Feito em casa. National Geographic, São Paulo, v.15, n.178, p.60-75, jan./2015

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Por RoffSmith Fotos de Robert Clark I

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eças de motores de foguetes, estatuetas de chocolate, réplicas operacionais de armas de fogo, uma casa à beira de canal na Holanda, armações de óculos de sol assinadas, um veloz carro esporte de dois lugares, um bote a remos, o protótipo de uma orelha biônica, pizzas - rara é a semana em que não se anuncia um surpreendente tour de force no campo em acelerada evolução da tecnologia da impressão tridimensional. A Nasa está testando uma impressora 3D na Estação Espacial Internacional para verificar se pode ser um meio de fabricar refeições, ferramentas e peças de reposição em missões espaciais de longa duração. Aqui, na Terra, planos de negócio de longo prazo começam a ser repensados. A Airbus estima que, até 2050, vai ser possível construir aviões inteiros com peças feitas em impressoras 3D. A GE já está usando essa tecnologia para produzir as ponteiras dos bicos injetores de combustível em suas turbinas a jato.

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arquiteto Hans Vermeulen sobe nos alicerces (página oposta, embaixo), feitos com impressora 3D, de uma casa em Amsterdã (no alto). Os componentes necessários para erguer a casa de 13 aposentos serão impressos com um composto bioplástico, quase todo constituído de óleo vegetal. Outros materiais imprimíveis, entre eles mármore em pó para banheiro, serão testados ao longo dos três anos do projeto. OUS ARCHITECTS

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a impressão 3D vai desempenhar papel importante no futuro': comenta Hedwig Heinsman, uma das sócias do escritório de arquitetura holandês DUS, que está "imprimindo" uma casa à margem do Canal Buiksloter, em Amsterdã. Nesse projeto, uma impressora de 6 metros de altura, batizada de KamerMaker (Criadora de Aposentos), vai fabricar paredes, cornijas e pisos, permitindo assim que sejam testados materiais, projetos e concepções. "Hoje, consigo vislumbrar uma época em que seremos capazes de baixar na internet plantas de casas com a mesma facilidade com que compramos uma faixa de música no iTunes. Em seguida, teremos apenas de levar uma impressora até o terreno e construir a casà', diz Hedwig. A fabricação aditiva - a tecnologia usada na impressão 3D, também conhecida como "prototipagem rápida" - existe há cerca de três décadas. Mas é o ritmo acelerado dos avanços que vem atraindo a atenção para esse processo e inspirando previsões "TODOS SABEMOS QUE

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TRÊS MANEIRAS DE IMPRIMIR EM 3D

o termo

"impressão 3D" designa várias tecnologias distintas, mas todas dependem do mesmo princípio básico: construir um objeto por meio do acréscimo sucessivo de material, camada por camada. Os métodos variam em termos de custo, velocidade, precisão e material usado. / / •........•

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Plataforma da impressora Modelagem por deposição e fusão (fused deposition modeling, FDM) Na impressora, um fi lamento plástico é fundido e depositado em camadas que endurecem. A tecnologia é ideal para impressoras de uso pessoal.

Sinterização seletiva por laser (se/ective laser sintering, SLS) Sobre uma camada de pó fino, de metal ou plástico, um laser funde o material à camada inferior. Isso permite usar uma gama maior de materiais na impressão.

Estereolitografia (stereolithography, SL) Uma resina liquida fotossensivel é exposta a um laser ou a um foco de luz ultravioleta, que a endurecem. O processo é rápido e pode criar formas de alta resolução.

MATTHEW TWOMBlY E ALEXANDER STEGMAIER, NGM STAFF. FONTE: HOO lIPSON. UNIVERSIDADE CORNELL

grandiloquentes. Todavia, ainda resta um hiato enorme, e talvez intransponível, entre o que se pode fazer em impressoras comerciais e sofisticadas e a efetiva capacidade das versões domésticas. Uma impressora 3D funciona do mesmo modo que uma impressora normal. A diferença é que, em vez de tinta, a matéria "impressa" é constituída de plástico, cera, resina, madeira, concreto, ouro, titânio, fibra de carbono, chocolate - e até mesmo tecido vivo. Os bicos injetores vão depositando em sucessivas camadas esses materiais sob forma líquida, pastosa ou pulverulenta. Alguns materiais simplesmente endurecem, ao passo que outros são fundidos com ajuda do calor ou da luz. Uma cadeira, projetada para ter a aparência de tecido ósseo humano, foi impressa em uma única peça de epóxi (página oposta, no alto). Um modelo mostra uma placa de titânio reconstituindo o rosto de um paciente que perdeu parte da face devido a um câncer (embaixo). O implante foi criado com base em tomografias do lado preservado. FONTES: MATH1AS BENGTSSON STUDIO (PROJETO DA CADEIRA); MATERIAlISE (IMPRESSÃO); JAN DE CUBBER

