#01 novembro 2016
Beatriz Milhazes/Vik
Muniz/Ozi
SĂŠrgio Odeith/Victor Nogueira
editorial nossa missão
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As peças e pessoas aqui contempladas nesta primeira edição foram escolhidas a dedo por três jovens designers estudantes da Escola Superior de Desenho Industrial - a tradicional Esdi, localizada na Lapa, bairro carioca berço da malandragem e do samba, no coração do Rio de Janeiro. Naturalmente, como designers, sempre tivemos a arte como interesse mutúo, ainda que nosso foco e interesse divergisse para diferentes áreas artísticas. Uma amava ir a feiras de artes e ver as grandes instalações artísticas, o outro gostava de fotografar os grafites da cidade, a última tinha a tatuagem como paixão. Fizemos das nossas diferenças o nosso melhor e delas nasceu nosso projeto: a Urucum, uma revista 100% brasileira, que tratasse simultaneamente de artes plásticas, urbanas e corporais, sem tabu ou preconceitos, misturada que nem o nosso povo. Nessa edição você encontrará de tudo um pouco: grafites, quadros, tatuagens, instalações, maquiagens de efeitos especiais, pintura corporal indígena. Tudo produzido e criado por artistas e coletivos brasileiros. Batemos na tecla da brasilidade por uma questão importante. Acreditamos que, com um cenário político, econômico e social tão delicado, fica fácil se perder em um discurso depreciativo do nosso país. Nossa missão é enaltecer e divulgar nossa cultura tão rica e diversa. Não precisamos procurar o melhor em outra cultura, já temos alguns dos melhores artistas do mundo bem aqui.
revista em sua região, nos contacte através dos telefones abaixo ou através do nosso serviço de atendimento.
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cartas cartasààUrucum Urucum Sendo essa nossa primeira edição, ainda não possuímos cartas dos leitores. Gostaríamos de incluir a sua voz na próxima Urucum! Escreva para a nossa redação: Rua Evaristo da Veiga, 95. Lapa, Rio de Janeiro, RJ. CEP 20031-040. cartas@urucum.com.br
Sumário 8
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expos amostras e exposições do momento
vik muniz
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e seu projeto “Lixo Extraordinário”
oficinas o que te inspira? te oferecemos uma ajudinha para aprender sobre novos interesses
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holofote
artistas emergentes na cena artística brasileira
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redes as redes sociais como meio artístico
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beatriz milhazes
a artista plástica “mais cara do brasil” conversa com a Urucum
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ozi
#pelepretatatuada
30 anos de arte urbana no brasil
editorial fotográfico exalta a tatuagem em pele negra
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além do concreto
victor nogueira
os maiores trabalhos do grafiteiro Alex Senna
o universo das maquiagens de efeitos especiais
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scarlath louyse o linework envolvente da nômade tatuadora pernambucana
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sergio odeith grafites que parecem saltar das paredes
62
história pintada no corpo urucum e pinturas corporais indígenas
expos 1
The Art of the Brick
As obras de arte criadas com mais de um milhão de blocos de LEGO visitam o Rio de Janeiro, ocupando o Museu Histórico Nacional com personagens e objetos criados pelo artista Nathan Sawaya. Os ingressos custam R$20 e podem ser comprados antecipadamente, a partir de 7 de novembro, via internet. Até 15 de janeiro de 2017, de terça a domingo, 10h às 17h30 .
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4 3 Outopos
Telúrica De vocação experimentalista, a transformar e redimensionar o simples, o comum do cotidiano, muito contribui para a inventiva da arte mato-grossense.
Do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe”, os irmãos estabeleceram o ponto de partida para a construção da Exposição Outopos. Sala de Cultura Leila Diniz, Centro – Niterói/RJ Até 9 de dezembro, de segunda à sexta-feira, 10h às 17h.
Mondrian e o Movimento de STIJL A mais completa exposição sobre Mondrian e o movimento De Stijl já realizada na América Latina chega ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio nesta terça-feira (11), a partir das 22h30, como parte do '"viradão”, que inclui diversas atrações na madrugada. Até 9 de janeiro de 2017, de terça à domingo, 9h às 21h.
Galeria Candido Portinari/UERJ Até 16 de dezembro, de segunda à sexta-feira, 9h às 20h.
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oficinas Workshop Fundamentos da Caligrafia Artística
Aprenda os fundamentos da caligrafia, colocando a mão na massa com a calígrafa e artista Andrea Camargo. Sem pré requisito. Com emissão de certificado e com coffee break.
Oficina "O Mercado de Escravos do RJ"
Esta oficina tem como tema a escravidão urbana na cidade do Rio de Janeiro e analisa as operações ocorridas no mercado de escravos: a entrada, a estadia e a saída do escravo nesse mercado de almas; os motivos que levaram à transferência do Mercado de Escravos da Praça XV para o Valongo; as funções sociais dos escravos e seus modos de vida na cidade. Professor: Claudio de Paula Honorato, diretor de pesquisa histórica do IPN e coordenador do curso de pós-graduação em história da áfrica e professor de história da áfrica da FFCLDC/FEUDUC.
Curso de Arte Urbana do Parque Lage
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A proposta do curso é demonstrar que a visualidade da arte urbana está além de uma expressão artística, ela faz parte de uma cultura de rua que se tonou a voz de milhares de pessoas ao redor do mundo, seja de forma contestadora ou como trabalhos comerciais. O Curso de Arte Urbana pretende desenvolver entre as pessoas uma visualidade artística baseada no graffiti e na street art como forma de intervenção e questionamento do espaço urbano. A partir de referências visuais e teóricas, desenvolveremos as identidades visuais individuais de cada aluno que ao final da Oficina se incorporarão em um projeto coletivo. Abordaremos também a questão comercial do graffiti e a arte como um meio de vida.
