centro de Barcelona, onde a delinqüência está a crescer cada ano e a tradicional tranquilidade e simpatia é cada vez e menor. Não sei se você conhece bem o centro de Barcelona ou qualquer dos seus subúrbios, mais agora mesmo posso dizer que junto aos fabulosos monumentos e belíssimas praças recala o mais lúmpen de Europa, a pobreza mais extrema que obriga a pessoas a passar a noite dentro dos caixeiros automáticos dos bancos... Nunca como agora há tanta gente a viver sem casa nessa cidade... Para que seguer...? Como falava um cantor conhecido, "as ciudades são monstruos de quatro cabeças" e São Tomé está a começar a ser uma cidade. Em qualquer caso, você está a fazer deslocalizações impossívels e descontextualizadas. Isso não é análise de nada, está a ser outra vez experiência do dia a dia. Naturalmente, a legalidade deve ser sempre seguida pelos cidadanos e mais ainda pelos que regentam um serviço público. Com certeza, os padrões legais relativos à saúde não são os mesmos em Catalunha que em São Tomé, e deveríam tender a ser os mesmos, mas agora são os que são. Também em Catalunha há seguros para todo e em São Tomé tens muita sorte se alugas um carro com ele, mas é a realidade do país, e naturalmente o tempo e a aprendizagem permetirá esse acomplamento. E claro está, aos transgressores da legalidade, tantas queixa-crime como seja preciso, em São Tomé ou em qualquer parte do mundo! Por certo, para terminar, infelizmente, não sou antropólogo (já gostaria ser!), e não posso mover-me por preconceitos de Antropologia; mas posso assegurar que gosto muito dos búzios do mato, bem cozinhados, claro, e também gosto


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da fruta-pão e da matabala como acompanhamento, do concon e de outras excelentes comidas locais de São Tomé, que podem-se apanhar também (não só) nalgumas petisqueiras da Feira de Ponto. Gostei do último párrafo, sobre que "as civilizações são criações do homem", grande verdade. Posso acrescentar ainda, como trabalhador das políticas públicas, que as organizações, na realidade, não existem; o que existem são pessoas que se relacionam e que se movem e agrupam por puro interês ou necessidade... ou também quiçás por amor (que é uma forma de interesse). Nesso, com certeza que concordamos. Também concordaremos -eu acho- que apenas com a Feira do Ponto não pode basear-se uma política turística nem económica, nem também não com a atual situação de práctica ausência de control sanitário sobre comércios ou locais de restauração. Mas é preciso não geralizar, porquê não todos, dentro de a sua infinita pobreza, são sujos nem criam focos de perversão cívica. Um grande abraço, Xavier Muñoz

Comprando fruta-pão Feira do Ponto Foto: X. Muñoz (2006)


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "alcidiopereira" <alcidiopereira@y...> wrote: Caro Xavier, Peço humildemente desculpa por ter-lhe atribuído uma profissão que não é a sua. Foi um lamentável descuido da minha parte. Sou um bota-de-elástico, visão estreita do mundo, que não encontra particular interesse nestas coisas da boémia e de incursões em submundos. Talvez por isso não partilhe dessa visão romântica, muito do agrado, sobretudo, da Esquerda Intelectual Ocidental, sobre determinadas manifestações sociais. Respeito isso mas reservo-me o direito de não comungar dessa visão das coisas, nem reconheço-a essa abordagem a superioridade intelectual que, por vezes, os seus subscritores tendem a veicular. Não sou contra os mercados. Aliás, se há local que procuro visitar, sempre que viajo para algum lado, é precisamente o mercado local. É onde está parte (não toda) da alma da cidade, do município, da região, do país... Não é isso que está em questão. Os tais mercados que também existem na Europa não têm o peso que a feira de ponto tem em STP, nem ocupam tanto espaço físico, nem tanta mão-de-obra. É tudo uma questão de grau e do impacto no tecido social. Por outro lado, o meu artigo vai muito para além do conceito físico da Feira do Ponto, procurando centrar-se mais numa espécie de ideologia da Feira do Ponto. Denuncia a forma de estar à feira do ponto. A feira é a tradução física dessa forma de estar. Em relação á questão física, para perceber a minha animosidade em relação à feira do ponto é necessário um exercício de comparação não com o que se passa em outros países mas sim em relação à evolução do "mercado informal" em STP de 1975 até aos dias de hoje. É este o exercício a fazer e não com este ou aquele país, esta ou aquela realidade. A actual feira do ponto é uma criação relativamente recente (1983/84, uma infeliz tentativa de reactivar um mercado que as autoridades portuguesas tinham, e bem, descontinuado, creio que na década de 50 ou mesmo 60 do séc.XX) e que, no início, nada teve de espontânea. Ela foi crescendo à medida que o Estado foi fracassando nas suas diversas obrigações e tem vindo paulatinamente a substituir-se ao próprio Estado. Há interesses inconfessáveis de muito boa gente nos negócios dessa e de muitas outras feiras em STP. Sou ainda do tempo (e não tenho assim tantos anos quanto isso) em que cada vila tinha o seu mercado. Uns melhor apetrechados que outros, mas quase todos dignos. Um Kg de arroz comprava-se numa mercearia tradicional, como também acontecia certamente em Barcelona; 1 aspirina era adquirida numa farmácia (botica), tal com em Barcelona. Uma peça de vestuário numa loja da especialidade e por aí fora. Barcelona evoluiu de mercearia tradicional para, provavelmente, hipers e supermercados (sei que isso não é necessariamente bom).


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Nós "evoluímos" de mercearia tradicional para... feira do ponto. Xavier, isso não tem nada de romântico nem de tradição. É reflexo do mais estrondoso fracasso de uma sociedade. Não é dando-lhe uma beleza que ela objectivamente não tem nem merece que se ajuda o povo de STP. Tínhamos um mercado alegre e simpático na Cidade de S.Tomé (o Mercado Municipal) que cumpria cabalmente todos estes valores que o Xavier gosta de ver num mercado. Aonde eu ia com a minha mãe e saía de lá com umas quantas "mualas" (mulheres, mas de brincadeira, como se diz lá na terra), que ainda hoje, as poucas que ainda restam desse tempo, quando me reconhecem, fazem-me uma enorme festa com exclamações do tipo "Ya omé mu!" ("Olha o meu marido!"), de deixar qualquer um encavacado!. Essa sim, Xavier, é a minha gente, pela qual tenho grande respeito, estima e admiração. Sabem perfeitamente que não é deles que falo no artigo. Desse mercado (em acelerado processo de extinção) gostava e tenho saudades. Não tinha o peso social, económico e político que tem hoje a feira do ponto e suas ramificações, não era tão inestético, nem tão porco. É isso que está em causa. A cidade (para não dizer o país) arrisca-se a transformar-se, a breve trecho, numa gigantesca feira de ponto. Infelizmente, não estou a ser demagógico, nem exagerado. Demagógico, isso sim, é tentar comparar o nível de segurança ou de perigosidade de um mercado de uma cidade (de uma ilha) com pouco mais de 80 mil habitantes (se forem assim tantos) com o de uma metrópole, como é o caso de Barcelona! A percepção que existe (não sou o único a tê-la) é que há excesso de gente no mercado informal em STP. Se fosse possível fazer um exercício de extrapolação para os valores de uma sociedade como a da Catalunha, talvez o Xavier já não achasse assim tanta piada à coisa. Talvez chegasse à conclusão que as tais pessoas pobres que deambulam pelas ruas de Barcelona, a MacDolnad's, até nem são assim tantas nem tão pobres e que a crescente violência urbana até nem constitui um problema social. Se calhar não teria uma abordagem tão "naife" em relação ao que realmente se passa na feira do ponto, nem acharia muita piada ouvir alguém dizer que até que é romântico e uma "originalidade" catalã e não o fruto da ineficácia (para não dizer ausência) de políticas públicas. Provavelmente gostamos de STP diferentes e incompatíveis. Espero não ter sido demasiado acintoso na abordagem. Alcídio Pereira


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, Xavier Muñoz <xavier270962@y...> wrote: Caro Alcídio, Muito provavelmente temos percepções diferentes de uma mesma coisa mas, com certeza, nada incompatívels no fundo. Não tem que peçar desculpas pelo erro, por favor: eu gostaria ser também antropólogo para tratar de comprender com olhos cientistas outros matizes dos povos e costumbres que trato de conhecer e de apreender. E também posso assegurar a você que eu não sou o prototipo de bohêmio e que não tenho nenhum interesse especial pelos submundos, e trato de ter, cada vez mais, uma percepção mais positiva (no sentido do que é na realidade) que romántica, ainda que ninguém escapa alguma vez das emoções (em São Tomé ainda menos, porquê se alguma coisa se despreende da humanidade desse país é muitas emoções que fazem a curto prazo criar saudades profundas e uma necessidade de voltar). Também não considerou-me parte de uma "esquerda intelectual", básicamente porquê não posso considerar-me um "intelectual". Não gosto nada das etiquetas e sim da relatividade das coisas, especialmente as que têm relação com as relações entre pessoas. Mas, sim, revelo-me contra as injustiças, como essas terrívels desproporções nas diferências de rendas, que separam cada vez mais os grupos sociais. Estou a falar da impossibilidade de ter opções sociais dos cidadanos, de poder nem tão só esperançar um futuro além do dia a dia. E tavez seja esse o factor-chave do nosso troco de opiniões: um problema principalmente de pobreza. Dar solução ao problema que você indentifica na Feira do Ponto é erradicar a pobreza do país, porquê essa é a imagem mais nítida dessa pobreza. E São Tomé é uma imagen concentrada da pobreza no “aparente” caos da Feira. Mas permete-me também explicar a minha parte da história: com certeza, lembro o espaço do que hoje ocupa a Feira do Ponto vazio, quase completamente: 1986, o mercado era principalmente o Mercado Municipal, que você evoca. A Feira do Ponte era básicamente os tinglados do que hoje são as petisqueiras vizinhas à Praça Jon Gato. O Mercado estava restrito ao recinto Municipal, com certeza. Mas também tinha muita mais gente a viver nas roças, quando as roças estavam a funcionar, mais ou menos leve-leve, mantidas denodadamente pelo Estado. Quando o regime das roças quebrou-se, a gente teve que olhar para outros espaços de sobrevivência econômica. Com toda certeza, o crescimento da Feira foi produzido por esse êxodo do hábitat rural para a incipiente cidade. A população cresceu também e as demandas de serviços a continuação. Esse êxodo e o crescimento foi tão rápido que a Administração municipal ou nacional não foi capaz de reagir na mesma velocidade para afixar algum critério de


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ordenamento da ocupação do espaço público. E agora os interesses e direitos estão criados. Estão criados -segundo você, Alcídio- vícios e tráfico de influências, assim como a capacidade do grupo para intervenir na decisão pública, de forma que pode constituir um grupo de pressão muito relevante, concentrado físicamente, caracterizado principalmente por ser representativo das classes mais modestas da sociedade, mesmo o lúmpen social, que, ademais é terrívelmente maioritário nessa sociedade insular... Não te parece que há ao redor deste tema um claro transfondo de injustiça social e de direitos criados por consentimento das autoridades? Não é apenas um problema de imagen nacional, da imágen da capital do arquipélago e do país, senão um problema de bomba de efeito retrassado, de bomba social, arrepresentado pela Feira e os seus atores e atrizes individuais e colectivos, que pode explodir em qualquer momento, sem control nem chefe... De fato, segundo o seu enfoque, quem chefie esse espaço, chefiará uma revolução ou, ao fim de contas, uma dictadura...??? Mas essa bomba não fica só na Feira do Ponto, com certeza. Talvez a tua hipótesis não seja tão disparatada!! Mas você acha que há qualquer ideologia maliciosa da Feira além da necessidade de sair da pobreza?? O problema no fundo é a pobreza e essas enormes diferências sociais que são manifestas a simples vista na ilha. Mas os mais modestos, simplesmente por isso, não devem ser desconsiderados ou metidos todos dentro da mesmo saco, fazê-los parte de um concepto simplista de mais, como se os esforços individuais para sacar a família ao frente não podessem ser reconhecidos em toda justiça. Nesse sentido, acho que você é um bocadinho geralizante. As comparações com a grande metrópoli que é Barcelona são em extremo difíciles e quase inúteis, mas sim poderiamos fazer comparações com outras cidades catalãs do mesmo rango demográfico que São Tomé, e poderiamos ver também como o grado de delinqüência é aninda maior, sendo essas diferências sociais muito menores. Creo que enfocar por aí o debate poderia ser muito baladi e pouco construtivo. Mas vamos ao mais interessante e operativo, o que quiçás possa acercar-nos: à vista dessa lógica social desordenada da Feira, que soluções podemos dar? Um plano de acção para a reconversão do comércio e da restauração? Formação, mais educação profissional e relocalização dos negócios em novas lojas? Créditos leves para redirigir as empresas ou a criação de pequenas empresas produtivas? Um ordenamento integral do comércio e da competência comercial? Normalização administrativa das licenças de atividade (se as há)? Etc, etc. Há alguma coisa de concreto de todo isso? Podemos fazer alguma coisa para forçar essa reconversão?


