SESC RIO SESC FRIBURGO
Documentação Etnográfica das práticas musicais do 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras, Rio de Janeiro 04 a 06 de janeiro de 2019
Virginia Barbosa (textos) Luciano Santos (imagens)
Rio de janeiro, Fevereiro de 2019
Sumário
Parte 1 Novo enfoque historiográfico: os aportes da história cultural e da 01 etnomusicologia Desafios da patrimonialização: Tradição e religiosidade
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Parte 2 Pesquisa e documentação etnomusicológica no 44º Festival de Folias de 05 Reis de Duas Barras Trabalho de Campo 06 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras: um estudo etnomusicológico 19
Referências bibliográficas 45
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Documentação Etnográfica das práticas musicais do 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras, Rio de Janeiro 04 a 06 de janeiro de 2019 Virginia Barbosa
Parte 1
Novo enfoque historiográfico: os aportes da história cultural e da etnomusicologia Não há uma tradição de estudos historiográficos no campo de pesquisa sobre folia de reis. Os estudos geralmente são provenientes de trabalhos elaborados por memorialistas, folcloristas, sociólogos, antropólogos, etnógrafos, geógrafos, músicos, pedagogos, teólogos, em consonância com os questionamentos e métodos específicos de cada área. Os trabalhos historiográficos existentes sobre Folia de Reis têm apresentado convergências entre si. Uma delas é que os poucos trabalhos, no campo da história são correspondentes as Folia de Reis de diferentes regiões do Brasil, com diversas singularidades (VICTORASSO, 2013). Outro ponto em comum é quanto a questões metodológicas. Nota-se que a base para significativa parcela dos trabalhos analisados foi a História Oral, o que abre espaço para a valorização do local e do particular. Por outro lado, os trabalhos com viés historiográfico têm aumentado veementemente através de pesquisas em áreas tais como a etnomusicologia. Segundo Salgado (2011), os pontos de contato flagrantes entre etnomusicologia e outras disciplinas, tais como, história, história da música e história cultural, explicitam esta constatação. Nos anos 1970, historiadores sociais empenharam-se para ampliar suas pesquisas para além da análise demográfica e sócio-econômica da vida da classe baixa, passando também a explorar as percepções culturais populares (DESAN In: HUNT, 1992: 63).
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Os chamados “Historiadores culturais”, tais como, E. P. Thompson e Natalie Davis, por exemplo, alcançaram muito prestigio com sua análise cultural do comportamento e das atitudes dos populares. Em seus trabalhos se dedicaram a interpretar os padrões e o significado de fenômenos culturais com o intuito de revelar, de que modo o sistema social se ajusta e como os seus participantes percebem a si próprios e ao mundo exterior. Por isto deram mais atenção aos aspectos ritualizados e teatrais da ação das massas enquanto expressão cultural e comunitária, focalizando basicamente “o significado, as motivações e os meios de legitimar a ação coletiva violenta”. Argumentavam ainda que “não só os desordeiros agiam com base em alguma certeza moral e algum senso de legitimidade comunitária, mas também de certos padrões rituais”. Como podemos supor que aconteça nas Folias de Reis, através do ‘tumulto’ e ‘confusão’ promovidos nas intervenções dos Palhaços, esses padrões, na verdade, “ajustavam a violência deles dentro de um contexto simbólicos coerente, dotando suas ações de legitimidade e significado” (DESAN In: HUNT, 1992: 64). Outro aporte da história cultural diretamente ligado a etnomusicologia, e, seguramente, útil no estudo das folias de reis, é o estudo da função e significação dos eventos culturais. Ainda que estas disciplinas não sejam absolutamente funcionalistas, admitem em sua abordagem antropológica que diversos eventos ou costumes culturais, como por exemplo, festivais ou desfiles de rua (charivaris), têm uma função e um significado específicos para os participantes e a comunidade (DESAN In: HUNT, 1992: 71). É importante ressaltar que, especificamente, para E. P. Thompson e Natalie Davis, respectivamente, de um lado, esta atitude revela um potencial maior para antropologia, e de outro, o impulso antropológico é percebido não na criação de modelos, mas na “demarcação de novos problemas”, “no modo de ver, com novos olhos, os velhos problemas”, “na atenção às funções expressivas das formas de tumultos e distúrbios” e “nas expressões simbólicas de autoridade, controle e hegemonia” (DESAN In: HUNT, 1992: 71). Estes eixos de análise da história cultural, que de um lado, sustenta, em alguma medida, críticas à metodologia da antropologia simbólica, de outro, observa a importância de se “decodificar o comportamento” e de se “desvendar normas invisíveis de ação”, do mesmo modo que um antropólogo faria, mas sem abrir mão da estrutura de classe. Para Thompson, a coerência de um universo mental que se origina a
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partir de um campo de forças específico e de oposições sociológicas peculiares à sociedade do século XVIII, por exemplo, falando objetivamente: elementos descontínuos e fragmentados dos velhos padrões de pensamento tornam-se integrados pela classe (e não apenas pelas práticas culturais, vistas de modo isolado). Considerando as premissas amplamente problematizadas do dilema etnográfico, donde o objeto de estudo, tal como ele realmente é, nunca poderá ser conhecido, a ciência encontra respostas porque instala desde sempre aquilo que busca em suas próprias perguntas, ou seja, a pergunta já determina a resposta. Assim, o dilema do chamado realismo etnográfico se ligaria a própria crise das ciências. O dilema etnográfico se tornou insuportável nos anos 1960 com a chamada pósmodernidade, com toda uma crise da representação e da validade do conhecimento etnográfico. Porém, a partir dos anos 1970, sob influência de Heidegger e de Wittgenstein (filósofos hermenêuticos), a etnografia atravessa o pós-moderno consolidando-se no reconhecimento da precariedade do realismo e do impulso de explicação neutra, adotando a perspectiva do etnógrafo(a) enquanto autor(a) situado(a) historicamente em seu empenho da compreensão e tradução da realidade (PIEDADE, 1999).
Desafios da patrimonialização: Tradição e religiosidade O conceito de patrimônio, difundido pela literatura acadêmica, se ampliou à medida que incorporou a perspectiva antropológica de cultura. Esta fez emergir novas possibilidades, desafios e questões, entre elas a dimensão da patrimonialização de bens de caráter imaterial. O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), por exemplo, tem como metodologia buscar dar conta de processos de produção de bens culturais imateriais, dos valores investidos neles, dos processos de transmissão e reprodução e das condições materiais de produção (SANT’ANNA, 2009). No entanto, é grande a dificuldade de traduzir em documentação material (narrativas, fotografias, produtos audiovisuais), o conjunto de valores, significados e sentidos atribuídos a diversas formas de expressão cujas principais características são seus aspectos performáticos, e ainda maior quando essas expressões estão alicerçadas em concepções religiosas (ABREU & MAGNO, 2017). Um estudo de caso do processo de Inventário e Registro da Folia de Reis Fluminense, concluído e entregue ao IPHAN em junho de 2016, ressalta reflexões
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pertinentes, tais como, a coexistência dentro de um mesmo território de diferentes interpretações sobre objetos, ações de mediação entre o mundo visível e o invisível, regras de conduta, dentre outros aspectos. Esta perspectiva advém de um mapeamento que registrou 21 grupos de folias em atividade entre 2015 e 2016, no município de Valença (RJ). A pesquisa foi empreendida junto ao movimento de Folias de Reis de Valença (RJ) e leva a supor que a complexidade que envolve a patrimonialização do chamado bem imaterial é mais profunda quando se estrutura sobre sentimentos de fé (ABREU & MAGNO, 2017). No território fluminense, a antropóloga,
professora, pesquisadora de
folclore/cultura e coordenadora do Projeto de Inventário da Folia de Reis no Rio de Janeiro pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Cascia Frade tem acumulado ampla vivência enquanto acadêmica e agente do poder público no trato com culturas populares. A entrega formal do inventário formal do pedido de Registro da Folia de Reis Fluminense como Patrimônio Cultural do Brasil, foi em junho de 2016, tendo a UERJ como proponente. O inventário, realizado por amostragem, mapeou 15 dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro: Itaboraí, Paraty, Mangaratiba, Angra dos Reis, Vassouras, Rio Claro, Quatis, São Pedro da Aldeia, Quissamã, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Petrópolis, Duas Barras, Santa Maria Madalena e Rio de Janeiro. Esta primeira parte teve como objetivo propor uma reflexão, ainda que breve, sobre os possíveis impactos que a inclusão das Folias de Reis Fluminenses no Inventário Nacional de Referências Culturais (desde 2016) têm tido sob a produção de acervos, arquivos e coleções etnográficas, historiográficas ou museográficas, acerca destas tradições no estado do Rio de Janeiro.
