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Resistências Confluentes É da natureza humana aventurar-se por desvelar o desconhecido. Ir ao encontro do outro para reafirmar quem somos pelas similaridades, diferenças, e alçar novos dilemas, são combustíveis aparentemente voláteis, que imprimem memórias e abastecem imaginários, nutrindo repertórios de vida. Distintas vozes ecoam e são acolhidas no programa de Turismo Social do Sesc São Paulo, propiciando vivências que abarcam as trocas simbólicas, a fruição cultural e das paisagens tanto geográficas quanto humanas. O exercício democrático do turismo envolve escolhas conscientes e um permanente compromisso com a formação do público para a corresponsabilidade da experiência. Nesse contexto, insere-se o projeto Itinerários de Resistência, que apresenta parte da rede de turismo


de base comunitária paulista realizada por grupos com identidades diversificadas como as aldeias indígenas, quilombos, assentamentos, associações e coletivos urbanos. Esses movimentos voltados para a coletividade convergem para o desenvolvimento local, bem como para o fortalecimento de lutas e objetivos comuns. Ao difundir saberes e aspectos socioculturais de tais territórios, apresentando uma das faces do turismo social em ambiente digital, o Sesc amplia os meios de acesso a essa pluralidade, acendendo um farol deflagrador de suas potencialidades. Que as narrativas e o conteúdo imagético de tais iniciativas sejam portadores de estímulos à reflexão e construção de uma sociedade mais justa e equânime, com encantamentos a serem desvelados, vividos e compartilhados. Sesc São Paulo



O movimento pelo direito à moradia tem um capítulo importante na região central da turística cidade de Santos. Aqui, a Associação de Cortiços do Centro convida visitantes a conhecerem a dureza da vida e a beleza da luta


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Paquetá Coleção João Baptista de Campos Aguirra

Imagem antiga do bairro Paquetá. Santos, SP

Ela lembra, entre risadas de orgulho, do dia em que foi a Brasília receber um prêmio. Era um reconhecimento nacional a uma iniciativa popular de luta por moradia. Usava um vestido sobre o qual pendiam vários colares de chita. “Finíssima”, ela disse, como diz, sobre si mesma e todas as pessoas de quem gosta.

Ele é o lugar da luta dela por moradia. O abrigo já desgastado, mas prezado, das pessoas de quem ela gosta, que estão na mesma luta e confeccionam artesanalmente os colares e bijuterias de chita. Ela é Samara Faustino, liderança comunitária, presidente da Associação de Cortiços do Centro de Santos. Ele é o bairro do Paquetá, na região central e portuária de Santos,


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lar de Samara e de mais 5 mil a 14 mil pessoas, dependendo da fonte, nenhuma realmente conclusiva. Grande parte dessas pessoas vivendo em cortiços. Samara é uma das moradoras mais antigas no Paquetá. Conhecida, querida e respeitada. Usa boa parte do seu tempo para caminhar pelo bairro, visitar famílias, dar apoio emocional e, se for o caso, material. Mobiliza gente dentro e fora da comunidade. Na pandemia, correu atrás de alimentos, materiais de hi-

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giene, do que foi preciso para reduzir um pouco a vulnerabilidade de seus vizinhos. Chegou a criar categorias para organizar a distribuição das doações. “Tinha dias que era só para os haitianos, porque eles são os que menos ajuda recebem de outras entidades.” O Paquetá tem um cemitério que é “para quem tem eira, beira e tribeira”, nas palavras de Samara. Da família Covas, por exemplo, o avô Mário, em 2001, e o neto Bruno, em 2021, foram sepultados nele. Mas Exemplar de casarão, do bairro de Patquetá. Hoje, muitos com a função de cortiço, na região. Santos, SP

Cadu de Castro.