30%
ticket ticket ticket
Fundamentos da Caligrafia Artística
Data: 4 de Dezembro de 2016
Arte Urbana
Data: 4 de Dezembro de 2016
50%
O Mercado de Escravos do Rj
GrÁTIS
Data: 16 de Novembro de 2016
ticket ticket ticket
Rua Carlos de Laet, 26, Tijuca Rio de Janeiro Praça Mauá, 5 - Centro, Rio de Janeiro Rua Jardim Botânico, 414 - Jardim Botânico, Rio de Janeiro
Centro Cultural Venha Conosco escola de artes visuais do parque lage
museu de arte do rio Sala 3.3 da Escola do Olhar
O que levar
1. Pena de bico Leonardt 33 com cabo (o cabo pode ser comprado segundo escolha) 2. Gouache preto marca Talens 3. Pincel redondo médio do tipo pintura aquarela 4. Régua 5. Tesoura
Se quiser pode levar qualquer material de sua escolha como canetas coloridas, lápis de cor, aquarela, pincéis, nanquim, acrílico e o que mais a imaginação permitir
Fundamentos da Caligrafia Artística Data: 16 de Novembro de 2016
O Mercado de Escravos do Rj Data: 4 de Dezembro de 2016
Arte Urbana
Data: 4 de Dezembro de 2016
holofote Isadora Zeferino Estudante de Desenho Industrial pela Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ, Isadora dedica parte do seu tempo para a ilustração, e estagia no Estúdio Combo como animadora. Possui impressionantes 34,1mil seguidores em sua conta profissional no Instagram @imzeferino.
Patrícia Gea A paulistana Patricia Gea é a única tatuadora mulher da Galeria do Rock, tradicional reduto de tribos adolescentes localizado no centro de São Paulo. Patricia faz parte de um restrito time de profissionais do sexo feminino que ganha projeção num cenário dominado (ainda) por homens. Com apenas 27 anos possui já dois estúdio de tatuagem em Sao Paulo. Mais trabalhos da artista podem ser achados no site: www.estudiotattooink.com.br
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Cacá Fonseca Artista autodidata mineira, diz não saber desenhar. Misteriosa, e conectada ao mundo dos vômitos. A partir disso Cacá cria. "Ou eu saio de mim ou eu ando de saia" A arte de Cacá Fonseca pode ser contemplada e negociada através de sua página no facebook: fb.com/cacafonsecarte/
Airá Ocrespo Airá Ocrespo é o Mc Grafiteiro e está lançando um trabalho que explora a mistura da música com a arte urbana. Há 10 anos é atuante no Rio de Janeiro em projetos culturais e ações comerciais de instituições e empresas como SESC e Red Bull além de desenvolver projetos próprios como o seminário de graffiti Rabiscos Sem Riscos e a festa SpraySom. Mais de sua arte pode ser encontrada no seu flickr em: www.flickr.com/photos/airaocrespo/
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Como a arte tenta se adaptar às
redes sociais
Festival Vivo ARTE.MOV aborda a sinergia entre as práticas artísticas e a cultura da mobilidade – suscitando o debate sobre as relações do homem com a arte, a tecnologia e as cidades matéria originalmente publicada na revista aplauso #109
Seleção de vídeos
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O
festival ARTE.MOV – Arte em Mídias Móveis, patrocinado pela operadora Vivo, com curadoria dos artistas e pesquisadores Lucas Bambozzi e Marcus Bastos, foi criado justamente para dar luz a esse novo momento. O objetivo vai além de colocar em cena a produção artística e entra fundo diversas relações do homem com os meios de comunicação móveis. Em sua sexta edição, o projeto passou por a a produção artística e entra fundo Porto Alegre no início do mês de novembro, entre os dias 3 e 7, na Usina do Gasômetro. Para a edição gaúcha do evento – que também acontece em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Belém – foram selecionados trabalhos de artistas brasileiros e estrangeiros, propondo diferentes conexões entre arte, dispositivos eletrônicos, lugares, espaços e cidades. “A gente tentou fazer na edição do ARTE.MOV Porto Alegre uma coisa que apontasse ou que comentasse o cenário do cinema, que pulsa aqui tanto de uma maneira mais mainstream quanto mais experimental, e relacionasse com outras obras, com projetos que apontam para uma sensibilidade da arte com relação a espaços, lugares e situações específicas”, explica Bambozzi. A programação do evento, além da exposição, contou com uma mostra de vídeos na sala P. F. Gastal, performances artísticas e um simpósio, que este ano teve como tema “Novas cartografias urbanas: ecologia das linguagens emergentes”. A proposta do evento não é apenas trazer uma mostra de arte feita com, para e em mídias móveis, mas sim provocar uma reflexão sobre a contemporaneidade. Trazendo artistas, pesquisadores e críticos de arte para debater as interrogações sobre os novos tempos da arte – na sociedade e na cidade –, a discussão levantada ao longo dos três dias de simpósio, faz do evento um encontro híbrido, que avança o pensamento tanto na área artística quanto na sociológica. A proposta do encontro é justamente debater as questões sociais que acompanham a evolução dos meios eletrônicos.
“
A nossa preocupação não é seguir o circuito da arte. É discutir as questões que se tornam recorrentes para um grande número de pessoas ou questões que estão levantando o pensamento crítico e filosófico sobre essas relações entre tecnologia e sociedade”
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HÁ 92 ANOS, CULINÁRIA É ARTE PARA NÓS Os surrealistas transformavam sonhos em arte. Antes disso, a KitchenAid fazia o mesmo na cozinha: transformava receitas em obras-primas. Conheca nossos produtos e outros movimentos artísticos em: facebook.com/kitchenaidbrasil. KitchenAid. Para quem culinária é arte. Al, Gabriel Monteiro da Silva, 1241 - Sao Paulo
artes plรกsticas
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lixo extraordinário
vik muniz por erik von farfan
Retrato de Irma
“
Descobri que existe um mundo rico de valores, dignidade e humor num lugar onde normalmente só se vê miséria”
A Morte de Marat
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d
e forma pura e impactante, o documentário de Lucy Walker mostra o dia a dia dos catadores de lixo no Jardim Gramacho, um dos maiores aterros sanitários do mundo, localizado no Rio de janeiro. O documentário, produzido em dois anos (2007-2009), acompanha Vik Muniz, um artista plástico brasileiro que nasceu em uma família pobre e que com seu trabalho conseguiu mudar sua vida e ganhar reconhecimento. Em Lixo Extraordinário, Vik Muniz transforma o lixo do Jardim Gramacho e seus personagens em arte - o artista plástico retratava em fotos os lixeiros e depois, usando objetos perdidos no lixão, Muniz construía desenhos ricos em detalhes, até mesmo retratos. Seu principal objetivo é mostrar que assim como sua vida, o lixo que é algo que um dia pois desprezado, pode virar algo lindo, arte.