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Parte 2 Pesquisa e documentação etnomusicológica no 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras A pesquisa foi realizada nos três dias de evento, por uma etnomusicóloga e um profissional da área de audiovisual que trabalharam juntos, no mesmo espaço quase sempre, do tempo durante o festival. A não ser quando a pesquisadora precisava “dar um giro” por entre os giros de folias para comunicar-se com algum folião para convidálo para ser entrevistado. As entrevistas aconteceram na ante-sala do Museu de Folias de Reis, na Casa do Folclore, espaço que abriga o acervo das Folias de Reis, o acervo da Banda Oito de dezembro e o acervo do cantor e sambista, Martinho da Vila, filho ilustre de Duas Barras.
Museu de Folias de Reis. Instrumentos das folias de Reis (a frente). Armário com roupas antigas da Banda Oito de Dezembro (ao fundo).
Apesar da diferença de recorte e de finalidade, em comparação com projetos de pesquisa ligados a processos de patrimonialização de bens imateriais, a documentação do 44º Festival de Folias de Reis no Festival de Duas Barras, além de ter se limitado a um único evento e concorrer com uma série de outras atividades (mesmo que congruente ao evento principal) deparou-se com desafios similares de, em função do tempo e dos recursos humanos e materiais, lidar com critérios de escolha para produzir
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registros. Esta documentação teve como objetivo priorizar a observação atenta e direta do máximo de atividades possível, com qualidade de escuta, interação e reflexão.
Trabalho de campo
Bandeira fazendo giro pela praça, Praça Governador Portela, Centro de Duas Barras, Rio de Janeiro.
Durante o 44º Festival de Folias de Reis, em Duas Barras (RJ), foi registrada, oficialmente, a participação de 32 grupos de folias de reis (ver em anexo a lista das Bandeiras de Folias de Reis que participaram do evento). Além da chegada das bandeiras, auge do evento, outras atrações animaram a programação, tais como: Exposição Revitalização do Museu Folia de Reis, Oficina Palhaços de Folia, a apresentação da Sinfônica Ambulante, apresentações de repentistas (Natal de Repente), show do músico Rubinho do Vale (MG), Oficina de Estandartes e oficina de chapéus de folias, mostra de curtas no Cinema Cacá Diegues, Residência Artística – Pastoril Céu Na Terra com a Cia. Arteira, Encontro de Folclore, entre outras.
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Rubinho do Vale, show de abertura do 44º Festival de Folias de Reis, Praça Governador Portela, Centro de Duas Barras, Rio de Janeiro.
Integrantes das folias preenchendo o cadastro na recepção da prefeitura de Duas Barras – RJ.
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Banner da Bandeira Raiz Nova de Cantagalo – Rio de Janeiro. Esses materiais foram uma novidade na decoração do festival este ano.
Biblioteca móvel do SESC, Praça Governador Portela, Centro de Duas Barras, Rio de Janeiro.
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Abertura oficial do 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras
Da esquerda para direita, José da Silva, Leonardo Guelman, Alemberg Quindins e Anélio Carlos Rodrigues. Reuniram-se no Centro Social de Duas Barras, autoridades da administração pública local, gestores e equipe de produtores e funcionários do SESC RIO, pesquisadores e técnicos contratados, representantes de instituições culturais locais e membros da sociedade civil bibarrense. A sessão foi aberta com as seguintes palavras:
Boa noite a todos. É com muita alegria que o Município de Duas Barras na ocasião da realização do 44º Encontro de Folclore realiza uma importante parceria com o Sesc Rio, objetivando fortalecer nossas manifestações culturais, em que Duas Barras sente-se orgulhosa por ter durante esses 44 anos a realização do encontro de Folias de Reis. Temos o prazer de ver algumas folias passadas de pais para filhos e que mantiveram a tradição, e assim passaram de geração para geração, mantendo assim sua identidade, as histórias e as memórias, do que somos e temos em nossa comunidade. Para Duas Barras é um privilegio ter da administração pública o estimulo e o investimento na preservação da cultura popular, e encontrar uma parceria através do SESC que nos possibilita fortalecimento acerca da cultura popular do nosso município. Antes da composição da mesa, queremos registrar a presença das autoridades: Silvana Genésio do Amaral, secretária municipal de
10 Fazenda; Diego Ornelas, vereador municipal; Belquis Emilia, presidente da Sociedade Musical Oito de Dezembro; Célia Toledo, secretária de Agricultura; Fernanda Fernandes, secretária municipal de Educação; Emerson, subprocurador do município.
A sessão de abertura teve três partes: a primeira foi a composição da mesa e o pronunciamento das autoridades locais integrantes da mesa: a fala da secretária de governo, Albertina Wermelinger representando o prefeito, Luis Carlos Botelho Lutterbach, seguida da do chefe do departamento da secretaria de turismo e cultura do Sr. Leandro Serafim de Araújo. Conteve ainda as falas do músico Rubinho do Vale e do gerente do Sesc Nova Friburgo, Alexandre Porto. A segunda e última parte da sessão de abertura teve um formato de palestra com o professor Leonardo Guelman, professor, escritor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Alemberg Quindins, gerente do SESC Rio e criador da Fundação Casa Grande. No começo de sua fala, o professor Leonardo Guelman convidou os dois mestres de folia de reis presentes para participar da mesa, proferindo algumas palavras iniciais.
A exposição Revitalização do Museu Folia de Reis
Museu Folia de Reis de Duas Barras
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A primeira vista o Museu Folia de Reis é um museu histórico, mas não um museu histórico comum. Seus objetos, fotografias, as diversas narrativas que o permeiam durante a visitação da exposição demonstram sua vocação de museu vivo. Um museu que reflete e (re)atualiza a história cultural e social das comunidades em torno dos grupos de folias de reis da região de Duas Barras. Pode-se dizer, que comparado com outros museus históricos nacionais, ele representa um núcleo de resistência. O espaço que o abriga é uma sala de pequenas dimensões, acessível por uma única porta que antecedida por um amplo pátio. Na sala tem duas portas laterais que conduzem a espaços maiores onde, imagina-se, posteriormente serão ocupados pelas exposições instaladas na antiga Casa do Folclore: a exposição da banda sinfônica Oito de Dezembro e a Exposição Martinho da Vila. A exposição em si não indica um percurso usual a ser cumprido. Embora sinalizada com alguns cartazes com textos explicativos impressos, estes não insinuam uma progressão linear (cronológica) de objetos e fotografias. A “mensagem” da exposição não depende da passagem de uma sequência a outra. Estas são observações preliminares, pois considero que tanto o estilo da exposição quanto a observação da realidade local e do edifício onde o museu está localizado merecem outras visitas. Seria interessante observar como este espaço pudesse no dia-a-dia recuperar e explorar algumas das percepções culturais populares vivenciadas durante festival de folias de reis.
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Mostra de Filmes – Cine Cacá Diegues
Gabriela Romeu, documentarista, realizadora do curta Meninos e Reis (16min.) exibido na mostra de filmes do festival.