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Talvez deveríamos fazer essas reflexões frente ao Ministro desta pasta (o Sr. Gaudêncio, talvez) para que as palavras e os desejos não voltem outra vez a ser papel molhado! Um grande abraço, Xavier

A vendedora de búzio, Feira do Ponto Foto: X. Muñoz( 2006)


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "alcidiopereira" <alcidiopereira@y...> wrote: Xavier, Afinal os nossos STP não são assim tão incompatíveis. Há apenas diferenças na abordagem do problema. Sim, as generalizações são perigosas e isso é verdade quer quando se diaboliza a feira do ponto, quer quando (querendo ou não) se procura santificá-la, ou mesmo justificá-la. Sim a génese desse mercado radica na falência do modelo de agricultura de plantação (sobretudo na sua versão estatizada). Mas a verdade é que o Estado já não tinha condições para manter essas empresas agrícolas. Não se pode ter um motor da economia deficitário. Para além desse êxodo rural eu acrescentaria também um possível "bónus demográfico", bem patente na juventude da população. Não há dúvida que o fenómeno (feira do ponto) existe, é real, é palpável. Só que não podemos cruzar os braços e claudicar perante a realidade. Se não gostamos dessa realidade temos que nos esforçar para a corrigir. Receio que esse fenómeno não incomoda assim tanto as autoridades (para não dizer a sociedade) de STP. Há o risco, que eu gostaria de ver eliminado, de cairmos na tentação de encarar esse problema como parte da solução. Portanto, do meu ponto de vista, a feira do ponto (quer na sua versão física, quer na sua versão "ideológica") deve ser mantida e encarada, sempre, como um problema a resolver. Esse mar de vendedores (de)ambulantes é alimentado não por um sistema de economia formal mas sim por um sistema para-formal. São as inúmeras ONG (e não só) que estão a liderar projectos e que acabam por remunerar quadros nacionais acima da "tabela nacional" e isso sem falar nos seus expatriados. São, digamos assim, ajudas que entram pela porta do cavalo (não passam muitas vezes pelas contas nacionais e pelas Finanças) e alimentam artificialmente esses mercados. Já aquí debatemos neste grupo o "fenómeno" de reciclagem de projectos. Sabe-se que os projectos nunca passam disso mesmo em STP, porque não são para resolver problemas do país mas sim formas de obter renda (rent seeking). Concordo que o modelo funciona, mas não é sustentável. A nível operativo as medidas passam por aquelas que menciona. Um programa multi-sectorial e multi-disciplinar (mas nada de comissões ad-hoc ou de agências governamentais) devidamente monitorado de reformalização da economia. É preciso tomar medidas que façam com que o actual modelo deixe de ser atractivo, através de criação de empregos efectivos e de medidas de promoção do comércio formal (farmácias, lojas tradicionais, facilitar a construção de lojas de bairro -com arquitectura adequada, evitar algumas iniciativas de ONG bem intencionadas que acabam por implementar soluções "baratas" e "alternativas" mas que na verdade só contribuem para a


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descaracterização do tecido urbano. Privilegiar a construção de mercados na periferia (nos bairros mais populosos) em detrimento do centro da cidade (o mercado em construção parece-me um erro de palmatória!). Reequacionar a presença de muitas ONG com actividade no país. Obrigar o registo de actividade de vendedor, com pagamento da respectiva licença para o exercício da profissão. Programas para criação de emprego e fixação da população em pelo menos 3 ou 4 centros populacionais (Neves, Santana, Trindade e Guadalupe). Enfim, um trabalho difícil e complexo mas que tem de ser feito, porque quanto mais tarde o encararmos mas difícil será a sua resolução. O ministro Gaudêncio Costa partilha destas preocupações, mas não é num governo de curta duração como este que estas medidas podem ser pensadas e, muito menos, implementadas. Dada a instabilidade endémica estas questões têm de passar primeiramente pela sensibilização da sociedade por forma a pressionar o Poder Político. Um abraço Alcídio


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-----Original Message----From: saotome@yahoogroups.co.uk [mailto:saotome@yahoogroups.co.uk] On Behalf of caueass Sent: quarta-feira, 4 de Janeiro de 2006 0:36 To: saotome@yahoogroups.co.uk Subject: [São Tomé e Príncipe] Re: C.Semana: A Ditadura da Feira de Ponto Caro Alcídio, Agora não sei onde é que você mora: se em São Tomé ou Portugal, mas gostaria poder partilhar com você uma boa conversação sobre o tema em vivo. Mesmo sobre o terreno, lá na Feira do Ponto ou com ela em perspectiva. O tema do papel do comércio e as atividades complementárias é chave para o desenvolvimento das cidades. O modelo a utilizar para planificar a distribução dos centros comerciais (e agora a Cidade de São Tomé deveria poder decidir sobre um deles) é fundamental para perfilar a forma e o fundo da Cidade que se deseja atingir. Com toda certeza. Ademais, São Tomé é a capital nacional e o centro articulador de uma rede de vilas o cidades que também deveriam ter o seu papel. Na realidade estamos a falar de um plano de organização da atividade económica nacional (de escala local) e por isso é muito importante que o seu artigo haja tocado intensamente ou não esse tema. Só por isso, a sua crítica não deixa de ser oportuna. E esse sim tem sido um tema que analizei intensamente para a cidade para a que eu trabalho (Terrassa, na área de Barcelona, 200000 hab. atualmente), em uma preocupação organizativa parecida à que pode-se deducir da sua resposta, ainda que não com as conotações políticas que suscitava. Pode apanhar um dos nossos estudos, "O desenvolvimento das atividades comerciais e da distribução no marco da diversificação económica de Terrassa. Análisis da estrutura comercial local, 1998" (o estudo está escrito em catalão), em: http://www.terrassa.org/laciutat/xifres/estudis/1998comercacrobat/portadacomer c98.html Há outros exemplos no mundo, e quiçás também seria interessante apanhar exemplos prácticos em África (Cabo Verde, tavez), para animar um debate constructivo e útil. E também seria útil conhecer casos similares de concentração de poder de influência em mercados africanos para aproximarnos a algumas alternativas redirecionadoras. Invito-lhe a dinamizar esse debate a través deste Grupo, com mapas e dados sobre a mesa! Naturalmente a opinião dos outos membros é também bemvinda e necessária. Um abraço, Xavier


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "Brigida Rocha Brito" > <brigidabrito@n...> wrote:

Caros Alcídio e Xavier, Sem muito tempo para aprofundar o debate porque o trabalho aperta e os prazos encurtam, eu sou cientista social mas não me revejo nas palavras do Alcídio (perdoa-me Alcídio, mas há muito que não discordava de ti) quando fala nos cientistas sociais estrangeiros. A Feira do Ponto é um local com problemas. É evidente e penso que em relação a essa questão estamos todos de acordo. Não vou entrar pelo debate político porque, como sabem, não o costumo fazer e não é tema que goste de discutir - deixo-o para vocês. Mas os mercados de rua, quaisquer que sejam as suas características organizacionais e de imagem, são fundamentais nos meios urbanos. Caracterizam-nos, dão-lhes vida e são geradores de rendimento, mesmo que decorram de actividades informais e até paralelas (não formais, ilegais até). Existem mercados em qualquer cidade e de forma mais marcada nas regiões de urbanização acelerada. Aqui a informalidade é uma característica importante e evidencia fluxos, trocas, modos de vida. Há mercados em Barcelona, em Lisboa e arredores (quem cá vive, sabe-o bem), em África, na América Latina e na Ásia... até nos EUA! São desejáveis? Talvez não mas resultam em forma de sobrevivência para uma parte da população: quem vende e quem compra! Em África: há em Cabo Verde (são importantes), em Angola, na Guiné Bissau (o que dizer do imenso e quase impenetrável mercado de Bandim, por exemplo?), em Moçambique (mais do que muitos). Bem, e agora, cá vou ao trabalho de novo... Bjs Brígida


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alcidiopereira <alcidiopereira@y...> wrote: Brígida e Xavier, Eu também estou muito apertado com afazeres profissionais e "paraprofissionais", que me impedem de aprofundar o debate. A gente vai fazendo o que pode e a mais não somos obrigados. Brígida, sabes que não é problema a gente não partilhar a mesma opinião sobre determinadas questões. Mas penso que já te tinha manifestado essa minha reticência em relação à acção de cientistas sociais (e não só!) em STP. Chegam com um projecto "chapa-4", já implementado (com sucesso) numa outra paragem aparentemente idêntica e toca a aplicar em STP. Avaliam os resultados com base nos mesmos pressupostos e concluem, brilhantemente, que o projecto foi um sucesso. Os exemplos Brígida, são mais que muitos. Os nacionais, que se estão rigorosamente nas tintas para os resultados e os impactos destes "projectos", assinam de cruz porque o importante mesmo são as verbas, os jipes, os computadores e as viagens do projecto; pois vão ajudando a manter artificialmente a economia de STP. É o que penso e o que já exprimi em várias ocasiões, aqui e em outros locais. Sim, estou, propositadamente, a generalizar. Sim, Brígida, há mercados de rua em muitas partes do mundo (até mesmo na "chique" Carcavelos ou outros locais chiques por esse mundo fora). Acontece que uma das coisas que mais me chocou quando cheguei a Portugal (Lisboa) em 1979 foi precisamente a inestética feira de Martim Moniz (posteriormente transferida para a Praça de Espanha). Sim, porque para mim um mercado ao ar livre era uma novidade, um sinal de incivilidade (e foram vocês, os portugueses, que me/nos disseram isso!). Será que a capital da ex-colónia estava à frente da capital da ex-metrópole? Sim, estava! Perguntas: e S.Tomé nunca tinha tido mercados de rua? Sim já tinha tido, mas, entretanto (15 ou 20 anos antes da independência), esse conceito tinha passado a história com a descontinuação da antiga feira do ponto (sinceramente que o comércio não deixou, por isso, de ser menos dinâmico). Citas Cabo-Verde e, sem saberes, estás a incorrer no mesmo erro. A minha esposa, caboverdeana de S.Vicente, veio para Portugal em 1987 e em 1995, quando fomos de férias a essa ilha, ela ficou chocadíssima com os mercados de rua que encontrou em Mindelo. Pelos vistos eram também uma novidade (pós-independência) em Cabo-Verde. Mais, puxo pela memória para ver se encontro mercados de rua em Ponta Delgada, Funchal, Horta ou Angra do Heroísmo e, muito honestamente, que não consigo recordar-me de um sequer no centro destas cidades e com o peso económico da Feira do Ponto. Portanto, nada têm a ver com crescimento rápido de cidades mas sim com erros crassos de estratégia e de planeamento. Peço-vos encarecidamente, caros amigos ocidentais e de outras paragens, que percam algum tempo a perceber STP antes de o encaixar em estereótipos, e tenham muito cuidado porque os próprios santomenses assumem muitas vezes estes estereótipos convencidos que estão a defender uma identidade cultural.


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Xavier, o meu artigo não tinha como objectivo apresentar soluções para o problema mas sim de dizer: alto aí que estamos a transformar um problema em solução. Estamos a perder o controlo do monstro. Insisto: a feira do ponto é um problema, não é solução de nada. Feira do Ponto não tem problemas, é um problema. Se quiser, pode dizer que é um artigo marcadamente político. Assumo essa vertente. Moro em Lisboa e estou disponível para aprofundar a discussão, envolvendo (nomeadamente) técnicos santomenses ligados ao urbanismo e planeamento do território. Vou ver se arranjo algum tempo para consultar o documento indicado. Aproveito para agradecer a dica. `jinhos e abraço Alcídio


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From: Sumu Yaya <sumuyaya@yahoo.co.uk> Date: Wed Jan 4, 2006 9:51 pm Subject: Imagem Stomense - Feira do Ponto sumuyaya

Lendo a intervenção do Kiluange fiquei com a impressão que não respondeu a pergunta inicial. Pois pareceu-me que queria propor uma leitura da imagem do santomense a partir daquilo que pensam de si mesmos e não daquilo que os outros pensam. Kiluange que certamente deve ser um filósofo ou alguém versado em letras. Fez apelo aos grandes filosofos para expor uma proposta (válida) daquilo que deveriam ser ou aspirar os santomenses, mas não o que pensam os santomenses de si próprios. Em todos os casos esta intervenção deve ter alegrado aqueles que reclamam que o nível aqui é baixo, pois penso que nem o Alcídio compreendeu o que escreveu Kiluange (o nível era muito alto e abstracto). De maneira simples direi que os santomenses olhando para si mesmos, se reconhecem pobres, insignificantes no mundo e sobretudo marginalizados e inúteis na globalização. Os que valem alguma coisa e podem valer, logo que encontram uma ocasião escapam do país ou desejam fazê-lo. A realidade é que todo santomense se sente profundamente recolonizado pelos negros que se apoderaram do poder (circunstâncias históricas o permitiram) e que agora se declaram dirigentes. Hoje o santomense sabe que é livre dos colonos portugueses, mais se sente mais escravizado: primeiro pela ideologia marxista comunista e hoje pela ditadura democrática (falsete). Uma outra leitura do santomense, destafeita mais individual,: no interior do país é sociável e talvez solidário (tempos passados), no exterior, é orgulhoso, cheio de si mesmo, egoísta, e pouco solidário. É claro que fora do país dificilmente se vê um santomense ajudar o outro ou então investir no seu país. O Santomense quando tem sucessos fora do país, "snoba" os seus conterrâneos e se implanta definitivamente no país que o acolhe, e se conseguir muda mesmo de nacionalidade e só manda bocas e não faz nada de concreto para o país. O santomense é especialista em panfletos destruidores e gosta muito de conversas difamadoras. Evidentemente que alguém achará a minha intervenção muito pessimista, mas garanto que é uma leitura realista que só se pode fazer quando se toma distância do objecto de estudo. Nem pretendo comparar o patriotismo caboverdiano ou irlandez ao gosto insosso dos santomenses.


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No que diz respeito a Feira do Ponto devo reconhecer que o Alcídio uma vez mais está tentando nos destrair. Pois tem tanta habilidade em fazer credíveis os seus argumentos que vos proponho de estar atentos. Que a feira do ponto seja fonte de boatos, seja a pulsante política do país, seja regulador da economia formal, informal, legal, ilegal etc... não é nada de especial. Onde existe aglomeração de pessoas e troca de bens é normal que se veicule também ideologias politicas, religiosas, sociais etc... A única coisa que devemos reclamar para feira do ponto é melhor organização, taxa para os feirantes e multa salgada para os que sujam e não limpam. O que me põe contra a feira do ponto é somente a sujeira ou porcarias e promiscuidades que provocam doenças. Havendo asseio e organização a feira do ponto é igual a feira que encontro em todas as cidades da Europa, América e mesmo nas ruas do Japão, para não falar dos passeios de Roma e Milão. Tudo o resto é palavreado.


