Ano XVII | no 2 | #54 Abril, Maio e Junho de 2014 Publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista
SBHCI em defesa da oferta de stents farmacológicos na rede pública Polímeros e stents bioabsorvíveis em debate
O que pensam os especialistas SBHCI – A /M /J 2014 – 1 sobre a denervação renal
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Palavra do presidente
Associado: o coração da SBHCI
C Hoje nossos olhares se voltam ao Congresso 2014. Queremos torná-lo um dos mais completos encontros científicos dos últimos tempos
2 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
aro colega, já ultrapassamos os primeiros seis meses à frente da Diretoria da nossa SBHCI. Estamos iniciando a atualização de nossas Diretrizes em Intervenção Coronariana Percutânea, progresso importante que acarretará uma série de benefícios para a prática diária e para os pacientes. Neste momento, nossos olhares se voltam ao Congresso 2014, em Porto Alegre (RS), que está próximo. Trabalhamos com a meta de torná-lo um dos mais completos encontros científicos na área de cardiologia intervencionista e hemodinâmica dos últimos tempos. Vocês são a parte maior de nosso Congresso. Para satisfazê-los, construímos uma grade de palestras de altíssima relevância e teremos renomados professores nacionais e internacionais como palestrantes, além da transmissão de casos ao vivo de Porto Alegre, Itália e Estados Unidos. A infraestrutura também será das melhores, para proporcionar conforto e funcionalidade para a atualização e revisão de conhecimentos. Aproveito para convidá-los a participar da Assembleia Geral Extraordinária, que acontecerá em 31 de julho, na sala Pôr-do-Sol, no Centro de Exposição da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (FIERGS). À oportunidade, discutiremos as propostas para alteração do Estatuto. Durante a Assembleia, teremos nova sessão de lançamento do livro “O papel da SBHCI na incorporação do TAVI no Brasil”, de autoria de nossos amigos Marcelo Antônio Cartaxo
Queiroga Lopes, Pedro Alves Lemos Neto e Fábio Sândoli de Brito Júnior. Distribuiremos exemplares aos presentes e enviaremos também aos demais sócios via correio. Convidamos também a todos para participar, no dia 10 de agosto, da cerimônia de premiação dos sete melhores trabalhos publicados na Revista Brasileira de Cardiologia Invasiva em conjunto com os melhores temas livres apresentados no Congresso. Destaco ainda a colaboração e participação de todos os sócios em nosso Censo SBHCI 2014. Além de fornecer dados estatísticos de suma relevância, poderemos desenhar o cenário da profissão em nosso País, retratando a realidade e as dificuldades encontradas em todos os cantos do território nacional. Dessa forma, trabalharemos com mais efetividade em prol da especialidade e da saúde. Serão apresentados os resultados parciais ao término do Congresso, e, para tanto, contamos com sua colaboração. O prazo é curto, e nos falta receber 40% dos questionários (o questionário está localizado no site da SBHCI, com acesso exclusivo e protegido). Faça parte desse quadro e colabore com suas informações, fundamentais para o crescimento e o desenvolvimento da nossa SBHCI. Obrigado e até o Congresso.
Hélio Roque Figueira Presidente da SBHCI
ÍndiCe
ENTREVISTA
9 POLÍMEROS E STENTS Comparação entre materiais revela tendência INTERNACIONAL
14 CARLOS CAMPOS A nova rotina do pesquisador na Holanda DEBATE
SAÚDE SUPLEMENTAR
4 AUDIÊNCIA COM MINISTRO
16 CENÁRIOS CLÍNICOS O que pensam os especialistas sobre a
SBHCI pede inclusão do TAVI no SUS
denervação renal
SISTEMA PÚBLICO
5
STENTS FARMACOLÓGICOS NO SUS Restrição da CONITEC é repudiada
HOMENAGEM
20 ORDEM DO IPIRANGA Cardiologista intervencionista recebe medalha
REGULAMENTAÇÃO
6 FÓRUM CFM Incorporação do TAVI no Brasil em debate ARTIGO
8 TAVI OU TROCA VALVAR CIRÚRGICA? Estudo compara técnicas em pacientes de alto risco
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Jornal da SBHCI é uma publicação trimestral da Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista – SBHCI. Os textos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores ou fontes consultadas e não refletem necessariamente a opinião da SBHCI.
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SBHCI – JAn/Fev/MAr
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2014 – 3
SAÚDE SUPLEMENTAR
SBHCI leva ao ministro da Saúde pleito pela inclusão do TAVI no rol do SUS Encontro com Arthur Chioro reabre canal de comunicação com entidades médicas
E
m meados de abril, a SBHCI marcou presença em audiência com o ministro da Saúde Arthur Chioro, agendada pelo deputado federal Hugo Mota. Ao lado de Hélio Roque Figueira, presidente, estavam Marcelo Queiroga, diretor de Avaliação de Tecnologia em Saúde e André Spadaro, diretor de Comunicação, além de Claudia Rodrigues Alves, representante da Universidade Federal de São Paulo. A primeira impressão dos representantes da SBHCI é de que o ministro pretende restabelecer canais de diálogo com os profissionais de medicina, já que as partes estão estremecidas desde a implantação do Programa Mais Médicos. Aliás, o próprio ministro Chioro reconheceu que a relação sofreu grande desgaste. Segundo o presidente da SBHCI, a audiência ocorreu fundamentalmente em função da necessidade de implantação de um novo registro de intervenções coronárias percutâneas no Brasil, o ICP-Br, que deixaria de ser realizado em papel, passando a ser feito em formulário eletrônico via internet. “O modelo inteiramente financiado pela SBHCI já está pronto, mas precisa ser testado. Para isso, desenvolvemos um projeto piloto no qual a plataforma será testada em seis hospitais de diferentes perfis no Brasil por um prazo de três a seis meses. Com o preenchimento deste banco de dados (ICP-Br), geraremos um código que deverá ser obrigatoriamente colocado na Autorização de Internação Hospitalar (AIH), caso contrário o procedimento não seria faturado.” Já na pauta de suas prioridades há cerca de dois anos, a SBHCI aguardava para o segundo semestre de 2013 um estudo piloto envolvendo sete centros no Brasil, em parceria com o Ministério da Saúde; no entanto, não houve avanços nessa etapa preliminar. “Apresentamos o projeto ao novo ministro, que demonstrou bastante interesse em retomar as medidas para efetiva implementação do registro. A mais recente informação que tivemos de assessores do ministro a esse respeito é de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) iniciou registro piloto com órteses e próteses na área de Ortopedia e que, assim que concluído, o mesmo modelo deve ser aplicado na área de implante de stents para a Cardiologia Intervencionista”, avalia Spadaro. Outro ponto destacado por Claudia é a necessidade de encurtar a distância no Sistema Único de Saúde (SUS) entre o que
“
Ministro mostrou empenho em restabelecer o diálogo com os profissionais da medicina
4 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
Ministro Arthur Chioro (terceiro da direita para a esquerda) recebe presidente e diretores da SBHCI em audiência
seriam tratamentos ideais e o que efetivamente é possível fazer na rede do SUS. “Fui agradavelmente surpreendida pela atenção e tempo dedicados a nossa visita, tanto do deputado Hugo Mota quanto do ministro Chioro, que expressaram compreensão da justeza de nossas reivindicações”, afirmou Claudia. Para reforçar ainda mais a gravidade do problema, Claudia exemplifica que gostaria de deixar de ensinar aos seus alunos como se trata na Cleveland Clinic e o que dá para fazer pelo SUS. “Tanto no aspecto assistencial quanto no aspecto educacional, salientei nossa expectativa de aproximar a medicina praticada em pacientes com maiores recursos econômicos daquela atualmente disponível aos pacientes do sistema SUS, nos quais o benefício pode ser ainda maior considerando-se a disponibilidade e as taxas de mortalidade da cirurgia aberta em hospitais públicos.” Dossiê Outro ponto de destaque do encontro foi a entrega ao ministro, por Queiroga, de um dossiê sobre o implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI). A extensa documentação revela a atuação da SBHCI na tentativa de incluir o procedimento no rol do SUS. “O ministro nos recebeu bem, ouviu com atenção o que falamos sobre a estenose aórtica e sobre o TAVI e revelou que não havia ainda tomado conhecimento sobre o problema. Ciente de tudo, se prontificou a se inteirar da situação para chegar à melhor saída”, explica Queiroga. Ainda de acordo com Queiroga, o encontro representou uma reabertura do canal de negociação com o Ministério da Saúde. “Diante da possibilidade de expor o problema e também a nossa posição, saímos com expectativa positiva. O ministro é um profissional da área, professor universitário; esperamos que aja de acordo com as nossas expectativas.”
