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Colly Holanda
Colinéte Holanda Soares, nascida na cidade de Natal, RN, escritora, poeta, intérprete, autora de vários livros dirigidos à Literatura infantil, tem como filosofia de vida “a intensidadede usufruir cada minuto vivido. ” Participa de diversas atividades culturais, a exemplo da União Brasileira de Escritores, a Cultura Nordestina Letras e Artes, além de coordenar saraus literários mensalmente, e, atualmente, dirigir o Programa Quarta às Quatro, na UBE, através do qual, a voz do escritor protagoniza a programação. O livro Reflexos da memória, as antologias: Mulheres que mudaram a história de Pernambuco; Primeira coletânea laboratório da Literatura fantástica de Pernambuco; Quarta às Quatro; Os sete pecados capitais em prosa e verso; Os dez mandamentos; Setenta anos de Raimundo Carrero; entre outros, os infantis O jacaré; Lobo Cara de Mingau; O Pinto Pelado; Mais uma sobre a cobra e o sapo. A autora faz parte da ALAMPE (Associação Literária e Artística de Mulheres Potiguares), seu trabalho social não para e o resultado de todos os seus investimentos culturais são em prol da escrita e da
leitura.
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IVANILDE MORAIS DE GUSMÃO
Ivanilde ativa escritora e intelectual está sempre presente nas importantes atividades e eventos que envolvem a cultura seja no Brasil, seja no exterior. Invanilde colabora e participa como membro atuante de varias academias de letras e associações culturais.Professora, advogada, ensaísta, contista, poesa. Publicou os livros de ensaios: Sobre o Programa de Gotha, Karl Marx ; Dignidade na Morte; Rememorando e Resgatando a História da Floresta (coautoria); Um Caminho para Marx; Para Compreender o Método Dialético; de poesia: No Redemoinho da Vida a Luz Aflora em Mim; Dans le Tourbillon de la Vie la Lumière Affleure en Moi; Entre o Silêncio e a Solidão (português/ inglês); No Cotidiano da Vida a Poesia vai Construindo o Humano (português/francês e Nas Veredas da Vida Com Ternura Vai Resgatando o Humano.
O rio que navega em mim... Transbordará em ti!
Estás vendo este aí, é o Capibaribe, na língua Tupi-guarani, Rio das Capivaras! Nele habitam répteis, mamíferos, aves, crustáceos-moluscos e peixes, desafiando a poluição, o lixo onde vivem em grande simbiose! Em suas águas de cor, cheiro e aparência estranha, fervilhavam caranguejos. E em seus manguezais habitavam seres humanos, Homens-caranguejos, que se alimentavam de sua carne e que com eles aprendiam a engatinhar e andar na lama. E, ao se labuzarem acabavam pensando e sentido como eles. Hoje, em suas margens, sinuosamente habitada por árvores que fincam suas raízes nesses manguezais, alimentando-se dessa seiva contaminada pela
ação dos homens e por cujos caminhos – Pontes –, suspensas sobre suas águas, assistem, em suave deslizar, a vida pulsar numa constante vibração. E, como diz o poeta, O Cão Sem Plumas que és, Oh, Rio, atravessas a cidade, como atravessamos a vida, e tua paisagem assombrada pelas altas muralhas de concreto, habitadas por Homens, que assistem deslumbrados de suas moradas, o nascer e o findar do dia, maravilhados com a beleza do Universo!
Protegidos pelas sombras, olhamos com admiração o suave deslizar das águas que vindas de tão longe, cumprindo seu destino, alcançam o Mar e, nessa leveza, navegamos, eu a dizer-te que, em ti, transbordará todo o sentimento do Mundo que carrego em mim! C CULTIVE | 55
IZABEL HESNE MARUM
nascida em São Paulo, reside há varios anos em Florianópolis. Izabel dedidcou sua vida a criar históroias para crianças. Ela viaja pelo mundo da fantasia, escreve suas história e distribui seus livros em escolas. Seu prazer é escreve seu objetivo ver os olhinhos infantis, viajar no mundo da fantasia proposto por ela e incentivá-los a criarem eles mesmos sua histórias e personagens.
Agora em maio A Cultive fará o lançamento, no 33° Salão Internacional do Livro e da Imprensa de Genebra, da segunda edição do seu livro infantil, Cotinha a Galinha Dengosa. O livro é editado em língua portugêsa e será lançado no dia 1 de maio.
