JORNALISMO E MERCADO: ANÁLISE DA COMPETIÇÃO ENTRE VEÍCULOS JORNALÍSTICOS
Hélio A. Schuch Professor do Curso de Jornalismo da UFSC
INTRODUÇÃO O mercado brasileiro de jornalismo movimenta-se no sentido de forte competição. Não apenas no caso de veículos impressos como também nos eletrônicos, a concorrência torna-se um componente decisivo na gestão das empresas que têm o jornalismo como negócio. Nesta competição os veículos estabelecem as mais diversas estratégias de ação. Pode-se dizer que a atividade jornalística sob enfoque de mercado não é um assunto devidamente analisado e discutido nas escolas. É uma falha que deve ser corrigida, já que o ambiente de concorrência que se estabelece no jornalismo deve ser mais bem compreendido. Este trabalho, introdutório e teórico, objetiva estimular a análise acadêmica do assunto e faz parte dos interesses do autor que desenvolve pesquisa sobre jornalismo e mercado. A concorrência entre veículos jornalísticos não é, em si, um fato novo, mas o que atrai atenção é o acirramento desta competição em anos recentes. Isso pode ser constatado pelos seguintes indicadores:
1. surgimento de novos canais de televisão por assinatura; 2. aumento da oferta de novas revistas semanais, quinzenais e mensais;
3. aumento da oferta de novos jornais; 4. especialização da programação jornalística de emissoras de rádio e de televisão por assinatura, e também de jornais e revistas;
5. oferta de novos serviços de informação, impressa ou via internet, por empresas jornalísticas;
6. intensificação da cobertura regional por veículos nacionais; 7. intensificação da cobertura local por veículos regionais. Tudo isso amplia as possibilidades de escolha da audiência, seja de meios impressos, seja de meios eletrônicos.
Multiplicam-se as bancas de revistas e jornais – o mercado físico do jornalismo impresso –, que assumem cada vez mais importância como pontos de distribuição dos mais diversos produtos, jornalísticos ou não. É tal o volume de produtos aí expostos que o que está acontecendo é falta de espaço físico: por dentro, para publicações jornalísticas, como jornais e revistas, e produtos como fitas de vídeo, CDs, fascículos, livros e outros; por fora, para os cartazes publicitários das publicações. Da mesma forma, a audiência encontra na mídia eletrônica, como televisão (tanto aberta como por assinatura), rádio e Internet, uma oferta extremamente generosa de produtos jornalísticos. Nesta ampliação da oferta de produtos e serviços jornalísticos e, por extensão, na concorrência que se intensifica, observam-se estratégias de marketing que vão desde o acoplamento de produtos diversos no produto jornalístico impresso, dos tipos fitas de vídeo, enciclopédias, livros, CDs etc., até a redução de preços. Ao mesmo tempo, na televisão, telejornais disputam audiência com programas não jornalísticos e as emissoras de rádio buscam audiência através de publicidade. Essa ferramenta de marketing, aliás, torna-se cada vez mais intensa na divulgação de produtos jornalísticos, sejam jornais, sejam revistas, sejam telejornais e radiojornais. Os veículos, impressos e eletrônicos, difundem jornalismo e também a sua publicidade. Por outro lado, a especialização dos veículos, impressos e eletrônicos, é incrementada na procura e consolidação de nichos de mercado, e pelo menos duas novas formas de informação, serviço e autoajuda, são cada vez mais privilegiadas. Concorrentes também disputam leitores via busca de colocação mais rápida do produto no mercado. Veículo criticando veículo é uma ação freqüente. São criados cargos para jornalistas representarem a audiência. Enfim, o jornalismo mostra um movimento em direção à competição, sintonizado, como tudo leva a crer, no ambiente econômico competitivo que se estabelece no país. Como qualquer ramo da atividade econômica, o jornalismo está sujeito às leis do mercado. Uma direção que este mercado toma é a oligopolização, que apresenta concorrência interna pela natureza deste ramo. Ao mesmo tempo, o jornalismo, também por sua natureza, é uma atividade que permite a atuação política-ideológica mais intensa, já que forma a opinião pública.
