Prefeitura do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS apresentam
Onde moram os livros? BIBLIOTECAS DO BRASIL
Onde moram os livros? Daniela Chindler
Ilustrações Bruna Assis Brasil
Autoria Daniela ChindlerB| IIlustração Bruna Brasil BLIOTEC A S Assis DO B RASIL Projeto Gráfico Gabriel Victal | Pesquisa Flavia Rocha
C539 Chindler, Daniela. Onde moram os livros? – Bibliotecas do Brasil / Daniela Chindler; ilustrado por Bruna Assis Brasil – Rio de Janeiro: Sapoti, 2019. 80 p.: il. ; 23 cm. ISBN 978-85-94449-03-0
1. Literatura infantojuvenil. 2. Bibliotecas - Brasil. 3. Bibliotecas – História. I. Brasil, Bruna Assis. II. Título.
Biblioteca Nacional
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Biblioteca Mário de Andrade
CDD 027.081 CDU 027(81)(09)
Agradecimentos Adriane Freitag, setor de ação cultural, Biblioteca Mário de Andrade David Carvalho, bibliotecário, Biblioteca do Estado do Amazonas Dom Sebastião Rolim, diretor, Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia Dom Gregório Paixão, bispo diocesano de Petrópolis Letícia Oliveira de Araujo, bibliotecária, Mosteiro de São Bento da Bahia Mônica Maria Coelho Gomes, pesquisa histórica, Biblioteca Mário de Andrade 20 – 31 Mônica Carneiro Alves, bibliotecária, Biblioteca Nacional Morganah Marcon, diretora, Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul Orlando Inácio, gerente, Real Gabinete Português de Leitura Paula Vianna, diretora, Parceiros da Educação Renan P. Daniel, núcleo de programação, MIS – Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Biblioteca Pública do Amazonas
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Prefeitura do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS apresentam
Onde moram os livros? BIBLIOTECAS DO BRASIL
Autoria Daniela Chindler | Ilustração Bruna Assis Brasil Projeto Gráfico Gabriel Victal | Pesquisa Flavia Rocha
Biblioteca Nacional
Biblioteca Mário de Andrade
4 – 19
32 – 41
Biblioteca Pública do Amazonas 20 – 31
Real Gabinete Português de Leitura
Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia
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Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul 54 – 63
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Biblioteca Nacional De volta à luz! Nada como um ar fresco! Deixe-me espanar a casaca preta e pegar a cartola, dado que um imperador não deve aparecer, aos seus súditos, amarfanhado. Não, não é de bom tom, mas entendam que acabei de acordar de um sono de 100 anos. Estão admirados? Admirados de ver um imperador dormir tanto ou por estar ele usando uma vestimenta que não são o manto e a coroa? Pois explico as duas coisas, uma de cada vez. Doei meus retratos e as fotos que colecionei durante toda a vida para a Biblioteca Nacional. Minha única exigência foi que a coleção recebesse o nome de minha esposa, a imperatriz consorte D. Thereza Christina Maria. As fotos que não estavam em álbuns foram guardadas em caixas e lá, protegidas nas sombras, ficaram todo esse tempo. Mas, justamente por estarem soltas, elas foram ficando meio abauladas e por isso são chamadas carinhosamente de “enroladinhas”. Acredito que esse seja o motivo de eu estar tão amarrotado. Sorte as fotos preservarem a cor e a tonalidade. Ainda bem, só me faltava estar desbotado.
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O manto, a coroa e o cetro troquei por roupas de passeio, porém finas, que meus biógrafos chamariam de trajes de “pequena gala”. Achei bonita a expressão, embora de moda eu nada entenda. E, enquanto os outros monarcas europeus ainda preferiam os retratos feitos a óleo,
eu, Pedro II do Brasil, fui o primeiro soberano fotografado no mundo! Vejam bem: dois anos antes da rainha Vitória, da Inglaterra. Estou bem feliz aqui, cercado por livros. Costumava dizer que, se não fosse imperador do Brasil, queria ter sido mestre-escola e ensinar crianças, essa é a pura verdade. Sendo bastante franco com vocês, nunca entendi muito de economia, tampouco era bom em estratégias políticas, meus interesses eram outros. Artes, línguas, astronomia, ciências, essas são minhas paixões. E levei essas paixões muito a sério. Sabiam que, além do português, eu falo, escrevo e leio em francês, inglês, alemão, italiano, espanhol, latim e hebraico? Ufa! Fico cansado só de enumerar. E tem mais: ainda leio em grego, árabe e sânscrito (uma língua antiga lá da Índia). Como sou curioso, também aprendi o tupi-guarani e soube que aqui está guardada a Gramática da Língua Tupi, do padre José de Anchieta, de 1595! Vou procurá-la. Que bom que sou poliglota: assim posso passear por essas estantes lendo em várias línguas, sem precisar de um tradutor.
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Sinto-me em casa nessa biblioteca, que nasceu em terras portuguesas. É uma história antiga. Meu antepassado, D. João I, o de “Boa Memória”, começou uma coleção de livros no século 14, que foi sendo aumentada a cada novo reinado. A Biblioteca Real se tornou um troféu da corte portuguesa, pois nela estava todo o conhecimento da época. Até o dramático 1º de novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, quando uma tragédia se abateu sobre a cidade de Lisboa: um grande terremoto seguido de incêndio pôs a perder muitas vidas e todos esses livros que foram reunidos em mais de 300 anos. Contudo, como sem livros não se faz uma nação, era preciso reunir um novo acervo. Então meu tataravô, o rei D. José I, começou uma nova coleção, sem nunca imaginar que esses livros viriam parar, um dia, no Rio de Janeiro. Quem os trouxe foi meu avô, que em estratégica retirada, frente às tropas de Napoleão que invadiram Portugal, transferiu a Corte e a Biblioteca Real para o Brasil. Por isso, na escadaria, à vista de todos que entram na biblioteca, está o busto de D. João VI, esculpido em mármore. Aqui os livros ficaram e hoje pertencem ao Brasil, e não mais ao reino de Portugal, motivo pelo qual agora é chamada de Biblioteca Nacional.
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Bem, por que não esticar um pouco as pernas? Um passeio não me fará mal. Podemos continuar esta conversa caminhando. Vamos ao terceiro andar, a sala-cofre em que se guardam as obras raras. Essa sala é cercada por treliças de madeira que escondem cofres que protegem mais de dois quilômetros de prateleiras, onde estão guardadas inúmeras preciosidades. Uma das joias dessa coleção é a Bíblia de Mogúncia, de 1462, um livro de mais de 550 anos, anterior à chegada dos portugueses ao Brasil. Mogúncia é o nome português de Mainz, a cidade alemã onde nasceu Johannes Gutenberg, um inventor engenhoso.
letras em relevo? Ele havia sido joalheiro, era um homem muito habilidoso, que conhecia a arte da construção de moldes. Com essas letras, que são as antecessoras das fontes do computador, daria para montar os textos sem que alguém precisasse escrever. Depois, as letras poderiam ser impressas no papel, assim como eram as imagens. Parece uma ideia simples para vocês hoje em dia? Mas devo dizer que, como a roda, essa foi uma grande descoberta. Demorava um bom tempo para fazer uma página, mas a vantagem é que, da original, podiam ser feitas várias cópias num piscar de olhos.
Não sei se todos foram apresentados a Gutenberg. Nós, leitores, devemos muito a ele. Bem, no século 15, época em que ele viveu, os livros eram manuscritos, ou seja, escritos um a um, à mão, pelos copistas, o que tornava os exemplares caros e pouco numerosos. Entretanto, fazia tempo que se conhecia a técnica de gravura. Passando tinta em uma imagem gravada sobre o cobre ou a madeira e pressionando sobre ela uma folha de papel, esse desenho podia ser reproduzido muitas vezes. Gutenberg pensou lá com seus botões: e se ele esculpisse pequenos cubos com as
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Para encaixar suas letras de madeira, Gutenberg desenhou uma máquina chamada de imprensa, inspirada nas prensas usadas para espremer o suco das uvas na fabricação do vinho. Também pesquisou papéis e tintas. Era necessário que as tintas fossem absorvidas pelo papel sem escorrer, para que as letras não borrassem. As tintas também deveriam secar rapidamente, e a impressão não podia desbotar com o tempo. Misturando fuligem, resina e óleo de linhaça, Gutenberg conseguiu uma boa tinta com essas qualidades. Os livros produzidos no século da invenção da imprensa, as primeiras obras impressas no mundo, são chamados de incunábulos. In cuna é uma expressão do latim que significa berço, princípio. A Bíblia de Mogúncia é o incunábulo mais antigo da Biblioteca Nacional. É muito rara, porque é a primeira obra impressa na qual aparecem data, lugar e nome dos impressores. E sabem quem são os impressores? Os ex-sócios de Gutenberg.
Como amo os livros! Tive a felicidade de poder dedicar meu tempo à literatura e aos estudos. Os grandes escritores são meus soberanos. Uma vez na França, resolvi visitar o grande escritor Victor Hugo. Lá chegando, sua filha me anunciou assim: “Papai, cá está a majestade do Brasil”. Respondi prontamente: “Nesta sala, só há uma majestade: Victor Hugo!”. Nas prateleiras de obras raras estão guardados livros com mais de 200 anos, exemplares com lindas ilustrações pintadas à mão e com dedicatórias de pessoas famosas. Mas eis que encontro um minúsculo livro raro, que mede apenas um centímetro de comprimento, e, apesar do seu diminuto tamanho, ensina o Pai-Nosso em sete línguas! Que mimo! Com certeza é um dos menores livros do mundo!
Que delícia! Acabo de encontrar um livro que me pertenceu. Encontrar um antigo livro é como rever um velho amigo. Esse exemplar tem uma apresentação muito chique, uma típica encadernação imperial em couro verde, com letras e desenhos gravados em dourado, compondo as cores nacionais. E cá estão a coroa imperial e minhas iniciais P. II.
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Aqui temos uma gramática da língua portuguesa com quase 500 anos, impressa em 1539, uma antepassada dos livros escolares que vocês hoje trazem nas mochilas. Nas primeiras páginas, tem uma cartilha, um abecedário com figuras. Olhem lá o “A” de árvore, o “H” de homem, o “L” de livro, o “O” de olho e o “S” de sereia. Posso imaginar os jovens príncipes aprendendo as letras nesse livro e sinto saudades das minhas filhas, as princesas Isabel e Leopoldina. Decerto, vocês conhecem a princesa Isabel, que assinou a Lei do Ventre Livre e a Lei Áurea. Isabel foi a última princesa do Império brasileiro.
É importante que as obras raras fiquem em uma sala-cofre, porque são muitos os larápios que sorrateiramente roubam livros, fotos, mapas, gravuras e documentos da biblioteca. O primeiro roubo registrado foi às claras, em 1815, quando a coleção mal tinha chegado ao Brasil. Meu avô, D. João VI, emprestou dois livros a um ministro estrangeiro que, vejam só, levou os exemplares para o seu país, sem se fazer de rogado. Meu avô não ficou nada contente e tentou, sem sucesso, recuperá-los. Outros itens furtados tiveram melhor destino. Soube de um famoso ladrão de livros que estudou biblioteconomia para realizar roubos mais bem-sucedidos. Felizmente, ele foi pego e agora está ajudando a polícia a encontrar o que levou embora.
