Digital catalogo mtsp2020

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MOSTRA TIRADENTES | SP - MARÇO 2020


Raquel Hallak d’Angelo Fernanda Hallak d’Angelo (organizadoras)

1ª edição | Belo Horizonte | Universo Produção


Título: Mostra Tiradentes SP 2020 Formato: Livro Digital  Veiculação: Digital  ISBN: 978-65-86472-03-5

MOSTRA TIRADENTES | SP 2020 ORGANIZADORAS

Raquel Hallak d’Angelo Fernanda Hallak d’Angelo PESQUISA ACERVO DE IMAGENS E DADOS

Cecilia Gabrielan Fernanda Hallak d’Angelo Laura Tupynambá IDENTIDADE VISUAL E DIREÇÃO DE CRIAÇÃO

Mood – Leo Gomes DESENVOLVIMENTO DE PROJETO GRÁFICO

César Henrique Tiago Martins PRODUÇÃO GRÁFICA

Assunção Tomaz REVISÃO

Beto Arreguy 1ª EDIÇÃO – OUTUBRO 2020 EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

Universo Produção DIRETORES DA UNIVERSO PRODUÇÃO

Raquel Hallak d’Angelo Quintino Vargas

RUA PIRAPETINGA, 567 . SERRA . 30220-150 BELO HORIZONTE . MG . +55 31 3282.2366

universoproducao.com.br mostratiradentessp.com.br sescsp.org.br/mostratiradentes


O N L I N E E G R AT U I TA

01 - 07 OUTUBRO 2020

SESCSP.ORG.BR/MOSTRATIRADENTES YOUTUBE/CINESESC MOSTRATIRADENTESSP.COM.BR


IMAGINAÇÃO QUE INQUIETA E IMPULSIONA A capacidade de adentrar os mistérios do pensamento simbólico fez com que os seres humanos pudessem extrapolar suas relações com o mundo natural e passassem a elaborar outras formas de conexão. Foi por imaginar outras possibilidades do real e do visível que nossos antepassados mais distantes se lançaram na aventura de desbravar o planeta. Imaginação e criatividade sempre estiveram a serviço dos grandes voos da humanidade, sejam eles em que campos da experiência e do conhecimento forem. Em contraposição, ao longo da história, houve inúmeras tentativas de direcionar e controlar o que se devia fazer, pensar ou acreditar.

Iniciativas como esta fomentam diálogos entre as diversas dimensões da cultura, uma das premissas do Sesc. As repercussões se manifestam para além do campo estético, uma vez que extrapolam os objetivos iniciais: promover a exibição e a circulação do que é produzido e, também, o interesse por modos distintos de pensamento e criação. Para o Sesc, essas ocasiões são especiais por explicitarem a vocação educativa da cultura e seu potencial para a instauração de espaços plurais de fruição e construção de conhecimento. Danilo Santos de Miranda Diretor Sesc São Paulo

As criações cênicas e visuais, enquanto obras da sensibilidade, mantêm-se como laboratórios privilegiados para tensionar e esgarçar paradigmas muitas vezes enrijecidos pela normatização e pela constante reprodução. Nesse sentido, a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, apresentada originalmente em Minas Gerais, ganha sua oitava edição Mostra Tiradentes | SP, sob o tema A Imaginação como Potência. Tratase de um recorte que busca refletir sobre a força da imaginação como veículo de transformação em tempos sombrios, corroborada pela pulsante diversidade do cinema brasileiro contemporâneo, mesmo diante de um cenário de controvérsias e indefinições. É nesse registro que se insere o evento, dedicado ao fortalecimento do circuito de filmes brasileiros independentes e alternativos. Realizado em parceria com a Universo Produção, contribui para jogar luz sobre aspectos menos evidentes do atual debate audiovisual, acolhendo temas emergentes dos processos de produção e distribuição de longas e curtas-metragens por meio de bate-papos com realizadores, mesa de debates e oficinas formativas. 5


DESPERTAR A IMAGINAÇÃO, APONTAR NOVOS CAMINHOS A Mostra Tiradentes | SP, o evento do cinema brasileiro contemporâneo da capital paulista, chega a sua 8ª edição, de 1º a 7 de outubro, em formato online, adaptando sua programação para ser acessada na plataforma sescsp.org.br/mostratiradentes, graças à continuidade da parceria entre a Universo Produção e o Sesc São Paulo. Em sete dias de programação, o público está convidado a conhecer um panorama da produção atual em 47 filmes (13 longas, e 34 curtas), de 12 estados brasileiros – AL, BA, CE, DF, GO, MG, PE, RJ, RN, SE, SP. Serão exibidos os filmes vencedores da edição mineira, além de outros destaques exibidos na 23ª Mostra Tiradentes e títulos selecionados especialmente para a edição paulista do evento. Além da programação de filmes, o evento promove oito bate-papos com realizadores, dois debates conceituais e cinco live debates. A Imaginação como Potência é a temática que norteia esta edição do evento e propõe novas maneiras de ver, produzir e se relacionar com as imagens. Pretende gerar reflexão e ser propositiva diante de um cenário incerto, faz um convite para olhar adiante, desfrutar o cinema como arte e, em sua criação, vislumbrar os caminhos possíveis para a construção de novos rumos. A edição paulista do evento tem o intuito de ampliar a reflexão iniciada na 23ª edição da Mostra Tiradentes (janeiro), gerar discussões e perspectivas. A homenagem desta edição com a entrega do Troféu Barroco é para os integrantes do coletivo paulista Filmes do Caixote, criado na primeira década do século XXI pelos realizadores Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra e Sérgio Silva

– um reconhecimento à trajetória de uma das mais notórias experiências de coletivo cinematográfico em São Paulo. Dedicada exclusivamente à exibição de trabalhos de diretores em início de carreira, independentemente da idade, mas que tenham até três longas realizados, a Mostra Aurora chega, em 2020, à sua 13ª edição. Com curadoria assinada por Lila Foster e Francis Vogner dos Reis, o recorte reúne oito filmes inéditos de diretoras e diretores de seis estados (Goiás, Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo), mantendo o seu olhar para a produção independente das mais variadas regiões do país. Depois de concorrerem ao prêmio do Júri Oficial na 23ª Mostra de Tiradentes, eles chegam a São Paulo para sua segunda exibição. Também avaliada pelo Júri Oficial na 23ª Mostra de Tiradentes, a Mostra Foco será exibida em sua totalidade na capital paulista. O curta-metragem sempre teve destaque na programação, sendo a Mostra Foco um dos recortes mais aguardados, que nesta edição reúne 10 filmes de cinco estados que propõem diferentes estratégias dos corpos, considerando seus lugares no mundo e situações de crise. Assinam a seleção os curadores Camila Vieira, Pedro Maciel Guimarães e Tatiana Carvalho Costa. Um dos destaques desta edição é a presença da produção paulista na programação da Mostra Tiradentes | SP: dos 47 filmes em exibição, 29 são de São Paulo. Celebrando a boa safra da produção, o evento promove a Mostra Paulista, que apresenta títulos que motivaram o olhar e a emoção dos curadores e têm como ponto


comum terem sido produzidos em São Paulo, sendo um deles inédito, convidado especialmente para integrar a programação do evento: Três Bailarinas, de Leonel Costa. Reconhecida no calendário de festivais como um dos principais espaços de reflexão do cinema brasileiro, a Mostra Tiradentes promove em suas edições anuais debates, encontros e diálogos. serão oito bate-papos após as sessões de filmes, dois debates conceituais com foco na temática do evento , que vai reunir convidados e realizadores do Filmes do Caixote para uma conversa sobre a trajetória e o processo de criação do coletivo, ampliando as possibilidades de imaginar outros mundos possíveis. A Mostra Tiradentes | SP representa a força do nosso cinema, da nossa cultura. Uma conjugação de esforços que tem um propósito que nos une – lutar pelo que é produzido no Brasil, pela pátria das nossas imagens, dos corpos que as fazem, dos que as aplaudem. Um espaço de vanguarda para discutir e difundir verdadeiros tesouros lapidados por seus artistas em funções e papéis diversos que não dá para serem ignorados e marginalizados. Merecem ser assistidos, apreciados, refletidos e difundidos.

nossa existência um reflexo do que somos, pensamos, queremos e atuamos. Afinal, de que é feita a cultura, o nosso cinema e a Mostra Tiradentes? Feita por nós, que estamos aqui, reunidos, acreditando que é possível imaginar e construir outros mundos. Feita por gente que sabe lutar por uma sociedade plural, que nos dá a dimensão coletiva humana, legitima nossa origem e a posição que nos compete no nosso país. A vida pede mais imaginação, Vamos aquecer nossos corações e olhar para o cinema, Que aponta novos caminhos, Que nos conecta e desperta sensações vivas de um presente contínuo, A performance da luz e dos enquadramentos, Algo que alimenta a alma em todos os dias da nossa vida. As realizações do cinema contemporâneo produzidas no Brasil serão vistas aqui em narrativas de um percurso de enigmas, originalidade, entusiasmo e talento. Sejam bem-vindos!

A cultura é a nossa base, o chão que pisamos, a matéria-prima que nos pertence. Sempre teve papel fundamental nos momentos mais decisivos da nossa história. Ela pode propor políticas mais justas, pode aproximar nações, reduzir tensões, revitalizar as relações diplomáticas. A cultura traduz o que somos, como pensamos e aponta os caminhos que podemos seguir. Não tem como imaginar a vida sem cultura. Um casamento sem música. Uma escola sem livro. Uma parede sem quadros. Uma vida sem cores. Nossa história sem registros. É muito difícil imaginar a vida sem cinema. O cinema molda o nosso olhar sobre o mundo. Sigamos o caminho... Nossos laços são mais fortes que as adversidades, nada pode ser maior que a vontade de fazer da

Raquel Hallak d’Angelo Quintino Vargas Neto Fernanda Hallak d’Angelo Diretores da Universo Produção Coordenadores da Mostra de Cinema de Tiradentes | SP

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ÍNDICE TEMÁTICA

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HOMENAGEM – FILMES DO CAIXOTE

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ENTREVISTA

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FILMES

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CURADORES

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DEBATES

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ARTE

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PROGRAMAÇÃO

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FICHA TÉCNICA

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Foto: divulgação

TEMÁTICA Cena do filme Até o Fim


A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA A palavra imaginação é ambivalente. Pode ser tanto a capacidade de representar imagens de coisas reais ou ideais como pode ser com um pensamento que se sustenta em algo que não existe. Seja qual for a orientação que se dê à palavra, o seu fundamento comum consiste em definir a produção de uma imagem que originalmente não pertence aos domínios da realidade material e imediata, mas que projeta nela (ou a partir dela) uma outra visão. Chamamos aqui de imaginação a criação (de uma imagem, de uma ação) inaudita que desafia as representações políticas ou narrativas mais hegemônicas. A imaginação não seria, então, fruto abstrato do “mundo das ideias”, mas nasceria da atenção ao presente e da recusa o binarismo medo/esperança que nos joga inevitavelmente para as tramas de um passado traumático (e seu retorno) ou à promessa (catastrófica ou salvífica) de um futuro de superação. Se alguns anos ou décadas atrás se dizia que a maior parte do cinema brasileiro estava fora do compasso de seu tempo por causa de filmes pouco atentos e sensíveis àquilo que se filmava, hoje não se pode dizer isso, ainda que nem sempre os filmes encontrem uma forma potente para lidar aquilo que investigam. Hoje, inclusive, há uma hipertrofia do presente em muitos dos filmes – entre curtas, médias e longas –realizados no cinema brasileiro anualmente. Há em profusão de respostas à urgência dos temas políticos e sociais atuais, defesas da diversidade de modos de vida não convencionais, mas que em muitos casos se conformam com uma noção vulgar de realidade, mais preocupada 10

TEMÁTICA

com conteúdos e registro de fatos do que com a forma. Oposta a essa hipertrofia, a atenção ao presente vai encontrar novos e notáveis vetores de imaginação e buscará elaborar ideias, temporalidades e experiências que consistam na criação e na expressão de novas formas de entender, agir e estar no mundo. A imaginação em sua potência seria, portanto, uma transfiguração da miragem da realidade, um olhar para as coisas tais como elas são em sua materialidade para que possa ser possível perscrutar aí outras camadas dos jogos de forças sociais e de outras dimensões temporais e sentimentais desse todo complexo e nunca uno a que chamamos de realidade. A imaginação sugere um salto qualitativo porque formal e que não separa “conteúdo e forma”, velha dicotomia que há muito não faz sentido, mas que vez ou outra volta para assombrar e mutilar a experiência. Em entrevista a Kênia Freitas no catálogo do 21º Fest Curtas BH, o artista visual Christopher Harris, citando a pesquisadora Toby Lee, fala sobre como uma ideia de realidade é usada como arma de opressão contra negras e negros: “o que precisamos é de uma forma melhor de cinema, que enfrente a própria noção de realidade ao invés de regressar a uma experiência previamente aceita como realidade”. E a seguir completa a reflexão com um apontamento propositivo em que diz querer desafiar e desmontar o que é considerado realidade, que é, no fim das contas, a constatação da tragédia social e da condição opressiva em uma chave que “reinscreve e reifica”. Harris indica que um dos problemas dessa lógica é a falsa divisão entre forma e conteúdo e aponta a necessidade de trazer à tona a dimensão estética da realidade, em vez de separar de um lado a arte/forma e a agenda política de outro.


A ideia de um conteúdo que pode se adequar a qualquer forma não é só enganosa, mas é reacionária. Estamos em um momento histórico em que os “criadores de conteúdo” são a vanguarda regressiva: as fake news, os “conteúdos audiovisuais” que tentam apagar a distinção entre criação artística e publicidade de produtos, o “jornalismo declaratório” (que abre mão da reportagem e da investigação) e até mesmo o tipo de educação que troca a construção de conhecimento pela transmissão de conteúdos. Isso tudo compõe uma noção de realidade que acredita na propagação e na oferta de conteúdos na contramão da criação de novas formas, logo de novas ideias, novos regimes de sensibilidade, novos modos expressivos e na criação de formas de vida alternativas às convenções. Alias, o termo “criador de conteúdo”, conceito que agências e produtoras se utilizam para definir esse novo profissional da “economia criativa” supostamente sofisticado e que mistura entretenimento e publicidade amalgamados até mesmo com causas sociais, é, por si só, e de maneira escancarada, sintoma não só do cinismo contemporâneo, mas de uma lobotomia política e ideológica. Mantêm-se as formas (sua lógica e estrutura) e investe-se no conteúdo, assim o filme publicitário de um banco pode ser ao mesmo tempo uma campanha contra a fome, quando, em paralelo, o banqueiro faz publicamente discurso contra o Estado de bem-estar social e pede a destruição de políticas trabalhistas.

aos imaginários que estão fora dos padrões normativos. Esse constrangimento à imaginação e aos imaginários é uma guerra que não se dá só no campo institucional, no caso das políticas públicas, mas também no campo simbólico, no que diz respeito à produção cultural como um todo.

Intervenção e imaginação A Imaginação como Potência é a temática da Mostra de Cinema de Tiradentes SP 2020 e sugere a imaginação como esse desafio às noções mais convencionais de realidade e de realismo, redimensionando-as, em um momento de constrangimento

Neste ano de 2020 a Mostra de Cinema de Tiradentes SP traz parte da programação da 23ª edição mineira do evento e ainda adiciona estreias paulistas, uma produção que vem à luz sob a influência de um processo coletivo que gestou o escândalo que foi o ano de 2019. De um lado o exercício da imaginação em muitos filmes se deu por

O desafio da imaginação na sua potência é o que nos interessa aqui e o que pode estimular um debate profícuo nesse momento do país. Um momento em que ocorre uma disputa entre formas de entender o passado e formas de projetar o futuro. Nossa atual circunstância política é o retorno de um passado recalcado, ainda que se apresente falsamente como futuro, como novo. Na conjuntura atual não é só uma ruptura que vemos, mas um esforço (ainda que celerado) de mudança de paradigmas em uma obscenidade perversa. Assistimos a isso sentados em resignação lamuriosa ou, no melhor dos casos, em resistência reativa que “bota a boca no trombone” com pouco ou nenhum resultado efetivo. Quando acontece uma violência não basta só “resistir”, mas urge se reinventar e buscar uma estratégia nova. A imaginação nos sugere não só a reconfiguração de nossas práticas sociais e políticas, mas também de nossos paradigmas.

TEMÁTICA

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meio da fabulação, em uma poética da angústia e do medo em que o mundo imaginado revela um outro olhar para esses impasses, rompendo, em muitos casos, com uma noção vulgar de realismo que muitas vezes se provou mais esterilizante do que criativa no cinema brasileiro. Por outro lado, é possível ver em alguns trabalhos o gesto criativo que não vai trabalhar a partir da distopia, mas criará imagens e procedimentos de linguagem com referenciais que devem muito pouco (ou nada) aos modelos em voga no mercado de cinema de autor internacional. Há fenômenos bem variados, que vão desde o diálogo com o cinema de gênero (ficção científica, terror), passando por filmes que evocam em sua narrativa outras noções de temporalidade e cosmogonias (afro, indígena), de identidades (sobretudo LGBTI), redimensionam a luta de classes e, também, nos deram filmes identificados como documentário, mas que se lançam a criar imagens fora do arbítrio do real. A homenagem este ano na edição paulista da Mostra de Tiradentes se encontra com a temática Imaginação como Potência com uma conformidade rara: a celebração ao coletivo Filmes do Caixote, criado em 2006 e composto por Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra e Sergio Silva; volta nossa atenção a uma produção de filmes que aponta ao mesmo tempo unidade e diversidade, radicalidade criativa e uma liberdade fundamental. A produção do Filmes do Caixote que conta quase uma década e meia é muito diversificada nos modos de realização e na forma de seus filmes, em curta ou em longa-metragem, realizados de maneira totalmente independente ou pelas vias mais tradicionais. O que se nota, independentemente dos modos de realização, é o gesto de explorar um imaginário do cinema e da cultura (do cinema paulista, do cinema moderno, do cinema de gênero, da poesia literária e visual) e fazer um investimento sem concessões à invenção poética, à beleza e ao estranhamento reverberado em exercícios estéticos que reimaginam – como performance, fábula e ensaio – a história do cinema brasileiro, os afetos, os corpos e a violência da história, em especial uma história contada desde o ponto de vista deste espaço urbano que é São Paulo. 12

TEMÁTICA

Na Mostra de Tiradentes SP 2020 o desejo expresso pelos filmes, seja da programação, seja da homenagem, não é só o de interpretar a experiência atual, mas também o de provocar imagens que nos remetam a uma perspectiva sobre o passado, tendo em vista não só um olhar original sobre nossas fraturas sociais e políticas, mas também arriscando sugerir uma superação delas. Filmes, em especial feitos por pessoas LGBTI, negras, indígenas e mulheres, que procuram reescrever experiências do passado (colonial e/ou recente), para “ressuscitar uma experiência coletiva traumática e enterrá-la adequadamente”, pois uma das camadas do que ocorre hoje no país é uma disputa do imaginário, uma disputa entre formas de entender o passado e formas de projetar o futuro. É possível reconhecer que os filmes tentam não só esboçar o testemunho da ação política dos tempos presentes, mas também se lançam a imaginar outros mundos, outras possibilidades de existência e ir para além do fatalismo preconizado pela barbárie institucionalizada e pela melancolia. O cinema é um lugar de disputas simbólicas, que podem dar forma (e um sentido) sensível às novas ideias e perspectivas e, também, criar fissuras nos consensos que sustentam os modos de uma comunidade e uma sociedade entenderem e enxergarem a si próprias, sua história, suas feridas abertas e suas possibilidades. O nosso compromisso com o cinema brasileiro é aprendermos a olhar, perscrutar e discutir esses filmes hoje, é entender o peso e a medida do que as fabulações e fantasmagorias nos dão a ver. A imaginação nos convida a deixarmos de ser vítimas do passado e reféns do futuro. A sua potência é a irrupção do novo, que detona com a insipidez criativa e, nos melhores casos (sempre os mais excitantes e perigosos), pode nos levar por caminhos inexplorados. O exercício da imaginação radical é uma possibilidade de transfiguração do mundo.


UM ADENDO ESCRITO DESDE O CONTEXTO DA PANDEMIA EM SETEMBRO DE 2020 Esste adendo se faz necessário para recontextualizar a temática na Mostra de Tiradentes em São Paulo em um contexto de pandemia. O texto da temática foi escrito duas semanas antes do começo do isolamento social para a Mostra de Tiradentes SP presencial. Acredito não ter sido preciso alterar o texto original, já que a programação não mudou substancialmente. Se a temática é a mesma da edição mineira que ocorreu em janeiro deste ano, por outro lado estamos em circunstâncias distintas há mais de seis meses e que nos fazem reavaliar a importância desstae temática que será repetida em São Paulo, mas sob uma realidade distinta, ainda em isolamento e online. Muito rapidamente nossa vida pessoal, social e profissional precisou encontrar soluções para continuar em curso em uma pandemia que até o momento de escrita deste texto matou 140 mil pessoas, sem contar as subnotificações, o que é impossível calcular. Essa situação extrema causada pelo vírus e pelo negacionismo de um governo com um projeto obsceno de destruição, deixa ainda mais evidente nossas fraturas sociais mais profundas e longevas e nos recoloca a responsabilidade de pensar novas dinâmicas políticas e culturais. Ou seja: o que solicitamos é uma imaginação que intervenha efetivamente nesse processo histórico. Como não há e não haverá volta à normalidade anterior, é questão de sobrevivência da nossa própria espécie uma mudança radical de parâmetros. Se a civilização que conhecemos é esse trem desgovernado, cabe então “puxar os seus freios”, como sugieria Walter Benjamin, um dos filósofos mais imaginativos do século XX, porque imaginação não é tirar uma ideia nova da cartola, mas olhar para o real e aprender a fazer algo diferente (novo, ousado, aparentemente impossível). Francis Vogner dos Reis Coordenador curatorial


Cenas de filmes vencedores na 23a Mostra de Cinema de Tiradentes

TEMĂ TICA

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NOTAS INSISTENTES PARA O FUTURO OU IMAGINAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE Este é um ensaio em forma de notas. Notas são partículas de texto que podem ser lidas em composição umas com as outras, mas que não demandam linearidade. Orientam-se pelo fio dos afetos que podem produzir. E aqui são notas sobre a potência da imaginação, ou ainda, a imaginação como potência e esta é uma importante distinção: a imaginação como potência a converte não em finalidade da arte ou da política ou da vida, mas como instrumento capaz de inventar afetações para um mundo outro.

manutenção dos modos de luta, no acúmulo de respostas iguais, para momentos históricos e crises distintas. Não podemos seguir gritando hoje o que gritávamos há décadas, não porque os gritos de antes não façam mais sentido ou não sejam mais verdadeiros, não. Mas porque as palavras, quando repetidas à exaustão, perdem seu sentido, morrem pelo caminho e não há, como na vida humana, quem faça um sentido desmorrer. Ele permanece morto, e nossas forças de esquerda arrastam os cadáveres da repetição.

*** O CÔMODO MESMO LUGAR ***

*** IMAGINAÇÃO POLÍTICA ***

Existem muitas formas de comodismo, de operar no mundo desde o conforto, seja o conforto físico ou material, seja o conforto retórico, das palavras, seja o conforto ideológico, dos olhares sobre o mundo. Na política não é diferente, é possível encontrar lugares de resistência cômodos, ainda que duros ou difíceis, mas cômodos. Penso que quando nos colocamos frente à crise política, situados à esquerda, nossas ferramentas de análise são cômodas, nossos jargões são cômodos. Temos repetido os mesmos mantras e palavras de ordem, as mesmas estratégias e institucionalidades.

É preciso imaginação. Não é possível encontrar uma saída sem imaginação, seja aquela imaginação capaz de vislumbrar um novo mundo e nos inspirar, seja a imaginação de construir novos arranjos com ferramentas velhas, ou ainda, construir novas ferramentas.

As formas de resistência estão burocratizadas, a língua, este monstro vivo e poderoso, acorrentado, seja pelo trauma em relação a esta ou aquelas palavras, seja pelo preconceito em relação a outras tantas.

*** A ETERNA GAGUEIRA *** A repetição das saídas, das análises, das formas de resistir, das frentes de luta e da capacidade de olhar a conjuntura é profundamente conservadora. O comodismo é conservador, não porque opere contra direitos, não, é conservador em outro sentido, ele opera na 15

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A gente tem se tornado chato, e não o chato no bom sentido, mas no ruim, não inspiramos. E continuaremos não inspirando enquanto a luta estiver tão burocratizada, os espíritos da mudança não cabem nas eleições de representação desta ou daquela entidade. É preciso ir além, imaginando e construindo novas formas de dizer, de representar, de imaginar.

*** CINEMA, REPRESENTAÇÃO *** São muitas as formas de capturar as subjetividades revolucionárias e criativas na oferta de pílulas de catarse, de redenção, de acerto de contas com a própria inquietação. A representação fílmica e cinematográfica não escapa a isso e é justamente por essa razão que demanda de nós atenção para o trabalho criativo da imaginação.


“Nossa, vi este filme e ele retrata a nossa realidade. Precisamos lutar. Eu me emocionei tanto, saí tão transformada.” E se havia ali uma força que deseja a mudança e uma inquietação, às vezes angustiada, às vezes culpada (sorry, ainda não escapamos da culpa cristã), ela se vê saciada na representação. É algo como a masturbação e a pornografia, sendo, contudo, socialmente bem visto.

*** POLIFONIA E CENSURA *** Proliferam-se então os comentários sobre o dito filme, não há tempo para não dizer, é preciso fazer algo. Brigar com os que não gostaram dele. Falar e falar e falar de forma ainda mais óbvia o que o óbvio filme já dizia. Gozar então do próprio engajamento. Gozar da própria sensibilidade, dos arrepios ao assistir, compadecer-se com a miséria dos miseráveis e sentir-se uma pessoa boníssima, por enraivecer-se pela maldade dos maus. O mundo? Continua o mesmo. Este cinema ao qual me refiro? Soterrado de interpretação, de sentidos, de significados, cada espectador terá o desafio de encontrar os sentidos que leu e pensar sobre o filme. Afinal, sobre estes filmes assim tão politicamente importantes, precisamos pensar muito.

A catarse da revolta, a representação que subsome o desejo representado, abortam as inquietações, porque, afinal, saciado este desejo, podemos voltar novamente à vida cotidiana, com a memória de nossa própria sensibilidade e, de tanto ter a sensação de dever cumprido, nada mais se faz. As mobilizações, para estes sujeitos (que somos todos nós, ao fim), cabem aos outros, “o povo”, “a esquerda”, todas essas abstrações que invocamos como se nada tivéssemos com isso, um outro despersonalizado.

*** AFOGADOS EM SENTIDOS *** De tanta interpretação, sentidos, engajamentos e afins e de tão imensa polifonia, terminamos por consumir estas tantas “revoluções delivery”, perdemos a capacidade de permitir que outras obras nos atravessem para além de nossa interpretação e obviedade, fazendo emergir no nosso desfazimento alguma coisa outra coisa. Helena Vieira Pesquisadora, transfeminista e escritora

Há quem pense que pôr a polícia na rua para impedir as mobilizações sociais seja a forma do poder, um engano. A repressão da força de luta e do desejo é apenas o que se mostra no palco do poder. Não é a repressão, mas o gozo controlado e a captura que sutilmente põem fim a qualquer desejo de um mundo outro. TEMÁTICA

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APONTAMENTOS SOBRE A MELANCOLIA DO CINEMA BRASILEIRO A curadoria da Mostra Tiradentes 2020 me propôs desenvolver o texto acima. Não necessariamente responder às perguntas, pois costumam ser melhores do que as respostas. Me dizem que pode ser ficcional. Acrescentam que a ficção científica (sic) daria uma boa continuidade, é isso que Asfixia sugere. Fiquei surpreso e imediatamente me veio uma pulga: o que a passagem pra FC esconderia? Sublimar a dolorosa questão da dependência do Estado? No entanto, enfrentá-la é indispensável.

O projeto do governo é exterminar-nos: artistas, intelectuais, cineastas, professores... que somos o “marxismo cultural”... No setor do cinema dito independente, autoral etc., é simples: o modelo de produção está quase totalmente dependente do Estado. Portanto é só fechar a torneira e seremos asfixiados. [...] Uma reação que se percebe: precisamos negociar com eles. Talvez tenha que se fazer isso no extremo imediato. Mas a reflexão crítica é indispensável para entender e eventualmente sair da ratoeira. Não é a primeira vez que essa situação se apresenta: na virada 198090, Celso Furtado, ministro da Cultura de Sarney, esvaziou a Embrafilme, Collor assinou embaixo. A produção parou durante alguns anos. Em seguida, a corporação lutou e conseguiu montar um sistema semelhante: se tornar refém do Estado. Vamos tentar isso de novo? (Face, abril 2019) 17

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Não se trata de mudar a forma de produção cinematográfica até segunda-feira que vem. Mas de promover uma análise crítica da estrutura de produção em que estamos enredados, e de suas implicações políticas, comerciais, estéticas. Isso não implica renunciar a negociações com autoridades. Há uma urgência que nos precipita em direção a tais negociações, mas, mesmo quando vitoriosas (já aconteceu), elas não fazem mais do que prorrogar uma estrutura em desmantelamento, salvar alguns anéis. Mas elas não abrem perspectivas novas. Falamos em cortes orçamentários na área artística, universitária, pesquisa científica, educação... Se olharmos de mais perto, verificaremos que a questão não é financeira. Trata-se de uma política pública. É uma política cultural. Mas não é a nossa cultura. Temos forte tendência a considerar nossa cultura como a cultura. Aluguel, o Filme, que Lincoln Péricles produziu no Capão Redondo (SP) ou a cinebiografia de Edir Macedo são tão cultura como nossos filmes. Essa situação cultural está embutida em uma luta social.


Devemos inserir nossa situação num contexto maior. O Brasil faz parte do mundo. Há meses, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, afirmou que estão construindo uma nova sociedade; acrescentou que uma democracia (sic) não tem que ser necessariamente liberal. Mais precisamente: “O novo Estado que estamos construindo na Hungria é um estado iliberal, um estado não liberal”. Órban está ligado a The Movement, organização de extrema direita presidida por Steve Bannon, coordenador da campanha de Trump e precioso assessor da campanha de Bolsonaro. Nova sociedade significa que estamos num período revolucionário. Como a palavra tem conotações populares e de esquerda, analistas políticos preferem usar contrarrevolução. Não só na Hungria. Essa contrarrevolução não só implica que nossa produção seja controlada, mas que seja eliminada – e nós também. Numa ação de forte valor simbólico, a Ancine mandou um sinal claro: eliminou os cartazes de filmes brasileiros de suas dependências e do site. Alguma dúvida? Ao espalhar cartazes por tudo quanto é canto, manifestamos um poder de resistência, mas é apenas um ato reativo. Não temos ação, não temos proposta. Espalhamos cartazes e a Ancine fica com o baralho nas mãos. Nós tornamos esse governo e seu presidente a nossa principal referência política – referência negativa, mas referência. Quando o governo ataca, nós exclamamos “Que absurdo!”, e tentamos salvar mais um pedacinho das ruínas. Cito Vladimir Safatle: “A esquerda se deixou configurar como força reativa, incapaz de propor” (Folha de SP, 7.12.2018). Pode-se discordar

ao nível da população, mas no meio artístico, intelectual e cinematográfico é difícil não concordar. Exemplo disso é o que se pensa que aconteceu na noite de abertura do Festival de Brasília 2019. Vi o vídeo e ouvi vários relatos. Junto com a equipe do filme da noite, sobe ao palco um ator que dá início a um pronunciamento contra o governo. Um segurança entra pela direita, tenta impedir o cara de continuar, não consegue e sai pela esquerda. O ator continua. Cortam-lhe o microfone. Então a plateia vaia. Isso aconteceu. Mas outra coisa bem mais importante não aconteceu: a plateia não saiu da sala. Vaia contra o governo, mas fica na sala; e os editais? Em Sobre Bacurau e a Pequena-Burguesia (Portal Disparada, 9.2019), Jones Manuel comenta: “A sala de cinema inteira bate palmas. Palmas longas, fortes. A raiva foi expressa dentro do ambiente seguro da sala de cinema”. Não sou o único a tentar refletir sobre a dependência estatal e a relação entre ela e a ausência de proposta. Em A tutela do Estado (Folha, 13.10.2019), Ruy Castro escreve: “A partir de 1986... a cultura se deixou tutelar pelo Estado, através de ministério próprio, agências de fomento, mecenatos estatais e leis de isenção... Só resta à cultura se reinventar e voltar a contar consigo mesma”. Isso vai dar um excelente romance de ficção científica. Jean-Claude Bernardet Escritor, cineasta, ator, montador e roteirista

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POTÊNCIAS FABULATÓRIAS NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO “Como e por que se escreve uma história de violência?” (2008, p. 10) – esta é uma das questões fundantes do método historiográfico da fabulação crítica proposto por Saidiya Hartman. Enfrentando o arquivo de crueldade e perversidade sobre o tráfico de mulheres africanas para os EUA durante a escravidão, Hartman se depara com esse questionamento essencial. Sua inquietação metodológica é a do que se pode fazer diante da materialidade de um arquivo oficial que pouco se importa e registra com desdém a tortura, os estupros, as agressões físicas e psicológicas e, por fim, o descarte das vidas das mulheres negras. Afinal, “como revisitar a cena da sujeição sem replicar a gramática da violência?” (HARTMAN, 2008, p. 5), questiona-se a historiadora na encruzilhada diante da narrativa oficial marcada pela colonização e escravidão. Essas indagações basilares para a metodologia de Hartman atravessam também grande parte do pensamento cinematográfico brasileiro – seja diretamente nos filmes, seja nas reflexões críticas e acadêmicas sobre eles. Em momentos e movimentos de grande criatividade e transformação estética e conceitual do cinema nacional – como o Cinema Novo, o cinema da Retomada e o Novíssimo Cinema, para citarmos alguns poucos exemplos – as violências sociais, raciais, econômicas e históricas foram não apenas temas privilegiados, como preocupações éticas e formais constantes. Com erros e acertos contundentes, o cinema nacional tem como uma de suas características propor um pensamento ativo sobre o Brasil, a sua história, a sua formação racial e étnica, e as suas desigualdades econômicas. Ao mesmo tempo, é impossível ignorar o lugar de enunciação discursiva majoritário na nossa cinematografia (em sua constituição histórica e ainda no presente), 19

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feita em grande parte por homens, brancos, cis, heterossexuais, de classes médias e altas. Tal cenário nos leva de volta a Hartman e a suas preocupações para a construção de um conhecimento que não seja a reprodução das violências estruturais estabelecidas. “Quais são os protocolos e limites que moldam as narrativas escritas como contra-história?” (2008, p. 12), a historiadora questiona. Uma pergunta pertinente para refletirmos sobre cada um desses momentos e os seus respectivos filmes. Como o cinema brasileiro narrou e narra a escravidão das populações africanas? Como narrou e narra a dizimação de inúmeras nações indígenas? Como fala das consequências atuais dos processos coloniais (muitos ainda em curso) na configuração atual das diferenças de raça e classe? Enfim, como, em diferentes momentos, este cinema enfrentou diretamente o trauma nacional e em que graus conseguiu de fato fazer uma narrativa da violência que não foi a reprodução e criação de novas violências agora em imagens e sons? E talvez a pergunta que mais nos interessa fazer no atual momento, a partir de quais localizações sociais e raciais estas narrativas foram enunciadas? Não pretendemos neste breve texto encarar (e menos ainda responder) tais questionamentos, mas eles ficam como uma base movediça de inquietações (junto com as perguntas de Hartman) a partir da qual nos mobilizamos a olhar para o cinema brasileiro em 2020. Nesse terreno de incertezas, que atravessam a própria viabilidade dos filmes continuarem sendo feitos com financiamentos adequados e liberdade de expressão pertinente a uma democracia, nos propomos a pensar mais especificamente as estratégias


de parte da produção fílmica contemporânea que dialogam com o processo de fabulação, sobretudo a realizada por sujeitos historicamente racializados e socialmente subalternizados. Uma fabulação que acreditamos pode deslocar os lugares tradicionais de enunciação no cinema.

FABULAÇÕES CRÍTICAS NO CINEMA A primeira imagem de O Verbo se Fez Carne (Ziel Karapotó, 2018) nos mostra um pequeno círculo de terra iluminado no centro da tela. Nele, de um lado temos uma bíblia e de outro um prato com uma língua de boi crua. Ziel Karapotó, diretor e performer, entra no quadro, trazendo em uma das mãos um maracá e na boca um cachimbo aceso. Ao entrar em cena, com o seu corpo ritualisticamente pintado e os objetos karapotós, logo colocados no círculo de terra, temos um choque entre os elementos. A bíblia e a língua de boi como imagens mais literais do que simbólicas do processo de colonização e extermínio indígenas (no passado e nos dias atuais) fazem presente na imagem a catequização da Igreja Católica, a evangelização das neopentecostais e a invasão etnocida do agronegócio sobre as terras demarcadas. Elementos que são confrontados pela presença em tela de Ziel Karapotó. O que a performance cria não é uma equivalência entre os símbolos (bíblia, boi, maracá, cachimbo), mas o embate concreto do encontro violento, agora no cinema – e, desta vez, agenciada pelo sujeito indígena. Inabitáveis (Anderson Bardot, 2020) parte da rememoração da Insurreição de Queimados – quando escravizados, após serem enganados com promessas de liberdade para a participarem da construção de uma igreja, rebelam-se em busca da liberdade. A

insurreição, que ocorreu no Espírito Santo no século XIX, atravessa o filme como um subtexto vivo. Passado colonial e presente não podem ser separados: a arquitetura da cidade, com suas estátuas de heróis colonizadores e fachadas dos prédios históricos de inspiração lusitana, deixa evidente as marcas materiais de um sobre o outro. Se aos rebelados de Queimados o destino foi a morte, o filme aponta para a possibilidade de uma contrainterpretação histórica, dita nas palavras da jovem não binária negra, Pedro (Castiel Vitorino Brasileiro): “Não gosto desse final. Nós ainda estamos aqui, não é?”. Criando uma genealogia negra não pela morte, mas pela resiliência. Assim como em O Verbo se Fez Carne, será a presença e a performance dos corpos racializados (no primeiro, indígena e no segundo, negro) que promoverá a remediação histórica na narrativa, sua fabulação crítica. Não apagando ou ignorando o trauma colonizador, mas propondo um outro jogo a partir de novos elementos culturais e locais de enunciação. Dessa forma, temos no primeiro filme uma performance-ritual que materializa e incorpora a bíblia e o boi ao corpo indígena, criando uma imagem que sintetiza e perturba os elementos da violência colonial. E, no segundo, uma performance-dança que ocupa e redesenha os espaços urbanos com seus rastros coloniais. Em ambos os casos, trata-se de filmes que olham para a história criticamente e buscam, através da presença corporal e da performance, fabular nas lacunas dos discursos oficiais. Neste sentido, são filmes que parecem investidos do método proposto por Saidiya Hartman para a pesquisa histórica das vidas negras durante a TEMÁTICA

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escravização. Filmes que falam diretamente da violência colonial no passado e no presente, mas sem focarem na reprodução das imagens da violência. E, talvez por isso, são narrativas que investem mais na criação dentro das fissuras históricas do que na representação figurativa e na encenação naturalista.

FABULANDO-SE PARA ALÉM DO HUMANO Tavia Nyong’o pensa justamente como as artes da performance e o cinema se apropriam da fabulação crítica de Hartman para criar estratégias formais e narrativas. Neste processo de transposição do método historiográfico para as artes, Nyong’o defende que a fabulação crítica não é um gênero ou um discurso, e sim “um modo pelo qual gênero e discurso podem ser colocados em tensão oscilante, através da perturbação de uma demanda-chave da mimese representacional: a exigência de que uma representação seja verdadeira ou falsa, seja ou história ou ficção” (2014, p. 77). Neste sentido, a fabulação que parte de enunciações historicamente racializadas teria como potencialidade deslocar as discussões da ênfase da representatividade ou visibilidade dos sujeitos tradicionalmente subrepresentados no cinema. A fabulação aparece, assim, como uma alternativa criativa para uma discussão da representação que é constantemente capturada por discursos essencialistas ou limitadores para o cinema não branco. Um método que nasce justamente da recusa de “resgatar” ou falar por. Trata-se, neste sentido, não de um processo do “Eu que se torna Outro” (como na concepção de Gilles Deleuze do documentário moderno de Jean Rouch, Shirley Clarke e companhia), mas “da perda de si e a descoberta de ‘outro eu’” (NYONG’O, 2014, p. 77). O que muda entre os dois regimes de fabulação é a localização de quem fabula (não só à frente, sobretudo atrás da câmera). Concordamos com Kara Keeling quando ela afirma: “existe um perigo nesse impulso de se tornar o Outro (...) quando o Eu que afirma ser Outro ocupa uma posição de privilégio em relação às hierarquias de poder existentes” (2011, p. 63). Nesta relação de 21

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poder, estabelecida dentro e fora dos filmes, quem terá condições (e desejos) de operar rupturas históricas e quem operará na reprodução das estruturas? E até que ponto “a força e o potencial do Outro são apropriados a serviço da consolidação de um ‘Eu’ cujo próprio acesso ao poder e privilégio deve ser contestado ou negado pelo poder de sua declaração de ser Outro” (KEELING, 2011, p. 66)? Em outras palavras, quando falamos de Eu e Outro em um regime narrativo fabular não é possível ignorar as relações sociais, raciais e econômicas de poder já existentes estruturalmente no mundo entre personagens (reais e ficcionais) e cineastas. Com essas premissas em mente, olhamos agora para as proposições fabulares feitas por duas diretoras brasileiras negras: Everlane Moraes e Carol Rodrigues. Pattaki (Everlane Moraes, 2018) parte de uma construção labiríntica, recriando um tempo e uma especialidade próprios (e irreais, surreais, afrossurreais?) dentro do ambiente do filme. Um tempo que parece não passar e um espaço do qual não se consegue sair. A ilha de Cuba transforma-se em um aquário de tons azulados e sons atordoantes. Mais do que uma autofabulação de cada personagem, é a relação em comum destes com o espaço/tempo da narrativa que interessa ao filme: coletar água incessantemente, parecer um peixe, ser um peixe-travesti... Cada personagem (e a sua relação com o mar) estabelece um aspecto desta fábula sobre as águas. O sonho dos peixes? A fabulação do mar? As personagens não apenas se tornam Outras, mas também aparecem como uma coletividade recriada: ao mesmo tempo humana e aquática. Em A Felicidade Delas (Carol Rodrigues, 2019) a água novamente aparece como um elemento central. A força do encontro e dos desejos das duas mulheres negras do desfecho não cabem dentro do regime de representação naturalista que até então o filme propunha. Elas explodem: viram água, enchente e inundação. Enquanto Pattaki é um filme de contenção e de afogamento, A Felicidade Delas é um filme que transborda com o encontro das suas personagens. Elas não pertencem ao regime de perseguição policial à


luta feminista ou ao espaço fechado e deserto que encontram em sua fuga. Elas precisam se transmutar para além de si, do esconderijo e de toda a cidade. Para além de um tornar-se Outro dentro das localizações identitárias existentes, estes filmes apontam para um tornar-se Outro para fora do humano. Para Nyong’, isso acontece nos processos de criação afrofabulares porque “ainda não sabemos como um humano fora de um mundo antinegritude poderia ser, fazer ou parecer” (2018, p. 35). Se a produção hegemônica de conhecimento, artes, filmes e narrativas no mundo ocidental parte da universalização da experiência branca e da negação da humanidade dos sujeitos racializados historicamente, o que acontece quando os ainda não humanos passam a fabular a partir de perspectivas não brancas? Como a partir dessas perspectivas tem se recontado as muitas histórias da violência no Brasil? São questões que nos parecem pontos de partida fundamentais para se pensar a produção contemporânea do cinema brasileiro, a sua potência criativa e o seu porvir. Kênia Freitas Professora, crítica e curadora de cinema, com pesquisa sobre afrofuturismo e o cinema negro. Pós-doutoranda (Capes/PNPD) em Comunicação da Unesp. Doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Realizou a curadoria das Mostras “Afrofuturismo: Cinema e Música em uma Diáspora Intergaláctica”, “A Magia da Mulher Negra” e “Diretoras Negras no Cinema Brasileiro”. Escreve críticas para o site Multiplot! Integra o Elviras – Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema

Referências HARTMAN, Saidiya. Venus in Two Acts. In: Small Axe, 1 June 2008. KEELING, Kara. “I = Another: Digital Identity Politics.” In: HONG, Grace Kyungwon; FERGUSON, Roderick A. (Org.). Strange Affinities: The Gender and Sexual Politics of Comparative Racialization. Durham: Duke University Press, 2011. NYONG’O, Tavia. “Unburdening Representation.” The Black Scholar, vol. 44, no 2, 2014. ______. Afro-Fabulations: The Queer Drama of Black Life. New York: NYU Press, 2018. TEMÁTICA

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HOMENAGEM - FILMES DO CAIXOTE

UMA CONSTELAÇÃO RELUZENTE DE FILMES Formado por Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra e Sergio Silva, o Filmes do Caixote foi uma das mais notórias experiências de coletivo cinematográfico em São Paulo, criada mais ou menos no mesmo momento – primeira década do século XXI – que em outros estados despontavam coletivos fundamentais no cinema contemporâneo brasileiro, como a Teia em Minas Gerais e Alumbramento no Ceará. Esse fenômeno dos coletivos se viabilizou como uma produção artesanal que ia, inicialmente, na contramão do cinema incentivado por editais e que demandavam uma forma de trabalho e criação profissionalizadas (ou seja, industriais). Cézar Migliorin, no artigo “O que é um coletivo”, ressalta que esse caráter processual “não se deve ao fato de serem eles grupos ou produtoras que se forjam apenas para a execução de algo, mas ao fato de haver, nessas obras, uma parte da intensidade de estar junto, com evidentes consequências para a estética das obras”. O coletivo é composto por Caetano Gotardo, Marco Dutra e Juliana Rojas, egressos do curso de Cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP no início dos anos 2000, e Sergio Silva e João Marcos de Almeida, que entre outras coisas fizeram (e fazem, no caso de Sergio Silva) parte dos quadros da Cinemateca Brasileira. Não que essas experiências institucionais os definam, mas de algum modo revelam o lastro formativo que diz respeito à obra desses cineastas, tanto no cinema de corte industrial e/ou autoral do trio formado pela ECA, quanto numa inclinação ensaística que se faz a partir do imaginário pretérito do cinema brasileiro em alguns filmes da dupla Silva e Almeida. De qualquer modo, ainda que essas características sejam 24

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importantes como dado de formação (e informação) e amparadas em uma contingência específica de São Paulo, essas diferenças não se mostram tão estanques nos filmes e, mais importante: se há algo avesso à institucionalidade quadrada, convencional e esterilizante, é o Filmes do Caixote. É possível traçar em todos os seus filmes uma súmula do que há de mais inventivo no cinema moderno brasileiro: trabalho radical com a técnica cinematográfica e a poesia de Júlio Bressane, passando pelo performatismo cru do cinema de invenção, o arrojo visual e musical de José Antônio Gracia & Ícaro Martins, o performatismo de Helena Ignez (aliás, uma presença em alguns de seus filmes), o impacto minimalista dos filmes da Paraísos Artificiais, o drama de Walter Hugo Khouri (mais especificamente em As Sombras), o amor pelo imaginário do cinema de gêneros como em Carlos Reichenbach e a referência às tradições clássicas como o horror, a ficção científica e o musical. Dito isso, nota-se que não é só o cinema que compõe o repertório. O que se vê com intensidade em todos os filmes são os exercícios particulares com a videoarte, poesia, a performance e o teatro, em especial o brechtiano. Todos os integrantes, em diferentes momentos, trabalharam com a Companhia do Latão. Essa profusão de ideias e imagens foi metabolizada de maneira dinâmica no Filmes do Caixote. Os curtas do coletivo são produções pequenas e experimentais realizadas em VHS, vídeo digital e até mesmo em película. O que se deduz de filmes como O Papel do Manto, de Sergio Silva, A Criada da Condessa, de Juliana Rojas, Eva Nil


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Cem Anos Sem Filmes, de João Marcos de Almeida, Rede de Dormir, de Marco Dutra, e Matéria, de Caetano Gotardo, são empreitadas estéticas mais impressionistas do que discursivas, quase sempre performáticas e que levam em consideração a criação de formas a partir de uma exploração da câmera, fazendo dela mais um instrumento de poesia do que um meio de registro de realismo narrativo. Obviamente os integrantes do Filmes do Caixote não restringiram suas atividades ao coletivo e, como é sabido, em seus diversos trabalhos não responderam a um método único e a um sistema muito rígido de realização. A liberdade sempre foi a tônica desse conjunto de filmes e realizadores. Fizeram muitos filmes de curta-metragem experimentais com aparato parcimonioso via coletivo, assinando as obras individualmente, em dupla ou em grupo. Entretanto, também filmaram longas e curtas pelos meios mais oficiais (editais, coproduções) com aparato mais robusto e circulação internacional, com seus integrantes exercendo diversas funções nos filmes uns dos outros.

contemporâneo, mas também sobre a produção paulista como um todo. Se historicamente São Paulo se notabiliza por uma produção de filmes realizada em um esquema industrial, é importante notar que as maiores e mais imaginativas contribuições estéticas no cinema feito na cidade sempre vieram de pequenos grupos criativos que buscaram reinventar (ainda que provisoriamente) modos de criação. Do cinema marginal à produtora Paraísos Artificiais, os celeiros de invenção mais efusivos surgem na contramão dos esquemas de criação e trabalho mais hegemônicos. O coletivo Filmes do Caixote é um dos mais recentes e exuberantes exemplos e sua obra lembra os versos que Arrigo Barnabé e Eduardo Gudin compuseram para a música tema do filme Cidade Oculta, de Chico Botelho: Misteriosamente uma androide/Gritou docemente/Me mostrou a vida/Me encheu de cores/Desenhando um holograma em meu coração/Com seus olhos foi pintando um dia/Reinventando a alegria, brancas nuvens de verão/ E a poesia de repente volta a ter razão. Francis Vogner dos Reis

Nos filmes do coletivo também se destaca a rede de colaboradores que tomam parte decisiva na história do Filmes do Caixote, como as atrizes Gilda Nomacce, Helena Albergaria, Helena Ignez, o ator Eduardo Gomes, o fotógrafo Matheus Rocha, a produtora Sara Silveira, entre muitos outros produtores, atores, atrizes e profissionais técnicos. Já os longas-metragens realizados pelos integrantes do Filmes do Caixote como Trabalhar Cansa e As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra, Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra, Sinfonia da Necrópole, de Juliana Rojas, O que se Move e Seus Ossos e seus Olhos, de Caetano Gotardo, e o recente Todos os Mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra, são obras que, por mais que sejam trabalhos em parceria com outras produtoras, carregam na colaboração e no seu imaginário poético os traços de estilo presentes nos curtas dos cineastas (e da cineasta) do coletivo. Esse conjunto de filmes nos coloca questões não só sobre o cinema 26

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Coordenador curatorial


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ENTREVISTA

FILMES DO CAIXOTE: A CARTOGRAFIA DE UM CONTINENTE ESTRANHO E FASCINANTE A entrevista com Sergio Silva, Juliana Rojas, Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida e Marco Dutra aconteceu em São Paulo dia 12 de março, véspera da sexta-feira 13 e quatro dias antes do início da quarentena do coronavírus. A cautela com relação a aglomerações, abraços, beijos e apertos de mão ainda não tinha se tornado uma regra tácita no convívio social, e assim os cinco “caixotes” ficaram bem colados durante a entrevista. Juntos pareciam uma banda sem frontman, um grupo sem líder, uma obra diversa e heterogênea em que cada cineasta possui obsessões pessoais e um traço particular distinto, um estilo, filmes que, se vistos em conjunto, possuem sintonias poéticas, afinidades que se afirmam pelo diálogo, mas também pela diferença. Convivem na obra do Filmes do Caixote um experimentalismo alegre (às vezes triste também, mas nunca sisudo), cinefilia, monstros, música, amores loucos, corpos radiantes e uma poesia viva que lança um olhar aos jogos de forças sociais transformados em fábulas obscuras, mas nunca modorrentas.

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Caixote é o reconhecimento da importância de diretores e diretora responsáveis por uma obra que está entre o que há de mais empolgante no cinema contemporâneo. O que levou cada um de vocês a fazer cinema? O que os estimulou?

O coletivo Filmes do Caixote conseguiu algo que poucas gerações do cinema brasileiro – e paulista – atingiram: dar imagem a uma geração, criar um universo tão amplo onde cabem boa parte do imaginário mais empolgante do cinema brasileiro e mundos muito originais que reconhecemos por suas cores, sua musicalidade, suas personagens (atores e atrizes) e por uma rede de colaboradores tão extensa quanto marcante.

SERGIO SILVA: Eu fui uma criança doente, com muitos problemas de saúde, tinha sopro no coração, o que fazia com que eu ficasse muito tempo em casa. Eu era obrigado a passar muitas horas parado. E aí isso me fez, meio naturalmente, ser uma pessoa que assistia a muito filme na TV, e daí começou essa coisa de ir muito a locadora e pensava “um dia quero fazer isso.” Eu sou de Diadema e tinha um centro cultural no centro da cidade que eu comecei a frequentar, tinha um núcleo de vídeo que acontecia lá. Conheci algumas pessoas no meio da adolescência nesse contexto, que eram umas pessoas que eu nem tenho mais contato, alguns que tinham sido técnicos de alguma coisa na Boca, ou que tinham, sei lá, carregado cabo na Vera Cruz, levaram Pierino Massenzi uma vez para falar sobre cenografia... E aí foi o contato com esse negócio que me fez pensar “um dia, talvez, eu venha lidar com isso”. E aí fui meio pelas beiradas. Mas acho que principalmente porque era isso, era um meio de comunicação e de estudo. Acho que hoje em dia talvez os adolescentes devam ter isso com a internet. Acho que o cinema foi meio isso pra mim. Um estudo superficial sobre coisas.

A entrevista tenta mapear uma obra jovem, porém extensa. Uma homenagem da Mostra de Tiradentes São Paulo 2020 ao Filmes do

JULIANA ROJAS: Eu sempre gostei muito de contar histórias. Acho porque meus pais e meus tios têm uma tradição, minha mãe é do

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interior de Minas, meu pai também tem origem rural e aí tem muito essa tradição de contar causos, coisas que aconteceram, e muitas vezes esses causos também lidam com o universo fantástico, lidam com a interação com bicho e com a natureza, então sempre escutei muito essas histórias, e desde pequeninha eu queria escrever, eu falava que queria ser escritora, e também sempre gostei de desenhar e falava que queria fazer história em quadrinhos, quando ainda era criança, e sempre vi muito filme. Meu pai levava a gente pro cinema nos fins de semana, a gente alugava também bastante fita de diversos gêneros, eu gostava muito de filme de terror e também animação, e aí quando estava na pré-adolescência, eu comecei a ver uns filmes mais clássicos na TV, era época dos 100 anos de cinema, e a TV Cultura estava passando vários clássicos e eu lembro de ficar muito tocada com esses filmes. Eu morava em Campinas, uma cidade que não tinha muita vida cultural, tinha poucos cinemas e a maioria passava os blockbusters, mas eu lembro de perceber que

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os meus amigos não se interessavam por esse tipo de filme, porque era preto e branco, então eu percebi isso, que aquilo me tocava muito e que era diferente de como as outras pessoas se relacionavam, e aí eu tive vontade de aprender a fazer esse tipo de narrativa. Então foi meio quando começou e eu comecei a investigar nas videolocadoras, na época eu não tinha acesso à internet ainda, não era uma coisa popularizada, mas eu comecei a investigar essas outras cinematografias e a gostar muito de, sei lá, cinema japonês, cinema europeu, cinema nacional. JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: O meu tem um pouco a ver com a Ju, porque eu gostava de contar histórias, embora fosse muito tímido, e fazia teatro na escola, dirigia peças. E aí uma época eu era muito aficionado por filme de terror, eu alugava vários na locadora, e aí um amigo meu, muito amigo, tinha muitos legos e tinha uma câmera VHS, e eu comecei a fazer animações stop motion, recriando os filmes de terror, só que em versão lego animado. Eu tinha vontade de fazer filme de terror quando eu era mais jovem. Mas aí eu fui crescendo e conhecendo visões diferentes etc. E aí no festival de curta eu comecei a falar “está tudo um lixo, vou ter que fazer filme porque está tudo horrível”. Aí foi meio assim. MARCO DUTRA: Eu sempre gostei muito de ver filme e meus pais estimulavam isso. O meu pai comprou um videocassete muito cedo, em 82, antes de ficar muito popular. Ele trabalhava no Centro e levava várias fitas diariamente pra casa, eu tenho irmãos e a gente via, e eu mesmo operava, quando criança. Minha mãe fala que eu mesmo ia lá e botava a fita. Eu tenho uma vaga memória de ser fascinado por esse processo, de pegar a fita, pôr a fita, rebobinar, ver de novo, eu queria ficar vendo o tempo todo, então eu monopolizava a TV, e as pessoas ficavam meio bravas... Disso eu não lembro, mas a minha mãe fala que tinha isso. Então eu tinha um fascínio, em uma época que eu nem consigo lembrar direito, por filmes diversos, mas provavelmente filmes da Disney, animações, alguns eu lembro de ver várias vezes, porque eram os meus preferidos, A Bela Adormecida é um deles, e outros eu não me lembro bem. Mas isso continuou


na minha vida e a gente ia muito ao cinema também, com os meus pais e meus irmãos, e chegou a um ponto em que virou a minha atividade preferida ver filmes, e às vezes eu via com os meus irmãos ou com algum amigo, mas também era uma atividade solitária às vezes. E os meus pais deixavam, a partir de quando eu tinha uns oito ou nove anos, pegar filme de terror, que foi um momento que eu queria muito, mas era vetado, chegou uma hora que eu acho que insisti tanto que eles deixaram. Às vezes eles falavam “esse não.” Um dos que eles falaram “esse não” foi O Dia dos Mortos, do Romero, que eu lembro que eu queria muito ver, porque eu gostava da capa. Mas vários outros filmes, inclusive outros filmes do Romero, eles deixavam. E tinha muita locadora na época, eu nasci em 1980, e ao longo dos anos 80 e 90 havia muita locadora em todos os bairros. Eu morava na Zona Norte de São Paulo e tinha oito locadoras numa distância bem próxima da casa. Então eu ia pelo acervo: “essa aqui é melhor nas comédias, essa outra é melhor nas ficções científicas”, e ia escolhendo e vendo os filmes, e curiosamente algumas locadoras tinham um acervo bom de filmes mais antigos. Eu lembro de ver O Corcunda de Notre Dame, dos anos 20, por exemplo, de pegar numa dessas locadoras do bairro. Bem mais tarde que eu comecei a ir na 2001, porque falavam “essa 2001 tem filmes mais raros ainda”. Isso é a gênese da minha atração pelo cinema. Mas eu decidi ir pra universidade, que foi onde eu conheci o Caetano e a Ju, mais pro fim do colégio. Tinha um amigo meu, que ainda é muito amigo, o Eliezer, que fez Medicina e hoje é psiquiatra, que me falou “o cinema está escrito na sua cara, vai atrás desses cursos e tal”. E aí um outro colega do colégio, que é o Anderson, que mais tarde morreu tragicamente num acidente mergulhando, falou “eu também quero fazer cinema, vamos visitar a ECA”, e eu lembro de pegar um ônibus e ir com ele até a ECA visitar, perguntar “a gente pode ver a sala, como que é o curso e tal?”. E aí eu acabei decidindo prestar Cinema. Na época em São Paulo tinha a Faap e USP, tinha uma pressão dentro de mim para entrar numa universidade pública. Na primeira vez eu não entrei, mas na segunda eu entrei. Foi em 99. Foi quando eu conheci a Ju e o Caetano e as coisas foram se desenrolando. Sou o irmão mais velho, então tinha uma coisa do tipo “que que você vai fazer com sua

vida?”. Na minha família todo mundo perguntava “por quê? Qual é a desse curso?”. Eu me lembro de ir a numa pré-estreia de Central do Brasil com o meu pai meio que nessa época. E eu lembro de ele sair muito impressionado com o filme, “esse filme é muito bonito”. Foi importante isso pra mim, porque foi importante pra eles. Eu acho que a minha família deu uma relaxada. CAETANO GOTARDO: Vocês contando eu lembrei também de uma coisa de relações familiares, meu pai e minha mãe eram bancários durante a minha infância toda, mas meu pai escreve, gosta muito de música, a gente ouvia muita música em casa, minha mãe anos depois começou a estudar fotografia, hoje em dia ela fotografa bastante. Tinha um gosto por arte na minha casa, embora ninguém fosse como profissão ligada à arte, e tinha um gosto por cinema. Eu lembro de alguns filmes específicos que eu via, que eu demorei a ver... Eu lembro do meu pai gostar muito de Herzog, e lembro da minha mãe gostar muito de Cabaré (do Bob Fosse). Cabaré eu vi meio na pré-adolescência, acho que algo do (Werner) Herzog também. Mas eu lembro de ter esses nomes, de saber que eles gostavam desses filmes, de ter um interesse por isso. Eu tenho que perguntar pros meus pais se era uma tradição ou se aconteceu uma ou outra vez, de eles nos acordarem pra gente assistir juntos, eu, meu pai, minha mãe e minha irmã, os Chaplin, não sei foi um especial... SERGIO SILVA: Teve o Festival Chaplin na Globo. CAETANO GOTARDO: Algo assim... a gente comendo pão de queijo e tomando chocolate quente. É uma lembrança muito forte pra mim, esse momento da gente juntos vendo aquilo, como uma espécie de tradição, que eu nem sei se era uma tradição. Mas enfim, tem essas lembranças de momentos fortes com a experiência de ver filmes. Eu sou de Vila Velha, Espírito Santo, e entre Vila Velha e Vitória, supreendentemente, tinha dois cinemas alternativos durante minha adolescência. E tinha uma videolocadora em Vila Velha com um acervo muito impressionante. Pra mim era o natural, porque eu era sócio daquela videolocadora desde criança, mas depois eu fui vendo FILMES DO CAIXOTE

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como eram outras videolocadoras e entendi que era meio um evento aquela videolocadora existir ali. Ela tinha um acervo com muitos clássicos e muitas cinematografias não tão hegemônicas. Então me acostumei também a ver muitos filmes em vídeo nessa época, e eu gostava muito de teatro, eu escrevia uns poemas, tinha uma relação com coisas ligadas à arte e fui desde meio cedo tendo a sensação de que eu trabalharia com algo nesse campo. Eu fazia teatro como ator, desde criança, mas teve um momento que eu pensei “acho que pra trabalhar com cinema eu preciso estudar cinema, e aí eu continuo trabalhando...”. Me parecia mais difícil entrar na prática do cinema, sem cursar Cinema, do que teatro que eu já fazia e que eu sentia que ia continuar fazendo de alguma maneira. Porque por muito tempo eu tinha cogitado fazer Artes Cênicas, mas aí eu decidi fazer Cinema por isso. E de fato eu nunca tinha tido nenhuma experiência prática com o cinema, nem tinha uma câmera pra ficar fazendo ceninhas, que é uma coisa muito comum. Eu realmente, quando entrei na USP, no curso de Cinema, eu nunca tinha feito nada relacionado, nunca tinha filmado nada. Quer dizer, no último ano antes de eu começar a estudar cinema, a minha mãe conseguiu me dar uma câmera VHS, mas aí eu fazia só ensaios poéticos livres. Então de fato minha primeira experiência com criar uma narrativa audiovisual foi já estudando cinema. Porque nossa relação com criar imagens era muito diferente de hoje. Algumas pessoas tinham Super-8, mas minha família nunca teve nenhuma tradição, nem tinha condições financeiras, de ter a presença de máquinas que fizessem imagem em movimento. Diferente de hoje, que basicamente todo mundo tem no celular e faz vídeos. Pra mim, entrar na Faculdade de Cinema e começar a criar coisas audiovisuais era muito novo. Muita vontade, mas nenhuma prática. Foi um campo de descoberta novo pra mim. E tem essa coisa muito forte que foi esse encontro, não só com o Marco e com a Ju, mas com nossa turma, nós tivemos algumas pessoas da turma com quem a gente era muito ligado e foi um momento de muita abertura, de visão e de pensamento em torno do cinema. Quando eu entrei na USP eu era superfechado, eu achava que eu sabia muito bem o que eu gostava em cinema, e era algo não comercial. Eu não tinha noção do quanto eu não conhecia. Então foi um momento muito importante, o 32

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início de uma prática que eu nunca tinha tido, de um entendimento, de uma ampliação de um universo muito grande. Mas a decisão pelo cinema veio dessa vontade de trabalhar em algo do campo artístico, e uma paixão que passava pelo teatro, pela poesia e pelo cinema como criação de universo, eu acho, de encenação. Acho que isso também nos une. Todos nós somos muito apaixonados pela encenação, pelo ato de encenar, e por expor essa encenação. Juliana, o Marco e o Caetano se encontraram na ECA, mas como foi o encontro de todos? O João e o Sergio não são da ECA... CAETANO GOTARDO: Primeiro foi o Sergio e o Marco via Rafael Lessa, que trabalha com cinema também, e era um amigo em comum dos dois. MARCO DUTRA: A gente se conheceu via Rafael Lessa... deve ter sido em 2003, 2004, e a gente batia afetivamente, astrologicamente, em várias coisas, a gente tinha esse amor louco pelo (M. Night) Shyamalan. CAETANO GOTARDO: Vocês se conheceram à beira... MARCO DUTRA: À beira da Vila. Pós Sinais, à beira de A Vila. E aí eu acho que você foi conhecendo aos poucos a Ju e o Caetano, não é? SERGIO SILVA: Foi. E conheci o João mais ou menos na mesma época, em 2004 também. Mais ou menos no mesmo ano, e era meio isso, as pessoas se conheciam e tinham interesses em comum, e se mostrariam muito pouco práticos no futuro como produtores... Mas que naquele momento a gente achou “ah, vamos produzir juntos”. Só que a gente não produzia juntos... MARCO DUTRA: A gente até falava sobre isso, que a gente era todo mundo realizador. A gente gosta de escrever... JULIANA ROJAS: Mas é que não tinha muito uma perspectiva de editais, tinham poucos editais na época, então surgiu da vontade de


“ah, vamos fazer simples, entre nós, a gente se ajuda”, mais pra gente conseguir contar nossas histórias. Aí não sei, alguns filmes foram com aquela digital 8, outros foram com uma câmera do Teuba, que é fotógrafo, Matheus Rocha, então acho que veio de uma coisa disso, de tentar produzir de uma maneira mais caseira, filmes pequenos...

