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Curadoria Equipe de Artes Visuais do Sesc 24 de Maio Curadoria Núcleo Raquel Trindade Renata Felinto

16 de outubro a 12 de dezembro de 2021



ÍNDICE Na Minh’alma Ficou Legado e inspiração Saudação à Rainha Kambinda ARTISTAS E OBRAS DA OCUPAÇÃO Tudo o que não cabe em outros lugares, encaixa-se aqui É preciso plantar o axé! Pedra cantada – em assentamento Corpo memória

CUIDADO! Água evapora, mas sustenta Se o fundamento da palavra é a natureza Caminhos de Raquel ­ Honraria Kambinda Axexé

Cabaçudas Inspirada pela Kambinda Mestra Kambinda – Início, meio e conexão



Na Minh’alma Ficou

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Legado e inspiração ­ §

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Saudação à Rainha Kambinda

Criatividade, vivacidade e liberdade como celebração de uma atitude feminina e afro-brasileira no mundo Voltar e pegar, (re)conhecer, ponderar e entender o que nos serve, renunciando o que renega nossas origens africanas, as raízes penetradas no fundo da terra, e que nos denega o direito a ser em nossa integridade humana. A Família Trindade, pelo lado materno, paraibana, e pelo paterno, pernambucana, voltou e pegou, quiçá jamais tenha recusado tais princípios afrocentrados. Raquel Trindade de Souza, a Raquel Trindade, Rainha Kambinda1 incorporou, ainda na tenra idade, políticas comunitárias untadas numa gênese africana de matriz banto. Nascida em Recife, em 1936, aprendeu a conviver com as diferentes formas de reconhecer a cultura brasileira. Em Recife, o seu avô paterno, Manoel Abílio, cantava cocos e pastoris acompanhado de violão ao final das tardes de labuta. Dele, escutou histórias da literatura de cordel e palavras numa “língua africana” que desconhecia.2 A avó materna,

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de nome Damázia, e sua mãe, Maria Margarida Trindade (1917–1998), despertaram-lhe o ímpeto pela costura e pelas vestimentas. Do pai, Francisco Solano Trindade (1908–1974), festejado poeta brasileiro, pintor, ator, teatrólogo, cineasta e ativista acessou um conjunto de informações e de expressões de lastro afro-brasileiro que inclui danças, folguedos e brincadeiras de rua. No cotidiano familiar conviviam, portanto, com a diversidade característica da cultura do Brasil. Aprendeu a reconhecer as potencialidades e particularidades culturais, sem hierarquizações entre o erudito e o popular. A criança Raquel acompanhava a atuação de seu pai e mãe junto aos movimentos da sociedade civil, como a fundação da Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro, em meados de 1930. Também observava as reuniões do Partido Comunista Brasileiro que ocorriam na sua casa.

_____________ 1 Encontramos grafias distintas para a referida palavra nos textos da própria Raquel Trindade de Souza. No texto no qual conta sua vida, intitulado Raquel Trindade – a Kambinda, encontramos a grafia com “k” no título. No entanto, na página 59 do mesmo texto, encontramos a referência ao bloco com a palavra iniciada em “c”. Adotamos a grafia com “K” em nosso texto. O nome Kambinda faz referência à nação africana Cabinda, reconhecida por ser matrilinear, e nomeia o Bloco de Maracatu Nação Kambinda, fundado por Raquel Trindade em 2008. 2 Souza, Raquel Trindade de. “Raquel Trindade – a Kambinda”. Em: Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prêmio Mulheres negras contam sua história. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013, p. 46.