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o CUSTO ELEVADO DE MONTAR E EQUIPAR uma fábrica sempre foi um obstáculo para o desenvolvimento de produtos de nicho. No entanto, qualquer um que tenha ideias e dinheiro poderia se dedicar à produção em pequena escala, usando programas informatizados de design, para criar o modelo de um objeto cuja fabricação seria feita por uma empresa de impressão 3D. Como as especificaçõesdo produto podem ser "retrabalhadas" com alguns diques, essa tecnologia é ideal para a fabricação de séries limitadas, protótipos e peças únicas - como o modelo (na escala de um terço) de um Aston Martin DB5, de 1964, que os produtores de 007 - Operação Skyfall mandaram imprimir e, depois, explodiram em uma cena do filme. Como vai construindo um objeto pouco a pouco, depositando o material apenas onde é necessário, a impressora 3D é capaz de produzir formas geometricamente complexas, que não podem • JANEIRO

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Reluzindo sob luz negra, este "andaime" (página oposta, no alto) foi feito na Universidade Harvard por cientistas que usaram um método similar para imprimir em 3D um tecido vivo com vasos sanguíneos de tintas biológicas. Logo, os pesquisadores esperam conseguir tecidos imprimíveis para testes de medicamentos, regeneração e, por fim, transplante de órgãos. Eles também criaram a menor bateria de lítio-íon do mundo (embaixo), com 1 milímetro de largura, para ser usada em implantes médicos.

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FONTE: lEWIS GAOUP, HARVARD UNIVERSITY

SAIBA MAIS edição digital VíDEO

Uma impressão pré-histórica Veja como o crânio de um Homo habilis sai de uma impressora 3D - um processo que dura horas é abreviado para minutos, graças à técnica de fotos em time lapse.

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ser obtidas pela injeção em moldes - muitas vezes, com significativa redução de peso, mas sem perda de resistência. Também pode produzir objetos de formatos intrincados em uma única peça, como os bicos injetores de combustível feitos de titânio pela GE, que, por outros métodos, teriam 20 partes distintas. Essa precisão vem tornando possível a fabricação de coisas jamais feitas. Por exemplo, uma equipe da Universidade Harvard imprimiu tecido vivo entremeado de vasos sanguíneos - um passo crucial para que, no futuro, seja possível enxertar órgãos humanos produzidos a partir das células do próprio paciente. A fabricação aditiva é bem mais lenta que a tradicional, mas também isso pode mudar, segundo Hod Lipson, da Universidade Cornell. ''A velocidade da impressora, sua resolução e a variedade de materiais que podem ser usados ainda estão sendo aperfeiçoadas", explica Lipson. Ele e seus colaboradores imprimiram uma réplica do telégrafo original de Samuel Morse. Com um aceno à história, eles o testaram enviando a mesma mensagem transmitida pelo atônito Morse em 1844: "O que Deus criou?" DEUS PODE TER CRIADO os princípios, mas são os seres humanos que estão acionando os botões. Em maio de 2013, o ativista político Cody Wilson ocupou as manchetes ao anunciar o teste real da primeira arma de fogo feita com uma impressora 3D: uma pistola calibre .38, batizada de Liberator, capaz de disparar um único tiro e produzida com 60 dólares de matéria plástica. No princípio, a notícia preocupou as autoridades policiais, que vislumbraram a possibilidade de surgirem por todo lado armas descartáveis e impossíveis de serem rastreadas. No entanto, imprimir uma arma de fogo não é tarefa simples - nem barata. "É bem mais fácil para os bandidos conseguir uma arma pelos meios tradicionais - comprando-a no mercado negro ou roubando-a do que ficar se esfalfando sobre uma impressora 3D durante dias e correndo o risco de, no final, só conseguir uma massa disforme de plástico ou, ainda pior, algo que vai explodir em suas mãos': diz [onathan Rowley, o diretor de design da Digits2Widgets, de Londres, uma empresa de impressão 3D. Pouca gente vai ficar frustrada com os obstáculos para se imprimir uma arma barata, mas é possível que muitos fiquem decepcionados com os objetos grosseiros que costumam ser produzidos por essas máquinas. "As pessoas leem a respeito das coisas fabulosas que estão sendo feitas com essa tecnologia, e acham que podem fazer o mesmo em casa, com um padrão elevado de acabamento': comenta Rowley. "Mas não é bem assim:' Ainda que impressoras baratas possam, um dia, nos permitir fazer o que quisermos, Rowley vislumbra uma revolução de base diferente: a possibilidade de as pessoas testarem ideias que jamais teriam saído da etapa de meros esboços. O • JANEIRO

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