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"Osvaldo Cravid V. Abreu" <viegadabreu02@y...> escreveu: Óla Alcídio, Xavier, Kilu, Adelino, Rute e muitos outros nomes com rosto. "Que não se ofendam os outros, mas, é mais fácil dirigir-se a um elemento com rosto descoberto….só isso". Antes de tudo gostaria de dar as boas vindas ao regresso de discussões desta natureza e aproveito para agradecer ao Alcídio pela sua insistência e perseverança. Aproveito igualmente para felicitar o Alcídio pelo artigo em causa. Acho que uma passagem da sua última mensagem explica e resume, em muito, as diferenças de opiniões surgidas: "Xavier, o meu artigo não tinha como objectivo apresentar soluções para o problema mas sim de dizer: alto aí que estamos a transformar um problema em solução. Estamos a perder o controlo do monstro. Insisto: a feira do ponto é um problema, não é solução de nada. Feira do Ponto não tem problemas, é um problema. Se quiser, pode dizer que é um artigo marcadamente político. Assumo essa vertente." Discussões sobre STP como estas, não sobre pessoas e menos sobre e com pessoas sem rosto como ultimamente tem-se assistido neste grupo virtual, são de veras necessárias. Acredito que os participantes sem rosto tenham os seus motivos, motivações e até mesmo seu lugar, mas temos de concordar que devido a banalização deste espaço por alguns destes, o grupo perdeu, ultimamente, quase toda a sua personalidade. Se o que vale são ideias como muitos têm defendido, ter ou não rosto não faria muita diferença. Mas, não é isso o verificado. Ficamos no disse que não disse, "totoleando" sobre a identidade deste ou daquele, defendendo ou acusando este ou aquele, "partidarizando" sobre isto ou aquilo. Assim, Ficou-se reduzido a isso e sem crédito nem dimensão nenhuma. Aproveito, por tanto, para me juntar a essa onda (porquê não) dos com rosto, e dizer alguma coisa neste início do ano. Não consigo ver exagero nas palavras do Alcídio relativamente a Feira do Ponto. Fazendo uso do meu entendimento do "bem-conseguido" artigo do Alcídio, e fazendo algum paralelismo ao anterior artigo do Dr. Afonso Varela intitulado "A Poderosa Segunda Linha" também publicado no CS, vejo muita verdade escondida, verdades que não podem e não se quer que seja dita, verdades nuas mas que razões várias incluindo as mais nobres como as de Xavier ou de Adelino insistem em mantê-las bem ausentes. Lamentavelmente, muitos dos defensores da Estrutura de Feira do Ponto, não da Feira do Ponto (FP) como local de "bila-caba" ou de sobrevivência dos


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desprovidos doutros recursos, não são inocentes nem defendem nenhum destes pontos ou "qualidades" mencionados por Xavier. Eu não sou estrangeiro nem da diáspora e acredito que a nossa F P é mais do que um contra-poder, se não, um poder não declarado como tal. Não falo de comparações; não falo de Barcelona, Cabo-Verde, Moçambique ou mesmo o "Roque Santero" de Angola. Falo da F P de S. Tomé e é esta feira a que me interessa. O Xavier e as pessoas da mesma linha de pensamento estão absolutamente certos, quando se trata de elementos daquela feira como, por exemplo, a minha irmã, minha tia ou avó, de prima do Adelino, ou do menino que vende sacos plástico e que têm ou vêm a FP como seu lugar legítimo de trabalho. Pelo que percebi e pelo que enxergo, não são estes os alvos do Alcídio. Aqueles que realmente têm a FP como Poder e exercem este poder não estão necessariamente lá. Muitos deles estão na mesma classe ou em posições muito mais acima do que nós, seja ela económica, política ou social. São pessoas que descobriram, muito cedo, o poder que poderia estar "dentro" da FP e utilizam meios diversos inclusive "kapangas" para exercerem o tal contra-poder. Através de estruturas que eu considero muito bem montada e bem "tentaculizada" lá na FP, e com agentes bem conhecedores do ofício, ditam quais políticos podem entrar na FP e como podem entrar, ditam sobre o que as forças policiais podem fazer e o que não podem fazer, passam a imagem e a mensagem de que quem não conquistar FP não ganham eleições, e muitas outras imagens ou mensagens. Forjam ou dão forças aos boatos mortais que podem acabar com qualquer pretensão ou carreira política ou mesmo profissional. São inúmeras as coisas vindas da FP, fazendo dela aquela aterradora força obscura, ou mesmo o tal monstro do Alcídio. Os agentes dos mandantes da FP vão muito mais longe e muitas vezes actuam por conta própria, ameaçando ou submetendo aos próprios vendedores normais aos seus desejos ou fazendo a política de, "se não está comigo esta contra mim". E mais grave ainda é que os que não se aliam na onda deles são considerados como uma espécie de inimigos da "comunidade da FP" … Todos os que querem ver sabem o que há neste nosso emblemático espaço de comércio "generalíssimo". Feliz ou infelizmente, é aquele mesmo espaço que alberga a vertente descrita por Xavier e que tem servido de ganha-pão e de sobrevivência de muita, mas muita boa e inocente gente. A Poderosa Segunda Linha tal como escreveu Dr. Varela ou como diz Alcídio, podemos ser todos nós; desde Candongueiro influente até o Assessor dos órgãos de Soberania, passando por técnicos, directores, e forças de ordem pública. Não são Ministros, estes que, actualmente, ninguém dá nada e quase ninguém quer ser. É mais que sabido que a contínua queda de governos e


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consequentes mudanças de ministros descredibilizaram este sector de Poder de Estado. O poder já deve ter mudado de mão e não demos conta. Os culpados…??? Essa é outra história! Aqui entra a mensagem do Kilu. Concordo, e não é coisa nova. Muitos devem estar lembrados da troca de mensagem aqui protagonizada por mim e mais alguns (entre eles o Paquito). Em vez de dizer todos, gostaria de rectificar a minha tese para dizer agora que "quase todos" temos a nossa parte de culpa. Quase todos temos formas de fazer mudar as coisas, principalmente o próprio povo. Não gostaria de tomar o Cobó como exemplo por acreditar que há outras formas. Kilu, repetes em boa hora o que eu havia dito tempo a traz e como bom jurista que és, o fazes muito melhor elaborado e composto, e praz-me saber que somos, pelo menos dois. Para terminar, transcrevo uma passagem da mensagem do Kilu. Passagem que reflecte, ou pelo menos, constitui uma boa recomendação de modus operandis para todos aqueles que querem de verdade ver nascer um amanhã diferente em S. Tomé e Príncipe; "mas a atitude de cada um de nós é aquela que nos permitirá determinar para onde queremos ir". Boa entrada para todos O. Abreu Obss: Hoje é feriado em STP mas não resisti a tentação.


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Adelino Cassandra <adelinocassandra@y...> wrote:

Olá Osvaldo Transparece objectiva ou subjectivamente no teu texto que, a tua preocupação ou problema central com a "Feira de Ponto" não está ligado ao espaço público em causa, como: lugar de comércio, de afectos, de troca de favores, de relacionamento, de pequenas falcatruas e ilegalidades (como existe em todo o lado) da luta pela sobrevivência, etc.; mas, na sua conversão num espaço ou instrumento de PODER por alguns oportunistas. Mesmo não concordando contigo, só tenho de te saudar em alguns aspectos, na medida que, não misturaste de forma arrogante e depreciativa, problemas de IDENTIDADE com o aspecto central inerentes às tuas preocupações ("Feira do Ponto" como instrumento de PODER) minando voluntária ou involuntariamente a essência do debate que se pretende saudável. E, neste aspecto, gostando-se ou não, é bom não se esquecer, que, as características da nossa realidade socioeconómica, cultural e profissional, marcadas momentaneamente e num passado recente por uma grande mutalidade de referências culturais, pela precariedade, pela pobreza extrema, por luta pela sobrevivência, etc., intervêm de igual modo na construção / reconstrução da nossa IDENTIDADE. Este movimento ou dinâmica, não se pára "bombardeando" a "Feira do Ponto" . Por isso, gostando-se ou não, a realidade é esta e não se altera por decretos ou alterações de estados de alma dos poderosos. Nós como temos a tendência suicidária para desprezar a coerência, a organização e a racionalidade em detrimento do avulso, do artificialismo, da emoção e da urgência, descobrimos de um dia para outro, que, a "Feira de Ponto" deve ser "bombardeada", porque, é a nossa maior imperfeição no nosso mundo de virtudes. Esquecemos que, nas nossas casas, nos nossos bairros, nas roças, nas repartições, nos estabelecimentos de ensino, nos partidos políticos, nas tascas, nas diversas instituições do país, existe "Feiras de Ponto" com maior ou menor similitude. Já que estamos a falar de instrumentos de PODER, relacionando-o com "Feira de Ponto", seria rigoroso fazê-lo com maior racionalidade. Sejamos claros: a única FONTE DE PODER em S.Tomé e Príncipe momentaneamente, é a propriedade ou riqueza que determina a submissão pela recompensa. Neste caso concreto, compra-se a submissão pela riqueza ou pela oferta de bens. A organização e dinâmica institucional do Estado Sãotomense, está assente nesta única FONTE DE PODER, cuja mercantilização sucessiva dos diversos sufrágios eleitorais no país é apenas um dos sintomas. Toda a gente sabe que é assim a expressão do PODER no país e que o Zé Povinho deseja com avidez que os momentos eleitorais se aproximem, existindo em todos os locais, "sindicatos" ou redes que dinamizam ciclicamente esta prática. Para quê perder tempo com a persuasão ou a organização, que também constituem fontes do poder social, se, os partidos políticos e demais instituições conseguem resultados com a compra da submissão pela oferta de dinheiro e de outros bens????? É por isso que o país converteu-se rapidamente num dos países do mundo que mais gastos realiza


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com as campanhas eleitorais. Isto é novidade para alguém??? E se as coisas funcionam assim, a montante, a nível das instituições cuja finalidade é a defesa e desenvolvimento da nossa democracia, o quê que as pessoas esperariam ao nível de funcionamento de outras realidades sociais envolventes??? Esperariam que a "Feira do Ponto" fosse um antro de virtudes, despojado de qualquer interesse ou ambição, como instrumento de PODER, sem qualquer identificação com a realidade social circundante??? As instituições como a família, Associações de Bairros ou de outra natureza, partidos políticos, etc., estão fragilizadas, fruto de uma quantidade anormal de constrangimentos, ao mesmo tempo que a "Feira de Ponto" aumentou a sua pujança, tendo em conta a realiade socioeconómica, profissional, pobreza prevalecente, etc., tornandose no local de maior dinamização das relações sociais no país. Sabe-se todavia, que, as relações sociais que os homens estabelecem entre si, envolvem, de uma forma ou de outra, relações de PODER. "Feira de Ponto" é a consequência e uma porção ínfima daquilo que é a essência, instrumento e fonte de poder em S.Tomé e Príncipe, e, qualificá-la num monstro com tentáculos, obstaculizador do nosso desenvolvimento, e, ambicionar "bombardear" a mesma por convencimento que os maiores problemas políticos e sociais desaparecerão no país, parece-me redutor, avulso, despropositado e inconsequente, porque, facaríamos com outras "Feiras de Ponto" de dimensão similar, e, a montante, com estruturas poderosas disponíveis para parir outras "Feiras de Ponto" no dia seguinte, com calibre idêntico ou superior. Todos sentimos e sofremos momentaneamente, os efeitos decorrentes do PODER na nossa Terra, mas, descura-se a identificação das causas inerentes à fonte do mesmo, porque, escapam à percepção e análise imediatas, por isso, existe a tentação para a banalização, para o superficial e o acessório, e, não raras vezes, inventamos um culpado. Desta vez a vítima foi a "Feira de Ponto". É óbvio que existem coisas a melhorar na "Feira de Ponto" para reconciliação da mesma com a cidade, mas, convertê-la no nosso maior pecado, parece-me um autêntico disparate. Como diria Gaston Bachelard: "O Homem é uma criação do desejo não uma criação da necessidade" Um abraço a todos. Adelino Cassandra


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--- In saotome@yahoogroups.co.uk, "Osvaldo Cravid V. Abreu" <viegadabreu02@y...> wrote: Ola todos Como solicitado por Alcídio aqui esta o artigo do Varela: "A PODEROSA SEGUNDA LINHA Não se trata de um acaso nem de uma miragem. Surgiu dos imperativos de uma vida em comum e se expande pela força de uma vida cada vez mais comunitária. Consequentemente, o Estado existe, está bem presente nas nossas vidas de todos os dias, omnipresente mesmo, condicionando todos os nossos actos e intervindo mesmo lá onde não é chamado. No entanto a concórdia parece ser universal em relação à justificação da sua existência. Todos estamos de acordo que ele exista e continue a existir. Mas a discórdia é total quanto a sua função, extensão e objectivos. No particularíssimo caso de São Tomé e Príncipe, a divergência está na razão directa da ineficiência e ineficácia dos empreendimentos do Estado. O Estado é demasiado oneroso para o cidadão comum, exageradamente orçamentívoro para o contribuinte e parcimonioso, diria mesmo caim, para os seus súbditos. Estamos perante um Estado débil e a sua fraqueza está gravada no frontispício de todas as suas obras, edifícios e luchans. Se alguma dúvida persiste, olhem para o nosso Liceu Nacional, olhem para as nossas escolas primárias, olhem para o Centro Hospitalar, olhem ainda, qualquer que sejam o local onde estiverem, à vossa volta. O nosso Estado é muito guloso na definição da sua missão. A missão é vasta e, naturalmente tudo o que ganha na sua latitude perde nas contrapartidas que oferece aos seus subordinados. Temos hoje um Estado com contornos mal definidos, cujos limites dependem das circunstâncias. Quando lhe convém chama para as atribuições tarefas como a construção de latrinas, a limpeza do rio da nossa cidade, organiza feira de produtos locais e ocupa-se das bagatelas mais insignificantes que se pode imaginar num Estado moderno. Ao invés, quando por omissão, negligência ou incúria algo de elementar ou indispensável falha ou não é realizado, aponta-se o dedo acusador a uma Câmara que se sabe não ter meios nem materiais, nem humanos. Noutros casos a responsabilidade é descarregada sobre uma «sociedade civil», que apelidamos de inexistente e outros dizem emergente. É na mão deste Estado que depositamos as nossas vidas, o destino da Nação e o futuro das gerações vindouras. Um Estado sem capacidade para impor a ordem, garantir a segurança de pessoas e bens, aplicar a lei e modernizar a economia e o país. Mas este nosso Estado que se diz liberal, só o é por necessidade de designação formal ou de tipificação. O Estado não aderiu nem aos paradigmas dos Estados liberais modernos, nem aos seus valores. Desde logo, o que


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temos é uma caricatura do modelo liberal, onde o poder democraticamente conferido ao Estado serve para forjar, alimentar, fortalecer e expandir a rede de clientes e fregueses. Vivemos igualmente num Estado predador. Não é novidade para ninguém que uma parte não negligenciável dos recursos de todos nós é colocado ao serviço de interesses partidários e particulares. Não são raras as vezes em que o património público é pura e simplesmente apropriado por um «corajoso» detentor do poder ou até por um pacato funcionário público, farto de curvar-se e fazer a ponte. Esta «coisa» do Estado que exerce a sua soberania sobre nós, sobre todo o território nacional e sobre todas as coisas nele existentes, quer seja no solo ou no subsolo, quer seja sejam mortas ou vivas, que nos impõe unilateralmente e sem apelo a sua vontade é uma «coisa» difícil de entender e muitas vezes até de aceitar. Como explicar que o nosso vizinho, o nosso colega, o superior hierárquico, enfim, alguém democraticamente investido de uma parcela de poder, pode coagir, prender, mandar castigar, ordenar a transferência da titularidade de bens pertencentes ao Estado, mandar vender, enfim, anular decisões anteriores de outros titulares. Mas esta natureza do Estado, exageradamente abrangente, suscita muitos equívocos, gera preconceitos, alimenta as falsas ideias e fortalece o senso comum, resultante de uma percepção errónea de uma realidade subjacente mil vezes mais complexa. Note-se que quando se fala de Estado, pensa-se subitamente no Presidente da República, Primeiro-Ministro e seus pares, Deputados, Magistrados, Forças Militares e de Polícia. Se é verdade que estas são sem dúvidas a «face visível» do Estado, reflexo imediato do cidadão na busca de um ou vários rostos que corporizem este «ser», já não é tão verdade que o essencial dos poderes e decisões que afectam a vida quotidiana de cada um de nós resida naqueles rostos. Mesmo num micro-Estado como São Tomé e Príncipe, os detentores do poder soberano são forçados a uma certa descentralização e desconcentração, mais ou menos discricionária de poderes, perdendo desta feita o controlo directo destes mesmos poderes e das decisões deles decorrentes. Destas operações de descentralização e desconcentração decorre necessariamente um maior ou menor distanciamento dos titulares do poder soberano do cidadão e das coisas que interessam o seu quotidiano. Para além disso, mesmo no seio do aparelho da Administração Central do Estado (Ministérios), foram constituídos Divisões, Direcções e Departamentos aos quais estão conferidos de forma permanente amplos e consistentes nacos de poder. Gravita ainda à volta dos soberanos órgãos de poder uma pletora de assessores, conselheiros, consultores e especialistas de todo género, constituída por gentes mais ou menos próximas ideológico-partidario-familiar, quando não são impostos pelos parceiros internacionais, ditos de desenvolvimento. É natural que num tal contexto os titulares do poder sejam manipulados por pareceres, estudos de consultoria e recomendações pertinentes e sabiamente elaborados. Através dos intermediários, mandatários formalmente constituídos, informações acintosamente adulteradas, que induzem inevitavelmente em erro