Dentro da programação do 44º Encontro de Folclore de Duas Barras, foi organizado pela equipe do Sesc Nova Friburgo uma mostra de filmes, média e curta metragens sobre folia de reis e cultura popular. Foram ao todo três sessões, duas no dia 05/01 (uma às 14h00, e a outra às 16h00) e uma no dia 06/01, às 10h00. No dia 05/01, houve dois debates consecutivos à exibição dos filmes. Documentamos os debates do primeiro dia de mostra, e traremos algumas considerações sobre eles a seguir. Na primeira sessão do dia 05/01 foi exibido o documentário “Folias de Reis” (Duração: 24min. 48 seg.), dirigido por Carlos Colla e Henrique Lima, roteirizado e coproduzido por Marina Barreto. No documentário, em um trecho significativo, entre tantos outros, Cascia Frade e uma integrante da Bandeira Estrela do Dia, Paola Teixeira da Silva, na qual atua como palhaça, abordam a representação do bem e do mal nas folias de reis, personificada na figura do palhaço: Cássia Frade - A junção desses personagens é que vai de uma certa forma estruturar o sentido mais amplo da folia que é a relação do bem, que são os foliões, com o mal, que são os palhaços. Por que os palhaços significam o mal? Eles têm uma história, um mito pra contar pra gente, os próprios integrantes de grupos...
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Paola Teixeira da Silva (Palhaça / Bandeira Estrela do Dia) – porque o palhaço ele faz o papel do Herodes... Porque o Herodes perseguiu o menino para matá-lo, mas Deus foi maior. Deus não deixou o Herodes ser o dono do mundo. Senão nós tava tudo no sal hoje em dia. Cássia Frade – Quando os magos estavam viajando a procura do local onde o menino teria nascido eles pediram pouso no palácio de Herodes. - “Porque que vocês chegaram aqui? O que aconteceu?...” –“Você não sabe? Nasceu o Rei dos Reis” Herodes ficou muito inseguro, porque “Rei dos Reis” seria Rei dele também, e resolveu espertamente acolher esses reis no palácio para passar a noite lá. Mas chamou os soldados dele que deveriam ser espiões pra acompanhar os magos, retornar para dizer onde estava essa ameaça, para ele... Para ele então, ir lá para eliminar esse menino. Chegaram ao local, os soldados quando viram o menino se converteram. Não tiveram então, coragem ou não voltaram para avisar a Herodes. Daí se disfarçarem com roupas estranhas, máscaras estranhas para não serem reconhecidos por Herodes. Então, aqueles sujeitos soldados de um sujeito maldoso que virou capeta também é um perigo, então é o mal. Eles representam o mal.
Da esquerda para direita, os mestres, Anélio Carlos Rodrigues e José da Silva, o pesquisador Daniel Bitter e a roteirista Marina Barreto.
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Debate Após a expectação do filme deu-se inicio a um debate. Dele participaram os mestres de folia de reis, Carlos Nélio e José da Silva (conhecido como José Pretinho), o professor e pesquisador Daniel Bitter, da UFF, e a roteirista Marina Barreto. Os Mestres: José da Silva e Anélio Carlos Rodrigues Inicialmente, apresentou-se o Mestre José da Silva, que além de vice-presidente da Associação de Folias de Reis, conserta e toca sanfona e acordeon. É conhecido na região pelo ofício de consertar acordeon: “minha folia é uma folia nova que está vindo de raiz...” (Bandeira Lágrimas da Virgem Maria). O Mestre Anélio Carlos Rodrigues (Mestre Nélio) reforçou o que já havia dito no Centro Social: “Com orgulho me desloco do meu povoado Belo Jardim para dialogar sobre folia... Parabenizo o Sesc, o Secretário de Cultura, Leandro, e o Prefeito Luis Carlos (... ) Cada ano que se passa a cultura do nosso município e municípios vizinhos tem fortalecido mais e mais. Nós rezador de Reis só em que agradecer”.
Daniel Bitter: Dádiva, retribuição e objetos
Daniel Bitter, professor e pesquisador. Autor do livro A Máscara e a Bandeira.
Dádiva e Retribuição O terceiro debatedor a falar sobre folia foi o professor Daniel Bitter. Contou, a princípio, que esteve pela primeira vez em Duas Barras em 2003 (e desde então, só mais
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duas vezes), e que foi participante de uma folia no Morro da Mangueira por dois anos consecutivos. Bitter é doutor em antropologia (2008), e sua tese de doutorado foi sobre a circulação dos bens rituais na folia de reis. Argumentou que a folia, por ser um “circulo ritual longo, extenso e complexo”, “envolve muitos assuntos e questões”, e que por isso, “não poderia ser compreendida a partir de uma apresentação num evento como esse”. Segundo ele, “quando as folias fazem esse longo círculo de visitas eles estão fortalecendo laços de solidariedade, de compadrio (...). A folia celebra a abundância, a fertilidade. É viabilizada por uma espécie de economia moral do dom, da dádiva, ou seja, em relações baseadas na troca de presentes (...). Não podemos perder de vista que o fato de que a maior parte das populações no mundo ainda vive, ainda estabelecem suas relações baseada nesse tipo de relação de troca, na troca de dádiva, na troca de presente. E vale a pena ressaltar que as folias de reis constroem sua ritualização, seu ritual religioso a partir desse mito de origem, da visitação dos Reis Magos ao Menino Jesus, que vão lá justamente presentear, oferecer presentes. As duas ideias que ele quis trazer para o debate foi, primeiro, “que nesses círculos de jornadas e de giros, as folias exercitam essa generosidade, essa doação, essa partilha”. E a outra, “é a ideia que o dom, a dádiva ela deve circular. A dádiva é um presente vivo, ela tende a se multiplicar, ela tende a crescer. E isso é um dado objetivo: a pessoa generosa, ela tem todas as chances de obter retribuição. A pessoa generosa ela sempre alcança retribuições, em geral, muito maiores do que aquilo que ela deu... Enfim, a literatura histórica de mitos e folclore reproduz isso infinitamente. Apresentando uma moralidade em torno desse gesto muito primordial que seguramente é um gesto universal (...) o principio do dom, da dádiva”.
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A bandeira e a máscara
A Bandeira
A máscara - objeto pertencente ao Museu de Folias de Reis, Duas Barras.
Na pesquisa que fez para o seu doutorado, Daniel Bitter interessou-se pela análise sobre a circulação dos objetos rituais no contexto da Folia de Reis sudestinas. Ele realizou, além de pesquisa de campo e etnografia, no Complexo da Mangueira, acompanhando parte das atividades da Folia Sagrada Família, uma ampla revisão bibliográfica. Bitter
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concentrou-se seu recorte teórico-metodológico na análise de dois objetos rituais muito importantes na folia de reis: a bandeira de reis e a máscara dos palhaços.
Bandeira Estrela do Dia, Mestre Marli Teixeira.
Segundo ele, estes objetos “ficaram como uma espécie de símbolos que mantêm uma relação entre si muito peculiar, ambígua. Na verdade, Cascia Frade toca um pouco nesse ponto dos significados do palhaço, enfim, dessa relação entre bem e mal, enfim... Existe essa relação, a bandeira e a máscara, elas tematizam, esse tema da... (a) luta entre o bem e o mal, e que vai aparecer nas narrativas bíblicas do episódio, justamente, do rio Herodes, dos Reis Magos, etc., e que tem muitas... variantes também... A bandeira ela é realmente um objeto incrivelmente importante na folia... A folia não saí sem uma bandeira... E eu defendo a ideia de que a bandeira não é de fato um objeto, ela é muito mais do que isso (...) O que acontece é que as forças espirituais, as forças imateriais elas precisam se expressar materialmente. Então, é claro que a sua materialidade é necessária, mas o que importa de fato é uma força que está ali. E eu defendo a ideia de que a bandeira ela é de fato a presença dos santos... dos Santos Reis Magos e de outros santos. E a bandeira ela é alguma coisa que ela é alvo de contatos corporais. As pessoas beijam a bandeira, beijam suas fitas... Tomam a benção...da bandeira, a bandeira é usada em vários momentos de ritual para benzer os foliões (...) A bandeira, ela saí pelas ruas, ela entra pelas casas, e a bandeira junto com a folia, ela benze os foliões, ela protege, ela purifica, então, ela tem poderes muito especiais. Bandeira não é brincadeira.”
