Seminário Magazine

Page 1

Salvador | Bahia | 26 a 31 de Julho | 2010 | Teatro Castro Alves | icba | Teatro MArtim Gonรงalves w w w. s e m i n a r i o d e c i n e m a . c o m . b r

Miguel Littin lanรงa Dawson no Seminรกrio Mesas discutem Cinema

Pasolini passado a limpo

Mostra no Icba revela obra de cineasta italiano


Editorial

Que viva o sul! Há poucos anos, durante uma manifestação em Roma contra o governo Berlusconi, a ativista Frida Mori elucubrava a respeito dos descalabros da política italiana. Depois de enumerar uma série de razões que a deixavam revoltada com a gestão do premier, que vem envergonhando parte de seu país com ações de caráter totalitário, a exemplo da descabida campanha racista contra os imigrantes, gritou: "Que viver no sul do mundo não seja vergonha e nem motivo de sofrimento para mais ninguém!". Os anos passaram e, de certa forma, as distâncias que separaram o sul do mundo do opulento norte diminuíram, por conta de um maior equilíbrio das forças produtivas. E, se mesmo contra todo o pessimismo tal façanha se deu, não se pode deixar de reconhecer que foi graças à intervenção mais direta do Estado, como aconteceu na América Latina, a partir da consolidação da democracia na região, como, também, pelos investimentos na área social. Na sua sexta edição, o Seminário reflete tal tendência, até porque seria impossível deixar de fazê-lo, pois não se pode mascarar a verdade. Tanto que a presença de filmes como Ao sul da fronteira, de Oliver Stone, Zona Sul, de Juan Carlos Valdivia, Dawson, Isla 10, de Miguel Littin, além de Comei, este é o meu corpo, de Michelange Quay, de certa forma aborda as melhorias e as muitas contradições da América Latina e Caribe. Também, o Seminário mantém a sua tradição em promover debates a respeito do cinema e das demais atividades audiovisuais. Este ano, particularmente, a presença de nomes como Tariq Ali, Lucrecia Martel e Mark Amerika, só para citar alguns convidados internacionais de peso, só vem a confirmar o caráter abrangente do evento, sem falar da Mostra Pasolini no Icba. Por sua vez, o Lounge Multimídia apresenta-se como uma "nova roupagem" e, durante uma semana no foyer do Teatro Castro Alves, vai brindar o público com mostras e performances inéditas. A todos, bom Seminário! Raul Moreira Editor

2

Pasolini para todos Mostra no Icba retrata principais filmes do mais maldito dos cineastas italianos | PAGS. 16, 17, 18 E 19 Stone do outro lado Documentário de norte-americano retratando América Latina é boicotado pela mídia | PAG. 9 Curtas do Brasil Mostra competitiva do Seminário reúne sete filmes nacionais e três locais | PAG. 11

Bolívia burguesa? Filme de Juan Carlos Valdívia surpreende ao mostrar faceta desconhecida de país andino | PAG. 7

Bahia chilena Produtor e atores baianos garantem sucesso de Dawson, Isla 10, do chileno Miguel Littín | PAGS. 15 E 16

A volta da menina pródiga Baiana Helena Ignez apresenta filme feminista no Seminário | PAGS. 20 E 21

Falas e discussões Mesas abordam facetas do cinema e audiovisual. Tariq Ali é atração | PAGS. 22 E 23

Lounge amplia alcance Diversão e mostras no foyer do Castro Alves anunciam-se ponto alto do Seminário | PAGS. 24 E 25

Quem matou Allende? Miguel Liitín, diretor de "Dawson", não crê em suicídio de presidente chileno | PAGS. 13 E 14

Contatos fundamentais Encontro reúne em Salvador produtores e distribuidores locais, nacionais e internacionais | PAG. 26 Vísceras expostas Em artigo, cineasta Fábio Rocha fala de sua concepção de cinema | PAG. 28

SeminÁrio Magazine | Edição e textos: Raul Moreira | Editor de arte: Sérgio Fujiwara | Consultoria gráfica: Angela Fujiwara | Revisão: Cristina Cardoso | Tratamento de imagens: Flávia Gurgel | Impressão e acabamento: Venture Gráfica.

3


VI Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual Programação Geral | Teatro Castro Alves | Teatro MartiM Gonçalves 26/07 | segunda-feira SALA PRINCIPAL 15h | ABERTURA DO VI SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE CINEMA E AUDIO VISUAL 15h30 | Sessão Especial | AO SUL DA FRONTEIRA, South of Border (Oliver Stone, Estados Unidos, documentário, digital, 2009, 102min) 17h30 | Diálogo | CINEMA, CULTURA E POLÍTICA | Tariq Ali (PAK/GBR) | Miguel Littin (CHL) | Gustavo Dahl (BRA) 20h30 | Mostra Competitiva de Curtas | AVE MARIA OU MÃE DOS SERTANEJOS (Camilo Cavalcante, PE, documentário, 35mm, 2009, 12min) A NOITE POR TESTEMUNHA (Bruno Torres, DF, ficção, 35mm, 2009, 20min) Mostra Internacional | DAWSON ISLA 10 (Miguel Littin, Chile, ficção, 35mm, 2009, 100min) LOUNGE MULTIMÍDIA 14h | Mostra DIA internacional de animação | PROGRAMA I Mostra Nacional | 64’49” | PROGRAMA I Mostra Estrangeira | 4’21” 16h20 | Mostra 40 Anos De Videoarte | Zkm | PROGRAMA I 1963 A 1969 [164’58”] 19h15 | Mostra 40 Anos De Videoarte | Zkm | PROGRAMA II - 1969 A 1971 - [101’25”]

27/07 | Terça-feira

Dias, BA, ficção, digital, 2010, 15min)

LOUNGE MULTIMÍDIA

LOUNGE MULTIMÍDIA

Mostra Internacional | O HOMEM MAIS PERIGOSO DA AMÉRICA – DANIEL ELLSBERG E OS PAPÉIS DO PENTÁGONO, The Most Dangerous Man in America – Daniel Ellsberg and The Pentagon Papers (Judith Ehrlich e Rick Goldsmith, Estados Unidos, documentário, digital, 2009, 94min)

10h | Mostra DIA internacional de animação - reprise | PROGRAMA I Mostra Nacional | 64’49” | Reprise

10h | Mostra Documentário De Criação [Le Fresnoy] | PROGRAMA II [128’]

PROGRAMA I Mostra Estrangeira | 54’21” | Reprise

12h15 | Videoarte Italiana | PROGRAMA [52’10”]

12h15 | Mostra Documentário De Criação [Le Fresnoy] | PROGRAMA I [123’]

13h15 | Play Rec | Mostra Do Festival Internacional De Videodança Do Recife | PROGRAMA [100’00”]

LOUNGE MULTIMÍDIA 10h | Mostra Cel.U.Cine | FESTIVAL DE MICROMETRAGENS [14’] 10h25 | Mostra Oi Kabum! | VÍDEOS REALIZADOS POR ALUNOS DA ESCOLA OI KABUM! [RECIFE] [43’] 11h20 | Mostra DIA internacional de animação - reprise | PROGRAMA I Mostra Nacional | 64’49” | PROGRAMA I Mostra Estrangeira | 54’21” 13h40 | Mostra Retrospectiva - Raul Machado | MOSTRA DE VIDEOCLIPE. [84’] 15h15 | Mostra 40 Anos De Videoarte [Zkm] | PROGRAMA III 1972 A 1977 - [161’17”] 18h | Noite de autógrafo | OS PIRATAS DO CARIBE | Tariq Ali (PAK/GBR) 18h05 | Mostra 40 Anos De Videoarte [Zkm] | PROGRAMA IV [1977-1978] - (163’27”) 19h | Projeto hÍBRIDOS | VJ Pixel (sp) | Performance Multimídia

28/07 | Quarta-feira

SALA PRINCIPAL

SALA PRINCIPAL

09h30 | Mesa redonda | A EXISTÊNCIA DA ITÁLIA CINEMATOGRÁFICA - PASOLINI | Fernando González García (ESP) | Mariarosária Fabris (BRA) | Vito Zagarrio (ITA) | Elio Rumma (ITA)

09h30 | Mesa redonda | A ARTE DA MONTAGEM | Isabelle Rathery (FRA) | Susan Korda (USA) | Ricardo Miranda (BRA) | Peter Przygodda (DEU)

15h | Mesa redonda | A FRONTEIRA SUTIL ENTRE REALIDADE E FICÇÃO | Gideon Kennedy (USA) | Paulo Alcoforado (BRA) | Michelange Quay (USA/FRA) | Malu Fontes (BRA) 18h30 | Mostra Internacional | CLANDESTINE (Gideon C. Kennedy e Marcus Rosentrater, Estados Unidos, documentário, digital, 2009, 34min) WILLIAM KUNSTLER – PERTURBANDO O UNIVERSO, William Kunstler – Disturbing the Universe (Emily Kunstler e Sarah Kunstler, Estados Unidos, documentário, digital, 2009, 85min) 20h30 | Mostra Competitiva de Curtas | ÁUREA (Zeca Ferreira, RJ, ficção, digital, 2010, 16min) 1978 – CIDADE SUBMERSA (Caetano

