WILLIAM FORSYTHE
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WILLIAM FORSYTHE
MATERIAL EDUCATIVO
CURADORIA Forsythe Produções COLABORAÇÃO Veronica Stigger 27.03 — 28.07 2019
SESC POMPEIA
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objetos coreográficos
APRESENTAÇÃO
O Sesc Pompeia apresenta entre os dias 27 de março e 28 de julho de 2019 “William Forsythe: Objetos coreográficos”, primeira exposição do coreógrafo e artista estadunidense no Brasil. Com curadoria da Forsythe Produções, em colaboração com Veronica Stigger, a mostra reúne onze obras, que ocupam diferentes espaços do Sesc Pompeia projetado por Lina Bo Bardi: Rua Central, Área de Convivência, Hall do Teatro, Galpão e passarelas do Conjunto Esportivo. Fundindo conceitos das linguagens da dança e artes visuais, as instalações, os vídeos e as instruções convocam o público a se mover a partir de estímulos prévios. Convidando professores, estudantes e demais interessados a visitarem a mostra, este material se dispõe a colaborar para que os conteúdos dessa exposição sejam trabalhados em sala de aula. Contamos com o apoio das leitoras e leitores para divulgar esta iniciativa e compartilhar conosco os desdobramentos do uso deste material. Relatos de experiências, outros usos possíveis e sugestões podem ser enviados para o e-mail da equipe educativa: educativoexposições@pompeia.sescsp.org.br.
Agendamentos de visitas: 11 3871-7759 agendamento@pompeia.sescsp.org.br 5
Visitas de terça a sexta, das 10h às 20h30
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“O que tento fazer, com essas obras, é frustrar os reflexos corporais e sublinhar tudo que realizamos de maneira automática.” William Forsythe
Stellentstellen 7
(Stellentstellen) 2013
SUMÁRIO
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WILLIAM FORSYTHE: OBJETOS COREOGRÁFICOS
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OBJETOS COREOGRÁFICOS, POR WILLIAM FORSYTHE
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IDEIAS PARA UMA ESCOLA DANÇANTE
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ATIVIDADE EDUCATIVA
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GLOSSÁRIO
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PARA SABER MAIS
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REFERÊNCIAS
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Solo (Solo) 1997
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WILLIAM FORSYTHE: OBJETOS COREOGRÁFICOS 13
William Forsythe, 69 anos, trabalhou em diversas companhias de dança antes de dirigir o Ballet Frankfurt (Alemanha), entre 1984 e 2004, e criar seu próprio grupo, o The Forsythe Company, em atividade entre 2005 e 2015. O artista elabora seus trabalhos na intersecção do movimento do corpo em diálogo com estímulos e desafios, e expande os conceitos de dança e movimento. A essas propostas, Forsythe denomina objetos coreográficos. Estes objetos investigam os possíveis deslocamentos do corpo circundado pelo espaço e são “concebidos para incitar o público ao movimento”. Criados em diversas plataformas como instalações, performances, vídeos, site specific, instruções escritas e faladas, abrem possibilidades não convencionais de movimentos, amplificando a percepção e consciência da mobilidade corporal. Os objetos coreográficos não ocorrem na observação contemplativa, mas na participação interativa e também autoral do público que identifica seus limites e possibilidades em um jogo cinético-poético. Forsythe cria suas coreografias fazendo um diálogo e entrelaçamentos profundos entre a mente, o corpo, o outro e a realidade circundante.