Neste sentido, há possibilidade de mostrar-se como um oligopólio de consenso em determinadas posições políticas. O jornalismo, enfim, é o resultado de uma combinação entre interesses políticos e econômicos. Ele tem um papel institucional, mas também é um negócio. E é como agentes econômicos que os veículos, atuando em ambiente de competição, são aqui analisados.
DECISÕES JORNALÍSTICAS SOB ENFOQUE DE MERCADO Como agentes econômicos, os veículos jornalísticos tomam decisões para sobrevivência e expansão. Por veículo jornalístico entendese o meio que tem o jornalismo como produto difundido. Jornais e revistas, do jornalismo comercial, são veículos jornalísticos. Televisão e rádio são veículos de comunicação, mas em partes de sua programação difundem jornalismo através de telejornais e radiojornais – nestas partes, portanto, configuram-se como veículos jornalísticos. Decisão jornalística sob enfoque de mercado significa ter como parâmetro de atuação o mercado. Significa, assim, ter a audiência da informação jornalística no centro das atenções do veículo, procurando manter e ampliar esta audiência. Para isso, os veículos trabalham no sentido de alcançar suas metas. Estas decisões sob enfoque de mercado são estratégias de ação e têm como pressuposto a segmentação e a diferenciação em relação aos concorrentes. O substrato destas decisões é o cumprimento de critérios jornalísticos, mas a ela são amalgamadas decisões mercadológicas. Estas decisões são tomadas por proprietários dos veículos, executivos e editores, baseadas no mercado. Tem-se, portanto, a decisão jornalística sob enfoque de mercado. Audiência é a palavra-chave nas decisões jornalísticas sob enfoque de mercado. A audiência dos veículos impressos é de dois tipos: assinantes ou não assinantes. Os veículos impressos têm a possibilidade de vender assinaturas de suas publicações, que é um contrato de fornecimento das mesmas mediante pagamento por determinado tempo. Estes contratos podem ser de tempos variados, de alguns meses até um ou mais anos, mas no período vigente da assinatura assegura a relação assinante-veículo, surgindo aí a audiência cativa ou uma fração de mercado dominada. Como assegurar mercado é objetivo dos veículos, há disputa para a realização destes contratos, como também sua continuidade após o vencimento. A não migração do assinante para outra
publicação é o objetivo que buscam os veículos. O mesmo também ocorre na televisão por assinatura. Na busca destes contratos de assinatura, as formas típicas de captura de audiência são a publicidade, brindes, demonstração de economia no custo e facilidades de pagamento (prestações, carnês, cartões de crédito, contas telefônicas). Desta maneira, os veículos competem via publicidade, brindes, condições de preços e pagamento. Já a disputa da audiência na inexistência de contratos tem outra dinâmica, porque as escolhas ocorrem livremente no tempo: diariamente no caso de jornais; semanal, quinzenal e mensalmente no caso de revistas; de minutos a horas no caso da televisão (tanto aberta ou por assinatura) e rádio. O problema aqui, e no caso de veículos impressos, é o seguinte: como fazer a audiência livre escolher dentre as publicações concorrentes? No caso de veículos eletrônicos o problema é semelhante: como ter – e manter – audiência livre em determinados telejornais e radiojornais? Estas são as questões principais que a decisão jornalística num ambiente de concorrência deve procurar solucionar em termos de segmentação e diferenciação mercadológica.