FILHA
Quando você chegou, eu já estava aqui. Preparei a casa, a mesa, o banho e a cama. Tudo seu era novidade, eu e você éramos novidade. Sua voz era um movimento estranho naquele palco, Espaço para dois? Não! Tudo era seu! Sua urgência se tornou a minha urgência. Você recolhia os minutos e os transformava em séculos, de apreensão ou de delírio. Parei tudo para começar, e recomeçar, e de novo, e de novo, e de novo, até as cores do dia se esgotar e permear o negro. Tua vontade era real. Aniquilar teu desconforto era prazer, teu prazer era meu êxtase! Brincadeiras para confortar, um jogo de pode e deve... Dormir? Não! Se acordada ficava, observava arfar teu peito, Sincronizadas, aguardava o teu inspirar! Incontadas vezes. Só o tempo acalmaria meu coração, e eu não aprenderia. Como infinitos pareceram os dias antes de tua chegada e agora desejo que sejam infindos os dias de te ver.
IZABELLE VALLADARES MATTOS nasceu em 1976, em Niterói. Reside atualmente na cidade de Petrópolis, no RJ.
Embutida
E a tarde passava por ela em um suspirar tão doído, que doía aos olhos de quem a observava.
Sempre assim...
Cidália era moça do interior, sabe aquela moça que sonha um dia em ir morar naquela cidade grande de pelo menos 30 mil habitantes? Isso mesmo, o sonho de Cidália não beirava uma capital, era só o sonho de sair de sua cidade natal e poder achar que vivia em uma cidade grande.
Viver na cidade era seu sonho, não era sonho de capital, era o sonho só de poder andar em ruas calçadas ouvindo o som de saltos, de sentar na sorveteria da esquina e ver carros passando, sonho de ter alguma festa na praça no final de semana e poder, finalmente, usar o pó de arroz a tanto tempo guardado no fundo da gaveta. Enfim, anos se passaram até tomar a decisão de sair de casa. O pai advertiu: 5_Pense bem, a vida lá fora pode ser muito dura pra uma moça sem instrução.
6 Mas, Cidália era Leonina teimosa, iria sair e mostrar a família que tinha asas.
7Assim, aos 30 anos, com uma mochila carregando dois vestidos comportados, mudas de baixo, um pó de arroz e um batom laranja da avon, que ganhara da avó em algum natal perdido no tempo, seus documentos e um caderninho de anotações, cruzou a ponte de madeira da entrada da cidade, deixando no sítio que vivera desde o nascimento, pai, mãe, irmãos, 3 sobrinhos e a cadela Pretinha, por quem nutria forte afeto e amizade.
Saíra com a sensação que a tristeza profunda que guardava em seu peito sairia com ela, que ao sair de sua casa, teria novos horizontes, novas esperanças, conheceria novas pessoas e quem sabe, teria a sorte de conhecer um amor.
Ah! o amor! Quantas e quantas vezes suspirou a procura dele.
Lembrava-se com carinho do João, filho da Tia Zezé, um quase primo que chegou a enamorar- se de Cidália, mas, foi pra capital paulista e se casou e nunca mais se ouviu falar nele.
Chegou a cidade e pediu abrigo ao Padre que logo arrumoupara Cidália um emprego na padaria da cidade e com direito a esticar-se por lá a noite quando as portas se fechassem e o porão de trigo se abrisse. Cidália pensou em como tinha sorte.
Trabalhava da hora em que a padaria abria até a hora de fechar. O dono reclamava:
_Menina vá dar uma volta, pegar um ar. Mas, Cidália não tinha o que fazer na rua, preferia ficar ali, ouvindo as histórias de quem entrava e se demorava e de quem passava sem mais Delongas.
E a ida de Cidália pra cidade se resumiu a isso. A tristeza que achava que deixaria lá na casinha humilde onde morava com a família, levou com ela, no inicio, dava um sorriso amarelo para os clientes, depois nem isso. Sr Joaquim até pedia:
_ Seja mais simpática Cidália, ou os clientes vão achar que trabalhas aqui como escrava.
Mas, Cidália não estava ali para sorrir pra ninguém, só pra fazer seu trabalho. E aos poucos aquela enorme tristeza, que achava ter trazido em sua mochila, já fazia parte de todo o porão onde dormia, ela estava embutida nela.