Passione
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Vik Muniz Seu processo criativo passa pela composição das imagens, utilizando materiais instáveis e perecíveis; a reutilização de conceitos e enfoques; a disposição em uma superfície ou plano para fotografá-las. As séries são apresentadas como edições limitadas e especiais, onde a fotografia assume o papel de produto final do trabalho – a célebre ilustradora do seu cartão de visitas. Em 1988, produziu uma série de desenhos “The Best of Life”, na qual reproduziu a sua memória, de algumas das famosas fotografias veiculadas pela revista americana Life. O artista fotografou seus desenhos e deu a eles um tratamento de impressão, simulando a realidade. A partir de uma abordagem muito sensível e plástica, provocou o debate sobre questões relacionadas à circulação e contextualização de imagens. “Nesses trabalhos eu tentei encontrar como a fotografia se parece em nossa cabeça quando não estamos olhando para ela. Elas trazem as estruturas das famosas fotos, mas, na verdade, são muito diferentes”, na explicação do artista. A série “Pictures of Garbage” inspirou e originou o documentário brasileiro indicado ao Oscar, intitulado Lixo Extraordinário, feito com ajuda do seu próprio tema: catadores de lixo do aterro de Gramacho (RJ), que, após serem fotografados, trabalharam ao lado do artista no processo de montagem das obras, selecionando as imagens. A filmagem recebeu um prêmio no festival de Berlim na categoria Anistia Internacional e no Festival de Sundance.
Retrato de Magna
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a cara do brasil
beatriz milhazes Com arabescos, mandalas e flores ultracoloridas, Beatriz Milhazes, 53 anos, bateu recordes em leilões internacionais, tornando–se a artista viva mais cara do Brasil. por FRANCISCO DALCOL
n
os últimos anos, Beatriz participou de bienais como as de Veneza e de São Paulo e realizou 30 individuais em 11 países. Mesmo
com a projeção internacional, artista passa apenas temporadas fora, ficando entre Paris – por ser bem localizada em relação às galerias que a representam em Londres e Berlim – e Pensilvânia, nos EUA, onde faz gravuras no estúdio da Durham Press. Beatriz desenvolveu sua obra nas últimas três décadas vivendo e trabalhando no Rio. Diz ela que a permanência na cidade (e no país) foi um imperativo para se manter ligada aos elementos e às referências que compõem seu trabalho. Ela criou uma técnica em que pinta sobre superfície de plástico para depois transferir a composição para a tela. Nas colagens, sobrepõe camadas.
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à dir: Serpentina
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Beatriz Milhazes No momento, Beatriz apresenta no Rio sua maior retrospectiva já feita, reunindo mais de 60 obras, entre pinturas, colagens e gravuras produzidas desde o fim dos anos 1980 – a maioria não vista no Brasil. Com curadoria do francês Frédéric Paul, a mostra Meu Bem está em cartaz no Paço Imperial até 27 de outubro e depois seguirá para o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, onde ficará até fevereiro. E o ano que vem será igualmente cheio. Beatriz dará um passo importante em sua carreira internacional ao ganhar um catálogo de sua obra em edição de luxo pela Taschen. Também está prevista sua primeira mostra itinerante por museus dos EUA e o lançamento de um documentário sobre sua trajetória com direção de José Henrique Fonseca. Beatriz Milhazes, nasceu no Rio de Janeiro em 1960. É pintora, gravadora e ilustradora e professora. Iniciou-se em artes plásticas em 1980, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), fundada por Rubens Gerchman, em 1975. A Escola é referência nacional no ensino das artes, localizada em um parque nacional de mata Atlântica, numa casa de estilo eclético construída em 1920. Este espaço pertence à Secretaria de Estado de Cultura. No período de 1984, no Parque Lage, aos 24 anos, participou do movimento Como vai você, Geração 80? onde mais de 100 artistas questionaram a ditadura militar, e como um desabafo expressaram-se de diversas maneiras. Lá, Beatriz lecionou após ser aluna. A cor tornou-se um elemento da maior importância na obra de Beatriz Milhazes, acompanhada de círculos – onde é a ideia central de suas obras, por onde tudo começa, interagindo com geométricos, quadrados, flores, arabescos e listras, onde a composição torna-se alegre e bela. Vê-se em suas obras um comprometimento com a arte popular brasileira, a arte aplicada; também com o construtivismo, um movimento do início do séc. XX que baseava-se na ideia de que a arte deveria ser construída com elementos geométricos e materiais modernos. 28
O Moreno, coleção Airton Queiroz
Suas obras se impõem em qualquer ambiente, por serem muito coloridas, muitos cortes, muitos preenchimentos, muitos acontecimentos que ocorrem na trajetória de seu trabalho. É uma mistura de fauna e flora, de carnaval, de modernismo, de ornamentos, de arquitetura barroca a objetos de art-déco, lembrando intensamente os trópicos. Tudo se encontra alegremente misturados em suas colagens e conta, a artista, que sua inspiração veio muito de Mondrian, Matisse, Tarsila do Amaral e Burle Marx.
entrevista Qual é o significado desta ampla exposição, que ocorre após a década em que seu nome ficou mais conhecido que sua obra? Há 11 anos, eu não mostrava nada no Rio. Nesse tempo, meu nome ficou muito mais conhecido, mas a obra foi pouco vista, de fato. Então, resolvemos organizar uma mostra que fosse significativa. Acabou sendo a mais abrangente da minha produção, com 60 obras, em um superesforço de mobilização para fazer isso. Tem obras
de museus como Guggenheim (NY), (Museu Nacional de) Belas Artes do Rio e Museu de Arte Moderna de São Paulo. Também de coleções privadas de Berlim, Buenos Aires, Londres e do Brasil, claro. Mesmo com a projeção no circuito internacional, você manteve sua vida e seu ateliê no Rio. Permanecer foi uma escolha? Nunca fui uma pessoa muito interessada em conhecer o mundo. Não era algo que eu tinha na minha
personalidade, sempre me senti bem no Rio. Nos anos 1980, fiz minha primeira viagem à Europa, que foi fundamental para ver as obras que conhecia de livros. Isso mudou toda a minha relação com a pintura.e significativa. A partir da década de 1990, quando meu trabalho começou a sair – e eu tive que sair como ele –, fiz toda uma reestruturação da minha vida, porque precisei incluir viagens internacionais. Mas, em nenhum momento, pensei em emigrar.