Na década de 1940, seu pai passou por cidades como Belo Horizonte, Pelotas, Rio de Janeiro e Duque de Caxias. Nesse tempo conviveu com artistas como Aldemir Martins (1922–2006), Djanira da Motta e Silva (1914–1979) e Grande Otelo (1915–1993); talvez ali tenha se envolvido com pintura, por estímulo e influência das amizades. Em 1950, juntamente com o antropólogo Edison Carneiro (1912–1972) e com Maria Margarida, fundou o Teatro Popular Brasileiro, contemporâneo do Teatro Experimental do Negro, de 1944, fundado por Abdias Nascimento (1914–2011), e do Teatro Folclórico Brasileiro, em que a iniciativa de Solano Trindade foi compartilhada com Haroldo Costa (1930–). Essa época assinala um verdadeiro fenômeno de insurgência coletiva por meio das artes da cena, para o reconhecimento de si no outro, como forma de restauração da “perda da imagem”,3 já discutida por Maria Beatriz Nascimento (1942–1995). Também demarcava o aquilombamento como estratégia de resistência e de preservação e propagação da patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro. Nesse período, Raquel Trindade cursava o antigo ginásio em uma escola de elite a partir de muitos esforços de sua família. Respectivamente à educação formal, passeava

com seu pai nos ensaios da bailarina Mercedes Baptista (1921–2014), assistia aos espetáculos do TEN e era plateia da Orquestra Afro-Brasileira, formada pelo maestro Abigail Moura (1905–1970), experiências que demarcam sua formação multifacetada. Em 1955, o TPB foi convidado para o Festival da Juventude Comunista, que ocorreu na Polônia e na República Tcheca;4 maracatu, jongo, capoeira e outros ritmos afro-brasileiros encantaram os gringos. Paralelamente à turnê, Raquel Trindade se casou com o ator e bailarino Jorge de Souza, pai de seu primeiro filho, o ogã, músico, compositor e professor Vítor da Trindade. A relação foi curta. Kambinda ainda teve uniões estáveis com mais sete companheiros, das quais nasceram Regina Célia Trindade Lima e Adalgisa Trindade Bonfim. A turnê europeia conferiu ao grupo reconhecimento internacional e, no início de 1960, Solano Trindade e o TPB foram convidados pelo escultor, pintor, ator e ativista cultural Mestre Assis do Embu (1931– 2006) a conhecer a cidade de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo. Inicialmente todas as pessoas foram instaladas no ateliê de Mestre Assis, um barracão no qual ministrava suas aulas de escultura. Segundo as palavras de Raquel Trindade, seu pai disse “isso é um oásis” e, graças ao encantamento

_____________ 3 Maria Beatriz Nascimento em Gerber, Raquel. Orí, 1989, 93 minutos. 4 Souza, Raquel Trindade de. Raquel Trindade – a Kambinda. Em: Brasil. Presidência da República, op. cit., p. 52.

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com o casario colonial, somado à abundância da natureza, decidiu que a família se estabeleceria ali. Essa permanência contribuiu decisivamente para a configuração que a cidade de Embu das Artes possui na atualidade, no que tange ao seu prestígio como instância turística e cultural. Também se tornou uma alternativa ao excludente sistema da arte hegemônica, a partir da Feira de Artes e Artesanato de Embu, criada em 1969,5 com a colaboração de Mestre Assis, Mestre Sakai, do pintor Cassio M’Boy (1896–1986), da pintora Azteca (1914–1977), de Solano Trindade, entre outros agentes. Paralelamente, o TPB participou de filmes e apresentações, entretanto, Solano Trindade, o “poeta do povo”, foi diagnosticado com arteriosclerose, em 1971, e veio a óbito em 1974. Nesse mesmo ano, Raquel Trindade fundou o Teatro Popular Solano Trindade, como homenagem e continuidade do trabalho de seu pai. À frente do TPST, foi diretora, coreógrafa, carnavalesca, figurinista e professora. Concomitantemente, contribuiu com seus talentos junto a escolas de samba como Grêmio Recreativo, Cultural e Social Escola de Samba Vai-Vai, escola de seu coração, para a qual, em 1976, colaborou com samba-enredo em homenagem ao seu pai, além de desenhar figu18