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Nowhere and Everywhere at the Same Time, SĂŁo Paulo (Em nenhum lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, SĂŁo Paulo) 2019
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“Os Objetos Coreográficos são equações diagnósticas que indagam: como existo no mundo como um corpo?”. E arremata: “É evidente que não somos robôs”. William Forsythe
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Nowhere and Everywhere at the Same Time, SĂŁo Paulo (Em nenhum lugar e em todos os lugares ao mesmo tempo, SĂŁo Paulo) 2019
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OBJETOS COREOGRÁFICOS, por William Forsythe
Um objeto não é totalmente possuído por seu próprio nome a ponto de que alguém não possa encontrar um outro ou um melhor, portanto. — René Magritte Coreografia é um termo curioso e enganoso. A palavra em si, como os processos que descreve, é elusiva, ágil e enlouquecedoramente incontrolável. Reduzir coreografia a uma definição única é não entender o mais crucial de seus mecanismos: resistir e reformar concepções prévias de sua definição. Não há coreografia, pelo menos não para ser entendida como uma instância particular que represente uma universalidade ou padrão para o termo. Cada época, cada instância da coreografia, está idealmente em desacordo com suas definições encarnadas anteriormente, uma vez que se esforça para testemunhar a plasticidade e riqueza de nossa habilidade em reconceber e separar-nos de posições de certeza. Coreografia é o termo que preside uma classe de ideias: uma ideia talvez seja, neste caso, um pensamento ou sugestão sobre um possível curso de ação. Proibir ou restringir a substituição ou mobilização de termos dentro deste domínio é contra intuitivo. A introdução e verificação do efeito de substituições terminológicas que revelam facetas anteriormente invisíveis da prática são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias processuais.
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A coreografia provoca ação sobre a ação: um ambiente de regras gramaticais regidas pela
exceção, a contradição da prova absoluta visivelmente de acordo com a demonstração de seu próprio fracasso. As múltiplas encarnações da coreografia são uma perfeita ecologia da lógica das ideias; elas não insistem em um único caminho para a formação do pensamento e persistem na esperança de ser sem perdurar. Coreografia e dança são duas práticas distintas e muito diferentes. No caso em que coreografia e dança coincidem, a coreografia muitas vezes serve como um canal para o desejo de dançar. Pode-se facilmente supor que a substância do pensamento coreográfico residia exclusivamente no corpo. Mas é possível que a coreografia gere expressões autônomas de seus princípios, um objeto coreográfico, sem o corpo? A força dessa questão surge da experiência real da posição das práticas físicas, especificamente da dança, na cultura ocidental. Denegrido por séculos de ataques ideológicos, o corpo em movimento, o milagre óbvio da existência, ainda é sutilmente relegado ao domínio do senso cru: precógnito, iletrado. Felizmente, o pensamento coreográfico sendo o que é, prova-se útil na mobilização da linguagem para desmantelar as restrições dessa estação degradada, imaginando outros modelos físicos de pensamento que contornam esse equívoco. O que mais, além do corpo, poderia parecer com o pensamento físico?
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O lutador da resistência, cego, francês, Jacques Lusseyran, escrevendo sobre o sentido interior da visão que lhe permitia
ver e manipular formas e pensamentos, notoriamente descreveu como sendo uma tela mental ilimitada que existia “em nenhum lugar e em todos lugares ao mesmo tempo”. O matemático cego Bernard Morin descreveu sua visão do processo de inverter uma esfera de maneira semelhante. E assim também é com o objeto coreográfico: é um modelo de transição potencial de um estado para outro em qualquer espaço imaginável. Um exemplo de transição semelhante já existe em outra prática de arte baseada em tempo: a partitura musical. Uma partitura representa o potencial dos fenômenos perceptivos para instigar a ação, cujo resultado pode ser percebido por um sentido de outra ordem: uma transição através do corpo do visual para o auditivo. Um objeto coreográfico, ou partitura, é, por natureza, aberto a uma paleta inteira de instigações fenomenológicas, porque reconhece o corpo como totalmente concebido para ler persistentemente todos os sinais de seu ambiente.