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Beatriz Milhazes Para mim, ficou muito claro que é importante reconhecer onde é minha casa, o meu local, e voltar. Meu ateliê ainda é o mesmo, comprei mais duas casas, mas sigo na rua em que sempre estive. É um ambiente reconhecível, de que gosto, do lado do Jardim Botânico. Quer dizer: a possibilidade de sempre voltar para um universo que é confortável foi muito importante, especialmente para manter a essência do meu trabalho. Hoje, que sou uma artista brasileira mais internacional, passo temporadas fora do Brasil, mas, com certeza, minha base é aqui. E, para mim, é importante manter isso. Tenho uma vida em inglês, como digo, e outra em português. Como é ser "a mais cara artista brasileira viva"? Não sou a única (risos). Tem algo de interessante nessa questão do valor de mercado. A minha geração é a primeira que alcança esse patamar de preço de mercado e também de localização dentro dessa cena. É um patamar que artistas europeus e americanos já alcançaram no passado. Nós estávamos fora desse grupo. Esse é o lado válido, porque, por trás desses grandes leilões de arte contemporânea, estão os grandes museus e colecionadores. Começamos a entrar, vamos dizer, na história internacional da arte, da qual a gente não fazia parte até pouco tempo. Isso é o lado positivo. E, com certeza, tudo tem dois lados. É um bom problema. Não imaginava que seria esta pessoa (a mais cara artista brasileira viva). E a gente tem que aprender a lidar com isso. O reconhecimento do mercado impacta em sua produção e seu modo de trabalho? Não, nada. A mudança que fiz em relação à minha rotina envolve agendamento, pois sou organizada e disciplinada. Tenho que seguir isso. Tudo o que fiz de alteração do trabalho seguiu o roteiro da minha relação com o próprio trabalho no ateliê. O mais importante e fundamental é manter isso, senão você acaba perdendo o que te fez chegar lá. E, perdendo isso, você perde tudo. O artista precisa ter essa consciência. A mim, isso foi intuitivo, e fui confirmando que era o caminho seguro. Se o artista não fizer isso, a tendência é perder o que já conseguiu.que era o caminho seguro. Se o artista não fizer isso, a tendência é perder o que já conseguiu.
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Muito se fala em orientação do mercado. Em algum momento, ela recai sobre você? A pressão é variada. Mas, na verdade, não existe uma orientação do mercado, é um pouco de fantasia. Claro, estou falando do mercado realmente profissional. Se existisse uma fórmula do que vende, todo mundo faria, e não teria problema, era só repetir. Só que ninguém sabe. Se você deu certo pintando um quadrado vermelho, e tem mais pessoas interessadas nesse quadrado vermelho do que você poderia prever, o perigo é achar que, repetindo quadrados vermelhos, vai continuar bem–sucedido. Essa é a grande armadilha. Você tem que continuar seguindo as regras que são do seu próprio trabalho. Se tem mais pessoas interessadas no que você está fazendo, que bom, mas você não poderá se guiar por isso porque não sabe o que faz as pessoas continuarem interessadas. Tenho que seguir isso. Tudo o que fiz de alteração do trabalho seguiu o roteiro da minha relação com o próprio trabalho no ateliê. O mais importante e fundamental é manter isso, senão você acaba perdendo o que te fez chegar lá. E, perdendo isso, você perde tudo. O artista precisa ter essa consciência. A mim, isso foi intuitivo, e fui confirmando que era o caminho seguro. Se o artista não fizer isso, a tendência é perder o que já conseguiu.
Seu trabalho foi acrescentando elementos da arte popular brasileira, como artesanato e bordado. Qual é o lugar da pintura? Sempre tive interesse na pintura, sempre foi meu meio de expressão. A pintura tem questões em si, próprias. Além do que, os conceitos e os raciocínios da pintura vêm da Europa, inicialmente, e dos EUA, finalmente. Então, não nos pertence. Quando você está aprendendo pintura, terá que ingressar numa linha de pensamento que não é originária da nossa formação. Comigo, aconteceu que, na minha formação e como estudante de pintura, tudo era muito voltado para a valorização da nossa cultura. Foram os elementos da minha vivência no Brasil, no Rio especificamente, que me motivavam a ser artista, era isso o que me interessava colocar na minha pintura. Quando comecei a desenvolver linguagem, meu interesse era unir esses dois mundos. Esse é o lado válido, porque, por trás desses grandes leilões de arte contemporânea, estão os grandes museus e colecionadores. Começamos a entrar, vamos dizer, na história internacional da arte, da qual a gente não fazia parte até pouco tempo. Isso é o lado positivo. E, com certeza, tudo tem dois lados. É um bom problema.
Beatriz Milhazes
Spring Love
Vêm daí as relações com a antropofagia e o tropicalismo? Nosso modernismo já pensava nisso, nessas questões. O movimento tinha essa ideia da antropofagia, especialmente com a Tarsila (do Amaral). Eu me filiei a isso e, na questão do pensamento pictórico, me uni à figura do Matisse, que é outro modernista, só que europeu. No decorrer do meu caminho, do meu processo, da minha evolução, acho que são sempre esses elementos que utilizo na construção, que, no fim, é baseada na geometria, em uma estrutura, em uma criação de ordem própria. A pintura toda é equilibrada e desenvolvida nesse eixo, unindo elementos que vêm de universos variados.
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Qual é a visão que a arte brasileira goza no Exterior. Pergunto no sentido histórico, de artistas modernos, e no sentido da produção contemporânea. Acha que passamos do estágio Helio Oiticica/Lygia Pape/Lygia Clark? Há interesse pela arte brasileira em geral? Aumentou muito porque acho que aconteceu um processo bem interessante. Como a arte contemporâne mais jovem começou a se tornar mais ativa, apareceu forte dentro da cena internacional, e isso começou a despertar um interesse maior: será que existe uma história forte também no Brasil? Eles são oriundos de quê? Isso foi fazendo os críticos e os teóricos penetrarem na nossa história e perceberem que, sim, existe uma história, e é uma história interessante e importante e que pode comunicar com o que era antes tido como a história internacional. O nosso modernismo ainda não chegou lá, mas é bem provável que vá chegar.Tenho que seguir isso. Tudo o que fiz de alteração do trabalho seguiu o roteiro da minha relação com o próprio trabalho no ateliê. O mais importante e fundamental é manter isso, senão você acaba perdendo o que te fez chegar lá. E, perdendo isso, você perde tudo. O artista precisa ter essa consciência. A mim, isso foi intuitivo, e fui confirmando que era o caminho seguro. Se o artista não fizer isso, a tendência é perder o que já conseguiu.
