A Terceira Idade n 6 Memoria e Historia.pdf

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AN04-N: 6 OUTUBR0/92

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n 2 6 - outubro/ 92 po!>lura ClTl r e la<,:ão ao idos o está s u jeita a certos r e ferenciai s impostos pel a ~oc ic dadc, ao produzir e veicular a image m da velhice. Os preconce it os geralmente se basei am em afirmações nada científicas, mas apenas reve lado ras d e uma indi s p os ição ou uma fuga diant e de un1 probl e m a real que exige pes qui sa mai s profunda . Muitos têm s ido os trabalhos ultimamente reali zad os p o r ins tituições públicas e privadas, em busca d e alternati vas para o atendimento ao idoso. Essas iniciativ as tê m consistido e m simpósios , congressos, jornadas etc., para técnicos, abordando os mais variados aspectos da terceira idade, tendo sempre como objetivo a integração do idoso em seu meio social. A motiva<,:ão para esta constante reciclage m parle sobretudo d os res ultados que têm sido alcançados junto aos grupos que estão ç ada vez mais maduros e conscientes de s ua identida de e representatividade. Obsçrve -sç igualn1ente um int eresse muito grande <las mais diversas áreas acadêmÍ<..:as em est udar a questão d o envelhec imento sob diferentes ângulos, o que, sem dúvida, repre~enlará um e nriquec itnento maior para a bibliografia geronto lógica. E s te número d e .. A TERCEIRA IDADE" s e enquadra nesta pers pectiva de estudos, trazendo ao público reflexões que proc uram situar a problemática do idoso dentro d e um contexto histórico e cultural mais amplo. É im portante que não haja queda no entusiasmo pelo coletivo, que ninguém se <..:ontagic p e lo empobrecime nto d o social. Na chamada .. era do vazio" é n ecessário adtninistrar as crises e adaptar-se a uma nova lógica comportamental.

ARTIGOS 5

MEMÓRIA E HISTÓRIA Olgária Matos Filósofa, docente da USP

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FINITUDE E RENASC IMENTO EM CADA GERAÇÃO José Moura Gonçalves Filho Ps icóloga Social - USP

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JUVENTUDE PARA OS VELHOS Edith Motta Assistente Social

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VELHICE PARA OS JOVENS André Roberto Martin Prof. da Faculdade de Filosofia, Letras e C iências Humanas - USP

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TERCEIRA IDADE ESPERANÇA DE VIDA Aida Ribeiro Geriatra - SP

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O VELHO NO BRASIL POBRE E NO BRASIL RICO Maria José Lima de Carvalho Rocha Barros o - Assistente Social e Gerontóloga

SEÇÕES 2

CARTAS

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APRESENTAÇÃO

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INFORMAÇÕES

Publicação Técnica editada pelo Serviço Social do Comércio (SESC), Administração Regional no Estado de São Paulo. Av. Paulista, 1 19 - 9 9 andar CEPO 131 1903 - Tel. 284-21 1 l - São Paulo. COMISSÃO EDITORIAL: Danilo Santos de Miranda (Direror do D e partamento Regional). Jesus Vazquez Pereira (Superintendente Técnico-Social), Marcelo Antonio Salgado (Gerente de Estud os do Lazer e da Terceira Idade/ Coordenador), Osvaldo Gonçalves da Silva (Redator e Revisor), José Roberto Moreira. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Célia Moreira dos Santos - RMT 10302. PROJETO GRÁFICO: Eron Silva. COMPOSIÇÃO GRÁFICA: Cláudia Resende Costa Cirillo e Maria Cristina Miras Costa. Ane Final: Maria Cristina Tobias Dias. Ilustrações: Econ Silva. Capa: Eron Silva e Waldemar Bueno. Impressão: Odafr Antenor.


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G ostaria de s aber como adqu irir os exemplares da revista "A TERCEIRA IDA D E··. Estive lendo as m atérias e achei que n e las a gente encontra coisas interessantes sobre a fase da vida chamada velhice e que nos ajudam a entender m e lhor este mome nto e m que parentes, amigos e c onhecidos parecem fugir, co m o se fosse uma d oen ça contagiosa... Amélia Aparecida Souza Campo Grande - MTS

Es tou começando u III trabalho com p essoas que já estão com mais de 60 anos. Alguns são válidos ainda e outros apresentam algumas deficiên c ias que os tornam incapaz es para certos tipos de atividades . Será que o SESC poderia me dar algumas dicas sobr e a melhor técnica d e trabalho nes ta área? O que me levou a esta consultafoi o conhecimento que tive da revista "A TERCEIRA IDA D E··, o nde se faz refer ê n c ia a grupos de idosos do SESC. Desejaria conhecer um pouco m ais d esta experiênc ia. Judith Chaves Dias Belo Horizonte - MG

Conheço vários trabalhos que o SESCfaz pela comunidade. Sempre achei um trabalho sério e b em inte nc ionado, is to é, sem c aracterísticas politiqueiras. Qu e r o dar uma s ugestão através des ta revis ta que tive oportunidade de ler: por que n ão e ditar também uma r evista falando sobre as outras atividades que se d estinam às crianças, aos jovens etc. ? A exemplo do que a c ontece c om os idosos, as outras faixas etárias t e riam muita coisa que aprender des ta ins tituição. Joaquim dos Santos Cabral São Paulo - Capital

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ABRAM SZAJMAN Pres idente do Conselho Regional do SESC

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ÍAl s frutos que se colhem d e um trabalho depen-

~ dem d e uma longa e persistente adaptação às

s ucessivas mudanças por que passa a s oci edade en1 que vivemos . Se hoj e podemos nos orgulhar do programa que o SESC d e São P a ulo desenvolve junto ao idoso, is to se deve a constantes estudos e p esqui sa s que preservam e ampliam os objetivos da entidade em relação aos proble mas des te segmento etário. Des taque- se também a grande sen s ibilidade da ins tituição em face dos proble mas sociai s, bem como a criatividade de nossos técnic ~s na operacionalização dos projetos, como elementos que realimentam nosso entusiasmo nes te c ampo específico. Sentimo-nos, por i sso, altamente gratificados e não medimos esforços para dar seqüência a este traba lho de repercussão nacional. Sem dúvida, o SESC d e São Paulo é, hoje, um c entro de re ferê ncia para aqueles que se ocupam de idosos não institucionali z ados ou desejam adquirir conhecimentos na área da geronto logia. Nosso propós ito é continuar a incentivar os eventos e atividades, equacionar os espaços físicos de nossas unidades, no sentido de facilitar o a cesso da população idosa aos equipamentos e, desta forma, promover s ua integração com as demais faixas etárias. Em noss a opinião, diminuir as di s tâncias entre a s gerações é remover uma série de preconceitos que ainda estigmatizam o velho. E s timular o encontro das gerações é aliar a vivência dos mais velhos ao vigor dos mais jovens . E s ta harmonia beneficiará a sociedade, s e a força do jovem for bem orientada e a experiência do idos o devidamente aproveitada. Isto é um novo des afio. Mas, os desafios é que nos fazem crescer.

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MEMÓRIA E HISTÓRIA<*)

Existe uma memória que é a memória voluntária. Um monumento faz parte da memória voluntária. Mas há também a memória involuntária, aquela que nos surpreende como uma luz fugidia em um instante de perigo...

OLGÁRIA MATOS Filá.w~/'a. doceme da USP

alter Benjamin (filósofo da assim chamad_a Escola de Frankfurt, cujos nomes mais des tacadossão: Adorno, H orkheimereMarcuse) desenvo lve algumas passagens s igni fícati vas sobre a qut:stão da tradição, da h istó ri a, do passado e da mcmória. Segundo es t e au to r, a exper i ê ncia da mod ern idade revela que uma trad ição se perdeu e wna outra não c h e gou a se constitu ir. Vivemos uma é p oca ""da qual os <leusesjá partirarn ou à qual a inda não chegaramº ( Hõide rlin ), ou seja , um momento dc total desamparo, de.; vu lnerabilidade. Essa precariedade ocorre pela p erda de uma trad i<,:ão, pela ausên cia de cnraizan1ento. Uma t radição signifi ca o pcrtcncimento a um conjullto <..h; va lo res e expectat ivas. uma 111ancira d e nascer, de v iver e d e m o rrer. O desenraizament o, diz Walt er B e njamin , é porta<lor d e urna arnbigüidade: por um lado, é a con dição da liberdade: perder raí~es, deixar o lugar de origem, viajar - no sentido metafórico da palavra - , é a con<li<yão e poss ibilidade e.la aulo no-

(") Este texto é a transcnçào da palestra sobre "Memóna e H1stór,a•.

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chegaram a essa condição, porque marcham por sobre os cadáveres daqueles que jazem no chão. A este cortejo triunfal pertence também o espólio, aquilo 'q ue conhecemos como bens culturais. Quem professa o materialismo histórico não pode olhá-los, a não ser com olhar cheio de distância., pois tomados em bloco, assim que se pensa em sua origem, como não estremecer de espanto! Eles não nasceram apenas do esforço dos grandes gênios que os criaram, mas ao mesmo tempo da anônima corvéia imposta aos contemporâneos desses gênios. Não há nenhum documento de cultura que não seja também um documento de barbárie. E amesma barbárie que os afeta, afeta também o processo de sua transmissão de mão em mão. Eis porque, tanto quanto possível, o teórico do materialismo histórico se desvia deles. Sua tarefa é a de escrever a história.a contra-pelo". Há aqui dois tipos de história., dois tipos de memória, dois tipos de tradição: a tradição do vencedor e a tradição do vencido. O que Benjamin diz na tese VII é que não temos acesso à objetividade do passado. Como o passado é algo extinto, encerrado, só o alcançamos de maneira indireta, através dos detalhes, ruínas - o que ficou pelo involuntário do tempo e da memória. Assim como os dominantes inventam uma memória, uma tradição, porque a tradição não nos chega como uma "herança com testamento" - , não há uma mediação que nos explique de que maneira ela chega até nós. Benjamin diz que os dominantes, os vencedores do momento, aqueles que chegam à condição de dominantes, só chegaram a este posto porque marcham por sobre os cadáveres daqueles que jazem no chão. Não há nenhum documento de cultura, portanto, que não seja também um documento de barbárie. Isto significa que há uma maneira de postular uma imagem eterna do passado, que é possível conhecêlo tal qual efetivamente foi; a história é

mia e da liberdade; mas, simultaneamente, o desenraizamento é involuntário quando é extradição da pessoa, expulsão, exílio. ' perda de referências e tal perda favorece crises de identidade. Walter Benjatnin está preocupado a com questão da história, da memória, da recordação e da intermitência do tempo, ou seja, com aquilo que é condição da possibilidade da memória: o esquecimento. Sua filosofia pode, de alguma maneira, ser compreendida através do valor conceitua! do esquecimento. Benjamin diz que há, pelo menos, duas maneiras de nos relacionarmos com o passado, com a tradição: a de identificação com o passado que é a repetição do passado e resulta sempre nas catástrofes históricas. E há uma maneira de relação com o passado que não é a da repetição, da identificação, mas é uma construção. Na tese VII, ""Sobre o Conceito de História'", lê-se: "ao historiador que quer revi ver uma época, Fustel de Coulanges recomenda esquecer tudo que passou em seguida. Melhor vale não qualificar um método que o materialismo pôs por terra. É o método da empatia. Ela nasceu da preguiça do coração, da acedia que desespera em dominar a verdadeira imagem histórica., aquela que brilha de maneira fugidia. Os teólogos da Idade Média consideravam a acedia como a fonte da tristeza. Flaubert, que a conhecia bem, escreve: "poucos adivinharão o quanto foi preciso estar triste p ara ressuscitar Cartago". A natureza dessa tristeza torna-se mais evidente, quando se pergunta com quem, propriamente, o historiógrafo historicista entra em empatia. A resposta é inelutável: com o vencedor. Ora, quem quer que domine, é sempre o herdeiro de todos os vencedores. Entrar em empatia com o vencedor, beneficia., portanto, conseqüentemente, aquele que domina. Todos aqueles que· até hoje conquistaram a vitória, participatn desse cortejo triunfal, em que os dominantes de hoje só

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••sobrinho" bastardo do grande Napoleão, o golpe de Estado de 1848. Marx inicia, di zendo que em alguma parte de sua obra, Hegel escreveu que os grandes fatos e as grandes personagens históricas ocorreram, por assim dizer, duas vezes: a primeira, como tragédia en1. si e a segunda, como confirmação na consciência dos hotne ns . Numa primeira vez, a história ocorre como uma coisa em si; numa segLmda, há reedição, confirmação da consciência dos homens, de grandes acontecimentos e de grandes personagens. Marx completa essa frase: .. Hegel esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez esses acontecimentos estão presentes como tragédia, e quando se repetem é na forma de farsa ... Do ponto de vista marxista, não há repetição na história; a repetição do passado no presente é farsesca, é teatral. E há, segundo Marx, um ..esquecimento"' em Hegel: "esqueceu-se de adrescentar: a primeira vez, o fato acontece como tragédia e a segunda, como farsa". Esse esquecimento não é um esquecimento apenas psicológico. É esquecimento ideológico; o esquecimento é produzido e é produzida a idéia de uma continuidade do passado no presente, de tal forma que aquilo que vivemos hoje é seqüencia do que veio anteriormente. O que trabalha de maneira invisível, o fenómeno da repetição é a idéia do progresso. A idéia do progresso signi fica que aquilo que veio depois é n ecessariamente melhor do que o que veio antes; ela nos oculta a diferença entre desenvolvimentos técnico-científicos e a regressão da sociedade, porque a noção de progresso, como algo idêntico a si mestno, esconde a barbárie da qual esse progresso é portador, o que faz com que acreditemos que os progressos da ciência são progressos da humanidade enquanto tal. Ora, o historiador historicista se identifica com o passado, pos tula essa imagem eterna dopassado, uma versão única dos acontecimen-

concebida a partir de fatos inamovíveis, havendo acesso a uma inteligibi lidade única. Essa historiografia conv e ncional , Benjamin a denomina ··historicista", pois acredita que o passado é exatamente o que foi. Ora, o passado está encerrado sobre si tnesmo, possui uma língua que não nos pertence mais, não apenas no campo semântico, mas porque mudou a maneira de viver, a tradição entrou em contato com outras culturas etc. Por várias razões, não temos um acesso direto à objetividade desse passado. Mas o que faz a classe dominante? Inventa uma tradição como se essa tradição fosse um dado, um fato da natureza. A história hi storici s ta ou a positivista naturali za a história e artificializa a natureza. Isto significa que os dominantes constroen1 uma tradição, como se e la pertencesse a todos. O s dominantes constroem os monumentos. Estes fazem parle da história oficial celebrati va; os monumentos são construídos p e los dominantes para perdurarem e eten1izar uma itnagem do passado, que é feita para ser creditada e reconhecid a pelas gerações na sucessão do lctnpo. A classe dominante constrói uma tradição através dos n1onumentos . Há outra modalidade de hi s tória que chamaremos d e ••história do vencido" e não do vencedor: é feita de documentos. Os docum e ntos são aqueles elementos que pennanecetn, involuntariamente, na forma do fragmentário, do inesperado: são objetos que perduram, malgrado eles mesmos. É com esse material fragn1 entado, inesperado, em ruínas, e m decomposição, disperso e desordenado que o historiador materialista deve construir sua tradição. A ssim como a classe dominante inventa sua tradição, os dominados devem inventar a sua. Toda tradição é uma construção. Retomando a tese VII, no plano da repetição, Marx, em .. O Dezoito Brunário", trata do golpe de E stado do

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tos porque, a pos teriori, os acontec imentos d o passado para e xplicar que o seu desenlace só poderia ter s ido est e atual. Marx, ao contrári o, explic a o que r e presenta a repetição na hi s tó ri a. Para ele é e xatamente nos mon1entos d e u1n d evir c riador que constrange o s homens a tarefas inéditas, é exatatn ente nesses mome n tos d e r evolução, de transfonnação profunda que os homens temerosa1nente tomam de empréstimo a s palav ras de ordem d o passado, se travestem de r o manos para entrar na cena da história. O mecanism o da repetição é uma espécie d e blindagem, d e p roteção que os h omens e ncontram para poder e nfrentar o novo, aqui lo que nos s urpreend e, aquilo que nos afeta d e maneira inus ua l e inesperada, provocando uma insegurança. Há, a!,;Sim, a tendência e m buscar no passado uma vestimenta já conhecida, portanto, ruínas. A hi stória vai ser reconstruida co1no uma continuidade do prese nt e com o passado, p a r a que os hotne n s, no present e, possam compreend er essa encenação teatral do momento his tórico. E ssa maneira d e se identificar com o passado é u m a manei ra d e lidar com coisas mortas . H á um momento da t ese n 2 VII e m que Benjamin c ita Flaubert: "pou cos adivinharão o q uanto foi prec iso estar tri s t e p a ra r essuscitar Cartago··. E a nat u r eza desta t r is teza se ton1a m ais ev idente quando n ós dizemos que o his toriador hi storic is ta entra e n1 e mpatia com o v encedor. Qual a relação da classe dominante o u d o his toriador his toricista em s ua identificação com o passado? H á identificação con1 coisas tnortas. A acedia é wn estado de tristeza e d e m e lancolia (aliás, esta palavra procede do grego "akedia .. , que s ignifica "'cadáver insepulto"). O que são esses acontecimentos do passado cotn os quais os vencedores se identificam para di z er que nosso momento histórico é continuidade do passado? São cadáveres insepultos. O historiador hi s torici sta está impossibilitado de fazer

o luto d o passado, d e e nte rrar os seu s mortos e d e ixar que os homens f açarn a s ua própria his t ória. Ao invés de agirem na história, os homens preferem repetir o passado. Quanto ao hi s toriador materiali s ta, deve captar uma imagem do passado que brilha de maneira fugidia. A relação d e Benjamin com autores como Prous t, por exemplo, é essencial, sobretudo na obra '"Em Busca do Tempo Perdido... Nela, o tempo perdido não é o passado, é o futuro - caso não saibamos recuperar o passado. Como ingressamos no passado? Através da m e mória. Existe uma memória que é a memória voluntária. Um monumento faz parte da memória voluntária. É feito para lembrar e bas ta que eu me detenha um pouco e queira r eviver determinadas coisas, a

lembrança reaparece. Podemos nos lembrar, a qualquer momento, de um determi nado acontecimento do passado. Este é •.o verdade iro esquecime nto. Mas h á uma outra dimensão, tanto da história individual quanto da história cole tiva, que é a memória involuntária, aquela que nos s urpreende como uma luz fugidia e m u m ins tante de perigo. Is to s ignifi c a que o acesso ao passado, à s ua verdade, se faz de maneira involuntária. Aqui, um parênteses: há uma critica s ubliminar de Benjamin retomada de Nietzsche, quando este se refere a Descartes. D escartes eten1izou a fórmula "penso, logo e xisto ". Depois d e uma complic adíssima d e monstração analítica, esse filósofo do século XVII (do qual s omos tributários até hoje) dizia: quando duvido da existência do mundo, duvido da exis tência do céu, das estrelas, do meu corpo, da circulação de meu sangue e d e mim mesmo; a única coisa que me res ta como algo indubitável é o pensamento. Então, a primeira verdade inabalável e irres is tíve l é o pens amento: .. penso, logo exis to... E s ta afirmação era algo que Descartes tomava como ponto fixo , ponto arquimediano de suas reflexões. Ora,

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Nietzsche vai dizer, ao criticar esta passagetn do pensarnento cartesiano, que Descartes não percebeu que ··um pensamento vem, não quando eu quero, mas quando e le quer". Não somos senhores plenos de nossos pensamentos e de nossa vontade, não escolhemos permanentemente os acontecin'lentos de nossas vidas e os acontecimentos históricos; na maior parte do tempo, eles nos escolhem; assim, somos escolhidos pelos pensamentos que nos perseguem. Assim, é com a memória involuntária que tr abalha o historiador que não quer lidar com coisas mortas, que deseja sepultá-la para poder renascer. A teoria benjaminiana se vale, a lém de Proust e Nietzsche, tan1bém de Freud: primeiro, é preciso lembrar para depois esquecer, porque se primeiramente esquecermos, não estaretnos esquecendo, estaremos recalcando e esse recalque reton1ará na forma da destrutividade soci al.Trata-se, pois, de l embrar pata depoi:s esquecer. Por esta ra zão, a perspectiva historicista é o verdadeiro esquecimento, porque o m onu1nento é rapidamente inst i tuido; s eu sentido é o de auto-erigir-se como progresso, justatnente para arquivar o passado, com o que perdemos totalmente a possibilidade de reabrí-lo e recontá-lo de outra forma.Se, para Proust, o tempo perdido não é o futuro, mas o passado, é porque sem o passado não poderemos jamais compreender o sonho presente. Benjamin escreve, em 1938, o ensaio: ··Paris, Capital do Século XIX .. e ""Algw1s Temas Baudelairianos", onde trata da Paris do Segundo Império. Benjamin, ao escrever sobre o século XIX, está preocupado com o século XX. Mas o que está ocorrendo em 1938? A hiperinflação alemã é de 1929. Já havia a ascensão do názismo e a Segunda Guerra era inlinente. Estaria Benjrunin pr-eocupado com Paris do século passado? Não, está preocupado com presente ale-

mão, com o presente europeu e, no caso, com a França, pois para ele Paris engana mais do que Berlim ....Paris, Capital do Século XIX" não é só uma capital, mas capital do capital. Paris, que é também capital de a lgum sonho, que necessita ser reconhecido para podermos dele despertar. Benjamin procurava o sonho do século XIX para poder refletir sobre o século XX. Quais foram as promessas decepcionadas desse século, que precisam serreconhecidas, para podermos enterrar os mortos, enterrar os sonhos do passado e despertar? Primeiramente, é preciso despertar para o sonho, para, em seguida, despertar do sonho. Essas questões são preliminares com relação às preocupações de Benjamin. À história historicista, a da identificação com a coisa morta, com a coiS;a extinta, com aquilo que não tem possibjlidade de transformação e os monurri:entos construídos pelos dominantes na forma da memória voluntária, Benjamin contrapõe o historiador materialista que lida com fragmentos , com detalhes, com ruínas, que faz, constrói a tradição dos dominados através do involuntário da metnória e do involrmtário do tempo. O que Benjamin propõe é uma relação que atravessa a barreira do tempo. O tempo e o espaço são totalmente convulsionados. Benjamin analisa a tarefa do coleci onador. O colecionador é aquele capaz de arruinar sua vida inteira em busca de um único objeto que está perdido em qualquer espaço. O colecionador possui uma paixão barroca. Rompe com a s intaxe espaço-temporal, porque e le arranca os objetos de sua origem espaço-temporal , do tempo que lhes deu origem, colocando-os em uma sintaxe nova. A história não se faz de forma seqüencial, segundo uma sucessão esperada dos acontecimentos; fazemos a história não com a ordem cartesiana do mundo, e sim cotn a desordem das lembranças.