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Eu faço este comentário em relação a Lusseyran e Morin para introduzir a possibilidade múltipla de nossa prática. A visão interior de Lusseyran permitiu-lhe ver topografias e projetar movimentos estratégicos de grupos de pessoas. Morin viu um evento no espaço de sua mente que ele então traduziu com habilidade háptica em esculturas e subsequentemente na linguagem universal, embora um tanto hermética, da matemática. Seus corpos significantemente substanciais, colocados em ação pela força de suas ideias, deixaram traços muito discerníveis dessas ideias no mundo real; do nenhum lugar para
algum lugar, não em todo lugar, e não mais exclusivamente dentro de seus corpos. Mas e se nós, por um momento, olharmos para a situação do ato coreográfico. Historicamente, a coreografia tem sido indivisível do corpo humano em ação. A ideia coreográfica tradicionalmente materializa-se em uma cadeia de ação corporal, sendo os momentos de sua performance os primeiros, últimos e únicos exemplos de uma interpretação particular. A encenação da ideia não é sustentada e não pode ser repetida na totalidade de suas dimensões por nenhum outro meio. Por mais comovente que a efemeridade do ato possa ser, sua natureza transitória não permite uma análise sustentada ou mesmo a possibilidade de leituras objetivas e distintas da posição que a linguagem oferece às ciências e outros ramos das artes que deixam artefatos sincrônicos para uma inspeção detalhada. Essa falta de persistência no tempo, como o próprio corpo, é natural e suspeita ao mesmo tempo. A irreversibilidade da encenação coreográfica, embora possivelmente gerando uma emoção nostálgica, talvez também remeta o espectador aos mórbidos fundamentos desse mesmo sentimento.
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Será que estamos talvez no ponto da evolução da coreografia em que uma distinção entre o estabelecimento dessas ideias e suas formas tradicionais de encenação deva ser feita? Não por qualquer insatisfação com a tradição, mas por um esforço em alterar a condição temporal das ideias incumbidas nos atos, para que os princípios organizacionais persistam visivelmente. Poderia ser concebível que as
ideias agora vistas como vinculadas a uma expressão sensível possam realmente existir em outro estado durável e inteligível? Um objeto coreográfico não é um substituto para o corpo, mas sim um local alternativo para a compreensão da potencial instigação e organização da ação para residir. Idealmente, as ideias coreográficas dessa forma atrairiam um público atento e diversificado, que acabaria por eventualmente compreender e, assim espero, defender as inúmeras manifestações, antigas e novas, do pensamento coreográfico.
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IDEIAS PARA UMA ESCOLA DANÇANTE 24
Excertos, do texto Repertório da dança para uma dança sem repertório: Ideias para uma escola dançante de Ana Helena Rizzi Cintra parte integrante do livro Artes, da coleção A reflexão e a prática no ensino coordenada por Márcio Rogério de Oliveira Cano, Editora Blücher. (edição e grifos nossos) A DANÇA E A ESCOLA A dança está presente no cotidiano. Podemos percebê-la e reconhecê-la no mundo ao nosso redor, nas experiências vividas. Porém, quando pensamos a dança na escola, nos parece que está distante. Uma das razões pelas quais isso ocorre é o fato de que a escola é o lugar privilegiado dos saberes didaticamente sistematizados, e muitos de nós não tivemos acesso às sistematizações feitas pela área de dança É importante lembrar que, por muito tempo, o trabalho corporal — com exceção da ginástica e de alguns esportes — foi banido da escola, instituição que, até o presente, enaltece o que se convencionou chamar trabalho —mental—, ou —racional—. Forçouse um distanciamento entre o pensamento e o corpo — como se cada um de nós não tivesse um corpo desde o nascimento, esse mesmo que vai à escola. O corpo foi disciplinado e nos acostumarmos a ser alienados de nossas próprias existências corporais, afinal, fomos alunos dessas escolas. O SUJEITO E A DANÇA Mas, o trabalho mental é corporal, e o trabalho corporal também é racional. Somos seres integrais. Um corpo imóvel não aprende
plenamente. Uma mente imóvel não dança plenamente. Quanto mais consciência tivermos dessa unicidade, mais qualidade terão os produtos da mente e do corpo, em qualquer área de conhecimento. ELEMENTOS DA TEORIA DE RUDOLF VON LABAN Rudolf Laban: (1879-1958) nasceu na Austro-Hungria (atual Eslováquia) e faleceu na Inglaterra. Foi importante coreógrafo e professor. Desenvolveu a “Labanotation”, sistema de notação de movimentos, a “dança coral” para as massas. Atualmente, o Laban Dance Centre, em Londres e o LabanBartenieff Institute of Movement Studies, em Nova York são os perpetuadores mais importantes de sua teoria e prática. Alguns aspectos das múltiplas pesquisas que Laban fez sobre o movimento corporal marcaram a história da produção de dança desde então. Quatro desses importantes aspectos — e também os mais gerais — são: o peso; o espaço; o tempo; e a fluência.
