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O tempo presente nos compele a questionar de modo enfático o que pretendemos para o futuro. Mais do que nunca, qualquer postura perante o mundo deveria exigir um comprometimento profundo com a solidariedade e a coerência ética. Construir novos horizontes requer diálogos ampliados para a construção conjunta de objetivos comuns. O Sesc São Paulo tem como uma de suas premissas o intercâmbio de saberes e fazeres com organizações de todo o mundo, a fim de aprimorar mutuamente suas atuações. Com os países europeus, inúmeras realizações já foram implementadas. Ainda assim, esta é a primeira cooperação com a louvável Eunic (Instituitos Nacionais de Cultura da União Européia), que reúne diversas representações com as quais já colaboramos separadamente. Na mostra Futuros Presentes, Alemanha, Dinamarca, Espanha, França, Inglaterra, Itália e Suíça se somam ao Sesc para apresentar filmes que abordam problemáticas contemporâneas por meio de estéticas diversas – outra expressão da pluralidade que se faz fundamental para mais um de nossos propósitos comuns: a legitimação da democracia.

Sesc São Paulo



O futuro é um presente que criamos e daremos continuamente para as próximas gerações. Uma leitura atenta e consciente do presente, como ponto de partida de um diálogo intercultural igualitário e inspirador, pode nos tornar capazes de construirmos juntos futuros desejáveis. É desta constatação que surge a proposta curatorial da mostra cinematográfica online “Futuros presentes”, que o Eunic São Paulo lança neste começo de 2021 em parceria com Sesc São Paulo. Eunic (European Union National Institutes for Culture) é a rede dos institutos culturais europeus no mundo, que visa fortalecer a colaboração entre instituições europeias e intensificar a cooperação e diálogo com as realidades culturais locais nos países nos quais atua. O polo Eunic São Paulo reúne Aliança Francesa, British Council, Consulado Geral de França, Consulado Geral da Suíça, Instituto Cervantes, Instituto Cultural da Dinamarca, Instituto Italiano de Cultura e Goethe-Institut. “Futuros Presentes” é uma mostra que, além de entreter, leva a refletir sobre assuntos relevantes do debate global contemporâneo. Apesar de todas dificuldades do presente, uma nova consciência coletiva de cooperação e a esperança real de melhorias possíveis animam as propostas cinematográficas desta nova mostra, que se pretende a primeira de várias edições realizadas pelo Cluster Eunic de São Paulo.

Eunic São Paulo


APRESENTAÇÃO Cinema é importante para o espírito humano, especialmente neste momento, em que o mundo está vivendo uma força bruta e vigorosa que alavanca paradigmas de futuro, mudando completamente nossa ideia do que está longe ou perto. Experienciamos mais do que nunca a importância da presença cinematográfica nos meios digitais. É neste tempo de grandes desafios e incertezas que Eunic SP - Instituitos Nacionais de Cultura da União Européia - propõe ao público brasileiro a mostra de cinema Futuros Presentes - Cinemas Europeus em parceria com o Sesc São Paulo e com apoio da Delegação da União Europeia no Brasil. A mostra Futuros Presentes propõe sutis mudanças e reflexões no modo como vivemos, poderíamos viver e nos posicionamos nesta transição de mundo que emerge, visando ampliar uma diversidade cinematográfica que ilumina, transforma, permite resgatar os vínculos, e dar-nos clareza nas tantas camadas das insustentabilidades que nos permeiam. Apresentamos sete filmes que podem inspirar os corações e as mentes das pessoas a tomarem atitudes positivas cotidianas, coletivas e comunitárias que conectem o mundo e promovam cuidados efetivos e afetivos, em relação aos grandes desafios propostos na contemporaneidade. Da Alemanha virá Música e Apocalipse, que traz de maneira curiosa e irreverente uma simulação virtual das mudanças climáticas e questiona o status quo da sociedade através do microcosmo do universo acadêmico. O Reino Unido trará A Grande Muralha Verde, produzido por Fernando Meirelles, que retrata o plantio de oito mil quilômetros de árvores na região do Sahel no continente africano, uma muralha verde que visa combater o aumento da desertificação, da escassez de recursos mitigando a migração. A transição de mundo é um processo de adaptação multinível, social, natural e sistêmico que começa com a sensibilidade e contribuição de cada pessoa. Sendo assim, traremos da França o filme O Que Nos Move?


