Revista E - abril/2025

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Revista E | abril de 2025 nº 10 | ano 31

Ser Taubaté

No Vale do Paraíba, expressões culturais traduzem essência local

Laura Cardoso Personagens marcantes brindam longeva carreira da atriz

Saberes do cuidar Medicinas tradicionais na promoção da saúde e do bem-estar

Jaider Esbell

Arte e ativismo compõem legado do artista indígena de etnia Macuxi

Nilton Fukuda

Entra em cena um novo Sesc Taubaté

Inauguração em 26 de abril

Teatro Palco externo Clínicas odontológicas

Comedoria

sescsp.org.br/taubate

Sesc Taubaté

Av. Engenheiro Milton de Alvarenga Peixoto, 1264

CAPA: Fachada do novo edifício do Sesc Taubaté, no Vale do Paraíba. A partir deste mês, a unidade amplia suas instalações, com a inauguração de um teatro, com capacidade para 255 espectadores e Foyer com cafeteria. Além disso, abre novos consultórios para atendimento odontológico e amplia os espaços de alimentação. A programação especial de inauguração será nos dias 26 e 27/4. Saiba mais em sescsp.org.br/taubate

Crédito: Nilton Fukuda

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Legendas Acessibilidade

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

O mês de abril é marcado por uma importante ampliação das ações do Sesc em São Paulo, com a inauguração das novas instalações do Sesc Taubaté. Localizada no interior paulista, no Vale do Paraíba, a unidade abre no final deste mês as portas de seu novo edifício, com Teatro, Espaço de alimentação e quatro novos consultórios odontológicos. Instalado nesse endereço e em pleno funcionamento desde 1988, o Sesc Taubaté expande a oferta de serviços, em benefício da população de toda a região.

O Sesc Taubaté se soma a outras 42 unidades da entidade presentes em todo estado, na capital, no interior e no litoral, oferecendo uma vasta e diversificada programação nos campos do lazer, cultura, esportes, saúde e alimentação. Trata-se de uma iniciativa do empresariado do setor, criada em 1946 e comprometida com a promoção do bem-estar dos trabalhadores do comércio de bens e serviços, de seus familiares e da comunidade em geral. A abertura desse novo espaço concretiza mais um passo no sentido de expandir e aprimorar essa ação inovadora e em constante desenvolvimento.

Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Para multiplicar os encontros

A partir deste mês, o Sesc inaugura um novo momento na longeva e frutífera relação com a cidade de Taubaté, no interior paulista. A abertura de um novo edifício na unidade do Sesc Taubaté amplia as possibilidades de atendimento e permite diversificar a ação cultural ofertada no município do Vale do Paraíba. Destaque dessa nova instalação, o Teatro com capacidade para 255 pessoas representa, para a instituição, uma oportunidade para vivenciar diferentes experiências no campo das artes cênicas, da música, da dança e de outras linguagens artísticas, reforçando o compromisso da instituição com a ação cultural e a ampliação de repertório de seu público diverso.

Essa importante cidade é marcada por sua rica e plural produção cultural. Conhecida como capital nacional da literatura infantil, é berço de personalidades como o escritor Monteiro Lobato, a cantora Celly Campelo, a apresentadora Hebe Camargo e o empresário Félix Guisard. Essa vocação permanece nos dias atuais, como mostram as artesãs da Casa do Figureiro, responsáveis por manter viva a tradição das figuras criadas a partir do barro. São expressões que sintetizam o cotidiano e enaltecem a vida local. Reportagem desta edição da Revista E apresenta alguns desses atores culturais de Taubaté e celebra a inauguração desse novo espaço para criar, reunir e intercambiar ideias e reverberar emoções. Boa leitura!

Luiz Deoclecio Massaro Galina

Diretor do Sesc São Paulo

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Junior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga

CONSELHO EDITORIAL | Revista E

Abraão Antunes da Silva, Adauto Fernando Perin, Adriana Martins Dias, Adriana Regina Furigo, Alan Dias Fernandes, Alessandra Aparecida da Guia, Alessandra Goncalves da Silva, Alex Siciliani Anastacio Cruz, Alexandra Linda Herbst Matos, Ana Claudia Barbosa Barros, Ana Cristina Feitosa de Pinho, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, André de Moura Romani, Andrea de Oliveira Rodrigues, Andreia Pereira Lima, Andressa Kelly Ribeiro Ivo, Angelica Cristine de Paula, Angelo Jose Domingues de Moraes, Aurea Leszczynski Vieira Goncalves, Barbara Santos Andre, Bruno Pavan Almeida, Bruno Rafael de Camargo, Camila Hion de Castilho, Camila Santos Medeiros, Carolina Balza, Carolina Vidal Ferreira, Carolina Vieira Belizario, Caroline Figueira Zeferino, Cassio Renato de Lima, Cinthya de Rezende Martins, Clovis Ribeiro de Carvalho, Corina de Assis Maria, Cristina Berti Ribeiro, Daniel dos Santos Pereira, Daniel Douek, Daniel Ramos da Silva Melo, Debora Cravo Domingues Freitas, Deborah Dias Matos, Denise Ramos da Fonseca, Diana Gama Santos, Diego Polezel Zebele, Doracy Feliciano Teixeira, Dulci da Conceição Lima, Eduardo Roberto Monteiro de Jesus, Eliani Hypolito de Souza, Eloá de Paula Cipriano, Everaldo Inácio dos Santos, Fabiana Della Coletta Monteiro, Fabiano Maranhão, Felipe Campagna de Gaspari, Felipe Dias Candido, Felipe Fernandes Souza Dantas, Fernanda Almeida Monteiro, Fernanda Andrade Fava, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Fernanda Soares Nogueira, Fernanda Suemi Perruso, Fernando Andrade de Oliveira, Filipe Ferreira Gomes Luna, Flavia Teixeira S Coelho, Flavio Aquistapace Martins, Francisca Meyre Martins Vitorino, Gabriela Batista Borsoi, Gabriela Camargo das Graças, Gabriela Carraro Dias, Gabriela Grande Amorim, Geraldo Soares Ramos Junior, Gislene Lopes Oliveira, Giulia Maria de Campos Manocchi, Gleiceane Conceição Nascimento, Ian Herman Lins E Silva, Ilana Priscilla Marques, Ivy Beritelli Jose De Souza, Jailton Nascimento Carvalho, Jane Eyre Piego, Jean Guilherme Paz, Jefferson Alves Leite dos Santos, Juan Victor Gonçalves, Jucimara Serra, Julia Parpulov Augusto dos Santos, Juliana Neves dos Santos, Kelly Adriano de Oliveira, Leandro Credo Rodrigues, Leticia do Carmo Dalla Valle, Ligia Fernandes Araujo, Lilian de Fatima Camilo, Livia Lima da Silva, Luciana Aparecida Miranda, Luiz Eduardo Rodrigues Coelho, Marcelo Baradel, Marcelo dos Santos Friggi, Marcos Afonso Schiavon Falsier, Maria Fernanda Cardoso de Assis, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Mariane Cristina dos Santos, Marina Borges Barroso, Marina Claudia Alves Pereira, Marina Reis, Michael Anielewicz, Monica Fontes de Lima, Monique Mendonça dos Santos, Paulo Henrique Vilela Arid, Priscila Machado Nunes, Rafael Goncalves de Souza, Rafael Lima Peixoto, Renan Stefani da Silva, Renata Barros da Silva, Renata Pereira Figueiró, Ricardo Henrique Vieira Carvalho, Ricardo Lemos Antunes Ribeiro, Rodrigo Quina Alves Sallai, Roseane Silveira de Souza, Sandra Ribeiro Alves, Simone Aparecida Magnani Improta Raimundi, Simone Oliveira dos Santos, Sonoe Juliana Ono Fonseca, Stephany Tiveron Guerra, Talita Ferreira dos Santos, Tamara Demuner, Tania Regina da Silva, Tatiana Amaral Sanches Ferreira, Tatiana Fujimori, Tatiane Aparecida Vergilio Silvestroni, Tatiane Ferrari de Souza, Tayna Guimaraes Vieira de Oliveira, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thamyres Rodrigues de Araujo, Thiago da Silva Costa, Tiago de Souza, Ubiratan Nunes Rezende, Vanessa Mendes Rosado, Vanessa Oliveira dos Santos de Paula, Veronica de Lelis Alves, Vinicius da Silva Souza, Vinicius Pereira de Oliveira, Viviane Cristina dos Santos, Viviane Ferreira Alves, Vivianne de Castro, Walter Bertotti de Souza, Wilton Queiroz Marcos.

Coordenação-Geral: Ricardo Gentil

Coordenação-Executiva: Ligia Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Edição de Arte e Diagramação: Estúdio Thema (Marcio Freitas e Thea Severino) • Edição de Textos: Adriana Reis Paulics, Marcel Verrumo e Maria Júlia Lledó • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Nilton Fukuda • Repórteres: Luna D'Alama, Manuela Ferreira, Marcel Verrumo, Maria Júlia Lledó, Marina Pereira, Rachel Sciré • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Marina Pereira, Marcel Verrumo e Rachel Sciré • Propaganda: Edmar Júnior, Jefferson Santanielo, Julia Parpulov e Vitor Penteado • Apoio Administrativo: Juliana Neves dos Santos e Talita Ferreira dos Santos • Arte de Anúncios: Alexandre do Amaral, Gabriela Batista Borsoi, Humberto Mota, Ian Herman e Leandro Henrique da Silva Vicente • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Criação Digital Revista E: Rodrigo Losano • Circulação e Distribuição: Vanessa Zago

Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.

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Entre os destaques de abril, o Simpósio Lazer, Sustentabilidade e Desenvolvimento reúne especialistas em programação no Sesc São José dos Campos

Longe da imagem do linguista acadêmico, Caetano W. Galindo aproxima-se do público ao falar das nuances da língua portuguesa, apreciando os falares regionais que a enriquecem

Em meio a manifestações culturais tradicionais e levante de jovens artistas, a capital nacional da literatura infantil expande sua atuação com a ampliação do Sesc Taubaté

Expressões artísticas e artivismo de Jaider Esbell colocaram a arte contemporânea indígena em foco, combinando espiritualidade, memória, política e ecologia

Ativador de memórias e criador de futuros possíveis e sustentáveis, o barro norteia a criação e o pensamento da artista Sallisa Rosa, que expõe suas obras no Sesc Pompeia

Medicina convencional e medicinas tradicionais, como aquelas praticadas por povos indígenas e quilombolas, somam esforços pelo bem-estar coletivo

dossiê entrevista expansão bio gráfica

Nilton Fukuda (Entrevista); Alberto César Araújo/Amazônia Real (Bio); Nilton Fukuda (Gráfica)

Artigos de Paulo Beer e Januária Cristina Alves alertam para as causas e consequências da sobrecarga de informações que estão provocando o brain rot (apodrecimento cerebral)

Em livros, canções e aulas públicas, o historiador

Luiz Antonio Simas coloca ancestralidade e educação na mesma roda de reflexão que abarca a cultura da escola de samba e do futebol

Mariana Ferrari (carta) e Marina Quintanilha (ilustrações)

em pauta encontros inéditos

Com mais de cem trabalhos entre rádio, teatro, cinema e televisão, aos 97 anos, a atriz Laura Cardoso celebra uma vida dedicada à arte de reinventar-se em cena

Na rua, em parques ou instituições culturais, conheça cinco espaços da cidade de São Paulo para soltar o corpo e entrar no ritmo da dança

Daniela Savastano

ABERTURA

SEMINÁRIO SABERES

Com Makota Kidoiale, Mapulu Kamayurá, Lucely Pio, João Paulo Souza, José Jorge de Carvalho e Nelson Filice.

8 e 9/4 | 10h às 19h

Sesc Vila Mariana

Programação completa em sescsp.org.br/inspira

Apoio

8 a 21 de abril

Com o tema Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), a programação traz rodas de conversa, oficinas, cursos e vivências que estimulam reflexões sobre qualidade de vida e bem-estar em 34 unidades do Sesc São Paulo.

Realização

O palco do teatro do Sesc Pompeia foi tomado pela atmosfera de uma Rússia pré-revolucionária, território onde os irmãos Karamázov e o pai, Fiódor, disputam a herança da família e o amor da mesma mulher. Adaptação da obra do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881), o espetáculo Os Irmãos Karamázov esteve em cartaz em fevereiro e março na unidade, representado por Babu Santana, Caio Blat, Lucas Andrade, Luisa Arraes, Marina Vianna, Nina Tomsic, Pedro Henrique Muller e Sol Miranda. A dramaturgia foi assinada por Caio Blat e Manoel Candeias; e a direção, por Marina Vianna e Caio Blat.

Bruna Damasceno
em cena

O fCORNERS &BRi DGES

Brian Jackson , músico, cantor e compositor nova-iorquino, homenageia

Milton Nascimento

Participações

Milton Nascimento

Georgia Anne Muldrow

Paulo Santos

Ivan 'Mamão' Conti

Robertinho Silva

Scott Tixier

Lula Galvão e outros

Visite a loja virtual e conheça o catálogo completo sescsp.org.br/loja /selosesc

DOSSIÊ

Lazer sustentável

Simpósio no Sesc São José dos Campos debate os impactos do lazer sobre as dimensões social, ambiental e econômica

Com o tema Sustentabilidade e Desenvolvimento – Caminhos para um futuro sustentável, o Simpósio de Lazer será realizado no dia 16/4, no Sesc São José dos Campos, interior paulista, onde serão discutidas as urgências climáticas e a necessidade de rever escolhas coletivas e individuais na defesa do meio ambiente. O evento marca o Dia Mundial do Lazer, instituído por iniciativa da WLO – World Leisure Organization (Organização Mundial de Lazer), com coordenação do WLCE/USP (Centro de Excelência em Estudos do Lazer), em parceria com o LAGEL (Laboratório de Gestão das Experiências de Lazer), para chamar atenção para o lazer como um direito humano fundamental para o bem-estar e para a construção da nossa identidade.

A edição deste ano do Dia Mundial do Lazer propõe uma reflexão sobre a intersecção do tema com a sustentabilidade, explorando como práticas de lazer podem contribuir para a preservação ambiental, o bem-estar social e o desenvolvimento econômico equilibrado. “Está no foco do Simpósio que marca essa edição do evento refletir sobre como o lazer pode ser usado para

promover comportamentos mais sustentáveis nas comunidades. Além disso, pretendemos incentivar a inovação em atividades de lazer que sejam ambientalmente responsáveis e socialmente inclusivas e, nessa relação dialógica, compartilhar experiências práticas em diferentes contextos e escalas”, afirma Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.

Na palestra de abertura, o professor e pesquisador Sandro Carnicelli, da West Scotland University, analisará os impactos do lazer em diferentes dimensões – social, ambiental e econômica – e como essas interações influenciam políticas públicas, planejamento urbano e relações comunitárias. Na sequência, a mesa “Lazer, Território e Sustentabilidade” discutirá a interconexão entre lazer, identidade territorial e preservação ambiental, trazendo diferentes perspectivas sobre práticas sustentáveis e comunitárias, com os participantes Andrea Rabinovici (Unifesp), Maurício Mendes Belmonte (liderança em sustentabilidade em São José dos Campos) e Thiery Maciel (artista indígena). Estão previstas também a mesa “Educação, Cultura e Diversidade através do Lazer” e o bate-papo “Bem-estar e Desenvolvimento”. Saiba mais: sescsp.org.br/diamundialdolazer

Pretendemos incentivar a inovação em atividades de lazer que sejam ambientalmente responsáveis e socialmente inclusivas e, nessa relação dialógica, compartilhar experiências práticas em diferentes contextos e escalas Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo

Oficina, mesas, bate-papos e outras atividades compõem a programação dedicada ao Dia Mundial do Lazer, no Sesc São Paulo.