4

| 26 a 31 de julho

15h | Mesa redonda | O PRESENTE DA IMAGEM EM MOVIMENTO | Mark Amerika (USA) | Lucas Bambozzi (BRA) | Luciano Santana (BRA/ESP) | Juliana Guanais (BRA/FRA) 18h30 | Mostra Internacional | COMEI, ESTE É O MEU CORPO, Mange Ceci C´Est Mon Corps (Michelange Quay, França, ficção, 35mm, 2007, 105min) 20h30 | Mostra Competitiva de Curtas | CIRCUITO INTERNO (Júlio Marti, SP, ficção, 35mm, 2010, 15min) ZÉ[s] (Piu Gomes, RJ/DF, documentário, 35mm, 2010, 15min) Mostra Internacional | PICCO (Philip Koch, Alemanha, ficção, 35mm, 2010, 105min)

14h25 | Mostra 40 Anos De Videoarte [Zkm] | PROGRAMA V – 1979 A 1983 – [149’12”] 17h | Mostra 40 Anos De Videoarte [Zkm] | PROGRAMA VI – 1983 A 1984 – [151’27’’] 18h | Noite de autógrafo | MÁGICAS MENTIRAS | Lula Martins (BA) LES AMOUREUSES, UMA VIAGEM PARA A FEMINILIDADE | Clotilde Leguil (FRA) 18h45 | Projeto hÍBRIDOS | Lucas Bambozzi (SP) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA 19h40 | Mostra Retrospectiva – Raul Machado | MOSTRA DE VIDEOCLIPE. [84’]

29/07 | Quinta-feira SALA PRINCIPAL 09h30 | Mesa redonda | DRAMATURGIA NAS TELAS | Marcelo Rezende (BRA) | Ariel Schweitzer (ISR/FRA) | Lucrecia Martel (ARG) | Adriano Oliveira (BRA) 15h | Mesa redonda | O EROTISMO NO CINEMA | Sérgio Machado (BRA) | Paula Sibilia (BRA) | Clotilde Leguil (FRA) | Aurélio Schommer (BRA) 18h30 | Mostra Internacional | O SARCÓFAGO (Daniel Lisboa, Brasil, documentário, 35mm, 2010, 15min) SIX DOLLAR FIFTY MAN (Mark Albiston e Louis Sutherland, 2009, Nova Zelândia, Ficção, 35mm, 14min) IMMOBILITÉ (Mark Amerika, Estados Unidos/Inglaterra, ficção, digital, 2008, 75min) 20h30 | Mostra Competitiva de Curtas | UM MÉDICO RURAL (Cláudio G. Fernandes, PE, ficção, 35mm, 2010, 21min) LEONEL MATOS A 24 QUADROS POR SEGUNDO (Tuna Espinheira, BA, documentário, 35mm, 2009, 10min) Mostra Internacional | ARQUITETOS DO PODER (Vicente Ferraz e Alessandra Aldé, Brasil, documentário, digital, 2007, 90min)

15h | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA VII - 1985 A 1993 – [134’43] 17h20 | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA VIII - 1996 A 1998 – [107’7”] 18h | Noite de autógrafo | COLEÇÃO INDÚSTRIA CINEMATOGRÁFICA E AUDIOVISUAL BRASILEIRA | Alessandra Meleiro (org) (SP) 18h50 | Projeto hÍBRIDOS | Oscar Malta (PE) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA Projeto hÍBRIDOS | Lucas Böttcher (DEU) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA 19h15 | Mostra Documentário De Criação [Le Fresnoy] | PROGRAMA I [123’] Reprise

30/07 | sexta-feira SALA PRINCIPAL 15h | CURTAS PETROBRAS | DÓGUI: O CÃO DA GLOBALIZAÇÃO (Julia Martins, Rio de Janeiro, animação, 16mm, 2008, 16min) MINAMI EM CLOSE-UP – A BOCA EM REVISTA (Thiago Mendonça, São Paulo, documentário, 35mm, 2008, 19min) FULORESTA DO SAMBA (Marcelo Pinheiro, Recife, documentário, 2005, 26min) MANUAL PARA ATROPELAR CACHORRO (Rafael Pinheiro, São Paulo, ficção, 35mm, 2006, 18min) O LOBISOMEM E O CORONEL (Elvis Kleber de Arruda Figueredo e Ítalo Cajueiro, Distrito Federal, animação, 35mm, 2002, 10min) JOSUÉ E O PÉ DE MACAXEIRA (Diogo Pereira Viegas, RIO DE JANEIRO, 35mm, 2009,12min) DOSSIE REBORDOSA (Cesar Cabral, São Paulo, animação, 35mm, 2008, 16min) 18h30 | Mostra Internacional | CAN WE TALK? (Jim Owen, Inglaterra, ficção, digital, 2009, 11min) CANÇÃO DE BAAL (Helena Ignez, Brasil, ficção, digital, 2008, 77min) 20h30 | Mostra Competitiva de

Curtas | AZUL (Eric Laurence, PE, ficção, 35mm, 2009, 19min) CARRETO (Cláudio Marques e Marília Hughes, BA, ficção, 35mm, 2009, 12min) Mostra Internacional | OUTONO, Autumn (Özcan Alper,Turquia/Alemanha, ficção, 35mm, 2008, 100min) LOUNGE MULTIMÍDIA 10h | PLAY REC | Mostra Do Festival Internacional De Videodança Do Recife | PROGRAMA [100’00”] Reprise 11h45 | Videoarte Italiana | PROGRAMA [52’10”] Reprise 12h40 | série umidades | Joãozito (BA) | SÉRIE DE VÍDEOS SOBRE A ÁGUA [57’] 13h50 | Mostra Documentário De Criação [Le Fresnoy] | PROGRAMA II [128’] Reprise 16h05 | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA IX - [1999 A 2001] - (174’46”) 18h | Noite de autógrafo | ESCRITOS SOBRE CINEMA | André Setaro (BA) 19h | Projeto hÍBRIDOS | Mark Amerika (USA) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA 19h05 | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA X - 2001 A 2002 – [136’55”]

31/07 | sábado SALA PRINCIPAL 15h | Curtas Internacionais | SHORT MATTERS! SELEÇÃO DE CURTAS DA ACADEMIA EUROPÉIA DE CINEMA | PROGRAMAS 1 E 2 18h | Mostra Internacional | ZONA SUL (Juan Carlos Valdivia, Bolívia, ficção, 35mm, 2009, 109min) 20h30 | Cerimônia de Encerramento do VI Seminário de Cinema e Audiovisual VÍDEO INSTALAÇÃO 9/11-11/9 | LUCAS BÖTTCHER (30min) | Uma colagem de imagens, uma ficção sobre a queda de dois paradigmas da sociedade contemporânea: o Muro de Berlin e as Torres Gêmeas de Nova York. A trilha sonora composta especialmente para este trabalho de Sam Shackleton, dialoga com as imagens criando efeitos impactantes. Mostra Competitiva de Curtas | FILMES VENCEDORES LOUNGE MULTIMÍDIA 10h | Mostra DIA internacional de animação - reprise | PROGRAMA I

Mostra Nacional | 64’49” | Reprise PROGRAMA I Mostra Estrangeira | 54’21” | Reprise 12h05 | PLAY REC |Mostra Do Festival Internacional De Videodança Do Recife | PROGRAMA [100’00”] Reprise 13h50 | Mostra Retrospectiva Raul Machado | MOSTRA DE VIDEO CLIPE. [84’] Reprise 15h20 | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA XI - 2003 – [149’13”] 17h55 | Mostra 40 Anos De Video arte [Zkm] | PROGRAMA XII [2004], (42’16”) 18h | série umidades | Joãozito (BA) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA 18h35 | Projeto hÍBRIDOS | Luciano Santana (BA) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA 19h10 | Projeto hÍBRIDOS | Gru-po de Pesquisa poéticas tecnológicas - Ivani Santana (BA) | PERFORMANCE MULTIMÍDIA

Teatro Martim Gonçalves 26 a 30 de julho

26/07 | segunda-feira 09h às 13h | CURSO DE DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA | Miguel Littin (CHL)

27/07 | Terça-feira 09h às 13h | CURSO DE DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA | Miguel Littin (CHL)

28/07 | Quarta-feira 09h às 13h | CURSO DE DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA | Miguel Littin (CHL)

29/07 | Quinta-feira 09h às 13h | CURSO DE DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA | Miguel Littin (CHL) 14h as 18h | OFICINA DE MONTAGEM | Susan Korda (USA)

30/07 | sexta-feira 09h às 13h | CURSO DE DIREÇÃO CINEMATOGRÁFICA | Miguel Littin (CHL) 14h às 18h | OFICINA DE MONTAGEM | Isabelle Rathery (FRA)

5


Filme retrata brancos. Maioria, no entanto, é indígena

Bolívia branca

Longa andino vencedor este ano do Sundance de Cinema surpreende ao abordar modo de vida burguês em La Paz

Do Seminário Magazine

Pequenas e grandes inquietudes de fundo burguês de uma família boliviana branca de classe média alta que habita em bairro localizado na parte baixa de La Paz, ao sul da capital, com seus "serviçais" aymaras. Sinopse do gênero, sob o ponto de vista convencional, já parece surreal, pois invoca, certamente, um filme boliviano? Mas há um cinema boliviano? Mais: família branca de classe média alta em La Paz? Mas há brancos burgueses na Bolívia? Talvez com certa saia justa dos interlocutores estrangeiros, tais indagações postas acima foram repetidas à exaustão ao diretor boliviano Juan Carlos Valdivia, autor de Zona Sul, vencedor, este ano, dos prêmios de Melhor Filme e Melhor Roteiro do Festival Sundance de Cinema, nos EUA, um dos mais prestigiados do mundo pelo seu conteúdo. Apontado como uma das grandes atrações do Seminário, Zona Sul, independentemente do estranhamento que causa à primeira vista, por conta da ideia pré-concebida de que na Bolívia só existe índio pobre e mas-