SEGMENTAÇÃO DO MERCADO JORNALÍSTICO Segmentação Geográfica Os mercados, do ponto de vista dos veículos, e para nossos fins, são classificados em nacional, regionais e locais. Por mercado regional entende-se o compreendido por estados da federação; por mercado local entende-se o compreendido por municípios. O mercado nacional é o somatório dos mercados regionais e, esses, por sua vez, são o somatório dos mercados locais. Assim, um veículo nacional está presente, em graus diversos de penetração, nos mercados regionais, o mesmo acontecendo com os veículos regionais em relação aos locais. Através da Figura 1 pode-se visualizar a segmentação geográfica do mercado jornalístico. FIGURA 1: Segmentação Geográfica do Mercado Jornalístico
Enquanto veículos nacionais, competem entre si: televisão, rádio, revistas semanais, quinzenais e mensais de informação, jornais; enquanto veículos regionais, competem entre si: televisão, rádio, jornais; já nos mercados locais a existência de veículos, e a competição, depende do município (desde uma capital até um pequeno município). Mas, ao mesmo tempo, todos estes veículos competem entre si, em maior ou menor intensidade. Veículos nacionais com veículos regionais, embora esses últimos não competem com os veículos nacionais fora de suas áreas de atuação. (Exemplificando: um jornal nacional compete com um jornal regional dentro da área de atuação desse último, mas um jornal regional não compete com um jornal nacional fora de sua área de atuação). Veículos nacionais competem com veículos locais, embora esses últimos não competem com os veículos nacionais fora de suas áreas de atuação. Veículos regionais competem com os veículos locais, embora esses últimos não competem com os veículos regionais fora de suas áreas de atuação. E também existem veículos regionais e locais que dominam fatias de mercado em regiões vizinhas as suas. Neste caso, veículos regionais e locais competem com veículos regionais e locais. Pode-se dizer, assim, considerando a trama desta competição, que os mercados locais são disputados pelos veículos regionais e nacionais; logo, o mercado regional é disputado pelos veículos nacionais. Por certo toda esta competição estabelece-se com graus variados de intensificação: em menor grau entre os veículos nacionais e locais; em maior grau entre veículos nacionais e regionais e entre veículos regionais e locais. Neste ambiente, os veículos procuram desenvolver vantagens competitivas, diferenciais em relação à concorrência. Um jornal e uma televisão regional, por exemplo, competem com veículos nacionais e locais difundindo informação jornalística de interesse regional – a sua vantagem competitiva a estes concorrentes.
Mas é uma vantagem relativa, já que o conceito de região, do ponto de vista jornalístico, não se afirma tanto quanto os conceitos nacional e local. (É interessante notar que jornais regionais, mesmo dedicando preferência à cobertura de fatos regionais, mostram uma tendência de disputa com jornais nacionais, via manchetes de fatos nacionais). Pode-se sugerir a seguinte configuração de mercado para os veículos regionais: sediados nas capitais, tentam ser, ao mesmo tempo, veículos nacionais/regionais e locais, o que significa uma busca de produzir um jornalismo que atenda vários níveis de interesse. No caso de jornais isso tem sentido porque os jornais nacionais têm sua maior penetração nas capitais. Assim, um jornal regional, tendo, entre outros, um enfoque nacional, está atendendo um mercado desassistido. Mas ocorre que nesta situação ele compete com telejornais e mesmo radiojornais nacionais. Ao mesmo tempo, os veículos nacionais também cobrem fatos regionais, conforme seu valor jornalístico, isto é, de acordo com a possibilidade de tornar-se um fato de interesse nacional. Por outro lado, um jornal e uma emissora de rádio de âmbito local concorrem entre si e com veículos nacionais e regionais, divulgando informação jornalística de interesse local, aproveitando-se da regra da proximidade – um valor jornalístico. Estes veículos têm a vantagem competitiva, em relação aos veículos nacionais e regionais, na intensificação da difusão de informação jornalística originária de fatos locais. Os veículos nacionais têm a vantagem competitiva de cobrirem intensamente fatos de interesse nacional, mas também têm a vantagem de cobrirem fatos internacionais e regionais/locais. Entre os vários fatos nacionais, esta vantagem competitiva aparece de forma