A VIDA DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: REFLEXÕES LEGADAS DO DISTANCIAMENTO SOCIAL Laís Silveira Costa* Esse ensaio traz reflexões sobre a vida das Pessoas com Deficiência (PcD), tendo como ponto de inflexão a emergência sanitária que determinou o distanciamento social desde meados de março de 2020, aqui no Rio de Janeiro. A impossibilidade de convivência com seus pares e acesso aos espaços sociais tem ocasionado agravos à saúde mental da população, conforme amplamente relatado em mídias diversas. Esse isolamento representa para nós, pessoas sem Deficiência (PsD), uma exceção, um estado transitório. Entretanto, o desespero que atualmente assola as PsD espelha a vida inteira das pessoas com Deficiência, cuja participação na sociedade limita-se por obstáculos de naturezas diversas (atitudinais, arquitetônicas, cognitivas, idiomáticas, digitais, etc). O primeiro ponto aqui destacado refere-se a um potente aprendizado que esse período deveria legar à luta pelos direitos das PcD. Essa vivência de sofrimento é tão profunda quanto emblemática e lança luz sobre a urgência da sociedade como um todo combater a perpetuação do preconceito e da segregação social entre PcD e PsD, que tem levado a uma hierarquização das vidas, estabelecendo, socialmente, aquelas que importam e as que não. É hora de assumir nosso papel no processo de desnaturalizar esse constructo social que vem afastando as PcD do direito a uma vida plena e digna. E, para isso, urge entender que esse preconceito é estrutural e cada um de nós o carrega e reproduz. O segundo tópico a destacar é a necessidade de problematizar algumas materializações desse preconceito, o capacitismo, caracterizado pela premissa de que um corpo fora de certo padrão normatizado é imperfeito e incapaz (percepção baseada no modelo biomédico da deficiência, que parece jamais ser superado!). Além do pressuposto da incapacidade a priori, o capacitismo marca-se pela invisibilizaçao das PcD. Não por acaso, até o momento o vocábulo (capacitismo) segue sem ser incorporado ao dicionário da língua portuguesa.
A suposição de que a PcD não é capaz ocasiona danos de ordens diversas. Vale notar o custo emocional de crescer com pessoas à sua volta seguras de que você tem pouco, ou nada, a contribuir; pessoas que resumem sua existência à deficiência e sentenciam sua vida à clausura (inclusive porque suas características sensoriais, motoras, físicas e cognitivas não foram contempladas nos espaços sociais). Adicionalmente, a construção social dos padrões de beleza te excluíram. Como resultado, você seria indesejado na maior parte dos lugares, mesmo nas escolas que te aceitam (devido a “inclusão escolar” ser uma prerrogativa legal). Ressalto aqui a escolha do verbo “aceitar”, que pressupõe uma hierarquia, pois deixar uma criança frequentar a escola não significa proporcionar meios para que ela aprenda, nem fornecer mobiliários adequados ou buscar histórias que a represente; e, tampouco, significa disposição para repensar o modelo meritocrático que perpassa não só o sistema de avaliação, mas também a lógica das brincadeiras desde a educação infantil. Aceitá-la e incluíla são coisas diferentes! Um outro ponto crucial é um apelo: parem de romantizar o esforço hercúleo da mãe para apoiar o desenvolvimento de um filho PcD (responsabilidade que recai desproporcionalmente sobre a mulher, herança do patriarcado brasileiro)! Tal esforço só é necessário porque os familiares de pessoas sem deficiência abdicam do seu papel na defesa da igualdade das pessoas. A pouca adesão à luta não mobiliza as mudanças necessárias nas esferas públicas e privadas. O problema não é a deficiência, mas o ambiente social hostil que a recepciona! É essa sociedade que construímos, em que cada ser tem seu valor definido por certo número de funções que é capaz de desempenhar. Somos definidos por nossa UTILIDADE, a partir de padrões marcados pelo produtivismo competitivo característico do capitalismo concentrador, perverso e desumano. Essa realidade absurda segue invisível para quase todo mundo. Uma das materializações frequentes do capacitismo é o uso, POR TODOS NÓS, de terminologias que reproduzem o preconceito contra as PcD, ao associar características de funcionalidade corpórea a algo limitado ou negativo. Sendo literal, cada vez que você chama um amigo de “retardado”, de “mongolóide”, de “demente”, ou fala que “alguém parece autista”, ou que aquele é um “ponto cego” da análise, ou que alguém deu uma de “João sem braço”, entre tantas outras, você está sim, infelizmente, contribuindo para a perpetuação desse preconceito na 10 | P á g i n a