DOSSIÊ

Clima de aprendizado

Em meio às mudanças climáticas que assolam o planeta, intensificando chuvas e desertificações, é urgente que pessoas de todas as idades compreendam a ciência do clima e o impacto humano no planeta. Com essa missão, as Edições

Sesc São Paulo lançam o livro Para entender (quase) tudo sobre o clima, obra que, em 19 capítulos, responde inquietações sobre o tema. Com textos e ilustrações didáticos, o leitor vai se

deparar com respostas a questões como: “Qual a diferença entre meteorologia e clima?”, “O clima sempre mudou mesmo?”, e “Por que o nível do mar sobe com o aquecimento global?”. A publicação conta com o apoio de diversos especialistas das ciências naturais, e é organizada por Anne Brès, BonPote (Thomas Wagner) e Claire Marc, baseada em método científico e modelos climáticos.

Leia mais em sescsp.org.br/edicoessesc

RESSONÂNCIAS CONCRETAS

A arte concreta é tema de nova série do SescTV, ConCretos!, dirigida por Jurandir Müller e Livio Tragtenberg. Com 11 episódios, a produção traz um panorama da produção artística concreta desde os anos de 1950 e lança um olhar sobre suas influências em diferentes áreas. As narrativas são tecidas a partir de depoimentos

de profissionais de diferentes áreas, como o músico, poeta e artista visual Arnaldo Antunes, o designer gráfico e pesquisador Chico Homem de Melo e a semioticista e pesquisadora Lucia Santaella, que refletem sobre a influência do concretismo na educação e comunicação, e nos usos das novas tecnologias na

contemporaneidade. A série traz ainda a poesia concreta como eixo de trabalho pedagógico escolar, explorando as possibilidades das palavras por meio de ações em sala de aula. Um novo episódio é exibido pelo canal a cada quinta-feira, sempre às 20h, e também fica disponível sob demanda. Assista em sesctv.org.br/concretos

Músico, poeta e artista visual, Arnaldo Antunes participa da nova série do SescTV que, a partir deste mês, apresenta um panorama da produção artística concreta desde os anos 1950.

DOSSIÊ

CANTAR POÉTICO

Há poesia na letra da canção?

Amantes da literatura têm um encontro marcado de 9 a 13/4, na segunda edição da FLIZN: Feira Literária da Zona Norte. No Sesc Santana, a feira reunirá editoras, coletivos e livrarias dessa região da cidade, além de convidados, para expor e comercializar suas obras. Dentre os expositores confirmados estão as livrarias Suburbano Convicto e Companhia Ilimitada, Edições Barbatana, Edições do Tietê, Editora Kitembo, LiteraRUA, Reduto do Rap, Editora

Reformatório, Sarau da Brasa Edições e Editora Liber Ars. Estão programados também shows gratuitos de Samba do Congo (9/4, às 21h) e Samba na Feira (12/4, às 12h). No encerramento, o DJ Makola agita o deck com clássicos da black music (13/4, às 17h). No Sesc Casa Verde, a programação está voltada à literatura infantojuvenil, com contações de história e saraus. Saiba mais em sescsp.org.br/ santana e sescsp.org.br/casaverde ENTRE LETRAS

A pluralidade da produção artística periférica é celebrada no Sarau Noiz por Noiz, evento realizado desde 2023 no Sesc Itaquera, com foco na valorização da produção artística jovem. A próxima edição ocorre nos dias 25 e 26/4, trazendo, como proposta de curadoria, uma expansão do olhar territorial, ampliando a abrangência da ação para além do entorno da unidade. Serão bate-papos, vivências e apresentações artísticas nos campos da música, literatura, cinema, dança e artes visuais. Dentre os participantes, a poeta e slamer Canutto; a cantora MC Ktrine; a escritora Kat Mira, do Sarau Uturu; e a grafiteira Kari. Programação completa em sescsp.org.br/itaquera Léu Britto (Entre Elas); Leo

A pergunta é o ponto de partida do curso Poesia na canção brasileira, oferecido entre os dias 16 e 24/4, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo. Ministrado pela jornalista Patricia Palumbo, o curso abordará a intrínseca relação entre letra e música na canção brasileira, forjada ao longo da história, gerando um cancioneiro mundialmente reconhecido pela sua qualidade poética. Partindo da premissa de que o estudo da canção é crucial para compreender uma época, o curso investiga como a poesia e a canção brasileiras se intercalam e se enriquecem mutuamente, e como letristas, além de poetas, se tornam cronistas da sociedade em suas produções. Serão quatro encontros pontuados pelas dinâmicas de audição, leitura e debate, às quartas e quintas, das 19h às 21h. Informações e inscrições: centrodepesquisaeformacao. sescsp.org.br

Jornalista e autora de Vozes do Brasil (Edições Sesc São Paulo, 2019), Patrícia Palumbo realiza curso sobre poesia na canção.

Em abril a FLIZN: Feira Literária da Zona Norte reúne, no Sesc Santana e Casa Verde, autores e atividades para todos os públicos.

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

A Credencial Plena do Sesc é um benefício gratuito para pessoas com registro em carteira, que são estagiárias, temporárias, se aposentaram ou estão desempregadas há até dois anos em empresas do comércio de bens, serviços e turismo e seus dependentes familiares. Com a Credencial Plena você tem acesso prioritário e descontos na programação e serviços pagos do Sesc.

Qual é a validade da Credencial Plena?

A Credencial Plena tem validade de até 2 anos - para estagiários a validade da Credencial corresponde ao período de vigência do estágio e para desempregados a validade é de até 24 meses após a baixa na carteira de trabalho.

Como fazer a Credencial Plena?

On-line pelo aplicativo

Credencial Sesc SP ou pelo site centralrelacionamento.sescsp.org.br Se preferir, nesses mesmos canais, é possível agendar horários para realização desses serviços presencialmente, nas Centrais de Atendimento das unidades.

Quem pode ser dependente na Credencial Plena?

• Cônjuge ou companheiro

• Filhos, enteados, irmãos e netos até 20 anos ou até 24 anos, se estudantes

• Pai e mãe

• Padrasto e madrasta

• Avôs e avós

Relacionamento com Empresas

É o programa que facilita o acesso ao credenciamento dos funcionários das empresas parceiras dos ramos do comércio de bens, serviços e turismo. Nessa parceria, além do credenciamento, os aproximamos de nossa vasta programação e serviços. Saiba mais em sescsp.org.br/empresas

Acesse o texto "Tudo o que você precisa saber sobre a Credencial Plena do Sesc"

Ricardo Ferreira

A Credencial Plena do Sesc é um benefício para as pessoas que trabalham em empresas do comércio de bens, serviços e turismo.

O programa Relacionamento com Empresas facilita o acesso ao credenciamento dos trabalhadores e trabalhadoras dessas empresas.

Conheça o programa e saiba mais em sescsp.org.br/empresa

entrevista

Linguista do cotidiano

Distante da figura de um rebuscado gramático, Caetano W. Galindo celebra falares diversos e populariza conhecimentos acadêmicos da língua portuguesa

POR MARCEL VERRUMO

FOTOS DE NILTON FUKUDA

Toma então este Ulysses. É teu. Ficou dez anos comigo e agora eu me despeço dele”, escreveu o tradutor Caetano W. Galindo na nota de apresentação do clássico Ulysses (Companhia das Letras, 2012), de James Joyce (1882-1941). A declaração foi escrita após traduzir mais de mil páginas entre 2002 e 2012. O trabalho rendeu frutos: além de bem recebida pelo público, a tradução foi agraciada com os prêmios Jabuti de Literatura (2013), Associação Paulista de Críticos de Arte/APCA (2012) e da Academia Brasileira de Letras (2013). Galindo, professor do curso de letras na Universidade Federal do Paraná (UFPR), ganhou projeção nos círculos literários nacionais, recebendo convites para cursos e traduções, além da escrita de livros autorais, dramaturgias e exposições.

Uma década depois, o autor surpreendeu seus leitores com um título relacionado à popularização científica, Latim em pó: Um passeio pela formação do nosso português

(Companhia das Letras, 2022). Com uma escrita envolvente e rigor acadêmico, Galindo explora as etapas de formação da língua portuguesa, bem como as tradições, culturas e povos que influenciaram o idioma. “O Brasil tem inúmeras áreas com uma cegueira gigantesca do que se produz na academia. E eu me interesso em conversar com mais gente, em conversar fora da universidade”, revela. No último mês de março, a missão de popularizar conhecimentos acadêmicos continuou com o lançamento da publicação de Na ponta da língua: O nosso português da cabeça aos pés (Companhia das Letras, 2025), uma jornada sobre a origem das palavras com ferramentas para que os leitores investiguem nosso idioma.

Nesta Entrevista, Galindo reflete sobre a língua portuguesa falada e escrita hoje no Brasil, revela detalhes do seu processo criativo e de sua carreira como escritor e dramaturgo, além de contar como, passada uma década, a tradução de Ulysses ainda reverbera em sua vida.

A língua portuguesa é falada por cerca de 300 milhões de pessoas e, em uma diversidade de países, ela é o idioma oficial, como Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Ela também sofre variações dentro do mesmo país, com mudanças entre a fala e a escrita. Tantas variações justificam esses falares serem considerados uma única língua?

Essa pergunta é supercomplicada, porque às vezes a gente tende a pensar em problemas da área das humanidades querendo transferir critérios que são das ciências quantitativas. O pertencimento de uma comunidade a um idioma é algo que, no final, é, fundamentalmente, decidido pela vontade de pertencimento dessa comunidade. Não existem critérios objetivos que me permitam olhar para dois grupos de falantes e dizer se a distância entre o que eles falam caracteriza aquelas duas falas como duas variedades de uma mesma língua ou como duas línguas diferentes. O mundo está entupido de coisas

que, objetivamente, seriam idiomas diferentes, mas que os falantes consideram como variedades de um mesmo idioma; e está entupido também de coisas que deveriam ser um mesmo idioma, mas que os falantes consideram idiomas diferentes. Vai depender de uma vontade política, de uma sensação de parentesco, pertencimento, proximidade, referência histórica comum. E isso tudo é muito forte no universo da língua portuguesa, inclusive porque a língua portuguesa é originalmente de um país, um pequeno país que levou esse idioma e colonizou diversas regiões. É uma família de fato. Todas essas variedades da língua portuguesa são decorrentes daquele ponto original em Portugal.

Seria melhor falarmos em “línguas portuguesas”?

Eu diria que sim. Assim como diria que isso é algo válido para qualquer grande idioma transnacional. O inglês é um conjunto de ingleses, o francês é um conjunto de franceses. Quaisquer dessas línguas,

especialmente as línguas que serviram aos aparatos coloniais desde o século 16, hoje são conjuntos muito complicados de variedades, visões de mundo. Tudo se resume à sabedoria de João Guimarães Rosa (1908-1967): “É questão de opiniães”. Eu, particularmente, fico muito mais feliz de olhar a multiplicidade e me maravilhar com o escopo possível de coisas diferentes.

Como foram construídas as distâncias que existem entre a língua portuguesa escrita e a falada no Brasil?

Todos os grandes idiomas do mundo vivem esse dilema a partir do momento em que a escrita chega à sociedade, trazendo a escolarização, trazendo usos diferentes. No caso do português do Brasil, o país hoje é usuário de duas versões da língua portuguesa. Uma versão que evoluiu “solta no pasto”, vivendo a vida e sendo mastigada, maltratada, enriquecida, alterada pelo uso real dos falantes. Também pela contribuição dos africanos escravizados, dos falantes de comunidades originárias indígenas brasileiras, que evoluiu de uma maneira natural e, com isso, se afastou de certos padrões europeus. E existe outra variedade, que é a nossa variedade escolar, aquela que ninguém fala, que a gente tem que aprender na escola e que vai contra o que é estritamente autêntico nosso. Essa língua foi formada no Brasil de uma maneira meio artificial, em um estreito contato com a norma lusitana a partir do século 19. Isso fez a gente criar, ao longo do século 20, essa situação louca em que o brasileiro é essa estranha pessoa que diz: “eu não falo bem a minha própria língua”. Isso é de um grau de perversão social, como chegar para uma população inteira e dizer que ela usa mal essa parte constituidora de sua alma e história. Isso é muito cruel e foi usado intencionalmente durante muito tempo, por gerações.

E como pensar o uso da linguagem neutra, com o uso das letras “e” e “x”, criando palavras como menine ou bonitx?

A grande briga da linguagem neutra, da linguagem inclusiva, não é pela alteração do idioma. Eu acho que as próprias pessoas que defendem essas alterações sabem disso. Alterar o idioma não vai mudar nada. Alterar o idioma não vai alterar o preconceito. Alterar o idioma é cosmética. A grande briga é fazer as pessoas discutirem esse assunto. É lembrar para as pessoas: “a gente existe, a gente ocupa um lugar na sociedade e precisa ser incluído

na conversa de vocês.” Um projeto de lei que proíbe o uso da linguagem neutra está concedendo vitória às pessoas que dependem dessa batalha, porque mantém o assunto na mídia, dando sinal de que isso incomodou. Eu acho isso maravilhoso. A discussão em torno da linguagem neutra é a grande prova de que o brasileiro está se adonando da língua portuguesa, está tomando posse do seu falar – a sociedade civil brasileira está interessadíssima por uma questão linguística. E ninguém está perguntando o que Portugal acha disso. Ninguém está perguntando o que a ABL [Academia Brasileira de Letras] acha disso. A gente está brigando em praça pública e de unha. E a briga que está por trás é gigantesca. Eu acho que ela está sendo vitoriosa de um jeito subversivo que me encanta. Nesse sentido, é uma batalha na qual, paradoxalmente, os linguistas têm pouco a acrescentar. Quando essa discussão começou, eu era um professor mais jovem e me lembro de me manifestar sobre como as línguas funcionam e como a sociedade se articula. Eu levei anos para perceber, mas a discussão não é de língua, a discussão é de sociedade. Nesse sentido, eu sou tão membro da sociedade quanto qualquer um de vocês.

Um idioma é uma

panela de pressão de variedades em conflito, em sobreposição, em atrito, em contato e uma delas, normalmente, vai começar a ganhar espaço e vai começar a suplantar as outras

De que modo outras mudanças na língua portuguesa foram assimiladas pela sociedade em outros períodos da história?

Um idioma é uma panela de pressão de variedades em conflito, em sobreposição, em atrito. E uma delas, normalmente, vai começar a ganhar espaço e vai começar a suplantar as outras. Portanto, primeira verdade sobre os idiomas: sempre existe variedade. Segunda: a variedade leva à mudança. Terceira: a mudança nunca interessa a quem está no topo. Quem está no topo quer que as coisas fiquem como estão. Quem está por baixo tem interesse em qualquer coisa que sacoleje o barco para ter possibilidade de acesso. Isso se dá em qualquer área. Logo, a mudança, quando surge, surge por baixo. E quando ela surge, é mal-vista por quem está em cima, é estigmatizada, tabulizada e é marcada como erro, feio, decadência. Como eu costumo dizer para meus alunos, desde que existe escrita, existe alguém escrevendo: “os jovens estão acabando com a língua”. Você encontra isso na Babilônia. Por quê? Porque o jovem fala diferente. E o diferente é visto como mal, como ruim, como degradação. Mas as pessoas vão morrendo, os jovens vão envelhecendo e vão levando a sua nova variedade para o poder. E a língua muda. Então, a gente constata que tudo o que hoje é padrão, purista, preciosista e elevado, um dia foi erro, tosco e grosseiro. O mais refinado português de Camões (1524-1580), o português do Machado de Assis (1839-1908), o português das atas e minutas da Academia Brasileira de Letras, se vistos por alguém de 1300 anos atrás, são apenas versões decrépitas daquela língua.