Por isso um coletivo, não uma produtora? Porque a produtora, digamos, já tem esse horizonte profissional de "vou criar um espaço nesse campo do cinema”. E o coletivo é mais como um laboratório, seria isso? CAETANO GOTARDO: Sim, porque eu acho que a origem do Filmes do Caixote foi justamente isso que eu estou falando, a gente começar a ter essa vontade, o João e o Sergio também tinham, e acho que a fagulha inicial era a gente se estimular a fazer esses filmes que a gente sentia que queria fazer e não tinha feito ainda. SERGIO SILVA: E um jeito mais fácil de conseguir fazer filme logo também. Todo o processo do cinema era muito lento. JULIANA ROJAS: E também porque a gente já tinha feito filmes que a gente colaborava um com o outro na faculdade, os exercícios, depois os curtas de conclusão de curso, a gente trabalhou uns nos filmes dos outros, e era uma contribuição criativa, porque a gente opinava nos roteiros, via a montagem, só que também, como a gente não se identificava como um grupo, não se sabia que esses filmes eram de um grupo de pessoas. A partir daí a gente, assinando como Filmes de Caixote, também identificava isso, esse grupo de pessoas que não é

Foto: leo

Lara

CAETANO GOTARDO: Foi o que selou nossa junção. Porque eu lembro que nós três, saindo da USP, a gente tinha um pouco uma frustração com a gente mesmo de só ter feito filmes muitos oficiais. A gente só tinha feito filme em película, todos os nossos curtas eram em película, os filmes meio oficiais que cada um de nós pôde fazer dentro da USP. E eu lembro da gente começar a falar “por que a gente não faz uns filmes mais livres?”.

Juliana Rojas

uma produtora, mas que de alguma forma contribui criativamente um com o outro. Então mesmo no Trabalhar Cansa a gente tem uma contribuição de todo mundo, os curtas e longas que vieram depois a gente assina como Filmes de Caixote, mas sem querer ter uma pretensão de produzir, de assinar como produtores, mas mais como uma identificação de que tem um trabalho do coletivo. CAETANO GOTARDO: E não tinha nenhum plano de se estabelecer de alguma maneira. Era muito uma coisa da gente entender essa colaboração e assinar pra essa colaboração ficar evidente e pra gente mesmo se estimular, no sentido de encontrar uns nos outros caminhos pra fazer mais coisas e fazer de diferentes maneiras essas coisas. Isso foi em 2005, 2006, por aí? JULIANA ROJAS: Acho que foi 2006. FILMES DO CAIXOTE

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E qual foi o primeiro filme? JULIANA ROJAS: Foi 2006, foi quando a gente fez A Criada da Condessa... CAETANO GOTARDO: ...que foi um exercício que a gente se propôs, que nem todos fizeram, mas era um exercício de todos fazerem um filme a partir do mesmo provérbio, que é “A pedra cai sobre o ovo, azar do ovo. O ovo cai sobre a pedra, azar do ovo”. Então a partir desse provérbio, cada um de nós faria um filme. Quais foram os filmes?

Fotos: di

vulgação

CAETANO GOTARDO: Os filmes foram A Criada da Condessa, qual foi o seu? MARCO DUTRA: Perto do Bosque numa Noite de Neve. SERGIO SILVA: Tem um do João Cândido... CAETANO GOTARDO: O João Cândido fez Go or Go Ahead, porque nossa primeiríssima formação do Caixote tinha dois outros integrantes, que é o João Cândido Zacharias e o Gustavo Scofano, que são do Rio de Janeiro... com eles a troca era menos fácil até pela distância, e menos constante, acabou que eles não ficaram no grupo. MARCO DUTRA: Teve uma época que a gente falava muito dos colaboradores oficiais, porque o Matheus Rocha, por exemplo, estava superpresente nesse primeiro momento, ainda é próximo da gente de alguma forma, ele fez muitos desses curtas com a gente.

Filmes A Criada da Condessa e Trabalhar Cansa 34

HOMENAGEM

Os colaboradores são importantes. Você tem alguns atores e atrizes, o Matheus Rocha como fotógrafo... JULIANA ROJAS: Tem a Gilda Nomacce...


MARCO DUTRA: Então, desde esse período, o Matheus fez Um Ramo, fez dois filmes desse período, As Sombras, o Trabalhar Cansa...

Então os longas vocês consideram? Porque os longas foram realizados em um esquema diferente, via produtoras...

SERGIO SILVA: A Vida do Fósforo Não É Bolinho, Gatinho, que ele fez depois junto com o Bruno Risas.

CAETANO GOTARDO: A gente nunca estabeleceu um padrão, um modelo, uma regra do que é ou não Filmes do Caixote. Eu acho que em essência a gente considera todos.

JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: A Bela P... CAETANO GOTARDO: Tem o Fernando Zucolotto, o Daniel Turini, a Helena Albergaria, a Gilda, o Eduardo Gomes, enfim, muitas pessoas que se repetiam entre os filmes. E vocês sabem mais ou menos quantos filmes têm a assinatura do Filmes do Caixote? MARCO DUTRA: Os longas acho que são oito, se a gente considerar os longas que a gente fez que... Todos os longas são oito. JULIANA ROJAS: Quando Eu Era Vivo, não. R: Mas no final não tem o “Filmes do Caixote”, que é a assinatura padrão? JULIANA ROJAS: Não. É “Aos amigos do Caixote”. É um agradecimento especial. Mas não tá assinado. CAETANO GOTARDO: Mas a gente considera... MARCO DUTRA: É um filme que todo mundo meio que trabalhou nele. Todos nós. O Caetano estava superperto e fez várias letras e colaborou no roteiro, a Ju montou, o Sergio estava no set, João trabalhou no Quando Eu Era Vivo? JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: Fiz a digitalização. MARCO DUTRA: É verdade, dos VHS.

JULIANA ROJAS: Todos que eu fiz, desde que se criou, tem o “Filmes do Caixote”. Todos os curtas e longas têm isso na apresentação ou no crédito final entra também. Tem isso. Eu não lembro A Passagem do Cometa, porque saiu de uma série, eu não lembro se pôde colocar. Quando não se colocou foi por questões jurídicas, porque a gente não é uma produtora. Então depende, se o produtor deixa ou não, porque não somos uma produtora formal. Nem todos os filmes têm todo mundo, mas todos tem alguém, mais de uma pessoa que colaborou de maneira criativa. Tipo Sinfonia da Necrópole, o Marco fez as músicas, o João e o Sergio fizeram o cartaz, todos leram... Mais ou menos em 2008/2009, outros coletivos, como o Alumbramento do Ceará e Teia de Minas Gerais, começaram a aparecer com longas-metragens e, me lembro, vocês seguiam firmes na realização de curtas, ainda que viesse em 2012 o Trabalhar Cansa em um esquema mais profissionalizado. E eu me perguntava “será que eles não vão fazer longas independentes também, assim como o Alumbramento fez Estrada para Ythaca?”. “Será que São Paulo não os deixa fazer longas do mesmo jeito que eles fazem os curtas?”. Essa é uma questão que eu coloco pra vocês. Eu sei que o Caetano fez o Seus Ossos e seus Olhos, que é um filme um pouco nesse esquema sem dinheiro de edital, muito barato, equipe muito pequena, poucos dias, mas é uma experiência isolada e mais tardia... JULIANA ROJAS: Na época eu não lembro de ter pensado isso. Mas sei lá, pra mim eu achava muito importante fazer curtas antes de fazer o primeiro longa, sabe? Pra mim era importante eu ir fazendo até o momento em que eu achasse que a gente estava pronto pra enfrentar um longa. Foi um processo meio natural. Depois de ter FILMES DO CAIXOTE

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feito o primeiro longa, eu já cheguei a pensar, o Caetano também – ele produziu esse longa de uma maneira mais alternativa, depois de ter feito o primeiro longa nos moldes convencionais. Porque um longa nos moldes convencionais tem vantagens e desvantagens, então acho que às vezes eu sinto falta disso, de uma certa liberdade que um modelo de produção menor te permite. É uma coisa que eu penso. Mas na época não sei, não lembro de pra mim ser uma questão de “ah, eu preciso fazer um longa e vamos fazer de um jeito...”, porque enquanto a gente desenvolvia o Trabalhar Cansa, a gente ia fazendo os curtas e pra mim era isso, era experimentar com o cinema e ir amadurecendo.

CAETANO GOTARDO: Mas eu acho que algo interessante também é que eu, o Marco e a Ju vínhamos de fazer os filmes da USP em película e tal e mesmo os primeiros curtas que a gente fez logo depois, acho que todos eram com algum edital, alguma fonte. E o Sergio e o João vieram de uma experiência oposta de fazer seguidos filmes sem dinheiro. E acho que essa troca foi muito boa entre a gente.

MARCO DUTRA: Porque já em 2006, 2007, a Sara Silveira, que produziu Um Ramo, estimulava a gente, eu e a Ju, a apresentar um projeto de longa. Então desde essa época a gente já começou a flertar com essa ideia do longa e escrever o roteiro, e o discurso da Sara era tipo “vou fazer esse curta, essa porcaria de vocês, mas vamos fazer um longa. Quero fazer um longa. Quero que vocês façam um longa”. E ela estimulou a gente. Então a gente estava amadurecendo o Trabalhar Cansa ao longo dos anos. Depois de Um Ramo a gente fez As Sombras, um esquema um pouco menor, filmado em digital, só que a gente tinha um apoio de transfer. E foi até uma coisa interessante, porque a Teleimage, que fez esse transfer, nunca tinha feito um transfer pra 35 milímetros em scope, dessa câmera HBX. A priori parecia improvável que ficasse bom o resultado. Só que, até pela experiência, pra ver o quanto essa câmera poderia resultar em 35 milímetros, eles cuidaram bem assim desse transfer e aí ficou bem bom o resultado com uma cópia de 35 milímetros no final, mas tendo sido um filme feito com pouca luz e numa locação só, com uma câmera digital, que eu não lembro agora de quem era a câmera.

SERGIO SILVA: Tem umas coisas pré-Caixote, Stop the Cigarrets é em câmera ciber-shot.

JULIANA ROJAS: Era da Manuela Ziggiati e do Max Eluard. Foi um filme feito com muito pouco dinheiro, assim, que a gente usou tudo pra estrutura. Ninguém recebeu cachê, a locação também foi cedida, a locação onde a gente filmou, a gente em um fim de semana, mas foi bem legal. 36

HOMENAGEM

JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: A gente fez com câmera fotográfica, a ciber-shot. Qual vocês fizeram?

JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: Bem podre. SERGIO SILVA: Pra gente, sei lá, pelo menos no meu imaginário o cinema era película, porque se entrava numa sala escura e tinha batimento... Então eu acho que, quando a gente começou a fazer esses filmes, pra mim já tinha uma tristeza, porque sabia que já não estava fazendo cinema. Era em uma camerazinha. Era um vídeo. O Sarau na Cama é muito interessante, porque é um filme em VHS e me revela essa distinção entre Caetano, Marco e Juliana, que vieram da experiência da USP, dentro de uma tradição narrativa, ainda que flexível, e João e Sergio, que fazem essas coisas que me lembram às vezes o Bressane no sentido de parecerem querer reinventar o meio. Então vocês têm lá no Sarau na Cama, e é um filme com uns trechos dos escritos do Jairo Ferreira, do Paulo Emílio Salles Gomes, um novelo de digressões sobre história do cinema, feito em vídeo, com aquelas texturas materiais como quando vocês jogam um tecido sobre as atrizes. Me lembra um pouco realmente um tipo de experimento do Bressane que é o de refletir sobre a história das formas a partir das matérias, refletir a poesia por meio de um aparato que às vezes parece discrepante daquilo que se está filmando. A Bela P... é de um


Foto: Leo

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sentido. A gente ia muito na Cinemateca, então a Cinemateca meio que acabou sendo um pouco da nossa vida durante muito tempo, o Sergio ainda está lá, era meio base da minha vida. Era mais minha casa do que minha casa. E aí era inevitável eu tentar discutir as coisas que eu via todo dia e discutir também pra fora, tentar levar as coisas que eu via no trabalho ou nas pesquisas que eu fazia, tentar levar essas coisas pra outros públicos, alcançar outras pessoas.

João Marcos de Almeida

trabalho também com imagem, uma coisa com a textura da imagem eletrônica, essa relação com a videoarte. E é curioso porque o João também tem o Eva Nil, que é sobre uma estrela do cinema sobre a qual só se tem uma foto, pois os filmes que fez não existem mais. Eva Nil e Sarau na Cama são filmes que em alguma medida estão nesse imaginário relacionado, como bem me lembrou a Lila Foster, à Cinemateca, onde João e Sergio trabalharam (Sergio ainda trabalha) e à história do cinema brasileiro. Eu queria que vocês falassem um pouco sobre isso, porque eu acho que é uma característica muito interessante de alguns dos filmes do Caixote ligados a vocês. JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: Eu sempre gostava muito de vídeo, essa textura mais esquisita, e aí eu até achava que, sei lá, eu nunca ia fazer filmes feitos pra cinema mesmo, eu achava só que eu ia fazer coisas mais... Eu não fiz Cinema, fiz Rádio e Televisão, e eu tinha o interesse muito forte pela linguagem do vídeo. E eu era muito fã de filme brasileiro, aí eu conheci o Sergio e a gente começou a trocar muito nesse

SERGIO SILVA: Eu consegui ter um gosto por cinema brasileiro num momento específico da minha vida e foi muito bom que isso tenha acontecido, o que fez com que eu quisesse conhecer o cinema brasileiro e ver muitos filmes. E eu acho que a partir disso tudo que eu fiz em todos os meus filmes e tudo que eu faço em cinema parte um pouco dessa dúvida em relação à história do cinema e do jeito que ela está posta desde sempre, porque o cinema brasileiro sempre foi um percurso muito acidentado e que foi acontecendo apesar da história. Essa presença do cinema brasileiro, apesar da história o tempo todo querer nos dizer que esse cinema não devia existir, me fez querer fazer filmes que, talvez, pensassem um pouco a partir disso. É sempre meio impossível fazer um filme, não é? É sempre muito caro. Sei lá, só fiz um filme com dinheiro até hoje, e que ainda assim não foi um grande dinheiro, que foi o Febre, e que hoje em dia acho que é o filme sobre o qual tenho mais problemas. Eu acho até curioso isso. Com os filmes que eu fiz sem absolutamente nenhum recurso eu me relaciono muito bem. É meio estranho hoje em dia eu me relacionar mal justamente com o eu tinha uma estrutura mais... JULIANA ROJAS: Mas talvez tenha sido porque é o filme que você teve que se encaixar num modelo de produção, né? SERGIO SILVA: É. Mas é isso, você obedece a uma lógica que aí você vê que não é tão gostoso mais estar num set como quando você está lá passando um dia com seus amigos filmando coisas e o filme vai acontecendo ali. Que, sei lá, sempre foi um jeito de fazer cinema que eu acho que eu gostei mais, apesar de ser muito baseado em uma pesquisa anterior, muito solitária, de muitas coisas e que vão FILMES DO CAIXOTE

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CAETANO GOTARDO: Eu acho que, em termos de cinefilia, possivelmente eu seja a pessoa menos cinéfila do grupo. Eu acho que eu fui muito alimentado por eles nesse sentido. Quando eu comecei a fazer cinema eu tinha uma ideia do que eu gostava, mas eu nunca fui um cinéfilo de assistir a tudo, isso eu nunca tinha sido e continuo não sendo, mas acho que eu fiquei muito mais curioso e me instigaram muito e seguem me instigando muito a olhar diferente pras coisas e tal. A origem dos meus impulsos 38

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Lara

Agora eu queria direcionar uma questão pro Caetano. Quando eu vejo os filmes do Sergio, da Ju, do João e do Marco, eu vejo realmente assim que tem uma energia cinéfila, já os seus filmes trazem uma outra coisa que é particular, ainda que esteja relacionada a algumas tradições em história de cinema, que é a questão da poesia e do corpo, da performance da palavra e da poesia de que o corpo é capaz. Quando eu vi os seus curtas pela primeira vez eles tinham uma coisa que eu achava estranha e que eu não sabia muito onde colocar, e pensava “tem alguma coisa aí e quero saber aonde isso vai chegar”. E quando eu vejo seus dois longas, vejo que a questão da palavra e do corpo explode. Eu queria que você falasse um pouco sobre isso. Não sei exatamente como fazer uma pergunta sobre isso, mas eu queria que você me falasse um pouco porque os textos que eu li, alguns raros, falam sobre isso. Mas eu nunca fiquei muito satisfeito.

cinematográficos é menos cinéfila, talvez. Mas é isso. Mas acho que tem contaminações entre nós também que são bem interessantes. E acho que é engraçado isso que você fala, pensando nos meus filmes, acho que eu identifico também em todos. Mas aí, claro, em medidas e de jeitos muito diferentes, porque eu acho que todos nós temos alguma relação com o teatro, de diferentes maneiras, todos nós, por exemplo, nós cinco trabalhamos em algum momento com a Companhia do Latão, que é um grupo aqui de São Paulo do qual a gente gosta muito e cada um de nós esteve em algum momento na prática trabalhando com o Latão, em projetos diferente, né? Acho que nunca nós cinco ao mesmo tempo. Mas todos nos aproximamos do Latão e fizemos coisas com o Latão. Todos nós temos interesse por dramaturgia, todos nós temos interesse por poesia, quase todos nós escrevemos, o livro que eu publiquei é um livro com três poetas, eu, o Marco e a Carla Kinzo, que também era da nossa turma de Cinema, a Ju escreve, enfim, acho que todos escrevem. É interessante pensar

Foto: leo

parar no roteiro e a partir dali acontece uma coisa mais livre, mais solta com os atores. Mas se deparar com a coisa de que o cinema brasileiro sempre foi meio invisível, muito difícil de ver, muito inacessível, isso me fez querer muito estudar esse cinema, me aproximar desse cinema, tentar tirar um pouco desses mitos que ficam em torno de certos filmes que a gente fica muito tempo sem saber se existem, e aí de repente, quando você vê esses filmes, era só aquilo... É sempre bom se deparar com coisas que não são “só aquilo”, que são grandes. E o cinema brasileiro tem aqueles filmes que são muito fundamentais pra história e quando você vê eles são pequenos filmes. Isso é bonito também.

Caetano Gotardo


que talvez de uma maneira, nos que eu assino sozinho, algo disso ganha uma certa particularidade, mas também são elementos que eu sinto que eu troco muito com o grupo. Claro, existe uma relação entre os filmes. É interessante estabelecer essa relação, mas os seus possuem essa coisa da poesia do corpo e da imagem palavra ao ponto da exasperação. E eu acho que em Matéria e Seus Ossos e seus Olhos isso pra mim é muito radical, como por exemplo em Seus Ossos aquela performance que você fez na sala em que você levanta e faz uma coreografia. Eu sinto que tudo aquilo que o filme vai construindo enquanto ideia com as palavras e os sentimentos, naquele momento é condensado no seu corpo de modo muito intenso e chega ao ponto da exasperação. É uma coisa muito física, e diferente do cinema cinéfilo dos seus amigos do Caixote, eu vejo isso menos mediado por signos que remetem à história do cinema, não é? CAETANO GOTARDO: É engraçado você citar Matéria e Seus Ossos e seus Olhos, que são dois filmes que eu faço como ator. Então eu acho que tem uma coisa de passar pelo meu próprio corpo, que é algo que me interessa, que é menos presente nos filmes do Caixote em geral, mas que o Sergio no Minha Única Terra é na Lua se aproxima também, né? Mas isso de estar em cena é uma coisa que me interessa, pessoalmente, e aí acho que esses filmes são muito também sobre meu corpo em cena. Uma busca de um tipo de presença. Uma das coisas que eu fui entendendo que me levou ao cinema, que eu achei que não era claro, tanto que na pergunta sobre o que me levou ao cinema eu não falei disso, é que eu fui entendendo e eu ainda estou processando, uma ideia de presença mesmo. É engraçado porque é muito mais fácil pensar nisso no teatro. Mas eu acho que tem algo na presença no cinema que, não sei, é uma pesquisa que me fascina, justamente esse presente que já não é mais presente, mas que se torna presente de novo a cada vez que se encontra com o público, cada vez que alguém está assistindo àquilo. Acho que o que eu tento pesquisar, uma das minhas pesquisas é tornar aquilo de fato, trazer o espectador. O tempo do espectador e

o tempo do filme se tornam um presente comum. Acho que eu fui entendendo que isso me interessa, como pesquisa, e aí nesse sentido, esse corpo que está no filme e o corpo do espectador, têm que estar igualmente presentes e compartilhar uma presença. Eu acho que é esse tipo de coisa que eu estou fazendo. Essa questão do corpo realmente está em todos os filmes. Os filmes de horror, por exemplo, têm isso também, né! O acesso que a gente tem a eles é sensível e é físico. Eu queria ouvir um pouco de vocês, Juliana e Marco, sobre isso, porque me parece que o horror sempre esteve no horizonte de vocês como um modo de acesso a uma sensibilidade e aos fantasmas do nosso tempo. É modo de fabular sobre o funcionamento do mundo. JULIANA ROJAS: É, acho que um dos fatores que fizeram o Marco e eu nos aproximarmos muito, já na faculdade, foi o interesse por filmes de horror, né! A gente gostava de ver no cinema ou ir na locadora perto da casa dele. Às vezes, eu ia pra casa dele, ele pegava o carro, a gente alugava vários filmes de horror, e filmes desconhecidos. Com certeza, considerados trash, e a gente sempre teve um prazer mesmo, em filmes que dramaturgicamente você fale: “Ah, esse filme é ruim, mas tem algum elemento, sei lá, de subversão. Tem alguma coisa que toca a gente. Quando chegou o momento da gente fazer o TCC, eu lembro que a gente falou: “Ah, vamos propor um filme juntos e vamos fazer então um filme de terror, né? Porque a gente gosta tanto”. E aí, no processo de escrita... Esse filme é O Lençol Branco, nosso primeiro curta formal juntos. A gente fez exercícios antes, mas eu lembro que no processo a gente foi percebendo isso, como os elementos de gênero de horror, eles servem de metáforas pra um certo desconforto social ou pra falar de relações ou pra falar de perversões dentro de relações. Eu acho que a gente se interessa muito pelo lado da perversão, no sentido de impureza. Sei lá, acho que todos os filmes falam também sobre relações de amor, relações de maternidade, outros tipos de laços de afeto familiar e o horror também mostra que existe uma perversão dentro disso. Ele serve pra desconstruir, pra ver outras camadas, nessas relações. E aí, ao longo do filme, foi FILMES DO CAIXOTE

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se expandindo também, pra servir como comentário social. Então, no Trabalhar Cansa já é um filme que, além das relações afetivas de uma família, ele também fala sobre relações de trabalho, e o gênero serve também pra discutir esses atritos e desconfortos.

íntimas, essas histórias domésticas e de relações de trabalho, talvez fiquem até mais fortes, quando o elemento de gênero entra. Parece que insufla mais ar nessas relações do que se fosse um filme de observação mais realista.

MARCO DUTRA: Acho que tem várias coisas, né. Tipo é isso que a Ju falou, que a gente via os filmes e às vezes a gente se interessava por uns filmes mais obscuros e tal, e filmes que nem são considerados bons por muita gente, mas é que tem uma coisa, que também é histórica no gênero, que é uma certa permissão, em algumas esferas, pra testar os limites do gosto, né. Uma coisa que é considerada de mau gosto ou excessiva ou pouco elegante para um certo tipo de cinema, é possível, dentro do gênero, experimentar. A ideia de filme “B”, né? É no risco que a gente vai achar alguma coisa mais interessante, mais subversiva e vai testar algum limite de alguma coisa. Então, isso é uma coisa que a gente via, reconhecia em vários filmes, considerados “B” ou “não bons”, mas que tinham uma pulsão. E aí, isso me remete a uma coisa que eu gostava... eu cresci gostando muito de ler Stephen King, ainda gosto, na verdade. E ele escreveu um livro que se chama A dança macabra, que é um livro sobre horror, que eu li bem novo, que tinha uma coisa que me marcou muito, que eu sempre volto a esse capítulo, que ele fala da pulsão de vida, no horror. Que pra ele é resultado de uma pulsão de vida, muito forte. Falar do corpo apodrecido, do zumbi, da morte, do assassinato, do vampiro ou de aspectos obscuros e sombrios das pessoas, na verdade, é uma coisa muito viva e poderosa, e isso é uma coisa que eu reconheço em muitos dos filmes de terror que eu gosto mais, que são filmes muito positivos, no fim das contas, sabe? Pelo menos, pra mim, na minha percepção. E muito vivos, então é um paradoxo do gênero, mas é o jeito que eu sinto ele. E tem uma coisa que é isso, que é sobre falar do mundo. Nos filmes que eu e a Ju fizemos juntos a gente colocou coisas que vêm muito também das nossas experiências com as nossas famílias, no nosso universo da classe média, de entender o que é o nosso mundo, a nossa perspectiva do mundo, e ver como é possível usar isso dentro da fantasia. E como isso deixa talvez até mais fortes essas histórias

A música é muito forte em todos os filmes. Acho que quase todos os filmes de vocês são musicais, na verdade. E quando não é, você tem uma música que tem uma presença forte, como é o caso da dos filmes Febre, Merencória e A Passagem do Cometa.

HOMENAGEM

CAETANO GOTARDO: Eu queria puxar, por uma coisa que não foi respondida na sua pergunta anterior, que é sobre a palavra, que eu acho que é uma coisa muito forte, pra todos, também. Então, acho que isso pode juntar com a música, porque acho que todos nós temos um interesse grande, na pesquisa em torno da palavra e do lugar da palavra, no cinema. E aí, quando eu falei da questão da presença do corpo, dessa presença, acho que também tem uma pesquisa da palavra como corpo, da palavra como imagem, da palavra como presença, e maneiras dessa presença da palavra no cinema. O nosso cinema é um cinema que nunca teve intenção de se aproximar exatamente de um naturalismo. E acho que essa pesquisa com a palavra contribui muito com isso. Acho que todos nós estamos muito interessados em pensar em como as coisas são ditas, como essas palavras se desenham e como, de diferentes maneiras, entre os filmes, mas então, acho que a gente costuma ter um interesse grande em lidar com estranhamentos, acho que todos nós também gostamos bastante do Brecht, é uma das referências comuns que nos percorrem. A gente gosta de lidar com coisas que estão um pouco fora de lugar e que quem está assistindo vai juntar aquilo, ou por uma experiência sensorial, emocional, ou por uma experiência mais racional, mas acho que a gente está o tempo todo propondo que o espectador construa os filmes junto com a gente, enquanto o filme está acontecendo. Acho que é uma característica que percorre nossos filmes e acho que a música entra também um pouco nesse lugar. São raras as vezes, nos nossos filmes, em que a música tem uma presença comum, de conduzir, de ajudar aquilo a fluir. Acho que ela


ajuda a fluir também, em alguns momentos, mas eu acho que tem uma coisa da música... quando ela existe, ela existe; ela está ali, ela é um elemento, ela é um corpo também. Ela intervém na ordem das coisas, né?

Fotos: di

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CAETANO GOTARDO: Exato. Ela é parte da dramaturgia. Acho que a gente gosta muito de pensar a música, a canção, como elemento dramatúrgico, de fato. Então, acho que tem a ver com isso. Acho que muda muito, entre os filmes, acho que a gente usa a música, de vários jeitos, e não usa a música também de vários jeitos, né! A ausência de música, às vezes, acho que se faz notar, em alguns filmes, mas acho que tem essa coisa da música, como um corpo em cena, também.

Filmes Eva Nil, Cem Anos Sem Filmes e Sarau na Cama

JULIANA ROJAS: É, pra mim, acho que muda a relação com a música também, de acordo com a pessoa, né! Tipo o Marco toca piano, sei que o Caetano escuta muita música. Eu já não escuto tanta música. Eu não tenho um repertório como vocês têm. E pra mim, a relação com a música é bastante lúdica mesmo. E acho que vem também de uma influência de filme musical, mais do que, sei lá, escutar discos, é sempre com uma função de dramaturgia, né! E aí, seja tendo um personagem cantando, que eu acho interessante, como ruptura, como brincadeira, como estar rompendo uma certa convenção, quanto usando a música de maneira incidental, como a gente fez no As Boas Maneiras, mas que a gente trabalhou muito, tanto na escolha dos instrumentos que a gente usava, quanto orientando as composições, para que a música fosse um comentário do que você estava vendo, né! Era muito importante compor de acordo com o que era o movimento das atrizes em cena, entendeu? Isso está, intrinsecamente, ligado, né. É isso tem uma força narrativa, mas que pra mim vem disso, de uma relação mais lúdica, de contar história, acima de tudo. E acho que varia. Pro Marco talvez seja diferente. MARCO DUTRA: Sim. Todos nós temos, de fato, alguma relação tanto com o cinema, como com a música usada no cinema. Eu amo muito música, desde criança, e eu comecei a estudar piano com quatorze


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Lara

anos, aí comecei a compor, então eu sou muito apaixonado por música, como conceito, e por estilos musicais diversos. E gosto muito de trilhas sonoras em geral. Gosto muito de trilhas sonoras, mas também acho muito arriscado, sempre, porque acho que é muito fácil o balanço virar, sabe? A música competir com o filme, a música ficar no caminho do filme ou então sufocar o filme, de alguma forma. Acho que a maioria das trilhas sonoras, eu não gosto, na verdade, no cinema, em geral; só que eu acho que, quando funciona, é um negócio sublime, vira das minhas coisas preferidas no cinema. Parece que as cenas que eu gosto mais são cenas em que a música é fundamental. Então, a minha busca é meio que achar esse tipo de equilíbrio, e às vezes é meio difícil, né! Quando a gente fez o As Boas Maneiras era essa busca de ficar: “Pô, isso aqui, esse tambor está no lugar errado. Isso aí está criando uma sensação estranha”. Então, a gente revisava muito as músicas. Os Irmãos Garbato (compositores) mandavam, a gente mandava comentários, mandavam, a gente mandava comentários. Pra tentar achar essa precisão, de onde

entra cada pausa e cada instrumento, e onde o silêncio é mais forte, né! No Silêncio do Céu, por exemplo, o Guilherme e Gustavo Garbato compuseram uma trilha muito bonita, que inclusive a gente lançou. Que foi a única vez que a gente trabalhou com uma orquestra grande, porque tinha um orçamento previsto pra isso. E foi emocionante ver a orquestra gravando, e a trilha realmente eu acho muito bonita, só que foi uma das decisões mais difíceis da minha vida, porque a gente não usou. No fim, chegou uma hora que estava me fazendo mal ver o filme com aquela música. E aí eu tive uma conversa com eles, foi muito difícil. Tem música deles no filme, ainda, mas são músicas de cena, são músicas que tocam nos rádios, nos carros, nas coisas, mas a trilha em si, que eu acho muito bonita, a gente decidiu não usar. E eles entendem, eles concordam até, de certa forma, mas é porque é isso, é difícil achar esse equilíbrio. E às vezes é isso, a gente precisa ver o filme com a trilha gravada lá e falar: “Hum, tem algo não funcionando aí”. Isso é uma coisa. Outra coisa são as canções, que aí são os números, as coisas que aparecem de maneiras bem diferentes. Por exemplo, em O que se Move e no Sinfonia da Necrópole, são bem diferentes os usos, o que revela um pouco como a gente se relaciona com os filmes musicais. JOÃO MARCOS DE ALMEIDA: É, todos se interessam por musicais também. Também tem uma coisa, que todos tiveram interesse em fazer musicais, que é um gênero que talvez no Brasil seja muito pouco explorado, e as pessoas odeiam musicais. Eu lembro quando a gente fazia musical. Acho que é o gênero mais odiado de todos, né? JULIANA ROJAS: Terror em segundo lugar. CAETANO GOTARDO: É interessante que tem uma tradição muito grande de música no cinema brasileiro, nas chanchadas e tal, mas não tanto nas canções dentro da dramaturgia, né!

Sergio Silva 42

HOMENAGEM

SERGIO SILVA: Eu já trabalhei em vários sets de filmes onde tinham músicos. Eu me lembro de muitos momentos. Eu já filmei com o Arrigo, já filmei com o Ney Matogrosso.


CAETANO GOTARDO: Sempre, com a Helena, né! SERGIO SILVA: É. Com a Sandy, com a Cida Moreira, com a Marjorie Estiano, com Andrea Marquee, o Dan Nakagawa, eu comecei a fazer o filme do Rubens e da Rossana, que tem o Jair Rodrigues. Era engraçado até de ver. E eu acho que, pra mim, sempre tem uma pesquisa anterior, nos roteiros, eu pesquiso muito em música popular também. A maioria dos roteiros têm minhas anotações de músicas e coisas que devem estar ali, de alguma maneira, pra mim. Sei lá, não passo adiante, pra mais ninguém, mas que de ponto de partida, quase sempre, vem de alguma coisa muito musical ou que me remete a alguma coisa muito mais de canção mesmo. E quase sempre a ideia de colocar como comentário, até no Minha Única Terra É na Lua era isso, era uma coisa que estava no roteiro, a menção, a música da Marina Lima, mas que não estava no filme. E aí, quando o Marco montou a trilha, colocou a música e fez todo sentido que ela estivesse ali, assim. O que mais vocês acham que é importante dizer? MARCO DUTRA: Quando a gente recebeu a ligação de que estavam sondando a gente para a homenagem, a gente reagiu de um jeito meio engraçado, né! O Sergio mandou uma mensagem falando: “Ah gente, vamos nos encontrar pra conversar, porque tem essa homenagem”. A gente ficou feliz, mas “Por quê? Por que agora? Por que nesse momento? A gente ainda está relativamente jovem”. Depois a gente ainda se encontrou e conversou um pouco mais, mas a verdade é que, pelo menos pra mim, quando os dias foram passando, eu fiquei pensando que é muito curiosa essa coisa do tempo, porque a gente já se conhece tem mais de vinte anos, eu, a Ju e o Caetano. E o Sergio e o João têm tipo, dezessete anos, mais ou menos. Dezesseis, dezessete anos que a gente se conhece. É muito tempo. E aí, eu fui ver a nossa lista de filmes e tal. Você perguntou antes sobre quantos foram, e são oito longas em geral, e de curtas, acho que são quarenta. Acho que chega perto de quarenta. Então eu pensei: “Ah, acho que sim. Acho que é legal ter uma homenagem”, porque a gente de fato fez trabalhos juntos, e a gente gosta muito um do outro, e eu acho que é isso. Parte da

energia que nos conecta é afetiva também né! Não é pragmática, não é porque “Ah, você produz e eu dirijo”. Não passa por isso. Passa mais por um lugar de conexão, a gente tenta se entender, estimular um ao outro. E aí eu não sei, me pareceu interessante a ideia da homenagem, de tentar colocar juntos esses filmes que são separados às vezes por muitos anos e feitos em circunstâncias muito diferentes, mas até para a gente tentar ver o que eles dizem agora, sabe? JULIANA ROJAS: É, acho que a ideia de homenagem, pra gente, parece engraçada, porque é isso, quando você pensa em homenagem, no meu imaginário, é uma coisa que é meio coroando uma carreira, né! E como a gente, relativamente, não tem tanto tempo de estrada, e a gente quer ainda fazer muitos filmes... eu quero viver muito, pra fazer muitos filmes. Pra mim, acho que o mais interessante dessa Mostra que vai ter dos nossos filmes, é passar os nossos primeiros trabalhos. É o que eu me empolgo mais, de passar esses primeiros curtas, e que eu acho legal tanto pra gente rever, quanto para o público conhecer, e principalmente pra pessoas que também estejam na mesma situação que a gente estava na época, que são pessoas... jovens realizadores. Sei lá, eu acho que pode ser legal ver, conhecer os filmes da nossa juventude. Quando a gente ainda estava começando a aprender a gramática do cinema. Então, isso que eu acho mais legal. Essa oportunidade de abrir e mostrar trabalhos menos conhecidos, mais imperfeitos, mas por isso mesmo mais interessantes e ricos, na minha opinião. E é isso. Eu espero que a gente continue fazendo muitos filmes. CAETANO GOTARDO: Acho que o Caixote... a gente deu esse nome pra nós cinco, de certa maneira, mas é muito claramente um coletivo mais amplo, que não assina como “Caixote” tudo o que faz. Acho que o “Caixote” faz sentido como coletivo muito por causa dessas outras pessoas, de pessoas que um ou mais de um de nós já conhecíamos e trouxe. Isso aconteceu muito, né! Acho que a gente foi ampliando essa rede de colaboradores e de pessoas muito importantes na criação de tudo que a gente fez. Então, essa característica do “Caixote”, de ser um coletivo sem uma estrutura específica, acho que permite também que todos esses colaboradores sejam também “Caixote”, mesmo sem


assinar ou sem... Acho que o Caixote é essa rede grande de colaborações. E tem uma coisa que, pra mim, está acontecendo já aqui, nesse momento de se juntar e falar em relação à homenagem, a estar nessa posição de juntar os filmes e nos juntar e tentar recontar, reconstruir um pouco a história do nosso encontro e dos nossos processos. Acho que tem um recuo muito bom, de parar e tentar olhar um pouquinho, né! E tentar reconstruir, porque as coisas vão acontecendo, e parar um pouco e pensar: “O que esse conjunto cria? Quais sentidos aponta? Como tem sido nossa dinâmica de colaboração?”. JULIANA ROJAS: É, tem um aspecto também que eu acho que vale a gente comentar, e não sei, acho que pelo menos na minha carreira e na do Marco, mas acho que na carreira de todos tem uma questão do momento histórico que a gente começou a fazer cinema. As gerações anteriores viveram o momento de fim da Embrafilme, foi um momento de seca no cinema. O cinema era um tipo de produção muito marginal, né! Que se descolava um pouco de negativo, uma câmera, fazia alguma coisa... Eu lembro que, quando a gente entrou na faculdade, se exibiam esses filmes que foram feitos de uma maneira muito clandestina, no sentido de sem ter nenhum apoio. E a gente viveu um momento que foi, quando começaram a voltar os incentivos públicos, pra cinema. Então, Um Ramo, que foi o primeiro curta que a gente fez fora da faculdade, foi um edital da prefeitura, o Vestida foi um edital do Estado, Caetano também fez o Areia, que foi também o Prêmio Estímulo. Então, eu acho que toda a nossa carreira e toda a repercussão que os nossos filmes tiveram têm a ver com a política pública. A gente teve a sorte e o privilégio de viver essa época que estava florescendo. E agora a gente está em uma época em que os incentivos estão cada vez mais escassos. E então eu acho que a nossa cinematografia também serve pra mostrar isso. A importância dos incentivos públicos para a produção cinematográfica. Entrevista concedida pelos integrantes do Filmes do Caixote ao crítico de cinema Francis Vogner dos Reis, a pedido da Universo Produção, março/2020, SP.

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HOMENAGEM


Foto: Leo Lara


DE LÁ PRA CÁ... IMPRESSÕES, SENTIMENTOS, PALAVRAS O REGISTRO LIVRE DE CADA UM. Os integrantes do coletivo Filmes do Caixote, formado por Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra e Sergio Silva, registram o que sentem neste tempo histórico presente complementando pensamentos e falas da entrevista concedida em março/2020, ocasião em que estava agendada a edição presencial da 8ª Mostra Tiradentes | SP, em que subiriam no palco do CineSesc para receberem o Troféu Barroco – homenagem que expressa nosso reconhecimento a uma das mais notórias experiências de coletivo cinematográfico em São Paulo, criado na primeira década do século XXI, quando despontavam também em outro estados coletivos fundamentais no cinema contemporâneo brasileiro. De repente, tudo foi interrompido. Tudo foi anestesiado. E tateando as janelas que foram descortinando diante dos nossos olhos, estamos tentando recuperar o fôlego, sentir a pulsação da vida, aprendendo novas maneiras de ver e sentir o mundo. Aliás, o cinema, enquanto arte, nos propõe isto – imaginar o mundo que queremos e projetar caminhos possíveis. Essa é a reflexão central proposta pela Mostra Tiradentes | SP 2020. Compartilhamos as impressões de cada um do Filmes do Caixote em seus registros livres e verdadeiros, provocadores e sentimentais, poéticos e potentes.

SERGIO SILVA You get dragged down, down to the same spot enough times in a row The bottom begins to feel like the only safe place that you know1 (Fiona Apple) No meio de março nos encontramos para uma conversa sobre o Caixote, “coletivo de jovens cineastas paulistanxs”. Não tão jovens, não tão paulistanxs (Marco é o único da capital; Ju é de Campinas, Caetano é capixaba, João acho que é a pessoa com mais boas qualidades paulistanxs que conheço e tem Anápolis no percurso infantil. Nasci em São Bernardo do Campo, onde meu pai pernambucano trabalhava nos tempos de greve no ABC e cresci com minha mãe e irmãs em Diadema, de onde só saí aos 34 anos). Começava a quarentena e o meu trabalho anunciava o home office. Como a depressão e síndrome do pânico já tinham me tornado recluso (trabalhar cansa e também adoece), acho que quando fizemos aquela entrevista estava o tempo todo ansioso pra que tudo aquilo pudesse acabar logo. Aos meses que se seguiram, o home office virou trabalho não remunerado, o fim do contrato de um emprego de muitos anos numa instituição pública que terminou de um jeito bem complicado, como namorar um famoso: você acompanha as fofocas enquanto toma um ghosting. A história que construímos com o Caixote, de impacto imenso para xs cinco 1 Você é arrastado para baixo, para o mesmo local várias vezes seguidas / O fundo começa a parecer o único lugar seguro que você conhece

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HOMENAGEM


integrantes, foi bastante próxima e paralela à intensa pesquisa do cinema brasileiro que desenvolvi na Cinemateca Brasileira. Programar filmes profissionalmente durante anos compensou o fato de fazer filmes amadores. Obviamente, foram ficando tecnicamente mais “sofisticados”, crescendo de tamanho conforme o desenvolvimento das pesquisas e parcerias foram encontrando outros ecos. A paixão por direção de atrizes e atores me trouxe a oportunidade de trabalhar com Eduardo Gomes, Lucas Wickhaus, Patricia Aguille, Isabél Zuaa, Flavia Gusmão, Dan Nakagawa, Julia Katharine, Fabio Audi, Marina Consiglio, Lucas Andrade, Tuna Dwek, Jorge Neto, Igor Mo, Helena Ignez. Fico feliz pela amizade, parceria e interlocução de Gilda Nomacce, minha locomotiva do drama. O semestre da pandemia escancarou nossa fragilidade social. São Paulo expulsou diversos amigos com o desemprego de quem trabalhava pra viver o mês, como eu. Mais forte que há seis meses atrás, agradeço a meu companheiro Nossila Rosa por uma feliz vida possível, apesar do Brasil atrasado e machista, e a Lauren Zeytounlian, pela troca intensa e permanente nestes anos todos; o cinema no qual acredito segue sendo parecido com o visto junto com essas pessoas, na sala em 35mm ou em casa. Gosto de fazer cinema que só acontece com a presença em movimento, em imagem e som, de atores e atrizes. Espero que os cineastas profissionais aprendam a fazer filmes mais baratos (e parem de reafirmar que fazer cinema é caro). Que os cineastas amadores sigam fazendo seus filmes independentemente das leis e que a linguagem cinematográfica (e a videográfica e a audiovisual) possam um dia ser um direito acessível a todxs.

When I lay down my head At the end of my day Nothing would Nothing would please me better Than I find that you’re there when I wake2 (Sinéad O’Connor) 2 No final do meu dia/ nada faria/ nada me agradaria mais/ do que eu descobrir que você está lá quando eu acordar

JOÃO MARCOS DE ALMEIDA Ainda no começo do ano, quando nem sonhávamos que nossas vidas iam mudar desse jeito, me descobri com síndrome do pânico durante a Mostra de Tiradentes, enquanto lançava meu último trabalho como diretor, em parceria com o amigo Sergio, Estamos Todos na Sarjeta, mas Alguns de Nós Olham as Estrelas. Por um lado, o diagnóstico me deu uma esperança, já que o ataque de pânico faz você acreditar que tem alguma doença terminal incurável. Por outro lado, eu percebia que minha saúde mental desmoronava. Enquanto tentava recuperar meu equilíbrio, veio a notícia da pandemia. Os curadores da Mostra não poderiam prever que o tema do ano, Imaginar outros Mundos Possíveis, se tornaria uma questão tão básica como trocar de roupa. O desastre político e o avanço do fascismo se somavam ao dado de que, além de estarmos em risco apenas por existir como vidas dissidentes, poderíamos agora também morrer e causar a morte pelo simples ato de comprar arroz no mercado da esquina. Para uma pessoa que tinha uma vida agitada, o recolhimento não foi uma tarefa fácil. Especialmente quando as notícias dentro da bolha eram de mortes por covid, suicídio, feminicídio, transfobia. A energia se esgota, vive-se toda a grandiosidade trágica da impotência diante do mundo. “É preciso produzir vida”, é o que sempre diz Luís, meu psicólogo, que passou a me atender desde fevereiro. Nesse meio tempo, vimos se agravar o desmonte da Cinemateca Brasileira, instituição para a qual eu vivi por mais de dez anos – aqui o verbo “trabalhar” torna-se insuficiente. Foi uma das dores mais fortes ver todas aquelas pessoas e saberes ignorados. Todos os objetos ali, até então conservados, mesmo em suas mais precárias situações, agora ignorados. Nestes últimos meses, parece que a vida passou a ser um eterno tropeçar, cair e levantar. Como no filme Triangulum, dos amigos FILMES DO CAIXOTE

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Melissa e Gustavo, “recomeçar, mil vezes, recomeçar”. Mas tenho prestado cada vez mais atenção ao chão e suas fissuras. Minhas pernas não estão firmes ainda, mas tenho como muletas todos os amigos e nossas conexões virtuais. Resolvi não esperar para me dedicar aos filmes, às lutas e aos projetos de vida, afinal, como também diz Luís, a vida é agora e talvez essa vida de agora não se resolva tão brevemente. Esse foi um impulso pra gente seguir trabalhando, seguir com essa homenagem, seguir filmando, seguir exibindo os filmes na TV, na internet. Enquanto a vida não volta, a gente segue vivendo.

(mesmo na distância que se tornou necessária), saber um pouco do que fazem, vê-las compartilhar coisas e encontrar maneiras de se juntarem, acessar parte de seus pensamentos e fabulações – e deixar que isso me impulsione a fabular também – é, mais uma vez, o que parece de fato alimentar o processo de construção de mundos possíveis e diferentes deste, imediato e disforme. Olhar agora para esse conjunto de alguns dos filmes do Caixote de novo, depois desses meses, tem sido, para mim, olhar para as pessoas que os fizeram, todas. Observar e pensar, essencialmente, nesses processos de colaboração, de troca, de dúvida, de fragilidade, de vontade, de encontro.

CAETANO GOTARDO JULIANA ROJAS Imaginar outros mundos possíveis. Fiquei pensando nisso para escrever este texto. Acredito muito na importância de imaginar coisas – possíveis e impossíveis. Gosto da ideia de que o que se pensa de algum jeito já passa a existir ao ser pensado. Não como uma forma de otimismo vazio, mas no sentido de encarar o pensamento, a fabulação, como parte concreta da matéria do mundo. No entanto, a palavra “possíveis” nesse mote que foi escolhido como temática para a Mostra Tiradentes/SP deste ano me parece bastante necessária neste momento. Porque eu, pessoalmente, tenho precisado pensar na possibilidade real de certas construções e reconstruções para não me afundar na desesperança e no imobilismo. Quando conversamos no início de março para o catálogo do evento que, a princípio, aconteceria presencialmente, o Brasil já estava mergulhado em muitas destruições (como nunca deixou de estar em sua história – mas, sem dúvida, no momento mais violento dos anos recentes). Os últimos seis meses acentuaram no país as consequências trágicas dos atos de quem tem esse gosto pela destruição, esse apreço pelo apagamento de quem não é seu igual e de tudo o que não faz parte de seus interesses mais diretos. Não somos todos assim, é claro. E observar pessoas que não são assim, ouvi-las, me aproximar delas 48

HOMENAGEM

Fiquei feliz com a notícia da homenagem e a possibilidade de exibir novamente nossos filmes, especialmente títulos menos vistos e curtas do início do Caixote. A Mostra Tiradentes tem um significado afetivo para mim – um espaço para descobrir filmes que apontam para outras possibilidades narrativas, com muitas conversas e trocas sobre cinema. Creio que a maioria de meus curtas e longas, além de alguns trabalhos que montei, foram exibidos nela. Lembro com carinho de uma sessão ao ar livre do Sinfonia da Necrópole, repleta de crianças. Fazia tempo que não nos reuníamos todos presencialmente, e foi bonito estarmos juntos na sala da casa do Marco, num dia tumultuado de março. Falamos bastante, mas já não me lembro de nada. Alguns de nós estávamos mais tímidos com a cerimônia que seria no palco do Cinesesc, e lembro que sugeri que pedíssemos aos atores para nos representarem (eu chamaria a Gilda Nomacce pro meu papel), e fantasiei que poderíamos tocar "Let's face the music and dance" no início, como uma mensagem para atravessarmos os tempos difíceis que enfrentávamos no audiovisual. Uma ideia maluca, que era piada, mas era sério.


Passaram-se mais de seis meses de pandemia e isolamento, e além do terrível impacto humano em nosso país, vimos esse cenário de desmonte de políticas públicas se agravar, numa sucessão de destruições e apagamentos em diversos setores. A situação precária da Cinemateca e a demissão em massa de seus trabalhadores foi algo particularmente duro. Lembro que formamos o Caixote numa época em que não tínhamos perspectiva de filmar com recursos, e unimos nossa força de trabalho pra realizar aqueles curtas. Mesmo tendo dirigido várias obras depois, algumas com uma estrutura grande, sempre que penso no nosso grupo eu visualizo a experiência dessas primeiras filmagens juntos. Com isso em mente, penso que é preciso seguir filmando, da maneira que for possível.

MARCO DUTRA Nós cinco nos encontramos no apartamento em que vivo no dia 12 de março de 2020 para conversar sobre o Caixote com o Francis Vogner dos Reis. Juliana desenhou nosso logo com giz numa das paredes; desenhou também um arco-íris. O desenho serviu de fundo para as fotos tiradas durante a noite. As coisas mudaram muito rápido a partir daquele dia, e praticamente não nos vimos desde então. Fico muito feliz que o encontro de março tenha acontecido; vejo agora como ele me serviu de combustível para enfrentar as dificuldades do isolamento. Lembro dessas quatro pessoas que amo sempre que olho para o desenho na parede, e penso que, se pude ocasionalmente imaginar mundos e se ainda tenho desejo de seguir, foi por causa do que aprendi com o Caixote. Não pretendo apagar por enquanto:

FILMES DO CAIXOTE

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FILMOGRAFIA

FILMES DO CAIXOTE Filmes do Caixote surgiu em abril de 2006, quando os integrantes resolveram formalizar com um nome uma série de parcerias e proximidades que já vinham acontecendo desde 1999, quando Juliana Rojas, Caetano Gotardo e Marco Dutra se conheceram. Sergio Silva, João Marcos de Almeida e também João Cândido Zacharias e Gustavo Scofano, do Rio, completavam o grupo. Muitos outros parceiros constantes se uniram ao grupo ao longo dos 14 anos que se seguiram, em 8 longas e mais de 30 curtas.

CAETANO GOTARDO LONGAS

CURTAS

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HOMENAGEM

ANO

TÍTULO

2020

TODOS OS MORTOS

2019

SEUS OSSOS E SEUS OLHOS

2012

O QUE SE MOVE

2010

DESASSOSSEGO (Filme das Maravilhas) (filme em episódios de vários diretores)

ANO

TÍTULO

2017

MERENCÓRIA

2015

CHOCLO

2013

DESCULPA, DONA MADAMA

2013

MATÉRIA

2012

OS BARCOS

2010

OUTRAS PESSOAS

2009

O MENINO JAPONÊS

2008

AREIA

2005

O DIÁRIO ABERTO DE R.

2003

FEITO NÃO PARA DOER


JOÃO MARCOS DE ALMEIDA CURTAS

ANO

TÍTULO

2020

ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS

2018

FEBRE

2013

DESCULPA, DONA MADAMA

2012

MEU AMIGO QUE TRABALHOU COM MANOEL DE OLIVEIRA, QUE FEZ CEM ANOS

2009

EVA NIL CEM ANOS SEM FILMES

2008

SARAU NA CAMA

2008

A BELA P...

2007

JURANDO QUE VIU A PERIQUITA

JULIANA ROJAS LONGAS

CURTAS

ANO

TÍTULO

2017

AS BOAS MANEIRAS

2014

SINFONIA DA NECRÓPOLE

2011

TRABALHAR CANSA

2010

DESASSOSSEGO (Filme das Maravilhas) (filme em episódios de vários diretores)

ANO

TÍTULO

2018

A PASSAGEM DO COMETA

2013

DESCULPA, DONA MADAMA

2013

A ORIGEM DA INSPIRAÇÃO – MÁRCIA BARBOSA

2013

NASCEMOS HOJE, QUANDO O CÉU ESTAVA CARREGADO DE FERRO E VENENO

2012

O DUPLO

2011

PRA EU DORMIR TRANQUILO

2009

AS SOMBRAS

2008

VESTIDA

2007

UM RAMO

2006

A CRIADA DA CONDESSA

2005

NENHUMA CARTA PARA O SENHOR FERNANDO

2004

O LENÇOL BRANCO

2003

NOTÍVAGO

1999

DANCING QUEEN

1999

TRÊS PLANOS, NOVE PLANOS FILMES DO CAIXOTE

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MARCO DUTRA LONGAS

CURTAS

ANO

TÍTULO

2020

TODOS OS MORTOS

2017

AS BOAS MANEIRAS

2016

O SILÊNCIO DO CÉU

2014

QUANDO EU ERA VIVO

2011

TRABALHAR CANSA

2010

DESASSOSSEGO (Filme das Maravilhas) (filme em episódios de vários diretores)

ANO

TÍTULO

2015

DOMINGO

2014

SOBREVIVENTES

2013

NASCEMOS HOJE, QUANDO O CÉU ESTAVA CARREGADO DE FERRO E VENENO

2010

REDE DE DORMIR

2009

AS SOMBRAS

2007

UM RAMO

2006

PERTO DO BOSQUE, NUMA NOITE DE NEVE

2004

CATARINA NÃO SE CANSA DE BRINCAR

2004

CONCERTO NÚMERO TRÊS

2004

O LENÇOL BRANCO

2003

ESPERA

2003

NOTÍVAGO

1999

DANCING QUEEN

1999

TRÊS PLANOS, NOVE PLANOS

SERGIO SILVA CURTAS

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HOMENAGEM

ANO

TÍTULO

2020

ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS

2017

FEBRE

2017

MINHA ÚNICA TERRA É NA LUA

2014

A VIDA DO FÓSFORO NÃO É BOLINHO, GATINHO

2013

DESCULPA, DONA MADAMA

2012

MEU AMIGO QUE TRABALHOU COM MANOEL DE OLIVEIRA, QUE FEZ CEM ANOS

2009

O PAPEL DO MANTO

2008

CARNE

2008

SARAU NA CAMA


Cenas de filmes produzidos pela Filmes do Caixote


Foto: divulgação

FILMES Cena do filme Canto dos Ossos


MOSTRA TIRADENTES | SP

FILMES EM EXIBIÇÃO CURTAS A BARCA, Nilton Resende (AL) A BELA P..., João Marcos de Almeida (SP) A CRIADA DA CONDESSA, Juliana Rojas (SP) A FELICIDADE DELAS, Carol Rodrigues (SP) A PARTEIRA, Catarina Doolan (RN) A VIDA DO FÓSFORO NÃO É BOLINHO, GATINHO, Sergio Silva (SP) AOS CUIDADOS DELA, Marcos Yoshi (SP) AS SOMBRAS, Juliana Rojas e Marco Dutra (SP) BONDE, Asaph Luccas (SP) CALMARIA, Catapreta (MG) CARNE, Camila Kater (SP) CARNE, Sergio Silva (SP) CHOCLO, Caetano Gotardo (SP) CINEMA CONTEMPORÂNEO, Felipe André Silva (PE) DESCULPA, DONA MADAMA, Marco Dutra, Juliana Rojas, Sergio Silva, João Marcos de Almeida, Caetano Gotardo (SP) EGUM, Yuri Costa (RJ) ENTRE NÓS E O MUNDO, Fábio Rodrigo (SP) ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS, João Marcos de Almeida e Sergio Silva (SP) EVA NIL, CEM ANOS SEM FILMES, João Marcos de Almeida (SP) INABITÁVEIS, Anderson Bardot (ES) MANSÃO DO AMOR, Renata Pinheiro (PE) MATÉRIA, Caetano Gotardo (SP) MINHA HISTÓRIA É OUTRA, Mariana Campos (RJ) MINHA ÚNICA TERRA É NA LUA, Sergio Silva (SP) MONA, Luíza Zaidan e Thiago Schindler (SP) NASCEMOS HOJE, QUANDO O CÉU ESTAVA CARREGADO DE FERRO E VENENO, Juliana Rojas e Marco Dutra (SP) 55

FILMES


O PAPEL DO MANTO, Sergio Silva (SP) O VERBO SE FEZ CARNE, Ziel Karapotó (PE) OS BARCOS, Caetano Gotardo e Thais de Almeida Prado (SP) PATTAKI, Everlane Moraes (SE) PERIFERICU, Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira (SP) RANCHO DA GOIABADA, Guilherme Martins (SP) REDE DE DORMIR, Marco Dutra (SP) SARAU NA CAMA, João Marcos de Almeida e Sergio Silva (SP)

LONGAS ATÉ O FIM, Ary Rosa e Glenda Nicácio (BA) CABEÇA DE NÊGO, Déo Cardoso (CE) CADÊ EDSON?, Dácia Ibiapina (DF) CANTO DOS OSSOS, Jorge Polo e Petrus de Bairros (CE/RJ) MASCARADOS, Marcela Borela e Henrique Borela (GO) NATUREZA MORTA, Clarissa Ramalho (MG) O QUE SE MOVE, Caetano Gotardo (SP) ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU, Bruno Risas (SP) PÃO E GENTE, Renan Rovida (SP) SEQUIZÁGUA, Maurício Rezende (MG) TRABALHAR CANSA, Juliana Rojas e Marco Dutra (SP) TRÊS BAILARINAS, Leonel Costa (SP) YÃMĨYHEX: AS MULHERES-ESPÍRITO, Sueli Maxakali e Isael Maxakali (MG)

FILMES EM EXIBIÇÃO

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MOSTRA

HOMENAGEM

57

HOMENAGEM


GENEALOGIA, CENA E POESIA: O LABORATÓRIO FILMES DO CAIXOTE O filme de curta-metragem nem sempre tem reconhecida a sua importância e valor quando pensamos o passado próximo ou distante do cinema brasileiro. A verdade é que, fora da sua fruição efêmera em festivais, o curta habita quase que exclusivamente o universo dos links compartilhados e dos visionamentos na rede. A presente Mostra Homenagem ao Filmes do Caixote é composta majoritariamente por curtas, e é uma aventura imensa podermos revisitar esses quinze curtas e um longa para pensarmos a trajetória do coletivo Filmes do Caixote. Para quem viveu a cinefilia da São Paulo nos anos 2000, os curtas do Caixote eram uma presença constante nos festivais. Revê-los é imergir nos processos formativos como frequentadores de mostras e lembrar do cinema como essa entidade gregária e que se constitui no calor das sessões e das salas lotadas. Outro aspecto importante é que, a partir desse visionamento em conjunto, é possível vislumbrar os caminhos expressivos de cada um dos integrantes do coletivo, suas obsessões particulares, os pontos de contato, assim como o lugar conquistado dentro do que denominamos cinema paulista. Um lugar particular porque, se o Filmes do Caixote está no lastro do cinema paulista mais radical (de Walter Hugo Khouri, passando pelo cinema marginal, o deboche superoitista e videoartista, por Ícaro Martins & José Antônio Garcia, por Carlos Reichenbach), ao mesmo tempo se coloca equidistante do cinema paulista realista e naturalista dos anos 1990 e 2000. A opção deles é pelo experimentalismo, por uma singular teatralidade (de olho em Brecht, mas só), pelo exercício do cinema de gênero (como o musical, o melodrama e o horror) e pela poesia.

Um ponto de partilha, a cinefilia. Aqui menos pela sua ganga fetichizante, do filme citação, mas de um trabalho de criação que perpassa uma história do que foi visto, união de mobilização afetiva e pesquisa formal. Neste sentido, o trabalho de cada integrante faz do exercício cinematográfico o resultado de uma pesquisa, de um investimento nos diversos instrumentos expressivos da linguagem cinematográfica perpassados por uma história e um conjunto de referências não restritas ao cinema. Neste sentido, Desculpa, Dona Madama (2013), pequeno curta rodado em Super-8 por todos os integrantes, é uma interessante síntese desse cruzamento de referências e modos de fazer. Helena Ignez interpreta uma madame e Gilda Nomacce, sua criada, um duelo que deixa clara a distinção de classe, em breve desfeita, como num conto de fadas, através do encontro de um bilhete premiado. A herança teatral de Helena e Gilda, além de suas presenças constantes em diversos filmes, a trilha sonora tocada em um piano por Marco Dutra, a questão dos papéis de classe, a referência ao cinema brasileiro e a citação ao Cuidado Madame, de Julio Bressane, o feminino em dupla, o grotesco, a brincadeira física e o recurso aos formatos antigos são traços e gestos que permeiam os filmes do coletivo. O cinema brasileiro, por exemplo, está no horizonte de filmes como As Sombras (2009), de Juliana Rojas e Marco Dutra, drama intimista na forma de triângulo amoroso que evoca As Deusas, de Walter Hugo Khouri (a quem o filme é dedicado) e, como o diretor referenciado, o medo vem de dentro. Mas a homenagem não parasita e nem paralisa: temos aqui uma síntese entre drama e imagem, FILMES

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um exercício cênico que indica a sugestão como princípio do horror. Se em As Sombras o horror está na atmosfera, em A Criada da Condessa (2006), de Juliana Rojas, ele se evidencia diretamente em uma fábula vampiresca. Em filigrana, o horror se faz na relação entre patroa e empregada em “um exercício de ficção” (como sugerido na cartela inicial). Esse caráter de laboratório estético e dramático acompanha quase todos os filmes dos primeiros anos do coletivo. Em Rede de Dormir (2010), o corpo morto não tem imagem, mas tem a sua descrição minuciosa feita pela atriz Gilda Nomacce, confronto com uma situação limite, a perda, as suas dimensões sagradas e emocionais. Essas situações limite, do mal-estar presente do corpo exaurido pelo trabalho, nos pesadelos, nos monstros urbanos e o recurso ao terror acompanharão o trabalho de Dutra e Rojas e marcam a experiência do seu primeiro longa, Trabalhar Cansa (2011), sobre a iminente crise de um sistema de trabalho, mas que se expressa como fadiga e chaga nos corpos, nas paredes e nos desgastes emocionais vividos pelos seus personagens. Carne (2008), de Sergio Silva, curta que antecede essas duas experiências, também se vale da imagem limite e de um terror realista para dar conta da dimensão política do veganismo e a irracionalidade do consumo de carne animal. Numa outra chave de experimentação, em um filme mais tardio da dupla Dutra e Rojas, como Nascemos Hoje, Quando o Céu Estava Carregado de Ferro e Veneno (2013), fragmento do longa Desassossego – Filme das Maravilhas (2010), é de um experimento que mistura gêneros em um suporte supostamente superado (vídeo analógico) que se extrai poesia. Também atentos à plasticidade dos antigos formatos, as parcerias entre João Marcos de Almeida e Sergio Silva trazem um gesto historiográfico mais evidente, uma pesquisa que vai para as lacunas da história, como é o caso de Eva Nil, Cem Anos sem Filmes (2009). O curta, gestado a partir do trabalho dos dois diretores na Cinemateca Brasileira, dá movimento à primeira estrela do cinema brasileiro, cuja imagem sobreviveu 59

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apenas em fotos. Em Sarau na Cama (2008), dos mesmos diretores, duas musas saídas do cinema da Boca do Lixo leem textos de Jairo Ferreira, Paulo Emilio Salles Gomes e outros críticos brasileiros. A pesquisa vai além do texto e toca texturas, cores e uma décor que evoca o cinema dos anos 1970 e se vale de uma textura eletrônica do vídeo dos anos 1980. A própria mediação do experimentalismo setentista aqui se dá por um aparato mais recente, só que também anacrônico (o vídeo), porém com um temperamento genealógico dos anos 2000, meio caseiro, meio queer, tipo de ensaio genealógico único no cinema brasileiro. Na mesma linha de pesquisa visual e sonora, A Bela P... (2008), de João Marcos de Almeida, é de um anacronismo que, paradoxalmente, parece ser transmitido diretamente do futuro. A espacialidade suprimida por um emaranhado eletropictórico das texturas visuais e sonoras que remetem ao orgânico, compondo um musical biomórfico. O musical também é princípio no primeiro longa de Caetano Gotardo, O Que se Move (2013), um cruzamento renovador de dois gêneros, o melodrama e o musical, apostando não somente no pathos do drama em si, mas também numa dinâmica entre distanciamento e emoção a partir das cenas musicias. É a afirmação do corpo como linguagem, questão central nos filmes do diretor. A performance e a poesia são a tônica geral. O Papel do Manto (2009), na sua economia cênica diminuta – dois atores, um manto plástico e paredes de concreto –, é um experimento com o texto, a voz e a assincronia da dublagem, do cruzamento de referências visuais e sonoras. A aventura da língua portuguesa, da fala como locus de experimentação, também marca A Vida de Fósforo Não É Bolinho, Gatinho (2014), as línguas que se encontram e desencontram num imbróglio amoroso. Entre o texto, a fala e a autoescrita estão também Minha Única Terra É na Lua (2017), ego duplicado e colocado em crise entre autoexpressão e representação, e Choclo (2015), declamação sobre um amor descoberto. Essa pesquisa com o texto, a voz e o corpo do ator marca profundamente o trabalho de Caetano Gotardo. Em Matéria (2013), vemos


de forma condensada a pesquisa com a matéria vocal, o texto declamado e o estudo dos gestos mínimos, o corpo justamente como um material bruto a ser explorado, porque com densidade, cavidades e reverberações, diretriz estética que marca também os seus longas-metragens. Por outro lado, Os Barcos (2012), dirigido com Thaís de Almeida Prado, vai explorar o silêncio e o texto literário de As ondas, de Virginia Woolf, em sua forma “original” como cartelas que aparecem no decorrer do curta. Essa opção por um falar quase ausente vai justamente conferir todo poder aos corpos e as suas interações, essa a modulação do corpo humano como expressão última dos sentimentos. Quinze curtas e dois longas-metragens ilustram os caminhos e a riqueza da produção desse coletivo que retomou e abriu caminhos para o que podemos chamar de um novo cinema paulista. Novo porque traz a marca de uma geração, mas também porque aliou experimentação com narratividade, sempre teve como horizonte a história do cinema brasileiro e a relação com as outras artes – o teatro, a televisão, a performance, a literatura –, propiciando experiências cinematográficas que tangenciam todos esses campos. Um cinema de expansão, do nosso campo artístico e da nossa experiência cinematográfica. Francis Vogner dos Reis Lila Foster Curadores

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O QUE SE MOVE

TRABALHAR CANSA

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 97MIN, 2012, SP

FICÇÃO, COR, DCP, 100MIN, SP, 2011

Direção e Roteiro: Caetano Gotardo Montagem: Juliana Rojas Fotografia: Heloisa Passos Direção de Arte e Cenografia: Luana Demange Figurino: Cássio Brasil Edição de Som: Daniel Turini e Fernando Henna Som Direto: Gabriela Cunha Trilha Sonora: Caetano Gotardo, Marco Dutra e Ramiro Murillo Produção: Dezenove Som e Imagens Distribuição: Lume Filmes Elenco: Cida Moreira, Andrea Marquee, Fernanda Vianna, Rômulo Braga, Henrique Schafer, Wandré Gouveia, Dagoberto Feliz, Gabriel dos Reis, Adriana Mendonça, Larissa Siqueira, Anne Rodrigues, Marina Carazza, Danilo Grangheia, Beto Matos e Germano Melo

Direção e Roteiro: Juliana Rojas e Marco Dutra Direção de Produção: Ronald Kashima Montagem: Caetano Gotardo Fotografia: Matheus Rocha Direção de Arte: Fernando Zuccolotto Som Direto: Gabriela Cunha Edição de Som: Daniel Turini e Fernando Henna Casting: Alice Wolfenson Still: Gabriel Chiarastelli Produção: Maria Ionescu, Sara Silveira, Dezenove Som e Imagens e Filmes do Caixote Distribuição: Polifilmes Elenco: Helena Albergaria, Marat Descartes, Naloana Lima, Marina Flores, Lilian Blanc, Gilda Nomacce, Hugo Villavicenzio, Thiago Carreira, Clarissa Kiste, Ana Petta, Eduardo Gomes, Daniela Smith, Thaís Rangel, Luís Serra, Eliana Teruel, Ney Piacentini, Antonio Januzelli, Lucélia Machiaveli

Três famílias, em três diferentes situações, precisam lidar com mudanças súbitas em suas vidas, envolvendo alguma perda brusca ou um reencontro há muito esperado. Um olhar sobre os afetos que movem essas famílias e sobre três mães que, diante de momentos muito difíceis, cantam o amor por seus filhos. Personagens que observam manifestações de vida com curiosidade, interesse, espanto. Pequenos gestos e ações em torno desses acontecimentos dolorosos, em meio à experiência simples e inexplicável da vida cotidiana.