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Tempo tem a ver com duração, velocidade e ritmo do movimento. Observa respostas às questões: O movimento durou muito ou pouco? Foi um movimento veloz ou lento? Seu ritmo foi constante ou irregular? A categoria tempo, portanto, organiza a duração de um movimento e o desenho que ele tem. O ritmo marcado no tempo acentua frases de movimento conferindo-lhes pulsação e sentido. Nós temos um ritmo corporal interno, em nossa dimensão biológica, cheia de ciclos. E também somos influenciados por ritmos externos, aos quais nos adequamos.
O movimento pode ser rápido, exemplificado pela ação de parar de supetão diante de um perigo, ou lento, como o ato de espreguiçar-se. Todo movimento no planeta tem de levar em conta a gravidade que nos atrai para o chão, ou melhor, para o centro da Terra. O aspecto do movimento “peso” se relaciona com esse fato. A direção do peso, bem como da força que aplicamos contrária à gravidade, é vertical, ou seja, para cima e para baixo. O movimento vertical pode ter caráter forte (ativo, com ênfase para o chão, mas contra a gravidade); pesado (passivo, com ênfase para o chão, mas a gravidade vence, como na ação desmaiar); fraco (ativo, com ênfase para cima, como um salto); leve (passivo, com ênfase para cima, por exemplo, vela derretendo, ou a tentativa de subir para a superfície da água e, ao mesmo tempo, ser puxado para baixo).
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Espaço é onde existimos e onde o movimento tem lugar concretamente. As quatro dimensões do espaço são: A interna, cujo limite é a nossa pele. A pessoal ou “quinesfera” (ver figura), que compreende tudo o que podemos alcançar em torno de nós mesmos. A dimensão geral, que é o ambiente, como a sala de aula. A dimensão social, que é o que se forma da interação de dois ou mais corpos.
Figura Quinesfera Ilustração de Ana Helena Rizzi Cintra arquivo pessoal.
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Há três níveis no espaço em que o corpo se move: O alto, o médio e o baixo. Pensando em ações cotidianas como saltar, pendurar roupas no varal, alcançar a lâmpada para trocar; podemos dizer que essas ações ocorrem no plano alto. Passar roupas sobre uma tábua, passar pano no chão com a coluna curvada para frente, agachar para pegar algo do chão dobrando os joelhos, são ações que acontecem no plano médio. Em geral, o plano baixo é menos utilizado no dia a dia, mas pode ser exemplificado pela ação de se arrastar para debaixo da cama para procurar algo que se perdeu.
Há também infinitas direções para as quais o corpo pode se mover, uma vez que a “quinesfera” possui infinitas linhas diametrais. Mas podem, basicamente, ser resumidas naquelas que conferem nossa tridimensionalidade: as dos eixos da altura, largura e profundidade (ver figura).
Figura Eixos e Direções Ilustração de Ana Helena Rizzi Cintra arquivo pessoal.