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os titulares do poder. Desta forma os «Chefes» são surpreendidos por decisões de consequências dificilmente remediáveis e factos consumados, contra os quais já nada mais poderão fazer. O superior hierárquico está sempre muito ocupado e perdido nos seus dossiers porque não tem «agenda». Mas também porque em São Tomé e Príncipe o poder não age, todo o seu acto é uma reacção a um estímulo externo. Nestas condições o controlo sistemático não é exequível mesmo se tempo houvesse. O controlo surge normalmente como «mais» uma reacção com o propósito de atingir alguém, o denegrir e pôr em causa o seu bom nome e a sua reputação. Escusado dizer que nesta perspectiva o controlo torna-se arbitrário e de móbil duvidoso. Tudo isso passa-se deste modo porque estes agentes agem num quadro de total irresponsabilidade. Não há regras ou quando existem não são suficientemente claras e precisas, nem tão pouco contém mecanismos de sanção das infracções cometidas. Os objectivos são na maioria das vezes obscuros, contraditórios ou muito defeituosamente formulados. Não prestam conta, nem a isto são obrigados por lei. Os agentes intermediários a que nos referimos anteriormente agem em nome e representação do Ministro. Pois, como se sabe, apesar do carácter imperativo das normas aplicáveis, nada se faz nos Ministérios, Direcções e serviços sem se referir, por exemplo, aos Ministros. O Ministério, os serviços, as Direcções são eles e sua vontade. Esta situação legitima a posição dos ditos agentes, aguça o seu zelo e constitui manifestamente uma injustiça em relação aos próprios titulares do poder. O que acontece é que os referidos agentes estão adequadamente protegidos. Mesmo contra as «barras», que quando chegam nunca os apanham. Caem os Ministros, demitem-se Governos, Dissolvem-se as Assembleias, os Presidentes são submetidos ao crivo popular e não são reeleitos. Os nossos Directores e seus adjuntos, os nossos Secretários Gerais e especiais, os nossos Assessores, os nossos Conselheiros, de dentro e de fora, permanecem intocáveis, incólumes. Eles constituem uma segunda linha que faria inveja mesmo a José Mourinho, que teria certamente alguma dificuldade em compreender o segredo de tal mistério. Na verdade estes agentes beneficiam de uma forte protecção, resultante das fraquezas do nosso Estado e da sua administração. Os funcionários públicos, embora possam ser influenciados por actos de corrupção, não são tão diferentes dos outros agentes económicos. Todos procuram maximizar os seus interesses individuais quando as suas actividades não são guiadas por regras de transparência e prestação regular de contas, através de um criterioso uso de «recompensa» para quem faz mais e bem e punição para quem faz menos e mal. É simplesmente incompreensível a longevidade de alguns destes agentes, sobretudo alguns de competência mais do que duvidosa e sem qualquer obra feita ou de feitos execráveis. E a questão se torna ainda mais repugnante


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quando na ausência de um serviço «disponível», cria-se um novo em folha, ab ovo, de que o agente será chefe, com todas as regalias da praxe. Esta atitude resulta de uma cumplicidade inextricável entre os detentores do poder e os agentes mandatários. O primeiro não pode sancionar o segundo porque precisa dele para outras missões, bem como para ouvir e contrapor as «bocas sujas» aqui da terra. Como se compreenderá há coisas que têm de ser feitas, mas não podem sê-las pelos Chefes superiores e estes têm de utilizar um homem com protecção e cobertura suficiente. Mas esta situação, apenas aparentemente inconfortável, interessa o agente, que vai servir-se dela também em proveito próprio e dos seus. O agente, porque age em nome do superior e apenas emite pareceres e não é responsabilizado pelos seus actos, pode sempre dizer que agiu sob ordens superiores, enquanto que os superiores dirão uma vez mais que não sabiam de nada. Aliás a decisão era da competência do agente. Enquanto isso, ambos terão mutuamente prestado bons serviços um ao outro e uma tão boa empresa não se dissolve e muito menos se liquida. Daí todo o nosso pessimismo quanto à reforma do Estado. Há, pois, já muito tempo que o poder verdadeiro é uma caricatura e não está nas mãos de quem pensamos. Quem pensamos, ou por incúria, ou pela natureza intrínseca do poder, ou pelas contingências do país, ou ainda pelo comodismo de uns e matreirice de outros, deixou fugir o poder que anda agora solto por aí. Mas como ninguém pode invocar a sua própria torpeza em sua defesa, contentam-se todos com este estado de coisas. Afonso Varela"


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From: "alcidiopereira" <alcidiopereira@yahoo.com> Date: Fri Jan 6, 2006 5:19 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe]: C.Semana: A Ditadura da Feira de Ponto A Poderosa Segunda Linha do Afonso Varela alcidiopereira

Caríssimo(a)s, Para começar, tenho que agradecer o Osvaldo pela celeridade na partilha do artigo do Varela. Li, gostei (para não dizer, adorei) e subscrevo. Tem o seu quê da versão santomense da famosa série britânica "Yes, Minister". Os meus parabéns ao autor. Retomando o debate, é certo e sabido que quem está a fazer uma cura de alcoolismo não deve frequentar bares ou qualquer outro local em que a bebida esteja à mão. Optei por fazer uma cura de "adição" ao yahoo groups, mas cometendo, conscientemente, o erro de continuar a ler as mensagens. O resultado está à vista, não resisti a uma boa "pomada" que o Xavier me estendeu, secundado pelo Osvaldo com um malte de 15 anos. Agora estou cá com uma "carraspana" que só visto! Gerhard, o episódio dos 407mUSD é um típico exemplo da cultura (da moral) "Feira do Ponto" naquilo que tem de informalismo e do "bilá kaba". A presidência não tem dinheiro mas o PR tem canais para ir buscar dinheiro e fêlo. Na "Feira do Ponto" os medicamentos são desviados do Centro Hospitalar (ou são importados sabe-se lá de onde) e aparecem nesse mercado a serem vendidos em condições deploráveis. Alguém está preocupado com a sociedade? É a mesma cultura, a mesma falta de ética. O Estado e o "Zé Povinho" parecem estar cada vez mais um para outro. Quem quiser perder tempo a descobrir quem é mais culpado ou quem pôs a máquina em movimento está à vontade, mas vou já dizendo que não é assunto que me entusiasma. Ainda pensei que tivesse cometido alguma injustiça com "A Didatura da Feira do Ponto". Depois de ler umas quantas sandices (que só confirmam o que escrevi), estou cada vez mais convencido da justeza da minha avaliação: A "Feira do Ponto" (a física e a ideológica) é referência cultural, sociológica e económica de STP de hoje. Só assim se compreende essa defesa cerrada de algo que era suposto ser uma vergonha nacional. É caso para dizer que cada um tem o que merece. Fiquem com a vossa FdP (em todas as suas facetas) e façam dela bom proveito. Repito, cá para mim a solução para FdP (física) é "Bulldozer" e utilizar o espaço para construir algo que dê dignidade à Casa da Cultura (já funciona?), à igreja da Conceição e à Sede do Governo. A quem merece permanecer no comércio informal é dada oportunidade em local digno. Quem só está é na vadiagem deve é ir aprender um ofício de jeito, como agricultura, por exemplo. O país precisa é de gente que produza e não de quem faz de conta que faz alguma coisa de útil. Enquanto houver gente convencida que quem inventou o "banho" foram os dirigentes e não o eleitor... não vamos lá não. Enquanto se pensar que o "Zé


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Povinho" (por ser iletrado), é estúpido, não tem manha, não sabe manipular..., não vamos lá não. Todo o ser humano, independentemente da sua condição social, tem interesses e irá defendê-los da melhor forma ao seu alcance. Há muito boa gente que continua a pensar que foram os dirigentes que inventaram a frase "fe mu xê n'ke fan" (faz-me sair de casa [para ir votar]) ou "preciso de incentivo" ou ainda "genti não quer chafariz não é, genti quer é chapa de zinco pa' cubri casa". Sim, são invenções de dirigentes para corromper o coitado do imbecil do "Zé Povinho". Essa arrogância dos intelectuais (só eles pensam e sabem fazê-lo) deixa-me... de rastos. Sim, são os habituais "momentâneos constrangimentos da nossa realidade socio-cultural". Não deixa de ser contraditório comemorar-se uma "revolução/revolta de escravos" liderada por um "Imbecil Zé Povinho" (Rei Amador). Sim, aí não há "momentâneos constrangimentos da nossa realidade socio-cultural", há resistência à escravatura e ao colonialismo. Eu estaria sim preocupado com a minha IDENTIDADE se desse por mim a defender a FdP (em todas as suas facetas). Cada vez compreendo melhor as razões do fiasco destes 30 anos de "STP-Livre-e-Independente". Quem não vos conhece que vos compre. Hip…, hip…, hip... Alcídio


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From: Liedsson Abreu <liedsson@yahoo.com> Date: Fri Jan 6, 2006 5:59 pm Subject: Ainda sobre a Feira do Ponto liedsson

Caros membros, abaixo transcrevo o teor da mensagem que enderecei ao grupo, no dia 4 de janeiro, reagindo ao texto do Alcidio sobre a Ditadura da Feira de Ponto: Caro Alcidio, não podia deixar de felicitar-lhe pela acertada reflexao quanto ao Pais e particularmente a "Ditadura da feira de Ponto". Concordo consigo desde a primeira a ultima palavra, e sei que somos muitos santomenses a pensar assim. O Alcidio esta mais do que certo quando fala da triste forma que se decidiu para empreender o "regresso a Mae Africa", e do exagerado valor politico-eleitoral que os nossos dirigentes conferem a Feira do Ponto. Considero triste, que nao obstante estes alertas (dados por alguns que coragem, nao hesitam em navegar em direccao contraria da tendencia predominante para fugir ao politicamente correcto e colocar o dedo na ferida) as autoridades fogem as suas responsabilidades e nada fazem. Nisto, posso dizer que os sucessivos chefes de Governo foram de uma forma ou de outra cobardolas, em relacao ao fenomeno de extensao da Feira de Ponto, que qual um polvo vai estendendo os seus tentaculos ao ponto de asfixiar o edificio da primatura. Tambem partilho a opiniao de que a Feira do ponto representa sem duvida, contrariamente ao que muitos tentam defender, o culto do ocio e de enriquecimento facil. E é certamente por isso que, como diz, o pais tem poucos pedreiros bate-chapas carpinteiros ... competentes. Com 11 anos de idade o miudo, nao quer saber de ser ajudante numa oficina e aprender uma arte para amanhar ganhar a vida honestamente. E ir a Escola muito menos. Nao! Esse amanha é muito distante, sobretudo quando se pode ja hoje comprar aqui e vender acola e no fim do dia ganhar com isto dezenas ou mesmo centenas de milhares de dobras. Refere a tal zona do "Turismo" onde somos placados por artistas de varia ordem. Ja reparou que esses senhores decidiram colocar autenticos mochos (banquinhos) fazendo dos passeios seus gabinetes? Sei que reparou! Mas o que me entristece é que as pessoas de direito tambem ja estao fartos de constatar. Esta de "pessoas que usam e delapidam os recursos naturais", faz-me lembrar uma manifestacao em tempos organizada por alguns ociosos que acharam que a via mais adequada de ganhar a vida era o de vender a areia que a todos nos pertence, quando o governo decidiu pela venda da areia dragada. Pessoas que deveriam estar escondidas com o medo de serem presas por uso abusivo de


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recursos naturais acharam que a Democracia lhes conferia o direito de estar contra tal decisao do governo. Concordo consigo quanto a reflexao que faz relativamente a actuacao da policia relativamente aos acontecimentos de 10/12/2005. Por isso apoio a sua visao de que se deve acabar com a cobardia politica ( Um dos maiores problemas daquelas duas ilhas) e a falsa preocupacao humanitaria do "coitadinho do ze-povinho, povo piqueno", e ,,, tenho seis filhos em casa pra criar. Desculpem a repeticao, mas assim como o Alcido deviamos "Vivar a Policia e reclamar o Regresso do Estado" Votos de feliz anos para todos os santomenses tanto os que la estao como os da diaspora. L. Abreu


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From: JosĂŠ Santiago <sant1nho@yahoo.co.uk> Date: Sat Jan 7, 2006 1:25 am Subject: Feira Ponto - Uma falsa questao

Alcidio, Fiz uma pergunta e nao um comentario. A razao da pergunta prende-se com o facto de haver um numero muito limitado de pessoas neste forum e em S. Tome que acreditam que Feira de Ponto e um problema dessa magnetude ou dessa forma como achas e caracterizas. De qualquer forma e respeitando a tua liberdade de pensar como queres e bem entendes devo dizer-te: -

Feira de Ponto e, em numero e quantidade, insignificante a tudo o que queres caracteriza-la. S. Tome tem de longe antros muito mais, em multiplos de 1000, daquilo que queres dizer sobre Feira de Ponto (Ditadura, manipulacao, poder, etc), mesmo em lugares consagrados como isentos.

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Se Feira Ponto e o resultado de um falhanco do estado (como reconheces), elimina-lo fisica e nao so, nao resolveria o problema, simplesmente o transferiria para ontro local, como diz o Adelino e bem. Nao sera que devia ser o estado (se possivel) a ser chamado a responsabilidade?

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Para resolver o problema, eliminemos as causas (quem manipula, os manda chuvas, o epicentro, etc) e nao os efeitos (Feira de Ponto). Todos deveriamos saber que afinal de contas em todas as sociedades, locais onde ha muita gente com direito a voto, e sempre possivel a manipulacao. Agora, mandar eliminar os "manipulados" (com peso e medida), nao solucionara o problema de maneira nenhuma.

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Eu Manipular? Respondo-te do mesmo modo que respondeste ao Yaya "estas a ver cobras (pitons) onde ha apenas simples lagartixas"

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Bom, conspiracao para mim, significa o mesmo no Clube Santana ou no Feira de Ponto. Questao de perspectivas.

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Nao vejo neles (Feira de Ponto) nem "kola manga bacu", nem conspiracao ou ditadores e muito menos manipuladores, mas sim mais ou menos manipulados. Claro que ai ha tambem "os ratos".

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O que a pobreza nao traz consigo, Alcidio. SĂŁo pobres e miseraveis menos por opcao e culpa propria e agora sao os propagadores de doencas. Onde e que estao os que tem por obrigacao e dever liderar, encaminhar. Nao sera que os membros do Clube Santana, fariam o mesmo se tivessem o infimo poder economico dos da Feira de Ponto?