Muitos leitores, cuidadosos com suas coleções, usam um ex-libris para marcar seus livros. Um ex-libris é uma etiqueta ou uma gravura com um desenho e o nome do proprietário daquele exemplar. Meu amigo Joaquim Nabuco possui um dos mais belos ex-libris que conheço: uma esfinge que tem o corpo de touro alado com a cabeça de um homem. O desenho lembra as figuras encontradas nos palácios da Babilônia, que foi justamente governada pelo seu quase xará Nabucodonosor.
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O ex-libris da Biblioteca Nacional foi criado pelo pintor Eliseu Visconti e conta com duas versões. Eu, particularmente, gosto mais da que não foi aprovada, que é a Atena, a deusa grega da arte e da sabedoria, em frente a uma estante de livros, com uma pena de escrever e um globo terrestre. Na versão final, Atena foi substituída por uma mulher de 1903 que hoje, mais de 100 anos depois, não tem nada de moderna, né?
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Ser moderno era o que todos queriam quando caiu o Império e foi proclamada a República. E quem era a figura mais importante do Império? Pois então, eu, o imperador. E embora eu fosse um apaixonado pelas inovações científicas, o imperador representava a nobreza, e a nobreza era o passado. Que pena, pelo menos para mim. Aqui está o cardápio do último Baile do Império. Lembro bem. Era o ano de 1889, o Visconde de Ouro Preto, chefe de gabinete do meu governo, teve a ideia, que depois se mostrou nada brilhante, de organizar um imenso baile para mostrar a todos a força do Império. A Ilha Fiscal, aqui pertinho na Baía de Guanabara, foi o lugar escolhido para
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a festa, um baile digno de contos de fadas iluminado por milhares de lâmpadas elétricas que resplandeciam mais que 14 mil velas. Imaginem a lista de compras para o banquete: 800 quilos de camarão, 300 frangos, 500 perus, 64 faisões, 1.200 latas de aspargos (para que tanto aspargo, valha-me, Deus?) e 14 mil sorvetes – que era uma novidade na época. Isso sem falar nas pombas selvagens, que foram servidas “à la Guanabara” – está aqui escrito no menu –, nos doces e nas bebidas. O baile da Ilha Fiscal custou uma fortuna. Logo eu, de hábitos tão simples, fui aprovar essa gastança. Juro que me arrependo. Reparem como as coisas são: na entrada da festa, eu
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veio de Portugal, a biblioteca foi instalada em um andar do Hospital do Convento da Ordem Terceira do Carmo. Meu pai, D. Pedro I, foi um dos primeiros leitores a visitar os livros recém-chegados. Depois, quando eu já era adulto, a Real Biblioteca mudou-se para um casarão de três andares na rua do Passeio, número 60, no Largo da Lapa. Para cá o acervo só veio no início do século 20 e, vocês sabem, sou um homem do século 19. Mas fico bem feliz por todas as mudanças terem se dado sem estragos nem perdas de livros ou documentos.
Estão vendo que este é um edifício robusto, projetado para aguentar muito peso?
tropecei e disse, em tom de brincadeira, que a monarquia havia escorregado, mas não caído. Não caiu naquela noite, mas seis dias depois! Dia 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República. Era o fim do meu reinado. Este prédio foi inaugurado em 1910, por isso estou conhecendo-o agora com vocês. Claro que muitas vezes estive na Biblioteca Real pesquisando, mas naqueles dias os livros não moravam neste palácio. Quando a coleção
E não se enganem, livros, jornais e revistas pesam e também ocupam um bocado de espaço. Por isso foram construídos dois armazéns, cada um com seis andares, e cada andar com mais ou menos quatrocentas e cinquenta estantes. Mas se vocês acham que 4 mil e quatrocentas estantes é muita coisa, não é não, porque a coleção não cessa de crescer. As estantes, inclusive, são de aço, e o piso dos armazéns, de vidro, como medidas de precaução contra incêndios e insetos. Muito bem pensado!
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Engenhoso, o desenho da planta do prédio aproveita a luz natural que entra por claraboias nos armazéns. E como existe um vão central, três andares são iluminados. Mas não é só nos armazéns que claraboias embelezam o teto: existe uma também na sala de obras raras e outra no vão central, todas com vitrais coloridos em estilo Art Noveau, com desenhos de flores.
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Um detalhe nem sempre percebido por quem visita o prédio da biblioteca são as doze esculturas em gesso de figuras femininas, as cariátides, que parecem estar sustentando a claraboia do saguão. Vocês já ouviram falar de Atlas, o titã que foi forçado a segurar o céu nos ombros pela eternidade? As cariátides lembram esse titã: a cabeça delas está inclinada para a frente, para dar a impressão de que fazem força ao ampararem a estrutura, e os braços estão levantados para dar mais apoio.
Como me encantam as invenções do homem! Em uma feira nos Estados Unidos, encontrei Graham Bell e sua nova invenção: o telefone. Deixe-me lembrar, isso foi em... sim, em 1876. Ele me pediu para dizer algo no aparelho, e eu brinquei com a célebre frase de Shakespeare To be or not to be (“Ser ou não ser”). Fiquei entusiasmado – aquele aparelho, de fato, funcionava – e prometi que, quando a invenção fosse posta à venda, o Brasil seria seu primeiro freguês. Foi assim que, pouco tempo depois, já havia um aparelho instalado na minha residência, na Quinta da Boa Vista, e eu podia falar com os ministros.
Soube que na inauguração da biblioteca havia elevadores para transporte de livros feitos com tubos pneumáticos, um sistema que utiliza cilindros de ar pressurizado. Com esses elevadores, os livros podiam ser enviados rapidamente dos andares superiores até os salões dedicados a leitura. Pneumático vem do francês pneumatique, que significa cheio de ar, derivando-se do grego pneuma, que é ar, vento, sopro. E lá vai um livro. Zumpt! 15
Vim proseando com vocês tão distraído que nem senti os joelhos ao descer as escadas. Segundo andar, cá estamos na sala que guarda desenhos, gravuras, caricaturas, fotografias, cartazes e até cartões-postais. Os móveis daqui são os originais que estavam na inauguração do prédio, em 1910, todos em aço – estantes e mesas. Mas que pesadas essas cadeiras de um único pé! Melhor para minha coluna que eu nem tente empurrar uma dessas.
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Nesse setor estão guardadas coleções de gravuras da mais alta importância. Tem uma linda, chamada “O pequeno cavalo”, de 1505, de Albrecht Dürer, um artista do Renascimento alemão. E olhem eu aqui, quando fui aclamado imperador do Brasil, aos 5 anos de idade, em uma gravura do Debret. Aclamado, mas não coroado. O que quer dizer isso? Simples, como não era possível uma criança tão jovem governar um império, só fui coroado aos 15 anos e, mesmo assim, porque anteciparam minha maioridade. Vendo os desenhos da fauna, da flora e das comunidades indígenas da expedição do naturalista Alexandre Rodrigues, no século 18, me lembrei dos meus trajes de majestade quando subi ao trono. Na cabeça, a coroa; sobre os ombros, o manto de veludo verde com ramos de café e tabaco bordados – símbolos da terra – e, no peito, uma gola em tom amarelo-fogo com penas de papo-de-tucano, que lembrava um cocar. Como mudei de figurino, não é?
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Aqui na biblioteca estão guardados os registros de Marc Ferrez dos primeiros anos da Avenida Central, quando o meio de transporte eram os coches e os homens não saíam às ruas sem chapéus. Sabem onde fica essa avenida? Não? Pois passa exatamente em frente a este prédio, agora rebatizada como Avenida Rio Branco. Eu a estou conhecendo apenas hoje, pois foi construída durante a República.
Ah, a fotografia – posso dizer que foi amor à primeira vista! Quando eu tinha 14 anos, um abade francês me apresentou o daguerreótipo, o pioneiro equipamento fotográfico fabricado, e logo depois comprei o meu. Tirei fotos, posei para muitas e reuni uma coleção de 25 mil fotografias que doei para cá (acho que já contei isso a vocês). Tenho orgulho de ter sido um grande incentivador do desenvolvimento da fotografia no Brasil.
Interessante essa panorâmica, assinada pelo senhor Antonio Caetano da Costa Ribeiro, conhecido editor de cartões-postais do Rio de Janeiro. É a Avenida Central, por volta de 1910. De um lado, estão as casas coloniais e, do outro, os imponentes prédios do início do século 20. Cá estão a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal e o Palácio Monroe – este infelizmente não poderei mais visitar porque foi posto abaixo.
Gostava de ser retratado. Joaquim Insley Pacheco, que tinha um estúdio na Rua do Ouvidor, fez um ótimo retrato meu, com muitas plantas ao fundo, criando um cenário bastante tropical. É também do senhor Pacheco o famoso retrato do escritor Machado de Assis que aparece em muitos livros. Soube que esse retrato foi “embranquecido”, como se um escritor dessa categoria não pudesse ser negro. Ora, vejam só! Mas a foto que está na biblioteca é a original e não foi alterada.
Biblioteca Nacional
Hoje foi um dia agitado para um velho imperador, acho que está na hora de voltar para a fotografia de onde saí, no deserto do Egito, quando fui visitar os faraós. Das minhas expedições, trouxe um sarcófago de madeira colorido com a múmia de uma cantora-sacerdotisa, chamada Sha-amun-em-su, presente do soberano egípcio. Guardava o sarcófago no meu gabinete, no palácio imperial da Quinta da Boa Vista, e nunca deixei que o abrissem, para que a múmia permanecesse intacta. A múmia era um dos meus xodós, e sei que contam por aí que eu tinha o hábito de conversar com ela, o que é a mais pura verdade. Dizem que durante todo o meu reinado só uma coisa não fiz: a barba. Ah, esses jornalistas me saem com cada uma! Adeus, até mais.
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Biblioteca Pública do Amazonas Vinha andando pela rua distraída e quase fui atropelada por um trem elétrico. Manaus de 1900 já não é aquele pequeno vilarejo de casinhas simples, uma ou outra venda e ruas estreitas, entrecortadas por igarapés. Por todo lado são automóveis, carruagens e trens elétricos. Quem diria que nossa cidade, na província do Amazonas, iria virar uma Paris no meio da floresta! Ulalá! Paris tropical, isso mesmo. Agora que nessas bandas o dinheiro corre como o rio, a mania é copiar o que se vê na Europa: avenidas largas, calçadas com granito e pedras de lioz importadas de Portugal, belas fontes, monumentos e palacetes. Já temos até iluminação elétrica no centro da cidade! E não é só na arquitetura, na moda também. E disso eu entendo, sou aprendiz de modista do ateliê de costura Adolfina & Cia, sucessor da famosa Madame Marie. Costuramos roupas para senhoras e senhoritas e, na nossa vitrine, só se veem modelos como os de Londres e Paris, mesmo no calor amazônico, por isso carrego meu leque para onde vou. Madame Adolfina também vende “calças de dentro para mulher”, luvas, meias e chapéus. Aliás, estou de olho em um chapéu de cetim com pena de faisão que é a última novidade do momento.
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E como de uma hora para outra houve tanta fartura?