Centro de Gravidade Eixo Y Altura
Eixo Z Profundidade Eixo X Largura
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Há também os planos (ver figura). O plano horizontal é aquele que se situa no nível dos quadris, e compreende o espaço bidimensional em seu entorno. O plano frontal é aquele que compreende nossa altura, e o espaço bidimensional em seu entorno. O plano sagital contempla a direção frente/atrás, e é responsável pela sensação de volume, tridimensionalidade.
Figura Planos Ilustração de Ana Helena
Plano vertical, ou porta
Rizzi Cintra arquivo pessoal.
Plano sagital, ou roda
Plano horizontal, ou mesa
centro gravitacional
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Fluência é o fluxo (liberado ou controlado) da energia do movimento. O equilíbrio entre a liberação e o controle determina a fluência. A fluência conjuga peso, tempo, e espaço. O fluxo contido é aquele demonstra absoluto controle do movimento. O fluxo liberado, por sua vez, é aquele que não conseguimos interromper porque não temos nenhum controle sobre ele, como um desmaio.
Exemplos de Improvisações de e com William Forsythe que demostram alguns dos conceitos da dança abordados no texto de Ana Helena Rizzi Cintra.
Lectures Lectures from from Improvisation Improvisation Technologies Technologies 2011 2011 (Palestras (Palestras aa partir partir de de tecnologias tecnologias de de improvisação) improvisação)
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CORPO E MENTE Com Descartes (1596-1650), vivenciamos a dúvida sobre a exatidão de nossos sentidos e sobre a presença do corpo e do mundo. Asseveramos nossa existência pensante, controlamos nosso arbítrio para escapar do erro, constatamos que somos um corpo material captando incompreensivelmente o mundo. Reconhecendo que a unidade mente/ corpo é um mistério. Outros pensadores contestam a posição cartesiana, desvendando o ser humano através da experiência viva que se conecta ao mundo sensível.
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Para o filósofo francês Maurice MerleauPonty (1908-1961), só percebemos a função da sensibilidade refletindo sobre dois pontos essenciais do pensamento cartesiano:
1. Ao iniciar seu processo teórico, recusando as sensações, Descartes enveredou para a incerteza e a dúvida. 2. Ao priorizar a razão, Descartes desprende a mente do corpo, gerando uma abstração, pois a vida tangível é sempre encarnada, não advindo o pensamento sem uma experiência sensível, pois antes de pensar, de decidir pela reflexão, somos corpos que orbitam pela terra, segundo suas regulamentações da dimensão matérica.
Assim antes de pensar, precisamos aguçar a percepção, entregarmo-nos através do próprio corpo em um mundo que nos rodeia, o qual não podemos contestá-lo. Ao iniciarmos um pensamento, somos um corpo complexo, envolvido nas imprecisões do mundo afetivo, não sendo um sujeito pensante que inicia a reflexão, mas um sujeito encarnado, que responde aos questionamentos do mundo. Este corpo porta o relato da sua evolução, deste corpo concreto, levando a história de seu desenvolvimento e colocando-se diante dos demais corpos e do mundo.
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O corpo é uma existência única com suas dificuldades e virtudes. Merleau-Ponty reitera que consideremos a riqueza expressiva compreendida por este organismo único que é o corpo humano. Considerá-lo não como sendo um pedaço de matéria animada, mas sim como um “corpo próprio”, uma
organização vivente que expressa alguém em cada um de seus movimentos. Merleau-Ponty demonstra que o corpo próprio está contido em um entrelaçado de relações, pois ele possui sentidos que os ligam ao ambiente que o cerca, significando que o corpo é uma estrutura intencional, mantendo-se sempre aberto para suas diferentes sensibilidades. Não existe percepção abstrata, pois perceber é sempre perceber alguma coisa. Há uma ligação visceral entre corpo e mundo: para descrever a prática corpórea exige-se, concomitantemente, narrar a experiência do corpo interagindo com seu mundo. O corpo é sempre estimulado pelo mundo exterior, aceitando este incentivo por inteiro. Não explorando o mundo com um único sentido, o corpo próprio responde em totalidade às convocações do mundo exterior, e ao que se mostra à percepção. Os sentidos se interligam de maneira íntima, possuindo uma virtude especial, há de ser uma unidade exploratória, pois quando uma forma sensível atrai um sentido, os demais sentidos também são convocados a interagir. Essa relação do corpo com o exterior, MerleauPonty qualifica como intencionalidade motriz.