Lembrava sem saudade do lugar onde nascera e vivera, de lá, só pretinha fazia falta. E então os suspiros foram ficando fundos, pesados, tristes e sombrios e uma tarde, sem mais nem menos, aquela tristeza vazou pelos olhos, pelos poros, pelo grito e no meio da tarde Cidália chorou. Chorou por tudo o que não era, chorou por tudo o que não foi e chorou por tudo o que nunca seria. Os clientes olhavam intrigados, o que havia dado naquela menina?
Era dia de Procissão de Santa Rita de Cássia, a procissão vinha pela rua, quando Cidália avançou em direção a igreja, subiu a torre do sino, arrancou suas vestes, abriu os braços e saltou em direção a multidão curiosa. E seus braços viraram as asas que sempre sonhara...E sua tristeza, mudou-se de vez de sua pequena cidade interior onde sempre vivera, e seu corpo, tocou o chão sem vida, dando o último suspiro triste, deixando para trás, toda a tristeza que cabia em Cidália. Não houve canto, não houve pranto, não houve vela. Virou apenas mais um causo, recortado de jornal, daquela cidadela.
A procissão desceu o morro e o corpo subiu à capela. Cidália levou consigo toda a tristeza que todo sempre estivera embutidas nela.
inscrições: cultivelitterature@gmail.com
JÔ MENDONÇA ALCOFORADO
psicóloga da UFPB, escritora, poeta, artista plástica, atriz, cantora e compositora. Coordenadora do Intercâmbio Cultural com projetos sociais e culturais incentivando a leitura e expressões artísticas no Brasil e exterior. Comendadora da ALAV e ABD. Representante da REBRA-PB. Grand Ambassadeur Divine Academie des Arts Lettres et Culture – Paris.
O PRANTO DE SER BRASILEIRO
O frio da noite abraçava Samira que banhada pela chuva estava num transito caótico indo para casa, após um dia de trabalho estressante. Chegava próxima a sua residência, levou um susto! Mais uma vez entre tantas, ficou impressionada com a quantidade de água na rua que mais parecia um rio barrento cheio de sujeira. Samira ficou sem ação. O que fazer para conseguir passar com seu carro sem entrar água nele e chegar à garagem de sua casa? Preocupada com o nível da água na rua que dava para andar de barco. Pensou que o carro podia encharcar e resolveu estacionar próximo e encontrar uma estratégia de como poderia entrar em sua casa. Queria ver como estava à situação da casa e se tinha sido invadida pela água. Teria mais um problema e providencias a tomar.
Samira já tinha passado por tanta coisa, que não sabia mais o que fazer para arranjar dinheiro para consertos da casa que morava.
Sua vida era de muito trabalho e o que ganhava não cobria suas despesas de sustento. Gostava de cuidar da sua casa que conseguiu com muito esforço e ajuda das pessoas para quem trabalhava.
Samira adorava estudar e investiu seu dinheiro para pagar a faculdade de letras, ela queria ser professora. O máximo que conseguiu para ganhar melhor, foi fazendo unhas em casa de família. Mesmo com um curso superior não conseguia arranjar nada, os empregos que procurava em escolas pediam experiência e mesmo com o currículo de mestrado, não conseguia encontrar um valor de salário a altura. Resolveu trabalhar fazendo unhas, ganhava mais do que em um emprego certo.
Filha órfã de pai e mãe, sempre trabalhou desde pequena. Fazia de tudo para sobreviver nessa sociedade robótica comandada por políticos que tem uma visão voltada para os seus interesses. Não só Samira, como a sociedade inteira merece a atenção e obrigação dos órgãos públicos para que a sua rua seja calçada e saneada. Talvez isso, aliviasse e recompensasse o sofrimento causado durante treze anos de vida que Samira passou convivendo
em períodos de chuva e com esse problema. Essa era a situação dela, que sonhou com um lugar para morar, sacrificou-se para comprar sua casa pensando na tranquilidade da velhice até a sua morte. Uma casa modesta que passou por invasões da água da chuva, que na rua não tinha por onde escoar. Um problema de anos com perdas materiais e financeiras. E as promessas de saneamento e calçamento das ruas pelos políticos da cidade continuaram. Samira sabe que “deitados em berço esplêndido” acomodados com seus salários, estão os políticos desafiando “o nosso peito à própria morte”. Morte clara, de uma espera que não vem e mesmo assim, muitos ainda, acreditam que são brasileiros. Um dia isso poderá mudar? A fé em si própria fez com que Samira superasse os problemas depois de passar muitas tristezas ocasionadas pelo sofrimento e perdas materiais. Na espera de uma solução Samira continuou sua jornada pensando que dias melhores virão. E como a esperança é a última que morre... Verás que “um filho teu não foge a luta!”