A fortuna da cidade veio por causa da “árvore que chora”, caoutchouc, como os índios a chamam. Faz muito tempo que os índios usam a seiva branca que escorre do tronco da árvore para moldar coisas. Os primeiros colonizadores que vieram para cá viram os índios jogando com bolas que quicavam. Um historiador escreveu que as bolas pulavam como se tivessem um coelho dentro delas. Os portugueses batizaram a árvore que chora de seringueira. Os índios fabricavam potes moles que, quando apertados, espirravam a água que tinham dentro, como uma seringa. Deviam ter deixado o nome indígena, tão mais bonito... Porém, custou para que o mundo descobrisse como podia ser útil o leite da seringueira. Não eram as bolinhas saltitantes ou os cubinhos de borracha que, por acaso, um dia se viu que podiam ser usados para apagar o que se escrevia a lápis que trariam a prosperidade para cá. Foi só em 1839, quando um americano misturou borracha e enxofre num fogão e a mistura ficou plástica, elástica e – sobretudo – muito resistente, que a borracha deixou de ser uma curiosidade e se tornou um produto muito importante para a indústria.
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O dinheiro era tanto, na mão de poucos (como sempre), que as esposas dos barões da borracha enviavam suas roupas brancas para serem lavadas em Portugal, o que não era nada prático, convenhamos.
Nas revistas e nos jornais americanos, lia-se: “A borracha chegou aos Estados Unidos, todos querem um par de sapatos de borracha”. E onde existia a borracha? Só no Brasil, ou melhor, na Amazônia. Foi assim que Manaus começou a crescer e os usos da borracha se multiplicaram. De repente aquela pequena vila agora tinha 50 mil habitantes, 300 telefones e quilômetros de linhas férreas percorridas por bondes. — Alô? Já estamos no século 20? — Não, mas estamos quase chegando lá. E era apenas o começo dessa história. Em 1888, um irlandês inventou os pneus infláveis de borracha para que o filho pudesse ganhar uma corrida de triciclo. Depois os automóveis começaram a ser muito populares, e eles precisavam de quê? De pneus!
A riqueza atraiu gente de tudo que é canto do mundo em busca de oportunidades: ingleses, alemães, libaneses, marroquinos, americanos e tantos outros. Falava-se de um novo Eldorado. Para quem não está acostumado com o calor e a umidade daqui, tenho uma dica. No jornal A Província do Amazonas, está sendo anunciado o último grito do momento: um aparelho preso ao teto com pás que movem o ar e promovem um agradável frescor. — Belíssima invenção! – comentou o gerente do Grande Hotel Manaus, o maior hotel da região, com cento e cinquenta aposentos confortáveis. – Ameniza o calor e ainda espanta os insetos. Um visitante estrangeiro me disse: — Manaus, assim no aspecto como em seus hábitos, é uma cidade que parece muito europeia. Na minha opinião está entre as três mais belas e movimentadas cidades do Brasil e é onde há mais progresso! Não fica nada a dever ao Rio de Janeiro e a São Paulo.
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Em Manaus já havia o suntuoso Theatro Amazonas para ópera e grandes espetáculos, além de alguns pequenos teatros. Os grandes hotéis ofereciam concertos noturnos e, nos clubes, praticavam-se esportes. Já havia uma biblioteca, mas era tão acanhadinha! Os livros tinham saído de uma sala de leitura na Igreja Nossa Senhora da Conceição para um colégio e, depois, para uma saleta de repartição pública. Nessas andanças de um canto a outro, muitos livros foram perdidos ou estavam maltratados, e a biblioteca merecia uma casa própria, com uma boa coleção de livros. Sou freguesa da Livraria Palácio Real, onde “o mais exigente freguês é perfeitamente servido”. Lá eles recebem as principais novidades literárias do Rio de Janeiro e também aceitam encomendas de livros da Europa ou da América. Mas uma biblioteca, e ainda bem recheada de livros, seria um sonho que me pouparia muitos tostões. Escolheu-se o Bairro dos Remédios como endereço para o prédio que seria erguido. No tempo do Império, só era possível chegar até lá depois de atravessar três cursos d'água, e agora a cidade crescia para esses lados. O prédio foi inaugurado às pressas no apagar das luzes do ano de 1907, um pouquinho antes de o governador renunciar ao cargo.
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Mas, ora vejam, não tinha um livro nas estantes. Corrigindo, nem havia estantes. Mesmo assim, 1907 é a data que aparece na fachada do prédio. Depois, o diretor de obras públicas viria a declarar: — Não fizeram soleiras nas portas de entrada, como pode? Na temporada de chuvas fortes de Manaus, o risco de infiltração é grande. Pois papel e água são duas coisas que não combinam. Era tanto o que consertar e providenciar, que a biblioteca só ficou pronta para receber os livros em 1910. O primeiro romance que peguei emprestado foi “Helena”, de Machado de Assis. Achei o final tão triste que precisei enxugar as lágrimas que verteram dos meus olhos no meu lencinho de cambraia.
Agora Manaus tinha uma biblioteca instalada em um prédio magnífico. E como era ele? Construído em arquitetura eclética, que combinava elementos de vários estilos do passado europeu, como o Neoclássico. O novo clássico. É chique construir casas buscando inspiração na Antiguidade Clássica, na glória que foi a Grécia e na grandeza que foi Roma. Por isso se veem tantas colunas gregas por aí.
Na biblioteca, o pé-direito, que é como os arquitetos chamam a altura do chão ao teto, é duplo. Isso quer dizer o dobro da altura das salas de uma casa, o que dá aos espaços do prédio um ar imponente, majestoso. A gente entra, e o hall já impõe respeito. Nesse hall existe uma deslumbrante escada de ferro importada, vejam só, da Escócia! Essa veio de longe! A escada foi fabricada por Walter MacFarlane & Company, uma empresa muito famosa em toda a Europa. Eles faziam projetos que pareciam joias, de tão cuidadosos e requintados que eram nos detalhes.
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Olhando do segundo andar, a escada se divide em duas como se, de repente, quisesse abraçar o espaço. A escada tem o estilo decorativo Art Noveau, com formas ondulantes. O guarda-corpo, que serve para proteger e não deixar ninguém cair, é formado por desenhos que parecem uma renda de folhagens de ferro que se entrelaçam. Na base da escada há quatro postes de luz com luminárias em formato de flores. Para combinar com a escada, as oito colunas que sustentam a estrutura, embora inspiradas nas gregas, são de ferro em vez de mármore.
O piso do andar térreo é feito de ladrilho hidráulico. Esse material também é chamado de mosaico hidráulico, de tão bonitos que são os desenhos que ele forma. O chão do hall parece um tapete com mandalas de flores em preto, branco e cinza. Mas vamos ser curiosos e subir a escada, que tem proteção nos degraus para as pessoas não escorregarem. Estão vendo? Em 1900 já tinham sido inventados os pisos antiderrapantes. Eu subo levantando um pouco a barra do vestido para não tropeçar, mas muito pouco, porque não deixamos nem os tornozelos à mostra. Como o prédio da biblioteca é muito grande, o segundo andar ficou reservado a uma repartição do governo. Uma claraboia com telhas de vidro, vinda da Inglaterra, deixa entrar luz natural pelo teto. Na parede está afixada uma enorme tela a óleo, “A Redempção do Amazonas”, de autoria do paraibano Aurélio de Figueiredo, que vem a ser irmão de outro pintor conhecido, Pedro Américo, autor da famosa tela “Independência ou Morte”. A pintura que está na biblioteca fala da abolição da escravatura negra no Amazonas.
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O piso desse andar também é de tirar o fôlego, todo em tábuas corridas de madeira-de-lei, em duas cores: amarelo-claro e marrom. E que madeiras são essas? Quando o Brasil era colônia de Portugal, as madeiras que só podiam ser derrubadas se a Coroa portuguesa autorizasse eram chamadas de madeiras-de-lei. A primeira árvore a ser classificada assim foi o paubrasil, para tentar impedir que fosse contrabandeada por navios espanhóis, franceses e ingleses que aportavam na costa do país. Hoje, nós já somos uma República, mas o nome ficou, e usamos para as madeiras duras, resistentes. Uma das madeiras do piso é a acapu. Os caboclos contam uma anedota que diz que, se um tronco de madeira cai, interrompendo a passagem de um jabuti, ele calmamente espera o tempo passar, o tronco apodrecer e depois sai andando. Vocês sabem, os jabutis não são os animais mais apressados deste mundo. Mas, se um tronco de acapu cai em seu caminho, o jabuti chora, porque sabe que pode passar a vida toda esperando que a madeira apodreça. A outra madeira do piso é o pau-amarelo, uma madeira dura, pesada e brilhante.
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Uma curiosidade são as paredes da biblioteca. Olhando de longe, elas parecem de mármore, mas chegando perto a gente vê que são pintadas. Isso não foi feito por economia; era fino, elegante em Paris e aqui. O faux marbre (olha aí o nome em francês, que significa “falso mármore”) era muito comum nos palácios e nas casas de pessoas endinheiradas, assim como entre gregos e romanos e também no Antigo Egito. São tantas as referências à Antiguidade, que me dá uma imensa vontade de estar lá, como se fosse possível pegar um vapor, como esses tantos que saem do porto de Manaus, e embarcar na História. Mas não se pode voltar no tempo nem viajar para o futuro. É uma pena, porque se ao menos eu pudesse avisar a todos sobre o que vai acontecer aqui, eu evitaria uma tragédia, como a que se deu no céu de Alexandria, no Egito de Cleópatra, quando a maior biblioteca da Antiguidade pegou fogo.
O céu de Manaus também vai se cobrir de grossos rolos de fumo na noite de 22 de agosto de 1945. Os serviços prestados pela biblioteca vêm crescendo largamente. O diretor Genesino Braga, muito ativo, divulga a biblioteca em fábricas, escolas e hospitais. A sala infantil acaba de ser criada e os pequenos leitores adoram a coleção “Tesouro da Juventude".
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Biblioteca Pública do Amazonas
Mas, de forma inesperada, na madrugada, quando todos dormem, silenciosamente a catástrofe tem início. Imagina-se que tenha sido uma descarga no velho quadro de eletricidade que fica no andar superior do edifício. É uma noite tempestuosa, com toda intensidade de águas, faíscas e trovões que caracterizam as chuvas de agosto no Amazonas. O fogo pode progredir à vontade no salão totalmente fechado, só vindo a se fazer denunciar já quase de manhã, quando o assoalho de madeira rui em labaredas crepitantes sobre o salão da biblioteca, no piso inferior. Só então os sinais de fogo surgem na fachada do prédio, chamando a atenção quando o incêndio já está em proporção agigantada. Imagino os homens correndo pelas ruas de pijamas e as mulheres de touca na janela (será que vai se usar touca de dormir no futuro?). Fogo, fogo! Acudam! De pouco adiantam os pedidos de socorro, porque o telhado, o assoalho do segundo piso e até o porão e as paredes de esquina romperam, devorados pelas chamas.
valor incalculável, que foram consumidos pelo fogo ou estragados pela água despejada no prédio na tentativa de apagar o incêndio. Toda a biblioteca será destruída e a ala direita do majestoso edifício virá ao chão. Vão escapar apenas sessenta livros, que estavam emprestados para uma exposição. Um deles será um missal, um livro que contém as preces para as missas, manuscrito em pergaminho, obra que se imagina ter sido copiada por monges de um mosteiro de uma colina próxima a Roma. Os monges copiavam um a um os livros, em uma época em que não existia impressão. Esse livro tem lindas iluminuras, que são desenhos coloridos à mão. Naquela manhã úmida de agosto de 1945, Manaus será novamente uma cidade sem biblioteca.