Obra "Aubergine V (red)"
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ozi
30 anos de arte urbana no brasil
Com curadoria de Marco Antonio Teobaldo, mostra de Ozéas Duarte reúne documentos, registros fotográficos, depoimentos e obras em diferentes tipos de suporte por NATALIA NAVYLLE
A
CAIXA Cultural Recife apresenta a exposição Ozi - 30 anos de arte urbana no Brasil, em temporada de 16 de setembro a 20 de novembro de 2016. Ozi é o nome artístico do paulistano Ozeas Duarte, um dos ícones da primeira geracao da arte urbana
brasileira, que celebra três décadas de trabalho com esta mostra, que tem curadoria de Marco Antonio Teobaldo. Ozi se destaca no Brasil e no exterior pela pesquisa sobre a técnica de estêncil com estética pop e reúne na CAIXA um raro material sobre o grafite nacional. A exposição será aberta no dia 15 de setembro, às 18h30, com bate-papo com o artista e o curador. A visitação é gratuita e começa no dia 16 de setembro, de terça-feira a sábado, das 10h às 20h, e aos domingos, das 10h às 17h. São cem peças de tamanhos variados e que representam um inventário desta importante parte da street art brasileira: documentos, registros fotográficos, depoimentos e obras do artista em diferentes tipos de suporte, que datam desde 1984 até o período atual. Para Marco Antonio Teobaldo, é um material raro sobre a história do grafite no Brasil. “Durante a pesquisa para realização da mostra, foram entrevistados artistas que fizeram parte daquela cena urbana inicial e novos artistas, que traçaram um panorama sobre a arte urbana no Brasil e a importância da obra de Ozi neste contexto”, explica.
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A exposição está dividida em quatro segmentos: Rua, Arte fina, Matrizes e Bio. No segmento Rua são expostas obras em grandes dimensões, trazendo a linguagem utilizada por Ozi nos espaços públicos dos centros urbanos. As paredes da galeria recebem intervenções com os grafites do artista formando um imenso mural multicolorido. Em Arte fina estão obras criadas em suportes variados, normalmente expostas em galerias e adquiridas por colecionadores durante a trajetória do artista. São telas emolduradas, madeiras, metais, objetos de uso doméstico, latas de spray e outros itens, que formam uma coleção de pinturas, esculturas e assemblages. Entre as obras, há uma série de estêncil sobre bolsas falsificadas com marcas de luxo, compradas no mercado popular da Rua 25 de Março, em São Paulo. Em Matrizes será exibido pela primeira vez um conjunto de máscaras de estêncil dos trabalhos mais emblemáticos da sua carreira, criados durante o período de 1984 até 2015. São verdadeiras raridades que estarão disponíveis para a observação dos visitantes, como as obras da série Museu de rua, com referências a artistas como Anita Malfati, Van Gogh, Di Cavalcanti, Roy Lichtenstein e Picasso. Já em Bio, dois vídeos reúnem depoimentos do artista e de parceiros de profissão, que remontam à história da arte urbana no Brasil. Do acervo pessoal do artista, são exibidas imagens históricas dos primeiros grupos de grafiteiros e suas intervenções na cidade de São Paulo, materiais gráficos de época e recortes de jornal.
Sigmund Freud
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Ozi
A origem da cena urbana A street art no Brasil surgiu em 1978, em São Paulo, durante o período da ditadura militar, com Alex Vallauri, que reuniu outros artistas como Waldemar Zaidler e Carlos Matuck, e posteriormente Hudnilson Jr., John Howard, Julio Barreto, Ozi e Maurício Villaça. Este último abriu as portas de sua casa e transformou-a na galeria Art Brut, que se constituiu em um espaço da cena underground daquela época e acolheu artistas visuais e performáticos, poetas e toda sorte de visitantes atraídos por aquela nova forma de pensamento artístico. Foi a partir do encontro destes artistas que se iniciou uma série de intervenções e ações públicas na capital paulistana, que fariam história na constituição do grafite brasileiro.
“ Eram tempos bicudos, o povo
alienado por um poder que não permitia as pessoas questionarem e muito menos se expressarem.”
“
Minhas referências são em grande parte do universo pop e da arte. A literatura é algo sofisticado para levar à rua; temos uma população inculta e quero que meu trabalho de algum modo chegue sem o lustro da erudição. ”
O Artista Ozi é paulistano e faz parte da primeira geração do grafite brasileiro, quando em 1985 iniciou suas primeiras intervenções urbanas, junto com Alex Vallauri e Maurício Villaça. Desde então, desenvolve pesquisa sobre a técnica de estêncil, criando suas obras a partir de uma estética pop. Durante sua trajetória profissional, participou de diversas exposições coletivas e individuais no Brasil e exterior. Atualmente é representado pelas galerias Espace-L, em Genebra, na Suíça, e A7MA, em São Paulo. Seus trabalhos figuram em publicações nacionais e estrangeiras. Ozi viveu uma época em que a repressão sufocava. Segundo ele, fugir da polícia e das bombas de gás era costumeiro. "Lembro que o Alex Vallauri escrevia 'Diretas já' e o Maurício Villaça chegou a pintar uma Salomé dançando com a cabeça do Sarney em suas mãos. O pensamento geral era que qualquer pessoa ligada à arte era subversiva ou comunista", recorda. Ozi aprendeu a fazer estêncil com Villaça, que o instruiu tecnicamente como recortar as máscaras.
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alĂŠm do concreto
por Oswaldo Scaliotti
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ar cor à cidade. Aquele encantar-se pelas ruas, a Fortaleza dos encontros e dos olhares que criam e contemplam, dos artistas que se encontram e interagem, desse colorido-todo nos muros, nas paisagens e no cotidiano: tudo isso faz do “Festival Concreto – Festival Internacional de Arte Urbana” um doseventos mais aguardados do Ceará. A 3ª edição tem início no dia 4 de novembro e segue até o dia 12 com a presença de mais de 100 artistas locais, nacionais e internacionais, serão mais de 35 projetos do Ceará, 25 propostas nacionais e 13 artistas internacionais de oito países (México, Chile, Espanha, Polônia, Argentina, Portugal, Ilhas Canárias e Itália), além de atividades de formação, residência artística, lançamento de livros e de documentários, bazar de compra de obras e as já tradicionais festas e shows que encantam deixando um legado de criatividade, rebeldia e beleza que vai muito além das tintas. No dia 4 de novembro, o Festival Concreto faz festa. O lançamento e credenciamento dos artistas acontece às 19h no Espaço Rogaciano Leite (palco sob passarela) no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.