A Suíça nos apresenta Cidadão Nobel sob a égide do cientista Jacques Dubochet e sua caminhada em direção ao que realmente importa, uma trajetória que se abre com o prêmio Nobel, e se estende por inúmeras camadas que apresentam a humanidade cidadã. Podemos ousar pensar que o ser humano passa por diferentes fases: indiferença, negação, aceitação e transformação. Talvez possamos buscar algumas destas respostas no filme que vem da Espanha, Antártica: Uma Mensagem de Outro Planeta. Da Itália o inovador filme Selfie nos permite criar espaços de segurança onde podemos compartilhar emoções e nos perguntar que mundo queremos daqui em diante. Da Dinamarca apresentaremos Vênus – Vamos Falar Sobre Sexo, que aborda os aspectos existenciais das sexualidades. O presente é o futuro do passado, e como a mostra Futuros Presentes será realizada logo depois do Carnaval 2021, que não existiu, vou tomar a liberdade de finalizar com uma narrativa carnavalesca. Viradouro, a renomada escola de samba do Rio de Janeiro, anunciou que o tema do próximo carnaval será uma releitura da folia de 1919, pós gripe espanhola, com o enredo “Não há tristeza que possa suportar tanta alegria”. “Porque pelo menos ainda temos o carnaval. Podia ser pior, podíamos não ter coisa alguma”, jornal A Noite, Rio de Janeiro, 1919. Sejam todas, todes e todos bem vind_s aos Futuros Presentes! Tatiana Groff, Curadora da Mostra Futuros Presentes: Cinemas Europeus


ÍNDICE

A Grande Muralha Verde

pág 12

Música e Apocalipse

pág 16

CIdadão Nobel

pág 20

Antártida: Uma Mensagem de Outro Mundo

pág 24

Vênus – Vamos Falar Sobre Sexo

pág 28

Selfie

pág 32

O Que Nos Move?

pág 36


GRADE DE PROGRAMAÇÃO 24/2

10/3

• A Grande Muralha Verde

• Vênus: Vamos Falar de Sexo

• Música e Apocalipse

• Selfie

3/3

17/3

• Cidadão Nobel

• O Que Nos Move?

(disponível até 600 visualizações)

(disponível por 30 dias)

(disponível por 7 dias)

• Antártida: Uma Mensagem de Outro Mundo (disponível por 30 dias)

(disponível até 1000 visualizações)

(disponível até 1000 visualizações)

(disponível por 14 dias)


A GRANDE MURALHA VERDE The Great Green Wall Jared P. Scott. Reino Unido. 2019. 92 minutos. Documentário, Cor, Livre. Roteiro: Jared P. Scott. Fotografia: Tim Cragg. Música: Charlie Mole. Montagem: Pilar Rico. Produção: Make Waves.

Com produção-executiva de Fernando Meirelles, o filme acompanha Inna Modja, cantora e ativista do Mali, em uma jornada épica pela Grande Muralha Verde da África — uma ambiciosa iniciativa para fazer crescer um “muro” de oito mil quilômetros de árvores que se estende por toda a largura do continente para restaurar a terra e fornecer um futuro para milhões de pessoas. Atravessando Senegal, Mali, Nigéria, Níger e Etiópia, Modja segue a crescente Grande Muralha Verde pela região do Sahel — um dos lugares mais vulneráveis da Terra, onde as temperaturas estão subindo 1,5 vezes mais rápido que a média global—, revelando as graves consequências da degradação severa do solo e da aceleração da mudança climática. A muralha visa combater o aumento da desertificação, da seca, da escassez de recursos, da radicalização, dos conflitos e da migração. Estreia 24 de fevereiro de 2021.

Disponível até 600 visualizações.