Obras preciosas e boa parte da coleção de jornais antigos, que foram reunidos em dezenas de anos de trabalho de muitos pesquisadores, serão reduzidos a cinzas. A biblioteca vai perder, nessa noite, perto de 45 mil volumes, além de obras de arte de
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É assim que acaba essa história? Seria muito triste, não é?
É isso que os manauaras vão achar, e logo muitos se mobilizarão para a reconstrução da biblioteca. Acervos particulares serão doados. Os estudantes da Faculdade de Direito e do Colégio Estadual sairão pelas ruas, de porta em porta, pedindo livros. Pessoas de todas as idades nos lares amazonenses vão buscar velhos livros, guardados com carinho, e também livros da época de escola para entregá-los à nova biblioteca. 30
As bibliotecas brasileiras, da Biblioteca Nacional às mais modestas, vão ajudar enviando livros que têm em duplicata. A Biblioteca do Congresso Norte-Americano e as bibliotecas de Portugal, Londres, França, Bélgica, Rússia, Uruguai, Peru, Colômbia, El Salvador, México e Argentina também vão nos ajudar. E em 21 de novembro de 1947, a Biblioteca Pública do Amazonas estará novinha em folha e vai continuar com suas portas abertas para todos até o século 21. Quiçá, muito mais que isso!
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Biblioteca
Mário de Andrade Na Rua Aurora eu nasci Na aurora de minha vida E numa aurora cresci Esse sou eu, Mário de Andrade, muito prazer. Gostaram da minha roupa? Visto terno, mas com uma gravata amarela, um pouco extravagante para minha época, chapéu de aba meio larga enterrado na cabeça, e os sapatos encomendei na Sapataria Guarani. Foram feitos especialmente para mim, ajustados confortavelmente aos meus pés. Os pisantes são sempre no modelo furadinho e de bico afinado! Elegantes, não? Nasci no número 320 da Rua Aurora, no Centro de São Paulo, em 1893. Faz tempo, bota tempo nisso. Cheguei a este mundo no final do século 19. Vocês devem estar pensando que sou antiquado. Pois não se enganem, serei muito moderno, vocês vão ver.
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Cresci achando que ia ser pianista, porém não foi o que o destino quis. Tocava piano desde cedo e era muito bom nisso, posso garantir, até que tive uma grande tristeza: meu irmão mais novo sofreu um acidente jogando futebol e morreu. O choque da notícia deixou minhas mãos trêmulas. Se nunca mais toquei tão bem, aconteceu, mas fui um bom professor de piano e me tornei escritor. Não briguei com o futebol, porque a bola rolando no estádio era uma das minhas paixões, e acho que meu irmão ia gostar que fosse assim. Nos meus livros, volta e meia o futebol aparece. Tenho orgulho de um xará bom de bola, que eu chamava de meu xará maravilhoso, o jogador Mário Andrada, meia-direita do grande time do Paulistano dos anos 1910 e 20. Eu era tão fã dele que tinha um amigo que me mandava cartas onde vinha escrito no envelope: ao “Mário de Andrade (o que não joga futebol)”. Nomes... No primeiro livro de poemas que publiquei, preferi esconder meu nome verdadeiro e usei o pseudônimo Mário Sobral. Muitos escritores decidem inventar outros nomes ou apelidos para que ninguém conheça sua identidade, mas o meu nem estava tão escondido assim, não é? 34
Em uma reunião de escritores, conheci Oswald de Andrade – olha aí: dois Andrades – e logo nos tornamos amigos inseparáveis. Em seguida, formaríamos um quinteto fantástico com duas pintoras, Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, além do poeta Menotti Del Picchia. Era o Grupo dos Cinco.
Participamos do Movimento Modernista, criamos uma nova forma de fazer arte. Antes, a forma “certa” de pintar, escrever e fazer música era uma cópia do que se fazia na velha Europa. Tudo bem se inspirar nos artistas europeus, mas por que não pintar com as cores vibrantes da luz brasileira, como o amarelo vivo, retratar nossa gente e, no lugar de deuses gregos, ter personagens do nosso folclore? Foi isso que nosso Grupo dos Cinco e outros artistas defendemos. Índios, negros, trem caipira, era isso que devia ser o tema da nossa arte.
Biblioteca Mário de Andrade
Amei os livros e vivi cercado por eles. Em casa, mandei construir estantes sólidas de imbuia, uma madeira durável e firme. Minha biblioteca era tão grande que tomava sete cômodos – salas e quartos –, mas não pensem que sou bagunceiro (ah, isso não!), tudo era muito organizado. Cada livro tinha uma etiqueta com quatro informações, olhem como era: a letra maiúscula indicava a sala; o algarismo romano, a estante; a letra minúscula, a prateleira; e o outro número, a posição do livro na prateleira. Nunca gostei de emprestar meus livros, reconheço que fui bem ciumento, ou melhor, precavido. No vidro de uma estante, pendurei uma plaquinha: “Não empresto livro. A casa é sua. Venha ler aqui”. Um dia, fui convidado para ser diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Opa, claro que topei! Era a grande chance de fazer coisas com minhas pesquisas sobre cultura e folclore. Trabalhei bastante! Criei a Discoteca Pública (era como uma biblioteca, mas só para música), a Orquestra Sinfônica, o Coral Paulistano, os parques infantis e muito mais.
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Uma de minhas invenções foi adaptar um ônibus para que ele virasse uma biblioteca. Aposto que vocês estão pensando que isso não é nada de mais, porque, nos dias de hoje, tem food truck até de tapioca, mas na época era uma ideia bem original, eu garanto. Fui a uma fábrica de carros e pedi que desenhassem uma biblioteca sobre quatro rodas. Foi assim que nasceu a Biblioteca Circulante, e lá iam os livros atrás de seus leitores, nos parques e nas praças: Jardim da Luz, Trianon, Parque D. Pedro II e Praça da República, uma semana em cada lugar. Mas uma coisa que nunca imaginei é que um dia ia existir uma biblioteca enorme batizada com meu nome bem no Centro de São Paulo, onde vivi a vida toda.
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Biblioteca Mário de Andrade
Sabiam que o primeiro jornal feito em São Paulo com imagens foi “O Diabo Coxo”? Adorei esse título! Tem um exemplar dele na hemeroteca da Mário de Andrade. Hemeroteca? Nunca ouviu essa palavra? Vem do grego, heméra, que significa dia, e théke, coleção. É a coleção de jornais, ora, a biblioteca de periódicos. A Biblioteca Mário de Andrade nasceu Biblioteca Municipal de São Paulo em um espaço da Prefeitura, mas, quando a coleção de livros cresceu muito, foi preciso construir um edifício só para ela. E como ele seria? O arquiteto contratado foi o francês Jacques Pilon, que morava no Brasil. Ele desenhou dois prédios juntos.
Biblioteca Mário de Andrade! Que honra! Se eu pudesse, sem dúvida, gostaria de ler livros lá. Hoje, eu teria 120 anos, mas quem sabe, com bons óculos, iria de manhã cedo e aproveitaria a Sala de Atualidades, onde tem mesas grandes inclinadas, próprias para abrirmos as folhas dos jornais.
O primeiro prédio é mais horizontal, com uma entrada que deixa a gente ficar parecendo uma formiguinha ao lado das colunas enooormes, que medem dez metros e meio. Se alguém quiser olhar o teto dessa entrada, quase torce o pescoço porque a distância entre o chão e o teto é muito grande. Acho que o arquiteto projetou assim para parecer que estamos entrando em um palácio ou em um templo. E é isso mesmo: uma biblioteca é o palácio dos livros.
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O segundo prédio é uma torre de vinte e dois andares e foi um dos primeiros “arranha-céus” da cidade, nos anos 1930, quando São Paulo estava começando a crescer “para cima”. É a torre dos livros. Estão vendo que são muitos livros, né? Conta um funcionário muito antigo da biblioteca que, um dia, um diretor chegou para ele e disse: — Olha, o senhor vai ficar com a incumbência de fechar todos os vidros e apagar todas as luzes. — De todos os andares? – ele quis saber. — Sim, de todos! Aí todos os dias ele subia de elevador até o 21º, depois subia até o 22º pela escada e ia descendo, fechando as janelas e apagando as luzes. Ele comentou que o pessoal falava: — O senhor não tem medo? — Não, vou ter medo de quê? – ele respondia – Tenho medo dos vivos. Morto não faz mal a ninguém, não. Hoje as janelas ficam trancadas, ficou mais fácil. Bem, vamos descer da torre e voltar para o primeiro andar do prédio principal, onde entramos na Mapoteca. 38
Que delícia, atlas geográficos e 7 mil mapas! Eu gosto de pesquisar, mas acho que não nasci para viajar. Mesmo assim, quando dei por mim, um dia estava embarcando para uma aventura no rio Amazonas. Sabem o que levei? Uma bengala enorme, de cana-da-índia, ora que tolice! Deve ter sido algum receio vago de índios, jacarés e formigões. Depois me tomei de amores pelo Brasil, principalmente pelo Nordeste, e o jeito foi escrever um livro ao qual dei o título de “O Turista Aprendiz”. Olhando os mapas, penso no que escrevi: “A foz do Amazonas só é grandiosa no mapa; vendo, tudo é tamanho que não se pode ver”.
Biblioteca Mário de Andrade
Seguimos e chegamos ao setor que empresta livros para as pessoas levarem para casa e tem o mesmo nome dos ônibus-bibliotecas que criei: a Circulante. Tenho vontade de chamar de minha filhota! Na Circulante, tem uma seção só de livros sobre São Paulo. Tem livros de história, de geografia, sobre as ruas, os bairros e até livros dos times de futebol da capital. Ah, minha Pauliceia Desvairada! Não sei se vocês sabem, mas esse é o título de um livro meu de poemas no qual falo de uma cidade que está sempre se transformando e crescendo.
Gente, como essa São Paulo cresce! Acho que a cidade dita o ritmo da poesia; foi assim no meu caso. Como esse prédio tem quase 80 anos, precisou passar por uma reforma um tempo atrás para continuar “bem na fita”. A Circulante ganhou uma estrutura metálica capaz de suportar o peso de tantos livros. Ficaram bem bonitas a estante e a escada de metal ao lado dos móveis antigos de madeira. Foram instaladas luzes especiais para leitura, o que é bem importante para não cansar nossas vistas. E também foi criada uma
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passagem de vidro do lado de fora do prédio para chegar até a Circulante sem precisar andar entre as mesas de leitura, como era antigamente. Muita movimentação perto de quem está lendo atrapalha, concordam? Na calçada em frente à biblioteca, a artista Regina Silveira escreveu em várias línguas a palavra biblioteca com mais de 2 milhões de placas de porcelanato. Sabe o que parece olhando de cima? Um enorme bordado em ponto-de-cruz. Tem até uma agulha desenhada na calçada. A obra se chama “Paraler”. Tem gente que diz que a sobremesa vem por último porque é a melhor parte. Eu concordo porque amo doces. Quando havia um aniversário na minha família, a preparação dos doces começava na véspera. A especialidade da minha mãe era o bom-bocado de queijo, e meu doce predileto era um com amêndoas. Pois então, deixei para o final os tesouros desta biblioteca. Tã-tã-tããã... o setor de obras raras ou especiais. São livros, documentos, fotos, desenhos e cartões-postais. Muita coisa para descobrir.