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A programação conta com uma solenidade de abertura, show com bandas e performances, além de Live Painting com Rafael Highraff (SP). Durante os nove dias do festival, os artistas estarão espalhados pela cidade em diversos bairros pintando ao vivo e na rua, apresentando seus trabalhados em graffiti, criando instalações de mobiliários urbanos, performances sonoras, além de dialogar com a população e promover palestras, seminários e vivências. Um dos destaques das atividades é a Amplitude, Escola de Arte Urbana, responsável pelas ações formativas, que em parceria com o Centro Cultural Bom Jardim, realizarão Vivências Práticas de Formação, que através de convocatória, 10 selecionados irão receber bolsa-auxílio e serão acompanhados, num processo de aprendizado prático e dialógico, por artistas de renome nacional e internacional. Outro fator importante é o “Seminário Arte Urbana – Cultura Contemporânea”, um ciclo de palestras com artistas, produtores e ativistas da arte urbana mundial. Uma ação em parceria com a Escola Porto Iracema das Artes. A formação e o intercâmbio são marcas fortes dessa terceira edição. Esse ano, além das atividades em Fortaleza, teremos o Conexão Sobral, estendendo as ações do Festival Concreto ao interior do estado.
O Festival nasceu com o propósito de produção e difusão, aproveitando o potencial arquitetônico de Fortaleza, trazendo a interação e o dialogo com as mais diferentes culturas, onde aspectos como a estética, a forma e a cor sejam discutidos, promovendo um verdadeiro crescimento na qualidade da produção artística como um todo, buscando estar na vanguarda da arte urbana.
Entrevista com
Sergio Odeith
por Gabriel menezes entrevista por Pedro vaz
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deith nasceu em 1976, na Damaia (Portugal). Teve, pela primeira vez, nas mãos numa lata de spray em meados dos anos de 1980, mas foi na década seguinte, quando o graffiti se começou a disseminar em Portugal e a surgir fora do seu berço. Foi em Carcavelos que teve o primeiro contacto com o graffiti e com o movimento que se iniciava. As suas primeiras experiências foram realizadas na rua e em linhas de comboio e, desta forma, a paixão que sempre tinha mostrado pelo desenho encontrou um novo sentido e pôde começar a desenvolver-se. Passado pouco tempo, surgiram oportunidades para pintar grandes murais na Damaia, em Carcavelos e em diversos bairros sociais, entre os quais, a Cova da Moura, o 6 de Maio e Santa Filomena. Desde cedo, revelou um interesse especial pela perspectiva e pela sombra, num estilo obscuro que veio a designar “3D sombrio”, onde as composições, quer fossem paisagens ou retratos, mensagens ou homenagens, se destacavam pelo seu realismo e técnica. Foi, em 2005, reconhecido, a nível internacional, pelas inovadoras incursões na chamada anamorphic art, onde se destacou pelas composições criadas em perspectiva pintadas em diferentes superfícies, como esquinas de 90º ou da parede para o chão, criando um efeito de ilusão óptica.
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Na sua atividade como é que gosta mais que lhe chamem: street writer, graffiter ou muralista? Não valorizo esse tipo de rótulos até porque qualquer um deles se adequa ao que faço. Há pessoas que ainda consideram o graffiti como um ato de vandalismo. Esse tipo de pensamento resulta de um preconceito que está praticamente ultrapassado tanto mais que o nosso trabalho também contribui para a requalificação de áreas degradadas conferindo-lhes uma nova vida. A persistência dessa ideia é residual e um disparate que não merece comentários.
Nasceu na Damaia uma zona onde há uma enorme comunidade de imigrantes de origem africana. Essa diversidade teve alguma responsabilidade na sua opção Eu rejeito essa lógica de getização e considero que a Damaia é uma zona como qualquer outra. A diversidade é obviamente importante porque abre os nossos horizontes permitindo que vejamos o mundo além do nosso umbigo.
Uma vez que fora da escola se virou do jeito como podia? O grafiteiro vai conquistando o seu próprio caminho. A experiência que vamos adquirindo é decisiva para, por exemplo, saber escolher a parede que melhor se adequa ao que pretendemos fazer. Mas para termos essa perceção precisamos de tempo. Acaba por ser uma realidade similar a outros setores profissionais.
Como é que se iniciou nesta atividade? Deixei de estudar cedo e não tinha nada definido. Tenho 40 anos e depois de ter abandonado a escola tive vários trabalhos até que em 1995 comecei de forma ilegal a pintar nas paredes que se encontravam junto às linhas de comboio. Além da liberdade de que falou houve outros aspetos que o fascinaram? Queria também ganhar o respeito da rua porque o graffiti acaba por ser também uma forma de dizermos estou aqui e este o meu nome. Para ganhar o respeito das pessoas é preciso que o trabalho que se faz seja conhecido. É assim em todas as áreas e nas artes isso ganha ainda mais relevância.
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“A arte urbana amplia a liberdade criativa.”
Tattoo da vez
Nostalgia
Sobre sua técnica, é uma técnica tridimensional? É uma forma que nos remete para o 3D. Mas aquilo que continua a ser mais importante são as latas de spray porque sem elas não se pode fazer nada. Pensou seguir um caminho mais convencional na pintura? Eu já pintei alguns quadros mas não gosto do isolamento dos ateliers e das limitações de pintar em telas pequenas. Preciso de sentir o ambiente que me rodeia quando estou a trabalhar e perceber as reações das pessoas. Essa interação é para mim muito importante.
Neste caso podemos dizer que é a arte que vai ao encontro das pessoas ao contrário dos trabalhos que estão expostos em galerias ou museus. Está nas ruas ou em espaços públicos e cruza-se com o olhar de toda a gente. Não gosto da mercantilização da arte porque esta limita a sua autenticidade. Quando uma determinada obra atinge valores elevados passa a ser tratada como um produto, como as ações na bolsa. Entra-se numa lógica de puro negócio onde os trabalhos são transacionados a pensar unicamente no seu valor comercial independentemente da sua qualidade. Para mim isto é subversivo.