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tempo, o labirinto da história para Walter Benjamin? Exi s te o labirinto racionalista, cartesiano, como o grego d e Dédalo, o arquiteto construtor. D é dalo con s trói um labirinto onde o Minotauro e s tá colocado e Teseu, auxiliado por Ariadne, ingressa no labirinto e depois retorna o fio e sai do labirinto. É este o labirinto racionalista. Mas o labirinto da memória não é um labirinto de Dédalo , não há algo que construímos e nele colocamos a personagen1 que deve encontrar a saída. Nosso labirinto é um labirinto his tórico, somos nós que, ao caminharmos, construímos um labirinto, porque não há caminhos pre vistos. Deparamo-nos , tanto na nossa história individual como na história coletiva porque Benjamin n ão diferencia história individual e his tória coletiva (cada um de nós se;; a ssemelha mimeticamente ao período hi s tórico em que vive) - com bifurcações , labirinto. O que é o labirinto, o q tie s ão a s bifurcações históricas? Significam que na história nada é índice da boa direção. Na obra d e Binswanger As Três Formas da Existência Malograda, uma de s uas figuras é a Verstiegenheit - a extravagância. O que é a extravagância? É ultrapassar o limite de até onde é possív e l caminhar com s egurança. E o exemplo citado por Binswanger é a peça d e Ibsen: "O Construtor". O construtor era uma pers onagem perita em construções de torres de igrejas e possuía tal âns ia em atingir o céu, que desejava cons truir uma torre tão alta, que chegasse até Deus. Mas o arquiteto s ofria de vertigens, não podia s ubir nas torres que projetava. Um dia, por acaso, passa uma jovem pela qual se apai xona; e la o convence a subir na torre, a torre mais a lta, para aí conversar com Deus. E le sobe e despenca do alto. Quer dizer, "sicb verstiegen" é extra- vagar, é ir al é m do que era possível a uma s ubida segura. O labirinto histórico é dessa nature-

O colecionador é aquele que lida de maneira viva com o passa do, porque d escontextua liza objetos; rompe com sua d e tcnninação espaço-temporal e os aloja e m uma lógica e cm urna s ignificação alegórica próprias. Para B enjamin, além do colecionador, os h eróis d e nossa modernidade são aqueles capazes d e r e lação com o passado e com a tradição. L embren-1os o forasteiro, o viajante. O v iajante é aquele que sai de um a c idade p ara abordar uma outra. D esconhece as leis e a s regras daquele novo lugar; p o d e abordá-lo de maneira inédita, pode dar um sentido novo aos acontecimentos, ao Espaço e ao Tempo. Einbahnstrasse (Rua de Mão Ú nica), d e Walt er B enjamin, é uma de s uas obr as, cuja tradução pode ser também " Contram ão" . É esta ambigüidade que pennite conclusões <liferentcs. Se traduz irmos essa o bra com o título "' Rua d e M ão Ú ni ca .. , isto si gnificará que nossa história - tanto a individual quanto a his tória cole tiva - está determ inada segundo um rumo único e esp erado dos acontecim e ntos. Nesta " Rua d e M ão Única.. o desenlace é fatal. Ou então, ··contramão". Se c amin harmos na contramão da histór ia, procederemos por desvios, por choques, nunca segundo uma linha reta. Em um d e seu s aforis mos, B e njamin escreve: ··aprender a andar em uma cidade é coi s a s impl es; mas, aprender p e rde r-se numa cidade exige toda uma e ducação". A forma d e abor<lar a cidade superficial e racionali sta é uma; a memória s ubterrânea da cidade labiríntica é outra. As obras Rua de Mão Única e Infância Berlinense Por Volta de 1900 são compostas por fragm entos escritos em é pocas divers a s de sua vida e todos eles tratam de pequenos acontecimentos da infância para falar da his tória, do passado: Existe uma his tória, aquela da cidade s uperfic ial, racionalis ta, e uma história s ubterrânea que é labirínti c a . O que seria e sse labirinto da memória, o labirinto do

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:r.a: - cstan1os pcnnancnternentc c nvo lvi<los com a poss ihilidadc d e nos pe;;tdet, de exceder o limit e até ondt:~é po:s::;ível caminhar. porque não te1nos n1ais utn fio de Ariadne que desenrolamos para nos auxi liar. Outra ques tão que interessa a Benjamin na questão da memória é freudiana. Freud , no "Sétimo Livro.. da Interpretação dos Sonhos, diz que o sonho é um enign1a, é fragmentado, presentifica personagen s desconhecidas, uma coisa no lugar de outra, s inais trocados. Mas, progrcssivan1ente, analisando o sonho, F reud mos tra que o sonho possui un1 sentido; o que não possui sentido é a vida. Freud vai dizer que a incoer~ncia não está no sonho, a incoerê ncia está na própria vida. Essa incoe r ê 11<: ia é a impossibilidade total de escolh e rn1os racionaltn e nte a boa dire<y:ão na vida: son1os, en1 larga 1nedida, escolhi d os pelos acontecimentos . É claro que nossas ações não s ão todas inaugurais, que pertencelnos a urna tradição, seja e la fragmenta<la ou semidestruida. Apesar de n1antenT1os utna relação com o passado, não e xiste saber acutnulado para a "praxis ... no sentido da a<y:ão na vida ou na história. Um dos probk1nas do n1arxisn10, segundo o nosso autor, é que o marxismo confundiu "'praxis.. e "poiesis ... A "poiesis" que traduziremos p or "artes poéticas.. , são verdadeiras técnicas, no sentido contemporâneo da palavra. A ' 'poies is .. é uma fabrica<y:ão - possui começo, meio e fim. Mas da "praxis", não se conhecem s eus antecedent es e n ão pode111 ser controlados seus r es ultados. A ss im , a figura emblemática da questão da ação na his tória é Hatnlet, "o príncipe de pensamento es p eculativo ... Para B enjam in, o que Haml e t e nsina é que esse príncipe não nasceu para o pod~r; da ação emerge sempr e o irracional que é incontornável. Não podemos controlar o de:senlace da ação, porque a ação é risco. A ação é um problema metafis ico. É

a grande que stão, a do risco, porque, na ação, consciência e vida nunca coincidetn . A vida vai depressa demais e a consciência chega sempre tarde. O que , pois, é urna revolução? É, simultaneamente, risco, possibilidade de frac~so e esp erança d e êxito. Voltando à questão da hi stória e da tnetnória. Para a visão racionalista, como a de Descartes, a infância - o passado - é um estado patológico de confusão e de e rro. Quando crianças, afirmava Descartes, nossa mente - que era uma folha em branco - começa, pelos ensina111entos dos mes tres, a ser marcada por borrões , de tal maneira que não podemos, quando adultos, discriminar o verdadeiro do fal so. A infância é patologia. A filosofia é, para Descartes, uma luta entre a razão e a memória, a razão através da qual os hotnens ::;e ton1am homens e a memória através da qual os homens pennanecem •. crianças. Para B enjamin, dá-se justamente o contrário: o forasteiro, o velho, a criança, o imigrado, o proletário, o narrador, enfim , todas aque las personagens que estão em processo d e extinção, ou sej a, ctn uma fronte ira - nem recusados, nem aceitos são os únicos capazes de relação com o t.empo, com o passado, com a memória e, assim, só a essas personagens o futuro p ertence. Na tese n 2 IX (in "Sobre o Conceito de Hi stória"), esta questão se esclarece melhor: ..há um quadro de Klee que se intitula: .. Angelus Novus··. R e presenta um anjo que parece querer se afas tar do loca l onde p e rmanece imóvel. Seus o lhos estão estarrecidos, sua boca escancarada, s uas asas despregadas. Tal é o aspecto que deve ter o anjo da história. Tem o tosto voltado para o passado. Onde a nós se apresenta uma cadeia d e acontecimentos, ele só vê uma única e mesma cat.ástrofe que não deixa de acumular ruínas sobre ruínas e as joga a seus pés. Ele gostaria de se deter, de despertar os mortos e reunir os


vencidos, tnas d o paraís o s opra uma te m p estade qu e o ai inge nas a s a s tã o fort e m ente que e le n ão pode mais f e chá- las. E s ta tempestade o e mpurra para o futuro ao qua] e le dá as costas , e nquanto diante d e le se acumulatn, até o céu, as ruínas . E s ta t e m p estade é o que chan1amos o pro gre sso". Para B e njam in, o anj o da his tória está voltado para o passado, não pode v e r o futuro, m as é en1puna do para o futuro, porque uma te rnpcstad e incide s obre a s s uas asas e o itn p e d e de reunir o s v e ncidos e d espertar os m o rtos. El e é o brigado a ir para o futuro e o que e le v ê diante d e le sã o c a tá s tro fes a se acumularcn,. E ssa cat á s trofe nas c e, e 1n larga m e dida, da t e ntativa d e forçar o s a c ontecitnent os a totnare m um d e te n 11inado run10, c on10 s e s ó houv esse um sentido único a ser esp e rado . Para B enj a tnin, a o c ontrá ri o , podetnos r e abrir o te mpo hi s tó ri c o , r e to m ar a o pas s ad o e cont á- lo d e outra mane ira, porque o a lime nto do futuro é o passado. Aquilo que s e cham a ""re volução c ope mi c ana do conh e ciment o" c m B e njamin, s ignifica q ue não é o pre s e nte que gira e m torno do p assado, é o p assado que gira e n1 ton10 do present e; n ã o é o passado que e xpl ic a o present e, é o presente que explica o passa d o, porque este só se dá à le gibilidade no present e . S ó te m os acesso a d e terminados a s p e ctos d o passado em u1n d e t e nninado mom e nto do present e . O passado é labiríntico como a m e mória e nosso labi rinto é um labirinto his tórico , sem fio d e Ariadne. H á um quadro muito significativo que ilus tra esta ques tã o : ''Édipo d e Ingres'', do pintor express ioni s ta contemporâne o Franc is Bac on . Tudo s e pas sa como se Fran c i s Bac on tive sse procedido à r e constituiçã o tal e qual do Édipo clássico, o d e lngres. No Édipo cláss i c o , e le encontra-se diante da E s fing e , apontando com um d e do para ela e , ao mesmo t e mpo, para si mesmo, dando a res pos ta ao enigma: é o homem. Ele e s tá vestido com a

tun1 ca grega, a E s finge, nítida, c oloca o e nigma e, fora da cena, um passant e olha aterroriz ado e foge na dire ção d e cas as, da cidade. Ora, o que h á no .. Édipo" de Francis B a con que se relacione com o de Ingres? Há um Édipo, só que o Édipo de Bacon é um atleta, um esportista, está de c alção, d e c ami s eta. Há uma Esfinge, mas quas e uma s ilhue ta. Édipo apóia o pé em uma p e dra, c omo no quadro de Ingres e um e nigma está sendo colocado. Só que o Édipo de Bacon tem um pé enfaixado. Édipo, e m grego, s ignifica pé inchado. Ora, e le tem o p é enfaixado e no quadro n ã o há mais a representaçã o da c idade do lado fora da paisagem. Por quê? Porque, na vis ão cláss ica, há uma contrapos ição clara entre natureza e cultura. Então, a E sfinge e o e nigma e s tão na natureza, enquanto que no quadro de Franc is Bacon não há mais a cidade, há o Édipo, que é um esporti s ta diante do enigma: e le é Úfn Édipo his tórico e tem o pé enfaixado, cans ado de tanto perambular pelos labirintos da his tória . O enigma não está na natureza , mas na história. Ora, a decifração do enigma é o proble ma da decifração do p assado, dos s inai s anunciadores do futuro; mas só sere mos capaz e s de captar o s acontecim e ntos do pas sado, aque les que nos s ão s ignifica tivos , s e tivermos o dom da profecia . Em um afcris mo de Rua de Mão Única, ''Madame Ariadne, Segundo Páteo à E s que rda", há uma referência ao fio de Ariadne. (O ••segundo páteo à e s querda" é uma crítica à política da Segunda Internacional que, segnndo vários autores , impediu a frent e única operária entre comunis tas e s ociais -democratas na Alemanha, e que levou o s nazi s tas ao poder via frio, pelo voto). Neste aforis mo lê - se: "quem que r que in terrogue o s videntes para s abe r o futuro dá, s em o s aber, uma indicação intima sobre aquilo que vai acontecer, que é mil vez es mais preciso de tudo que lhe

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é dado ouvir lá. É c onduzido mais pela inércia do que pela curiosidade e nada se assemelha tne;;nos a este homcn1 do que aquele que com uma mão corajosa pressente o p e rigo e dctcnnina o futuro, porque a pre;;scnça de espirito é como que a quintessênda <lo futuro. Perceber exatamente o que ac;ontccc no instante mestno, é mais deci s ivo do que saber previamente o futuro mais dis tante. Presságios, pressen tim entos, s inais atravessam, com efei to, dia e noite, nosso organi s mo como choque d e o ndas. Interpretá- los, ou melhor, colocá- los à prova, tal é a questão". O que B e njamin está dize;;ndo? Consultar o s vi<lentes é esperar que a profecia se concrcti:.,,e no futuro, e nos decepcionamos porque ela não se cumpre, porque somos incapa./.cs de reconhecer que os s inais anunciadores do futuro já estão no presente. É preci s o ..presença de espíri to'', é pre;;ciso s aber captar O!; s inais do futuro no prnsente. Esse saber não é da ordem da con s ciência cartesiana atenta e vigilante. mas outro tipo de saber. B e njatnin trabalha com o conceito de agoridade, con<.:eito que se aproxima da noção maqui avelina de fortuna. O que é a fortuna e a .. virtu", con10 na obra O Príncipe'! A fortuna é o que nos acontece sem que tenhamos es<.:olhido. E a .. virtu" é essa capacidade de transronnar um possível infortúnio em um presságio favorável. Um exemplo que nos dá Benjamin em "'Madame Ariadne, Segundo Pát co à esquerda .. , é a história d e Cipião, o Africano. Cipião, depois de longa travessia, tem utn exército prestes ao tnolim. Estava pralican1 e nt e derrotado, quando chega a Cartago. O exército d esetnbarca, co]ocase em posição, Cipião desce. Neste motn e nto, quando todos desembarcam, Cipião tropeça e vai de rosto ao chão. No momento da qued~ que poderia ter sido um desastr e para a história romana, que diz Cipião? ··Tenho a ti, ó terra africana!"' A ssim, conquista Cartago. Este é um exemplo da ..presença d e

espírito... O futuro não está di stante, está no presente ~ é preci so um tipo de rac ionalidade que nos tome aptos a mgressar nos sinais do presente. Em outro ensaio, .. D estino e carát e r .. , Benjamin se interroga sobre a fatalidade: "'ninguém escapa a seu des tino". O que isto s ignifica? Significa que ninguém escapa ao real e o real é o acaso. «Ninguém escapa a seu destino"' significa que ninguém escapa ao acaso. Saber lidar com os ac;asos pode trans f onnar um infortúnio e rn um destino favorável. Sobre isso Benjamin d iz: ·~a felicidade das próximas 24 h oras depende da tnancira com a qual saibamos tomá-la no momento do despertar... Qual a relação dessas questões com a tradição, a memória e o passado? Para Benjamin, toda relação com passado, com a tradição é uma invenção, invenção permanen te. Por que a moda é repetitiva? A moda tem relação com as coisas morta~. A moda não aceita a morte de nada, a moda se repete, ela reton1a, um pouco é o retorno d o mesmo, porque vive dessa impossibi lidadc de aceitar perdas. O contrário da repetição e da moda é o momento do despertar. Quando, por exemplo, acordamos, a côtnoda não está no lugar certo, não sab emos onde é a porta d e s aída do quarto, não sabcn"los exatamente onde está a janela. Este momento é o momento de uma .. desordem produti va .. , cm que podemos dar qualquer sentido à s coisas, podemos lhes dar um sentido iné dito. Benjamin diz que em um mundo sem ''princípio d e razão s uficiente" , sem fio de Ariadne, em um mundo labiríntico, a existência é labiríntica e é preciso que uma raciona1idade se construa, capaz d e reconciliar Eros, Cronos e Logos: Eros, o amor, Cronos, o tempo e Logos, que é a racionalidade da exati dão, do controle, da medida. Não se trata de excluir nenhum dos aspectos da razão. Nossa cu)lura vive uma hipertrofia dessa racionalidade a que se

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paixões que nos estavam destinadas, mas nós, os senh ores, não estáva1nos em casa... Não temos mais tempo para viver os dramas que nos estavam destinados . É isso que faz envelhecer. O verdadeiro envelhecimento é a impossibilidade de viver nossa d estinação. Qual a tragédia modema? Não é a de Édipo R e i, é a do "Édipo em Colona", diz Benjamin. Por que não é a de Édipo Rei? Na tragédia de Édipo rei há ..predição .. , o fi lho pode v ir a matar o pai. Foi feita a predição e a predição dizia: ""esse filho não pode v i ver , essa criança não pode viver, porque está d estinada a matar o pai, casar-se com a mãe e será uma catástrofe para a c idade, pestes hão de se abater sobre a cidade". Para evitar que este destino funesto se cumprisse, Édipo é abandonado e aí o destino se cumpre. Mais tarde, · c a sado com Jocasta, tem duas filhas: lsmênia e Antígona, e dois filhos: Polinice e Eteócles. Depois de todà · a tragédia, quando o enigma se r esolve, É dipo fura os próprios olhos. Cego e velho, d esloca-se para Colona com as duas filhas . Ora, a v erdadeira tragédia de Édipo não é Édipo Rei, porque e m Édipo Rei coisas vão acontecer, há pre dições, uma v ida previ s ta - e le age. Édipo vai e m bus ca daque les que podem saber o segredo, age corno u1n d etetive, bus cando as razões da peste que se abate sobre Tebas. Quanto à tragédia mod e rna, ela é Édipo e m Colona, porque para ele nada mais está previsto; a tragédia moderna é a perda da d estinação. Figuras como o narrador, o velho, o fo rasteiro, a criança, s ão os únicos tnemoriosos. O velho e a criança são o s memoriosos. O velho, porque viveu muito, tem as histórias acumuladas, te m a vida experienciada. O velho tem a experiência, não a vivência, porque a vivência só l embra o quando e o onde de um acontecimento, mas não o sentimento que acompanhou o acontecimento. O velho não lembra o onde, mas o conjunto de

chan,a d e instrunu~ntal, de dominação e controle da natureza. Esta racionalidad e culn1ina em catástrofes, nas guerras mundiais, nos genocídios. Adon,o, conten1porâ.neo d e B e njamin, escreveu: ··não h á n e nhuma linha r eta que nos conduza da b arbárie à civiliz ação, m as há uma linha reta <lo estilingue à bomba de megatons··. Por quê? Porque a v ocação d essa racionalidade d e dominação r edunda na catástrofe. No momento justatnente que nós podería1nos ter o par aíso terrestre, é justamente por uma p erversão inte1na à própria razão que o desenlace é a d estruição planetária. A técnica toma a memória :-;upérflua, e la é apologia d o progresso, inimiga da tradição. E la destrói o " narrador". A personag e m do narra d or é, hoje, central. Não é mais possível contar histórias . Por que está e m extinção a figura d o narrador, d o contador de histórias, d o velho contador de histórias? Porque o velho é a memória do grupo, é a me1nória coletiva, mas a trans missão da tradição d e geração a geração p assa por unia renovação, p orque essa narrativa não é a d o mito . O mito é o que se repete de maneira estáti ca e . . . s 1ncron1 ca. Quando h avia o narrador, havia tempo d e t ecer coletivamente his tór ias. Há duas p erson agens que pode m contar hi st órias: o camponês - aquele que está vinculado a um ponto d o espaço e d e l e não sai, sendo a m e tnória coletiva e o antídoto a tudo aquilo que quer se fazer passar por m e lho r , quando na verdade é regressivo. Outra personagem que pode contar histórias - e também está e m extinção - é o marinheiro, aquele que não pára em luga r n e nhum . Hoje não há mais tempo d e contar ou viver estórias. Não há mais t e mpo para vivermos as grandes pai xões que nos estavam des tinadas. Quando Benjamin faz a análi se das rugas, em um ensaio s obre Prous t, analisa as rugas e os s ulc o s de nosso rosto: ••as rugas e os sulcos d e noss o rosto são as assinaturas das grandes

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c iê nci a real das s uas con di çóes de existên c ia , conhece ria a s ua pr ó pria autodissolução, por ser uma dasse hi s tóri ca e, com o tudo que é hi s tórico, ver-seia no efêmero, passageiro, m o rt a l. A burgues ia, para Marx, não pode c onceber s ua auto-d estr u ição, e la tem uma consciência fal s a . P ara Benjamin, o proletariado n ão relira s u a poesi a do futuro, como em Marx. R eti r a a s u a poes ia do passado, das melhores e n erg ia s de luta, das revoluções que foram revoluções traída!> e é preciso re- interrogar o passado e nos p e rguntarmos porque a s revoluções que estavam d estinadas à emancipação e à f e1icidade dos homerns se conve rte ram e m n o vas f on11as d e opressão. Quando B e njamin diz que " n ão há n e nhum d ocu1nento d e c ultura que não seja também um d ocum e nto d e barbá ri e .. , é porque os doc umentos culturais não nasceram apenas d os esforço s dos grandes gênios que os criaram, nrns ao mesn1 0 tempo da anô nirna corvéia itnposta aos contemporâneos desses gênios. Exis te um exced ent e d e sentido do p a ssado que não chegou a se reali zar e é co111 esse exced e nt e de sentido , com fragn, c ntos, com os detritos, com o .. lixo da história'· que o r evolucionário faz a his tó ria . É como a criança: objetos abandonados pelos adultos e que vão para o lixo como inútei s, são r eaproveit_ados p e la cri ança que faz his tória, a partir do ''lixo da hi s tó ria ... Tudo aquilo que é inútil é s igni ficati vo. É preciso reconhecer nesse passad o o que e l e teve d e s ignifi cado, d e irrea liz ado, para cumprir as protnessas d o futuro. No iní cio da Dialética do llu1ninismo, Ado rno e Horkhe imer di zem que " não se trata de repetir o passado, mas d e re ali zar s uas esp e ranças .. -

scnt in11.!nto:-. qU<: o a<.:01npanhant1n para contar h oje a histó r ia de outra maneira, p a ra renová-la . Quanto à criança, n ão tem tnemória , não tctn história, não tem r ecordação. A criança , s e nós lhe apresentarmos o brinqued o nrnb n1od erno e un1 obj e to o m ais remoto, o lha r á a ambos con10 absoluta111ente novos. Para a c rian ça, o ar<.:ai<.:o e o 111oden10 conincidem , p ara e la tudo <.~ novo, tudo é visto p e la pritncira vez. Se soubenT1os reaver as coisas e tn seu sen tido inéd ito, a quele que n os f oi O(.;ult ado pel a história ofidal celebrativa ou p ela história ra<.:ional ista dos objetos, teremos a história. A h istó ria oficial é o tn undo das fant asmagorias, 6 a forma que a ideologia toma h oje. O que é a ideologia? A id eologia é uma defon11ação no conhe<.:i mento d e nossas condições de existência que n os faz conviver duradourament e com fantasn1agorias. N ão sabemos mai s di sce1,1ir natureza e a rtifício, r ea l e im aginário, porque se trata justamente de um esquec imento produzido, r1ecessariamellte pro duzido. Então, figuras de fron teira são a s únicas capazes d e abordar o 111 undo d e n1aneira nova: a <.:riança, o v elho, o emigrado. Quando Benj a min fala de proletariado, c k in vert(.; a pro p o~ta de M a r x. Marx di zia que a ú n ica classe capaz d e r evolução , d e trans formação social é o proletariado, p orque re tira a s ua p oesia do futuro, enquant o a classe dominante vive da repetição do passad o. P o r quê? P orque a con s c i ê n cia d e c lasse da burguesia é uma consciência falsa , e la tem um limite. Enquant o o proletariado te m uma falsa consciência, p o rtanto uma con sciência destinada a se r esolve i· na dimensão da verdade, a burguesia tem uma con s ciência limitada, p orque se t ivesse uma con s-

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FINITUDEE RENASCIMENTO EM CADA GERAÇÃO

I:-,;TRODUÇÃO

Experiências do finito são experiências do que passa, experiências de um lim.ite, de uma situação, unia condição, experiência de nzortes, exp eriências que atravessa111 a criança, o jove11z, o adulto, o velho.