6

cador de coca, é cinema de primeira, pelo menos a julgar pela forma com que os críticos planetários se renderam à "novidade". No Brasil, onde foi exibido recentemente no 5° Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo, as reações foram as mais abismadas possíveis. Um crítico, perplexo, chegou a afirmar: "Como cinema e método de confecção, Valdivia consegue surpreender, com seu filme, muito mais do que nossas suposições esperariam como surpresas possíveis de um país tão pouco lembrado por suas realizações". Por fim, o mesmo crítico sentencia: "O diretor Juan Carlos Valdivia fez seu 'filme surpresa para os desentendidos' através de uma narrativa embrionária comum, meio novelesca – os dilemas da família branca são, na maior parte, de profundidade rasa, manjada, repetida a cada filme argentino ou brasileiro que se calque na classe média alta, como a filha revoltada e sua sexualidade 'alternativa', ou o filho mais velho chegado numa mordomia e na superfície do óbvio, por exemplo –, que ganha força razoável justamente quando deixa que

os personagens indígenas que trabalham na rica casa escondida da miséria do país assumam a tela. O filme e seu mote revelam que esse exemplar do cinema de lá vem bastante calcado na observação sobre o que e como se discutem os dilemas dos países a serem 'imitados', com resultados que poderiam ser melhores se a trama branca tivesse menos quinhão na história". Críticas à parte, há brancos na Bolívia, sim, como também o país andino é a terra de Jorge Sanjinés, reconhecido mundialmente pelo talento e fundador do grupo Ukamau. Em 1969, dirigiu o longa Yawar Mallku/Sangue de Condor, quando denunciou, entre outras coisas, a esterilização de mulheres bolivianas. A partir daí foi considerado subversivo, passando a sofrer perseguições e diversos exílios. Hoje, na Bolívia de Evo Morales, que privilegia a maioria de ascendência nativa, o premiado Zona Sul, do branco Juan Carlos Valdivia, não deixa de ser "subversivo", pois mostra o país a partir de um pequeno segmento "ariano" que vive na altura de La Paz a universalidade dos dramas burgueses.

7


A cena aconteceu no ano passado, numa grande loja de departamentos em Salvador, dentro de um shopping postado em um bairro de classe média. Na fila do caixa, uma criança, ao lado do pai, ao ver a foto de Hugo Chaves estampada na capa de uma revista semanal, começa a gritar bravatas contra o presidente da Venezuela. O pai, nem um pouco espantado, simplesmente ratifica o discurso do filho, afirmando que a América Latina havia virado um inferno nas mãos de ditadores de esquerda, citando ainda Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, para depois completar: "Quem começou tudo foi Lula!". Mais atrás, um senhor não se conteve e, irado, disse das suas, afirmando que comportamento do tipo seria interessante quando a América Latina era terra de ninguém nas mãos de ditadores de direita financiados pelos Estados Unidos. Não satisfeito, em meio a um silêncio sepulcral, disparou contra a revista Veja e a Rede Globo, chamandoas de apêndices de uma ordem econômica superada e lacaias dos interesses norteamericanos. A cena, não muito corriqueira no Brasil, bem que poderia fazer parte de Ao Sul da Fronteira, documentário do norte-americano Oliver Stone que será exibido no Seminário. Recebido com reticências pela maioria dos meios de comunicação do Brasil, que simplesmente o consideram um panfleto pró-Chaves, o filme, que tem roteiro de Tariq Ali, debate os avanços da região a partir de entrevistas com alguns dos mandatários da América Latina, todos mais à esquerda e eleitos democraticamente em sufrágio universal.

8

Ao sul do mundo

Do Seminário Magazine

Documentário de Oliver Stone rechaçado pela "grande imprensa" é atração do Seminário. Autor destaca avanços da América Latina

Stone contempla. Chaves exulta. Venezuela ruge

Mais polêmico do que propriamente visto, talvez por conta dos boicotes dos meios de comunicação da "Terra Brazilis", Ao Sul da Fronteira, nas palavras de seu diretor, é um filme "destinado aos 80% latino-americanos que foram beneficiados com as políticas dos novos líderes de um continente que sempre foi espoliado pelas forças capitalistas". E Stone ainda foi mais incisivo: "É preciso entender que os filmes existem para as pessoas. E elas meio que ficam enterradas, escondidas. Especialmente os pobres, que não são ouvidos. E esses líderes representam uma mudança". Ainda segundo Stone, em entrevistas a poucos órgãos de imprensa do Brasil que repercutiram o filme sem um tom crítico a priori, não se trata de um panfleto, ainda que ele reconheça o seu fraco pela América Latina, já que fez vários documentários retratando os seus processos políticos e sociais. Nas suas palavras, a montagem contém críticas explícitas aos presidentes eleitos.

"Francamente, se alguém o assistir com atenção vai perceber que a minha visão do processo não é somente flores", disse o cineasta, que depois completou: "Eu sabia, desde o início, que seria boicotado não somente nos EUA". Como deixou claro Oliver Stone, de uma maneira geral os norte-americanos pouco sabem a respeito de assuntos que ultrapassem as suas fronteiras. Assim, o que assimilam a respeito de Chaves nos EUA, por exemplo, nada mais é do que o bombardeio que as grandes redes de televisão normalmente fazem, quando o pintam como o "grande Satã da América Latina": "Infelizmente, os meus conterrâneos nada sabem da guerra que Néstor Kirchner travou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), assim como desconhecem a política nacionalista de Evo Morales, interessando-se, apenas, por assuntos ligados à Colômbia e ao México por conta da campanha contra o narcotráfico".

9


Do Seminário Magazine

Se o mercado de longas cresce no Brasil, a ponto de se produzir uma média de noventa por bimestre, ainda que poucos sejam distribuídos dignamente, a produção de curtas é ainda maior. Por meio de editais, leis de incentivo ou por conta da coragem dos realizadores em investir do próprio bolso, milhares de "pequenos filmes" são finalizados anualmente, e com um detalhe: muitos acabam sendo exibidos nas mais de duas centenas de festivais e mostras que inundam o país de norte a sul – isso quando não entram diretamente na internet. O fenômeno, que obviamente tornou-se objeto de contemplação e pesquisa, de certa forma vem relevando a obsessão do brasileiro pela imagem em movimento. Assim, muitas vezes munidos de uma câmera digital e uma ideia na cabeça, sem falar de certo envolvimento do coletivo que o cerca, a cada dia alguém se diz cineasta, legitimamente, pelo menos no sentido do fazer. E, quando o fazem, os tais se utilizam de linguagens e narrativas as mais diversas, num misto de experimentação ou, simplesmente, repetindo consciente ou inconscientemente o que se viu por aí. Na sua VI edição, o Seminário selecionou dez filmes inéditos na Bahia para disputar o Prêmio Nacional de Melhor Curta, no valor de R$ 10 mil, dos quais três são baianos: Carreto, da dupla Cláudio Marques e Marília Hughes, Cidade Submersa, de Caetano Dias, e Leonel Mattos a 24 quadros por segundo, de Tuna Espinheira. Por sua vez, por conta da vasta produção no estado, três filmes pernambucanos foram escolhidos: Ave Maria ou Mãe dos Sertanejos, de Camilo Cavalcante, Azul, de Eric

No país dos curtas Dez produções baianas

e nacionais disputam

o prêmio de Melhor

Filme curta-metragem

do Seminário

Laurence, e O Médico Rural, do baiano radicado em Recife Cláudio Guedes. Também os curtas cariocas participam do evento, com Zé(S), de Piu Gomes, e Áurea, de Zeca Ferreira. Completam a seleção o

paulista Circuito Interno, de Júlio Martí, e o brasiliense A Noite por Testemunha, de Bruno Torres. Honrando a tradição do Seminário, os critérios de escolha dos curtas basearam-se em aspectos que envolvem desde a qualidade fílmica até a importância dos temas abordados. Tanto que a maioria dos selecionados ganhou prêmios ou simplesmente foi destaque em festivais e mostras pelo Brasil. A Noite por Testemunha, de Bruno Torres, por exemplo, retrata um triste episódio que se deu no Distrito Federal há poucos anos, onde um grupo de rapazes de classe média ateou fogo em um cidadão indígena. Já Circuito Interno, de Júlio Martí, é uma ficção que reconstrói a exploração de mão-de-obra boliviana no mercado têxtil paulistano. Do outro lado, os filmes pernambucanos do trio Camilo Cavalcante (Ave Maria), Eric Laurence (Azul) e Cláudio Guedes (O Médico Rural), ainda que abordem temas diferentes, unem-se pelo fato de que suas tramas dão-se nas profundezas do território. Mais urbanos, no entanto, são os temas dos cariocas Áurea (Zeca Ferreira) e Zé(S) (Piu Gomes), coincidentemente filmes que discutem a força de seus personagens e os conflitos que os cercam na grande cidade. Já as temáticas dos representantes baianos são díspares. Em Carreto, Marques e Hughes apostam no singelo ao abordar a vida de uma criança e seu cotidiano, enquanto Cidade Submersa, de Caetano Dias, explora a memória de um pescador com o seu mundo embaixo d’água. Por fim, Tuna Espinheira, em Leonel Mattos a 24 quadros por segundo, retrata a vida do homônimo artista plástico baiano.