Mas não te fazem encomendas para trabalhar sobre determinados assuntos? Não gosto de imposições temáticas porque a liberdade é o oxigénio do artista. Sem ela confrontamo-nos com o perigo de estreitar o caminho para começar a obedecer a imposições. E quando isso acontece corre-se o risco de desvirtuar aquilo que se quer fazer. Como se define como artista? Independentemente de considerar que devem ser os outros a responder a essa pergunta posso dizer simplesmente que pinto na rua e sou livre.
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#pelepretatatuada
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Projeto de tatuador baiano cria referências para tatuagens em pele negra. por DANIEL SILVEIRA fotos HELEN MOZÃO
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uando Finho, 35 anos, começou a tatuar, no início dos anos 2000, percebeu que tinha algo estranho nos catálogos dos estúdios da cidade. Foi a mesma constatação do estudante Tiago Dias, 25, quando resolveu fazer sua primeira tatuagem, em 2013: faltavam referências de pessoas negras. “A maioria dos desenhos que eu via era em brancos. Achar exemplos de peles negras é complicado”, conta Tiago. Riscando a pele de pessoas há 15 anos, Finho também se deu conta de uma crença equivocada: que os traços não se destacariam na pele negra, baseada apenas no preconceito. “Percebi que muitos negros se tatuam, mesmo com essa noção esquisita. Isso acaba sendo mais uma barreira a ser quebrada”, defende. A percepção foi o pontapé inicial para o tatuador Finho criar o projeto #pelepretatatuada, que quer criar referências de tatuagens para pessoas de pele negra. Há cerca de um ano, Finho se juntou à fotógrafa Helen Mozão e passaram a fotografar amigos e clientes negros e suas tattoos. O projeto fez tanto sucesso que virou notícia no site americano Afropunk (afropunk.com) que fala de assuntos ligados à cultura afro e tem mais de 1.1 milhão de seguidores no Instagram e no Facebook. Além disso, Finho passou a fazer desenhos que valorizam a diáspora africana, como cabeças de mulheres
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#pelepretatatuada
fotografar amigos e clientes negros e suas tattoos. O projeto fez tanto sucesso que virou notícia no site americano Afropunk (afropunk.com) que fala de assuntos ligados à cultura afro e tem mais de 1.1 milhão de seguidores no Instagram e no Facebook. Além disso, Finho passou a fazer desenhos que valorizam a diáspora africana, como cabeças de mulheres negras, destacando suas características físicas. Isso criou outro projeto, o Cada Cabeça Uma África. “Ele é uma parte do #pelepretatatuada. Dei esse nome a uma série de desenhos que estou fazendo de mulheres africanas usando jóias, óculos e outros acessórios”, diz. Deixado de lado o preconceito, para Finho, alguns detalhes devem ser lembrados quando se fala em tatuagem na pele negra. O primeiro deles é com as tintas. Essa foi uma das preocupações de Tiago quando decidiu se tatuar. “Resolvi fazer bastante sombreamento e evitar cores”, explica. “Meu tatuador sempre me disse que a pele negra perde nas cores, mas ganha com sombreamento”, afirma. A atenção maior deve ser com a cicatrização. “Como a pele negra tem mais tendência a fazer queloide, a gente manda ter mais cuidado”, lembra Finho. Tiago ainda aponta outro detalhe que pode evitar frustrações futuras com o desenho. “Busquei tatuadores que já tivessem tatuado pessoas negras, foi minha preocupação”, finaliza.
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Entrevista com
VICTOR NOGUEIRA O universo da maquiagem de efeitos especiais atravĂŠs do olhar de um maquiador brasileiro de 19 anos. por Ingrid Luz entrevista por eliane konishi
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ictor Nogueira, 19 anos, é maquiador de efeitos especiais e já está no ramo há seis anos, apesar da pouca idade. Seu interesse por maquiagem veio cedo, aos 12 anos, quando foi em uma festa de Halloween e resolveu se fantasiar de caveira: insistente à perfeição, Victor testou a maquiagem repetidamente até que ficasse perfeita. Aos 13 anos trabalhava em festas infantis fazendo pinturas em crianças e em eventos particulares. Um ano depois estava trabalhando em um dos maiores eventos de terror da América Latina, se especializando em maquiagem de terror. Em 2015, começou a gravar vídeos e publicá-los na internet. O primeiro vídeo viralizou com mais de 1.500.000 visualizações e, desde então, Victor tem conquistado uma legião de seguidores e um público fiel. Atualmente, Victor possui 352 mil seguidores no Instagram, 470 mil no Facebook e 134 mil inscritos em seu canal do Youtube. Como é a profissão de maquiador no Brasil e como se define um maquiador de efeitos especiais? A profissão de maquiador no Brasil tem suas dificuldades, como a de todo artista brasileiro, mas também é encantadora e gratificante. É um trabalho desafiador, cada projeto tem suas particularidades e nunca se repete. No nosso país ainda precisamos consolidar o conceito de maquiagem de efeitos especiais. O maquiador tem que ter domínio dos materiais, técnica e postura, para que possa conquistar mais espaço no cenário da televisão e cinema brasileiro, que cresce a cada dia. É muito difícil o domínio da técnica? A maquiagem de efeitos especiais exige muito conhecimento, sendo necessário entender de escultura, pintura, harmonia de cores, visagismo, e principalmente, ter muita sensibilidade. É importante também que tenhamos mais publicações a respeito do tema e que se compartilhe mais conhecimento não
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só do trabalho já concluído, mas do processo de execução para se chegar ao momento da aplicação, que dependendo da sua complexidade, pede cuidados especiais para que funcione. Quanto tempo e qual o custo de uma maquiagem de efeitos especiais? O tempo e o custo são importantíssimos para a realização e funcionabilidade. O tempo pode ser dividido em três partes: a elaboração, a preparação, e por fim, a aplicação; que pode ser diferente se for um envelhecimento ou uma transformação com próteses. Cada trabalho exige um caminho, é único e requer cuidado diferenciado. O custo varia de acordo com o conhecimento de materiais e suas aplicações para atender a cada trabalho. O mercado brasileiro oferece, a cada dia, novos materiais, trazidos de outros países ou já produzidos no Brasil mesmo, o que facilita e ajuda a diminuir este custo e dá acesso a quem está começando na carreira.
