EMERGÊNCIAS INSURGÊNCIAS AFIRMAÇÕES
ARTE AFRO-BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
23 de fevereiro a 6 de maio de 2018
ALINEMOTTAANDRÉRICARDOENEIDASANCHESJANAÍNABARROSLAÉRCIOLIDIA LISBOALUIZ83MARCELOD’SALETEMÁRCIOMARIANOPETERDEBRITO SIDNEYAMARALSÔNIAGOMESWAGNERCELESTINOWASHINGTONSILVEIRA
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Valores e premências A prática artística condiz a uma modalidade de produção com alto nível de valor agregado. As elaborações estéticas congregam, em si, dimensões cruciais da experiência humana. Para além de sua conotação econômica, tal raciocínio nos permite identificar diferentes aspectos que se amalgamam numa obra de arte. Destacam-se aí os expedientes simbólico-formal, conceitual, afetivo, material, contextual e mnemônico. Sondados e articulados pelos artistas, estes e outros aspectos formam a base de construções poéticas capazes de ressignificar a realidade. Entretanto, as oportunidades de que as pessoas dispõem para se dedicar a esse tipo de produção têm se mostrado, no transcurso da história, altamente desiguais. Não podemos perder de vista que o exercício profissional da atividade artística exige uma série de prérequisitos que, por sinal, não se encontram igualmente disponíveis a todos. Basta pensar, com relação a isto, no quão decisivos são o acesso à formação especializada, a escolha de como usar o tempo, a garantia de uma renda satisfatória, a familiaridade com referências e códigos da arte e, ainda, a interação com as redes de agentes e instituições habilitados a financiar e legitimar a produção artística. Produzir arte apesar da interdição a algumas dessas prerrogativas corresponde a uma atitude insurgente, desafiadora de um status quo que privilegia uns (poucos) em detrimento de (tantos) outros. Num país que segue escamoteando as dívidas geradas pela escravização das populações negras, podem-se depreender os efeitos das assimetrias no tocante à inserção dos artistas afro-brasileiros nos circuitos hegemônicos. A este quadro procura responder a exposição PretAtitude: insurgências, emergências e afirmações na arte contemporânea afro-brasileira. Para surtir efeito, a defesa da diversidade étnico-racial-cultural deve transpor a linha do discurso, comprometendo-se com suas premências concretas. Ciente do seu papel viabilizador e validador das manifestações artísticas em sua multiplicidade, o Sesc busca contribuir para o processo, já em curso, de visibilização e afirmação da potência da produção artística afro-brasileira. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo
Fenômeno incontornável tornado realidade, a arte afro-brasileira surge afirmando valores, salvaguardando memórias, revelando e resgatando identidades e ancestralidades. Propugna uma concepção da história da arte do Brasil que se descolonizada é policêntrica e, portanto, inclusiva. Implica-se na prospecção e adoção de novos paradigmas e vocabulários, não só estéticos, mas também éticos, que questionem as doutrinas até aqui consagradas pelo discurso elitista, eurocêntrico, classista, machista e, portanto misógino; racista, heteronormativo e, portanto, excludente. Em acordo com uma ética policêntrica e contemporânea que duvida da prevalecência das dicotomias metrópole-colônia, centroperiferia, elevando ideais que deslocam eixos geográficos e econômicos, afirmando o lugar das periferias como novos centros, que, no entanto, não se querem hegemônicos, mas independentes, posto que não pretendem impor, mas sim, oferecer e repartir a possível excelência da sua produção. Se a arte afro-brasileira constituiu hoje uma realidade incontornável isto se deve ao trabalho e à atitude persistente de toda uma coletividade de artistas, pesquisadores, curadores, instituições, museus, galerias e, claro, colecionadores, mas também, e não menos importante, ela é igualmente devedora da pugna de uma comunidade de cidadãos e militantes, afrodecendentes ou não, comprometidos com a criação de um cenário cultural que espelhe (ideal a ser alcançado) uma sociedade democrática e plural. Portanto