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Ficaram curiosos? Olha que sorte, duzentos livros raros e 4 mil imagens já foram digitalizados e podem ser vistos no site da biblioteca pelo link Tesouros da Cidade. Olhem só a frase de uma carta escrita em 1809, que eu acabei de ler: “S. A. R. (sigla de Sua Alteza Real) está muito contente e satisfeito, e a Rainha Nossa Senhora, muito nutrida”. Divertido, não é?
Biblioteca Mário de Andrade
Os nove livros mais antigos são anteriores a 1500. Uau! Mas se alguns livros são anciãos, bem velhinhos, o público da biblioteca é bem jovem. E a biblioteca tem energia, vejam só, em 2017/2018 ela não dormia, ficava aberta 24 horas, recebendo os leitores de madrugada, e até hoje tem wi-fi gratuito. Pois bem, está na hora de pegar meu chapéu e dar adeus. Vou de peito estufado, todo prosa de emprestar meu nome à segunda maior biblioteca do Brasil.
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Real Gabinete Português de Leitura Uma casa portuguesa, com certeza, e cá estou para apresentá-la a vocês. Luís de Camões, a seu dispor. Podem entrar no Real Gabinete Português de Leitura. Não se acanhem, aqui não é o palácio do rei, nem a ele pertence, e bem sei que há muito não temos reis em Portugal. Venham, é uma biblioteca e não se cobra entrada.
Quem diria que viria eu ao Brasil para estar justamente rodeado de tantos livros lá da terrinha! Engraçado que, tendo viajado tanto em vida, não tenha vindo para o Brasil antes. Bem, coisas do destino, e o meu foi bem atribulado, minha biografia é uma aventura. Tudo o que dizem que vivi é verdade? Não confirmo nem nego, porque o que vale são as boas histórias, e a minha começa no reino de Portugal nos anos de 1520, quando nasci.
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Não vou fazer-vos perder tempo com estripulias de criança, pulemos direto para minha juventude. Aos 20 anos, já era poeta na Corte do rei Dom João III. Contam por aí que me apaixonei por D. Catarina, uma dama da rainha. Nos meus versos, deixei pistas, chamei minha amada de Natércia, nome incomum, que combina certinho as letras embaralhadas do nome Catarina. Chama-se a isso anagrama.
Era jovem, amava e escrevia sonetos.
E saibam que as damas da Corte apreciavam deveras minhas rimas. Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer; É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que ganha em se perder.
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Real Gabinete Português de Leitura
O amor fala aos seus corações? Eu torço para que sim. Bem, sigamos. Ao passear pelo Real Gabinete Português, vocês verão retratos e esculturas minhas. Notam alguma coisa? Pois bem, combatendo contra os mouros, na África, perdi o olho direito. Acham que não combina ser eu um poeta e um soldado? Estão muito enganados, eu manejava bem tanto as palavras quanto a espada. Era poeta, soldado, havia perdido um olho em batalha e depois terminei preso. Minha vida tem muitos capítulos e agruras. Sabem o que são agruras? Contrariedades, não posso dizer que tive uma existência tranquila, tampouco fácil. Fui preso porque feri um empregado do Paço em uma disputa. E ali estava eu um ano encarcerado. O que fiz? Pus-me a escrever. Foi assim que nasceu o primeiro canto da obra que me faria imortal: “Os Lusíadas”. Por mares nunca dantes navegados, lá ia eu. Ainda não podia saber que o poema viria a reunir 10 cantos, 1102 estrofes e 8816 versos. Estão a ver, estou cansado só de dizer esses números, podem imaginar o quanto não me custou escrevê-los.
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Quando ganhei a liberdade, embarquei para as Índias, como então se dizia. Estive em Goa, no Sul da Índia, e em Macau, na China, e nas duas cidades se fala português. Coincidência, coisa nenhuma, os reis de Portugal queriam pegar o mundo para si. E é disso que trato no meu poema. Nele celebro os feitos marítimos e guerreiros de Portugal. Homero havia contado, em versos, a heroica história do povo grego. Virgílio contara, em versos, a história da fundação de Roma. E agora eu exaltava, em versos, a glória das conquistas lusas, tendo Vasco da Gama como meu herói. E quase que todas essas glórias terminam no fundo do mar. Numa de minhas viagens, o navio naufragou. Estavam comigo os manuscritos de “Os Lusíadas”, e eu não tinha cópias. A custo, das águas, consegui me salvar a nado, levando comigo os originais. Não estava a dizer que tive uma vida aventuresca?
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À minha pátria, tardo 16 anos a voltar e, quando o faço, finalmente publico “Os Lusíadas”, em 1572. E então: fiquei famoso? Quem me dera! As glórias só me chegaram quando eu não as podia mais aproveitar. Mas temos sorte, aqui no Real Gabinete Português está guardado um exemplar dessa primeira edição que sobreviveu por 447 anos! O livro pertencia à Companhia de Jesus, os padres jesuítas que o trouxeram para o Brasil. A Biblioteca Nacional preserva também, com todo o carinho, na seção de livros raros, um irmão desse. Na folha de rosto, pode-se ler: Impressos em Lisboa, com licença da Santa Inquisição. Como podem ver, era necessária a autorização da Igreja para publicar um livro naquela época não só em Portugal, mas em todo o mundo católico. Sendo eu o grande homenageado nesta biblioteca, tenho certas regalias. Posso, por exemplo, me deliciar na seção de livros raros. E vejam o que encontrei: um dicionário da língua tupi, escrito à mão, pelo poeta Gonçalves Dias. É uma caixinha de madeira com folhas escritas de 1874! Coleciono palavras indígenas de que gosto, querem ver? Muriçoça, do tupi mbe’ru e soka, que significam “mosca” e “que quebra, que fura”. Jacaré, do tupi-guarani jaeça-caré, “o que olha de banda”. Pipoca, do tupi-guarani pira e poca, que juntos querem dizer “pele rebentada”.
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No salão central da biblioteca, as estantes vão quase até o teto, parece que são os livros que sustentam as paredes.
São 350 mil livros! Agora não cabem mais todos os exemplares neste prédio e foi preciso comprar a casa vizinha. São os portugueses conhecidos por serem grandes navegadores, e cá estou eu navegando nesse mar de livros. E ando me atualizando com as novidades publicadas lá do outro lado do Atlântico. Desde 1930, o governo português manda para cá uma cópia de cada livro lançado em Portugal.
Real Gabinete Português de Leitura
Mas não são só portugueses que habitam essa morada. No segundo andar, está a biblioteca que pertenceu ao escritor Paulo Barreto, tão carioca que assinava como João do Rio. Como gostava de perambular pela cidade, não é de se espantar que sua obra mais famosa seja “A alma encantadora das ruas”. D. Florência, sua mãe, doou os livros do filho ao Real Gabinete Português de Leitura e pediu apenas que ficassem juntinhos e que uma pequena placa revelasse aos leitores que ali estava a biblioteca de Paulo Barreto.
Foi assim que conheci José Saramago e António Lobo Antunes. Interessei-me por uma escritora; ora, no meu tempo só os homens escreviam, isso, sim, são novidades. E essa calhou de ter o nome da rainha: Inês. Inês Pedrosa, a escritora, e Inês de Castro, a rainha. A história de Inês de Castro, a rainha coroada depois de morta, conto eu em "Os Lusíadas", como já contaram tantos portugueses antes de mim. E essa nova Inês vou conhecendo aos poucos, conforme leio suas linhas.
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Se tantos portugueses se lançaram ao mar, dois aviadores lusitanos cruzaram os céus. “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas nele é que espelhou o céu.” Lembrei-me de Fernando Pessoa. Das águas do rio Tejo, em Lisboa, decolaram Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Muito apropriado para nós, portugueses, que trazemos no sangue a memória das navegações, sobrevoarmos o Atlântico em um hidroavião. E adivinhem onde os aviadores pousaram? Nas águas da Baía de Guanabara, assim como faziam as caravelas em outros tempos. Comemoramos o feito aqui no Real Gabinete Português de Leitura.
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Muito falamos em travessias, mas nada como um porto seguro. Nossa biblioteca nem sempre morou neste endereço, tampouco nasceu real. Em 1837, um grupo de imigrantes portugueses criou um gabinete de leitura. O primeiro domicílio foi um sobrado alugado na Rua São Pedro, que já não existe, pois foi posta abaixo para nela passar a Avenida Presidente Vargas. A segunda sede foi em um belo prédio de três pavimentos de fachada azulejada na Rua da Quitanda, que com o tempo ficou apertada para a coleção que só aumentava. Então a biblioteca se mudou para a Rua dos Beneditinos, onde haveria mais espaço para acomodar os livros e os jornais.
Finalmente em 1880, na data do meu terceiro centenário de morte, os sócios da biblioteca decidiram que era hora de construir um prédio para abrigar o acervo. (Ih, eu estou morto, mas não estou aqui falando com vocês? Como pode ser isso? Ora, deixem para lá e vamos seguir com a história.) Foi comprado um terreno na Rua da Lampadosa. Sabem onde fica? Exatamente aqui! A rua assim se chamava por conta da Capela de Nossa Senhora da Lampadosa, que fica pertinho, mas trocaram seu nome para Rua Luís de Camões em minha homenagem.
E quem desenhou esse palácio de livros e onde buscou inspiração?
Para contar a vocês a esse respeito, precisamos, pois, voltar no tempo. Estão a perceber que estou bem no presente, mas sou um homem do século 16 e, quando posso, dou uma fugidinha para o passado? Pois é isso mesmo. Já ouviram falar do rei que ascendeu ao trono português em 1495, D. Manuel I – “O Venturoso”? A alcunha, que é esse adjetivo que os reis ganhavam, já diz muita coisa. D. Manuel I, “O Venturoso”, era afortunado, a sorte lhe sorria, e como!
Real Gabinete Português de Leitura
Em seu reinado, Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo para as Índias, e Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. Com as riquezas alcançadas pela rota para as Índias, D. Manuel I se tornou o mais poderoso e rico rei de Portugal. Eu viria a nascer um pouco depois, na corte do rei D. João III, o sucessor de D. Manuel I, mas lembrem-se de que meu herói em "Os Lusíadas" é o navegador Vasco da Gama. Depois dessa rápida explicação, vocês estão preparados para conhecer a arquitetura manuelina. D. Manuel I, além de sortudo, era um rei esperto e já sabia que a propaganda era a alma do negócio, mas, como não haviam inventado ainda a TV e o rádio, o monarca divulgava suas conquistas em construções imponentes. No local de partida das naus para o descobrimento, às margens do rio Tejo, D. Manuel I ordenou que fosse erguida a Torre de Belém para proteção contra os inimigos. O rei encomendou também a construção do imenso Mosteiro dos Jerônimos, no regresso bem-sucedido de Vasco da Gama das Índias.