A Grande Muralha Verde, por Fernando Meirelles

Como uma iniciativa da área de desertificação da ONU, um grupo de produtores internacionais e a musicista/ativista do Mali Inna Modja nos levam em uma jornada épica ao longo da Grande Muralha Verde da África - uma visão ambiciosa de crescer uma “parede” de 8.000 km de árvores que cruza todo o norte da África, do Atlântico ao Índico, passando por 13 países, para restaurar a terra e fornecer um futuro para milhões de pessoas que moram na região do Saara e do Sahel. Atravessando Senegal, Mali, Nigéria, Níger e Etiópia, Modja segue a florescente Grande Muralha Verde através da região do Sahel na África - um dos lugares mais vulneráveis do planeta (as temperaturas estão subindo 1,5 vezes mais rápido do que a média global) - revelando as consequências agudas de severa degradação da terra e mudança climática acelerada que a floresta plantada visa neutralizar: aumento da desertificação, seca, escassez de recursos, radicalização, conflito e migração. No caminho, Inna Modja vai encontrando músicos e fazendo jam sessions com a potente cena da música pop local. Num clima de Buena Vista Social Club, os personagens da linha de frente no plantio da floresta dão voz a um continente em uma encruzilhada - histórias que Modja ecoa em um álbum sublime. Com o apoio de colaboradores musicais perspicazes (Didier Awadi, Songhoy Blues, Waje e Betty G), Modja se esforça para amplificar a promessa da Grande Muralha Verde para ajudar a resolver a urgência das ameaças em tempo real enfrentadas por sua terra natal.


Com quase metade do 1 bilhão de pessoas da África Subsaariana com menos de 15 anos - uma população que deverá mais do que dobrar até 2050 - e mais de 80% sobrevivendo de alguma forma de agricultura, mais de 60 milhões de pessoas deverão imigrar por falta de opção. Apesar da gravidade da situação, The Great Green Wall oferece uma história com frescor, de resiliência, otimismo e ação coletiva. Se concluída, a “muralha” será a maior estrutura viva da Terra, três vezes o tamanho da Grande Barreira de Corais - uma maravilha do novo mundo. Enquanto Modja persegue apaixonadamente um sonho africano para uma geração que busca controlar seu próprio destino, ela nos lembra da enormidade da tarefa à frente e que o tempo não está do nosso lado. A jornada resultante de esperança, sofrimento e perseverança revela nossa condição humana compartilhada, refletindo uma questão moral e existencial mais profunda que todos devemos enfrentar: “Vamos agir antes que seja tarde demais?”

Fernando Meirelles é cineasta, produtor, roteirista e ativista. Dirigiu filmes como Cidade de Deus, O Jardineiro Fiel, Ensaio Sobre a Cegueira e Dois Papas, e tem se envolvido em projetos relacionados à crise ambiental e emergência climática.


MÚSICA E APOCALIPSE Weitmarchen Sanssouci Max Linz. Alemanha. 2019. 80 minutos. Ficção, Cor, 14 anos. Roteiro: Max Linz, Nicolas von Passavant. Fotografia: Carlos Andrés López. Música: Gajek. Trilha Sonora: Franz Friedrich, Valeria Gordeev. Montagem: Bernd Euscher, René Frölke. Produção: Amerikafilm, Rundfunk Berlin-Brandenburg. Elenco: Sarah Ralfs, Sophie Rois, Philipp Hauß, Bernd Moss, Maryam Zaree, Bastian Trost, Friedrich Liechstenstein.

A cientista climática Phoebe Phaidon é contratada pelo Instituto de Cibernética da Universidade de Berlim para assumir o seminário “Introdução a Estudos de Simulação” de Brenda Berger, chefe do instituto. Brenda precisa se dedicar ao seu projeto que é financiado externamente – uma simulação virtual das mudanças climáticas – na esperança de evitar a ameaça de paralisação de seu instituto pelo conselho universitário. Tudo depende de uma avaliação bem-sucedida no final do semestre. Phoebe é obrigada a trabalhar na simulação, e um consultor corporativo é contratado como coach motivacional para os funcionários do instituto. Enquanto isso, o professor Alfons AbstractWege ganha atenção com um projeto sobre controle nutricional. Os alunos de Phoebe suspeitam de um interesse corporativo por trás da pesquisa de Abstract-Wege e interrompem as operações diárias ocupando a biblioteca da universidade. Phoebe viaja para uma conferência em Gdańsk, Polônia, com seu colega Julius Kelp para decifrar o segredo por trás do apocalipse iminente. O tempo está se esgotando. O Dia do Julgamento está amanhecendo. Estreia 24 de fevereiro de 2021. Disponível por 30 dias.