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no entorno, a vida é dura. Os imóveis são mal conservados; há muitos casarões do fim do século 19 e começo do século 20 que hoje, deteriorados, são cortiços. Samara lembra do Paquetá de sua juventude: um bairro comum, não degradado, nem afetado por violências estruturais diversas, onde ela trabalhava como cabeleireira fazendo tranças afro. O Paquetá foi perdendo moradores à medida que o abandono cresceu. Agora que toda a região foi incluída em um projeto municipal que pretende atrair investimentos e mais moradores via incentivos fiscais e flexibilização de regras de proteção do patrimônio, há receio de uma onda de expulsão dos mais pobres. A previsão de chegada do Veículo Leve Sobre Trilhos até o Cemitério do Paquetá aumenta esse receio. No Paquetá, a população trabalha duro para morar precariamente. Paga-se caro por um quarto de cortiço, úmido, sem privacidade, sem luz e ventilação, às vezes até no porão, onde proliferam ratos, doenças e um único banheiro é dividido por dezenas de pessoas. Um morador, Sérgio Ricardo, reformador de bicicletas, nota que “uma característica bem forte aqui é o trabalho braçal. Temos os trabalhadores da feira. Temos a luta constante dos catadores

de reciclados”. Esse registro, Sérgio fez no contexto de uma residência artística em parceria com o Sesc Santos. Conexões Paquetá — 10 Olhares Com Muitas Emoções reuniu fotos e narrativas verbais de dez moradores em minivídeos de até 2 minutos. Houve quem falasse da beleza antiga, quase superada, dos imponentes casarões. Samara participou da residência artística, mas falou de precariedade. Do esquecimento, da falta de assistência ao Paquetá, da ausência do poder público. Mas, apesar de ter críticas, ela acolheu, há quase uma década, na Associação de Cortiços do Centro, um projeto que torna o Paquetá um roteiro de turismo de base comunitária.

“uma característica bem forte aqui é o trabalho braçal. Temos os trabalhadores da feira. Temos a luta constante dos catadores de reciclados” Sérgio Ricardo, em vídeo do Projeto Conexões Paquetá


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Acervo ACC

Conjunto Vanguarda, com construção iniciada em 2010. Santos, SP

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Vivência cheia de emoções

Samara e o fotógrafo e historiador Cadu de Castro ficaram amigos há mais de uma década. O roteiro de turismo de base comunitária foi uma consequência dialogada dessa longa amizade e do trabalho do fotógrafo com a comunidade do Paquetá. O público é formado principalmente por escolas e grupos do Turismo Social do Sesc São Paulo. Gente que quer, ou precisa, se aproximar de realidades muito distintas da sua própria. O Paquetá desperta o interesse de quem vem de fora particularmente por causa do projeto Vanguarda. Trata-se de um condomínio em construção — atualmente parado, na verdade — que acumula pioneirismos. A Associação de Cortiços do Centro foi a primeira organização da sociedade civil a conseguir um imóvel da União, em doação no ano de 2007, para construção de habitações populares. Conseguiu recursos do Crédito Solidário para começar a construção de 113 apartamentos, o Vanguarda 1. O Vanguarda 2, mais 68 apartamentos, foi o primeiro Minha Casa Minha Vida para entidades no país. O sistema construtivo, em mutirão, garantia troca


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de horas de trabalho na obra por quitação de parte da dívida habitacional dos futuros moradores. O Vanguarda foi o projeto que recebeu um prêmio para

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Conjunto Vanguarda, com construção iniciada em 2010. Santos, SP

Acervo ACC


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boas práticas em gestão local, prêmio que Samara foi, finíssima, receber em Brasília. Mas os recursos não foram suficientes, a obra parou. Retomá-la é, hoje, parte da luta por moradia. Samara evita xingar — também evita elogiar. A raiva, a frustração, bem como a alegria ou os desafios são chamados de emoções. Assim, ela inspirou o nome do roteiro turístico no bairro: Emoções no Paquetá. As emoções consistem em mostrar o Paquetá aos turistas no ritmo do cotidiano de seus habitantes. Cadu de Castro faz a introdução histórica e a me-


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diação. “Um cotidiano pautado em muito trabalho, no protagonismo das mulheres, especialmente das mulheres negras. A gente fala de solidariedade e de utopia”, conta. E continua: a vivência tem o objetivo de causar reflexões éticas nos participantes. “Entendo que o turismo é uma ferramenta de educação.” É Samara, ou são outras mulheres e alguns homens da comunidade, que efetivamente guiam o tour. A padaria comunitária Um Só Coração, um dos projetos de economia solidária da Associação de Cortiços do Centro, é ponto de partida e também o local onde, mais tarde, vai todo mundo almoçar. Há

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Um cotidiano pautado em muito trabalho, no protagonismo das mulheres, especialmente das mulheres negras. A gente fala de solidariedade e de utopia” Cadu de Castro

Cadu de Castro.