essa exposição é afirmativa, não prospecta silêncios, vácuos e as ausências, fala da emergência e da insurgência e celebra a resistência e o resultado das demandas vitoriosas. Sobre a produção cultural e artística dos (as) afrodescendentes, subsiste o desconhecimento às vezes matizado pelo preconceito e pelo racismo historicamente construídos, o que torna vital iniciativas como a do Sesc Ribeirão Preto que ratifica o compromisso da instituição com este debate fundamental ao desenvolvimento da cena artística nacional, inextricavelmente comprometida com os valores da democracia. Através de obras que têm em comum a grande espessura poética e potência estética, combinados em audaciosos e delicados arranjos conceituais, a mostra apresenta trabalhos de Aline Motta, André Ricardo, Eneida Sanches, Janaína Barros, Laércio, Lidia Lisboa, Luiz 83, Marcelo D’Salete, Márcio Mariano, Peter de Brito, Sidney Amaral, Sônia Gomes, Wagner Celestino e Washington Silveira. Essa constelação de artistas constrói um pequeno e polifacetado panorama da realização atual da arte afro-brasileira, realçando a qualidade das pesquisas conceituais e formais alcançadas, às vezes em condições de produção adversas, mas nem por isso carentes das melhores soluções. Claudinei Roberto da Silva Curador
PretAtitude
Insurgências, emergências e afirmações Arte Afro Brasileira Contemporânea Dispondo as obras em relação uma exposição de arte de caráter coletivo destaca os às vezes muito sutis pontos de contato dos distintos projetos artísticos ali exibidos realçando também suas evidentes singularidades. A narrativa polifônica ensejada pela exposição coletiva pode lograr o necessário grau de complexidade (e completude) capaz de abarcar o fenômeno em que se detém neste caso a arte afro brasileira. História, identidade, memória, questões étnicas e raciais, delineiam preocupações convergentes na construção de percursos estéticos apresentados na mostra “PretAtitude” que abarcam também questões de gênero e sexo e de afetos. Este amalgama de desejos está presente na obra de vários dos artistas expostos como
Wagner Celestino um veterano fotografo paulista que tem realizado um fundamental trabalho de preservação da memória de artistas negros que inestimáveis a cultura brasileira, são eles a “Velha Guarda” do samba de São Paulo. Eles são (ou foram) mananciais inesgotáveis de histórias de suas comunidades e do gênero musical ao qual se dedicam. Trata-se ai da discussão da memória coletiva, mas inerente a essa pesquisa esta sua qualidade poética explicita na construção da imagem fotográfica, nos enquadramentos sensíveis e rigorosos que espelham o cuidado do artista que perpetra a imagem. É também da matéria da memória que se ocupa a artista Aline
Motta, acrescente ai as inquietações inerentes a uma busca genealógica que a transportou para o continente africano e europeu numa pesquisa que resulta em
desdobramentos estéticos múltiplos. O fato, felizmente recorrente nas obras expostas, é que tudo isso foi permeado por uma vontade poética que perpassa todo o trabalho da artista.. Baiana de singular trajetória artística Eneida Sanches exibe uma coleção de delicadas matrizes de gravura e as estampas daí resultantes, sua intimidade com o material foi adquirida na sua experiência de ourives na confecção de ferramentas de santo/orixá, adereços fundamentais ao culto do candomblé. Existe uma vertente
concreta na arte afro brasileira, um concretismo sem dúvida peculiar espelhado no trabalho de Rubem Valentim e Emanoel Araujo, dessa sensibilidade partilha o jovem pintor e desenhista André Ricardo que na série de pinturas “Campo Limpo” explora a paisagem de um bairro da periferia de São Paulo. Com acuidade e economia de recursos o artista borra a fronteira entre abstrato e figurativo evidenciando em pequenas composições a qualidade pictórica da sua pesquisa. Desse partido concreto e peculiar participa também o igualmente jovem e singular Luiz 83, oriundo da periferia da cidade São Paulo o artista executa com surpreendente desenvoltura e inteligência o translado dos