Música e Apocalipse, por Laura Trachtenberg Hauser Phoebe Phaidon é uma cientista climática que inicia um trabalho no Instituto de Cibernética da Universidade de Berlim lecionando a matéria “Introdução aos Estudos de Simulação”. Brenda Berger, chefe da instituição, busca incentivos para um projeto de representação dos efeitos da mudança climática em Realidade Virtual. Em meio a esse processo, a pesquisa do professor Alfon Abstract-Wege ganha atenção e os alunos suspeitam do interesse financeiro por trás da mesma, o que os leva a ocupar a biblioteca da faculdade por dias. Phoebe e seu colega Julius vão a uma conferência polonesa sobre o iminente apocalipse. Em poucas linhas, essa é uma sinopse de “Música e Apocalipse”. Mas o filme é muito mais que isso. Uma imagem realista da Terra aparece logo nos primeiros segundos. Como ressalta a narradora, sua forma está longe de ser perfeitamente arredondada como aquela que nos é ensinada, ela parece uma batata. Obras de arte religiosa permeiam o filme. Assim como imagens em Realidade Aumentada que representariam ideias de um futuro próximo…presente. A mímese da Terra. A arte. A prospecção tecno-científica. Todas são narrativas, grandes doadoras de sentido para a existência humana. Muitas vezes vistas como intocáveis e inquestionáveis pela maioria, as mesmas não deixam de ser permeáveis a outras forças. Ao longo da história já as vimos serem dominadas pela religião ou pelos Estados totalitários. Agora as observamos subjugadas pelo mercado. Todavia essas narrativas continuam poderosas, sustentando ações políticas, estruturais e culturais. No entanto, quando o apocalipse bate à porta elas são abaladas. Fazendo perceber as muitas urgências que nossas organizações necessitam encarar para que continuem relevantes em um presente que vive à espreita de um futuro de transformações drásticas.


Em “Música e Apocalipse” a Universidade é o microcosmo escolhido para representar o ambiente cheio de conflitos e paradoxos que (quase) todas instituições enfrentam (ou deveriam enfrentar). Além disso, fica perene a grande questão: caminhamos para um futuro com problemas do passado. Uma nova economia, baseada em uma inovação cada vez mais rápida, mas sem geração de empregos nem divisão de renda adequada. Tecnologia para ir a Marte, sem cuidados com a natureza da Terra. Chegamos no limite do(s) sistema(s) que criamos. Lembrando que é isso que a cibernética estuda, por definição ela é (segundo o dicionário de Oxford) a “ciência que tem por objeto o estudo comparativo dos sistemas e mecanismos de controle automático, regulação e comunicação nos seres vivos e nas máquinas.” E a música nisso tudo? Ela nos aporta ora a suavidade harmoniosa que faz falta perante o caos. Ora o humor que ironiza o status quo, tão importante quanto. Tudo está perdido? De jeito nenhum. Apenas é hora de redesenhar o sistema, pensar novas utopias, narrativas mais consistentes, e se perguntar o quê, de fato, é prioritário para sobreviver ao apocalipse. Não à toa, a natureza é peça central no filme. Ela nos lembra que chegou a nossa hora de respeitar sua entropia.

Laura Trachtenberg Hauser é graduada em História pela Universidade Panthéon-Sorbonne e mestre em Sociologia da Cultura pela Universidade Sorbonne-Nouvelle, com extensão universitária em “Tecnologia de Mercado na Era Digital” pelo Instituto Holon de Tecnologia de Israel.


CIDADÃO NOBEL Citoyen Nobel Stéphane Goël. Suíça. 2019. 76 minutos. Documentário, Cor, Livre. Edição: Karine Sudan. Música: Nicolas Rabaeus. Produção: Dreampixies, RTS Radio Télévision Suisse.

O Prêmio Nobel de Química de 2017 transforma a vida de Jacques Dubochet. Passando das sombras para a luz ele é solicitado de todos os lados. O que ele pode fazer com essa voz, que agora está sendo ouvida por todos? Como definir as lutas a serem travadas? Como se tornar um “Cidadão Nobel” com o objetivo de assumir responsabilidades como pesquisador e membro da comunidade humana? Um discurso de Greta Thunberg vira tudo de cabeça para baixo. Estreia 3 de março de 2021. Disponível por 7 dias.