Esta é apenas uma situação dentre outras piores a que o nosso Brasil se submete esperando um dia, quem sabe, uma solução!
POLTRONA DO AMOR
Estou sentada aqui enamorada Ouvindo sua voz nos meus ouvidos Palavras tão bonitas encantadas Deixou meu coração enternecido. Você não sabe mais eu estou atenta Ouvindo sua voz com sentimento Você não deixou brecha Que me ama. E eu sonhando aqui me desvaneço Não quero mais ficar assim com medo De mostrar todo o meu sentimento Vou ficar a espera, um só momento. Onde eu possa declarar o meu desejo
Não vai ser agora, vou ver se consigo relaxar. Espera-me, lá fora, vamos ver se eu consigo ir até lá. O meu coração bate tão forte um sentimento
Pra poder te dizer Meu amor é você...
Vem cá.
JACIRA BARROS
Maria Jacira Serrano do Rego Barros, nasceu em Recife. Bacharel em Administração, diplomada pela FOCCA – Faculdade de Olinda. Apreciadora das Artes e, em especial da Literatura, passou a frequentar desde 2009 Oficinas literárias. É membro da União Brasileira de Escritores – PE, e da Academia de Letras do Brasil – PE. Participa do Grupo Literário Dom Graciliano, tendo contos divulgados em diversas antologias, incluindo as publicações do grupo ao qual pertence.
Trabalhos litrários Participação em antologias Ensaio
Bartleby, uma visão contemporânea.
Contos
Sentimentos em conflito Encontro marcado Um agradável fim de semana La bella ragazza A magia das cores O suave perfume da lavnada Vitória dos santos Não dá pra se feliz, não dá pra ser feliz! E agora, o que vou fazer?
Publicação em revistas e jornais literários
A atualidade de um clássico O circo está armado, vamos ao espetáculo.
Obra autoral publicada
Ficção brasileira – pernambuco . I.
A noite que não tem fim
O desatino.
Todos perguntavam o que teria acontecido, qual a causa dessa mudança repentina. Gostaria de possuir tal conhecimento, mas, em minha memória não existe qualquer informação. Desde aquele momento a revolver o passado, na tentativa incessante de elucidar o mistério tento armar o quebra- cabeça intricado de ideias. Teço várias conjecturas no emaranhado de fatos e emoções, sinto-me perdida num labirinto, sem repostas para meus questionamentos. Aprendera a amá-la desde pequena, sua altivez, o modo de comandar a organização da casa, sempre atenta a cada movimento, objetos, pessoas, tudo em redor de si na mais perfeita harmonia. Raras as manifestações de alegria, o temperamento austero afastava demonstrações de afeto, era temida. A dedicação ao lar ocupava-lhe o tempo, sentia-se realizada. Sem permitir às pessoas o acesso ao quarto onde dormia, alegava ser capaz de cuidar ela própria. Respeitavam-lhe os caprichos, atribuindo a mania de moça solteira. Impressionava a lucidez com que lembrava os aniversários de cada um dos meninos, cada parente, e dos amigos. Um sentimento me aflige, teria sido responsável, de algum modo provocara essa situação, e, sendo assim, em que momento ocorrera? Quase em desespero tento rememorar os fatos em busca de um indício a apontar minha culpa. O olhar perdido vagando no espaço, alheia a tudo, enclausurada em si mesma num isolamento voluntário, sem entusiasmo, tornara-se indiferente, apática, entregue ao desânimo. As palavras em monossílabos, respondiam apenas às perguntas.
Essa mulher, em nada se parece com Luzia, não é mais a minha amiga, como posso agir para tê-la de volta, e poder retornar ao nosso convívio, talvez pedir-lhe perdão, mas, por quê?