rinos e carros alegóricos. O preto e branco da Vai-Vai igualmente eram as cores de seu time, o Sport Club Corinthians Paulista. Em 1978, escolheu o tema para o desfile da Escola Quilombo, criada pelo compositor e sambista Candeia (1935–1978), a frase de Solano Trindade: “pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte”.6 A paixão pelo carnaval resultou no Bloco Nação Kambinda de Maracatu, em 2008, que desfila até hoje no carnaval de Embu das Artes. A artista foi muito solicitada durante sua vida como guardiã das tradições afro-brasileiras preservadas por sua família, bem como da narrativa que explana suas origens. Foram participações em filmes artísticos e longas-metragens, palestras e entrevistas por meio das quais perpetuou e reverenciou a memória de mãe e de pai. Como griota7 estimada, sua experiência múltipla com a educação baseada na cultura afro-brasileira rendeu-lhe convite do artista, professor, músico e brincante Antônio Nóbrega para ministrar as disciplinas de “Teatro Negro no Brasil” e “Sincretismo Religioso”, na Unicamp, entre 1987 e 1992. Adotou uma didática própria, que espelhava as diversas metodologias de ensino que experenciou ao longo da vida.

_____________ 5 Trindade, Raquel. Embu: De aldeia de M’Boy a terra das artes. São Paulo: Noovha América, 2010, p.79. 6 Souza, Raquel Trindade de. “Raquel Trindade – a Kambinda”. Em: Brasil. Presidência da República, op.cit., p. 58. 7 “Griota”, feminização e aportuguesamento da palavra de origem francesa griot, que se refere àtradição de guardiões do patrimônio histórico-cultural por parte dos povos da África Ocidental.


Sendo impossível tratar de teatro e religiosidade negras sem considerar o corpo como mediador de conhecimentos e restituidor de protagonismos, levou o corpo como pensamento ativo para a academia, introduzindo-o como repositório de saberes, como memória, como arquivo. Nas aulas, corpo e mente, que estão separados no pensamento branco-ocidental, foram integrados numa cosmovisão triunfante do sentir corporal nas suas gestualidades, teatralidades e performatividades, respeitando o sentir como um saber em si.8 A artista declinou da docência no ambiente acadêmico em razão do “estranhamento” que sua pedagogia despertou; no entanto, temos ciência de quantas salas de aula das instituições de ensino superior ainda estão impregnadas de convencionalismos e seguem prisioneiras de papéis que convalidem titulações. Grada Kilomba (1968–) nos apresentou a perspectiva de que “descolonizar o conhecimento significa criar novas configurações de conhecimento e de poder”.9 É exatamente o que Raquel Trindade propôs, sem estar ciente da teorização que se alinharia à sua prática déca-

das depois, inclusive escrevendo livros e textos. Sem negligenciar o TPST, seus saberes continuaram a ser solicitados em universidades como UFSCar, USP e Unifesp, entre outras instituições. Entre os exercícios profissionais da artista, localizamos a pintura em tela como uma atividade herdada de seu pai e que se avivou com o assentamento da família em Embu das Artes. Encontramos coerência na replicação dos temas pesquisados, teoricamente transpostos para a visualidade por meio de linhas, cores e ritmos, nas telas pintadas a óleo. Os primeiros trabalhos dos anos 1970 traziam a temática dos orixás como se em um xirê, momento no qual todos os orixás dançam juntos no Candomblé de tradição Queto, como observamos na tela de 1973. Nessas incursões iniciais, as figuras humanas demonstravam rigidez nos movimentos e, todavia, acompanhamos o amadurecimento de seu estilo de representação, que se torna mais fluido e espontâneo. Nesse ínterim, o leque temático também se amplia admiravelmente, incluindo o conjunto de danças apresentadas pelo TPST, afetos e a crônica cultural embuense.