Cidadão Nobel, por José Luiz Goldfarb

O que esperar de mais um documentário sobre a vida de um prêmio Nobel? Em Cidadão Nobel somos surpreendidos com história provocadora. Que nos faz pensar muito. Afinal o diretor Stéphane Goël acompanha as andanças de Jacques Dubochet desde o momento que ele é comunicado vencedor do Prêmio Nobel de Química em 2017, já então um biofísico aposentado, com seus 75 anos. A vida pacata do cientista que já encerrou sua colaboração com a ciência é rapidamente transformada. Dubochet passa a ser convidado para palestras por todos os lados. Os jovens vão querer fazer selfies com o simpático velhinho de barba e cabelos brancos e Dubochet terá de reinventar sua vida, encontrar um sentido para o novo personagem que, agraciado com o prêmio Nobel, prepara uma caminhada para tornar-se um Cidadão Nobel. Nosso biofísico trabalhou no desenvolvimento da microscopia crioeletrônica, técnica apropriada para a determinação em alta-resolução de estrutura de biomoléculas em solução e que simplifica e melhora a imagem destas biomoléculas. Este método mudou a bioquímica para uma nova era. Dubochet participou desta revolução na biofísica que permitiu enxergarmos um novo mundo; ao lado de Joachim Frank e Richard Henderson recebeu o Nobel pelos impactos sociais destas descobertas; áreas de investigação na área médica foram abertas e importantes remédios desenvolvidos, transformando as possibilidades farmacêuticas. Na verdadeira tradição do Prêmio Nobel, são laureados trabalhos de forte impacto social (é por isso que não há premio para matemática pura, mas apenas matemática aplicada como a economia). Talvez o ponto forte da caminhada de Dubochet é seu envolvimento com a juventude. Aos 75 anos, ele se envolverá de corpo e alma com os movimentos ambientais para a preservação de nosso planeta. O encontro com Greta Thunberg é um turning point, e vamos verificar Dubochet não apenas nas manifestações públicas, mas participando em grupos de debate onde ele é o único idoso. Um momento alto do documentário!


Até chegar ao ativismo e tornar-se um Cidadão Nobel, como sugere o nome do documentário, veremos suas profundas e interessantes reflexões sobre sua juventude nos anos 60, já envolvido em muitas questões éticas, especialmente contra a construção de usinas nucleares, sua visão crítica de como sua esposa teve um papel conservador de dona de casa acompanhando a carreira do cientista, e os anos em que se submeteu à psicanálise. Assim o filme sobre nosso Nobel Jacques Dubochet é também uma reflexão sobre masculinidade, responsabilidade social do cientista, e desemboca na atual questão da mudança climática. Vale acompanhar de perto esta caminhada.

José Luiz Goldfarb é graduado em Física pela Universidade de São Paulo, com mestrado em Filosofia e História da Ciência, na McGill University, Canadá, e doutorado em História da Ciência pela Universidade de São Paulo. É professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Coordenador de Programas Culturais no Museu da Imagem e Som - MIS-SP.


ANTÁRTICA: UMA MENSAGEM DE OUTRO PLANETA Antártica: Un Mensaje de Otro Planeta Mario Cuesta Hernando. Espanha. 2019. 85 minutos. Documentário, Cor, Livre.

Podemos salvar a Antártida sem nos salvar primeiro? A Antártida é o único território do mundo onde todos os países concordaram em promover a paz, a ciência e o meio ambiente. Esse espírito é real ou é hipocrisia? E se é real, por que não podemos extrapolar para o resto do planeta? Este documentário nos torna parceiros de uma aventura emocionante na Antártida onde, com uma mistura de humor, sensibilidade e realismo, conhecemos a região e as características que a tornam um lugar tão particular. Um olhar crítico do nosso mundo para a Antártida. Estreia 3 de março de 2021. Disponível por 30 dias.



Antártica, por Cristina Amaral

A generosa exuberância da natureza nos coloca na nossa exata dimensão, e no nosso lugar. E o recado é claro - está tudo chegando ao limite. Os acordos geopolíticos, com perigosos prazos de validade e sob o risco iminente de ruptura retratam uma paz sob tensão. O filme ANTÁRTICA, dirigido por Mario Cuesta Hernando, exibido dentro da Mostra Futuros Presentes - Cinemas Europeus, nos traz a história e a importância deste pequeno continente, parcialmente salvo até o momento por um acordo de cooperação científica internacional, mas ameaçado pela sombra de disputas de posse. Argentina, Austrália, Chile, França, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido reivindicam seus territórios ali – alguns deles empilhados e coincidentes. E foi necessário um Tratado internacional que colocasse em suspenso essa questão. A Antártica é um desses vários cantos do mundo que abrigam as fontes básicas e essenciais para a vida humana –a água e o ar. Salvaguardada pela extremada condição climática, em convivência harmônica com os animais do local, preserva-se assim da ação predatória do homem. Fica bem claro aqui – o perigo somos nós.