A jovem dona de casa Helena resolve realizar um desejo antigo e abrir seu primeiro empreendimento: um minimercado. Ela contrata a empregada doméstica Paula para tomar conta das tarefas do lar e de Vanessa, sua filha. Quando seu marido Otávio perde o emprego como gerente em uma grande corporação, as relações pessoais e de trabalho entre os três personagens sofrem uma inversão inesperada, ao mesmo tempo em que ocorrências perturbadoras passam a ameaçar os negócios de Helena.

Contato: dezenove@uol.com.br; fredericocruzmachado@gmail.com Contato: dezenove@uol.com.br / contatos@polifilmescinema.com.br

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A CRIADA DA CONDESSA

A BELA P...

CARNE

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 11MIN, SP, 2006

EXPERIMENTAL, COR, DIGITAL, 25MIN, SP, 2008

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2008

Direção, Roteiro e Montagem: Juliana Rojas Produção e Assistência de Direção: Caetano Gotardo, João Marcos De Almeida, Marco Dutra e Sergio Silva Fotografia: Matheus Rocha Elenco: Doró Cross, Lilian Blanc, Marco Dutra

Direção: João Marcos de Almeida Roteiro: João Marcos de Almeida, Rafael Paião, Sergio Silva Produção: Fernando Zuccolotto, João Marcos de Almeida, Joyce Condello, Mariana Claro Diretor Assistente: Sergio Silva Direção de Arte: Fernando Zuccolotto Produção de Elenco: Joyce Condello Som: Mariana Claro Narradora: Helena Ignez Fotografia: Matheus Rocha Trilha Sonora Original: Marcos Miranda Trilha Sonora Adicional: Francisco Crozera, Felipe Xavier, Marco Dutra Consulta Científica: Letícia Konishi Animação: Sergio Silva Elenco: Dani Peraze, Eduardo Gomes, Helena Ignez, Paolo Gregori, Valéria Cristina, e Wellington R. Costa

Direção: Sergio Silva Elenco: Gilda Nomacce

Uma condessa secular. Uma criada fiel. O que há para o jantar hoje?

Não coma nada que olhe pra você.

O corpo humano em cinco partes.

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SARAU NA CAMA

AS SOMBRAS

EVA NIL, CEM ANOS SEM FILMES

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 5MIN, SP, 2008

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 15MIN, SP, 2009

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2009

Direção: João Marcos de Almeida e Sergio Silva Fotografia: Matheus Rocha Direção de Arte: André Protásio, Fernando Zuccolotto Edição: João Marcos de Almeida Figurino e Maquiagem: Fernando Zuccolotto, Patrícia Aguille Textos: Bertolt Brecht, Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Jairo Ferreira, Paulo Emílio Salles Gomes, Petrônio, Rogério Sganzerla Música: Chopin, Mozart, Verdi Produção: André Protásio, Gilda Nomacce, Fernando Zuccolotto, João Marcos de Almeida, Matheus Rocha, Patrícia Aguille, Sergio Silva Elenco: Gilda Nomacce, Patrícia Aguille

Direção e Roteiro: Juliana Rojas e Marco Dutra Direção de Fotografia: Matheus Rocha Direção de Arte e Figurino: Fernando Zuccolotto Montagem: Juliana Rojas Som Direto: Daniel Turini Edição de Som: Daniel Turini e Vinícius Casimiro Assistência de Direção: Caetano Gotardo Chefe Eletricista: Samira Alves Continuidade: Giovani Barros Assistência de Montagem: Rui Calvo Assistência e Produção de Arte: Joana Rougier, Rafaela Guarischi e Rafael Paião Assistência de Elétrica: Victor Moriyama Assistência de Produção: Luciana Pillon Produção: Hugo Kenzo / Filmes do Caixote Coprodução: Ioiô Filmes Etc Elenco: Helena Albergaria, Djin Sganzerla, Sílvio Restiffe

Direção, Produção, Montagem, Direção de Arte: João Marcos de Almeida Assistente de Direção: Sergio Silva Roteiro: João Marcos de Almeida com a colaboração de Sergio Silva e Matheus Rocha (Roteiro a partir de Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte, de Paulo Emílio Salles Gomes, e Arquivo Eva Nil depositado na Cinemateca Brasileira) Direção de Fotografia: Matheus Rocha e João Marcos de Almeida Som: Mariana Claro Assistentes de Produção: Adriana Oliveira, Fernando Theodoro, Viviane Cortes Produção Dublagem: Eduardo Gomes Maquiagem: Fernando Zuccolotto Figurino: Cris Matsuoka Elenco: Daiane Martins, Gilda Nomacce, Neusa Velasco, Eduardo Gomes, Carlos Roberto de Souza, Paolo Gregori, Raphael Messias, Caetano Gotardo, Sergio Silva, Matheus Rocha, Gregório Graziosi, Thais de Almeida Prado, Juliana Rojas, Marco Dutra, Daniel Libarino

Duas mulheres se divertem na cama.

Numa casa de campo, a paciente e seu marido envolvem-se com a jovem psiquiatra. Os ruídos da floresta os cercam. Dedicado à memória do cineasta Walter Hugo Khouri (1929-2003).

Ensaio sobre Eva Nil, a primeira estrela do cinema brasileiro.

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O PAPEL DO MANTO

REDE DE DORMIR

OS BARCOS

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2009

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 6MIN, SP, 2009

FICÇÃO, COR, DCP, 23MIN, SP, 2012

Direção: Sergio Silva Elenco: Eduardo Gomes e Marina Consiglio

Direção e Roteiro: Marco Dutra Produção Executiva: Rodrigo Sarti Werthein e Luís Correia Direção de Produção: Tita Tessler Montagem: Juliana Rojas Fotografia: Matheus Rocha Direção de Arte, Figurino, Maquiagem: Fernando Zuccolotto Som: Daniel Turini Assistência de Direção: Caetano Gotardo, Sergio Silva Assistência de Fotografia: Samira Alves Empresas Produtoras: Acere F. C., Filmes do Caixote e LX Filmes Elenco: Gilda Nomacce, Vitor Dutra, Cida Augusto

Direção, Roteiro e Montagem: Caetano Gotardo e Thaís de Almeida Prado - Baseado em um fragmento do romance As ondas, de Virginia Woolf Produção Executiva: Lara Lima, Marcelo Lima Fotografia: Flora Dias Desenho de Som: Edson Secco Direção de Arte e Figurino: Felipe Diniz Direção de Produção: Raul Arthuso Empresa Produtora: Lira Cinematográfica Elenco: Anne Rodrigues, Lígia Zilbersztejn, Rafael Eihati, Renan Belfante, Thiago Pereira, Yohanna Rodrigues

O Enviado, uma ninfa lunar, cai na Terra e tem seu manto mágico roubado por Mulhomem, que só o devolverá em troca da mensagem que ele carrega. Livre adaptação de Hagoromo (O Manto de Plumas), clássica peça de Motokiyo Zeami (1363-1443).

Relato sobre a rede de dormir e seu uso como mortalha, antigo e esquecido.

Vi folhas que se moviam. Pensei: "É um pássaro em seu ninho". Separei as folhas e olhei; mas não havia pássaro nenhum. As folhas continuavam a se mover. Enquanto corria, cada vez mais depressa, eu gritava. O que movia as folhas? O que move meu coração, minhas pernas?

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FICÇÃO, COR, DIGITAL, 10MIN, SP, 2013

Direção, Roteiro e Fotografia: Filmes do Caixote (Caetano Gotardo, João Marcos de Almeida, Juliana Rojas, Marco Dutra e Sergio Silva) Arte e Figurino: Helena Ignez, Gilda Nomacce, Lauren Zeytounlian e Filmes do Caixote Som e Trilha Sonora: Juliana Rojas e Marco Dutra Elenco: Helena Ignez e Gilda Nomacce

Direção: Caetano Gotardo Produção: Filmes do Caixote Elenco: Caetano Gotardo

Empregada explorada pela patroa muda de vida ao ganhar na loteria.

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MATÉRIA

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 3MIN, SP/PR, 2013

Abaixe-se um pouco; eu inclino a cabeça e desapareço na ponta de seu osso.

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DESCULPA, DONA MADAMA

NASCEMOS HOJE, QUANDO O CÉU ESTAVA CARREGADO DE FERRO E VENENO FICÇÃO, COR, DIGITAL, 20MIN, SP, 2013 Direção e Produção Executiva: Juliana Rojas e Marco Dutra Roteiro, Montagem e Edição de Som: Juliana Rojas Direção de Produção e Assistente de Direção: Giovani Barros Direção de Fotografia: Matheus Rocha Direção de Arte: Fernando Zuccolotto Som Direto: Mariana Filosof e José Tomaselli Assistentes de Produção: João Marcos De Almeida, Sergio Silva, Renata Fortes Arranjos: Rafael Cavalcanti, Marco Dutra Música: Marco Dutra, Juliana Rojas Empresa Produtora: Avoa Filmes Coprodução: Filmes do Caixote e Duas Mariola Elenco: Carla Kinzo, Eduardo Gomes, Gilda Nomacce, Rafael Gomes, Rodrigo Bolzan, Matheus Rocha, Caetano Gotardo, Hilda De Alencar Gil, Giovani Barros, Sergio Silva, Marco Dutra Depois de decepções amorosas e profissionais no planeta Terra, Júlio e Clara decidem fugir juntos para o espaço.

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A VIDA DO FÓSFORO NÃO É BOLINHO, GATINHO

CHOCLO

MINHA ÚNICA TERRA É NA LUA

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 5MIN, SP, 2015

FICÇÃO, COR, DCP, 19MIN, SP, 2017

Direção: Caetano Gotardo Produção: Filmes do Caixote Elenco: Gustavo Vinagre, Caetano Gotardo

Direção: Sergio Silva Produção: Julia Alves e Felipe Santo Montagem: Marco Dutra Fotografia: Rui Poças Som: João Cândido Zacharias Cenografia: Silvia Dias Elenco: Gilda Nomacce, Igor Mo, Sergio Silva, Flora Dias, Bruno Risas

FICÇÃO, COR, DCP, 29MIN, SP, 2014 Direção: Sergio Silva Produção: João Marcos de Almeida e Max Eluard Montagem: Marco Dutra Fotografia: Bruno Risas e Matheus Rocha Som: Gabriel Martins Elenco: Dan Nakagawa, Gilda Nomacce, Eduardo Gomes Marcos hospeda Robert em sua casa – e cai de amores por ele. Quando Michael Jackson morre, Marcos adoece e Lígia, sua irmã, vem ajudá-los.

O objeto mais misterioso. A coisa mais concreta.

Sergio responde a 36 perguntas para fazer Gabriel se apaixonar. Você sabia que Glauber era pisciano?

Contato dos filmes . Mostra Homenagem . Filmes do Caixote caetanogotardo@gmail.com; joao.marcos.almeida@gmail.com; jujurojas@gmail.com;marcodut@gmail.com; sergiosilva.ie@gmail.com CURTAS . MOSTRA HOMENAGEM

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MOSTRA

AURORA


IMAGINAÇÃO À LUZ DA AURORA Desde 2008 a Mostra Aurora lança diretoras e diretores que realizam suas primeiras obras em longa-metragem. Nesse período viu-se uma diversidade tão grande que é possível dizer que a Mostra Aurora revelou gerações de cineastas que, se vistos em grupo, não teriam em sua maioria similaridades estilísticas e temáticas que convencionalmente definem o que consideramos “geração”. Com idades distintas (de vinte e poucos anos a oitenta), modos de realização dos mais variados (filmes por uma só pessoa em mesa de edição a equipes mais numerosas com aparato hiperprofissional), com referências cinematográficas e artísticas plurais (dos cinemas moderno e clássico, da literatura, da música e das artes visuais) oriundos de diversas regiões do país e a partir de orçamentos discrepantes (de 500 reais a 2 milhões) é possível olhar para as “gerações Aurora” nesses 12 anos menos como um grupo com identidades fechadas e específicas e mais como uma constelação de diretores e diretoras, coletivos e equipes, com modos expressivos que, com mais ou menos afinidades estéticas, apostam em proposições formais de alta intensidade poética, fabular, crítica e sensorial. Neste ano não é diferente. Em Canto dos Ossos, filme vencedor do Troféu Barroco como Melhor Filme da Mostra Aurora, essa potência da fabulação toma a forma de espectros do imaginário, de origem incerta, mas que tangenciam as imagens da literatura, dos filmes de terror, da saga de vampiros através dos séculos. Filme meio teen, meio vampiro, de imersão em espaços que parecem ter vindo de outro mundo, mas ao mesmo são tão prosaicos, tão próprios, compõe uma estilização original por meio da decupagem, da montagem e da textura de uma imagem que parece ao mesmo tempo de um filme B e uma obra conceitual do universo das artes visuais. Filme de terror e de complô, sabe

que evocar fantasmas no imaginário dos espectadorxs é afetá-lxs, estimular nelxs choques de percepção para liberar seus fantasmas, seu medo, sua libido. Tudo isso é libertador do olhar e do corpo. É um filme geracional no melhor sentido, marca de um tempo, marca de formas de vida e marca de viver e criar imagens. Um imaginário criado/filmado com tanta intensidade que parece saltar da tela. Olhar para um universo prosaico, seus detalhes corriqueiros e materiais e redimensioná-lo em fábula sci-fi que transfigura o mundo documentado é a potência fundamental de Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu, de Bruno Risas. O filme é o documento-fábula que tem como personagens a família do diretor e o bairro, outrora operário, do Bresser, em São Paulo. Representação daquele estrato social pouco visto no cinema brasileiro: os pobres que sustentam uma imagem doméstica (uma representação) que cultiva signos da classe média, mas distante que qualquer estabilidade da classe média, assim como de uma identidade de classe proletária mais sólida. É o limbo do lumpesinato branco, aqui transformado numa crônica social em que o fantástico sedimenta uma melancolia que parece incurável. O horizonte de expectativa: uma janela pro quintal que tem uma parede e um varal como paisagem. Nisso, uma família que tem no cuidado algo mais forte que a razão e vontade. Estranha, torta e potente definição do amor. Nada conciliadora, mas vital. As contradições, o desamparo e a reflexão sobre a classe trabalhadora está na fábula brechtiana Pão e Gente, de Renan Rovida, livremente inspirado no texto que completa 90 anos A Padaria, de Bertold Brecht. O filme paulista é o segundo longa do diretor (que já esteve no Aurora com Sem Raiz em 2017) que agora cria nas ruas da FILMES

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cidade um espaço teatralizado a partir de expedientes brechtianos em dois segmentos paralelos: a peça encenada e seu comentário, extraído dos fragmentos de A Padaria e lido pelos atores. Na fábula, desempregados, pequenos comerciantes e a destruição mútua como modo de sobrevivência na sociedade do capital. O engajamento no texto original tem intensidade particular, justamente porque sua matéria visual e seu sentimento residem nas contradições do hoje. Se nos anos 1930 esse texto era crítico e didático quanto ao funcionamento social e econômico do capitalismo, hoje, para além disso, sua força crítica também está em focar na decadência do modelo e no cansaço, desesperado, dos corpos fotografados em preto e branco. Por isso os primeiros planos dos rostos são tão fortes. Mascarados, de Marcela Borela e Henrique Borela, segunda vez da dupla na Aurora (a primeira foi com Taego Ãwa em 2016), também se faz no universo do trabalho, só que de uma perspectiva mais fenomenológica do que analítica, ainda que próximo no estilo de um filme como Arábia, de Affonso Uchoa e João Dumans. O filme se concentra em um grupo de trabalhadores precarizados das pedreiras de Pirenópolis que alimentam a expectativa de saírem mascarados às ruas durante a tradicional Festa do Divino, porém se veem ameaçados pelas tentativas de proibição dos mascarados. O filme ganha um forte ímpeto na figura dos mascarados, como se esses fossem uma ruptura provisória – simbólica, mas potente – na sujeição de um cotidiano de violência real e subjetiva. A ideia de resistência como um modo de prezar pelos direitos e ao mesmo tempo inventar um outro modo de existir de maneira insubmissa é a força de Cabeça de Nêgo, de Déo Cardoso. O filme é uma narrativa ficcional inspirada nos levantes que animaram as ocupações de adolescentes nos últimos anos em escolas públicas contra o desmonte da educação pelos governos estaduais. É um filme propositivo, de ação. Não “ação” no sentido do gênero cinematográfico de aventuras, mas ação na contramão da melancolia tão comum a filmes brasileiros da última década, em que a política acaba sendo identificada a um ideário perdido. Aqui a política é uma práxis iluminada por uma formação que 69

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não depende mais dos “mestres”. É um filme que tem pathos, se insurge, ousa dizer que há uma guerra e é preciso vencê-la. Sua clareza narrativa e de propósitos é um rastilho de pólvora político e imaginativo. Por sua vez, o mineiro Sequizágua, de Maurício Rezende, tem outro tempo, outro ritmo e se passa em um assentamento agroextrativista, lugar em que as famílias realizaram o sonho da terra, mas a seca e a monocultura de eucaliptos atentam contra sua sobrevivência. A contradição: o desenvolvimentismo agrário dá imagem de passado e ruína a uma população que, ainda que ligada à tradição, tinha a expectativa de um futuro melhor. Um choque de gerações: os mais velhos querem preservar as tradições (da terra, das festas religiosas) e os mais jovens querem evadir para uma cidade grande. A realidade filmada é atual, posterior aos governos progressistas que passaram pelo país, mas o que vemos parece a permanência de constrangimentos históricos que permanecem, ainda que a vontade de viver e sobreviver dos assentados seja mais fecunda. A imaginação serve à fábula (seja ela de ficção científica, social ou brechtiana), mas também à modulação e ressignificação das imagens extraídas diretamente do real por meio do tempo e da montagem. Um filme documentário como Cadê Edson?, de Dácia Ibiapina (em sua terceira Aurora) é a oposição radical ao discurso do real hegemônico que tem sua expressão nos meios de comunicação e na justiça de corte político. O filme parte de Edson Francisco da Silva, líder do movimento de moradia MRP (Movimento Resistência Popular) que responde à justiça por formação de organização criminosa, tentativa de homicídio contra policiais e usar crianças como escudo humano. O filme desconstrói o discurso da violência midiática e estatal que tem nessas acusações sua súmula (e sua fraude), construindo um outro discurso que atenta à complexidade das imagens. Para tanto Ibiapina recusa a neutralidade, aposta na montagem, usa imagens de diversas naturezas (da TV, de câmeras de celular, da Justiça) e nos dá um documentário que é político não pelo seu tema, mas por suas operações: nos revela a complexidade de suas questões na sua própria construção imagética.


Natureza Morta, de Clarissa Ramalho, terceira parte da trilogia Inquietante Estranheza, que teve suas duas primeiras partes dirigidas por Ricardo Miranda (Djalioh e Paixão e Virtude, exibidos em Tiradentes) e coescritas pela própria diretora, é a exemplo dos dois filmes anteriores um cinema que investiga o feminino forjado pela subjetividade moderna em atrito severo – explosivo, mas também melancólico – com os códigos sociais. Ainda que nos remeta ao século XIX, é um filme sobre hoje e que investe sua imaginação na materialização – em imagem/palavra – dos espectros científicos, morais e sociais que assombram sobre ainda hoje o que é genericamente chamado de condição feminina, por meio de personagens que narram a história e narram a si mesmas. A diretora imagina um drama pictórico que não separa intimidade e sociedade e que questiona essa personagem “a mulher” criada pelas ciências médicas e naturais, pela sociedade, pela moral, pelo romance. A aparição (uma entidade? Uma deidade cósmica e crítica?) interpretada por Helena Ignez é a força primordial, na contramão das pulsões de morte. De uma intensidade rara no cinema em qualquer época e lugar. Esta seleção da Mostra Aurora na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes conta com cineastas e com modos de produção variados e com diferentes orientações estéticas, mas que se encontram no fato de estarem voltados às questões de seu tempo, que procuram transfigurá-las por meio de uma imaginação viva, atenta e presente no mundo. “Mundo”, que pode ser uma categoria demasiadamente abstrata, aqui definimos como um campo de engajamento no real, seja ele na intervenção criativa da câmera em uma realidade concreta (nas cidades, em comunidades, nos movimentos sociais) ou nos imaginários que animam fabulações e elaborações poéticas. Em 2020 o cinema brasileiro busca outras maneiras de existir. Seguimos, pois, há muito, pela frente. Francis Vogner dos Reis Lila Foster Curadores

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CADÊ EDSON?

FICÇÃO, COR, DCP, 85MIN, CE, 2020

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 72MIN, DF, 2019

Direção e Roteiro: Déo Cardoso Produção Executiva: Patrícia Baía Direção de Produção: Mauricio Macêdo Montagem: Guto Parente Fotografia: Roberto Iuri Direção de Arte: Dayse Barreto Cenografia: Mosquito Figurino: Thais de Campos Trilha Sonora: Herlon Robson Som Direto: Márcio Câmara Mixagem e Edição de Som: Erico "Sapão" Paiva Empresa Produtora: Corte Seco Filmes Elenco: Lucas Limeira, Nicoly Mota, Jéssica Ellen, Val Perré, Carri Costa, Mateus Honori, Jennifer Joingley, Larissa Góes, Hilton Costa, Raphael Souma, Jeff Pereira, Lucas Madi, Renan Pereira, Marta Aurélia, Mayara Braga, João Fontenele e Wally Menezes

Direção e Roteiro: Dácia Ibiapina Produção Executiva: Camila Machado, Dácia Ibiapina, Francisco Craesmeyer, Leonardo Feliciano Direção de Produção: Tiago Rocha Montagem: Guile Martins, Elder Patrick Fotografia: Victor de Melo Fotografia Adicional: Ivan Viana Costa, Ivaldo Costa, Leonardo Feliciano, Leonardo Hecht, Rafael Gontijo, Samuca Melo, Waldir de Pina Som Direto: Francisco Craesmeyer Trilha Sonora: Henrique Laterza Mixagem: JLS Facilidades Sonoras Edição de Som: Camila Machado e Guile Martins Empresa Produtora: Trotoar Serviços Audiovisuais Coprodução: Carneiro de Ouro Audiovisual e Tecnologia

Inspirado por um livro dos Panteras Negras, o introvertido Saulo Chuvisco tenta impor mudanças em sua escola e acaba entrando em conflito com alguns colegas e professores. Após reagir a um insulto em sala de aula, Saulo é expulso, mas se recusa a deixar as dependências da escola por tempo indeterminado.

Um filme sobre movimentos populares em defesa da moradia. Apresentando: o Estado contra os sem teto, na capital do Brasil.

Contato: neguinhoatento@gmail.com

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Foto: divu

Foto: divu

CABEÇA DE NÊGO

FILMES

Contato: dacia.ibiapina@gmail.com


sa Esser

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Foto: Wils

Foto: divu

CANTO DOS OSSOS

MASCARADOS

FICÇÃO, COR, DCP, 88MIN, CE/RJ, 2020

FICÇÃO, COR, DCP, 65MIN, GO, 2020

Direção, Roteiro e Produção Executiva: Jorge Polo e Petrus de Bairros Direção de Produção: Bárbara Cabeça, Julia Couto, Jorge Polo, Petrus de Bairros Montagem: Jorge Polo, Isabela Vitório, Petrus de Bairros Fotografia: Helena Lessa, Catu Gabriela Rizo, Irene Bandeira, Lívia de Paiva, Pedro Lessa, Juliana Di Lello Som Direto: Gustavo Pires, Elena Meirelles, Pedro Henrique Direção de Arte: Ana Luiza Santos, Luiza Victorio, Lua Rodrigues, Patrícia Cavalheiro Figurino: Felipe Arara, Paulo Victor Soares, Maricota, Luiza Victorio, Patrícia Cavalheiro Empresa Produtora: Lambeolhos Produções Coprodução: Estúdio Giz Elenco: Rosalina Tamiza, Maricota, Lucas Inácio Nascimento, Noá Bonoba, Mariana Costa, Ana Manoela, Thai Pata, Gabriel Freitas, Jupyra Carvalho, Paula Haesny Cuodor, Heloise Sá, Lucas Souza, Vitor Tambelli, Ana Luiza Santos-Fernandes, Luiza Victorio, Ramyro Carvalho, Lucas Bittencourt, Jorge Polo, Petrus de Bairros, João Filgueiras, Catu Gabriela Rizo, Gustavo Pires

Direção e Roteiro: Marcela Borela e Henrique Borela Produção: Camilla Margarida, Marcela Borela, Henrique Borela, Rafael Parrode Produção Executiva: Joelma Paes Direção de Produção: Luana Otto Fotografia: Wilssa Esser (DAFB) Som Direto: Elder Patrick Desenho de Som e Mixagem: Guile Martins Direção de Arte e Figurino: Carolina Breveglieri Montagem: Affonso Uchôa Colorização: Alexandre Cristófaro (Clandestino) Empresa Produtora: Barroca Elenco: Vinícius Curva de Vento, Aristides de Sousa, Marcos Caetano, Marcilei Caetano, Divino Conceição, Roseneide Caetano, Wellington Abreu, Pedro Otto.

Duas amigas monstras decidem seguir rumos diferentes. Décadas depois da despedida, Naiana é professora do ensino médio em uma pequena cidade litorânea, onde um hotel em reforma emana estranha presença. A três mil quilômetros dali, a noite devoradora envolve Diego.

Inconformados com a decisão judicial que obriga os mascarados da Festa do Divino a saírem com um número de identificação, um grupo deles tenta invadir a prefeitura da cidade. Quatro jovens, trabalhadores de uma pedreira, lidam de maneiras diferentes com a eminência da festa e a exploração do trabalho. No filme, a revolta é o espaço exterior à ação e os personagens definem-se em relação aos acontecimentos. Contato: barrocafilmes@gmail.com

Contato: lambeolhos@gmail.com

MELHOR LONGA MOSTRA AURORA / JÚRI OFICIAL

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

LONGAS . MOSTRA AURORA

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a Dias

Pilotto

Foto: Flor

Foto: Cadu

NATUREZA MORTA

ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU

FICÇÃO, COR, DCP, 110MIN, MG, 2019

FICÇÃO, COR, DCP, 109MIN, SP, 2019

Direção e Roteiro: Clarissa Ramalho Produção Executiva: Gabriel Correa e Castro e Sergio Pedrosa Direção de Produção: Elisa Petry Montagem: Joana Collier Fotografia: Antônio Luis Mendes Direção de Arte: Cristiano Amaral Trilha Sonora Original: Fernando Moura Som Direto: Gustavo Fioravanti Mixagem e Edição de Som: Alexandre Jardim Correção de Cor: Cajamanga Empresa Produtora: Artifício Cinematográfico Coprodução: Viralata Produções Distribuição: Livres Filmes Elenco: Mariana Fausto, Rômulo Braga, Helena Ignez, Cátia Costa, Barbara Vida, Paulo Azevedo, Rose Abdallah e Octávio III

Direção: Bruno Risas Roteiro: Bruno Risas, Maria Clara Escobar, Julius Marcondes, Viviane Machado Produção Executiva: Julia Alves e Michael Wahrmann Direção de Produção: Felipe Santo Montagem: João Marcos De Almeida Fotografia: Flora Dias Trilha Sonora: Juliana R. Mixagem: Ricardo Zollner Som Direto: Fábio Baldo e Gabriela Cunha Edição de Som: Juruna Mallon Empresa Produtora: Sancho & Punta Distribuidora: Vitrine Filmes Elenco: Viviane Machado, Julius Marcondes, Iza Machado, Geny Rodrigues, Bruno Risas, Flora Dias

A narrativa se passa em 1888 e conta a história de Lenita, uma jovem criada pelo pai, de formação culta, que desconsidera a existência de um homem à sua altura intelectual. O filme expõe os conflitos internos da personagem e as convenções da época.

Meu pai ficou desempregado e a família toda precisou voltar para a antiga casa no bairro da Bresser. Minha mãe procura saídas, mas não sabe o que fazer. Enquanto isso, eu os filmo. Um dia, ela é abduzida por um estranho objeto no céu. Nossa vida continua como se nada tivesse acontecido. Contato: risas@sanchofilmes.com

Contato: juliana.bravo@viralata.tv.br

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FILMES


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Foto: divu

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Foto: Giov anna Pezz

PÃO E GENTE

SEQUIZÁGUA

FICÇÃO, COR, DCP, 60MIN, SP, 2020

FICÇÃO, COR, DCP, 86MIN, MG, 2019

Direção, Roteiro e Montagem: Renan Rovida Produção Executiva e Direção de Produção: Maria Tereza Urias Fotografia: Giovanna Pezzo Direção de Arte, Cenografia e Figurino: Ruth Melchior e Cássio Brasil Trilha Sonora: Bruno Menegatti Som Direto: Letícia Kamiguchi Mixagem e Edição de Som: João Vítor Muçouçah Empresas Produtoras: Coletivo Tela Suja Filmes e Desalambrar Filmes Elenco: Natasha Karasek, Rafaela Carneiro, Rani Guerra, Renê Costanny, Talita Araujo, Cristiane Lima, Lucas Guerra, Rogério Guarapiran, Thiago Calixto, Carlota Joaquina, Iarlei Rangel, Renan Rovida, Rogerio Bandeira, Sergio Carozzi, Janaína Silva, Bruno Menegatti, Nina Hotimsky, Suelen Moreira, Fabiana Ribeiro, Ruth Melchior, Gabriel Stippe, Gustavo Idelbrando, Alice Mello, Anie Calixto Alves Eduardo, Bia Maneja, Clara Mello, Emily Calixto Alves Eduardo, Letícia Garcia, Lucas Maneja, Nino Dias, Sebastião Garcia

Direção: Maurício Rezende Roteiro: Affonso Uchôa Produção Executiva: Alcione Rezende, Janaína Macruz Direção de Produção: Janaína Macruz Montagem: Daniel Ribeiro Duarte Fotografia: Bernard Machado Trilha Sonora: Maria Elei Nogueira Souza, Aparecido Alves de Souza e Mariana Nogueira Souza Som Direto: Gustavo Fioravante, Marcos Cantanhede Mixagem e Edição de Som: Bruno Vasconcelos Empresas Produtoras: Filmes de Quintal, Katasia Filmes, Sinergia Produções, Sem Rumo Elenco: Débora Anjos dos Santos, Guilherme dos Anjos dos Santos, Vítor Daniel Anjos dos Santos, Adriana de Jesus Oliveira, João Marcos Barbosa, Cristovino Ferreira Neto, João Altino Neto, Gelson Baiano, Maria Elci dos Santos, José Aparecido Andrade Silva

Despossuídos num ensaio pelo pão de cada dia. Contato: renanrovida@gmail.com

Num assentamento agroextrativista no Gerais mineiro, as famílias já conseguiram realizar o sonho da terra, mas a falta de chuva e a monocultura de eucaliptos na região dificultam a sua sobrevivência. Neste cenário, enquanto os mais velhos procuram transmitir o seu conhecimento da lida com a terra, os mais jovens veem a vida na cidade como uma oportunidade. Contato: danielribao@yahoo.com

LONGAS . MOSTRA AURORA

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ENTREVISTA

MOSTRA AURORA A Mostra de Cinema de Tiradentes propôs um pequeno questionário aos diretores dos oito filmes selecionados para a Mostra Aurora, na qual são exibidas obras de realizadores em início de carreira de longa, que são avaliados pelo Júri Oficial. O objetivo é registrar fragmentos do pensamento de um grupo de diretores que, para além de seus estilos próprios e escolhas de universos filmados, têm em comum o fato de dar os primeiros passos na realização de longas em um mesmo momento histórico e do cinema brasileiro.

enquanto civilização humana mesmo. Mas preciso confessar que eu não domino essa engenharia narrativa ainda. Sigo estudando muito essa arte. Talvez por ter iniciado nas artes como fotógrafo, uma arte “condenada ao real”, como dizia André Bazin, ainda me sinto mais confortável no realismo, que foi como eu aprendi a amar o cinema, primeiramente como espectador, depois como realizador. O realismo segue sendo minha forma predileta de fruir e de conceber o cinema.

Dácia Ibiapina Diretora Cadê Edson?

NA HISTÓRIA DO CINEMA PODEMOS IDENTIFICAR DUAS VERTENTES, MESMO QUE NUNCA ESTANQUES: O REALISMO, MAIS PRÓXIMO DE UMA CAPTAÇÃO DO REAL, E A FABULAÇÃO, CALCADA NA CRIAÇÃO DE MUNDOS IMAGINADOS. COMO VOCÊ PERCEBE, NO SEU PROCESSO CRIATIVO, ESSES DOIS GESTOS DE APROXIMAÇÃO COM A CRIAÇÃO CINEMATOGRÁFICA? Déo Cardoso Diretor Cabeça de Nêgo

No meu processo criativo percebo esses dois gestos bem divorciados ainda. Digo “ainda” porque, como roteirista e realizador, não quero me limitar criativamente a somente uma dessas abordagens. Embora hoje o meu processo criativo esteja extremamente atrelado a uma estética realista, gostaria muito de me aventurar pela fabulação. Acredito muito na potência afetiva e política do universo fantástico no cinema. A fabulação, quando bem realizada, tem um poder mítico ancestral bastante sedutor e importante à nossa formação 75

FILMES

Eu me lembro da manhã de domingo de 05.06.2016, quando foi feita a desocupação do Hotel Torre Palace, no Setor Hoteleiro Norte do Plano Piloto de Brasília. Após ouvir a notícia pelo rádio, fui para o local. O cerco ao hotel era severo. Não tinha como chegar perto. Vi helicópteros sobrevoando o prédio e desembarcando policiais no topo do edifício. Entrei por entre os hotéis e me chamou a atenção os empregados que estavam retirando sacos de lixo e colocando em contêineres. Eles pararam as atividades para acompanhar as ações. Olhavam do chão o que acontecia no alto do prédio. Havia tristeza e perplexidade nesses olhares. Faziam pequenos comentários: “Prenderam eles...”, “Acabou.”, “Olha ali o Edson.” Pensei: o Estado chega de helicóptero e olha de cima para baixo. Os trabalhadores olham de baixo para cima. Imaginei um filme. Os policiais também imaginaram um filme. Eles se sentiram heróis e logo pensaram na trilha sonora: a de Apocalipse Now. Eu me lembrei de Palmares, de Canudos, da Curva do “S” no Pará. Imaginei que ali, no Centro de Brasília, os sem teto se aquilombaram na vertical. Imaginei o som dos berimbaus mixado


com o das bombas. Na montagem, Guile me apresentou Africadeus, de Naná Vasconcelos. Rolou. Então: é realidade ou é imaginação?

Jorge Polo e Petrus de Bairros Diretores Canto dos Ossos

Gostamos de imaginar esses dois gestos um pouco entrelaçados. O terror ou a fantasia costumam materializar questões e sentimentos muito verdadeiros através de alguma fabulação, não necessariamente calcada numa ideia de naturalismo ou verossimilhança. Os artifícios do cinema têm uma capacidade de deslumbramento do real, remexendo camadas de sensações e ideias palpáveis. Então no Canto dos Ossos a gente quis fazer emergir um pouco do real no fantástico e vice-versa. Trazendo experiências e histórias de pessoas próximas, que participaram ou não do filme, nas situações e diálogos, mas também jogando com as possibilidades de criação de situações e possibilidades fantásticas, fazendo reverberar um registro no outro.

Marcela Borela e Henrique Borela Diretores Mascarados

Marcela: Essa é uma divisão do nascimento do cinema que marcou os desdobramentos posteriores, acredito que pelo que se deu com a ficção nas primeiras décadas do século XX, como escolha hegemônica da indústria. Pensando nos gestos criativos que deram origem

ao que foi chamado “gênero”, surge a dicotomia entre documentário e ficção. A crença de que os gestos criativos são distintos me parece correta, mas me incomoda que eles não possam coexistir. Aí eu acho que entra minha filiação. Para mim, num certo momento, o importante era fazer filmes a partir de motivações partilhadas com as pessoas filmadas, sobre situações reais, numa experiência de intervenção deliberada. Então quando a gente vai definir o que filmar e entra o desejo do outro, esse desejo tem fabulação, porque procura se libertar de alguma forma. O que quero dizer é que o desejo do real sempre vai encontrar encenação, como um arranjo do possível. O Taego Ãwa foi assim. Me vejo nas tradições minoritárias do documentário, em termos de fruição, distribuição, difusão. Escutamos com o Taego “um documentário sobre questão indígena nunca vai chegar às salas de cinema”, e chegou. A disputa é grande, é histórica, entre a ficção eleita como hegemônica e as formas minoritárias. Contudo, acredito que Mascarados seja nossa primeira ficção. Sem deixar de ser documentário. O mundo lê isso de vários jeitos, mas o nosso gesto, com as pessoas filmadas, é uma fabulação, porque a realidade não é assim e pronto, a gente teve que inventar muito pra mostrar, sobre muitas camadas, materiais e místicas, pra dizer dos sentimentos que estão ali. Henrique: Eu acho que essas duas coisas estão muito juntas quando pensamos o cinema. O realismo como algo mais próximo da captação de um real é uma coisa difícil de se pensar, porque o real é a base de tudo e o realismo a base de todo o cinema. Mesmo nos filmes de ficção onde se criam mundos imaginados, há de certa forma uma projeção deste mundo sobre outros mundos. Da mesma forma o real está cheio de fabulação. ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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Clarissa Ramalho Diretora Natureza Morta

“Você sabe que, na verdade, o que o oleiro faz é cobrir o vento, o nada, porque uma peça de barro é isso: uma separação no vazio. Eu, quando estou trabalhando, não penso no vaso: penso no espaço que estou tapando. Não foi isso que Deus fez? O que ele fez foi isso: foi mudar a forma do vazio.” (Medinho barrista) Em toda obra artística, há o que não é dito. Considero o roteiro uma estrutura frágil e, ao mesmo tempo, muito complexa. O que está ali, escrito, nem sempre corresponde à representação de uma realidade tangível. Muitas vezes, expressa o intangível, o universo simbólico e sensorial das personagens ou o projeto estético do realizador, refletindo não somente a narrativa em si, mas também as engrenagens de sua representação – as entranhas da linguagem. Quando eu filmo, meu olhar se desdobra em muitos – já não persigo a narrativa apenas, deixo a fruição própria da imagem me conduzir. Natureza Morta conceitua-se pela narração da história, contada por atores, que ora são personagens, ora são narradores de si mesmos. Seu fio condutor é a palavra e não a ilustração. A proposta é fazer com que o espectador permaneça ativo, como alguém com a capacidade de imaginar e reconstruir as cenas, a partir do olhar e da escuta. Não se trata de um drama, com unidades de ação, tempo e espaço, conduzido de forma linear, como na poética aristotélica. Trata-se de um distanciamento. A ideia é despertar aquele que assiste para um viés crítico e, consequentemente, um incômodo, uma certa estranheza. Assim, penso que essa relação entre o real e a fabulação se apresenta no filme como matéria viva, em constante transformação.

Bruno Risas Diretor Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu

Acredito que o imaginário é nosso acesso ao que percebemos e construímos como real. Num sentido materialista e num sentido cósmico. 77

FILMES

A gente vive num lugar forjado pela violência e isso é marcante no nosso imaginário, porque gera essa impossibilidade de reconstituir memórias, de encontrar uma cosmogonia compatível com o que a vida cotidiana nos apresenta, de vitalizar o desejo. Acho que tanto no cinema, quanto em qualquer outra atividade na vida, o lance é enxergar que a magia tá aí no dia a dia; que viver o mundo imaginado também é real. O mais cético dos materialistas não se aguenta, faz mandinga e lê horóscopo – e eu vou nessa também. Então, o que tenho tentado junto das pessoas com quem trabalho é fazer do cinema um ritual que esmiuça as contradições e as assimetrias inerentes a nossa vida, exatamente para evitar o apagamento dessa violência. E fabular a partir do cotidiano é uma abertura para o atravessamento de tempos, que o cinema permite materializar muito bem. Um pouco como o início daquele poema de Eliot: O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível. É preciso manter a ferida aberta pra que, condenados ao presente, possamos inventar nossas lembranças.

Renan Rovida Diretor Pão e Gente

Todo filme é uma posição tomada, inscrita no seu próprio tempo. O mundo real em Pão e Gente é materializado sempre com a possibilidade de mudança, na busca pela relação ativa do público. A cada filme que dirijo, o processo de trabalho muda de acordo com o assunto. Em Pão e Gente, lidamos com as ruínas. Principalmente com a ruína de uma ideia de progresso, com os vestígios do velho no


novo, com a produção de imagens e sons contraditórios e com as perspectivas de produção de uma arte crítica hoje. Aprofundamos a pesquisa em um cinema épico, histórico e dialético, através da forma ensaio, utilizando dos próprios materiais inspiradores. Por isso, fragmentos da peça de teatro de Bertolt Brecht sobre o desemprego que assolava a Alemanha nos anos 20 e 30 (pré-ascensão do nazismo), ou do libreto de ópera de Mario de Andrade sobre a crise de 1929 no Brasil na produção do café, tornam-se vestígios do momento em que estamos vivendo. Narrando histórias do passado, materializadas na tela em imagens, sons, palavras, música, trem e café, estranhadas e representadas no presente, nos colocamos num cinema opaco e ensaístico, em que a narrativa é mediada por despossuídos como nós, que mesmo diante de um beco sem saída, insistem em narrar histórias, com o ponto de vista da classe-que-vive-do-trabalho.

Maurício Rezende Diretor Sequizágua

Quando partimos para a criação deste filme, não tínhamos uma ideia muito clara do que encontraríamos, nem de qual seria sua forma final. Havia o interesse em conhecer o Assentamento e o dia a dia das pessoas daquele lugar. Trazíamos na bagagem algumas concepções do que é fazer um filme, baseados na experiência pregressa de ver e estudar cinema, de trabalhar em alguns filmes. Então há o encontro e a vivência no local, e as questões estéticas (e éticas) começam a se colocar. Buscávamos sempre estabelecer uma relação franca com as pessoas e com nosso próprio papel ali. Por isso a temática da infância nos foi cara. De alguma forma nos identificamos com aquele olhar pois se tratava da infância de um assentamento rural (de pouco mais de dez anos de idade), e também da infância no cinema, um primeiro filme, depois de alguns anos de incubação. Assumir essa postura nos deu certa liberdade para experimentar, naquele contexto, formas de filmar muito diversas. Há, é claro, fatores limitadores, como prazos e recursos, que

acabam influenciando em maior ou menor grau o que é possível ser realizado. No final do processo, acredito que pode ser visto um resultado heterogêneo, mas de forte viés realista, com algumas fissuras para a eclosão fabular. Por um lado, buscávamos o rosto das pessoas, seus gestos cotidianos na sobrevivência do dia a dia. Por outro, há eventos – sejam propostos, sejam inesperados – que trazem para a imagem gerada a abertura para ideias e realidades que estão para além do imanente.

ESTAMOS VIVENDO UM MOMENTO NO QUAL É NECESSÁRIO IMAGINARMOS NOVAS FORMAS DE AÇÃO POLÍTICA. COMO VOCÊ PERCEBE A POTÊNCIA DA ARTE E DO CINEMA NESSE CONTEXTO? Déo Cardoso Diretor Cabeça de Nêgo

A arte é imprescindível num momento como esses. Estamos em 2020 repetindo as incertezas e autoritarismos dos anos 1920 no Brasil, e naquela época a arte se levantou trazendo reinvenções e novas propostas. Se naquele período a República Velha definhava, e levantes militares contra o operariado eram recorrentes, hoje temos uma situação semelhante, agravada pelo fenômeno das fake news, dos revisionismos históricos, negacionismos e total desprezo pelo conhecimento. Como a arte busca a reflexão, ela é atacada por gestões que dependem da ignorância para se manterem. Por atuarmos numa área que aspira (ou deveria aspirar) o encontro com as massas, creio que cineastas devem ser extremamente estratégicos(as) nesse momento. Como a arte é muito pessoal, a arte de cada cineasta irá reagir dentro do fluxo criativo de cada pessoa. Eu, particularmente, acredito numa arte popular e de conscientização política. Popular no sentido de dialogar usando referências do senso comum, mas sempre buscando narrativas que agitem a consciência política do espectador no sentido de pensarmos que viver entre diferentes, de forma coletiva, é possível, e que devemos defender isso. O maior desafio é sensibilizar. ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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Dácia Ibiapina Diretora Cadê Edson?

Nosso projeto é seguir filmando, exibindo e debatendo filmes. Se filme não tem potência, porque não querem que a gente filme? Por que cortar o fomento público e censurar a liberdade de expressão dos cineastas? O fomento público dos últimos anos possibilitou a organização da produção audiovisual. As empresas produtoras conseguiram se equipar, formar quadros e obter, com seus filmes, reconhecimento público dentro e fora do Brasil. Pelo visto, acabou o tempo de ganhar e começou o tempo de perder. Para quem tem o que perder, é tempo de filmar. Não será a primeira vez que o cinema brasileiro independente vai resistir sem financiamento público e com censura. Sou existencialista em relação a isso. Primeiro filma, depois vê o que acontece. Primeiro exibe o filme, depois ver o que acontece. O pior que pode ocorrer no momento é autocensura.

Jorge Polo e Petrus de Bairros Diretores Canto dos Ossos

Uma lei municipal criada em Búzios, onde parte do filme se passa, inspirou um dos caminhos percorridos em Canto dos Ossos. É uma lei de 2017 que proíbe a utilização de material “obsceno” em salas de aula, seja um livro didático ou um filme, um romance, uma ilustração. Partimos um pouco dessa ideia para alimentar o filme de um sentimento de que a própria imaginação, para movimentos conservadores como Escola Sem Partido, pode ser um ato obsceno ou mesmo perigoso, no sentido do que não está dado dentro do escopo moral que os orienta. Ao mesmo tempo, não queríamos fazer um filme apenas para ir contra uma certa noção conservadora, mas para acolher dúvidas e encantamentos. Então acreditamos que a arte ou o cinema abrem espaço para desdobrar sentimentos sobre o que não se tem certeza, o que não se coloca como verdade universal, seja qual for a escala dessa sensação sobre o mundo. 79

FILMES


Marcela Borela e Henrique Borela Diretores Mascarados

Marcela: Tenho pensado que a gente precisa narrar ou seremos narradas (como sempre). É como Sherazade: narrar ou morrer. E toda imagem criada numa narrativa interferirá no mundo, então a coisa é mais como fazer essa imagem. O Tonacci dizia uma coisa linda que existe uma consciência de que a imagem é importante, forte, um afeto vivo, tão interferente na vida, que não é meramente um espetáculo, um divertimento, um passatempo, entretenimento. Não pode ser. Ele dizia que isso é coisa dos norte-americanos ou do que a indústria faz com o cinema, mas o cinema é a mente da gente, todas essas coisas, fusões, cortes, sobreposições, flashback, flashfoward, está tudo na nossa cabeça. Então ele diz que a máquina é uma forma de tentar colocar a mente no mundo, em imagens. O sentido, pra ele, é mais de responsabilidade de fazer imagens e colocar imagens no mundo, diante dos outros, porque há uma interferência já que a imagem é uma situação no mundo. Eu concordo totalmente com ele e com o Comolli no sentido de pensar também que não se filma impunemente.

universo ficcional, que enfrentamos as questões da nossa realidade e formulamos reflexões sobre um passado, muitas das vezes, ainda tão presente. A Carne, de Júlio Ribeiro, foi um romance criticado e censurado pelo retrato que faz da sexualidade, através de cenas eróticas – na época, consideradas obscenas. Ainda hoje, dois séculos depois, as questões da sexualidade, da histeria e do erotismo são consideradas assuntos velados. Por mais que os movimentos sociais organizados se afirmem, continuamos trazendo, na nossa cultura patriarcal e machista, conceitos carregados de censura e moralismo. Adaptar uma obra literária de século XIX para o cinema é, por si só, uma proposta ousada. O que dizer do comportamento feminino daquela época, observado por nós dois séculos depois? Como adaptar um texto escrito por um homem, a partir de uma perspectiva feminina? Entendo que não passa somente por uma questão de gênero. Todos nós temos os dois lados: feminino e masculino. Eu acredito nisso. Nessa convivência de extremos. O cinema não é linha reta.

Bruno Risas Diretor Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu

Henrique: O Godard disse uma vez para, ao invés de fazermos filmes políticos, fazermos filmes politicamente. Para o Straub, “fazer um filme politicamente é fazer um filme com as objetivas que precisamos, o número de metros de película que precisamos, rodá-lo na ordem que precisamos, é pagar aos técnicos ao menos pela tarifa sindical e pagá-los no início de cada semana e não no fim, e não nos deixar que nos imponham economias ridículas enquanto a produção comercial no geral gasta com despesas falsas e coisa ridículas e condenam as pessoas que fazem filmes (...)”. Acho que os filmes são uma forma de ação política.

Clarissa Ramalho Diretora Natureza Morta

Fazer arte é uma forma de resistência. É um ato político. Pensamos o tempo todo na forma do filme e como vamos apresentá-lo. É neste

Na criação de imaginários distintos das formas dominantes. Penso que a arte e o cinema são mais umas das inúmeras atividades que exercemos no mundo, como um trabalho, um ritual, uma organização social. Mas são atividades que estimulam a sensibilidade e que podem articular e destruir linguagens. E isso é um aspecto fundamental na reinvenção da vida. Penso no exemplo dos Tupinambá do Sul da Bahia. Nas narrativas oficiais dos colonizadores, os Tupinambá foram completamente dizimados em luta. Pra que essa história se impusesse como imaginário desse novo país, além do genocídio direto, os colonizadores proibiram por lei o uso de sua língua, punindo com a mutilação da língua do indígena pego desobedecendo a ordem. E nisso se passaram mais de 200 anos com a gente aprendendo aqui sobre esses índios que não existem mais. Eis que de uns anos pra cá os Tupinambá ressurgem no Sul da Bahia, insurgindo-se contra o Estado, reivindicando ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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o reconhecimento de sua existência e a retomada de suas terras. Pra propagar sua cultura, começam a reconstruir sua língua, criam novas músicas, novos rituais, revivem outros outrora esquecidos; relembram os velhos e ensinam os jovens. Preparam-se para a guerra negando aquilo que foi afirmado por três séculos. Acho que isso é um puta exemplo do que é essa criação de imaginários, que ressoam cosmovisões e permitem a travessia de tempos, numa constante necessidade de conflitos e reconstruções. Talvez, os trabalhos de arte e cinema não possam nada. Ou, talvez, sejam o que nos possibilitem algo assim. Renan Rovida Diretor Pão e Gente

Há cada vez mais ataques contra a cultura, a educação e a ciência. Os defensores do obscurantismo, da mentira e do capital querem aniquilar na sociedade tudo o que pode suscitar um pensamento crítico. Em épocas de desigualdade extrema e de censura à arte, o cinema tende a ser mais crítico. Mas, especificamente no caso do cinema brasileiro, é preciso fazer mais arte. Entendendo arte como a produção de obras que querem transformar o mundo e não apenas que retratam o mundo como algo imutável e naturalmente injusto. Por um momento histórico recente, o cinema brasileiro alcançou o patamar de “commodities” de arte, sempre ao suposto gosto do consumidor estrangeiro. E muitos empresários brasileiros também lucraram com essa “arte-commodity”, geneticamente modificada e com a capacidade crítica limitada, desde a semente. Concebemos o filme pelo que ele necessita ser como obra, sem abrir concessões para uma melhor circulação. Então continuaremos produzindo cinema crítico e comprometido com a verdade e com a perspectiva de transformação.

pessoas. A ação política que nasce daí pode tomar formas muito diversas e em proporções imprevisíveis. A história está cheia de exemplos da apropriação do cinema e da arte para a influência ideológica ou para a realização de projetos políticos. No momento em que vivemos, percebo uma crescente diminuição do ser humano frente às grandes estruturas burocráticas, econômicas, tecnológicas e políticas. O que deveria estar a serviço do bem-estar de todos acaba por limitar e oprimir a maioria. E o jogo é muito sutil; por concessões e influência de ideias, a vítima torna-se facilmente algoz de si mesma e de muitos outros. É nesse contexto que o poder de sensibilização do cinema me parece importante. Não se trata de uma grande transformação imediata e revolucionária, mas de uma pequena palavra, um gesto capaz de ecoar no interior das pessoas, que as permita ter aquela imagem formada dentro de si no momento de tomar decisões cotidianas. Não acredito ser possível bater de frente contra instituições tão bem estruturadas e impessoais, que são o próprio fundamento do sistema que vivemos. Nosso papel talvez seja tentar tornar esse sistema mais empático, tocando seus agentes (por vezes nós mesmos), em sua humanidade essencial.

DIANTE DA ATUAL CONJUNTURA, DE GRANDES CORTES DE INVESTIMENTOS EM CULTURA, O CINEMA BRASILEIRO ENFRENTA ENORMES DIFICULDADES QUANTO AO FINANCIAMENTO DE ORIGEM PÚBLICA. COMO FOI O PROCESSO DE PRODUÇÃO E FINANCIAMENTO DO SEU FILME? É POSSÍVEL IMAGINARMOS OUTROS CAMINHOS, DENTRO E FORA DO ESTADO, EM RELAÇÃO AO FINANCIAMENTO DO CINEMA INDEPENDENTE E A SUA CIRCULAÇÃO? Déo Cardoso

Maurício Rezende

Diretor Cabeça de Nêgo

Diretor Sequizágua

É inegável que existe um poder transformador na arte e no cinema. Mas o local onde essa transformação se dá é no interior das 81

FILMES

Cabeça de Nêgo foi financiado pelo primeiro e último Edital de Longa Baixo Orçamento Afirmativo, lançado ainda na administração da então presidente Dilma Rousseff como política pública


afirmativa para cineastas negras e negros. Fui um dos três contemplados, junto com a realizadora Viviane Ferreira e com o realizador Gabriel Martins. Mas diante dos impasses, dos obstáculos burocráticos e do “filtro” (censura) imposta pelo atual governo, precisamos pensar em formas alternativas de financiamento de produção, seja através de coproduções internacionais, seja via financiamento coletivo, ou mesmo nos editais estaduais e municipais.

Dácia Ibiapina Diretora Cadê Edson?

Cadê Edson? foi feito com patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC/DF), Edital de 2016. Recursos da ordem de R$ 780.000,00. Começamos a filmar as ações dos sem teto no DF em 2012, enquanto produzíamos o filme Ressurgentes: um Filme de Ação Direta. Filmamos a ocupação de um terreno em Ceilândia/DF na noite de 20 para 21 de abril de 2012, pelo MTST/DF (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto do DF), que recebeu o nome de Novo Pinheirinho. Seguimos, na medida do possível, filmando aquela ocupação por 45 dias, até a desocupação. Foi quando conheci Edson Francisco da Silva. Na época pensei em fazer um filme com esse material. Como estávamos fazendo outro filme, o material ficou guardado e fomos filmando outras ações desse movimento, como por exemplo a ocupação de um esqueleto de prédio em Taguatinga/ DF, em janeiro/2013 (Ocupação Jarjour). Em 2016, fomos contemplados no Edital do FAC/DF e finalmente pudemos fazer o filme Cadê Edson?. Sobre outras possibilidades de financiamento da produção audiovisual, diante das perdas atuais de financiamento público, é importante continuar a luta contra essas perdas, inclusive pela via jurídica. Paralelamente, estejamos juntos, aprofundando as parcerias que já temos e construindo novas, com: empresas, instituições públicas, organizações da sociedade civil e parlamentares não alinhados com o desmonte do fomento público ao audiovisual brasileiro, dentro e fora do Brasil.

Jorge Polo e Petrus de Bairros Diretores Canto dos Ossos

Se olharmos para outros países, salvo raros exemplos, é difícil pensar um caminho para o cinema sem o fomento do Estado. As políticas públicas são essenciais para a formação, ampliação e descentralização dos meios de produção e acesso. Dito isso, nosso filme foi produzido ao longo de mais de dois anos com recursos próprios, à medida em que juntávamos dinheiro de outros trabalhos, com alguns equipamentos nossos ou emprestados de amigos, a maioria ex-alunos da Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Ceará e Vila das Artes, que também exerceram funções no filme. Então, mesmo com essa disposição de tempo e dinheiro próprio que viabilizou de alguma maneira o filme, podemos considerar que as políticas públicas de formação em cinema e audiovisual tiveram uma grande importância na construção das redes que tornaram o filme possível. Dentro das possibilidades, cobrimos apenas os custos de produção: alimentação, transportes, sangue falso, além de algumas ajudas de custo. Nesse sentido, não sabemos se Canto dos Ossos pode servir realmente de exemplo de um modelo sustentável para o cinema independente brasileiro. Foi uma aposta em animar um esforço criativo coletivo, de canalizar uma vontade de experimentar, explorar junto possibilidades do cinema.

Marcela Borela e Henrique Borela Diretores Mascarados

Marcela: Cada filme é testemunho, memória de um tempo, de um jeito de fazer. Nos apropriaremos dessa ruína do que fizemos erguer coletivamente e cada filme inventará seus próprios métodos. Usaremos o que aprendemos para situar possibilidades e reinventar lutas. Bom, eu vou com tudo para a educação, pra uma alfabetização ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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audiovisual, sou professora. Vejo que o cinema brasileiro passou por tantos ciclos econômicos, tantos fracassos, e agora a regionalização tinha finalmente colocado todos os estados no mapa da produção. No caso do cinema em Goiás, nunca tínhamos participado de fato da coisa toda do ponto de vista econômico. É uma perda enorme e acho que precisaremos entender, historicizar ainda, algo sempre tenso de se fazer no Brasil, ainda mais quando Rio e SP rivalizam com Minas e Pernambuco para ser a nova e definitiva cara do cinema no Brasil a cada ano. Enquanto nós só queremos existir. Não estamos disputando o cânone como os territórios que sempre tiveram acesso a recursos, ao trabalho. Mascarados, nesse sentido, é resultado do único edital de “arranjos regionais” realizado e finalizado em Goiás (naquele esquema em que a Ancine colocava 2 reais no filme a cada 1 real que o Estado possibilitava). Orçamento de 600 mil, numa linha de documentário. Edital de 2014 (auge da regionalização e das nossas melhores fantasias e desejos de cinema no interior do país). Mas foi pago só em 2018. A impressão que a gente tem é que na hora que a comida chegou a festa acabou, entende? Mas o cinema feito em Goiás é outra coisa agora, muitas criações se manifestaram, inclusive aqui em Tiradentes. Acho que não dá pra ter receita nessa hora e me pergunto se em algum momento, antes desse desmonte, as pessoas já não estavam desistindo das pautas comuns pra construção de políticas públicas. Eu acho que em Goiás aconteceu isso em alguma medida. Henrique: De fato a situação está bem ruim para todos. Atualmente em Goiás a situação que nunca foi boa está pior a cada dia. A única lei de incentivo que está em funcionamento é a Lei Municipal de Incentivo à Cultura, que é via incentivo fiscal. O valor é baixo e são poucos projetos contemplados. A Lei Goyazes e o Fundo de Arte e Cultura foram extintos pelo atual Governo do Estado. Temos tentado alguns fundos internacionais de baixo valor, mas ainda não conseguimos aprovar nenhum projeto. O jeito tem sido continuar a fazer os próximos filmes com equipamento próprio e o trabalho de cada um.

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FILMES

Clarissa Ramalho Diretora Natureza Morta

Quando me propus a amadurecer a narrativa do filme Natureza Morta, no mestrado profissional da UFRJ, minha intenção era fazer uma pesquisa de linguagem e concluir o roteiro. Não havia recursos para a realização do filme. O modo de produção dos dois primeiros filmes da Trilogia Inquietante Estranheza – Djalioh (2012) e Paixão e Virtude (2014), feitos de maneira coletiva, sem patrocínio – seria difícil de ser adotado hoje. Havia o desejo de dar ao terceiro filme uma projeção maior, a oportunidade de ser visto e reconhecido no cenário cinematográfico. Jamais abandonamos a ética ou a estética do processo colaborativo, mas foi necessário sofisticar o modo de produção. Buscar uma forma de viabilizar a produção do filme. Foram quatro anos de insistência. Em dezembro de 2017, esse longo processo resultou na aprovação do edital Prodecine 05 – Inovação de Linguagem – BRDE/FSA 2017. Começamos a filmagem em maio de 2018, com os profissionais que fizeram parte da trilogia desde o início, em Cataguases (MG), que abriga o Polo Audiovisual da Zona da Mata, iniciativa que tem trazido intercâmbios de experiência e oportunidades de futuras parcerias na região. Sim, é possível imaginar caminhos alternativos, novas formas de produção e circulação para o cinema brasileiro. Cataguases foi uma dessas formas.

Bruno Risas Diretor Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu

Foi um filme que se descobriu enquanto era feito. Acredito cada vez mais nesses processos longos, artesanais, anti-industriais e antiprofissionais, em que o próprio tempo dedicado à feitura é tão relevante quanto o filme que resulta dela. O filme é o resto desse processo, gosto de pensar assim. De qualquer maneira, isso é uma proposta de organização social em torno do trabalho. Mesmo numa época melhor em termos de investimento em cultura, com o FSA no cinema e um cosplay de indústria se formando, a base referencial ainda era apenas


mercadológica. Tivemos ações incríveis – esse filme mesmo só foi possível ser feito desse modo por conta dessas políticas públicas, mas ainda limitadas, à mercê do poder do mercado. Ainda assim, pude conhecer bastante gente tentando implodir as coisas por dentro, seja nas produções, seja nos órgãos públicos, seja nas grandes empresas do mercadão; no cinema, nas artes e na educação. Acho que isso já está feito e vai continuar sendo feito. E provavelmente os contra-ataques serão ainda mais violentos; é uma guerra, né? Nesse sentido, já está foda, porque não é sobre conseguir financiar um filme, mas sobre a precarização da própria vida das pessoas. Quem e como fica de pé? A respeito da circulação, foi curioso encontrar um livro sobre Paulo Emílio numa livraria outro dia, abrir ao acaso uma página e ler um artigo de 1973 como o título “Os exibidores”, em que comenta do “mal que há sessenta anos o comércio cinematográfico causa ao filme nacional”. Esses aí, os das salas comerciais, são, sempre foram e continuarão a ser, em geral, uns patifes. E a internet também já não sei o que pensar. Se antes nossos piratas navegavam nos fóruns com seus torrents, parece que todo mundo decidiu cair na lábia da economia criativa, abriram hubs, coworkings, decidiram pagar a Adobe e assinar a Netflix. Por isso, um salve a quem segue promovendo exibições em outros lugares, cidades distantes, ocupações, salas improvisadas, aldeias, comunidades; e aos programadores de cinematecas, cineclubes e centros culturais – estatais ou autogestionados.

Renan Rovida Diretor Pão e Gente

Este filme foi produzido com um projeto contemplado num recém-extinto edital do Governo do Estado de São Paulo, o Proac de Artes Integradas, na edição de 2017. E em sua concepção, foi um projeto que previu uma forma de produção de baixíssimo orçamento, consistindo na produção de uma peça de teatro e de um filme de longa-metragem, com quarenta mil reais. Dentro do Estado ainda é preciso combater a censura aos filmes que não são “commodities” e aos que ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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são realizados em dinâmicas distintas da indústria. Este é o segundo longa-metragem que dirijo, e ambos os filmes não seriam apoiados por editais públicos específicos de cinema, também por seus processos criativos. Fomos contemplados com um edital que não é nem farelo de pão, se comparado aos editais de cinema. E como o cinema é um bem público e coletivo e não o privilégio de alguns, é preciso seguir lutando para que editais públicos financiem também a exibição, para que os filmes possam chegar ao público a que se destinam, além das exibições independentes praticadas pelas próprias pessoas realizadoras. É claro que não existem perspectivas favoráveis com governos que defendem que o mercado é o regulador mais justo. Mas é necessário seguir, cada vez com mais solidariedade entre pessoas realizadoras e exibidoras, e continuar lutando por políticas públicas transparentes e democráticas, privilegiando o cinema como arte e não como lucro.