SISTEMA PÚBLICO
Em defesa da ampliação da oferta de stents farmacológicos na rede pública Restrição da CONITEC impedindo incorporação do dispositivo no SUS é repudiada pela SBHCI
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SBHCI reagiu prontamente ao recente parecer da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), condicionando a liberação de stents farmacológicos no Sistema Único de Saúde (SUS) somente a intervenções endovasculares cardíacas e extracardíacas em pacientes diabéticos e com lesões em vasos finos. Protocolou parecer oficial em defesa da universalização do uso do dispositivo, requerendo a ampliação da oferta, independentemente de diferença de valor com relação ao stent convencional. “A despeito do uso de stent não alterar a mortalidade global, salvo exceção no infarto agudo do miocárdio, ele pode propiciar melhora na qualidade de vida de pacientes com doença coronariana aguda e/ou crônicos sintomáticos e que apresentam anatomia coronariana favorável ao seu implante”, explica Hélio Roque Figueira, presidente da SBHCI. O parecer da CONITEC se baseou no fato de os stents farmacológicos não demonstrarem superioridade no tratamento de doença arterial coronariana (DAC) em comparação aos convencionais, e que sua utilização só é vantajosa em custo-efetivo em casos muito específicos. Segundo a CONITEC, a incorporação também deve ser restrita a quadros de calibre < 2,5 mm e extensão > 18 mm, condicionada ao mesmo valor de tabela do stent convencional, que é de R$ 2.034,50. A SBHCI pleiteia a inclusão dessa tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS) há cerca de dez anos, porém o suposto valor elevado desses dispositivos é empecilho à incorporação. “Há mais de uma década os pacientes da rede pública estão segregados de recorrer a uma tecnologia que comprovadamente é benéfica, pois reduz significativamente a necessidade de repetição de novos procedimentos de revascularização do miocárdio em todos os cenários clínicos e angiográficos”, afirma Marcelo Queiroga, diretor de Avaliação de Tecnologia em Saúde da SBHCI. Desde 2002 até a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para a produção nacional dos stents farmacológicos, o mercado brasileiro só contava com dispositivos im-
portados. Com a entrada do equipamento nacional em fevereiro de 2012, o preço caiu 10%, fazendo com que médicos acreditassem que isso facilitaria a sua oferta no SUS. Hoje, após mais de uma década, não existem mais questões significativas relativas ao custo que impeçam a inclusão dos stents farmacológicos no SUS. A indicação da SBHCI (disponível no portal www.sbhci.org.br) é a de que o valor economizado com a queda dos preços dos stents convencionais seja revertido para o financiamento das intervenções coronárias percutâneas, enquanto não for modificada a remuneração às instituições de saúde, abrangendo procedimento hospitalar, honorários médicos e demais materiais necessários. No momento, a SBHCI aguarda uma posição da CONITEC, a ser deliberada pelo secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. Entretanto, antes da definição, já há uma certeza: essa luta só chegará ao fim quando 100% dos pacientes forem beneficiados pela incorporação. SBHCI – Abr/Mai/Jun
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2014 – 5
REGULAMENTAÇÃO
Fórum debate incorporação do TAVI no Brasil
SBHCI defendeu, no evento, a incorporação do TAVI no SUS
CFM promove discussão sobre a oferta do dispositivo na saúde pública e complementar 6 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
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Conselho Federal de Medicina (CFM) debateu, no fim de maio, a incorporação do implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) pelo sistema de saúde brasileiro público e suplementar. O assunto foi tema do “Fórum sobre Racionamento de Novos Procedimentos em Idosos como Política Pública de Saúde”, promovido pela SBHCI. Embora o TAVI beneficie, principalmente, as pessoas com mais de 70 anos que sofrem de estenose aórtica grave e que não podem fazer a cirurgia tradicional, o Ministério da Saúde, por meio da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC), tem negado sua inclusão no rol de procedimentos. O absurdo vem exaltando ânimos. Durante o encontro no CFM, o padre e médico Aníbal Gil Lopes comparou a exclusão do TAVI a uma atitude segregacionista. NOVAS TERAPIAS O presidente do CFM, Roberto Luiz d’Ávila, prestigiou o Fórum, apresentando o painel “Papel do CFM no reconhecimento de novas terapias após a lei do Ato Médico”. “Resoluções internas já davam a nossa instituição esse poder, mas a lei deu certeza abso-
luta de que é prerrogativa nossa autorizar novos procedimentos,” afirma d’Ávila. O CFM esclarece que o TAVI foi autorizado pelo CFM pelo Parecer 03/12, depois que o plenário de conselheiros se convenceu de que o procedimento garante possibilidade de sobrevida com qualidade aos idosos. “Esperávamos que, com isso, fosse dada a autorização. Como ela não aconteceu, a luta continua.” Utilitarismo Aníbal Gil Lopes, membro da Comissão para Reconhecimento Científico de Novos Procedimentos em Medicina do CFM, palestrou sobre o tema “Utilitarismo e o racionamento de novas terapias em idosos – há respaldo bioético para a prática no Brasil”. De acordo com a concepção utilitarista, só é bom o que atende um maior número de cidadãos. Esse entendimento é usado como base quando se nega a inclusão do TAVI no Sistema Único de Saúde (SUS), já que ele beneficiaria quantidade reduzida de pessoas, quase todas com mais de 70 anos. “A justiça da maioria é cruel, pois penaliza a minoria. Neste caso, os mais idosos”, afirma o padre, que defende mais diálogo para que seja encontrada uma solução para a questão. Contestação “Desafios para incorporação do TAVI no Sistema de Saúde do Brasil” foi o tema da explanação do cardiologista Marcelo Queiroga, diretor de Avaliação de Tecnologias em Saúde da SBHCI e um dos autores do livro “Atuação da SBHCI na Incorporação do Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica no Brasil”, lançado durante o Fórum. Queiroga explica que os números usados pela Conitec para negar a inclusão do TAVI no SUS estão superdimensionados. “Nas contas deles, o TAVI geraria uma despesa anual de R$ 1 bilhão. Para chegar a esses valores, o governo diz que seriam realizados 12.571 procedimentos de TAVI por ano. Impossível alcançarmos este número”, argumenta. “Nos Estados Unidos, com população maior que a brasileira, são feitos cerca de 9 mil por ano.” Queiroga lembra, ainda, que o SUS efetivou, em 2012, pouco mais de 12 mil cirurgias cardíacas para tratamento de todas as doenças valvares. “Ora, se o TAVI é indicado apenas para uma parcela dos doentes cardíacos (portadores de valvopatias aórticas), estamos bem longe de alcançar o número previsto pelo governo.”
Justiça A negativa da Conitec é usada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para negar a cobertura do TAVI pelos planos de saúde. Para ter acesso, usuários têm procurado a Justiça. Desde 2008, após a aprovação do procedimento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cerca de 800 pessoas já conseguiram, via judicial, que o governo pagasse o tratamento. Uma delas é a freira Nora Ellen Stenger, que levou sua história ao Fórum. “O CFM está de parabéns por encampar essa luta. Eu só permaneço viva graças ao TAVI e vou lutar para que mais pessoas sejam beneficiadas.” Sobrevida O jurista e professor titular do Departamento de Filosofia de Direito da Universidade de São Paulo, Tércio Sampaio Ferraz, abordou o mote “Opção pela morte – abordagem jusfilosófica”. Para ilustrar seu pensamento, ele contou a história do sogro, médico, que após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) continuou clinicando até a morte, dez anos depois. “Ele maldizia a doença, mas em nenhum momento pensava em desistir da vida. A Conitec, ao negar o TAVI, afirma que muitos idosos preferem a morte a permanecer acamados e dependentes. Asseguro que se uma pessoa tem a possibilidade de ter uma sobrevida, ela prosseguirá lutando.” O Fórum terminou com um debate, tendo à frente o primeiro vice-presidente do CFM, Carlos Vital, o subprocurador-geral da República na Paraíba, Eitel Santiago de Brito Pereira, e o presidente da SBHCI, Hélio Roque Figueira. Em sua intervenção, Vital sugeriu que a sociedade se mobilize pelo TAVI. Já o presidente da SBHCI agradeceu ao CFM por apoiar essa batalha de médicos e pacientes. Por fim, criticou o argumento da Conitec de que o idoso prefere morrer a sofrer um AVC. “Trata-se de uma declaração infeliz, inoportuna e cruel.”