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Tanto Alcidio, como e eu e muitos outros podemos, hoje, nos distanciar de toda essa realidade (bem intencionados, com estatuto social, poder economico, "cultos", bons empregos, casas, carros, etc), mas sera que alguma vez ja sentimos o sufoco desses pobres coitados (a maioria)?


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Muito triste ser pobre, ou melhor o parente pobre. Por isso acho ate certo ponto leviano a maneira como expomos as questoes. Santiago


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From: "josepmseto" <josepmseto@yahoo.com> Date: Sun Jan 8, 2006 10:48 pm Subject: Re: C.Semana: A Ditadura da Feira de Ponto

Hola Alcídio, Soy mucho más lento leyendo el portugués, pero poco a poco llego a todo y a formarme una opinión sobre lo que se va diciendo en el asunto de la Feira do Ponto, lugar que desafortunadamente aún no visité. A pesar de ello debo reaccionar sobre el calificativo que usas al referirte a los extranjeros. Quizás yo pueda llegar a ser uno de esos "sabichões occidentais" de los que hablas (de los bienintencionados, claro está), pero ¿no crees que viviendo en Portugal tú también te habrás impregnado de esa "sabichonería occidental"? A mi me lo parece, por lo arrogante. Ei! qué aprender de las experiencias de los otros no es nada malo, sino una oportunidad!! Por lo que se refiere a la actuación de los políticos y puestos a esgrimir citas clásicas, yo sugiero consultar la doctrina de Platón, en "La República o el Estado", donde plantea la tendencia indudable de los gobiernos a la corrupción, de aquí lo bueno de la alternancia. Casos de corrupción y de malversación de fondos públicos está en el orden del día de todos los gobiernos en el mundo, porqué son personas, y esos vicios deben, sin dudarlo, ser reconducidas y castigadas. El tema de la Feria do Ponto creo que va en otra dirección, muy probablemente en el valor de los espacios de relación en comprender la organización y la estructura de las ciudades de hoy en día. Quizás nos deberíamos fijar en la evolución de ciudades capitales en África para poder entender el proceso, ¿no creeis? Salud a todos! Josep M.


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From: Xavier Muñoz <xavier270962@yahoo.es> Date: Wed May 17, 2006 9:03 pm Subject: Sobre o chão da Feira do Ponto xavier270962

Caros colegas do grupo, Voltei a São Tomé por ferias, mas esta vez com a sana intenção de fazer esse trabalho de campo urbano que julgava preciso para repassar as notas sobre o denso debate que desenvolvimos há uns meses no grupo Yahoo STP ao redor do artigo de Alcídio Montoia Pereira sobre "A Ditadura da Feira do Ponto" [Correio da Semana, Dec 2005]. A minha estadia foi esta vez urbana quase em exclusividade: tinha todo o tempo do mundo para mergulhar nessos "genuínos espaços do lúmpen" e comprovar a minha percepção sobre os argumentos de Alcídio no lugar preciso com o tempo suficiente (à vez também pôr disfrutar do esporto do qual gosto mais: a conversação!). A idea era contrastar opiniões entre os membros das administrações públicas, e têcnicos independentes e jornalistas, entre diferentes personagens da Feira, entre os cooperantes e visitantes ocasionais e também, se fosse possível, entre alguns políticos destacados. O meu papel não queria ser em absoluto o de um cientista social, nem tão sequer o do geógrafo impressionado pelo exôtico do lugar, nem também não -menos aindao de "sabichão occidental" senão o da pessoa individual interessada em desfiar in situ todo o possível os detalhes desse debate; traspassar o debate no cenário mesmo. Não era pois um claro interês cientista o que estava a perseguir, senão satisfazer um interesse absolutamente pessoal, egoísta se você quiser (com egoísta é o meu vício de viajar a São Tomé quando tenho algum dinheiro). Estava a partir apenas de um ponto: a minha percepção inicial e crítêrios de lógica, que tinham fundado as minhas respostas no debate do grupo, necessáriamente não tinham porquê ser correcos. Corrigir é de sabios, e com certeza às vezes a modéstia não é o forte das pessoas. Então, a pesar de não poder liberar-me da imágem, dos sons, dos cheiros e dos sabores da Feira, adentrava-me nela com a desportiva intenção de ampliar dados significativos e elementos do contraste de opiniões dos verdadeiros protagonistas da história. A Feira do Ponto não é um conjunto nada simples. Direitos e deveres (compromisos e dependências por contrapartidas comerciáis) se superpoem entre as diferentes personagens. Gentes com títulos comerciais (as vezes muito duvidosos) que subarrendam licenças e direitos ou parte deles, dentro o fora da Feira. Porquê a Feira tem um dentro e um fora, tem umas fronteiras de direito aparente, as fronteiras entre vender em um mercado ou vender na rua. Sam Catxila e Sam Arminda (nomes figurados) explicam o duro que foi vender "lá na rua" quando nem tinham direito nenhum a vender lá dentro. Dentro é quase sinônimo de ter direito (não sempre, como explicarei). A única possibilidade de ter um espaço ou um local era comprá-lo a um titular, e isso, a meados dos 90, era quase impossível para a gente que fugia das penúrias nas roças. Vender lá fora é sinônimo de miséria, de despreço social, alguma coisa


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que atentava contra o orgulho e a alma dos altivos trabalhadores que tinham dado a vida toda para manter a produção das roças, qualquer coisa degradante, terrívelmente degradante… Mais a situação das famílias, dessas famílias tão numerosas, principalmente sustentadas por mulheres, dava poucas alternativas. As relações da Feira foram sofisticando-se, como suponia o Alcídio; sofisticando-se na complexidade de tratos desiguais e mesmo abusivos, entre membros de um lúmpen que ia a crescer mais cada dia. Os primeiros concessionários alugaram pedaços de lugares, contrataram assalariados fora de toda cobertura social, chegaram a multiplicar-se acordos irregulares, sem papeis, baseados na necessidade e na fome, com a flexibilidade que deixa sem nenhuma seguridade à mais da metade da gente que lá trabalha. Por exemplo, os acordos complementários entre um vendedor de bebidas e uma cuzinheira: "eu fico com todos os benefícios da venta de bebidas e para você os benefícios de toda a comida que poda vender aos clientes, que vendrão atraidos pela sua comida e aos que você vai vender a minha bebida". Todo correto, se não fosse que o valor adiciona-se principalmente na bebida e não na comida (uma cerveja vale mais o menos 10.000 drs, mesmo preço que um prato de arrós com peixe) e porquê o proprietário poupa-se o custo do pessoal para vender a bebida e a cuzinheira precisa de outros empregados/das e por tanto atende a mais gasto. A cozinha, se boa, é ademais a verdadeira atracção do negócio. Quase toda a pressão do acordo fica na parte da cozinheira que passa a depender totalmente da vênia do proprietário: um trato quase de escravidão, a câmbio de pôr viver de um trabalho "dentro". Negócio redondo para o proprietário, por tanto. As vezes nessos tratos também se incluem aspetos como um aluguer ou a habitação da família do arrendatário, que ainda ligam mais o acordo e a dependência. É sem dúvidas ao longe um trato entre patrão e trabalhadora à maneira da sociedade crioula da colónia. E, evidentemente, essos tratos não supõem quase nunca a transferência ou reconhecimento de direitos sobre concessões de lugares no mercado. Estas situações podem-se experimentar habitualmente no laberinto interior da Feira, onde cada palmo de terra parece ser especulado, com o sem documentos de propriedade ou concessão pública. Há mesmo espertos de mais que vivem do aluguer de espaço de armazem para os vendedores da rua, que chegam a pagar ao redor de 10.000 drs diárias por bulto para ter os seus bens a bom resguardo; do contrário tinham que transportar diáriamente essa carga até as suas cubatas dos subúrbios da Capital ou mesmo até as roças sem seguridade de não ser roubados. Em uma ocasião, na espera de uma amiga, contei até 20 desses vendedores da rua que depositavam bultos em um dessos armazens, e não apenas uma vez. Com certeza acho que essa atividade econômica -aluguer de armazem- deve ficar fora de todo control fiscal, e não debe cotizar nenhum tipo de taxa. O rendista ganhava por tanto um mínimo de 200.000 drs diárias brutas (tinha à sua vez pagar um encarregado de abrir e fechar o armazem), isto é mais de 6.000 euros por ano, que não é pouca quantidade nem tão sequer na Europa. Se o salário mensal do guarda é assemelhado à metade do de um trabalhador do cacau (+-100 euros, exagero quiçás), o seu benefício pode estar ao redor dos


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4.000 euros pelo baixo, apenas com a atividade de aluguer de espaço. E isso em São Tomé e uma boa renta, se se tem em consideração que apanhar aluguer de terras para construir uma favela de madeira vale aproximadamente 600 euros. Mais ainda, é um negócio verdadeiramente baseado na manutenção dessa inequidade dos trabalhadores da rua, que como mínimo têm que fazer uma venda de 5 euros ao dia para ir mais ou menos ao frente. Voltamos à cozinheira. Normalmente ela tem à sua vez tem empregadas geralmente filhas ou familiares- às que é quase impensável que possa pagar um salário digno, seguridade social nem pensar, que quase nunca tem preço fixo, senão que habitualmente se faz por dias ou horas efeitivamente trabalhados. Algumas delas, as que mais, trabalham apenas pela comida e o aprendizagem, e as que estão melhor também pelo vestir. Trata-se, por tanto, da construção de um sistema duplamente escravista, onde as principais perdedoras -as menos valorizadas- são mulheres e os principais beneficiários, os patrões, homens. Não sei se alguem tentou já fazer cálculos mais detalhados ou técnicos das rendas da Feira do Ponto, mas esse comércio informal e mais formal tem uma tradução direita nas economias familiares, e evidentemente é redível, mas na sua maioria ao nível da subsistência, considerando ademais a inflação e uns preços dos produtos de primeira necessidade que resultam caros mesmo para um europeu. Em todo isso, a capacidade de poupança fica longe da maioria das famílias, e os bancos apenas podem apanhar clientes a partir da classe meia, estreitíssima capa da pirámide social, onde os mais pobres são a imensa maioria. Há outros detalhes que talvez esqueço, mas o mais significativo é a existência de uma denúncia de segregação étnica na Feira do Ponte. Os que estão dentro, os que têm os direitos, são maioritáriamente forros. Os que ficam fora, lá a trabalhar na rua, são caboverdianos, tongas ou mixturas diversas, fruto das roças. É, com certeza, um confronto entre afolrados e serviçais, entre libertos e escravos, uma antiga, muito antiga separação que ainda pesa na sociedade santomense. Nesse dia a dia de trabalho quase de subsistência é impossível para os que lá trabalham deter-se a pensar em tramas políticas e menos ainda ter consciência precisa do seu verdadeiro poder como elementos de difussão de opiniões e consignas. Pessoas tão dignas como essas cozinheiras nunca tinham pensado isso antes da minha conversação, mas concordam que o que elas pensam é quase o que a sua família vota, e é muito fácil persuadir com pouco dinheiro, ofertas ou prevendas de trabalho ou negócio a essas trabalhadoras. Se alí trabalham umas 3000 mulheres, e se estas nas suas unidades familiares têm uma mêdia de 4-5 membros em idade de voto, elas têm influência direita sobre a intenção de 20.000 possíveis votantes, que é aproximadamente o 25% do resultado, que não é nada desprecível. Mais ainda, se temos em consideração que essa gente de mercado está também em contacto diário como outras pessoas, podem difundir ademais qualquer boato a todos os seus clientes e


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vizinhos feirantes a uma velocidade vertiginosa. Prova disso é que apenas minutos depois de pôr o pé em São Tomé os meus amigos na Feira sabem que cheguei e o meu telemóvel arranca a soar! [Não sei para que tantostelemóveis!!]. Por essa razão a Feira do Ponte é um meio inestimável de distribução de informações, verdadeiras ou falsas, com uma rapidez de transmissão meteórica e mesmo muito mais barata que qualquer mailing postal ou pegada de cartazes. A Feira do Ponto é uma magnífica lançadeira de boatos!! No entanto, quase posso confirmar [contrastado com políticos, jornalistas, funcionários, etc] que, nesta altura, a Feira e os feirantes não são um contrapoder organizado (quiçás depois da minha última partida organizaron-se, mas duvido), não tem nenhuma maldade como a inmensa maioria dos santomenses. Mesmo alguns dos meus amigos entre a classe dos artesanos (ou vendedores de souvenirs) asseguram que algumas das protestas aparesceram espontáneamente e que os agitadores, em todo caso, que juntaram-se posteriormente, aproveitaram. As protestas mais antigas e numerosas, por tanto, têm orígem espontáneo, em resposta contra os efeitos da pobreza mais misérrima. Mas tras os efeitos há sempre um aprendizagem: as protestas e demonstrações normalmente tem um resultado imediato: o poderoso cede. Tras o aprendizagem poderia haver uma profissionalização do difusor de boatos e mesmo do agitador profissional, do emissor conhecido de menságens interessados. Mas agora são já numerosos os profissionais do boato que actuam por dinheiro ao melhor proponente e sem nenhum tipo de preferência que não seja aquela definida pela quantidade mais alta. Os santomenses, além disso, são gente que gosta da agregação, da participação em atos ou acões multitudinárias, se nelas há qualquer coisa diferente ao normal que soe a divertimento. São curiosos. É muito fácil agitar, especialmente se os argumentos são as necessidades de subsistência. Há outro elemento digno de recolher: a Feira como tal não é contrapoder organizado, mais os movimentos sociais, dentro o fora da Feira do Ponto, estão a criar ou a fortalezer uma nova estrutura de organizações civis, relacionadas com a defensa de interesses e direitos legítimos de colectivos, profissionais ou de moradores. Especialmente nesse campo, pode-se dizer que estamos ao início da emergência de um movimento vizinal, que acho vai ter muita influência, pela sua proximidade às pessoas e aos seus problemas, quando as bases da política dos actuais partidos é cada vez mais fraca no referente à sua credibilidade e legitimidade na representação dos interesses de grupos sociais. Isso no momento no que ao nível do dia a dia popular, a percepção, especialmente entre os maiores, é que a situação da vida não avança e voltase cada vez mais difícil esperançar progresso. Sim, a gente de idades superiores aos 30 está a pensar que há um retrocesso na qualidade de vida do país. Os velhos ainda mais, e chegam a sentir saudades e a desejar o regresso da Colónia. "Tinhamos o pão assegurado".