_____________ 8 A pesquisadora de performance mexicana Diana Taylor, professora no Departamento de Estudos da Performance e no Departamento de Espanhol da New York University, no livro O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas, reconhece o corpo racializado, principalmente das sociedades pré-colombianas, como uma biblioteca que ativa seus arquivos nas performances que demarcam os ciclos, os ritos e cerimônias intermediadas pela corporalidade. Taylor, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. 9 Revisitando reflexões já realizadas pelo psiquiatra e ativista Frantz Fanon (1925–1961), Grada Kilomba, em sua palestra-performance “Descolonizando o conhecimento”, apresentada na Mostra Internacional de Teatro (MITsp), em 2016, questiona, entre outros pontos, a colonialidade dos discursos acadêmicos, as equivocadas noções de neutralidade e de universalidade, o apagamento e silenciamento de epistemologias não brancas e não europeias.

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Coletânea de artistas mulheres como Ana das Carrancas (1923–2008), Isabel Mendes da Cunha (1924– 2014), Madalena dos Santos Reinbolt (1919–1977) e Maria Auxiliadora da Silva (1938–1974), correlacionamos o modesto reconhecimento de Raquel Trindade como pintora e gravadora ao seu posicionamento contestador. Em 1973, por exemplo, houve o episódio da Exposição afro-brasileira de artes plásticas, no Museu de Arte de São Paulo, no qual a curadoria questionou a qualidade técnica das obras de arte como impossibilidade da realização da mostra. Kambinda rapidamente articulou a denúncia do impasse junto à imprensa e, por fim, para evitar o escândalo do que a artista delatou como racismo, a exposição foi realizada.10 O evento detonou um processo de apagamento e de invisibilização da sua produção dentro do sistema das artes, tal qual as políticas de cancelamento das redes sociais da atualidade. Raquel Trindade foi educada a partir de intricado aparato epistemológico, que lhe permitiu o desenvolvimento de uma poderosa autoestima; preciosa entre suas contemporâneas, detinha pleno entendimento da valorização de sua pessoa humana e de que não deveria se calar ante a injustiça. Sua bagagem agenciou sua constituição como pessoa crítica cerca das pautas que discutimos na atualidade como cor/ raça, classe e gênero. Considerando tal intersecção, reverenciamos a liberdade e o despren-

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_____________ 10 Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando (et alii). Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência. São Paulo: MASP, 2018, pp. 24-5.


dimento com os quais ela se autorizou conduzir sua trajetória, inclusive em relação ao roteiro social da maternidade e das relações afetivo-sexuais, sem aceitar que seus projetos de vida estivessem em plano secundário. A ocupação Olhares Inspirados – Raquel Trindade, Rainha Kambinda convida-nos ao desvelamento de aspectos essenciais da complexidade da primogênita de Francisco e Maria. Fruta madura de uma árvore garbosa, cujas sementes se espalham pela terra a partir da condução ora serena, ora intempestiva dos ventos de Iansã. Ialorixá Filha de Omolu, sua arte é cura das violências perpetradas às mulheres negras no Brasil, frutificada nas obras de arte apresentadas pelas artistas convidadas a ocupar o espaço expositivo do Sesc 24 de Maio, em São Paulo. Que tenhamos sensibilidade para pousar olhares entusiasmados por desvendar essa trajetória empoderada, descolonizada e autorizada a falar e a criar, antes mesmo da formulação de tais conceitos, tão fundamentais aos revisionismos sócio-históricos e ao feminismo negro. Que nos permitamos que os sentidos do corpo e do espírito sejam tomados pelo ritmo da cadência intelectual, criativa e afro-brasileira que permeia o pecúlio original da Rainha Kambinda.