11


Do Seminário Magazine

Ainda que os assassinatos em massa e a destruição do ideal de construir nos anos setenta uma "democracia socialista" no Chile sejam difíceis de digerir, ao realizar Dawson, Isla 10, seu último filme, num primeiro momento é de se pensar que o diretor Miguel Littín teria fechado uma ferida que sangrou durante mais de 35 anos e que, certamente, influenciou a construção de sua cinematografia engajada. Autor de diversos filmes que abordam questões ligadas a processos revolucionários, principalmente na América Latina, o golpe militar do qual foi vítima juntamente com milhões de chilenos era uma obsessão para Littín. E, depois de anos orbitando em torno de seus desdobramentos – até porque, durante muito tempo, viveu longe de seu país como opositor do ditador Augusto Pinochet –, o cineasta finalmente transpôs para as telas os seus pontos de vista a respeito não somente da morte de Salvador Allende, em 1973, mas, também, o inferno no qual se transformou a vida de alguns dos principais colaboradores do então presidente. No entanto, se enganou quem pensou que, ao realizar Dawson, Isla 10, Littín aplacaria completamente o seu desconforto. Na sua expressão ainda se percebem traços de uma dor que talvez jamais venha a desaparecer. Segundo deixou transparecer o próprio cineasta, é importante sempre lembrar-se desse sentimento, não somente os latino-americanos, mas também outros povos que viveram sob regimes ditatoriais, como portugueses, espanhóis e italianos. "Um país que esquece o seu passado é um país sem presente e sem futuro", repe-

12

Somos todos chilenos

Em Dawson, Isla 10, o cineasta Miguel Littín retrata golpe militar que derrubou Salvador Allende e vitimou milhares de cidadãos chilenos. Littín: tez de sensação do dever cumprido

te continuamente Littín nas suas falas mundo afora. Elogiado pela crítica internacional e bem recebido pelas plateias latino-americanas e europeias, Dawson, Isla 10 fará a sua primeira grande exibição pública no Brasil no Seminário, na sala principal do Teatro Castro Alves, para depois entrar em circuito comercial nas principais capitais do país. E, independentemente de sua indiscutível qualidade cinematográfica, apresentase como um filme importante não apenas por contextualizar um determinado período histórico do Chile e da América Latina, mas para fazer luz a respeito do nebuloso episódio em torno da morte do presidente Salvador Allende. Baseado no livro homônimo do então ministro Sergio Bitar – que relatou a sua experiência de prisioneiro na ilha Dawson, ao sul do Chile, durante dois anos, juntamente com dezenas de expoentes do governo deposto –, há elementos que indicam que Allende foi assassinado, ainda que a versão oficial seja de que ele atirou contra a própria boca com uma arma ofertada em pessoa por Fidel Castro. “Não podemos acreditar na versão dos golpistas”, diz o cineasta.

Quando eleva o tom da polêmica, Littín deixa transparecer que a sua intenção não é criar sensacionalismo, mas, sim, apresentar uma versão que parece óbvia. “Tudo aponta a que o presidente não se matou, até porque não fazia parte de sua natureza”, disse o cineasta, que chegou a dirigir a empresa estatal Chile Film durante a gestão de Allende: “Certo que a polêmica não vai devolvê-lo, mas não podemos continuar a manter as nossas vergonhas embaixo do tapete”. A convicção de Littín parte de uma série de pressupostos. Um deles diz respeito justamente às dramáticas imagens de arquivo em preto-e-branco dos derradeiros momentos de Allende, defendendo com furor o seu governo, de arma em punho, no Palácio de La Moneda. Essas imagens foram montadas em seu filme, dando um toque de documentário. Depois, ele cita a tentativa dos militares em fazer com que o então ministro do Interior do governo Allende, José Tohá, vivido pelo ator Pablo Krogh, confessasse, sob coação, que o presidente se matara. Como não cedeu à pressão, é de se imaginar que foi morto du-

rante uma sessão de tortura, em Santiago, quando já havia deixado a ilha de Dawson, em 1974, ainda que a versão oficial é a de que Tohá suicidouse com o próprio cinto. Por onde vem sendo exibido, Dawson, Isla 10 vem emocionando plateias. Independentemente do Chile, onde foi um dos filmes mais vistos no ano passado, ainda que não tenha levado o prêmio de Melhor Filme, foi aplaudido de pé durante quase dez minutos no Festival de Roma. Depois percorreu muitos festivais europeus e latinoamericanos, e na maioria das vezes, o fato se repetiu. Conhecido por sua postura "militante", como comprova a maioria de seus filmes, a exemplo de Actas de Marusia, de 1975, ou mesmo Acta General de Chile, de 1986, sem falar de Alsino y el cóndor, que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1982, a suposta "normalização" política da América Latina não deixou Littín sem chão ou sem uma causa para se apegar. "Certo que há um maior equilíbrio político, mas são tantos os desafios...", filosofa o chileno, que deixa no ar a sua intenção de fazer um filme intimista, apenas com mulheres: “Faria para compensar Dawson, um filme masculino por excelência”. Co-produção envolvendo Chile, Venezuela e Brasil, Dawson, Isla 10 tem um pé na Bahia. Foi em Salvador, onde participou duas vezes do Seminário, nos anos de 2006 e 2007, que Miguel Littín fechou um acordo com a produtora VPC, do cineasta Walter Lima, parceria que se demonstrou vitoriosa – boa parte da verba fora captada no Brasil – e ainda garantiu a participação dos atores baianos Bertrand Duarte e Caco Monteiro no elenco do filme. Veja matéria ao lado.

13


Baianos, o cineasta e produtor Walter Lima, além dos atores Bertrand Duarte e Caco Monteiro, são peças fundamentais em Dawson, Isla 10

Três destinos mais ao sul Do Seminário Magazine

Cá, nas suas vidas de homens de cultura, divididos entre sobreviver bem e contribuir com as causas libertárias, pelo menos a julgar pelos seus respectivos discursos, três baianos porretas jamais poderiam imaginar que suas existências, de uma hora para outra, imbicariam justamente em um dos episódios mais emblemáticos da sangrenta epopeia latinoamericana dos anos setenta: o golpe militar que derrubou Salvador Allende e instaurou no Chile uma das mais virulentas ditaduras da região. Hoje, vivendo a expectativa da primeira exibição na Bahia de Dawson, Isla 10, de Miguel Littín, filme que abre o VI Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, Walter Lima, Bertrand Duarte e Caco Monteiro, só para falar dos "atores principais", talvez ainda se cutuquem para descobrir se não estão sonhando. E, certamente, quando subirem ao palco do Teatro Castro Alves, juntamente com o diretor e os demais partícipes, para serem ovacionados pela plateia, aí, sim, tomarão consciência de que fazem parte, sim, senhor, de um "documento" que vem para prestar contas ao sofrimento não somente dos latino-americanos, mas, também, de todos aqueles que, dos românticos anos setenta até hoje, sonham com um mundo melhor.

14

Betrand e Littín no set: alquimia pura

Cineasta – vai lançar brevemente a sua ficção O Conselheiro – e organizador do Seminário, Walter Lima é o produtor de Dawson, Isla 10, status que o eleva às alturas, pois ainda não faz parte da cultura cinematográfica brasileira co-produzir filmes estrangeiros. "Nunca me passou pela cabeça produzir um filme, principalmente um filme de tal envergadura", confessa Lima, que começou a tomar conhecimento do projeto em 2006, justamente na segunda edição do Seminário e da qual participou Miguel Littín. No ano seguinte, o diretor chileno oficializou o convite, como que dizendo: "Você é o cara que vai me ajudar a realizar o meu sonho". Começava, então, uma maratona que levou o cineasta e produtor a percorrer meio mundo em busca de dinheiro e apoio para viabi-

lizar Dawson, um filme que, pelo seu roteiro, não poderia custar menos de dois milhões de dólares, uma ninharia quando comparado a outras produções estrangeiras, mas que, na América Latina, era dinheiro muito. Percorreu, então, Portugal, Espanha e Itália, apresentando o projeto em busca de apoio. Depois, concentrou-se no Brasil, onde conseguiu uma verba providencial da Petrobras. Uma vez seguro da parte brasileira e até para cumprir as exigências da Agência Nacional de Cinema (Ancine), sua missão era buscar atores e técnicos locais. Tentou, em vão, a estrela Rodrigo Santoro. Depois, bateu à porta de João Miguel, também sem sucesso. Por fim, acertou na mosca com Caco Monteiro, imediatamente aceito pelo diretor Littín. Mas faltava outro ator, tanto que enviou

uma série de currículos, todos rejeitados. E, quase no apagar das luzes, o próprio Monteiro indicou o também baiano Bertrand Duarte, aceito sem ressalvas. Começava, então, no set, a vez dos técnicos e atores baianos. Além de Nicollas Halet e Simone Ribeiro, captadores de som direto, para o Chile deslocaram-se Caco Monteiro e Bertrand Duarte, para viverem, respectivamente, dois personagens importantes do governo Allende que foram deportados para a ilha de Dawson após o golpe em 1973: Fernando Flores e Miguel Lawner. Antes, porém, deram-se ao estudo da língua espanhola e começaram a pesquisar a tragédia chilena nos mínimos detalhes. Bem recebidos pela produção chilena e sabendo que seriam dublados, além de passarem pela catequese de Littín, que fez questão de relatar o golpe a partir da ex-

periência de quem o viveu, os dois atores passaram por uma verdadeira transformação visual: Caco Monteiro ganhou costeletas, e Bertrand Duarte, uma peruca negra que o tornou praticamente irreconhecível. Começava, então, uma verdadeira maratona, pois gravaram em Santiago e na própria ilha Dawson durante semanas, com apenas um intervalo para retornar ao Brasil. Quis o destino e a sua competência – explícita em filmes como Superoutro, Alma Corsária e Pau Brasil, entre outros – que Bertrand Duarte caísse nas graças de Littín, tanto que o seu personagem, em um determinado momento, tomou conta do filme, aparecendo nos créditos como o segundo ator mais importante. "Independentemente do filme e do que ele representa, trabalhar com Littín foi uma das experiências mais extraordinárias de minha vida",