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O Mosteiro dos Jerônimos e a Torre de Belém têm muitas coisas parecidas com a fachada do Real Gabinete Português a começar pelas pedras: as daqui foram trazidas de navio de Portugal. À frente do prédio, não podiam faltar a esfera armilar e a cruz da Ordem de Cristo, símbolos do poder do monarca. Sabem o que é uma esfera armilar? Logo vi que esses leitores não eram marinheiros, senão haveriam de conhecer. A esfera armilar é um instrumento de astronomia sem o qual nós não navegávamos outrora.
Passaram-se quase 500 anos do meu nascimento e me encontro na porta do Real Gabinete de Leitura – onde não acho ruim estar porque posso acompanhar o movimento da rua – quando atravessa a minha frente um rapaz cantando um rock. Reconheço uma estrofe, será que ouvi bem? Sim, é uma estrofe que escrevi, misturada a um trecho da Bíblia e a versos de um compositor chamado Renato Russo, da Legião Urbana. Legião Urbana, seria ele também um soldado? Que nada.
Também estão cá a inspiração marítima, cordas entrelaçadas, naus e figuras históricas que ao mar se lançaram: Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Infante D. Henrique, que tinha a alcunha de “O Navegador”, e eu que vos conto esta história.
Ainda que eu falasse a língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria É só o amor, é só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal Não sente inveja ou se envaidece O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer E sabem o que mais? Se eu não estivesse aqui na fachada, esculpido em pedra, com meu calção bufante antiquado por cima desta meia-calça, nestas vestes tão fora de moda, eu teria descido deste pedestal e cantado junto.
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Biblioteca Pública do Estado
do Rio Grande do Sul Nada como dar uma voltinha e esticar as pernas! Durante o dia, preciso ficar imóvel no braço desta poltrona e me distraio ouvindo a conversa dos frequentadores da biblioteca que sentam neste lugar. Mas mal o porteiro passa a chave na tranca da porta, já posso passear pela casa. Estou aqui desde setembro de 1922, quando a biblioteca foi inaugurada durante as comemorações dos 100 anos da independência do Brasil. Minha poltrona é chique, como tudo ao redor, foi fabricada pela Casa Jamardo, uma oficina de móveis de luxo que contava com mais de cento e cinquenta marceneiros! Eu sou de bronze e, pelo que escutei por aí, fui importada da Europa, junto com minhas irmãs, especialmente para adornar este conjunto de poltronas e sofá.
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Moro na sala egípcia, que fica no segundo andar da biblioteca. Imaginem que, justamente no ano em que essa sala foi aberta ao público, um arqueólogo inglês encontrou no Egito a tumba do Faraó Tutancâmon, intacta e apinhada de tesouros! Eram mais de 5 mil peças guardadas junto com a múmia do faraó menino, como ficou conhecido Tutancâmon por ter sido coroado ainda criança. O achado arqueológico fez com que os símbolos egípcios voltassem à moda na arquitetura, em adornos (como colares e pulseiras) e até no cinema. Isso quer dizer que já cheguei num ambiente com estilo!
Estou na biblioteca há tantos anos que conheço todos os segredos, e não são poucos. Acima de mim, pairam no teto quatro grandes abutres coloridos que sobrevoam a sala egípcia. No alto da parede, estão escaravelhos azuis de asas abertas. A cor amarela com rajadas de vermelho e o azul mais escuro representam o sol, a noite e o ciclo da vida do escaravelho. O inseto macho empurra entre as patas uma bolinha feita de fezes, que é enterrada para que a fêmea coloque ali seus ovos. Tal qual o sol que ressurge das sombras da noite, os novos escaravelhos nascem da decomposição. Por isso o besouro é um inseto sagrado no antigo Egito, símbolo da imortalidade. Outro dia, sentou-se em minha poltrona uma leitora que usava um colar com um escaravelho azul de pingente. Talvez fosse um amuleto da sorte, um talismã. 56
Algumas figuras pintadas no prédio me assustavam quando eu não conhecia o significado delas, como duas serpentes em posição de ataque mostrando as presas afiadas, que ficam acima de um medalhão que tem a cabeça de um carneiro. O carneiro está usando um nemes. Sabem o que é um nemes? É aquele toucado listrado que os faraós levavam na cabeça. Então pensei que talvez fosse o desenho do deus Khnum, um homem com cabeça e chifres de carneiro, um dos mais antigos deuses do Egito, considerado um dos criadores do universo. Nesse caso, as serpentes estariam lá apenas para guardá-lo. Besteira minha ter tido receio. 57
Apesar de ser uma sala egípcia, nem toda a decoração é inspirada na terra das pirâmides. Na parede, atrás de onde ficava a mesa do diretor, dois medalhões pintados a óleo contam a história de uma paixão. O escritor Dante Alighieri olha para sua amada Beatriz; abaixo de seus retratos, estão versos da obra “A Divina Comédia”. — Eu sou Beatriz, que te faço andar. Venho de onde quero retornar. O amor me moveu e me faz falar. É isso que está escrito em italiano debaixo do meu medalhão. Boa noite, pequena menina do braço da cadeira. — Boa noite, Beatriz. Por que Dante está sempre a olhar para você enamorado? — Dante me conheceu quando eu era muito jovem, depois nos reencontramos apenas uma vez. Faleci muito cedo, mas ele fez de mim sua musa, e em seu poema épico “A Divina Comédia”, imaginou que eu voltava para guiá-lo ao céu. — O que é um poema épico? — É uma história em versos que apresenta um episódio heroico, como as aventuras dos heróis da mitologia. No livro, Dante é o autor e é também o personagem principal, que percorre um longo caminho que passa pelo inferno e pelo purgatório até chegar ao 58
paraíso. Nessa jornada, recebe a ajuda de outro poeta, Virgílio, que lhe serve de guia. Mas, quando Dante chega ao céu, quem passa a acompanhá-lo sou eu, sua musa inspiradora, símbolo do amor divino. Olhei com atenção para o medalhão e, por um momento, fiquei confusa. Acho que o pintor fundiu em uma imagem os dois poetas, Dante e Virgílio. As vestes são de Dante, mas o rosto é do outro poeta. Tive vontade de rir, imaginando Dante, que era narigudo, reclamando que esse nariz não lhe pertencia. Mas guardei para mim esse pensamento e contei do meu desejo de também inspirar um artista.
Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul
— De todo modo eu tenho sorte, fui desenhada carregando um livro. Por sua vez, as figuras de bronze que sustentam a mesa parecem estar fazendo muita força. — De fato, são homens que fazem um trabalho pesado. E os conheço, eles aparecem na “A Divina Comédia”. Estão no inferno, condenados a carregar pesos. Mostrei a minha amiga o pé de outra mesa, adornado por uma sereia. A escultura é tão caprichada que sinto as escamas ao passar a mão em sua cauda de peixe. Beatriz contou que nas histórias gregas, como na Odisseia de Ulisses e também no livro onde ela vive, o canto das sereias desvia os marinheiros de suas rotas. Bem, ninguém me desvia do meu caminho, pensei. Terminei de ler meu livro e hoje vou lá na estante trocar. Queria, como você, ser a musa de um — escritor. Seria uma musa grega. Não acha que esse meu vestido lembra as túnicas gregas drapeadas sobre o corpo? — Você é muito formosa, pequena menina do braço da cadeira. Algum jovem escritor que frequenta esta biblioteca ainda há de prestar atenção em você e ser capturado por esse seu olhar distante.
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Saí da sala pensando no inferno do poema de Dante, onde vivem figuras da mitologia como sereias, cão de três cabeças e centauros – meio homens, meio cavalos –, e me lembrei de que nesse andar, junto das obras raras, também existe um lugar chamado inferno, para onde eram enviados, antigamente, os livros tidos como malditos e que por isso ficavam separados das coleções que os leitores folheavam nas estantes. Um dia me perguntaram se eu tinha medo do inferno da nossa biblioteca. Que bobagem, eu respondi, por que eu teria medo de livros? Eu os amo. Muitas bibliotecas têm seu cantinho do inferno, eles foram criados pelos bibliotecários que queriam salvar os livros que outrora foram proibidos. Aliás, saibam vocês que a biblioteca do Vaticano também tem seu setor do inferno. E nem um santo escapou de ser mandado para o inferno da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Um livro de Santo Agostinho foi condenado, dá para acreditar? Era uma edição de “A cidade de Deus”, impressa em 1661. A igreja condenou não o santo, autor da obra, mas quem fez os comentários, as notas de rodapé. Os comentários foram riscados com uma tinta que tinha ferro em sua composição, que enferrujou e começou a
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perfurar as páginas com o passar dos séculos. Hoje é preciso ter todo o cuidado para folhear esse livro, porque ele pode esfarelar.
Passo com muita cautela pelas estantes de obras raras e livros guardados no inferno aqui da nossa biblioteca. A obra mais antiga, de 1519, é um poema escrito em latim que tem o título de Farsália. Adoraria manusear esses livros, mas precisaria de luvas pequenas que coubessem nas minhas mãos. Nem pensar em mexer em obras anciãs sem o devido cuidado.
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Agora os restauradores tentam raspar devagarinho, parede por parede, para redescobrirem os desenhos originais debaixo das muitas camadas de tinta.
Atravesso o salão mourisco, que é chamado assim porque suas pinturas têm desenhos e cores de influência moura. Os muçulmanos não podem representar na decoração o homem, por ser ele a imagem de Deus, nem os animais. Por isso, as mesquitas são decoradas com formas geométricas e folhas, flores e galhos, assim como nosso salão. As paredes da biblioteca eram todas ricamente pintadas, como o salão egípcio e a sala mourisca, mas em 1950 o pintor Ado Malagoli achou que a riqueza da pintura atrapalhava a leitura dos visitantes, tirando-lhes a concentração, e mandou cobrir todas as paredes com tinta azul. 61
Seguindo o corredor, entro na Sala das Estantes. Adoro passear pelas galerias metálicas repletas de livros. São três níveis, todos em chapas de aço que pesam seis toneladas. Móveis em madeira, como minha poltrona, são lindos, mas o aço é mais adequado contra cupins e brocas, que gostam de comer livros, e também mais seguro em caso de incêndio. Escolho um novo livro e desço para o primeiro andar, onde gosto de me aconchegar. Aproveito esse elevador elétrico que foi um dos primeiros instalados no estado do Rio Grande do Sul, uma novidade, tchê! Representava uma inovação tecnológica para a época, facilitava a circulação dos funcionários, leitores, livros e documentos. É todo em madeira, com
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ornamentos dourados, um luxo só! Mas quem não era muito fã de inovações podia subir ou descer pela escadaria metálica importada da fábrica alemã Joly, com parafusos em forma de flores e peitoril decorado, uma beleza!
O grande Salão de Leitura é onde passo minhas noites lendo. Antigamente o salão era dividido em três setores, e um deles era a Sala das Senhoras, que tinha uma decoração floral. Era nessa sala que as mulheres deveriam pesquisar e conversar a respeito de economia doméstica, educação dos filhos, preparo das filhas para o casamento, namoros, noivados, culinária, bordados, moda, enfim, “assuntos de mulheres”. Vejam lá se isto é possível, a sociedade achar que nós deveríamos nos interessar apenas por assuntos da casa.