Existe a leitura perigosa que coloca apenas o excesso populacional como um dos pontos cruciais da terrível crise ambiental que vivemos – o fim dessa linha de raciocínio pode ser a necropolítica, que vai decidir quem pode viver e quem deve morrer. Mas o que fica patente mesmo é questão do nosso modo de viver e de estar no mundo. Não se pode desviar da discussão de que se não alterarmos esse modo consumista e predatório de viver, se não nos reconectarmos respeitosamente à natureza, estaremos acelerando o caminho fatalista e suicida em direção ao fim. Ao nosso fim. A terra sobreviverá, se restaurará, e não precisará de nós para isso.

Cristina Amaral é formada em Cinema pela ECA-USP e assinou a montagem de filmes de diretores como Carlos Reichenbach (entre eles Alma Corsária e Falsa Loura), Edgard Navarro e Andrea Tonacci (Paixões e Serras da Desordem, entre outros). Com Tonacci, coordenou a produtora Extrema Produção Artística. Mais recentemente, tem feito trabalhos ao lado de jovens realizadores como Adirley Queiroz, Joana Pimenta, Djin Sganzerla e Jo Serfaty.


VÊNUS ­– VAMOS FALAR SOBRE SEXO Venus – Let’s Talk About Sex Lea Glob e Mette Carla Albrechtsen. Dinamarca. 2017. 83 minutos. Documentário, Cor, 16 anos. Montagem: Signe Rebekka Kaufmann. Produção: House of Real.

Duas diretoras estão em busca de mulheres para participar de um filme erótico baseado em suas próprias experiências sexuais. Cem mulheres aparecem para a pesquisa de elenco, mas a audição toma um rumo inesperado. Aos poucos, as personagens passam a controlar as entrevistas com suas histórias pessoais e a honestidade delas revela potencial para criar uma linguagem para a sexualidade feminina. Todas elas mostram vulnerabilidade e coragem e, por meio de cada relato, tentam compreender seus desejos sexuais em uma sociedade civilizada e esclarecida. Estreia 10 de março de 2021. Até 1000 visualizações.



Vênus – Vamos Falar de Sexo, por Luciana Saddi

O documentário Vênus é resultado da investigação das diretoras Albrechtsen e Glob sobre a sexualidade de jovens mulheres que vivem em sociedades altamente racionais e esclarecidas. Produção da Dinamarca e Noruega alcança rara densidade dramática como estudo artístico da sexualidade humana. No início, há a impressão de um vídeo caseiro, feito de pornografia barata, revestido por questões pseudo filosóficas para, provavelmente, desviar a culpa do consumidor sexualmente reprimido. No entanto, essa camada aparentemente literal e simples é logo subvertida por imagens complexas e narração instigante. Identifica-se o uso da metalinguagem como recurso narrativo e crítico e, então, a sexualidade passa a ser tratada com merecido rigor intelectual e formal. Por meio de depoimentos registrados com sensibilidade e cenas construídas como se fossem retratos sacados à custa de provocações, Vênus visita o desejo das personagens, histórias e experiências e, dessa maneira, desvela lugares escuros, sombrios, de forma comovente e sincera. Mostra-se perturbador. A convicção da direção associada à veracidade das personagens atua como antidoto à repressão sexual. Nos momentos em que a naturalidade, quase ingênua, dos depoimentos entra em atrito com a direção segura e sólida, a carga transgressora da obra cresce e se acentua. A psicanálise insiste, há mais de cem anos, que a sexualidade é formada por inúmeras correntes de excitação e desejo que contradizem a unidade do sujeito racional. A não coincidência entre corrente amorosa e corrente sexual é habitualmente reconhecida. É onde entrevemos forças dispares tracionando os indivíduos em diferentes direções. Vênus trata dessas questões e expõe a estranheza do sexo, das escolhas sexuais, contingentes e acidentais. Permite também perceber tanto a flexibilidade da libido como sua rigidez, controle e organização ao apontar para as disparidades insolúveis da sexualidade. Experiências sensoriais, zonas erógenas, fantasias excitantes se entrecruzam, se misturam ou se chocam sem necessariamente identificar afinidade ou mínima combinação harmoniosa. No campo sexual somos