Como tem sido trabalhar na divulgação do conhecimento acadêmico sobre a língua portuguesa para um público não especializado? O Brasil tem inúmeras áreas com uma cegueira gigantesca em relação ao que se produz na academia, ao que se conhece na academia e ao que é de trânsito comum na sociedade. É um perrengue e é penoso encontrar esse meio do caminho que te permita escrever sem ser crucificado pelos colegas e gerando algum interesse entre a população. Para minha imensa sorte, eu tive uma trajetória de atuação que foi me capacitando para isso. E me interesso em conversar com mais gente, em conversar fora da universidade.

Antes de escrever ensaios sobre a língua portuguesa, você trilhou uma trajetória como tradutor de obras de autores da língua inglesa, como James Joyce. Isso também influenciou seu entendimento da língua portuguesa?

Ah, muito. A literatura brasileira se formou tendo que andar entre a língua que a gente fala de verdade e a língua que a escola quer que a gente fale. Só que, quando sou eu que estou escrevendo, como autor, eu posso escolher deixar certas palavras de lado e evitar certos dilemas. Eu decido qual é a linguagem que quero usar. Quando você traduz, você não tem essa escolha. Se no livro que estou traduzindo, há diálogos escritos numa linguagem que não ofende as regras da escola nem a percepção do falante de que aquilo é uma frase que pode ser dita, eu tenho que encontrar esse lugar em português. A escrita de diálogo na prosa brasileira evoluiu muito à custa de tradução. Traduzir, especialmente do inglês, que é o que eu faço fundamentalmente, me forçou a encarar nossos problemas linguísticos e me fez entender muito o tamanho de alguns absurdos do nosso idioma.

Você ainda tem um trabalho como ficcionista, na literatura, que lhe rendeu livros premiados, como Ensaio sobre o entendimento humano (Biblioteca Pública do Paraná, 2013), e na dramaturgia, com Ana Lívia (2023), obra montada no Sesc Consolação pela diretora Daniela Thomas e pela atriz e codiretora Bete Coelho. Como é seu processo criativo na ficção?

Eu queria ser músico, estudei música a vida inteira, mas machuquei a mão e não pude ser. Então, todas as outras coisas hoje são como um prêmio de consolação. Tudo que fiz na vida, eu fiz porque as coisas foram me levando, as pessoas foram me convidando, e eu fui aceitando. Nunca tive uma meta. Vejo escritores como pessoas que querem ser escritores, que têm um projeto, pensam nisso, projetam uma carreira. Isso não existe para mim. Eu escrevi um livro de contos, porque tinha um edital de um concurso e pensei: “ah, eu queria entrar nesse edital.”

Aí, juntei umas coisas e escrevi outras. Publiquei um livro de poesia que tem 20 anos de produção ali dentro. E eu escrevi um romance porque meu irmão queria algo para o site dele e eu inventei a ideia de escrever um

O meu grande barato é a língua portuguesa, a nossa língua portuguesa falada neste lugar.
O que ela fez da gente, o que a gente fez com ela, o que a gente ainda é capaz de fazer com ela, as coisas incríveis que estão para ser feitas.

romance em folhetim, ao longo de dois anos. Então, eu não tenho um método. Escrevi quando houve um interesse ou uma necessidade. Não sei se um dia vou escrever outro romance, outro conto ou outro livro de poesia.

E em relação à dramaturgia?

Dramaturgia é diferente. Surgiu completamente do nada, a partir de um primeiro convite do Felipe Hirsch para trabalhar em Língua brasileira antes da pandemia, peça que acabou estreando em 2022, no Sesc Consolação. Depois, houve um convite da Bete Coelho para fazer Molly Bloom – ela usou a minha tradução do Joyce. Acabei entrando de cambulhada nesse mundo do teatro. De 2022 para cá, estive envolvido em oito peças. Trabalhos muito diferentes, às vezes como coautor, às vezes como dramaturgo solo, às vezes como consultor. É um mundo que me encanta absurdamente. Só o fato de estar aqui, no backstage, de ver montarem o cenário, afinarem a luz, ver as coisas acontecerem, é um presente dos deuses do acaso: jogaram o nerdzinho no teatro! Torço para que os convites continuem existindo, porque têm me dado muita felicidade. Os meus livros não foram mal-recebidos e eu adoro que as pessoas leiam, tenho muito orgulho deles, do meu romance Lia (Companhia das Letras, 2024). Mas o teatro tem uma coisa diferente, tem algo viciante.

Como um dos grandes especialistas no Brasil da obra de James Joyce, você identifica ressonâncias desse autor na sua obra?

[James] Joyce está em tudo que faço na vida. Eu trabalho com ele há 25 anos. Ele me deu a minha carreira, me deu projeção. Tudo vem dali, do fato do livro Ulysses ter aparecido e as pessoas terem percebido que existia um cara que o traduziu. Foi um efeito dominó. Eu consigo fazer exatamente a cadeia de passos que me levou desse

livro àquele livro, àquele projeto, a uma entrevista num podcast que foi ouvida por uma pessoa que falou com o Felipe Hirsch, que resolveu me convidar para o teatro. Eu sei exatamente como cheguei aqui. Todos os meus caminhos convergem para o dia em que decidi traduzir Ulysses, para o dia em que decidi ler Ulysses. E a minha mudança de vida, de carreira, de produção, de tudo, é integralmente devido à presença dessa obra monstruosa desse escritor maravilhoso, fora de qualquer curva, que para minha sorte caiu no meu colo há muito tempo.

Como todas essas diferentes frentes de trabalho se conectam na sua obra?

Há muito tempo, estou com medo de que um dia alguém me faça essa pergunta e eu já ensaiei a resposta várias vezes. Primeiro, tudo se conecta por acaso, por uma firme crença na ideia de que dizer “sim” para propostas estranhas é interessante. No fundo, se conecta por uma fixação pela língua portuguesa. A minha grande empolgação é ver como as pessoas falam, o que a gente faz com a língua. O meu grande barato é a língua portuguesa, a nossa língua portuguesa falada neste lugar. E o que ela fez da gente, o que a gente fez com ela, o que a gente ainda é capaz de fazer com ela, as coisas incríveis que estão para ser feitas. Isso é combustível e parque de diversões. Para mim, isso não é trabalho.

Assista a trechos da entrevista com Caetano W. Galindo, realizada em fevereiro de 2025, no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo.

Neste livro, Daniel Cangussu, biólogo e indigenista, investiga os povos indígenas em isolamento na Amazônia. Combinando botânica e arqueologia, analisa os impactos das políticas de não contato e a vida desses “refugiados em sua própria terra”. A obra inclui fotografia inédita e prefácio de Sebastião Salgado.

Entre MORROS

No Vale do Paraíba, Taubaté abraça passado e presente em manifestações culturais que traduzem a essência plural e diversa da cidade

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ E MARCEL VERRUMO FOTOS NILTON FUKUDA
Vista do novo prédio que será inaugurado neste mês no Sesc Taubaté.

Entre a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar, o Vale do Paraíba é mais do que um acidente geográfico natural onde colonizadores se estabeleceram a partir do final do século 16, como descrevem os livros de história. É que algo de pitoresco passou a habitar um dos 39 municípios que constituem a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte (RMVPLN) no Estado de São Paulo. Desse território brotaram seres encantados que hoje cruzam ruas e avenidas, dando-lhes a graça. Basta virar à esquerda na Emília, dobrar na esquina da Nastácia, seguir pela Marquês de Rabicó e encontrar seu destino no Picapau Amarelo. Pronto: você chegou a Taubaté, capital nacional da literatura infantil. Das páginas de Sítio do Picapau Amarelo – série composta por 23 livros

escritos entre 1920 e 1947, pelo taubateano Monteiro Lobato (1882-1948) –, esses e novos personagens começaram a pulular na cidade. Enquanto se prepara para celebrar 380 anos, esse município de pouco mais de 321 mil habitantes resiste como território fértil para a criatividade, sendo espaço de manifestações culturais tradicionais e, também, celeiro de jovens artistas.

Pesquisador e criador do Almanaque Urupês, página dedicada à cultura, história e curiosidades de Taubaté, Pedro Rubim nasceu na zona Sul da capital paulista, mas é morador e entusiasta desse município do vale paraibano. Ele explica que a história oficial de Taubaté começa em 1645, quando surgem registros contínuos do dia a dia administrativo da vila, como testamentos e inventários. No período colonial, a cidade se desenvolveu como área de expansão do governo português e manteve sua importância no ciclo do ouro até metade do século 18. Depois disso, ascendeu ao se tornar uma zona de abastecimento de produção de cana de açúcar e, posteriormente, de café. “Com o dinheiro do café, Taubaté começa a investir em cultura. O primeiro grande marco disso é o surgimento da imprensa em 1861. Então, os letrados começam a criar algo particular, começam a discutir a cidade, a publicar poemas. Quando chega o trem, essa coisa amplia mais ainda. Você passa a ter teatro, por exemplo, por volta de 1876. Aí surgem associações literárias e artísticas, uma pré-história da formação cultural moderna de Taubaté”, explica o pesquisador.

Paralelamente ao surgimento de expoentes da elite cultural, a partir do final do século 19, a exemplo do escritor Monteiro Lobato, homens e mulheres fora das páginas da história oficial mantiveram vivas expressões culturais enraizadas na cidade. Hoje, dentre alguns herdeiros, está Geraldo de Paula Santana Filho, líder da Companhia de Moçambique de São Benedito do Parque Bandeirante, em Taubaté, fundada em 1947. Mestre Paizinho, como ficou conhecido, é considerado um dos mais respeitados mestres da cultura tradicional do Vale do Paraíba, região reconhecida por manifestações de moçambique [dança-cortejo de origem afro-brasileira], congada, catira, jongo, folia de reis, entre outras. Há mais de 20 anos, ele se encarrega de levar às escolas da região um projeto cultural dedicado a danças populares. Nas oficinas, ao perpetuar o que aprendeu com o pai e seus ancestrais, Mestre Paizinho acredita na importância da preservação da cultura popular para que as próximas gerações não percam esse “tesouro”, como gosta de enfatizar.

Tânia e Raíssa Sampaio mantêm a arte das figureiras, uma tradição taubateana que atravessa gerações de famílias.

Para o pesquisador Pedro Rubim, ainda que uma mentalidade conservadora tenha protagonizado episódios da história da cidade, como o passado colonialista, Taubaté é composta por outras camadas de formação. “A pesquisadora e professora Maria Morgado [1919-2008] escrevia que essa é uma velha cidade que tem muito a contar”, destaca Rubim.

TRADIÇÃO ACESA

Além da resistência de expressões da cultura afro-brasileira, a arte das figureiras – artesãs que do barro criam personagens do folclore local – é outra manifestação da cultura popular de Taubaté. Das mãos que coletam o barro, moldam e pintam, criam-se carneiros, vacas, galinhas e o famoso pavão azul, eleito

símbolo do Artesanato Paulista em 1979. Na Casa do Figureiro, elas expõem e vendem suas artes – lá também podem trabalhar num espaço que funciona como oficina. Neste ponto turístico, os visitantes conhecem um pouco mais sobre essa tradição que remonta ao final do século 19, quando frades franciscanos do Convento de Santa Clara, em Taubaté, montaram um presépio com peças vindas da Itália. Admirados, moradores do bairro da Imaculada começaram a copiar aquelas figuras com a argila retirada do rio Itaim.

Como os santos eram mais difíceis de modelar, a população passou a se dedicar às figuras que compõem o presépio e, também, a cenas do cotidiano. Figureiro, aliás, é um termo inventado que não está nos dicionários. Além dos animais, “começaram a fazer moças trabalhando: tirando água do poço, lavando

roupa, ou seja, representavam na argila o que viviam e o que viam”, conta Raíssa Sampaio, de 31 anos, que dá continuidade ao ofício aprendido com a mãe, quando tinha apenas quatro anos. Hoje, as duas filhas de Raíssa também fazem suas próprias criações. “Minha mãe cuidou dos quatro filhos com o dinheiro da argila. Então, foi muita luta. Tenho muito amor por isso”, destaca.

A figureira Tânia Sampaio, prima de Raíssa, também mantém na família essa expressão cultural. “Tenho 59 anos e faço desde criança, porque aprendi com a minha avó. No começo, eu criava pecinhas para brincar. Minha mãe, meu irmão, as minhas primas, somos todos figureiros. Eu sou da terceira geração

e a minha filha também faz um pouco, meu filho e minha netinha também”, orgulha-se. De todos os tamanhos – e até como ímã de geladeira – as cerâmicas das figureiras saem de Taubaté e ganham o mundo. “Eu até brinco: meu pavão voou. Tenho uma lista, na minha agenda, de vários países para onde foi, como Bélgica e Japão”, acrescenta Tânia.

RESISTÊNCIA CULTURAL

Território de nomes que marcaram a história cultural brasileira, como o ator, cantor e cineasta Amácio Mazzaropi (1912-1981), homenageado na Praça Santa

Na frente de um mural do artista local Veerre, Mano Zã traz a voz e o sonho das juventudes nas batalhas de rima que crescem pelo Vale do Paraíba.

Terezinha, com uma estátua como o personagem Jeca Tatu, Taubaté segue sua vocação. Na música e no teatro, Adalgiza Américo faz da cultura uma ferramenta de luta contra o racismo desde que viu sua vida se transformar ao interpretar tia Nastácia no Sítio do Picapau Amarelo, como é conhecido o Museu Histórico Folclórico e Pedagógico Monteiro Lobato. Nas apresentações, onde atores se caracterizam como os personagens da obra-prima de Lobato, Adalgiza interpretou, por seis anos, a primeira Nastácia negra do elenco fixo.

“Sou uma mulher preta, vou fazer 40 anos e eu não tinha muitos personagens pretos na minha infância. Quando a tia Nastácia caiu nos meus braços, eu

só coloquei na personagem tudo o que aprendi com os meus avós. Foi o meu primeiro emprego e não foi fácil no início, porque a referência era de mulheres brancas fazendo a personagem. Pensei: como mulher preta, eu preciso dar uma reviravolta nisso”, conta Adalgiza, que se formou em teatro pela Escola Municipal de Artes Maestro Fêgo Camargo.

Prima de Mestre Paizinho, a atriz e cantora tem na família a raiz da cultura popular. “Por conta da Nastácia, que na obra do Monteiro Lobato, assim como o tio Barnabé, representa o povo e o folclore, acabei juntando o que é da minha história de vida dentro do sítio. Então, eu fui uma tia Nastácia que

Em seu ateliê, Bispo defende a circularidade do tempo e das coisas em suas telas e esculturas.
De tia Nastácia do Sítio do Picapau Amarelo à articuladora política, a atriz e cantora Adalgiza Américo carrega as reivindicações da cultura popular e dos jovens artistas de Taubaté.

realmente cozinhava, fazia bolinho de chuva e, quando era época de Semana Santa, eu cantava no terreiro, principalmente samba de roda. Na chegada dos turistas, socava paçoca no pilão e ensinava a receita para o público”, recorda.