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“O palhaço, por outro lado, tem ligados a ele, significados negativos, é um personagem cômico... Existem sérias restrições ao palhaço em relação a bandeira. Ele não pode se aproximar demasiadamente da bandeira com a máscara, normalmente. Teria que tirar a máscara para ele se aproximar da bandeira... Então, existe essa polaridade, mas o que ocorre também é que o palhaço tem um poder muito especial, são polares... No final do circulo ritual, eles se convertem, são soldados de Herodes que se convertem e passam a adorar o Menino Jesus. Então, eles retiram a máscara e caminham de joelhos e vão beijar a bandeira, e são benzidos pela bandeira, e nesse momento então, eles saem, digamos assim, do personagem do palhaço e passam a se tornarem, então, ali adoradores, também, da bandeira e dos Reis Magos”. “Essa relação entre a bandeira e máscara ela é muito central em muitas folias do sudeste... E os mestres me contavam que um bom palhaço, ele tinha que também conhecer muito as profecias tanto quanto os mestres... porque o palhaço ele está ali concretamente lidando com forças negativas, ele precisa de alguma maneira também... o palhaço, ele exerce também, uma função de proteger a folia, de proteger a bandeira, ele é o guardião da bandeira. Então, o que dar a força de um palhaço é justamente esta multiplicidade de possibilidades de significados que eles vão assumindo aqui e ali. Eles podem ser os guardiões... Em Minas Gerais, eles se confundem com os próprios Reis Magos, no Rio de Janeiro eles são soldados... Uma série de variações que é o que dar força para os palhaços. “Então, na verdade, ao mesmo tempo em que os palhaços estão no pólo oposto da bandeira, por outro lado, eles estão em certas circunstâncias/ em certas situações são os mais próximos, do meu ponto de vista, da própria bandeira... Enfim, são aqueles que para serem palhaços, precisam de certa maneira, serem também mestres. Deter conhecimentos sobre as profecias, e sobre o que os foliões chamam de fundamento. O conhecimento sagrado da folia de reis.”
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44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras: um estudo etnomusicológico
Bandeira e instrumentos musicais
Este estudo foi consolidado a partir das observações, feitas nos três dias de pesquisa de campo, das entrevistas e da expectação, posteriormente, de fragmentos de gravações em vídeo das performances das Folias de Reis, selecionados (de parte) do material gravado. Essa seleção procurou seguir algumas “pistas” construídas nas conversas que tivemos com um número limitado de nove interlocutores ao todo (seis foliões, dois comunicadores locais e uma documentarista, participante da mostra de filmes), relacionando questões, concepções e percepções sobre as folias de reis, que tiveram como mote as vivências e relações (inter) culturais que tiveram vez e voz no 44º festival de Duas Barras. Este breve estudo esta dividido em duas partes, na primeira apresentaremos as definições de alguns integrantes de Folias de Reis participantes no 44º Festival de Duas Barras: Mestre Anélio Carlos Rodrigues, que participou, enquanto convidado, nas mesas de abertura e no debate realizado após a primeira mostra de vídeos documentários sobre Folias de Reis e Cultura Popular, no Cine Cacá Diegues; o Mestre Carlos Alberto (Bandeira Nossa Senhora de Aparecida, Cordeiro-RJ); o Mestre Alan Gomes (Bandeira Três Maria, Duas Barras-RJ); o Mestre José da Silva (Bandeira Lágrima da Virgem Maria, Duas Barras-RJ), conhecido como José Pretinho, vice-
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presidente da Associação de Folias de Reis; e o Palhaço José Teixeira de Souza (Bandeira Estrela de Macuco, Macuco-RJ), conhecido como, Zeca Diabo.
Mestre Anélio (Anélio Carlos Rodrigues)
Mestre Nélio (Anélio Carlos Rodrigues)
O meu nome é Anélio Carlos Rodrigues, eu sou nascido e criado no povoado de Bom Jardim, primeiro distrito de Duas Barras, que é uma comunidade,... que eu tenho muita honra de dizer que eu sou nascido e criado ali, a vida toda desde o tempo do meu pai e da minha mãe, de minha família,... Eu amo essa comunidade, é uma comunidade da zona rural, um povo trabalhador, um povo humilde, mas cumpridor dos seus deveres. A minha folia de reis ela traz na nossa família uma tradição desde o tempo do meu avo, bisavô, meu pai e minha mãe. Minha bandeira, hoje, tem o nome de Bandeira Estrela do Oriente. O nosso grupo ele tem 35 anos de história, É um grupo que praticamente é composto por familiares. O primeiro instrumento que eu consegui conduzir na minha vida foi um recoreco de bambu; feito naquela época com latinha de guaraná. Já tinha numa folia vizinha, próxima a casa do meu pai, e então eu entrei para essa folia tocando esse reco-reco de bambu, e ali eu comecei a se destacar para a folia de reis, eu comecei aprender as histórias da folia de reis... Comecei a ver como era o fundamento da história dos três Reis... Comecei a estudar um pouco, fui desenvolvendo o meu estudo... E aí passei a ser contramestre. Cantei praticamente dez a doze anos como contramestre, e depois eu fui
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desenvolvendo essa história dentro da folia de reis e então, essa me se tornou Mestre. E depois que eu me se tornei Mestre eu fui aprendendo cada vez mais o gostinho de ser a folia de reis.
Instrumentos: Sanfona e reco-reco
A Jornada O período das visitações é, pra mim, é muito importante, é do dia 25 de dezembro a partir da meia noite, da zero hora, que é o momento que foi dado por Maria, através da obra do Divino Espírito Santo, o nascimento do menino Jesus... Quando se fala no nascimento do Menino Jesus é uma coisa muito poderosa... No dia de hoje, dia 6, é um dia muito especial, principalmente pra mim, principalmente pra todos os mestres reizero, porque se trata da visita dos três Reis Magos a cidade de Belém, até na manjedoura onde nasceu o menino Jesus. E então, (n)esse dia de hoje, os três Reis do Oriente tiveram um grande poder, através dessa Estrela do Oriente, que iluminou o caminho que os três reis poderiam se encaminhar até a gruta de Belém, para visitar o menino Jesus, e ali eles adorar o menino Jesus, entregar seus presentes, conforme conta a história dos três Reis do Oriente, eles visitaram o menino, ofertou o menino com seus presentes, e no mesmo dia eles retornaram a seus recintos. E quando eles chegaram aos seus recintos, ali fizeram uma grande festa. O que se diz essa festa é o descanso da viagem que eles fizeram, os treze dias e as treze noite até a gruta de Belém e depois eles voltaram... Na volta que eles fizeram aí foi a onde
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eles realizaram a festa deles, o descanso e ali eles fizeram uma feliz festa pq eles conseguiram encontrar o menino poderoso, ofertaram os seus presentes e na volta dele, eles fizeram o descanso. E o descanso é isso que ta acontecendo hoje aí, a apresentação.
Sanfoneiro de Folia de Reis Sobre o sanfoneiro, é muito importante (dizer, primeiramente) que cada mestre tem a sua tradição, ele tem a sua toada, ele tem o seu ritmo de cantar, ele tem a sua afinação... eu quero parabenizar a todo sanfoneiro que dedica o seu trabalho, maravilhosamente, sobre essa parte. Por quê? O mestre ele não é mestre, o mestre mesmo é Jesus. Mas a gente como se faz a (re)presentação do mestre é fundamental o sanfoneiro, ele ser um guarda da folia de reis. Principalmente, nessa parte aí da sanfona. Porque o mestre faz a toada dele, faz a cantoria dele, e ele vê muito essa visão no sanfoneiro, porque isso é fundamental, isso é muito importante para a folia de reis, porque aí vem a afinação da toada, vem afinação dos instrumentos, vem a afinação dos seus componentes, e aí se torna cada vez mais... A folia cada vez mais bonita... Aí é que está a importância do sanfoneiro. Todos os sanfoneiros são muito bons, mas é fundamental o sanfoneiro prestar bem atenção naquilo que o mestre passa... Naquilo que o mestre conversa com todos os seus companheiros através de reuniões, através de conversa, porque é fundamental, porque um instrumento bem afinado, uma fala bem falada, uma cantoria bem cantada ela vai satisfazer todas as pessoas que ta ali ao redor.