frankensteins com segmentos anatômicos mal costurados expostos. O filme mostra “criaturas” que esperam compreender as enigmáticas ordens do “criador”. Como, onde e por que? Diante da falta de resposta resta explorar testemunhos, incógnitas e versões incontroláveis de nós mesmos. O grande escritor japonês Kawabata em seu estranho romance A casa das belas adormecidas, dizia sobre a sexualidade e sobre o sonho: “O que a noite me reserva são os sapos, os cães negros e os corpos afogados”. Estranha e oportuna metáfora para o desconhecido. Vênus revela a insondável profundidade do sexo, a estranha amplitude, beleza e energia potencial de corrupção. A opção por retratar moças jovens vai além da identificação das diretoras. A juventude das personagens suaviza o tema que por vezes torna-se bizarro. Inegável que jovens e velhos, toda a ciência ou medicina, obscenos ou castos não são capazes de desvendar, inteiramente, os mistérios da sexualidade humana. O documentário nos faz refletir sobre isso.

Luciana Saddi é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SP), mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP e autora dos livros de ficção O Amor Leva A Um Liquidificador (Ed. Casa do Psicólogo) e Perpétuo Socorro (Ed. Jaboticaba).


SELFIE Selfie Agostino Ferrente. Itália. 2020. 89 minutos. Ficção, Cor, Livre. Música: Andrea Pesce. Produção: Marc Berdugo e Barbara Conforti.

Nápoles, Rione Traiano. No verão de 2014, um rapaz de 16 anos, Davide, é confundido com um fugitivo, e é morto por engano. Alessandro e Pietro também têm 16 anos e são amigos fraternos, muito diferentes e complementares; moram a poucos metros do sítio onde Davide foi morto. Filmado sempre com o celular em modo selfie, o filme retrata a vida destes jovens, a amizade que os une, o bairro, e a tragédia de Davide. Estreia 10 de março de 2021. Até 1000 visualizações.



Selfie, por Ana Durães

Só as coisas bonitas. Agostino Ferrente não alimenta mitos: “Para mim, eles não são codiretores; são os protagonistas do filme e também os cameramen”, diz, numa entrevista, sobre os personagens Pietro e Alessandro. Os adolescentes não receberam celulares para que se filmassem por conta própria e depois tiveram esse material coletado e montado. O diretor esteve sempre presente nas gravações. Tiremos da frente a ilusão da “auto-representação pura”, num contexto em que os representados estão socialmente alijados do universo do cinema profissional, com seus mil e um gargalos. Tratemos da auto-representação possível, abraçada por um diretor com total consciência de seu papel. Da junção única de olhares igualmente aguçados, que possibilitou a criação de uma obra potente e sensível como Selfie. A vida num bairro periférico de Nápoles, dominado pela máfia, já foi tema de incontáveis filmes, livros e séries. Mas raramente por seu revés. A violência, em Selfie, é contexto importante, mas não objeto. O crime é coadjuvante, jamais protagonista. E o recurso de linguagem de ceder a palavra e as lentes aos personagens não é mero método ou capricho, mas está intimamente ligado ao sentido que emerge dessa bela crônica audiovisual de uma amizade juvenil. O que normalmente seria tratado como objeto do documentário, aqui se faz sujeito: o que se enquadra é o olhar do personagem sobre si. E esse poder de autodeterminação amplifica o recorte pensado na seleção do elenco: adolescentes que, num ambiente onde o crime oferece as melhores – e por vezes únicas – condições de existência, resistem e sobrevivem insistindo em olhar para as coisas bonitas da vida. “Só coisas bonitas”, diria Alessandro.


A pequena coleção de situações cotidianas revela dois jovens com talentos e interesses variados e próprios, que não têm vergonha nenhuma de demonstrar afeto. Isso, apesar de terem suas vidas marcadas pela mesma violência da qual tentam manter uma distância segura – e ainda que a sensação de poder e potência oferecida pelo crime seja sempre tentadora. Curiosamente, num tempo onde a busca de validação e pertencimento aos padrões se evidencia na massificação das selfies espalhadas por infinitas redes sociais, o filme utiliza esse recurso para fazer justamente o contrário: humanizar e individualizar seus personagens. Pietro e Alessandro, tão jovens da periferia de Nápoles quanto seus pares que mais comumente habitam os noticiários. E ao deixá-los falar por si, devolve a tantos jovens como eles a dignidade da autodeterminação; e ao público, a esperança de que há futuros melhores possíveis quando enxergamos o presente para além de estereótipos.