E olhem a história: a escritora carioca Julia Lopes de Almeida fazia parte do grupo de intelectuais que planejou a criação da Academia Brasileira de Letras, mas, na hora de serem escolhidos os fundadores, os escritores optaram por manter a Academia exclusivamente masculina e, no lugar da escritora, incluíram o nome de seu marido. Vejam só! Ainda bem que os tempos são outros, e hoje a Sala das Senhoras e a Sala dos Homens, que ficavam no subsolo, não existem mais e a biblioteca tem uma mulher como diretora. Outra noite, quando estava sozinha no prédio, ela me viu de relance pegando um livro, mas não contou para ninguém. Então, mantenham segredo.
O mundo pertencia aos homens, mesmo o mundo das artes. Imaginem que mulheres talentosas se viam obrigadas a publicar seus livros com nomes masculinos. Uma das maiores escritoras francesas, Amandine Dupin, precisou assinar como George Sand para ser lida.
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Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia Madrugada, preciso me apressar. Às cinco horas é a primeira oração. Começamos a rezar sempre antes do nascer do sol, quando ainda é noite. Imagino nos tempos antigos os monges caminhando, à luz de velas, por esses corredores do claustro, até a igreja, onde todos se encontram para rezar. Há 430 anos, louvamos a Deus aqui no mosteiro – sem falhar um dia sequer! São cinco horários de preces diárias e somos muito precisos com nossos compromissos. Sou um monge beneditino; nós, beneditinos, somos conhecidos como monges negros por conta da cor do hábito, nossas vestes são pretas. Mas às vezes, em dias de comemorações, usamos capas brancas ou vermelhas. O mosteiro é como uma pequena cidade que funciona se orientando pelas regras de São Bento. Curioso pensar que, em pleno século 21, vivemos seguindo as normas propostas por um homem que nasceu no Império Romano, no século 5, há mais de 1.500 anos. Pois é, neste lugar, passado – ou melhor, tradição – e modernidade se misturam. Os monges têm celular, computador, e o mosteiro, uma ótima rede de internet. O sinal do wi-fi é uma beleza!
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Quando vim morar no mosteiro, passei a me chamar Tiago, como um dos apóstolos de Jesus. Tiago era conhecido como “o justo”, por conta de sua integridade e religiosidade. Agora sou o monge Tiago, e não mais o Ademir, como meus pais me batizaram ao nascer, em homenagem ao grande jogador nordestino Ademir Menezes, o Queixada. O apelido vinha do queixo avantajado. Ademir jogou muita bola no Vasco da Gama, era um grande centroavante e marcou nove gols na Copa do Mundo de 1950! E por que motivo recebemos um novo nome? Ora, para simbolizar que estamos começando uma nova vida. Os futuros monges podem dar três sugestões, e o Abade, que é a autoridade máxima do mosteiro, escolhe nosso nome nessa lista. É sempre um suspense. O nome Bento também não é o nome de batismo do santo, que foi assim chamado por ser ben(di)to pelos céus, abençoado por Deus. O Abade nos contou que a palavra em latim benedictus tem origem no nome hebraico Baruc, que vem do verbo bãrak, que quer dizer ajoelhar-se.
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Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia Eu estudei matemática e era professor, mas aos 30 anos deixei minha cidade de Cajazeiras, na Paraíba, para vir para o mosteiro, em Salvador. Ouvi o chamado de Deus. A palavra monge vem do grego monós, que significa um, não no sentido de sozinho, mas sim como uno, completo, sem divisão. Aqui eu me sinto inteiro. Ora et labora – “reza e trabalha” – é uma das nossas regras mais conhecidas. Nada de preguiça, nosso dia é longo: começa cedo e termina tarde. Eu e meus vinte e nove irmãos monges trabalhamos no colégio do mosteiro, no jardim, na lavanderia, na cozinha, organizando as cerimônias religiosas e em tantas outras tarefas. A regra 48 prega que a ociosidade é inimiga da alma e que os monges devem ocupar-se com o trabalho manual. Mas essa mesma regra também diz que devemos nos ocupar com a leitura. Então, desde sempre, rezamos, trabalhamos e lemos! Existe um provérbio que diz que mosteiro sem biblioteca é como quartel sem arsenal. Na Idade Média, poucos eram aqueles que conheciam as letras. Então, como faziam os monges analfabetos para respeitar a regra? A resposta é que não havia monges analfabetos, pelo menos não por muito tempo, porque aqueles que não sabiam ler eram alfabetizados ao entrar no mosteiro.
Os monges recebiam uma pequena tábua, tipo uma bandeja, com uma camada fina de cera e, no lugar de um lápis, um instrumento que tinha uma ponta fina. Era assim que treinavam a escrita. Para “apagar” era só refazer a camada de cera. Muito engenhoso! Quando o aluno já estava mais adiantado, passava à caligrafia no pergaminho, com a pena e a tinta. O papel ainda não era conhecido na Europa, era um segredo dos chineses, guardado a sete chaves. O pergaminho era feito com a pele de animais – cabra, carneiro, cordeiro ou ovelha – preparada para nela se escrever. Era um material caro e não podia ser desperdiçado. São Bento pregava a leitura de textos sagrados, mas logo outros livros passaram a formar as bibliotecas dos mosteiros. Cassiodoro, conselheiro do rei que governou a península italiana, criou a primeira biblioteca em um mosteiro, onde eram encontrados não apenas livros religiosos, mas também textos de autores gregos e romanos. Só que havia um grande problema: os livros eram raros na época e, então, Cassiodoro montou dentro do mosteiro um scriptorium!
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E o que era o scriptorium? Uma sala com muitas janelas onde monges estudavam e copiavam textos – por isso, eram chamados de monges copistas. As janelas possibilitavam a entrada de luz, nem pensar usar velas que podiam colocar em risco todo o trabalho! A imprensa só seria inventada quase mil anos depois, na Idade Moderna; logo, para ter mais de um exemplar de um livro em 500 d.C., era preciso copiá-lo. Todos os livros eram manuscritos, ou seja, escritos à mão. Copiar uma obra não era um trabalho fácil, tampouco rápido. Por isso, ao terminar o texto, alguns copistas registravam, além do título da obra e do nome do autor, algumas linhas pessoais, com um pedido para que o leitor orasse por eles. Mas havia aqueles que lançavam uma maldição contra quem ousasse furtar o livro que tinha sido tão custoso de ser copiado. E não pensem que a tarefa de copiar livros era exclusiva dos homens. São Bento teve uma irmã gêmea, Santa Escolástica, que ajudou a fundar a Ordem Beneditina Feminina. As monjas também vão aprender a ler e a escrever e, assim como os monges, serão responsáveis pela produção de livros.
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Uma coisa curiosa é que, devido ao alto custo dos pergaminhos, alguns conteúdos de menor interesse foram apagados para dar lugar a novos textos. E como se apagavam os pergaminhos? Raspando. Esse tipo de manuscrito foi chamado depois de palimpsesto, do grego “riscar de novo”. E nos dias de hoje, com técnicas sofisticadas de recuperação, é possível descobrir e ler alguns desses textos que foram apagados.
É... as bibliotecas guardam muitas surpresas e segredos.
O Mosteiro da Bahia foi o primeiro fundado pela Ordem dos Beneditinos das Américas. Nossa biblioteca tem 300 mil exemplares, que começaram a ser colecionados quando nove frades chegaram em Salvador, na Páscoa de 1582. Eles devem ter trazido a Bíblia e o missal – livro com as principais orações. Afinal, como celebrariam as missas sem esses livros? O livro das Regras de São Bento, com certeza, também veio na bagagem.
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Aqui preservamos 13 mil obras raras, entre elas a coleção dos Livros do Tombo. O nome desses livros é inspirado na Torre do Tombo de Portugal, também conhecida como a “casa de milhões de documentos”. Esse imenso arquivo português começou numa das torres do castelo de São Jorge, em Lisboa, e tinha papéis das propriedades do rei, de seus vassalos e da administração do reino. Tombar, nesse caso, não quer dizer cair ou derrubar, mas, sim, inscrever nos arquivos reais. Nos nossos Livros do Tombo, estão registrados terras, fazendas, casas, móveis, quadros e outras peças que foram compradas ou doadas para os monges da Bahia ao longo dos séculos. No Livro Velho do Tombo, que tem documentos desde 1552, aparece o casal Diogo Alvares e Catarina. Sabem quem são? Não? Talvez vocês os conheçam por outros nomes. Vamos ver!
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Por volta de 1508, Diogo, um marujo português, naufragou na costa da Bahia e foi resgatado pelos índios tupinambás, que o chamaram de Caramuru. Um poema escrito mais de 100 anos depois do acontecido conta que Diogo ganhou a alcunha de Caramuru por ter disparado uma arma de fogo e o som ter parecido aos nativos o do trovão. Mas hoje se sabe que Caramuru tem outro significado – é o nome indígena da moreia, um peixe que parece uma cobra – e que o português teria ganhado o apelido por ter sido encontrado meio afogado entre pedras e corais, onde esses peixes nadam. Eu achava a explicação do trovão mais impactante...
Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia
Sigo na história que, embora pareça uma aventura de cinema, é real. Caramuru se apaixonou por Paraguaçu, a filha de um líder tupinambá, e os dois embarcaram em um navio rumo à França, onde se casaram e ela ganhou o nome europeu de Catarina. Mais tarde, voltaram para as terras onde seria fundada a cidade de Salvador, tiveram filhos e viveram juntos para sempre. E por que estão os dois mencionados no Livro Velho do Tombo do mosteiro? Em testamento, Catarina Paraguaçu deixou para os monges beneditinos as terras que herdou. Também doou os objetos de prata que possuía em casa para que fossem derretidos e do metal fossem feitos um relicário para guardar coisas preciosas e um lampadário, no qual seriam colocadas velas para iluminar uma capela.
E tem mais um capítulo desse enredo: a lenda acerca da peça mais antiga do acervo do Mosteiro de São Bento da Bahia, a imagem de Nossa Senhora da Graça. Conta a história que Catarina Paraguaçu teve por várias noites o mesmo sonho: uma mulher muito branca lhe pedia ajuda e dizia estar no navio espanhol Madre de Deus, que afundara na costa. Acreditando no que tinha visto dormindo, Paraguaçu pede a Caramuru que vá resgatar a mulher do sonho e ele assim o faz. Caramuru vai à praia uma vez e nada encontra. Paraguaçu insiste, e o marido retorna uma segunda vez, quando então acha uma caixa e, dentro dela, está intacta a imagem de Nossa Senhora da Graça. Será esse capítulo lenda ou verdade? Quem sabe? O que posso dizer é que Paraguaçu está sepultada na Igreja da Nossa Senhora da Graça, a imagem está no altar e, no teto da igreja, estão pintadas a índia e a santa.
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Uma vez, os beneditinos tiveram muito medo de ter perdido a biblioteca. Em 1624, os holandeses invadiram Salvador com uma esquadra de vinte e seis navios, conseguiram tomar a cidade, e o mosteiro foi transformado em quartel militar. Os monges fugiram para o interior e levaram com eles apenas alguns livros que conseguiram carregar. Um ano depois, quando os holandeses foram expulsos pelos portugueses, os irmãos voltaram para casa e respiraram aliviados porque a biblioteca não havia sido destruída.