mais clara no caso da política e economia, cujo grau de importância para a audiência está relacionada ao nível nacional. A economia e a política são esferas da sociedade que têm muito mais importância quando em seu nível nacional do que nos seus níveis regionais e locais. Mas não são somente estes dois tipos de fatos que têm importância para sua audiência em nível nacional. Os veículos nacionais aproveitam-se da universalidade, abrangência, de fatos – os mais variados – para difundirem informação jornalística que têm interesse para a audiência – uma audiência distribuída nos mercados locais. Nos veículos nacionais o que ocorre é uma imbricação, superposição como são colocadas as telhas, de informação jornalística cuja origem são fatos nacionais/regionais/locais, forçando a competição
com os veículos regionais. Como resultado, tem-se a tendência de uma oligopolização dos veículos nacionais em relação aos veículos regionais. Mas uma oligopolização que enfrenta concorrência, interna (entre os próprios veículos nacionais) e externa (com os veículos regionais). E temse, também, uma tendência de oligopolização, com concorrência entre si, dos veículos regionais em relação aos veículos locais. A dinâmica desta competição, em resumo, é a seguinte: os veículos nacionais procuram ampliar sua audiência penetrando no mercado dos veículos regionais e, esses, por sua vez, procuram ampliar sua audiência penetrando no mercado dos veículos locais. A competição entre os veículos é ilustrada na Figura 2. FIGURA 2: Dinâmica da Competição Entre Veículos Jornalísticos
Segmentação da Audiência Por mercado de audiência do jornalismo entende-se o somatório de todas as pessoas que podem ter acesso a ele por um ou mais veículos. A audiência pode ser classificada conforme critérios gerais como renda, escolaridade, idade, sexo, tipo de trabalho/funções, distribuição demográfica (capitais, municípios de grande, médio e pequeno porte, distritos) e em critérios específicos como interesses por determinados assuntos (categorizados como são as editorias: economia, finanças,
negócios, política, esportes, ciência, cultura, polícia, saúde, ecologia, etc., etc.) e aspirações políticas/ideológicas. Estes critérios determinam o conceito de público - um conjunto de indivíduos que tendem a homogeneidade, tomando-se por base os critérios de classificação. Assim, o conceito de público obedece a critérios tomados estatisticamente em relação ao total da audiência. Fatias do mercado de audiência são segmentos, ou públicos. A formação de audiência tem num extremo somente um público e em outro extremo o total de públicos. Teoricamente, por isso, um veículo pode ter como audiência um público, mas também pode aglutinar o total dos públicos - neste caso, haveria a monopolização da audiência. O que ocorre, de fato, é que cada veículo tem seu público-alvo, que pode ser formado por apenas um público ou por um conjunto de públicos. Televisão aberta e rádio são veículos próprios de um maior número de públicos; jornais, revistas e canais de televisão por assinatura são veículos próprios de um menor número de públicos. A especialização de um veículo segmenta ainda mais sua audiência, mas, em compensação recebe fidelidade. Em relação a seus concorrentes cada veículo procura manter e ampliar sua fatia do mercado de audiência, conforme seu tipo, interesses e condições de competição. Dois conceitos devem ser levados em conta no mercado dos veículos: elasticidade e inelasticidade. No primeiro caso, o mercado ainda apresenta frações de audiência potencial, não atendidas; no segundo, o mercado não apresenta estas frações, estando assim saturado. O mercado de audiência dos veículos eletrônicos é, quantitativamente, maior do que o mercado de audiência dos veículos impressos, e isso ocorre, dentre outras razões, por uma razão econômica: após a compra dos receptores, o acesso é grátis no caso de televisões abertas e rádios. Além disso, deve-se levar em conta a quantidade significativa de receptores já existentes no país. No caso dos impressos a questão do custo é pertinente. Cada veículo tem seu preço e, conforme a periodicidade, pode tornar-se um impeditivo de compra. Deve-se levar em conta, também, a falta de hábito de leitura de jornais e revistas, que impede compras regulares das publicações. Pode-se dizer, assim, que, em relação ao acesso, os veículos eletrônicos levam vantagem em relação aos veículos impressos. Mas uma outra razão fortalece esta vantagem competitiva: um receptor, de