Ana Durães é roteirista, tradutora e atriz, graduada em Audiovisual pela Universidade de São Paulo, com ênfase em Roteiro e Teoria do Audiovisual.


O QUE NOS MOVE? Qu'est-ce Qu'on Attend? Marie-Monique Robin. França. 2016. 119 minutos. Documentário, Cor, Livre. Música: Jean-Louis Valéro. Montagem: Françoise Boulègue. Mixagem: Géraud Bec. Produção: M2R Films.

Quem diria que a campeã internacional das Cidades em Transição movimento criado pelo inglês Rob Hopkins que incentiva o desenvolvimento sustentável - é uma pequena comunidade francesa? ‘’O Que Nos Move?’’ conta a história de múltiplas iniciativas que permitiram com que Ungersheim, uma pequena cidade na Alsácia, reduzisse sua “pegada ecológica”, ou seja, o consumo da população humana sobre os recursos naturais. Estreia 17 de março de 2021. Disponível por 14 dias.



O que nos move?, por Bernadette Lyra

O futuro é um rosto sem olhos. Nada vemos do que ele vê. E nada nem ninguém consegue prevêlo. Nem os mais ilustrados cientistas, nem os pesquisadores mais dedicados, nem os artistas mais criativos, nem mesmo as artimanhas da tecnologia ou as habilidades da consciência humana têm o poder de desvendar o que vai ocorrer no futuro. Tudo que conseguimos saber sobre ele é incerteza. No presente, a incerteza talvez seja a única certeza com que a humanidade possa contar. O presente é um existir único e precioso. O instante em que tudo gira e se move. Como faz a Terra em seu eixo em roda do Sol e no acompanhamento da estrela e da galáxia em seu navegar através do universo. E, se é certo que a inevitabilidade da incerteza não nos dá garantia de profetizar o futuro, é certo também que é necessário reequilibrar a harmonia das estruturas sociais, econômicas, físicas e cognitivas que sustentam o mundo e nos sustentam nele. Um mundo ameaçado pelo fantasma do aquecimento global e do declínio da produção de petróleo. Esta é a equação que motiva o desejo de mudar o modo de existir no planeta. Mudança é justamente tema central do documentário “O que nos move? (Qu’est-ce qu’on attend?/2016), de Marie-Monique Robin. Imerso no projeto global Cidades em transição, criado por Rob Hopkins, um professor universitário preocupado com questões ambientais, o filme registra como uma pequena cidade francesa, Ungersheim, prepara a transição para o que há de vir. A partir da imagem das patas de um cavalo que avança sistemática e cadenciadamente, é contada a história da adesão da população de Ungersheim ao programa “21 ações para o século XXI”. Uma relação metonímica se estabelece entre o cavalo e as demais situações, ações e personagens filmadas. O animal é parte real da busca dos moradores para diminuir a dependência ao petróleo e promover uma alimentação sustentável. Ele transporta crianças à escola e trabalha no cultivo de lavouras de alimentos orgânicos que abastecem o consumo dos habitantes locais.


Com zelo e afeto, Marie-Monique Robin documenta a transição do hoje para o amanhã em Ungersheim. O transporte, a produção de alimentos, a educação, a energia, a moeda própria, o urbanismo, a resiliência que cada indivíduo demonstra na partilha com a comunidade, enfim, cada um dos elementos mostrados no filme adverte que a incerteza quanto ao futuro traz a certeza de que o planeta tem de se transformar. Que é urgente pensar, sonhar, viver e mudar no presente para dar sentido ao tempo que virá.

Bernadette Lyra é formada em Letras, com especialização em Cinema e pós-doutorado na Sorbonne, em Paris. Teve contos incluídos em coletâneas holandesas e foi indicada ao Prêmio Jabuti. Atualmente é professora da Escola de Comunicações e Artes da USP.


A mostra Futuros Presentes: Cinemas Europeus acontece de 24 de fevereiro a 1 de abril de 2021. Todos as quartas, novos filmes ficam disponíveis na plataforma do Sesc Digital. Acesse: www.sescsp.org.br/futurospresentes


Apoio:

Delegação da União Europeia no Brasil

Realização:

Membros EUNIC:

CONSULAT GÉNÉRAL DE FRANCE À SÃO PAULO


CineSesc Rua Augusta 2075 São Paulo - SP Tel.: 11 3087 0500 /cinesescsp sescsp.org.br


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