Havia a possibilidade de se mudarem do Sul para o Nordeste. A ansiedade sobre a perspectiva do futuro preocupava. O aniversário de Luzia estava próximo, resolveu-se comemorar e deveríamos pensar nos preparativos. A festa seria de confraternização e talvez despedida dos amigos. Os primos foram consultados e o mais velho sugeriu um almoço em sua casa, o que morava no centro encarregava-se das bebidas e o que residia na zona norte levaria o bolo confeccionado pela esposa. Comprar-lhe presente, uma tarefa difícil, a boa pensão permitia-lhe ter o que desejasse. Mas, intrigava-me o fato de conservar a cama velha, principalmente o colchão, dava para notar, de tanto uso estava gasto. Pela manhã, logo cedo, fomos ao salão de beleza, e, penteados os cabelos, unhas impecáveis, seguimos ao local do encontro. A euforia dos parentes, agitação das crianças, o falatório dos amigos, um ambiente mais que alegre, tumultuado. O sorriso de felicidade aos poucos cede à expressão de enfado e no semblante um aspecto de cansaço torna-se evidente.
Em meio ao burburinho, percebeu que algo no mais profundo do ser deixara de existir. Por que se sentia assim, alheia a tudo e a todos? A festa animada, pessoas agradáveis, amigas, ambiente acolhedor, nada a motivava. Aquela solidão, há longo tempo sua companheira. Mesmo em contato com familiares, em qualquer momento, de alegria ou tristeza, parecia-lhe ser uma estranha no ninho, pensou já não pertencer a tal dimensão. Uma ave que perdera o prazer dos gorjeios a festejar a natureza, aprisionada em gaiola de ouro. O espírito adormecido não lhe permitia manifestar sensações contidas, gestos efusivos, talvez não mais houvesse espaço para sentimentos, melhor a discrição. Ao redor de si a vida a pulsar célere, compasso incessante. Por vários momentos experimentara a mesma sensação 62 | CULTIVE de vazio. Um sonâmbulo caminhando sem perceber o próprio rumo. Fazia-se necessário que surgisse algo para despertá-la do sono nebuloso à descoberta de um novo amanhecer. Era preciso libertar-se do estado de letargia em que se encontrava, prestes a se evaporar, tornar-se etérea. As sutilezas dos pequenos gestos de ternura fizeram-na compreender a extensão do amor. Soubera amar? Não possuía a dimensão para poder dizê-lo. Acreditava ter sido deveras amada. Afinal, que importavam tais indagações se tudo ficara no passado, lembrança de emoções que sentiu, das experiências vividas.
Cantamos os parabéns, as velas foram sopradas, o bolo repartido, decidimos retornar a casa. Mal podia conter a ansiedade, ver qual seria a reação dela quando mostrasse a cama Box que lhe comprara. Meu colchão, onde está meu colchão, Bianca? O dinheiro! O que foi feito do meu dinheiro? Ela insistia, teimava em querer o velho colchão, estava irredutível. Sem conseguir acalmá-la fomos ao quarto de despejos e ao avistar o objeto correu alucinada até ele. Apalpava com os dedos trêmulos como à procura de algo que ali tivesse escondido. Da minúscula abertura iam surgindo cédulas e mais cédulas de valores diversos, muitas das quais sem validade.
Os primeiros sintomas haviam surgido aos poucos. Em várias ocasiões mostrava-se alheia a tudo e a todos, mesmo em momentos alegres se isolava a um canto, reclusa em seu mundo interior, e sonolenta. Pouco tempo depois, vítima de um aneurisma, Luzia nos deixou, talvez tenha se recusado a viver em uma terra estranha.
Maria Linda Lemos Bezerra
Membbre D’Honneur da Divine Académie Française des Arts, Lettres et Culture.
HISTORIÊTAS DE BITUPITÁ
O cenário cultural cearense está em festa. Chega Manoel Osdemi, destacando-se no mundo das artes, em todas as suas formas de expressão.
Como ator interpreta personagens das obras do respeitado lendário professor e contista cearense José Maria Moreira Campos, entre outros filmes patrocinados pelo governo do estado: As corujas, Visita ao filho, Dizem que os cães veem coisas, entre outros.
No campo literário Osdemi faz história quando registra a fala do povo, termos folclóricos, o cotidiano, as paisagens, a cultura da Praia de Bitupitá que, em estado primitivo e selvagem, dista de Fortaleza 395 km. Em visita à Vila, constata-se a afirmação do autor de que lá “o Curral é de Peixes, a Pancada é de Vento e Totó, Cadeia Pública, é a menor prisão do mundo”, localizada no centro do vilarejo. de Vento, reconhecido pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, em 2012, ganhador do Prêmio Oliveira Paiva. Aí ele descreve, em detalhes, a fundo, os costumes, crenças, valores dos que nascem e vivem naquele reduto de belezas naturais, manifestos, em todo o seu apogeu, nas lindas paisagens compostas de praias desertas, com dunas, coqueirais, foz de rios e o maior manguezal do estado do Ceará, formado na confluência dos cinco rios (Timonha, Ubatuba, Chapada, Camelo e Carapina) com ilhas que fazem a separação dos estados do Ceará e Piauí. Cenário paradisíaco, a praia de Bitupitá, nome de origem indígena tupi-guarani, localiza-se no município da pequena e hospitaleira cidade de Barroquinha, no litoral oeste cearense.