Estado e por grandes empresas, investindo em produções brasileiras. É uma via que se apresenta totalmente inserida na lógica do mercado, mas talvez mais democrática pela própria natureza de seus meios. Para o cinema independente pensamos logo como saída o financiamento coletivo. Ainda não tive a oportunidade de conhecer, mas seria interessante ver um filme totalmente financiado coletivamente, em todas as suas etapas, da pesquisa do roteiro até a distribuição.

NO SEU PROCESSO DE PRODUÇÃO, COMO VOCÊ VÊ A RELAÇÃO ENTRE AS DEMANDAS POLÍTICAS DO NOSSO TEMPO COM A FORMAÇÃO DE EQUIPES E O MOMENTO DA FILMAGEM? É POSSÍVEL IMAGINARMOS NOVAS DINÂMICAS DE TRABALHO? Déo Cardoso Diretor Cabeça de Nêgo

Maurício Rezende Diretor Sequizágua

Sequizágua foi um filme atípico. Conseguimos financiamento por meio da última edição do Filme em Minas, em 2013. Com o fim do programa acabamos tendo mais tempo para a realização do filme, o que veio a calhar, porque tivemos que redesenhar os planos e adiar as filmagens. Para além desse recurso de R$ 85.000,00 da Secretaria do Estado em parceria com a Cemig via Leis Federais de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual), não tivemos mais patrocínio algum. Do que pude viver no cinema até aqui, vejo a importância do financiamento estatal para continuidade da produção e difusão dos filmes no país. Os cortes na área são com certeza um golpe duro na cultura, por uma administração comprometida com outros interesses. É um cenário que precisa ser revertido o quanto antes. Vemos, por outro lado, um crescente interesse no cinema enquanto produto mercadológico. Não sei até que ponto é possível pensarmos num mercadão de cinema no Brasil, aos moldes de Hollywood, realmente não tenho experiência suficiente para dizer. E há o crescimento das plataformas de streaming ocupando espaços negligenciados pelo 85

FILMES

Diante de um cenário tão desolador para o cinema brasileiro independente, creio que uma readaptação de logística é extremamente necessária e vital, com equipes mais reduzidas e cronogramas de produção mais breves. Mais do que nunca é preciso saber trabalhar de forma coletiva para viabilizar um calendário viável e contínuo de produções anuais. O desafio é adotar essas novas formas de produzir sem trazer danos ou precariedades ao trabalhador e à trabalhadora do audiovisual (em qualquer área da cadeia produtiva). Manter a qualidade técnica dos filmes também é imprescindível para manter a viabilidade comercial do nosso cinema dentro desse contexto. Acredito que, dessa forma, produzindo filmes em coletivos e cooperativas, para além dos incentivos estaduais e municipais, o cinema nacional conseguirá resistir a essa tempestade.

Dácia Ibiapina Diretora Cadê Edson?

Ultimamente, ando impactada pelos “cosmoconceitos” de Nêgo Bispo e um deles é o de “confluência”: “Nós somos e eles são e os


diversos devem confluenciar sem sobreposições”. Ele distingue as cosmologias de matriz africana por “circularidade” e “politeísmo”. As divindades de uns não devem se sobrepor às divindades de outros. Segundo Nêgo Bispo, na roda de capoeira o capoeirista não quer ser o melhor capoeirista da roda, ele almeja estar na melhor roda de capoeira. Quero crer que assim pode ser em uma equipe de produção de filme ou em uma mostra de cinema. Eu não almejo que nosso filme seja o melhor da Mostra Aurora. Eu me orgulho de estar no “maior evento dedicado ao cinema brasileiro contemporâneo”. Que tal ampliar as bases de produção, distribuição e discussão de audiovisual em outros territórios fora dos grandes centros urbanos do país? Que tal confluenciar com cineastas indígenas e quilombolas? Que tal confluenciar com os estudantes de audiovisual das universidades públicas e institutos federais? Que tal aprender com os grafiteiros a transformar muros em telas de cinema? Cadê os “pancadões” de cinema? Vamos fazer? Para conhecer mais sobre Nêgo Bispo: “Colonização, quilombos: modos e significações” (http://cga.libertar.org/wp-content/uploads/2017/07/BISPO-Antonio.-Colonizacao_Quilombos.pdf).

Jorge Polo e Petrus de Bairros Diretores Canto dos Ossos

A formação das equipes passou muito por uma relação de parceria, de buscar pessoas por quem sentimos afinidade criativa, pessoas com quem já trabalhamos ou cujo trabalho admiramos. Foi uma equipe bastante modular, que foi flutuando de acordo com o momento do filme, com as necessidades e possibilidades das pessoas envolvidas. Nesse sentido, o planejamento das gravações era feito em função dos tempos livres de quem participava, procurando abrir espaços à potência criativa de cada um. Muitas vezes nos sentíamos mais presentes na função de produtores e roteiristas do que diretores, no sentido

de que éramos responsáveis por tocar o barco juntos da equipe, encontrando maneiras de viabilizar diante dos contratempos, reescrevendo ou costurando as inspirações, intuições e contradições que surgiam do contato com as pessoas que chamamos para participar. Antes de formular qual seria a melhor maneira de estruturar a dinâmica de produção e de formação de equipe, é importante questionar essas estruturas filme a filme e deixá-las serem atravessadas ao mesmo tempo por uma descoberta e por um acúmulo coletivo de conhecimento e experiência.

Marcela Borela e Henrique Borela Diretores Mascarados

Marcela: As demandas por representatividade de gênero, etnia, classe (por assim tentar dizer de algo que é muito grande) nas equipes são fundamentais e é superdifícil ao mesmo tempo de resolver, por todos os condicionantes, quando você está na posição de escolher essa equipe e tem limitações territoriais, estilísticas, técnicas, econômicas, políticas, afetivas. Conseguimos, com relação a gênero, por exemplo, montar uma equipe de maioria feminina para fazer o Mascarados. Me lembro das vezes que falamos sobre isso e vinham nomes masculinos pra ocupar os postos. Às vezes me sentia na posição de bater o pé, de não aceitar que um homem estivesse ali. Mas depois senti na pele que essa representatividade não significava representação. Muitas mulheres têm ouvidos mais atentos a vozes masculinas. São tabus. Ocupar postos de trabalho não é tão significativo se não reinventarmos nossa escuta completamente. E isso precisa ser também de mulher pra mulher. A misoginia é o preconceito mais antigo do mundo e sustenta todas as outras formas de opressão. Mascarados foi uma experiência incrível nesse sentido, pois a maior parte das equipes tem chefia feminina, menos som e montagem, enquanto na tela temos um filme muito masculino, com protagonistas homens, cis, héteros etc. Existe uma falência do masculino nesse mundo, uma decadência que é energética, nós mulheres ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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também passamos por isso ao deixar de reproduzir comportamentos “machos” pra sermos ouvidas e respeitadas. Então eu também quero falar desse masculino, como mulher, que não é universal, não está nesse lugar pra mim, mas é mesmo uma diferença. Em Mascarados faço isso pela última vez. Henrique: O Mascarados foi rodado ao longo de quase um ano, se pensarmos no todo. Resultado da segunda direção compartilhada com minha irmã Marcela, nos mudamos para Pirenópolis em setembro de 2017 para começar o filme. Enquanto filmávamos diariamente o Marcos com sua família, íamos escrevendo as cenas. Filmamos também por algum tempo o Sebastião, que é um dos artesões responsáveis pela criação das máscaras da festa, no qual o personagem do Divino Conceição foi inspirado. Esse material deu origem a um média-metragem com os dois, chamado Bonfim. Bonfim é o nome do bairro onde a maioria dos trabalhadores das pedreiras da cidade moram, onde vive também a família do Marcos e habitam esses personagens. Algumas das cenas que estão no Mascarados foram repetidas muitas vezes pelo Marcos e a sua a mãe, a Dona Neide, depois foram roteirizadas e refilmadas posteriormente com a equipe toda. Filmamos com toda a equipe, cerca de 20 pessoas, uma primeira etapa de fevereiro a março de 2018, e depois uma segunda etapa de duas semanas, em junho de 2018. Acho que a presença da equipe grande trouxe coisas boas pro filme, mas ela cria dificuldades também. Exige uma rapidez e um pragmatismo muito grande. Mais certezas do que dúvidas. Penso que existem coisas que só são possíveis enquanto estamos a sós com os personagens. Eu, particularmente, acredito em processos menores de trabalho.

Clarissa Ramalho Diretora Natureza Morta

Ao dar continuidade à Trilogia, algumas questões se impuseram não só no processo de realização do filme, mas também na construção da equipe: 1. Decidi continuar com os profissionais, entre atores e 87

FILMES


cabeças de equipe, que permaneceram conosco desde o início da trilogia. Não abri mão desses parceiros e amigos, que persistiram nesse processo de espera. 70% da equipe foi composta por quem já estava no projeto desde a sua origem e 30% foi se integrando ao filme; e 2. Identifiquei o meu viés como diretora, o meu olhar, que precisava ser independente em relação aos demais filmes da Trilogia. Essas decisões artísticas se complementam enquanto forma e inscrevem-se na própria obra. Djalioh foi dirigido e montado por um homem (Ricardo Miranda). Paixão e Virtude foi dirigido por um homem (Ricardo Miranda) e montado por uma mulher (Joana Collier). Natureza Morta foi dirigido e montado por duas mulheres, Clarissa Moebus Ramalho e Joana Collier. Nesse sentido, a equipe já se estabeleceu sob outro ponto de vista, que articula aspectos da obra, tanto práticos, quanto estéticos e conceituais. É possível imaginar novas dinâmicas de trabalho, principalmente através das parcerias, que se multiplicam num processo de criação. Cada um dentro de sua especialidade dá vida ao filme proposto. Ninguém faz um filme sozinho.

Bruno Risas Diretor Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu

Sim. Como me disse a Flora, “é possível, além de imaginar, experimentar elas. A gente fez isso no filme e faz isso em outros. Não é uma utopia, um horizonte – é presente. A gente precisa parar de falar sobre isso como se fosse um futuro. Acho importante falar sobre isso como experiência pra gente se reconhecer nos desejos e se estimular”. É a reinvenção dos nossos modos de organização em sociedade, né? Em São Paulo, a maior parte da população está naturalizando um sujeito trabalhar 16h por dia como Uber, seis vezes por semana, alugando carro e tudo mais, sobrando menos de R$2000 por mês, pra ainda pagar aluguel de casa que vive com cônjuge e filhos. Sei que essa não é a miséria material mais aguda; mas é uma miséria existencial e isso é muito grave.

Além disso, por trabalhar em diversas funções e tipos de produção em cinema, o que logo notei foi a perversidade das relações nesse meio de trabalho. O pessoal curte sair bonito na foto dizendo “Lula livre” e contra a Reforma Trabalhista, mas na hora de propor seu método de trabalho são os primeiros a exercer um pequeno poder hierarquizante, humilhante e extrativista. Uma repetição de uma velha coreografia colonial, duma classe média dita engajada, porém fominha e medíocre, que, como disse Sganzerla, dividiram mal o bolo – falam de democracia no cinema, mas são diametralmente opostos a isso. Creio que não seja apenas sobre o Estado investir ou não dinheiro no setor, como gostam de chamar; mas da gente refletir como a gente movimenta isso.

Renan Rovida Diretor Pão e Gente

É preciso destruir os fetiches que estão em nós mesmos. O cinema pode ser feito com poucas pessoas, as necessárias, com poucos equipamentos, os necessários, e com muita criatividade e conhecimento, igualmente necessários. Mas há muito fetiche da “indústria de cinema” perambulando por aí. Tem profissional que acha que só é cinema se tiver van(s) para transportar a equipe, ou que haja “cabeças de equipe”, como se as outras pessoas não tivessem cabeça. Em Pão e Gente, o processo de trabalho começou com ensaios e filmagens (de uma primeira etapa). Depois, como encerramento do projeto, o material filmado foi mostrado como um processo em construção (work-in-progress) em quatro sessões, cada uma com novos cortes do material que tínhamos filmado até o momento. Depois, já terminado o projeto e sem dinheiro, encaramos uma segunda e depois uma terceira etapa de filmagens. É preciso tempo para fazer um filme inventivo, de pesquisa e que seja fora dos padrões das dinâmicas de trabalho da “indústria do cinema”. Mas infelizmente não conseguimos recursos para custear todo o processo. Pois a indústria é para os Eike Batista, para os Matarazzo, para os Ford e pros bajuladores desses. Quem quiser fazer cinema para transformar o cinema e o mundo, precisa se juntar pra nocautear a desigualdade. ENTREVISTA . MOSTRA AURORA

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Maurício Rezende Diretor Sequizágua

A definição da equipe de trabalho é uma ação estratégica que depende fundamentalmente do tipo de filme que se deseja realizar. Por um lado, existem formas de abordagem da realidade que simplesmente não suportam grandes equipes e um maquinário cinematográfico muito complexo. Por outro lado, há certos tipos de filme que não são possíveis se não contarem com uma extensa estrutura de set e um número considerável de profissionais altamente especializados. Num cenário ideal, seria sempre possível contar com recursos para realizar o que é proposto. Na prática, no entanto, temos que lidar com as limitações e com os imprevistos. Em nosso caso, apesar de uma proposta relativamente modesta, tivemos diversos fatores limitadores que determinaram muito do que foi possível ser realizado. Mantivemos sempre a proposta da equipe mínima, tanto por ser um ambiente mais confortável para nós e para os moradores do Assentamento, quanto pela restrição orçamentária. O ambiente menos invasivo gerado por uma equipe em campo reduzida certamente beneficiou o que foi possível realizar durante as filmagens. E no fim das contas, tratava-se de um grupo de amigos com os quais se podia contar e cuja convivência era agradável. Acredito que de alguma forma tudo isso impregna-se no resultado final. É possível imaginar uma dinâmica de trabalho para cada filme a ser realizado e, se pudéssemos fazer este filme novamente, insistiríamos nesta forma, aprimorando-a a cada passo.

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FILMES


Cenas de filmes Mostra Aurora


MOSTRA

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA


A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: FABULAR E REINVENTAR O MUNDO Em Yãmĩyhex: as Mulheres-Espírito, Isael e Sueli Maxakali nos dão a ver o ritual em torno da visita das mulheres-espírito à Aldeia Verde, Minas Gerais. A passagem das mulheres-espírito pela aldeia Maxakali é registrada na intensa indissociação entre cinema e ritual, entre a imagem produzida e os sentidos e as visões que ali habitam. Assim como nos curtas de Isael, Yãmîy e Xupapoynãg, todos feitos em colaboração com Sueli Maxakali, os Yãmîy, as divindades Maxakali, se apresentam em diversas formas, incluindo formas animais. A representação assume uma dimensão plástica de enorme efeito: as máscaras, os corpos cobertos, os vestidos coloridos. Entre uma narração ancestral, a transmissão e o registro cinematográfico, o ritual organiza o mundo e imprime uma temporalidade outra à comunidade. É desse mundo e de outro, é do passado e agora.

revelados, dimensão tão presente em seus filmes anteriores. Vencedor do prêmio de Melhor Longa eleito pelo Júri Popular, um bar numa praia é o cenário de um reencontro entre mulheres da mesma família, irmanadas em suas semelhanças e diferenças. A pluralidade das formas de registros presentes em Ilha, filme anterior da dupla, aqui cede lugar para um processo de filmagem concentrado em uma locação. Em um espaço bem restrito e centrado na conversa e nas histórias contadas por essas mulheres, o espectador é convidado a criar imagens e a compreender a forma como cada uma fabulou sobre a própria vida, narrativas e pontos de vista que se reencontram e se reconfiguram. A câmera acompanha a intensidade da cena, aderindo às atrizes e intensificando o ritual familiar, propondo uma nova forma para a cena e as relações dos corpos com a câmera.

Para o olhar não indígena, tais imagens criam um mundo novo e a função do cinema muitas vezes é nos dar acesso a outras visões de mundo, outras formas de vida e, principalmente, entender o processo de um mundo mutável, em constante transformação. Vencedor do Prêmio Carlos Reichenbach como Melhor Filme da Mostra Olhos Livres, a escolha do filme pelo Júri Jovem evidenciou a força de assistir a Yãmĩyhex: as Mulheres-Espírito projetado na tela da Cine Tenda. Como é possível ver e sentir o mundo de uma forma diferente? Como ampliar as formas de estar e fabular sobre o mundo no qual vivemos? Essas perguntas guiam os filmes que compõem a Mostra de filmes dedicada à temática da Mostra de Cinema de Tiradentes de 2020: A Imaginação como Potência.

A Parteira, de Catarina Doolan, foi contemplado como Melhor Curta pelo Júri Popular. O documentário mostra o ofício de Donana, parteira, mas também uma mulher que teve que enfrentar um mundo no qual, como mãe solteira, ela não podia exercer o seu ofício como profissional da saúde. Tratar do parto humanizado, de uma saúde que se pensa e pratica no contato humano e, principalmente, numa compreensão mais livre de sexo, sexualidade e forma de relacionamento, é também uma forma de vislumbrar e construir para si um outro mundo para o ser mulher.

Centrado na energia feminina, Até o Fim, de Glenda Nicácio e Ary Rosa, se assenta no poder da fala, da conversa, dos segredos

Na seleção de curtas-metragens, muitas imagens abrirão o espaço dentro do peito para gritos de transformação, propondo uma contrahegemonia visual e política, principalmente no poder de deslocar os lugares dominantes de enunciação. Como imaginar futuros, reimaginar passados e localizar-se em um presente a partir de um FILMES

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lugar não hegemônico? Há até bem pouco tempo, acreditávamos que as narrativas sobre o humano – nossos afetos, pertencimentos e dilemas – poderiam ser encaradas por meios de parâmetros “universais”. Testemunhamos, hoje no país, um aumento de narrativas que tencionam essa ideia de “universal”. Sujeitos que antes eram considerados “outros” têm aparecido cada vez mais e com mais força a apresentar histórias e modos de contá-las acionando visões de mundo diversas, numa potência de reinvenção de si frente ao hegemônico excludente. São poéticas construídas a partir de cosmogonias e cosmovisões distintas daquilo que a colonialidade ocidental construiu narrativamente como “universal”. A sessão de curtas que compõem a Mostra Temática apresenta quatro filmes que, em gestos contra-hegemônicos, nos provocam a pensar sobre o “centro” e os “outros” nas poéticas do cinema brasileiro contemporâneo. A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues, conforma uma variação crescente de tensões e afetos. Corpos negros e lésbicos pulsam impositivos frente aos perigos de existirem em uma sociedade que os quer excluídos. Reação à violência, construção de cumplicidade e a urgência do desejo se sucedem e esses corpos se põem a inventar uma presença que se espalha fluida como uma força da natureza, aqui representada pela água que inunda os espaços de uma hegemonia simbólica que teme sua presença. Da água que inunda para a que se apresenta em ambivalências, Pattaki, dirigido por Everlane Moraes, organiza elementos da cosmogonia afrodiaspórica apresentando variações em torno das características de Iemanjá. Os simbolismos desse orixá ligado às águas do mar se espalham pela forma do filme desde a construção e performance das personagens, passando por sua força invisível evocada pelos cenários e se impondo na cadência espiralar da montagem e no desenho de som. O Verbo se Fez Carne, de Ziel Karapotó, articula um embate entre visões de mundo eurocêntrica e ameríndia. Com seu próprio corpo em performance ritualística, o diretor se engaja num movimento pendular entre a literalidade da representação da colonialidade 93

FILMES

missionária atualizada e uma contundente crítica a ela, evocando a potência do que representa seu corpo-natureza mítico como possibilidade de resistência. Encerrando a sessão, Inabitáveis, de Anderson Bardot, entrelaça a materialidade de espaços impregnados da memória escravagista e a presença transtemporal de corpos negros insurgentes. O processo de construção de um espetáculo de dança sobre a homossexualidade soma-se à inquietação de uma jovem adolescente não binária para fazer emergir a inventividade na construção de novas abordagens ao passado e novas possibilidades de pertencimento no presente e no futuro. Entre fabulações, distopias e cosmovisões, a Mostra Temática é um convite para pensarmos em como as imagens vêm sendo forjadas no cinema brasileiro contemporâneo. Camila Vieira Francis Vogner dos Reis Lila Foster Pedro Maciel Guimarães Tatiana Carvalho Costa Curadores


o rto Romer Foto: Robe

lgação Foto: divu

ATÉ O FIM

YÃMĨYHEX: AS MULHERES-ESPÍRITO

FICÇÃO, COR, DCP, 93MIN, BA, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 76MIN, MG, 2019

Direção: Ary Rosa e Glenda Nicácio Roteiro e Produção Executiva: Ary Rosa Direção de Produção e Direção de Arte: Glenda Nicácio Montagem: Poliana Costa, Thacle De Souza Fotografia: Augusto Bortolini, Poliana Costa, Thacle De Souza Trilha Sonora: Ary Rosa, Moreira, Hilário Passos Mixagem e Edição de Som: Napoleão Cunha Som Direto: Napoleão Cunha, Leandro Conceição Cenografia: Camila Gregório Figurino: Camila Correa, Glenda Nicácio Empresa Produtora: Rosza Filmes Produções Elenco: Arlete Dias, Wal Diaz, Jenny Muller, Maíra Azevedo Geralda está trabalhando em seu quiosque à beira de uma praia, no Recôncavo da Bahia, quando recebe um telefonema do hospital dizendo que seu pai pode morrer a qualquer momento. Ela avisa suas irmãs, Rose, Bel e Vilmar. O encontro promovido pela espera da morte se torna um momento de desabafo e reconhecimentos das quatro irmãs que não se reúnem desde a morte da mãe, há 15 anos.

Direção: Sueli Maxakali e Isael Maxakali Assistência de Direção: Carolina Canguçu, Roberto Romero Montagem: Luisa Lanna com Colaboração de Carolina Canguçu e Roberto Romero Fotografia: Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Alexandre Maxakali, Cassiano Maxakali, Para Yxapy, Carolina Canguçu, Roberto Romero Edição de Som: Pedro Portella Empresa Produtora: Associação Filmes de Quintal Após passarem alguns meses na Aldeia Verde, as Yãmĩyhex (mulheres-espírito) se preparam para partir. Os cineastas Sueli e Isael Maxakali registram os preparativos e a grande festa para sua despedida. Durante os dias de festa, uma multidão de espíritos atravessa a aldeia. As Yãmĩyhex vão embora, mas sempre voltam com saudades de seus pais e de suas mães. Contato: roberomerojr@gmail.com

Contato: roszafilmesproducoes@gmail.com

MELHOR LONGA

MELHOR LONGA

JÚRI POPULAR

MOSTRA OLHOS LIVRES / JÚRI JOVEM PRÊMIO CARLOS REICHENBACH

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

LONGAS . MOSTRA IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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an h Wollerm Foto: Sara

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A FELICIDADE DELAS

A PARTEIRA

FICÇÃO, COR, DCP, 14MIN, SP, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 20MIN, RN, 2019

Direção e Roteiro: Carol Rodrigues Produção Executiva: Rafaella Costa e Gustavo Aguiar Montagem: Paula Mercedes Empresa Produtora: Manjericão Filmes

Direção e Roteiro: Catarina Doolan Produção Executiva: Catarina Doolan, Assis Carlos Fernandes e Dênia Cruz Empresa Produtora: Prisma Filmes

Duas meninas fogem juntas da polícia depois de uma manifestação. Apesar da violência, buscam uma forma de viver o seu desejo.

Donana, parteira com mais de meio século de ofício, representa a resistência da tradição e humanização ao parto na região de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Dona de uma personalidade forte, compartilha de sua sabedoria, adquirida ao longo de anos como parteira, mãe, mãe de santo, madrinha, mulher. Assim como a chanana, flor que brota em meio ao concreto e é subestimada por sua frágil aparência, Donana nos ensina a permanecer firmes apesar das adversidades da vida.

Contato: rsscarol@gmail.com

Contato: catsdf@gmail.com

MELHOR CURTA JÚRI POPULAR

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

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FILMES


Foto: Ziel

Foto: divu

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Karapotó

a Monteiro Foto: Laur

INABITÁVEIS

O VERBO SE FEZ CARNE

PATTAKI

FICÇÃO, COR, DCP, 25MIN, ES, 2019

EXPERIMENTAL, COR, DCP, 7MIN, PE, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 21MIN, SE, 2019

Direção e Roteiro: Anderson Bardot Montagem: Carolini Covre Empresa Produtora: Vale Encantado Filmes

Direção e Roteiro: Ziel Karapotó Montagem: Karkará Xukuru

Direção e Roteiro: Everlane Moraes Produção Executiva: Gregório Rodriguez Montagem: Keyli J. Estrada Empresa Produtora: EICTV

Uma companhia contemporânea de dança está prestes a estrear Inabitáveis, seu mais novo espetáculo que aborda como tema a homoafetividade negra. Paralelamente aos ensaios, o coreógrafo constrói uma amizade com Pedro, um jovem menino negro que não se identifica como menino.

A invasão dos europeus em Abya Yala nos deixou cicatrizes. Ziel Karapotó utiliza seu corpo para denunciar a imposição da língua do colonizador aos povos indígenas, uma face do projeto colonialista. Contato: narcfmendes@gmail.com

Os peixes agonizam à beira-mar à medida que a água invade a cidade e forma espelhos que distorcem sua imagem. Na noite densa, quando a lua sobe a maré, esses seres, que vivem em uma vida diária monótona sem água, são hipnotizados pelos poderes de Iemanjá, a deusa do mar.

Contato: andersonbardot@gmail.com Contato: everlanemoraes@gmail.com

CURTAS . MOSTRA IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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MOSTRA

PAULISTA


REVISITANDO FILMES E DESCOBRINDO NOVAS IMAGENS A Mostra Tiradentes | SP visa expandir a energia das sessões e dos debates que acontecem durante os intensos dias do festival na histórica cidade mineira. Com a Mostra Paulista, trazemos filmes produzidos em São Paulo que tiveram destaque durante o evento e proporcionamos estreias de filmes produzidos na cidade de São Paulo e que encontrarão no ambiente online um momento privilegiado de exibição. Três Bailarinas, de Leonel Costa, marca o retorno do diretor para a Mostra Tiradentes SP. Corpo Quilombo, longa-metragem que fez parte da programação da Mostra Tiradentes SP em 2019, trazia como fonte de experimentação uma câmera que circulava pela cidade de São Paulo, uma costura entre lugares de arte e vivência diversos, formando um espaço de resistência, música e poesia, um quilombo geográfico-audiovisual da cultura negra. Em Três Bailarinas, o diretor mantém a sua pesquisa com textos de artistas negros, um cinema que toma forma através da pesquisa musical e teatral, registros artísticos que se mesclam para contar a história de três mulheres negras que buscam viver da sua arte. Os elos tecidos aqui são de reconhecimento e sororidade, a busca de expansão do campo de possibilidades de vida de mulheres negras.

O documentário Entre Nós e o Mundo, de Fabio Rodrigo, parte de uma observação de uma prima grávida. O diretor aborda as tensões e esperanças de quem tem o cotidiano e o futuro marcados pelo genocídio da juventude negra. Carne, de Camila Kater, é um ensaio documental sobre a relação de cinco mulheres com seus corpos. Obesidade, menstruação, corpos negros e envelhecimento dão o tom dos depoimentos das entrevistadas, uma conversa franca e sem tabus. Bonde, de Asaph Luccas, une um grupo de LGBTQIA+ que subverte a repressão cotidiana pela afirmação da vida e da amizade. Na esteira de outros filmes-fechação já realizados no estado, o curta mostra a capacidade de engajamento dos coletivos da periferia de São Paulo. Camila Vieira Francis Vogner dos Reis Lila Foster Pedro Maciel Guimarães Tatiana Carvalho Costa Curadores

A sessão de curtas-metragens traz os filmes do estado exibidos com destaque em Tiradentes. Não se trata de um recorte dos “melhores filmes”, e sim do que foi mais significativo e que tenha tido reverberação durante o evento. Mona, de Luíza Zaidan e Thiago Schindler, é um documentário participativo sobre mulheres trans e gays em situação de rua em São Paulo. Elas confidenciam suas vivências e vemos a violência que seus corpos sofrem. FILMES

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a ícia Mirand Foto: Patr

TRÊS BAILARINAS FICÇÃO, COR, DIGITAL, 84MIN, 2019, SP Direção, Roteiro e Montagem: Leonel Costa Fotografia e Figurino: Patricia Miranda Direção de Arte: Patricia Miranda, Cassiano Reis Trilha Sonora: Flávio Assis, Gustavo Infante, Cólera, Conclusão, Sarava Jazz Bahia Mixagem e Edição de Som: Ricardo Jubram Som Direto: Ricardo Jubram, Albert Jones Carrer, Ivan Jubram Produção Executiva: Patricia Miranda, Leonel Costa Elenco: Aysha Nascimento, Lucelia Sergio, Raphael Garcia, Flávio Rodrigues, Gerson Rodrigues, Wilson Feitosa, Aline Carvalho, Cacá Toledo As bailarinas Cássia, Lia e Neusa são demitidas de um programa popular de auditório após completar trinta anos de idade. Meses depois, combinam um encontro para traçar planos para o futuro e fazer uma avaliação de suas carreiras, dúvidas e incertezas que envolvem as três artistas negras, de sólida formação. A partir daí, desencontros e novos encontros definirão trajetórias. Um melodrama afro-brasileiro que trata de possibilidades de existência e resistência. Contato: lestcosta@uol.com.br

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FILMES


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BONDE

CARNE

FICÇÃO, COR, DCP, 18MIN, SP, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 12MIN, SP, 2019

Direção: Asaph Luccas Roteiro: Coletivo Gleba do Pêssego Produção Executiva: Carol Santos Montagem: Gabriel Soares, Guilherme Candido Empresa Produtora: Coletivo Gleba do Pêssego

Direção: Camila Kater Roteiro: Camila Kater, Ana Julia Carvalheiro Produção Executiva: Chelo Loureiro, Livia Perez Montagem: Samuel Mariani Empresa Produtora: Abano Producións, Doctela

Três jovens negros da favela de Heliópolis saem em busca de refúgio na vida noturna LGBT+ do Centro da cidade de São Paulo.

Crua, Mal Passada, Ao Ponto, Passada e Bem Passada. Através de relatos íntimos e pessoais, cinco mulheres compartilham suas experiências em relação ao corpo desde a infância até a terceira idade.

Contato: coletivoglebadopessego@gmail.com Contato: internacional@agenciafreak.com

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FILMES


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ENTRE NÓS E O MUNDO

MONA

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 17MIN, SP, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 22MIN, SP, 2019

Direção e Roteiro: Fábio Rodrigo Produção Executiva: Jorge Guedes Montagem: Caroline Neves Empresa Produtora: Cinegrama Filmes Ltda.

Direção e Roteiro: Luíza Zaidan e Thiago Schindler Produção Executiva: Rafael Farina Issas Montagem: Rafael Farina Issas Empresa Produtora: A Fúria Filmes

O diretor faz um retrato emocional do momento de vida de sua prima Erika, que teve um de seus dois filhos, Theylor, de 16 anos, recentemente assassinado em uma abordagem policial e está preocupada com o outro, Nicolas, de 17, que segue vivendo no mesmo bairro. Erika está grávida. Medo, dor e felicidade se misturam demais na periferia de São Paulo.

Na barraca de Ágatha, as “monas” buscam sexo, crack e um ouvido atento. Elas se relacionam com a cidade de modo único, performam para a câmera. Mas a instabilidade de uma vida à margem coloca em risco a esquina que servia de casa. Contato: luizazaidangranato@gmail.com

Contato: fr.apdosantos@gmail.com

CURTAS . MOSTRA PAULISTA

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MOSTRA

FOCO


AS FORMAS DE EXISTÊNCIA NO CONTEMPORÂNEO Com produções oriundas do Nordeste e do Sudeste, a Mostra Foco apresenta dez curtas-metragens com propostas estéticas que colocam em cena diferentes subjetividades em seus modos singulares de existência no presente. Os curtas lançam diversos olhares para o contemporâneo, desde a constatação das opressões e das violências que se perpetuam – a brutalidade do trabalho, os abusos na família, a melancolia do isolamento, as tensões raciais, de gênero e sexualidade – à afirmação de outras formas de pertencimento no mundo – as vivências coletivas e o compromisso com a alteridade. A seleção da Foco integra tanto filmes de realizadores veteranos quanto de jovens que começam a dirigir seus primeiros curtas-metragens. Em diálogo com uma tradição do cinema moderno brasileiro, Rancho da Goiabada, de Guilherme Martins, acompanha a saga de um retirante nordestino em São Paulo, que tenta sobreviver com trabalhos precários e temporários. De ambulante a cortador de cana, ele passeia pela cidade e interage com personagens anônimos. O cancioneiro popular brasileiro compõe a trilha, com “Capim guiné”, “Revendo amigos” e a música de João Bosco e Aldir Blanc que dá título ao curta. O documentário Minha História É Outra, de Mariana Campos, afirma o amor entre mulheres negras lésbicas e suas vivências cotidianas na periferia de Niterói. As dificuldades de estudo, a sensação de solidão, a não aceitação da família, os problemas dos relacionamentos inter-raciais mobilizam as conversas entre as personagens, que buscam diversas formas de amar em suas trajetórias de vida. A ficção Aos Cuidados dela, de Marcos Yoshi, traz algo diferente dentro do formato de filme de família: nos vários momentos em que não é possível

relembrar a memória do avô, o realizador-ator-personagem respeita os desejos da avó. O olhar para os pequenos detalhes do cotidiano também completa a força do filme. Vencedor do prêmio de Melhor Curta do Júri da Crítica da 23a Mostra de Cinema de Tiradentes, Egum, de Yuri Costa, narra a história de uma família negra assombrada pela ameaça de um casal branco que bate à porta da casa para tentar fechar negócio com o patriarca. A morte de um dos irmãos é o ponto de partida para uma reflexão sobre o genocídio negro, a partir de elementos do cinema horror noir. Ao fragmentar a visualização de uma foto de família, Cinema Contemporâneo, de Felipe André Silva, questiona o dispositivo de filmes em primeira pessoa, ao mesmo tempo em que não consegue escapar dele para tratar de uma infância marcada pelo abuso. Os atores Everaldo Pontes e Tavinho Teixeira atuam novamente juntos em Mansão do Amor, de Renata Pinheiro, que revela o desejo entre o proprietário de um cabaré e uma transformista convocada para uma entrevista de emprego. Em uma teatralidade do absurdo, atores performam os tiques do estrelato e do dandismo, em Estamos Todos na Sarjeta, mas Alguns de Nós Olham as Estrelas, de João Marcos de Almeida e Sergio Silva. A clausura em paredes brancas dá a ver a imobilidade decadente de personagens à espera de que algo aconteça. Inspirado em conto de Lygia Fagundes Telles, A Barca, de Nilton Resende, acompanha uma mulher a embarcar em uma viagem noturna, ao lado da mãe de um bebê, na noite de Natal. A narrativa remete à mitologia grega de Caronte, barqueiro que carregava as almas dos recém-mortos sobre as águas do rio na fronteira com FILMES

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o mundo dos vivos. Ao lançar mão de uma frontalidade teatral na elaboração de imagens alegóricas, Calmaria, de Catapreta, performa uma crítica à violência policial que mata os jovens negros de periferia. Perifericu é uma realização coletiva entre Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira, a partir da realidade de jovens LGBTs nas quebradas de São Paulo. Corpos negros e periféricos habitam espaços comuns e criam estratégias para continuar vivendo, na relação com a música, a religião e a família. Camila Vieira Pedro Maciel Guimarães Tatiana Carvalho Costa Curadores

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FILMES


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ssa Mota

Foto: divu

Foto: Vane

A BARCA

AOS CUIDADOS DELA

FICÇÃO, COR, DCP, 20MIN, AL, 2019

FICÇÃO, COR, DCP, 24MIN, SP, 2020

Direção e roteiro: Nilton Resende Produção Executiva: Nina Magalhães Montagem: Lis Paim Empresa Produtora: La Ursa Cinematográfica

Direção e Roteiro: Marcos Yoshi Produção Executiva: Heitor Franulovic, Paulo Serpa Montagem: Tom Butcher Cury Empresa Produtora: Meus Russos

Na noite de Natal, duas mulheres travam um diálogo dentro de uma barca, enquanto ela desliza por sobre as águas de uma lagoa escura e gelada. Um acontecimento inesperado deixará sua marca no término dessa travessia.

A rotina de Mitsue muda com a visita do neto. Contato: heitorcine@gmail.com

Contato: rafhaelbarbosa@gmail.com

CURTAS . MOSTRA FOCO

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lgação

preta

Foto: divu

Foto: Cata

CALMARIA

CINEMA CONTEMPORÂNEO

FICÇÃO, COR, DCP, 24MIN, MG, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 5MIN, PE, 2019

Direção, Roteiro e Montagem: Catapreta Produção Executiva: Catapreta, Thaísa Tadeu

Direção e Roteiro: Felipe André Silva Montagem: Pedro Queiroz

As ruas estão desertas, eles fogem buscando a paz, mas a paz é a inimiga.

eu era bem novo quando fui estuprado pela primeira vez. pensava em contar essa história um dia, a história dessa foto. faltava coragem. se o filme pudesse falar por mim eu conseguiria.

Contato: lcatapreta@gmail.com

Contato: voodoof@gmail.com

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FILMES


a Dias

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FICÇÃO, COR, DCP, 23MIN, RJ, 2019 Direção, Roteiro e Montagem: Yuri Costa Produção Executiva: João Gabriel Barreto, Louise Cyrillo, Manuella Braz Empresa Produtora: Barca Aberta Produções Após anos afastado devido à violenta morte do irmão, um renomado jornalista retorna para a casa de sua família para cuidar de sua mãe, que sofre uma grave e desconhecida doença. Numa noite, o jornalista recebe a visita de dois estranhos, que têm negócios desconhecidos com seu pai. Esse encontro, juntamente com acontecimentos que o levam a desconfiar que algo sobrenatural se abateu sobre sua mãe, fazem-no temer uma nova tragédia.

Foto: Flor

Foto: divu

EGUM

ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS FICÇÃO, COR, DCP, 19MIN, SP, 2020 Direção e Montagem: João Marcos de Almeida e Sergio Silva Roteiro: Sergio Silva com colaboração de Fabiana Reis Santos e João Marcos de Almeida Produção Executiva: Felipe Santo Empresa Produtora: Sancho & Punta Greve no tapete vermelho. Contato: sergiosilva.ie@gmail.com

Contato: costayuriyc@gmail.com

MELHOR CURTA MOSTRA FOCO / JÚRI OFICIAL

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

CURTAS . MOSTRA FOCO

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avo Pess oa

Foto: divu

Foto: Gust

MANSÃO DO AMOR

MINHA HISTÓRIA É OUTRA

FICÇÃO, COR, DCP, 17MIN, PE, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 20MIN, RJ, 2019

Direção: Renata Pinheiro Roteiro: Renata Pinheiro, Esdras Bezerra, Sergio Oliveira Produção Executiva: Sergio Oliveira Montagem: Bia Baggio Empresa Produtora: Aroma Filmes

Direção: Mariana Campos Roteiro: Lumena Aleluia e Mariana Campos Diretora de Fotografia: Lílis Soares Produção Executiva: Ana Beatriz Silva Montagem: Raquel Beatriz Empresa Produtora: Agô Yá – Núcleo de Criação e Produção Audiovisual

A Mansão do Amor procura novos artistas para entrevista de trabalho. Contato: aromafilmes@gmail.com

O amor entre mulheres negras é mais que uma história de amor? Niázia, moradora do Morro da Otto, abre a sua casa para compartilhar as camadas mais importantes na busca por essa resposta. Já a estudante de Direito Leilane nos apresenta os desafios e possibilidades de construir uma jornada de afeto com Camila. Contato: mari.campos.cine@gmail.com

DESTAQUE FEMININO PRÊMIO HELENA IGNEZ

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES PRÊMIO HELENA IGNEZ DE DESTAQUE FEMININO PARA A DIRETORA DE FOTOGRAFIA LÍLIS SOARES 108

FILMES


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PERIFERICU

RANCHO DA GOIABADA

FICÇÃO, COR, DCP, 20MIN, SP, 2019

FICÇÃO, COR, DCP, 25MIN, SP, 2019

Direção: Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira Roteiro: Winnie Carolina, Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira Produção Executiva: Nayana Ferreira e Wellington Amorim Montagem: Samya Carvalho e Rosa Caldeira

Direção e Roteiro: Guilherme Martins Produção Executiva: Bruna Epiphanio Montagem: Eduardo Liron Empresa Produtora: Mariachis Audiovisual | Olhar Através

Denise e Luz cresceram no meio de canções de rap, louvores de igreja e passos de vogue. Da ponte para cá, é preciso aprender que o primeiro princípio para poder acessar a cidade é estar viva.

O filme narra o último dia de Alex como cortador de cana no interior de São Paulo, antes de se mudar pra capital, e o último dia de Alex lavando pratos e “marretando” nos trens da capital, antes de se mudar pro interior. Contato: guilherme.mariachis@gmail.com

Contato: nayanaferreira@gmail.com

MELHOR CURTA MOSTRA FOCO PRÊMIO CANAL BRASIL DE CURTAS

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

CURTAS . MOSTRA FOCO

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CURRÍCULOS

CURADORES


FRANCIS VOGNER DOS REIS . Coordenador curatorial | Seleção de Longas

CAMILA VIEIRA . Seleção de Curtas

Mestre em Meios e Processos Audiovisuais na ECA-USP, crítico de cinema; foi colaborador de diversas revistas brasileiras e estrangeiras, entre elas a revista Cinética. Fez parte da equipe de curadoria da Mostra de Cinema de Tiradentes e atualmente integra as equipes de curadoria da CineOP e do CineBH. Pelo CCBB fez a curadoria das Mostras Jacques Rivette, Nova Hollywood e Jerry Lewis. É coautor com Jean-Claude Bernardet da segunda edição de O autor no cinema. É roteirista do filme O Jogo das Decapitações, de Sergio Bianchi, corroteirista de O Último Trago, de Pedro Diógenes, Luiz Pretti e Ricardo Pretti, e Os Sonâmbulos, de Tiago Mata Machado.

Pesquisadora, crítica e curadora de cinema. Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com pesquisa em cinema contemporâneo brasileiro. É professora de cursos livres em cinema, com ênfase em curadoria, cineclube e história do cinema. Colabora atualmente na revista eletrônica Multiplot.

LILA FOSTER . Seleção de Longas Pesquisadora e curadora. Articulando pesquisa histórica e preservação audiovisual, o seu trabalho concentra-se no levantamento da produção amadora e experimental no Brasil, investigação publicada em revistas como Film History (EUA), Aniki (Portugal), Vivomatografias (Argentina), entre outras. Atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado na Universidade de Brasília sobre o Festival de Cinema Amador JB/Mesbla (1965-1970). Como curadora e programadora participou dos festivais Curta 8 – Festival Internacional de Cinema Super-8 de Curitiba, (S8) Mostra de Cinema Periférico (La Coruña, Espanha), Fica – Festival Internacional de Cinema Ambiental e Goiânia Mostra Curtas. Desde 2017 integra a equipe de programação da Mostra de Cinema de Tiradentes e da Mostra de Cinema de Ouro Preto.

PEDRO MACIEL GUIMARÃES . Seleção de Curtas Professor do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes (Unicamp) e do Programa de Pós-Graduação em Multimeios da mesma universidade. É mestre e doutor em Cinema e Audiovisual pela Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 e pós-doutor pela ECA-USP. Autor de Helena Ignez, actrice expérimentale (Accra/Univ. de Strasbourg, 2018). Realiza pesquisas sobre atores de cinema, história e estética do audiovisual e gêneros cinematográficos (melodrama, musical, noir).

TATIANA CARVALHO COSTA . Seleção de Curtas Pesquisadora, realizadora audiovisual e professora. Docente no curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte. Doutoranda em Comunicação Social e integrante do grupo de estudos Coragem – Comunicação, Raça e Gênero – PPGCom/UFMG. Integra ainda o movimento segundaPRETA, na produção e corpo crítico.

CURADORES

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Foto: Netun Lima

DEBATES


EM DEBATE

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA O CINEMA INTERPRETA A NOSSA EXPERIÊNCIA E PROJETA CAMINHOS POSSÍVEIS.

profissionais do audiovisual, pesquisadores, acadêmicos, críticos de cinema, jornalistas, curadores.

O CINEMA NÃO PODE SOZINHO MUDAR O RUMO DO MUNDO, MAS, COMO ARTE, UMA DE SUAS POTÊNCIAS É PODER INVERTER AS LÓGICAS SOCIAIS E DE LINGUAGEMPODER CONTRAPOR BELEZA À BARBÁRIE, A CONCILIAÇÃO À PROVOCAÇÃO.

O eixo temático que permeou os filmes, encontros, debates e discussões da 23a Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada de 24 de janeiro a 1o de fevereiro de 2020, foi "A Imaginação como Potência", que na versão paulista do evento ganha novas vozes, olhares, visando dar continuidade às discussões que pautam o conceito desta edição.

OS FILMES IMAGINAM OUTROS MUNDOS E NOS PROPÕEM OUTRAS POSSIBILIDADES DE EXISTÊNCIA NO MUNDO QUE VIVEMOS. O QUE OS FILMES ESTÃO NOS DIZENDO? QUAIS OS CAMINHOS ESTÉTICOS, POLÍTICOS E POÉTICOS QUE OS FILMES BRASILEIROS ESTÃO TRILHANDO? A Mostra Tiradentes é um reflexo histórico de seu tempo e espaço. Está atenta e registra o caminho percorrido e quais são as ambições temáticas e estéticas que vão moldar a nossa produção nas próximas décadas. Por isto, propõe uma programação que vai além da exibição de filmes, com o propósito de gerar uma reflexão de como os personagens, estéticas e encaminhamentos narrativos permeiam os principais movimentos cinematográficos. Extensão fundamental da programação de filmes, os debates são promovidos para refletir o momento atual do cinema brasileiro e oferecem olhares variados à temática proposta de cada edição e aos filmes apresentados na programação. Contam com a presença de

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DEBATES

Em tempos de propostas estéticas renovadoras, a programação da Mostra Tiradentes SP promove oito bate-papos após as sessões de filmes da Mostra Aurora, com foco nas questões e enfoques do cinema brasileiro contemporâneo no contexto da temática, sete debates que vão reunir curadores, realizadores, convidados e integrantes do coletivo Filmes do Caixote para uma conversa sobre a trajetória e o processo de criação do coletivo, ampliando as possibilidades de imaginar outros mundos possíveis. O público está convidado a conhecer o cinema brasileiro que nos provoca à contemplação, mas também à ação. A aprender a olhar, contemplar, examinar, analisar, investigar, explorar, observar e discutir os filmes em exibição, que são um reflexo da nossa realidade, que realizam um testemunho crítico do nosso tempo histórico.


LIVE DE AQUECIMENTO

LIVE DE AQUECIMENTO

TEMA: BATE-PAPO COM OS CURADORES

TEMA: PRODUÇÃO PAULISTA EM DESTAQUE

"A Imaginação como Potência" é a temática central da 8ª Mostra Tiradentes | SP. Vamos conversar com os curadores sobre o tema e conhecer um pouco mais da programação deste ano!

A participação de filmes produzidos em São Paulo é destaque na programação da Mostra Tiradentes |SP: dos 47 filmes exibidos, 29 são paulistas, incluindo obras apresentadas na 23ª Mostra Tiradentes e títulos selecionados especialmente para a edição paulista do evento. Vamos conversar sobre essa produção com os cineastas Leonel Costa e Fabio Rodrigo e a produtora Sara Silveira.

Convidados: • Camila Vieira – Curadoria de Curtas | CE • Francis Vogner dos Reis – coordenador curatorial e Curadoria de Longas | SP • Lila Foster – Curadoria de Longas | DF • Pedro Maciel Guimarães – Curadoria de Curtas | SP • Tatiana Carvalho Costa – Curadoria de Curtas | MG

Convidados: • Fabio Rodrigo - diretor de Entre Nós e o Mundo | SP • Leonel Costa - diretor de "Três Bailarinas" | SP • Sara Silveira - produtora | SP

Mediadora: Carol Braga – jornalista | MG

Mediadora: Pedro Maciel Guimarães – Curadoria de Curtas | SP

DEBATES

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DEBATE inaugural

DEBATE cinema vela

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: FILMES DO CAIXOTE

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: IMAGENS DO FUTURO

"A Imaginação como Potência" é a temática da Mostra de Cinema de Tiradentes. Sugere o recurso à imaginação, o seu livre fluxo e de contornos mais fabulatórios como um caminho trilhado pelo cinema brasileiro. Quais são os caminhos estéticos, políticos e poéticos que os filmes têm tomado e que configuram o que podemos chamar de “nova imaginação”? Como esses filmes respondem ou indicam caminhos para a formulação das transformações necessárias no imaginário político e cinematográfico? Como se dá o processo de criação dos filmes do coletivo paulista Filmes do Caixote, homenageado desta edição do evento?

Em um momento em que o futuro parece interditado para (quase) todos é preciso repensar o mundo a partir de outras perspectivas que se apartem do modelo de dominação e exploração hegemônicos.

Convidados: • Caetano Gotardo - cineasta | SP • João Marcos de Almeida – cineasta | SP • Juliana Rojas – cineasta | SP • Marco Dutra – cineasta | SP • Sergio Silva – cineasta | SP

Mediação: Tatiana Carvalho Costa – curadora | MG

Mediador: Lila Foster –curadora | DF

Qual é o papel do cinema e da imaginação das culturas indígenas, negras e populares nesse desafio incontornável? Convidados: • Bernardo Oliveira – professor, crítico de cinema e música | RJ • Graciela Guarani - professora e cineasta | PE

BERNARDO OLIVEIRA Professor adjunto da Faculdade de Educação da UFRJ, pesquisador, crítico de música e cinema e produtor. Participa como colaborador do projeto de extensão GEM –Grupo de Educação Multimídia (Letras/UFRJ) e do Lise –Laboratório do Imaginário Social e Educação (Educação/UFRJ). Foi produtor e curador do evento de música experimental Quintavant e, atualmente, dirige o selo musical QTV (https://qtvlabel.bandcamp. com/). Coproduziu os filmes Noite e Sutis Interferências, de Paula Maria Gáitan, e UN, de Sérgio Mekler. Realizou a investigação musical do último filme de Lucrécia Martel, Zama (2017). Publicou em dezembro de 2014 o livro Tom Zé – estudando o samba (Editora Cobogó).

GRACIELA GUARANI Pertencente à nação Guarani Kaiowá, produtora cultural, comunicadora, cineasta, curadora de cinema e formadora em audiovisual. Uma das mulheres indígenas pioneiras em produções originais audiovisuais no cenário Brasileiro, tem um currículo que inclui roteiro, direção e fotografia em seis curtas metragens, formadora do curso Mulheres Indígenas e Novas Mídias Sociais - da Invisibilidade ao acesso aos direitos pela @onumulheresbr e TJ/MS – MS 2019, cineasta facilitadora na Oficina de Cinema – Ocupar a Tela: Mulheres, Terra e Movimento pelo IMS e Museu do Índio – RJ 2019. Convidada como debatedora da mesa redonda internacional Mulheres na Mídia e no Cinema na 70ª Berlinale - Berlin International Film Festival 2020 @berlinale

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DEBATES


BATE-PAPOS com realizadores MOSTRA AURORA

BATE-PAPOS com realizadores curtas mostra foco

CABEÇA DE NÊGO

MOSTRA FOCO – SÉRIE 1

Direção: Déo Cardoso Mediação: Lila Foster – curadora

EGUM, de Yuri Costa CINEMA CONTEMPORÂNEO, de Felipe André Silva

CANTO DOS OSSOS Direção: Jorge Polo e Petrus de Bairros Mediação: Francis Vogner dos Reis - coordenador curatorial

ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS, de João Marcos de Almeida e Sergio Silva MANSÃO DO AMOR, de Renata Pinheiro

CADÊ EDSON? Direção: Dácia Ibiapina Mediação: Lila Foster – curadora

MASCARADOS Direção: Marcela Borela e Henrique Borela Mediação: Francis Vogner dos Reis – coordenador curatorial

Mediação: Pedro Maciel Guimarães – curador

MOSTRA FOCO – SÉRIE 2 A BARCA, de Nilton Resende CALMARIA, de Catapreta

NATUREZA MORTA Direção: Clarissa Ramalho Mediação: Francis Vogner dos Reis – coordenador curatorial

PERIFERICU, de Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira Mediação: Tatiana Carvalho Costa – curadora

ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU Direção: Bruno Risas Mediação: Pedro Maciel Guimarães – curador

PÃO E GENTE

MOSTRA FOCO – SÉRIE 3 RANCHO DA GOIABADA, de Guilherme Martins

Direção: Renan Rovida Mediação: Lila Foster – curadora

MINHA HISTÓRIA É OUTRA, de Mariana Campos

SEQUIZÁGUA

Mediação: Camila Vieira – curadora

Direção: Maurício Rezende Mediação: Tatiana Carvalho Costa – curadora

AOS CUIDADOS DELA, de Marcos Yoshi


EM DEBATE a

23 MOSTRA TIRADENTES

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DEBATES


DEBATES DA 23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES A 23a edição da Mostra de Cinema de Tiradentes fortalece mais uma vez o espaço para o Seminário do Cinema Brasileiro, já tradicional do festival. Desta vez, o seminário apresentou e discutiu a temática “A Imaginação como Potência”. Realizadores, pesquisadores, curadores e artistas estiveram reunidos em debates no Cine Teatro Sesi, no Centro Cultural Sesiminas Yves Alves. A equipe de curadoria de longas e curtas da Mostra abordou com o público as escolhas, os recortes e a composição da grade de programação e a relação com a temática “A Imaginação como Potência”. De que maneira os filmes da Mostra traçam caminhos estéticos, políticos e poéticos no que a gente pode chamar de “nova imaginação”? Os curtas e os longas indicam caminhos para a formulação das transformações necessárias no imaginário político e cinematográfico? O coordenador curatorial Francis Vogner dos Reis, a curadora de longas Lila Foster e os curadores de curtas Camila Vieira, Pedro Maciel Guimarães e Tatiana Carvalho Costa abordaram alguns eixos sobre o assunto no debate sobre as perspectivas das curadorias. A mesa “A Imaginação como Potência” trouxe o professor, pesquisador, crítico e produtor Bernardo Oliveira – que também fez parte do Júri da Crítica da 23a edição –, a escritora e pesquisadora Helena Vieira e a professora e pesquisadora Ivana Bentes para uma reflexão a partir da função política da imaginação e o lugar do cinema em um campo de disputa onde é necessário elaborar novas formas de experiências em que o fazer audiovisual possa transfigurar o mundo. A mediação foi do coordenador curatorial Francis Vogner dos Reis.

No debate “Viver de Cinema: da Macro à Micropolítica”, a curadora Lila Foster mediou uma conversa entre o cineasta e curador Eduardo Valente, o ator, cineasta e pesquisador Jean-Claude Bernardet e a produtora Luana Melgaço. Os convidados buscaram pensar a atual conjuntura na qual se encontra o audiovisual brasileiro, em que novamente voltamos à sensação de asfixia para aqueles que vivem de cinema. A mesa refletiu sobre outras formas de financiamento e circulação de filmes e de que forma é possível negociar ou enfrentar a descontinuidade calculada da cadeia produtiva do cinema. Já a curadora Tatiana Carvalho Costa mediou o debate “Cosmopoéticas Contra-Hegemônicas”, com a artista Castiel Vitorino Brasileiro, a cineasta e professora Clarisse Alvarenga e a pesquisadora e curadora Janaína Oliveira. Atravessado por valores, crenças, vivências e percepções de mundo que constituem aquilo que podemos chamar de cosmovisões ameríndias e da diáspora afroatlântica, o cinema brasileiro contemporâneo e suas poéticas podem convocar, como possibilidade de expressão e intervenção, as forças disruptivas que desafiam o imaginário do poder que historicamente se constitui como oficial. Se o mundo tal como o conhecíamos e estávamos acostumados acabou, como pensar o novo mundo, a partir de caminhos múltiplos e plurais de olhares e lugares de vivência? Camila Vieira Curadora

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A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

Convidados: • Camila Vieira – curadora | CE • Lila Foster – curadora | DF • Pedro Maciel Guimarães – curador | SP • Tatiana Carvalho Costa – curadora | MG Mediador: Francis Vogner dos Reis – coordenador curatorial | SP

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Quais caminhos estéticos, políticos e poéticos o cinema brasileiro vem configurando dentro do que é possível chamar de “nova imaginação”? Como os filmes respondem ou indicam trajetórias para a formulação das transformações necessárias no campo do imaginário político e cinematográfico?

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A partir da temática “A Imaginação como Potência”, os curadores da 23a Mostra de Cinema de Tiradentes conversam com o público sobre as propostas e os recortes que envolvem as escolhas dos filmes da programação. Com mediação do coordenador curatorial Francis Vogner dos Reis, a curadora de longas Lila Foster e os curadores de curtas Camila Vieira, Pedro Maciel Guimarães e Tatiana Carvalho Costa apresentam um debate conceitual em torno do recurso à imaginação no cinema contemporâneo brasileiro.


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FRANCIS VOGNER DOS REIS - coordenador curatorial Bom dia. Agradeço aqui a presença de vocês, que conseguiram acordar cedo e vir para cá. Agradeço à Universo Produção por mais um ano, com muito esforço e muita luta ter erigido esta Mostra, que é muito difícil, sob todos os aspectos. E agradeço aqui aos meus companheiros e companheiras da curadoria, que foi um processo muito intenso e muito prazeroso. Pensei em começar esse debate e pedir para a Lila falar um pouco do percurso dos últimos anos, que nos trouxe a essa temática, “A Imaginação como Potência”. De 2011 a 2018, fiz parte da equipe de curadoria de curtas e a Lila fez os longas dos últimos três anos, não é, Lila? De um ano para outro, existe um processo que nos leva de um tema para outro; existe um desdobramento. Não é um tema que a gente pensa a cada ano de maneira aleatória. Claro que a gente faz um recorte, a gente faz uma escolha, mas é motivado por um processo, assim como os filmes. Os filmes deste ano não estão respondendo imediatamente a 2019. São filmes que muitas vezes foram feitos nos últimos sete anos. E é claro que eles sentem um processo e eles respondem a isso em alguma

medida. E às vezes, de maneira muito enfática, e às vezes de maneira até mais esclarecedora do que um filme que foi feito no olho do furacão de 2019. Lila vai dar conta disso depois, já que ela teve mais proximidade dos longas e da temática, ajudou a elaborar essa temática nos últimos anos. É uma temática que, quando vieram me perguntar, a primeira vez que eu tive que esclarecer isso foi para os jornalistas que me ligaram, me mandaram e-mail, WhatsApp, perguntando por que esse tema. É um tema muito amplo. A ideia é que fosse um tema que tentasse dar conta de uma série de aspectos da realidade contemporânea, que parecem relacionados. Então quando a gente fala de imaginação, a primeira ideia que vem à mente é o que a palavra sugere, que é uma imagem que não pertence, no aspecto imediato, à realidade concreta e material. Mas é uma sugestão da mente da criatividade, que sugere uma outra coisa, uma outra imagem, uma outra possibilidade de interpretar a partir de uma elaboração, seja ela qual for: poética, política... Então é aquilo que sob certo aspecto não está dado, mas que existem elementos que podem constituí-lo e que não estão organizados. Então a produção artística, aqui no caso o cinema, é o terreno da imaginação. A imaginação filosófica também, política, enfim. Não estou restringindo, mas aqui nos interessa o cinema. Então é o terreno da imaginação, que não seria só fazer um diagnóstico da nossa catástrofe. Às vezes, isso é muito pouco imaginativo. O Mojica, o José Mojica Marins, dizia uma coisa interessante, que o cineasta que fala aquilo que todo mundo sabe não faz muito sentido. Ele tem que tentar falar outra coisa, aquilo que talvez ainda não esteja formulado. E a busca dele como cineasta era isso. E eu acredito nisso também, eu acredito que os filmes dão acesso a aspectos da realidade que muitas vezes a gente está tentando elaborar a partir de uma consciência e de uma formulação racional. O cinema acessa esses outros lugares, a arte acessa, por meio da poesia, esses outros lugares. E a gente está num momento histórico em que a gente está sendo governado por inimigos da imaginação, aqueles que não concebem outros modos de existir, que não sejam aqueles considerados normais da maioria, outros modos de entender a realidade, de entender o corpo, de entender o amor, e entender, enfim, o próprio funcionamento do jogo de forças da realidade. Aí se concebe, de maneira DEBATES

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darwinista, que os mais fortes têm que subjugar os mais fracos e que cada um tem o seu lugar. Recentemente eu ouvi uma vizinha do meu pai e da minha mãe dizendo assim: “finalmente acabou essa história de que todo mundo pode tudo, porque cada um tem o seu lugar: o pobre tem o seu lugar, o rico tem o seu lugar, e assim a gente vive em harmonia”. É assim que ela entende a realidade. É interior de Minas, descendente de fazendeiros, ou seja, para ela tudo isso, essa desigualdade e a violência inerente a ela é natural. A ideia de natural é interessante, não é? Ela naturaliza. A gente está num momento em que os inimigos da imaginação tomaram o poder. Um pouco na contramão daquilo que se dizia em maio de 68, a imaginação no poder. Eles tomaram o poder. Não é possível imaginar o mundo de outras formas, mas isso não é de agora. Se a gente for pensar de 40 anos para cá mais ou menos, você (pensa) lá Elizabeth Thatcher, Ronald Reagan, que dizia “não há caminho fora do mercado”. A história acabou nos anos 90. Então assim, contentem-se com o que está aí, porque o que está aí é o melhor que a civilização conseguiu. E é assim que a gente vem desde então. E acho que todo mundo em alguma medida naturalizou essa economia do possível na política e na vida social e isso está metabolizado no nosso organismo social, de maneiras muito distintas; às vezes, em maior ou em menor grau, mas está. E a gente agora dá de cara com esse escândalo que tem sido esse processo histórico e que se tornou obsceno, isso que estava o monstro dentro do armário, o gigante adormecido, não é? Veio à tona. Agora, ele não apareceu do nada, ele está aí. A censura não apareceu do nada, ela está aí. A censura também é inimiga da imaginação, ela está aí, sempre esteve. O período democrático, sei lá, em JK, que é considerado o período democrático, o Nelson Rodrigues e o Gianfrancesco Guarnieri eram censurados na maior. Isso vem desde o Manoel da Nóbrega e o Padre Anchieta tendo que submeter os poemas aos jesuítas para ver se não estava contrariando, se não tinha traços de protestantismo. Mais tarde, na época do império também tinha isso, será que nossos dramaturgos não estão aderindo ao positivismo? A censura é naturalizada historicamente. Num certo momento histórico, isso foi institucionalizado no Estado. O Vargas e o DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda, que censurava, mas a 121

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censura nunca vem sozinha, ela não lida no vácuo, ela vem com propaganda. É uma guerra cultural. A cultura não é virtuosa por si só; existe cultura de morte. Eles estão fazendo uma guerra cultural. Eles estão tentando mudar paradigmas de cultura ou consolidar absolutamente alguns paradigmas. E a gente ainda está lidando com a cultura na chave da virtude? A gente precisa pensar que a gente de fato está numa guerra cultural. E como a gente vai reagir a isso? A cultura não é virtuosa por si só. Muitos filmes estão sendo realizados e de diversas maneiras, com diversos modos de produção. Isso é um trabalho de uma imaginação social-política: de que maneira você inventa? De que maneira você constitui as equipes? Isso no aspecto prático. Aí tem, digamos, no aspecto criativo: de que maneira você trabalha criativamente suas questões da sua matéria? É coletivamente? É autoria compartilhada? É um só? Mas de que maneira você está acessando alguns temas? A gente está fazendo prognósticos apocalípticos, diagnósticos da catástrofe, ou está tentando entender outros vetores no Brasil, no mundo contemporâneo, que estão nos propondo outras coisas, estão nos dando outros pontos de vista, outra lógica de temporalidade, outras cosmogonias, outros modos dos corpos existirem e se inventarem e se reinventarem, não é? Outro modo de organizar a vida social. Fomos condicionados a pensar que existe um só, que a gente está submetido a um modo de se organizar socialmente, amorosamente, enfim, os filmes estão lidando com isso. E eu sinto que, em boa parte dos mais interessantes, o mundo não acabou, o mundo segue. Mais uma vez, como o poder é produtor de melancolia, a gente também está condicionado a pensar: “Olha só o que estão fazendo com a Ancine. Acabaram com nosso trabalho de anos. Olha só o que estão fazendo com a cultura e com o cinema brasileiro. Olha o que estão fazendo com os trabalhadores”. Enfim, a gente vai ter que lidar com isso, a curto ou a médio prazo, de alguma maneira, para não deixar que isso seja apagado, destruído, povos sejam apagados, garantias sejam completamente destruídas. Só que tem uma batalha também no campo simbólico e é aí que essa temática da imaginação como potência está tentando operar. Nesse campo simbólico, de que maneira os filmes estão lidando com isso? Porque a guerra é objetiva, política, pragmática,


Bom dia, muito feliz em estar aqui novamente com essa equipe e com essa sala cheia. Pegando um pouco o gancho do que o Francis estava encaminhando a conversa, acho que a temática, não somente a proposição da temática, mas também o olhar que a gente lançou para a seleção dos filmes, em todas as mostras que compõem a Mostra de Cinema de Tiradentes, tem muito a ver com essa espécie de diapasão que a gente vive atualmente. Vou falar especificamente da Mostra Temática, que é a mostra de filmes dedicada à relação entre a temática e os filmes selecionados, e vou pensar aqui três caminhos. Comecei em Tiradentes em 2016, com o peso e a insígnia do golpe, e, nesses quatro anos, a gente compõe uma espécie de caminho político, evidentemente, descendente. Então a gente tem a imaginação, esse chamado à imaginação, é um pouco para pensar como a gente vai lidar com essa situação de asfixia e de repensar os termos, as formas de engajamento. Um pouco esse chamado para pensar como fazer. A Helena Vieira, no texto que compõe o catálogo, fala muito de palavras desgastadas, ações desgastadas, e a gente vive num momento de ultracirculação de engajamentos e formas de resistência. É um pouco a pensar na matéria disso e como o cinema e a nossa prática do cinema estão envolvidas com isso. Pensar também as equipes, pensar também o modo de produção. Tentar pensar, eu acho que é o que a gente tem feito. Se a gente for pensar o caminho

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LILA FOSTER - curadora / longas

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mas ela também se dá no campo simbólico, num massacre subjetivo, todo dia. Vê lá o Roberto Alvim falando, reproduzindo Goebbels, é isso, é uma luta no campo simbólico. E os filmes estão tomando parte nessa luta. A gente tem que entender que é uma guerra cultural sim, e ela se dá no campo simbólico de maneira muito forte, porque a pergunta que vem é: “O que a gente vai fazer quanto à realidade?”. É uma pergunta importante e a gente vai ter que pensar sobre ela. Mas o que os filmes, o que está se produzindo em termos simbólicos, de proposição, de compreensão da nossa história, do nosso processo, do agora. É uma batalha entre modos de entender o passado e de premeditar o futuro.

da Mostra de Cinema de Tiradentes nesses quatro anos, eu vejo como um caminho de muita força e de muita potência, eu acho que tanto pela presença de filmes e de realizadores que têm demonstrado justamente esse desafio a essa linguagem e a essa outra presença... Outra é um termo também muito viciado, novo é um termo também muito viciado, não sei como é que a gente pode propor isso, mas Tiradentes tem vivido um alargamento da experiência do cinema. Posso pensar isso a partir, por exemplo, da composição da equipe de curadoria. Em 2016, eu era a única mulher. Neste ano, nós temos uma equipe de curadoria com uma maioria feminina e isso é o alargamento do campo da experiência, da compreensão do que é o cinema e do que a gente quer propor em termos de imagem e redefinições. Esse alargamento da experiência está muito refletido nessas programações todas; a gente vai falar dos filmes especificamente, mas nosso chamado à imaginação está dentro de pensar esses caminhos políticos, mas também de pensar essa disputa simbólica e de como o cinema vai... Desconstruir também é uma palavra tão viciada, não é? Eu acho que vai trazer de fato uma reproposição do mundo. O curta-metragem traz essa potência, tanto por um volume de produção e A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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por uma resposta muito rica e muito possível e por uma quantidade de filmes também gigantesca, que o pessoal dos curtas vai falar um pouco disso depois. Queria também falar um pouco dos caminhos das temáticas, que é interessante pensar também, como na Mostra do Chamado Realista, de 2018. A gente propôs pensar essa matriz tão marcante dentro do cinema brasileiro, que é uma proposição estética muito ancorada num recorte realista, naturalista, com uma tradição de documentário muito forte, quer dizer, isso estava muito presente obviamente na história do cinema, mas também nos filmes que a gente trouxe. Na Mostra Temática, a gente passou o Arábia, do Affonso Uchôa e do João Dumans, mas a gente também passou Era uma Vez Brasília, do Adirley Queirós. É uma mistura de documentário e ficção, é uma mistura de mundos e de gêneros, quer dizer, é um outro jogo, mas talvez ainda ancorado numa espécie de, sei lá, realismo, ou esse contato mais aproximado com o que a gente chama de linguagem realista. Em 2019, a gente teve Corpos Adiante, com uma presença muito forte da performatividade, uma espécie não de contraposição, mas uma presença dos corpos, que vem dissolver um pouco também essa relação entre visual, entre real e realidade, com uma proposta também de outros caminhos estéticos, outras proposições de linguagem, e a gente chega na Imaginação como Potência. Muitos filmes que não estão presentes na Mostra, por exemplo, Divino Amor, é um filme que vai operar dentro desse campo da imaginação, quer dizer, esses rompimentos desses códigos realistas, para lidar com a matéria social. E uma explosão do que talvez a gente chame de uma experimentação, uma dissolução de barreiras entre os mundos, não necessariamente entre os gêneros, mas dos mundos mesmo. A fabulação, a presença da fabulação, do recorte fabular. Tudo permeia esse desejo de pensar a imaginação e também os caminhos estéticos que estão sendo propostos pelos filmes que nos chegam. A Mostra Temática é composta por três longas e uma sessão de curtas. Nosso texto de curadoria dedicado à nossa temática vai evocar o tema das fabulações, das distopias e das cosmovisões, de forma alguma esse arranjo quer unir esses filmes num foco específico. As pessoas estão pensando diante da ruína, que acho que é justamente esse diapasão que a gente vive hoje em dia, quer dizer, entre a 123

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melancolia e um mundo que não vai se pensar. O trajeto é muito maior do que essa sensação de derrocada muito evidente. Mas pensando nos longas, é como a imaginação ou os momentos de explosão dessa estrutura fabular, ou de uma experimentação com cor e linguagem, vai estar de certa forma ancorado ou dialogando com uma espécie de passado e tradição, que é esse gesto também autorreflexivo. Acho que olhar para o passado é constituir uma linha, é constituir ancestralidades, é reconstituir caminhos, mas é também repensar a história do cinema, ou então ver o passado de uma forma. Ver o passado pelo retrovisor, uma espécie de necessidade de superação de um passado, mas um passado que também não abandona. Então são três longas que compõem a Mostra Temática, o Sofá, do Bruno Safadi; Um Dia com Jerusa, da Viviane Ferreira, e Cavalo, que é de uma dupla de diretores de Alagoas. Pensando no Sofá, dentro do percurso dos filmes do Bruno Safadi, vai propor caminhos estéticos dentro da história do cinema, uma referência à história do cinema, e inclusive dialoga com o filme anterior dele, que se chama O Prefeito, que é esse prefeito que está gerindo a cidade a partir das ruínas ali no Rio de Janeiro, no período muito violento de reconstrução do Rio de Janeiro, que foi no período ali das Olimpíadas. É um prefeito que administra a cidade no meio desses escombros, então essa fuga de um registro realista para lidar com essa espécie de alucinação que é essa transformação da cidade, ali do ponto de vista desse prefeito, desse sujeito que vai negociando e vendendo os espaços da cidade. O Sofá vai lidar com os despossuídos, quer dizer, esses sujeitos que foram expulsos das suas casas, que depois dessa transformação da cidade estão vivendo na ruína, mas aí num recorte, novamente, de muita experimentação. Com uma explosão de cores, que evoca um pouco essa ideia do cinema silencioso. E um registro de atuação que evidentemente não é naturalista, apesar de ser um filme que causa um certo choque, porque é um filme feito com atores globais. Tem esse choque do espectador, com uma expectativa de “como é que a gente lida com essas figuras, com esse imaginário nosso, desses atores que estão nesse filme experimental e também independente?”. É um filme basicamente sobre estratégias de sobrevivência desses personagens dentro da cidade e vai evocar um mundo sem saída de fato. O


filme termina com uma chave melancólica, diante de uma impotência real em se lidar com esse movimento muito violento de destruição. A gente vive esse movimento muito violento de destruição. É um filme que talvez evoque esse sentimento que é muito facilmente acho que identificável. Um Dia com Jerusa também vai operar dentro de um olhar para a história. Estava conversando com a Viviane. O curta O Dia de Jerusa, que dialoga muito com esse longa, tanto por apresentar as mesmas atrizes, é um curta de um reconhecimento entre duas mulheres, muito afetuoso; essas mulheres estão no longa-metragem. Nessa transformação do curta para o longa, você vai ver justamente essa ampliação do universo poético das personagens. Parece que o que se amplia ali é uma espécie de acesso à imaginação, tanto numa questão de linguagem, como que a história do bairro do Bexiga vai aparecer nas imagens, quando se reconta a história. O cotidiano da jovem Sílvia, que também é uma invocação dessa ancestralidade que se dá por um outro regime estético e aquele bairro vira também um espaço de performances. Nessa ampliação do filme, você interpela essa fabulação, você interpela essa imaginação e essa mistura desses registros. O acesso à história também vai se dar nesse

lugar de reconhecer, retomar, mas principalmente de poetizar, criar uma dimensão poética para esse vínculo com a história, aqui numa outra chave, se comparada com o filme Sofá. Cavalo é um documentário experimental, com um misto de performance; é um documentário dedicado ao trabalho de um grupo de dança em Alagoas. A maioria dos dançarinos são dançarinos negros e começa evocando a mitologia dos orixás, criando imagens. É um filme que tem muita água, assim como os filmes que a gente vai ver das cosmopoéticas, que vai tentar conformar imagens para essa mitologia, e justamente, quer dizer, no percurso desses dançarinos, como é que também evocar essa ancestralidade é importante, tanto para a criação de um gestual para a dança, mas também como processo de busca, de compreensão para esse olhar para a história. E nesses cruzamentos de imagens, o Cavalo termina com a imagem de um dançarino. Uma imagem muito bonita de um dançarino na chuva, dançando na chuva, essa imagem vai reaparecer num outro filme. Acho bonito pensar também como essa pesquisa, esse desejo de compreensão, de buscar essas mitologias, ela também se traduz no estar no mundo, em gestos poéticos, que às vezes aparecem em outros lugares. Mas no caso do Cavalo, talvez ele ainda mantenha uma separação entre esses mundos, que eu acho que é algo que talvez os curtas vão talvez propor um outro caminho.

