Pequenas Cenas
Sergio Fingermann
texto Antonio Fernando De Franceschi
schoeler
Assim se multiplicam escadas (escalas?) que não se interessam por seus destinos, bastando-lhes sugerir, sem apontar, a necessidade dos planos que figuram. Zero será a soma do subir e descer se ao final o desfecho é invariável, o que confere à arte sutil de Fingermann um claro sentido metafísico. Antônio Fernando De Franceschi
Série inédita de pinturas em acrílico sobre papel, Pequenas Cenas foi concebida por Sergio Fingermann em 2010.
Escalas
O
velho pintor Wang-Fô amava a imagem das coisas, não as próprias coisas, e nenhum objeto lhe parecia digno de ser adquirido senão pincéis, potes de laca e vidros de nanquim. Perseguido por um cruel imperador, salvou-se navegando em direção ao infinito no mar de jade azul que ele próprio havia inventado. Pintor inevitável, Wang-Fô poderia ser personagem de Borges, não fosse antes capturado pela fabulação oriental de Marguerite Yourcenar, inspirada num apólogo taoista da velha China.1 A metáfora encarnada no artista ancião sugere várias leituras. Uma delas diz respeito ao risco do alheamento, a fuga para a torre de marfim, o mergulho no mar de jade azul. Outra traz em si algo denso, perturbador: a dialética da imagem e da coisa, na medida em que ambas constituem a base da representação nas artes plásticas. O que há de perturbador é a possibilidade de a imagem trair a forma da coisa, ao ponto de não mais ser o ícone que, por definição, deve configurar fielmente seu objeto. A fissura entre o real e o figurado se dá pela escala, termo latino que designa não apenas “escada”, como também as proporções entre o objeto e sua representação. Significa, ainda, o espaço de liberdade conferido ao artista para situar-se num patamar mais reflexivo que o meramente formal. Nesse sentido, a escala e suas modulações propõem questões instigantes, como a replicação alternada de um tema que, embora unívoco, somente afirma sua importância ao fragmentar-se como sílabas num discurso. Assim se multiplicam escadas (escalas?) que não se interessam por seus destinos, bastando-lhes sugerir, sem apontar, a necessidade dos planos que figuram. Zero será a soma do subir e descer se ao final o desfecho é invariável, o que confere à arte sutil de Fingermann um claro sentido metafísico. Juntadas as telas, o que se vê é cenografia: épura representando no plano figuras espaciais sem trânsito possível. Para harmonizar o conjunto, a palheta do artista assume partido severo onde negro e cinzas predominam, embora não lhe falte o croma elevado do branco e de suas variações. Por vezes as massas densamente trabalhadas revelam a pincelada incisiva, sempre indagadora, revelando a marca segura de quem domina o metiê. A arquitetura fraturada das escadas faz lembrar as vistas das Antiguidades de Roma, de Piranesi, canto profundo de uma meditação sobre a vida e a morte das formas. Talvez seja esse o empenho de Fingermann ao reconhecer, nas telas desta mostra, a ilusão do imperecível traduzido em pintura de profunda reflexão e pleno domínio de sua criatividade. Antonio Fernando De Franceschi São Paulo, 2010.
1. Marguerite Yourcenar, Comment Wang-Fô fut sauvé, in Nouvelles Orientalles. Éditions Gallimard, 1963 – Paris.
Esta obra, editada por Schoeler Editions em fevereiro de 2011, contém sete páginas com reproduções de obras de Sergio Fingermann. Texto de Antonio Fernando de Franceschi. Tiragem limitada a 250 exemplares numerados e assinados pelo autor. Impressão em papel de algodão Canson Rag Photographique 210 gsm. Editor: Marcelo Greco. Direção de arte: Christian Maldonado. Encadernação:
© para as reproduções: Sergio Fingermann. © para o texto: Antonio Fernando de Franceschi. © para a obra: Schoeler Editions, São Paulo 2011. Exemplar nº
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