Caco e Bertrand: baianos roubam cena em Dawson

confessa Bertrand, grato pela oportunidade de ser visto em muitos países por onde Dawson, Isla 10 passou e ainda vai estrear. Já Caco Monteiro, ator global e com dezenas de peças e filmes nas costas, protagonizou um dos momentos mais emocionantes de Dawson, pois foi o seu personagem Fernando Flores quem consertou uma pequena televisão a válvula e que serviu de instrumento para aproximar os detentos da ilha do que estava acontecendo em Santiago, cena que leva as plateias às lágrimas. "Depois de tantos anos no cinema e no teatro, ser ator de Littín foi algo que me deu a verdadeira dimensão do quanto a força de um diretor é importante para estimular e fazer com que um elenco se entregue de corpo e alma a um projeto", afirmou Monteiro. Prestes a ganhar as salas de projeção do Brasil, possivelmente em setembro, Dawson, Isla 10, desde já, apresenta-se como um filme importante, não somente pela sua qualidade, indiscutível, mas, principalmente, por trazer à tona a memória de uma tragédia que, de certa forma, pertence a todos os latino-americanos e também aos povos que viveram e vivem sob a batuta de regimes ditatoriais. E, como aconteceu durante a sua projeção no Festival de Roma, é difícil que os espectadores não levantem a voz e digam: "somos todos chilenos".

15


Em nome de Pasolini

pequena cidade de Casarsa, no Friuli, ao norte da Itália, terra natal da mãe. E foi lá, em 1947, já como professor de Literatura em uma aldeia próxima, onde protagonizou o seu primeiro escândalo sexual, ao ser acusado de se relacionar com um adolescente. O resultado é que foi demitido e expulso do Partido Comunista. Começava, então, uma vida de processos, tanto que, durante a sua vida, fora interpelado judicialmente mais de 30 vezes por supostamente fe-

Em formato digital, Seminário

exibe no ICBA principais filmes do

polêmico cineasta italiano. No TCA, mesa discute sua extensa obra

Raul Moreira do Seminário Magazine

Quando foi brutalmente assassinado, há quase 35 anos, em Ostia, cidade praiana nas imediações de Roma, Pier Paolo Pasolini era um dos mais controversos e respeitados intelectuais do mundo, por conta, principalmente, dos filmes que dirigiu. A tragédia serviu para constituir a dimensão mítica de um personagem que navegou quase sempre na contracorrente e, pela vastidão e força de sua obra, tornou-se objeto de reflexão e estudo por parte de acadêmicos e pesquisadores independentes. Cineasta, poeta, romancista, ensaísta, professor e jorna-

16

lista, a veia eclética de Pasolini era proporcional à sua angústia e iconoclastia, sentimentos que, certamente, o fizeram desconfiar das verdades absolutas. E foi, principalmente, através do cinema, com seu caráter revolucionário nos anos sessenta e setenta, que ele deu vazão aos seus desejos e pulsões libertárias. O resultado é que, num espaço de uma década e meia, praticamente, realizou mais de duas dúzias de filmes, curtas e longas, os quais se tornaram nitroglicerina pura, pois abordavam conflitos nevrálgicos de seu tempo, até porque, quase sempre, os temas que explorou eram postos embaixo do tapete por questões de ordem religiosa, política e ideológica. Como parte do VI Seminá-

rio Internacional de Cinema e Audiovisual, a Mostra Pasolini – que será realizada entre os dias 26 e 31 de julho no Goethe Institut, o ICBA, no Corredor da Vitória – anuncia-se como a maior jamais realizada na Bahia. Projetada em formato digital, a curadoria escolheu 17 filmes, entre longas e curtas, os quais retratam a produção sistemática do autor, além do documentário Pasolini Prossimo Nostro, de Giuseppe Bertolucci, que destaca as filmagens de Saló, talvez a mais polêmica de suas peripécias cinematográficas. Para garantir um melhor embasamento teórico dos espectadores, a mesa A Itália cinematográfica de Pasolini, programada para a sala principal do Teatro Castro Alves,

Pasolini: um olhar além

vai abordar alguns aspectos da vida do artista, desde a sua formação aos conflitos que o nortearam ao longo de sua existência. Com mediação do professor e cineasta italiano Elio Rumma, da mesa vão participar Fernando Gonzáles Garcia, que ocupa uma cadeira de Cinema na Universidade de Salamanca, em Barcelona, Vito Zagarrio, teórico italiano, e a acadêmica brasileira Mariarosário Fabris. Para se compreender melhor Pasolini, fundamental se faz conhecer a sua vida pregressa, antes de se tornar um personagem polêmico. Nascido em 1922, em Bolonha, era filho de um militar de carreira e de uma professora primária. Em 1943, para fugir à chamada do Exército, refugiou-se na

rir os princípios de uma Itália conservadora e que vivia sob a batuta da Democracia Cristã. Em 1949, devido ao escândalo, foi obrigado a deixar Casarsa, com a mãe – convivia às turras com o pai conservador –, mudando-se para Roma, onde viveu primeiro num bairro de periferia, e passou a ganhar a vida ensinando em escolas particulares. A descoberta do mundo do subproletariado romano o inspirou para construir alguns de seus poemas mais famosos, como As Cinzas de Gramsci (1957), A Religião do Meu Tempo (1961) e, também, os romances Vadios (1955) e Uma Vida Violenta (1959), que provocaram grande escândalo, porém garantiram-lhe fama literária. Com os antigos colegas da faculdade de Bolonha fundou e dirigiu, entre 1955 e 1959, a re-

vista Officina, a partir da qual passou a colaborar com argumentos, textos e roteiros para o cinema. Como afirma o escritor Guy Scarpetta, em artigo para o jornal francês Le Monde, ainda que tenha pertencido às fileiras do Partido Comunista, Pasolini jamais vestiu a camisa de intelectual orgânico ou deu-se a engajamentos: "Ele agia como sujeito independente e não seguia as cartilhas, por acreditar que, antes de tudo, a tarefa de um artista ou de um intelectual, a partir do momento em que se quer solidário aos 'danados da terra', é a de colocar em crise e subverter as concepções de mundo dominantes, de explorar o não-dito das representações convencionais e de

17


fazer surgir aquilo que foi repelido do consenso social e cultural". Ainda segundo Scarpetta, Pasolini, ao contrário de muitos de seus colegas de geração, percebeu que a cultura antifascista alimentada por Bertold Brecht no teatro e Roberto Rossellini no cinema havia esgotado, ainda que não concordasse com o purismo e o formalismo das artes de vanguarda dos anos sessenta na Itália e no resto da Europa, as quais o cineasta considerava prisioneiras de um modelo de vida pequeno-burguês. "Para Pasolini, o engajamento procedia também da experiência direta, do modo de viver, da implicação subjetiva e física na realidade, como o fizera nos seus escritos e passou a projetar a partir do cinema", diz o escritor, que depois sentencia: "Isso porque o interesse do cinema, para ele, era o de ser uma escritura diretamente ligada ao real, uma forma de captar e de revelar a realidade como uma linguagem, cortando e isolando planos, daí seu caráter explicitamente 'feNinetto Davoli e Totò in Uccellacci e uccellini (1966)

18

Nada escapava a Pasolini no set

tichista' no grande 'planosequência' ininterrupto da vida". Ainda que tenha estreado no cinema como roteirista de Federico Fellini, Francesco Rossi e Mario Bolognini, no final dos anos cinquenta, foi em 1961 que Pasolini realizou o seu primeiro filme, Desajuste Social (Accattone). Depois vieram Mamma Roma, La Rabbia e Ro.Go.Pa.G. No entanto, somente em 1964 ele tornou-se conhecido como cineasta, ao realizar O Evangelho segundo São Mateus (Il Vangelo secondo Matteo), misto de documentário e ficção que obteve amplo reconhecimento

do público e da crítica, inclusive católica, apesar de sua conotação marxista, a ponto de receber 11 prêmios, cinco dos quais no Festival de Veneza. Reconhecido o seu talento, veio uma sequência alucinante de filmes, tanto que, de 1964, ano de lançamento do Evangelho, até 1970, realizou 14 películas, curtas e longas, entre as quais estão os clássicos Gaviões e Passarinhos (Uccellacci e Uccellini), de 1965, Édipo Rei (Edipo re), de 1967, Teorema, de 1968, Medeia (Medea), de 1969. Em todos, temáticas explosivas que partiam desde a crítica explícita ao modo de vida burguês que tomou conta da Itália do pós-guerra à discussão da sua relação conflituosa com o próprio pai, como se deu em Édipo Rei, longa a respeito do qual confessou: "Apesar de ser um filme autobiográfico, considero-o o mais objetivo dos meus trabalhos". Como concordam os diversos estudiosos e pesquisadores de Pasolini, após abordar certos determinismos impostos pela cultura vigente dos anos sessenta – ligados às lutas de classes e ao marxismo,