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A Importância do acompanhamento da sanfona, no cavaquinho e no violão
Sanfona
No meu entender, isso é uma parte fundamental, pra o sanfoneiro, pra o tocador de instrumento de corda, porque ele deixa o mestre muito a vontade naquele momento que o mestre ta declamando o seu verso ou ta cantando o seu verso, é importante que o sanfoneiro faça, o seu acompanhamento, tanto de sanfona quanto instrumento de corda. Por quê? Aí o mestre vai se sentir a vontade. E quando o mestre se sente a vontade vem tudo na mente, através do instrumento... Porque o mestre está ali prestando atenção, e ouvindo o que está tocando atrás dele, e no momento que o instrumento está tocando atrás dele, o mestre está ouvindo, essa coisa, no que ele vai citar no próximo verso. E então é fundamental essa parte do instrumento acompanhar o mestre, da forma que ele sabe, né? Porque tem tocador de acordeons, tocador de viola, tocadores de cavaquinho, que cada um tem a sua maneira de tocar. E então, a gente tem que deixar isso bem claro, que cada sanfoneiro tem que se sentir a vontade. Tocador de viola tem que se sentir a vontade. E essa parte é fundamental para todos os mestres. Porque o sanfoneiro, da forma que ele sabe ele faz o gestozinho do toque dele pra acompanhar a história do mestre.
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Sanfona, Cavaquinho, Violão e afuche...
Instrumento: Afuche (ou afoxé)
Violão
Esses instrumentos, a sanfona, o cavaquinho, o violão, o afuche é fundamental desde o fundamento do reisado... Sempre lá na minha infância se falava numa cuia feita de lágrima... É um mato, essa coisa, que se fala, em lágrima de Nossa Senhora. E então, ali, essa planta dava umas bolinhas, umas fruta e ali a gente fazia... É umas história muito bonita, porque ali a gente passava um fio de barbante e fazia aquele cordão de
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lágrima. Pegava aquela abóbora d’anta, deixava ela amadurar, e ali se fazia uma cuia. Se chamava de cuia. Então, esses são os instrumentos fundamentais desde a época do fundamento do reisado.
O prato
Prato
O prato ele também é fundamental na folia de reis porque, é, quando se fala em cultura tem diversas maneira de cultura, tem a cultura do reisado, tem a cultura de banda, e tem a cultura do carnaval, e tem a cultura do bumba-meu-boi... O prato faz parte da folia de reis, aí depende do desejo do mestre, se o mestre quiser colocar é bem vindo, se não quiser colocar não é necessário.
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Oito baixos (cabeça de égua)
Oito Baixos – Este instrumento faz parte do acervo do Museu de Folias, de Duas Barras, Rio de Janeiro.
Cabeça de égua é um instrumento muito antigo, que existe desde o século... Desde o antigo testamento. Porque antigamente não existia muito sanfona, existia mais é a oito baixos, né? Na minha infância, do tempo antigo que eu passei a ter conhecimento é o instrumento de que mais se falava era na oito baixos, né? Agora, hoje, as coisas foi se modernizando, se fala muito em acordeons, teclado, contrabaixo, viola, cavaquinho, flauta.
Gaita (harmônica) Também outra coisa que eu quero falar um pouquinho. É uma coisa tradicional também, uma coisa desde a minha infância... Eu não aprendi muita coisa, mas o pouco que eu aprendi eu soube abraçar e guardar pra mim... é tocar gaita. Um tocador de gaita hoje, por exemplo, é uma coisa que tanto tem a aula pra gente se aprender, como tem o aprendimento, essa coisa, memorial. E a coisa quando é tocada memorial, pra mim, essa coisa é muito importante. Por quê? A pessoa está dedicando naquilo por memória, ele não ta tendo uma aula pra aquilo, ele ta fazendo aquilo porque gosta, ele ta fazendo aqui por prazer, e então, ele vai tocar da maneira que ele sabe, da maneira que ele aprendeu, e então é muito gostoso, a pessoa aprender tocar uma gaita, tocar uma flauta...
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A gaita já é diferente... A gaita hoje é um instrumento de metal e ela tem o mesmo sentido de acordeons, e pra quem sabe tocar uma gaita, é um instrumento aproveitável. Eu tinha (teria) o prazer de fazer uma apresentação na folia de reis, com vocês um dia, eu tocando uma gaita. Porque eu sei alguma coisa de tocar gaita... Se Deus quiser, quem sabe, numa próxima oportunidade, no próximo evento da nossa querida cidade, Duas Barras, vocês vão ver eu aí tocando uma gaita.
Flauta de Bambu A gaita feita de bambu se chama flauta, né? Que hoje tem até nas lojas. A flauta é coisa pra ser comprada, mas naquela época, nós temos aqui uma foto que vai confirmar o que eu estou dizendo (aponta para uma foto na parede). É do nosso saudoso Sebastião, que é conhecido mais como, seu Tiana... Tocou muito na minha folia. Então, ali ta a história da flauta (na Folia de Reis). Nosso saudoso Sebastião, conhecido como Tiana, tinha a história... essa coisa de flauta de bambu... isso é uma história que deixa a gente muito comovido, sobre a flauta feita de bambu, de taquara. É uma coisa muito importante, porque é uma coisa que mexe com a gente, e é uma tradição que vem lá desde o século, que talvez, eu não tenha conhecimento... Hoje tem a flauta tocada em loja, e algumas pessoas tem esse prazer de comprar uma flauta.
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Sebastião, antigo tocador de Folia de Reis da região - era conhecido como Tiana. O instrumento que ele toca é uma flauta de bambu (taquara). Foto do acervo do Museu de Folias de Reis.
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Os locutores e as folias de Reis
Locutor Geraldo Veloso
Locutor Josias Cruz
Duas pessoas também muito importantes no nosso folclore, que eu jamais eu vou deixar de citar o nome dessas duas pessoas. Que é o Geraldo Veloso. O nosso locutor, sempre foi o nosso locutor de nossa cidade, principalmente, nesse fundamento do reisado. E o nosso locutor Josias Cruz, o nosso locutor da nossa rádio, que nós temos aqui, FM, em Duas Barras. Que é uma rádio maravilhosa, ele ta aí, dedicado ao seu
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trabalho, dia-a-dia... eu quero parabenizar também esses dois locutor, porque desde quando nasceu o primeiro folclore em Duas Barras, do lado da igreja matriz, esses dois locutor dedicaram seu trabalho a essa cultura maravilhosa que nós estamos prestigiando hoje aí, neste dia maravilhoso que é o dia 6, o dia de Santo Reis.
Mestre Carlos Alberto
Mestre Carlos, Bandeira Nossa Senhora de Aparecida, Cordeiro – Rio de Janeiro.
Profecias As profecias, ela é cintada (talhada) de acordo com o mês, igual ao padre quando ele vai celebrar a missa. Cada mês ele celebra uma parte das escrituras. A gente segue a mesma coisa, não tem diferença. Só que lá ele anuncia em palavras e a gente anuncia em cântico, né? Rezando, cantando, em cantoria. Então, as palavras são as mesmas... que anuncia as profecias, né? é, tem nas escrituras... A anunciação está nas escrituras. Só que, as vezes as pessoas confundem, porque é tipo uma trovação, uma rimaçãozinha que a gente faz pra poder tirar uma primeira, uma palavra das escrituras e faz uma rimação, ou do novo ou do velho (testamento), uma palavra santa pra poder fazer uma rimação, mas continua ali...
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A primeira profecia da jornada A primeira que a gente começou foi do novo testamento. É, antes do novo testamento, antes do nascimento, a gente já anuncia a vinda Dele, né? Que pega lá no João Batista preparando o caminho para o senhor. Que João batista foi quem preparou o caminho pra Ele. E quando chega mais pertinho do natal a gente pode anunciar a Anunciação de Maria, a Anunciação de São José, a Anunciação dos Anjos e vem por aí afora, até 24 e 25 a gente entra em nascimento Dele.