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Canal por onde passam as catraias, pequenas embarcações que levam trabalhadores dia após dia ao trabalho, desde Paquetá. Santos, SP

caminhadas até o Mercado Municipal e o cemitério, eventualmente apresentação de dança de rua do grupo de jovens do bairro, o Mad Feelings Crew, e travessia até Vicente de Carvalho, no Guarujá. Essa travessia importa porque o Paquetá, mesmo com toda a precariedade, tem aluguéis que podem ser bem caros para quem está em situação de vulnerabilidade social. Morar do outro lado do estuário custa menos e, por isso, muita gente se muda. A travessia também importa porque é feita numa catraia, um barquinho muito típico dessa curta rota entre Santos e Guarujá. As catraias partem da Bacia do Mercado, um prolongamento do estuário onde as crianças nadam. O Paquetá inclui, no tour, entrar em um dos cortiços.


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Samara sabe que o contato próximo com a dura realidade dos cortiços fere os visitantes. O choque de realidade, por vezes, se manifesta em lágrimas. Outras, em vontade de ajudar. Gradsnay Faustino, filha de Samara e secretária da Associação, lembra de um grupo de estudantes de ensino médio “com celulares do tamanho da televisão da minha casa” que terminou a visita querendo organizar vaquinha para ajudar a população do Paquetá. Para Nay, a filha, essa vontade de agir é um sinal de que a visita é mesmo mobilizadora. “Os visitantes veem que não somos coitados, estamos lutando por direitos”, avalia. Samara vai além. Para ela, os visitantes percebem que estão pagando impostos para que o município, o estado, o país deixem pessoas viverem em situação de extrema precariedade.

Catraias estacionadas — tipo de embarcação que transporta muitos trabalhadores, ligando o bairro de Paquetá a bairros vizinhos. Santos, SP

“Os visitantes veem que não somos coitados, estamos lutando por direitos” Nay Faustino


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Histórias entrelaçadas

O Paquetá vê a mobilização da família Faustino passar de mãe para filha. Nay começou aos 12 anos, com um grupo de amigos, adolescentes como ela mesma era na ocasião, arrecadando materiais de construção e convocando trabalho voluntário para a reforma, em mutirão, da Praça Nagasaki, que fica junto do Mercado Municipal. Eles só queriam brincar, mas, a partir da movimentação, esse grupo tomou gosto pela atuação política. Fizeram vaquinha, rifa e festa para arrecadar recursos e foram para uma das edições do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. “Fomos para ver o que era, fazer contatos. Daí, aos 18 anos eu já estava no movimento por moradia”, diz Nay. Atualmente, ela lidera também o grupo de costureiras Raízes Corticeiras, que fazem as bijuterias, adereços e lembrancinhas de chita como os colares que Samara usou na premiação em Brasília.


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Já Samara, começou quase sem escolha. Aceitou compor uma chapa para a Associação de Cortiços do Centro, então uma entidade de barganha política. Rebelou-se contra os métodos e viu-se sozinha, abandonada por todos os outros diretores, responsável pela entidade. A primeira grande parceria que conseguiu foi com o Instituto Elos, que apoiou a conquista da sede da Associação, a instalação da padaria Um Só Coração e a criação do ateliê de chita. Não parou mais. Acervo ACC

Colar de xita, feito pelo grupo Raízes Corticeiras. Santos, SP


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Acervo ACC

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A padaria comunitária e sede da ACC (Associação de Cortiços do Centro) se tornou um local de distribuição solidária de cestas durante a pandemia de covid-19. Santos, SP


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A história de Samara não se separa do Paquetá. A do Paquetá tem em Samara uma personagem fundamental. Finíssima, Samara quer mais emoções — das boas — no Paquetá. O Paquetá quer direitos.

Em dezembro de 2020, o Sesc Santos realizou o projeto Conexões Paquetá — 10 Olhares Com Muitas Emoções, uma residência artística focada em fotografia com 10 moradoras e moradores do bairro, que narraram seus cotidianos e de seu lugar em imagens. Clique aqui para conferir.

Leia aqui uma dissertação de mestrado, de Bruna Garcia Eskinazi, defendida na FFLCH em 2018 sobre a luta por moradia da Associação de Cortiços do Centro: Condomínio Vanguarda, luta e resistência no centro de Santos.

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PAQUETÁ @associacao.corticosdocentro Informações sobre agendamento de visitas e roteiros disponíveis em: Tel: (13) 99178-1513, falar com Nay Faustino


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