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Alguns deles, na cidade, sobreviventes da época dourada das roças, falam que agora "os jovens já não tem respeito pelos velhos, na cidade", e temos que vir para os ambientes rurais para encontrar ainda os restos de uma sociedade já antiga que desaparece, onde os maiores em idade eram os livros abertos dessa biblioteca oral africana. Mesmo eu posso lembrar, das longas noites falando com Mendes de Uba-Budo ou Armindo da Sundi, não há tanto tempo…, revivendo com eles essas estórias vividas, rodeados pelos jovens e as crianças a ouvir atentamente e a mergulhar na mágia das suas palavras… Há por tanto um troco rápido, nos últimos 10 anos, na cultura das relações humanas. Os valores já não são exactamente os mesmos. Especialmente os jóvens ficam imersos na sociedade consumista à que difícilmente podem atingir ao curto prazo sem alterar costumes e éticas e rejeitar a escola, porquê um bom ensino nem a experiência profissional, nem um comportamento ético já não é um mérito suficiente para atingir o sucesso social, especialmente em uma comunidade onde cada vez há mais competência no mercado de trabalho, e tanto valem as relações pessoais. O valor fica no dinheiro fácil que permite poder adquirir todos aqueles objetos que apresentam os canáis internacionais. A TV-lixo tem especial sucesso em África, de forma que a aculturação foi feita em tempo recorde em comparação com os anos da colónia. A TV-lixo ajuda a difussão de novos valores que nada têm a ver com a cultura própria e o relativismo, com a possibilidade de dar aos cidadanos a oportunidade de poder criar a sua própria personalidade e a capacidade de crítica (em África e em todo o mundo, é infelizmente de um efeito totalmente experimentado), para sumir à gente na mais tremenda das ignorâncias, à mais profunda das cavernas. Hoje já não é preciso apanhar os pontos de referência nas histórias dos velhos, nem nas leituras ou estudos, nem nas viagens,… ficam na televisão, a televisão é a verdade única. Talvez, como denunciava um colega irlandês [Paul Treanor] hipercrítico com os processos de integração [e de globalização, por tanto], estamos frente a um "metagenocídio cultural", como efeito direito da extensão da economia-mundo, que afecta a todo o globo, mas que é especialmente gráfico em África, onde os contrastes econômicos e sociais são com certeza maiores. É muito difícil apanhar novos poetas [cara São!], nova gente com sensibilidade creativa, com genialidade… Voto pelos sensíveis do arte, em todas as "teias" em todas as "raízes de micondó". Mas parece que há uma degradação social é nisso, na extensão perigosíssima da ignorância, é preciso ver o primeiro passo para acabar com o pouco que atingiou a independência e os desejos dela, que era o accesso igualitârio a o saber e a apanhar essa capacidade crítica, que é a base do progresso. A Feira do Ponto é um caldo de cultivo da ignorância, dessa terrível caverna para a manipulação descarada das prioridades sociais, para o degredo da solidaridade e os valores próprios, mesmo os que constituíam os mais fortes laços com a africanidade ou da sociedade crioula, com a cosmografia própria, mestiça, mas completamente pronta para organizar a comunidade, e assegurar


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a sua supervivência como povo. Manipulação é ignorância, e ignorância é pobreza, e... tras a fácil inculcação do fatalismo, por exemplo da esperança de vida local, quem desses espectadores precisa pensar no longo prazo e no futuro das suas crianças, se não há nenhum câmbio na vista? O crescimento da população é uma bomba de relógio para desencadear uma catástrofe muito ceda, em um cenário de disparidade extrema de rendas. Os demógrafos são-tomenses podem corregir-me, mas não parece que haja travão para o crescimento acelerado da população, que até agora apenas o era pela praga constante do paludismo, e agora em caminho da sua erradicação (ainda que os métodos não sejam muito ortodoxos desde o ponto de vista da salubridade dos meios utilizados). Se a população cresce e as rendas vão crescer dispares, o lúmpen vai crescer e também a concentração cotidiana da Feira o das Feiras, se não há uma intervenção pública, que ao menos possibilite uma distribução da população em outros pontos da geografia são-tomense, por exemplo, potenciando as cidades secundárias como São João ou Trindade, ou Santo António, no Príncipe, e, claro, recuperando as roças como lugar pr'a viver, como modernos núcleos de povoamento, diversificando os investimentos públicos, melhorando as infrastruturas e, sobre tudo, dignificando a habitação, como base necessária para a criação de novas estruturas econômicas e de trabalho, sem esquecer o bom ensino, em todos os seus níveis. É preciso, por exemplo, descentralizar a estrutura comercial do país, potenciando mercados públicos nessas cidades secundárias, como acho que se apuntava numa outra intervenção anterior. E, é claro, a inauguração do novo mercado central da Cidade (totalmente acabado já há unos meses) per se não vai solucionar para nada os problemas da Feira do Ponto. O efeito vá ser o simples traslado dos problemas para outro cenário físico. O novo mercado apenas vá ter espaço para os feirantes com licença, mas não para aqueles que não tem. Não parece que a planificação anterior haja considerado nenhum estudo detalhado sobre a demanda e a oferta ou, ao menos, que tivesse considerado todas as situações irregulares e tentara dar-lhes alguma saida aceitável e digna. Trata-se no fundo de regular e potenciar o comércio e outros subsectores dos serviços, alguns chave para a organização da Cidade capital. E, conseqüentemente, a "Nova Feira" -que pode ser o melhor nome a dar a esse novo mercado- vá conservar com toda certeza essa função de difussão de informações e boatos, se essa função não é superada pela tecnologia ou por novos meios de comunicação éticos e independentes [aplaudo as iniciativas de criar jornais ou semanários profissionais, claro!]. Algumas perguntas ficam no tinteiro: Para quando o traslado da Feira ao novo mercado? Há algum planeamento urbanístico dos redores do mercado novo que signifique o alargamento de concessões ou alugueres?


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Que uso vá dar-se ao espaço liberado pela desaparição da Feira? Há ideia de organizar novos espaços de comércio nas cidades secundárias? Em fim,... uma montanha de retos para os novos governos (nacional, municipais e regional), que põem a prova a capacidade das formações políticas para mudar, para fazer boas análisis, para ser mais transparentes e legítimas, e mesmo para inovar para melhor. E também um reto para essos são-tomenses que, além do governo, também ostentam posições privilegiadas nos sectores econômicos, aos que podemos perguntar: "Que coisa você vá fazer para o país, que mereça que o país se lembre para sempre de você, para que passe você à história de São Tomé e Príncipe?" Ai essas ilhas tão amadas por muitos, mesmo por aqueles que nasceron longe de lá!! Que acordam tantas paixões, desmedidas paixões!! Vocês São Tomé e Príncipe são como uma dessas canções do Juka, ao estilo caboverdiano, alegre e forte de ritmo mas triste e cruel no fundo e nas letras!! Um grande abraço, Xavier Muñoz


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From: "Brigida Rocha Brito" <brigidabrito@netcabo.pt> Date: Wed May 17, 2006 11:40 pm Subject: RE: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto bristp

Xavier, Que bom teres regressado a STP de ferias. O teu destino preferido, sem dúvida! :-) E é excelente esta tua reflexão. Vou guardá-la! Um abraço, Brígida

Lá fora Feira do Ponto Foto: X. Muñoz (2006)


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From: Alcidio Pereira <alcidiopereira@yahoo.com> Date: Thu May 18, 2006 1:04 am Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto alcidiopereira

Caro Xavier, Se "A Ditadura da Feira de Ponto" está na origem deste seu belíssimo retrato da emergente e dominate parcela da sociedade sãotomense, então dou-me por feliz por ter escrito o que escrevi. De alguma forma você reconhece que agora pôde ver a FdP com outros olhos, ter outra abordagem. Você viu e sentiu esse (contra)poder, ainda que os "detentores" desse poder não pareçam ter plena consciência disso. Xavier, foram 500 anos num jogo de aparências e de meias-verdades. Todos os esquemas que você testemunhou na FdP, essas relações de quaseescravatura, reproduzem-se em outras esferas da sociedade de STP. É essa a grande FdP em que o país se está a transformar. Esse modelo de relações na FdP nada têm a ver com sistemas "esclavagistas" do colonialismo mas sim com esquemas importados do continente! A Deus o que é de Deus, a César o que é de César. Revejo-me, no essencial do diagnóstico e da análise que faz do problema e até subscrevo as boas soluções que preconiza. É de um verdadeiro humanista, sem qualquer ponta de ironia. O que nos distancia talvez seja mais uma questão ideológica, do tipo Direita (eu) vs Esquerda (você). Trata-se, no fundo, de saber se a FdP é apenas consequência do falhanço do Estado ou se não será ela própria a causa desse falhanço. Nestas dinâmicas não é assim tão simples apontar o dedo ao "explorador" e vitimizar o "explorado". A FdP e suas ramificações têm os ingredientes necessários para uma bomba social, falta apenas um "maluquinho" para atear o rastilho e fazê-la explodir. Só que essa explosão não será benéfica para STP porque no seio dos ditos miseráveis há muita gente ambiciosa. Posso concluir das suas palavras que, se é verdade que não há o tal (contra)poder da FdP, não é menos verdade que ela (a FdP) não tem qualquer encanto ou virtude que justifique a sua preservação. A minha denúncia foi sempre contra tentativas de transformar a FdP (a "in" ou a "out") como o centro por excelência da nova santomensidade e o reduto dos oprimidos e explorados. Pode até ser isso, mas eu não me revejo nessa nova santomensidade. Espero que este seu contributo possa fazer com que outros se sintam motivados para aprofundar a matéria ou apresentar novas pistas.


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Espero que outros estrangeiros amigos da FdP tenham a capacidade para fazer uma revisitação como a que o Xavier fez. Muito obrigado por partilhar essa experiência com todos nós. Sugestão: Por que não procurarmos publicar o seu texto no Correio da Semana ou no Equador?! Alcídio


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From: "Osvaldo Cravid V. Abreu" <viegadabreu02@yahoo.com> Date: Thu May 18, 2006 11:00 am Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto viegadabreu02

"Qué bién, Xavier" Tenho que felicitar-lhe por este seu trabalho. Sem comentários, Xavier descreveu "quase tudo". Não seria, esse tal "centro de distribuição de boatos" uma forma já montada de "contrapoder"?? As minhas intervenções no debate anterior sobre este tema, não estava baseado em investigação como fêz Xavier. Baseava-se sim, tal como havia dito, em observações in loco e em "participação" directas ou por via de pessoas próximas nessas coisas de "inter-relação FdP-Sociedade". Acho boa ideia, a do Alcídio, publicar o trabalho do Xavier nos Semanários aqui em STP. O Abreu


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From: Adelino Cassandra <adelinocassandra@yahoo.com.br> Date: Thu May 18, 2006 12:33 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto adelinocassa...

Olá a todos Por favor expliquem-me isto com mais profundidade ou argumentos: Contrapoder como??? Do ponto de vista institucional??? Quem "fabrica" estes boatos??? Os feirantes???? Com que objectivo político??? Para quê???? Parece-me um disparate considerar-se que o fenómeno do "Banho" é um processo ou caminho próprio e incontornável a percorrer no sentido da sedimentação da nossa democracia (como alguns já defenderam aqui ao nível do grupo) e, no entanto, lançar-se todos os males da nossa democracia na Feira do Ponto, considerando-a mesmo como um contrapoder. Se querem a minha opinião, considero que, do ponto de vista político e social, a Feira do Ponto é algo insignificante, comparativamente com o Banho, em termos de consequências para o processo de consolidação do nosso regime democrático. O boato não foi sempre, mesmo no regime anterior, um expediente recorrente da "nossa cultura política" ??? Desde quando é que os políticos utlizam o "boato" e "panfletismo" como expedientes ou armas de luta política ??? Provavelmente anterior ao aparecimento da Feira de Ponto. Um abraço a todos Adelino Cassandra


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From: Sósimo Leal Bragança <sosimo_leal@hotmail.com> Date: Thu May 18, 2006 3:44 pm Subject: RE: [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto

Ola à todos, Ora, eu também tenho alguma dificuldade de percepçao à analise produzida por Xavier e coroborada por alguns dos membros deste grupo, em relaçao à aquilo que alguns decidiram apelidar de "cultura da Feira de Ponto", e principalmente a perspectiva objectiva que tentam cobferi-la. O que me interroga em tudo isso, é a propensao com que algumas pessoas têm vindo a atribuir à leituras subjectivas de uma realidade (que nao deve ser banalisada) do universo politico-social santomense, dada a sua interaçao na sociedade, mas que merece no meu entender um posicionamento epistemologico para a sua abordagem. Nao quero com isso, refutar as analises nem tao pouco reduzir a eloquência dos diversos escritos sobre o sujeito. Proponho que ao manipularmos (ou seja transmitirmos a ideia) que se tenham conta o principio da objectividade dos feitos anunciados. Para terminar permitam-me que vos cite o sociologo Durkheim à proposito da representaçao social, que julgo ser o dominio das analise produzidas sobre a "cultura da Feira do Ponto": "A causa determinante de um feito social debe ser procurada entre os feitos sociais antecedentes, e nao entre os estados da consciência individual". Com isso para dizer que a "cultura da Feira do Ponto" pode ser um sobreproduto de outras tantas "culturas santomenses" que muitos dos meus compatriotas devem no seu intrisico considerar de superstrato dessa "complicada identidade santomense". Tal como o Adelino Cassandra, gostaria por isso, conhecer os argumentos objectivos que fundamentam as vossas teorias. Saudaçoes fraternas Sosimo Leal


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From: Luiz Manuel Gamboa da Silva <gamboasilva68@yahoo.com> Date: Thu May 18, 2006 12:53 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira do Ponto gamboasilva68

Ola Xavier, Sou leitor assiduo do Yahoogroup, mas nunca quis sequer dar opinioes. Devido ao teu trabalho de campo sobre a feira de ponto, que por sinal conheco bem, venho apenas para elugiar/apoiar as tuas observacoes. E um trabalho muito inteligente. Parabens!. Gostaria, no entanto, que desenvolvesses um outro tema sobre a f.p.." Quem esta por detras da fp?, ou quem financia o comercio informal da fp?, ou ainda que relacao entre a fp e o mercado formal?" Uma boa estadia em STP Xavier!!


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--- jarocha@fe.up.pt escribió: Fecha: Thu, 18 May 2006 16:32:03 +0100 De: jarocha@fe.up.pt Para: xavier270962@yahoo.es Tenho acompanahdo o fórum sobre S.Tomé, apenas como leitor. Não sei o suficiente para intervir. Os meus sinceros parabéns pla sua lucidíssima análise da feira do ponto. Nunca imaginaria uma tal teia e relações de dependência. JCRS. A sua especialidade é antropologia?


