ACESSIBILIDADE CULTURAL Hilda Gomes* O artigo 27 da Declaração Internacional dos Direitos Humanos redigida pela Organização das Nações Unidas (ONU), já apontava, em 1948, que “toda pessoa tem direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”. Sabemos que numa sociedade marcada pela desigualdade e iniquidades sociais, são necessárias a elaboração de leis e políticas públicas que possibilitem inclusão social e acesso à cultura, saúde, educação e no que diz respeito à pessoas com deficiência existem muitos obstáculos a serem superados. Segundo o Censo 2010 do IBGE, no Brasil, existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência e apesar de representarem quase um quarto da população brasileira, ainda persistem muitos desafios para que as pessoas com deficiência sejam inseridas socialmente e tenham acesso pleno aos espaços culturais. A Lei Brasileira de Inclusão, traz a seguinte definição: “Acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”. (LBI 13.146/15) O texto da lei apresenta um horizonte ideal, mas é necessário compreender de que formas estamos caminhando para o alcance efetivo, eficaz e eficiente destas condições que abarcam aspectos tão diversos. Entre os sécs. XV e XIX, a deficiência, enquanto questão histórica e social, recebeu influência de aspectos educativos, políticos, econômicos e foi considerada como uma expressão da diferença. A deficiência já foi entendida como incapacidade segundo um modelo médico vigente favorecendo a adoção de políticas e implantação de medidas que as levaram ao abandono, segregação, isolamento, aprisionamento, escravidão,
subalternidade, insignificância e, em casos extremos, deixando-as à morte. Em oposição ao modelo médico, surge no séc. XX uma nova corrente de pensamento, o modelo biopsicossocial que desloca os debates do campo estritamente biomédico para o das humanidades e estabelece relações entre fatores constitucionais (pessoa) e o ambiente (meio) trazendo também o viés político para a discussão. Nesse sentido, a deficiência se torna uma expressão que “denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente” (DINIZ, 2007, p.22). Assim como outras formas de opressão pelo corpo, como o sexismo ou o racismo, os estudos sobre deficiência descortinaram uma das ideologias mais opressoras de nossa vida social: a que humilha e segrega o corpo deficiente. Importante destacar que a construção deste modelo contou com a participação ativa de pessoas com deficiência e vários encontros ratificaram a necessidade dessa discussão. Durante toda a caminhada, os movimentos sociais e os organismos internacionais atuaram na resistência, criando mecanismos e oportunidades para mudanças significativas na legislação e no direito à inclusão e participação social. Chegamos ao séc.XXI utilizando o termo pessoa com deficiência para valorizar sua identidade social buscando a rejeição dos estigmas e apontando que o capacitismo que entende a deficiência como algo a ser corrigido deve ser superado (MELO, 2016). Para Omote (2008), são necessárias ações que possibilitem a participação das pessoas com deficiência na sociedade como cidadãos e cidadãs com plenitude de direitos e nesse sentido, os espaços culturais - e em particular os museus - deveriam desempenhar o papel de agentes de inclusão sociocultural. Os museus são, por excelência, instituições a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, devendo estar comprometidos com ações que promovam mudanças de comportamento e o entendimento de nossas relações com o mundo em que vivemos (GOMES, 2019). Para tal, precisa garantir diversos níveis e dimensões de acessibilidade tais como: arquitetônica (barreiras físicas), metodológicas (estratégias educativas), atitudinal (práticas de sensibilização e conscientização), instrumental (uso de equipamentos e aparatos), programática (adoção da legislação) e comunicacional (uso de variadas formas de comunicação e de tecnologia assistiva ). De toda a forma, o esforço pela consolidação do quadro idealizado no texto da lei se apresenta como um processo contínuo que requer, entre outros aspectos, que priorizem a participação de pessoas com deficiência em sua criação e implementação. O uso 43 | P á g i n a