Adalgiza, que também é arte-educadora, integrou o mandado coletivo Representa Taubaté na Câmara Municipal de Taubaté, de 2020 a 2024. Neste ano, retornou à cena cultural, tendo na bagagem outro olhar para os desafios e políticas públicas de fomento. Nas rodas de samba, é convidada a cantar em iniciativas dentro da cidade e em municípios vizinhos. Para a artista, a atual geração tem a missão de fortalecer seu trabalho localmente, mas também, as manifestações culturais tradicionais. “A gente precisa ser esse escudo dos nossos ancestrais. Precisa ter força para dar continuidade a esse movimento na cidade”, acredita.

PALAVRA VIVA

Na capital nacional da literatura infantil, outros autores pedem passagem para ocupá-la com novos personagens e enredos. Como o caramujo Marujo, que escolheu não mais navegar e passou a viajar para dentro. Ou o passarinho Universo, que logo ficou em pé, pronto para abrir as asas pelo mundo. Esses e outros protagonistas foram criados pela escritora paulistana Vana Campos, que cresceu cercada de figuras do mundo literário e artístico e logo se viu abraçada por um universo lúdico. Nomes como Millôr Fernandes (1923-2012) e Ziraldo (1932-2024) zanzavam em sua casa, uma vez que seu pai trabalhava como editor de livros de artes.

Psicóloga apaixonada pela paleta de temas da literatura infantil, Vana já publicou mais de dez livros, sendo os mais recentes, de 2024: Encaramujado (PeraBook), ilustrado por Raquel Matsushita, e Universo, o Passarinho, ilustrado por Vanina Starkoff. Este último, inclusive, foi editado pela Cachecol Editora, que Vana Campos idealizou e tem sede em Taubaté. Aliás, foi na cidade onde a escritora mora há 18 anos que ela deixou a imaginação correr solta.

“Tenho dois filhos, agora já são pré-adolescentes, mas acho muito divertido porque seus amigos ainda passam na rua e os chamam para jogar bola, catar fruta. Então, essa dinâmica da relação das crianças com

A GENTE PRECISA SER ESSE ESCUDO DOS NOSSOS ANCESTRAIS. PRECISA TER FORÇA PARA DAR CONTINUIDADE A ESSE MOVIMENTO NA CIDADE.

Adalgiza Américo, atriz e cantora

a cidade, de poderem se encontrar na praça, isso me anima a escrever essa literatura que é para as infâncias, mas também é para todas as idades”, destaca.

Da palavra escrita à palavra falada, na batalha de rimas se constrói uma ponte por onde as juventudes da cidade expressam suas histórias no compasso do improviso. Inserida no movimento hip-hop, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, a batalha de rima chegou ao Brasil nos anos 1980 e se difundiu por diferentes regiões do país. Artista independente e agente cultural, Mano Zã faz parte da nova geração desse movimento, e tem como referência nomes como o rapper Nego Max, criado em Taubaté. “Aprendi e comecei a rimar e a improvisar em 2016, só que no meu círculo de amigos, ninguém praticava, então eu ficava isolado. Aí, pensei: ‘vamos organizar um evento e ver se alguém aparece’”, lembra.

Na época em que começou, aos 17 anos, Mano Zã não fazia ideia da necessidade da infraestrutura para organizar um evento, nem da quantidade de jovens de Taubaté que queriam participar das batalhas de rimas. Tampouco sabia o número de pessoas interessadas em acompanhar, como público, duelos cujas “armas”

ACHO QUE TODO MUNDO QUE TRABALHA EM TAUBATÉ COMO ARTISTA

TEMPO CIRCULAR

Nem passado, nem presente, nem futuro. A circularidade do tempo, herança da cultura de povos indígenas e afro-brasileiros que formam a história de Taubaté, indicam outro pensamento sobre a natureza da vida-morte-vida. É nesse tempo em contínua transformação que habitam as criações do artista visual autodidata Fernando Bispo, que se mudou de São Paulo para o município aos sete anos de idade. Primo de segundo grau do artista Arthur Bispo do Rosário (1909-1989), Bispo desenha personagens de outros planetas em cenários onde convivem com figuras que emulam as pinturas rupestres.

Pedro Rubim, pesquisador

eram palavras apontadas na hora, no improviso. Depois de organizar, de 2017 a 2020, a Batalha da Colheita, o artista foi somando aprendizados e fundou, em 2021, o Duelo de Rua, que já se apresentou no Sesc Taubaté. “O freestyle e as batalhas de rima são um organismo vivo. A gente está falando de improviso, então não tem nada pronto. O show, a mágica, a gente nunca sabe o que esperar. Para mim, a beleza desse movimento está aí: a gente se surpreende todas as vezes”, explica.

Foi a partir do Duelo de Rua que Mano Zã notou a necessidade do aprofundamento de um debate sobre estrutura e profissionalização desses artistas independentes. Isso abriu caminhos, principalmente, para um diálogo com a prefeitura e instituições culturais da cidade. “Então, eu vejo que hoje, em Taubaté, as pessoas estão pensando nisso como um possível mercado de trabalho, e há mais debates para tornar essa expressão cultural viável, para que não acabe. O rap do Vale do Paraíba, principalmente, tem muito esse anseio de vencer aqui. A gente não precisa abandonar o lugar onde a gente cria a nossa arte”, conclui.

Em sua casa-ateliê, raio de bicicleta, retalho de batente de porta, latas, chaves, brinquedos, relógios, peças de computador, sapatos e outras peças descartadas servem de matéria-prima. Objetos cuja essência circular que define o reuso é traduzida em esculturas, quadros e móveis. Bispo também trabalha com arte naïf, retratando uma vida mais rural, lembranças que remontam principalmente à sua infância numa chácara em Taubaté.

Influenciado por artistas como Adão Silvério, Mestre Justino e Anderson Fabiano, Bispo enxerga outras vidas possíveis em objetos considerados obsoletos. “Esse trabalho me dá muita visão porque eu trabalho com madeira, tinta, plástico, peça de carro, peça de liquidificador, enceradeira… Então, tem muita imaginação”, conta. Aos 70 anos, já participou de diversas exposições coletivas e individuais em todo o país, e trabalhou como professor de arte em Cuiabá e em Taubaté. Mais do que provocar reações, Bispo busca instigar reflexões sobre seu trabalho. “A minha arte traz um pouco disso, de psicologia, de filosofia, desse entendimento de como nós estamos inseridos nessa loucura. ‘O que quer dizer esse sapato?’; ‘Será que existe extraterrestre?’. Eu tento mostrar para as pessoas que todo esse processo está dentro de cada um de nós e que elas podem colocá-lo para fora”, conclui.

Morada da imaginação e da criatividade que alimentam esses e outros artistas de diferentes linguagens e gerações, Taubaté reivindica um pertencimento que, para o pesquisador Pedro Rubim, não se explica com a razão. “Acho que todo mundo que trabalha em Taubaté como artista trabalha com um amor que você não consegue explicar de onde vem. Não é só um sentimento nativista, sabe? É algo que a cidade tem”, resume.

ver no sesc / expansão

O Teatro do Sesc Taubaté preserva nas paredes os tijolos da construção original da unidade.

ABREM-SE AS CORTINAS!

Sesc Taubaté inaugura em abril novo edifício, que abriga teatro, espaço de alimentação e novos consultórios de odontologia

A primeira unidade do Sesc em Taubaté foi instalada em junho de 1948, em uma casa na rua Conselheiro Moreira de Barros e, curiosamente, seu gestor foi Nelson Freire Campello, pai da cantora Celly Campello (1942-2003), uma das precursoras do rock no Brasil. Até que, na década de 1980, o empresário Israel “Juca” Guinsburg liderou um movimento para a construção de uma sede em um terreno de 40 mil metros quadrados no bairro Esplanada Santa Terezinha. E, em 16 de abril de 1988, a nova sede do Sesc Taubaté foi inaugurada. Em contínuo aprimoramento, frente às necessidades do tempo, da região e da população, neste mês, o Sesc Taubaté inaugura um novo edifício, que passa a abrigar um

Teatro com 255 lugares, cujo fundo do palco abre para a área externa e amplia a capacidade de público a fim de atender a programações como shows. Além disso, irá ampliar os espaços de alimentação e terá novos consultórios de odontologia.

“As novas instalações ampliam a capacidade de atendimento do Sesc Taubaté, permitindo uma variedade ainda maior de programações, notadamente no campo artístico, com a inauguração desse importante teatro. Teremos a possibilidade de circular uma pluralidade de apresentações cênicas, além de shows musicais de diferentes gêneros e estilos, democratizando o acesso à cultura não somente para os moradores dessa cidade, mas de outros

municípios do Vale do Paraíba”, afirma o Diretor do Sesc São Paulo, Luiz Deoclecio Massaro Galina. O Diretor ressalta que a inauguração das novas instalações integra o Plano de Expansão do Sesc, que prevê a abertura de novas unidades na capital e no interior paulista, nos próximos anos. “Celebramos essa inauguração como uma oportunidade de reafirmar o compromisso da nossa entidade para com a promoção do bem-estar da população”, completa.

Espaço onde as mais diversas manifestações culturais da cidade se encontram, o Sesc Taubaté reserva para o fim de semana de 26 e 27/4 uma programação especial. Confira os detalhes, bem como horário de funcionamento da unidade em sescsp.org.br/taubate.

TAUBATÉ

Inauguração do novo edifício Dias 26 e 27/4.

GRÁTIS

Artista, curador, escritor, educador e pensador indígena da etnia Macuxi, Jaider Esbell fez da sua arte uma ponte entre mundos apartados.

SOB A PELE

da floresta

As expressões artísticas e o ativismo de Jaider Esbell, que lutou pela valorização da arte indígena contemporânea

ATerra Indígena Raposa Serra do Sol, situada no estado de Roraima, transcende a simples demarcação geográfica. Ela configura um espaço múltiplo, tecido por cinco etnias – Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana – que somam mais de 26 mil indivíduos. A área demarcada, de aproximadamente 1.750 hectares, homologada em 2005, após uma longa e árdua luta, representa um microcosmo da intrincada relação ancestral entre os seus habitantes e o meio ambiente. A complexidade da região, seus desafios e riquezas, moldaram a visão de mundo e estão na nascente da produção e do ativismo do artista multimídia, arte-educador, escritor, curador independente e produtor cultural indígena da etnia Macuxi, Jaider Esbell (1979-2021).

Nascido e criado em Normandia, um dos três municípios fincados na Raposa Serra do Sol, Esbell fez de sua obra um catalisador para discussões sobre conhecimentos indígenas, com a qual desafiou o público – e instituições culturais – a confrontarem suas percepções sobre a arte dos povos originários.

Enfatizando a força e a resistência de seu povo, tem em suas criações não apenas uma expressão estética: suas obras são um chamado à ação e à reflexão, pilares da sua atuação como artivista, como ele próprio se definia. Com uma abordagem que combina elementos artísticos, ancestralidade, espiritualidade, memória, política e ecologia, a pesquisa de Esbell se tornou um dos expoentes práticos de crítica decolonial, ancorada, ainda, na cosmovisão Macuxi, as narrativas míticas e a vida cotidiana na Amazônia.

LUGARES URGENTES

Esbell foi, também, um articulador junto aos demais artistas indígenas contemporâneos do Norte do Brasil, cunhando o conceito de txaísmo – termo que se refere à construção de relações de afinidades afetivas nos circuitos interculturais das artes, com foco no protagonismo indígena. “Nunca fiz curso de arte, nem estou a fim de fazer. Trabalho muito nesse campo do artivismo, na ideia de levar o movimento indígena de raiz, que luta desde o primeiro índio que flechou o navio de Cabral. É uma luta contínua por identidade e respeito. A gente sempre fez arte e não precisava do europeu para entender o sentido, a função dela. Arte pra nós é fundamental, é origem. Índio e arte nascem juntos. Não com esse nome, mas com todas as funções que a ideia de arte tem”, afirmou o artista, em entrevista à jornalista Juliana Domingos de Lima, do portal Ecoa Uol, em setembro de 2021.

Naquele momento, ele foi uma das vozes mais contundentes na reivindicação por uma maior presença de artistas indígenas na 34ª Bienal de São Paulo, inaugurada dias antes. No ano em que completava 70 anos, a Bienal expôs a maior quantidade de artistas indígenas de sua história. Destes, quatro eram estrangeiros e cinco, brasileiros – além de Esbell, o grupo era composto por Daiara Tukano, Sueli Maxakali, Uýra e Gustavo Caboco. Em paralelo, acontecia no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) a mostra Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea, correalizada pela instituição e pela

Fundação Bienal de São Paulo. A exposição, que teve a curadoria assinada por Jaider Esbell, simbolizava outro marco, e apresentou trabalhos de 34 artistas indígenas.

TRANSFORMAÇÃO COLETIVA

Um dos nomes presentes em Moquém_Surarî, Denilson Baniwa reflete sobre como o trabalho de Esbell contribuiu para a ampliação dos espaços de representatividade e para o reconhecimento dessa produção cultural –sobretudo em circuitos artísticos e intelectuais antes dominados por narrativas eurocêntricas. “Jaider teve coragem de enfrentar o que poucos enfrentaram, pagou caro por isso, mas deixou claro que o mundo de agora não conseguiria mais esconder a presença indígena na sociedade atual. As narrativas eurocêntricas ainda são a maioria, mas, pelo menos agora, há um apêndice chamado narrativa indígena. É ótimo, mas ainda é pouco”, ressalta Baniwa. Para o artista, o legado que Esbell deixou permanece inspirando novas gerações. “Espero que anime mais indígenas a enfrentarem o mundo fora da aldeia, entendendo seus códigos e sabendo que sua identidade é forte e pode gerar novos pontos de vista sobre a história. O trabalho e a vida de Jaider servem como referência de caminhos a seguir e quais evitar”, acrescenta.

A representatividade precisa ser conquistada, pois quando é doada pelos brancos, é apenas um espaço de organização de pautas. Jaider deu caminhos que podem servir aos que virão. Denilson Baniwa, artista

Baniwa considera que também foi preciso coragem para que as armadilhas e os louros ao ter um lugar junto aos brancos fossem desvelados por Esbell. “A representatividade precisa ser conquistada, pois quando é doada pelos brancos, é apenas um espaço de organização de pautas. Jaider deu caminhos que podem servir aos que virão. Agora, eles sim, vão ampliar esses caminhos e espaços. O que temos agora é muito pouco para caber toda a vontade de falar, engasgada na voz das pessoas indígenas. Jaider cumpriu seu papel. Agora, é saber se alguém vai aproveitar esse momento”, constata.

FORÇA DE MAKUNAIMÃ

O debate sobre a histórica “Bienal dos índios” (como Esbell a nomeou) segue ecoando e foi analisado pelo artista, em conversa com o repórter Artur Tavares, do site Elástica, em 3 de outubro de 2021. “Esse trabalho todo com a Bienal é parte da nossa política histórica de resistência indígena, que é uma extensão de um movimento invisibilizado pelas próprias mídias, o movimento de base. Hoje, mais uma vez, os povos originários estão em Brasília lutando pelo óbvio, pela vida e dignidade, enquanto a sociedade, a mídia

Elementos e cores que combinam ancestralidade, espiritualidade, memória, política e ecologia, obra de Jaider Esbell tece críticas ao colonialismo e está ancorada na cosmovisão Macuxi.

e muita gente acham que ainda é uma luta dos índios, uma luta à parte do mundo, sem conseguir entender que é uma luta básica, pela vida, que está muito além da vida humana. Se luta por tudo, inclusive pela espiritualidade”, pontuou.