A escolha da profecia em cada ocasião A minha já está (escolhida), porque amanhã é dia de reis, né? Então já tenho a profecia certa que vou anunciar ali. Hoje eu vou anunciar uma só que tem ver com os três reis. Porque quando amonta um presépio antes de dezembro, os três eles está caminhando para o lado do presépio, né? E nessa data do dia dos três reis, que que a gente faz, a gente já vira a imagem que é a volta deles. Já adorou o menino Jesus estão voltando. Então hoje eu vou anunciar a volta dos três reis ali.
Profecia da Santa Ceia
Preparação para profecia da Santa Ceia
Se chegar ali, e também anunciar a Santa Ceia, até que é bom, às vezes, ninguém mexeu nela, ninguém anunciou, pode anunciar a Santa Ceia, sim. E, às vezes algum mestre não, assim, querer não prejudicar, nem julgar, as vezes passou assim
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despercebido, esquecido ali, nem saudou ela, né? Mas é importante saudar a Santa Ceia, porque ela faz parte.
Qual o motivo de saudar a santa Ceia? É porque a Santa Ceia ela significa quando ele foi traído, né? Que ele já ia ser, pra ser pra ressurreição Dele, né? Ele foi traído na mesa da Santa Ceia que ele foi traído, né? Que significa isso, que o Judas foi traiu ele ali com o próprio beijo, né? E, é de importância que ele mesmo anuncia, né? Na Santa Ceia que a gente parte o pão, todos eles comeram, abriu o cálice que o benzeu e todos eles beberam: “Eis aqui o meu sangue que por muito é derramado, né? Sangue da eterna aliança pra remissão dos pecados”. Então, é a profecia que a gente anuncia. A mesma coisa que o padre anuncia na igreja, só que pela rimação a gente bota uma trovazinha.
A Santa Ceia pode ser feito por mais de um grupo? Pode também. Aqueles que chegar, qualquer mestre que chegar ali, se ele quiser rezar a Santa Ceia, ele pode fazer a Santa Ceia no presépio. (Tem também,) o pão e o vinho. E a gente sempre quando ta anunciando reparte com os irmão do grupo, oferecemos a eles.
Arremate Passando a quaresma, aí começa as Festas de Arremate... Cada um faz a festa no seu bairro, na sua cidade, manda o convite e a gente vai lá visitá-lo. Hoje está difícil a gente explicar que tem fim porque... Voltando no passado na roça, antigamente... A gente, na roça, saia até dia 6 de janeiro, encerra ali, fazia o baile. Hoje passou um cara aí/ estão indo até dia de São Sebastião, e ta acrescentando por causa dos festivais das cidades, que vem, as festa de Arremate. Então, a gente quase num para, e é bacana, né? A folia praticamente hoje, ela ta quase o ano inteiro. Porque cada um tem sua data de marcar (o arremate), então... A minha vai lá perto de setembro, quase inicio de sair de novo... Mas tem jornada de outubro, novembro...
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Palhaços
Performance de palhaços
O palhaço na folia de reis, não é dizer que ele é o Herodes, né? Ele representa o Herodes, mas não é. Faz o papel de Herodes. Herodes é, conforme tem na fuga para o Egito, é onde tem um anjo, né? “Depois de Deus adorado pelos Três Reis do Oriente” um anjo que desceu do céu e anunciou novamente, aí disse: “Leva José e Maria para seguir mais uns passos. Arreia sua jumenta, e pega seu filho no braço. E são José nessa hora/acordava muito aflito/ com um aviso dos anjos para fugir para o Egito/ Foge para o Egito para o seu filho criar/ que Herodes anda a procura do seu filho para matar... então, o Herodes o que representa... os palhaços representa aqueles soldados da época; então, num é, ele faz esse papel, não é dizer que ele é ruim, né? Ele faz esse papel do Herodes, mas não é.
Por que eles usam máscaras? Como posso explicar, a máscara é/ é pra ficar uma coisa assim mais, é::/ mais aterrorizante, né? Pra se divertir mais. Criança principalmente. E comove até os adultos, né? ... Tapa o rosto para não ser reconhecido mesmo.
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Instrumentos Musicais
Tambores, denominados surdos ou caixas
Temos ali, um acordeon 80, standalli, um violão elétrico. Só no momento, né? A bateria, ali, são: 03 taróis, 06 caixa de guerra(surdos) que a gente fala em folia, 02 reco-reco, 02 pandeiro, 01 chocalho, 02 bumbo, triangulo, afoxé, é:: vários instrumentos.
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Mestre Alan Gomes
Mestre Alan Gomes, Bandeira Três Marias – Duas Barras, Rio de Janeiro.
Estamos aqui mais um ano no festival de Duas Barras. A nossa folia, Bandeira Três Marias, é da localidade, aqui mesmo de Duas Barras, Rio de Janeiro, do bairro da Caixa D’Água. Eu acho que é uma importância muito grande esse festival, tanto esse quanto os outros locais também. Que é pra manter essa cultura e essa tradição que infelizmente a gente vê que está chegando ao fim, infelizmente... Vamos botar aí. Aqui em Duas Barras mesmo já chegou a dá 100 folias num festival aqui. Ano passado não deu 30. Essa bandeira este ano está completando 25 anos. Primeiramente, ela foi formada uma promessa, agora já cumpriu essa promessa, ela ta cantando agora por devoção.
Trovação E os nossos versos são tirados de música sertaneja. Faz uma toada sertaneja. E os versos são bíblicos. Tirado da bíblia, aí a gente faz uma parte de Trovação. Rima ele e passa para os foliões em versos e respondem em toada sertaneja. Cada mestre tem um ritmo. Eu já trovo da bíblia e passo para o meu caderno, e já venho com ele decorado... Mas a gente improvisa, dependendo do que a gente vê aí na frente, a gente tem que improvisar um mucadinho, improvisar um pouquinho.
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Cantar no presépio Todo lugar que a gente vai, a gente canta num presépio. Que a gente segue a tradição dos três reis magos, quando viram aquela estrela do Oriente, foram procurar o menino Jesus e acharam. Encontraram ele (o Menino Jesus), em Belém. Então, a gente faz esse simbolismo. A gente também vai no presépio representando os três Reis procurando o menino Jesus.
Como é cantar na folia? Primeiro você tem que ter ritmo. Que eu vejo muita gente aí gritar... Num é gritar. Você tem que ter o tom de voz... Toada. Toada é a música, no caso, num sei se/ a toada a gente fala toada, mas é música. Hino é a marcha que a gente bate cantando um hino. Tem vez que a gente canta um hino da igreja, tem vez que a gente mesmo faz um hino puxando do sertanejo. Porque o Reis (reisado), a maioria deles é puxado do sertanejo, que aquele sertanejo de raiz, antigo. A gente tira aquelas música e faz as chamadas toadas que a gente canta. (Comigo) aqui, canta a folia inteira, geralmente, canta a folia inteira... Canta uma voz só e já todo mundo junto. O que você está falando é requinta, é requinta. É um que depois dá uma resposta no final... É isso. (Eu) Não, eu já canto direto. Eu já me acompanho direto, eu não dou (requinta)... é que cada folia tem uma característica. Eu já não dou essa requinta.
Programação durante o ano Alan: Agora dia 20 de janeiro, termina esse ciclo das casas, o giro. E depois do dia 20, começam as festas. Todas as folias chama a gente para ir no ARREMATE deles... Então, a gente se encontra o ano inteiro. A gente sai o ano inteiro, pq todo mês tem uma festa pra ir, um outro arremate... Então, a gente se vê praticamente o ano inteiro, a gente ensaia o ano inteiro porque não para.
Pra formar uma folia precisa de que? Primeiro folião, que é o essencial... No mínimo uns doze foliões, um palhaço ou dois já dá pra você formar. O essencial, bumbo, tarol, caixa e sanfona. São as essenciais para se poder botar uma folia na rua e mais três pessoas pelo menos pra ajudar a cantar porque um sozinho fica uma coisa até sem graça. Com doze foliões firmes já dá pra sair bem...
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Mestre José Pretinho (José da Silva)
Mestre José Pretinho (José da Silva), Bandeira Lágrima da Virgem Maria, Duas Barras, Rio de Janeiro.