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From: Xavier Muñoz <xavier270962@yahoo.es> Date: Fri May 19, 2006 8:39 am Subject: Sobre o chão da Feira xavier270962

Caros colegas do grupo, Obrigado pelos seus elógios, mas a minha mensagem apenas é um apunte sinceiro das minhas observações. Gostaria contestar todas as reacções de imediato, mais ainda estou a recuperar-me da ressaca do triunfo do FC Barcelona na Champions europea!! Em todo caso, duas coisas rápidas: - Não tenho nenhum problema em publicar as minhas palavras no Correio da Semana ou outros, esso sim preciso que alguem corrija os meu desastroso português e repasse a sintaxis. - Alguns colegas incorporam-se agora a esse tema de debate. Acredito que temos que fazer uma recopilatória das contribuções para facilitar entender a qüestão no conjunto desse debate. Vou tentar de fazer-a este final de semana. Um abraço, Xavier


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--- Xavier Muñoz <xavier270962@yahoo.es> escribió: Fecha: Fri, 19 May 2006 De: Xavier Muñoz <xavier270962@yahoo.es> Para: jarocha@fe.up.pt, Grupo STP <saotome@yahoogroups.com> Caro Jarocha, Obrigado por tuas palavras. Como estava a dizer na minha mensagem, as minhas pesquisas não tinham nenhuma intenção cienticista, porquê com certeza não é um estudo exaustivo. Na realidade há ainda muitas mais formas de relações de dependência (ou também de interdependência ou de confiança) das que describi, algumas delas muito curiosas, como a existência de "bancos" pessoais baseados na confiança entre mulheres,... Mas esse é tema para próximas menságens... Não sou antropólogo infelizmente. Sou geógrafo, ciência que, ainda perta da antropologia, não é mesma coisa. Mas posso confidenciar que sempre gostei da antropologia e que durante os meus estudos na Faculdade de Geografia e História da Universidade de Barcelona sempre tentei seguir como cursos optativos algumas matêrias básicas da Antropologia. … En todo caso seja muito benvindo! Xavier


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From: Safu Zedu <safuzedu@yahoo.co.uk> Date: Fri May 19, 2006 12:41 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira safuzedu

Caro Xavier, Tenho seguido atenciosamente e no silencio os vossos debates nos ultimos seis meses ou mais. Pelo seu artigo so tenho a dizer: Bravo Xavier! O artigo daria um bom livro. Nao basta uma publicacao no Correio da semana ou Equador ou ... Nao fez nenhuma mensao ao aspecto da violencia, nao se teria apercebido de nenhum rasto dela durante a sua estadia ou isso nao fez parte da sua investigacao, ou de facto ela nao faz parte desse submundo? Nos ultimos tempos recrudescimento da violencia na nossa sociedade tem sido um problema, que impressao teve a esse respeito? Cumprimentos Zedu


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From: "xavier2... > Date: Fri May 19, 2006 6:20 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira

Caro Zedu, Sim, um dia gostaria escrever as minhas memórias com toda a calma e reflexão suficiente... Há também histórias bonitas entre as minhas notas, com certeza! A verdade é que nunca fui espectador de uma cena verdaderamente violenta na Feira. Tive sorte. Discussões a gritos sim, mas nunca vi porradas lá. O povo são-tomense é especialmente calmo, ainda que gosta de discutir em voz alta, muitas vezes como brincadeira entre compadres,... outras não tanto. Na realidade não interessa muito a violência no comerço: a gente não compra, não consume onde há violência. Então, se há, não é muito visível. No entanto, tenho testemunhos que fazem pensar que, normalmente, com álcool por meio, não são infrequentes discussões que acabam em porradas. Podes lembrar aquele caso extremo, há ums anos, do linchamento de uma mulher velha, acusada de feiticeira, que acabou queimada perto da igreja da Conceição. A gente ficou louca, totalmente louca. Fou locura coletiva, eu acho. [Aquí abre-se outra palestra, ingualmente interessante, sobre a crença bastante extendida em São Tomé que os velhos, muito velhos que viven solzinhos são bruixos: estão a acreditar que com uma esperança de vida tão baixa não é possível sobreviver sem bruixeria]. Também ha testemunhos dos múltiples casos de violência de gênero, onde as mulheres, uma vez mais, são as perdedoras. Uma minha amiga, uma trabalhadora infatigável, uma mulher docíssima e simpática, a quem eu queria muito, morreu por causa da violência de um bébado. Eu fiquei totalmente consternado pela notícia (melhor não lembrar)... Mas esse tipo cenas normalmente ficam longe da Feira, nos subúrbios, e nós estamos a falar do centro mesmo da Cidade, e essa é outra história. Saúde! Xavier


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From: Adelino Cassandra <adelinocassandra@yahoo.com.br> Date: Fri May 19, 2006 10:20 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira adelinocassa...

Olá a todos, Parece que de repente a Feira do Ponto é a pior coisa que temos no país. A nossa maior "Cruz". Há quem chegou a reiterar que a Feira de Ponto é «... a responsável pelo falhanço do Estado Sãotomense...» . Desculpem lá mas, há limites para disparates, mesmo ao nível do grupo. Todos sabemos que a Feira do Ponto tem problemas (que não são poucos) e só quem não lá foi, ou não vai, desconhece estes problemas. Será ela o único lugar onde há problemas de violência??? Tenham dó!!!!!! Só que não conhece a sociedade Sãotomense pode reduzir todos os nossos problemas a Feira do Ponto. Isto é um autêntico delírio. É único lugar onde há boatos???? Sejamos razoáveis. É o único lugar onde há falcatruas???? Só para quem não conhece S.Tomé e Príncipe. Foi na Feira do Ponto que um ex-primeiro-ministro agrediu o Procurador Geral da República???? Foi na Feira do Ponto que um ministro da Defesa invadiu o Supremo Tribunal com homens bem armados ameaçando a sua Presidente??? Foi na Feira do Ponto que um político ameaçou dar um tiro a um Juíz e toda a sua família??? Foi na Feira do Ponto que os polícias (Ninjas) revoltaram-se contribuindo para a destituição da direcção da polícia em causa??? Foi na Feira do Ponto que houve duas tentativas de golpe de Estado num curto intervalo de tempo, num país onde reinava a total tranquilidade??? É na Feira do Ponto onde existe níveis mais elevados de corrupção no país??? É na Feira de ponto que supostos corruptos não são sequer julgados e quando tal acontece ninguém é punido??? É na Feira de Ponto que o ministro da economia é sequestrado ??? Tudo isto é um problema da sociedade Sãotomense actual com causas complexas a montante. É redutor, simplista e tendencialmente desonesto, do ponto de vista intelectual, encontrar explicações para todos os nossos problemas na Feira do Ponto, ou pior ainda, culpabilizá-la pelo falhanço do Estado Sãotomense. Isto é uma autêntica tolice. Aliás, o diagnóstico e as causas adiantadas pelo Xavier relativamente à Feira de Ponto contrariam esta profecia tonta que tem outros objectivos escondidos. Um abraço a todos Adelino Cassandra


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From: Xavier Muñoz <xavier270962@yahoo.es> Date: Sat May 20, 2006 8:32 am Subject: [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira xavier270962

Caro Adelino, Da minha parte, nada mais longe de culpabilizar à Feira do Ponte e a gente que lá vive ou trabalha de todos os problemas do país. Acaso seja uma consequência. O boatos podem-se difundir por outros meios, claro, mas a Feira, como espaço de grande concentração de atividades (como seria em qualquer outro mercado) é, com certeza, veículo indiscutível de difusão rápida de informação, e, por tanto, de influência sobre a opinão pública. E isso para difundir boatos malintencionados e agitação, mas também poderia ser utilizado para os bemintencionados, por exemplo para a extensão de práticas saudáveis no campo da prevenção de doenças. É, de fato, uma via de comunicação que não tem porquê ser só perversa. Em uma das minhas intervenções anteriores (precisamente em uma que discutia ao Alcídio o que você está a assinalar), falava do papel de "ágora" da feira, onde todo pode ser falado e discutido: um espaço de opinião aberta, muito animado, do qual eu gosto participar, e onde você vale em função da coherência dos seus argumentos. Fala-se com os funcionários na altura do matabicho ou na sobremesa do almoço, fala-se com os taxistas quando estão a descansar ou à espera de passagem, fala-se com as vendedoras e palaiês, fala- se com os disc-jockeys, fala-se com os polícias,... fala-se lá também com algum Ministro... Não há problema. Fala-se. Os são- tomenses são gente que gosta das boas conversações, e a Feira é espaço também para isso, para a relatividade e também para a difusão de boas ideas. A Feira seria o que os sociólogos conhecem como uma mostra representativa do que sucede no país, mas não per se é a causa primeira de todos os vícios. E no referente a determinadas cenas do passado, eu acho que temos que deixá-las lá, no passado, e olhar para o frente, adiante, para o progresso. Falar em positivo. Preguntar-se, tras a crítica, que alternativas de solução temos para cada um dos problemase e os vícios que detetamos (não me vale apenas a crítica); deveria-se falar em um tono mais constructivo. Muitos espertos internacionais -e não apenas americanos- estão a pensar que São Tomé vai ser a Kuwait de África, e que tem possibilidades de atingir em poucos anos de um nível social invejável na África Subsahariana. Assim pois os governantes actuais (especialmente no cenário de coincidência da cor da Presidência com o Governo) têm uma magnífica oportunidade para construir uma boa governança e demostrar as suas qualidades na gestão das políticas públicas, perante retos de desenvolvimento económico e social.


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Um abraรงo, Xavier


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From: "josepmseto" <josepmseto@yahoo.com> Date: Sat May 20, 2006 9:05 am Subject: [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira josepmseto

Hola Xavier! Hace tiempo que no hablo contigo, pero veo que en tu último viaje a São Tomé no dejaste de trabajar!! Muy mal! São Tomé también tiene playas magníficas y el descanso no viene mal a nadie y tú no paras!! Me gustó tu rápido informe, que no es nada más que un retrato profundo de las entrañas de esa Feria do Ponto, de la que no se ha parado de debatir desde enero. La imagen que yo me llevo, sin conocer el lugar, es la de um mercado gigante donde todo se compra y todo se vende, incluso la información y la difusión de la información, como sucede en las sociedades más liberales. Pero la Feria és un medio, un medio que parece no del todo controlado por el poder y por tanto se me antoja un medio seguramente más libre, independiente y cautivo a la vez, seguramente más democrático, porque todos pueden utilizarlo. De ahí su grandeza, pero también sus dramas, las condiciones mismas de la mayoría de los que allí trabajan y malviven. De todo lo que dijiste en tus escritos, yo me quedaria con la parte más libertaria del relato. Como decías en tus primeras intervenciones, la Feira parece una autoorganización, una organización espontánea de un espacio, que crece por necesidad. Puro capitalismo,... o anarquismo. La gente se organiza ocupando sus lugares y atendiendo a unas relaciones económicas que se basan en la negociación de estatus. En la pobreza de esos negocios de subsistencia las diferencias deben ser mínimas, entre vendedores. Sin embargo, a banda de las relaciones económicas, deben haberse creado relaciones de confianza entre los moradores del mercado, de forma que las conexiones ya no son sólo económicas. Hay trama social, que incluso reacciona ante situaciones límite, y es entonces inconscientemente cuando muestra lo que vale su influencia. Interesante caso de estudio. No dejes de explicarnos detalles y por supuesto, como decía un compañero del foro, no rechaces la idea de escribir un relato más largo o un libro. Fins aviat! Josep M.


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From: "josepmseto" <josepmseto@yahoo.com> Date: Sat May 20, 2006 9:16 am Subject: [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira josepmseto

Por cierto, Xavier, Claro también coincido contigo en que es necesario pasar a la acción positiva. Sao Tomé, si se administra bien, va a disponer dinero suficiente para mantener a las clases poderosas y a la vez solucionar todos los problemas sociales. El gobierno en verdad está ante una oportunidad real de hacer el bien público, dando un giro de 180º a la gestión que se ha venido haciendo hasta ahora. Debería además dinamizar la colaboración público-privado en aspectos como las infraestructuras o, por ejemplo, el acondicionamiento y recuperación del patrimonio, que es base para el turismo, mediante facilitar programas de mecenazgo que involucren a los capitalistas nacionales e internacionales, o por ejemplo en el campo del márketing de país, del márketing de ciudades, en la atracción de inversiones en otras actividades que diversifiquen la economía. Un abrazo, Josep M.


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From: Adelino Cassandra <adelinocassandra@yahoo.com.br> Date: Sat May 20, 2006 3:24 pm Subject: Re: [São Tomé e Príncipe] [São Tomé e Príncipe] Re: [São Tomé e Príncipe] Sobre o chão da Feira adelinocassa...

Caro Xavier Eu sei que da sua parte não houve a intenção de «...culpabilizar a Feira de Ponto por todos os problemas do país...» Mas, decorrente do seu "trabalho de campo" e consequente descrição ao grupo dos contornos dos problemas da mesma, houve a intenção deliberada de algumas pessoas, sem pensarem nem digerirem com inteligência saudável estas mesmas informações, começarem a associar a Feira de Ponto como sendo a responsável pelo falhanço do Estado Sãotomense. Ora, isto parece-me um autêntico disparate de ponto de vista intelectual. Sobretudo porque um Estado que falha por causa de uma Feira (qualquer que ela seja) é ele mesmo falhado na sua génese. O que parece prudente e razoável é discutir onde é que o Estado em causa falhou e não a consequência (ou consequências) deste falhanço. Você diz ( e penso que mal) que não se deve discutir o passado e que, entretanto, o presente é mais importante. Provavelmente terá alguma razão. Mas eu acho que um dos nossos maiores problemas ou defeitos é exactamente não reflectir de forma saudável e correcta sobre o passado (ou fazê-lo sobre constrangimentos inultrapassáveis) e encontrar, com tal, receitas erradas para o presente. Repare nestes dois simples exemplos: a) Você já viu a facilidade com que se entende e propõe o "Presidencialismo" como medida adequada para a resolução de todos os nossos problemas momentâneos; b) Da mesma forma como se diz ou insinua que «... a Feira de Ponto é a responsável pelo falhanço do Estado...» e, como tal, deve ser "bombardeada". Se apresento estes dois simples exemplos é porque acho que é esta a nossa tendência como povo. Não sei se é bom ou mau, mas somos assim. Com facilidade apresentámos e acreditámos nas propostas novas e fracturantes, porque o presente não está a correr bem, independentemente de tentarmos descortinar com reflexão saudável e desejável sobre as causas reais do presente falhanço. Por isso, não admira nada que fomos os primeiros (ao nível dos cinco países de Língua oficial Portuguesa) que mudámos do "monolitismo" para a "democracia" convencidíssimos que esta iria resolver todos os nossos problemas. Agora já estamos convencidos que o "semipresidencialismo" já não serve e vamos mudar para o "Presidencialismo". Depois não sei o que virá a seguir... Tudo isto é para dizer ou demonstrar a facilidade e superficialidade com que encaramos e reflectimos sobre os problemas. Repare no problema do "Banho". Quem inventou o problema do "Banho" foram os políticos, porque não