principalmente numa Itália que vivia dividida pela metade entre os valores da democracia cristã e de uma "cultura comunista" –, o cineasta vai à busca de afirmar a liberdade do homem através de suas pulsões ancestrais, muitas das quais reprimidas pelos dogmas ideológicos, sejam de esquerda ou de direita. Começava, então, uma fase nova, como se sente em Trilogia da Vida, da qual fazem parte os filmes Decameron (Il Decameron), de 1972, Os Contos de Canterbury (Il Racconti di Canterbury), de 1973, e As Mil e uma Noites (Il fiore delle mille e una notte), de 1974. Foi a oportunidade a partir da qual Pasolini conseguiu distanciar-se de uma ordem a que normalmente artistas e intelectuais de esquerda encontravam-se presos e, quando dela se afastavam – como também aconteceu no Brasil –, passavam a ser patrulhados. No entanto, o cineasta ousou ainda mais, pois, depois de "explorar o de fora da cultura burguesa", aventurou-se pelos caminhos da interpretação da ditadura fascista, ainda fresca na memória, a partir de Sade e, também, de Jean Genet, realizando aquele que fora o mais maldito e odiado filme de sua obra, Saló (Salò o le 120 giornate di Sodoma), em 1975, o qual foi proibido durante anos na Itália e em vários países. Tal película, aliás, teria apressado o seu fim, principalmente para aqueles que acreditam na teoria conspiratória do "assassinato político" de Pasolini, que oficialmente foi morto por um garoto de programa.

Retrospectiva Pasolini Institut Goethe | ICBA 27 a 31 de julho

27/07 | terça-feira

Le nuvole (ficção, 1967, 22min) 16h –102min) O Evangelho segundo São 14h | ÉDIPO REI, Edipo Re (Itália, 1967, RETROSPECTIVA PASOLINI Mateus Il vangelo secondo Matteo 16h | MEDÉIA, Medea (Itália|França|Alemanha, 1969, 111min) Goethe-Institut Salvador ( ficção, 1964, 137min) 18h – A Flor das 120min) Mil e Uma Noites 18h | DESAJUSTE SOCIAL, Accattone (Itália, 1961, TERÇA, 27 Il fiore delle mille e uma notte 14h – Édipo Rei - Edipo Re (ficção, (ficção, 1974, 150min) 28/07 | quarta-feira 1967, 102min) 14h | A RICOTA CÔMICOS, La Ricotta - Episodi 16h – Medeia - Medea- EPISÓDIOS ( ficção, SÁBADO, 31 Comici (Itália|França, 1963, 35min) 1969, 111min) 14h – Comício de Amor Comizi 18h – Desajuste Social - Accatone TOTÓ NO CIRCO , Totò al Circo Pasolinid’amore ( Italia, (documentário, 1966, 8min) 1965, (ficção, 1961, 120min) 92min) A SEQÜÊNCIA DA FLOR DE PAPEL, La sequenza del fiore di carta 16 – Mamma Roma (ficção, 1962, (Itália, 1968, 11min) QUARTA, 28 106min) 16h PASOLINI NOSSO PRÓXIMO, Pasolini Prossimo Nostro 14h – A |Ricota – Episódios 18h – Saló Saló o Le 120 giornate (G. Bertolucci Itália,– 2006, Cômicos - La Ricotta Edisodi58min) di Sodoma (ficção, 1975, 117min) Comici (ficção, 35min) PASOLINI, Le notte quando è morto A NOITE EM 1963, QUE MORREU APasolini Terra Vista da LuaTorre, - La terra vista (Roberta Itália, 2009, 25min) dalla luna ( ficção, 1966, 31min) 18h | DECAMERON (Itália|França|Alemanha, 1971, 105min) A Sequência da Flor de Papel - La sequenza del fiore di carta ( ficção, 29/07 | quinta-feira 1968, 11min) 14h | GAVIÕES E PASSARINHOS, Uccellaci e Uccellini (Itália, 1966, 16h – Pasolini Prossimo Nostro 91min) Bertolucci, documentário, (Giuseppe 2006, 16h58min) | OS CONTOS DE CANTERBURY, I racconti di Canterbury A Noite em que Pasolini Morreu (Itália|França, 1971, 110min) (Roberta Torre, documentário, 18h25|min.) TEOREMA (Itália, 1968, 98min) 2009, 18h – Decameron - Decameron 30/071971, | sexta-feira (ficção, 105min) 14h | A RAIVA, La Rabbia (Pasolini e G. Bertolucci, Itália, 2008, QUINTA, 53min) 29 14h – Gaviões e Passarinhos O QUE SÃO NUVENS?, Che cosa sono le nuvole (Itália|França, 1967, Uccellaci e Uccellini (ficção, 1966, 22min) 91min) 16h | O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS, Il vangelo secondo 16h – Contos de Canterbury Il Matteodi(Itália|França, 1964,1971, 137min) racconti Cantebury (ficção, 110min) 18h | A FLOR DAS MIL E UMA NOITES, Il fiore delle mille e una 18h – Teorema Teorema (ficção, notte (Itália|França, 1974, 150min) 1968, 98min)

31/07 | sábado

SEXTA 30 14h COMÍCIO DE AMOR, Comizi d’amore (Itália, 1965, 92min) 14h – A |Raiva La Rabbia (Pasolini,Giuseppi Bertolucci, 16h | MAMMA ROMA, (Itália, 1962, 106min) ensaio, 53min) 18h 2008, | SALÓ, Salò e le 120 giornate di Sodomia (Itália|França, 1975, O117min) que são nuvens Che cosa sono

19


Quem tem medo de Helena Ignez?

Musa do cinema marginal, atriz e cineasta baiana aborda machismo através do filme Canção de Baal, adaptação livre de peça de Brecht

Raul Moreira do Seminário Magazine

Pela sua carreira no cinema, marcada por atuações que chamaram à atenção por subverter certas convenções imputadas ao dito sexo frágil, como aconteceu nos clássicos A Mulher de Todos e O Bandido da Luz Vermelha, ambos do saudoso Rogério Sganzerla, talvez a baiana Helena Ignez nem precisasse de apresentação. No entanto, fundamental se faz saber que ela, mais do que atriz e cineasta de talento, continua, do alto de seus 68 anos, a militar pelos direitos femininos, comportamento que a torna ainda mais fascinante. Atração do Seminário, a musa eterna do cinema marginal traz como cartão de visita o longa Canção de Baal, filme inédito na Bahia e no qual estão expostas suas posições a respeito do famigerado machismo, uma praga que parece difícil de extirpar. Adaptação livre da primeira peça do dramaturgo alemão Bertold Brecht, Helena Ignez foi duplamente feliz ao conjugar a força dramática e humorística da obra original ao mesmo tempo em que lhe deu uma "pegada marginal", como não poderia deixar de ser. O resultado é que o filme, independentemente da linguagem e da narrativa pouco convencionais, foi premiado por onde passou, no Brasil e

20

no exterior, afirmando ainda mais o seu caráter universal. Nada mal quando se sabe que se tratou do primeiro longa de Helena Ignez, ainda que antes houvesse dirigido o média A Miss e o Dinossauro, em 2005. "Como também disse John Cassavetes, aprendi a dirigir atuando ao longo de minha carreira", confessou em entrevista ao Seminário Magazine para, depois, completar: "A passagem para a direção é algo absolutamente natural". Natural, também, foi a forma através da qual Helena Ignez conseguiu produzir um filme que não contou com patrocínios e, muito menos, com verbas de editais. No entanto, não faltaram boa vontade e disponibilidade dos amigos, sejam atores, fotógrafos, produtores, montadores e técnicos. Ainda que improvisações não tenham sido descartadas, a façanha, segundo ela, só foi possível pelo absoluto domínio do roteiro, como, também, por conta da tarimba que os anos de "cinema marginal" lhe deram, à frente e por trás das câmeras. "Claro que a minha experiência de fazer ‘cinema de guer-

rilha" foi fundamental para a decolagem de um projeto que não dispunha de dinheiro”, conta a atriz e cineasta, que usou como locação um sítio numa área de Mata Atlântica no litoral de São Paulo. Aliás, foi por sua colaboração, muitas vezes como produtora, nas obras de Sganzerla, mas, principalmente, como atriz em A Mulher de Todos – considerado pelo crítico Jean-Claude Bernadet o melhor filme brasileiro de todos os tempos –, que Helena Ignez diferenciou-se: ela inaugurou um novo estilo de interpretação, não se limitando apenas à simples presença sedutora, mas, sim, dando força e liberdade expressiva às suas personagens, as quais marcaram época, tornando-