_____________ Referências Gerber, Raquel. Orí, 1989, 93 minutos. Kilomba, Grada. Descolonizando o conhecimento. Texto da palestra-performance apresentada na Mostra Internacional de Teatro (MITsp). Tradução Jéssica Oliveira. Disponível em < https://joaocamillopenna.files.wordpress. com/2018/05/kilomba-grada-ensinando-a-transgredir.pdf>, acesso em 15 set. 2021. Pedrosa, Adriano; Oliva, Fernando (et alii). Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência. São Paulo: MASP, 2018, pp. 24-5. Souza, Raquel Trindade de. “Raquel Trindade – a Kambinda”. Em: Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Prêmio Mulheres negras contam sua história. Brasília: Presidência da República, Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013. Taylor, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. Trindade, Maria. Axexé. Curta-metragem. Osan Filmes, 2018. Trindade, Raquel. Embu: De aldeia de M’Boy a terra das artes. São Paulo: Noovha América, 2010.

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ARTISTAS E OBRAS DA OCUPAÇÃO



TUDO O QUE NÃO CABE EM OUTROS LUGARES, ENCAIXA-SE AQUI

Aline Bispo

Em Tudo o que não cabe em outros lugares, encaixa-se aqui, os frutos e os alimentos são eleitos como matéria-prima essencial da obra, extrapolando suas funções alimentares, colocando-os como fio condutor para tratar dos temas a eles relacionados: sincretismo, etnia, racismo, corpo e lugar no mundo. Os alimentos escolhidos são de origem nacional e estrangeira, alguns chegaram como fonte de conexão com o continente africano em símbolo de passagem e hoje fazem parte do dia a dia dos lares brasileiros, além de integrarem rituais nas religiões de matriz afro no país.

Aline Bispo é artista visual, ilustradora e curadora no Instituto Ibirapitanga. Sua produção multidisciplinar inclui pinturas em diferentes suportes e dimensões, realizadas em telas e empenas de grandes dimensões. Além disso, desenvolve pesquisas em fotografia e performance, nas quais aborda temáticas a respeito da formação e miscigenação brasileira, gênero, sincretismos religiosos e étnicos. 31







É PRECISO PLANTAR O AXÉ!

PEDRA CANTADA – EM ASSENTAMENTO Aretha Sadick INSTALAÇÃO A obra bebe das fontes estéticas de Obaluaê, orixá pai de Raquel Trindade e da artista, Aretha Sadick. No candomblé, o assentamento é tornar o chão do terreiro um território sagrado e vivo, de onde o axé vem em forma de força para a comunidade. PERFORMANCE (registro em vídeo) Os orixás chegam à terra dançando! Só existe terreiro, se

existirem seus zeladores, filhos e visitantes para ativarem a energia vital plantada na casa. Raquel e sua família construíram um espaço de constante ativação energética para a comunidade negra em Embu das Artes, tal qual a artista deseja incitar em sua performance.

Aretha Sadick é multiartista carioca. Manifesta-se por meio da cena artística como intérprete na performance, música e tecnologias griot, apontando para a urgência na retomada de poder de pessoas negras na construção de suas imagens e de seus imaginários para produzir cura. Em seu trabalho, reflete sobre a performatividade do feminino, em diálogo com suas vivências enquanto artista negra e mulher trans no Brasil. 37







CORPO MEMÓRIA

Bianca Foratori

Corpo Memória é uma provocação à construção colonial do saber que inferioriza contribuições de povos africanos e indígenas. Ao reafirmar a oralidade e a corporeidade como formas legítimas de produção de conhecimento, tanto quanto a escrita, relembramos que corpo e mente são indissociáveis nessas tradições. Como guardiã das culturas populares e afro-brasileiras, Raquel tinha apreço pelo conhecimento propagado através da fala, da dança, da festa. Seus aprendizes contam que ela não se agradava que escrevessem as letras, mas sim que repetissem os cantos até que aprendessem de fato. Em seu corpo abrigou a memória de uma cultura viva que resiste.