televisão ou rádio, permite acesso a toda a programação das emissoras, onde os conteúdos de comunicação têm extremo apelo de audiência, sendo, ainda, concorrentes dos produtos jornalísticos por sua distribuição na grade de programação. Mas, se existe uma audiência global de jornalismo, deve-se prestar atenção nos públicos dos veículos impressos por alguns motivos. Em primeiro lugar, aqui existe uma decisão de compra - e isso não é insignificante; em segundo, e em decorrência desta decisão, existem hábitos de leitura, desejos e procura por informação escrita, documentada; terceiro, é razoável supor que existe demanda reprimida por necessidades específicas de informações não difundidas pelas publicações existentes, ou, em outras palavras, por inovações. Somente em anos recentes o setor editorial mostra-se relativamente ágil em inovação, com novas revistas e jornais circulando. E "cada empresa que entra no mercado procurará alguma posição, localizando-se próximo a um concorrente ou em um segmento não ocupado" (Kotler, 1996). No setor editorial isso significa lançamento de publicações que concorram com as já existentes, ou encontrar um nicho de mercado novo, que tem expectativa por inovações. Diante de um mercado que mostra dificuldade em expansão, pelas razões já descritas, certamente este último caso mostrará mais eficiência. Inovações, assim, constituem-se como metas. Inovações com diferenciais claramente percebidos pela audiência – esta é uma estratégia competitiva que começa a surgir neste cenário. Diferenciais que vão desde o uso dos mais diversos recursos gráficos até linhas editoriais distintas, passando pela especialização. Esta situação movimenta todo o setor, obrigando os veículos tradicionais a melhorias e coagindo os veículos novos a fortalecer a posição já conquistada. A dinâmica desta competição implica num rearranjo desta audiência, com uma segmentação mais acentuada dos públicos, e disputa por fatias de mercado dominadas por veículos concorrentes.
DIFERENCIAÇÃO COMO INSTRUMENTO MERCADOLÓGICO Na difusão de um mesmo produto – jornalismo – os vários tipos de veículos concorrem entre si, mas certamente esta competição é mais acirrada entre veículos que apresentam as mesmas características, como periodicidade, segmentação geográfica e segmentação de audiência, tipos (impressos [jornais e revistas] e eletrônicos [televisão e rádio]).
Exemplos: jornais nacionais diários X jornais nacionais diários, telejornais nacionais x telejornais nacionais, revistas semanais de informação X revistas semanais de informação, revistas quinzenais de informação X revistas quinzenais de informação, revistas mensais de informação x revistas mensais de informação etc. Nesta competição a estratégia da diferenciação deve ser implementada e intensificada. Pode-se indicar dez formas desta diferenciação, levando-se em conta todos os veículos: melhoria da qualidade, especialização, agregação de valor, oferecimento de novos serviços, tempo de oferecimento, exposição do produto, competição via preços, estratégias de publicidade, afirmação dos títulos como marcas, agregação de produtos acessórios. Estas formas não aparecem de forma pura, isoladas entre si, mas combinadas, em maior ou menor intensidade, conforme os tipos de veículos. Qualidade, por exemplo, é um conceito que permeia e confrontase com todas as demais formas. No jornalismo o conceito de qualidade prende-se à informação jornalística como produto final do processo de produção editorial. Mas a informação jornalística tem um duplo caráter, já que a sua existência pode ser não-arbitrária e arbitrária do ponto de vista editorial. Ou seja, a existência da notícia, como o relato de um rompimento do curso normal dos fatos, é subordinada a ocorrência de irregularidades, tendo automaticidade na sua difusão. Assim, os veículos tendem à homogeneidade na difusão de notícias, restando como diferencial o tratamento jornalístico do fato. A informação jornalística é arbitrária na medida das decisões dos veículos. A rigor, qualquer assunto pode ser abordado jornalisticamente, via pauta decidida pelo próprio veículo. (Por exemplo: entre concorrentes, um pode decidir fazer uma reportagem sobre a informática e outro sobre o câncer. Mas, se uma personalidade pública morrer, esta notícia será obrigatória para os dois, ou automática). Desta maneira, os veículos podem ser – e são – heterogêneos. Se existem fatos existe jornalismo, mas se os fatos são iguais para todos os veículos, é possível diferenças na atribuição de suas importâncias. Só que as diferenças nesta atribuição decorrem do enfoque de mercado, ajustando-se às exigências (demanda) da audiência e diferenciando-se pela melhoria de qualidade. Por qualidade pode-se entender "adequação ao uso" (Juran, 1995:16). Como quem faz uso da informação jornalística é sua audiência, é do seu ponto de vista que deve ser originado o critério de qualidade. A