JOSÉ MOURA GONÇALVES FILHO Psicólogo Social - USP

i11ilu<.k e re na sciment o e 1n c:ada gera ção". O k111a, assirn <lcfi11i<lo, c:ancg-a core.::,; l'i lt):,;ól'ic.:as. Mani Cesta algun1a insp iração c.:x is tcnc.:i a li s ta, _já que desperta at<.:nçào para 110s:-,u arraigan1cnto no tnundo e, ao n1csn10 tempo, para nossa lihcrdadc. Ent rctanto, o terna foi proposto não a un-1 fi lósoro <lc profissão, mas a um psicólogo. Que f',u.er'! S<.:rá preciso reconhecer que as experi ências de.: "finitudc" e ··n.:m ascin1cnto" pesatn na infât1<.:ia, pc.:san 1 n a a<loles<.:L:ncia, p csatn no adulto <::: no vd li o . Então, interrogaçôçs propriatn e nte p s icok,gic:.:as p od<.:tn tal vez apan.:ccr. A inda nos fo i pedido que cscrcvêssernos espc<.:ialn1cntc: para os velhos ou para os quc cunvivçtn ou trabalhan1 <.:orn e les . Que este text o s irva, a ssitn , ao tn enos para c ntus ias tnar nos seu:-, kit ores outros pensan1entos tnais <.:erteiros.

RENASCIMENTO R <.:nasc..:i n 1<.:nto: r<.:lor110? O ato J <.: renascer, crn s<.:nl iJo ~.: s l ritamente p s ic..:ul ógi<.:o, 0 o ato p<.:lo qual o indi vid u o ad<.Juir<.: outro in1puls(), outra vida, sem in1pli<.:ar a r <.;p e tição do que já passou. "' A c..:riança renasc<.:u e1n D . Ri solda, aquela s<.:nhora <lc 79 an o s! .. Que qucrc1nos Jizer, quando dizc1nos que utna criança r<.:nasceu ç Jn D. Risolc ta '?

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D. Ri so l<.:ta p e rdeu aquda <.:a ptação do tnuu<lo, p1·ó pria dos p e que nos : "a c.:riança r e nas c.:eu n e la" n ão s ignif'ic.:a qu e a fez voltar ao ta111anh o <lc unia c.:riança. N em signi rica que sua p e r<.:e p<y:ào, s ua imaginação, s u a rantasi..i e se u pens arnento tornaratn-se <.:01110 e r a111 s ua p e rce pção, sua in1aginação, sua fanta s ia e seu pens ament o durante sua inrâ ncia. Há <li l\::n.::rn.;a s cnt r<.: a situação p s i<.:ológica da infânc ia e a s it 11ação p s i<.:ológi<.:a da velhic.:e. ("'º) A atenção da <.:rianc.,.:a <.:ostu1na se fixar nos mi I a c ide nt es da paisage111, sua curiosidade ins a<:iáv e l <..: a traída p elos fenôm e nos estranhos ou v io lent os da natureza : u1na te n1pestadc, os anitnai s, as planta::-; in só li ta s . O adul to nwitas ve:r.es passa rapida rne nt e p o r estes a<.:onte1.:in1cntos e d e t<..: mse, d e pre fe n: 11c ia, nos quadros hutnanos, nos <.:ostum cs, in s tituiç C,cs soeiai s que, por s u a vcz, pod<.:m p u u<.:<.> diz.er à ex periência infant il. A atenç ão do adulto n1 ovc-sc nu111a direção critica e çu Jt ural. Pa ra a criança, o que dis tingue un, s oldado d e um monge é a ro upa , o unifonne que todos vêe111; o que d is tingue un 1 ceran1i s ta d e un1 rnokíro é a n1atéria pri111 a <.:<. Hll que trabalhatn e que os idcn tí fica. Como se fossem espécies d e fi nidas, da 111esma o rden1 que a.-; es p éc ies animais. A criança admitiria. d e b0111 grado, que já se nasce s oldado, openirio ()LI profc ssor , con10 se 11as<.:c loht), ovelha. A ro upa, os t1·aços l"isicus faz e m parte da p essoa e bastam para <le tc:: rmin á- la. A criança acredita ciu e lhe bastaria p o rtar as an11as e as h o tas de u111 <.:açador ou o <.:asquctc dc um ofi<.:ial da Marinha para s e id<.: n t i ficar con1 un1 ou <.:<.HTl outro e p ossu i r as qualidades maravilhosas que e 1np1·csta a cada un1. O a dulto, a o contrári o , pode n ão fkar preso aos traços pitores cos das aparê n<.:ias : observa <.:0111portan1ent os, atina <.:0111 n1otivos int e rnos, exatnina ali que p on t o as pessoas se <.:onfundem <.:0111 s ua <.:alegori a s o<.:ial, não deixa d e estranhar

ou <.:rit i<.:ar o <.:arátcr atrofiado e m c c.:anizado de <.:ertas s ituações e tipos humanos . E m <.:ontra partida, é not ável qut: na infún<.:ia não havia ainda o constrangimento <los papé is sociai s : o di á logo com os s eres era abe rto, a p e r cepç ão e ra utna aventura - ·•co1no un1 anin,al descuidado, brincávamos f ora da jaula do est e reótipo", diz Ecléa Bos i. (*) A s sensações I1asccntes do n"lundo, as sensações d os m e ninos e m e ninas são inebriantes. N o adu lto, quanto mais e mpenhado na vida prática, tanto 1nais aguda é a di s tinção que faz entre a imaginação e a exp e ri ê ncia do inundo, e tanto mai s a s t:xp e ri ê n<.:ias buscan1 e nraigar a s imaginações. A ssi1n que não se v i ve duas v ezes a mesrna infância. A criança que fon1 os é <life1·ent<.: da criança que pode r e nascer em n ós. O c.:onjw,to d e nossas idéias a tuais, cspecialmentc s obre a vida social, imped e - nos d e r e<.:u p e rar e xata1nente as in1 prcssões e os sentim e ntos cxperitnc ntados p e la pri1neira vez . •. E, no e ntanto, ainda é possíve l di zer: "a cría111,.:a n ;nas1.:eu e tn D . Risolet.a, aquela senhora d e 79 anos !". Não a c riança que e la foi, n c n 1 tan1bé 111 un1a criança que e la nunca foi, in ventada do nada. Mas renasceu n e la a cria nça que e la foi , ten1pe rada p e lo pri sma d e um espírit o velho. Esperan1os qu e volle1n con1 toda a s ua força e cor c:lqueles p e rtn enor es e poderes da cri a nça, d e tal n1an eira que possamos sentir as mes1nas cn1oções que acompanharam o nosso prin, c iro en<.:ontro co1n o inundo. Espcra1nos r eviv e r , repetir, r e tornar. Entrctan t (1, agora reparan1os e m certos a 1nbi c ntcs , <.:ertas palavras, <.:ertos ges tos e rorn1as que n os tinhatn cs<.:apado . E tamb é m aqui lo que nos tinha impressionado e co111ovido p ode p erder muito <lo seu poder s ugesti vo, des p ojando-se da aura ou d o prestígio que o rodeavatn. Neste sentido, r enas1.:cu uma c riança ern nós e veio dialogar <.:0111 nossa velhice, transforn1andonos numa velha criança .

t)

(*) Obra citada

Todo este parágrafo contém citações de Maurice Halbwachs e E.e/éa Bosi, encontradas no livro "Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos •, São Paulo. T. A. Queiroz, 1979, pags.19-22.

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FlNITUDE

dos e incondicionais. O fraca sso d0 um proj 0 to, de un1a iniciativa, de um ca1ninho. ~o invés d e. assinalar d ebilida d e, deveria antes çonf1nnar nosso n,odo cnc an1ado de ser-no-mundo. To1nar part e no rnundo, se não itnplica desligar-se do n1un<lo, tatnbé m não implica nele en tetTar-sc:;, mas residir nel e, habitá-lo. O hornem é, ao n1 es1no ten,po, s ua s ituação e suas escolh as. Consideremos (*), por exe1nplo, a s ituação de um escu ltor c:;m sua ofi cina: cin:,,.c l e fonnào nas n1ãos, cortando, chanfrando e polinJo a p e dra. Quem é o sujeito da obra que se vai realizar? Seria o escu lt or? A p e dra? O c:;scult.or não está diant e da pedra como diant e d e matéria inert e, inteiram~nle di s ponível para a imagina<_:ão do artista. A pedra não é pass ividade pura ante a vontade in1periosa do escu ltor. A mal.cria reage. Quando o escultor atinge a p e dra. esp1.:rando mna ondulação, a pedra p<.H.k:. decepcioná-lo com utna linha angulosa ou cotn uma rachadura. O artista deverá ouv ir a pedra, auscul tá- la com o a u n1a pessoa. A dura presença da p e dra não chc:;ga, todavia, a csn1agar o escultor, guiando rigidam e nt e os seus gestos. A escul tora será o resu ltadocn, que se empenhou, ao tn csmo tetnpo, o homem e a matéria. O s ujeito da obra não está perfeitamente do lado do escultor nem tatnpouco d o lado da p e dra, m as está entre e les. O escultor é infonnado p ela pedra e a pedra é ani1nada pdo escultor. A escultura será o resu ltado dos encontros e desencontros en tre o escultor e a pedra. O escult or t ransfonna a pedra, mas apen as na tnedi da c m que se d e ixa atrair pelas necessidades d a n1atéria: o esc ultor faz seus os limites da pedra. A p e <lra fala ao escu lt o r e através de 1nuitas vo/.es. A n1atéria não é unívoca ' n ão é homogênea. O esculto r alcança sua porosidade, 1nas também esbaJTa e m seus trechos compactos e fechados . Exp e ri-

,. . Finit ude é a 4uali<la<-k de tudo que é J_1111lo, <:k·_tu<lo que tem um rirn, tudo qu e e lrans1tono, passageiro, tudo o que se cotnpkta e é exauri\·cl, esgota-s<.;. Finito é o que tc111 cot 1tot11(.)s, uni certo acabarnento, o finito é o que tcrn limit es. É o que é parte no mundo, o finito é o que existe. é utn ser-.ctn-_situa_çào, u111 ser si tuad<.): aquilo que e 110 111tcnor de cond ições dctenni nadas, aqui lo que age 11 0 interior de c<.m diç õcs detcnninadas; aqu il o que é part e no lllUIKl<.) e torna partt: IH: lc. A inrân<:ia é finita , a velhice é rinita , a vida é finita e seu limit <.: é a mort<.:. Expcriêcias do fi r1it1) são experiê:ncia s do que passa , ex p eriências de um lirnit~: de_ uma :--ituaçào, uma <.:on<liçào, expenenc1a <lc mortes . Expcri0ncias quc atravessan1 a criança , o _joven1 , o adulto e o velho. Nns:-.a dispt)siçáo para a l"initudc não costuma s<.:r <.:spontân<.:a. Na verdade é possível at...:· consic.k:rar, 1:otn a P sican.ili se~ <:'u...- _s <.)t11os 111 o vidos po1· fon;as que <,ng1nana11H; nt1..· suspcndcn1 nossa relação com o rinito, co1n o limitaJo e razen1 buscar ::,.ati::,.façõcs ilintitadas e i111cdiatas, sem que s~ja 11eccssá rio o di~-ilogo gradual con1 as ~<?Is a s, com os outros; sen1 que seja n<.:ccs::-:.at10 - para alcan<_:ar nossos alvos sofr~r ~) p eso <lc um obstáculo, daquilo 4ue 1nd1ca a presença do tnw,do c recla111a nossa atenção. Os existencia listas 1·cconhcccrn no caráter Cinito do hon1c111 ~) indicador de 11osso 111odo de ser n o mundo. T odo projeto de- tnundo que un1 indiví<lu<.) possa :-.ustcntar· .iá está n1arca<lo pelo 1nundo 111<..:sn_10•. atraído e banhado p e lo inundo q~1 e l11n1ta tH)S:-.os poderes, põe <.:tll s it uaçao nossos pro_jetos. Noss a liberdade se 1c· xerce no finito, n ão liberdade desl i gada, S<.)brcvoantt:, indir<.:rcnt<.: à carga do inun do - a gravidade do mundo é o rneio de nossa leve l iherdack. O s podere s hun1anos não s ão ili mi la-

Simone Well, "Desapego·• e "Contradição". no livro A Gravidade e a Graça. São Paulo, ECE, 1986. Umbeno Eco. "A Estética da Formatividade '·, no livro A Definição da Arte, São Paulo, Martins Fontes, 1986.

(') Os pensamentos que se seguem sobre "o eswltor e a pedra • estão baseados nos seguintes textos: Alfredo Bosi. "Fenomenologia do Olhar", no /Jvro O Olhar, São Paulo, Companhia das Letras, 1988.

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T a m.b é m não é se u in1pe rado 1-. Sua liberdade o n s is tc n esta dupla r ec u s a: n .::cu s a ser d o minado e r ecu s a dotnin a r. O e s cult o r rrcqüe nta s ua fin itudc e a t'initu<le d a p e dra. A o final , na obra c on c luída, r cconhecc1nos un1 humcn1 apanhado p e la p e dra ,( 1) rec onhecemos a pedra v is itada p o r um hom e tn: será, e n tão, indifere nte dize r que a o bra é a ..matéria hutnani/.ada"' ou é o ..homen1 materiali z ado"'. E a o bra també m é finita. A tarefa d e um escult or n ão é bru tal , n1ccâni c a e veloz, como a s tarefas que a fábrica im p õe ao operário, Nas linhas de m o ntagcn1 encontran1os o trabalhador comprirnido pelas orde n s, pelo ritmo acelerado das m áquinas, p e la 111onó tona cad ê ncia de cinco ou s e is operações bes tiai s e repet itivas, s etn pode r p e n s ar e s entir o que fa:,,.. A condição o p e rária d estró i a libe rda<lc , i n1po ndo tare fa s fe c hada s , s in1plit'i c adas, ta re fas duras , s em aberturas. A humilhação c ons is te ni sso: numa . d e gradação, c m. que a capacidade de nos des locarmos na finitud e d i minui dras tican1 ent<.:, e n c ol h e ndo o e s pírit o , endurc<.:cndo o s g estos. S imone Weil , (*) uma pens a d ora rra11cesa 4u e c m 193 4 ton1ou-se fres a d ora na Renault ( uma rábrica de auto móveis), regi s t r<.>u um epi sódio a111argo e n1 s eu .. Diári o d e Fábr ica"". Numa terça ou qu inta-feira, de manhã, ano ta: "Sa indo d o dent is ta e s ubindo no ônibus, re açã o e s tranha. C o n1 0 cu , a escrava, posso entr ar nes te ú nibus, usá- lo graças a m e u s doze ce n t av os, <.:01110 qualquer um '! Que fa v or e xtraordinári o ! Se m e obr i ga ss em b rutam e nte a d escer dele, di z endo que m e ios d e locomoção tão c ótnodos não s ão para n1i1n , que e u s ó d e v o andar a p é, acho que a té n1 c par eceria natur al. A e s cra v id ã o m e fe z p e rde r to taltnente o s e ntim ento de te r d ir e i tos. P arece- tne um fav o r ter mon1cntos cn1 que não p reciso agüe ntar a brutalidade humana". Nesta e xperiência, vejam q u e o s en t i111 e nto d e dignidade está que brado, desfeit o . Deix o udc s cr cspont.âne o. É p r eci s o

n1e11ta :-,u a <.:o esüo.. 111a :-, t.A111h1..: ,n en contra seu s p o ntos qw.:hra<li <,:os. O e s cult o r prc ci:-,a c 11 t'rc11lar c vence r a angüs tia <la pressa . Pre <.: i:-,a m o rar na p e dra , d e rnora r-sc ao se u lado. Enquan t o é s urpn.· c n<li<lo p e las n:sp t)S la:-, <la p e d r a , faz paus a s, ruminando d<.:t a lhes imprev is tos . D es<.:ansa. C ont e mpla . Mira e admira. Aos poucos. s ua pcrc<.:p <,: ã o da mat é ria tonrn -se va ri a da e minuc it)Sa. O c onhe<.:i m e nto que o e s cult o r te m da pedra é contradit ó ri o . Conlra<lit ó ri o, n ã o por tra tar-se d e u111 c on h c<.: in1ent o <:ont'us o, tnas p or tratar-se d e un1 conh1..·<.: i 1111..:nto 111at izado que acompanh o u a hi s tória da o bra. Quanto mai s o espírito pro va a <." Oll tracliçào n o obj e to, mai s c resce n e le o sentim e nt o <la r ea l ida d e d o o bje to. O escultor agua rda l(mgatnc ntc a fes tiva apari ção <lc u1na l'o nna que a p e d ra está pres tes a a:-,sumir: e le e s pera a obra . A o 1ne s n1 0 tc 111 po. v ai ao se u encalço, com o qu e :-,c gue pi st a s. rast 1·os, p e gad a s . O e sc ult o r rc<.:ua di a nte <lo o bjeto qu e p e rsegue. O press1..·11timc nt o da obra va i se ton1ando cada ve /. mai s :--ó lido. G radualn1c:nt e, o ç s 1.:ult o r :-,e se nt e ligado à pedra , aos seu s ins t runH.:nt os, an s eu corpo, à s ua o fi c ina, 1.:111 prot'undo c ompanhciri s m u. O s objet o:-- s ã o s cus amigos . A mi/.a<l c tens a , f'cita d e a proxim a c,: ô c s e rcc.:u os, tna:-. c h a 1na-sc anli/,a<le . O e s cult o r n ã o se apropria da p e dra, co1110 de u11rn c o isa ore r cc ida ao seu c o mando. S ó a p ossui se houve r desapego 1.:111 s uas 111 ã o s .. c n1 s eu olhar . (Certa vc/., unia ami ga nH.: contou que s eu f"ilhinh () <lc três anos ha v ia feito a primeira e xpe ri ê nc ia do s agra d o: ela n1011tav a un1a árv ore d e n a tal , c 114ua 11to o filh o tudo o b s e r vav a atcntai11 c 11te . A n1àc e spa lhou 111inús c ul a s lâmpada:-, bran cas p<.:la árvor1:. A<.:e n<lcu. A á r vore brilh o u com o se o brilho v i<.:sse de d e ntro. O roslo da crian<,:a se ilutnino u e o tn c nino to n1o u dis tâ ncia, enc an t ado. Foi , então , se aproximando devagar, h e s i tando, este nde ndo a mãozinha co1110 se qui s esse to <.:at· a luz ) . O escult o r 11ã o é s ú<lito da pedra.

(' ) A Condição Operar,a e Outros Estudos Sobre a Optessâo, Rto de Janeiro, Paz e Terra. 1979.

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urn csl'orçu de alençào para conservá- lo. Nun1a situa\·ào <lc opressão co11linua, a subnlissão (· que se lonia e:-.pon túnca, t or11a- sc auton1ática. Si,110111: Wcil co11ta lcr vislu, certa vez, n1ulheres çspcrandu dez 1ni11utos debajxo de un1a chuva torrencial, ao lado de uma porta aberta, pela qual passavan1 os chefes. Elas só entraram quando deu o sinal. Era a porta <lc uma fábrica. As rnulhcres cratn opérárias. Aquela porta era mais estranha para e las <lo que a de qualqu e r casa dcsconhcc:ida, onde e ntrariatn com natu1·a lidade para se abrigare m. A fábrica é, para o operário, un1 len1brete permanente de que n ão est á en1 casa. Nenhu1na int in1idadc liga os operários aos lugares e aos objetos entre os quais sua v ida se:: esgota; a fábrica faz deles estnmgci1·ns e tn sua pn:)pria terra. A fábri<.:a é opaca, in1pertneável. Espre1nc. Esprem ido na l"initude é o hurnilhado, o <.;:-,cravo, o opcnírio. É() hon1en1 , quando impc<li<lo de partidpar nas conversas, na vida de f"an1ilia , no trabalho, 11a vi d a <la cidack. Em 1936, Simone Weil testemunhou un1a greve d e 111<::·talt'irgi<:os na rtgiã<.) parisiense e c..::-.crevcu: "depois de ler vivido sen1prc <lobrado, agucntando tudo en1 silênc..:io durante tr1eses e anos, ousou, rinahncnte, levantar-se. Fic..:ar de p0. Chegou a vez d e falar, de sen tir-se hon1ctn, durante alguns dias. h1<lc pend<.:;nle1nente das rci vindic..:açõcs, esta greve ç em si n1es1na urna alegria. Sitn , utna akgria". E cx plka: A alegria de e ntrar na fabrica com autorização sorriden te de um operário qu e vigiava a porta. Alcgria d e encontrar palavras de acolhimento. Alegria de ouvir, em vçz do barulho impiedoso das 1náquinas, música, cantos e r isos! Passea r e ntre tnáquinas ca ladas, que não . cortan1 n1ais dedos . Alegria de ver os chefes lon1ando-sc fatniliares, por força, a pertando mãos, renw1ciando cornpletatnente a dar ordens, esp e rando a s ua v1,;z para apanhar o cartão de saída que o comitê d e greve distribuía.