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Assim, o pensamento ocorre nas palavras e estas são, antes de tudo, um gesto corporal, pois antes de ser uma ideia abstrata, a palavra é um som produzido pelo meu corpo.
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The Defenders Part 3 (Os defensores parte 3) 35
2009
ATIVIDADE EDUCATIVA Introdução
Em contraponto a Descartes, Merleau-Ponty desenvolve um percurso investigativo, procurando nova compreensão para o ser humano. Nossa existência encarnada não é mais um mistério, pois partindo do corpo próprio, compreendemos todas as dimensões do nosso ser. Somos um corpo próprio, um poder exploratório que não cansa de surpreender com a riqueza inquietante do mundo. Somos ainda um corpo falante que realiza o pensamento através de palavras. Somos percepção e pensamento, porque não somos apenas um corpo material ou uma mente soberana. Somos um corpo sensível capaz de ir além de si mesmo em direção à riqueza do mundo. Somos um corpo falante capaz de abrir o horizonte compartilhável do pensamento. Questões para reflexão Por que negamos no nosso dia a dia, tão rapidamente, nosso corpo e nossos sentidos? Já nos demos conta das incertezas do mundo sensível?
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Sentimos o mundo através dos nossos sentidos: visão, olfato, paladar, tato, audição e suas respectivas sensações: visuais, olfativas, gustativas, tactivas, auditivas e espaciais.
Estes processos resultam em impressões de equilíbrio, quietude, instabilidade, velocidade, proximidade, peso, distancia, leveza entre outras. Os nossos sentidos, sensações e impressões podem nos conduzir a enganos? Devemos dar atenção a eles ou devemos negá-los? Estamos sujeitos aos mesmos estímulos recebidos, por todos, da mesma forma. O que muda é a percepção que cada um tem desses estímulos. Sugestão de atividades na escola William Forsythe cria suas coreografias fazendo um diálogo e entrelaçamentos profundos entre a mente, o corpo e a realidade circundante. Sua matéria prima, podemos dizer, é o resultado do amálgama entre as dimensões sutis do humano — a realidade objetual artesanal, a realidade humana ou altamente tecnológica — mediadas pelos elementos, fatores e qualidades da dança. Considerando o contato, não só visual, mas sinestésico, com a produção de William Forsythe, seja na exposição do Sesc Pompeia, seja por meio do site do artista ou ainda por outros registros encontráveis na world wide web crie com seus alunos situações de movimentos corporais, individuais ou em grupo.
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Considere para a criação das atividades os aspectos fundantes do movimento humano, a saber: tempo, peso, espaço e fluência.
O tempo está relacionado à duração, à velocidade e ao ritmo do movimento. O peso está associado à força que é feita em relação à lei da gravidade que nos atrai em direção ao chão. Existimos no espaço com suas dimensões, níveis e eixos. São quatro as dimensões do espaço: interna, pessoal, geral e social. São três os níveis espaciais: alto, médio e baixo. Os três eixos são: altura, largura e profundidade. A fluência pode ser liberada ou controlada dependendo do fluxo da energia do movimento.