Resumidamente, como é o trabalho do maquiador de efeitos especiais? O maquiador, muitas vezes, precisa “captar” a necessidade do diretor, e traduzir para o público. A maquiagem de efeito é um trabalho artístico e surge da misturas de materiais, de um molde de um rosto, de colas que podem ser usadas, de materiais precisam ir ao forno, e ficarem de 3 a 6 horas a mais ou menos oitenta graus. Existem possibilidades de pintura intrínseca ou extrínseca; que podem ser látex, gelatina, foam látex, silicone ou ecoflex, e por aí vai… Quais os requisitos para ser um maquiador de efeitos especiais? Os principais requisitos são a meticulosidade e o detalhismo, a maquiagem de efeitos especiais precisa de um tratamento cuidadoso, não temos a opção de refazer o trabalho, ele acontece na hora, e necessita de tempo diferenciado, de ação e preparação da cena. Nesse momento o maquiador deve fazer a “direção de efeitos especiais”, ou seja, defender seu trabalho com fundamento, para colaborar com toda equipe visando uma excelente finalização do trabalho. Nos EUA, por exemplo, muitas vezes o maquiador pede oito horas para a preparação de uma cena, no Brasil, o prazo máximo que conseguimos é de três horas. Isso é um grande desafio, que é compensado quando vemos a transformação da personagem, a reação das pessoas e como o ator se envolve com a maquiagem “incorporando” uma nova personalidade. Como está o mercado para os profissionais da área? Bem, tanto no Brasil como nos EUA, que é onde tenho experiência, o efeito especial é uma indústria e oferece um novo produto a cada mês. Existe toda uma atenção dos profissionais de set, recebendo a devida importância como qualquer área da produção. O mais interessante é que a maquiagem é fundamental para criar uma ilusão, para retratar
uma realidade, ou uma ficção. Costumo dizer que sabemos que o trabalho está bom quando conseguimos convencer as pessoas do set. São essas pessoas que estão vendo o trabalho de perto, que vão dizer se está verdadeiro ou não. Quanto a valores, depende de cada profissional e do seu grau de perfeição. Com as novas tecnologias é preciso ser detalhista e sutil. E o maquiador precisa entender muito do produto que está sendo usado. Inclusive como é sua reação com as diferenças de clima, pois muitas vezes um produto funciona muito bem no frio do Japão, mas precisa ser “adaptado” para o calor do Brasil.
O LINEWORK ENVOLVENTE DE
sCARLATH LOUYSE por TAMY ANTUNES
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om apenas 23 anos e muitos quilômetros rodados, a tatuadora Scarlath Louyse ingressou nesta profissão por sempre ter se identificado com as artes. “Sempre gostei de arte e modificação corporal, tinha uma ânsia e necessidade de explorar outras superfícies e possibilidades além de muros e papéis”. Para ela é muito difícil classificar o próprio trabalho. “Chamo meu trabalho de ‘arte sem nome’, acho que meus desenhos estão em constante processo de mudança. Como estou sempre viajando acabo conhecendo muita gente e lugares, de onde tiro novos aprendizados, tudo varia muito do sentimento do momento, prefiro não classificar para não me limitar”. Scarlath completou um curso técnico em moda e, apesar de não trabalhar mais na área e nem pretender voltar, declara o desejo de ainda estudar mais um pouco. “Tenho vontade de estudar artes plásticas para ampliar minhas ideias”. Pernambucana, natural de Caruaru, ela conta um pouco do seu processo de aprendizado e seu envolvimento com o desenho.
“Quando criança era muito retraída e isolada, usava e até hoje uso minhas pinturas como válvula de escape quando quero por algum sentimento pra fora. Lembro de cada desenho que fiz em fases específicas da minha vida. É quase uma biografia ilustrada”.
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Sou autodidata, como não tinha acesso à internet e a arte não era muito incentivada na minha cidade natal, desenvolvi um estilo particular. Meus amigos de escola, infância, vizinhos sempre sabiam que era uma arte minha pelo jeito que represento alguns símbolos
”
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matéria originalmente publicada em G1 TOCANTINS
HISTÓRIA PINTADA NO CORPO
Traços e formas geométricas diferenciam clãs, famílias e até o estado civil. Tintas usadas são feitas a partir de elementos naturais como o urucum.
A
s pinturas corporais são as marcas de muitas etnias indígenas. Elas diferenciam clãs e famílias. As tintas são feitas a partir de elementos naturais como urucum, jenipapo e açafrão. Esses povos carregam no rosto a identidade. A pintura indígenas, que expressa o que o indivíduo representa no grupo e até o estado civil. A mistura mais comum que define os traços é feita de urucum e jenipapo. O jenipapo, fruta bastante apreciada pelos indígenas, é retirado verde e seu líquido é extraído. Em contato com a pele se transforma em uma tinta preta.
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Pegamos o jenipapo e ralamos. Com o caldo que se forma fazemos as pinturas. Já com o urucum a gente tira os caroços e vai fazendo uma pasta que dá esse vermelho
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No caso das mulheres da etnia, tem ainda um toque de argila amarela. Alguns desenhos feitos no rosto indicam o estado civil delas. As pinturas são diferentes para cada ocasião, como comemorações ou rituais sagrados. Existem também desenhos que demonstram sentimentos desde os mais felizes até os de revolta e indignação pelos diversos problemas enfrentados pelos povos. A pintura de onça no rosto simboliza indígenas guerreiros e também amor e paz. "Geralmente a gente usa porque é nossa cultura", diz Uinatam Pataxó.
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Cada mulher, seja casada ou solteira, tem que usar as próprias pinturas. Todas têm que estar identificadas para quando o parente for puxar assunto, não ir falar com mulher casada
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Naiara Pataxó Dependendo do tamanho do desenho e da quantidade de tinta, a pintura pode ficar no corpo por até quatro dias. Cada povo tem sua própria pintura, elas nunca são iguais. Segundo o cacique da etnia Kuikuro, Yacalu Kuikuro, é como se fosse a roupa dos indígenas. "Vem de muitos anos. A pintura é roupa para gente. Como o homem branco, estou usando roupa.”
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