Geógrafo formado pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), Jaider Esbell era funcionário concursado da estatal de energia elétrica Eletronorte (hoje subsidiária da Eletrobras) quando, em 2010, fez sua primeira grande incursão no universo artístico, ao ser contemplado com a Bolsa de Criação Literária da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Embora pintasse desde criança e suas primeiras mostras individuais datassem desse período, sua estreia pública seria pela escrita: a premiação possibilitou a publicação do livro Terreiro de Makunaimã – mitos, lendas e estórias em vivências (Elefante, 2012).

Na obra, o autor se reconhece como um dos netos de Makunaimã, divindade da cultura Makuxi, habitante do Monte Roraima e figura central de suas tradições – e que se tornou um ícone popular pela lente modernista do escritor Mário de Andrade (1893-1945) no romance Macunaíma, o heroi sem nenhum caráter, lançado em 1928.

CAMINHOS DA CRIAÇÃO

“Terreiro de Makunaimã traz as vozes indígenas Pemon, Taurepang, Wapichana e Macuxi, povos que são herdeiros legítimos de Makunaimã, a reclamar dentro da própria casa de Mário de Andrade o Macunaíma estereotipado, que mistura histórias e culturas indígenas diferentes para compreender a formação do povo brasileiro, a partir do nosso sagrado. É no barulho da discussão sobre Macunaíma e Makunaimã que Mário de Andrade desperta do além, caminha até a sua sala e surpreende a todos (…). É nessa energia que acontece o diálogo entre o dono da casa, os reclamantes e os convidados – infelizmente, para Mário, sem vinho nem charutos”, assina no prefácio, o músico, compositor e cineasta Cristino Wapichana.

Em artigo publicado na Revista Iluminuras, de 2018, número 46, Esbell examinou o impacto do livro. “Eu, quando assumo e reivindico o meu laço familiar com Makunaimã, estou convidando a ir ao além no discutir decolonização ou colonização. Quando tomo isso como um argumento, quero dizer que é parte minha querer que

A gente sempre fez arte e não precisava do europeu para entender o sentido, a função dela. Arte pra nós é fundamental, é origem. Índio e arte nascem juntos.
Jaider

Esbell (1979-2021)

em todas as partes esteja algum extrapolar dos discursos. Quando faço isso publicamente em um lugar estratégico, com arte, acredito estar sendo paradidático”, escreveu.

ESPELHO DA LUA

Pouco depois do lançamento de Makunaimã, Esbell obteve uma licença não remunerada das funções públicas e partiu para uma temporada de exposições, aulas e palestras nos Estados Unidos. Fez conexões importantes e circulou no meio acadêmico de instituições como Pitzer College, na Califórnia. Ao retornar ao Brasil, em 2013, o talento para articular, reunir e potencializar o trabalho de nomes das artes indígenas, jovens ou já estabelecidos, ganharia corpo ao iniciar uma série de três edições do Encontro de Todos os Povos, sediado em Boa Vista (RR), dando novo fôlego, assim, ao movimento de valorização institucional das produções artísticas indígenas. Era 2016 quando se desligou da estatal para se dedicar totalmente à vocação artística.

No mesmo ano, foi agraciado pelo Prêmio PIPA, considerado um dos principais de arte contemporânea do Brasil. “Ele foi transformando seu estúdio, no qual pintava suas telas, em ateliê, atuando muitas vezes em conjunto com outros nomes. Este trabalho levou à criação de uma galeria de arte indígena contemporânea, que não representava, mas sim apresentava os artistas, reunindo um acervo muito rico”, conta Parmênio Citó, amigo de longa data e conselheiro da Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea. Localizado na capital roraimense, o espaço é coletivo e independente, e serve à produção, circulação de obras e atividades de formação, além de guardar e representar o espólio do artista. Obras de Jaider Esbell integram, hoje, coleções como a do Centre Georges Pompidou, na França – a exemplo dos trabalhos Carta ao Velho Mundo (2018-2019) e Na Terra Sem Males (2021).

SOPRO ANCESTRAL

Desde menino, Esbell esteve imerso nas histórias contadas por seus avós, aprendendo sobre os mitos e as tradições que formam a base da identidade Macuxi. Era filho adotivo de Bernaldina José Pedro (1945-2020), a vovó Bernaldina, mestra e xamã indígena, e uma das líderes da luta pela demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Quando não estava em Roraima, passava temporadas, a trabalho, em São Paulo, desenvolvendo projetos e visitando amigos – parte de suas andanças eram compartilhadas com os seguidores em suas redes sociais.

Nos últimos desses registros, deixava antever preocupações provocadas pela pandemia de Covid-19. Em outros momentos, dividia reflexões poéticas e filosóficas sobre o dia a dia, nos quais versava, com profunda beleza, em torno de existência, sonhos e suas percepções sobre o mundo. Em 15 de abril de 2020, o artista escreveu em seu blog: “É sempre manhã no meu coração. Estou sempre buscando acordar e sair já encangado com a alegria. Eu tenho esse jeito, gosto muito de ser assim. Eu aprendi com meus avós indígenas que sempre foram assim. Ambos viveram bem, nunca deixaram a alegria sair de suas mãos”. No dia 2 de novembro de 2021, Jaider Esbell faleceu, aos 42 anos. Eterno em seu legado, carregou consigo a certeza de ter compartilhado sua cosmovisão e lutas por meio da arte. Como escreveu em seu blog: “Quero viver de boas memórias, essas que saciam as fomes, afugentam as inquietudes. Quero me manter matinal pronto pra deixar acontecer. Quero começar sempre aberto, liberto com a mente limpa para mais acontecer. Quero rever meu lado bom, estendê-lo por onde passar. Ah eu quero amar, flutuar, planejar não planejar. Dentro de mim é sempre manhã e quero continuar assim”.

para ver no sesc / bio

PRESENTE E PERMANENTE

Sesc São Paulo foi um dos palcos para a obra e o pensamento do artista Jaider Esbell

O artista, curador, escritor, educador e pensador indígena da etnia Macuxi teve uma estreita relação com o Sesc São Paulo, marcada por exposições e projetos que evidenciaram a força de sua arte e de seu ativismo. Em 2021, por exemplo, uma de suas obras mais conhecidas, intitulada Entidades, foi apresentada na terceira edição do projeto Frestas – Trienal de Artes, no Sesc Sorocaba. O trabalho, uma instalação inflável que representava duas grandes cobras, simbolizava entidades espirituais na cosmovisão dos Macuxi. Sob o título O rio é uma serpente, a edição reuniu 53 artistas e coletivos de diferentes países, com

curadoria de Beatriz Lemos, Diane Lima e Thiago de Paula Souza.

No mesmo ano, o Centro de Pesquisa e Formação (CPF) Sesc São Paulo promoveu o curso Arte Indígena Contemporânea, ministrado pelo artista e pela antropóloga Paula Berbert. Os encontros abordaram questões relativas ao tema, pensando potências, desafios e implicações a partir da imagem do “encontro entre mundos”. Já em 2022, o Sesc Piracicaba recebeu a exposição Coração na aldeia, pés no mundo, que reuniu 108 obras contemporâneas feitas por 22 artistas (a maioria indígena) de sete

estados brasileiros e do exterior. Sob curadoria de Fabiane Medina Cruz e Fabiana Bruno, a mostra homenageava Jaider Esbell, logo na entrada, apresentando uma série de 16 desenhos, de sua autoria, elaborados com técnica livre sobre o papel preto.

Jaider Esbell também participou da série Artérias, dirigida por Helena Bagnoli, e exibida pelo SescTV. A produção consiste em 26 minidocumentários com artistas de diversas gerações e regiões do Brasil. No programa, Esbell compartilha seu processo criativo e a esperança de mudar a perspectiva de pessoas que ainda pensam que os povos indígenas estão extintos, convidando-as a serem parceiras.

SESCTV

Artérias (2020-2021)

Direção de Helena Bagnoli Assista em sesctv.org.br/arterias

O artista expôs a obra Entidades na terceira edição do projeto Frestas – Trienal de Artes, no Sesc Sorocaba.

ARTISTA SOLO

Sallisa Rosa utiliza o barro como matéria-prima de suas obras para tratar de temas como território, ancestralidade e possibilidades de futuro

POR LUNA D’ALAMA FOTOS NILTON FUKUDA
Natureza vai vingar (2024). Pedaços de cerâmica costurados com fios de cobre.

Formada em jornalismo, Sallisa Rosa chegou a estagiar em uma TV universitária de Goiânia, antes de se tornar artista. Fez, ainda, alguns trabalhos pontuais na área, para sobreviver, mas não se encaixou nesse universo de entrevistas, apurações e escrita com prazos apertados. “Vi que me expressava melhor pela arte do que pelas palavras”, destaca. Mais tarde, já morando no Rio de Janeiro (RJ), recebeu o incentivo de um professor amigo de seu pai e inscreveu um projeto para o Museu de Arte do Rio (MAR) – a instalação Oca do futuro (2018). Resultado: foi aprovada. Desde então, obras de Sallisa já integraram exposições coletivas nos Estados Unidos, na China, na Inglaterra e na Suíça, além de ganhar as mostras individuais América, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), entre 2021 e 2022; e Sallisa Rosa: Topografia da memória, na Pina Contemporânea, em 2024. Seus trabalhos também compõem o acervo do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e da Pinacoteca de São Paulo, e estiveram na Bienal de Barro de Caruaru (PE), em 2019.

A artista utiliza a terra em diferentes materialidades e técnicas de bioconstrução, como cerâmica, taipa de pilão, pau a pique, adobe e hiperadobe. Além disso, tem produções em aquarela, vídeo, fotografia e performance. No caso das esculturas, não usa argila comprada, apenas coletada, criando vínculos com o solo e seus territórios. “Me mudei para Amsterdã (Holanda) no ano passado, para participar de uma residência artística na Rijksakademie van beeldende kunsten [Academia Nacional de Artes Visuais]. Foi a primeira vez que comprei argila em um saco plástico, sem saber de onde vinha. É um material muito processado, com substâncias químicas que alteram a cor, a textura. Não tem cheiro de terra, nem sujou minhas mãos”, lembra. Sallisa conta que, no Brasil, costuma retirar a argila de terrenos do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e que o solo vivo contém bastante matéria orgânica, pedrinhas, e até lixo. “Certa vez, encontrei uma caneta

esferográfica. Coleto o barro, misturo, peneiro, sovo, separo manualmente as pedras, é como catar feijão. E faço tudo no freestyle, na base das minhoquinhas de argila que se sobrepõem, sem equipamentos para moldar ou nivelar as peças. Tenho um jeito muito autodidata e artesanal de produzir”, relata.

Na visão da artista, sua obra também possui um contínuo alinhamento conceitual e de materialidades, inclusive com o reaproveitamento da terra entre uma exposição e outra. “Reutilizo muita coisa, até para não gerar resíduos. De alguns trabalhos que se quebraram, por exemplo, eu reuni os cacos para criar algo novo. É o caso da esfera Natureza vai vingar (2024), que está na entrada da exposição Eixo Terra, no Sesc Pompeia [Leia mais em Matéria do tempo]. E, ao final, volta tudo para o MST”, ressalta. Sallisa tem preferência por obras em grande escala, imersivas, que criam novos ambientes e conversam – ou se chocam – com a arquitetura dos lugares e de outros momentos históricos. “A gente vive rodeado(a) de estímulos: celular, trânsito, barulhos. Por isso, crio territórios – ainda que sejam fictícios e temporários – para dialogar com a memória e a ancestralidade. No caso do prédio projetado por Lina Bo Bardi (1914-1992), também são propostos uma conversa e um conflito com essa arquitetura. Inclusive, a obra Rio de adobe (2024) sai diretamente da parede de tijolos à vista do Sesc Pompeia”, descreve.

O barro que Sallisa Rosa manuseia e com o qual produz arte é, para ela, um ativador de memórias, um criador de futuros possíveis e sustentáveis. “A terra é viva, guarda informações, lembranças. Da mesma forma como arqueólogos encontram, enterrados, potes, artefatos e histórias incríveis a partir deles. O barro, num filtro, torna a água mais fresca. Numa casa, aguenta chuva, sol, tem toda uma termodinâmica que protege as pessoas do calor. Não sei por que deixamos de utilizar essas tecnologias ancestrais. Quando penso no futuro, penso na terra”, conclui.

Para a criação da obra Natureza vai vingar (2024), no Sesc Pompeia, a artista Sallisa Rosa reaproveitou pedaços de trabalhos de outras exposições.
Terra que volta à terra (2024).
Esculturas de piso em cerâmica.
Desvio (2024). Instalação em hiperadobe.
Núcleo (2024). Esculturas em taipa de pilão.

Natureza Fica (2024). Instalação em paredes de pau a pique com vídeo mapping sobre cerâmica.

A

(2024). Instalação em paredes de pau a pique com esferas em cerâmica.

Órbita
Série “A terra gira sobre si” (2024). Aquarela e nanquim em papel algodão.
A terra centra e expande (2024). Esculturas de parede em cerâmica.
A selva é eterna (2024). Esculturas em cerâmica.
Rio de adobe (2024). Instalação em tijolos de adobe.
Rio de cacos (2024). Instalação em pau e pique com esferas de cerâmica e cacos de cerâmica.
Eixos (2024). Esculturas em cerâmica.

para ver no sesc / gráfica

MATÉRIA DO TEMPO

Sesc Pompeia apresenta a exposição Ofício: Barro: Sallisa

Rosa: Eixo Terra no espaço das Oficinas de Criatividade

O barro é matéria do tempo, e sua textura guarda em si a síntese da terra: firme e maleável, simultaneamente. A terra úmida também carrega histórias de fertilidade, erosões e grandes transformações sociais e geográficas. Tendo em vista a importância do solo que nos sustenta, o Sesc Pompeia dá continuidade ao projeto Ofício (que já se dedicou à marcenaria, pintura e arte têxtil) e apresenta “Barro” como novo recorte temático. Até 13 de julho, a unidade traz, no espaço das Oficinas de Criatividade, a exposição Ofício: Barro: Sallisa Rosa: Eixo Terra

A mostra aborda, para além de temas como ancestralidade, território e memória, as intervenções de corpos humanos sobre o corpo-Terra.

Segundo Daniel Ramos, supervisor de Artes Visuais do Sesc Pompeia, a artista goiana Sallisa Rosa propõe uma reflexão sofisticada a respeito das relações predatórias da humanidade com as águas e com a terra. “A partir de uma pesquisa que encruzilha processos da arte contemporânea com procedimentos tradicionais de bioconstrução, Sallisa lança luz para a relevância de realizarmos

o movimento do pássaro africano Sankofa – olhar para trás para seguir em frente – e, assim, escaparmos das armadilhas de um tipo de existência que nos levará à extinção”, destaca. Ramos lembra também que, em 1984, a arquiteta Lina Bo Bardi e a artista têxtil Glaucia Amaral (1937-2021) capitanearam, no Sesc Pompeia, a exposição Caipiras, Capiaus e Pau a Pique que, assim como Eixo Terra, apresentou técnicas de construção tradicionais. “Em um texto produzido para a mostra, Lina concluiu: ‘Importante é construir uma outra realidade’. Ouso, então, completar que essa é uma das vocações do Sesc Pompeia, pois o mundo é circular”, enfatiza Ramos.