Tempo Duração
Velocidade
Ritmo
Espaço
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Interno Pessoal
Geral Social
Alto
Médio
Baixo
Altura
Largura
Profundidade
Peso Forte
Fraco
Leve
Pesado
Fluência Liberada
Controlada
Os exercícios devem ser propostos possibilitando os diferentes tempos, pesos, deslocamentos e fluências. Para isso considere criar diálogos corporais por confronto ou complementaridade. Lembrandose que os alunos são sujeitos compostos de mentes e corpos que se relacionam com outras mentes encarnadas em determinados espaços tempos. Quais espaços para movimentação corporal sua escola oferece? Quais objetos da escola possibilitam um diálogo corporal que movimente o tempo, o peso o espaço e a fluência?
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O processo deverá incluir as etapas de criação, leitura compartilhada das obras de Forsythe, de outros artistas, de outros alunos, além da pesquisa pertinente e necessária.
Solo (Solo) 1997
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City of Abstracts (Cidade de abstratos) 2000
“Não importa quão diversa seja a escala e a natureza desses projetos, todos eles se esforçam para dar aos espectadores uma sensação desadornada de sua própria autoimagem física e para devolver a análise dos fenômenos cinéticos, que antes eram de exclusividade dos profissionais, para uma plataforma que fala claramente aos não especialistas.” 42 William Forsythe
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GLOSSÁRIO
René Descartes (1596-1650) foi um filósofo e matemático francês. Criador do pensamento cartesiano, sistema filosófico que deu origem à Filosofia Moderna, é autor da obra “O Discurso sobre o Método”, um tratado filosófico e matemático publicado na França, em 1637. Uma das mais famosas frases do seu Discurso é “Penso, logo existo”. Maurice Merleau-Ponty (1908 — 1961) Filósofo fenomenólogo francês. Tendo tomando como ponto de partida o estudo da percepção, Merleau-Ponty é levado a reconhecer que o “corpo próprio” não é apenas uma coisa, um objeto potencial de estudo para a ciência, mas também é uma condição permanente da experiência, que é constituinte da abertura perceptiva para o mundo e seu investimento. Ele então enfatiza que há uma consciência e um corpo inerentes que a análise da percepção deve levar em conta. Assim, a primazia da percepção significa um primado da experiência, na medida em que a percepção tem uma dimensão ativa e constitutiva.
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Experiência Viva Para Merleau-Ponty, o retorno à percepção significou o retorno ao mundo vivido, e por isso mesmo, falar em experiência merleau-pontyana é falar de um corpo vivo em um mundo vivido. A experiência, nesse sentido, adquire uma dimensão existencial e possibilita a compreensão do fenômeno na sua integralidade. Possibilita, ainda, o nosso ponto de encontro com a educação na sua relação com o saber e a arte.
Sujeito pensante Para Descartes, o papel do sujeito pensante era duvidar de tudo, não aceitando como verdade nada que não fosse acima de qualquer suspeita razoável. Corpo próprio Uma organização vivente que expressa alguém em cada um de seus movimentos, sempre imerso num emaranhado de relações. O “corpo próprio” é o corpo que experimenta a nós mesmos, o outro e o mundo Corpo-sujeito é este que está posto na realidade e que tem a capacidade de experienciar a si mesmo e o mundo. Sujeito encarnado É uma nova forma de corporalidade: o “corpo vivencial”, pensar em um corpo multidimensional: composto ao mesmo tempo material e energético, pessoal e vincular, real e virtual. Corpo concreto é o corpo que carrega consigo a história de seu desenvolvimento e que se levanta diante dos outros e do mundo. Unidade exploratória Os sentidos também se interligam de maneira íntima, porém, essa unidade possui uma virtude especial: ela é uma unidade exploratória: quando uma forma sensível atrai um sentido, os demais sentidos são também convocados a interagir
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Intencionalidade motriz De acordo com a mobilização dos diferentes sentidos, nosso corpo assume um ritmo peculiar de existência, essa relação do corpo com o exterior é denominada por Merleau-Ponty de intencionalidade motriz.