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TATIANA CARVALHO COSTA - curadora / curtas Bom dia. Quero também agradecer muitíssimo a presença de vocês. Ninguém queimou a largada, que massa, todo mundo aí firme. A gente aqui também belíssima. A gente fez tudo direitinho assim, tem um fio, vocês vão seguindo, não é? Vou retomar umas coisas que Lila falou também e que Francis falou, e minha fala vai focar mais especificamente na questão da Mostra Temática. Lila fez esse breve histórico dos últimos três anos, ano passado a gente estava aqui discutindo uma ideia de corpos-ficção, por exemplo, e a maneira como sujeitos que se entendem como ficções históricas. O negro como subalternidade, sendo uma ficção histórica, e essas hierarquias todas como construções de um lugar de poder que determinam lugares para A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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sujeito e, portanto, a gente estava tomando essa dimensão da ficção e da existência e de que maneira isso aparecia elaborado nos filmes, não só como tema, mas também nas organizações da narrativa, nos atravessamentos, nas apropriações e ressignificações de códigos de gênero. E a gente tem um desdobramento disso, mais no sentido do olhar nosso também, e do que os filmes têm trazido, isso no caso específico da temática gera a composição de uma sessão específica, que é a sessão que a gente intitulou de Cosmopoéticas ContraHegemônicas. E o que essa sessão vai trazer? Antes de falar especificamente dos filmes, o que gera esse olhar para esses filmes é a compreensão, como o Francis disse, desse momento histórico que a gente está vivendo, que é um momento aparentemente de catástrofe, mas é também um momento de colapso. É o momento de colapso de um lugar de poder que, com o perdão da palavra, está dando um chilique. Um chilique, porque não está dando conta mesmo da quantidade de possibilidades do mundo, que emergem afirmativamente e propositivamente, entendendo que o mundo é maior que o cinema e que o cinema reverbera isso, apontando o lugar, por exemplo, do sujeito universal como ficção. Sujeito universal não existe. Então essa ideia, essa pretensão de universalidade está sendo questionada. A gente vai ter um debate específico, que se chama Cosmopoéticas Contra-Hegemônicas; uma pessoa que vai estar nesse debate é a Janaína Oliveira. A Janaína Oliveira programou sessões para Roterdã, é consultora de Locarno, é agora programadora do Seminário Flaherty, nos Estados Unidos e, no texto de curadoria para o Flaherty deste ano, ela chama de Opacidade. A ideia de opacidade como algo que justamente na estruturação não só das proposições sobre o mundo vai dizer de um questionamento de uma pretensão de uma compreensão plena das coisas. Como ela diz nesse texto propositivo da curadoria lá do Flaherty, não é a ideia de um ponto cego, como se um sujeito desse conta de compreender o mundo e, às vezes, tivesse um ponto cego, que basta um deslocamento que você vai conseguir olhar e compreender. Não. Tem coisa que de fato que não é compreensível, porque diz de uma experiência que não é sua. E aí eu não estou dizendo aqui simplesmente de uma discussão muito desgastada de lugar de fala. Não é isso. É de uma coisa muito mais complexa e 125

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sofisticada, que é a pluralidade da experiência humana. Que essa ficção do sujeito universal, que está obviamente cristalizado na branquitude, que a minha psicanalista adora falar que é um lugar, inclusive, psicótico, porque tem essa pretensão da certeza, porque a gente tem que fazer muita psicanálise, não é, gente? Para dar conta desse mundo. Enfim, muita psicanálise e macumba. Sem isso não se vive. Que é isso, essa pretensão da certeza aprisiona o sujeito num lugar meio psicótico, que não consegue, não é? E aí, essas opacidades estão no cinema. Não mais aquelas opacidades que a gente estudava, ainda estuda, que o Ismail Xavier coloca muito bem, mas não é essa opacidade, é de outra ordem. É uma opacidade de ordem existencial e que está nas narrativas. Então os filmes vão trazer isso. E a ideia das cosmopoéticas é um pequeno recorte dessas possibilidades de organização de visão de mundo, a partir de outras cosmogonias. Essa sessão vai trazer quatro curtas: A Felicidade Delas, da Carol Rodrigues; Pattaki, da Everlane Moraes; O Verbo se Fez Carne, de Ziel Karapotó, e Inabitáveis, de Anderson Bardot. Cada um desses filmes, a sua maneira, vai dizer de uma possibilidade de existência a partir de outros parâmetros. E traz essas questões de que eu falei agora há pouco. Vou citar um deles, que é o mais evidente, que está no nome, que é o Pattaki. É uma narrativa curta da mitologia iorubá, que pode ser comparada à parábola, na nossa tradição judaico-cristã. Então ela vai fazer um pattaki. Por isso que ela chama o filme de Pattaki, em que ela vai acionar diversas camadas das possibilidades de existência, e ela faz isso em Cuba, dentro de uma dinâmica que, ao mesmo tempo, é expansiva, mas é também de enclausuramento, que ela vai dizer de uma ilha cercada de água em que falta água, por exemplo. Mas isso vira uma alegoria para outras coisas, e aí o mito, digamos assim, que ela pega para tratar disso é Iemanjá. Então ela vai fazer variações de Iemanjá numa chave da performance, que ela chama de documentário, porque aí são pessoas numa automise-en-scène, a partir dessa conexão com essa forma de organizar a existência. Então ela faz uma operação extremamente sofisticada, a partir de outros parâmetros. E aí eu volto à ideia de opacidade que a Janaína Oliveira apresenta para o Flaherty, mas não é originalmente dela, ela só organiza isso. Quem faz essa discussão é o Édouard Glissant, no livro


Poéticas da relação. E ele organiza isso de uma maneira mais elaborada, enfim, Janaína pega isso para dizer não só do cinema produzido por pessoas negras, ela vai dizer do cinema contemporâneo no mundo, a partir dessa experiência de olhar para outras cinematografias que estão pegando outras referências. A gente tem também essas possibilidades de articulações outras de visão de mundo, espalhadas por toda a programação de curtas-metragens. São 81 curtas-metragens. E aí eu quero destacar uma coisa que eu acho que a Camila vai desdobrar melhor depois, que tem a ver com número. Desde o ano passado, Tiradentes resolveu quantificar, a partir da autodeclaração, marcadores de raça e gênero. Por mais que a coisa do número seja difícil, mas ajuda a gente a dar conta de alguns aspectos num país como o nosso. Tem um dado que eu acho importantíssimo e me emociona muito, é que esses filmes estão fazendo operações tão sofisticadas e tão desafiadoras, que eles vão se impondo. Os filmes produzidos por pessoas negras, por exemplo, a gente tem a competitiva de curtas que é a Foco. 70% dos filmes da Foco tem pessoas negras na direção este ano. É histórico ter qualquer competitiva que não seja de um festival especificamente voltado para cinema negro ter essa

quantidade de pessoas assim. E são os filmes. E de novo: claro que são as pessoas negras fazendo filme. E o mundo é maior que o cinema. E dentro do campo do cinema também tem esses chiliques. Tem muita gente sem dar conta desses filmes. A Everlane reclama muito, os filmes dela não circulam no Brasil. Circulam em todos os principais festivais internacionais do mundo, mas não circulam nos festivais que têm curadoria que não está preocupada com essas questões. E aí, só para encerrar. Correndo o risco de generalizar, o que é um problema mesmo, e de romantizar, mas não que a gente olhando para esses filmes não veja neles um diálogo com a história do cinema. Não é isso. A gente vê um diálogo com a história do cinema. Ano passado, por exemplo, a gente teve o filme que ganhou o prêmio do público, o curta Negrum3. As imagens do Negrum3, em uma certa parte do filme, são do Space is the Place, aquele filme marco do afro-futurismo com o Sun Ra. A gente olha os filmes que estão espalhados assim pela Mostra, e a gente vê muito do Zózimo Bulbul, a gente vê muito do L. A. Rebellion, a gente vê muito do Ousmane Sembène, a gente vê muito da Safi Faye, a gente vê Djibril Diop Mambéty, a gente vê outras cinematografias. E de novo: não é ruptura, é uma expansão desse lugar que se pretendia hegemônico, eurocentrado. E aí esses filmes acabam, e é o encerramento do meu segundo ponto aqui da fala, colocando desafios para o pensamento sobre o cinema. Não é mais Deleuze que vai dar conta da temporalidade, a gente tem que olhar para o exu. A gente tem que olhar para o tempo espiralar, para a encruzilhada, para outras maneiras de pensar o mundo mesmo. Porque com essa ferramenta teórica eurocentrada, esses filmes não vão funcionar.

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CAMILA VIEIRA - curadora / curtas Bom dia. Vou dar continuidade a essa discussão sobre a autodeclaração de dados de raça e gênero e mostrar um comparativo dos números do ano passado com os deste ano, principalmente nos 81 curtas selecionados. Então, dados de raça, para vocês terem uma ideia, pessoas negras e pardas, ano passado foram 18, este ano 29 no total. Indígenas, ano passado zero e este ano 2. Amarelos e asiáticos, ano passado 1 e este ano 2. E também houve uma diminuição A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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das não declarações. A gente notou que mais realizadores apontaram suas autodeclarações de raça e gênero, em comparação com o ano passado, em que houve uma ausência bem significativa desses dados. E aí, pensando a temática deste ano, A Imaginação como Potência, eu percebo em continuidade com algumas questões da temática do ano passado, que era a temática Corpos Adiante. E é interessante como, no período de um ano, o cinema brasileiro acaba criando outros movimentos. E eu lembro que nesse mesmo debate das perspectivas curatoriais no ano passado, quando a gente estava discutindo os curtas dentro da temática Corpos Adiante, uma das questões que apontei era a presença muito significativa de curtas com grupos, com coletivos, com formas de fazer junto, e que isso parecia ser um contraponto ao individualismo, ao isolamento, à solidão. Eram curtas que mostravam com muita força a coletividade. E aí durante o processo de visionamento dos curtas deste ano, algo que ficou muito marcado e que, durante esse processo comentei com Tati e Pedro, e eles perceberam também, é que apareceram muitos curtas com os sujeitos isolados, tristes, em um gesto de afirmação da derrota ou constatação dessa derrota. E lendo o texto da Helena Vieira para o catálogo, o primeiro ponto que ela levanta nesse texto é sobre o comodismo. Ela fala que uma das saídas mais fáceis para lidar com a crise é o comodismo. É confortável você olhar para o mundo a partir desse comodismo que nos imobiliza. Eu acho que o Francis falou um pouco disso, e a Helena vai desdobrar isso com mais profundidade no texto. Aí é uma leitura que eu faço: de como esse comodismo apareceu nesses curtas, que me parece ser uma ode ao individualismo e isso é uma das premissas do neoliberalismo. É muito fácil isso ser cooptado pelo neoliberalismo, porque ele não vai abraçar novas imaginações, novas possibilidades de fabulação, porque esse individualismo só compartilha frustrações, ódios, expectativas fracassadas. Então isso acaba sendo um sintoma do nosso tempo e, ao assistir a esses filmes, esses curtas, eu fico me perguntando até que ponto, não é? Será que a gente simplesmente desistiu de imaginar? Mas aí o processo de visionamento é muito longo, é muito extenso, foram 870 curtas inscritos, e outros curtas apareceram nesse caminho. Curtas que apostavam na 127

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coletividade, e não só a coletividade aparecendo, sendo encenada nesses filmes, mas formas de fazer coletivas. Vou só citar esses filmes, talvez a Tati desdobre um pouco mais. O Perifericu, que está na Mostra Foco, que é de quatro realizadoras e o processo é todo coletivo, e a gente vê essa coletividade muito forte bater nas imagens. Brooklin, do Coletivo Leblon, que é daqui de Minas Gerais; o Bonde, que está na Mostra Panorama. Esses filmes estão espalhados na programação e isso foi um gesto de curadoria. A gente optou por selecionar esses filmes e não abarcar os filmes que traziam sujeitos isolados, tristes, melancólicos... Isso é um ponto, gestos de curadoria. E aí no ano passado também, a gente falou um pouco de filmes que anunciavam distopias e este ano esses filmes permanecem também. Talvez o exemplo mais interessante seja de um curta chamado Relatos Tecnopobres, que vem do Instituto Federal de Goiás, ele está na Mostra Formação e usa imagens de arquivo para criar um falso documentário que dá conta de uma comunidade subterrânea, chamada Comunidade Tecnopobre, que vai se insurgir contra a burguesia. É um filme extremamente irônico, mas, ao mesmo tempo, muito sério sobre todas essas questões que a gente está passando no presente. E muito inventivo, muito imaginativo. Tem outras duas linhas que eu tinha pensado que são mais próximas da temática. Por exemplo, filmes que criam narrativas alegóricas para abordar o presente e ao mesmo tempo dimensionar os traumas históricos. E aí eu vou citar um filme que está na Mostra Temática, que é o curta Inabitáveis, que é do Espírito Santo, que ele justamente traz corpos negros em movimento, e aí o movimento vem da dança, por isso que a relação com o longa Cavalo é muito forte, e como esses corpos em movimento criam insurgências em relação a um espaço, e aí o espaço é Vitória, no Espírito Santo, que tem essas marcas históricas escravagistas. E também um outro movimento, que tem a ver com a temática também, são filmes que trazem questões do realismo, mas abraçando o artifício para dar conta de formas de fabulação. E aí eu posso falar do filme do Affonso Uchoa, o média-metragem Sete Anos em Maio, que foi convidado para estar na Mostra, que começa com uma contação de história entre dois personagens, e eles estão falando desses traumas que os dois


personagens vivenciaram e, lá pelo final do filme, cria um artifício de encenação para dar conta disso que já foi narrado ao longo do filme. A temática está presente ao longo de toda a programação e não apenas nessas sessões específicas.

Foto: Netu

Bom dia. Obrigado aos meus colegas de mesa, obrigado a vocês pela presença. É um trabalho sempre muito solitário esse de fazer curadoria de filmes; eu já faço curadoria para Tiradentes há oito anos e é um trabalho que a cada vez que começa a gente não sabe como vai ser, porque a gente fica muito isolado em casa vendo filmes. Antigamente a gente ainda tinha o momento da troca das cópias, hoje nem isso mais, porque é tudo digitalizado. Então você fica fechadinho na sua casa, com algumas possibilidades de conversa entre mim, Tati e Camila no período, mais nós três inicialmente, e depois Lila e Francis para dialogar com os longas, um diálogo que foi intensificado nos últimos anos, longa e curta. Antes as equipes eram claramente separadas, a gente não tinha esse momento de troca no início do festival, e a gente ficava muito isolado dentro dos nossos pensamentos, das nossas convicções, e o momento da troca era apenas no momento de sentar para fazer essa programação. Então é um trajeto por vezes bastante cansativo, porque afinal de contas, todos nós temos aqui outras atividades também, então é algo que eu, pelo menos, prezo muito, de estar em contato com essa produção contemporânea, de saber o que os cineastas estão fazendo e pensando, justamente para poder levar isso para uma discussão mais teórica na sala de aula, com a formação de alunos de graduação e de pós, e às vezes a gente não tem muita noção do que está reverberando na cabeça dos colegas. Então poder ouvir assim é muito bom. Eu queria voltar numa coisa que a Lila disse, num dado histórico. Até 2016, a nossa curadoria era formada basicamente por homens, e quando ela chegou ela foi essa primeira mulher e hoje a gente tem uma predominância de mulheres na curadoria. A gente estava fazendo essa curadoria no início dos anos 2010, eu acho que a gente estava um pouco adormecido e anestesiado por uma ideia

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PEDRO MACIEL GUIMARÃES - curador / curtas

de mundo que a gente achava que ia ser eterna, e que acabou se revelando falsa. A gente levou uma paulada na cabeça, nós todos levamos nesses últimos quatro, cinco anos, e a gente estava anestesiado nas nossas certezas e isso não era uma discussão. Quando a gente se deu conta de que isso precisava ser pauta de curadoria, pauta de lugares de pensamento e de formação, nossa curadoria juntamente com a produção do festival passou a ir buscar essas pessoas e esses lugares como um gesto realmente de afirmação e de autoafirmação. Então quando a gente pensava nesse mundo até os anos 2015, 2016, eu sinto mesmo que a gente estava quase que num oásis, mas num oásis um pouco falso e a gente levou essa paulada na cabeça e isso foi bom de alguma maneira. Claro que, a curto prazo, a gente vai falar que é horrível, e está sendo, mas eu acho que isso desestrutura algumas bases que a gente tinha como certas e como já instituídas e que fez com que essa curadoria pudesse mudar. A cara da curadoria muda, as discussões mudam, as questões mudam e é para isso que o cinema existe, para poder fazer a gente estar sempre se reinventando, senão a gente fica parado num lugar comum. Então só para reverberar isso que a Lila disse, de que a partir A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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de 2016 essa curadoria teve uma mudança muito grande. Tem um filme especificamente na Mostra Foco deste ano que eu acho que resume um pouco o lugar onde a gente está e para onde a gente quer ir, para onde a gente está conseguindo ir, porque às vezes a gente quer ir, mas às vezes a gente não consegue, que é um curta do João Marcos de Almeida e do Sergio Silva. O título é maravilhoso: Estamos Todos na Sarjeta, mas Alguns de Nós Olham para as Estrelas. A gente tem que escolher olhar para as estrelas, porque a sarjeta está, nós estamos todos nela, nesse limbo, nessa lama, nesse lodo que a gente se encontra nos últimos tempos, e realmente os curtas, talvez até mais que os longas, porque eles respondem com um imediatismo muito maior ao momento social e político que a gente vive, e isso tem um lado bom e um lado ruim, vou falar dele daqui a pouco, mas eu acho que os curtas, desde que eu estou aqui em Tiradentes, estão tentando responder muito mais imediatamente ao caos em que a gente está submerso. Os longas precisam de um certo tempo maior de maturação, equipes maiores, um certo esforço de produção um pouco maior, não vou dizer totalmente maior, mas um pouco maior. Os curtas estão mais nesse lugar de responder com mais rapidez às questões que a gente vive. Então nos últimos dois anos, três anos, a gente viu uma série de filmes que respondiam às questões de movimentos sociais, ruas, passeatas, situações de jovens, muitos jovens indo para a rua e tentando lidar com aquilo que a gente está vivendo no social, mas de uma maneira um tanto quanto não elaborada, no sentido da forma, e isso eu acho que é o lado negativo desse imediatismo do curta é que você vê ali nesse universo de 800 curtas, a gente via uns 20, 30 que eram basicamente registros de manifestações. E aí começa desde 2013 até as manifestações do contra impeachment, do contragolpe. Mas alguns desses filmes conseguem, conseguiram e vêm conseguindo elaborar esse dado social muito forte que a gente tem tido nos últimos anos e transformá-lo em reflexões estéticas. Eu acho que o filme do Sergio Silva e do João Marcos de Almeida dá um pouco conta disso. Não vou adiantar o que é o filme, mas vejam na Foco. Um filme que também elabora esse caos, essa distopia que a gente viveu nos últimos tempos, com uma visão, não vou dizer totalmente otimista, mas uma visão que tenta 129

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conciliar pessimismo e otimismo, longe do realismo, que é um filme chamado Os Últimos Românticos do Mundo, do Henrique Arruda, de Pernambuco, que apresenta essa discussão com o gênero, com o gênero ficção distópica, fim do mundo, fim das esperanças, fim das expectativas. Assim como um filme que foi muito importante para a gente há uns três, quatro anos aqui na Mostra, um longa chamado Batguano, do Tavinho Teixeira. Os Últimos Românticos do Mundo recupera aqueles questionamentos que o Batguano trazia, principalmente por causa das duas figuras masculinas, dois rapazes, dois homens que envelhecem juntos, que passam por percalços e por desilusões, mas que escolhem estar juntos no final e que têm um gesto muito bonito de apontar para uma solidariedade, ali no caso de uma relação homoafetiva entre esses dois homens, e que tenta a todo tempo não afundar totalmente no desespero ou na desesperança, mas que não pode não se dar conta de que ela está muito presente. A gente ainda está, nesse momento, com a água batendo muito na nossa bunda ainda, todo dia, cotidianamente, para a gente dar conta de tentar propor alguma coisa que seja apenas positiva. E o positivo num certo sentido pode parecer falso. Falso num sentido negativo, não artificial. A luta entre realismo e artificialidade nos curtas existe desde que comecei a fazer a curadoria aqui em Tiradentes. Uma certa tentativa de você fugir um pouco desse chamado realista ou dessa imposição realista naturalista que está muito presente nos longas; eu acho que os curtas sempre tiveram uma liberdade maior de lidar com gêneros mais artificiais, com releituras que passavam pelo artificialismo, pelo não naturalismo, pelo não realismo, isso eu acho que é um dado que foi constante, nesse período de curadoria que eu tenho aqui em Tiradentes. O nosso principal desafio, eu fico lembrando de um post que eu vi há uns dois anos de um jornalista de direita, desses que emergiram das catacumbas nos últimos anos, falando: “Tiradentes é um festival que mói dinheiro público, fazendo filmes que ninguém vai ver”. Que ninguém vai ver fora do nosso circuito, que já é restrito, de festivais, e eu fico pensando que o nosso desafio é realmente esse, da gente conseguir fazer com que os filmes que são vistos aqui, que são discutidos aqui, que são pensados e refletidos dentro do universo de Tiradentes fure


a nossa bolha, fure o nosso enclausuramento para a gente não ficar só pregando entre convertidos, para a gente levar as discussões que esses filmes reverberam para fora do nosso mundinho progressista, sei lá, de esquerda. E nesse sentido, os filmes do Adirley Queirós, que nasceram aqui em Tiradentes e que reverberam, reverberaram e continuam reverberando, inclusive em plataformas de streaming, talvez apontem para uma possibilidade que a gente tenha de levar esses filmes para uma discussão um pouco mais ampla para a gente não ficar sempre falando apenas para nós mesmos. Eu falo que é um desafio, porque se a gente soubesse o caminho das pedras, a gente já teria feito, mas é algo que me interpela muito a tentar fazer com que os filmes de Tiradentes quebrem essa barreira dessa invisibilidade inicialmente, de um preconceito que ataca os filmes que são vistos aqui, que são discutidos aqui. Isso está reverberado nessa fala desse jornalista de direita e a gente precisa tentar fazer com que esses filmes, não vou dizer que vão para o mundo, mas pelo menos sair do nosso mundinho, do nosso recôndito onde a gente está. TATIANA CARVALHO COSTA - curadora / curtas Alguns filmes apresentam uma maneira de organização coletiva muito peculiar. Eu, pelo menos, me emocionei muito com a fala do Antônio Pitanga, que ele deslocou num momento da fala dele a homenagem para o sujeito individualizado, na direção de uma coletividade. Não vou repetir literalmente aqui, mas a ideia que estava ali era: “Vocês não estão homenageando um homem, mas um quilombo”. Mais ou menos ele falou isso, não é? E a ideia do aquilombamento é muito interessante para a gente olhar esses coletivos. Tantos os coletivos queer, quanto os coletivos de pessoas de periferia. Aqui em Tiradentes mesmo a gente já teve outras experiências de celebração, inclusive justíssima, de coletivos fazendo cinema, como por exemplo, Alumbramento e A Teia, e são coletivos que fazem filmes incríveis, têm uma discussão importantíssima, mas são coletivos de pessoas que estão num lugar de privilégio. A ideia do aquilombamento é importante para marcar um lugar na hierarquia social e no acesso à possibilidade de fazer cinema dessas pessoas,

que são, e aí de novo nessa ideia de que o mundo é maior que o cinema, que são pessoas que ao longo da história do cinema jamais tiveram como se imaginar enquanto cineastas. Então a gente tem a Gleba do Pêssego, que é o coletivo que fez Bonde, em que a direção é assinada por Asaph Lucas; tem o Cine Leblon, que fez Brooklin, que você já citou, e as quatro diretoras do Perifericu.

DEBATE COM O PÚBLICO Francisco Carbone (crítico) - Enquanto a Camila falava, eu fiquei muito interessado num ponto específico e depois o Pedro falou, e aí eu acho que a fala do Pedro, apesar dele ser da curadoria de curtas, remeteu a um questionamento de longas. A Camila deixou claro que vocês da curadoria de curtas assistiram a muitos filmes que propunham isolamento, solidão, e apesar de que o movimento curatorial foi de olhar para o outro lado, olhar para o oposto disso, eu queria saber de vocês da seleção de curtas se em nenhum momento não passou pela cabeça de vocês friccionarem, já que ficou tão claro esse primeiro momento dessa chegada desses curtas mais isolados, se não rolou um pensamento de friccionar esses filmes entre os coletivos e tal, já que é um movimento do momento mesmo, já que vocês perceberam isso. Então eu queria fazer uma pergunta em relação a isso: por que não, ao invés de decidir olhar só para o coletivo, não pensar essa fricção entre esses dois lugares que estão sendo propostos aí e que ficarão claros a ponto de mexerem com vocês. E a situação dos longas, ela é mais rápida, porque o Pedro falou sobre esse infeliz texto comentando sobre a tentativa de invisibilização dos longas que passam em Tiradentes e, ao mesmo tempo em que a gente luta para que esses longas reverberem, a gente observa que os dois últimos vencedores da Aurora não estrearam. A gente sabe que não é culpa de vocês, que a proposta é inclusive dar voz a esses filmes, mas é a lamentar que eu saia daqui, depois de dividir com a galera aqui as experiências, não consiga dividir essas experiências com quem não veio, porque esses filmes não circulam, esses filmes não estreiam. E aí eu queria saber a opinião de vocês sobre essa A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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infeliz coincidência desse texto com esse movimento que também acontece, e se vocês não conseguiriam propor uma chegada mais rápida, tentar impulsionar de alguma forma esses filmes, porque é isso, eu acho que Vermelha e Baixo Centro são filmes que precisam, merecem ser vistos, entre outros. Daniel Jader (ator e produtor) - Bom dia, sou diretor da Cardume, que é uma plataforma de streaming ao modelo Netflix para curta-metragem brasileiro. Foi muito bacana ouvir a fala de vocês, porque a gente está num momento político muito difícil; a gente tem um distanciamento muito grande do público convencional. A gente começou com um modelo de negócio onde a gente se aproxima primeiro do público, do público produtor, que é um público com mais fácil acesso, e agora a gente vai começar um modelo de negócio em que a gente vai começar a trazer o público que não está acostumado, o público geral. Acontece que o governo, esse monstro que surgiu debaixo do tapete, ele fez com que o público geral se distanciasse cada vez mais. E a gente está tentando buscar diretrizes agora até de curadoria para conseguir de alguma forma trazer esse público. Então a minha pergunta para vocês é: vocês têm alguma ideia que vocês possam compartilhar com a gente de como montar diretrizes para que possa aproximar esse público, trazer esse público para ver, principalmente curtas-metragens, porque como vocês todos falaram, são filmes que abordam de forma imediata o que acontece, enfim, é um catalisador do universo para dialogar com as pessoas. Eu queria saber se vocês têm alguma ideia de diretrizes que possam também ajudar a curadoria da gente a trazer esse público geral. Camila Vieira - Sobre a pergunta do Carbone, é uma decisão que implica um gesto político. Poderia ser feito isso, colocar esses dois lados em fricção, como você fala. Mas eu fico pensando, foram 870 curtas inscritos e 81 selecionados. É menos de 10%. E isso que a gente constatou do individualismo e da solidão, isso está na ordem do dia. E como trazer um outro olhar, que também está contemplado nesses curtas e trazer isso com mais força? A questão é uma 131

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decisão curatorial. Talvez outros festivais contemplem esses filmes, não é? A Mostra de Cinema de Tiradentes talvez não dê conta desse conjunto de 870 curtas inscritos, então assim é 9%, é um recorte. Tatiana Carvalho Costa - Tem alguns filmes que vão fazer isso também, tem alguns filmes que estão mais desesperançados... Mas mesmo quando a gente resolve discutir um filme que traz a desesperança, é isso que o Pedro falou, ele vai dizer de uma desesperança, mas ele vai apontar um caminho, porque é também um gesto curatorial dizer: “Olha, que caminho? Para onde é que o cinema pode olhar?”. Não é nem para onde o cinema está olhando, porque são 9% dos filmes inscritos. 870 filmes estão olhando para um monte de coisas. É para onde a gente acha que o cinema pode olhar. E também não é nenhuma imposição, como uma verdade absoluta. É uma questão pontual, circunstancial de escolha mesmo. Pedro Maciel Guimarães - A nossa visão ficou um pouco condicionada para esses filmes que a gente está chamando de filmes sobre isolamento, sobre depressão. Não sei se isso sempre existiu e, quando o sintoma apareceu na sociedade, a gente olhou para os filmes e falou “ó, isso está nos filmes também”. Então, de novo, voltando naquele momento em que a gente vivia num oásis, eu acho que esses filmes estavam aí ainda falando dessa forma do isolamento e da depressão, de um afastamento dos problemas concretos do mundo, mas respondendo a eles. Então eu acho que isso sempre teve, mas quando a gente viu isso na nossa pele, nós curadores, que a gente conseguiu apontar isso com uma clareza maior. E não é porque o filme fala de um personagem isolado ou de alguns personagens isolados que ele não seja fruto de um processo de criação coletivo. São duas coisas diferentes: a forma optada por esses filmes é trabalhar no isolamento do sujeito, mas muitos deles inclusive são filmes universitários, que você sente que tem uma leva de pensamento universitário, de equipe, mas escolhem falar de um isolamento. Mas acho que isso sempre esteve aí. Principalmente pelo fato de o curta-metragem na maioria das vezes ser feito sem dinheiro nenhum, ou pouquíssimo, é muito mais fácil você filmar


jovens isolados num apartamento do que levá-los para um cenário, para uma rua, criar alguma coisa assim. Então filme de apartamento às vezes configura quase como um subgênero assim, filme de apartamento com um casal. Respondendo à pergunta do streaming, eu adoraria saber. Adoraria poder ter pelo menos alguma dica para dizer “vá por esse caminho”; a Lila tem, mas eu não sei, porque a gente vê que nem dentro do universo de público universitário, por exemplo, de universitários de comunicação, cinema, as pessoas não conhecem nem o Porta Curtas direito. É um desafio que, o dia que você souber, você conta para a gente. Talvez pegar algum modelo, sei lá, de fora do Brasil, onde o modelo esteja um pouco mais arraigado na produção cultural ou na cultura como um todo. Eu me lembro muitas vezes de pegar voos do Brasil para a Europa, de companhias estrangeiras, e ver curtas-metragens no avião. Pelo menos no pacote. Não tinha só longas de Hollywood e tal, tinha sempre uma entradinha ali de curtas. E eu sei que se fazia isso, vendiam-se curtas brasileiros para a Air France e para a Alitalia. Mas durante algum tempo nos anos 90 se fez. Então pegar algum modelo parecido com esse. Mas a Lila vai nos dar a receita. Lila Foster - Não tenho receita. Vou juntar duas questões. É uma angústia existencial que acontece com Tiradentes depois que Tiradentes termina. Tive experiências de docência com jovens, quer dizer, já é um desafio lidar com o cinema brasileiro, porque o cinema brasileiro é um grande desconhecido. Então se você vai dar uma aula de história do cinema, você fala “caramba, que eu vou fazer?”. Tive uma experiência de docência que foi muito legal num curso de cinema brasileiro contemporâneo que eu passei só curtas. A maioria dos curtas foi incrível, porque além de lidar com o cinema brasileiro ser um desafio, ainda tem um desafio que a história não é contada a partir do curta-metragem. Então é angústia, é existencial. Se eu tivesse muito dinheiro, seria fundamental criar um circuito universitário. Quer dizer, as universidades têm cinema. E, evidentemente, tem muitos professores e muitos pesquisadores aqui; lidar com o cinema brasileiro e com o curta-metragem dentro da sala de aula. Porque é impressionante, quer dizer, o curta

leva o pensamento sobre o cinema brasileiro para um outro lugar. Institucionalmente talvez para Tiradentes seja difícil ter braço e perna para fazer, mas a gente pensa, porque a gente vive essa intensidade. E as pessoas não viram os filmes, não é? Até essa dificuldade de chegar no circuito de exibição, que é o grande gargalo, mas quando eu penso em alguma alternativa, eu penso no circuito universitário. Eu acho que seria muito importante que existisse, talvez, uma itinerância de Tiradentes para esses cinemas que já existem, mas não só criar, não sei, seria o ideal. E aí eu acho que conecta com a sua questão, como atingir, eu acho que a universidade, evidentemente, é um lugar de potencial, e contrate curadores e pesquisadores para fazer, para contextualizar e dar conta desses filmes também, porque o grande desafio dessas plataformas de streaming é que você lida com uma quantidade absurda de coisas, e essas plataformas de streaming que eu percebo que você tem, são gestos de curadoria: como é que você junta, como é que você contextualiza, e precisa pesquisa, precisa vivência, é um percurso, quer dizer, nossos olhares que eu considero muito bem informados, são anos. E contextualização é importante, não só disponibilização. Talvez seja legal fazer pesquisa em arquivos fílmicos, tanto estrangeiros também, que eles disponibilizam muito esses pacotes temáticos. Mas isso é construção de pensamento, não é uma questão técnica. Não sei se é muito essa sua pergunta, mas é importante a construção do pensamento a partir dessas imagens e dessa possibilidade de circulação. Viviane Ferreira (diretora) - Bom dia a todos e a todas, parabéns a vocês pela curadoria do festival. Enquanto vocês falavam, fiquei refletindo muito sobre a disputa pelo acesso à materialidade do fazer. O cinema coloca uma atenção, ele garante cotidianamente para a gente atenção pelo acesso às condições de fazer. E aí quando vocês fazem uma escolha, sobretudo olhando para os curtas, de potencializar e viabilizar essas formas coletivas de garantir o fazer, é também a curadoria apontar para um tensionamento com essa forma endeusada de se fazer o cinema sempre com valores astronômicos, inacessíveis e inalcançáveis por uma maioria coletiva. Então A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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Iara Coimbra (estudante) - Muitas coisas que o cinema brasileiro passa é a limitação do governo. Não gosto de falar a palavra censura, mas essa limitação de muitos filmes se expressarem de uma forma mais livre. Quais são os riscos que o cinema brasileiro passa com esse governo todo distorcido, todo distópico, que não dá liberdade para a gente se expressar direito, e quando se expressa, é de uma maneira muito específica? Não pode falar sobre LGBTs, não pode falar sobre negros, porque o governo não gosta, sabe? Isso é uma limitação e que prejudica o cinema brasileiro, porque não traz essa cultura que a cultura brasileira demonstra. A cultura brasileira é para ser livre, e não para ser presa à censura do governo. Eu falo quais são os riscos, o que o cinema brasileiro deve enfrentar contra essa limitação?

a querer fazer cinema só nesse lugar sem dinheiro. Não é? Pessoas negras, pessoas indígenas, mulheres, têm que ter acesso a grandes orçamentos, porque coloca o cinema noutro lugar. E aí eu não estou falando mal do filme não, enfim, não estou dando o meu juízo de valor, depois se vocês quiserem saber o que que eu achei do filme, vocês me perguntem no corredor. Não é só Minha Mãe É uma Peça que precisa bater recorde de arrecadação. Imagina um filme dirigido por uma mulher preta falando do seu entorno, batendo recorde de arrecadação? Tem que estar em todos os lugares e falando sobre todas as coisas. Só para resumir a questão do governo, não há mais tanto poder concentrado numa agência para determinar a existência dos filmes. Nunca houve, não é? E isso é um problema, porque como Francis falou, nessa guerra cultural, os constrangimentos simbólicos acabam sendo maiores, e aí a disputa é material e subjetiva deles quererem fazer a gente acreditar que o cinema vai acabar. E aí, de novo correndo o risco de romantizar, os coletivos estão aí para dizer: “Não vai de jeito nenhum. O mundo não está acabando, e o mundo não vai acabar, porque a gente não quer”.

Tatiana Carvalho Costa - Respondendo à Viviane e à Iara, acho que tem a ver uma com a outra sim. E ao longo da semana, no seminário temático, a gente vai abordar isso também, como fazer cinema e como viver de cinema. E como fazer cinema e como viver de cinema implica também quem sempre pôde pensar em fazer cinema, quem sempre pôde pensar em viver de cinema, e efetivamente, materializar esse desejo. Então é uma arena muito complexa e muito ampla de disputa, que não se limita apenas à vontade do governo. Se em um determinado momento da história, o governo brasileiro conseguiu acabar com o cinema nacional, era porque havia um conjunto de fatores, materiais, que de fato limitavam o acesso. Hoje a gente não tem isso mais. A gente tem uma força de coletivos que conseguem fazer o cinema sem dinheiro. Sem esse dinheiro. Mas eu também não quero romantizar essa força de coletivo não, porque o cinema não é só isso. E mesmo as pessoas que não conseguiam se ver neste lugar de cinema por dificuldade de acesso e por uma série de constrangimentos simbólicos, hoje também não podem se limitar

Lila Foster - A gente tem um debate sobre Viver de Cinema, da macro à micropolítica. Uma das questões, que foi até uma questão que depois a Tati até me chamou atenção, é como pensar justamente isso: o que é viver de cinema? Tem esse tensionamento com a relação com o governo, mas a gente tem a dimensão dos editais regionais, que fizeram muita diferença, não é? Por exemplo, As MulheresEspírito, que é um longa da Sueli e do Isael Maxakali. Foi feito com o Filme Minas. É um convite realmente para a gente pensar, enquanto campo supostamente e extremamente progressista, quer dizer, colocar em jogo também essas questões para a gente, para além dessas questões do governo. Quer dizer, como é que a gente tem feito o dinheiro circular? Como é que a gente tem pago as nossas equipes? Como é que a gente tem definido os salários? Como é que a gente tem decidido quem que vai compor, quem não vai compor, que são questões pequenas, mas muito grandes também, que eu acho que isso ainda requer uma discussão ampla que toca essa questão obviamente do coletivo. A gente precisa materializar o nosso trabalho.

eu queria que vocês pudessem falar um pouco sobre isso e revelar para a gente se houve um tensionamento entre essas produções que traziam aí um desânimo, uma desilusão, uma desesperança, porque agora esse grupo percebe o seu acesso à materialidade do fazer ameaçada.

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Francis Vogner dos Reis - Com relação à questão da Viviane, uma coisa eu acho que todo mundo sabe é que a Ancine fez muitas coisas interessantes, fundamentais, mas não deu conta, por exemplo, de alguns grupos sociais, como, por exemplo, homens e mulheres negros, quilombolas, os indígenas. Não deu conta. Em São Paulo, pelos critérios da Ancine, é impossível um quilombo talvez ganhar um dinheiro de dois milhões para fazer um longa, por uma série de questões de critérios de mercado. Ou seja, existe um cerceamento de uma lógica de mercado. A gente tem que colocar isso na mesa. Porque a gente fala da censura do estado, mas e a censura do mercado? Dos critérios de mercado. A gente tem agora, nos últimos anos, um acúmulo de conhecimento e de experiência de fazer filme sem dinheiro. Isso é fundamental para continuar existindo. Mas, por exemplo, o cinema como atividade econômica vai atingir diretamente esses grupos, mulheres, homens negros e indígenas. São pobres. Como que eles vão viver disso? Num certo momento, o cara vai ter que arrumar um trabalho e não vai poder viver de cinema. A gente vai ter que repensar o cinema como atividade econômica, e os coletivos, para esses grupos, eu acho que como resistência, eles vão permanecer. Agora, como atividade que é necessário que tenha um desdobramento, prosseguimento, que crie obras e que crie um corpo de obras, eu acho que acabar com o cinema como atividade econômica vai atingir também esses grupos. A gente tem que repensar essas duas questões, inclusive o cinema como atividade econômica, porque quem trabalha na O2, a maior parte aqui trabalha na O2, vai continuar fazendo uma coisa ali e aqui e sobrevivendo. Agora, grupos indígenas, quilombolas, periferias... No início dos anos 2000, havia oficinas e cursos que capacitavam tecnicamente jovens das periferias. Só que esses jovens eram parte de corpo técnico, muitas vezes eles não dirigiam, faziam roteiro, e isso foi mudando com o tempo. Lembro muito que o Instituto Criar, por exemplo, eles se capacitavam tecnicamente, só que nenhum deles dirigia filme. Agora muitos jovens que se formaram pelo Criar decidiram fazer filmes. Jovens negros e negras decidiram dirigir, fazer seus roteiros, contar suas histórias. Inclusive tem o filme Raízes, que parte da produção são jovens formados no Criar. Mas não é um filme feito pelo Instituto

Criar. É uma iniciativa deles. Os coletivos são alternativas, mas você pensar atividade econômica é necessário e vai ter que mexer em algumas questões que são muito desconfortáveis, porque a Ancine foi ótima, mas vamos repensar também como que ela operava? É importante, sabe? Não para fazer coro com aqueles que dizem que a Ancine gasta dinheiro, mas porque a gente tem que olhar a realidade.

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: PERSPECTIVAS DAS CURADORIAS

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DEBATE

A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

Convidados: • Bernardo Oliveira – professor, pesquisador, crítico de música e cinema e produtor | RJ • Helena Vieira – escritora e pesquisadora | CE • Ivana Bentes – professora e pesquisadora | RJ Mediador: Francis Vogner dos Reis – coordenador curatorial | SP

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Foto: Netu

Participam do debate o pesquisador, produtor e crítico de cinema Bernardo Oliveira, que fez parte do Júri da Crítica da 23a edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, e as pesquisadoras e professoras Helena Vieira e Ivana Bentes. A mediação é do coordenador curatorial Francis Vogner dos Reis.

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Dentro da temática “A Imaginação como Potência”, o debate busca refletir sobre a disputa do imaginário no Brasil, que consiste no conflito entre formas de entender o passado e formas de projetar o futuro. Os convidados propõem uma investigação de questões acerca da função política da imaginação e o lugar do cinema nesse campo de disputa ao elaborar novas formas, perspectivas, e engajar experiências que possam transfigurar o mundo.


fundadores. É um cara que hoje escreve sobre cinema em alguns lugares, escreveu alguns artigos para a Cinética, tem lá o Letterboxd. Mas já há um bom tempo trabalha sobretudo com música. Eu li um texto dele recente, que não sei quando ele vai publicar, que é um conto afro- futurista incrível. Tem muito a ver com nosso debate aqui. E a Ivana, que acho que todo mundo conhece, que é professora universitária da UFRJ e é uma figura pública de intervenção, ela não é uma professora universitária que fica isolada na sua cátedra. Está muito ligada nos movimentos da imaginação política.

Foto: Netu

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BERNARDO OLIVEIRA - pesquisador, crítico e produtor

FRANCIS VOGNER DOS REIS - coordenador curatorial Quando o tema “A Imaginação como Potência” foi pensado, a ideia era superar uma fragmentação no nosso campo, o campo da cultura e da arte, quem está produzindo e pensando sobre isso, e pensar pessoas que fizessem pontes e relações com outros campos do conhecimento e da cultura. Essa mesa aqui é bem representativa disso, porque a Helena aqui do meu lado, eu conheci vendo uma aula que ela deu na SP Escola de Teatro, no YouTube, inclusive parte da fala dela inspirou muito a temática deste ano. Vou dar aqui o devido reconhecimento, em que ela termina a fala dizendo que a imaginação é uma força política. Eu não sei se todos aqui a conhecem, certamente alguns conhecem, mas ela é escritora, colunista, pesquisadora, e também agora, acho que já há um tempo, talvez, dramaturga. Do meu lado aqui direito está o Bernardo Oliveira, que é multifunção, é professor universitário também, é crítico de cinema, de música, é um dos criadores da Áudio Rebel lá no Rio, e também fazer um devido reconhecimento, porque no início do meu interesse sobre crítica eu lia a Contracampo em 98, da qual ele é um dos

Gostaria de começar rememorando uma experiência que eu tive no início do século XXI, participando de oficinas técnicas e também estéticas dentro de comunidades, de ONGs, trabalhei na Cufa (Central Única das Favelas), em 2002 e 2003 numa oficina de cinema. Mais tarde, fui para o Ceasm, que era uma ONG na Favela da Maré, que também oferecia oficina de cinema. Depois a gente levou partes de uma série de projetos com apoio da Fundação Palmares, com cineastas negros, para o Sesc, onde a gente realizou cinco filmes. Alguns deles estão de alguma forma circulando no YouTube ainda hoje e essa experiência me marcou muito por dois motivos: primeiro, pelo próprio cabedal de leituras e de interesses que sempre nortearam minha experiência intelectual e que eu ficava pensando “puxa, como é que seria esse cinema negro?” Na época, a gente usava esses termos com mais desenvoltura, não é? Periférico, minoritário, enfim, hoje são termos que a gente precisa rever. Mas ficava muito intrigado em tentar entender onde é que a gente chegaria com aquelas oficinas de cinema. Era eu, Miguel, Rodrigo Savastano, uma galera que começou a oferecer essas oficinas técnicas e estéticas. E ao longo dessa experiência, foi muito estranho, no melhor dos sentidos, se é possível pensar assim, observar que havia uma topologia de interesses muito diversos, conforme a gente ia encontrando esses estudantes, esses caras interessados, essas pessoas interessadas em fazer oficina de cinema. E em nenhum desses registros, a gente encontrava alguém que tinha apenas uma curiosidade, todo mundo DEBATES

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queria fazer filmes e isso me assustou. Tanto na Cufa, onde você tinha um conjunto de estudantes interessados que estavam já associados à Central Única das Favelas, então tinha uma galera de hip hop, enfim, e eles tinham um interesse muito pronunciado nas vanguardas do cinema. Eles queriam ver Vertov, eles queriam ver Chantal Akerman; era uma coisa meio curiosa de encarar. Quando cheguei na Favela da Maré, que já era uma criançada de 13, 14 anos, meu susto foi outro. Foi perceber, por exemplo, alguns estudantes que pegavam a câmera e já manipulavam; já faziam plano americano e tinham uma certa noção de ritmo. Quando a gente leva essa garotada para o Sesc para realizar os filmes, a gente praticamente não teve nenhum suporte técnico profissional. Fomos nós os técnicos, junto com os estudantes, fazendo os filmes. Alguns deles até se emanciparam, no sentido de conseguir uma grana, o Cine Maneiro, lembram? O Cine Maneiro também intermediava algumas relações com empresas públicas, empresas privadas. De alguma forma, eu participei desse movimento que depois levei para um artigo que saiu no livro da Contracampo. E por que estou falando sobre isso? Porque toda a inquietação que norteava esses processos era justamente através dessa pergunta, que era uma pergunta que eu fazia, mas que ecoava na prática com os envolvidos. Que cinema é esse que vai surgir em dois, três, cinco, dez, quinze anos, feito por pessoas negras, porque embora eu conhecesse o Zózimo na época e o Joelzito... Não sei se vocês lembram, mas eles falavam no deserto, não é? O Joelzito falava no deserto e o Zózimo muito mais. Que cinema é esse que viria não só por conta de uma certa predisposição em reproduzir modelos narrativos, modelos de pensamento cinematográfico muito associados à Rede Globo, às novelas e aos filmes que a Rede Globo passava. Na minha cabeça de classe média vendo aquela galera da Favela da Maré fazendo plano americano imediatamente, me ocorreu uma preocupação ao pensar “poxa, temos um problema aí de imaginação pública, portanto temos aí um problema político”. Se a gente pensar que esse cinema da favela, esse cinema do negro, vai reproduzir o cinema da Globo e o cinema norte-americano, a gente tem aí uma questão. Passam-se dez anos e a gente vê que esse cinema foi elaborado, criado de forma muito diversa, e com enfoque 137

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muito proeminente mesmo na questão da experimentação. O cinema do André Novais, do Lincoln Péricles, enfim, uma série de autores que foram surgindo, diretores, equipes, filmes coletivos, todos eles muito interessados em formular suas próprias estratégias de projeção de uma certa mentalidade, uma certa visão de mundo, uma necessidade de autorrepresentação, de autoconsciência. De alguma forma, eu endereçava essas perguntas em 2005 no livro da Contracampo e me surpreendi muito depois com tudo o que aconteceu. O fato é que, naquela época, já colocava que era um problema da imaginação. Como sou egresso do campo da filosofia e, olhando para o cinema, sempre tentando não só produzir mediações e relações mesmo de miscigenação entre filosofia e cinema, mas reconhecendo que cinema e filosofia detêm uma potência própria de pensar essas questões. Ao mesmo tempo que a gente falava de cinema, a gente falava muito de filosofia, de literatura, de artes dramáticas, da arte literária, a gente tentava justamente borrar esses processos, borrar essas fronteiras com elementos vindos de outros lugares. Obviamente que o problema do rap era o tempo todo. Aí tinha lá um garoto que era sobrinho do Deni de Lima, grande partideiro, do partido alto de samba dos anos 80. Ele queria fazer um filme sobre o tio, enfim, era um problema da imaginação. Comecei a levar outros elementos, filosofia para eles lerem e tal. E hoje pensando em retrospectiva em relação a todas essas situações, esses processos que vivi e depois comecei a acompanhar de longe, eu reparo que é difícil você pensar a imaginação sem articular a imaginação com outras dimensões, outros modos de ser da psicologia geral, da psicologia humana, que é a sensação, as sensações e a percepção. A percepção como esse ponto de partida para uma teoria das relações entre os organismos e seus meios, as sensações como variação interna, ou seja, como regime afetivo, eu estava até brincando com eles que essa coisa da afetividade é muito mais complexa do que a gente vem acompanhando, porque você vê, o Caetano canta “odeio você” e ele está dizendo “eu te amo”. E a gente de alguma forma tem esse jogo de afetos. A gente não individualiza o afeto; ele é cifrado mesmo, ele possui essa característica complexa no bom sentido. E a imaginação, você vai ter mil maneiras de pensar a imaginação, mas


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desarticular a imaginação da percepção e das sensações a gente sempre vai estar falando de algo incompleto. O que alimenta a imaginação? São as experiências. Experiência é relação. Uma observação que eu faria é que, se a gente for pensar a imaginação no cinema, número um: não dá para pensar a imaginação no cinema sem pensar a percepção, sem pensar as sensações; número dois: não dá para pensar a imaginação no cinema sem articulá-la com uma certa pluralidade de outros registros. Você vai ter a imaginação na filosofia, ela vai trazer uma série de problemas; você vai ter a imaginação nas artes literárias, nas artes dramáticas, tudo isso pode contribuir para o processo de você produzir a imaginação no cinema. Mas de alguma maneira, você também vai ter no cinema uma forma de abordar o problema da imaginação irredutível, como a forma da filosofia pensa, a forma como as artes dramáticas pensam. E quando eu falo “a imaginação é filosofia”, por exemplo, se a gente pensa com o Espinoza, que é um filósofo holandês do século XVII, ele vai dizer que a imaginação nada mais é do que o efeito da experiência. Uma relação entre percepção e imaginação é uma relação de proeminência, quer dizer, primeiro vem a percepção, depois a imaginação é alimentada como que sedimentando os fluxos da experiência, o fluxo fugidio, abstrato das experiências. Como eles vão de alguma forma se depositando na nossa mente. Para Espinoza, a imaginação não é positiva nem negativa; não é um sentido moral, na forma como nós absorvemos essas experiências e equacionamos na nossa mente. Séculos depois, Jean Paul Sartre, filósofo francês, vai atribuir a imaginação à função irrealizante. Ele não vai acreditar que a imaginação tenha qualquer poder de produzir algo da ordem da realidade objetiva, que é justamente o contrário do que vai dizer outro filósofo francês, que escreve praticamente na mesma época, o Gilbert Simondon. Ele vai dizer: “olha, a imaginação se alimenta de todos os fluxos da percepção e das sensações”. Ela não acomoda simplesmente esse fluxo. Ela embaralha de forma entrópica as nossas experiências e, a partir dessa entropia, que ele vai chamar de transdução, desse embaralhamento, não só das experiências, mas também dos registros da percepção e da sensação e do imaginário. A realidade desse embaralhamento é essencialmente potencial. A gente está falando de

potência, ele está falando de potencial. Que quer dizer com isso: a imaginação é totalmente inventiva, ela é inventora. Ela cria, portanto, coisas, fenômenos. Dispositivos que não existem na realidade, portanto, há um acréscimo de realidade objetiva toda vez que a imaginação é posta para funcionar. Não sei se estou sendo claro, mas o que ele está dizendo é exatamente o oposto do que Sartre colocava. A imaginação possui, portanto, um grau de realização objetiva, concreta. Se a gente vai para a literatura, acho que a coisa fica um pouco mais complicada. Eu acho que reduzir a imaginação à ideia de fabulação. Bom, aí os conceitos caem em cascata: fabulação, narrativa, linguagem. Pronto, o cinema caiu no colo da linguagem novamente. Não sei até que ponto isso é interessante para o cinema, não estou querendo atribuir nenhum conteúdo prévio, mas eu acho que a gente pode pensar o cinema como linguagem, mas pode pensar o cinema também como outra coisa. A imaginação na literatura muitas vezes se confunde com a ideia de fabulação. Portanto, não há nenhuma preocupação em articular com a questão da percepção. A imaginação como produção de imagens, produção de histórias, e novamente o conceito em cascata, a narrativa e a A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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linguagem. Fabulação como contação de histórias, que é um conceito legítimo, mas me parece que, em muitos casos, no sentido específico do cinema, contar histórias não é exatamente aquilo que o cinema faz. Tenho essa desconfiança. Podemos levar essa conversa para o debate. E aí dentro das tendências das quais eu faço parte, movimento negro, coletivos de favelados, as pessoas têm sempre muita necessidade de pensar o cinema como uma ferramenta de descoberta do mundo. Quem me falou isso foi o Lincoln Péricles, um cineasta do Capão Redondo. Ele me falou: “tudo que eu faço na minha vida hoje, eu tenho como mediação para poder compreender o mundo, para poder interagir com o mundo, eu tenho o cinema”. Se eu reduzir essa ferramenta a um dispositivo de contação de histórias, não estou sendo fiel aos processos concretos e reais que estou vendo na minha frente. Esse rapaz está me dizendo outra coisa. Muitas vezes, eu percebo que há uma espécie de isonomia entre a ideia, por exemplo, de storyteller, de storytelling, de contar suas próprias histórias, e a existência do griot. Existe um filósofo malinês chamado Hampâté Bâ, que escreveu um artigo maravilhoso chamado “A tradição viva”. Ele vai dizer o seguinte: a cultura oral não é um simples guardar informações e passá-las, reproduzi-las. O griot envolve toda uma dimensão da performance, toda uma dimensão do envolvimento coletivo, da coesão coletiva, expressão corporal, a história guardada é reinventada toda vez que é falada, ou seja, reduzir o griot ao storyteller me parece às vezes uma estratégia problemática, porque o storytelling norte-americano, por mais que a gente possa também atribuir essa característica complexa, ele vai se acomodar nas artes dramáticas que vão depois ser, de alguma forma, associadas e vão alimentar mesmo o cinema. A imaginação na literatura tem esse domínio, que vai estar dentro da ideia de linguagem, de narrativa e tal, mas é o domínio da literatura. No cinema, ao contrário da literatura e da filosofia, não há a necessária hierarquia entre os registros da psicologia. Ao contrário da filosofia, ao contrário das artes literárias, onde a percepção alimenta a imaginação e as sensações acabam produzindo uma espécie de mediação, o cinema parece que é justamente o embaralhamento desses registros psicológicos que vai ser o fundamental. Muitas vezes, a imaginação vai 139

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alimentar a percepção. Por exemplo, eu citei para eles um filme, o Negrum3, aquele início que ele quebra o espelho. Aquilo ali o que é? Tem imaginação, tem sensação, é tudo junto, e de uma maneira extremamente aberta no sentido que cada um aqui vai capturar aquelas nuances de uma maneira muito diferente. O enfoque, por exemplo, no registro técnico de uma cena, por exemplo, como o André Novaes faz no Fantasmas, naquele outro filme Pouco Mais de um Mês. O André consegue num procedimento muito parecido com aquele que a gente geralmente atribui aos primitivos do cinema, e eram grandes experimentadores, num processo onde a técnica não é simplesmente uma viabilizadora da narrativa, pelo contrário, ela está implicada na narrativa. Na história do cinema brasileiro, é uma coisa que a gente tem que pensar bem é a presença do André Novaes. A presença do Lincoln também quando você pega Aluguel: O Filme e ele começa com planos do Capão Redondo, com o som do filme do Godard por cima, com a Jane Fonda falando, aí você vai ler as legendas, está tudo certo, ele está sendo honesto com você, ele está traduzindo; daqui a pouco, ele começa a brincar com a legenda e te leva para outro lado. Corta, found footage do Chaves, aí entra... Isso acontece em menos de um minuto. É vertiginoso. O que eu queria marcar aqui é que a imaginação do cinema gera novas imagens já reformuladas por essa articulação entre imaginação, sensações e percepção, mas não mais uma formação de imagens endereçadas a uma sensibilidade estratificada, ou seja, não são imagens mais para os olhos. O Duchamp, quando pintava, ele falava “não quero mais saber da pintura retiniana”. Ou seja, não é mais uma pintura que se volta para os olhos. O John Cage falava “eu quero ouvir uma música que não tenha som”. É uma música que o som vai estar articulado a uma outra forma de perceber e de sentir, não é? Percebo que no cinema a imaginação opera, ou seja, a imaginação já aqui como produção de imagem. Mas ao mesmo tempo, não de imagens que obedecem à forma como nós compreendemos a percepção da modernidade, ou seja, essa percepção estratificada, o ver, o ouvir, o falar totalmente endereçados aos registros corporais. Não. A experiência do cinema parece que, ao embaralhar os registros psicológicos, embaralha também a forma como nós absorvemos esses registros. Um


cineasta que fala algo parecido é o Bresson. cineasta francês dos anos 50 até os anos 80, ele escreve um livro chamado Notas sobre um cinematógrafo. Em nenhum momento, ele se refere àquilo que ele faz como cinema. Ele diz “a potência do cinematógrafo”. Ele se dirige ao objeto técnico como o agente formador daquele tipo de imagem. E aí ele vai dizer assim: “o cinema pode endereçar sons e imagens de maneira regulável aos sentidos”. Ele usa esse termo “de maneira regulável”. Isso abre uma perspectiva para o tipo de imagem que a gente produz no cinema que, se não é irredutível às artes literárias ou à filosofia, ao mesmo tempo, mantém um tipo de relação com essas dimensões muito limitada. Já não estamos num registro onde os elementos da percepção, das sensações e da imaginação se articulam de forma a responder a uma causalidade – a percepção determina a imaginação –, já não estamos no campo do simples contar histórias, da simplicidade de se manter uma narrativa mesmo com as autorrepresentações mais complexas, mas enfim, dentro de uma lógica narrativa, então do que a gente está falando? O que a gente está falando aqui é a produção de novas formas de agir, perceber e sentir. O cinema tem essa potência de produzir outras

formas de agir. Se a gente pensa a própria ideia de conhecimento a partir da invenção do cinema, acho que a coisa fica mais complicada, porque todo conhecimento, boa parte dele é mediado pela cultura literária formal, verbal, das equações. O registro escrito do conhecimento. Quando a gente passa a avaliar o cinema do ponto de vista de sua potência própria, a gente vê que o conhecimento pode não só ampliar seu escopo, mas a própria natureza do tipo de relação que você vai ter com esse filme. Não estou falando simplesmente do cinema antropológico, não estou falando simplesmente do Jean Rouch, mas da própria natureza do dispositivo cinematográfico, como ele opera a partir dessas equalizações possíveis. Como o Bresson fala, você não pode regular som, imagem, cor... Eu ampliaria até mais a fala do Bresson, porque não é só o audiovisual. Michel Chion, que é um pensador da música e do som, fala que o cinema não é audiovisual, ele é audiologovisual, porque você tem aí a relação do som, a imagem e a palavra. A palavra o tempo todo está aparecendo de alguma maneira, nem sempre da mesma maneira como ela aparece na literatura.