Ninguém é ruim. É c laro que a gente gosta de tn ostrar aos ehç(es que eles não são os mais fortes. Chegou a vez deles. Isso faz ben1. Mas a gente não é ci-uel. Estan10:-, n1uito conten tes. Alegria de;; dizer o que está no coração para os outros, ne!->ses lugares cn1 que dois operários podiam trabalhar meses seguidos, lado a lado, sem que nenhum soubesse o que o vizinho pensava. Alegria de, entre n1áquinas, viver no ritmo dos movimentos naturais, no ril1no das batidas do cor ação e da res piração e não na cadência impos ta pelo <:ronornelrisla. A alegda d e p ercorrer as seçôes, enfim possuindo em pensamento o conjunto da fábrica e com orgulho novo 111ostrá- lo aos familiares, explicando-lhes onde está o seu trabalho. P e la prim eira vez e para sempre, rinaln1en le haverá en1 torno d estas máquinas p esadas outras le mbranças flutuando, e n ão as da opressão. Len1branças que põçm u1n pouco de orgulho no coração, que deixarão um pouco de calor hun1ano e111 cima d e todo esse metal , . Na greve d e 1936, as rei vindicações ti vcram menos peso do que a necessidade de se sentir, ao menos unia vez, e1n casa, d entro das fábricas. E Simone Weil adverte: os operários só se sen tirão e m seu país, membros responsáveis p e lo país, quando se sentirem en1 casa, na fábrica, e nquanto trabalham. A vida social está corro1npi<la até a medula no mundo em que os operários se sentem en1 casa, quando fazctn greve, e estranhos, quando trabalham. O certo seria o contrário. No pensamento d e Simone Weil (*) cornparece a noção de FORÇA: ti-ata-se de wn itnpulso ao 1nesmo tempo mat.edal, p s íquico, moral e político. A força é o que curva aqueles sobre quem é aplicada: os vencidos. A força é o que arrasta e d eixa obsecados aqueles que imaginatn possuí- la: os vencedores. O vencido é só passividade . O vencedor é só atividade. O vence dor é causa d e infelicidade para o vencido. O vencido é causa de infelicidade para o vencedor.

(') "A Ilíada ou o Poema da Força ", no livro A Condição Operária e Outros Estudos Sobre a Opressão.

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Irmãos na n1es111a 1niséria. O domínio da força é comparável ao donlinio da natureza. ltnagine-se um hon1e1n ant e toneladas de água que, nutn maretnoto, carninharn ccgarnente etn sua direção. O domínio da força é assirn tambétn: incessante, duro, frio, esmagador. Ante a s águas volUJnosas de u1n maremoto, fi ca alí o homem , sú, <les possuído de sua vida interior - nenhun1 gesto, ncnl1uma palavra que possan1 agir sobre a s ituação, que se impõe feito um destino surdo. Como urna am1a dirigida cont ra alguém: a p essoa se tonrn ninguétH a nt es tncsmo de ser ferida. , O s seres hun1anos, diz Si1none Weil, ten1 apenas por sua presença urn poder: o d e d eter, o d e n1odi ficar nossos 1novin1entos. Numa rua, nós não no::; <lesvian1os de um poste, da 1nesn1a n1ancira que nos desv1an1os de un1 transeunte - d e un1 outro hon1ern. Ninguén.1, ern seu quarto, anda, sente, levanta da n1esn1a n1aneira que quando tem un1a v is ita. Mas esta influência da presença humana n ão é exercida pelo vencido: os outros se movetn con10 senãoestivessealí e e le, por sua vez, itnita n~o estar ali. Nos hu111ilhados, a situação nao parece aberta para algo que venha deles própri os. . Não há um só homem que não seja obrigado, e n1 algu1n mo1nento, a curvarse sob a força en1 algu1na d e suas mo<lalidades. O forte nw1ca é totalme nte forte, n en1 o fraco tolaln1 ent<:! fraco, 1nas an1bos o_ignor~un. Não se julgam da mesma espécie. O fraco não se considera sen1clhant e ao forte nem é visto co1no tal. O s vencedores agen1 c otno s0 o meio não lhes oferecesse nenhu1na resist0ncia, con10 se nada na n 1atéria huniana, ao seu redor, fosse <le natureza a suscitar e ntre seu ~ impulsos e seus atos, algun1a pausa, u~ interval o onde vêm se ahrigar a atençao e o pensam e nto. A força inebri a os que j ul garn poss u í-1 a: não c onsiderarn s ua próJ?ria força urna quantidade limitada; a partir de então vão inevitavelmente além da ~orça que de fato possuem. E s quecetn d e. Jazer uso da vitória como de a lgo que va1 passar. O s vencedores arrastam porque são arras tados pela embriaguez de u1n

poder ilimitado que imaginam possuir. Pretendetn o mundo sem o mundo: o mundo perde s ua so lidez e des mancha-se no ar. O s v e ncidos estão mobilizados na finitude. O s vencedores estão fora dela. A humilhação é finitude sem porosidade. A denominação é perda da finitude.

O PASSADO, A FINITUDE E O RENASCIMENTO Sin1one Weil ainda nos acompanha: "é vão voltar as costas ao passado para só pensar no futuro. É UJna ilusão perigosa acreditar que haja a í uma saída. A oposi ção entre o futuro e o passado é absurda. O futuro não nos traz nada, não nos dá nada; nós é que, para construí-lo, devemos dar-lhe a nossa própria v ida . Mas para dar, é preciso ter e n ão temos outra vida, outra seiva, a não ser os tesouros herdados do passado e digeridos, assimilados, recriados por nós. De todas as necessidades da a lma humana, não há outra mais vital que o passado." Para Simone Weil, o amor pelo passado nada ten1 a ver cotn desprezo ou indife rença p e lo presente e com apego paralisante ao passado. O sentin1ento do presente com suas farpas e p é talas , a consciência de tudo aqui 1o q uc no presente anda e des anda não deve n1 faltar naque le que lembra. Caso contrário, caímos en1 nostalgia. A nostalgia nasce no espírito indefeso que não suporta a visão do presente e então se evade: foge para o passado, um passado d e ouro, meio falsificado e que distrai nossas dores . A mernória, pelo contrário, é ir ao encontro do presente depois de se ter banhado nas visões de um outro t empo. A memória vai debulhar lembranças (como se faz com o trigo), vai lapidar lembranças (como se faz com diamantes), vai reunir lembrança com lembrança ( como fazem os cientistas e os indios na observação e classificação das espécies): e tudo isso é para ir depois melhor brincar e brigar com o presente. Quem le mbra sofre. Pode sofrer muito. É que às vezes quem letnbra é

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mas tarnbé m d esesperos; ex ilo <;; fra ç a sso; o an1or e o m e do; a luta e o s il ê t?cio; a pre guiça<.: a pressa; 11u111a palav ra: a vida e tatnh01n a n1 ortc. A ssim , que, para Simone Weil, a r e laç ão com o pas::,ado d eve c onduzir o d esejo a uma ime rsão nos p e rfu1nes de un) a eontradição. U ni a t:onlradi\~ão é, para S imone W c il, U111a prov a d e realidade: tm1 c:,spítito, que não s e r e laciona cou1 a con 1.ra<li<,:ào, p e rde o sentimento <la presença (livrt:, inde pendente ) das coisas e das p essoas . Pers e verando na atençã o às <.:ois a s e à!:i pessoa s . nós nos c hocamos cm algurn rnon1cnto c otn u rna contradição: n e-st.t:. rr1otncnto p roduz - se em nós <.:orn o que un1 descolatnento, um desapego. O apego é dis parado s empre na dirc<;ão de cois a s e pessoas percebidas como ser e s homogê n e o s e sem tens ões, que pare c(.."111 fe itas na n1e<li<la das nossa s a1n bi ç õ es. s ão o bj e tos ilus órios . O en"lprego é sempre uma ins ufi c i ~ <.:ia no sentim ento de realidade, n o sentjmc-nt.o de <.:onaadiç à o. Adé li a Prado(*) lembra o dia e m 'que João Antoni o, seu innão, na.sc<;u: ··e ntrei no quart o qucr~nd o f estej ar e falei s en1 graça: ""a c ara <la senhora pare c e que tá c on1 rai v a, 1n à e ...

qu~1n se d e ixa loc ar p c.n· qua bda <l c::s pre ci osa s que o pn:s 1.·11t <;; 111.,-tlo u. Lcn1hrar dói e a lcrnbranya <lol orosa po<le s e ton1ar, por 1ncio <le un1 e s rorç o , o ins tru n1 e nto d a nossa int e rroga ç ã o do present e, un 1 n 1e io de alravessá- lo e não d e e n cob rí- lo. Nos talg i a é a p e g o a o passado. A 111 e n1ória e- a rnor pel o passad o: longa c onv ivê n c ia com cxp cri 0 u<.:ias p cssoai'.'> e s o ci a i s qu e se fora 111 c que ficar.::tn1 s u s p e u s a s no ar, à csp,..T a de nossa n .:.c o n1ay ào . Quc rn entra cm 11os l.::tlgia s e <.kté1n . Q uem le mbra vai n : virar o pass ado~ e a lcrnbrança, aqui e, agora, vai alim e nt a r nossa coragcn1. C orage 111 é paJav ra que vai busc ar sua raú. 110 latin1 c or, <.:ordi s : c o ração. C oragem, cut.ão, 4 u c r <lizcr: uxna a ção que tc n1 s eu prin<.:ipio, s ua f ont e, s eu n10Livo, no corayão. Quando h~ ape go a o passa do, o pas sado l o n1 a -se p leno e a gent e se esva s ia: c r esce n osso d esan1parn e nosso rne do. Quru:1do há am l )t' p e lo p assad o, a s le mbranças vérn al im c n la r o i:.;orayão J ç qual idades que.: vão bon1bar n osso s senlime n tus, nus::-,o s p c,n sa111en1os, nossas palav ras e n ossos g estos. Para S i1non e W e il , n1 csn10 u ma 1·evol uçào, c01n o qua lque 1· nt1tra a ti v idade hun,ana , d eve extrair sua se iv a d e un1-a l radi ção. fa, c ndo-a di zer cois a s qu e a inda nã o d isse (não di sse 11l' Jl1 n1cs1nu n o pass ad o). A fil ósofa <.: Ísrn av a c orn rn udanç a s saci a i '.'> só apo ia<las lla imaginação <lo fu turo : o f utur o não ofc rc c t: o p osi ç ão a n o s s o s 1.ksc.;jo::-,, ludo c a h e na i1n aginaçâo do f uturo . Oi fe r e nt e d o que se passa na irn aginação d o p assa d o: quand o. le n 1bra1nos, invc11la111us un1 p o u c o o pas sado, Jri..·1s apn1a::-, u ni puu<.:o - porque o passado <.: xi::-,tiu, indepcnde nt e 1ne nt c d e n ós (ora v<.: io cn1 nosso h e n e f"í c io, ora veio em nossa d esgraç a) . O passado n ã o p e rmite qu1.· s e <liga qualque r coi s a d e le . Bus<:an1os harmo nias, n1as; o p assa <..lo 11w1ca foi perf"eitan1cnte han11onios o : lá estav a o honito, mas també n1 o fe io; lá e s lav an1 as fonnas ordenadas, com c o erên c ia e s im etda , 1nas tan1bén1 alguma boa d esorde n1 ; l á v j s lun1brarnos solu ções,

O Senhor re a benç <>e e te guard e . Vol va a ti o Seu Rosto e s e c ompadeça de ri, O S enho r redê a Paz. E s ta é a b é n r üo de S ão Fran cisco, que f o i abrandando o ros ro dela, descansando, are c omo f ic ou, quas e entus ias mado. Era rai va n â o. E ra marca de dor. Eh, M e u deu s. quanto j e ito tem de ter amor ., Da. Ri s olcla ( * ), filh a d e e-s<:rav os libe rtos, l e mbra do pai : ··111e u pai t:-ra bon1, e le s ahia contar his tórias d e varinha de condã o e a gent e fi c a v a e m roda dele de noi te ; quando f a z ia frio , d e manda v a a cender o rogo n o meio da cas a, que era de c hão batido, e contava hi s tória. M e u pai era d e li c ado, ele não f alava uma palavra que não ti vesse rinia, fa l a v a tudo rin1ado.

(' ) ''Sem enfeite nenhum •. no livro Contos Mine,ros, São Paulo, Atica e Minas, 1984.

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sado, pelo con trano, recebe nossos s0nhos n ias reclatna nossa atenção. Quem demora nun1a letnbrança, p ercebe qú· inundo surpreende: pre t ende-se nele e <.:ontrar wn único valor e, quando menos se espera, abre-se e .m valores diversos e que nem sempre combinatn perfeitamen te. Nessas horas, o passado pede que nossos sonhos estridentes façam silêncio, dei xando as len1branças operare1n no espírito, que é para melhor atinar na naturez a do n1w1do. Quem le 1nbra, empurra menos as coi s as e os fatos, grita m enos c.:om a s pessoas. A convivência com o pass ado ensina esforços não apegados a seus ai vos: o mundo não existe para s atisfazer nossos desejos abrutalhados, é preciso recebê-lo, gostando e não gostando del e. Utna len1brança pode frustrar nossos sonhos, n1as setnpre inspira sonhos tnais duradouros. den11inou nas Sociedades do Grand e Mer<.:a<lo s ua ideologia mais convenie nt e e a mais celebrada: a ideologia do progresso, a ideologia do progresso , a ideologia <lo progresso industrial. A defesa apaixonada do avanço industrial leva.nos pre<.:ipita<laincnte a confundir passado e a traso. O professor Fen1ando Peres (da Universidade Federal da Bahia), quando investigou a s circunstâncias que conduzi ram , n o início do século, à demoli<;ão da famosa Sé Velha de Salvador e d e o utros trech<.)S da cidade, relatou-nos utn e pisódio chocante. A p r eparação de um estado de ânimo favorável às r efonnas progressistas leva o J onrn l d e Notícias de Salvador a realizar un1a cnquete ... com preenchin1ento de utn c upom, no qual deveriam os leitores apontar três it ens cn1 resposta à pergunta: .. De qu e i que mais precisa a cidade?" E diziam os redatores do Jornal com o exagero peculiar aos ··progressistas": .. A velha cidade de Thomé de Souza, longos anos parada, quase d esde o temp o do fundador, sente agora o movimento

O dia em que ele estava b em disposto, tudo tinha versinho, mas a4ui lo be111 acentuado, ben-1 rin1ado . .. As histórias que ele contava eran1 coisas rn aravilhosas . Nós tivemos unia infância! A gente era pobrezinho mesmo, mas tinha mna a legria dentxo de casa" . ""Na chácara tinha un1 rancho grande, no fund o, e rneu pa i era hospitaleiro. Quando passava viajante, boiadeiro, ele dava pousada. Mandava recolher o gado no pastinha que tinha e mandava inalar frango à noite, fazer conü<la praquclas pessoas. Jogava colchão de palha de milho no chão pros viajru-1Les dormir. Dentro de casa ele não botava ninguém, tinha os filhos del e que precisava respeitar". "'Minha infân<.:ia não foi ruim, minha infância foi boa. Eu fui sempre muito alegre, nen1 qu e ira saber como cu n1e divertia. Os pais cra111 n1uito severos, n1eu D eus do céu, não quero criar filhos assin1. Quando eu me fiz gente e tive meus filhos, criei diferente, quis cria r 111eus amigos" . O pai botn e delicado é o mes mo pai que não cria filhos con10 an1igos. O pai conta d or de histórias, hospitaleiro e .respeitador dos filhos, é o 1ncs1110 pai re cusado con1 0 mo<lelo na <.:riação dos filhos. Infância boa e feliz e os pais sever os, n1eu Deus <lo céu. Contradições. A mãe Adélia, que acaba de ter un1 111eni n o, tetn cara que parec.:e de raiva. Marca de dor. Felicidade dolorosa. Contradições. Quem lembra, descobre rnuitos perfis: un1a p essoa é n1ais de utna, utna coisa é n1ais de u1na, urn fato é rnais <le un1. Que n1 le1nbra, cruza contradições. E pode recuperar a unidade de pessoas, coisas e fatos num.a percepção mais con 1plexa e pt·ofunda dos seres e do mundo. Cotno a fantasia do f uturo costun1a tornar uni fonnes nossos sonhos, sen1 n1isturas, a ilnaginação pode-se dese1nbarçar do diálogo tenso com o mundo e criar personali dades autoritárias: ou as <.:oisas, as pessoas e os fatos seguem o curso esperado ou será preciso-forçá- los. O pas-

(*) •Lembranças de Da. Riso/era•. no livro Memória e Sociedade . Lembranças de Velhos, já citado.

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- Expulsão de lo d os os turcos Une compagnie pour l 'exportation dcs negrcs de r ace (Uma comp,,mhia para a exportação d e n egros d e.; raça) - D e p ortação da metade dos n eg r os.

das refon11as". '' Muitíssim as coi sas lhe faltam em to d os os ten-cnos. E con10 não é p ossível fazer tudo nun,a assent a da, ven1 oportuna a p e rgunt a que o J o nrnl d e Notic ias dirige a seus le i tores": ··oe q ue é que m a is preci s a a cida,, . ,. , d e. A s res p ostas chegara1n: -

O e n cantaine nto do progresso produz o mito da Cidade Industrial c:omo medida de Civilização. E este mito, precário e no entanto dominan te, excita os espírit os grosseiros e into lerantes ( que tratam questões sociais cotno questões d e higi ene) e abre á r ea para o raci s n10. O progresso, tal como é imaginado e a ti vad o nas sociedades burguesas, dis par a cm nós a o b sessão do m o d erno. Aflitos, perseguimos uma cidade n1udada, m as raramente uma Ci dade Li vre, ou se quisermos: a novidade, mas rarámcnte a fe licidade. A idé ia d e Progresso a dquire, a ssim, o eslatulo de uma compu lsão , d e um mot iv o abstr?to: un1 n1ot ivosemmotivos, um n1otiv"o embriagan te que se d es liga da a te n ção e da realidade. Toda com p ul são, na verdade, é a r epetição a loprada de motivo absolulizado: no caso d o P rogresso, o motivo <lo Capital. P aisagen s humanas : a casa, o bairro, a c ida d e. A con v ivê n c ia qualit a tiva com esses espaey:os s ó é p ossível en quant o n ão fo re n1 destruídos o u re duzidos a espaços de rendimento econ ô m ico. O esp aço das experi ê ncias, das le m branças , das his tóri as e dos mitos, das festas e d os comíc ios, n ão é o esp aço d a comp ra e venda das mercadori as. É prc<.:iso o p osição às tran s fo rmações urba n as sempre que impliquem violên<.: ia, ou seja, achatamento das r elações so<.:iais s ob a força <las relações d e m e rcado.

H igicne nas ruas Sancan1cnto geral e eslét i<.:o Avenidas C ivilização Ruas bem c:alçadas Supr essão de vielas D e rrubar o imundo T eatro S. J oão Ruas la r gas e iluminadas Tudo quant o prec:i sa utn a c idade moden1a Ser u1na cidade e não uma roça Fazer d e c:ada bati na utna farda, de cada igreja uma escola Avenidas, c a lçatnentos, c di fi c ios P rogresso Conquis t ar as c:idad es civi lizadas Transfonnar- sc dt.": vasto cemitério em jovial <.:idade

V cjan1 que, n essas sugestões, o passado está r egidament e identificado com o ultrapassad o, con1 o obsoleto, o prin1i ti vo, com o imund o. D esse n1odo, o lugar d a m e n1ória ton1a-se bastant1.;desprcstigiado: lembrar o quê? A s vozes do passado são pos tas à margem ; a voz oricial d o p rogresso só s abe arras tar para rejeições c:c.;gas. A v isão do passado causa arrepios aos ... r efinados " que desejan1 ostentar aparências va/.ias de avanço social. N ão por acaso, entr e as suges tões q ue foram e nviadas à r edação do J onrn Ide.; N o tíc ias, out r as não vac:ilaratn e m c h e gar: - Emigração do demento n egro

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-IUVENTUDE PARA OS VELHOS

Os jovens, freqüenteniente, dispensani aos ,nais velhos um tratamento bastante desagradável. As agressões assumem formas variadas das mais sutis às mais evidentes - e o relacionaniento, antes cordial, aos poucos se deteriora.

EDITHMOTTA Assistente Social

relin1.inannente, devo esclarecer que não me detive na a~1~1ise de_pesquisasjá real iz~das e nem me 101 dado fazer utn estudo mais profundo sobre o assLU1to. Debrucei-me sobre experi ê ncias pessoais - novas e antigas - ~ sobre o que me foi lembrado por amigos - velhos e Jovens. Muito se fala s obre o conflito das gerações e ele é inegável. No e ntanto, parece haver certa a.finidade entre os muito velhos e os 1nuito j oven s . Nos idosos dos anos 60, Pedro BLOCH assinava na revista MANCHETE uma página semanal intitulada CRIANÇA DIZ CADA COI SA ... e nela, certa vez, relatou o diálogo entre um avô e un1 neto refestelado em seu colo: - você sabe que, amanhã, é aniversário do vovó? - Sel

-

e você escolheu un1 presente para o vovô? eu não encontrei o presente que eu queria . .. o que você queria? eu queria um avô para ele. (*) Esta história, cm s ua emocionante pureza, sugere un1a pergt_u1.ta; quem não gostaria de ocupar o lugar deste avô? Outra indagação, bem mais profunda, é: por que um neto, às vésperas (") Não guardei o original de Pedro BLOCH e é provável que o relato haja sido alterado em sua forma. Garanto, porém, o conteúdo do texto. Desculpo. me junto ao autor e agradeço a quem me ajudar a reunir os dados eticamente necessários à transcrição de obras alheias.