Lançamento Importante destaque do Fórum foi o lançamento do livro “Atuação da SBHCI na Incorporação do Implante por Cateter de Bioprótese Valvar Aórtica no Brasil”, de autoria de Marcelo Queiroga, Pedro Alves Lemos Neto e Fábio Sândoli de Brito Júnior. A obra faz inclusive uma homenagem ao procurador da República Kelston Pinheiro Lages, por ter ingressado, em outubro de 2013, com uma Ação Civil Pública para que a Agência Nacional de Saúde (ANS) incluísse o implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) em seu rol de procedimentos e eventos em saúde. No entanto, a liminar concedida pela Justiça Federal no Piauí, com efeito nacional, obrigando a Agência Nacional de Saúde (ANS) a incluir o procedimento no prazo máximo de 30 dias, foi cassada.
SBHCI – Abr/Mai/Jun
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ARTIGO
Implante Percutâneo Valvar Aórtico Estudo confirma superioridade do TAVI em relação à troca valvar cirúrgica em pacientes com estenose aórtica grave de alto risco cirúrgico
O
implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) com o dispositivo autoexpansível CoreValve® (Medtronic, Inc.) mostrou redução de mortalidade ao final de um ano de seguimento, quando comparado ao tratamento cirúrgico convencional em pacientes com estenose aórtica sintomática e de alto risco cirúrgico, de acordo com o CoreValve US High Risk Trial, apresentado por David H. Adams, chefe do Departamento de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital Mount Sinai, em Nova Iorque, no congresso do American College of Cardiology em março de 2014 e publicado simultaneamente no New England Journal of Medicine. O CoreValve US High Risk Trial é um dos “braços” do CoreValve US Pivotal Trial. O outro “braço”, o CoreValve US Extreme Risk Trial, foi apresentado no Transcatheter Cardiovascular Therapeutics (TCT) em 2013 e noticiado na edição anterior do Jornal da SBHCI. O objetivo do CoreValve US High Risk Trial foi comparar a segurança e a eficácia da prótese autoexpansível CoreValve® com a cirurgia convencional de troca valvar aórtica em pacientes sintomáticos com estenose aórtica grave e de alto risco cirúrgico. A bioprótese autoexpansível CoreValve® é composta por uma estrutura de nitinol e três folhetos de pericárdio suíno. Possui quatro tamanhos disponíveis nos diâmetros 23, 26, 29 e 31 mm, podendo ser implantada em anéis valvares que variam de 18 a 29 mm de diâmetro. Utiliza um sistema de entrega de 18 F e pode ser implantada pelas vias transfemoral, trans-subclávia ou transaórtica. O estudo randomizou 795 pacientes em 45 centros americanos, sendo 394 pacientes para o tratamento percutâneo (grupo TAVI) e 401 para o tratamento cirúrgico. Foram incluídos pacientes com sintomas de insuficiência cardíaca (NYHA ≥ 2), estenose aórtica grave e de alto risco cirúrgico. Os pacientes eram considerados de alto risco cirúrgico se dois cirurgiões cardíacos e um hemodinamicista estimassem mortalidade superior a 15% ou mortalidade e complicações irreversíveis inferiores a 50% em 30 dias, utilizando o escore STS e outros fatores de risco considerados importantes e não contemplados no escore, como fragilidade. Foram excluídos pacientes com fração de ejeção inferior a 20%, doença coronariana significativa não tratada, clearance de creatinina inferior a 20 mL/min, sangramento gastrointestinal nos últimos três meses, acidente vascular cerebral (AVC) nos últimos seis meses, infarto agudo do miocárdio (IAM) no último mês, implante de stent convencional no último mês ou farmacológico nos últimos seis meses. O desfecho primário do estudo foi mortalidade por todas as 8 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
causas em um ano. Foram realizadas análises de não-inferioridade e de superioridade, assim como análise por intenção de tratamento (intention to treat) e de acordo com a terapia efetivamente recebida (as treated). A média de idade da população foi de aproximadamente 83 anos, sendo 53% do sexo masculino. Cerca de 30% dos pacientes tinham cirurgia cardíaca prévia e 13%, AVC prévio. O escore STS e o EuroSCORE logístico médio foram de 7,5% e 18%, respectivamente. Ao final de um ano de seguimento, a mortalidade por todas as causas foi significativamente menor no grupo TAVI comparado ao cirúrgico (14,2% x 19,1%; p<0,001 para não-inferioridade e p=0,04 para superioridade). As taxas de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares maiores em um ano também foram significativamente menores no grupo TAVI (20,4% x 27,3%, p=0,03). A incidência de AVC foi de 8,8% no grupo TAVI e 12,6% no grupo cirurgia (p=0,10). Complicações vasculares maiores e necessidade de marca-passo definitivo foram maiores no grupo TAVI quando comparado ao grupo cirúrgico (6,2% x 2,0%, p=0,004 e 22,3% x 11,3%, p<0,001, respectivamente). Sangramento com risco de morte, insuficiência renal aguda e fibrilação atrial foram significativamente mais frequentes no grupo cirúrgico (16,6% x 38,4%, p<0,001; 6,0% x 15,1%, p<0,001; e 15,9% x 32,7%, p<0,001, respectivamente). Este foi o primeiro estudo prospectivo a mostrar que o implante percutâneo valvar aórtico foi superior ao tratamento cirúrgico convencional em pacientes com estenose aórtica de alto risco cirúrgico. A prótese CoreValve® vem sendo utilizada em pacientes com estenose aórtica grave de extremo risco cirúrgico desde janeiro de 2014 nos Estados Unidos, e, após a publicação do CoreValve US High Risk Trial, o Food and Drug Administration (FDA) aprovou, em junho de 2014, sua utilização também para pacientes de alto risco cirúrgico.
“
As taxas de complicações cardiovasculares e cerebrovasculares maiores em um ano também foram significativamente menores no grupo TAVI
”
entrevista
Polímeros e stents bioabsorvíveis
É
inegável a forte tendência à utilização de materiais bioabsorvíveis na intervenção coronária, desde a forma de polímero em stents metálicos até os stents totalmente bioabsorvíveis, que reafirmam a ideia de que quanto menos material restar dentro da coronária mais segurança é conferida ao procedimento. Para debater o assunto, o Jornal da SBHCI entrevistou José Ribamar Costa Junior e Alexandre Abizaid, ambos da Comissão Científica da SBHCI, que afirmam que os materiais vieram para ficar.
Qual o papel atual e perspectivas futuras desses materiais bioabsorvíveis na Cardiologia Intervencionista? Existem hoje diversos programas de stents metálicos farmacológicos com polímeros bioabsorvíveis. A Tabela 1 (veja na pág. 10) resume as principais características desses dispositivos (todos já aprovados para uso clínico no Brasil). Até o momento não existem grandes estudos mostrando superioridade entre os polímeros duráveis dos stents farmacológicos de segunda geração e os de polímero bioabsorvível. Isso requer duas coisas básicas: tempo maior de seguimento, pois caso haja vantagem de um sobre o outro isso ocorrerá a longo prazo, após a absorção do polímero, que em geral ocorre no primeiro ano após o implante; e grande número de pacientes complexos incluídos no estudo, pois só assim teremos número de eventos suficiente para procurar diferenças. Quando falamos em número grande de pacientes são estudos com mais de cinco mil indivíduos, já que felizmente as tromboses tardia e muito tardia são eventos cada vez mais raros. E, claro, não podemos esquecer que essa nova geração de stents com polímeros duráveis é também excelente. Portanto, o embate é bastante difícil.