Bianca Foratori é artista visual, natural de Jundiaí (SP) e atualmente vive em São Paulo. Trabalha a memória como dispositivo de reconstrução de narrativas silenciadas, investigando questões como gênero, raça, identidade, miscigenação e territorialidade, tendo a mulher racializada como protagonista. Em sua pesquisa, busca unir teoria, acervos familiares, memórias afetivas e o imaginário popular como fontes. 43







CUIDADO! ÁGUA EVAPORA, MAS SUSTENTA

Charlene Bicalho

CUIDADO! Água evapora, mas sustenta surge das palavras de Raquel Trindade “eu estou evaporando”, proferidas em um encontro ocorrido entre as duas artistas, e é mote dessa investigação poética processual de Bicalho, desenvolvida com os profissionais terceirizados, responsáveis pela limpeza do Sesc 24 de Maio. A criação parte da escuta dos territórios submersos, articulando, por um lado, relações de poder, ocupação do espaço urbano, arquitetura, paisagem colonial e, por outro, saberes contracoloniais, tecnologias ancestrais das águas, pulsão de vida e radicalidades femininas negras.

Charlene Bicalho é natural de João Monlevade (MG) e vive na cidade de São Paulo. É artista visual, curadora de articulações criativas e idealizadora do Projeto Raiz Forte. Em suas performances, textos, instalações, vídeos e fotografias, Charlene opera um trabalho processual na intersecção entre crítica institucional, reflexões sobre o legado de comunidades tradicionais, processos em 49


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SE O FUNDAMENTO DA PALAVRA É A NATUREZA

Daisy Serena

Se o fundamento da palavra é a natureza trata de multilinguagens do afeto: uma videocarta, um olhar para dentro da própria história e das histórias que nos precedem junto a fotografias do Maracatu Nação Cambinda, do Teatro Popular Solano Trindade. A ancestralidade se faz presente, carregada nas folhas e na palavra oral, próprias da sabedoria popular, que atravessaram oceanos, cantadas em mocambos, dançadas em maracatus, como o da Rainha Kambinda, em eterna continuidade.

Daisy Serena é artista e ativista visual, poeta e fotógrafa paulistana. Em suas obras, explora diferentes linguagens artísticas, como videoperformances, colagem digital, fotografia e poesia, nas quais investiga temáticas como cultura afro-brasileira, decolonialidades, retratos afetivos e memória. Escritora, com estudos em sociologia e política, possui textos publicados em diversas revistas digitais.

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CAMINHOS DE RAQUEL

Eve Queiróz

Por onde passou, Raquel Trindade deixou algo de si. De Pernambuco a Embu, espalhou conhecimento, alegria e afeto. Era uma mulher de ação e colaboração, construía pontes culturais, conversava com jovens artistas, promovia a cultura popular afro-brasileira nos palcos do teatro, nas danças de Maracatu, nas artes plásticas. Em Caminhos de Raquel, Eve Queiróz ressalta as idas e vindas, a trajetória e as várias faces artísticas da Rainha Kambinda, por meio de linhas topográficas que formam caminhos múltiplos em fluidez e movimento.

Eve Queiróz é artista visual de Embu das Artes (SP). Em 2009, iniciou seu trabalho artístico no grafite, com o projeto intitulado Negahamburguer. Ao longo dos anos, tem experimentado diversas técnicas e formatos, em ilustração digital, desenho, pintura, tatuagem, grafite e cartazes lambe-lambe. Sua pesquisa aborda temas como a liberdade do corpo, negritude e direito das mulheres na sociedade.

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HONRARIA KAMBINDA

Ione Maria

A instalação Honraria Kambinda constrói um ambiente poderoso e expressivo, por meio da técnica da colagem, a partir de imagens do acervo da família Trindade. A obra contempla heranças afro-brasileiras tradicionais, que foram mobilizadas e articuladas por Raquel ao longo de sua vida, evocando e exaltando a imagem de realeza, os legados e a grandiosidade da artista.