A minha bandeira é Bandeira Lágrima da Virgem Maria, aqui de Duas Barras, Rio de Janeiro, mesmo. Saio por devoção... Conheci a folia de reis eu estava com 12 anos de idade. Vem de raiz. Com 12 anos de idade já acompanhava a folia do meu pai, aí passado determinado tempo, ele faleceu, aí a folia parou. Eu há quatro anos eu venho tocando essa folia. (A bandeira do pai dele chamava-se) Bandeira de Nazaré, (era localizada em) Visconde de Imbé, cidade vizinha com Trajano de Morais. Era diferente das folias de hoje... Naquela época a gente saia tudo descalço, não tinha uniforme. É, boné, ele mesmo fazia em casa. Boné de papelão. E:: botava umas flores, ele mesmo botava umas flores. E o instrumento era apertado à corda, a uma cordinha fininha, naquela época... Entendeu? No lugar do tarol, então, ele botava uma braçadeirazinha de bambu, pra tremer, na época.
Oito Baixos Naquela época tinha oito baixos... Já me interessava (por oito baixos), puxava pouquinho, né? Escondido dele (do pai), que ele não deixava a gente, moleque, né? Não deixava a gente tocar, naquela época. Pegava um bocadinho escondido. Eu esperava ele sair para serviço, esperava mamãe sair para levar o almoço dele, e nessa hora, antes de
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mamãe sair para levar o almoço pra ele no serviço, eu pegava na sanfona... E foi aonde que eu aprendi e hoje em dia, sou o que sou. Conserto acordeon para essa turma toda, de oito baixos a 120... Reformo fole, afino palheta, eu faço tudo. Eu não sou diplomado. Eu sou uma pessoa muito inteligente sobre essa parte. Porque acordeon que eu conserto ninguém nunca reclamou... E tem umas atrações que eu faço, de artesanato. Boné de folia de Reis. Não sei se você viu... Viu, num viu? Aquilo é meu trabalho, aquilo aí também ninguém nunca me ensinou.
Tocar sanfona A sanfona, eu comecei a observar como é que meu pai fazia quando chegava colega lá em casa, como é que eles fazia no dedo. Aí que fui crescendo com aquela vontade de tocar sanfona, aí ele foi comprou uma 24 baixos pra mim. Uma 24 baixos pequenininha. Aí eu comecei tocar aquela sanfona, aí comecei tocar forró pros outros, dali passei pra oitenta baixos, cento e vinte, acordeon cento e vinte grandona toda cheia de recurso, e a gente vem aí. A gente toca Folia de Reis. Tenho uma banda também de forró, toco forró também,... Forró pé de serra, entendeu? Sou muito conhecido na região. Já toquei calango pros adversários cantar. Ensaio do sanfoneiro e do mestre O mestre tem que ensaiar com o sanfoneiro e o sanfoneiro tem que ensaiar com o mestre, igual a vocês estão vendo aqui. Esse folclore maravilhoso que está acontecendo aqui hoje na cidade de Duas Barras pra quando chegar ali no presépio, cantar e está tudo certinho, tudo ensaiadinho.
Estribilho Estribilho também cada um toca de um jeito, mas tudo ensaiado... Tem muito acordeonista que toca o estribilho muito repetido, todo lugar que vai, as vez, toca só um estribilho. Mas a maioria do sanfoneiro, cada casa que chega pra fazer o giro, aí muda o estribilho, entendeu? Aí já bota um estribilho diferente, né?... Isso aí acontece aqui. Agora muitos que não tem... ainda está aprendendo, e tal, aí fica naquilo mesmo.
Promessa A folia de reis é uma promessa que eu fiz... Fiz uma promessa e fui valido, então eu vou tocar minha folia que vem de raiz do meu pai, até quando Deus quiser. Até quando Deus
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quiser eu vou tocar minha folia, se Deus quiser. Eu fiz uma promessa, eu estava com vinte quatro anos de idade, aí eu fiz uma promessa aos três reis do oriente que era pra mim ajudasse que eu parasse de beber. Que eu perdi minha família por causa de bebida e graças a Deus, eu agradeço a Deus no Céu, e agradeço aos meus Três Reis do Oriente. Tem 50 anos hoje que eu não bebo, e sou devoto aos três reis do oriente.
Profecias Nas folias (as profecias) é importante. As profecias, principalmente, o Nascimento do Menino Jesus. Tem várias profecias: de São Sebastião, de Santa Luzia, a profecia das Três Marias, entendeu? Então, a gente mexe um pouquinho com isso tudo, entendeu? (Elas) tem ocasião (para acontecer)... Porque agora, realmente... Hoje é dia 6 de janeiro. Hoje a gente já pode, de hoje em diante a gente já pode mexer com a profecia de São Sebastião que é dia 20 de janeiro agora, entendeu? De amanhã em diante, né?
Jornada Uns fala folia, outros fala jornada: “ah, vou cumprir minha jornada”, “vou parar com minha jornada”, mas tudo é uma coisa só.
Festival de Folia de Reis Este ano estou vendo muita mudança, a cidade está maravilhosa, o festival está de parabéns, quem organizou, o pessoal do Sesc, que veio nos apoiar...Toda as bandeiras recebendo a sua oferta, né? De R$ 400,00. A gente fica muito feliz por isso.
Associação de Folias de Reis Essa Associação foi criada, organizada aqui dentro de Duas Barras, quem trouxe pra cá foi uma colega nossa, Micheline. Que ela trabalhava nessa área de serviço, em Friburgo, aí trouxe pra cá. Aí formou a Associação de Folias de Reis... Eu sou o vicepresidente, e Wilson Adelino é o presidente. (...) Nós fizemos reunião em Duas Barras, Friburgo, Cantagalo, Cordeiro, Madalena, São Sebastião do Alto, tudo a gente acompanhou ela (a idealizadora da associação). O trabalho da Associação é organizar tudo direitinho, juntamente com o prefeito da cidade, (...) pra gente realmente ter um carro pra sair, ou às vezes a gente precisa de
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um alimento. Nunca faltou um alimento nesse festival aqui... Nós já tivemos época de receber 94 folias, numa época dessa, aí veio caindo, veio caindo, hoje em dia tá numa posição aí de 43, 38 folias, entendeu? Esse ano a gente não sabe como vai ficar, ainda tem muita folia pra chegar. A organização quando a gente faz é pra isso daí. (A nossa Associação de Folias de Reis) representa Duas Barras, Cordeiro, Cantagalo, São Sebastião do Alto, Macuco, etc. esses lugares todos, a gente passou com a Associação, fazendo a reunião da Associação, entendeu? ... Depois dessa Associação melhorou muito as folias de Duas Barras, melhorou muito depois dessa Associação... Há uma época aí a uns dois, três anos atrás, quatro anos atrás,... O prefeito ajudou as folias, aquele uniforme ali, que o prefeito deu pras folia, colaborou com as folias... Depois da Associação que vem acontecendo isso... E esse evento maravilhoso que está aí... Me sinto muito realizado... Estou feliz e de coração aberto para essa festa. Instrumentos musicais Eu trabalho com três bumbo, eu tenho dois tarol, tenho quatro caixa de guerra, caixa pequininha, prato, dois pandeiro, um triângulo, dois chocalhos, e acordeon. José Teixeira de Souza (Zeca Diabo)1
Palhaço, Zeca Diabo (José Teixeira de Souza)
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Não é integrante de uma única folia, por ser um palhaço veterano, tendo passado, segundo ele por mais de 200 bandeiras, costuma, hoje em dia, ficar a disposição das bandeiras que precisam de um palhaço para garantir sua saída. Sua primeira bandeira foi a Bandeira Santa Clara.
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A minha bandeira atualmente... Quando a gente está saindo na folia, a gente está servido aquela bandeira. Mas a Bandeira que eu gosto mesmo é Santa Clara. Bandeira Santa Clara de Itaucara, aquela que comecei, eu comecei brincando nessa folia. Brinquei muitos tempos pra ela lá em Itaucara. Depois fui saindo, fui brincando pra outras, pra outras, pra outras... Mas a bandeira que estou saindo neste festival é a Bandeira Estrela de Macuco.