Para deleite, somos presenteados agora com o livro Historietas de Bitupitá, uma continuação dos contos e causos que Osdemi registrou ao longo dos 20 anos que lá viveu, vendo a Jangada Barriguda sair para o mar, levando a espia, a sala grande, a salinha e o chiqueiro a riscar, no oceano, um coração. Sabendo que é possível à obra (re)construir a vida, a escritora mineira Maria da Conceição Evaristo de Brito diz que há mundos submersos, onde só o silêncio da poesia penetra. Nestes mundos encontra-se Pimpim, representando todos o pescadores, cuja vida foi dedicada ao mar e à família.
Outra particularidade da expertise artística de Manoel Osdemi é a pintura. Usando a técnica Óleo sobre tela ele marca, com a assinatura Mom, quadros em exposição permanente no ateliê em sua casa. O emoldurado Coqueirais do Doro, inspirado no comboeiro, proprietário de 21 muares, que plantou naquela praia igual número da palmeiras, nomeando cada uma delas, a ilustrar a capa do mais novo livro de Osdemi, Historietas de Bitupitá. Registre-se: este foi apresentado na TV Verdes Mares, no Jornal Bom Dia Ceará, para encanto dos telespectadores que eram estimulados a conhecer aquele paraíso.
O afeto à terra é motivo para o mais novo contista “apaixonado pelas geografias naturais e humanas do Ceará” gravar também na sua linda voz, com musicalidade inconfundível, cada causo do livro. Não bastasse a forte expressão plástica, as historietas como bumba meu boi, entre outras, estão gravadas em CD, colado à obra. Registre-se, ainda lhe sobra tempo para compor música gospel para a igreja do bairro.
Osdemi entra para o universo literário como Membro Efetivo da Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará - Almece patroneado pelo Município Barroquinha, que sente orgulho do talentoso filho. Não bastasse, ele recebe o Selo de Reconhecimento da Academia de Letras Juvenal Galeno, um distintivo que apresenta-se em forma de chancela, a ilustrar livros, diplomas, medalhas, bottons, troféus ou outros, para ressaltar e enaltecer personalidades que promovam e disseminam a cultura, conhecimento, sabores, saberes, cores e tradições portanto, àqueles que tenham compromisso com a arte literária em todas as suas formas de expressão.
Funcionário Público Federal da Empresa Correios e Telégrafos, o autor incursiona também pela área das Ciências Contábeis, sendo apelo menor diante de todos os talentos aqui apresentados.
cultivelitterature@gmail.com
MARIA JOSÉ ARIMATEIA
formação em Letras, Especialista e Sociologia e Ensino da Literatura Brasileira, Escritora, Produtora cultural, Mediadora de Leitura, fundou em 1994 o Movimento artístico e literário de Bezerros (MALB) que passou a associação (AMALB) em 2014. Organiza curso voltados para a mediação de leitura e a escrita literária. Assinou a curadoria da FLIPO INFANTIL desde 2015 a 2018. Tem textos acadêmicos e literários publicados. Dedica-se neste momento ao curso de ilustração infantil (Oficina de Imagens com Anabella Lopez e Rosinha). É mãe de seis filhos.
VADIOS E SOLITÁRIOS
Maria José Arimateia (mjarimatei@gmail. com)
GUILHERMINA– Um anjo leve, solto e nu, que tem um grande carinho pela humanidade, embora cheia de erotismo, de medos, e culpas. (CARRERO, Raimundo. JC, 21.04. 2013)
Sentada no banco da praça está a menina. Os olhos verdes encantam-se pelo moço que lhe traz um sorvete. Ela sorri. É Ernesto, o cunhado. Vai sorrir sempre à espera dele. Os cabelos tingidos de sol, amarrados com duas marias-chiquinhas e um beijo agradecendo a gentileza. Vê a irmã aproximar-se e puxá-lo pelo braço. Distanciam-se agarrados.