Ione Maria é colagista, trabalha com design e direção de arte. Suas colagens, realizadas em processos analógicos/ manuais, remetem à cultura afro-brasileira. Na área de design, busca criar uma linguagem afrofuturista, articulada, igualmente, através do movimento independente preto, para fins comunicativos e artísticos. Também cria em parceria com amigos e familiares, costurando narrativas mais firmes e afetivas em seu trabalho.

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AXEXÉ

Maria Trindade Para o mundo, Raquel Trindade é referência na arte, história e tradição afro-brasileira, porém, para além de tudo isso, ela era minha avó, mãe de meu pai e das minhas tias. Este filme teve como motivação entender os significados dela para mim e para as pessoas da minha família, assim como o seu legado e caminhos a serem percorridos para dar continuidade a sua história.

Maria Trindade é cineasta, cantora, professora e dançarina popular. Neta da folclorista e professora de cultura afro-brasileira Raquel Trindade, tem formação em arte construída através da cultura oral e, desde o seu nascimento, participa de espetáculos e manifestações tradicionais afro-brasileiras, pesquisadas e divulgadas pelo Teatro Popular Solano Trindade, mantido por sua família. Como profissional em arte, contribui com linguagens variadas, seja no audiovisual, seja na literatura e na música, principalmente em projetos cujo foco seja a mulher negra, a cultura do negro no Brasil e a luta antirracista.

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CABAÇUDAS

Nenesurreal

Cabaçudas são personagens presentes na pesquisa da artista Nenesurreal, inspiradas nas cabaças Igbá, que representam potes que guardam todos os mistérios da cura, da vida e da morte. É um elemento vegetal que visa representar, neste trabalho, as danças culturais populares, Maracatu, Jongo, Coco, ensaios para o carnaval, oralidade, música, afeto, acolhimento, aprendizados, frutos da experiência pessoal da artista em sua vivência com Raquel Trindade, Marcelo Tomé Trindade e família Trindade.

Nenesurreal, mulher preta, periférica, mãe, avó, sapatão, educadora social, artesã, escultora, pintora, sobrevivente das artes e do grafite e ativista nas pautas de mulheres pretas e LGBTQIA +. Com formação na área da saúde e artes visuais, atua desde 1996 exclusivamente nas artes, com uma trajetória artística construída nas vivências diárias na cena do grafite na periferia.

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INSPIRADA PELA KAMBINDA

Patrícia Gonzalez

Conta Patrícia Gonzalez que conheceu Raquel Trindade aos oito anos, em uma roda de samba da escola Vai-Vai. Apresentou-a a seus pais que, coincidentemente, já a conheciam e de quem eram amigos. Então, Raquel pediu a Patrícia que ficasse alguns dias em sua casa para que pudesse lhe contar histórias, cantar e ensinar danças. Não por acaso, a afilhada apaixonou-se pela cultura popular e por anos ocupou a posição de Rainha do Maracatu Nação Cambinda. A composição proposta para a mostra revela a proximidade entre as artistas, através de registros afetivos e das criações de Patrícia, sempre incentivadas por Mestra Kambinda. Entre as peças, destaca-se a pirogravura adornada de Obaluaê, orixá de quem Raquel era filha.

Patrícia Gonzalez é artista visual de Embu das Artes (SP). Filha de artesãos, sua produção no artesanato se desdobra na criação de mandalas, mosaicos, pirogravura em madeira, modelagem e esmaltação em cerâmica. Ministrou também aulas de danças afro-brasileiras, que aprendeu com Raquel Trindade, em escolas municipais de Embu e no Teatro Solano Trindade. 85







MESTRA KAMBINDA

INÍCIO, MEIO E CONEXÃO Soberana Ziza Uma conexão jamais morre!