Com expografia de Bianca Walber Scarpin e acompanhamento técnico expográfico de Audrey Carolini, a nova mostra individual de Sallisa Rosa inclui esculturas, instalações, vídeo mapping, recursos de acessibilidade (mesa tátil, audiodescrição e textos ampliados), QR Codes para mais informações e um texto crítico-poético da artista brasiliense Tatiana Nascimento. Além disso, uma programação especial do educativo do Sesc Pompeia abrange oficinas, contação de histórias e visitas mediadas para escolas e grupos agendados.

POMPEIA

Ofício: Barro:

Sallisa Rosa: Eixo Terra

Até 13/7 de 2025. Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/pompeia

Desvio (2024). Instalação em hiperadobe.

CUIDADO Saberes do

Práticas e conhecimentos de medicinas tradicionais se somam à medicina convencional pela saúde e bem-estar coletivo

Sabe-se que a existência do Homo sapiens na Terra data de, mais ou menos, 200 mil anos e que, para a sobrevivência da espécie, foram desenvolvidas diferentes práticas de cuidado ao longo de séculos. Foi há apenas 500 anos que a ciência se encarregou dos cuidados com a própria preservação, ao adotar uma lógica própria de produção de conhecimento, adequada a um determinado modelo de sociedade. O processo de colonização desconsiderou

medicinas tradicionais milenares, praticadas por diferentes povos, e foi somente a partir dos anos 1960, com o movimento da contracultura, que alternativas à medicina convencional foram reconhecidas para a promoção de bem-estar e da saúde. Hoje, o resultado desse percurso que busca aliar a medicina convencional às medicinas tradicionais, complementares e integrativas (MTCI) – como foram denominadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) –tornaram-se políticas públicas.

Renato Stockler
Cacique e pajé, Mapulu da etnia Kamayurá, no Alto Xingu (MT) acredita ser possível médico e pajé trabalharem juntos.

No Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC), aprovada em 2006, busca implementar as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no Sistema Único de Saúde (SUS). Ao todo, são oferecidos 29 “recursos terapêuticos” (como são denominados pelo SUS), entre os quais estão quiropraxia, homeopatia e fitoterapia, por exemplo. “As práticas que hoje são chamadas integrativas têm a contribuição de apontar para outros horizontes, além dos horizontes da medicina ocidental contemporânea. Nesse sentido, se eu consigo produzir bem-estar sem medicação, se consigo diminuir a hipertensão com uma prática regular de relaxamento, por exemplo, posso, com isso, produzir saúde nessa população”, observa Nelson Filice, professor de sociologia da saúde da faculdade de ciências médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Apesar desse reconhecimento das medicinais tradicionais pela saúde pública, diversas práticas de povos originários, quilombolas e de comunidades tradicionais do país ainda permanecem fora da lista das PICS. Segundo João Paulo Souza, diretor do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME/OPAS/OMS), há um esforço internacional para que evidências científicas possam

auxiliar nessa incorporação.

A exemplo da atuação da Biblioteca Virtual de Saúde de Medicina Tradicional Complementar e Integrativa, criada ao redor de 2018 como uma plataforma digital com o objetivo de promover acesso à informação na área e à tomada de decisões a partir de evidências levantadas por pesquisadores, profissionais e gestores da saúde.

“Além disso, a BIREME embarcou, desde 2024, com o apoio do Centro Global de Medicina Tradicional da OMS da Índia, na criação de uma Biblioteca Global de Medicina Tradicional, que está em fase de desenvolvimento e cuja intenção é reunir evidências científicas e evidências de outros paradigmas que possam orientar a tomada de decisão para incorporação, ou não, de práticas ou tecnologias tradicionais de saúde. O lançamento está previsto para a primeira semana de dezembro deste ano, dentro da segunda Cúpula Global de Medicina Tradicional que vai ocorrer na Índia”, adianta Souza.

MEDICINA ANCESTRAL

O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo e se destaca por sua rica diversidade cultural e étnica. Dessa soma, um inestimável acervo de conhecimentos sobre manejo e uso de plantas medicinais, resultado de saberes e tecnologias ancestrais,

são passados de geração a geração. Entre povos indígenas e comunidades quilombolas, esse saber perpetua-se no cuidado e bem-estar de populações de Norte a Sul, cada qual com seus ritos e procedimentos.

Na aldeia Kamayurá, localizada no Alto Xingu (MT), a cacique Mapulu é a primeira mulher a se tornar pajé. Guardiã das práticas espirituais, é ela que, ao conversar com o espírito-guia, faz a ponte entre o mundo sagrado e terrenal para identificar as enfermidades de homens, mulheres e crianças na aldeia. “Quando espiritual ataca a pessoa, primeiro, busca pajé, pajé avalia e depois pajé consegue ver o que ele tem e passa para o raizeiro. Aí, pajé e raizeiro trabalham juntos. Raizeiro sai no mato para pegar o remédio para matar a ferida no corpo”, explica Mapulu Kamayurá.

Aos 15 anos, ela aprendeu com o pai, o cacique e pajé Takumã Kamayurá, ferramentas para a cura de doenças. Mapulu reconhece que para algumas enfermidades, a medicina dos não indígenas é um caminho. “Se raizeiro não conseguir tratar, pajé encaminha para a cidade”, conta. O inverso também acontece, conta a pajé: “meu marido é raizeiro e quando o pessoal da cidade pede, eu passo remédio para pressão alta”. Hoje Mapulu passa seus conhecimentos para a filha Mapualu, de 37 anos, que “já ficou pajé” e ajuda a mãe a atender os pacientes.

Para a raizeira Lucely Pio, da comunidade quilombola do Cedro (GO), é preciso integrar-se à natureza para manutenção de saúde.

Para Mapulu Kamayurá, o adoecimento da sociedade branca é resultado de um afastamento da natureza, de uma dieta carente de alimentos frescos, do desconhecimento de raízes e plantas que curam. A raizeira Lucely Pio, da comunidade quilombola do Cedro, município de Mineiros (GO), também compartilha o diagnóstico. Especialista em plantas medicinais do Cerrado, aprendeu com a avó materna a ouvir as plantas e reconhecer em suas formas as partes do corpo que curam, como fígado, rins e coração. Uma das fundadoras do Centro Comunitário de Plantas Medicinais do Cedro e coordenadora da equipe de fitoterapia de remédios caseiros do município de Mineiros, Lucely explica que não basta saber qual é a planta e fazer a colheita para receitar.

“Meu trabalho vai além. Quem trabalha com a planta vai coletar no horário certo, sabe que tem um modo de preparo, de fazer o remédio e de ministrar o remédio para as pessoas. Por exemplo: você não pode colher uma planta na beira da estrada porque ela está contaminada; e cada dor de cabeça vem de uma causa que está no seu corpo. Então, você precisa saber a causa para tratar a pessoa. A raizeira, para dar um chá, tem que conhecer a história da pessoa. Ela tem que ter uma conversa, um entendimento”, explica Lucely, que também é uma das autoras da publicação gratuita e online Farmacopeia Popular do Cerrado (2010), resultado de uma pesquisa de plantas medicinais feita por 262 autores, entre raizeiros, raizeiras e representantes de farmácias caseiras e/ou comunitárias.

Na comunidade quilombola do Cedro, Lucely trabalha e atende visitantes no laboratório, criado em 1998, que possui 450 plantas medicinais catalogadas e mais de 90 fórmulas medicinais –fitoterápicos que são vendidos na comunidade e, em parceria com a Pastoral da Criança e o município de Mineiros, também são distribuídos para as famílias da cidade. “Meus filhos todos conhecem sobre plantas. Trabalho muito com meus netos também, quando eu recebo crianças – e tem dia que recebo até 500 crianças –, eles vão lá me ajudar e coloco cada um para falar de cada planta”, compartilha.

EXPANDIR CONHECIMENTOS

No Brasil, vem se ampliando o diálogo entre saberes populares e tradicionais com saberes científicos comprovados. São inúmeras as pesquisas acadêmicas endossadas por organismos internacionais que apontam para a efetividade quando a medicina convencional e a tradicional caminham lado a lado. No tratamento de doenças crônicas, as PICS vêm demonstrando eficiência no cuidado e autocuidado de pacientes com diferentes necessidades. Segundo Filice, “dentro da episteme da medicina ocidental contemporânea, existe lugar para a complementaridade”, ou seja, é possível a confluência entre dois sistemas médicos ou de duas racionalidades médicas.

“No entanto, em relação a determinadas práticas, ainda existe muito preconceito. As pessoas que não incorporam outras práticas de cuidado se baseiam muito mais em preconceito do que em evidências”, atesta o professor e pesquisador da Unicamp.

A inclusão de mestres e mestras nas universidades, na divulgação e produção de conhecimento no campo da saúde se tornou crucial para que houvesse uma mudança.

Para José Jorge de Carvalho, professor do departamento de antropologia da Universidade de Brasília (UnB), a criação do Encontro de Saberes “é uma forma de autenticar para as PICS e para o SUS, esses conhecimentos”. Idealizado em 2010 e coordenado pelo professor, esse projeto desenvolvido pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa/UnB/CNPq (INCTI) busca a promoção dos mestres e mestras das culturas populares e dos saberes tradicionais – de povos indígenas, populações afro-brasileiras, comunidades quilombolas e demais culturas tradicionais – para que atuem nas universidades em atividades de pesquisa, ensino e extensão.

“Eu acho que esse preconceito começa a ser enfrentado com o Encontro de Saberes, já nas universidades. Nós começamos com a Universidade de Brasília (UnB), e depois de 2014, eram cinco ou seis, e já estamos indo para 25 universidades. Acho que todas, sem exceção, têm mestres e mestras da área que a gente está chamando de cuidado, saúde,

cura do corpo e da alma. Se esses mestres e mestras estão chegando às universidades, por que não podem chegar ao centro de saúde?”, questiona Carvalho.

Fundadora do Quilombo Manzo Ngunzo Kaiango, comunidade tradicional de matriz africana de nação bantu, no bairro Santa Efigênia, Belo Horizonte (MG), Makota Kidoialê participou do Encontro de Saberes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestra

e professora no programa de formação transversal em saberes tradicionais da UFMG, ela leva à academia e a outros espaços o conhecimento ancestral das práticas de cuidado do terreiro. “Costumo dizer que antes mesmo de o SUS existir, o terreiro já fazia um tratamento de saúde integrado. Porque essa integração se dá com o indivíduo e com o território onde ele habita. O processo de cura integrada passa pelo reconhecimento de todas as diversidades”, resume Makota.

Mestra e professora, Makota Kidoialê destaca a importância de práticas de cuidado do terreiro como aliadas do bem-estar coletivo.

para ver no sesc / saúde

SAÚDE INTEGRAL

Neste ano, projeto Inspira destaca a importância de saberes ancestrais e das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) para o bem-estar coletivo

Sedentarismo e hábitos alimentares equivocados são alguns dos fatores de risco que provocam o aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão e diabetes. As DCNTs tornaram-se um grave problema de saúde pública no Brasil e no mundo, atingindo, principalmente, as populações mais vulneráveis. No entanto, podem ser controladas pela adoção de práticas cotidianas que favorecem a qualidade de vida – alimentação equilibrada, prática regular de atividades físicas e gestão do estresse, por exemplo. Por isso, em 2025, o projeto Inspira destaca as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) como uma abordagem essencial voltada à saúde e ao cuidado integral do ser humano.

As PICS abrangem desde o uso de plantas medicinais na fitoterapia, até medicinas de países como China e Índia, com práticas como a acupuntura e a yoga. Além desses, outros saberes ancestrais de matriz africana e de povos originários compõem a programação do Inspira, que abrange cursos, oficinas, palestras e outras atividades. Ao valorizar tanto as práticas convencionais quanto as integrativas e complementares, a ação busca ampliar a percepção da população sobre

a autonomia e o autocuidado, além de promover uma reflexão sobre como novos hábitos e atitudes são fundamentais para a construção de uma sociedade mais consciente e engajada na promoção da saúde coletiva.

“Para o Sesc, enquanto instituição promotora de saúde, apresentar possibilidades mais amplas de cuidado, para além das quais estamos acostumadas(os), é uma forma de valorizar a diversidade de saberes e práticas que trarão mais cuidado de si. A potência do projeto Inspira de 2025 reside neste lugar,” explica Deborah Dias Matos, que integra a Gerência de Saúde e Odontologia do Sesc São Paulo.

Confira alguns destaques da programação:

Seminário Saberes: Práticas Integrativas e Complementares em Saúde

Na abertura da programação do projeto Inspira, o seminário visa promover reflexões e aprofundamentos sobre as Práticas

Integrativas e Complementares da Saúde (PICS). O evento contará com a participação de renomados especialistas, como José Jorge de Carvalho e as mestras Makota Kidoialê,

Mapulu Kamayurá e Lucely Pio.

Dia 8/4. Terça-feira, das 10h às 19h. Dia 9/4. Quarta-feira, das 10h às 18h.

AVENIDA PAULISTA

Nsaba: Plantas medicinais nas tradições afro-brasileiras

De que forma as plantas ocupam um papel central nas comunidades de matriz africana? Neste curso, serão apresentadas formas como as comunidades se relacionam com as plantas medicinais. Com Tata Jaga Anzulo, Pedro Carlessi e Ricardo Souza.

Dias 15 e 16/4. Terça e quarta, das 19h30 às 21h30.

CAMPO LIMPO

A beleza das coisas está no nome

Nesta palestra, Dona Jacira (mãe do rapper Emicida) e Maria Vilani (mãe do rapper Criolo) conversam sobre temas que atravessam suas histórias de vida, suas raízes ancestrais, saberes orais e escritos, compartilhando com o público hábitos de cuidado e autocuidado. Dia 19/4. Sábado, das 16h30 às 18h30.

SANTOS

Musicoterapia para infâncias neurodiversas Vivência de musicoterapia, prática que utiliza a música e/ou seus elementos num processo facilitador da comunicação, da relação, da aprendizagem, entre outros objetivos terapêuticos. Voltada para crianças neurodiversas, acompanhadas por um adulto responsável. Com Bruna Pereira. Dia 20/4. Domingo, das 11h às 12h.

ROT Brain

Estamos, de fato, apodrecendo nossos cérebros? Esta é a pergunta que estampa a maior parte dos veículos de comunicação e que ganha memes, vídeos e figurinhas compartilhadas nas redes sociais.

Embora a sociedade tenha noção do volume imensurável de conteúdos consumidos nas redes, entre “separar o joio do trigo” e “deixar a vida me levar”, a segunda parece ser mais confortável. Para o psicanalista Paulo Beer, pesquisador e professor convidado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), há dois caminhos complementares que ajudam a responder a essa questão. “Um deles foca nos processos neuroquímicos e fisiológicos envolvidos em nossas atividades mediadas por tecnologias digitais. Sabe-se, por exemplo, que o uso de redes sociais aciona mecanismos de recompensa, algo que tem feito com que nomes de neurotransmissores, como dopamina, estejam presentes em conversas casuais. A oferta de recompensas fáceis poderia nos acostumar com atividades menos complexas e interessantes”, explica Beer.

