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SEM SINAL
SEM SINAL
Maria Rosa de Miranda Coutinho Joinville - SC
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A mulher rude e de poucas palavras havia enfim decidido fazer parte do mundo tecnológico. Esquecida pelo tempo, pois apenas trazia alguns fios brancos de cabelo e conservava uma pele ainda jovial, esqueceu-se ela também de se atualizar no novo século que chegou muito depois do seu nascimento, de sua vivência de infância e de um difícil amadurecimento.
Maria foi o nome que recebeu e nada mais a ele foi acrescentado. Estava escrito somente em seus documentos e talvez um dia seja inserido em sua lápide.
Na velha casa, separou suas economias. Contou e recontou cada nota de dinheiro que guardava no fundo da gaveta de sua cômoda.
Herdou de sua família a cansativa atividade de feirante e embora reservada, sabia oferecer as muitas hortaliças que cultivava em seu quintal com o valor apropriado. Não conseguia, contudo, imaginar quando abandonaria tal lida.
Maria caminhou algum tempo pelo centro da cidade até deparar com a loja pretendida. Entrou cabisbaixa sem dirigir-se a ninguém. Tinha receio dos olhares e das perguntas. Sua linguagem revelava seu desconhecimento à modernidade, o que a colocava em um universo à parte.
Os estranhos objetos estavam lá, expostos nas vitrines tão alheios a tudo quanto aquela mulher. Sua solidão, apressada pela viuvez
precoce, fez dela ainda mais indiferente às novidades urbanas, e agora estava ali envolta ao que não conhecia.
Subitamente foi interrogada sobre sua busca. Desafiada pela insistência da vendedora, Maria relatou sua intenção: – Quero comprar um telefone. – A senhora tem algum modelo de celular de sua preferência? – Não conheço bem esse negócio – Justificou asperamente a mulher.
Diversos tipos de aparelhos lhe foram apresentados que receberam o olhar curioso da cliente. Enquanto examinava cada um, pedia explicações sobre seu uso. A compra foi fechada, finalmente, e a mulher se retirou carregando o pacote ¨esquisito¨. A proximidade com a tecnologia, podese dizer que apenas iniciava. Enquanto isso, Maria abraçou a rua com uma fisionomia mais confiante.
Seu retorno não fora percebido pela vizinhança que pouco a viam. Sua casa estava como havia deixado: silenciosa, cafona e triste.
Antes mesmo de rever o aparelho comprado, abriu uma das janelas para que a luz do dia entrasse – ainda forte – clareando sua sala. Desembrulhou a caixa com uma delicadeza que não lhe era comum e esquecida das orientações da vendedora, tratou de procurar o papelzinho onde anotou os passos para o correto manuseio.
Ensaiou a digitação de números aleatórios com os dedos grossos e quase sem tato. Num primeiro momento quis apenas brincar com as teclas do aparelhinho sem qualquer objetivo. Familiarizou-se com os comandos, mas ainda sem entender muito bem todos eles. Estava farta
da brincadeira e numa fração de segundos ergueu-se da cadeira lembrando-se de regar a horta.
O sol se punha mais rápido naquela estação menos quente, e a mulher enveredou-se pelo quintal determinada a concluir logo a empreitada.
Não saía do seu pensamento a nova aquisição. Buscou na memória algum número para o qual pudesse ligar, sem resultado. Enumerou seus velhos conhecidos, de outras regiões do país, e nada. Encontrou dificuldades para estrear o telefone, e já não era mais a ausência de tecnologia. Enquanto voltava para o interior da casa, refletiu sobre seu isolamento.
O celular estava à mesa. Ao seu alcance. Ligado com a bateria necessária. Inútil para Maria. Quem sabe dali alguns dias descobriria um número conhecido para ligar. A mulher cansada – pensativa – recostou seu corpo em sua mobília ouvindo tão somente a própria respiração.