Mestra Kambinda é o caminho para as confraternizações, ideias, experimentações e desdobramentos, incluindo esta mostra. Neste mural, Ziza destaca a importância da ancestralidade e da família na vida de Raquel Trindade. Guardiã da memória, Kambinda era fio condutor: absorvia as histórias de seus antepassados e as repassava para seus filhos e comunidade, preservando as raízes e criando conexões. Dançava, pintava, conversava. Mantinha assim vivas as histórias de nosso povo.

Soberana Ziza é artista visual, ilustradora, grafiteira e educadora. Soberana Ziza, como é conhecida a artista Regina Elias da Costa, cresceu na periferia da zona norte de São Paulo. Atua desde 2006 expondo seus trabalhos em intervenções urbanas e galerias, em uma pesquisa estética sobre negritude e feminino por meio de uma abordagem afrofuturista, unindo história, ancestralidade e arte contemporânea na busca pelos caminhos trilhados por seus ancestrais.

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Sesc – Serviço Social do Comércio Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor do Departamento Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Técnico-social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli Gerências Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Estudos e Programas Sociais Cristina Madi Estudos e Desenvolvimento Marta Raquel Colabone Artes Gráficas Hélcio Magalhães Difusão e Promoção Marcos Ribeiro de Carvalho Sesc 24 de Maio Paulo Casale Equipe Sesc Adriane Ribeiro, Adriano Alves Pinto, Alberto Cerri, André Coelho, Barbara Esmenia, Bruna Carvalho, Bruno Lucaschac, Camila Curaça, Claudio Hessel, Cristiane Ferrari, Cristina Papa, Cristina Tobias, Emilia Carmineti, Érica Dias, Fabiana Delboni, Fabiano Maranhão, Fernando Fialho, Flavia Fávari, Gabriela Borsoi, João Paulo Guadanucci, Juliana Oshiro, Karina Musumeci, Lizandra Magalhães, Marina Burity, Nilva Luz, Rodrigo Santos, Rodrigo Savio, Rodrigo Souza, Samanta Sadoiama, Samara Eiras, Suellen Barbosa, Thiago Freire, Tina Cassie, Vanessa de Souza, Vitor Franciscon, Viviane Kupty

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Olhares Inspirados Raquel Trindade, Rainha Kambinda Curadoria Enio Rodrigo, Gabriela Xabay, Simone Wicca, Suamit Barreiro, Tatiana Zacariotti, Valéria Boa Sorte, Vanessa Rosado Identidade visual e projeto gráfico Walter Souza Projeto de iluminação Cristiano Franco, Kim Gomes Projeto audiovisual Adriano de Souza, Deivison Oliveira, Heron Demetrius Tavares, Marinaldo de Franca, Natanael da Hora Curadoria do Núcleo Raquel Trindade Renata Felinto Consultoria Elis Trindade, Vitor da Trindade Produção Nós da Produção | Cássia Rossini, Rafael Moretti Assistente de curadoria Jaqueline Santiago Assistente de produção curatorial Victor Hugo Felinto dos Santos Assistente de pesquisa curatorial José Wesley Nunes Estudo de implantação de obras Nathalia Duran Revisão de textos Regina Stocklen Projeto de elétrica Procoin Engenharia Adaptação cenográfica, montagem de iluminação e de audiovisual Cenografia Catanduva Produção fotográfica Alile Dara e Pedro Napolitano Prata Produção audiovisual Coletivo Bodoque Transporte e seguros São Miguel Fine Art Montagem de obras Install Produtora Em atenção à lei 9610/1998, todos os esforços foram feitos para localizar os detentores dos direitos das obras aqui expostas. Em caso de possíveis omissões, por favor, entre em contato com e-mail nos@nosdaproducao.com.br

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As imagens desta publicação são de autoria de Alile Dara Onawale, Pedro Napolitano Prata, Vitor Penteado e Walter Bertotti




SESC 24 DE MAIO Rua 24 de Maio, 109 Tel. 3350-6300 sescsp.org.br/24demaio


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