Ficará esperando até que voltem para buscá-la. Os olhos verdes dirigem-se para um canto da praça. O cachorro que comia grama, aproxima-se. Esfrega-se nas pernas da menina. Vai para o colo e dali para casa. Único amigo.
Demorou. Dolores, a irmã, custou em vir buscá-la. E na meninice sentia-se abandonada. Solitária. O lugar esvaziou-se de pessoas. E somente quando a noite queria entrar na cidade voltaram para casa.
Do sertão, as memórias da fazenda. Na capital, a felicidade espera Guilhermina. Estudar é seu destino. E a Dolores, o casamento com o herdeiro do engenho.
Guilhermina tinha os passinhos apressados e miúdos. Os seios eram brotos. O pai indignado e com raiva do cachorro lhe aplica um beliscão naquilo que seria o peito esquerdo, mais tarde. Dói em Guilhermina.
O velho não percebe as lágrimas em cada olho. Ele também tinha dores. Amava demais aquela menina e não era bom saber que vivia aos beijos com rapazes.
O cão. O cão paga pelos erros dela. Espanca-o
e o põe pra fora, para a rua. Guilhermina está machucada.
Ela chora. Ele vai para o quarto ler a bíblia. Ele lê. O pai, esse é o pai.
Mais um domingo de peregrinação. Os cachorros sozinhos no domingo. Nunca mais viu o cãozinho. Chorou em silêncio muito tempo. E decidiu. No domingo ia alimentar os vadios abandonados. E fazia isso tinha muito tempo. Muito antes de Mateus vir morar com ela. Moça feita, vivia sozinha na casa verde da torre.
O menino veio e ocupou seu tempo enquanto as portas ficavam fechadas. No domingo, ela saía, e quando Mateus cresceu levava-o também. Eram domingos solitários. Domingos vadios. Domingos de cachorros vadios e solitários.
- Quando os cachorros comem capim é porque tem cólicas, não é pastar, é remédio. A voz da mãe ecoava nos ouvidos toda vez que passava na rua e via um cachorro comendo mato.
Domingo de carnaval. As ruas cheias. Agremiações ocupam o Recife. E naquele domingo sentia-se mais vadia e mais solitária. Primeira visita. Abraçada as lembranças caminhava sem remo, querendo a festa da carne. Os cabelos de fogo eram curtos, agora.
Permanecia magra, e os seios empinados e leves denunciavam o ardor que a consumia. Estava tarde, devia voltar pra casa. E sozinha. Sempre sozinha. Deveria pensar naquele que a abandonara. Pensar em Mateus.
O homem que amou casou-se com Dolores. Desejava Dom Ernesto. Rejeitou todos os namorados.
E Mateus, esse outro amor, também consumia suas carnes. E Guilhermina chorava. Chorava pelos namorados que nunca teve, pelos amores que nunca viveu. Devia livrar-se de tudo; de tudo que a incomodasse; de tudo que 66 | CULTIVE desejasse.
Mateus estava preso. Outro crime, desta vez no Beberibe.
A sala se encheu de outras mulheres. No pacote tinha livros, goiabada cascão, bolo de rolo e cigarros. Encolhida a um canto esperava por ele. Os olhos atentos viam choros e abraços.
A vergonha instalou-se no instante em que os olhos se encontraram. E entre eles, um temor, a separação. Entregou a Mateus o pacote já aberto. Deu um sorriso forçado e ele gesticulou grosseiramente e se retirou. Ela segurou-o pelas mãos, e não achou palavra que pudesse ser dita. Despediram-se com um aceno.
Saiu do presídio cambaleando. As pernas não davam conta do peso do corpo. Não voltaria a vê-lo. Não, ali. Embrenhou-se pelas ruas sempre naquele passinho miúdo e apressado. Acarinhou cachorrinhos solitários e vadios.
Dolores. Foi Dolores a culpada. Matou o marido. Não foi suicídio. Negou o crime. O culpado sempre nega. Essa era Dolores. Sempre negando. Negando amor, negando companhia. Suspirando pelos cantos da casa. Infeliz era Dolores.
E chegou na casa verde da torre vestindo um cobertor de saudades. Era sim, saudade. Do pai: - Tu nasceu pra ser puta, Guilhermina. Da mãe, ajeitando Dolores. De Mateus, lendo contos enquanto ela tocava piano. De Dolores entregando Mateus ainda quente, saído do útero. Nascido já na prisão.