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do aniversário do avô, sai à procura de tal presente? Os an1adores da gerentologia - cada dia mais numerosos - responderiam de pronto: porque velho é criança. Fosse verdadeira tal reflexão e o diálogo perderia sua força, sua b eleza e sua essência. É evidente que o m enino desejava oferecer ao avô uma coisa por ele entendida como importante; uma coisa da qual ele gostava tanto a ponto de, sem renW1ciar ao próprio avô, pretender encontrar utn outro para presentear o aniversariante. Mas por que o menino gostava tanto do avô? Sem dúvida, porque se sentia amado pelo avô; porque o avô o punha no colo e com e le dialogava; porque o avô não pretendia edu cá- lo; preferia conversar, insinuar que gostaria de ser lembrado no seu aniversário, deixando ao neto a tarefa de escolher a maneira d e homenageá-lo. E que homenagem recebeu esse velho ... E por não tentarem educar os netos, os avós co1n eles estabelecem uma relação rica, amorosa, invejável. O chamado ••conflito das gerações.. , a meu ver, tem início no momento cm que os velhos começain a perceber que os mais novos têm vontade, preferências, idéias próprias e, aos poucos, ganham mais e mais independência. Os mais novos, ao mesmo ten1po, começam a perceber que a santidade dos avós não é assim tão grande e que, talvez, seja até melhor não encontrar à venda semelhante espécime. Neste motnento, a voz do povo traduz os sentimentos d e ambas as partes. Os velhos, olhando os jovens numa atitude de superioridade ou pretensa compreensão, suspiram: "antigamente ... ", ou "você ainda é muito jovem ..... , ou '"no meu tempo ... ". Simultaneainente, os jovens advertem: "o seu tempo .. . já era ... ". As depreciações recíprocas estão · registradas num velho ditado: ..se a mocidade soubesse, e

se a velhice pudesse ... ••. Traduzindo: os jovens são ignorantes e os velhos incapazes. Em tom pretensamente brincalhão, os jovens garantem: "quem gosta de velho é r~umatismo ... , ou: "velho é trapo, mas tem serventia.. . Também as músicas populares revelam os sentin1entos dos jovens: ··o velho gagá,já deu o que tinha quedar'", ou falam de coisas betn mais sérias : "Se eu soubesse, naquele dia o que eu sei agora eu não seria esta mulher que chora, eu não teria perdido você". (*) Por esta quadra se conclui que a ignorância da j uventude é responsável pelo sofrimento da maturidade e a solidão da velhice. Se os ditos populares forem levados ao pé da letra, chega-se à triste certeza de que é impossível resolver esse tipo '!e problema. Um velho doente s ugere a pos sibilidade de ser ele o ••atestado tri s te de um passado alegre" o que, com freqüência, é uma grande injustiça. Quem já não ouviu falar da irmã Dulce? Felizmente, muitas provas de carinho estão gravadas em nossos corações, em livros e documentos e t ambém na música popular. Na década de 30, quando ainda os compositores se preocupavam en1 criar músicas de carnaval, cantava-se: "Quando eu for bem velhinho, b em velhinho e usar u1n bastão eu hei de ter Uln netinho pra me levar pela mão... (*) O velhinho com bastão não pensou na mulher, no irmão, no filh o, ou no amigo. Sonhou com o netinho que o levaria pela mão. Mas os choques de geração, na realidade, são freqüentes e, ao que se saiba, não exi ste data marcada para que e les se inici em. Eles nascem e crescem de maneira insidiosa, levand o, freqüentemen te, a

(•) Ignoro as fontes bibliográficas para tal citação.

r·) Também desconheço as fontes bibliográficas.

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m:ia co~pleta inversão de papéis. O próprio Cnsto, nas bodas de Caná, comportou-se de modo a não deixar dúvida sobre a s n1udanças ocorridas nas formas de relacionamento em sua própria família. Quando sua mãe lhe fala sobre a falta de vinho para os convidados, ele responde; "mulher, o que há de comum entre nós d ois? Ainda não chegou a minha hora". E Maria, _r.iuma clara demonstração de que os papeis estavam definitivamente invertidos, ordena aos servos; .. fazei o que Ele mandar".(*) Essas reflexões introdutórias servem para ressaltar o caráter freqüentemente am~íguo, contraditório, ambivalente, muitas vezes doloroso e paradoxal das relações entre os que não mais são jovens e os que ainda o são. Minhas reflexões enriquecidas co1n as sugestões de inúme~ ros amigos, levaram-me à conclusão de que o assunto pode ser apresentado em q uarto ítens, cada um deles subdividido en1 outros tantos, a saber: Os sentimentos dos velhos em relação aos jovens. . Os tetnores dos velhos e1n relação aos Jovens. As recriminações dos velhos en1 relação aos jovens. As expectativas dos velhos em relação aos jovens.

velho talvez in veje as perspectivas que a vida oferece aos jovens e não mais lhe oferece nas áreas pessoal, familiar, profissional e social.

2. Orgulho e ressentimento A alegria dos pais ao testetnunharem os progressos profissionais, sociai s e econômicos, dos jovens é freqüentemente prejudicada p elos ressentimentos acarretados pelas mesmas realizações. Diz iame um trabalhador manua]: "meu filho é doutor" e o que e ]e tem na cabeça não caiu do céu. Custou muito calo nessa mão grossa e pesada que é a minha. Ele agora sente vergonha de mim e de minha mulher. Mas sem nós ele não podeia ter aprendido tanta coisa ... ". Com a s implicidade das pessoas puras, esse homem se orgulhava dos resultados de seus esforços - um filho doutor - e lamentava o resultado negativo do processo - a vergonha do filho por ter pais ignorantes. A ascenção social acarreta alegrias envoltas em sentimentos de tristeza . Mas o orgulho e a tri steza não andam, necessariamente, juntos. Os pais - e os adultos em geral - podem sentir orgulho dos seus sucessos a]cançados pelos jovens como também podem experimentar ressentimentos pelo fraco aproveitamento dos esforços por eles despendidos. As duas situações são legítimas e freqüentes.

SENTIMENTOS DOS VELHOS EM RELAÇÃO AOS JOVENS Os sentimentos dos velhos em relação aos jovens tal vez possam ser reunidos e m quatro grupos, a saber:

3. Alegria e irritação O s idosos gostam quando são lem brados pelos jovens. Visitas, cartas e telefonemas são iniciativas que agradam aos mais velhos. Eles se sentem queridos e apreciados. Mas se as visitas se prolongam demai s, se os jovens mexetn no que não devem, se fazem muito barulho, se

1. Inveja O velho sente inveja da juventude e da beleza que o jovem possui e ele já perdeu; da independêt:icia, da disposição e da força física do jovem. Sobretudo, o

(") São João, cap./1, Versículo 4.

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4. Superioridade e inferioridade

coloca1n p ergw1tas indi scretas, se adotam comportatnentos sentidos como inadequados, os mai s velhos se irritam. Di ziam e un1a senhora : " quandolncus n e tos v ão e n1bora e u s in to u n1a saudade a liviada ... " . A m e u ver, esta expressão - s audade a liviada - traduz, com rara felicidade, o sentin1ento dos n1ais velhos ao se des p e di r em dos j ovens; e les têm saud a des da criançada, m as a constante agitação, o bandho, a desordem tenninam por irritar aqueles que n ão p odem participar das mesmas atividades e freqüentemente não são conv idados para que o façam. Os velhos tamb0m apreciam quando os joven s se lembram d e convidá-los p a ra qualquer coisa - casamento, aniversários, festas , passeios - mas tais eventos podem resultar, sim ultanean1e ntc , cm al egria e irritação. O mestno se pode dizer das comen1oraçõcs: centenários, inaugurações, premiações, festas d e forn1atura. D o que me é dado observar, a alegria é utna d ecorrência direta do fa to d e haverem sido }em.brados; a irritação 0 fruto, sobretudo, d e asp ect os ligados à natureza do programa, sua duração, conteúdo, conforto, loca l e tc. Decorre, ainda, d a atenção di s p ensad a aos convidados, das possibilic.iades de contatos pessoais grat ifi cantes e tc. Q uero dar um des ta que esp ecial à itnportância das s urpresa s como e le m ento ravorece<lor de alegrias para os n1ai s vi vidos . Em minha própria experiência de vida, conclu í que os velh os gostam d e 1nandar, gostan1 d e participar e gostan1 de d eci dir (aliás, como todo mundo). Mas tarnb0m gostam de homenagens pre paradas em segredo. Sentetn prazer e m d escobrir que, pdas c o s tas, a lgun1as pessoas se preocupam em oferecer-lhus coisas difer entes, fora da rotina, i mprováveis. Esta é u1na circw1stância e1n que as alegrias, provave ltnent e, s upe ram irritações o riundas dos mestnos acontecin1cntos.

O caráter muitas vezes contra<litorio e a tnbíguo das relações entre velhos _e jovens pode r esultar en_i s~ntimei:ito s ~multancamente de s upenortdade e 1nfe n o ridadc entre r e presentates de duas ou mais gerações. _ O lado mais evidente da ques tao parece estar r elacionado aos aspecto:' pr~fissionais . Um co1nandante da aviaçao comercial, aposentado há alguns an_os, contou-me: "outro dia e ntrei nutna cabtne d e av iação. Caramba, e u ti ve a impre~são d e estar entrando n uma nave espacial... não sei como aquele troço funciona ... e eu era tido como um bom comandante ... .. Paralelame nte a observação des te teor, as mestnas p essoa s comentam que_o tre ina1nento antigo era m ais rigoroso, n1a1s severo, tnais cuidadoso, mais isso e mai s aquilo. E o caso c itado diz r esp e ito apenas-a uma profissão que, todos s abe m , m~ito avanço u nos últimos tempos. O que falar d os progressos da medicína, da e ngenh~ri a etc. O que dizer das invenções h oj e co locadas nas mãos d e crianças: cotnputado r es, máquinas de calcula r e que sei eu? O s velhos, freqüentemente, sentemse mais sábios que os j ovens e e u me p e rgunto, com certa curiosidade: o n1otivo d e semelhante convicção. Sera p or que o s antecedemos nesta vida? Alguma razão deve haver. O bin ô mio s upe rio ridade /inferioridade também pode ser observado e m r e lação às experiê ncias sociais~ ao ~ esenvolvimento intelectual. No primeiro caso exp e ri1.;ncas sociais - é b e m prováve l que os joven s levem algumas vantagens. Eles co~hecem o planetário e a disne yworld, andam de short p e las ruas, nasceram vendo TV , sabem trabalhar com os computadores, n1uit.os j á andaram d e avi ão e tantas outras coisas inimagináveis nos te n1pos d e ant i gamente.

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casas, os seqües tros o<.:ornan1 no estrangeiro, eram raros e, por isso, comentados no mundo inteiro, Na d0ca<la de 3 0 s oube de un1 único seqüestro - divulga<lo c01110 ··rapto do filho de Charles Lindcnberg" , Todos la1ne ntavan1 a sorte do 1nenino e de seus pais. Talvez muitos poucos tenha1n p ensado na possibilidad<.: d e a lgo parec ido acontecer em suas ratnilias. Hoje, todos têm medo de sair às ruas, o s edi fícios estão grad eados, <.)S hancos possucn1 sofisti<:ados mas insufi cient es di s pos iti vos de segurança. Ser rico tornou-se, a n1eu ver, un1a das s ituaç ões n1ai s perigosas de nossos dias e não <.:<.>nsigo en tender os n,otivos pel os quai s tantas pessoas apostatn nas inún1eras loterias: lot o, sena, raspadinha, lot e rias federal e estadual e que sei eu? Outras dificuldades são as rc.:duzidas oportw,idades profissionais. Aum.cnta o nún1ero d<.: habitant es mas os recursos educac:ionais para atender aos que c hegan1 sào insu ficient es e ina<lequa<los, os progran1as d e tncdicina prev en tiva e cura ti va lan1bé m o são, os i11v cstitncntos não s atisfazcn1 as necessidades humanas básicas. Este é o quadro no qual deve mover-se o contingente, a cada <lia mai s nun1 croso, da população b rasileira. E os idosos tcn1 em que os jovens dc hoj e não consigam inserir- se con<lignamentena soc ie dade cm que são lançados. E tudo isto, e niais o que não pode caber en1 docu111 c.::11 to n<.:c <.:ssarian1ente r esun1ido, leva à in stabi lidade SP<.:ia l, bas tant e conhecida dos lllais vc lhos e dolorosamen te apr endida pelos j (wens.

No que diz respeito ao dcscnvolvi111c11to intclcd uaL van1<.>S conc.:c<ler aos velhos t1nrn experiência n,aior. Afinal, 11t)S co1ncçan1os 1nais c.:edo e, a() menos teorica1111:11t1.·, dcvcrnus ter a <.:aheça n,ais d cscnvolv i<la.

TEMORES DOS VELHOS EM RELAÇÃO AOS JOVENS Ot1t1·os sent i1nc11tos dos velhos etn rc l:.t1.;ão aos jovens pode1n ser reunidos soh o titulo gera l de "km(>res'". Muit os idosos sofrcrn, pensan<lo nas <li ric.:uldades pelas quais p odc 111 passar <.)U estar pass ando us .iov ens de hoje. Muitas vezes, tais preocupaçôes são fruto da falta do que fan; r; out1·as, os ve lhos 10111 sobejas razões para tcn1er a s(>rte dos n1ais novns. Vçja 111(.)s:

1. A s ociedade atual Ant igamcnte, <lizc111 (>S n1ais ve lhos, podia -s1.' ra/.cr isso <.: a4uí lo, havia segu 1·an<;a, a 111< ic<la era estáv1.·I. .. Mas quen1 abrir o I ivro (k u111 assunto antes rotulado <.:orno HISTÓRIA DA C I VILIZAÇÃO, c.:kscobrirá, :--cn1 gran d es esfor ços, qu e a chama<la História da Civi lização nada mais é do que urna vasta seqüência d e gt1,.: rra:--. O primeiro receio dns n1ais velhos cn1 n : laçào aos .iov<.:ns t alvez seja o de <.:oln<.:à - los 11a atual s ociedade que, en1 muitos aspcclns, tal ve:,,, se assen1dhc à d e nossos antepassados. Mudan1 as ronnas pelas quais as <liriculdac.k:-- se apr<.:sentam. O abandono e o cxtçnnínio de 111e11ores são ronnas cruo::is e alarn1antcs e os n1cninüs de n1a se cons titueni ctn <.:aso à parte. As desigualdades so<.:iais sã o ahc.::rrant1..:s e s<.:rnprc o r,)ran1 - a insc.::gurança é total. Neste aspecto, talvez tenha havido real mente.:: um agrava111ento da s ituação. No meu kmpo de _jovem, as j ó ias J c família passavam de geração cm geração, os meios <le transporte e ran1 freqüentados con1 segurança, a s pessoas vivia111 en1

2. Desvios comporta n1entais O s d esvios comportamentais pode1n ser en tendidos <.:01110 padrões d e comporta1n cnto cond enados pela s ociedade.: na qual se vive. É cv id<.:nt <.: que a ac.:<.:itação d os c<.>111porta1nentos s<.: n1odi fica con1 o passar do tetnpo, No iníci o des te sécu lo, u111a s enho r a fazer con,pras sen1 chapéu

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di vulgado p elas novas gerações e a natur a l i dade com que até crianças bem pequenas o cotnenta.in. Em sã consciência, ninguém pode ignorar os sofrim entos d e tais p essoas, as dificuldades por e les enfrentadas e o desej o de n1uitas de encontrar mais ade4uadas f orn1as d e satisfação de suas necessidades afeti vas. F inalmen te, não sç pode csque<.:er a questão do uso de drogas. cada vez mais freqüent e entre os jovens. Aumenta o consu mo das drogas, aumenta o nútnero <le p essoas envolvidas no trá fi co de drogas.Ap erfeiçoam-se os métodos de..: sedução <le novos adeptos; a tneu ver, o mais hediondo de todos é a gozação: "'não me d i ga, você não usa maconha? nunca experimentou? Não acredito ... um cara inteli gente como você ... ". Um jovem não suficicn témente preparado para resistir a tais cantadas, facihnente, pode engrossar a já numerosa fileira dos condenados pelo ~ic10.

talvez fosse utn desvio de cornport arnento. H oj e, tal coisa seria utna absoluta extravagância. Mas os d esv ios que pn~ocupatn os idosos não são exa ta1nentc os relacionados à tnoda - cn1bora o n u<lis tno das praias e dos bailes de can1ava l não sejam apreci ados p e los mais ve lhos, quem s abe, por fa]tar-ll1cs as condiçôes plásticas indi spensáveis a tais procedimentos. Os desvios que preocupam são , por e x e tnplo, as rotinas de rclacionanumto int erpessoal freqücntcrncnte adotadas pe los jovens. Quando vejo a pronliscuidade sexual d e n1eni nos e n1eninas, çu rne p e rgunto sobre o futuro de ta is pessoas, sobre os resu ltados d e tais comportamentos. O s meios d e cotnunicaçào not.ic iatn o progrcssi vo aumento do núm ero de mães adoJescentes. São duas crianças que poderian1 brincar cotno atnigas e devctn comportar-se cotno tnâe e fi lha. A chamad a .. produção independente", t onia- se, a cada <lia, rnais con1um . O conhecido .. gol pe <la barri ga"', tnuitas vezes, não cola e, quando cola, pode levar a res ultados indesejáveis. Os métodos ant iconcepcionais não são infalíveis e racilmc..:nte podetn ser confund idos con10 pressão para c01n pro missos n1ais sérios. A cornparação entre as d i ficu ldadcs enfrentadas p or tnâes e pais solteiros é n1at cria l para um capí tul o à parte. Sem aprorundar a matéria, posso garanti r que as exp eriências sex u ais <la juvc.;ntudc atual são n1ot ivo de graves preocupações para os mais velhos. As experiênci as sexuais, iniciadas antes 1ncsmo que os orga.n isn1os - mascuI ino e feniinino - estejatn fonnados, favor ecetn a prostituição e o homosexualismo - dois fantasn1as a rondar a existência dos velhos. A sodomia não é problema de nossos d ias. O próprio nome indica a longa existência dessa dificuldade. O que hoj e preocupa o s idosos é a facilidade com que o comp ortatnento é aceito e

3. Doenças, invalidez e morte Os vdhos temem as doenças, a invalidez e a n1ortc d os jovens. As estatísticas tnostram que os acidçntes são os n1aiorcs responsáveis pe la morte de jovens e que os jove ns são mais d estetnidos, mais afoitos e imprudentes; mais faci lmente perdem a cab eça, se e n volvetn em conflitos que poderiam ser evitados. Sabem que a instab ilidade social gera a instabilidade emocional e esta pode levar às agressões fís icas diariamente <lcnunci adas pelos meios de comunicação. Tudo isso nos a flinge e nos angu stia. Os velhos temem que os jovens se entrcgu c..:n, ao alcooli smo. A bebida, 1nodera<lamente ingerida, é u tn comportan1c.;nto norn1al. Mas o hábito de::: "afogar as tn ágoas no copo" pode levar à dependência do álcool. Ins talado o vício, as conseq üências são as mais danosas: dissolução fam iliar, desemprego, perda d e am igos,

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fracassos financeitos, depressões, is o lamento SOl:ial e un1 inl'in<l ,ív d cortejo de <liriculdadcs . As doenças venirca:-- se co11stituen1 en1 n1ai s urna preoc upação. E las são fruto da promi s cuidade sexual; lodos conhcce1n as aventuras an1orosas de rapazes e moças e saben1 que tais aventuras podern resultar nas chatna<las doenças venéreas. os avanços da n1edicina di1ninuiran1 os riscos dessas n1olést ias tnas o fantas tna continua a atorn1entar os que se interessan1 pelas possíveis vítimas do rnal. Finalmcnll.:, existe a AIDS - o mal deste fim d e S~(.;ulo. Ningué1n pode mais ignorar os p erigos a que estão expostos os atuais habitant<.:s des te planeta, mesmo aqueles que levam un1a vida regrada. As t ransf'usües <le sangue continuan1 sendo aplicadas e todos, exatatnenk todos, estamos ameaçado::, p e la AIDS. As notícias diaria1nente divulgadas falan1 sobn; o crescente nürnero de doentes e <le óbitos. As vacinas e as diferentes fonnas de Lratan1c.:nto ainda não conseguiran1 d e belar o mal. E os velhos ten1en1 por s i e por seus

çxpli<.:ita; freqüentemente elas assumem fonna velada e sutil. As prolongadas ausências ou lotais desapare cin1entos são apenas um exemplo. Que fin1 levou fulano'? Ninguém sabe. Vezes outras, os j ovens con1parecem com aquele ar de estarem cun1prindo penoso dever. Fingem ouvir o que lhes é dito, respondem por tnonossílabos ou não responden1, consultam freqüentemente o relógio c dão no pé. As agressões assu1nen1 variadas forn1as - das mais suti s às tnais evidentes - e o relacionan1ento, antes cordial, aos poucos se deteriora. Também não é raro que os mais novos se. julguem no direito d e fazer exigências em troca, talvez, de contribuições trazidas para casa, ou por qualquer outro tnolivo. Existem ainda os que rompem definitívamente com os tnais ve lhos, abandonando-os e .m asilos, casas geriátricas ou à própria sorte. •. Não quero encenar esta parte da cxposi1yão scn1 frisar um aspecto do pos1c1onamento por nüm adotado para abordar matéria tão delicada. Se tneus ouvintes ou eventuais leitores estiveram atentos às minhas propostas, hão de perceber que a palavra "culpa" não foi u s ada unrn única vez. Tentei lembrar aqueles con1portatnentos que d esagradan1 aos velhos e, na realidade, desagradam a qualquer pessoa. A sensibilidade não é privi légio de determinados grupos etários. Tan1bém quero salientar que tais (;omportan1entos não são comuns a todos os jovens. Muitos são os que se esfor1yam por agradar, procuram conversar, visitar os mais velhos e deles ouvir as .. histórias de antigamente". Pessoalment e, registro 1neus agradecimentos a utn sem número <le jovens pelo tratamento a mim dispensado e até pelas sugestões para elaboração deste tr aba lho. Uma última ressalva diz respeito ao rato <leque, a meu ver, os tnais velhos etn muito contribuem para o fosso que, aos

JOVCllS.

COISAS QUE OS VELHOS DESAPROVAM NOS JOVENS Crn110 dizer aos jovens que eles inspiran1 ::,e11ti111c.:ntos, len1orcs e esperanças e que, ao rncstno tcn1po, os velhos desa pruvatn <letcnninadas coisas nos guc.: a inda não cnvelheceratn'? O que os velhos <lesaprovan1 nos jovens'? 1. Fonnas de tratamento pessoal Os jovens, freqüenten1 e nte, dispensa1n aos n1ais velhos utn tratan1ento bastante desagradáv e l. O s que utn dia foram jovens e não mais o são, talvez se lembren1 do tempo en1 que eles mesmos se dirigiam aos mais - velhos com certa agressividade. As indelicadezas dirigidas aos idosos nen1 sempre o são de maneira c lara e

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maior obj e tiv idade p ossívd, meus pontos de vista sobre a maté ria. São e las: 12 ) di scordo, totaln1 enlc, dos antigos conceitos de que a mulhe r deveria m a nt e r -se casta e pura até o casame nto para, só e nt ão, ter experiências sexuais; 2 2 ) discor<lo, iguahnente, da idéia segundo a qual o hom e m deve ser iniciado n a vi da sexual desde a adolesc.:ên c ia, se p ossíve l, pelas mãos d e professores c r iteriosamente escolhidos p e los próprios pais; 3 2 ) ente n do que, para r apazes e n,oças, o relac ionamcnlo sexual fora do casam e nto é lcgítin10, d esde q ue preenchidas algumas c.:on dições, c o mo : envolvimento afetivocsincero de ambas as partes, e adoção de med ida s seguras contra a gravidez indesejada. O relacionamento sexual p o r curi osid a d e, pelo s imples prazer carnal, p ode levar a resu ltados o postos aos prete ndidos. Outros pontos que freqüent e m e nte chocam os mais velhos são o linguajar e· o vestuário. No m eu tempo, o ling u ajar h o je comum entre os jovens c:ra d enominad o "baixo calão". H oj e é o feijão com a rroz das c h amadas .. elites". O vestuário o u a falta de vestuári o c hoca os mai s velhos. Antigamente, os ricos viajavam à Europa e voltavam contando, e m s urdina, as cenas d e nudez dos teatros pari s ienses. H oj e as tnes tn as coi sas podem ser v is tas nas praias brasileiras, nos d esfil es das escolas d e samba e, dentro de casa, e m cen as da televi são.

pou cos se abre e ntre as gerações. A falta d e atenção aos comentários 4ue lhes são dirigidos, as exigências fre qüent emen te descabidas, a m ordacidade e m r e lação aos concei tos recém-apre ndidos pelos jovens, a falta d e diálogo, as presenças s ile n c iosas, o d esrespeit o às inc linações dos jovens, o ''faça o que cu digo n1as não faça o q u e eu faço" e out ras formas de comportamento são fa to res de capital importância do deslanchamento d e tai s processos.