Ou seja, durante rolagens infinitas no feed do Instagram, neurotransmissores decidem “relaxar”, deitar numa espécie de espreguiçadeira – afinal, para que fazer esforço? Eleita a palavra do ano de

2024 pelo dicionário Oxford, brain rot, ou “apodrecimento cerebral”, já é encarado com preocupação por profissionais de diferentes áreas do saber. São levantadas até mesmo dúvidas sobre quais implicações esse quadro acarretará ao processo cognitivo das atuais gerações quando envelhecerem. No presente, o chamado “apodrecimento cerebral” aponta ainda outro desafio: o comprometimento do pensamento crítico.

“A sobrecarga de informações está nos deixando incapazes de selecionar aquelas que são fundamentais para a nossa sobrevivência e, sobretudo, as que nos ajudam a tomar decisões importantes para a nossa vida individual e coletiva. Sob pressão, somos incapazes de selecionar o que nos interessa e, sobretudo, discriminar o que sabemos e o que desejamos saber, competência decisiva para a tomada de decisões funcionais em todas as áreas da nossa vida, e também para a manutenção da nossa saúde mental”, ressalta a especialista em educação midiática Januária Cristina Alves, mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo (USP).

Neste Em Pauta, Beer e Alves pedem sete minutos de atenção fora das telas para uma reflexão sobre o que está levando nosso cérebro a “apodrecer”.

Curadoria de informações: como evitar um “cérebro podre”

Mais de 130 mil pessoas buscaram, ao longo de 2024, o significado da expressão brain rot (cérebro podre, em tradução livre). Segundo um dos mais respeitados dicionários do mundo, o Oxford, esta que foi a palavra do ano significa uma provável deterioração cerebral causada pelo excesso de consumo de conteúdos superficiais, em especial daqueles que circulam nas redes sociais. O dicionário registrou um aumento na pesquisa do termo de mais de 230%, o que indica uma certa preocupação das pessoas com a abundância de informações que circula na internet e com os efeitos que isso causa, como a sensação de ter a “cabeça sempre cheia” sem, no entanto, conseguir pensar direito por causa da exaustão.

O canal de notícias americano CNN publicou uma matéria revelando que uma empresa de saúde já oferece tratamento para o tal brain rot, identificando-o como “neblina mental, letargia, redução da capacidade de atenção e declínio cognitivo”. Ou seja, o brain rot ainda não é considerado doença pois não há indícios de que o cérebro realmente “apodreça”, mas os sintomas do “apodrecimento do cérebro” são um fenômeno que tem merecido pesquisas a respeito. O Newport Institute, organização estadunidense que reúne diversas instituições que estudam a saúde mental, afirma que essa sensação está ligada à sobrecarga de informações com as quais lidamos em nosso cotidiano e que isso tem causado dificuldade de concentração, déficit de produtividade no trabalho, ansiedade e até depressão.

Se a sensação de letargia que nos assola diante do feed infinito das nossas redes não é uma doença, há evidências de que a velocidade do fluxo dos nossos pensamentos fica muito longe da conexão online. Publicado em dezembro de 2024, na revista cientí-

fica Neuron, um estudo realizado pelos cientistas Meister e Zheng, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, comparou a velocidade do pensamento humano em relação à rede mundial de computadores, e os achados revelaram que o mundo hiperconectado em que vivemos e a profusão de informações com que temos de lidar deixaram o nosso cérebro, de fato, mais lento.

E se o processamento desse órgão já é vagaroso quando comparado a outros sistemas do corpo humano, provocando uma reação em que boa parte das informações que recebemos sejam “jogadas fora” porque não conseguem ser processadas, com relação ao fluxo de informações que nos chegam não é diferente. Ou seja, a percepção de que não damos conta de assimilar tudo o que se coloca à frente é verdadeira, absorvemos apenas aquilo que entendemos ser importante para nós. E é aí que temos um dos grandes problemas do nosso tempo: a sobrecarga de informações está nos deixando incapazes de selecionar aquelas que são fundamentais para a nossa sobrevivência e, sobretudo, as que nos ajudam a tomar decisões importantes para a nossa vida individual e coletiva. Sob pressão, somos incapazes de selecionar o que nos interessa e, sobretudo, discriminar o que sabemos e o que desejamos saber, competência decisiva para a tomada de decisões funcionais em todas as áreas da nossa vida, e também para a manutenção da nossa saúde mental.

Usar a internet hoje em dia já não é mais uma escolha, mas uma necessidade. A maior parte de nós usa a rede para trabalhar, obter informações, para entretenimento e tantas outras funcionalidades. Aqueles que não têm acesso a uma conectividade significativa estão excluídos, tanto do ponto de

vista pessoal, quanto profissional e econômico. Diante desse cenário, a pergunta que fica é: como é possível evitar um “cérebro podre”? O que fazer para conseguir usar as redes de modo equilibrado e inteligente? Como usar um cérebro “analógico” em um meio cem por cento digital?

A resposta mais imediata é sempre: faça um “detox digital!”. Diminua as horas passadas diante das telas, durma longe delas, pratique exercícios físicos e aumente as horas ao ar livre. Ou seja, o foco da solução está vinculado ao dispositivo quando, na verdade, trata-se de algo mais complexo. Manter o cérebro saudável e criativo neste contexto tem mais a ver com desenvolver o pensamento crítico e fazer uma curadoria de informações do que apenas controlar o uso dos aparelhos. É preciso ir além do celular e refletir sobre o modo como acessamos e organizamos os conteúdos que nos chegam indiscriminadamente pelas redes.

“A internet ainda é um mundo selvagem e perigoso. (...) A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais. Conhecer é cortar, é selecionar. (...) É filtrar”, afirmou o escritor e filósofo Umberto Eco (1932-2016). Cortar, selecionar, filtrar é fazer a curadoria da informação, transformando-a em conhecimento.

E para isso, é preciso exercitar o pensamento crítico, aquele que analisa a situação a partir de critérios estruturados e organizados de modo a não apenas compreender a experiência, mas transformá-la em instrumento para modificar a realidade. Há quem já esteja decretando a “morte do pensamento crítico”, ainda mais com o advento da Inteligência Artificial. No entanto, é preciso lembrar que o ser humano é, e sempre foi, aquele que questiona e busca entender o que passa com ele, portanto, o pensamento crítico está em sua constituição.

A prática do pensamento crítico vale para o mundo on e off-line pois está profundamente ligada ao ato de “ler o mundo”, que o educador Paulo Freire (1921-1997)

É preciso ir além do celular e refletir sobre o modo como acessamos e organizamos os conteúdos que nos chegam indiscriminadamente pelas redes

chamava de “a competência das competências”. E ela implica uma postura de atenção às nossas limitações, percebendo que nossa memória é propensa a erros; em refletirmos sobre nossos pensamentos, emoções e crenças, evitando julgamentos precipitados e analisando os fatos a partir de evidências; em atentarmos para a manutenção de um “ceticismo necessário”, questionando o que nos é apresentado, observando todos os cenários possíveis; em termos a mente curiosa para apreender o novo, fazendo perguntas que vão além do lugar-comum; e, sobretudo, que consideremos as incertezas e lacunas do conhecimento, entendendo que nem tudo é “preto e branco” e que os fatos têm suas nuances e complexidades, que devem compor a nossa visão de mundo.

Parafraseando George Orwell (1903-1950) no grande clássico 1984 (1949) que, aliás, explica brilhantemente o nosso tempo, é preciso o “duplipensar”, ou seja, aceitar simultaneamente crenças mutuamente contraditórias como válidas, muitas vezes em contextos sociais distintos. Exercitar o pensamento crítico é uma urgência do nosso tempo. Só assim, preservaremos o nosso direito inalienável de pensar livremente. Assim, não há “cérebro podre” que sobreviva.

Januária Cristina Alves é mestre em comunicação social pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista, especialista em educação literária e em educação midiática. É autora de mais de 50 livros infantojuvenis e duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti, colunista do Nexo Jornal e membro da MIL Alliance – Aliança para alfabetização midiática e informacional da Unesco.

Programados para apodrecer

Nossos cérebros estão apodrecendo? Pode parecer estranho, mas esse tipo de pergunta tem habitado conversas e debates que possuem como tema os efeitos decorrentes de como usamos novas tecnologias digitais. Quem nunca pegou o celular para ver as horas e se deu conta, depois de alguns minutos, que estava rolando a tela de alguma rede social a esmo, sem se lembrar do que viu nesse tempo? Não por acaso, o dicionário Oxford escolheu, em sua tradicional eleição da “palavra do ano”, o termo brain rot (podridão ou apodrecimento cerebral) como a ganhadora de 2024. O termo alude a um possível processo de deterioração intelectual, que faria com que ficássemos menos afiados: lentos, pouco responsivos, até mesmo preguiçosos em nossas tarefas cognitivas, fazendo com que empreguemos somente uma fração da capacidade que, até pouco tempo atrás, usávamos em nosso dia a dia.

Brain rot não é uma expressão nova. O filósofo Henry David Thoreau (1817-1862) afirma em Walden, publicado em 1854, que além de curar a podridão das batatas, também era necessário curar a podridão cerebral – referindo-se às mazelas da sociedade industrial. Mais de 150 anos depois, o termo volta à cancha num cenário um tanto diferente: não se trata de questionar (somente) os efeitos nocivos da industrialização, mas de colocar em foco os efeitos do uso de mídias digitais.

Esse tema vem ganhando relevância. Embora as novas tecnologias ofereçam diversas facilidades, o uso em excesso traz malefícios nada ignoráveis. Aumentos significativos em sintomas como ansiedade, depressão, dismorfia corporal e agressividade têm sido ligados à popularização de smartphones. Somam-se também sintomas físicos, que vão desde obesidade até problemas oftalmológicos. Algo apontado no estudo Em busca do tempo perdido,

encomendado pelo governo francês para instruir suas políticas públicas em relação ao uso de telas por crianças e adolescentes. Mas isso não se limita a essa faixa etária: os mesmos (e outros) problemas são encontrados em adultos e idosos.

Nessa esteira, a ideia de podridão cerebral é uma tentativa de nomear algo mais amplo: para além de usos produtivos, estamos exaustos e passamos boa parte do tempo consumindo conteúdos desinteressantes e repetitivos. Vídeos curtos que não suscitam questões ou pensamentos; discussões rasas em que a “lacração” se sobrepõe aos argumentos; passeios por anúncios de coisas sem grandes utilidades, mas que dividem nossos olhares com outras imagens sem importância. Talvez o ponto máximo seja o movimento repetitivo de rolar a tela de uma rede social ao infinito, sem fazer nada além de um clique no botão de curtir ou compartilhar. Estamos, de fato, apodrecendo nossos cérebros?

Há dois caminhos complementares que ajudam a responder a essa pergunta. Um deles foca nos processos neuroquímicos e fisiológicos envolvidos em nossas atividades mediadas por tecnologias digitais. Sabe-se, por exemplo, que o uso de redes sociais aciona mecanismos de recompensa, algo que tem feito com que nomes de neurotransmissores, como dopamina, estejam presentes em conversas casuais. A oferta de recompensas fáceis poderia nos acostumar com atividades menos complexas e interessantes.

Porém, como mostra a psiquiatra Anne Lembke, autora do livro Nação dopamina (Vestígio, 2022), a própria discussão neurocientífica não dispensa que pensemos sobre a dimensão social. A plasticidade que define o funcionamento dos neurotransmissores faz com que diferentes tipos de estímulos possam produzir efeitos de captura, e a maneira

como lidamos socialmente com o prazer e o desprazer modifica nossa tolerância à aversão, e também os modos de obtenção de satisfação. O que leva ao segundo caminho de discussão, que foca em como as interfaces são construídas para aumentar a participação, para manter as pessoas conectadas pelo maior tempo possível.

Quando a produção de engajamento é colocada em primeiro plano, algo salta aos olhos: não se trata somente de produzir experiências prazerosas, mas também (e, às vezes, sobretudo) vivências angustiantes ou agressivas. O que explica, por exemplo, o fato de discussões acaloradas, que muitas vezes levam a cancelamentos e linchamentos virtuais, serem impulsionadas por redes sociais. Como mostra o jornalista Max Fisher em A máquina do caos (Todavia, 2023), conteúdos que suscitam sensações negativas como ódio, nojo, medo e indignação são privilegiados nos feeds, por aumentarem a participação dos usuários.

Aumentar o engajamento é crucial para a monetização das redes sociais: quanto mais engajamento, mais dados são produzidos e coletados, e são esses dados que possibilitam a oferta de serviços e anúncios direcionados. A professora de Harvard Shoshana Zuboff, em A era do capitalismo de vigilância (Intrínseca, 2021), demonstra como as ferramentas oferecidas pelas empresas de tecnologia resultam numa possibilidade inédita de acúmulo

de dados, os quais são usados para a produção de previsibilidade e modificação comportamental: trata-se de conhecer e produzir ações futuras, e assim oferecer mercadorias.

Nesse processo, o efeito surpresa é crucial: aquele que acontece quando vemos nossos desejos adivinhados pelas redes antes mesmo de nos darmos conta. Isso significa que a velocidade do processamento de dados das empresas é maior que a de nossa própria elaboração, o que possibilita que se antecipem e ofereçam algo que ressoa em nós, mas não estava claro. Uma sensação incômoda de se deparar com algo que já estava lá, mas ainda não havia sido nomeado; algo ainda informe e que, quando ganha forma dessa maneira nos captura: nos impele a participar de um debate ou aumenta a chance de clicarmos em um anúncio.

Se prever e modificar nossos comportamentos é central, a pergunta sobre o que tem feito nossos cérebros apodrecerem ganha outros contornos. Afinal, quando ficamos exaustos e lentos, ficamos também mais suscetíveis e influenciáveis. Considerando a rapidez com que pulamos de um conteúdo a outro, a velocidade com que navegamos por diversos afetos e a maneira como nossa atenção é dividida – e que isso tudo é intencionado pela programação das redes –, então a tal podridão parece ser, isso sim, produzida. Brain rot é um sintoma causado por ambientes que produzem laços frágeis e agressivos, e atrapalham nossa capacidade de elaboração. Será que já estamos exaustos demais para escolher algo diferente disso?

Nessa esteira, a ideia de podridão cerebral é uma tentativa de nomear algo mais amplo: para além de usos produtivos, estamos exaustos e passamos boa parte do tempo consumindo conteúdos desinteressantes e repetitivos

Paulo Beer é psicanalista, pesquisador, professor convidado no PPG em Psicologia Social da Universidade de São Paulo (USP), onde desenvolve uma pesquisa sobre os impactos subjetivos de novas tecnologias digitais. Membro do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise (LATESFIP), da International Society of Psychoanalysis and Philosophy, da Associação de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental e do Núcleo de Estudos e Trabalhos Terapêuticos (NETT).

O historiador

PROFESSOR das esquinas

Em livros, canções e aulas públicas, o historiador

Luiz Antonio Simas

divaga sobre os encantos e os dilemas do Brasil

POR RACHEL SCIRÉ

Luiz Antonio Simas tem mais de 25 obras publicadas, dentre elas, a recém-lançada Maldito invento dum baronete: Uma breve história do jogo do bicho (2024).