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HELENA VIEIRA - escritora e pesquisadora Venho aqui com um misto de admiração e de insegurança. Não venho do cinema, venho da filosofia, dos estudos de gênero, e aí me ocorreu a pergunta: “o que essa travesti está fazendo aqui?” para falar sobre imaginação, potência, política e cinema. Organizei minha fala tentando pensar um pouco, nos contextualizando em que tipo de crise ou que múltiplas crises enfrentamos hoje, não só no campo da política, mas no campo das artes, da criatividade, da nossa capacidade de responder ao mundo. Se tem uma palavra que possa nos caracterizar bem ou caracterizar melhor o nosso tempo, é esgotamento. Temos sido frequentemente incapazes de pensar o futuro, alguns de nós... De nós não, eu espero, querem voltar para 64 nos tempos da ditadura; outros querem voltar para dez anos atrás, mas muito pouco queremos discutir o futuro. Esse fenômeno profundamente esgotado, desesperador, desesperançoso, é talvez a maior marca desse nosso período. E justamente alguns tendem a dizer que A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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a esperança seria um sentimento para se contrapor a esse período. Eu discordo. A esperança é uma paixão triste. A esperança é a certeza de um final feliz. A esperança é absolutamente colonizada. Os europeus têm esperança. Para nós, esse sentimento não cabe. Nós temos nossa vida constituída a partir de inúmeras mortes, da história, do fim de inúmeros mundos, do fim de inúmeros povos, e justamente por isso não nos cabe ter esperança, nos cabe imaginação. E nesse sentido, pensar a imaginação é pensar que temos de encontrar alguma coisa que ainda não está aqui. Se imaginar uma saída é o que nos resta, significa que ela não existe. Significa que não há saída, a não ser aquela que nós vamos ter de inventar. E essa tarefa de inventar uma saída, de inventar o mundo, ou de inventar uma proposição ou de fazer com que as nossas formas de resistência, as nossas formas de luta, as nossas formas de contar ou de dizer ou de expressar tudo aquilo que compõe a nossa memória, nosso repertório ou nosso desejo por vida, as formas que nós conhecemos têm sido incapazes de contar. Quando nós discutimos “o cinema e a cultura correm risco”, é porque definitivamente não fomos capazes de convencer ninguém de que isso é capaz e necessário para que a vida prossiga. E por que não fomos? É neste ponto, é nesta encruzilhada que a gente precisa entender a imaginação como uma possibilidade única. Mas como é que a gente imagina as coisas? Essa é uma questão louca, não é? É como escrever uma redação do Enem em que você fica sentado esperando que um espírito psicografe? Como é que nós imaginamos? Como é possível pensar aquilo que não foi pensado? É esse o ponto central da minha fala: o que podemos fazer para apresentar para o mundo, inclusive nós mesmos, um mundo outro que não seja esse? Que definitivamente desabou. Ou como diriam os Yanomâmis, “o céu está caindo nas cabeças de todo mundo”. Nesse sentido, o cinema ou a televisão ou as artes dramáticas de modo geral, e toda a sua capacidade de contar histórias, inclusive, têm seus sentidos reduzidos à noção de contar história, e nisso concordo muito com o Bernardo, porque é justamente no âmbito da representação simbólica que os sentidos que não podem constituir nada se encerram. A performance é um estilo de arte, que tem por definição, entre outras coisas, que ela seja efêmera e que ela seja 141

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capaz de produzir um constrangimento no campo do real, que ela seja capaz de deformar a sua realidade em seu entorno. E aí quando a gente pensa em performance, a gente pensa em quê? Se eu dissesse para vocês: “a gente vai assistir a uma performance aqui”. Alguém vai falar: “vai ter alguém nu”. Estou errada? Vocês pensariam que teria alguma coisa assim, porque nós temos um repertório de conteúdos subversivos inscritos numa contraditória tradição subversiva. Ou como diria Butler: “o uso reiterado da metáfora faz com que ela perca seu caráter metafórico”. Afinal, a gente não pensa em barco quando diz “embarcar”. A inscrição das nossas formas e fórmulas em modelos de subversão, em modelos de produzir afetos, já se instauraram numa tradição subversiva. E eis então que tudo aquilo que nós tão escolasticamente fazemos para subverter acaba não tendo efeito nenhum. Estou sendo pessimista. Escrevi um dos textos para o catálogo e o Francis me comentou assim: “Helena, eu vi as suas renúncias, mas não vi as suas adesões”. Eu falei: “é porque não tenho nenhuma no momento”. O momento é justamente de entendermos que as nossas fórmulas faliram. Que o conjunto de palavras, de jargões, de formas de luta, de formas de contar histórias, de fazer cinema, de fazer filme, que nós conhecemos, dentro da limitação daquilo que nós podemos pensar, porque só nós, tudo aquilo que nós podemos pensar, por mais absurdo que seja, não é novo. O novo é o limite da linguagem para Wittgenstein. O novo ou a possibilidade de pensar outra coisa é aquilo que o Deleuze vai chamar de acontecimento. E o que é um acontecimento, para o Deleuze? Acontecimento não é qualquer coisa que acontece. Se eu jogar uma caneta no chão, está dentro da virtualidade, está dentro do campo de possibilidades desta caneta cair no chão. O acontecimento é aquilo que até então era impensável e que, quando emerge, instaura um novo campo de possibilidades. A invenção do cinema é um acontecimento. E nós estamos em busca de acontecimento. Só que o acontecimento não é uma revolução e ele não atende a uma receita, uma fórmula: “vamos fazer isso e a gente vai conseguir criar um acontecimento, porque tem essa receita que alguns cursos disseram e vai acontecer”. Não funciona. Inclusive, os grandes acontecimentos, eles aconteceram de forma imprevisível, porque o


acontecimento, nós só conseguimos dar conta dele depois que ele aconteceu e já se tornou passado. Mas quando se instaura um novo campo de possibilidades, é porque algo aconteceu, porque então aquele conjunto de coisas, aquele conjunto de fórmulas foi de tal maneira deformado que possibilitou que o novo ou um mundo outro emergisse. Essa tem sido para mim uma questão no teatro, essa tem sido para mim uma questão na filosofia, essa tem sido para mim uma questão nos estudos de gênero, e essa é a questão que eu trago para cá: como eu posso pensar algo que eu não posso pensar? Como eu posso fazer um cinema que ainda não existe? Ou como eu posso fazer algo que não exista? A imaginação como potência é um produto do desejo. O desejo pensado neste caso como produção e não como falta. O desejo psicanalítico é um desejo sempre pensado como falta, você deseja aquilo que lhe falta. Neste caso não. É o desejo como produção. Os nossos modos de subjetivação dão conta de duas esferas: a percepção, que é o que o Bernardo falou, que é do campo do perceptos e dos afetos. A percepção é aquilo que intelectualmente posso compreender e os afetos são aquilo que constitui um saber do corpo que não está no campo do simbólico e que não pode ser representado no campo da linguagem. A Julia Kristeva, psicanalista, feminista, pós-moderna, em Introdução à semanálise, diz que apenas a linguagem poética pode resistir à representação do simbólico. Apenas a linguagem que não nos diz à razão é capaz de dizer o que não pode ser dito. A nossa relação com o cinema, com as artes, é profundamente envenenada pela interpretação. Nós estamos afogados de sentidos. Nós temos sentidos para tudo. Os taoístas dizem que nós precisamos praticar em um dado momento da vida a arte de esquecer. E talvez a gente precise um pouco disso, não é? Nietzsche, no seu prefácio da Aurora, quando ele está falando da importância da lentidão da leitura ou da boa filologia, vai dizer que ele prefere que seus leitores sejam como uma vaca do que como um homem moderno, porque a vaca rumina e o homem moderno interpreta. Ele prefere que leiam seus livros ruminando, porque ruminar é mastigar e não para saciar a fome. Mastigar, porque é preciso mastigar. É uma atividade que não se pensa, mas que se mastiga. Se nós só podemos dizer e pensar, ou seja, nós só podemos representar no

campo do simbólico a tudo aquilo que já é pensável, ou seja, as nossas utopias são utopias deste mundo, não correspondem nunca a uma utopia do que não existe, porque toda utopia é utopia desse mundo, porque ela é pensada nestes termos e não nos termos de um mundo outro que não existe ainda. Isso é uma proposição que o Deleuze e Gattari fazem em O anti-Édipo e posteriormente no Mil platôs, quando eles tentam fazer com que a linguagem se traia. Por exemplo, a ironia é uma forma de dizer uma coisa e ser entendida outra. E tantas outras formas de sentir ou de afetação. Para Espinoza, os afetos são as forças ou as intensidades que nos compõem e que nos descompõem e que vão compor nossos modos de subjetivação. Isso já numa interpretação ao Gattari a partir do Espinoza. Não pensem que essa é só uma questão para o cinema. É uma questão para todo mundo. É uma questão para o conjunto de mundos em desabamento. A natureza do modo de subjetivação capitalístico, a forma de funcionamento e de operação do nosso tempo no neoliberalismo é a forma da totalização. Nós totalizamos os sentidos. Então se nós, por exemplo, chegarmos numa tribo da Melanésia, a gente vai olhar e vai falar: “aquele tem pau, ele é um homem”. Não importa quais sejam os sentidos que aquele mundo atribui àqueles corpos ou se são sujeitos distintos. Nosso sentido é totalizante. Nós instauramos o mundo para o mundo inteiro e nós promovemos a destruição de outros mundos, e por quê? Por que é preciso destruir outros mundos? Não sou uma crítica do cinema, não sou do cinema, assim como nós não somos especificamente do cinema aqui. Trazer pessoas de outras áreas é também permitir que outros saberes tentem provocar deformações no conjunto de molduras dos nossos caros cineastas, que frequentemente, como diria Deleuze, sacrificam o quadro em nome da moldura. Eu tenho a moldura, aí eu falo: “Nossa, mas esse quadro é lindo. Espera aí que eu vou cortar para caber na minha moldura”. Nós mutilamos a realidade para que ela se enquadre no conjunto de molduras que nós constituímos como técnicas corretas, adequadas, verdadeiras ou bonitas. A eleição do Bolsonaro foi... Estudei gestão pública e lido com eleições desde que tinha 16 anos. E eu falei: “gente, esse homem não vai ganhar. Ele faz tudo ao contrário do que uma pessoa faz para ganhar uma eleição”. E ele ganhou A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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a eleição, eu falei: “gente, que acontecimento!” Ele fez absolutamente tudo que ele não deveria. Isso é uma coisa do acontecimento. Não pensem que estou dizendo que vai ser bom. Pode ser uma coisa muito pior. Mas o bom da vida é a gente sofrer por sofrimentos diferentes. Não dá para ficar sofrendo sempre a mesma dor, sabe? Se for para sofrer, a gente vai sofrer sempre. Então, que seja pelo menos por um sofrimento diferente. Hoje é a água que cortou, amanhã que seja a luz. Que não seja a água de novo. Penso que nós precisamos produzir deslocamentos nos nossos lugares. Nós precisamos produzir deslocamentos nos nossos territórios para conseguir produzir deformação. O nosso problema absolutamente não é formativo, ele é deformativo. Nós precisamos deformar o conjunto de verdades e de receitas e de modos estéticos que nos compõem. O esforço da deformação precisa ser consciente e a deformação só é possível no encontro com a alteridade radical de si. Por exemplo, o encontro com outros mundos. Veja a perspectiva do perspectivismo ameríndio, que é absolutamente brasileiro, do Eduardo de Castro. Perspectivismo ameríndio é uma tentativa de, em primeiro lugar, entender que é a perspectiva que constrói o mundo e, de outro, solucionar um problema muito caro à antropologia que era “como eu posso olhar para uma outra cosmovisão, para um outro mundo, sem que este mundo seja inteiramente contaminado com os meus sentidos?” É preciso então permitir que este mundo me deforme. Como os Yanomâmis, por exemplo, contam suas histórias ou eles fazem algo que nós poderíamos entender como análogo ao cinema? O que reside ali que pode apontar algo que nós não podemos pensar, porque está no regime insignificante de um mundo outro? Nós precisamos encontrar os sujeitos impossíveis ou como propõe uma trans feminista mexicana, os sujeitos endríagos. Os endríagos são aqueles sujeitos que habitam mundos inabitáveis. São as travestis da rua, são os indígenas, que nós jamais imaginaríamos que seriam cineastas. São aquelas produções que nascem do esgoto. Sabe quando você assiste a alguma coisa e fala: “meu Deus, que merda, eu acho isso horrível. Eu estou odiando”. É porque aquilo te afetou tão profundamente, é bem melhor do que se você tivesse gostado. O afeto dialoga para a gente naquilo que Deleuze vai chamar de insistência. 143

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É uma força sem telos; ela não tem um objetivo. Ela é uma força que existe dentro de nós, deformando e nos virando pelo avesso. E o que é essa insistência? Tenho um exemplo ótimo de insistência que é quando você chega em casa e fala: “Quero comer alguma coisa, mas não sei o que é”. Aí você abre a geladeira, você abre o armário, você bebe água e fala: “Meu Deus, ainda tem alguma coisa”. Isso é insistência, porque você não sabe do que se trata; você não consegue dizer o que é; você consegue simplesmente, frustradamente, buscar todas as formas de saciedade que você já conhece e nenhuma delas funciona. Isso é o que deforma as nossas formas de fazer. E justamente por isso penso que a experiência queer, a experiência travesti, marica, veado, sapatona, são experiências profundamente caras à imaginação de um outro mundo. Não a experiência queer, veado, sapatona desse grande shopping queer que o mundo se tornou, não é? Chegamos nos anos 90 e chegou uma caravela queer trazendo a Butler e um monte de gente. O queer chega aqui no Brasil já com esse ar de grande teoria, de “meu Deus, são os iluminados pós-modernos que conseguem entender o que a Butler fala, porque, nossa, que difícil”. Não é esse queer que vou ali comprar uma tinta coreana de 70 reais roxa para pintar meu cabelo para ficar queer. O queer são as experiências abjetas, as experiências que não cabem em lugar nenhum. São as experiências impensáveis. É o corpo que não cabe. Esse conjunto de experiências queer é de um fracasso profundo, porque é uma experiência humana comum, absolutamente comum entre nós, e vai ser cada vez mais comum, sobretudo quando a gente vive uma ideologia que prega a autoajuda, o sucesso, o esforço. Para alguns, para muito poucos; e o restante vai sempre chafurdar no fracasso, não porque seu modo de vida seja inferior, mas porque as formas de pensar o sucesso no mundo estão relacionadas a uma subjetivação específica que tem a ver com realizar-se no mundo segundo determinados objetivos que têm a ver com emprego. Tem um autor queer, um homem trans americano chamado Jack Halberstam, que tem um livro fantástico, Queer failure ou A arte queer do fracasso. A experiência queer é um grande fracasso. As pessoas dizem assim, por exemplo, “aí, você nasceu Helena?”. Eu digo: “não, gente, eu não nasci Helena”. Eu não nasci mulher, Simone de Beauvoir disse:

“não se nasce mulher, torna-se”. Às vezes, a gente esquece de perguntar quando é que acaba de se tornar, porque não acaba nunca, porque ninguém chega a ser mulher e nem chega a ser homem, porque o gênero é uma ilusão. O gênero é uma utopia normativa que produz melancolia, frustração e disforia para todo mundo. As pessoas dizem assim: “as pessoas trans têm disforia de gênero, porque elas odeiam seus corpos”. Eu falei: “mas quem é que gosta do próprio corpo?”. Quem de vocês não olhou no espelho e disse: “Nossa, eu gostaria de mudar isso, eu poderia mudar aquilo, eu poderia pôr isso, este meu peito aqui é maior, este aqui é menor, aquele aponta para aquele lado, meu nariz é assim, meu nariz é assado...” Quem gosta do próprio corpo? A disforia é a nossa condição, porque o gênero é sempre melancólico. A Butler, quando diz que a heterossexualidade é melancólica, nós podemos estender isso para o gênero, porque nós jamais seremos homens e jamais seremos mulheres, porque o gênero é uma utopia e porque somos do sul do mundo. Quando a gente pensa a colonização do Brasil ou do sul do mundo, como propõe a María Lugones em Generos e colonización, os nativos são descritos em termos de macho e fêmea. Homem e mulher são ideais civilizatórios. Chega-se a ser homem, chega-se a ser mulher por um ideal moral. E nós temos resquícios dessa fundação moral do gênero. Quando alguém diz assim: “Fulano não paga pensão. Mas isso não é homem não; o homem paga a pensão”. Gênero é uma questão de pensão? Por quê? Porque é uma questão moral. É uma moralidade. É uma utopia inatingível. Por isso, a gente tem que desencanar e falar: “Já que nunca vou ser homem ou mulher, está ótimo, gente. Eu sou quem eu estiver podendo ser e está ótimo”. Em relação a essa experiência profundamente melancólica do gênero que sempre produz disforia, que sempre produz inadequação, é que nós precisamos começar a pensar o fracasso como arte. Como eu dizia sobre a minha experiência, é que eu me tornei Helena quando fracassei em ser Fernando, que era quem eu era. Eu fracassei em ser homem e eu tentei muito. Foi ótimo eu ter fracassado, porque era uma merda. A experiência do fracasso é frequentemente negativada por uma imposição moral. A questão que o Halberstam propõe em Queer failure é o que nós fazemos quando aquilo que planejamos A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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não acontece. O que acontece nas experiências de fracasso? O que é feito daquele conjunto de imagens que não cabem no meu filme? Dariam elas um outro filme? A experiência do fracasso é o que pode deformar nossa experiência do sucesso. E justamente por isso me recuso a ser absolutamente positiva nesta mesa, porque a gente tem que começar a experienciar os nossos fracassos, porque é do fracasso que aquele mundo que nós rejeitamos pode emergir a deformação deste mundo. É do fracasso que nós imaginamos um outro território. Um outro território significante, um outro território político, um outro território estético e artístico. Nós precisamos de uma experiência de deformação. O cinema pornô é das experiências mais interessantes para se pensar como possibilidade deformatória do bom cinema. A pornografia é um mau cinema. Se alguém fala assim: “eu faço filme pornô”. Se não for Bruce LaBruce, está mal, não é? Vou falar aqui de uma experiência que eu tive em Fortaleza que foi na curadoria de um cinema de um festivalzinho de cinema pornô, e aí, claro, as pessoas sempre falam: “ela estuda a teoria queer; é óbvio que ela vai fazer uma boa seleção de filme pornô”. Eu falei “está bom, eu aceito fazer”. Tudo que me convidam a fazer eu aceito. Um dos filmes que achei interessantíssimo era um homem se masturbando e ele se masturbava vendo um filme dele se masturbando. Eu falei: “gente, é muito autoamor. É um autodesejo profundo”. Quando as pessoas estão na sala de um cinema pornô, quando elas estão na sua casa, ou elas podem estar com o parceiro ou não, mas vou falar especificamente sobre a experiência dentro de uma sala de cinema pornô. Tem então alguém se masturbando, alguém masturbando alguém, alguém transando com alguém, alguém assistindo alguém transar e se masturbando e todo mundo assistindo ao filme. E aí você pensa: essas pessoas não estão assistindo ao filme. Elas estão participando do filme. O filme e essa pessoa, a experiência é uma só. É uma experiência partícipe. E aí não perguntando o que é a pornografia, mas perguntando que mecanismo opera na possibilidade de relação com o filme em que o espectador participe do filme, ou seja, que aconteça com o cinema aquilo que aconteceu com o teatro, que é a ideia de romper a quarta parede, sair da caixa cênica. A experiência do pornô é isso. Quando 145

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a pessoa está em casa, inclusive, assistindo ao filme pornô, ela está se masturbando e ela está participando, porque ela está se masturbando, e aí tem o que ela imagina e o que ela vê, o que a estimula. É um filme que não tem história, que não se preocupa em contar história nenhuma, que não se preocupa em nada. É o filme que afeta e comunica o corpo de tal maneira que produz gozo no sentido mais animal possível. E a minha questão é: como é possível construir relações entre público e filme, análogas a essa do pornô, mas em outros gêneros? Como é possível construir aquilo que se tem pensado como trans-cinema? Que é esse alargamento de sentidos da relação entre espectador e das linguagens entre espectador e cinema, e filme. O pornô é o esgoto, mas é talvez do esgoto que a gente precise começar a beber de fontes que não sejam tão clássicas. Não sejam assim tão bonitas. Porque de beleza a gente está meio afogado. De beleza, de interpretação, de sentido. Talvez a gente precise de filmes que dialoguem com o corpo e que a gente pode até vir a perguntar o que significa, e a gente jamais vai conseguir dizer qualquer coisa. Porque é preciso produzir deformidades nas nossas molduras, porque senão, nenhum outro mundo pode emergir enquanto as nossas molduras forem sempre tão sólidas. E pode ser pior, pode ser outro, mas precisa. Nossa crise é de sentidos. Nossa crise é de que nossos instrumentos se transformaram em significantes vazios. Nossas referências perderam sua capacidade referenciatória. Nós temos o desafio de deformar ou, como diriam em 22, de antropofagizar e regurgitar, porque o vômito é uma coisa absolutamente abjeta. Como nós podemos fazer isso? IVANA BENTES - professora e pesquisadora A gente fala muito de disputa de imaginário, disputa cultural, disputa de narrativa, entendendo imaginário com a força, inclusive, dos imaginários que a Helena trouxe aqui como um conjunto mesmo coletivo de conceitos, de memória, de imaginação, de artefatos culturais. Acho que é difícil conceituar o imaginário, mas nós sentimos de uma maneira muito precisa as mudanças de imaginário. Nesse momento, nós estamos talvez chocados. Eu já passei por todas as fases


n Lima Foto: Netu

em relação ao nosso momento político: a negação “não, isso não está acontecendo”. Revolta, quebrar tudo, “não é possível que o Brasil entrou nessa virada fascista e conservadora”, depressão... E tem gente que não sai de nenhuma dessas fases. Tem uns que ficam revoltados, os depressivos, os que ficam negando o que está acontecendo, até chegar na negociação, que não significa uma aceitação. Já passei por todas as fases e agora eu entrei na que eu acho mais produtiva que é a maníaca. Estou adorando a crise, estou achando incrível, fantástico. Nunca produzi tanto, escrevi tanto. É maníaco. Nesse sentido, o fracasso é muito produtivo. O fracasso te coloca num estado maníaco. A gente não pode estar em nenhum outro lugar, a não ser ativista deprimido, eu acho que é uma contradição em termos. Se você está deprimido, é uma questão de cuidado. A gente tem que olhar para o cuidado. E aí pensando nesse estado maníaco, de certa maneira, e pensando também nessa noção de acontecimento que a Helena trouxe aqui de uma maneira muito crucial, é muito importante e produtivo a gente entender, claro, a história se faz de diferenças e de repetição, de ciclos, de continuidade e de ruptura... Esse tipo de momento que a gente está vivendo, muito

preciso de desabamento, ele está sendo construído. De desabamento e de reconstrução, há muito tempo. A gente tem uma linha extraordinária na cultura brasileira que eu queria trazer aqui para chegar nos imaginários disruptivos contemporâneos, mas que é uma linha longa, inclusive se a gente pensar nesses momentos em que a imaginação ou o imaginário cultural estava dissociado de um certo imaginário político e extremamente conservador. Se a gente for pensar no período da ditadura militar, que é um período extenso de 30 anos, é um período em que o Brasil viveu experiências culturais acontecimentais. O Cinema Novo, o cinema marginal, a Tropicália e o Tropicalismo, não é? São nossos negros e verdes anos. Então só para a gente não achar que existe uma superposição de conservadorismo, no campo da política ou do Estado, e conservadorismo é estético cultural no campo do imaginário. Isso é uma confusão que produz os deprimidos. Achar que está tudo dominado no campo político ou no domínio da máquina do Estado significa uma reversão radical nessas disputas no campo da linguagem, no campo da estética, e efetivamente elas são disjuntivas, o que é extraordinário. O esforço que a gente tem visto hoje do nosso Estado é tentar de uma maneira forçada fazer com que se construa esse imaginário conservador, literal, clichê, que ele se superponha, venha a ser produzido para responder a uma experiência de Estado. Esse é o fracasso do vídeo do nosso secretário de Cultura, num desejo de produção de uma estética nazista de palavras de ordem, as roupas da Damares, ou seja, é uma estética de palavras, de corpos, para tentar construir o imaginário num sentido mais amplo onde essa superposição de um conservadorismo político rebateria nas linguagens. Esse é o lugar de um possível fracasso desse projeto conservador. Volto para a história da cultura do Brasil. É muito importante a gente lembrar que muitas das discussões, das pautas e das questões que nós estamos trazendo agora a partir de corpos e vozes outras e novas, ela foi tratada e ela aconteceu, ela se apresentou como uma insurgência, como uma emergência em vários momentos da história da cultura brasileira. Antropofagia que você citou é uma delas, em 1922, o Oswald de Andrade falando a questão da reversão do matriarcado, do patriarcado pelo matriarcado, as cosmovisões indígenas, um A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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momento que se dirige e se coloca claramente essa potência das periferias indígenas, negras, no embate com toda uma arte europeia. É um momento de extrema afirmação na história da cultura brasileira. Mesmo movimentos do campo do cinema e da cultura populares, como a chanchada, um momento de escracho, um momento de uma produção audiovisual popular, foi sucesso de público, enfim, que trazia essa ideia da inversão, os pobres rindo dos ricos. Essa ideia que o Sganzerla ia retomar mais adiante de, quando a gente não pode fazer direito, a gente avacalha, esculhamba, a gente produz um fracasso espetacular que nos redime. A chanchada tem esse espírito demolidor no corpo do Grande Otelo, no corpo da Dercy Gonçalves. O que é a Dercy Gonçalves, se a gente imaginar esse corpo disruptivo, fora do padrão, trazendo os palavrões, trazendo uma linguagem também popular, que se impõe, inclusive na televisão? A Dercy virou glória nacional. Se a gente pegar a trajetória dela, é uma trajetória disruptiva e que vai dialogar com o mainstream. Estou muito interessada em pensar esses momentos em que esses acontecimentos não são simplesmente algo do campo das vanguardas. Não são alvos simplesmente de um campo minoritário, mas chegam no mainstream. Eu vim do cinema, passei para a comunicação e hoje estou trabalhando muito com a discussão dos memes, e do clichê como ferramenta de construção de acontecimentos. Mas voltando na historiografia, tem que pegar a antropofagia em 22, a chanchada, o próprio Cinema Novo, quando traz a discussão da fome, ou seja, movimentos dentro da cultura brasileira que pegam o que é mais hostil, violento, fome, miséria, e transforma em forças potencializadoras, em forças criadoras. Esse é um movimento extraordinário dentro da cultura brasileira. De novo: o escracho, o deboche, o fracasso triunfal, mesmo um filme como Terra em Transe, do Glauber, que o Nelson Rodrigues vai descrever como um vômito triunfal, eu acho que nós voltamos para um vômito triunfal em vários sentidos nessa nossa contemporaneidade. E de maneira muito transversal, um movimento como o Tropicalismo, que me interessa demais, a gente teve há pouco tempo, enfim, as celebrações em torno do maio de 68, da contracultura, então é um movimento extraordinário que vai talvez trazer muito dessas figuras de linguagem do campo da 147

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vanguarda, apropriação cultural, as reversões, o fracasso, o deboche, para o campo da cultura de massa. Quando eu falo do Tropicalismo, não só no cinema, obviamente, nas artes plásticas, Hélio Oiticica, no teatro, o José Celso Martinez Corrêa, todo aquele momento de inversão extraordinária, mas também me interesso nessa relação com a cultura de massa, o Tropicalismo musical. O que é a sofisticação de Caetano Veloso, de Gilberto Gil, dos tropicalistas, que chegaram na cultura de massa, mas todo um Tropicalismo mais underground, Torquato Neto, Tom Zé, que vão trazer essas inquietações, trazer essa antropofagia, essa remixofagia para a cultura de massa. O Tropicalismo musical é uma das poucas vanguardas culturais brasileiras que se massificou. No sentido de invadir efetivamente o campo da produção cultural, na televisão, na música, ou seja, de tal forma que nós tivemos tropicalistas em cargos de governo. A trajetória do Gil é incrível. Ele chega a ser ministro da Cultura, fazendo esse trajeto extraordinário dentro de um Tropicalismo, que chegou no mainstream. Essas dinâmicas dessas invenções potentes em campos que atravessam e chegam na cultura de massa, e vão produzir derivas no imaginário, para a gente não ficar de certa maneira refém também de uma ideia de que a inteligência, que a experimentação, que a produção do desejo e esse disruptivo não atravessam a indústria. Senão nós não teríamos um capitalismo tão autofágico. O capitalismo é antropofágico. E a gente vai encontrar isso nas redes sociais, nos movimentos que aparecem como acontecimentos disruptivos e que produzem incômodos e que viram moda e que são apropriados pelas indústrias, pela publicidade, ou seja, se o capitalismo não tivesse essa capacidade de autofagia e de reinvenção não seria um sistema de domínio planetário. Então me interessa muito essa produção periférica, essa linha, para a gente pensar justamente nesses movimentos contemporâneos disruptivos. Uma certa reinvenção do Brasil também contemporânea, porque esse período que trouxe até agora é um momento extraordinário de reinvenção do Brasil. Mas nenhuma dessas propostas foram percebidas no tecido social. A gente está falando da cultura. O que aconteceu no Brasil nos últimos treze anos é que vimos justamente essas experiências chegarem num tecido social muito mais amplo. Nos últimos treze anos,


o Brasil se reinventou. E esse debate que era da antropofagia ou do Cinema Novo ou do cinema underground ou do próprio Tropicalismo, ele começou a aparecer nas políticas públicas. Começou a aparecer com a entrada dos jovens negros nas universidades, demandando novos temas, outras pautas, outras estéticas, outra bibliografia, outras formas de afetos e perceptos, enfim, de operar essas instituições tradicionais. A gente viu o Brasil discutir a questão do patriarcado, um novo feminismo se insurgir nas redes sociais. Não que a gente não tivesse uma história de feminismo interessante. Não que a gente não tivesse uma história do movimento negro extraordinária. Não que a gente não tivesse uma história dessas discussões todas, gay, LGBT, que chega no queer, já atravessando a história cultural dos imaginários brasileiros. Mas a gente vai ter uma força de uma massificação dessas discussões que produz uma reação também massiva e também mainstream de um campo extremamente conservador. Nós estamos num momento de reinvenção. Daí o meu lado maníaco, que olho para esse nosso aparente fracasso retumbante em várias dessas pautas com a eleição do Bolsonaro, com essa vitória na apropriação da máquina do Estado por um campo conservador, como uma enorme reação a um campo que, com todas as questões e problemas históricos, em termos de imaginário avançou muito. É quando a gente vai encontrar isso na sua forma mais representativa, mais clichê, na novela, na música, da forma menos potente, talvez. Mas isso se massificou ao ponto de produzir uma histeria coletiva, diante de uma exposição como a do Queermuseu. Nunca no Brasil nós tivemos milhares e centenas de performances com homens nus, com quadros, meu Deus, onde estavam as mulatas de Portinari? E tudo isso já tinha sido exibido no Brasil. Por que nunca nós tínhamos visto uma reação tão histérica, tão massiva? Porque nós temos alguns componentes de massificação, de pós-redes sociais, pós essa massificação do que a gente chamava lá na década no início dos anos 2000 de cultura digital, onde a gente achava que remixar, se apropriar seria algo simplesmente do nosso campo, só que nós vimos justamente esses espaços que nós considerávamos que iriam produzir uma nova forma de democratização, que fez emergir novos sujeitos do discurso, apropriação das

ferramentas, apropriação do repertório do campo da arte, a entrada dos jovens negros nas universidades... Isso se deu tanto no campo desse outro imaginário quanto no campo conservador. Essa disputa de imaginário se tornou mais agônica, trágica, nesse momento. É muito curioso que um dos efeitos colaterais da cultura digital foi a organização justamente de um imaginário conservador, também potente na sua disputa de imaginário, criminalizando a cultura, disputando o que é pornografia e o que não é pornografia. O Queermuseu é um case de como transformar justamente a máquina de potência em máquina de clichê. Uma criança tocando o tornozelo de um homem nu só pode ser pornográfico, é assédio. A literalidade da nudez nos quadros lida como pornografia. Eu brigo. A gente ficou durante décadas na universidade, no campo da arte, nos nossos ambientes culturais, sofisticados e com muitos repertórios, discutindo representação, não representação, expressão, percepto, afecto... Lembro sempre daquele quadro do Magritte que o Foucault analisa de maneira magnífica, Isto Não É um Cachimbo. Você vê um cachimbo; tem a frase apontando para o além da representação. O que você está vendo não é um cachimbo; é a representação de um cachimbo. Ou seja, é uma discussão sofisticada de metadiscurso, e a gente descobriu em 2018 que o Brasil não tinha saído do “Ivo viu a uva”. A literalidade é absoluta, ou seja, é aquilo que eu estou vendo. Um homem nu é pornográfico. O clichê e a literalidade. O debate político hoje é uma discussão em torno da literalidade. Nós fomos rebaixados, o campo da imaginação, o campo do simbólico, o campo conceitual, à literalidade do que você vê. Quando me interessei a trabalhar e estudar com a discussão da memética e dos memes, é porque vinha vendo, desde 2013, essa ascensão de uma comunicação pelo clichê. Uma comunicação pela tradução do mais complexo ao mais literal, à literalidade: “Ivo viu a uva”. Ao mesmo tempo, a discussão do Queermuseu colocou o Brasil inteiro discutindo o que era arte, o que era curadoria, quem diz o que é arte, se é pornográfico. Juntas jurídicas foram até Porto Alegre analisar, quase exames ginecológicos dos quadros: tem pornografia, não tem pornografia, tem pedofilia, não tem pedofilia, tem zoofilia... Uma loucura. Foi feita essa criminalização desse campo estético da ambiguidade, do desabamento que nós A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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vimos tratando de uma linha muito sofisticada da cultura brasileira. Quero lá na minha pós-graduação fazer um curso, os memes levados a sério. O debate em torno desses clichês como campo de disputa também, que é decisivo para a gente pensar esse momento. Quando estou trazendo a discussão da disputa de imaginário, da disputa a partir do meme, acho que se transformou numa produção de imaginários mainstreams, e que é decisivo para a gente entender como ela funciona, inclusive para trazer a potência da arte, a potência disruptiva desses novos movimentos que produzem um pânico social. Um dos memes daqueles mais bombadíssimos pré-eleição é um meme que resume toda a histeria da sociedade brasileira diante desses desabamentos e diante desses novos sujeitos do discurso, e diante desses acontecimentos que nós temos vivido nesse campo da ruptura em determinados padrões. “Pabllo Vittar ganha programa infantil da Globo com apoio da Lei Rouanet”. Eu falei: “meu Deus, que gênio fez essa frase, esse meme?”. Pegava Pabllo Vittar, toda a discussão de gênero, ganha um programa infantil, ou seja, ameaça às crianças, à família, nós vamos trocar de gênero, a discussão da sexualidade na escola, na Globo, ou seja, mainstream, ou seja, a cultura queer, o debate dos corpos, vai chegar na Globo. A Globo vai ser esse veículo de potencialização desse desabamento. Seria ótimo. E via Lei Rouanet, com o apoio do Estado. Nessa frase, a gente tem o pânico e a histeria social refletidos numa possibilidade. São milhares de compartilhamentos. Não só esse meme, mas vários outros. Tenho um estudo dessa memética pré-eleição e pós-eleição e é inacreditável quando a gente vai encontrar todas essas proposições de literalidade, encarnadas numa comunicação, numa estética. Óbvio que essa linha não desapareceu. Essa que veio da antropofagia, passou pelo Cinema Novo, pelo Tropicalismo, e eu acho que vai chegar nesse momento de maneira extraordinária. Quando a gente vai encontrar essas emergências pós-redes, plataformas, cultura digital, a gente vai encontrar de novo uma reinvenção de alguns desses movimentos. Quando digo a questão do remix, a apropriação dos repertórios da arte jogados numa rede global, os novos feminismos fazendo campanhas extraordinárias, o Brasil foi desinventado. Quando a gente podia imaginar que no final dos anos 2000, a cantada seria problematizada? Tenho 149

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amigos que até hoje não se conformam e dizem “criminalizaram a cantada”. Eu falei: “meu amor, você envelheceu”. Não é que criminalizaram a cantada, você envelheceu. Amplia seu repertório, se atualiza. Se você é homem, branco e hétero, você já está errado quando abrir a boca. É pânico. Nós vimos experiências extraordinárias nessa invenção desses movimentos. O ano de 2013 é o meu maio de 68. Estavam lá as forças conservadoras, estava lá a estética bolsonarista, mas a disputa de linguagem, a disputa estética, a disputa cultural, foi colocada em 2013 de maneira extraordinária. Escrachos, uso da performance dos corpos como forma política. Então dali aparece uma maneira de você disputar a política a partir do corpo, a partir da linguagem, a partir da festa, a partir do pop, de tal maneira que isso produz um desejo, inclusive, na indústria da cultura. Hoje você vai encontrar uma cultura de massa atenta a esse desejo disruptivo e de deslocamento. Essa disputa de imaginário é feita não só no nosso campo, nos campos culturais mais fechados, ou universitários ou acadêmicos, mas na cultura de massa. Nós temos que disputar sim os clichês, nós temos que disputar a cultura de massa, nós temos que disputar todo esse campo em que o imaginário conservador foi vitorioso. Quem disputa o mainstream hoje é essa periferia global, é essa estética queer, são esses corpos negros, periféricos, que são os mesmos sujeitos da violência, da hostilidade, do patriarcado. A gente tem uma linha incrível que é uma linha brasileira, uma tecnologia brasileira de transformar o mais hostil no mais potente.

DEBATE COM O PÚBLICO Cíntia Guedes (pesquisadora e integrante do Júri da Crítica) - Fiquei pensando neste trabalho de desmontar imaginários, de tensionar, e de uma descolonização radical desses processos de desejar, de produzir subjetividades e produzir imagem. Fiquei pensando nesta ficção aqui, que a gente está habitando neste debate neste momento. Fiquei muito mobilizada pela fala da Helena, quando ela traz a coisa da caravela queer. Lembrei do texto da Jota Mombaça, de 2016, “Desmontando a caravela queer”, e fiquei pensando em todo o lastro de pensamento que está implicado e que está cooperando em habitar


esse fracasso, essa falha, essa consciência fissurada, e que vai oferecer para a gente imagens outras para recompor não só as imagens do cinema e as imagens da arte, mas essas imagens de como a gente habita. Eu fui falar “o texto da Jota de 2016” não pensando num rigor tal qual o rigor científico, mas é porque a gente também precisa falar os nomes das nossas, não é? A Jota é uma autora trans, preta, de Natal. E aí fiquei pensando: “será que essa linha mesmo que a Ivana traz no final tem essa linearidade?” Será que ela começa aí mesmo na antropofagia ou no Tropicalismo, para chegar num afro-futurismo ou num afro-pessimismo, porque me parece que as coisas são um pouco mais embaralhadas. A gente não consegue fazer essa narrativa assim, ou se a gente faz essa narrativa assim a gente acaba por escamotear e soterrar um monte de trabalho que já está sendo feito há algum tempo, porque a gente também não se propõe a fracassar nas nossas próprias referências. Que são, de fato, esses homens brancos, franceses, que estão aí. Mas nesse mesmo tempo, que todo esse pessoal estava escrevendo, a Silvia Rivera Cusicanqui estava escrevendo lá na Bolívia também sobre uma outra relação com as imagens, que não é uma relação da antropologia, que vai se aproximar da imagem e se familiarizar, traduzir para uma linguagem que aqui nessa ficção a gente reconhece, e a gente gera valor em cima dela. Ela vai dizer: “olha, vamos produzir uma sociologia da imagem, vamos estranhar, estranhar tudo que está aqui, tudo que a gente já sabe, e entender quando é que o passado ou quando é que o outro habita a gente, como é que a gente é esse outro mundo, como é que a gente é essa outra imagem, e a gente não só fala sobre ela, a gente não só representa ela”. Como é que a gente é mundo e é um outro mundo. Eu queria só jogar essa provocação para ouvir vocês mais. Marília Nogueira (realizadora) - Como é que a gente faz esse tipo de discussão transbordar para além dessa sala, que imagino que são pessoas envolvidas bem diretamente ou talvez levemente com o cinema? E como que principalmente em relação à curadoria de um festival, como é que isso pode ser pensado em atividades, ou como que isso pode estar costurado na própria programação e como é que isso transborda?

Fábio Rodrigues (realizador) - Fiquei pensando, quando a Helena propõe em certa medida alguma coisa similar nesse debate da imaginação, alguma coisa similar ao que a pornografia faria ao telespectador. Aí fiquei pensando depois, conforme lembrando um pouco a fala do Bernardo e escutando a fala da Ivana, e quando ela fala da literalidade, não seria justamente o nosso problema? Talvez menos da grande interpretação, mas esse problema do direto efetivamente, de alguma coisa que é da ordem do mal se vê, já se sente? O Bolsonaro ganha também porque a mise-en-scène dele é tão direta que ele parece tirar a possibilidade de interpretar. O anjo negro ali do lado dele ou mesmo o próprio Alvim é tão direto que parece similar ao pornográfico mesmo, não é? Quando me veio essa proposição, queria só entender mais, porque de alguma forma ela perpassou as três falas. Isso está tanto na literalidade, quanto o próprio Bernardo nos fala de uma imagem que não seja necessariamente para os olhos. É possível que nós pensemos a imagem pornográfica, por uma coisa que não é para os nossos olhos efetivamente. Mas é talvez alguma coisa que abole a imaginação, porque não deforma, mas justamente reforma, restitui e traz novamente um imaginário. Um imaginário que precisa ser justamente deformado. O ponto que talvez mais me incomoda é justamente essa proposição que parece retroceder ao debate. Helena Vieira - Cíntia, Jota é uma grande amiga. Nós ocupamos muitos espaços juntas. A expressão “caravela queer”, a gente pega de uma outra fantástica, que é a Hija de Perra, chilena, se não me engano, que faleceu agora em 2012. Uma drag queen, travesti performer, que escreveu “Como a imundície queer tem colonizado nosso contexto sudaca com suas caravelas”. O instrumento queer é um instrumento que nos possibilita pensar os corpos abjetos, os corpos despossuídos do nosso mundo, mas ele não pode ser transposto. Um grande tensionamento de todo o grande projeto decolonial, de toda luta e teoria decolonial é que a violência colonial também nos constitui como sujeitos. Não se trata, por isso que muitos autores preferem decolonial e não descolonial, porque não se trata de retirar os efeitos do que a colonização fez conosco, como se existisse A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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um “eu” a priori, que antecedesse a colonização. A colonização nos constitui. Trata-se de atacar o que nos constitui na invenção de uma coisa outra. A gente está num eterno flerte com o poder, porque nós não escapamos dele. Conhecer estes outros sujeitos que também pensam é a forma de permitir que esses outros pensamentos estrangeiros deformem ou deponham contra esses pensamentos desses autores franceses. Sabe? Sempre que falo com o pessoal da filosofia, eles às vezes ficam malucos, porque eles falam assim: “como você está juntando Deleuze com Hannah Arendt? Você está instrumentalizando os autores?”. Eu falei: “meu amor, eu faço o que eu quiser com eles. Eles já escreveram, morreram. Eu li e faço o que eu quiser. Quando eu leio, é meu. Não é dele, se ele está sendo entendido errado, problema é dele, sabe? Ele não estava nem aqui para poder dizer qual era o certo dele”. É uma apropriação. É um banditismo contra a filosofia, sabe? Acho que nós somos traficantes de saberes. De viciar o Deleuze cheio de Cusicanqui. De pegar A queda do céu, do Kopenawa, e dizer: “olha, Deleuze, os Yanomamis falam de acontecimento muito antes de você sequer pensar nisso”. E viver nesse tensionamento. Justamente por isso é um projeto difícil, porque o primeiro passo, talvez o único passo que nós conseguíamos dar com a razão é diagnosticar os efeitos dessa colonização sobre nós. Descolonizar não pode ser uma operação da razão, uma vez que a razão é profundamente uma ficção colonial. É um delírio ocidental, a razão e a racionalidade. E nós somos presas desse delírio. É uma encruzilhada. A performance, a reivindicação da inumanidade, que são as experiências de Jota, as experiências de Hija de Perra, que não se trata de dignificar a posição subalterna. Quem quer dignidade é quem se importa com isso. Trata-se de indignificar as posições normativas. Tenho, por exemplo, uma birra com a palavra “empoderamento”, no sentido de que ela é empowerment, de você tomar o poder, tomar parte do poder. Se este poder constitui as formas de opressão, por que eu vou constituir minha luta à imagem e semelhança de quem me matou? É um absurdo. Se empoderar é o mesmo que tomar veneno. Nós não temos que construir um projeto de empoderamento, mas de desempoderar o poder. É de desligar essas máquinas insignificantes e não se apoderar delas. Como diz a Bell 151

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Hooks: “as armas da casa grande não nos libertarão”. Ou Nietzsche, quando você olha para o abismo, o abismo te olha, e você não sabe depois quem é um e quem é outro. Como transpor as discussões? Marília, não acho que essas discussões sejam importantes para ninguém fora daqui. Estou sendo sincera. As discussões de fora daqui precisam invadir a gente até a gente esquecer essa bobajada que nós sabemos. Uma vez, lá quando eu estava estudando na graduação na USP, numa conferência, o pró-reitor de extensão perguntou o que a USP podia fazer por um movimento social de Guarulhos, em São Paulo. Eu falei: “gente, a pergunta é o que esse movimento pode fazer pela USP?”. As perguntas são outras. Nós não temos de levar nada. Nós não temos de levar nada, porque nós que estamos profundamente desconectados. Talvez quando a demanda do real for capaz de destruir o nosso saber e mostrar que nossas molduras estão erradas é que a gente vai conseguir dialogar com eles, porque nós aprenderemos como é que a vida acontece. Eles não merecem isso. Fábio, quando eu coloco a pornografia como uma possibilidade, não é a pornografia como um projeto a ser produzido, a ser copiado ou a ser transposto. Mas aquilo que o Deleuze chama de “devir”. Não devir como o processo de se fazer o cinema tornar-se pornografia. O devir é ser afetado pelas forças que afetam outrem. Então quando a gente diz que a política constituída pela lógica masculinista deve entrar num devir mulher, não significa que os homens devam tornar-se mulher, mas que as formas e as forças sociais que afetam aquilo que em um dado momento da história constitui o que é uma mulher, sejam capazes de deformar aquilo que nós pensamos como homem. Isso é um devir. No perspectivismo ameríndio, os grandes especialistas de devir são os xamãs. Qual é a função de um xamã numa tribo ameríndia daqui brasileira? O xamã é o único numa tribo que pode falar com uma onça, por exemplo. Se uma onça mata um indígena, um membro da tribo, o xamã, conversa com a onça, porque o xamã pode devir onça. Ele pode aproximar-se perigosamente da realidade da onça, mas a linha entre devir e capturar é tênue. A linha entre provocar afetos e reduzir toda a arte à sintomática corporal é tênue. Trata-se não de transformar todo o cinema em pornografia, na mesma lógica, mas se trata de possibilitar um devir pornográfico ao


cinema. O Bolsonaro afeta não por falta de interpretação, mas porque os sentidos já estão dados. Os sentidos mainstream constituem o mundo. Ali não é porque comunica o que é impossível ou porque afeta o impossível de ser dito. É porque o sentido já está preestabelecido, então só cabe afetação. Não porque o pensamento é impossível, mas porque o pensamento não é preciso. Quando eu digo um devir pornografia, é para que possamos afetar do corpo aquilo que as palavras são incapazes de dizer. Ou como propõe a Susan Sontag naquele texto Contra a Interpretação, em que ela diz que nós precisamos parar de perguntar sobre as obras de arte o que significa. Mas tentar responder ao que senti. Os sentidos constituem um outro arcabouço de saber no mundo, que podem instaurar novos saberes. É preciso pensar as formas de composição. Dei o exemplo da pornografia, porque é a forma mais visceral da produção do desejo na relação com o espectador. É porque atiça, mas posso pensar em outros exemplos. Pink Flamingos é um filme todo errado, em todos os sentidos do ruim. Não tem herói, as pessoas estão discutindo para ser quem é o pior do mundo. A personagem principal é uma mulher que não é uma drag queen. E tem zoofilia, tudo que era mais absurdo naquele mundo está ali naquele filme. E tem gente que vomita assistindo, tem gente que sai correndo; ora, provocar vômito com um filme deve ser uma coisa gloriosa. Se um dia eu fizer uma peça de teatro e alguém vomitar nela, eu vou ficar fascinada, porque tem coisa mais visceral do que provocar o vômito? Regurgitação de alguma coisa que doeu tanto que a pessoa não consegue nem olhar? Quando o tempo é de confusão e os sistemas não respondem, a arte precisa ser uma praga, porque ela precisa destruir o mundo, destruir para que outra coisa nasça. Aí quando você diz “parece regredir”, me parece que justamente pensar em regressão e evolução é simplesmente pensar numa lógica temporal positivista. A ideia de regressão e avanço são ideias que não nos cabem. Se pensar nesses termos, é pensar nos termos da razão ocidental e aí já começou errado.

dúvida que você pode reescrever a história do cinema brasileiro, da literatura a partir de outros autores, a partir de outros problemas, como você colocou: “me dê problemas novos”. O que a gente não aguenta mais é os mesmos problemas serem repetidos. Por isso a disputa dentro das universidades não é simplesmente pela entrada. Quantos jovens negros entram na universidade, ou outros grupos, grupos docentes indígenas, é a produção do conhecimento que muda. E aí sim, vão emergir essas outras linhas de articulação. E uma outra questão: o debate em torno da verdade é um debate fracassado. Pouco importa, vocês acham que os terraplanistas acreditam que a Terra é plana ou redonda? Não, é que eles encontraram uma comunidade de partilha de crença. É o pertencimento a uma comunidade, que pode ser bolsonarista, terraplanista, anticientífica. O que a gente tem que se perguntar é que tipo de efeito a tua verdade produz, porque se você acredita que você ser branco é superior a alguém ou acreditar ou ter uma ideologia x ou y, você coloca no lugar e a tua crença produz morte ou produz sofrimento, o problema não é no que a gente acredita. É o efeito da nossa crença. Isso é fundamental, porque muda tudo. Coloca uma questão ética na frente da racionalidade. É afeto, é corpo, é comunidade, é crença. A gente está falando de uma outra coisa, daí a imaginação, daí o imaginário, daí o sensorial, daí a percepção, daí a cultura ser o grande inimigo da extrema-direita, porque ela disputa corpo, crença, disputa sensibilidade e comunidade.

Ivana Bentes - A gente está falando aqui de imaginários, de imaginação, e justamente o desabamento e o novo, o neoconstrutivismo, a nova construção vai partir destas outras linhas. Não tenho A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

Convidados: • Eduardo Valente – cineasta e curador | RJ • Jean-Claude Bernardet – ator e cineasta | SP • Luana Melgaço – produtora | MG Mediadora: Lila Foster – curadora | DF 153

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Foto: Netu

No seminário “Viver de Cinema: da Macro à Micropolítica”, o cineasta Eduardo Valente, o ator, pesquisador e cineasta Jean-Claude Bernardet e a produtora Luana Melgaço pensam o cinema brasileiro e sua relação com as políticas públicas voltadas para o audiovisual. A mediação é da curadora Lila Foster. É possível uma indústria de cinema no Brasil sem enfrentarmos, diretamente, um mercado dominado pelo produto estrangeiro? O campo audiovisual atendeu às demandas políticas por relações de trabalho mais igualitárias? É tempo de negociarmos ou enfrentarmos de forma mais frontal o desmantelamento calculado do cinema brasileiro?

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Vivenciada anteriormente com o fim da Embrafilme no começo dos anos 1990, a sensação de asfixia anuncia novamente dificuldades para quem vive de cinema. O encerramento de mais um ciclo econômico é o ponto de inflexão para os convidados discutirem sobre a economia do cinema brasileiro, os avanços das políticas empreendidas nos últimos anos, assim como seus limites e sua inevitável sensação de dependência. É possível imaginarmos outras formas de financiamento e circulação do cinema independente?


n Lima Foto: Netu

LILA FOSTER - curadora / longas A proposta é que a gente traga um debate não necessariamente sobre as leis, a economia nesse sentido, mas entender que com esse ciclo, que a gente parece que encerra agora, pensar de forma mais ampla a indústria e o mercado do cinema. Pensando que, nesses últimos anos, a produção de filmes teve um aumento e uma multiplicidade considerável, mas a gente viu também a possibilidade de conseguir viver de curadoria, viver de pesquisa com o cinema, viver um campo profissional mais amplo. A manutenção de uma vida guiada por isso. Se a gente for pensar, inclusive, na figura do curador, essa figura não existia como profissão talvez há quinze anos. A gente tem esse aumento dos festivais e que teve uma certa continuidade nesses anos. A economia de cinema é para ser pensada nesse aspecto mais amplo. Fica o convite também para a leitura do texto do Jean-Claude, no catálogo, que vai refletir sobre essa sensação de uma certa espécie de repetição, a questão da Embrafilme retorna com muita força, essa melancolia retorna com muita força, mas cabe também a gente pensar quais os desafios

que a gente vai enfrentar nesse ponto de inflexão, principalmente considerando o crescimento evidente da produção de cinema nesses anos. As dificuldades também que o cinema brasileiro tem enfrentado diante desse mercado e dessa estrutura que foi criada para a Ancine e as agências de fomento, que é justamente uma espécie de gargalo do cinema brasileiro, como é que a gente vai garantir que esse cinema circule. Isso é uma questão anterior a esse momento de crise. Aqui em Tiradentes, a gente vê uma quantidade gigantesca de filmes. A gente sabe que esses filmes circulam com muita dificuldade, então existe esse gargalo do mercado desses filmes chegarem de fato no lugar final do mercado que é a sala de exibição, e existe também o desafio que a gente nunca consegue travar muito frontalmente que é enfrentar as televisões. Pensando em filmes que a gente pode chamar filmes de público, No Coração do Mundo, Temporada, Arábia, não vejo sentido desses filmes não estarem ocupando as televisões abertas. É um desafio realmente que a gente tem muita dificuldade de enfrentar por motivos óbvios. A gente sempre chega na produção, na distribuição, mas esbarra nesse mercado dominado. Uma terceira questão também, para a gente se pensar enquanto campo, é de que forma a gente se define como campo progressista, muitas vezes do lado certo da história. A gente também ter que pensar de que forma que o nosso mercado, os sets de filmagem, as nossas relações interpessoais estão ainda muito marcadas por desigualdades, por hierarquias, pelo sexismo e pelo racismo. Isso é independente de qualquer ciclo. Quer dizer, de que forma nós que somos tão engajados estamos discutindo política e economia de forma tão veemente, a gente não vai para o microuniverso da economia, que é pensar a circulação de dinheiro, de que forma que a gente está lidando com essa circulação e com a valorização do trabalho, do nosso campo profissional. Essas linhas de proposição são muito influenciadas pelo pensamento do JeanClaude como historiador. Mas essa ideia de indústria, que domina sempre a formulação das políticas públicas, a gente não consegue pensar fora desses termos. O Jean-Claude sempre dirigiu esse questionamento para a história do cinema brasileiro e me parece que a gente continua imaginando pouco nesse sentido. Como é que DEBATES

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a gente vai pensar as relações do Estado com um financiamento, que é, afinal, um direito constitucional? Esse direito tem que continuar sendo garantido, mas cabe a gente pensar também de que forma propor para além dessas questões de mercado. JEAN-CLAUDE BERNARDET - ator e cineasta

Foto: Netu

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Vou abrir essa conversa contando algumas situações nas quais me encontrei ultimamente no último ano, em termos de vida política. Eu tenho trabalhado bastante num bairro em São Paulo, que se chama Capão Redondo, para quem não conhece, durante muito tempo foi o bairro mais violento de São Paulo, que ficou, digamos, apaziguado, quando entrou o PCC. Estou fazendo um filme com um cineasta de lá e temos muitos encontros sobre audiovisual e questões políticas. E aí depois de um certo tempo, percebi o seguinte. Nesses encontros ou nas filmagens que nós fizemos, duas palavras nunca eram pronunciadas e aparentemente não porque houvesse algum esforço para evitar essas palavras. Essas palavras são “Bolsonaro” e “Lula”. E depois, essa pessoa com quem estou

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trabalhando, que é o Lincoln Péricles, viajamos para cá, para Belo Horizonte, e fomos em ocupações, na Isidoro, falar com muita gente, muitas entrevistas, com pessoas que trabalham com audiovisual nas ocupações, e essas duas palavras nunca apareceram. Em outras situações, a mesma coisa. De forma que quando eu voltava para meu meio social, não em casa, mas os amigos, cineastas, eu me sentia um pouco em outro país. Pessoas que lidavam com referências políticas, que praticamente não existiam nos lugares onde eu estava, no Capão Redondo, no Isidoro. Para mim, isso foi uma enorme aprendizagem política, para perceber que nós vivemos numa pequena parte dessas sociedades e achamos que, de certa forma, temos uma visão política do conjunto. O que não ocorre. Temos a visão política do nosso grupo social. Queria colocar isto, evidentemente, que sei que não tem nada a ver diretamente com audiovisual, cinema. Para mim, é algo absolutamente fundamental e proponho que as discussões referentes especificamente à dita produção cultural ou audiovisual tentem se implantar num nível muito mais amplo do ponto de vista político e social do que exclusivamente no nível da profissão e da defesa da profissão. Essa esquerda à qual aparentemente nós pertencemos, ou como nós nos consideramos, conseguiu fazer uma operação política bem curiosa: transformar o presidente da República, ao qual nós nos opomos, como sendo a nossa principal referência política. É uma referência negativa, mas é uma referência. O que me parece ser a consequência da nossa ausência de proposta política e da nossa ausência de organização política. E citei um exemplo no artigo do catálogo, que é a questão dos cartazes da Ancine. Quando a Ancine elimina esses cartazes de filmes brasileiros, ela manda uma informação pesada: nós queremos eliminar vocês. E a resposta de uma grande parte do meio cinematográfico foi espalhar cartazes pelas redes, em outros lugares. O que acontecia enquanto os profissionais espalhavam os cartazes? Eles respondiam à Ancine na linguagem da Ancine. E, portanto, se deixavam dominar politicamente pela Ancine. Não houve nem propriamente uma ironia, não houve uma transformação, não houve uma outra proposta. A linguagem da Ancine é a nossa, eles têm os cartazes, invertemos o signo, e


colocamos os cartazes. Esse é um dos pontos que me parece absolutamente essencial que se discutam, porque a impressão que tenho, bom, não só eu, é que só conseguimos falar na linguagem do governo. Do governo ao qual nos opomos. E para terminar, vou me referir a uma fala de um sociólogo e cientista social, que é o Jessé de Souza, que afirma há anos que o pensamento da esquerda é moldado pelo pensamento da direita.