O Nome Zeca Diabo Eu sou palhaço de folia, comecei em 1969. Lá eu ganhei um apelido de Zeca Diabo, porque o pessoal notou em mim que eu tinha uma evolução muito rápida e tal, e como no Botafogo, do Rio de Janeiro, tinha um ponteiro de nome Zeca Diabo nessa data, aí o pessoal dizia assim, esse daí é o Zeca Diabo, não é possível, e tal. Aí se empolgaram e ficou mesmo. Aí eu vim brincando, panhando (apanhando) compromisso com as folias. De três em três anos eu mudava de folia, ajudava uma, ajudava outra... Ajudava uma, ajudava outra com meus humildes versos. Sendo que de 2007 até então, eu não posso panhar compromisso porque eu já estou um pouco cansado, eu tenho os versos pra falar, mas eu tenho os gestos, eu dependo das minhas pernas pra fazer um brinquedo bonito, e nem sempre eu posso brincar toda noite. Mas está indo muito bem, essa noite eu fui num lugar com nome de Peba... nós fomos lá com a Folia de Friburgo foi uma beleza, um pessoal humilde, bão... E sobre mim, eu sou assim, eu tenho quarenta e oito anos que brinco de palhaço. Fui convidado por nosso patrício, Martinho da Vila, pra fazer um show com ele no Canecão... Fiz alguns aqui também com Carlinhos de Jesus em outros lugares só pra falar verso. Eu não fui pra dançar. Eu fui pra falar verso. E graças a Deus fui muito bem aceito então, eu me sinto feliz. Mas além de eu, têm outros muito bons também, sabe? E que está assim não no anonimato... é porque eles ainda não tiveram oportunidade de se apresentar para pessoas maravilhosas que nem vocês que divulgam, entendeu? E a gente ser divulgado é muito bom. E a gente fica feliz também, eu acho isso um barato.
O gosto por falar versos Estudei bastante cordel, tenho muitos amigos... Pra quem leva isso como competição sempre tem uma inimizadezinha, mas eu procuro a pessoa que não está legal com a gente por causa dessa brincadeira, e falo: “o que você está precisando? Vamos trabalhar, vamos usar uma fantasia bonita”. Às vezes, eu tenho uma fantasia, eu dou a fantasia pra
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ele, e vamos... Porque isso não é agressão, isso não é agredir o amigo que está brincando de palhaço, é brincar. Porque se fosse só eu, não teria folia, não teria palhaço. Eu preciso de todos. E pra mim, todos somos iguais. Um de Cordeiro, de nome Chiquinho Feijó, excelente amigo, excelente palhaço... a gente debateu muito pro povo rir. O povo ficava maravilhado quando a gente se encontrava porque a gente fazia uns temas assim: Meu amigo seu Chiquinho Escuta o que eu vou falar Presta atenção no que eu digo É melhor me respeitar Porque dentro dessa quadra Você não vai me ganhar
Aí ele dizia: Oooolha Zeca, Não é bem assim que tu pensa Mas isso não vai acontecer Presta atenção, Zeca Diabo Não tenho medo de você
Mais ou menos, por aí...
Festival Agora se a senhora quer ver, eu falar uns versinhos, pode pedir um tema...
Meus amigos prestem atenção Por favor, não leve a mal Não posso ficar em casa Também não tou passando mal Eu tenho que lá pra Duas Barras Assistir o Festival.
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O palhaço nas folias
Performance do palhaço na tenda, Praça Governador Portela, Centro de Duas Barras, Rio de Janeiro.
O Palhaço entrou nas Folias de Reis, porque a Folia de Reis veio depois do Jongo, entendeu? O jongo... Depois, aquela cantoria do jongo, e também ali tinha os escravos... Ali cantando tanta coisa e batendo que fizeram um ritmo. Esse ritmo que eles fizeram é claro que mudou muito a maneira, porque houve uma evolução muito grande... Mas como o Reis Herodes colocou os seus soldados para matar o Menino Jesus, (o palhaço) ficou como perseguidor. O palhaço simboliza o perseguidor. A gente com a cara tapada andando na folia pode falar assim, esse está simbolizando o soldado de Herodes, perseguindo o Menino. E a gente representa dessa maneira, sabe? Por que a máscara? Pra brincar, a máscara, aquilo faz parte do figurino, aquela fantasia, né?
O Palhaço e a Bandeira E acompanhando a bandeira, não passando na frente dela, a gente é soldado de Herodes. A tradição é essa, sabe? A gente não passar na frente da bandeira para seguir dentro das normas, sabe? Porque a folia tem essas normas e, certo ou errado, a gente tem que seguir essas normas que vem dos antepassados. O “teste” para entrar na folia
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Eu entrei na folia de reis em 1969, (...) aí acharam que eu tinha que falar uns versos, aí eu contei na época pra o povo testar se eu podia ir ou não, aí eu contei uma peleja. Uma peleja bonita, na minha terra Itaucara, eles gostavam muito de peleja, de algum debate. Aí quando a sanfona tocou lá, falou: “Fala uns versos aí pra ver se você pode brincar de palhaço”. Aí eu falei: Aderaldo aquele cego Que cantou com Zé Pretinho Hospedou-se em Pimenteira Na casa de José Capim Ali encontrou jaca mole Que lhe chamou sem carinho.
Disse cego venha cá Eu vou tira sua fama Tu bateu em Zé Pretinho Mas comigo come lama No lugar que eu chego Sou conhecido por gama.
Há muito tempo que ando A procura de encontrar É o meu maior desejo Conheço céu de cantar Aí eu corto na raiz A fama do seu lugar
Aí empolgou...
Formação Eu nunca fui no colégio, porque eu fui nascido e criado cortando cana, era nove filho. Não tinha colégio perto, depois que a pessoa corta cana, enche o caminhão de cana, aquela luta não tem mais força (...). Minha mãe tinha uma segunda serie lá, aí ela me ensinava qualquer coisa... Eu consegui um livro com um professor, mais ou menos, assim, eu consegui um livro de geografia, um livro de história, e comecei assim...
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A dança do Palhaço O movimento, (a) dança do palhaço pra uns tem mais evolução, sabe? Tem gente que dança melhor do que um, que dança melhor do que outro. Tem muitas pessoas que dançam melhor do que eu, eu às vezes danço melhor do que alguns... Mas não dar para comparar. “o melhor, aquele que dançou muito e deu um show”. Porque às vezes, mas não é ele que é o melhor porque no outro dia ele não consegue evoluir tanto, já vem outro... é mais ou menos assim, é quase todos iguais, diferença pouquíssima. Todo mundo tem um tipo de dança. Quando saí, a chulia (chula) do palhaço (batuca e solfeja um ostinato2 rítmico-melódico), uns dança ela e desenvolve mais, outros desenvolve menos. Eu com essa idade já ta, não está tanto, e também o tempo também não está tanto mais, que a minha idade já não é mais a de um garotão de vinte e um ano, mas quando eu tinha vinte e um ano eu fazia legal.
Música pra arrecadar dinheiro Tem uma música legal que toca na folia: Catação de café (solfeja a melodia)...e gente vai catando o café, imitando uma pessoa catando café, e esse café se transforma em dinheiro, que o povo joga dinheiro no pandeiro. Aí a gente pega o dinheiro e divide. Se tiver dois, se for sozinho, é da gente.
Referências bibliográficas BITTER, Daniel. 2008. A Bandeira e a Máscara: estudo sobre a circulação de objetos rituais na Folia de Reis. Rio de Janeiro: Tese de Doutorado em Ciências Humanas, UFRJ. Disponível em: http://www.proibidao.org/wp content/uploads/2011/12/DanielBitter_A-Bandeira-e-a-Mascara.pdf. Acesso em: 10/07/2014. CASTRO, Maria Laura Viveiros de. 2008. Patrimônio Imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte. DESAN, Suzanne. 1992. Massas, comunidade e ritual na obra de E. P. Thompson e Natalie Davis. In: HUNT, Lynn. A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes. Especial Folia de Reis TV Brasil. Disponível em: http://tvbrasil.ebc.com.br/docbrasil/2018/05/especial-folia-de-reis 2
Trecho musical simples e repetitivo melódica e ritmicamente.
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