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Desafios da patrimonialização: Tradição e religiosidade 0
from Documentação Etnográfica das práticas musicais do 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras, Rio
by SescRio
partir de um campo de forças específico e de oposições sociológicas peculiares à sociedade do século XVIII, por exemplo, falando objetivamente: elementos descontínuos e fragmentados dos velhos padrões de pensamento tornam-se integrados pela classe (e não apenas pelas práticas culturais, vistas de modo isolado). Considerando as premissas amplamente problematizadas do dilema etnográfico, donde o objeto de estudo, tal como ele realmente é, nunca poderá ser conhecido, a ciência encontra respostas porque instala desde sempre aquilo que busca em suas próprias perguntas, ou seja, a pergunta já determina a resposta. Assim, o dilema do chamado realismo etnográfico se ligaria a própria crise das ciências. O dilema etnográfico se tornou insuportável nos anos 1960 com a chamada pósmodernidade, com toda uma crise da representação e da validade do conhecimento etnográfico. Porém, a partir dos anos 1970, sob influência de Heidegger e de
Wittgenstein (filósofos hermenêuticos),
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a etnografia atravessa o pós-moderno consolidando-se no reconhecimento da precariedade do realismo e do impulso de explicação neutra, adotando a perspectiva do etnógrafo(a) enquanto autor(a) situado(a) historicamente em seu empenho da compreensão e tradução da realidade (PIEDADE, 1999).
Desafios da patrimonialização: Tradição e religiosidade
O conceito de patrimônio, difundido pela literatura acadêmica, se ampliou à medida que incorporou a perspectiva antropológica de cultura. Esta fez emergir novas possibilidades, desafios e questões, entre elas a dimensão da patrimonialização de bens de caráter imaterial. O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), por exemplo, tem como metodologia buscar dar conta de processos de produção de bens culturais imateriais, dos valores investidos neles, dos processos de transmissão e reprodução e das condições materiais de produção (SANT’ANNA, 2009). No entanto, é grande a dificuldade de traduzir em documentação material (narrativas, fotografias, produtos audiovisuais), o conjunto de valores, significados e sentidos atribuídos a diversas formas de expressão cujas principais características são seus aspectos performáticos, e ainda maior quando essas expressões estão alicerçadas em concepções religiosas (ABREU & MAGNO, 2017). Um estudo de caso do processo de Inventário e Registro da Folia de Reis Fluminense, concluído e entregue ao IPHAN em junho de 2016, ressalta reflexões
pertinentes, tais como, a coexistência dentro de um mesmo território de diferentes interpretações sobre objetos, ações de mediação entre o mundo visível e o invisível, regras de conduta, dentre outros aspectos. Esta perspectiva advém de um mapeamento que registrou 21 grupos de folias em atividade entre 2015 e 2016, no município de Valença (RJ). A pesquisa foi empreendida junto ao movimento de Folias de Reis de Valença (RJ) e leva a supor que a complexidade que envolve a patrimonialização do chamado bem imaterial é mais profunda quando se estrutura sobre sentimentos de fé (ABREU & MAGNO, 2017). No território fluminense, a antropóloga, professora, pesquisadora de folclore/cultura e coordenadora do Projeto de Inventário da Folia de Reis no Rio de Janeiro pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Cascia Frade tem acumulado ampla vivência enquanto acadêmica e agente do poder público no trato com culturas populares. A entrega formal do inventário formal do pedido de Registro da Folia de Reis Fluminense como Patrimônio Cultural do Brasil, foi em junho de 2016, tendo a UERJ como proponente. O inventário, realizado por amostragem, mapeou 15 dos 92 municípios do Estado do Rio de Janeiro: Itaboraí, Paraty, Mangaratiba, Angra dos Reis, Vassouras, Rio Claro, Quatis, São Pedro da Aldeia, Quissamã, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Petrópolis, Duas Barras, Santa Maria Madalena e Rio de Janeiro. Esta primeira parte teve como objetivo propor uma reflexão, ainda que breve, sobre os possíveis impactos que a inclusão das Folias de Reis Fluminenses no Inventário Nacional de Referências Culturais (desde 2016) têm tido sob a produção de acervos, arquivos e coleções etnográficas, historiográficas ou museográficas, acerca destas tradições no estado do Rio de Janeiro.
Parte 2
Pesquisa e documentação etnomusicológica no 44º Festival de Folias de Reis de Duas Barras
A pesquisa foi realizada nos três dias de evento, por uma etnomusicóloga e um profissional da área de audiovisual que trabalharam juntos, no mesmo espaço quase sempre, do tempo durante o festival. A não ser quando a pesquisadora precisava “dar um giro” por entre os giros de folias para comunicar-se com algum folião para convidálo para ser entrevistado. As entrevistas aconteceram na ante-sala do Museu de Folias de Reis, na Casa do Folclore, espaço que abriga o acervo das Folias de Reis, o acervo da Banda Oito de dezembro e o acervo do cantor e sambista, Martinho da Vila, filho ilustre
de Duas Barras.
Museu de Folias de Reis. Instrumentos das folias de Reis (a frente). Armário com roupas antigas da Banda Oito de Dezembro (ao fundo).
Apesar da diferença de recorte e de finalidade, em comparação com projetos de pesquisa ligados a processos de patrimonialização de bens imateriais, a documentação do 44º Festival de Folias de Reis no Festival de Duas Barras, além de ter se limitado a um único evento e concorrer com uma série de outras atividades (mesmo que congruente ao evento principal) deparou-se com desafios similares de, em função do tempo e dos recursos humanos e materiais, lidar com critérios de escolha para produzir