José Ribamar Costa Junior
Alexandre Abizaid
Há evidências de superioridade de polímeros biodegradáveis em relação aos DES atuais com polímeros duráveis? A resposta a esta pergunta de certa forma remete à questão anterior. Para tentar ultrapassar a barreira dos megaestudos, com milhares de pacientes, temos tentado utilizar desfechos substitutos (função endotelial, USIC, OCT, etc.) para demonstrar em populações menores a existência de diferenças entre essas tecnologias. Até agora, os resultados não são definitivos em favor de nenhum dos dois lados. Nosso grupo, em conjunto com a equipe do Santa Marcelina, recentemente realizou um estudo randomizado comparando dois dos expoentes dessas classes de stents farmacológicos: o Xience V (com polímero durável) e o BioMatrix (com polímero bioabsorvível). Ao todo, 40 pacientes foram tratados de forma randomizada (1:1), submetidos a avaliação da funSBHCI – Abr/Mai/Jun
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2014 – 9
entrevista
“
Em teoria, melhor que qualquer polímero seria não ter polímero, pois evitaríamos possíveis reações inflamatórias
”
ção endotelial e avaliação com angiografia quantitativa, ultrassom e tomografia de coerência óptica aos seis meses. Os resultados desse estudo foram apresentados no congresso do EuroPCR em Paris, em 2013. Poderíamos resumir dizendo que os eventos foram muito raros em ambos os grupos, com praticamente nenhuma alteração da função endotelial e quase total cobertura das hastes aos seis meses, sem diferenças marcantes entre os stents. Em que situações clínicas e/ou tipos de lesão os DES com PB podem eventualmente ser mais vantajosos do que com PD? A meu ver, a segurança em descontinuar prematuramente a terapia antiplaquetária dupla é o maior benefício que essa tecnologia pode trazer. Encontra-se em fase final de recrutamento um grande estudo chamado Global LEADERS, no qual aproximadamente 12 mil pacientes com todos os tipos de apresentação clínica e angiográfica ( “all comers”) serão tratados com o stent BioMatrix. Depois, receberão terapia dupla (aspirina + ticagrelor)
por apenas um mês e seguirão em uso apenas de ticagrelor. Confirmando a factibilidade desse esquema terapêutico antitrombótico, poderemos prevenir uma quantidade razoável de eventos hemorrágicos, não infrequentes em nossos pacientes, que podem ameaçar sua sobrevida. A descontinuação prematura da terapia antiplaquetária dupla é mais segura com os PB em relação aos PD? Quais as evidências mais atuais? Teremos que aguardar os resultados do estudo Global LEADERS para confirmar essa expectativa. Hoje existem alguns stents com polímeros duráveis de segunda geração que já recomendam o uso de terapia dupla curta (três meses e até mesmo um mês), entretanto com base em análise retrospectiva de bancos de dados de estudos não desenhados para esse fim. Seguindo os postulados da boa prática científica, prefiro aguardar os resultados desse grande estudo planejado especificamente para responder a esta questão. Poderiam comentar o papel e as perspectivas de DES sem polímeros? Em teoria, melhor que qualquer polímero (durável ou bioabsorvível) seria não ter polímero, pois assim não teríamos de aguardar sua absorção e evitaríamos as possíveis reações inflamatórias que ocorrem durante (e para) a reabsorção. Ocorre, porém, que além de carregar o fármaco, cabe também ao polímero a função de proteger a medicação durante o trajeto ao sítio da lesão. Também é dele a função de controlar a liberação da medicação após o implante. Assim sendo, quando retiramos o polímero do stent farmacológico, em geral perdemos um pouco da sua eficácia (a perda tardia com esses dispositivos se situa em torno de 0,4-0,6 mm, ao passo que com os stents de polímero durável ou bioabsorvível o valor em geral é < 0,2 mm). Entretanto, por maior segurança, em algumas situações podemos abrir mão de uma mínima perda luminal e aceitar uma perda
Tabela 1. Principais stents farmacológicos com polímeros absorvíveis Stent farmacológico
Plataforma
Fármaco antiproliferativo
Polímero
BioMatrix® Flex (Biosensors Inc.)/ Nobori® (Terumo Inc.)
Stent de aço inoxidável (316L) - com espessura de haste de 137 µm
- Biolimus A9 (~15,6 μg/mm de stent)
Ácido polilático (PLLA) aplicado à superfície abluminal (externa). Absorção do polímero entre 6 e 9 meses
BioMime® (Meril LifeScience Pvt. Ltd.)
Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 65 µm
- Sirolimus (1,25 μg /mm2)
PLLA e PLGA que degradam em 2 meses
ELIXIR BD® (Elixir Medical Corporation)
Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 81 µm
- Novolimus (~5 μg /mm de stent) - Myolimus (~2 – 3 μg /mm de stent)
PLLA e poliéster. Absorção em 3 meses
Inspiron® (Scitech)
Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 80 µm
Sirolimus (1,4 μg/mm2)
[poli(ácido láctico) e poli(ácido láctico-co-ácido glicólico)]. Absorção completa entre 6 e 9 meses
Orsiro® (Biotronik AG)
Stent de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 60 µm
- Sirolimus (1,4 μg /mm2)
Revestimento híbrido formado de duas camadas: 1) camada amorfa de carbeto silício altamente rico em hidrogênio, que reveste o stent e busca eliminar qualquer interação entre o metal e os tecidos adjacentes; 2) componente ativo, contendo matriz de PLLA impregnada de sirolimus, a qual faz a liberação da droga nas primeiras 12-14 semanas e degrada-se após 24 meses
Synergy® (Boston Scientific Corporation)
Plataforma de platina-cromo com espessura de haste de 75 µm
- Everolimus (dose e cinética de liberação similar ao Promus element)
PLGA na superfície abluminal. Absorção aos 4 meses
Supralimus-Core® (Sahajanand Medical Technologies Pvt. Ltd.)
Plataforma de cromo-cobalto (L605) com espessura de haste de 60 µm
- Sirolimus (~ 4,7 mg/mm de stent)
PLLA / PLGA 50/50 e polivinil pirrolidona. Absorção entre 6 e 9 meses
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luminal um pouco maior, mas ainda bem abaixo da que ocorre com os stents não medicados. Esse conceito está em avaliação em um outro grande estudo chamado LEADERS Free, no qual pacientes de alto risco para sangramento (idosos, em uso de anticoagulantes, etc.) estão sendo randomizados para receber stents não medicados ou o stent farmacológico sem polímero BIOFREEDOM, com uso de terapia dupla por um mês apenas. Após esse período, apenas a aspirina é mantida. Em se demonstrando os benefícios dessa tecnologia, teremos uma porta aberta para esses graves pacientes, que, em geral, são excluídos dos estudos com stents randomizados, privados dessa tecnologia em virtude do risco de hemorragia que oferecem. Qual o cenário atual dos SB, principais programas/estudos e resultados mais relevantes? Hoje os stents bioabsorvíveis são uma realidade em vários serviços da Europa, Oriente Médio e mesmo em alguns países da América do Sul. Em termos de programas clínicos, existem mais de dez tipos diferentes de SB em fase clínica ou pré-clínica de avaliação. A Tabela 2 (veja na pág. 12) sintetiza os principais programas. Porém, sem dúvida, a Abbott Vascular, com o stent ABSORB, detém a liderança nesse setor por ter sido o primeiro programa de sucesso no cenário clínico e já possuir mais de três milhões de indivíduos tratados com esses stents ao redor do mundo. Com o maior tempo de seguimento, sua primeira geração já atingiu cinco anos de seguimento, completando todas as etapas da bioabsorção, finalmente demonstrada in vivo. Felizmente, o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia tem a primasia de ser o único centro no mundo com quatro programas distintos de SB, com diferentes tipos de polímero e até com metal bioabsorvível, no caso o magnésio. Quais as principais vantagens e potenciais benefícios dos SB em relação aos stents metálicos? Na última década, a ideia de um suporte vascular transitório que por um determinado período impeça a excessiva hiperplasia intimal reparativa e, ao mesmo tempo, evite o remodelamento negativo da artéria coronária tratada, sendo então reabsorvido e fazendo com que o endotélio retorne a sua condição funcional normal, tem ganhado destaque dentro da abordagem percutânea da doença coronária. Os stents bioabsorvíveis são os dispositivos que preenchem esses requisitos, mantendo as vantagens potenciais óbvias sobre a tecnologia atual dos stents farmacológicos, quais sejam: a. Possível redução da trombose tardia e muito tardia do stent. Como a liberação dos fármacos e a presença de estruturas estranhas são temporárias, permanecendo somente até a cicatrização do vaso (seis meses a dois anos), nenhum material (potencialmente causador de trombose) persistiria em longo prazo. Este seria um potencial impacto positivo a se esperar de tal tecnologia. b. Possível remoção, através da bioabsorção, de componentes rígidos da parede vascular (fibrose, cálcio, etc.), juntamente com o stent. Isso poderia facilitar a restauração da vasomotricidade da artéria, com tensão de cisalhamento adaptativa, ampliação luminal tardia e remodelamento positivo tardio. Além disso, também pode reduzir os problemas de aprisionamento do óstio dos ramos laterais, como observado nas estruturas metálicas permanentes dos stents atuais. c. Possível melhoria nas opções futuras de tratamento global da aterosclerose. O tratamento da doença multiarterial comple-