2. Costu1nes Os costumes da moddade mui tas vezes c hocam os tnais vdhos. Talve/.. por u n1 p ouco tk inveja, os idosos não aceitam a li berdade sexua l h oj e cm voga. A fras..: "ele 0 casado ma:s n ão é castrado" to n 1ou -se ditado popular; viajar com os namorados (as) , parti c ipar d e noites de c1nba lo ta1nbém n ão causa espant o ; as ''amizades coloridas" são bem aceitas e os que n ão aderem a tais comportan1entos são r idi c ul arizados por seus colegas. O s que "'ainda .. n ão se inic.:i aram n o s is te ma sentetn -se desvalorizados e por vezes, para aco1npanhar a moda , in ventarn experi ências q ue, na realidade, nunc a ti veram. Não q uero ser en te 11<..li<l~ corno d efensora dos pad rões que conferiam aos hom e n s to <los os d ireitos e às mulheres todos os d everes, colocavan1 a mulher sob o domínio do homem, o bjeto d e praze r d e seu "arno e senhor''. O que rne choca é o fato de a mulher, ao lut ar pela i gualdade de din; itos - aspiração absolutamente justa - defender para s i aquelas formas d e cotnporlatne nto que os h o tn e n s nunca d everiam ter adotado. bto nos fez mai s feli/.es? Se a n ;sposta for afirmativa, tudo bem. O pesar que levarei para o túmul o é o d e não p oder obser var , na práti ca, os resul tados dos costumes deste fim de sécul o. Com o o bj etivo de evitar possíveis mal e nt e ndidos, d esejo esclarecer, com a

3. Valores O s valores abertamente defendidos por certos jovens da a tualidade cm muito se aproxi1na1n <lo descaramen to. Neste ponto, os joven s de hoje talvez sejam mais h onestos que seu s ante passados. O golpe d o baú, p o r exemplo, s empre f o i c.:onheci <lo e pra ticado. Mas ta lvez a s coi sas fossem feita s com certa discrição. H o j e se diz clarament e: "n, oça rica não fica so lteira", '"vou deslocar um convit e para tal festa,

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porque lá é que r o la a grana" e coisas d e igual t eor. O can-eirismo também é aceito com naturalidade e os resultados, quando favoráveis, tnuitas vezes são fruto do vuJgannente c hatnado "'puxassaquismo"; paralelan1ente, cone o ''apadrinhanlCnt.o··. Parentes d e pessoas bem situadas na vida freqüentemente são colocadas ern posições d e d estaque s itnpl esrn ente por ser en1 amantes, sobrinhos ou primos d e fulano ou beltrano. Quando se pergun ta o motivo pelo qual e les se e.ncontran1 nessas pos ições, a resposta é simples e dire ta: de é afilhado de fulano d e tal. E a vida continua ... Ao d esaprovar essçs e outros cotnportamentos a s seme lhados, lamento le1n hrar o fato de serem eles prática tnuito antiga, cornum en tre os que utn dia foran1 jovens e hoje não o são n1ais.

to a convicções religiosas . O s filhos que aderem a credos diferentes dos trad icionaln1ente aceitos em seu meio, n1uitas vezes so fren1 terríveis pressões . O ecutnW1ismo ainda é um posicionamento bastante teórico; os chamados casan1entos mistos são objeto de graves preocupações. Finalmente, ainda é comutn que os n1ais velhos - s util ou abertament<:: - interfiram nas escolhas profissionais dos jovens. · Sei <le um rapaz que se tomou aviador civil sem que os pais disso tivessem conhecimento. Outros exemplos poderiam ser c it.a<los. Conheço pess oas que cortam a carreira de seus filhos porque não gos tam das preferências por eles demonstradas; os filhos, quando possível, prepara1n-se, em seg.redo, para o que deveria ser f cito abertatnente.

4. Aventuras secretas

EXPECTATIVAS DOS VELHOS EM RELAÇÃO AOS JOVENS

A prin1eira aventura amor osa foi prat i<.:a<la por Adão e Eva nos jardins do É<lcm e, até boje, se fala ern "pecado original", experiência que não podia ser secreta por não hav e r quem a tes te munhasse. Mas os ri scos do chan1ado "'fruto proibido.. não impedem yue muitos dele experi n1ente1n, e talvez não sejarn poucos os velhos que hoje desaprova11111osjovens as 111es1nas aventuras nas quais se envolveratn na rnocidade. Outras ex peri ências desaprovadas p e los tnais velhos são as de natureza poh l ica. Uma ressal va se impõe. Os 1nais velhos gostam quando os jovens vão à Iuta pelos ideai s que escofüeram para si. Quando um rnoço ousa ter idéias próprias e adere a correntes de pens a1nent.o diversas das oficialmente aceitas em sua famíl ia é um Deus nos acuda. Salve-sequem puder. A solução é uma só. Aderir a movimentos secr etos, esconder as próprias convicçõ<::s e correr os riscos que a si tuação oferece. O m esmo acontece no que diz respei -

•.

Nesta última parte tentarei falar sobre o que os velhos esperam dos jovens. Antes, é bom repetir o que foi inicialment e colocado, ou seja, o caráter freqüentemente ambíguo, contraditório e ambivalente das r e lações entre velhos e jovens. Com total d esrespeito às tradições da soci e dade em que nasci e fui criada e aos conceit os que me foran1 e a inda são transmitidos, ouso dizer que os velhos esperam dos jovens: 1. Sucesso/fracasso

Os n1ais velhos, com razão, se orgulham dos s ucessos de seu s descendentes em algumas áreas. Mas a importância das áreas de sucesso varia em função do sexo do jovem e de critérios absolutamente pessoais , por vezes desprovidos de qualqu e r lógica. O sucesso escolar, por exemplo, é importante para meninos e meninas; o sucesso profissional é mai s importante

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2. Submissão/dominação

para homens do que para mulheres. Ainda hoj e algurnas famílias entravam a participação do chan1ado sexo fraco no mercado de trabalho. Este aspecto é muito significativo pois, no caso freqüente de mulheres com salários superiores aos dos homens da casa - marido, pai, irn1ão, cunhado - é comum que o assunto se constitua wn segredo mant ido pelas próprias mulheres. Dei icad eza d e sentimentos? Pode ser. Mas, também, respeito às tradições machistas da sociedade e expectativas fam i I i ares de fracasso profissional, sobretudo, do sexo fctninino. Na área afetiva a que:::;tão é mais evidente. Algumasfatníl iasim.pedem frontalmente qualquer possibilidade de escolhas afetivas por parte de seus membros. Algumas acham que os homens não deven1 casar-se, enquanto outras defendetn a n1esn1a tese em relação às mulheres. Os jovens que teimam e m vencer essas barreiras tnuitas vezes se defrontam com resu ltados desastrosos. Se procuratn con-

O mesmo caráter ambivalentc e contraditóri o pode ser aqui observado. Os mai s velhos querem jovens submissos e, ao n1esn10 tempo, desejatn - por vezes inconscientemente - ser por eles dominados . A dominação dos jovens é muitas vezes confundida com ··amor filial". Inúmeras vezes tenho-me defrontado com p essoas de idade que afirma_m pretende r algum.a coisa e, logo depois, p e dem a minha opinião. Sempr~ ~espondo não caber a mim a responsab1hdade de decidir sobre assuntos que não me dizem respe ito. Quando a insistência se torna muito grande, respondo o que, a meu ver, eles gos tariam de ouvir. Então eles falam: acho que vou seguir o "seu" conselho ... Engraçado? Talvez, mas, ao mes~o tempo, r evelador da necessidad e sentl~a pelos mais velhos de não decidirem so.~t: nhos. O mecanismo do ••faz de conta •. e fruto da própria fragilidade do velho somada ao sistema muitas vezes adotado pelos mais novos de decidirem pelos i_dosos. O res ultado é a insegurança de muitos em afinnarem suas preferências. Fica mais fáci l fazer o que os outros d esejam, ainda que i::;to lhes custe muitos dissabores. Pretendo ser imparcial em tudo o que vai aqui apresentado. Se os jovens ousam resolver a vida dos velhos é porque os v elhos, expressamente ou não, lhes confere m tal poder. O s velhos esperam a submi ssão dos mais jovens e, simultaneamente, querem ser por eles dominados. A s ociedade aprova esses co1nport.ame1?tos com atitudes tais cotno: ··durante seis meses minha avó não soube que o genro havia morrido" - e a avó era lúcida e seguidamente perguntava pelo genro; ·•você deixou sua mãe ir ao enterro de fulano'?"; ou ainda, ••minha tia morreu lá em casa, mas felizmen te, m inha avó (porque confundir velhice com idiotice?) só ficou sabendo depoi s do enterro ... " Inúmeros outros exemplos poderi -

solo junto ao grupo familiar, co:stuma.rn

o uvir: e u não disse'? Você teimou, agora agüenta ... E os que assim procedem acreditam - porque se vangloriam dos próprios reitos - agir concta e sabiamente. O s mesmos comentários podem ser fe itos cm relação aos processos sociais de r e lacionamt!nto dos jovens: o sucesso é conscientemente d esejado e publicamente aplaudido; o fracasso é incons<.:ientementc esperado e publicam ent e la1ne ntado. Por que tão grande ambivalência'? Os p s icólogos são preparados para explicar o assunto. Mas posso adian.tar que o jove tn fracassado, que não se realiza nos diversos plar1os de nossa huntana existência, freqüentemente, é a companh_ia dos pai s idosos, necessitados d<:! ajuda. O s que lamentam o afastamento dos filhos "depoi s de anos e anos d e sacrifícios diuturnos" devem lembrar-se da frase de Kalil Gibran KALIL em O PROFETA: "vossos fi lhos não são vossos filhos".

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a111 ser lcrnbrados, 111as o in1portante é frisar que as duas exp ectativas podem ser observadas na 1nesma pt·ssoa e sin1ultancan1ente. Os velhos querem tomar decisões, escolhe r o próprio siste rna de vida, <letcrrninar providências, fazer escolhas. Ao 1nesn10 tempo, sen t en'1-se freqüentemente honrados, quando os jovens lhes impõern detçnninadas restri çõe::;: "você não sai mais de casa", ""não vai aqui ou ali"; "vai deixar de trabalhar", e assim por diante. As raízes de tais co111po1·ta1nentos estão na sociedade que os adotarai11 e estão nos velhos e nos jovens que os assin1ilaran1. Para que tais processos possa1n ser revertidos nutn sisten1a de convivência gratificante para ambas as partes é preciso que, antes t1'1esn10 dos jovens, os próprios ve lhos a prcnda111 a r-esistfr às pressões sobre eles exercidas; deixen1 de ter rncdo dos n1oços, enfrenten1 as novas gerações con1 a rnesn1a coragetn con1 que cnfrenta,·arn difi cul dades - p or vezes, muito graves - para criá-los. Não peço aos jovens que me n.:spc ittm; exijo que lod os O fayatl1.

dos acontecin1cntos diários. Gostam de emitir opiniões sobre diferentes assuntos, reclan1ar do que lhes d esagrada , e assim por diante. O s velhos gostam de dar e r eceb er presentes, gostam de surpresas, con10 todo n1w1do, gost.an1 de ouvir expli cações sobre as coisas que não cntendetn. Enfim, os velhos, con10 todo mundo, gostam de ser aceitos cotno são. É profundamente injusto tratar os velhos con10 incapazes, cdanças sem poder de d ecisão. As p essoas idosas tbn1 sentimentos, tên1 necessidades afetivas que deven1 serrespeitadas e atendidas; têm direito a um tratamento digno e todos, exatamente todos, têm o dever de di s p ensar-lhes tal tratarr1ento. O s velhos têm direito a receber expli<.:ações sobre os acontecimentos do diaa-dia e esp eratn receber tais expli cações com clareza e objetividade.

·.

4. Construção de u111a nova sociedade Acima de tudo, os ve lhos esperam yuc os jovens alcancem aqui lo que não fon1os capazes de oferecer -lhes: urna sociedade justa, com iguai s oportunidades para todos. Uma sociedade prósper a, na qual os sentitnentos de amor sup e rem os impulsos de ódio, as responsabilidades por- êxitos e eventuais fracassos sejam assu1nidas pelo maior nútncro; na qual diminuam - ou d esapareçam - as d1slánc.:ias sociais e todos possatn, efetivamente, participar dos processos decisórios e oferecer s ua parcela de contribuição para o alcance do bem con1u1n. P erdoem - tne se, por vezes, fui demasiadatnente realis ta ou, quem sabe, até injusta. Minha intenção foi uma só: apresentar, sem rodeios, algumas reflexões p essoais sobre o assunto.

3. Compreensão e diálogo Este ponto é bem mais fácil de ser abordado. O velho, con'1o qualquer outra pessoa, espera cotnpree11são e diálogo <los mais e dos menos jovens. Essas atitudes devem se apresentar sob a fom1a de v isitas e tclcronemas, durante as quais seja possível r-eceber e dar noticias, contar novidades, ouvir e ser ouvido, perguntar e receber- respostas convincentes e a1náve1s. O s velhos, corno as d e.rnais pessoas, gostan1 de conversar. Gosta1n de dizer o que pensatn, o que sentem, o que acham

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VELHICE PARA OS~OVENS

É preciso saber ver a beleza

da velhice, saber entender a expressividade de um rosto cheio de rugas; é preciso valorizar a capacidade de ternura e a serenidade dos velhos e até mes"io sua ironia, um pouco perdida pela juventude.

ANDRÉ ROBERTO MARTIN Professo r da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP

[y]

elhic1,;cjuvcntudc são categorias da natureza, portanto ligadas ao cido biológico da vida. No e ntanto, só r ecenten1erltc é que, com a afirnrnçâo valorativa da juventude s obre à velhice, as duas categorias se ton-iaram culturalmente r cl<.:vantçs, podendo ser exam inadas separada1n1,;nte, ctnbora çstejam cntrdaçadas. Esse fenôtneno, que é a autonomização da juventude con10 uma categoria social, insl:reve-se em uma o rdem mai o r de fenômenos, aos quais normalrnente se denomina modernidade. É portanto, imprçscindiv e l que o marco de referê ncia t eórico seja justamente o conceito de modetnidade, conceito que depois abrirá duas perspectivas de análise. a partir d e meados do século XIX. Esses dois conl:eitos, aliás, irão desdobrar-se em duas posiçôcs 4uç deitarão raízes e permanecerão até hoje , ajudando a fo rn1ar opiniões e posturas de milhôes dç pessoas perante, inclusiv e, a idé ia de juventudç. A prin1eira vertente e o prin1dro conceito de mod en1idade foi o d efinido por Marx cm meados do sécu lo XIX, a partir d e suas rdlexôes com relação ao 4ue havia acontecido l:on1 a Revolução Franct:sa. Continuador, e tn grande part e, do Ilumini s m o e da critica que os revolucionários francçses fiz.eram ao antigo regime, para e le a mode n-iidadc é justamente o momento hist ó rico a partir do qual o velho e o novo começam a se

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da e m 1848, há uma decepção que atinge tanto Marx quanto Baudelaire, ambos críticos da sociedade burguesa, cada um à s ua maneira. Marx, mais radical, e Baudelaire aceitando, até certo ponto, essa nova soci edade, em boi-a pi-ocurando tambétn utna postura cdtica frente a ela. Perseu lado, Mai-x irá procurai- na História e na Economia, novos elementos teóricos que possam dar mais consistência à sua ""Teoria . da Revolução'' que até aquele momento tinha s ido eminentemente uma proposta filosófica. Por sua vez, Baudelaire, que despi-ezava a sociedade burguesa, irá i-egistrar, ao mesmo tempo, essa "praxis... revolucionária e procurará criar, em termos literários, um mundo imaginário, uma i-ecriação completa do mundo, uma recriação estétiça, substituindo a revolução, que não houve, por um mundo esteticamente construído, e mais de acoi-do com s~a utopia. Com o imperialismo, a era das descontinuidades começa a deslocar o continuismo inscrito no evolucionismo, o qual é a referência teórica dominante do século XIX. A eletricidade, o automóvel, o a vião, as especializações começam a dilacerar a evolução e aquilo que parecia contínuo começa, por-tanto, a despedaçarse. É um período em que começam a valorizar-se os sinais que depreciam e vulgai-izam os símbolos, através da publicidade, o que será levado ao paroxismo com a televisão. Há uma afirmação, portanto, da técnica, e uma supervalorização da juventude, ligada a essa valorização da técnica. Afinal de contas, agilidade e vigor físico são as duas qualidades imanentes ao jovem e suficientes para movimentar qualquer máquina, inclusive os computadores. Com isso, o tempo de aprendizado, embora em termos teóricos tenha setornado mais longo, para o domínio das técnicas tornou-se mais curto, e é comum

contrapor de modo muito acentuado. Na concepção de Marx, é o Estado separado do indivíduo a ruptura fundamental que inaugura o período moderno; portanto, trata-se de um conceito emin entemente político. Marx está analisando as modi fi caçõcs que estão se operando a partir da Revolução Industrial. Ele menciona o crescimento econômico, a busca do lucro, a formação do mercado mundial, em suma, vê a modernidade como sinônimo de socie dade burguesa. Na outra vertente, nós vamos ter como grande eminência, Baudelaire, o poeta. Para ele, a modernidade será uma idéia, antes de mais nada, estéti ca. Ele se r efere ao novo, ao movimento contínuo das formas, da moda, ao efêmero, ao imprevisto. É esta idéia que, talvez, hoje etn dia, seja a mais comum em torno da modernidade, pois são essas as categorias que se mencionam para identificar a mode 1nidade. Marx, por seu lado, vai criticar a natureza dilacerada, a oposição entre público e privado, geral e particular, indivíduo e sociedade, que ficam justamente separados por essa nova forma de sociedade. Baudelaire, ao contrário, criticará a natureza, identificando-a como reino da pura necessidade e, portanto, afastado dos arti ficios, dos prazeres e dos luxos. Baudelaire chega a elogiar a maquilagem que aproxima os homens das estátuas, ton1ando-os mai s próximos de Deus. Para Marx, ao contrário, isso e quivaleria a uma abstração total, a unia antinatureza. Ele irá criticar esse ponto de vista, através da sua "Teoria da Revolução". Resgatar a unidade perdida, reunificar a sociedade dilacerada, recompor o homem com a natureza, o ptíblico com o privado, o geral ~om o particular, este o objetivo maior da r evolução proletária. Com a ressaca da revolução, aborta-

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a gente se surpreender, p o r exernplo, com as crianças e os adolescentes que conseguen1 Ca<.:ilm e nte manipular a s tnáquinas que o s adultos, às vezes, custa1n a dominar. Há, portanto, utna redução desse tetnpo de conhecimento técnico, o que faz cair a importância da maturidade e da antiguidade, exceção feita às altas esferas do trabalho abstrato, corno a fi losofia, as art es a até a política, embora no nosso exetnpl o recente, tal vez até na política a antiguidade lenha sido d esvalorizada, assim como a exp e riência. Hoje , o vigor físi<.:o e a rapidez são extrernamente admirados. Funda-se, a partir daí, um n1ito da juventude, segundo o qual o ser do jovem será definido por e le mes m o. Vitalidade, des<.:uido <.:orn os riscos, esponteneidade são a s <.:ara<.:te rísticas s alientadas. O jovem é capaz de re fazer a his tória da humanidade, a partir de s ua própria hi s tória, o que reforça o individualismo. Não existe mai s um rito d e passage1n entre a juventude e a fase adulta, como nas s ociedades tradicionais. O jovem passa a se caracterizar por duas características básicas que compõem o mi to: a beleza, identificada con1 o vigor fís ico, a bel eza fí s ica, e a rebeldia. A primeira, evident.e1nente, está ligada à natureza e aparece quase como uma <.:ondição inelutável. A segWlda, a r e beldia, que é uma característica cultural, aparece como mna capacidade d e des pojamento, de entrega do jovem a uma causa socia l, de tal maneira que, inclusive, o pensatnento conservador cunhou uma famos a frase, segundo a qua] é impos íve l não ser r evolucionário aos 20 anos e é impossível continuar a sê-lo aos 40 anos . Por outro lado, a má consciência dos velhos também reforçará ess e mito. A experiência cumulativa, no final das contas, é entendida como sinônimo de envelhecimento. Surge, assitn, uma crise de

gerações, um est.ranhament.o que vai se aprofundando entre un'la geração e -outra, até que fica impe dido praticamente o di álogo entre e]as. Começamos, portanto, a ficar mais perto da nossa s ituação, onde a juventude como categoria social autônoma começa a se coagular, no Brasi l, efetivamente a partir dos anos 60. A rebeldia, que é uma característica exaltada, por exemplo, em 68, cotneçará a esmorecer com o tempo. Vamos novamente retornar à situação de 1848, na Europa, quando a expectativa da revolução é fru strada. Dos anos 60 para os anos 70, certa tril ogia de características começa a identificar o jovem, como se esses e lementos fossem constitutivos exclusivament e dele é como se somente os jovens gostassem da trilogia: sexo, drogas e "rock and roll .. e, em contrapartida, a velhice fosse o des prezo dessas três coisas. Para o jov~m não há a menor graça em ser velhÔ ... Ness a visão radicalizada, a velhice é nada para o jovem, ou então, sinônimo de morte. Daí deriva a recusa do jovem com relação à velhice. É bom lembrar que no plano político, e ssa s pos turas eram acentuadas, porque se combatia a ditadura política, que era identificada.com mna certa gerontocracia, em nosso país. Daí, essa recusa da juventude em aceitar os valores dos velhos e v ice-versa, o completo a lheamento entre as duas esferas da sociedade e, portanto, a valorização da idéia de ruptura, de descontinuidade. A velhice já não é mais a continuidade do jovem, é uma outra coisa, completamente di s tinta, do ponto de vista cultural. Assim, a idéia de que esses são os valores característicos da juventude faz com que se procure prolongar, ao máximo, a juventude. Se radicalizamos esse ponto de vis ta valorat.ivo da juventude e se procuramos a eterna juventude, podemos chegar à conclusão de que é preferíve l tnorrer jo-

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vem, já que envelhecer nessas condições não kria o menor sentido. E, de falo, na minha geração, são vários os ídolos que morreratn jovens, como que congelando aquela imagem da juventude. (Jimi H endrix é o m aior deles). Esse fosso entre juventude e velhice parece insuperável, um estranham ento absoluto entre os dois universos. No entanto, o tempo passa. A primeira crise é da característica da rebeldia. A r e b e ldia que parec.:eu alguma coisa intrínseca, itnanentc, exclus iva dos jovens, começa a ser co locada cm xeque. Não é possi ve) continuar sendo rebelde o kmpo todo, sobretudo cm função d e algumas frustrações, mas também até de algumas realizações. Afinal , a democracia veio, embora ela não Lenha talvez realizado todas as nossas expectativas. Pelo sim, pelo não, e até p e la maior tolerância dos mais velhos com relação aos mais jovens, é impossível continuar insistindo nesse aspecto. Tem até uma mús ica que diz: ..não posso mai s ser normal, porque como é que e u posso continuar sendo rebelde, se meus pais são muito tolerantes'? ... " Há também um "rock" que faz menção a is to: "assitn, não vai dar, sem t er com quem 1ne rcbdar ..... P a rece que a r ebeldia vai se tornando também uma característica que o jovem vai perdendo. A partir deste período d e frustração e de meia realização, temos a vitória da outra vertente, da vertente estética, segundo a qua l r ealmente o que vale para caracterizar o jovem é a beleza física . Esta é uma situação nova, onde se exalta apenas o aspecto físico, d espoliti:cando, portanto, a juventude. Cansada da rebeldia, resta apenas, como única característica, a beleza física. O risco que se corre é que poderemos acabar invertendo aquela proposição inicial e, eJl) função de algu-

mas manifestações recentes , sobretudo a partir de certa arrogância d o jovem, .que vem sendo estimulada pelos meios de comunicação de massa, a gente pode chegar à cone lusão de que o jovem, ao contrário de vinte anos atrás, quando era rebelde, está se tornando reacionário, e há algrms e lementos possíveis de serem identificados aqui e alí, capazes d e comprovar isso, como, por exemplo, os jovens neonaz istas, na Alemanha, fazendo protestos contra os poloneses etc. Tem-se a impressão de que a juventude agora já não é mais rebelde e nem revolucionária, ao contrário, é intolerante e conservadora. Será que é isso mesmo? Será que nós devemos nos conformar com esta perspectiva ou existe uma outra? Acho que a única possibilidade de inverter es~a s ituação, que está s endo ideologicamente trabalhada, é fazer uma inversão metodológica e politizar o estético, com~çando a valorizar aspectos da velhice qu·e até agora não têm sido bem valori zados. É preciso saber ver a beleza da velhice, s aber entender a expressividade de um rosto cheio de rugas, rugas que marcam justamente a história de cada um; é preciso saber apreciar as mãos calejadas pelo tempo, pelo trabalho. É preciso valorizar a capacidade de ternura e a serenidade dos velhos, a memória que eles trazem, a sua tolerância e até a sua ironia, que também parece ter sido uma característica um pouco perdida p e la juventude. O velho, hoje, c-onsegue ser mais irônico que o jovem, até por sua situação tragicômica. Para concluir, eu diria que temos que descobrir um outro progrruna para a velhice. Minha proposta é que se adote a seguinte frase, como lema, para começo de conversa: "OLD IS BEAUTIFUL!'"