signos plásticos derivados de sua pratica marginal de pichador para os planos da pintura, do desenho e da escultura sem, no entanto, domesticar sua sensibilidade. A pintura é também o veículo de expressão de Marcio Mariano, sendo, porém outras as tradições a que esta filiado. Sua condição de homem negro oferece o mote para realização de uma série de pinturas que realizadas em suportes diversos, investigam seu universo cotidiano ao mesmo tempo em que aprofundam a pesquisa plástica resultando em obras de materialidade e solidez evidentes. A demiurga artista mineira Sonia Gomes apresenta um trabalho que sintetiza sua produção atual, em arranjos de tecidos, cordas e linhas, costurados, torcidos e organizados a partir de uma ordem poética que não parece conhecer limite a artista produz um objeto de caráter hibrido e de difícil classificação. Esta hibridez, que não resulta em ambigüidade, espelha talvez a própria experiência da mulher e também dos materiais impregnados de história com os quais ela trabalha. É obvia associação entre este trabalho e aqueles expostos pela paranaense Lidia Lisboa, no entanto as tramas criadas por Lidia remetem a uma experiência sensível do corpo, um corpo que também é político, seu trabalho é uma espécie de moto perpétuo a reelaborar e desdobrar materiais em proposições que parecem encubar a seguinte numa linha de continuidade infinita. Especulações em torno de gênero, identidade, sexo e corpo estão presentes no trabalho de Peter de Brito, um multi-artista que reelabora sua própria imagem à partir de fotografias, pinturas e
performances onde adquiri uma persona que pode ser feminina ou não mas que discute com liberdade o status do negro e fetichização do seu corpo. E é do corpo da mulher negra e das memórias e história desta que também se ocupa Janaina Barros. Janaina elabora uma ficção sobre o cotidiano da mulher, ás vezes irônica, ás vezes amarga e trágica, como na série Bonecas de Bitita, ela comenta a história através das suas próprias lembranças e da prospecção feita durante suas pesquisas, não deixa de ser interessante notar que assim como em Sonia Gomes, Lidia Lisboa e em menor grau em Aline Motta, os tecidos são também matéria recorrente na elaboração de suas obras.
Marcelo D’Salete é um artista gráfico notável pelas soluções formais apresentadas em seu desenho e densidade poética de suas novelas gráficas gênero a que ele tem se dedicado em certo sentido renovado, tendo seu trabalho paulatinamente reconhecido aqui e no exterior. Sua pesquisa sobre o passado de lutas dos afro brasileiros (como em Cumbe e Angola janga) aliados a narrativas passadas nos dias atuais (Encruzilhada, Noite Luz) tem tido a capacidade de iluminar nossa história alcançando públicos que de outro modo talvez não tivessem contanto com essa realidade. Os trabalhos de Sidney Amaral e Washington Silveira artistas de uma mesma geração, tem em comum certa
influência do surrealismo, Washington, também oriundo do Paraná, dialogo com correntes conceituais da arte contemporânea sem, no entanto, tornar seu trabalho hermético, pois há nele um apelo pop compatível a suas proposições. Como Amaral ele é também um artistas de múltiplos interesses que transita com desenvoltura entre mídias variadas. Sidney Amaral, infelizmente recentemente falecido, comparece à mostra com dois desenhos até então nunca exibidos, além de esculturas de grande impacto plástico. Nos desenhos estão explícitas suas preocupações de ordem política, de homem negro comprometido com os desígnios de sua gente. São trabalhos que afirmam certo caráter insurgente comum a todos esses artistas e também nos dizem da urgente necessidade de nos debruçarmos cada vez mais atentamente para essa parcela importante da produção artística brasileira: a arte afro brasileira. Claudinei Roberto da Silva Curador
Aline Motta
Lidia Lisboa
Eneida Sanches Marcelo D’Salete
Laércio Washington Silveira
Janaína Barros
Márcio Mariano
Sidney Amaral Peter de Brito
Luiz 83
Wagner Celestino
André Ricardo
Sônia Gomes
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