xa, por exemplo, frequentemente resulta no uso de múltiplos stents farmacológicos longos. Em tais casos, um novo procedimento de revascularização, quer por método de revascularização percutânea ou cirúrgica, é potencialmente desafiador em razão dos arcabouços metálicos formados pelos stents metálicos permanentes implantados previamente. O uso de um stent bioabsorvível significaria que, potencialmente, não haveria restrição a qualquer procedimento futuro de revascularização nos locais tratados, caso isso venha a se tornar necessário. d. Potencial para ampla utilização na intervenção em cardiopediatria, para tratamento de estenoses das artérias pulmonares, coarctação de aorta, etc. Uma vez que o dispositivo implantado será absorvido, em nada atrapalhará o crescimento da criança, que poderá receber vários dispositivos durante sua vida, de acordo com as dimensões do vaso tratado. e. Possibilidade de uso de técnicas de diagnóstico por imagem, como a angiografia por tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, durante o acompanhamento evolutivo desses casos. Atualmente, os stents metálicos podem causar artefatos nessas técnicas de diagnóstico por imagem, dificultando a interpretação dos resultados obtidos. Destaque os aspectos técnicos do implante, como este se diferencia do implante de stents metálicos e qual a importância do IVUS/OCT relativa à aposição do suporte vascular para um implante adequado? Como toda tecnologia em fase inicial de desenvolvimento, ainda há algum caminho para trilhar com os SB até chegarmos ao estágio em que nos encontramos, por exemplo, com os stents metálicos de última geração. Na fase atual de desenvolvimento, os principais SB têm espessura (150-200 μm vs. 7080 μm) e perfil de cruzamento (1,4-1,8 mm do SB vs. 1 mm dos stents metálicos) relativamente altos e significativamente superiores aos atuais stents metálicos. Também, pela constituição em geral polimérica, a fixação desses dispositivos no sistema de entrega (“crimping”) não é igual à dos stents metálicos. Portanto, seu implante necessita melhor “preparação” da lesão, com prédilatação em geral na ordem de 1:1 (relação balão/artéria) e, em casos mais complexos, com tortuosidade, cálcio, etc., faz-se necessário utilizar cateteres de maior apoio (7 ou 8 F) e dispositivos
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Ainda há algum caminho para trilhar com os SB até chegarmos ao estágio em que nos encontramos com os stents metálicos de última geração SBHCI – Abr/Mai/Jun
de
2014 – 11
entrevista
de ablação da placa, como a aterectomia rotacional ou mesmo balões especiais, como “cutting balloon” ou AngioSculpt. Outra importante diferença diz respeito à liberação do stent, que deve ser gradual (2 atm a cada 3 ou 4 segundos) para permitir melhor expansão do polímero e minimizar a ocorrência de fraturas. Por fim, é fundamental determinar com precisão as dimensões do segmento a ser tratado, uma vez que, em geral, não se recomenda hiperinsuflação dos SB durante a pós-dilatação, devendo-se restringir o uso de balões de pós-dilatação até diâmetros de 0,5 mm acima do SB implantado. A partir daí, o risco de ruptura/ fratura do SB é progressivamente maior. Quais as principais limitações da tecnologia atual e qual o paciente, contexto clínico e tipos de lesão mais apropriados? Há contraindicações? A ideia é que essa não seja uma terapia de nicho. Com o progresso que veremos nos próximos anos, com o surgimento das novas gerações de SB, espera-se que seja uma tecnologia cada vez mais abrangente. Não acreditamos, no entanto, que os stents metálicos deixarão de existir em um futuro próximo. Dito isto, o benefício será tanto maior quanto maior for a limitação do stent metálico. Assim sendo, pacientes jovens com doença aterosclerótica difusa, que necessitarão de vários mm de stents para tratamento percutâneo, representam o paciente ideal e passível de maior benefício. O cenário da síndrome coronária aguda também é bastante atrativo, pois os estudos anatomopatológicos sempre questionam a segurança de se implantar metal mais polímero durável sobre uma placa altamente inflamada. O SB poderia resolver esse problema, inclusive como já demonstrado em alguns casos, com estabilização do ateroma pela formação de uma capa fibrosa espessa.
Há dados nas SCA? Existem hoje pequenos estudos positivos com o ABSORB em SCA, como os estudos PRAGUE 19 e POLAR ACS. Em que estágio está a liberação dos SB (Absorb e outros) no Brasil, Europa e Estados Unidos? Na Europa, temos dois SB aprovados, com CE mark (ABSORB e DESolve); no Brasil, o ABSORB deve ser aprovado até o meio deste ano. Nos Estados Unidos, está em andamento o estudo ABSORB 3, com mais de mil pacientes randomizados para Xience vs. ABSORB. Com esse estudo, a Abbott pretende pleitear a aprovação do Food and Drug Administration (FDA). Como as novas gerações de SB pretendem contornar as limitações técnicas atuais? De certa forma, todas as companhias estão caminhando rapidamente para desenvolver as segundas e mesmo terceiras gerações de seus dispositivos, com menor espessura e perfil de cruzamento. Nos próximos anos veremos vários desses novos dispostos em avaliação clínica. A própria Abbott está em fase final de desenvolvimento de uma nova geração do ABSORB, com espessura de hastes ao redor de 100 micros. Quanto aos SB metálicos, de magnésio, ferro ou outros metais passíveis de reabsorção, a questão limitante é controlar o tempo de absorção, já que as primeiras gerações perdiam massa molecular e, consequentemente, força radial muito precocemente, resultando em “negative recoil”. Do ponto de vista técnico de implante, esses dispositivos levam vantagem, uma vez que, em teoria, podem ser liberados como qualquer outro stent metálico disponível, com uso, por exemplo, de alta pressão, já que o metal é mais resistente ao estresse de expansão.
Tabela 2. Principais programas de pesquisa com suportes vasculares bioabsorvíveis em coronária Companhia
Produto
Descrição
Farmacológico?
Situação atual
Principais estudos em humanos
Abbott
ABSORB
SVA feito a partir de ácido polilático (PLLA), encontra-se na sua 2a geração, com desenho de células mais fechadas e maior força radial. Elui everolimus na mesma formulação do stent metálico Xience V. Absorção entre o 2o e 3o anos.
Sim (everolimus)
Já obteve CE Mark e encontra-se em avaliação nos EUA para aprovação pelo FDA
ABSORB coorte A (n= 0)24 e B (n=102), ABSORB Extend (n=800). Perda tardia em torno de 0,19 mm (2a geração)
SVA feito a partir de PLLA.
Não
Avaliação pré-clínica
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ART BRS
SVA feito a partir de polímero amorfo com base de PLLA, programado para ser absorvido com 18 meses.
Não
First-in-man em andamento
__
Biotronik
DREAMS
SVA feito a partir de magnésio com absorção entre 12 -18 meses. Na sua 1a versão não continha fármaco antiproliferativo e apresentou excessivo recolhimento (recoil), resultando em perda luminal tardia exacerbada. A segunda versão, com paclitaxel e novo desenho, minimizou o recoil e reduziu a perda luminal no interior do SVA.
Sim (inicialmente paclitaxel e na próxima versão sirolimus)
First-in-man concluído
Estudo Biosolve I (n=46), testando sua atual versão, com paclitaxel (DREAMS). Perda tardia de 0,64 mm
Elixir
DESolve
SVA feito a partir de PLLA, recoberto com novolimus. Programado para ser absorvido entre 12 e 24 meses.
Novolimus
Estudo para obtenção do CE Mark terminado
Estudo DESolve FIM (n=15). Perda tardia de 0,20 mm
Huaan
Xinsorb
SVA feito a partir de PLLA, PCL (ácido policaprólico) e PGA (ácido poliglicólico).
Sim (sirolimus)
First-in-man concluído
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LIFETECH
Lifetech Iron Stent
SVA feito a partir de ferro.
Não
Avaliação pré-clínica
__
Orbusneich
On-ABS
SVA com mistura de ácido polilático (PLLA) com cobertura de sirolimus e anticorpo +CD34 para captura de células progenitoras de endotélio.
Sim (sirolimus)
Avaliação pré-clínica
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REVA Medical
ReSolve 2
SVA feito a partir de policarbonato de desaminotirosina (radiopaco à angiografia), com mecanismo de “trava” (slide & lock) para minimizar retração (recoil).