TERCEIRA IDADE ESPERANÇA DE VIDA As pessoas precisam descobrir que é fundamental ter esperança para se continuar vivendo, independente da idade que se tenha. Não existe idade para sonhar, para realizar, para aprender, para se doar, para amar.

ALDA RIBEIRO Geriatra - SP

(*)

hom etn conseguiu acrescentar anos à vida e t~1n hoje úm novo desafio: o de acrescentar v1<la a esses anos. Terceira idade - esperança de vida. Ter esperança significa acreditar. Ninguém espera se não crê que o que d eseja possa se reali zar. Tem - se pouca ou nenhuma esperança de vida se se perdeu a razão de vi ver. Vamos analisar reali sticamente o que é ser idoso hoje. M e lhor ainda, vamos tentar mentalizar qual a im agem que se tem de um idoso hoje, aqui no nosso Bras il. Primeiramente, idoso é velho e quantas vezes esta palavra é u sada de maneira depredaliva! Velho nos dias d e hoje, infelizmente, é o que está encostado, é o que não serve mais. E quantos e quantos idosos de tanto se depararem com essa atitude frenk ao avançar dos anos, acabaram se convencendo que é a realidade, que têm que viver assim? . Envelhece1nos aos poucos, dia-a-dia, só que não percebemos . E de repente algum fato ou alguém nos desperta: ··Estou ficando velho!"' Posso reagir de maneiras diferentes: fingindo não ver que os anos estão passando - a ssumindo (') Texto extraído do livro da autora

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•uçê6s para o Outono", no prelo.


cesso de envelhecimento fisioJógico. Essas alterações por s i só não Jevan1 necess ariamente à doern;a, a disfunções, à invalidez. É todo um complexo de fa tores que ampliam essas mesmas alterações, de tal fot-ina que se deixa de ter um envelhecin1ento normal para se ter o envelhecimento ao qual se s omou a doe nça. É a n1aneira con1 que nos colo<..:amos frente à vida que nos faz viverbe tn ou tnal, e da n1cs1na forma envelhecer bctn ou 1nal. A vida oferece- me opções e cu preciso saber qual devo escolher. Posso a limentar-me ben1 ou mal, cotner de maneira exagerada e desequilibrada ou alimentar-me do que é estritatnente necessário para viver e de forma balanceada. O peixe não morre pela boca? Nós tatnbém. E como escolher bem, então? Não bas ta ter condições financeiras para se comer bem, é preciso informar-se s obre o que significa uma alimefitação adequada. Posso n1ant er utn botn estado de hidratação ou não~ depende só de mim. Quanto Jíquido eu bebo diariamente? Será que estou bebendo o suficiente? A água é uma das fontes da vida e quantas e quantas pessoas ainda duvidam disto? O processo de envelhecimento abrangt: também uma lenta e gradual desidratação. Podemos contribuir para que essa desidratação seja a mínima poss ível. Posso levar uma vida sedentária ou posso adotar uma pos tura correta e ativa frente à vida. Mantendo u1na postura correta eu pcnnito a todos os const ituintes do meu a parelho locomotor trabalharem bem, sem des perdício de energia, sem desgastes desnecessários. O s anos alteram minha estrutura óssea, ligamentar e 1nexem bem menos no 1neu componente n1uscu lar. Se eu nle mantenho ativo, executando todos os movi m entos do meu dia-a-dia de maneira correta e no momento de descansar, de relaxar eu assumo a postura certa, terei

atitudes que tentatn conve11<:er a n1itn n1es1na que "ainda estou jovetn'' ou adotando a atitude que a s pessoas esperam de um velho: --vou me fechando dentro do meu 1nundo. V cjo menos, ouço 1nenos, saboreio n1enos, toco n1cnos. Toe.los os n1cus sentidos, que existen1 para que eu usufrua ao 111áxi1no da vida, deixam de ser esti1nu lados e e u passo a sen tir n1cnos. Entro, assi1n , em um a estrada setn rcton10 - cada vez n1ais em contato comigo rnesrno (con1 o que vivi e conl o que eu não vivi) e cada vez menos etn contato cornos outros. Começo a falar tnais baixo, já que tenho que corresponder à imagem que existe de velho. Tenho que necessari an1entc 111udar tninha postura - tornar-me curvo, andar rne nos e mai s lenta1nente, arrastando os pés, de preferência. Ton10me intransigente, dono-da-verdade, exijo que n1c res peiteln , tnas nenl setnpre estou disposto a respeitar os outros também; repetitivo, contando sempre as rr1esmas hi s tórias, aquelas que ocorre ram antiga1nentc, na época en1 que eu ainda .. vivia", repetindo incessantemente: "No meu tempo não era assim!" A verdade e o bom senso estão sempre no meio do catninho - os extremos são sempre perigosos . Fingir que os anos não passaram é n1e iludir e, iludindo-tne, eu deixo d e viver. V estir a roupa de velho sen1 tne ques tionar a n1im mesmo, qual o meu conceito <le velhice, também faz com qu e::: cu não viva a minha vida, 1nas a v ida que as outras pess oas esboçaram para 1111111.

Será que n ão é possível encarar a velhice <lc 111ancira menos dra1nática e negativa? Encarar a velhice de frente é analisar cri ti camente a idéia que tenho de enve lh ecimento, interessando-me por até que ponto e le é real ou foi arquitetado pela sociedade. Por que não pararmos um 1non1entinho para r caváliannos o nosso conceito de velhice? Existem altera<,:ões que ocorreram em nosso organisn10 decorrentes do pro-

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t e r muitos probl emas que não são só d e s aúde, ou posso ques tionar o <.:oncei to de velhice, precisando para tanto conservarme aberto para tudo e para todos, estando dis pos to a mudar hábitos d e vida por mai s arraigados que eles estejam. Precisamos ter hábitos saudáveis e esses hábitos adquirimos quando criança. Sempre é tempo para se n1udar, mas é muito menos traumático se nos habituamos des de crianças a sennos res ponsáveis por nossa saúde. E a saúd e é feita de pequenos hábitos saudáveis . Posso deixar nas mãos de todos as sol uções para os meus problemas, tomando-me m ero expectador dos acontecimentos ou posso procurar primeiro em mim a resposta que tantas vezes esperei dos outros. Posso continuar acreditando que velhice não traz nada de bom, que ficar velho é virar s ucata, ou posso buscar envelhecer b em, dono da minha cabeç-a e dos meus sentimentos, atuante. Nosso cét·ebro e nosso coração não t.êm limit.<.!s e, para envelh ecer bem , eu preciso usufruir ao máximo de ambos . D e que adianta pensar se não posso sentir, d e que vale sentir se não tenho con sciência disto? Eis o grande desafio que é envelhecer bem, continuar a set um cérebro pensante com um coração capaz de sentir. Envelhecemos como vivemos. Colherei amanhã os frutos do que tiver plantado hoje . É por isso que precisamos com eçar a pensar na v e lhi ce quando ainda somos jovens. Cada dia que passa se tem mai s a certeza que naturalme nte c h e garemos à t e rceira idade, e ela vem aos poucos, dando-nos inc lusive t en1po para pensar sobre ela e planejá-la. Para tanto é preciso conscientizar a todos e principalmente aos idosos que a procura da felicidade deve ser incessante e que e la é feita de momentos, por mai s que a que iramos duradoura. E quem di sse que existe um limite de idade para se ser

nu.'.1sc ulos fortes que por conseguinte protegerão 1nuito rnais tn cus ossos e ligatnentos que os anos enfraqueceram. M eus próprios ossos estão e1n constant e renovação. Mant e ndo- me ativo, movimentando-me, pennitirei que eles so fram n1enos as alterações decorrentes do envelhecimento. Evitarei que se s o n1 e1n os e feitos negativos dos anos com aqueles decorrentes da inatividade. O s nossos tnús<.:ulos são talvez as estruturas n1ais sensíveis ao nosso estado emocional. Qual a postura que assutne uma pessoa depl"imida'? Imaginem quanto so fr e 1n suas estruturas n1 úscu l oesqucléticas com isto. Cobrando de meus músculos un1a atitude correta, corrigirei un1 estado e n1 ocional e vice-versa. É por isso que quanto mais ativa fisicamente utn a p essoa estiver, n1ais estimulado tatnbém estará o seu cérebro e, conseqüentemente, n1ais ativa tambén1 mentaln1ente. Aqui surge, então, um grande problema: " O s idosos estão na s ua grande maioria sentados, psicologicamente sentados." Como con seguir que se levantem ? Como fazê- los assumir uma atitude mais ativa, d e questionamento frente ao próprio cJ1velhecimento e não de aceitação r esignada d e utna imagetn preconceituosa da vc lhic<.;? P osso crescer continuamente corno pessoa ou esta<.:ionar-tne no meio da vida. Ser á que estou disposto a questionar a mim mesmo, apontando-me defeitos a conigit e vittudes a lapidar? Ou será que v isto a roupa de velho ranzinza, chato, intrans ige nte, que conhece tudo da vida e já sabe d e antemão a r esposta para toda e qualquer pergw1ta? Posso convencer-tne que velhice é sinôni mo de doença e que, portanto, terei que <.:arregar um médi co a tiracolo quando ela chegar, d e legando a e le a incumbência de se responsabilizar pela minha doença, ace itando como única solução para os m e u s probletnas os remédios que ele prescteve, esquecendo-me que o idoso pode

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feliz? Será que não têm passado por mim momentos de felicidade que eu não perc.:e.? b l. A s p essoas preci s an'l descobrir que é fun<lan'lental ter (.;Sperança para se continuar realmente vi vendo, independente da idade que se tenha. Da mes ma forrna que não existe idade para son.har, para criar, para reali zar, pata aprender, para se d escobrir, para se doar, para arnar.

à vida, n1as sobretudo vida aos anos é

preciso pritneiramente dialogar c.:om os idosos. É o idoso quem lt::m todas as respostas que nós pro fissionai s precisamos. Organizar uma política de atendimento ao idoso deve antes de mais nada ter como objetivo uma mudança de mentalidade, que se faz com troca de informações. E o meu papel como médica Geriatra que sou? Ao invés de falar sobre o que é neces sário para se curar urna doença preciso fa lar um pouco tnais do que é preciso para se ter saúd e. Só assim penso que conseguiremos afastar a idéia errada de que ve lhice é sinônimo de doença, de entrega, d e acomodação e de que velho não vive, tnas espera a morte chegar.

"Para ser grande, sê int e iro Nada teu exagera ou exclui Sê todo en1 cada coisa P õe quanto és no mínimo que fazes Sou quem falhei ser". (Fernando Pessoa) Quando se pensa etn acrescentar anos

•.

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O VELHO NO BRASIL POBRE E NO BRASIL RICO Talvez o iniportante não deva ser a identificação da velhice no Bras il rico e no Brasil pobre, nias o despertar para

'"''ª ação conjunta, verdadeira, na qual o poder público e a sociedade civil encontrem forma s de melhorar a c ondição da velhice brasileira, por uma questão de ci vis mo, de direito, de jus tiça.

MARIA JOSÉ LIMA DE CARVALHO ROCHA BARROSO A ssistente Soc ial e Geromó loga

IAl "Era da Ve lhice''. iniciada cm 1975, te m si d o ~

p ow.:o difundida, pes quisada e "traba lhada.. no sentido d e gerar c uidados, a tc n<,: ões gover...

n atncn tais e iniciati v a s d a sociedade. A inidati va do SESC/S P , atrav és da GAETI - Gerência d e Apoio ao Estud o da Terce ira Idade, tem s ido provi d e n cial, pron1ovc:;ndo estudos, d e bates e infon11ações. Ao mesn1 0 tctnpo vem estimula ndo e akrtando ó rgãos p úbl icos e p articu lares, pro fi ssio n ais e volW1tários s obr e a ques tão d o enve lhecimen to n o B rasi l. A velhice, segundo a ONU e d e acordo com os c rité ri os adotados no Brasil , tem in icio a partir dos s essen ta anos. Quase sempre tem s ido visual izada d e forma di scrimina tó ria, p o r ângulos compara ti vos. D iz-se g c:;r a lmenle, que existe n1 várias forma s de velh ice: - a d o b ranco e a do pre to; - a d o intelec tual e a d o ana lfabe to; - a d o urbano e a do rural ; - a s adia e a d o e ntia ; - a ajustad a (feli z com a idade) e:; a desajus ta da ( infe li z e inadaptada). - a do h omem e a da mulher. E, p or ai, vão a s comp arações ... O processo do envelhecime nto, send o difer c:;ncial para o s indi víduos e as p opu lações, tomase m ais acentua d o, no Brasi 1, c m face das d esigual-

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dadc~ existen tes entre as regi ões. A abordagem r c rt cxi va, proposta neslc mon1ento, refere-se ao velho no Bras;i ri co, geralmente idet1lifica<la pelo fator cronológico, e a do Bras il pobre, refere nciada pela decadên<.:ia f ís ica precoce. A velhice sob tr ês vertentes: 1 . Como a socied ade d o Bras i I rico e a do Bras il pobre identificam a q uestão social do envelhecin1ento. 2. A qualidade d e v ida e do dcsenvol v in1cnto humano das pessoas idosas. 3 . Como as pessoas e nfrcnt a rn o seu próprio processo de envclheciment<.l.

em processo de envelhec imento ou cm estágio de velh ice. Nesta última fase é con s tatável o níve l d e d esenvolvi mento o u s ubdesenvolvimento onde foram vivenciadas as e tapas ante riores do cic lo de vida. P e rfil S intético do Brasil Rico: O Brasi l rico é: - 8!! e c o nomia do mundo ocidental; - o mais industrializado da Améri c a Latina; - o 2!! maior produtor de soja; - a 2!! r eser va mundial de ferro; - o 4 2 rebanho mundial: - uma indústria automobilís tica entre as sete mtm.diai s . Alé m d esses indicad o r es econômi cos, outros r e lativos a esta r egi ão apresenta1n urna expec tati va de vida próxima a <los países europeus, como a Grécia, Itália e Espanha. É a im agem do Bras il rico, d esenvolvido, estruturado em parâmetros de cconomi~ lendo o d esenvolvime n to humano vindo como con seqüê ncia natur a l. Perfil Sintético do Brasil Pobre: É o reverso desta imagem p ositiva. O Brasi 1 pobre, representado pelo Nordeste, constituído d e nove Estados e un1 Território, sobrevi vc com uma economia d e s ubs istência, r esultante d e uma p o breza estrutura] e cícli ca. Além d e ser uma região semi-árida, com pro bl emas climá ticos já seculares, n ão se <leve esquecer o desenvolvimento primário e as cri ses de recessão e esquecitne n to o fi c ia l que lhe são características. A riqueza d a região é absorvida em torno d e 1 % pela população, enquanto o s bol sões de miséria absoluta se reproduzem. "A R egião Nordeste não avançou nas estruturas sociais e econô1nicas da é p oca que ainda h oje obstacuJizain o d esen volvimento moderno". (1) Encontra-seno Nordeste os diversos ros tos <la velhice: idoso- precoce, idosohi p o d otado, p seudo-idoso e o utros mais,

O BRASIL País de grande complcxida<.k, de itncnsas ri<.4uezas, profundas desigualdad es en1 processo de descnvolvitnento fragrnenlado. Un1a sociedade dualista, pen11ca<la de crises dctenninantes da n ão solução de sua s grandes questões sociai s, s ob múltipl os aspect os. D urante mui t os anos, projelou- se c01110 um país eminentemente jovetn. A estrutura demográfica representava uma base a1npla e um cin10 r e duz ido, representando a população idosa. Na modalidade dos ternpos, exp e ri n1c11ta o pais unia transição d emográfi ca, criandü utna nova imagem, com redução da hasc e a amp li ação d o ápice, indkando o e n velhecin1ento da p opulação. Apesar d os censos de 1960/70 e 80, das proj eções do lBG E, P N AD, d e o utros órgãos, estribados em estu<los c ie ntíficos da O NU, a realidade da velhice ainda não mereceu prioridade goveniamental como uma importante questão a ser incluída entre as atenções e as lutas pelos Direi tos Humanos. A sociedade b ras i leira r eceb eu fortes influê ncias da ideologia capita lista, tnanifestada através de preconceitos, tnilos, ester eótip os, d esvalorizando a p essoa

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simbol i/ an<l o o <.:t1vdh1.:<.:i11H.:nto a n t<.:<.:ipa<lo e d c<.:adcnt<.: . O <.:lima, a p obreza, a <.:a rc:1H.:ia <la a:-.si:-.tén<.:ia int<.:gral (médi<.:a, so<.:ia l, cu lt ura l, cdw.:a<.:io11al) , as <.:011<.liçôes de t ra ha llt <..) <.x m s titu cm l°alor<.:s dct<.:rn1i11ant<.:s d u d esgaste humano, a partir dos 40 anos . P or0111, ap ...:sar d essas dit"i<.:ul<lad<.:s, cnnstitui o Nordcst c Lttna re gi ão r i<.:a, <.:on1 grand es pol\.'.11<.:ialidades "i1 1 11atura ... ln<licadorc:-- So<.:iais: - h a ixo nível de vida resultante..: d <.: fato n:~s di vc rMi:-. <.:01110 a <..ksnutri1yão. inci d ê n<.:ia d c doc 111,:as d e<.: orTc 11t cs d c..:st<.: 11ivd d c p o bre /a ; ""Os padrôcs d e saúde , Cl11 r.t/.à<.1 dessas doen<r·as <...'<,n trolávcis in<.:idirc.:111 <.:0111 grande rn:t.Jü(·n<.:ia , são <.:on s i<lera<lo~ ind <.:scjávei:-; e mu it a:-- vczcs s ub- hum:. mos".

ri111 n país da Á fri<...·a, 1...·11<l<.) <.:re:-.<.:ido o n i.:m11.: ro de mi ser áveis para 33,2 milhões d e p cs:-.oas ... (3) ""Se1n s aúde, sen1 e d ucação, onde 20 % d os c..:hefes de familia sãn mulheres d,.:sa:-.sis tidas e 23 % <la p o pu lação q ue traba lha gan ha menus <l c 1/4 cio salá r io 1nín i111 0, as escan dal o:-.as distâncias entr e os 111ais ri cos e os nrni s p o bres que v i vem c.:nt n : o Oiapoque e o C hui, levaram o B I RD. a compará-los aos que :-.eparam o s Marajás da ralé faminta na Índia " . ( 4 ) .. A s i t uação do N o rdeste ~ p articuh.1n11<; nt c drarnáti<.:a, apresent ando níve is d <..: mi sé ria e pobre/.a s ign ifica tivam ente m a is <..:levados, qualque r que seja o tipo d e á rea - r ura l, urbano, mt:tropolitana -, do qu e as ,kmais r e giões do pa is". (5) Con fronto d e R ea lida d e: Diant e desses quadros tão d isc..:rep ant<..'!, p o d e-se dis tingu ir a s ituação do c n vc lh cc i111 <.:nt o no B r asil ri<.:o, dcscnvolv ido e o do Bras i I p o bre, s ubdesenvo lv id o. O mo<lelo e<..:on ô nlic.:o d esv i n culado d o d<.:s<.:n v o l v in1 e nt o hu1nano é a razão principal do baixo índice n os ind icadores s ociais, agr avando- se no Nor des te, pelas a d versidades c limáticas e p e ri ó dicas . ··o te mpo da vdhi<.:e em s u as dificul dad es particula1·es acentua as precárias con d iç ões de v ida . agravadas p e la i11 exis t6 n<.:ia de políti c..:a s públi cas que o bj c ti venl r esguardar o u amparar as pes soas ido s as". ( 6 ) No B ras il d es<..:n vol v ido a expectati va de v ida é maior, incid indo cm 6 7,2 :.mos, própria dos p aíses do pritneiro mun<lo, e nquanto n o Bras i I s ubdesenvolvido a l:x is t i: 11<..:ia é de 16, 2 a n os a men os, (7) i11<..:idi 11 do em 52,4 anos. Países d e bai xa rL·11da . .__.m 59 anos, n a d efin ição d o ban c..:o Mundial. E m Santa Catarina, a m é dia d e vida

(2)

A taxa de ana l fab c..:ti:-.m o 0 <..! ..: 49,] % , e11yuant <. 1 a R egião Su l atinge 18 % . A 111 o rt a lidade infantil s upe r ou , nos ~IJ1 C. )S 80, a do C amboja ( Ori e nt e M é di o) e a d o Vict1rn , cn1 guerra. - 44 'X <l os nordcs t in os n ão poss11c1n aba:-. te<.:imento d"água. E111 1984, ap<.:nas 5 % <la popula1yão dispunham d e in s ta la çóes sanitá ri a:-. ; - J9% aul"crcm r e ndi111 e nt os inferi or es a 1/ 4 d <.) sa lá r io mínimo p<..:r <..:apta; - 77 ,6 % mio rece bem ac1111a <le 2 :-.alários 1n111111lo:-.; - 5.5 111ilhoes de p es:-.oa:-. 1n11graram pa1·a ou1 1·a:-. r..:gi<'>cs; - 54'·' lugar cm tcnnos <le q11alidad c ck v i<la. E ss ...·s <.hu..lo~ revel a m uma realidade pnº>x ima d os grupos humanos a l"r<.)-asiát.i cos. Alg11mas c itaçôcs: ··o Bra:-. i I só per<lc para um p aupér-

; . Celso Funado. Formação Económica do Brasil . Artigo. ·v1e1/lesse et sous development le cas 81as1//ene. Citado na Confe· rt!incia · A situação do Idoso no Brasil · Seminário Franco-Brasi!le1ro sobre o Envelhecimento · Comparação entre Duas Sociedades. par,s, 23:29. 10. 88

2. Ma11a Jose Lima de Carvalho Rocha Barroso. O Desafio do Envelhecimento no Nordeste. revista· A Terceira Idade, Ano 1. ng 1, SESCJSP.