informação jornalística pode ser difundida de diversas formas editoriais, usando-se os mais variados recursos, mas a sua qualidade será o resultado de um enfoque de mercado. A melhoria de qualidade é uma agregação de valor porque qualifica a informação jornalística. Os veículos também podem apresentar uma qualidade própria – a especialização (em maior ou menor intensidade), uma estratégia eficiente para a ampliação e manutenção de fatias de mercado. Isto porque com a especialização um veículo tem a vantagem da diferença editorial em relação aos outros veículos. É uma vantagem competitiva importante em pelo menos dois aspectos:
a. a especialidade é conhecida pela audiência existente e potencial, e isso elimina indecisões de escolha;
b. existe sintonia entre o veículo e sua audiência, permitindo otimizar a informação jornalística. Com a especialização um veículo é capaz de produzir e difundir uma informação jornalística plenamente ajustada às exigências de sua audiência. Este aspecto torna-se significativo quando, como exemplo, relaciona-se a informação jornalística com decisões econômicas. (E é interessante notar que a publicidade de alguns veículos jornalísticos impressos associam sua informação com decisão, benefícios). No mundo dos negócios é vantagem competitiva possuir informação. Entre outras utilidades, a informação jornalística agrega valor quando relacionada ao problema decisório econômico. Neste sentido, pode-se dizer que "do ponto de vista do tomador de decisão, [...], o que interessa é uma possibilidade diante da matéria jornalística: ela, concretamente, proporcionar informações que possam respaldar a tomada de decisão. É esta capacidade que atribuirá um conceito para a matéria jornalística, como o de qualidade. Portanto, no processo decisório o atributo, ou valor econômico, às informações, parte do tomador de decisões" (Schuch, 1997:4). O caráter de utilidade da informação jornalística intensifica-se com o uso da Internet. Observa-se o oferecimento de novos serviços por alguns veículos, como a possibilidade de acesso a informações em tempo real, ou não, e bancos de informações. São estratégias que ampliam e fortalecem a relação com seu público, afirmando o veículo no mercado e construindo um diferencial de competição.
Esta afirmação do veículo diante da audiência, por outro lado, ocorre por uma mudança cada vez mais perceptível: de títulos para marcas. As capas das revistas e as manchetes dos jornais são direcionadas como apelo de venda, mas os títulos das publicações, agora como marcas, também sustentam as vendas. A força da marca também aparece nos telejornais e radiojornais. A marca identifica e representa o veículo – e isso é decisivo no confronto com seus concorrentes. Ainda, a marca não deixa de ter o sentido de personalidade do veículo. Não serve só para lembrar e identificar-se, mas para marcar uma posição singular, única, entre os veículos que disputam o mesmo segmento de audiência. A relação marca e audiência implica num componente decisivo na competição: a fidelidade. E essa se torna cada vez mais necessária devido a uma questão prática de venda ainda não resolvida, que é a exposição dos veículos impressos nas bancas. É certo que alguns jornais e algumas revistas são expostos inteiramente, mas são alguns e não todos. Na forma imbricada como são colocadas nas prateleiras das bancas, muitas publicações somente conseguem ser vendidas por uma decisão de compra já determinada pela audiência, e não pela exposição do produto. É uma situação onde a audiência procura pela publicação e não se confronta diretamente com ela. Nesta procura tem um fator-chave na competição entre concorrentes: o tempo de oferecimento. Entre jornais diários a disputa está em antecipar o oferecimento, o mesmo ocorrendo com as revistas semanais. Neste segundo caso, a periodicidade semanal não é um fator complicador, pois além de ainda ter dinamicidade para o jornalismo, é uma noção de tempo apreendida pela