Sim (sirolimus (80 μg/18 mm)
First-in-man concluído Iniciado estudo para obtenção de CE Mark
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Xenogenics
Ideal BioStent
SVA feito a partir de salicilato e recoberto com sirolimus.
Sim (sirolimus)
First-in-man concluído
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Zorion Medical
FADES
SVA feito a partir da combinação de liga de magnésio e PLGA.
Avaliação pré-clínica
__
Amaranth Medical ART
12 – SBHCI – ABr/MAI/Jun de 2014
INTERNACIONAL
Intervencionista brasileiro revela sua rotina na Holanda Vivendo com a família em Roterdã, Carlos Campos tem tirado proveito das oportunidades no campo da pesquisa
O
convite para um PhD na Universidade de Erasmus, em Roterdã, na Holanda, foi prontamente aceito por Carlos Augusto H. M. Campos. Ao lado da esposa e das filhas, o cardiologista intervencionista já vislumbrava a excelente oportunidade que teria, não apenas profissionalmente, mas também para toda a família. E o palpite estava certo. Vivendo na Europa desde março de 2013, eles ainda têm cerca de seis meses até o término do estágio. Veja na entrevista a seguir como foi a adaptação e como tem sido a rotina desde então. Que atividades está desenvolvendo? As oportunidades aqui são inúmeras. Por se tratar de uma instituição com grande volume de ensaios clínicos inovadores, as minhas áreas de pesquisa são bastante diversas e sou exposto a vários métodos de imagem e dados clínicos. O meu primeiro tópico de interesse é estratificação de risco e tenho trabalhado na validação de escores de risco, com foco principalmente no SYNTAX score II. Com relação a scaffolds biodegradáveis, desenvolvi um software em colaboração com os engenheiros da Universidade de Leiden capaz de identificar a degradação do Absorb BVS com uso de ultrassom intracoronário. Também tenho trabalhado com implante por cateter de bioprótese valvar aórtica (TAVI) na validação clínica de um software que avalia a insuficiência aórtica após TAVI por videodensitometria. Tem contato direto com pacientes? Vim para Roterdã já com considerável experiência clínica, pois terminei minha residência em cardiologia intervencionista em 2006 e desde então trabalhei em centros de grande volume. Desta forma, meu objetivo principal não era realizar procedimentos em pacientes. Além disso, embora exista a oportunidade de acompanhar os procedimentos aqui, para lidar diretamente com os pacientes, um dos pré-requisitos é ser fluente em holandês. Para a parte pré-clínica não existe tal limitação. Relate publicações e apresentações em congressos fruto desse período no exterior. Tive a oportunidade de participar efetivamente do London Valves 2013 e do EuroPCR 2014. Em abril de 2014, no Academic Research Consortium (ARC) para scaffolds biodegradáveis, fiquei responsável pelo tópico de métodos derivados do ultrassom intracoronário (escala de cinza, histologia virtual e ecogenicidade), 14 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
bem como fatores bioquímicos relacionados à degradação dos scaffolds. Minhas mais recentes publicações foram: Predicting 3-year mortality after percutaneous coronary intervention: updated logistic clinical SYNTAX score based on patient-level data from 7 contemporary stent trials. JACC Cardiovasc Interv. 2014 May;7(5):464-70. First-in-man randomised comparison of a novel sirolimus-eluting stent with abluminal biodegradable polymer and thin-strut cobalt-chromium alloy: INSPIRON-I trial. EuroIntervention. 2014 Apr 23;9(12):1380-4. The impact of everolimus versus other rapamycin derivative-eluting stents on clinical outcomes in patients with coronary artery disease: A meta-analysis of 16 randomized trials. J Cardiol. 2014 Feb 20 doi: 10.1016/j.jjcc.2014.01.007. [Epub ahead of print] Bioresorbable drug-eluting magnesium-alloy scaffold for treatment of coronary artery disease. Int J Mol Sci. 2013 Dec 16;14(12):24492-500. Comparison of acute gain and late lumen loss after PCI with bioresorbable vascular scaffolds versus everolimus-eluting stents: an exploratory observational study prior to a randomised trial. EuroIntervention. 2014 Jan 30. pii: 20130822-06. [Epub ahead of print] Implications of a bioresorbable vascular scaffold implantation on vessel wall strain of the treated and the adjacent segments. Int J Cardiovasc Imaging. 2014 Mar;30(3):477-84. Transcatheter aortic valve update 2013. EuroIntervention. 2013 Sep 10;9 Suppl:S84-90. Temporal evolution of strut light intensity after implantation of bioresorbable polymeric intracoronary scaffolds in the ABSORB Cohort B Trial. Circulation Journal (in press) Prognostic value and clinical implication of the ‘Site’ SYNTAX Score: 5-Year Follow-Up of the SYNTAX Trial. Journal of American
College of Cardiology (in press) Computed tomography angiography for the interventional cardiologist. European Heart Journal – Cardiovascular Imaging doi:10.1093/ehjci/jeu053. [Epub ahead of print] Long-term consequences of a lipid core plaque. J Invasive Cardiol. 2013;25 (Suppl A):25A–27A. Residual SYNTAX score for left main intervention: are we really ready to predict the future? Catheter Cardiovasc Interv. 2013 Sep 1;82(3):341-2. Bioresorbable scaffolds: novel devices, novel interpretations, and novel interventions strategies. Catheter Cardiovasc Interv. (in press) Predictive performance of SYNTAX Score II in patients with left main and multivessel coronary artery disease: analysis of CREDO-Kyoto Registry. Circulation Journal (in press) Que aspectos diferenciam a forma de trabalho no exterior e a que estava habituado no Brasil? No Brasil eu trabalhava em centros de grande volume de procedimentos em São Paulo, como o InCor, a Santa Casa ou o Sancta Maggiore. Dessa forma, eu tinha uma rotina intensa de plantões à distância e atendimentos de emergência. Ainda assim, sempre procurei exercer algum tipo de atividade científica. Aqui na Holanda minha rotina é principalmente voltada para pesquisa. Trabalho normalmente das 8h00 às 19h00 no Corelab, mas com frequência estendo meu trabalho para casa, e com alguma frequência por toda a madrugada.
Fale de sua adaptação pessoal e da família. A adaptação foi a melhor possível. Roterdã é uma cidade multicultural. Minhas filhas, por exemplo, estudam em uma escola internacional com crianças de 30 nacionalidades diferentes. O mesmo vale para o meu ambiente de trabalho. Uma grande diferença em relação ao Brasil é o clima frio. Mas como a infraestrutura é muito boa, esse fator acaba não atrapalhando nosso dia a dia. E as opções culturais e de lazer? Acredito que um dos benefícios de se morar na Europa é a conveniência de se fazer turismo. A Holanda é um país lindo e de extensão territorial pequena se comparada ao Brasil. Por esse motivo, todos os trajetos podem ser feitos facilmente de trem. Como destaque, Amsterdã é uma cidade com vida cultural intensa, com bons restaurantes, grande variedade de museus, e fica a pouco mais de 30 minutos de trem de Roterdã. Mais ao sul fica Maastricht, uma linda cidade com arquitetura antiga e que está relacionada à origem da Holanda. Keukenhof é outro lugar que recomendo. É considerado o mais belo jardim de primavera do mundo, ficando a pouco mais de uma hora de Roterdã. Para quem tem filhos, a Holanda foi considerada pela UNICEF como o país com as crianças mais felizes do mundo. Um dos motivos para isso está na grande variedade de áreas verdes, parques de diversão, segurança e padrão de educação. Para conhecer outros países, Roterdã é bem localizada. Está a 30 minutos de trem da Bélgica, duas horas e meia de Paris e uma hora de voo de Londres.
SBHCI – JAan br/F /M evai /M /Jun ar
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2014 – 15
DEBATE
Cenários clínicos da dener à melhora da hemodinâmica central em pacientes hipertensos submetidos a DSR. Dados preliminares sugerem também redução da atividade de renina, sabidamente envolvida na fisiopatologia da insuficiência cardíaca e da hipertensão arterial sistêmica (HAS). Entretanto, ressalto que são estudos pequenos, em sua maioria realizados de maneira não-randomizada e não-cega, com resultados baseados na aferição da pressão arterial em consultório. Nenhum desses estudos envolveu grupo controle utilizando procedimento simulado.