“A percepção “é tornar algo presente a si com a ajuda do corpo, tendo a coisa sempre seu lugar num horizonte de mundo e consistindo a decifração em colocar cada detalhe nos horizontes perceptivos que lhe convenha.” Merleau-Ponty 46
Bookmaking (Fazendo livros) 47
2008
PARA SABER MAIS
Análise da construção do conceito de objeto coreográfico através da triangulação metodológica: mutabilidade, transferabilidade www.revistas.ufg.br/ci/article/view/32052 Ana Medeiros Zélia Macedo Teixeira
Arte e dança: estruturas ceno-visuais e a poética expositiva da arte periodicos.uff.br/poiesis/article/view/2006 Sonia Salcedo Del Castillo Corpo, dança e educaçâo contemporânea www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/1974/26artigos-marquesia.pdf Isabel A. Marques Dança-educação: o corpo e o movimento no espaço do conhecimento www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n53/a03v2153.pdf Ida Mara Freire
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Danรงa: expressรฃo pelo movimento novaescola.org.br/conteudo/1032/dancaexpressao-pelo-movimento Thais Gurgel Synchronous Objects for One Flat Thing por William Forsythe synchronousobjects.osu.edu/ William Forsythe: Choreographic Objects www.williamforsythe.com Improvisation Technologies, 1999 William Forsythe Laban model: vimeo.com/2912642 Extruding & Collapsing Points: vimeo.com/2912563 Noah D. Gelber demo: vimeo.com/2905396
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“O traço que eu mais associaria com o tempo corporal é o insustentável. Nada no corpo pode ser sustentado indefinidamente.” William Forsythe
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Unsustainables, São Paulo (Insustentáveis, São Paulo) 51
2019
“O corpo é nosso meio geral para ter um mundo.” Merleau-Ponty
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Unsustainables, São Paulo (Insustentáveis, São Paulo) 2019
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REFERÊNCIAS
CHAUÍ, M. S. Experiência do pensamento: ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (Tópicos). CINTRA, Ana Helena Rizzi. Repertório da dança para uma dança sem repertório: idéias para uma escola dançante. In: ROSENTHAL, Dália,: RIZZI, Maria Christina de Souza Lima. Artes. 1. ed. São Paulo: Blucher, v.9, 2013. 148 p. cap. 4, p. 61-79. (Coleção a reflexão e a prática no ensino). COLLINSON, Diané.50 grandes filósofos. São Paulo: Contexto, 2009. CURADO, Denise de Assis Fleury. A experiência e Merleau-Ponty e o sentido da educação. 2015. 138f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação (FE). Universidade Federal de Goiás, Goiânia. DESCARTES, René. Meditações metafísicas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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MATURANA, Humberto R. A árvore do conhecimento: bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001. MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999. PINKER, Steven. De que é feito o pensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. RAMALDES, Karine. Os jogos teatrais de Viola Spolin: uma pedagogia da experiência. Goiânia: Kelps, 2017. RAMOS, Silvana de Souza. Corpo e mente. São Paulo: WMF: Martins Fontes, 2010. (Filosofias: o prazer do pensar). STEINER, Rudolf. Os doze sentidos e os sete processos vitais. São Paulo: Antroposófica, 1997.
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Instruction, São Paulo (Instrução, São Paulo) 2019
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Instruction, São Paulo (Instrução, São Paulo) 2019
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MATERIAL EDUCATIVO — SESC POMPEIA CONCEPÇÃO MARIA CHRISTINA DE SOUZA LIMA RIZZI CILDO OLIVEIRA PROJETO GRÁFICO ESTÚDIO CLARABOIA — LUCIANA ORVAT E FELIPE DAROS REVISÃO REGINA AZEVEDO FOTOGRAFIAS MARCEL VERRUMO
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Sesc Pompeia Rua Clélia, 93 - São Paulo tel. +55 11 3871.7700
prefira o transporte público Barra Funda 2000m CPTM Água Branca 800m
/sescpompeia sescsp.org.br
ou Barra Funda 2000m Terminal Lapa 2100m
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