Foto: Netu

A gente pode escolher muitos caminhos para se aproximar desse tema, seja por discussão estratégica, seja por uma discussão de pragmatismos ou utopias. São caminhos bem amplos e possíveis. Não vou tentar esgotá-los e vou fazer uma escolha aqui de duas questões, um pouco no caminho que o Jean-Claude também fez, por achar que, por alguns motivos, talvez seja por onde eu possa dar alguma contribuição que seja mais individual, ou seja, que venha efetivamente das minhas experiências nesses últimos anos. A primeira questão é um ganho de consciência de que a gente está vivendo no Brasil em termos, diria até, muita gente se refere a isso como quase um laboratório, um experimental sociopolítico de uma determinada intervenção ideológica, tanto no sentido prático quanto no sentido da tal chamada guerra cultural, com vetores bastante fortes, mas a gente está longe de estar vivendo isolado do mundo. A gente não está passando em vários sentidos por uma situação de absoluta exceção. E acho que é importante, por isso que digo que é complementar ao que o Jean-Claude coloca, que é tirar alguns desses aspectos da discussão desse nosso universo social e mais direto de relação, mas também tirar um pouco da nossa problemática nacional tão imbricada, que impeça a gente de perceber onde ela está numa correlação muito direta com uma série de coisas que não estão acontecendo só no Brasil. Não estou falando só especificamente do fenômeno político no sentido mais amplo dos governos populistas em vários lugares com matizes diferentes, nem das problemáticas específicas da extrema direita e da forma como ela tem operado, mas inclusive com relação ao que a gente chama dessa tal entidade

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EDUARDO VALENTE - cineasta e curador

que é o mercado do audiovisual. É muito importante entender esse momento que a gente está passando, com as especificidades que ele tem no Brasil, mas também que não é tão específico assim do Brasil. Para que também a gente não fique só batendo com a cabeça na parede em relação a determinadas questões que talvez solucionadas ou não solucionadas, não resolverão toda uma outra amplitude de pontos que estão dados no nosso tempo histórico no mundo, específico dessa chamada indústria. Queria trazer dois dados em relação a isso para propor uma reflexão, os dois modelos mais onipresentes ou próximos ou influentes, porque tem determinadas coisas muito específicas da forma como o mercado e a indústria audiovisual operam em alguns lugares na Ásia, especialmente na China, de alguma maneira na Índia, e aí são realidades muito específicas que às vezes estão aí, a gente tem que estudar, mas por vários motivos são muito diferentes da gente nesse momento. Se a gente olha para o que está acontecendo na Europa, principalmente Ocidental, para não falar da Rússia, que é toda uma outra realidade, mas na Europa Ocidental e principalmente nos Estados Unidos, que por uma série de motivos, especialmente nesse governo, mas muito antes disso é VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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uma área que influencia diretamente o que acontece no Brasil, é importante a gente abrir os olhos para determinadas circunstâncias que estão longe de serem especificidades nossas. Uso esses dois modelos para a gente pensar, porque apresentam questões nos dois campos diferentes, que é a questão do financiamento e do incentivo estatal à produção cultural e à produção audiovisual, eminentemente através do modelo europeu ocidental; e do outro lado a realidade norte-americana, uma realidade que sempre contou e continua contando de outras maneiras. Dentro da estrutura do que acontece hoje no mercado, a indústria do audiovisual, a mudança de paradigma está levando a uma necessidade de reposicionamento de todos os tipos, desde os grandes grupos até o cineasta independente e as maneiras como ele operava há dez anos, há doze anos, quanto mais há trinta, quarenta anos, e que essa mudança está ainda muito em aberto. Alguns caminhos parecem já dados, já consolidados, mas há vários outros ainda muito em disputa. Não só em disputa por hegemonias, mas até em disputa por modelos possíveis de serem complementados. Se você pega essa imprensa da indústria audiovisual norte-americana, são muitos artigos falando de um momento de muita incerteza, insegurança, dúvida, muitas brigas, desde os chamados cachorros grandes até os menores, de tentar entender quem vai sobreviver e de que jeito no horizonte, seja curto, seja médio. Estou falando aqui em sobreviver no sentido amplo, mas a gente também está preocupado enquanto isso paralelamente com a gripe chinesa, com os incêndios da Austrália. A gente pode se preocupar só em sobreviver mesmo, num certo sentido. A ideia mais ampla de crise é geral. Não é uma especificidade desse país sobre esse governo. Esse é um ponto. No outro modelo, que é o modelo europeu ocidental, curiosamente em janeiro do ano passado, aconteceu um evento em São Paulo onde veio uma pessoa da Suécia, de uma instituição muito interessante chamada Nostradamus Report. Como o nome diz, o Nostradamus é um grupo sueco, como tudo nesse ambiente escandinavo principalmente, eminentemente financiado pelo Estado, mas montado para tentar estudar e propor cenários futuros do que está acontecendo especificamente dentro dessa indústria do audiovisual. A representante do Nostradamus veio aqui fazer uma 157

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apresentação num evento lá em São Paulo e falava basicamente que, na Europa Ocidental naquele momento, o que estava claro era que os produtores audiovisuais tinham que se preparar para uma alteração bastante radical, com velocidade diferente em cada país, mas claramente tudo apontava para uma diminuição exponencial e razoavelmente rápida da participação e do apoio estatal e do incentivo à cultura naqueles países. Ela não estava falando só dos países com governos de extrema-direita, mas de uma visão geral de uma conjuntura econômica ampla e de uma série de discussões internas de modelos de funcionamento do governo. Isso era importante que os produtores se conscientizassem o mais rapidamente possível para não dizer que vão ser pegos de surpresa daqui a três, quatro, cinco anos, quando isso acontecer. Já estava muito claro que o desenho era esse. Trazer em conta essas duas coisas é muito importante para entender que parte dessas questões que nos afetam ou que nos angustiam ou que nos fazem pensar sobre os modelos, sobre as possibilidades, sobre as questões, não são nossas, não são brasileiras. São vividas de uma forma muito específica no Brasil, mas de uma exclusividade nossa. Isso é um dado muito importante para não enfrentar quixotescamente moinhos de vento que não são reais e, uma vez derrotados, não vão garantir nada. O segundo ponto vou tentar apresentar de uma forma bem breve. Teve duas observações aqui; uma no debate que a Helena Vieira falou e ela usou a primeira pessoa do plural, se integrando: “nós, nesse período em que estivemos, não fomos capazes de convencer ninguém”. Reflete uma outra questão que o Bruno Risas, que é um dos cineastas que está com o filme na Mostra Aurora, se referiu a uma expressão, na entrevista que tem no catálogo, ele usa uma expressão muito boa para a gente trazer para o jogo, que é da crise do que a gente tinha que era um “cosplay de indústria audiovisual”. Ela é muito precisa, para mim, de entender o que é essa aparência de indústria que a gente viveu e vive ainda e que, nesse momento principalmente da relação com a direita, que não começa no governo Bolsonaro, que já começa com o impeachment e nas discussões com os ministros e com as figuras do Governo Temer, começa a tomar essa ideia de defesa dessa atividade pelo seu efeito econômico e industrial. O que me parece


duplamente perigoso. Primeiro porque retira da gente o que a gente tem de efetivamente diferente, que é o específico da arte e o específico da cultura; transforma a gente numa indústria como outra qualquer, e se nos transformar em uma indústria como outra qualquer, aí eu vou concordar com o Bruno: é um “cosplay de indústria”. E aí é perigoso. Trabalhei durante cinco anos na Ancine na parte internacional, então tinha a oportunidade de trocar e conversar muito com pessoas de lugares diferentes e, num momento em que o fundo setorial estava no seu ápice não de resultados, mas no sentido do seu pensamento, do seu raciocínio, da sua estruturação e do seu efetivo financiamento, quando o fundo setorial estava no seu ápice de conceituação, que era ali, digamos, de 2014 para 2015. Estava numa conversa com uma pessoa do CNC, que é justamente a Ancine da França e, quando a gente apresentava um pouco o que estava acontecendo no Brasil, esse cara do CNC virou para mim e falou: “vocês têm que tomar cuidado”. Eu falei: “mas por quê?” Ele disse: “Existe também a crise, o excesso de recursos num determinado setor. E ela é quase tão perigosa quanto a falta de recursos. E me parece, pelo que você está dizendo e pelas curvas históricas e as coisas que a gente já ouviu e tudo mais que vocês estão chegando perto desse lugar, e é bom saber dos riscos que têm envolvidos nessa operação”. E fui entendendo aos poucos, o quanto isso tem a ver com o que Bruno Risas traz, essa ideia do “cosplay de indústria”, um excesso de recursos num setor que nunca lidou com recursos naquela quantidade, seja no sentido prático da gestão, que gerou, por exemplo, vários dos problemas que têm sido alvos fáceis de contestação jurídica e de discurso burocratizante dentro do TCU, dentro do governo em geral, para dizer do descontrole da utilização de verbas que existiam dentro da Ancine. Essa é uma das facetas dessa crise de excessos. E uma outra faceta, essa economia gira em torno de si mesma e ela para de depender de um dado pequeno e bobo, que é quem está assistindo essas coisas que vocês estão fazendo? Essas coisas estão sendo feitas para quem ver, como, quando e onde? Se vocês só estão fazendo e não tem ninguém vendo, em algum momento alguém vai usar isso contra vocês, porque não tem a justificativa prática social da utilização do recurso público, se vocês estão VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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só produzindo e ninguém está vendo. Parece hoje, olhando para trás, o quanto esse alerta do cara da CNC era importante, porque na verdade ele falava basicamente do que é o resultado disso, que é a possibilidade de você ter argumentos muito frágeis para manutenção de determinadas coisas e que você pode correr o risco da extinção absoluta, usando como justificativa os problemas dessa indústria. Para não falar do outro lado, que é o lado dos filmes com números de dezenas ou centenas de espectadores na sala de cinema, que é obviamente o argumento utilizado mais rapidamente e brevemente por qualquer imprensa sensacionalista e político de outro viés ideológico para se dizer que está jogando dinheiro fora. A gente não enfrentou esse problema quando a gente podia enfrentá-lo como pessoas que tinham algum domínio sobre a narrativa naquele momento. A gente disse: “Não, isso aí a gente lida com isso daqui a pouco. Vamos com isso aqui primeiro”. Só que a gente não teve o daqui a pouco para lidar com ele, e aí agora a gente está precisando lidar com outra questão que é frente ao extermínio de tudo isso possível, como se reposicionar. Depois que você vive numa indústria de excessos, é mais difícil do que quando você não esteve nesse lugar. Talvez seja o momento de escutar quem está o tempo inteiro vendo que todo acordo, todo ajuste, toda a coisa não é tão bonitinha quanto parece no momento que está sendo apresentada.

pensando uma forma de financiamento dada pelo próprio setor, e ali incentivando os alunos a serem roteiristas, produtores, diretores. Falei um pouco: “eu vivo de cinema; não tenho muita grana; não sou rica, mas vivo bem; tenho conforto; tenho uma empresa e planejamento”. Dei uma aula ali de planejamento de uma empresa produtora, que você tem que ter vários projetos ao mesmo tempo, um distribuindo, um em desenvolvimento. A gente fez um intervalo e fiquei com uma coisa meio incomodando; aí voltou a aula e falei: “quero voltar no que eu disse, porque eu vivo de cinema, mas estudei numa faculdade pública, na UFMG; tive todo o apoio dos meus pais, não tive que sustentar minha casa, pude morar na casa deles o quanto deu, pude ser voluntária em diversas produções que estavam começando em Minas, quando comecei. Sou de uma família prioritariamente branca, de maioria intelectual, que sempre valorizou a arte, então quando eu disse ‘quero fazer cinema’, tive todo apoio. Quero relativizar para vocês o que é viver de cinema”. Em 2017, embora a gente já estivesse ali numa transição do governo Dilma, na medida em que as políticas públicas estavam sendo elaboradas, lembro em 2010 quando estava produzindo meu primeiro

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Foto: Netu

Venho trazer uma realidade pragmática do cotidiano de quem produz e quem está fazendo cinema. Quando eu recebi esse convite, o título da mesa “Viver de Cinema” me remeteu a uma experiência em 2017. Estava dando aula na Vila das Artes, que é uma escola pública, livre de audiovisual, muito diversa, inclusiva, com alunos e alunas conscientes do seu lugar no mundo. Como eu dava aula antes, na UNA, que é uma faculdade particular em Belo Horizonte, essa pergunta sobre viver de cinema era muito recorrente, porque parecia ainda inalcançável. E lá na Vila das Artes eles me perguntaram: “e aí, professora, você vive de cinema?”. Minha primeira reação foi: “Vivo. Olha quanto dinheiro tem aí, olha o fundo setorial”,

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LUANA MELGAÇO - produtora


longa, que foi o Girimunho, eu inscrevi um projeto no fundo setorial e tive uma resposta absurda do tipo: “esse filme seu não vai a lugar nenhum”. Isso em 2010. Fundo setorial não é para mim. Em 2013, quando ele foi ampliando, esse dinheiro foi aumentando e ele passou a ser para mim, quando ganhei meu primeiro fundo setorial com A Torre. Essa política foi sendo construída e fui, de alguma forma, caminhando junto com ela. E eu achava, ali em 2017, que embora a gente já tivesse uma transição do Governo Dilma para o Temer, a gente já estava em outro lugar. Tinha uma ilusão na fortaleza dessa política, pensando que era uma lei e que foi um pacto com a sociedade. Acreditava um pouco na instituição. A gente ainda tinha uma direção da Ancine que estava com o Manoel Rangel, que construiu muito do que a gente chegou até agora, e aí mesmo com essa errata que fiz para meus alunos, eu falei: “É possível. Se em 2011 não era para mim, 2013, já estava ali dentro; a gente tem campo para conquistar coisas, que sejam democratizadas e cheguem em mais pessoas...”. Mas ao mesmo tempo que isso acontecia, ia sendo mordida por umas moscas que me diziam: “se a gente está falando em inclusão, em viver de cinema, como incluir uma pessoa da periferia que não tem grana para o ônibus para chegar numa escola de cinema, mesmo que seja gratuita; a mulher que não tem com quem dividir os afazeres domésticos, a criação dos filhos numa sociedade machista...”. Tudo sempre foi muito embolado o que é poder viver de cinema. Em 2018, a gente viu uma mudança muito drástica; embora a política era a mesma, a lei era a mesma, o bolo de dinheiro era o mesmo. É quando a gente muda a direção da Ancine e, fazendo referência ao que o Valente falou sobre um excesso de dinheiro, em 2018, quando trocou a diretoria da Ancine, que foi uma grande propaganda sobre esse volume de dinheiro, uma fantasia, sabe? De “olha o tanto de dinheiro que vai ser em um ano”, se era um bilhão de reais, enfim, isso trouxe uma euforia, mas junto com uma mensagem clara da concentração: “precisamos fazer filmes de 40 milhões”. Tinha uma frase desse jeito: “os orçamentos nossos são pequenos; precisamos de filmes mais robustos”. Tinha uma fala desse jeito do presidente da Ancine nos jornais. Esse cosplay de indústria se construiu um pouco numa

mistura de uma falsa democratização. A gente não conseguiu enfrentar. O volume de questões que a gente tinha, a gente se autorreferenciou o tempo todo, a gente não conseguiu incluir a sociedade na nossa discussão e quando a gente foi substituído, era tarde para discutir tudo isso. A gente tem que discutir pelo mercado e, como produtora que estou na lida diariamente, acho muito importante brigar por essa indústria, fortalecer essa indústria, é o que faço um pouco diariamente, mas a gente não pode perder o fio da meada de que o cinema também existe fora dessa indústria. Os filmes que estão aqui na Mostra há anos falam um pouco disso. Muita gente que não vive de cinema faz cinema. E faz muito bem. Estava lendo uma entrevista sua com o Lincoln Péricles, sobre O Som ao Redor e Bacurau, que ele fala muito disso, a classe média que está ali são os brancos e ele está fazendo cinema, tem força, tem importância, mas está à margem desta grande indústria que a gente ficou autorreferenciando. É uma introdução para entender mesmo o que a gente está passando. Fui escrevendo coisas para falar aqui, várias anotações e aí escrevi: “Como retomar? Como mudar?” e ficou em branco. Não consegui trazer nada que fosse como uma resposta, não sei como superar isso. A gente não conseguiu convencer a sociedade que o que a gente faz, além de economicamente importante, tem outro lugar muito importante do simbólico, da criação, do reconhecimento, da pesquisa. Muitos filmes não serão vistos num primeiro momento. Tem que se pagar por isso, a gente paga pela pesquisa, pelo conhecimento; a gente também tem que pagar por algo que não tem um retorno financeiro. Só que ao mesmo tempo a gente não enfrentou o mercado estrangeiro, a gente não enfrentou pensando outras formas de distribuição, chegar na televisão. Aquilo que a gente sempre achou, quando a gente disser que a gente gera tantos empregos, que a gente gera tanto de dinheiro, o PIB, a gente achava que esse era um argumento sustentável e não é, porque foda-se. Ideologicamente não estamos a fim do que vocês fazem. Vocês são esquerdopatas e nem que dê dinheiro ou que não dê, não interessa. Estão fora. O que a gente está vivendo hoje é porque ninguém disse assim claramente “vocês estão fora”. Parase a operação de um jeito que a gente nem consegue dizer que a VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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gente parou, mas paramos. Trouxe um pouco do que me aflige, do que tenho tentado discutir cotidianamente com meus pares, com meus amigos, com meus produtores, diretores. Saídas não vejo ainda, embora ache que o cinema não vai acabar. Tenho certeza de que ele não vai, porque ele é mais forte que isso. Mas como a gente vai passar a fazer, que a gente tem que discutir e tentar entender.

DEBATE COM O PÚBLICO Lila Foster - Duas questões a partir do que foi dito aqui. Em algum momento da sua fala, Jean-Claude, você nos interpelou, quer dizer, como de fato reformular uma resposta que não seja na mesma linha e na mesma linguagem do governo ou da Ancine. Você também falou assim: “que não seja uma mera defesa da profissão”. A minha pergunta é: o que nós estamos defendendo, o que tem que ser defendido? Da minha perspectiva, tem que ser defendido como uma profissão. E o viver de cinema tem a ver com isso. Você usou o exemplo do Lincoln Péricles. Ele trabalha com cinema. Ele não faz alguma outra coisa. O que a gente precisa defender, afinal de contas? Se a gente não sabe o que a gente precisa defender, também não sabe que espécie de proposição. A gente vai ficar defendendo reformulação das leis? E aí não é uma falsa união que estou pregando. O que a gente tem que defender e, sem uma falsa ideia de que a união é um achatamento, mas onde que a gente pode construir mesmo um corpo político, um corpo de ação? Jean-Claude Bernardet - Eu não tenho uma utopia pronta. Vou tentar responder, pegando o primeiro tópico do Valente falando do financiamento de cinema pelo Estado em diversas áreas do mundo. Esse discurso aparentemente nos deixa mais tranquilos, porque a gente percebe que não é só no Brasil, mas que estamos inseridos numa situação mais ampla. Quanto a isto, tudo bem. O problema é que não tenho certeza de que o Bolsonaro não queria financiar a cultura ou o cinema. Não tem provas disso. Inclusive, tem um programa, não sei se já foi oficializado ou não, com uma série de produções para 2022, quando se comemorará a independência. Não sei se foi 161

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efetivado, mas a Lei Rouanet seria aberta para as igrejas evangélicas. O que está sendo questionado somos nós. Estamos na mira de um programa de extermínio. Ele está contra nós, contra os LGBT, contra uma série de coisas, contra a Surfistinha, contra, contra, contra... Mas se se produzissem filmes, séries, de uma outra vertente estética, ideológica, religiosa, certamente ele não levantaria esse problema. A questão é primeiro nos considerarmos como “a” profissão. Nós somos marxismo cultural, mesmo que não sejamos marxistas. É necessário ter a consciência disto. E que o problema não é apenas “ah, o tal edital foi cancelado e tal outro não conseguimos salvar uma parte”. Mas ter uma visão mais ampla política que prevê a nós escritores, professores, o extermínio. Tentei começar a conversa de forma muito aberta do ponto de vista político. Ela se reduz ao cinema. Porém, o que acontece nas universidades e nas escolas talvez seja muito mais grave. Tem mais de 240 escolas militarizadas no Brasil, em grande parte, no Nordeste. A minha discussão é, no sentido, “não nos fechemos no gueto”. Lila Foster - Entendo que as escolas estão sendo militarizadas. Mas em que medida também isso não é uma abstração? Quando digo “viver de cinema” e da profissão, é não recair numa abstração também no nosso engajamento. Dentro de um campo de ação, a gente faz no que nos constitui materialmente. Não estou negando de forma alguma, mas esse amplo não pode cair numa abstração também, às vezes? A micropolítica, a ação próxima, e aí por isso que também questionei como que a gente lida com os sets, como lida com os pagamentos das equipes. Sinto isso, o meu fazer, o meu trabalho aqui, a minha presença aqui, como o meu espaço possível de ação. Somos limitados, afinal de contas, por muitas questões. Eduardo Valente - Jean, concordo plenamente com você. Quando cito a questão da conjuntura mundial e no caso específico europeu, não é nem no sentido da gente se sentir tranquilo não, é exatamente pelo contrário. Mesmo fora da conjuntura política atual ser revertida, tem uma questão maior atravessando essa indústria no momento. Se a gente não estiver olhando para as coisas


simultaneamente, a gente vai achar que o problema é esse. E o problema também é esse, mas tem outro problema de fundo e que não é só nosso. A incapacidade de ver a complexidade de outros problemas é que nos trouxe à situação de beco sem saída em algum grau. Não acho uma informação tranquilizante de que no mundo tem uma situação difícil. Emanuela - Sinto que a gente fala muito do que acontece da tela para frente, sabe? Dos filmes para frente. Quando a gente começa a pensar como o nosso fazer cinematográfico tem impacto na vida de muitas pessoas e em várias comunidades, é uma forma de pensar como se expande o impacto do que a gente faz. A gente tem muitos problemas em relação à exibição e distribuição de filme, mas como a gente faz os filmes, a gente está presente. Só repensando a forma como a gente faz é que a gente consegue pensar outras formas de falar e de se colocar nessa disputa estética, onde a gente se encontra entre direita e esquerda, na qual ninguém consegue falar com ninguém. Se for para pensar na linguagem da direita, ela é muito diferente da nossa e ela é muito potente. O uso da imagem, o uso do texto, como isso circula, e sinto que a gente está sempre meio atrasado. Fiquei pensando também se essa indústria da qual a gente fala é a indústria que a gente quer, porque ela privilegia uma certa classe, raça, gênero. Como a gente pode pensar, entender e construir uma indústria que faz sentido no nosso país, onde tem gente na universidade fazendo filme, mas tem gente fora dela, como isso se encontra e como isso vive? Luana Melgaço - O que me aflige é que a gente teve chance de falar sobre tudo isso num momento em que era mais fértil e agora a gente está aí discutindo o PIB, a indústria cresce tantos por cento ao ano, gera tantos empregos, mas a gente não está falando da qualidade disso. A gente está só batendo cabeça. Nada do que a gente viveu em 2019 foi surpresa, mas talvez a gente não estivesse com o corpo fortalecido o suficiente para enfrentar. Quando falo “nós”, eu também estou sendo redutora, porque tem uma galera que enfrenta essa dureza a vida toda. Estou falando de um lugar de privilegiada, de uma produtora que deu certo, que acompanhou

todas as políticas e que se beneficiou delas, porque teve acesso. Mas tem muita gente que não teve esse acesso, então enfrenta o não desde sempre. Nós privilegiados poderíamos ter discutido isso num momento fértil em que esse bolo era grande, em que a gente estava entusiasmado, a gente não conseguiu, a gente não fez, e agora está todo mundo batendo cabeça. A gente tem que aprender de alguma forma com quem sempre lutou. Quem sempre lutou para fazer cinema e que nunca teve nada de mão dada. Tatiana Carvalho Costa (curadora) - É um comentário e talvez uma provocação, mas prolongamento também do que vocês colocaram. Pegando uma tentativa de articulação entre essa ideia, que Lila coloca de macro e micropolítica, a partir do que o Jean-Claude colocou, e disso que a Luana acabou de dizer. Fico muito pensando, com todas as limitações que isso pode ter, mas também com todas as potências, no pensamento do Achille Mbembe que vai falar do devir-negro do mundo. Ele vai analisar a maneira como a nossa sociedade e esse recrudescimento do avanço. Recrudescimento da nossa vida pelo avanço do neo e do ultraliberalismo vai fazer com que pessoas que jamais se pensaram nos seus lugares de privilégio vivenciarem o que os povos subalternos sempre tiveram que enfrentar. Essa ficção colonial que determina um lugar chamado negro, que é necessariamente um lugar de subalternidade e de precariedade, acaba que se alastra para outros campos de viver e outros corpos que jamais poderiam se pensar nesse lugar. É a dimensão mundial de um problema criado pela colonialidade, pelo capitalismo e pelos modos com que as coisas se dão nesses enquadramentos. E aí não é pensar o micro da indústria. É pensar o que constitui a indústria enquanto o lugar de reprodução de uma dinâmica que é fadada à falência, ao colapso. Estou muito pensando afetada pela mesa anterior que a gente teve aqui, em que uma das maiores atrizes do Brasil, que somente aos 90 anos experimenta algo que qualquer ator homem branco experimenta desde sua primeira atuação: que é um set cheio de pessoas como ele, por exemplo. Léa Garcia, uma mulher negra falou que, pela primeira vez na vida, aos 86 anos, estava num set em que ela olhava e só tinha gente como ela. De que cinema a gente está VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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falando? Para que a gente tem que lutar? A gente vai lutar por uma mesma estrutura que, em certa medida, vai nos esmagar a todos se ela continuar como está? É muito fácil ela ser capturada por uma estética e por um discurso que vai se voltar contra nós, porque ela não é de saída para todo mundo. Eduardo Valente - Tati, não tenho o que contrapor ao que você diz, mas também na ideia de complementar, acho que ontem também na fala da Helena, ela relembrou uma questão importante ao usar inclusive termos biológicos do vômito e da regurgitação, de maneiras de operar desse sistema, onde determinadas fricções possíveis devem ser operadas a nosso favor dentro das dinâmicas possíveis, inclusive nas brechas que esse sistema acaba deixando à mostra. O fato de que o ataque frontal desse governo a determinadas questões, muitas vezes leva a reações cujo mote inicial provavelmente não é a existência humana melhor dentro do sistema capitalista, mas que deve ser utilizado. Várias dessas lideranças indígenas, no momento que falam das lutas históricas deles e algumas maneiras de se posicionar, sempre se disseram muito capazes de instrumentalizar coisas que eles sabem que não são as lutas deles, mas que podem ser úteis às lutas deles dentro de um sistema que, para ser alterado completamente, é um processo muito mais longo e lento. Não sei se o nosso meio ambiente vai nos permitir ter esse nível de lentidão de alteração, mas cito, por exemplo, só para ficar em dois exemplos: o KondZilla e a maneira como ele surge e estabelece uma economia de uma outra coisa que precisa ser absorvida pela indústria, porque se torna potente sendo criada completamente fora da indústria como tal no início, mas que a indústria então rapidamente fagocita no sentido de perceber ali algo que pode ser favorável a ela. A gente pode pensar nos exemplos norte-americanos, como Jordan Peele e uma série de outros movimentos que não são iguais, mas que têm similaridade, ou por exemplo o próprio caso do Daniel Ribeiro, que nesse momento de ataques consegue que a Netflix banque uma série sobre a questão LGBT e queer justamente porque é um momento em que para a Netflix é interessante dizer: “aqui temos um grande manancial de um público consumidor, de uma penetração internacional”. É o oposto 163

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do que disse o Jean, que a gente na esquerda acaba operacionalizando o que o capitalismo faz melhor. Nessa operacionalização desse universo e por outro lado do exemplo do KondZilla também, não por acaso com a Netflix em algum grau na série dele, acho que tem fissuras, que são típicas dessa regurgitação constante do capitalismo, do que é que pode ser monetarizado e tornado commodities dentro do que vem do universo da luta social ou política. Nessas horas, é preciso perceber os lugares onde que tipo de associação é possível para não se fazer inocentemente, mas também não perceber a potência que alguns desses caminhos podem dar. Daniel Jader (produtor) - É a segunda vez que ouço que é a “guerra cultural”, mas fiquei pensando que a guerra cultural que a gente traça muitas vezes também é com a população e com a sociedade que muitas vezes não apoia a arte de forma geral. São dois problemas graves, que depois que é feito o filme, você não consegue prestar contas para quem. Se muitas pessoas não viram, para que você gastou esse dinheiro? Esse é um tema questionado. Queria ouvir a opinião de vocês também de como tornar isso mais visível. Uma segunda pergunta é: a gente definiria o cinema como cinema independente, cinema de guerrilha. Fico pensando o quão caro é o cinema, não me sinto nem num cinema de guerrilha, eu me sinto um terrorista de cinema. E aí, nesse sentido de como conseguir verba, como viver de cinema para mim significa como conseguir verba. Eu não sei se vocês sabem, mas existe um projeto de lei, o 1737, que hoje pela Lei Federal de Incentivo à Cultura, apenas empresas que participam do lucro real podem doar dinheiro para a Lei de Incentivo à Cultura. O PL 1737 faz com que as empresas também de lucro presumido possam doar para incentivo à cultura. Ou seja, a gente consegue fazer com que o açougue da esquina consiga doar dinheiro para a gente, porque ele participa do lucro presumido. Eu queria saber se vocês conhecem dessa lei, se vocês a acham importante para difundir esse conhecimento. Julia - Tentando talvez responder parcialmente à pergunta do colega. A gente encontra ainda certa resistência no cinema, especificamente, que não vejo em outras criações de conteúdo


audiovisual, de pensar respostas às perguntas, tentando colocar o produto que a gente está fazendo numa cadeia produtiva que vá até o fim de forma planejada. No ano de 2018, no ano da eleição, várias criadoras de conteúdo de esquerda cresceram muito por uma questão de demanda das pessoas de terem acesso a materiais para elas poderem discutir questões de política com seus familiares de uma forma acessível, que hoje em dia conseguem sustentar sua criação de conteúdo por plataformas Patreon e Benfeitoria, em que o próprio público paga pelo conteúdo porque ele é o principal interessado. Claro que uma lei que autoriza empresas com lucro presumido é interessante, porque chega em outras pessoas que estão recebendo capital, ora simbólico, ora financeiro, por esse conteúdo que a gente produz, entrando na cadeia e nesse ciclo de produção junto com os produtores. Não seria essa uma forma de sair do gueto, porque a gente vai estar integrando outros mercados, outras pessoas que não estão só trabalhando no atrás da tela, mas no que é impactado quando o filme é exibido no lugar em que elas estão. Lipe Canêdo (realizador) - Pela primeira vez na vida, posso falar que vivo de cinema, num momento curioso de estar nessa posição. Fiquei pensando muito sobre o que o Jean falou, se a gente não está olhando para o horizonte errado. Jean falou que não se dizem duas palavras, que lá no Capão ninguém fala, e nas ocupações, que é Bolsonaro e Lula. Como cineasta, me sinto hoje perseguido por esse governo. Acho que nós, da cultura, das artes, da academia, nós fomos eleitos como inimigos. E a gente não age como inimigo ainda. Eles estão chutando a nossa canela e a gente está ali querendo que saia o dinheiro do edital. Qual que é o nosso horizonte? É derrubar a Regina Duarte? Vai resolver? Queria muito rápido só lembrar dois exemplos, que a gente estava falando de micropolítica, um é do Lincoln. Antes de apresentar o filme, ele passa o chapéu. É uma coisa que artistas de outras áreas fazem e a gente tem uma certa arrogância do cinema. Isso serve para a gente pensar na nossa rede. A gente pensar outras práticas, acho que o KondZilla também. E eu lembrei também de um camarada de BH que eu não

lembro o nome, mas ele é um documentarista que faz os filmes dele tudo “na tora” sobre mineração e vai de bar em bar vendendo o DVD do filme dele. Para levantar essa provocação: será que a gente não está olhando para o horizonte errado? Jean-Claude Bernardet - Qual seria o horizonte errado? Lipe Cânedo - Da gente querer agir muito dentro da institucionalidade, do que nos é permitido, de cobrar um edital que é do Governo Temer, que foi assinado o contrato, mas não vai sair. Uma coisa que a Luana falou, que a gente devia olhar para as pessoas que estão resistindo há mais tempo. Até gostei dessa história do mestre de cultura popular. Na periferia não se fala de Bolsonaro ou de Lula. Fala muito menos do que a gente fala aqui na academia. Será que eles não estão, também, certos em algum sentido? Jean-Claude Bernardet - É mais ou menos o que estou tentando dizer, que a atitude da profissão, de uma parte da profissão, não está suficientemente politizada. Dizem que o governo é contra a cultura. Bom, é preciso saber o que é cultura. Além do mais, se você tem, digamos, um ministro alemão dizendo o seguinte: “quando ouço a palavra cultura, eu tiro o meu revólver”. Mas por outro lado, o Cinecittà, em Roma, foi construído pelos fascistas. E isto não está se entendendo. É óbvio que uma cultura está sendo construída no Brasil. É como se nós trabalhássemos no sentido de apenas segurar o que está sobrando, para que não se esgarce ainda mais. Então a questão que coloco é que o trabalho desse setor dos cineastas e da profissão não se enquadra suficientemente na situação política do Brasil e internacional. O que estamos vivendo agora tem tudo a ver com o que a Hungria está vivendo. Tudo a ver. E não é uma generalidade, tem nomes, tem relações que estão sendo já construídas. Público (não identificado) - No ambiente micro, eu vejo o cinema brasileiro profundamente inconstante na produção e muito dependente às vezes de voluntarismo e de quem é o poder, e de quem é que está definindo as políticas de momento, e a gente se VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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pega debatendo momentos que eram ligeiramente melhores no passado, como agora a gente se refere aos anos de 2014, 15, 16 e 17, que ironicamente vão dar os melhores frutos em 2020, 21 e 22. Na situação micro, é dado que está posta a situação, quais são as fontes de financiamento, quais são os mecanismos de financiamento que nós podemos acessar, que não vão ser antipáticos às teses que a gente provavelmente vai propor? Já que no jogo democrático a gente perdeu, infelizmente no último momento, e não é uma briga só com o governo, é com um setor da população, e no macro é que constantemente a gente reclama de uma falta de visão política para o Brasil, a gente tem uma visão política de com o que se parece a indústria do cinema brasileiro que a gente gostaria de ter, já que está claro que não é esse cosplay dominado por políticas norte-americanas, mas com o que se parece essa indústria? Se a gente pudesse apertar um botão e transformar, a gente transformaria ela em que, para ter um horizonte para buscar? Eduardo Valente - Tenho as mesmas perguntas que você. Talvez outras mais ainda que talvez você me ajudasse mais a saber do que eu a você. Mas como a gente está aqui nessa posição, vou falar uma coisa só. Tem duas questões. Legal, eu entendi, eu tenho certeza que no Capão Redondo e em vários outros lugares a palavra Lula e Bolsonaro é falada menos do que nas universidades públicas. Mas quero saber o seguinte: o que eles estão consumindo de audiovisual lá? É tão diferente do que está sendo consumido nos outros lugares? Ou eles estão vendo a Globo e a Record, eminentemente, e eventualmente uma TV a cabo pirata para ver futebol, e eles têm, talvez, Netflix ou não de alguma maneira... O consumo audiovisual, para além deles falarem Lula e Bolsonaro, é tão diferente assim? E de que maneiras? Se você circular nos bairros de classe média ou de classe média baixa, pelo menos, não vou aqui dizer que eu circulo constantemente na favela porque seria uma mentira, mas se você passa pelos botecos e pelos lugares públicos de consumo audiovisual coletivo, eles estão ligados nos mesmos lugares, aqueles televisores. E no celular, estão consumindo o que efetivamente? E de que jeito o que você vai produzir vai alterar esse 165

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hábito de fato? Para a gente também não cair no erro contrário, que é de romantizar o espaço de resistência a determinadas coisas que realmente não estão consumindo as mesmas coisas que os outros lugares estão consumindo. O problema político se apresenta de outra forma, mas o problema do consumo audiovisual talvez não tanto. E talvez do jeito que é diferente essa indústria, como no exemplo do KondZilla, já está fagocitando, como a Netflix o trazendo para produzir uma série com ela. Aí tem uma questão fulcral que é entender exatamente que modelos possíveis a gente teria de alteração, não do consumo, porque o consumo a gente não vai mudar sozinho, mas de minimamente perceber as fraturas, onde que elas estão e de que maneira essa penetração pode ser planejada como ação, seja via política pública, que não é o caso nesse momento certamente, seja via guerrilha política, entendida no sentido mais amplo. Lila Foster - Vou só fazer um adendo, o Jean-Claude já escreveu muito sobre isso, a gente precisa olhar para a história do cinema brasileiro. A gente precisa olhar para como a classe cinematográfica, quer dizer, essa defesa muito ardorosa da produção tem uma dimensão ideológica para isso. A gente precisa esmiuçar isso também e olhar para a história do cinema brasileiro. A classe cinematográfica vive sob uma forma de pressão por essa fatia do bolo. Por mais que a Embrafilme tenha criado condições pras maiores bilheterias do cinema nacional nos anos 70, é preciso pensar também como que a gente, como a classe cinematográfica tem uma dimensão muito forte nessa conformação das políticas. Só dando um exemplo, nos anos 70, tinha a Lei do Curta. Os curtas teriam que compor toda sessão de longa e que a bilheteria seria revertida para os curta-metragistas. Essa foi uma lei que entrou em vigor e possibilitou, depois de vários arranjos, a formação de produtoras independentes, como a Corcina, que viabilizou uma produção muito vigorosa de curta-metragem. A corporação cinematográfica e a pressão externa fizeram questão de esmagar algo que foi sustentável por um tempo. Então acho que cabe à gente também pensar, olhar para a história.


Ingá (crítica) - Frequentemente nesses debates a gente resgata esses saberes de grupos e comunidades que se forjaram numa relação conflituosa com o Estado para pensar prospectivamente o nosso momento. E aí uma pergunta que tem muito a contribuir para nós enquanto interlocutores brancos, que criam sua relação com o cinema a partir do ambiente da academia e grupo no qual me insiro, que a mesa também se insere, é como a gente está visualizando, e aí no caso vocês, cada um respectivamente no seu campo de ação, essa aliança entre as ferramentas que ainda temos à disposição, seja na academia, seja no trânsito em mostras de cinema, seja na relação com determinadas instituições, mas essas alianças entre essas estruturas de poder e o campo do saber popular, para além do momento de vulnerabilidade em que todos nós nos encontramos, quais os arranjos que a gente cria agora, ou que vocês miram criar agora, que persistam para depois do momento de tormenta? Isso é muito importante, às vezes pouco levado em consideração. Para além de fórmulas genéricas, o que mais particularmente vocês enxergam enquanto movimento de ação nesse sentido, de conexão com campos de saberes e de atividade popular assim.

Eduardo Valente - Do meu lado, falando de um nível muito pessoal, são dois pontos. Tenho tentado muito me conectar, até por uma questão pessoal mesmo da mãe do meu filho ser professora de escola secundarista pública do Rio, então eu acho que estar próximo a esse universo do ensino público fundamental é muito importante nesse momento, porque é um lugar onde o risco é ainda maior. Um segundo ponto, que é do branco de classe média; é minimamente de ter descoberto essa questão que talvez devia ser óbvia há dez, quinze anos, mas talvez não fosse, do quanto essas escutas são mais essenciais para entender esse momento do que as escutas internas desses setores dessa indústria. Tem uma percepção de que algumas dessas escutas não estão falando da realidade dele que eu podia conectar a outro lugar. Estou falando da minha realidade com muito mais riqueza do que estava pensando ela. Em algum lugar desse lugar branco de privilégio, a escuta efetiva já é uma alteração das mais essenciais nesse momento da ação interna direta. Mais do que achar que eu vou conseguir fazer alguma ação que seja maior do que a deles, mas que eu, pelo contrário, esteja aberto a perceber no que desses exemplos eu possa aprender para reposicionar questões.

Luana Melgaço - Estou muito no meio do furacão. O processo de reflexão está muito nublado ainda. Por outro lado, eu tenho um lugar também que é de muito privilégio, de ter coisas muito encaminhadas ainda das estruturas antigas. Tenho muito trabalho a ser feito. Vou me ater ao que me resta, segurando os cacos, e tentando olhar para frente e para trás. Não sei te dizer ainda. Isso está reverberando de algum jeito. Não consigo olhar de fora. São tentativas. Quero descobrir, discutir. Não tenho essa resposta. Só sei que o que a gente construiu até agora precisa de alguma forma ser refeito. Mesmo que essas instituições voltem a funcionar. O que eu consigo ver é que não dá mais para pensar dentro dessa caixa branca, acadêmica, classe média, europeia. É onde a gente mira, a gente quer que os nossos filmes vão para os festivais europeus primeiro, a gente quer os coprodutores europeus, a gente está mirado para um lugar que a gente precisa de uma reconstrução, desconstrução. VIVER DE CINEMA: DA MACRO À MICROPOLÍTICA

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DEBATE

COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

Convidadas: • Castiel Vitorino Brasileiro – artista | ES • Clarisse Alvarenga – cineasta e professora | MG • Janaína Oliveira – pesquisadora e curadora | RJ Mediadora: Tatiana Carvalho Costa – curadora | MG

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Foto: Netu

O debate abarca obras, filmes e poéticas atravessados por valores, crenças, vivências e percepções de mundo que constituem o que podemos chamar de cosmovisões ameríndias e da diáspora afro-atlântica. Para além de discursos diretos de contestação aos poderes hegemônicos, o cinema aqui se apresenta como uma possibilidade de expressão e intervenção de forças disruptivas a desafiar o imaginário do poder que historicamente se constitui como oficial.

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Ao pensar o que pode o cinema em um país que se assume cada vez mais diverso e conflituoso, a artista Castiel Vitorino Brasileiro, a cineasta e professora Clarisse Alvarenga e a pesquisadora e curadora Janaína Oliveira conversam sobre o tema “Cosmopoéticas ContraHegemônicas”, com a mediação da curadora Tatiana Carvalho Costa.


n Lima Foto: Netu

TATIANA CARVALHO COSTA - curadora / curtas Já agradeço, antes de passar para elas, a presença aqui da Janaína, da Castiel e da Clarice, para a gente poder conversar um pouco em torno desse tema, que é um recorte, uma provocação da ideia geral da temática, “A Imaginação como Potência”, e percebendo a quantidade de filmes que vão tensionar a própria noção ou percepção hegemônica de cinema brasileiro. Não sei se nas conversas de bar, de rua, de festas, de cafés da manhã de vocês isso tem aparecido. De que cinema a gente está falando? Isso é cinema? Como pensar o cinema? A partir de uma profusão, que considero muito rica, de novos sujeitos. E não são novos sujeitos no sentido de haver uma alteridade radical. É o próprio tecido do que a gente compreende como sociedade brasileira aparecendo de maneira mais vigorosa, complexa e múltipla. E é óbvio que isso vai criar questionamentos num lugar que era dominado por um pensamento e por uma prática de sujeitos que não conseguiam se ver racializados, generificados. Eram sujeitos que se tinham, há até bem pouco tempo, universais. Por isso que há uma menção a uma ideia de singularidade de “o cinema”. E o que a gente

provoca aqui com essa temática geral e com a discussão específica desta mesa é uma ideia de pluralidade. Mas é um começo, é uma provocação, é essa discussão em torno das cosmopoéticas, como formas de compreensão, mas sobretudo de invenção de mundos e de que maneira que isso nos ajuda a pensar os cinemas. Vou fazer uma breve introdução antes de passar para elas e não vou me alongar muito nisso, espero. Pegando um recorte em função de um dado, e a gente citou na mesa de abertura os dados desde o ano passado a partir da inscrição, que possibilita a autodeclaração de gênero e raça. Um dos dados que foi muito discutido ou difundido durante a semana foi o fato de sete entre os dez filmes dos curtas-metragens da competitiva, a Foco, terem pessoas negras na direção. Autodeclaradas negras. Isso para nós foi uma surpresa muito feliz. Não foi algo a priori, mas os filmes se impuseram assim, dentro do que a gente estava reconhecendo num conjunto mais amplo, compreendendo essa ideia de “os cinemas”. Em função deste dado particularmente, quero trazer alguns fatos numa linha histórica; a Mostra de Tiradentes, como todas as outras mostras grandes do país, chegam atrasadas no rolê. Mas felizmente chega e sobretudo a Mostra de Tiradentes chega sistematizando e problematizando isso. E se problematizando também. O reconhecimento, e aí vou falar especificamente de cinemas negros, que me sinto mais confortavelmente para dizer, e a Clarice, que é uma estudiosa de cinemas indígenas, e trabalha muito com produção e vai trazer um pouco os indígenas também. Para a gente entender por que Tiradentes, como todas as outras mostras no Brasil, que se compreendem hegemônicas, chegam atrasadas no rolê, e para dizer que o que acontece aqui hoje não é fato isolado, não é fruto de uma ou outra iniciativa particular, mas é um fluxo. E aí para remeter à sessão Cosmopoéticas, daqueles quatro filmes de água, é um fluxo de uma água que vem pingando há muito tempo e agora a gente está se percebendo bastante molhado por ela. Vou me ater só à redemocratização. Não me ater a movimentos abolicionistas e revoluções desde o século XVII, mas entendendo que isso nos alimenta. O reconhecimento institucional do racismo no Brasil se deu em 1988, com a Constituição. Depois disso, esse reconhecimento alimenta uma série de ações afirmativas, de políticas públicas, ainda que insipientes, e a DEBATES

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gente reconhece hoje, insuficientes, que constituíram um terreno muito interessante, não só de uma possibilidade de dignidade de uma existência de um tipo de sujeito que durante 70% da história desse país foi considerado desumano, não humano, ou subumano. Quarenta anos de um reconhecimento institucional, ainda que dentro de uma República que no seu nascedouro é eugenista e o reconhecimento oficial dessa violência. Então é pouco tempo para uma sociedade se elaborar, num sentido maior. Isso gera, obviamente, várias ações institucionais que vão tangenciar a possibilidade de um mundo em que haja acesso à saúde, distribuição de renda e educação, ainda que de maneira precária. Paralelo a isso, há uma atuação muito vigorosa de artistas ativistas, e aí vou nomear duas pessoas: Abdias do Nascimento, no Teatro Experimental do Negro, que desde a década de 40 vai marcar esse lugar de uma estética, aí não é uma atuação somente política no sentido de uma representatividade, mas é de uma estética, lá em 1940; e Zózimo Bulbul, que faz o filme seminal dele em 1973, o Alma no Olho, mas que a partir disso começa a criar uma circunstância, sobretudo no Rio de Janeiro, para que haja uma circulação de imagens fora de uma hegemonia de representação da subalternidade. Ele vai fazer o Encontro de Cinema Negro, trazendo cineastas africanos, filmes de lá do continente, e aí tem ali o Centro Afro-Carioca de Cinema. As políticas públicas de ação afirmativa geram uma descentralização do ensino superior e geram, no ensino superior público e privado, uma quantidade maior de pessoas negras em sala de aula estudando cinema. Isso cria um horizonte simbólico de desejo, de possibilidade de existência nesse lugar. Vou citar uma iniciativa especificamente, que é a Universidade Federal do Recôncavo Baiano. O exemplo mais contundente desse cinema na contemporaneidade é Glenda Nicácio e Ary Rosa, que não é negro, mas adere muito a essa estética, seja ela qual for, ainda que esteja aqui cometendo uma contradição dizendo isso no singular, são estéticas. E Fabio, que é um dos mais sofisticados jovens pesquisadores e críticos de cinema e realizadores que a gente tem. E felizmente está em Minas Gerais, em Belo Horizonte, na UFMG, trabalhando aqui. Tem um fluxo vindo aí. A gente tem a criação da Apan, que é a Associação dos Produtores do Audiovisual Negro. Em 2016, no Festival de Brasília, 169

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a Viviane Ferreira, que é diretora de Um Dia com Jerusa e é presidente da Apan atualmente, numa mesa junto com a Yasmin Tainá e outras pessoas, Jeferson De, vai discutir a presença negra no cinema brasileiro e sobretudo falar com apoiadores, parceiros do festival, cutucando de fato quem faz o festival acontecer, no sentido de estrutura material, dizendo: “Não dá mais para não ter a gente lá. Vocês falam seus discursos institucionais, que prezam pela diversidade, apoiando o festival que é a reiteração da branquitude que nos oprime”. Café com Canela vai para lá, em 2017. Só mais um ponto que gera o que a gente tem hoje, que é possível compilar os dados, em 2017 no Festival de Curtas de São Paulo, essa mesma Apan se reúne junto com outras pessoas, a Yasmin Tainá, que é esse caso emblemático de preterimento e de completa incompreensão do que o filme dela propunha naquele momento, o Kbela, que estoura fora e depois que vem para cá... Então tem a Yasmin Tainá, a Vilma Reis, que é socióloga e na época ela era ouvidora da Defensoria Pública do Estado da Bahia, algumas pessoas ativistas e a própria Débora Ivanov, que na época estava na presidência da Ancine, para gerar dados. Falaram: “Olha, é preciso gerar dados. A gente fica falando, aí fica tudo numa indeterminação e aí é fácil de combater”. Sobretudo numa sociedade racista que não quer discutir isso. E aí os festivais começam, alguns festivais, se não me engano, aí vocês me corrijam depois, acho que Brasília, o próprio Festival de Curtas de São Paulo, o Kinoforum, aqui a Universo Produção, Tiradentes e outros, o Festival de Vitória, para falar de festivais maiores assim, inserem a autodeclaração de gênero e raça nos formulários de inscrição. Fiz questão de fazer essa linha do tempo rápida, só para reiterar o que a gente está vendo aqui em Tiradentes, primeiro: não é novidade nenhuma para quem está acompanhando esse movimento. E segundo: é pouco. A presença de pessoas negras aqui, a presença de filmes de pessoas indígenas, porque inclusive essa demanda da Apan não é só pela presença de realizadores e realizadoras negros; é também de indígenas. O que me deixa feliz com a quantidade de filmes, e aí é um segundo ponto e já encerro para passar para a Clarice, é a ideia do plural mesmo. E aí o contra-hegemônicos dessa mesa, do nome desta mesa, é um posicionamento a partir dessa pluralidade que a gente vê nos filmes de um ideal de uma


é cinema. A ideia é só isso: o que esses filmes, essas presenças aqui nos dizem da forma de invenção de um mundo comum, para além dessa psicose da ultracerteza do sujeito universal da branquitude? CLARISSE ALVARENGA - cineasta e professora

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Queria trazer para vocês uma experiência que tenho desenvolvido na UFMG como professora, atuando junto com povos indígenas em Minas Gerais. O próprio ingresso meu na universidade como professora tem a ver com o fato dos indígenas já estarem lá e precisarem de pessoas que fossem professores deles e que tivessem algum conhecimento ou alguma possibilidade de diálogo com eles. É uma mudança institucional, que envolve ações afirmativas. A universidade passa tanto a assumir a política de cotas quanto também uma política de formação específica, atendendo a uma norma que está presente na nossa Constituição e que prevê a educação especial para os povos indígenas no Brasil e também para os afro-brasileiros. Ingresso na universidade dentro desse contexto, pelo fato de ter uma pesquisa com o cinema indígena e já ter atuado com alguns grupos. É

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sociedade racializada que não se entende racializada. Que é o ideal colonial. O ideal colonial pressupõe a homogeneidade: o negro. Como se fosse o lugar de uma única enclausurada possibilidade de existência. Cíntia Guedes esteve numa mesa aqui ano passado e ela falou de cativeiro estético. Não sei se é exatamente essa a ideia da Cíntia na época. Estou me apropriando de um termo e talvez distorcendo completamente o que ela quis dizer, mas essa unicidade de uma ficção de homogeneidade racializada. No caso da negritude, um acúmulo de estereótipos, inclusive, que geram perguntas como a gente ouviu aqui, direcionadas ao filme da Mariana, tipo “por que não tem uma mulher guerreira no seu filme?”. A gente tem ouvido muita pergunta racista aqui, não é, gente? Vamos falar a verdade. Também gera essa ilusão de um sujeito universal que, na verdade, é um sujeito branco eurocentrado. O que esses filmes estão dizendo é que primeiro: há uma pluralidade para além desse sujeito branco universal, que é um sujeito em ruínas, para usar um termo que foi muito usado aqui na mesa da manhã, e que internamente a esse grupo social que o imaginário brasileiro tende a ver como homogêneo, internamente a esse grupo há uma pluralidade. Isso é de uma dimensão imensa, me parece. Algo que era exclusividade do privilégio desse grupo social que é poder errar. A Viviane falou muito disso, não é? Imagina, em 1984, Adélia Sampaio. Depois agora só a Viviane. Quanto tempo até aparecer uma outra mulher para dirigir um longa, com essa projeção. Um longa de ficção. A Camila de Moraes dirigiu O Caso do Homem Errado, em 2017, um documentário. E a Glenda dirigiu junto com o Ary o Café com Canela. Mas uma única mulher dirigindo, assumindo sozinha a direção, desde 1984, não havia. Olha o peso que é isso para a Viviane: uma única mulher dentro dessa dinâmica colonial de que uma única mulher negra é responsável por dar conta de todas as mulheres negras ou todo o imaginário colonial brasileiro sobre o que pode ou não pode de uma mulher negra. Ela tratou isso de um jeito lindo, ela falou: “Não, esse problema não é meu. Eu posso errar nesse filme. É o meu filme. Não tenho que representar ninguém”. A gente vê uma pluralidade de filmes, cada um apontando para um lado. E apontando, inclusive, para o próprio cinema ou para a própria ideia do que a gente entende como cinema, a ponto da gente escutar que não

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importante a gente pensar que os povos indígenas sempre estiveram presentes no cinema. Foram filmados desde o cinema dos primeiros tempos, desde o Marechal Rondon. Desde as primeiras experiências com o cinema no Brasil, os índios foram enquadrados, foram montados filmes em que o objetivo era, de alguma forma, naquela época, eu digo no início do século passado, em 1930 principalmente, mostrar a política do Estado naquele momento, que era uma política de integração. Era mostrar o índio integrado à política governamental. Num segundo momento, a gente tem uma abertura, porque alguns cineastas começam a filmar povos indígenas com uma relação menos institucional e mais atenta à escuta desses povos, ao entendimento dessas culturas, então surgem filmes que são mais abertos inclusive à falta de entendimento, à ignorância desses cineastas em relação a esses povos. Foram feitos filmes incríveis dentro desse contexto. A gente pode lembrar, por exemplo, Andrea Tonacci, vários outros cineastas brasileiros, que fizeram filmes superimportantes com povos indígenas no Brasil. E a partir de um processo que vem também desses cineastas, vários grupos indígenas foram formados e passaram a fazer seus próprios filmes. É um contexto mais recente que a gente tem nessa passagem do cinema que a gente poderia chamar de indigenista, no sentido de que era um cinema feito por cineastas brancos ou não indígenas engajados na causa indígena, para um cinema indígena, feito pelos próprios indígenas. Esse processo se inicia na década de 80 e, de lá para cá, vários cineastas indígenas se formaram e vêm ganhando autonomia. A gente vive um contexto atual que é um contexto em que a gente já pode falar de cinemas indígenas, por exemplo, cinema xacriabá, cinema pataxó, cinema xavante, cinema huni kuin, pensando que cada um desses grupos tem culturas próprias, histórias próprias, demandas próprias e produzem sentidos para a experiência do cinema, que são também diferentes. É um contexto bastante complexo e recentemente chamaria atenção para a participação maior das mulheres indígenas, principalmente de 2015 para cá, que aí a gente percebe que as mulheres… Elas também, assim como os homens, estiveram presentes desde os primeiros tempos nos filmes que foram produzidos desde o Marechal Rondon; elas estão lá, os corpos delas estão lá, elas devolvem o olhar delas 171

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para a câmera, e elas são ativas dentro desse processo, mas recentemente elas passam a assumir o lugar de realizadoras, o que gera também algumas mudanças, no sentido talvez de uma ampliação de perspectivas para esse cinema. A poética contra-hegemônica estava sendo caracterizada como uma poética que poderia se contrapor diretamente a um cinema universal, como a Tatiana colocou, talvez, às vezes diretamente, às vezes não tão diretamente. Muitas vezes, os povos indígenas usam inclusive os próprios filmes que foram feitos deles mesmos no passado para ressignificar essas imagens e dar outro sentido para isso, questionar essas imagens. Existem várias formas, desde perspectivas que concedem uma importância aos rituais, por exemplo, como os xavantes que querem registrar esses rituais para poder guardar isso para as próximas gerações e para usar inclusive com uma perspectiva pedagógica dentro das próprias aldeias, até, enfim, cinematografias que apostam mais numa perspectiva política. As formas como o cinema é apropriado são muito diversas também. A dificuldade das pessoas de lidar com a diversidade desse fazer cinema nos dias de hoje, eu encaro que dentro do cinema indígena ou do cinema indigenista, essa complexidade da forma de lidar com o cinema está extremamente presente, e talvez eu reconheceria ou consideraria algumas pistas para a gente poder pensar maneiras de lidar com esse cinema, a partir da minha experiência. Tem filmes como o filme da Suely Maxakali, que vai ser exibido aqui nesta Mostra, que pode nos convidar, por exemplo, a conhecer mais sobre o povo Maxakali, sobre os indígenas no Brasil, sobre os rituais femininos, sobre a participação da mulher nas aldeias indígenas, sobre os espíritos. Posso ser convocada a uma relação com esse cinema, que talvez possa ser enunciada como da ordem de uma vontade de saber mais, de conhecer mais, de pesquisar ou ler sobre, ou procurar me informar melhor. Existe um outro caminho que esse cinema também nos convida ou nos convoca, que é o caminho da percepção como espectador, da gente se perguntar como espectador o que esse cinema faz com que você sinta, perceba, até do ponto de vista do próprio corpo, o que esse cinema faz com o meu corpo, como eu sinto, a minha relação com esses filmes, que esses filmes me dizem, como esses filmes alteram a minha percepção em relação a outros filmes, à


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minha vida, às pessoas, à sociedade... Tem outro caminho aí possível de ser trilhado, que seria um caminho da percepção, dos sentidos, do corpo. E talvez uma terceira pista seria exatamente a gente tentar entender os processos como esses filmes foram feitos e os processos que envolvem a circulação desses filmes dentro da nossa sociedade, como eles alteram os lugares, como um certo filme altera uma mostra, altera uma escola onde esse filme foi exibido, altera um determinado espaço onde ele se apresenta. Estou trazendo três pistas, mas existe uma infinidade de possibilidades de aproximação a esse cinema. E muitas vezes essas pistas não são pistas separadas; elas estão conectadas como encruzilhadas. Eu me sinto tanto mobilizada a saber mais, quanto percebo no meu próprio corpo questões que aquele filme suscitou, quanto também observo nas pessoas e na fala e nos festivais e nas mostras as alterações que esses filmes produzem, então isso tudo pode aparecer de uma maneira bem complexa. E existem muitos outros caminhos. Estou um pouco compartilhando com vocês algo que tem a ver com a minha experiência com esse cinema. É um desafio muito importante da gente como sociedade encarar. Vivenciei muito esse desafio, tanto como professora branca,

dando aula para uma turma de 35 estudantes indígenas, de etnias variadas no Brasil, eu tive que repensar toda a minha formação, toda a minha vida, tudo que eu sabia em função dessa experiência. E também escutar, observar, perceber a relação dos próprios indígenas com os filmes que eu trazia, e perceber como que eles lidavam com os filmes de uma maneira diferente da maneira como, por exemplo, eu tinha aprendido a usar esses filmes. É um desafio importante e minha contribuição aqui nessa mesa vai muito nesse sentido de tentar trazer essa experiência, que a gente pode conversar um pouco melhor depois sobre como é que isso se dá dentro da universidade, como tem sido essa formação de cineastas indígenas dentro desse contexto, a Sueli Maxacali é uma das estudantes desse curso, que é o curso de Formação Intercultural para Educadores Iindígenas. Eu atuo como professora e como coordenadora. CASTIEL VITORINO - artista A fala da Clarisse me fez continuar pensando algumas coisas. Uma demanda do nosso mundo que precisa ser resolvida; um despacho que precisa ser feito nesse mundo que é a construção de novos sujeitos. Eu, além de artista, sou psicóloga. Psicóloga clínica, e também a Clarisse falou uma palavra que me deixa muito perdida sempre, que é encruzilhada. Quero falar de produção, de processos de subjetivação e da encruzilhada. Estou visualizando dois caminhos agora para essa conversa. A primeira, muito embriagada de Denise Ferreira da Silva. Ano passado, vocês do cinema me pediram muito meu filme, criou-se um fetiche em cima de mim, dos meus filmes. Isso eu estou dizendo de vocês, não de mim. O fetiche fala de vocês, mas o fetiche que vocês têm em cima da minha produção artística poética não despotencializa a minha obra no meu parâmetro artístico. Ou seja, quando vocês analisam uma obra, a minha obra de arte através da lente da cognição e da emoção fetichista, a experiência de despotência dessa análise é uma experiência de vocês. É uma experiência sua e não minha. A minha produção artística continua acontecendo de modo espiralado, de modo misterioso, e do modo radical que deve ser feito. Ela continua acontecendo, porque eu continuo viva. A COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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despotência, a desgraça continua sendo de vocês. A desgraça cognitiva. E aí eu fui convidada também para dar um curso de arte contemporânea em Fortaleza semana que vem para um curso de formação de audiovisual. E estou tentando entender ainda por que vocês me querem tanto ainda. Vocês do audiovisual têm me querido tanto. Meu desejo não é de criar uma análise crítica sobre nada, mas uma análise poética, como a Denise vem me ensinando. Quando a Denise fala de uma análise poética ao invés de crítica, a mim chega assim, a experiência de construção de uma poética é a experiência de uma reelaboração de um processo de subjetivação. Na construção de uma obra, eu estou reelaborando a minha vida e uma reelaboração que possibilita continuar existindo. É através dessa reelaboração dessa vida que vou dizer aqui sobre a produção, a possibilidade de construir outros mundos. Para construir outros mundos, a gente aqui precisa morrer. E aí, falando de cinema, cineastas precisam morrer mesmo. E, bem, a morte é muito cara para mim, eu trabalho com morte há muito tempo, mas eu quero falar dela daqui um pouco. Quero dizer primeiro, porque minha análise é espiralada, então estou sempre iniciando alguma coisa com cada palavra que eu digo. E vou iniciar novamente dizendo que ontem foi o dia da visibilidade travesti num calendário que tenho abandonado, que é esse calendário ocidental colonial. Tenho abandonado esse calendário, porque desde quando eu comecei a acessar a minha espiritualidade travesti, tenho dado bom dia quando é noite e boa noite quando é dia. O processo de acessar essa espiritualidade não é voltar a um passado estático, mas fazer um caminho de volta que, por ser um caminho, é uma construção. Quando eu digo “acessar essa espiritualidade”, estou de fato criando; essa espiritualidade tem me feito repensar as minhas categorias de tempo. Para vocês do cinema, o tempo é caro. E vocês têm usado o tempo para mortificar, para nos fazer esquecer e para nos assassinar. A reelaboração do tempo que vocês fazem na sua obra é uma reelaboração colonial, racista, travesti fóbica e qualquer outra palavra que vocês podem criar para dizer sobre a experiência de mortificar. De me mortificar. Eu uma travesti, porque negra todo mundo já está vendo que eu sou. Essa transmutação, virar travesti, tem sido essa experiência de entrar em outro tempo, em outro 173

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mundo. E a experiência de virar travesti é uma experiência de transmutação. A experiência de transmutação tem sido de esquecer o tempo moderno. Quando a gente fala de fim de mundo, que mundo é esse de fato? Como a Jota Mombaça e a Mattiuzzi têm me ajudado muito a pensar: que fim de mundo é esse? É o fim do mundo moderno, é o fim desse mundo. Não é qualquer mundo que a gente está querendo o fim. E eu digo a gente, não é todo mundo aqui. Quando eu digo “a gente” não é todos aqui. Estou falando para um grupo misto, mas a minha análise possui densidades diferentes. E aí cada qual na sua cognição vai conseguir catar essa densidade. Esquecer o tempo tem sido a experiência também de lembrar do meu corpo, que é o que possibilita minha transmutação. Escrevo isso que escrevi aqui depois de fazer uma aula de iôga hoje de manhã e escrevo horas depois de ter bebido um tanto de cerveja também. Escrevo e escrevi com a minha mão ainda trêmula, com os movimentos de respiração. E escrevo para continuar respirando. A respiração é a vida. Não existe vida sem respiração. Nosso próprio planeta Terra, não estou dizendo de mundo, não estou dizendo mundo, estou falando planeta Terra. Os cineastas precisam estudar geografia e antropologia e quem puder fazer análise também, mas uma análise espiritual. Não vou entrar agora nisso, porque é uma demanda muito grande. Mas uma análise que consiga como a psicóloga que consiga perceber os processos da subjetivação da branquitude, então não é com qualquer psicóloga. Não estou patologizando nada. Só estou dizendo que vocês já estão vivendo um delírio. Não estou patologizando. Só estou pontuando que um delírio já está acontecendo, que é o delírio da branquitude. E uma das formas de curar esse delírio pode ser a terapia, dependendo da profissional. Estava falando sobre respirar. Respirar é viver e viver é respirar, porque esse planeta é construído para isso. Não vou entrar nos parâmetros bioquímicos e nem anatômicos sobre isso, mas quero me perguntar: como foi respirar dentro de um navio negreiro e como foi respirar dentro de um camburão. Ou seja, como continuar vivendo dentro de um navio negreiro e como continuar vivendo dentro de um camburão? Como respirar, ou melhor, como respirar no apocalipse, enquanto se espera esse mundo novo chegar? Como continuar vivendo no apocalipse enquanto esse novo mundo se faz?


A demanda do fim do mundo e do novo mundo sempre aconteceu e acontece até hoje, porque esse translado, que não se iniciou com a escravidão, mas eu estou dizendo sobre a escravidão. Muito antes da escravidão os povos africanos já vinham para isso que a gente chama de Brasil, para esse território. Mas dizendo sobre a escravidão, quero entender como que eles conseguiam respirar dentro desse navio, dentro desse cativeiro. Como a gente está respirando aqui dentro? Essa arquitetura de fato é colonial e estou dizendo dessa arquitetura mesmo. Todos estão olhando para mim, eu estou olhando para todos, eu estou sustentando o olhar de pelo menos 50 pessoas. Vocês estão sustentando apenas o meu olhar. Como eu construo um corpo que consegue sustentar todos esses 50 olhares? E como eu consigo criar uma narrativa decolonial, antirracista, seja lá o que for nessa linguagem portuguesa, que é uma linguagem de merda, nessa arquitetura que não está organizada para eu fazer isso? Arquitetonicamente, como falar de decolonialidade, de construção de um outro mundo, nessa arquitetura desgraçada? E como falar de decolonidade, de fim de mundo, de outras narrativas, em português? Sendo que a língua e a linguagem é o limite? Ela é o limite. A palavra negro é o limite. A palavra branco é o limite. As palavras são limites. E como nós, sujeitos da contemporaneidade brasileira ou da modernidade brasileira, temos utilizado da linguagem, não só falada e escrita. Mas a linguagem do audiovisual, da escultura e a linguagem corporal ou gestual, para construir outro mundo, que eu não quero mais habitar o novo mundo. A demanda para mim não é habitar o novo mundo, mas é construir um novo mundo. Tenho precisado elencar o que me interessa e o que me importa. Pouco me importa o lugar de fala. Não estou nem aí nem aqui, eu estou no local de trava. Pouco me importa o local de fala que a sua cis-generidade racista tem escolhido para mim. Pouco me interessa dizer sobre o que vocês acham que eu preciso falar. O que vocês querem que eu fale, sendo eu uma travesti preta? E aí perguntando para os cineastas: como vocês querem que a gente fale nos seus filmes? Mas eu acho que essa pergunta é muito pouca, é muito básica. Não me interessa se vai fazer filme de travesti ou não. Não é só isso. Ou melhor, claro que me interessa. Mas a questão não é só o sujeito cineasta, mas é esse sujeito colonial que se torna o cineasta.