Postura revela Helena destemida

se "sinônimo de independência" e influenciando colegas, como Adriana Prieto e Anecy Rocha. Como não poderia deixar de ser, o seu caráter militante também é sentido em Canção de Baal, um filme experimentalista e no qual – a partir do personagem vivido pelo irreverente ator Carlos Careqa, um poeta sedutor e irresistível, mas extrema-

mente machista – ela discute questões ligadas aos jogos de poder, envolvendo o dito "exsexo forte" no confronto com o "ex-sexo frágil". "O que ponho no filme é justamente o limite entre a sedução e a afirmação do caráter machista", diz a atriz e cineasta, que faz questão de frisar: "Eu sei que é um filme difícil, pois optei por não fazer muitas concessões, em nome de uma forma de arte que acredito". Considerado um filme de linguagem ainda mais radical do que muitos do cinema marginal, segundo Helena Ignez a opção por Brecht parte não somente do seu fascínio pelo autor, mas, também, pelo fato de que Baal continua extremamente atual, ainda que o mundo tenha mudado, tornando-se mais equilibrado nas relações de poder entre homens e mulheres. "Hoje está muito melhor do que antes, pois se evoluiu muito", destaca a musa, que não se diz uma saudosista, pois os tempos atuais, ainda que emblemáticos, acabaram por despir os véus da hipocrisia e das velhas convenções machistas. À frente de seu tempo, Helena Ignez conhece bem os preconceitos sofridos pelas mulheres. A sua decisão, por exemplo, de trocar a escola de Direito da UFBA pela de Artes Dramáticas, no final dos anos cinquenta, não foi compreendida por boa parte das pessoas de seu ciclo social em Salvador, gente da alta bur-

guesia supostamente esclarecida. "Aqueles eram tempos duros, quando as mulheres aceitavam cumprir seus papéis sem questioná-los, principalmente no que se refere às relações de poder com os homens", diz, para depois revelar: "Nada mais me irritava quando as próprias mulheres me diziam para comportar-se bem socialmente e libertar-se entre quatro paredes". Apesar de talentosa e livre, Helena Ignez não esconde que parte do sucesso de sua carreira só foi possível graças à convivência com três cineastas que marcam época no cinema brasileiro. O primeiro foi Glauber Rocha, com quem teve uma filha, Paloma Rocha, além de atuar no seu primeiro curta, O Pátio. Depois, já em São Paulo e após protagonizar muitos filmes, roubou a cena em O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, ícone do cinema marginal, vivendo o papel de Janete Jane. Fascinada com o cineasta, com ele casou-se e teve dois filhos. Hoje, Helena Ignez tem consciência de que o mundo mudou, sim, mas os inimigos tornaram-se ainda mais perigosos, tanto que se escondem dentro de cada um, o que torna ainda mais difícil combatêlos. Talvez por isso mantenha a guarda sempre levantada, já que não conseguiria agir de outra forma, afinal, não perdeu o ímpeto, como também não deixou de acreditar na sua força de mulher.

21


Mesas pensantes Do Seminário Magazine

Projeções de longas e curtas à parte, além do Lounge Multimídia, como o seu próprio nome indica, o Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, na sua sexta edição, confirma-se como um evento voltado para as discussões em torno de questões ligadas ao cinema e às demais atividades audiovisuais. Para tanto, basta observar o leque de temas que serão abordados nas seis mesas propostas, os quais englobam linguagem, montagem, erotismo e dramaturgia na Sétima Arte, entre outros, a partir da perspectiva de realizadores e acadêmicos, principalmente. A presente edição, de forma inédita e logo na sua abertura vespertina no Teatro Castro Alves, vai promover um encontro entre três pensadores e realizadores que trafegam pelos caminhos do cinema e da literatura: o cineasta chileno Miguel Littín, o escritor e roteirista paquistanês radicado na Inglaterra Tariq Ali e o cineasta de origem argentina Gustavo Dahl. Os três, senhores de todo respeito e donos de currículos de fazer inveja, vão debater a respeito da "ditadura do entretenimento" nos tempos atuais, partindo da premissa de que a lógica do mercado cultural transforma ou subverte conteúdo

Durante quatro dias, realizadores e acadêmicos de todo o mundo vão passar a limpo tendências e fenômenos do audiovisual planetário

em simples mercadoria, não deixando opção para quem o consome. Assunto capaz de gerar milhares de horas de conversas, até porque se tornou regra em um processo já massificado, o perfil dos debatedores, cada qual com suas histórias de luta contra as forças ditatoriais na época do mundo bipolarizado, indica que há um consenso quanto à "força do novo inimigo", mas com o porém de que se trata de um adversário muito mais complexo e difícil de ser abatido, até porque a questão é como lidar com a expansão de mensagens e conteúdos, em escala inimaginável, para além do bem e do mal.

Para tanto, basta observar a postura e as ações do próprio Tariq Ali. Conhecido pelos seus livros "independentistas" e também por suas ações inovadoras, como criar programas de conteúdos independentes para a televisão do Reino Unido nos anos oitenta, o paquistanês, roteirista de Ao Sul da Fronteira, de Oliver Stone, que será exibido antes de seu colóquio, trafega entre a militância e as novas realidades audiovisuais, a partir das quais propõe a liberdade completa no uso de softwares, como ele mesmo faz em suas performances. Enfim, o que se vê são senhores setuagenários que usam dos expedientes da modernidade para firmar suas convicções libertárias. Do outro lado, há mesas que vão trafegar por discussões aparentemente próximas aos argumentos debatidos por Littín, Ali e Dahl. Isso porque, ao discutir o tema A fronteira sutil entre realidade e ficção, os convidados – os norte-americanos Gideon Kennedy e Michelange Quay, além dos brasileiros Paulo Alcoforado e Malu Fontes – certamente vão incorrer em questões cruciais e urgentes, como o limite entre o real e o fake, partindo do princípio de que as duas facetas ainda se destingem, apesar da tese de que, na sociedade contemporânea, já não se podem separar as duas coisas.

Tariq Ali: escritor e roteirista debate "ditadura do entretenimento" no Seminário

No entanto, para se chegar ao real e ao fake, ou às duas facetas unificadas, tudo passa, ainda, pela montagem. A nova mesa digitalizada, a partir da qual hoje se constrói, dessacralizou ou redefiniu o audiovisual? E como fica o "uso da faca" de David Mamet ou mesmo a "tesoura poética" de Eisenstein. A questão vai ser debatida pelos convidados Isabelle Rathery, francesa, Susan Korda, norte-americana, Peter Przygodda, alemão, e Ricardo Miranda, brasileiro, na mesa A arte da montagem. Mas a montagem sempre estará a serviço da imagem em movimento. Como é o cinema pós-moderno? Há um formato contemporâneo?

Youtube? Cinema portátil? Live cinema? Quais as questões enfrentadas pelos criadores, hoje? Para onde leva o cinema como exercício de repetição? Crowdsourcing e opensourcing são fórmulas interessantes de se aplicar à atualidade? Como funciona agora e como funcionará no futuro a teoria da "cauda longa"? A infinitesimal subdivisão de mercados em nichos é interessante ou prejudicial à indústria? A indústria desenvolve ou atrasa os achados da área? Por que algumas iniciativas atuais de comercializar conteúdo têm dado tão certo e outras não? Tantas perguntas, se é que possam ser respondidas, estarão nas mentes do norte-

americano Mark Amerika, dos brasileiros Lucas Bambozzi e Luciano Santana, e da francesa Juliana Guanais, na mesa O presente da imagem em movimento. E, apesar da aplicabilidade ou não das novas fórmulas, ainda haverá espaço para a dramaturgia nas telas? Segundo o poeta e escritor norte-americano David Mamet, o drama é fundamental para dar sentido à existência. Partindo de tal premissa é que os debatedores Marcelo Rezende (Brasil), Ariel Schweitzer (Israel), Lucrecia Martel (Argentina) e Adriano Oliveira (Brasil) vão discutir na mesa Dramaturgia nas telas até que ponto o relato cinematográfico relaciona-se com outras formas de contar histórias, como a narração literária, a poesia e o teatro. Seguindo tal lógica, é impossível não pensar na relação entre erotismo e cinema. Para alguns, o cinema padece de tentação pornográfica desde os primeiros filmes de buraco de fechadura. Para outros, ele nos ensina a entranha sensibilidade do laço amoroso. A partir das falas do cineasta baiano Sérgio Machado, da carioca Paula Sibilia, acadêmica, do roteirista e escritor brasileiro Aurélio Schommer, e da francesa Clotilde Leguil, os inscritos descobrirão se há a possibilidade de o cinema erguer-se sobre o cadáver do pudor, na mesa O erotismo no cinema.