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conseguiam mobilizar as pessoas para a participação. Agora, o problema ganhou uma dimensão que algumas pessoas recusam participar nos actos eleitorais se não forem pagas para tal. Como é que achas que os políticos pensam resolver o problema ? Obrigando as pessoas a votarem restringindo alguns direitos das mesmas. Ou seja, eles inventaram um problema e transferem as consequências do mesmo para o povo, quando, a montante, as causas são muito mais complexas. Todos sabemos que o papel político representado pelos diversos grupos sociais, através da expressão das suas legítimas aspirações, na dinâmica do nosso sistema partidário, não existe ou é secundarizado . O que é que entretanto acontece com tal? O nosso sistema partidário está desligado do sistema social. E, como tal, a inter-relação entre os partidos é o resultado exclusivo dos interesses partidários (para não dizer pessoais) específicos. Sendo assim, a expectativa social em relação à acção política deixou de ser o produto de formas concretas de participação. Há, com tal, hoje em dia, uma tendência, cada vez mais acentuada, de distanciação dos grupos sociais em relação aos agentes políticos. Já reparou que o Miguel Trovoada criou o seu partido político, o Fradique de Menezes fez o mesmo. E, provavelmente, vai acontecer o mesmo com o próximo inquilino do palácio presidencial. A vida política formal em S.Tomé e Príncipe está limitada ao que se passa entre os diversos partidos, para não dizer, entre diversas pessoas importantes. O que acontece é que, com isto, fica aberto o espaço para acções políticas informais, que se desenvolvem na interacção dos diversos grupos sociais, e sobre as quais a decisão política formal perde gradualmente o controlo. De um lado temos os partidos que se condicionam mutuamente mas não têm capacidade para dirigir a alguns segmentos da sociedade (caso da Feira de Ponto e outros). De outro lado, os diversos grupos sociais não se reconhecem em nenhum partido ou nas instituições políticas do país e apenas procuram recolher o máximo de benesses possíveis em cada situação concreta. Caso concreto do "Banho". De quem é a culpa deste falhanço ???? Dos diversos grupos sociais do país???? Neste caso concreto podemos falar em PODER???????? Podemos falar em exercício efectivo de representação e de expressão???? As crises sucessivas não serão sintoma desta realidade???? Que culpa terá a Feira de Ponto em tudo isto????? Um abraço a todos Adelino Cassandra


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From: "celsioj" <celsioj@yahoo.com> Date: Sat May 20, 2006 10:56 pm Subject: Re: Sobre o chão da Feira do Ponto celsioj

Caro Xavier e colegas deste fórum, Gostaria de saudar esta iniciativa pessoal do Xavier (mesmo sem carácter cientifico) e agradecer o contributo que trouxe para esta discussão e não só, sobretudo a diáspora. Não acompanhei a anterior discussão (o texto do Alcidio) e devo estar em desvantagem por ser recém-chegado ao tema. A realidade "FdP" é comum em todos os países em desenvolvimento, e resulta de diversos problemas e decisões de politicas económicas que já foram estudadas no âmbito das subdisciplinas da Economia (Economia de Desenvolvimento e Economia Social). É pena os economistas do FMI ignorarem estas novas disciplinas. Objectivamente, quando se fala de "FdP" está se a falar da economia informal no verdadeiro sentido do termo. Aquilo é um espaço onde os que estão dentro e fora do perímetro não estão registados como agentes económicos nas Instituições Formais (ex: Ministério das Finanças, Ministério da Segurança Social, etc) com deveres (Ex: IRC/S, IVA, Descontos sociais, etc) e muito menos os direitos (Bancos, Subsídios, Isenções, etc). Uma das causas entre inúmeras é o facto de os regimes saídos da independência terem implantado uma economia de matriz socialista (dirigida), tomando muitas medidas administrativas entre os quais "o câmbio". Se algum Santomense tiver boa memória há de se lembrar que antes de aparecer o "Programa de Ajustamento Estrutural" tinha aparecido uma classe que se popularizou logo, os "caixeiros-viajantes". O regime perante as ineficiências e falta de resultados nos seus programas económicos (economia planificada) foi sendo tolerante perante as soluções que a população encontrou. Os "caixeirosviajantes" tinham documentação para exercerem a sua actividade, que no fundo era a importação dos bens que tinham escassez no mercado, consequentemente preços altos. Logo que o regime mostrou abertura, surgiram os "candongueiros" que proliferaram como cogumelos. Mais uma lembrança histórica, antes de haver a "FdP" onde é que estavam os "candongueiros"? Nas ruas em redor do Mercado Central! Criaram a "FdP" e julgaram que mudando de sitio iriam resolver o problema, pelos vistos, não. E os taxistas? Aquela praça de táxi não era assim! É outra actividade que o governo fechou os olhos e deixou proliferar a belo prazer dos oportunistas, e hoje temos um organizado caos pelos taxistas. É de conhecimento público que mais de metade da população Santomense vive no limiar ou próximo da pobreza extrema. Podemos corrigir a palavra "vive" para "sobrevive" que é a mais correcta.


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Todos temos o instinto de sobrevivência e o normal é que ao ter informação que há uma actividade que se prospera e se localiza num bom sitio para o exercício da mesma, a racionalidade económica funciona. Ainda por cima, quando as outras actividades estavam em declínio e em decadência total, principalmente a agrícola nas roças. O povo pode ser ignorante em relação há muita coisa, mas duvido que o sejam nestas matérias. Uma das soluções económicas para a economia informal é procurar enquadrala através de incentivos e medidas excepcionais. Promover a transição dos agentes informais para o formal, por exemplo o Microcredito (com tão bons resultados no Bangladesh) em troca de cumprimentos fiscais. Existem ONGs especializadas na cooperação com instituições semi-informais em diversos países e boas experiências no terreno. Mesmo tendo as nossas características especificas não estamos sozinhos neste problema e a parte boa da globalização, é que sabemos das soluções com sucesso dos outros e podemos com algumas adaptações (que têm de ser feitas) ensaiar a sua aplicação em STP. Ao contrário do que muita gente pensa, o sector financeiro informal tem um conjunto de características que justificam a sua existência nestes países e ao mesmo tempo com um papel fundamental no desenvolvimento destas economias numa primeira fase (elemento de proximidade, flexível e adequado, não está sujeito a regulamentações, rapidez no acesso, satisfaz as necessidades dos agentes informais, etc). Uma das razões para a inoperância da acção governativa nesta situação é que existem elementos seus que estão ligados directa (ele próprio tem o negocio) ou indirectamente (através de familiares) ao sector informal da economia. Não quero entrar aqui na complexidade dos esquemas que os governantes fazem no exercício do seu cargo. Quanto a questão do contrapoder que fala o Alcidio, como não estive no anterior debate, não percebi muito bem. Relativas as informações, contrainformações, desinformações, boatos e afins, num mercado é algo natural, as decisões políticas os afectam, e se forem económicas revestem-se de muita importância. Em toda a economia informal existe uma relação com o poder formal no acesso e veiculação da informação, e de algum modo, funciona como uma ferramenta para as decisões que tem de se tomar. A opinião que tenho é que os agentes económicos informais não manipulam porque não estão em dois cenários em simultâneo. Agora, o poder politico tem o tabuleiro económico a sua frente, conhecem as peças em jogo e podem jogar conforme lhes interessa ou daí tire benefícios. Penso que seja melhor publicar este texto do Xavier aqui na Europa porque os que estão em STP conhecem bem a sua realidade. Por exemplo, estive na apresentação da organização WeBeto aqui em Portugal em que se abordou "ouro negro" e a transparência. Pode-se ter outra iniciativa semelhante em que se aborde a realidade "FdP", teria muito gosto em participar e se for bem divulgado terá muitos interessados.


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Para terminar, gostaria de dizer que para além da descrição da "FdP" que o Xavier fez, o texto tem muito mais coisas para diversos debates como: a questão da Globalização e as suas consequências nos países pobres a todos os níveis, a sociedade Santomense actual (as suas diversas comunidades: tongas, caboverdianos, gabons, angolares, forros e os de príncipe, etc, e (inter) relações; os mais velhos; a juventude e os valores; o planeamento e ordenamento urbano, a demografia, etc.), muito há para debater e perguntas a responder! Aguardo expectante o debate que aqui costuma-se fazer e tão frutuoso é no exercício democrático do contraditório. «E também um repto para esses Santomenses que além do governo também ostentam posições privilegiadas nos sectores económicos, aos que podemos perguntar: "Que coisa você vai fazer para o país, que merezca que o país lembre para sempre de você, para que passe você à história de São Tomé e Príncipe?"» Gostei dessa frase/pergunta, fez-me lembrar o falecido presidente JF Kennedy. Um Abraço à todos…. Celsio Junqueira

O Novo Mercado ou Mercado de Côco-Côco, antes da sua inauguração Foto: X. Muñoz (2006)


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Caros colegas, Vou responder algumas das questões, ainda no ar, referentes às minhas observações sobre a Feira do Ponto. O "centro de distribução de boatos" não acredito que seja uma forma de "contra-poder", senão um espaço (centro como lugar) onde operam alguns elementos que fazem do boato a sua profissão, de uma forma eu acho esporâdica. Mas, cada vez mais, são pessoas conhecidas e a sua capacidade de persuasão é cada vez mais incerta. A gente da Feira é simples mas não tonta. Em todo caso, podem inspirar a geração de um estado de opinião que não necessáriamente se produz sem discussões prévias. De aí a esperança do conjunto, o confronto mesmo de opiniões, um exercício mesmo de democracia (lembre-se que a democracia não se exerce só nas eleições, senão que tem que ser parte dos mecanismos de socialização, da cultura de relações que até agora eu acho que ainda está no espírito social das ilhas). Eu imagino em um "contra-poder" como um grupo que tem uns líderes natos, indiscutíveis, permanentes que organizam a reação da coletividade, mesmo com a cara descoberta. Contra-poder como "lobby". E se há "contra-poder" não está nada organizado nem há líderes natos na Feira do Ponto. Ninguém lá falou de líderes em concreto, de nehuma organização, se não fosse de determinados "charlatães" que não exercem nenhum tipo de liderato. São boatos eu acho que dirigidos, a distribuir-se seguindo uma solfa preescrita. Alguns dos meus contertúlios falaron de um início dos agitadores, dos boatistas, nas manifestações prévias ao golpe de 2003, aproveitando a demonstração dos artesanos (muito possívelmente são anteriores). Alguem caldeou o ambiente, aproveitou muito bem a reação contra o uso da violência para incidir na opinião pública e levar os ánimos. Muito provavelmente o que aconteceu foi muito menor do esperado nessa altura, mas foi uma forma de desestabilização não vista anteriormente e entendida pelo governo da Maria das Neves como um fato muito grave (um morto e feridos). Quiçás a ideia foi convencer com fatos o reclutamento de quadros das forças armadas, que se indignariam pelo uso desproporcionado da força. Uma utilização, por tanto, de gente que inicialmente nada tem a ver com a criação de boatos, mas sim são consumidores deles. Nessa altura, já se acusou de manipulações aos elementos mais destacados do Frente Democratacristiano (vocês podem repassar a hemeroteca de Téla Nón ou de Vitrina ou mesmo deste grupo). O comandante Cóbó, habitual das petisqueiras da Feira, uma pessoa genuinamente do povo, foi um dos “acendidos” por um dissos detonantes. A relação dos Búfalos com o golpe eu acho que está já suficientemente explicada. Se há outros precedentes, não sei, mas tras essos fatos, ficou totalmente experimentada a efeitividade do boato na Feira e nos outros mercados como arma da política, para qualquer parte e interesse. Pelo que explica a gente, uns quantos boatos foram já distribuidos na Feira pela mesma via.


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Mas como já escrivi anteriormente e também foi tem dito por outros participantes no debate, se um mercado tem uma função é a distribução de informações, e isso não é nada novo. Em todo caso a questão -digamos- nova é a utilização dirigida da situação difícil das famílias para a orientação da opinião pública, agregada, mesmo para provocar actos descontrolados, agitação social e desmandos. Um aproveitamento descarado dos problemas sociais, da pobreza, da insatisfação e da crescente ignorância, por tanto, e, desde o meu punto de vista, uma imoralidade. Sobre quem faz: todos podem fazer, especialmente se há elementos prontos a atender as demandas do melhor postor, mesmo agentes que poderiam responder a interesses do exterior. E isso poderia ser ainda muito mais grave, mas nada impensável dada a condição de microestatal de STP e os interesses económicos que confluem na região. O boato é indirecto, mas acredito que é muito mais barato que o "banho" e pode calar mais na opinião pública, porquê os convencidos o são como se a opinião houvesse partido deles próprios. Também acredito que o boicot às eleições foram em parte "arengadas". É possível pensar em uma reação popular simultánea tão organizada? Eu acho que não, especialmente quando o caráter são-tomense não é agressivo, nem nos piores momentos. Alguns grupos vizinais poderão atribuir-se o sucesso do boicot, mas eu duvido que fora fruto de uma reação totalmente espontánea. Talvez há as duas coisas. A Feira com certeza, como tal, não é o problema, senão a consequência: o povo simples vilmente manipulado para servir interesses partidistas. E eu acho que esse espaço não é solzinho mostra de uma cultura envilezida, senão da inibição do poder ou da impotência do poder para poder orientar as políticas até procura dos mínimos de qualidade de vida e da coesão social. Eu volto a repetir que ninguém que se precie pode ficar "tan pancho" frente as consequências que en verdade são nocivas para uma sociedade africana que, em muitos aspectos e a pesar dos problemas, tinha (e ainda tem) uma situação mais favorável que outras no continente. Agora parece que esteja a convergir perigosamente com situações socialmente insustentáveis como a nigeriana. Passar a ação, sugerindo as linhas básicas das políticas públicas não é ser de esquerda ou de direita, senão é de senido común, de trabalhar com o que há, de apoiar técnicamente os gestores públicos para que possam acertar ao máximo nas suas decisões, na necessária melhora das condições sociais e econômicas dos são-tomenses, das suas oportunidades frente ao futuro incerto. E, ainda que seja difícil de imaginar, há muitas oportunidades de fazer um bom trabalho nas políticas públicas, entendidas -claro está- como a procura decidida do bem público. É por isso que, como Célsio destaca, tras os análises da Feira do Ponto, abrense outros debates sectoriais, multitud de aspectos que são preciso tratar em


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um debate sossegado a todos os nivéis, mesmo nos próprios debates nas petisqueiras da Feira do Ponto. A Feira transformada também pode ser um marco inestimável para a difusão e a geralização de boas práticas, de civismo extremo, de (re-)construcção de país, como se destilava das palavras de Josep M. Vamos a peçar, por tanto, a intervenção pública no ordenamento e regulação desse centro comercial, com critêrios de justiça, em todos os aspectos, que incluia também uma regulação específica no quadro das taxas e das concessões, que permitam a finanzação mesmo dessas políticas (por exemplo, a autofinanzação do mantenimento da Nova Feira e a criação ou ordenamento de novas). Ainda se está a tempo, quando a Nova Feira ainda não foi inaugurada. Osvaldo iniciou há tempo (agora muito centrado em um caso de localização de um novo serviço de educação) um debate sobre a necessidade de manter a universalização do ensino e melhorar a sua qualidade como pilar do progresso do país. E com certeza, esse é o investimento que vai diferenciar a competitividade regional de São Tomé no Golfo da Guiné, e que pode fundar a capacidade de criar e innovar na geração de atividade económica no país, trabalho e, por tanto, coesão social e dignidade. Eu acho, por tanto, que podemos empezar por aí. Decerto que fico “halagado”, se nas minhas palavras alguem encontrou una relação com a inteligência de John F. Kennedy. Saúde a todos! Xavier


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