Luiz Bortolotto
D
Rodolfo Staico
iversos são os estudos acerca da denervação renal, em busca de embasamento para a aplicação em seres humanos. O debate ainda ocorre em diferentes cenários clínicos. Para comentar as evidências já encontradas e os mecanismos que fazem da técnica um possível mecanismo para o tratamento da hipertensão arterial, Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do InCor e coordenador do Centro de Hipertensão do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, e Rodolfo Staico, cardiologista intervencionista do Serviço de Cardiologia Invasiva do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, revelam suas visões sobre o tema na atualidade e as perspectivas para o futuro próximo. Na próxima edição do Jornal da SBHCI, contaremos ainda com as opiniões de Marco Vugman Wainstein, coordenador do Laboratório de Cateterismo Cardiovascular do Hospital Moinhos de Vento, e de Pedro Lemos, diretor do Serviço de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do InCor, sobre o assunto. Na sua opinião, o conceito de denervação renal tem embasamentos teórico e experimental adequados e suficientes para ser aplicado em seres humanos? Bortolotto: Existem várias evidências tanto experimentais quanto clínicas de que o sistema nervoso simpático é um importante mecanismo na hipertensão arterial, sobretudo as formas mais resistentes, e também em outras situações clínicas como a insuficiência cardíaca. Por outro lado, a denervação renal experimental mostrou redução da pressão arterial importante e diminuição da excreção de sódio. Tratamentos cirúrgicos radicais, como a simpatectomia, mostraram resultados dramáticos na redução da pressão arterial, mas com efeitos colaterais muito indesejáveis. Assim, a denervação renal por ablação tem embasamento para aplicação em humanos. Staico: Há várias evidências demonstrando a correlação entre hiperatividade simpática e pior prognóstico em hipertensos, nefropatas crônicos e portadores de insuficiência cardíaca, incluindo risco maior de mortalidade cardiovascular. Compreendidos os mecanismos fisiopatológicos, é plausível esperar-se diversos efeitos benéficos da denervação simpática renal (DSR). Recentes publicações demonstraram pequenas reduções da resistência vascular renal associadas 16 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
Qual o impacto dos resultados do Estudo Symplicity HTN-3, no qual a técnica não se mostrou eficaz em reduzir os níveis pressóricos de hipertensos resistentes? A que potencialmente se deveu esse resultado inesperado? Qual sua opinião sobre o “sham-procedure“ e potencial papel nos resultados? Bortolotto: O Simplicity HTN-3, exigido pelo Food and Drug Administration (FDA) para liberar o procedimento nos Estados Unidos, não mostrou os benefícios demonstrados pelos primeiros estudos com a técnica em hipertensos resistentes, e isso gerou dúvidas quanto à eficácia real da denervação nesses pacientes. Em minha opinião, o impacto maior serve para frear a indicação indiscriminada do procedimento que se anunciava, sem a seleção adequada dos pacientes. Um dos principais motivos possíveis para o insucesso da denervação se deve à inclusão de pacientes possivelmente não verdadeiramente resistentes, pois à medida que incluímos esses pacientes em protocolos clínicos, eles seguem mais adequadamente a medicação e controlam melhor a pressão. Outro motivo é que, pela técnica utilizada, não temos a certeza de quanto de inervação atingimos com o procedimento, e isso pode ter efeitos diferentes nos pacientes. O “sham-procedure” pode ter um papel, visto que esse efeito placebo é observado em outras situações similares, como quando pacientes com dor precordial melhoram após cateterismo, sem ter nenhum procedimento feito e com coronárias sem lesões. Staico: No Symplicity HTN-3, houve redução significativa da pressão arterial sistólica (PAS) de 14,13±23,93 mmHg (P<0,001) nos pacientes submetidos a DSR. Porém, a redução quando comparada ao grupo procedimento simulado (controle) foi de apenas 2,4 mmHg (P=0,26). Essa diminuição na PAS observada tanto no grupo DSR como no grupo controle constitui um achado divergente aos estudos prévios e pode ser devida ao procedimento simulado; ademais, o decréscimo foi aproximadamente a metade daquele observado no Symplicity HTN-2, não obstante o fato de as pressões arteriais iniciais serem semelhantes nos dois estudos. Isso é intrigante, porque o grau de redução da pressão arterial está relacionado aos níveis tensionais pré-tratamento. Comparação entre os grupos controles dos estudos Symplicity HTN-3 e HTN-2 demonstra uma redução maior da pressão arterial no primeiro. É concebível que uma maior exposição à espironolactona (28,7% vs. 17% dos pacientes) no Symplicity HTN-3 facilitou essa diminuição. A grande variabilidade na resposta à DSR levanta a questão do quanto esse procedimento poderia ser mais
rvação renal eficaz em pacientes selecionados, sobretudo naqueles com hiperatividade simpática. A taxa de não respondedores ao tratamento com DSR (definido como redução de PAS inferior a 10 mmHg, seis meses após o procedimento) varia de 8% a 37% nos principais estudos clínicos. Os desvios padrão das mudanças na PAS inicial aferida em consultório, em ambos os grupos, DSR e controle, nos estudos Symplicity HTN-1, HTN-2 e HTN-3, foram amplos e muito semelhantes, indicando grande variação na resposta. As causas de resultados díspares encontrados na literatura ainda não são completamente compreendidas; entretanto, algumas hipóteses podem ser formuladas com base no conhecimento da fisiopatologia da HAS e do procedimento de DSR. Dentre elas, enfatizamos: (1) a significativa variabilidade de dispositivos e técnicas, incluindo energia utilizada, número de eletrodos/aplicações de radiofrequência (RF) e duração da ablação; (2) a real relevância da hiperatividade simpática na fisiopatologia da HAS resistente, visto que esta é uma doença multifatorial e que, em alguns casos, a contribuição do sistema nervoso simpático pode não ser tão importante para a expressão da doença; (3) a seleção inapropriada de pacientes, incluindo os portadores de pseudorresistência e HAS secundária; e (4) condições relacionadas ao paciente, como aderência inadequada ao tratamento farmacológico e falha na mudança de estilo de vida. Particularmente no Symplicity HTN-3: (1) o sistema empregado para DSR foi o Symplicity, o mesmo dos estudos prévios (Symplicity HTN-1 e HTN-2), com cateter de eletrodo único não-irrigado. Sabemos que cateteres de ponta irrigada geram lesões mais profundas, fato útil para ablacionar nervos situados além de 4 mm da camada íntima arterial, que podem compor até 40% do total de nervos nas artérias renais. Além disso, a média de aplicações de RF foi de 3,9 por artéria renal, número aquém das 4 aplicações determinadas pelo protocolo do estudo; (2) não foi quantificada a atividade simpática pré/pós-DSR para constatação da eficácia do tratamento; (3) o paciente era incluído/randomizado no estudo após apenas duas semanas da visita inicial, o que pode ter contribuído para seleção/inclusão inadequada de pacientes; (4) por protocolo, não era permitida mudança dos fármacos durante seguimento, porém grande parte dos pacientes do estudo teve suas prescrições alteradas; e também não foi confirmada a aderência terapêutica. Ainda podemos citar como possíveis causas para o resultado inesperado do Symplicity HTN-3: (1) efeito Hawthorne, ou seja, maiores cuidados/ estímulo/aderência ao tratamento naqueles pacientes submetidos ao procedimento, mesmo que simulado, colaborando para redução significativa da pressão arterial no grupo controle, diferentemente dos estudos prévios; (2) grande número de centros participantes e consequentemente pequeno número de casos/centros, embora a análise não mostrou diferença de resultados entre operadores mais/ menos experientes e nem diferença de resultados do primeiro caso em relação aos subsequentes do mesmo operador. Quais as perspectivas/futuro da técnica de agora em diante? Bortolotto: Ainda temos muito o que aprender com a técnica e sua eficácia nos mecanismos fisiopatológicos da hipertensão. É preciso também uma melhor seleção dos pacientes, identificando aqueles que poderiam se beneficiar mais do procedimento, e aqueles que têm maior atividade simpática ou mesmo hipervolemia como principal componente da hipertensão resistente.