23


Lounge multimídia: a menina dos olhos No seu quarto ano, evento vai reunir milhares de pessoas no foyer do Teatro Castro Alves. Em pauta, discursos poéticos atravessados pela linguagem audiovisual Do Seminário Magazine

Menina dos olhos do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, o Lounge Multimídia, que acontece há quatro anos no foyer do Teatro Castro Alves, reunindo diariamente milhares de pessoas, segue ampliando seu espectro de ação. Sob a batuta, desde a sua primeira edição, do videoartista Flávio Lopes, a ideia, segundo ele, é "expandir as fronteiras

24

consagradas da fruição da imagem em direção aos mais variados discursos poéticos atravessados pela linguagem audiovisual". Assim, nada mais natural imaginar que a quarta edição do Lounge vai flertar com o experimentalismo radical caro às tradições artísticas, até porque a performance multimídia se desenvolve na fronteira entre muitas expressões. Tanto que Lopes defende a ideia de que a tal prática vigorosa, aos poucos, "vem construindo um arsenal de estratégias inventivas capaz de dialogar e encontrar abrigo em distintas linguagens, se revelando como uma das iniciativas mais profícuas no cenário da arte contemporânea". No final, o Lounge, de acordo com o seu curador, constitui um "corpo híbrido" que pretende intervir no espaço cênico do foyer, buscando ampliar suas potencialidades, excedendo sua natureza de sala de espera, alterando os aspectos

plásticos desse ambiente, transformando-o em experiência estética. "A partir de um setup multímidia ali instalado, o foyer servirá de suporte para a projeção de uma série de intervenções audiovisuais e para a realização ao vivo de um conjunto de performances de artistas convidados", explica. Sempre buscando novos formatos, este ano o Lounge Multímidia mudou radicalmente a sua concepção estética, mais arrojada e com o objetivo de explorar ao máximo as potencialidades do espaço como também do próprio evento. Assinada pelo artista visual Joãozito, é constituída de quatro estruturas, cada qual com a sua funcionalidade. Uma delas foi batizada de Film Striper. Outra, é a Vídeo Walker, com sua proposta "andante". Também foi elaborada uma rotunda que vai projetar imagens em uma composição de semicírculo. Por fim, o próprio conjunto de performaneces é considerado

um corpo do Lounge, não somente pela diversidade de cada qual, mas, também, pela força de seus artistas. Como nas edições anteriores, as mostras serão uns dos pontos fortes do Lounge. Este ano estão programadas oito delas, entre locais, nacionais e internacionais, perfazendo um total de 617 minutos de projeções. Tratase, no caso, da exposição de grupos e artistas das mais diversas tendências, desde o suporte de captação às ideologias propostas, garantin-

gem. Por sua vez, os alunos da Oi Kabum!, do Recife, terão 43 minutos de seus trabalhos projetados no Lounge. Outra atração é a retrospectiva de Raul Machado, bastante conhecido no país, pois filmou clipes históricos para as bandas Chico Science e Nação Zumbi, Planet Hemp, Raimundos, Rappa, Sepultura, entre outras, além da mostra de cinema de animação. No segmento estrangeiro será projetada a Mostra do Festival Internacional de Videodança do Recife, a Play

do, assim, uma pluralidade capaz de externar, minimamente, os conceitos produtivos de "atores" multimídias de todo o planeta. Uma das mais curiosas, certamente, será a Cel.u.cine, captada a partir de aparelhos celulares e que fez parte de uma mostra de micrometra-

Rec, assim como 52 minutos de videoarte italiana. Outra atração é a Mostra 40 Anos de Videoarte ZKM, da Alemanha, considerada uma das mais inovadoras do mundo, pois trabalha a partir de um conceito associado a coisas velhas, o conceito da "preservação".

Individualmente, vários artistas foram covidados, tais como o VJs Pixel e Lucas Bambozzi, ambos de São Paulo. Já o pernambucano Oscar Malta também se fará presente, assim como o alemão Lucas Boettcher. A Bahia será representada pelos VJs Luciano Santana e Inavi Santana. Por sua vez, o norte-americano Mark Amerika, que vai participar da mesa O presente da imagem em movimento, além de projetar o longa Immobilité na sala principal do Teatro Castro Alves – o qual, segundo ele, busca a compreensão e a fluidez das identidades emergentes da cultura digital –, será uma das atrações do Lounge na sextafeira, a partir das 19 horas. Artista digital e professor de Arte e História da Arte da Universidade do Colorado, Mark Amerika já exibiu suas obras em vários locais, como a Whitney Biennial of American Art, o Walker Art Center, o Denver Art Museum e o American Museum of the Moving Image. Romancista cult, diretor de cinema, teórico de mídias, editor de web e artista VJ de performances internacionais, o norte-americano é autor de vários livros, entre os quais se destaca o Meta/ data: A Digital Poetics.

25


Encontros abertos Seminário mais uma vez promove reunião de produtores e distribuidores de todo o mundo. Foco é venda e divulgação de filmes Do Seminário Magazine

Na sua quinta edição, como parte do Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual, em parceria com o Programa Cinema Brasil, do Governo Federal, o Encontro de Produtores e Distribuidores vai reunir nos dias 29 e 30 de julho, no hotel Vila Galé, em Ondina, 46 empresas baianas, nacionais e estrangeiras ligadas às áreas de produção e distribuição de filmes. Como defende o organizador do Seminário, o cineasta e produtor Walter Lima, o Encontro é fundamental para que as empresas de produção e distribuição do Brasil possam tomar contato com as estrangeiras, já que, nas feiras internacionais, por conta do fato de que o cinema brasileiro ainda é considerado periférico, há dificuldade de interlocução."Infelizmente ainda não temos peso lá fora", diz Lima, que destaca a importância de os locais tomarem contato com o mercado externo: "São oportunidades que não podemos deixar escapar". Ainda segundo Lima, o Encontro de Produtores e Distribuidores é importante, também, para o mercado interno brasileiro, pois, muitas

26

vezes, filmes realizados em regiões com pouca produção, como é o caso da Bahia, acabam mofando nas prateleiras por falta de distribuidor. "Essa é uma realidade que temos de combater", diz o diretor, que vai além: "Não há sentido manter uma grande produção, como acontece hoje no Brasil, sem que haja minimamente possibilidade de distribuirmos os filmes entre nós mesmos".

13 são as produtoras baianas inscritas

12 produtoras e distribuidoras brasileiras vão participar do Encontro

9 são os países que vão participar do Encontro promovido pelo Seminário. Verdade seja dita – exceção para os filmes produzidos com suporte e apoio de empresas fortes no mercado, como a Globo Filmes –, são poucos os longas brasileiros que conseguem circular no país. Para se ter uma ideia, os cálculos apontam que não mais do que 30% dos filmes produzidos no Brasil, em torno de 90, são distribuídos dignamente.

Anúncio Trampolim do Forte: DocDoma vai negociar filme no Encontro

Ainda que o mesmo aconteça em outros países, inclusive naqueles com mais tradição e mercado, há um sentimento no Brasil de que a solução não passa tãosomente pela melhoria na distribuição ou no apoio sistemático do governo, independentemente de a cadeia produtiva ser praticamente bancada por editais e renúncia fiscal. "Precisamos formar plateias", diz Walter Lima, para, depois, completar: "Certo que precisamos melhorar a qualidade de nossos filmes, mas fundamental se faz que o público brasileiro comece a assistir o que se produz em casa". No encontro de produtores, do qual vão participar 13 empresas baianas, estão programadas reuniões de 25 minutos entre as partes interessadas, muitas das quais marcadas previamente. A partir daí, sabendo dos interesses, abrem-se as negociações. Do restante do Brasil estão inscritas 12 empresas, entre produtoras e distribuidoras, enquanto são 11 as estrangeiras, dos seguintes países: Itália, Espanha, Portugal, França, Alemanha, EUA, Chile e Argentina.


ARTIGO Fábio Rocha

O Meu Cinema Die Wüste wächst: weh dem, der Wüsten birgt [O deserto cresce: ai de quem abriga desertos] Nietzsche Como fazer e falar de um cinema singular sem os seus componentes dimensionais? O território é uma instância provisória; o cineasta, um escorpião encalacrado à espreita de um evento contra o bestiário da morte e as bestas mais humanas e ingênuas que o triscam, que chega de fora com sua retórica empolada, seu moralismo excessivo, seu entusiasmo desmedido e paixões tristes. Como pensar o funcionamento do cinema sem uma ponta de desterritorialização, um monde renversé (mundo às avessas) onde as coisas estão invertidas, ou simplesmente funcionando sob lógica nenhuma? Sem atravessar os dispositivos de controle em redes a céu aberto; a culpa e a infantilização; a ciberfanatização do corpo, que leva a uma produção de mediocridade em escala planetária? Como fazer e falar de um cinema singular se tudo está controlado, se o deserto cresce, se a alcova se avexa, se o universal está no fim, se tudo é igual, se o capitalismo libera, se o socius se assombra? A máquina territorial funciona a todo vapor, a privatização do fora; a saída é o interior! Como fazer e falar de um cinema singular se há um caráter anal da economia cultural? Meu mestre disse: “Percebemos as dificuldades que há na terra para educar um povo de pensadores”, canta Friedrich Nietzsche. Como fazer e falar de um cinema singular se a crueldade virou violência qualquer ou natural, encarregada por nós de explicar a história do homem? Como fazer e falar de um cinema singular se o movimento da cultura que se opera nos corpos e se inscreve neles, arranjando-os, é o reflexo de que queremos nos libertar? O cinema singular e a sua morte são desejados, a história do fatalismo ainda está em curso, o prosaico das relações sociais... tudo na moviola. Diluída nas conversas, a conquista da autenticidade surge desde os primeiros esboços de um cinema e permanece até o último momento de sua elaboração. Em um plano, o próprio cinema; em outro, o acontecimento. Alguém se lançaria na tentativa de elucidar a briga entre o mesmo e o diferente? Fiquem à vontade! Quem quer que seja. Talvez a reversão de todos os benfazejos erros do socius: a sujeição, a loucura e o modo de vida policialesco, o postulado da propriedade, do recalcamento... tudo isso e um pouco mais... acelerar a derrocada da civilização da prótese... que mutila a todo momento a alma e o osso das populações... Numa imersão psicodélico-cronotópica: imagens cristalizadas dessa invenção horripilante do cotidiano... Fábio Rocha é cineasta

28

Anúncio


Equipe de produção do VI Seminário Internacional de Cinema e Audiovisual

Salvador | Bahia julho 2010

30

Fazcultura Secretaria da Fazenda

Secretaria de Cultura


Realização

Patrocínio

Co-patrocínio

Apoio Institucional

Apoio


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.