Quem são os monges que passaram por este lugar antes de mim?
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Os três andares do mosteiro abrigam cento e noventa e oito aposentos, que nós chamamos de celas. Algumas pessoas acham o nome estranho porque pensam nas celas das prisões, mas cela é só um diminutivo de quarto de dormir e, nos mosteiros e conventos, é o quarto de cada monge. São quase duzentas celas porque houve épocas em que viviam aqui muito mais monges do que hoje. E qual é a história deles? No mosteiro escrevemos um diário para não esquecermos dos irmãos que vieram antes de nós. Chamamos de irmãos, porque nós somos como uma família. Normalmente são os monges mais velhos, considerados sábios, que exercem essa tarefa. Todos os dias, na refeição da noite, enquanto todos jantam, um de nós lê essas histórias.
Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia No arquivo histórico, temos um diário chamado Dietário, que relata em alguns parágrafos a vida de cada monge que passou pelo Mosteiro de São Bento da Bahia, desde sua fundação. Um registro cronológico de mais de 430 anos! Tem uma história bem bonitinha de um monge que morreu velhinho. Padre Agostinho da Piedade achava-se já adiantado em anos e por isso um pouco confuso, mas fazia questão de cuidar da capela. Ele passava muitas horas diante da imagem da Virgem Maria com o bebê. Naquele tempo, muitas pessoas vinham à igreja solicitar graças. Mas havia quem não pudesse vir, e o padre Agostinho pegava o menino que a santa trazia em seus braços com todo cuidado e o emprestava a quem o pedia. Às vezes ele esquecia o que havia feito e, quando entrava na igreja e dava pela falta do menino nos braços da Virgem, começava a procurá-lo por todos os cantos um tanto nervoso. Não o encontrando, saía pelas vizinhanças com lágrimas nos olhos, perguntando a todos quem sabia onde estava o amado da sua alma. Quem o tinha levado logo o devolvia, e o padre corria a devolvê-lo à Nossa Senhora, no altar. E então, com amorosas palavras, repreendia o menino Jesus, dizendo que sua Mãe Santíssima tanto fizera para protegê-lo e que agora ele fugia todas as vezes que queria.
No Dietário aparecem histórias comuns e outras nem tanto. Há episódios curiosos, como o do monge que foi expulso por três vezes e por três vezes foi readmitido no mosteiro, e outros com toque fantasioso, como o de um monge corajoso que passa por um caminho mal-assombrado para chegar a uma capela. Tem também histórias de monges que foram surpreendidos pelos irmãos já mortos que voltavam para pedir uma oração. Mas a maioria dos relatos trata de vidas de pessoas simples, trabalhadoras e que eram obedientes à Regra de São Bento e aos ensinamentos de Deus.
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Um dos meus livros prediletos é um que chama atenção por sua encadernação luxuosa. É um exemplar de 1861 com os evangelhos que narram a vida de Jesus Cristo. Sua capa é forrada em veludo vermelho, cor atribuída a Jesus. No centro está bordado um cordeiro em fios de prata e, ao seu redor, há uvas, flores e folhas em ouro. No evangelho de João, ele fala de Jesus como o Cordeiro de Deus ou, em latim, Agnus Dei. Em cada um dos quatro cantos da capa, pequenos pedaços de porcelana formam em mosaicos as figuras que simbolizam os quatro santos evangelistas: São Marcos é o leão, São Lucas, o touro, São Mateus, o homem, e São João, a águia. Todos são alados. E ainda tem mais um rico detalhe, bordado em ouro e prata: o chapéu do Papa, formado por três coroas e pousado sobre uma pedra de lápis-lazúli. Antigamente era com essa pedra moída e misturada com fixador que se produzia a tinta a óleo azul. Devido ao alto custo, artistas do século 16 e 17 usavam o azul apenas para pintar os mantos de Maria e Jesus Cristo.
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Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia
Uma coleção de livros raros precisa de cuidados especiais, porque os livros infelizmente sofrem com o tempo. Alguns exemplares foram lidos muitas vezes, e o manuseio maltratou as páginas. Outros foram se deteriorando por conta da umidade, da poluição e da temperatura – tudo isso pode fazer mal ao papel. Até a tinta com a qual o livro foi escrito pode causar danos; a tinta ferrogálica é ácida e, depois de 100 anos, começa a queimar o papel, deixando a letra com aspecto de queimada. Tem também os livros que foram alvos de insetos, como cupins e traças. Nós, monges bibliotecários, morremos de medo das traças comedoras de livros. Tem uma danada conhecida como peixinho-de-prata, que Deus me livre! Além desses males, os livros ainda podem padecer com microrganismos, que são invisíveis a olho nu, como os fungos e as bactérias. Por esse motivo, em 1990, foi montado um laboratório de restauração para cuidar dos nossos livros anciãos.
No nosso laboratório, usamos tanto técnicas artesanais como tecnologias bem modernas. Uma vez, uma empresa veio ao mosteiro e realizou um procedimento chamado “desinfestação por atmosfera anóxia”. Pelo nome, parece coisa de ficção científica, não? Funciona assim: o livro é colocado dentro de uma bolha e o processo retira todo o oxigênio, exterminando as pragas por asfixia. Adeus, traças, cupins, fungos e bactérias! São muitas as etapas para restaurar um livro. Livros desmontados e documentos podem até passar por banhos. Tem um banho de água morna para retirar a sujeira e um banho para estabilizar o PH. Mas papel pode molhar? Sim, por quem conhece as técnicas de lavagem. Também possuímos uma secadora que suga a água muito rápido. Depois da lavagem, é preciso restaurar. Algumas folhas estão tão destruídas que parecem uma renda, e mesmo essas conseguimos tratar, refazendo o papel. É um trabalho muito delicado.
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Uma escritora de quem gosto muito, chamada Clarice Lispector, escreveu assim em seu último romance: “Eu tenho um problema. É o seguinte: quanto tempo duram as coisas? Se eu deixar uma folha de papel num quarto fechado, ela atinge a eternidade?” Para sempre é uma pergunta importante para um monge. Eu gostaria de pensar que os livros dos quais tomo conta vão estar aqui para sempre. Quem sabe, alguns já resistiram 400 anos. E agora muitos não estão mais apenas nas estantes, foram digitalizados e podem ser lidos também na internet. O que os monges copistas pensariam de livros na rede? Acho que eles iam gostar. Mas não sei se entenderiam se explicássemos que nossos documentos podem ser salvos em centrais de computadores on-line muito longe de nós, onde cabem arquivos de pessoas do mundo inteiro, centrais chamadas de nuvem.
Mas eu gosto de pensar que nossos livros ficam salvos na nuvem, mesmo que essa nuvem não seja o céu.
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FOTOGRAFIAS Biblioteca Nacional
Biblioteca Mário de Andrade
pág. 4 – Fachada, 1910, Marc Ferrez, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil
pág. 32 – Foto Aérea - Fachada, 2019, Gabriel Barrera, Museu da Imagem e do Som de São Paulo
pág. 7 – Saguão, 2019, Felipe Goifman
pág. 36 – Biblioteca Circulante, 1937, Benedito Junqueira Duarte, Acervo Fotográfico do Museu da Cidade de São Paulo
pág. 11 – Sala de Obras Raras, 2019, Felipe Goifman pág. 11 – Ex-líbris de Joaquim Nabuco, s.d., Alberto Lima, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 11 – Estudo Ex-líbris Biblioteca Nacional, 1903, Eliseu Visconti, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 12 – Ilha Fiscal, 1903, Antônio Caetano da Costa Ribeiro, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 13 – Armazém de Obras Gerais, s.d., fotógrafo desconhecido, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 14 – Claraboia, 2019, Felipe Goifman pág. 16 – Sala Aloísio Magalhães - Iconografia, 2019, Felipe Goifman pág. 18 – Bahia do Rio de Janeiro, Brasil: vista panorâmica, entre 1910 e 1915, Antônio Caetano da Costa Ribeiro, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 19 – D. Pedro II, D. Teresa Cristina Maria e comitiva junto às pirâmides, 1871, Sébah J. Pascal, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil Biblioteca Pública do Amazonas pág. 20 – Fachada, s.d., George Huebner, Acervo MISAM, Secretaria de Cultura do Amazonas pág. 25 – Escadas do Hall, 2019, Wesley Andrade pág. 26 – Perspectiva da Escada, 2019, Wesley Andrade pág. 27 – Segundo Andar, 2019, Wesley Andrade pág. 31 – Sala de Leitura, 1980, fotógrafo desconhecido, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro
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pág. 37 – Biblioteca Mário de Andrade, 2019, Letícia Godoy, Museu da Imagem e do Som de São Paulo pág. 39 – Seção Circulante, 2019, Letícia Godoy, Museu da Imagem e do Som de São Paulo pág. 41 – Estante da Coleção de Obras Raras e Especiais, 2019, Letícia Godoy, Museu da Imagem e do Som de São Paulo Real Gabinete Português de Leitura pág. 42 – Real Gabinete Português de Leitura, na rua Luís de Camões, c. 1887, Marc Ferrez, coleção Gilberto Ferrez, Acervo Instituto Moreira Salles pág. 45 – Retrato Camões, 2019, Felipe Goifman pág. 46 – Terceiro Andar, 2019, Felipe Goifman pág. 47 – Olhar sobre as Estantes, 2019, Felipe Goifman pág. 48 – Interior, 2019, Felipe Goifman pág. 50 – Entrada da Barra do Rio de Janeiro, Brasil: vista panorâmica (detalhe), entre 1910 e 1915, Antônio Caetano da Costa Ribeiro. Bahia do Rio de Janeiro, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 53 – Fachada, 2019, Felipe Goifman
Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul pág. 54 – Fachada c. 1922, Álbum Victor Silva, reprodução João Saidler, Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul pág. 56 – Entrada Salão Egípcio, 2019, João Saidler pág. 57 – Interna Salão Egípcio, c. 1922, Álbum Victor Silva, reprodução João Saidler, Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul pág. 58 – Representação de Beatriz, 2019, João Saidler pág. 59 – Representação de Dante, 2019, João Saidler pág. 60 – Sancti Aureli Augustini, De civitate Dei libri XXII, reprodução Vinícius Zavalis, Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil pág. 61 – Detalhe do teto, 2019, João Saidler pág. 61 – Escada e Detalhe Pintura Original, 2019, João Saidler pág. 62 – Elevador, 2019, João Saidler pág. 62 – Sala das Estantes, c. 1922, Álbum Victor Silva, reprodução João Saidler, Acervo da Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul Biblioteca do Mosteiro de São Bento da Bahia pág. 64 – Ladeira de São Bento, c.1930, fotógrafo desconhecido pág. 66 – Interior (claustro), 1939, Erich Hess, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro pág. 69 – Interior (biblioteca antiga), 1939, Erich Hess, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro pág. 71 – Encadernação em couro, 1939, Erich Hess, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro pág. 76 – Relógio de Caixa, s.d., Silvanísio Pinheiro, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro pág. 77 – Mobiliário, s.d., Silvanísio Pinheiro, Arquivo Central do IPHAN – Seção Rio de Janeiro
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