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Ainda temos muito o que aprender com a denervação renal e sua eficácia nos mecanismos fisiopatológicos da hipertensão SBHCI – Abr/Mai/Jun
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2014 – 17
deBate
Staico: O crescente interesse pela DSR resultou no empenho de mais de 60 companhias para o desenvolvimento de novas tecnologias. Múltiplas modalidades de tratamento têm sido testadas, utilizando-se diferentes fontes de energia, liberação de medicamentos e até mesmo métodos não-invasivos, com a finalidade de reduzir o tempo de procedimento e minimizar a necessidade de manipulação do dispositivo. Seis dispositivos são aprovados para uso clínico na Europa: Symplicity (Medtronic), EnligHTN (St Jude Medical), Vessix (Boston Scientific), Iberis (Terumo), Paradise (ReCor Medical) e Spyral (Medtronic). No Brasil, o EnligHTN e o Symplicity são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e estão disponíveis. A companhia Covidien descontinuou a produção do dispositivo OneShot em janeiro de 2014, logo após a Medtronic anunciar a ausência de eficácia da DSR no Symplicity HTN-3. Embora a eficácia da DSR em hipertensos resistentes não tenha sido demonstrada no Symplicity HTN-3, o número de publicações relativas ao tema continua crescendo exponencialmente; hoje são quase três mil referências no website da PubMed (www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e 128 estudos (desenhos, em recrutamento ou completos) no website www.clinicaltrials.gov realizando a pesquisa com “renal denervation”. Importante destacar que a DSR é um tratamento adjunto, sendo necessária a manutenção de tratamento farmacológico/mudanças no estilo de vida, e isso deve ser muito bem informado ao candidato à DSR. Em que cenários potencialmente haverá indicação e benefícios clínicos? Bortolotto: Reforçando o que mencionei anteriormente, os pacientes com hipertensão verdadeiramente resistente e aqueles com insuficiência cardíaca mais refratária podem ser os principais beneficiados pelo procedimento. Staico: Teoricamente, todas aquelas condições clínicas nas quais a hiperatividade simpática esteja envolvida na fisiopatogenia. Na prática, a maior experiência/número de publicações relaciona-se à hipertensão arterial resistente. Constituem outras circunstâncias insuficiência cardíaca, diabetes melito, doença renal crônica, síndrome da apneia/hipopneia obstrutiva do sono e arritmias cardíacas. Qual a sua experiência pessoal ou do serviço que representa com a técnica? Que resultados obtiveram até então?
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Bortolotto: Em nosso serviço, realizamos alguns procedimentos em pacientes com hipertensão verdadeiramente resistente, utilizando cateteres de ablação de arritmias adaptados ao procedimento e seguindo o mesmo protocolo do Simplicity. Na maioria dos indivíduos, obtivemos controle mais adequado da pressão, com melhora da qualidade de vida. Staico: O grupo de DSR do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia é composto por especialistas na área de hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas e cardiologia intervencionista. O procedimento é realizado por pelo menos um eletrofisiologista e um cardiologista intervencionista, ambos apropriadamente treinados com a técnica. Iniciamos o programa de DRS há dois anos e tivemos a oportunidade de concretizar algumas publicações: (1) Unilateral renal artery sympathetic denervation may reduce blood pressure in patients with resistant hypertension. J Clin Hypertens (Greenwich). 2013;15:606. (2) Denervação simpática renal e qualidade de vida. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21:13-7. (3) Ablação da atividade simpática renal com cateter de ponta irrigada: uma opção atraente? Rev Bras Cardiol Invasiva. 2013;21:7-12. (4) Renal sympathetic denervation and ventricular arrhythmias: a case of electrical storm with multiple renal arteries. EuroIntervention. 2014;10:166. (5) Renal denervation using an irrigated catheter in patients with resistant hypertension: a promising strategy? Arq Bras Cardiol. 2014;102:355-63. (6) Denervação renal com cateter de ablação por radiofrequência de ponta irrigada em hipertensos resistentes. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22:73-80. (7) Efeitos da denervação simpática renal no diâmetro da artéria renal avaliados pela angiografia quantitativa. Rev Bras Cardiol Invasiva. 2014;22 (in press). (8) Initial experience of renal sympathetic denervation for treatment of refractory ventricular arrhythmias (in press). Nossa experiência/resultados iniciais com a DSR nos cenários de hipertensão arterial resistente e arritmias ventriculares refratárias são promissores e podem ser contemplados nas referências citadas. Começaremos, em breve, estudos randomizados nesses contextos e também em pacientes com insuficiência cardíaca. Avaliações adicionais em ensaios clínicos rigorosamente delineados serão necessárias para confirmar os benefícios previamente relatados da DSR em pacientes com hipertensão resistente e que não foram corroborados no Symplicity HTN-3.
Gestão 2014-2015 Presidente: Hélio Roque Figueira (RJ) Diretor Administrativo: Salvador André Bavaresco Cristovão (SP) Diretor Financeiro: Cyro Vargues Rodrigues (RJ) Diretor Científico: Alexandre Antonio Cunha Abizaid (SP) Diretor de Comunicação: André Gasparini Spadaro (SP) Diretor de Qualidade Profissional: Edgar Freitas de Quintella (RJ) Diretor de Educação Médica Continuada: Marcos Antônio Marino (MG) Diretor de Intervenções Extracardíacas: Itamar Ribeiro de Oliveira (RN) Diretor de Intervenções em Cardiopatias Congênitas: Raul Rossi Ivo Filho (RS) Departamento de Enfermagem Presidente: Gustavo Cortez Sacramento (SP) Vice-presidente: Luciana Lima (RJ) Primeira-secretária: Ana Flavia Finalli Balbo (SP) Segunda-secretária: Adriana Correa Lima (MS) Primeira-tesoureira: Erika Gondim (CE) Segunda-tesoureira: Maria Aparecida Carvalho Campos (SP) Coordenadora Científica: Jackeline Wachleski (RS) Coordenadora de Educação Continuada: Roberta Corvino (SP) Coordenadora de Titulação: Ivanise Gomes (SP)
VISÃO
MISSÃO
VALORES
Ser reconhecida internacionalmente como referência no âmbito de Sociedade de Intervenções Cardiovasculares
Desenvolver a cardiologia intervencionista, certificar a atuação profissional e representar os associados com qualidade, eficiência e alto valor agregado em prol da comunidade
Ética Competência técnica e científica Capacidade resolutiva Valorização profissional Responsabilidade socioambiental Comprometimento Sustentabilidade Inovação tecnológica SBHCI – ABr/MAI/Jun
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Homenagem
Alckmin concede principal honraria de São Paulo a J. Eduardo Sousa
A
cardiologia nacional recebeu homenagem especialíssima em 26 de maio. Desta vez, por meio da entrega da medalha Ordem do Ipiranga a J. Eduardo Sousa. A honraria foi concedida em solenidade pelo governador paulista Geraldo Alckmin, no Palácio dos Bandeirantes. Em breve discurso, Alckmin destacou que a comenda “é reservada aos cidadãos nacionais e estrangeiros que merecem a gratidão dos paulistas por seus méritos pessoais e pelos serviços de excepcional relevância prestados a São Paulo”. No caso de J. Eduardo Sousa, trata-se de reconhecimento aos importantes serviços prestados não apenas aos paulistas, mas a milhares de brasileiros. Agradecimentos Diretor do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de 1983 a 2004, membro da Academia Brasileira de Medicina, livre-docente da Escola Paulista de Medicina e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, J. Eduardo Sousa recebeu a Ordem do Ipiranga bastante emocionado. Depois de dividir a honraria com sua esposa, a também cardiologista intervencionista Amanda G. M. R. Sousa, destacou seu amor pela cardiologia e pela medicina. “Não poderia me despedir do serviço público de maneira mais honrosa e feliz, com tão alta distinção para minha família e para mim em especial. Este é um dos momentos com mais elevada significação e gratificação pessoal e profissional. Tive a oportunidade de conhecer várias dezenas de milhares de corações ao longo de minha carreira de cardiologista intervencionista, sempre buscando oferecer inúmeras melhorias, permitindo-lhes uma vida mais saudável, mais feliz e mais produtiva para a nossa sociedade. Esta 20 – SBHCI – Abr/Mai/Jun de 2014
Cardiologista intervencionista e rabino Sobel receberam homenagens do governador Geraldo Alkmin
é a razão da minha realização profissional.” J. Eduardo Sousa ainda agradeceu à Diretoria do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, reconhecendo o apoio constante da Secretaria de Estado da Saúde. E ainda lembrou de citar o Hospital do Coração da Associação do Sanatório Sírio e importantes colegas que fizeram parte de sua trajetória. Na mesma solenidade, também recebeu a Ordem do Ipiranga o rabino Henry Sobel, radicado no Brasil há mais de 40 anos. A homenagem foi concedida por sua atuação na defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar e por seu desempenho à frente do rabinato da Congregação Israelita Paulista, sendo considerado uma das maiores lideranças religiosas do País.
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Não poderia me despedir do serviço público de maneira mais honrosa e feliz, com tão alta distinção para minha família e para mim em especial
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