Entende a dobra? Esse sujeito colonial é cineasta, mas ele pode ser curador, psicólogo, gari, e ele é qualquer outra coisa que ele quiser e continuar sendo colonial. Continua sendo colonizador. Quero falar de colonizador e eu quero continuar falando dessa produção de um sujeito. Bem, essa questão de pouco me importa o local de fala, novamente a Jota, a Michele têm me ajudado muito a pensar nisso, porque não quero esse local de fala. Eu quero o local de trava. Eu quero o local de vida e eu quero o local de contradição. Eu quero o local de falha. Também pouco me importa a representação. Não estou aqui representando ninguém e ninguém está me representando. E aí? Que estou fazendo aqui então? É preciso me compreender numa dimensão que sou, que é singular. Mas a minha singularidade é produzida numa coletividade. Estou aqui traduzindo, ou seja, reelaborando, uma coletividade que me faz gente, que me faz sujeita, que me faz uma pessoa, mas que não me faz humana. Também não sou humana e nem pretendo ser. Mas direi que sou quando for preciso, para continuar existindo. Essa coletividade nos conecta. Se fosse falar de uma coletividade, se fosse falar de representação, não poderia nem falar, porque neste festival só tem mais uma travesti além de mim, que é a Vita. E aí na cabeça de vocês, na cognição e na emoção de vocês, a representação é uma forma de equalizar a minha existência com outra existência. Só quem poderia me representar seria a Vita, só que a Vita é completamente diferente de mim em altura, em tonalidade de cor, em experiências de mundo e travestilidade. A representação é uma questão falha, mas uma questão falha que dá muito certo para vocês. Quem? Vocês, branquitude. E vocês cis-generidade. Local de fala, representação, são coisas que dão muito certo para a cognição de vocês, porque é uma cognição limitada. Muito limitada e fraca. Ao mesmo tempo, violenta. Por isso que falo para fazer terapia, porque é um local que vocês podem construir uma outra cognição e uma outra forma de sentir mesmo. Sentir o mundo. Não sou a Vita, nem quero ser, mas ela é uma amiga minha que eu a amo muito, e somos travestis negras. Estamos conectadas de alguma forma. Temos travestilidades racializadas singulares, mas nessa sociedade desgraçada, nos conectamos, assim como me conecto com todas as pessoas negras que estão aqui e, de alguma forma, me conecto com outras COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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racializações que acontecem e todas nós também estamos conectadas nesta sala, porque eu estou no mundo, porque ele está em mim. Em uma frequência outra, mas estamos conectadas, de alguma forma. Essa conexão é feita num gesto. A conexão de uma travesti com outra é feita num gesto e numa linguagem. Você reconhece um caboclo, porque existe uma coletividade de caboclos que compartilham de um gesto e um modo de falar. Você reconhece uma travesti, porque existe uma coletividade de travesti que cria para si códigos e signos capazes de nos diferenciarmos de vocês. Mas como a gente produz outros signos e outros códigos? A tradução para nós da diáspora banto é uma experiência de manipulação de vida. O Tiganá Santana vem falando do tradutor feiticeiro e, de alguma forma, o artista também é uma experiência de feitiçaria. A feitiçaria, a macumbaria, o curandeiro. A curandeira é aquela que consegue manipular a energia vital. E o curandeiro precisa construir objetos e todos os objetos que ele cria é preciso encantar para que esse objeto tenha a sua eficácia no mundo para o qual ele foi criado. O curandeiro manipula palavras, manipula vida, assim como o artista também manipula a vida. A questão é: não precisa ser um artista curandeiro para manipular vidas. Não precisa ser um artista que está em sincronia com a existência de um caboclo para manipular vidas. A manipulação de uma vida, ou seja, a tradução dela se faz também na experiência da mortificação. E o cinema brasileiro tem traduzido nossas vidas de uma forma mortificante. Ou seja, vocês traduzem a minha experiência travesti de um modo que me mata sempre. E aí a tradução é isso, é feita com o sujeito sujo, híbrido, muito sujo. Mas vocês, sujeitas da branquitude e sujeitas cis-gênero, vocês são criadas num projeto de modernidade, e a modernidade vai compreender, vai tentar construir um sujeito límpido, transparente. Esse sujeito transparente não existe, mas na tentativa de se fazer existir, passa a nos violentar. Esse sujeito transparente nada mais é que essa ideia de artista que é límpido. Eu comecei dizendo que quero que vocês todos morram. Mas vocês sabem o que é a morte que estou falando? Pessoas de axé vão saber. Mas não é a morte do colonialismo, não é o esquecimento. Existe um ponto na macumba que fala: “juraram de me matar na porta de um cabaré”. Existem vários outros pontos que falam de morte. Na 175

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macumba, a gente trabalha com almas, com essas pessoas que morreram e voltaram. Voltaram para quê? Para onde eu voltei? Eu desejo a morte, essa morte da transmutação. Quando meu avô morreu, meu avô Benedito, ele morreu no final de 2018, eu não conseguia comer peixe. Quando ele morreu, ele se transformou em minha vontade de comer peixe e em minha vontade de comer jaca. A minha avó tem diminuído de tamanho, no processo de velhice. E como sempre, eu brinco, gargalho com ela sobre isso. Ela diz: “quando a gente fica velho, a gente diminui, e a gente só volta a crescer, quando a gente morre”. A experiência da morte é uma experiência de transmutação. Viver de outra forma, se transformar em outra coisa. E o cinema brasileiro precisa morrer para se transformar em outra coisa. Mas isso é só uma introdução, porque é um grupo misto, então não consigo dizer nas profundidades o que é preciso dizer, e também é um tempo limitado. Tenho o desejo de falar com pessoas racializadas negras e continuar esse debate. Tenho o desejo de falar com pessoas brancas também, me interessa um pouco, mas por ser um grupo misto é o que eu consigo dizer agora. E é isso, que algumas pessoas morram, e que outras desapareçam. JANAÍNA OLIVEIRA - pesquisadora e curadora Queria fazer dois comentários que têm a ver com essa dimensão das coisas que eu fiquei ouvindo das mesas anteriores. São duas observações rápidas sobre essa crise do cinema nacional, que de algum modo atravessou várias conversas aqui. Queria reiterar o que foi dito também nessas mesmas mesas e nas conversas de corredores e que se conecta muito com o que Castiel falou aqui, desejando a morte. Para aqueles que são historicamente os excluídos e explorados da dinâmica capitalista que orienta a produção cinematográfica, essa crise, a escassez, a impossibilidade financeira que limita os projetos, os desejos e as vontades, é um dado básico de realidade. Não é nem um pouco uma tentativa de falar que o que a gente está vivendo nesse país não é tão ruim assim. Não, é um terror. Mas afeta as pessoas, afeta todos nós de uma forma diferente. O fato da gente estar todo mundo aqui agora, neste auditório, não significa que a gente está no


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mesmo lugar. Castiel acabou de citar, sobre o fim do mundo, falando também na Jota, então é isso mesmo que vocês estão sentindo, tem um fim do mundo, está acontecendo, mas a reverberação é diferente e eu estou mais interessada, então o que vai acontecer no novo mundo? Teve algumas falas bem apocalípticas, no sentido: “Meu Deus, está acabando, e aí, e agora, o que que a gente faz?” – não só aqui, mas em outros festivais também e debates de que já participei recentemente, porque tem tudo isso acontecendo e, ao mesmo tempo, e este é o segundo ponto desse comentário inicial, é a gente nunca viu tanta presença física de filmes, em mostras e sets, de pessoas identificadas ou pertencentes a grupos não hegemônicos. Pessoas que não são brancas, nem são de classe média, nem são de classe média alta, nem masculino cis-gênero estão nesses lugares. E aí, chamando uma atenção, corroborando com um ponto que foi falado na mesa Viver de Cinema, isso também não é uma questão só do Brasil, isso acontece no mundo. Essa presença vem acontecendo cada vez mais, a gente pode dizer que é uma tendência no mundo hegemônico do cinema, abrir espaço para a assim chamada diversidade em postos diferentes da produção, como, por exemplo, da

curadoria, como acontece no Festival de Brasília, como acontece em Berlim, Roterdã, Locarno, Sundance, a gente pode fazer uma lista grande dessas experiências no Brasil e fora. Isso é lindo, precisa ser celebrada essa presença. A gente fica feliz, até a página dois, porque é muito bom não ser a única pessoa preta do rolê, de você chegar num lugar e você não estar se sentindo literalmente só. Lembro há dez anos, quando ia para festivais de cinema hegemônicos, primeiro que ninguém me conhecia, e pra quem me conhecia eu era aquela pessoa chata que falava de cinema negro. As pessoas também não me curtiam não, eu não era muito popular. É bom você chegar e encontrar pessoas que você gosta, que você admira, que você acompanha o trabalho, e que se parecem com você. Como disse a Léa Garcia, no debate sobre Jerusa, da alegria dela de pela primeira vez na vida estar num set de filmagem onde todas as pessoas são negras. Mesmo a Léa Garcia, que numa entrevista, agora me falha a memória, acho que dos anos 80. Tinha uma novela chamada A Escrava Isaura, a Léa Garcia fazia o papel de uma escravizada e perguntavam para ela: “poxa, Léa, por que você tem o olhar tão triste naquela novela?”. E ela diz que o olhar triste dela é porque mesmo no momento, na hora da gravação, mesmo quando a fala, a cena era toda dela, a câmera estava mostrando uma pessoa branca. Dessas relações, eu falei que é bom, mas até a página dois, porque isso assinala também um paradoxo. Por exemplo, a Jota Mombaça, que é escritora e artista visual que a Castiel já trouxe aqui, num texto que vai ser publicado agora no início de fevereiro no Masp, que se chama A plantação cognitiva, plantação no sentido de plantation, que é um diálogo também com Denise Ferreira da Silva, e também com o Édouard Glissant, escritor da Martinica e poeta. Ela vai falar que esse sucesso vai chamar atenção, no caso ela está falando das pessoas negras, mas a gente pode estender para esses grupos que estou chamando de não hegemônicos, esse sucesso nas artes e também aquilo que reinscreve e alimenta esse sistema que historicamente nos exclui e nos explora. Estou mais interessada nesse momento depois do novo mundo, onde a gente vai discutir isso: de que maneira estamos inseridos e de como podemos ser diferentes, então as minhas considerações na verdade têm a ver com esse interesse de pensar outras coisas. A realidade é COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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essa. Nunca trabalhei tanto na vida. Está ruim para uma galera, mas tem outra galera que não está tão ruim não. Não estou falando de Tiradentes, estou falando no cômputo geral. Nunca vi tantas pessoas não hegemônicas fazendo filme. Nunca vi, nunca tive notícia no Brasil, pelo menos. O fim do mundo está aí, beleza, vamos adiante. Aí conectando com a proposta do debate, quando a gente fala em cosmopoéticas contra-hegemônicas, formas de invenção de um mundo comum, de um cosmos, de algum modo fora, de uma maneira extemporânea, da dominação ocidental. E isso não é novo. Se a gente pode pensar nas cinematografias africanas, o Ousmane Sembène, que ficou conhecido como o pai do cinema africano, a gente pode dizer que ele vai nomear essa cosmopoética africana no cinema de um cinema de mégotage. Em francês, mégo é a guimba do cigarro e mégotage é o processo quando você junta. Não fumo, mas já vi acontecer. Quando se juntam várias guimbas para fazer um cigarro novo. Ele vai falar que o modo africano do cinema é o modo africano dessa mégotage. Mas que não é só para ser lido como a dinâmica do improviso da escassez. Na verdade, está apontando para alguma coisa mais interessante, que a gente precisa pensar, que está nesse universo dessas cosmopoéticas contra-hegemônicas. Ela se conecta com essa ideia que vem sido falada aqui, proposta pelos curadores, da imaginação como potência. É você ter um repertório de mundo que a forma tradicional que o cinema aborda também não dá conta. Os filmes, em certas medidas que a gente vê aqui, expressam isso. Essa ideia que estou trazendo muito rapidamente, que é essa ideia de mégotage, aponta para uma certa incompatibilidade ou fazendo uma certa traquinagem conceitual com a incompossibilidade, no sentido que Deleuze dá à expressão de Leibniz. O incompossível para o Leibniz é quando o mundo não tem jeito. Tem o possível, o impossível e o incompossível. Incompossível é quando não dá mesmo. Quando os mundos não se conectam. O Deleuze vai fazer uma outra leitura e vai dizer: “Não, tem aí o modo da incompossibilidade de relação”. A incompossibilidade apresenta um obstáculo forte. Quando a gente está discutindo as cosmopoéticas, que se relacionam com as cosmogonias, que se relacionam com as cosmopolíticas, não hegemônicas e hegemônicas, a gente está lidando com essa incompossibilidade. E a 177

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pergunta é: como a gente vai se relacionar depois que o mundo acabar? Ou não. A gente pode pensar isso como um modo próprio mesmo dessa perspectiva colonial, que está no mundo, lidar com aquilo que é diferente. Aquilo que é diferente no mundo colonial, para ser compreendido, precisa ser aceito, para ser aceito precisa ser reduzida, equacionada com clareza, precisa ser transparente. Você precisa dizer o que é. Esse é o modo de proceder das relações de poder que se estabelecem quando a determinação é feita por outra pessoa que não você. A Spivak chama isso de violência epistêmica, quando aquilo que você é é determinado pelo outro. E essa forma de existir se orienta por esse desejo de transparência, porque no final das contas é você codificar o que as pessoas são, e aí a ideia de representação é isso, Castiel deu esse exemplo, da relação de como a representação torna isso palatável. É exatamente isso, porque você já disse o que é, você compreendeu, você encontrou alguém próximo. Como foi aquilo? Não dá refluxo, é meio tenso, mas você engole. É esse o termo da convivência com o outro. Pode estar meio abstrato, mas depois vai ficar melhor. E aí se não for transparente? Então, mata. Mas aí não é essa morte de transmutação não; é morte mesmo; se extermina não só fisicamente. Existem diferentes formas de estratégias de extermínio. A gente pode falar em epistemicídio, para usar um termo da bibliografia colonial, a gente pode falar em necropolítica para retomar um termo do Achille Mbembe, que já foi mencionado aqui em outras conversas, e, no caso do cinema, aquilo que não se compreende geralmente se desqualifica, se diminui, em tentativas por vezes grosseiras e desesperadas de esvaziamento de potência. Se condena ao ostracismo, a morte como um esquecimento. O ostracismo às vezes nomeado, nomeando, fornecendo alguns rótulos, por exemplo, como periférico, menor, menos importante. Aí vai dizer que é coisa de preto, é coisa de trans, é coisa de índio, é coisa de mulher, é coisa do subúrbio, do interior. Há muito frequentemente no status quo do pensamento cinematográfico não só no Brasil, mas de um modo geral, um certo pânico em simplesmente não entender e dizer que não viu, que nunca ouviu falar. Já que a gente está nesse momento de apocalipse, vou ajudar. Tudo bem, gente, não tem problema em não ter visto, em não saber, em não ter a menor ideia do que se trata. Tem


um manifesto que foi publicado recentemente de um crítico estadunidense de origem asiática, que chama Para uma nova cinefilia, é esse diálogo, outras formas de pensar a relação com os filmes. É contra, em certos sentidos, as violências que as cosmopoéticas levantam, mas não é só isso, porque isso também precisa ser entendido. As cosmopoéticas existem. O contra é uma briga do mundo, porque não tem escolha. Senão, parece que a gente está só falando na gramática do outro, e não é esse o ponto, é outra coisa. Nessa dinâmica da transparência, como que a gente então arruma outras possibilidades de você lidar com aquilo que você não entende, de modo a lidar, eu não vou conseguir outra palavra melhor, com aquilo que é singular, sem reduzir, e aí eu tenho uma ideia que trouxe para o meu trabalho recentemente. Muitas pessoas sabem que vou fazer a curadoria do Robert Flaherty Film Seminar, em Nova York, este ano, que não é um seminário, é uma imersão em cinema, que as pessoas vão para um lugar no norte de Nova York, no campo, e ficam lá de sábado até sexta-feira assistindo a filmes e discutindo com os artistas convidados. Só vou programar os filmes. O tema que eu propus se chama “Opacidade”. Enfim, vou ler. “Incerteza, fragmentação, opacidade. Vivemos em um tempo em que a transparência de convicções e definições e o desejo total de compreensão das diferenças, que historicamente guiavam o mundo ocidental das imagens, não se sustentam mais. No cinema, as fronteiras entre o centro e a margem foram dissolvidas. Hoje a questão central, o cerne da questão crítica, pode não ser mais a realocação do centro, mas a nossa percepção das margens.” Um parêntese. Essa ideia da gente reelaborar a percepção do centro e margem, na verdade, para mim foi uma ideia, um pensamento que veio a partir da frase da Toni Morrison, em uma entrevista de 1993, em que ela diz assim: “Eu permaneci na margem e a reivindiquei como centro. E deixei que o resto do mundo viesse até mim”. Agora volto para o texto: “As fronteiras geográficas tradicionais do cinema se mostraram insatisfatórias, pois as conexões culturais históricas estão sendo continuamente trabalhadas. As imagens em movimento exigem que os cineastas e espectadores negociem o que não é compreendido. Não existe um ponto cego, nunca houve. Os pontos são opacos e nos obrigam a criar novas ferramentas para

descrever o que vemos, sentimos e pensamos. A 66a edição do Robert Flaherty Film Seminar nos inspirará a olhar desafiadoramente para os pontos opacos e nossa compreensão das imagens, conforme sugerido pelo filósofo escritor Édouard Glissant. Os trabalhos apresentados clamam pelo direito à opacidade para todos, em suas singularidades irredutíveis. A opacidade aqui é como uma força desdobrável que cria aberturas e infinitas possibilidades de existência cinematográfica, especialmente para temas até então excluídos ou menos valorizados nas telas convencionais. O seminário será uma oportunidade de experimentar uma imagem em movimento em seu poder, beleza, e acima de tudo, em sua ordinariedade como um convite para deslocamento ou provocação, isso aponta para um futuro aberto para liberdades culturais, formais e estéticas onde o questionamento é priorizado em vez de encontrar respostas”. É mais interessante perguntar que questionar. Encerrando essa ideia para a gente conversar da opacidade, como uma ferramenta, ela nada mais é do que um convite ao deslocamento. Um deslocamento onde a gente possa achar caminhos outros para lidar com as incompossibilidades das cosmopoéticas, inventando assim, quem sabe, as cosmopolíticas. Mas o deslocamento é também desconforto. Outro tema presente também nas conversas de corredor do festival aqui. E esse desconforto, ninguém gosta de desconforto, todo mundo gosta de se sentir bem. O desconforto é o lugar de quem não é hegemônico vive. O que a gente está vivendo, talvez isso precisa ser exaltado e celebrado, apesar de não ser uma coisa que as pessoas estão curtindo muito, que é essa redistribuição do desconforto. Isso realmente me faz bem. A redistribuição de desconforto é também uma dimensão de autocuidado. Não posso ser sempre eu ou as pessoas não brancas que se sentem sempre fora do lugar, sempre não adequadas. Isso dialoga, essa redistribuição do desconforto, por exemplo, com uma outra forma de redistribuição que, na verdade, é a mesma, que a Jota vai falar num texto que se chama Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência. A premissa básica desta proposta, da redistribuição da violência, é de que a violência é socialmente distribuída. Não há nada de anômalo no modo como ela intervém na sociedade. É tudo parte de um projeto de mundo e de uma política de extermínio COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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e normalização orientada por princípios de diferenciação racistas, sexistas, classistas, cis-supremacistas e até normativos, para dizer o mínimo. Redistribuir a violência neste contexto é um gesto de confronto, mas também de autocuidado. Não tem nada a ver com declarar guerra. Trata-se de afiar a lâmina para habitar uma guerra que foi declarada à nossa revelia. Uma guerra estruturante da paz deste mundo e feita contra nós. Estas cartografias necropolíticas do terror nas quais somos capturados são a condição mesma da insegurança privada, social e antológica, da ínfima parcela de pessoas com status plenamente humano do mundo.

DEBATE COM O PÚBLICO Lorenna Rocha (crítica) - Minha pergunta é para Jana e Castiel. Essa discussão sobre lugar de fala virou realmente um mecanismo às vezes. E também outros textos da Janaína e da Jota e da Kênia Freitas, que não está aqui, mas está no coração da gente, e tem alguns textos que dialogam também com a temática do festival, sobre esse processo de imaginação como potência e de fabulações. Esse caminho entre a fabulação como uma forma de superação da representação, das poéticas de representação. Queria que vocês comentassem um pouco mais sobre isso, porque ainda é um lugar de opacidade, pensando a representação hoje muitas vezes levada para um lugar de coletividade de que a gente precisa nomear algumas coisas para poder identificar certas violências, mas ao mesmo tempo a gente no processo, até na perspectiva meio de Fanon, “eu sou um homem e negro”, ainda. Para superar esse processo de representação e criar uma outra coisa. Queria entender um pouco mais dessa visualização que tem na fala de vocês de uma maneira um pouco mais expansiva, trazendo para dentro dessa parte da fabulação mesmo. Janaína Oliveira - Não sei por onde começar. A ideia que se relaciona muito com essa questão da opacidade tem a ver com o universo das experiências negras no mundo. Tem a ver com essa experiência da morte, que está relacionada à questão do tráfico atlântico de escravizados, que marca a experiência das pessoas negras dentro e fora do 179

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continente africano no mundo colonizado. E algumas impossibilidades, na verdade, de você elaborar sobre essa experiência. Em inglês, fala blackness. Em português, negritude não ajuda, porque é uma palavra que tem historicidade com vários conceitos e movimentos, então o que estou falando aqui é blackness quando estou falando de experiências negras, então o que existe para além dessa dimensão do trauma? Passando Fanon, passando o trauma. Não vou entrar nessa coisa da nomeação, porque é diferente. Sujeitos subalternos periféricos quando nomeiam é outra coisa. Outra coisa é você ser nomeado nessa estrutura. A gente tem que nomear, a gente tem que falar “pessoas brancas, cis, classe média...” Aí é uma outra dinâmica política. A conversa, tanto da Kênia, que dialoga com tudo que a gente falou aqui, tem, por exemplo, nessa ideia da fabulação crítica, que não é uma fabulação qualquer, que tem a ver com Saidiya Hartman, que é uma escritora historiadora estadunidense, que vai dizer assim: como lidar com essa experiência do trauma, ou seja, com essa experiência de morte que permeia a blackness, sem replicar a violência que está presente nela? Ou seja, não é esquecer, não é deixar para lá, é você ir para um outro caminho e lugar. Por exemplo, tem uma frase do Fred Moten, que é outro pensador superimportante para mim nesse momento da vida, que vai retomar a Saidiya Hartman também para falar dessa experiência, dessa opacidade. A Saidiya Hartman não chama opacidade, ela fala da obscuridade. Ela fala que a obscuridade, aquilo que a gente não sabe precisa ser respeitado. E aí o Fred Moten diz que isso é um imperativo político que inspira um projeto inacabado de emancipação, assim como um número infinito de outras transições e travessias em andamento. Que isso quer dizer? Você garante que as experiências singulares vão continuar existindo e o esforço não é decodificar isso numa experiência palatável. O esforço é você criar outras ferramentas para lidar com aquilo que você não entende. Sujeito e objeto não vão mais fazer sentido. Você não enquadra mais, você se recoloca no mundo. Por isso que a ideia de deslocamento é importante. É você sair do lugar onde você estava, onde tradicionalmente você compreende o mundo, e entender que tem coisas que você não vai entender. Ponto. Aí você sofre. Próximo passo: como lida com isso? É esse o desafio e a ideia de fabulação


crítica está exatamente isso, porque o que a Saidiya Hartman vai fazer? Ela lida com arquivos sobre a escravidão, sobretudo focado em mulheres negras, e esses arquivos dizem o quê? Números onde as pessoas morrem. É só morte, é só desgraça, é só desterro e violência. Então como contar essas histórias sem reproduzir essa violência? Ela vai começar a fabular criticamente, fazendo uso da imaginação como potência sobre essas experiências. Aí você fala: “mas ela vai estar contando coisas que não aconteceram?”. Ninguém sabe o que foi que aconteceu. E isso vai para outro lugar, outro lugar do registro, outro lugar da experiência, outro lugar da impossibilidade, por exemplo, que é um fato para as pessoas negras de se ter uma árvore genealógica. São outros lugares. Castiel Vitorino - Penso que a questão do local de fala, aí tem que fazer uma análise histórica do Brasil, mas muito orientada. Tem um marco, porque tem um livro, O que é lugar de fala, da Djamila Ribeiro. O que tenho percebido e me perguntado é por que a branquitude gosta tanto do local de fala? Eu tenho críticas à Djamila Ribeiro, porque tenho críticas a qualquer pessoa, mas críticas de não botar fé em algumas coisas. A questão do local de fala é que se tornou uma questão identitária e a culpa é da branquitude, porque pensando o corpo como local, a Leda Maria Martins vai trazer o corpo como um local de memória. A branquitude se apropria dessa memória corporal, que é uma memória gestual, cognitiva e emocional, espiritual também, e recodifica essa memória em um local. Esse local, que ela chama de local de fala, vai corresponder aos ideais cognitivos de uma pessoa branca. Quando espera que eu como uma travesti preta do Sudeste, brasileira, da diáspora banto, fale alguma coisa, ela quer que eu fale alguma coisa sobre a existência dela. Legitima, de alguma forma, a existência dela. Para mim, o problema são as pessoas brancas usando do local da nossa existência. Não estou cometendo o mesmo erro que elas cometem com a gente de cristalizar elas num outro local de fala, mas entendê-las na produção de um sujeito branco. Quando se torna branco, ele precisa de um outro, que esse outro são as pessoas racializadas para afirmar sua existência. Só existe branco, da forma que existe esse branco moderno, se existe o sujeito subalternizado. E

quando pede para a gente falar é para reafirmar essa existência branca. E aí o local de fala é isso. A fabulação é uma palavra muito difícil para mim, mas fico pensando na possibilidade de imaginar outra coisa. E para você conseguir imaginar outra coisa, você precisa tornar-se um outro sujeito. Aí cada um com seu cada qual. Como que você vai criar esse outro jeito? Aí eu não sei. Janaina Oliveira - Materializando num exemplo bem cotidiano das coisas, você fala do cinema negro. Historicamente tem uma longa discussão do que são pessoas negras, temas negros, não sei o quê. O fato é que nas histórias dos movimentos negros do mundo, nessa luta por autodeterminação, há sempre esse esforço de você acabar criando um quadro de imagens, um repertório do que sejam essas experiências negras no mundo. E o tensionamento, porque isso não diz respeito só ao universo da branquitude. Isso está na cabeça das pessoas negras também, nas pessoas racializadas também. De repente, você vê um filme que não dialoga com esse repertório de imagens. E aí o que você faz? Na chave da transparência, porque a gente está num mundo colonizado e a gente também faz esse protocolo. A gente enquadra, e a gente diz: “não é coisa de preto isso, está embranquecendo, se vendeu ao sistema...” A gente desqualifica. A gente reproduz essa lógica da transparência. Quando a gente fala em opacidade, em deslocamento, não é só... Quem me conhece sabe; estou muito pouco interessada nessa pedagogia da branquitude, entendeu? Se quiser ir, vamos, mas assim, aquele meme favorito, “tem tempo, irmão”. Mas de boa, vamos junto, mas não vou ficar na página um. É essa complexidade de você fazer esse deslocamento. Acontece em todos os lugares, o tempo todo, tem mil exemplos. Lembro do debate do Temporada, que um determinado crítico de cinema disse assim: “como é que essa periferia existe sem violência?”. Ou seja, no repertório determinado da experiência negra periférica, o que você faz? Morre, sangra, sofre. Se você não está fazendo isso, você não é preto. Gente, estou acabando de dizer, minha vida nunca esteve tão boa. E sou preta, vocês podem achar que não, esse cabelo me enfraquece, eu sei. É como se você tem sempre que estar sofrendo, lutando, se superando, satisfazendo. Esse olhar que historicamente te exotiza. COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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Juliana - Tenho 60 anos e lembro que ia ao cinema assistir a filmes. Tinha em São Paulo um cinema pequeno, era um cinema de arte. Então era Bergman, eram filmes que faziam você sair de lá pensando, quer dizer, se morria a cada filme que você assistia; se transmutava, você virava uma outra pessoa. E sempre me pareceu que a sétima arte é um instrumento disso. A Castiel falou uma coisa que achei muito interessante, que é a língua portuguesa, a língua que a gente fala, a língua que a gente tem para falar aqui, ela não comporta tudo. E tem muitas coisas que a gente nem sabe e nem consegue decodificar, colocar em palavras, através da linguagem. Mas a sétima arte consegue, porque ela tem outros instrumentos. Ela tem as luzes, as cores, ela tem os movimentos, ela tem um monte de coisa. A gente está vivendo um momento de muita angústia, das pessoas estarem muito preocupadas em mostrarem “ó, eu existo, eu estou aqui” e acho que esse momento que a gente está vivendo e que a fala parece que está se tornando um pouco mais possível, com um pouco mais de opressão, como era lá na época que eu vivi da ditadura. E aí a Janaína falou uma coisa que achei muito legal que é essa coisa de pensar para frente. Quem é da sétima arte tem que utilizar esse instrumento que é superpoderoso para transmutar, para fazer com que as pessoas transmutem. E não interessa se quem está fazendo o filme, se é branco, negro, pobre, preto ou sei lá quem é, mas que o cinema faça, provoque no outro alguma coisa de mudança. Na minha opinião, acho que isso é superimportante e gostaria que vocês falassem um pouco dessa função, talvez. Lilis Soares (diretora de fotografia) - Eu achei a mesa extremamente interessante no nosso processo de construção, esse início de discussão dessa construção de novas narrativas. Pelo que me cabe também, até pela minha área de trabalho dentro do cinema, o que me provoca muito sobre esse processo fílmico, sobre como a gente pode de fato trazer algo relevante nesse processo e fazer com que as pessoas se sintam tocadas no nosso processo criativo, é sobre a rotina, as nossas escolhas, o nosso processo real de trabalho, a prática, porque às vezes eu acho que a gente analisa também 181

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muitas imagens prontas, mas esquece do processo. E às vezes, o que a gente vê nas telas passa por muitas mãos diferentes. Quando a gente fala de fotografia, também passa pela forma como eu trato meu chefe de elétrica, eletricista, maquinário. A gente sabe que num processo na sociedade de elite, às vezes, os perfis que estão em funções como essas são também subjugados, subordinados. A gente não fala de fato sobre o cinema e sobre nosso próprio processo criativo diário. A gente se preocupa tanto dessas relações e também estar presente de uma forma que permita com que essas relações sejam mais respeitadas, que às vezes a demanda também de pensar na construção da imagem, com o olhar mais específico se torna mais desafiante, porque é cansativo ter que lidar com tanta coisa. Gostaria que vocês falassem sobre isso, se de fato existem textos ou pessoas que pensam sobre um processo diário de se fazer imagens, de se fazer cinema, das relações que a gente tem no set com direção. Sou uma fotógrafa negra. Tenho muitas visões diferentes. Dependendo da pessoa que me chama para trabalhar, a gente tem olhares completamente diferentes, e como pensar nessas pontes para de fato fazer com que a nossa presença seja relevante a longo prazo. Castiel Vitorino - Lilis, participei de alguns sets de filmes já e é uma relação muito de hierarquia, muito violenta. Muito violenta de cansaço. E eu também sou de terreiro, que é um processo coletivo. Fiquei lembrando da experiência de viver um terreiro, que existe hierarquia, mas a palavra hierarquia também não consegue dizer sobre o que é viver uma macumba no terreiro. Todas as pessoas têm uma função e a gira acontece, porque essas pessoas exercem essa função no respeito mútuo, numa relação de mutualismo, e essas funções falam de responsabilidades. Essas responsabilidades são ganhadas na experiência. De acordo com a experiência que você tem, você tem uma especialidade. Ou seja, se você tem uma experiência de tirar foto, você pode assumir a função de diretora de fotografia, assim como se você tem 500 anos de santo, de várias encarnações, você pode ser a mãe de santo e por aí vai. Então fiquei pensando nisso, viver um terreiro e viver as relações de hierarquia de outra forma.


Clarisse Alvarenga - Vou tentar falar um pouco sobre as duas perguntas, porque elas estão totalmente interligadas. Dentro do cinema ameríndio, indígena, o que acontece é que cada povo indígena que se apropria do cinema e passa a usar o cinema como uma linguagem modifica esse cinema, transmuta esse cinema. Indigeniza esse cinema. E isso é extremamente importante para o cinema, porque o cinema é uma arte ou uma técnica que foi inventada na França e veio para o Brasil, mas aqui ele foi indigenizado ou foi apropriado por outros grupos. Esse processo de transmutação é extremamente necessário. Ele envolve o cinema, envolve as pessoas que participam do cinema, envolve não só as pessoas que fazem o cinema, mas os espectadores desses filmes. Tem uma situação que a Patrícia Ferreira, cineasta Mbya-Guarani, me relatou logo que houve a primeira experiência de realização audiovisual na aldeia dela, no Sul do país, na fronteira com a Argentina. Ela percebia que um lugar interessante para o cinema era o lugar da mediação entre os mais velhos e os mais novos, porque ela percebia que tinham coisas que os mais velhos sabiam que eles não tinham ocasião mais de falar com os mais novos. Os mais novos também não se interessavam muito pelo que os mais velhos tinham a dizer. Ela começou a gravar ela e o coletivo Mbya-Guarani, do qual fazem parte outros cineastas. Eles começaram a gravar com os mais velhos. E aí quando eles foram apresentar a câmera para primeira liderança, o primeiro ancião que eles foram filmar, eles se viram numa situação de ter que apresentar a câmera como uma pessoa. Eles chegaram para a pessoa com quem eles queriam conversar e falaram: “Pensa que isso aqui é um Guarani. Pensa que essa câmera é um Guarani”. E aí a Patrícia me relatou isso para dizer que ela nunca conseguiria filmar alguém falando alguma coisa para uma câmera. Ela só conseguiria fazer isso se fosse para alguém. A câmera é uma pessoa. Ela conta que inclusive chegou a apagar a marca da câmera, porque tinha a marca da câmera visível para quem estava diante da câmera. Isso é de uma importância muito grande, porque diz de como que essa apropriação se dá nas relações. Ela se dá na prática e envolve uma transformação do cinema. O cinema tem que se se deixar transformar e não assumir uma postura normativa de “ah, vocês vão fazer um filme e vocês têm

que fazer um filme assim, porque senão não é cinema”. O mais interessante é exatamente tudo o que eles fazem para que esse cinema deles possa existir de uma maneira diferente dos outros cinemas que já existiram. Se a gente for pensar a introdução do cinema em outros povos, cada povo vai ter uma história diferente para relatar em relação a essa experiência de transformação. São duas preocupações: as relações práticas da equipe, nos processos, quanto também essa transmutação, que são extremamente importantes para se pensar essas poéticas contra-hegemônicas. Janaína Oliveira - Lilis, não sei se tem produção. Vocês tinham que escrever, comentar o trabalho de vocês. Vocês todos, cineastas que estão aqui presentes. Não dá para jogar nas ondas: fazer curadoria, assistir ao filme, bater palma e ainda falar como é a experiência no set. A gente pode dividir a tarefa, produzir essa reflexão agora. Juliana, essa coisa da transmutação é possível. Mas como tudo na vida, tem que querer. E quando falo de um deslocamento, de um desconforto, para produzir pelo menos a transmutação que estamos falando aqui ou, pelo menos, para dialogar com uma forma que leve para um outro lugar, há uma hegemonia que precisa se deslocar. E as forças hegemônicas não se deslocam, ao contrário, elas retrocedem. É o que a gente está vivendo. Há um imenso medo, porque essa instituição que é a heteronormatividade branca masculina, ela faliu, mas reage com violência a essa falência. Física. As pessoas são ameaçadas na rua, por existir. Isso também se transporta para o universo do cinema. De uma forma também cruel, porque é requintada. Reitera esses lugares. Permite que o status quo continue existindo. Só acredito em transformação de coisas com a presença física das pessoas. O desconforto que produz também nesse encontro, que eu acho importante. Luana Melgaço falou desse lugar extremamente privilegiado de uma produtora branca, de classe média, que sempre teve todos os acessos, e que agora se dá conta que a forma de produzir daqui para frente, ela está aprendendo nas experiências que ela está tendo com pessoas periféricas. Acho que é isso. A gente vai sobreviver. A gente sempre sobreviveu, respirando num navio negreiro, e vai continuar. Ou não. Não é problema meu. Aprendi com Castiel. COSMOPOÉTICAS CONTRA-HEGEMÔNICAS

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Foto: divulgação

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CRIAR IMAGENS PROJETAR CAMINHOS POSSÍVEIS PROVOCAR MUDANÇAS CONSTRUIR O FUTURO CRIAR CONEXÕES CONSTRUIR PONTES COMPARTILHAR INQUIETAÇÕES PROMOVER ENCONTROS REUNIR PESSOAS RESISTIR AO TEMPO ESTABELECER CONTATOS ESTAMPAR AS TRANSFORMAÇÕES UM CONVITE À OUSADIA O CINEMA BATE À SUA PORTA DEIXE ENTRAR MOSTRA TIRADENTES | SP A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

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PERFORMANCE AUDIOVISUAL Em imagens e sons, a performance audiovisual apresenta a programação e a temática central desta edição - A Imaginação como Potência - com novas vozes e olhares e o propósito de refletir sobre as relações intercambiáveis entre cinema e vida. Criação: Chico de Paula e Raquel Hallak Direção, Roteiro, Montagem e Finalização: Chico de Paula en BM Ca

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Trilha: Barulhista Locução: Grazi Medrado

Foto: Carm

Fotografias: Leo Lara / Acervo Universo Produção

CHICO DE PAULA Artista audiovisual; escritor; performador. Desenvolve seu trabalho em diversos suportes, com foco na pesquisa de linguagem e nas interfaces entre as diferentes áreas da arte, a partir da tecnologia. Com formação em Design e Arquitetura, criou a Arquipélago como um ateliê de arte de fronteira, sempre em consonância com artistas de áreas e influências diversas que têm na inquietude um motor para as suas ações.

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Foto: Mar

Foto: Patr

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PERFORMANCE AUDIOVISUAL

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BARULHISTA

SÉRGIO PERERÊ

Artista sonoro, músico e escritor. Premiado pelo trabalho em diversas trilhas sonoras para cinema, teatro e dança, indicado pelo baterista Martin Atkins (Nine Inch Nails) como um dos mais interessantes músicos brasileiros contemporâneos. Mantém parcerias com diversos artistas, entre eles: André Abujamra, Grace Passô, Sérgio Pererê e Tatsuro Murakami.

Cantor, compositor, multi-instrumentista, ator e diretor musical. Seu trabalho autoral é reconhecido pelo diálogo que estabelece entre a tradição e a experimentação, pela profusão de sonoridades – com destaque para as referências afro-latinas –, e pelo timbre peculiar de sua voz. Já se apresentou em várias regiões do Brasil e em países como Canadá, Áustria, Espanha, Moçambique, China e Argentina. Com carreira também no teatro, trabalhou com o icônico diretor João das Neves em Besouro, cordão-de-ouro e em Oratório - A saga de Dom Quixote e Sancho Pança dividiu os palcos com Mauricio Tizumba, um parceiro constante ao longo da vida. No cinema, participou do premiado Rapsódia para um Homem Negro, da Filmes de Plástico.

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lgação Foto: divu

OWN (clipe) Sérgio Pererê (feat. Nath Rodrigues) Video de Athos Souza Beleza e figurino: Xisto Lopes Participação: Dona Fininha, Artur Ranei, Sérgio Pererê, Nath Rodrigues Sérgio Pererê - voz, vocais, violão, percussões e direção musical Richard Neves - teclados, vocais e produção musical Rafael Eloi - baixo Egler Bruno - guitarra Nath Rodrigues - violino e vocais Daniel Guedes - percussões Agradecimentos: Leo Araújo - Estúdio Play e Evandro Lopes - Sonhos e Sons

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DEPOIMENTOS CONCEDIDOS POR OCASIÃO DA MOSTRA TIRADENTES | SP EM MARÇO DE 2019

“Estrear em Tiradentes e depois reverberar aqui em São Paulo é uma oportunidade de ampliar o diálogo e também de passar pela capital paulista, uma cidade que congrega tanta gente diferente, de várias partes dos país. O público que se coloca de forma diferente, então o filme vai se desdobrando de forma diferente. Eu acho isso muito interessante: a Mostra Tiradentes dando origem a outra Mostra, e uma nova visibilidade para o filme.”

“Foi muito importante participar do debate Cinema da Vela, porque já havíamos passado o filme na 22ª Mostra Tiradentes, mas sem o espaço para discussão. E, além de tudo, a sessão foi muito incrível, os filmes conversam de uma maneira interessante, sendo uma troca bonita. Porque alguns filmes não se encerram em si, então o espaço de debate encerra o que tem de ser – que finaliza a experiência.”

Arthur Lins

Diretora de Quebramar | SP

Cris Lyra

Diretor de Desvio | PB

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“A sessão em Tiradentes já tinha sido ótima, com a exibição na praça. Agora, em São Paulo, está sendo diferente, em uma sala convencional, uma sala muito boa aqui no CineSesc. A projeção foi muito boa. O debate foi muito legal, com várias perguntas, acho que falei de quase tudo que é possível falar do filme. Foi bem legal!”

“Estou sempre aqui no CineSesc, eu curto muito cinema e participo de grupos de discussão de filmes, eu acho importantíssimo o debate logo após a sessão, porque isso faz com que tenhamos outra visão do filme, e as colocações da plateia e da equipe do filme são importantes, porque permitem complementar o que absorvemos da obra apresentada.”

Daniel Gonçalves

Alfredo Américo

Diretor de Meu Nome É Daniel, eleito Melhor Longa da 22ª Mostra Tiradentes pelo Júri Popular | RJ

Profissional do comércio e público do evento | SP

“Meu filme foi feito em São Paulo, então é uma grande experiência passar aqui, na capital paulista, com a força que chega, depois de ter sido exibido e premiado na 22ª Mostra Tiradentes. É um filme daqui, feito para as bichas pretas daqui. E passar agora, depois dessa grande validação que é a Mostra Tiradentes, é muito especial.”

“Eu quero um projeto de mundo onde toda pessoa pode se questionar sobre por que veste as roupas que veste, porque vai no banheiro que vai, porque faz o que faz. É sobre um projeto fraterno de mundo. E espaços como este proposto pela Mostra Tiradentes são fundamentais para a gente ir junto nessa direção e colocar pessoas trans em locais onde se decide a narrativa.”

Diego Paulino

Ariel Nobre

Diretor de Negrum3 | SP

Diretor de Preciso Dizer que te Amo | SP

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“A Mostra de Cinema de Tiradentes é fundamental por abrir o calendário audiovisual brasileiro e pelo tipo de curadoria apresentada, que realça o cinema de autor, filmes que têm uma complexidade estética e que apontam um norte para a gente pensar. Este ano, em especial, destaque grande para a diversidade da seleção, com temas pertinentes, que discutem gênero e sexualidade, por exemplo. E exibir na capital paulista, que é a maior praça do país, e em uma sala de altíssima qualidade como o CineSesc, é uma oportunidade incrível.”

“Foi muito gratificante dar essa oficina na Mostra Tiradentes | SP, especificamente porque São Paulo tem uma aglutinação de profissionais que têm uma experiência bacana, com perfil variado, profissionais de mídia, desenvolvedores de software e até advogados, cada um contribuindo com sua vivência. Essa troca possibilitada pela Mostra foi muito interessante.” Gustavo Padovani Instrutor da oficina Introdução a Práticas Audiovisuais Multiplataforma | SP

David Aynan Diretor de Um Ensaio sobre a Ausência | BA

“Sempre uma janela é importante para qualquer realizador, porque é uma grande dificuldade conseguir um espaço de exibição e formar um público. Então, quando você tem uma Mostra, como a Tiradentes | SP, que valoriza o cinema independente, autoral, de pensamento, é importante porque você consegue ter contato com o espectador que se interessa pelo recorte do festival e também consegue exibir em uma sala que tem essa qualidade técnica, como o CineSesc.” Dellani Lima Diretor de Copo Vazio | SP

“Eu amo o que eu faço e amo as pessoas que eu encontrei pelo caminho, nas salas de ensaio e nos sets. Cada vez mais o tempo passa e eu pergunto: ‘quem vai esperar comigo?’. Porque o fim é legal, mas quem vai esperar comigo?. Cada vez mais eu entendo que a vida é quem a gente encontra no caminho. Muito obrigada, me sinto muito honrada, de verdade. Ser a homenageada da Mostra Tiradentes | SP coroa os passos que foram dados até agora, mas também funciona como aquela estrelinha do professor na escola: é um incentivo para continuar o bom trabalho. Eu espero não decepcionar com as minhas escolhas daqui para frente.” Luciana Paes Atriz homenageada da Mostra Tiradentes | SP 2019 | SP

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“Estar em Tiradentes é sempre um ambiente muito acolhedor, tem uma expectativa muito grande por ser a estreia do filme. Tem um calor muito especial; para a gente que vem acompanhando os filmes e a trajetória do festival, poder estar lá foi muito importante para mim. Tivemos oito críticas após a exibição em Tiradentes, algo muito incomum, tanta gente escrevendo sobre seu filme, de uma semana para a outra, muitos olhares, uma injeção de aprendizado. É sempre um presente para a gente ter esse retorno, de forma tão imediata e bonita. Outro ponto interessante é que a Mostra Tiradentes foi uma troca, muita gente que viu o filme, vimos os filmes de outras pessoas, de colegas que eu já admirava, e podendo expandir essas relações, com cineastas do Brasil todo que estavam lá, tinha uma diversidade enorme, uma pluralidade enorme. Uma liberdade crítica muito grande, afirmação de desejos e representatividade, de pessoas negras, de mulheres, foi um momento muito politizado. Em São Paulo é um momento em que o filme já estreou, já teve o arrebatamento de Tiradentes, então é uma emoção diferente, eu já estou mais tranquila. O filme também foi montado aqui em São Paulo, então parte da equipe é daqui. É outro movimento, o filme vindo do Rio de Janeiro, estrear na maior praça do país.” Jo Serfaty Diretora de Um Filme de Verão, vencedor do Prêmio Helena Ignez de Destaque Feminino, eleito pelo Júri da Crítica da 22a Mostra Tiradentes para a montadora Cristina Amaral | RJ

*Depoimentos concedidos para a Universo Produção por ocasião da 7a edição da Mostra Tiradentes | SP, realizada em março de 2019.

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DEPOIMENTOS


O N L I N E E G R AT U I TA

O N L I N E E G R AT U I TA

01 - 07 OUTUBRO 2020

01 - 07 OUTUBRO 2020

ONDE ACONTECE? PARA ASSISTIR AOS FILMES: sescsp.org.br/mostratiradentes PARA PARTICIPAR DOS DEBATES: youtube.com/cinesesc youtube.com/universoproducao PROGRAMAÇÃO COMPLETA: mostratiradentessp.com.br Siga as nossas redes e fique por dentro de tudo que acontece no nosso Universo e no CineSesc.

PROGRAMAÇÃO GRATUITA

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Disponibilidade dos filmes:

REALIZAÇÃO

Filme de abertura: 1º a 7 de outubro Demais filmes: 2 a 7 de outubro Exceções: Cabeça de nêgo (de 3 a 4/10), Egum (de 3 a 4/10) e Perifericu (de 3 a 5/10). L 10 12 14 16 18

DEPOIMENTOS

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1º OUTUBRO QUINTA 20h ABERTURA OFICIAL PERFORMANCE AUDIOVISUAL

1º OUTUBRO

QUINTA 20H

Apresentação do eixo temático do evento “A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA” Criação: Chico de Paula e Raquel Hallak Direção, Roteiro, Montagem e Finalização: Chico de Paula Trilha: Barulhista Locução: Grazi Medrado Fotografias: Leo Lara / Acervo Universo Produção

HOMENAGEM

Ao coletivo paulista FILMES DO CAIXOTE

DEBATE INAUGURAL Tema: A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA: FILMES DO CAIXOTE

ABERTURA OFICIAL

A Imaginação como Potência é a temática da Mostra de Cinema de Tiradentes. Sugere o recurso à imaginação, o seu livre fluxo e de contornos mais fabulatórios como um caminho trilhado pelo cinema brasileiro.Quais são os caminhos estéticos, políticos e poéticos que os filmes têm tomado e que configuram o que podemos chamar de “nova imaginação”? Como esses filmes respondem ou indicam caminhos para a formulação das transformações necessárias no imaginário político e cinematográfico? Como se dá o processo de criação dos filmes do coletivo paulista Filmes do Caixote, homenageado desta edição do evento? Transmissão pelo youtube.com/cinesesc

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PROGRAMAÇÃO


Convidados: • Caetano Gotardo – cineasta | SP • João Marcos de Almeida – cineasta | SP • Juliana Rojas – cineasta | SP • Marco Dutra – cineasta | SP • Sergio Silva – cineasta | SP Mediador: Lila Foster - curadora | DF

21h30 FILME DE ABERTURA | MOSTRA AURORA

PRÉ-ESTREIA NACIONAL

CANTO DOS OSSOS FICÇÃO, COR, DCP, 88MIN, CE/RJ, 2020

Foto: Leo Lara

Direção: Jorge Polo e Petrus de Bairros Elenco: Rosalina Tamiza, Maricota, Lucas Inácio Nascimento, Noá Bonoba, Mariana Costa, Ana Manoela, Thai Pata, Gabriel Freitas, Jupyra Carvalho, Paula Haesny Cuodor, Heloise Sá, Lucas Souza, Vitor Tambelli, Ana Luiza Santos-Fernandes, Luiza Victório, Ramyro Carvalho, Lucas Bittencourt, Jorge Polo, Petrus de Bairros, João Filgueiras, Catu Gabriela Rizo, Gustavo Pires Duas amigas monstras decidem seguir rumos diferentes. Décadas depois da despedida, Naiana é professora do ensino médio em uma pequena cidade litorânea, onde um hotel em reforma emana estranha presença. A três mil quilômetros dali, a noite devoradora envolve Diego. * Melhor Longa da Mostra Aurora, eleito pelo Júri Oficial da 23a Mostra Tiradentes. * Após a sessão, bate-papo com Jorge Polo (diretor), Petrus de Bairros (diretor), Isa Vitório (montadora) e mediação do curador Francis Vogner dos Reis.

HOMENAGEM AO COLETIVO PAULISTA FILMES DO CAIXOTE

PROGRAMAÇÃO

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2 OUTUBRO

SEXTA FILME DE ABERTURA

CANTO DOS OSSOS Diretores: Jorge Polo e Petrus de Bairros

MELHOR LONGA MOSTRA AURORA / JÚRI OFICIAL

23a MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

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PROGRAMAÇÃO

FILMES DESTAQUES DO DIA BATE-PAPO COM REALIZADORES


LONGA | MOSTRA HOMENAGEM

CURTAS | MOSTRA HOMENAGEM – Série 1

TRABALHAR CANSA

OS BARCOS, de Caetano Gotardo e Thais de Almeida Prado

FICÇÃO, COR, DCP, 100MIN, SP, 2011

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 23MIN, SP, 2012

Direção: Juliana Rojas e Marco Dutra Elenco: Helena Albergaria, Marat Descartes, Naloana Lima, Marina Flores, Lilian Blanc, Gilda Nomacce, Hugo Villavicenzio, Thiago Carreira, Clarissa Kiste, Ana Petta, Eduardo Gomes, Daniela Smith, Thaís Rangel, Luis Serra, Eliana Teruel, Ney Piacentini, Antonio Januzelli, Lucélia Machiaveli. A jovem dona-de-casa Helena resolve realizar um desejo antigo e abrir seu primeiro empreendimento: um minimercado. Ela contrata a empregada doméstica Paula para tomar conta das tarefas do lar e de Vanessa, sua filha. Quando seu marido Otávio perde o emprego como gerente em uma grande corporação, as relações pessoais e de trabalho entre os três personagens sofrem uma inversão inesperada, ao mesmo tempo em que ocorrências perturbadoras passam a ameaçar os negócios de Helena.

AS SOMBRAS, de Juliana Rojas e Marco Dutra FICÇÃO, COR, DIGITAL, 15MIN, SP, 2009

O PAPEL DO MANTO, de Sergio Silva FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2009

DESCULPA, DONA MADAMA, de Marco Dutra, Juliana Rojas, Sergio Silva, João Marcos de Almeida, Caetano Gotardo FICÇÃO, COR, DCP, 3MIN, SP, 2013

EVA NIL, CEM ANOS SEM FILMES, de João Marcos de Almeida FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2009

19h LONGA | MOSTRA A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA

DEBATE | MOSTRA FOCO - Série 1

YÃMĨYHEX: AS MULHERES-ESPÍRITO

Bate-papo dos filmes da MOSTRA FOCO - SÉRIE 1 com a presença de diretores e convidados.

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 76MIN, MG, 2019

Direção: Sueli Maxakali e Isael Maxacali Após passarem alguns meses na Aldeia Verde, as Yãmĩyhex (mulheres-espírito) se preparam para partir. Os cineastas Sueli e Isael Maxakali registram os preparativos e a grande festa para sua despedida. Durante os dias de festa, uma multidão de espíritos atravessa a aldeia. As Yãmĩyhex vão embora, mas sempre voltam com saudades de seus pais e de suas mães.

Filmes Mostra Foco - série 1: EGUM CINEMA CONTEMPORÂNEO ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS MANSÃO DO AMOR Mediação: Pedro Maciel Guimarães - curador | MG Transmissão pelo youtube.com/universoproducao

* Filme vencedor do Prêmio Carlos Reichenbach – Melhor Longa da Mostra Olhos Livres, eleito pelo Júri Jovem da 23a Mostra Tiradentes.

PROGRAMAÇÃO

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CURTAS | MOSTRA HOMENAGEM – Série 2 A VIDA DO FÓSFORO NÃO É BOLINHO, GATINHO de Sergio Silva FICÇÃO, COR, DIGITAL, 29MIN, SP, 2014

A CRIADA DA CONDESSA, de Juliana Rojas FICÇÃO, COR, DIGITAL, 11MIN, SP, 2006

SARAU NA CAMA, de João Marcos de Almeida e Sergio Silva FICÇÃO, COR, DIGITAL, 5MIN, SP, 2008

CHOCLO, de Caetano Gotardo DOCUMENTÁRIO, COR, DIGITAL, 5MIN, SP, 2015

3 OUTUBRO

SÁBADO

REDE DE DORMIR, de Marco Dutra FICÇÃO, COR, DIGITAL, 6MIN, SP, 2010

CARNE, de Sergio Silva FICÇÃO, COR, DIGITAL, 13MIN, SP, 2008

LONGA | MOSTRA PAULISTA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL

FILMES DESTAQUES DO DIA BATE-PAPO COM REALIZADORES

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PROGRAMAÇÃO

TRÊS BAILARINAS FICÇÃO, COR, DIGITAL, 84MIN, SP, 2019

Direção: Leonel Costa Elenco: Aysha Nascimento, Lucelia Sergio, Raphael Garcia, Flávio Rodrigues, Gerson Rodrigues, Wilson Feitosa, Aline Carvalho, Cacá Toledo As bailarinas Cassia, Lia e Neusa são demitidas de um programa popular de auditório após completar trinta anos de idade. Meses depois, combinam um encontro para traçar planos para o futuro e fazer uma avaliação de suas carreiras, dúvidas e incertezas que envolvem as três artistas Negras, de sólida formação. A partir daí, desencontros e novos encontros definirão trajetórias. Um melodrama afro-brasileiro que trata de possibilidades de existência e resistência.


LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL CABEÇA DE NÊGO FICÇÃO, COR, DCP, 85MIN, CE, 2020

Direção: Déo Cardoso Elenco: Lucas Limeira, Nicoly Mota, Jéssica Ellen, Val Perré, Carri Costa, Mateus Honori, Jennifer Joingley, Larissa Góes, Hilton Costa, Raphael Souma, Jeff Pereira, Lucas Madi, Renan Pereira, Marta Aurélia, Mayara Braga, João Fontenele e Wally Menezes Inspirado por um livro dos Panteras Negras, o introvertido Saulo Chuvisco tenta impor mudanças em sua escola e acaba entrando em conflito com alguns colegas e professores. Após reagir a um insulto em sala de aula, Saulo é expulso, mas se recusa a deixar as dependências da escola por tempo indeterminado. * Após a sessão, bate-papo com Déo Cardoso (diretor), Lucas Limeira (ator) e Jenniffer Joingley (atriz) e mediação da curadora Lila Foster.

LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU FICÇÃO, COR, DCP, 109MIN, SP, 2019

Direção: Bruno Risas Elenco: Viviane Machado, Julius Marcondes, Iza Machado, Geny Rodrigues, Bruno Risas, Flora Dias Meu pai ficou desempregado e a família toda precisou voltar para a antiga casa no bairro do Bresser. Minha mãe procura saídas, mas não sabe o que fazer. Enquanto isso, eu os filmo. Um dia, ela é abduzida por um estranho objeto no céu. Nossa vida continua como se nada tivesse acontecido.

4 OUTUBRO

DOMINGO FILMES DESTAQUES DO DIA BATE-PAPO COM REALIZADORES

* Após a sessão, bate-papo com Bruno Risas (diretor) e Julia Alves (produtora) e mediação do curador Pedro Maciel Guimarães.

PROGRAMAÇÃO

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LONGA | MOSTRA HOMENAGEM

LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL

O QUE SE MOVE

CADÊ EDSON?

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 97MIN, SP, 2012

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 72MIN, DF, 2019

Direção: Caetano Gotardo Elenco: Cida Moreira, Andrea Marquee, Fernanda Vianna, Rômulo Braga, Henrique Schafer, Wandré Gouveia, Dagoberto Feliz, Gabriel dos Reis, Adriana Mendonça, Larissa Siqueira, Anne Rodrigues, Marina Carazza, Danilo Grangheia, Beto Matos e Germano Melo

Direção: Dácia Ibiapina

Três famílias, em três diferentes situações, precisam lidar com mudanças súbitas em suas vidas, envolvendo alguma perda brusca ou um reencontro há muito esperado. Um olhar sobre os afetos que movem essas famílias e sobre três mães que, diante de momentos muito difíceis, cantam o amor por seus filhos. Personagens que observam manifestações de vida com curiosidade, interesse, espanto. Pequenos gestos e ações em torno desses acontecimentos dolorosos, em meio à experiência simples e inexplicável da vida cotidiana.

Um filme sobre movimentos populares em defesa da moradia. Apresentando: o Estado contra os sem teto, na capital do Brasil. * Após a sessão, bate-papo com Dácia Ibiapina (diretora), Edson Silva (personagem) e Francisco Craesmeyer (produtor) e mediação da curadora Lila Foster

CURTAS | MOSTRA FOCO – Série 1 EGUM*, de Yuri Costa FICÇÃO, COR, DCP, 23MIN, RJ, 2019

CINEMA CONTEMPORÂNEO, de Felipe André Silva

LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL PÃO E GENTE

ESTAMOS TODOS NA SARJETA, MAS ALGUNS DE NÓS OLHAM AS ESTRELAS, de João Marcos de Almeida e Sergio Silva

FICÇÃO, COR, DIGITAL, 60MIN, SP, 2020

FICÇÃO, COR, DCP, 19MIN, SP, 2020

Direção: Renan Rovida Elenco: Natasha Karasek, Rafaela Carneiro, Rani Guerra, Renê Costanny, Talita Araujo, Cristiane Lima, Lucas Guerra, Rogério Guarapiran, Thiago Calixto, Carlota Joaquina, Iarlei Rangel, Renan Rovida, Rogério Bandeira, Sérgio Carozzi, Janaína Silva, Bruno Menegatti, Nina Hotimsky, Suelen Moreira, Fabiana Ribeiro, Ruth Melchior, Gabriel Stippe, Gustavo Idelbrando, Alice Mello, Anie Calixto Alves Eduardo, Bia Maneja, Clara Mello, Emily Calixto Alves Eduardo, Letícia Garcia, Lucas Maneja, Nino Dias, Sebastião Garcia Despossuídos num ensaio pelo pão de cada dia. * Após a sessão, bate-papo com Renan Rovida (diretor), Maria Tereza Urias (produtora) e Natasha Karasek (atriz) e mediação da curadora Lila Foster

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DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 5MIN, PE, 2019

PROGRAMAÇÃO

MANSÃO DO AMOR, de Renata Pinheiro FICÇÃO, COR, DCP, 17MIN, PE, 2019

*Melhor Curta da Mostra Foco, eleito pelo Júri Oficial da 23a Mostra de Tiradentes.


CURTAS | MOSTRA HOMENAGEM – Série 3 NASCEMOS HOJE, QUANDO O CÉU ESTAVA CARREGADO DE FERRO E VENENO, de Juliana Rojas e Marco Dutra FICÇÃO, COR, DIGITAL, 20MIN, SP, 2013

A BELA P..., de João Marcos de Almeida EXPERIMENTAL, COR, DIGITAL, 25MIN, SP, 2008

MATÉRIA, de Caetano Gotardo FICÇÃO, COR, DIGITAL, 10MIN, SP, 2013

MINHA ÚNICA TERRA É NA LUA, de Sergio Silva FICÇÃO, COR, DIGITAL, 19MIN, SP, 2017

5 OUTUBRO

SEGUNDA FILMES FILMES DESTAQUES DESTAQUES DODO DIADIA BATE-PAPO BATE-PAPO COM COM REALIZADORES REALIZADORES

LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL SEQUIZÁGUA FICÇÃO, COR, DCP, 86MIN, MG, 2019

Direção: Maurício Rezende Elenco: Débora Anjos dos Santos, Guilherme Anjos dos Santos, Vítor Daniel Anjos dos Santos, Adriana de Jesus Oliveira, João Marcos Barbosa, Cristovino Ferreira Neto, João Altino Neto, Gelson Baiano, Maria Elci dos Santos, José Aparecido Andrade Silva Num assentamento agroextrativista no Gerais mineiro, as famílias já conseguiram realizar o sonho da terra, mas a falta de chuva e a monocultura de eucaliptos na região dificultam a sua sobrevivência. Nesse cenário, enquanto os mais velhos procuram transmitir o seu conhecimento da lida com a terra, os mais jovens veem a vida na cidade como uma oportunidade. * Após a sessão, bate-papo com Maurício Rezende (diretor), Daniel Ribeiro (montador) e mediação da curadora Tatiana Carvalho Costa


CURTAS | MOSTRA FOCO – Série 2 A BARCA, de Nilton Resende FICÇÃO, COR, DCP, 20MIN, AL, 2019

CALMARIA, de Catapreta FICÇÃO, COR, DCP, 24MIN, MG, 2019

PERIFERICU*, de Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira FICÇÃO, COR, DCP, 20MIN, SP, 2019

* Curta vencedor do Prêmio Canal Brasil de Curtas

19h DEBATE | Mostra Foco - Série 2 Bate-papo dos filmes da MOSTRA FOCO - SÉRIE 2 com a presença de diretores e convidados. Mediação: Tatiana Carvalho Costa - curadora | MG Transmissão pelo youtube.com/universoproducao

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PROGRAMAÇÃO

6 OUTUBRO

TERÇA FILMES DESTAQUES DO DIA BATE-PAPO COM REALIZADORES


AM AS ES-

anda e

CURTAS | MOSTRA PAULISTA

CURTAS | MOSTRA FOCO – Série 3

MONA, de Luíza Zaidan e Thiago Schindler

RANCHO DA GOIABADA, de Guilherme Martins

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 22MIN, SP, 2019

FICÇÃO, COR, DCP, 25MIN, SP, 2019

ENTRE NÓS E O MUNDO, de Fabio Rodrigo

MINHA HISTÓRIA É OUTRA, de Mariana Campos

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 17MIN, SP, 2019

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 20MIN, RJ, 2019

CARNE, de Camila Kater

AOS CUIDADOS DELA, de Marcos Yoshi

DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 12MIN, SP, 2019

FICÇÃO, COR, DCP, 24MIN, SP, 2020

BONDE, de Asaph Luccas FICÇÃO, COR, DCP, 18MIN, SP, 2019

19h LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL

DEBATE | Mostra Foco - Série 3

NATUREZA MORTA

Bate-papo dos filmes da MOSTRA FOCO - SÉRIE 3 com a presença de diretores e convidados.

FICÇÃO, COR, DCP, 110MIN, MG, 2019

Direção: Clarissa Ramalho Elenco: Mariana Fausto, Rômulo Braga, Helena Ignez, Cátia Costa, Barbara Vida, Paulo Azevedo, Rose Abdallah e Octávio III

Mediação: Camila Vieira - curadora | CE Transmissão pelo youtube.com/universoproducao

A narrativa se passa em 1888 e conta a história de Lenita, uma jovem criada pelo pai, de formação culta, que desconsidera a existência de um homem à sua altura intelectual. O filme expõe os conflitos internos da personagem e as convenções da época. * Após a sessão, bate-papo com Clarissa Ramalho (diretora), Rômulo Braga (ator) e Mariana Fausto (atriz) e mediação do curador Francis Vogner dos Reis

PROGRAMAÇÃO

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CURTAS | MOSTRA A IMAGINAÇÃO COMO POTÊNCIA A FELICIDADE DELAS, de Carol Rodrigues FICÇÃO, COR, DCP, 14MIN, SP, 2019

PATTAKI, de Everlane Moraes DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 21MIN, SE, 2019

O VERBO SE FEZ CARNE, de Ziel Karapotó EXPERIMENTAL, COR, DCP, 7MIN, PE, 2019

7 OUTUBRO

QUARTA

INABITÁVEIS, de Anderson Bardot FICÇÃO, COR, DCP, 25MIN, ES, 2019

LONGA | MOSTRA AURORA – PRÉ-ESTREIA NACIONAL MASCARADOS FICÇÃO, COR, DCP, 66MIN, GO, 2020

FILMES DESTAQUES DO DIA BATE-PAPO COM REALIZADORES DEBATE CINEMA DA VELA

202

PROGRAMAÇÃO

Direção: Marcela Borela e Henrique Borela Elenco: Vinícius Curva de Vento, Aristides de Sousa, Marcos Caetano, Marcilei Caetano, Divino Conceição, Roseneide Caetano, Wellington Abreu, Pedro Otto Inconformados com a decisão judicial que obriga os mascarados da Festa do Divino a saírem com um número de identificação, um grupo deles tenta invadir a prefeitura da cidade. Quatro jovens, trabalhadores de uma pedreira, lidam de maneiras diferentes com a iminência da festa e a exploração do trabalho. No filme, a revolta é o espaço exterior à ação e os personagens definem-se em relação aos acontecimentos. * Após a sessão, bate-papo com Marcela Borela (diretora), Henrique Borela (diretor), Camilla Margarida (produtora) e Rafael Parrode (produtor e assistente de direção) e mediação do curador Francis Vogner dos Reis.


CURTA | PRÉ-ESTREIA NACIONAL A PARTEIRA*, de Catarina Doolan DOCUMENTÁRIO, COR, DCP, 20MIN, RN, 2019

* Melhor Curta da 23a Mostra Tiradentes eleito pelo Júri Popular.

LONGA | PRÉ-ESTREIA NACIONAL ATÉ O FIM* Direção: Ary Rosa e Glenda Nicácio Elenco: Arlete Dias, Wal Diaz, Jenny Muller, Maíra Azevedo

20h DEBATE

Geralda está trabalhando em seu quiosque à beira de uma praia, no Recôncavo da Bahia, quando recebe um telefonema do hospital dizendo que seu pai pode morrer a qualquer momento. Ela avisa suas irmãs, Rose, Bel e Vilmar. O encontro promovido pela espera da morte se torna um momento de desabafo e reconhecimentos das quatro irmãs que não se reúnem desde a morte da mãe, há 15 anos.

Tema: A imaginação como potência: imagens do futuro

FICÇÃO, COR, DCP, 93MIN, BA, 2019

* Melhor Longa da 23a Mostra Tiradentes eleito pelo Júri Popular.

CINEMA DA VELA

Em um momento em que o futuro parece interditado para (quase) todos é preciso repensar o mundo a partir de outras perspectivas que se apartem do modelo de dominação e exploração hegemônicos. Qual é o papel do cinema e da imaginação das culturas indígenas, negras e populares nesse desafio incontornável? Convidados: • Bernardo Oliveira – professor, crítico de cinema e música | RJ • Graciela Guarani - professora e cineasta | PE Mediação: Tatiana Carvalho Costa – curadora | MG

PROGRAMAÇÃO

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MOSTRA TIRADENTES | SP 2020

FICHA TÉCNICA SESC - SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO

Administração Regional no Estado de São Paulo PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL

Abram Szajman DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL

Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDENTES

Técnico-social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERENTES

Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Artes Gráficas Hélcio Magalhães Informação e Difusão Marcos Ribeiro Carvalho Sesc Digital Gilberto Paschoal CineSesc Gilson Packer EQUIPE SESC

Aline Ribenboim, Carlos Rocha, Cecília De Nichile, Cesar Albornoz, Gabriella Rocha, Graziela Marcheti, Fernanda Fava, Fernando Tuacek, Fernando Hugo Fialho, Heloisa Pisani, Humberto Mota, Jade Stella, José Gonçalves Junior, João Cotrim, Kelly Adriano, Ricardo Tacioli, Rodrigo Gerace, Rogério Ianelli, Simone Yunes

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IDEALIZAÇÃO E REALIZAÇÃO Universo Produção

IDENTIDADE VISUAL E DIREÇÃO DE CRIAÇÃO Mood – Leo Gomes

COORDENAÇÃO GERAL Raquel Hallak d'Angelo

DESENVOLVIMENTO DE PROJETO GRÁFICO César Henrique Tiago Martins

COORDENAÇÃO ADJUNTA E TÉCNICA Quintino Vargas COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO Fernanda Hallak d’Angelo CURADORIA | TEMÁTICA CENTRAL E SELEÇÃO DE LONGAS Francis Vogner dos Reis – coordenador Lila Foster CURADORIA | SELEÇÃO DE CURTAS Camila Vieira Pedro Maciel Guimarães Tatiana Carvalho Costa PRODUÇÃO EXECUTIVA Laura Tupynambá PRODUÇÃO | TRÁFEGO DE FILMES Gabriel Pinheiro GESTÃO ADMINISTRATIVA-FINANCEIRA Ana Paula Fialho da Silva Roberta Oliveira

PRODUÇÃO GRÁFICA Assunção Tomaz REVISÃO Beto Arreguy WEBSITE Web Design: Sullivan Silva Desenvolvimento e Programação: Agência 51 VT MOSTRA TIRADENTES|SP Criação, Redação e Direção: Mood – Leo Gomes Montagem, Motion, Lettering e Finalização: Gregório Kuwada Trilha Sonora: Barulhista Locução: Grazi Medrado VT ABERTURA MULTIMÍDIA E PERFORMANCE Criação: Chico de Paula e Raquel Hallak Direção, roteiro, montagem e finalização: Chico de Paula Trilha sonora: Barulhista Locução: Grazi Medrado Fotografias: Leo Lara/Acervo Universo Produção Participação especial: Sérgio Pererê

ASSESSORIA DE IMPRENSA Universo Produção Produção de Textos: Laura Tupynambá SITE E REDES SOCIAIS Matheus Mello FOTOGRAFIA Leo Lara

*As imagens utilizadas no catálogo fazem parte do acervo fotográfico da Universo Produção. 205


REALIZAÇÃO

RUA AUGUSTA, 2.075 01413-000 - SÃO PAULO/SP TEL.: (11) 3087-0500 SESCSP.ORG.BR

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MOSTRA TIRADENTES | SP - MARÇO 2020

CINESESC RUA PIRAPETINGA, 567 - SERRA 30220-150 - BELO HORIZONTE - MG TEL.: (31) 3282-2366 UNIVERSOPRODUCAO.COM.BR MOSTRATIRADENTES.COM.BR


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