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menlo ç nen1 a p essoa re<.:ebcdora. Algumas iniciativas da sociedade d vil r esultaram d e esforços de profissionais ou de apos entados mais d cscn1baraçados. Na realidade, inexiste ainda uma p olítica soc..:ial capaz de oferecer e assegurar proteção e assistência soc ial, viabilizando condições de melhoria de qual idade de vida e bc::m-cslar cxistçn<.:ial. Somente cerca de l 0 % dos rc:;cursos financeiros para o órgão de Assistência Soc..:ial foram destinados aos idosos caren tes. Apenas 1 % desses idosos necessitados re<.:ebeu algutna forma de al.endi tne n to, confonne estatística apresentada extra- oficialnH:mte. (Le.vantarnento procedido d e ntro do próprio órgão, n os anos

alcançou 70 anos, cn1 1989, en4uanto a média no Brasil incidia em 64 anos. No Rio Grande do Norte, nos anos 80, a espe rança d e vida p ara o hotncm estava etn 44,7 anos e, na Para1ba, 46,2 anos. ·· A Região Nordestc somava , etn 1980, un1 tutal de 2,2 milhôcs de p essoas. Em 1985, dados do PNAD indi caram um contingente de idosos da ordem de 2,7 milhões, e est im ativas para 1988 apontara1n urn nún1cro <.:on·esp<.mdcntc a 3 n1i lhôes de pessoas nesta faixa etária." (8)

COMO A SOCIEDADE BRASILEIRA IDENTIFICA A QUESTÃO DO ENVELHECIMENTO Observou- se, ne sses últirnos quinze ano::,, yue a sociedade brasileira te tn idcntifi<.:ado a realidade e a dimensão do proccss<.) de e nvelh ecin1ento dos brasileiros corno UMA QUESTÃO ENTRE OUTRAS TANTAS DO PAÍ S, SEM NÍVEL DE PRIORIDAD E. Até o inicio dos anos 80, ainda persistia uni atc:;ndin1ento con1 o caráter de ben1..'. :--.s c c caridade, como se o idoso pertcnecssç a u1na categoria inferior. A natureza assist1,;ncialis ta era interpretada s in1 plesrnente cotno dar urna .. çsmola" , para urna solução imediata. Inexi s tia a compreensão de que ass is tên<.:ia, nos casos devidos, é DEVER DO ESTADO, é DlREITO D E C IDADANIA, não diminuindo <.> órgão público prestador do atendi-

-

8 0).

As medidas governamentais implantadas· foram fragmentadas, sem a integração dos diversos órgãos governamentais, sem uma dec isão política capàz dç gçrar cun1pritnenl.o e compromisso de contin uidade e universalidade . P o r su a vez, a s conqu i stas previdenciária:,; não tiveram a intencionalidade de conferir direitos soci ais, próprios de cidadania. O objetivo sempre teve a característica de assistência- b enesse, pois inexistia a consc iê ncia do DEVER DO ESTADO e do DIREITO DO CIDADÃO , e m yualquer idade. DEVER DO ESTADO e DIRE JTO

--·-- - - - -- - - -

3. BRASIL · UMA POLÍTICA PARA A VELHICE, JA Jean-Michel Hôte Brascores · Gráfica e Editora Lida .. 1988 4. VELHICE, UMA NOVA QUESTÃO SOCIAL Marcelo Antonio Salgado SESC/SP. 1980 5. O DESAFIO DO ENVELHECIMENTO NO NORDESTE Maria José Uma de Carvalho Rocha Barroso • Revista a Terceira Idade SESC/SP, 1989 6. GEOGRAFIA DOS CONTRASTES · Vol 1

Elian Alab1 Lucci Ed. Saraiva, 1990 7. O BRASIL DESIGUAL · ANTIGO Tribuna do Ceará· 19.02.91 8. A PROTEÇÃO DO IDOSO NO BRASIL · Conferência Marcelo Antonio Salgado 9. A INVENÇÃO SOCIAL DA VELHICE Dirceu Nogueira Magalhães Ed.Papagaio Lida. 1989 1O. PROJETO NORDESTE PUBLICADO NO JORNAL O POVO 28.08.89

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DE CIDADANIA são frutos da moden1idade, conquistas asseguradas pela Constituição Federal e a consciência social elastecida e aprofun<lada pelos estudos, discussão etn grupos, assembléias dos n10vimentos populare~ e associativos. Os avanços na Constituição Federa] e de algumas estaduais, ainda não regulan1entadas, foram conquistas cujo mérito maior atribui-se aos aposentados e idosos das regiões mais desenvolvidas, pelo e 1npenho, esforço e con1pclência nas ações políticas. Nas deci sões politkas t êm preva lecido mais a en1ocionalidade e a benevolência - "pena dos velhinhos", suplantando a intencionalidade da garantia dos direitos como DEVER SOCIAL, DEVER DO ESTADO, direitos de cidadania, negados por muitos anos. É interessante observar legisladores, dirigent es de órgãos públicos já pertencentes à categoria da terceira idade não d e fenderan1 a causa con10 futuros benefi ciados. Por sua vez, os idosos ainda insuficientemente infonnados e estimulados deixa1n de ass un1ir wna pos tura de cidadania , não reivi11<licando direitos, não se preocupando co1n un1a sociedade n1ais hurnana e responsável pelo betn comum. Ausentam-se <las organizações sociais. Esperam rnudanças benéficas, talvez por teren1 intenrnlizado e1n s i a tatuagem da ""pena", da benesse, da caridade com os idosos, ou 1nes1no por inco1npctência desses, esquecidos do direito de SER e de s ua cidadania.

cimento. Os ido sos mais estimulados à mobilização ê organização socia l, partidpam com desen1baraço e con1petência, en1 debates, seminários, passeatas. Elaboram manifestos, colhe111 mais de 3 0 mil assinaturas, numa grande m obi li zação, tentando dar o respaldo necessário às reivindicações, em um tempo recorde. Demonstran1 rnai or nível de segurança pessoa l e, sobretudo, uma consciência sóJida e abalizada s obre a questão do envelhecin1ento e dos direitos dos idosos. Sabem, assim, exigi r de viva voz, os direitos que lhe são dev idos. De certo modo tiram o real proveito da experiên cia acumulada, das conquistas já alcançadas e do tempo ainda restante. Libertos de preconceitos, vivetn com mais independência de atitudes, de gestos,· de formas de pensar. Participam de movimentos cívico- cu lturais e políticos e das Un i versidades da Tercei ra Idade. Cultivam intei-esse pela aprendizagem, pdo corpo, a política e a vida. Assumemse com a idade atual, busca.tn o equi hbr io afetivo-emocional, com tranqüil i dade namoram, casatn-se, trocatn de parceiros com o m esmo "fair-play" dos adultos da m oden1 idade. lrnpõe1n - se aos filhos, noras e netos, defendendo suas idéias e opções. Fazem turisn10, sozinhos, co1n boa dose de segurança e .. savoir vivre". '"No meio social das elites, essas condições j á e q uivalem aos dos países desenvolvidos". (9) Porém, ao lado dessas imagens, encontramos outras deprimentes que n ão podem ser esquecidas. Nos asi los, nas ruas, idosos anônimos, passivos, com fastio existencial - fantasmas do abandono. Esses rostos da velhice são tambén1 encontrados nas c l ínicas luxuosas, m ult ip licadas como ..negócio rentável"'. cobrando a pes o de ouro a presença incômoda do longevo das fam ili as abastadas. Outros, espoliados de seus bens, são relegados também ao abandono. Encon-

Q UALIDADE DE VIDA E D ESENVOLVIMENTO HUMANO É inegável uma melhor quaUdade de v ida na Região Sul/Sudeste. A s oportuni dades e os espaços sócio-culturais são mais nwnerosos e diversi ficados. As influências da miscigenação das etnias favoreceram melhor aceitação do envelhe-

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tra-sc d e tudo, de fort11a <l<.)lorosa, inacre ditável . Para con ferir é só v is itar os a s ilos, as clínicas; fi car at entos, o uvir os própt"i os idosos, os profi ssionais, os voluntários, os dirigen tes d e e ntidades sociai s. É só con s tatar no cotidiano, nas ruas, praças nos transportes coleti vos, nas l"ilas d os bancos, nos postos de saúd e e hospi tais a falta de hu111an isn,o e ck res p eit o às p essoas e nvelhec idas. E os V e lhos da Regi ão Nordestina'? P e los baixos índices de d esen vol v imento hunu1110-econômico-social, é tnai s dramáti ca ainda a s itua ção ... Mais da metade dos mi seráveis do pais estão no Nordeste"; ( 10) d esta fonna, não podemos ignorar a velhice n,i serável d o nosso país . O êxodo d o campo acarreta encargos farniliares para os idosos. Mesmo <lesprovidos d e r ecursos e sem acesso à a ss istênc ia públi ca, são for çad os a assum irem e ncargos acitna de s uas forças. Ernpregatn a aposentadoria ou p ensão ins uficientes para as necess idades p essoa is (m e dicatn e nt os, alimentação e vestuário) e contribuem para o s ustento <la fam íli a . Em ou tros casos, força dos p e lo êxodo, o s mais jovens levam consigo os seu s velhos para conviver con1 a incerteza: d e baixo d e pontes, e tn favel as, p erdendo as s uas raízes, as an,iza<les, os lugares já veteranos - é urna p erda d e grande dime n são - a p erda d e s u a identidade cu] t ural. A velhice no Nordes te reves te-se de maiores <li ri cu Idades, considerand o os estágios anteriores do c iclo d e vida, nos quais sofrem priva ç ões d e di ver sas ordens, pela desnutrição, falt a d e assis tê n cia médica, condições d e higiene, produz indo a ·•velhice precoce", os "'pseudoidosos " e os "'idosos hipodot a do!-5", tão b em d e finidos pelo soci ó logo Dirceu Magalhães. .. A d ecadente aparência física, o rosto forte 1n e nt e m arcado por rugas pro f undas, a pel e e nrij e cida e r essecada, o baixo

c~tado d e â nim o, o olhar frio e distante r eve lam um (ksgaste v ital , aos 40 anos ... A velhice múlt ipl a da viúva d e 65 anos, de condições tno d estas , difere da '"senhora de 80 anos que dis trai sua soli d ão, pa sse;;an d o c o n1 seu cão etn Copacabana". São duas s ituações, refletindo cada un,a, a r egião onde se desenvolve este tempo d e velhi ce . A ve lhi ce d os ricos ten1 s uas peculiaridades, p e las mordon'lias que dis põem. Se d etém patrimônio, despertam cobiça e disputa. O asilamento para o rico dói muito mais. D a í, as estatís ticas dos países ricos ao r evelarem a 1norte s ocial, aos 6 n1eses e a bi o lógica aos 12 m eses, dos idosos ricos inte rnados contra a vontade, e n1 a s ilos. Cotn os pobres, ocorre muitas vezes, o in verso, si gnificando s obrevivê ncia tranqüila, ·pois r eceb erão cuiJados, ai imentação e medica.tn e ntos, quando necessários. O velho rico se impõe muito ma4s p e lo p u<ler p essoal , político, monetário ou p e la educação d e respei to aos 1nais velhos que soub ç tran s mitir. O ve lho .. pobre" manté tn a autorida<le p e la s uavidade d e gestos, pelo a rnor e d e dicaçã o . Nestes, os laços afetivos aparentam sempre mais fortes. O pobre tamb ém não rica segregado dentro de c a s a. O ambiente famil iar é tão diminuto, não cont ando com quartos d e despejos, onde os idos o s mais "" abonados" são colocados . Com os espaços t ão r estritos o s idosos não sentem a s barreiras da solidão e abandono, n1es mo porque e xi ste urna rede de sol idarie dade e ntre familiares e vizinhos.

CONCLUSÃO T anto no Brasil ri co como n o Brasil pobre, a questão social da velhice consti tui utna realidade fort e , d esumana. Constata-se não haver uma divi são g eopolítica definida, separando as r egiões, poi s encontramos bras i s paralelos (rico 1..: pobre) s itnultaneatnente, na mes-

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ma região. No Nordeste, cotn toda a sua pobreza de terceiro mundo, existe tamb ém um Brasi l rico. Em alguns nívei s, a velhice no Bras il rico não é melhor que a do Brasi l pobre. O s probl e tnas são ev ident es e con,uns; entre n1uitos se destacatn: - s oli dão ; - abandono; - ausência de consciência social coletiva, n egando a velhice, respeito, digni dade, direitos, como prioridade inc luída nos Dire itos Humanos; - ausência de decisão política por parte do poder público (Legis lativo, Executivo, Judiciário) na determinação do cumprimento das leis existentes, criação de outras leis de proteção e assistência social e de prioridade a esta questão; - carência de infonnações, em nível nacional, estimulando a criação de uma opinião pública, de valorização e respe ito à velhice; - escassez de espaços sociais, adequados, viabilizadores d e crescimento ::,ócio-existencial, conferindo à velhice um tempo de bem -estar e p lenitude. O poder públ ico tem sido até certo ponto omisso fre nt e às conseqüências e os efeitos que poderá acarretar ao país o crescirnento populacional de forma acelerada, com previsões alarmantes, ton,an -

do o país o mais envelhecido da Arnérica Latina. Sem planificaçã o d e m<?didas asseguradoras de uma melhor qualidade de vida, este crescitnento poderá carrear implicações de ordem econômico-cultural-política. Poderá, ainda, modificar as relações do estado e da sociedade dualist~ bem como as relações intergeracionais. Uma síntese final: - 60% dos idosos são do sexo feminino; - 72% vivem nas zonas urbanas; - 86% vivem na região s udeste; - 51 % são analfabetos. Yeri fica- se, assim, ser a velhice brasileira acentuadamente feminina e urbana. Talvez o importante não deva ser a ide ntificação da velhice nos brasis rico e pobre, mas o despertar para uma ação conjunta, verdadeira, na qual o poder público e a sociedade civil encontrem formas de melhorar a condição de ser da velhice brasileira, por uma questãC1· de civismo, de direito e de justiça. São injustas as omissões, a exploração, a discriminação, a insensibilidade em relação à pessoa idosa. Aqueles construtores que com talento e esforço pessoal e coletivo contribuíram para as riquezas des te país e a formação da família brasileira merecem todo o nosso respeito. É ques tão de patriotismo amar, respeitar e dignificar a velhice brasileira.

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BIBLIOGRAFIA COMENTADA SALGADO, Marcelo A. A Proteção do Idoso no Brasil - Conferência JAGUARIBE, H é lio e o utros. Brasil - Reforma ou Caos, 2 1 ed., Pa z e Terra - 2ª Edição - 1989 HÔTE, Jean Michel. Brasil - Uma Política para a Velhice, Já Brascores - Gráfica e Editora Ltda., 1988 SALGADO, Marcelo A. Velhice, Uma Nova Questão Social SESC / SP, 1980 BARROSO, Maria José L. C.R. Desafio do Desenvolvimento no Nordeste Revista A Terceira Idade - SESC / SP, 1989 LUCCI, Elian Alabi. Geografia dos Contrastes Ed. Saraiva, 1990. vol. 1 TRIBUNA DO CEARÁ. O Brasil Desigual - Antigo Publicado em 19.2.91. MAGALHÃES, Dirceu N . A Invenção Social da Velhice. Papagaio Ltda, 1989 O POVO. Projeto Nordeste. Publicado no jornal em 28.8.89 FOSSA, Maria das Graças R. Aspectos Demográficos d~ Envelhecimento II Fórum Nacional de Gerontologia Social - Fortaleza, 1988. •.

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• A Sodcdadc Brasileira oc Geriatria e Gcrontologiu (S BGG ). a Fctkraçào Latino - A tncri ca na de Soei cda<le de Geriatria<..' Gcrontologi.:1 (FLASGG) e o ComitC::· Latino- Americano da A ~!-.ociação l nlcrnacional de Gerontologia (COM LA T -A JG ) estarão promovendo, d e l 8 a 2 l de outubro de J 992, no Hot el Fazenda Solar das Andorinhas, cm Can1pinas, SP. a II Jornad a de Geri at ria e Gerontologia do Cone Su l e, s imult aneamente, a X V Jon1ada MédicoSoci.:11 <la Terceira Idade. Durante o evento, ocorrer a lan1bétn o V Si m pósio de Reabilitação em Geriatri a . Participan.io du:-. atividades, c:01110 docentes, especialista:-, <lo Brasi l e do exterior, roe ai izando ternas de interesse para gcriatras, gerontólogo:-. e técnicos que e:-.tào l rabalhando junto a grupos de idoso:-.. lnforinações: Rua Coe lho Neto, 447 Tel.: ( O 192) 3 1- 0866 - CEP 1 3 023 -020 Campina:-. (S P) .

• Com o titulo ••EI viejo en e l 92" e sob a eoordcnaçao do lns t i t ui o Gcrontológico Andalt1/ , :-.crào realizado~. de 2 a 5 de de;.,emhro d e 1992, cm Sevilha, na E:-.pa11ha. o li Congresso lbero- Atncricano de Geriatria e Gerontologia, o XIX Congr<.:sso da Sociedade Andaluza de Gt-riatl"ia e Gerontologia e a V III Jornada sohrc o Envelhcci,nento. Sede <los Congressos: H otel AI - Andalus P alacc de Sevilha. Inforinaçõe s: Apartado de Correos, 12235, 41080 - Sevilha - Espanha - T e l. : (95) 445 - 6822 e 445-7239 - FAX (95) 445 - 5 090 .

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b tema "As Águas Vão Rolar" , enf ocando a relação dc.1 água <.:om a vida, mar<.:ar á o VII Encontro Estadual de Idosos a r eali/.ar-sc de 23 a 25 de o utubro des te ano, cm Piracicab~ interior do Estado de São Paulo. Tendo por objetivos proporcionar momen tos de refl exão sobre a importância çço lógi ca e cultural das bacias p luviai s, e discutir os aspectos existenciais e religiosos da água na formação das c i vili'.l'.ações, o evento deverá r eunir cerca de 800 idosos da capital e <las c idades int,.,;rioranas. Além das p alestras <le espc<.:iali stas, o En<.:<.mtrocontará tarnhé 1n con-. trabalhos de pesquisa sobre o te ma propos to que serão apresentados pelos representantes dos vários grupos. A parte artis ti<.:a e social terá sua vez no:-. csp,.,;táculos alusivos ao assunto e nos

motnentos de <.:onJrat cn1ização e lazer.

• l nronnamos, finaltnente, que por un1a Resolução da ONU a comemoração do Di a Internacional do Idoso passou d o dia 6 para o d ia 12 de outubro, a partir deste ano de 1992.


CONSELHO REGIONAL DO SESC DE SÃO PAULO PRESIDENTE Abram Szajman

Membros Efetivos Aldo Minchillo Augusto da Silva Saraiva Chafic W ady Farhat Fileto de Oliveira e Silva Netto Isaac Naspitz Jorge Gabriel José San tino de Lira Filho Juljan Dieter Czapski Laerte Horta Manuel Henrique Farias Ramos Orlando Rodrigues Paulo Fernandes Lucânia Pedro Labate Rubens Ferreira Rui Vieira

Membros Suplentes Airton Salvador Pellegrino Amadeu Castanheira Ariovaldo Cirelo Fernando Soranz Israel Guinsburg Ivo Dall' Acqua Júnior João Pereira Góes Jorge Sarhan Salomão José Rocha Clemente Luciano Figliolia Mauro Mendes Garcia Nerino Soldera Oswaldo Guarnieri de Lara Walace Garroux Sampaio Walcídio de Castro Oliveira

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL Membros Efetivos Abram Szajman Aurélio Mendes de Oliveira Raul Cocito

Membros Suplentes Manoel José Vieira de Moraes Olivier Mauro Viteli Carvalho Sebastião Paulino da Costa

DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL Danilo Santos de Miranda

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Localizado no região mais populoso do capital. a Zona Leste, o SESC ltaquera é o maior complexo de lazer da cidade de São Paula. Com 350.000 m' de óreas verdes e 61.421 m' de óreo construída, dispõe de porque oquótico com 5.000 m' de espelho d'óguo, toboóguas, correntezas e brinquedos oquóticos ginósio coberto com 3 quadras poliesportivos, solões de jogos, quadros de bocha, bar e lanchonete 8 quadras poliesportivos descobertos, 3 quadras e paredão de tênis, 4 quadros de malho e 3 mini campos de futebol em areia • óreo social poro estar e convivência, com espaços para exposições, ambientes de múltiplo uso e bar • lanchonete • praça de eventos • 57 quiosques com churrasqueiras estacionamento poro ônibus e 1.166 outamóveis. l SERVIÇO SOCIAL 00 COMÊRCIO UNIDADES 00 SESC: lnterl4flOII, Pomp6ia, Consotaç,ao, lmq.-a, Clllmo, FlorOnolo do Abn>u. Trolp(J, ftalm, A ugusta. Roosevo/t, S4o Ca&IDII<> c1o Sul, S4o Josô dos Campos, Ctvnpinafl, Bauru, Bérlloga, Rio Preto, Catanduva, PlracJcaba. Santos, Rlbe/rlJo Preto, Tsub,Jtô, Silo Carl<>&


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