audiência, mesmo porque estas publicações circulam a partir do final da semana. Mas, nas circulações quinzenal e mensal, existem entraves, já que possibilitam pouco controle, por parte da audiência, dos dias de circulação, exigindo aí o hábito ou preferência. Existe o recurso da exposição via revisteiras ou expositores plásticos, exibindo revistas semanais, quinzenais e mensais, mas são algumas, não todas. Um outro recurso é a publicidade, via anúncios em veículos impressos e eletrônicos, e cartazes junto às bancas. E nesta publicidade um apelo é a logomarca, acompanhada de algum slogan. Veículos impressos também competem via preços e agregação de produtos acessórios (acoplamento de produtos diversos, grátis ou pagos). A competição via preços é uma estratégia utilizada pelos veículos para manter ou ampliar seu público. Adaptando-se os "motivos para implementar a diferenciação de preços por período" (Dolan e Simon,
1998:280-281), pode-se dizer que os preços das publicações podem ser mantidos ou reduzidos de acordo com os seguintes critérios: Preço maior Um preço maior de uma publicação já conhecida em relação às publicações concorrentes pode ser percebido pelo público como uma publicação de melhor qualidade. Preço menor O lançamento de uma nova publicação com preço inferior a publicações já existentes diminui as barreiras de entrada dessa nova publicação e induz o público para a compra da publicação desconhecida. A venda de publicações existentes a um preço menor, mantendo o mesmo padrão e qualidade, pode atrair novos públicos. A venda de publicações existentes a um preço menor pode intensificar a sua venda para os públicos que o fazem esporadicamente. Enfim, sobre a agregação de produtos acessórios pode-se dizer o seguinte: entre concorrentes do jornalismo impresso, a informação jornalística, de um modo geral, é percebida como semelhante pela maioria da audiência que forma os seus públicos. Os veículos conhecedores da percepção de seus públicos utilizam como vantagem competitiva a diferenciação por agregação de produtos acessórios. A diferenciação por esta agregação tem sido realizada através da inserção de enciclopédias, dicionários, CD's, fitas de vídeo, livros, etc. Alguns são cobrados, outros não, mas deve-se notar que são produtos que formam coleções, o que condiciona o hábito de compra. No primeiro caso a diferenciação ocorre pela oferta de um produto adicional que, presume-se, é de interesse do público. No segundo, a diferenciação realizada dessa forma possibilita aos veículos cobrarem um preço maior, que se justifica pelo valor extra entregue e percebido pelo público. A Figura 3 sumariza as diferentes formas de diferenciação. FIGURA 3: Formas de Diferenciação do Produto Jornalístico
CONCLUSÕES Neste trabalho foi enfatizado o caráter comercial dos veículos e não o seu caráter institucional. Assim, suas atuações políticas-ideológicas e os aspectos das concessões dos veículos eletrônicos não foram privilegiadas. Neste sentido, pode-se dizer que, dentro de um ambiente de concorrência aparece com maior clareza o caráter de negócio do jornalismo. E nesta condição os veículos competem como qualquer agente econômico em busca de sobrevivência e ampliação de seus mercados - o que significa manter e aumentar suas audiências. Para isso, tomam decisões jornalísticas sob enfoque de mercado. Como empresas, do ramo de produção jornalística, os capitais competem entre si e seguem as regras estabelecidas pelo mercado, onde pode haver expansão ou retração do número de veículos. Concorrência é o movimento dos capitais dentro do mercado, e por isso, surgem e desaparecem veículos, outros crescem individualmente e alguns se associam de diversas formas. Assim, o mercado pode mostrar aumento ou recuo da oferta de produtos jornalísticos. Nesta dinâmica, os veículos, com o objetivo de firmarem-se no mercado, tomam decisões jornalísticas onde são amalgamadas enfoques mercadológicos, procurando segmentar suas audiências e diferenciandose entre si. Desta forma, intensifica-se a competição entre os veículos jornalísticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DOLAN, Robert J., SIMON, Hermann. O poder dos preços. São Paulo: Futura, 1998. JURAM, J. M. Juran na liderança pela qualidade. São Paulo: Pioneira, 1995. KOTLER, P. Administração de marketing. São Paulo: Atlas, 1996. SCHUCH, H. A. Jornalismo e ambiente econômico competitivo. In: CONGRESSO DA INTERCOM, 20., 1997. Anais... Santos: Intercom, 1997.