Luiz Antonio Simas se define como um sujeito assombrado pelo comum. É de sua janela, na zona Norte do Rio de Janeiro, e de um ambiente familiar marcado pelas religiosidades afro-brasileiras e pelo samba, que o historiador, escritor e compositor colhe poesia e filosofa sobre “brasilidades” em aulas, canções e mais de 25 obras publicadas. Entre elas, o

Dicionário da história social do samba (2015), em parceria com Nei Lopes, premiado com o Jabuti de Não Ficção em 2016; Coisas nossas (2017), finalista na categoria Crônicas do Prêmio Jabuti 2018, e os recém-lançados Maldito invento dum baronete: Uma breve história do jogo do bicho (2024), e Bestiário brasileiro: monstros, visagens e assombrações (2024).

A principal circunstância que determina a produção intelectual de Simas é ser neto da alagoana Haydeé da Silva Grosso, Mãe Deda, ialorixá iniciada na tradição do candomblé Nagô do Recife, o Xangô pernambucano. Em 1963, ela fundou em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, uma casa de santo que foi se transformando a partir do encontro com as macumbas cariocas. Já a mãe carnal de Simas foi iniciada na tradição da encantaria do Rio de Janeiro, por um sacerdote do Pará. “Os grandes esporros que tomei na infância foram dados por mortos ou encantados. Quem me dava bronca era o Caboclo Peri, da minha avó, o Caboclo Tupinambá, que viveu em 1565 e trabalhava com a minha tia, e o Caboclo Japetequara, da minha mãe, que é um encantado”, conta.

Por isso, Simas pensa em seu trabalho como uma relação com os antepassados, com a cidade em que vive e com um Brasil marcado por horror e encanto. “O que eu faço, talvez, seja tentar construir uma certa memória urbana do Rio de Janeiro e de um país marcado por um ecossistema de sabenças encantadas muito bonitas”, afirma. Neste Encontros, o professor que gosta de contar história para crianças e adolescentes, e se diverte dando aula em botequins, reflete sobre a sua trajetória e fala sobre educação, escolas de samba, cultura afro-brasileira e futebol.

CONTADOR DE HISTÓRIAS

Eu não sou um escritor que dá aulas, sou um professor que escreve. Me sinto melhor como um contador de histórias. Se tenho alguma vocação, é dar aula. Cresci em uma família com poucos livros, fui o primeiro a entrar no Ensino Superior e nunca

A GENTE NÃO TEM QUE SE PERGUNTAR POR QUE TEM TANTO TEMA AFRO, MAS POR QUE NÃO TEVE ANTES

tive a menor intenção de fazer carreira acadêmica. Só na faculdade de história descobri que a minha família tinha historicidade, que era possível fazer história a partir do que me marcou na infância: a umbanda, o futebol, os candomblés, as escolas de samba. Mesmo com todos os perrengues, inclusive do ponto de vista financeiro, as dificuldades de sala de aula, a precarização da profissão, gosto do ambiente do colégio e de falar para criança e adolescente, porque eles têm curiosidade de escutar.

AULAS PÚBLICAS

O projeto de aulas na rua começou por conta de um coletivo de garotos da zona Norte do Rio de Janeiro, chamado Norte Comum, que não queria sair de seus bairros para ter uma vida cultural intensa. Assim como eles, eu moro na zona Norte, e a ideia foi ocupar os botequins para falar dos bairros em que eles estavam localizados. Isso a partir de uma ideia minha no texto “Ágoras cariocas”, publicado no livro Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros (2013), em que eu dizia que o botequim está para a cidade do Rio de Janeiro como a ágora estava para Atenas [Grécia], no período da democracia,

como um espaço de debate público. Começou de forma incipiente e fugiu do nosso controle, cresceu.

TERRITÓRIOS DA EDUCAÇÃO

Depois, percebi que havia ali um caminho ligado à história pública, para uma difusão do conhecimento histórico. É interessantíssimo, porque a gente escolhe temáticas populares, relacionadas aos territórios. Já dei aula nos lugares mais inusitados que se possa imaginar: coreto, cemitério, terreiro de macumba, quadra de escola de samba, zona do meretrício, campo de futebol de terceira categoria... Eu me divirto muito! Essa proposta está inserida em uma reflexão vinculada à ideia de que educação e escolaridade não são sinônimos. O fenômeno educativo se manifesta cotidianamente, nas relações sociais, na praça, no baile, na igreja, no terreiro, no campo de futebol e, de vez em quando, até na escola.

AFRO-BRASIL

A obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena na educação básica é uma pauta fundamental. Professores e professoras vêm

fazendo um trabalho extremamente corajoso, mas falta muito apoio e política pública para que esse ensino tenha mais consistência. Porque é um trabalho precarizado, a gente não tem descanso sabático – no meu caso, são 30 anos ininterruptos em sala de aula. Precisaríamos ter acesso a uma literatura atual e qualificada, e lidamos com uma dificuldade enorme que é o avanço de certo proselitismo, vinculado à intolerância religiosa e ao racismo religioso.

OUTRAS EPISTEMOLOGIAS

Por muito anos, trabalhei em Campo Grande, extremo oeste do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, em um colégio em Ipanema, na zona Sul, frequentado pela elite, com turmas formadas majoritariamente por alunos brancos – em Campo Grande, a quase totalidade dos alunos era de negros. A rigor, eu tinha que trabalhar a mesma matéria nos dois lugares, mas enquanto o currículo me obrigava a passar três semanas falando sobre arte renascentista, não tinha uma mísera aula sobre arte africana, que abordasse, por exemplo, as máscaras de terracota e bronze de Ilé-Ifè̀, a arte mortuária dos Makonde, a filosofia dos Bakongo. E aí o aluno negro corria o risco de achar que foi só o branco quem produziu arte no mundo. Então, para o aluno branco, eu tinha que dizer o quão sofisticados eram os Bakongo, os Iorubá, os Jeje-Mahin, a arte marajoara, a filosofia daqueles povos do entroncamento do Níger com a Nigéria.

ESCOLA DE SAMBA

As escolas de samba são instituições criadas pela população afro-carioca no pós-abolição, em um contexto

de reconfiguração de identidades e de sentidos coletivos de vida, de construção de sociabilidades urbanas e redes de proteção social. São instituições de vanguarda, da cultura negra do Rio de Janeiro que modelam instituições similares, porque é um fenômeno que se espalha. As sociabilidades foram sendo construídas nas frestas de um processo de exclusão que é extremamente violento. Por isso, em geral, trabalhavam com temáticas vinculadas a um imaginário da cultura oficial branca. Era uma maneira de construir certa legitimidade.

SENTIDOS COLETIVOS

Um desfile de escola de samba tem múltiplas gramáticas e camadas. A bateria da Portela foi batizada em 20 de janeiro de 1928, aqui no Rio de Janeiro é o dia do padroeiro, São Sebastião, sincretizado nas macumbas cariocas com Oxóssi, o caçador. Até hoje, o agueré de Oxóssi, que é o toque para esse orixá nos candomblés de Ketu, é base da batida de caixa da escola. A Portela pode estar contando a história de Dom Pedro I [1798-1834], para quem só tem repertório para entender o que é verbalizado no samba-enredo, mas quem entender os códigos daquela comunidade vai perceber que a Portela está tocando para Oxóssi por uma hora e meia. O que mais me instiga é entender como são construídos sentidos de beleza surpreendentes a partir, especialmente, daquilo que Lélia Gonzalez [1935-1994] chamava de “cultura de festa” e da “dupla adequação”, em que brasileiros não brancos se apropriaram de um calendário eurocatólico e construíram sentidos coletivos de

IR AONDE O SEU OPONENTE NÃO TE ALCANÇA, MAIS DO QUE UMA JOGADA DE FUTEBOL, É UMA PERSPECTIVA DE VIDA

vida profundamente vinculados às experiências ancestrais africanas. A gente não tem que se perguntar por que tem tanto tema afro, mas por que não teve antes.

SOBRE BRASILIDADES

Quando eu falo em brasilidades, conceitualmente, eu me refiro a um campo simbólico em que são reconstruídos sentidos de vida às margens, negociando, resistindo a esse projeto de exclusão que funda a ideia de Brasil. Toda diáspora desagrega, estraçalha, sequestra a identidade, mas toda a cultura de diáspora opera na reinvenção daquilo que foi aniquilado. Por isso não existe cultura de diáspora que não seja fundamentada no sentido coletivo da vida, são culturas de terreiro.

FACE CRONISTA

A cidade, as pessoas, as sociabilidades que me interessam não são as dos salões. Não tenho o menor interesse em requintes, instituições, palácios. Sou um sujeito fascinado pelas sociabilidades construídas na minha esquina. Parece um paradoxo, mas já me defini como

um sujeito assombrado pelo comum. O extraordinário não me causa lá grandes atrações, mas o corriqueiro, o amiudamento, aquele sentido de vida que está acontecendo, onde a priori, a morte devia imperar. Quero tentar entender como, espantosamente, às margens de um projeto de horror e morte foram construídos sentidos bonitos de vida.

DRIBLAR ADVERSIDADES

Em um país fundado dentro de uma lógica de exclusão e violência, o esporte e a música popular foram raros campos onde houve possibilidade de ascensão para as comunidades não brancas. Isso já torna o futebol e a música popular extremamente relevantes para se pensar o Brasil. Ao mesmo tempo, futebol é um sintoma do problema brasileiro, ali você vai encontrar a beleza, o horror, o racismo, as soluções inusitadas para a vida que se expressam no drible, porque nós criamos uma maneira de jogar futebol – que talvez esteja se perdendo. O nosso futebol opera na ocupação do vazio, como a síncope do samba. Ir aonde o seu oponente não te alcança, mais do que uma jogada de futebol, é uma perspectiva de vida.

SERRA DA CANTAREIRA, 17 DE JANEIRO DE 2025

AOS QUE ME LEEM COM CORAÇÃO,

POR MARIANA FERRARI

ILUSTRAÇÃO MARINA QUINTANILHA

Antes, quero pedir ajuda. Não deixem que a história que aqui resgato seja perdida no poço fundo de minha memória. Guardo-a com medo de perdê-la, como se soltar as informações fizesse das palavras um sopro de vento. Tenho medo de as palavras sentirem a ventania e não mais regressarem ao meu poço fundo de memórias vivas. Por isso peço: guarde comigo esta história. Se juntarmos os fragmentos em muitos poços, fica mais difícil delas fugirem pelo ar. Desculpe começar esta carta com um pedido de promessa. Preciso ganhar força, de um jeito que minhas palavras cheguem até vocês sem jamais conhecer o ar. É uma história que precisa de respeito e reza para começar.

inéditos

As árvores, neste dia, começaram a falar comigo. As árvores falam, isto é verdade, vou reformular: passei, então, neste dia, a escutar as árvores e a conversar com os mortos. Havia muitas delas, enfileiradas, as árvores: tinham um tronco liso, como a coxa de uma criança. Com os chinelos de dedos, eu abraçava aquele labirinto. Algumas me pediam carinho, outras, optavam pela solidão. Com os pés ligeiros, eu percorria os caminhos daquele chão de terra batida e úmida. Cansada, uma delas me chamou. Eu segui a voz e parei diante da anciã. O tronco dela tinha a precisão dos anos. Frágeis, meus dedos inocentes percorreram uma ferida tão grande que mais parecia uma porta arredondada. Uma árvore que dava passagem para um outro mundo. A ferida da árvore mais parecia uma junção de fissuras. Era uma parte áspera. Depois, fui entender que não existe passagem entre mundos sem aspereza, porque o conhecimento também é um machucado que não cicatriza. Cada vez que tocava nesta parte do tronco, sentia uma dor que parecia me ensaiar para as tristezas que viriam enquanto eu pisasse viva nesta terra. Eu ainda não sabia que viver era um pouco se machucar também. Com meus olhos de criança, encontrei uma forma de coração no meio do tronco ferido. Alguém poderia ter deixado o registro com a ponta das chaves. Mas, a mim, era a entrada para um lugar desconhecido, que é também um pouco como o nosso coração, faz chorar ao mesmo tempo que é bom. E ali, naquele coração raspado no tronco de uma árvore anciã, eu entendi que a solidão neste mundo trata-se de uma mentira que os adultos nos dirão com frequência — e que a morte é só a adaptação da linguagem para falar com outro plano. Enquanto a árvore me contava a sua história na ponta de meus dedos miúdos, um adulto surgiu e disse que aquela era a entrada de um portal, que ao atravessarmos estaríamos

dentro do vale dos mortos. E tem como sair de lá? Ninguém nunca voltou para contar. De pavor, corri para longe daquela árvore anciã. Os pés tão apressados deixaram para trás os chinelos. Corri a ponto de escutar a minha respiração, cheguei nos braços dos meus pais e senti um pouco o que é se sentir em casa. Não lembro se tomei água ou fui deitar. Mas sei que o homem voltou para o chalé — estávamos em um hotel —, talvez por remorso ou porque a árvore tenha lhe dito algo. Contou alguma história que meus pais acreditaram.

Criança é assim mesmo. A partir desse dia, passei a confiar mais nas árvores e nos mortos do que nos homens. Ao escutar os troncos, estamos sujeitos a reconhecer o que somos naquilo que já fomos. Com os homens, passamos a escutar a nossa respiração e a correr tão rápido que esquecemos os chinelos para trás.

Mariana Ferrari é escritora, jornalista e fundadora do projeto Carta por carta. Já publicou textos no El País, Le Monde Diplomatique, TRIP, entre outros. Escreve, mensalmente, cartas e contos no Carta por carta, além de ministrar oficinas de escrita. É autora do livro Entre o caos e a humanidade (Patuá, 2021).

Marina Quintanilha é artista visual nascida em São Paulo. Desenvolve seu trabalho no trânsito entre as linguagens da pintura, da animação experimental e do cinema, criando narrativas a partir da imagem que se situam entre realidade e ficção.

No rádio, na televisão, no teatro e no cinema, a atriz nascida no bairro do Bixiga imprimiu sua assinatura na criação de personagens reconhecidos pela crítica e pelo público.

VESTIR-SE DO OUTRO

Aos 97 anos, atriz Laura Cardoso lança filme sobre o abandono de idosos, diz ser realizada com sua carreira e sonha em atuar até o final da vida

Laura Cardoso nasceu Laurinda de Jesus Cardoso Balleroni, em setembro de 1927, no tradicional bairro do Bixiga, no Centro de São Paulo. Quando criança, gostava de brincar na rua e desbravar o mundo. Ainda pequena, descobriu sua paixão pela representação. O Brasil era um país onde o rádio era o veículo de comunicação mais popular e, nessa época, ela foi uma adolescente ouvinte de radionovelas, emocionada com suas tramas e personagens. Enquanto as escutava, imaginava que também poderia fazer aquele trabalho. Um dia, criou coragem e desafiou a família, conservadora, ao fazer um teste para atuar como atriz na Rádio Kosmos. “Fui aprovada e quase

morri de alegria! Eu comecei assim: fugindo para fazer um teste para trabalhar na rádio”, conta a atriz no documentário Tributo – Laura Cardoso (Globoplay, 2024).

Em 1950, ano em que a Tupi fez a primeira transmissão televisiva no Brasil, foi convidada para representar nesse novo veículo, então inovador. A teledramaturgia brasileira ainda não tinha gêneros nem linguagem consolidados, como as atuais telenovelas e séries. Por isso, foram produzidos muitos textos escritos originalmente para o teatro, como Hamlet, de William Shakespeare, um dos primeiros teleteatros nacionais. Na mesma década, também foram produzidas as primeiras telenovelas brasileiras, transmitidas ao vivo, devido à

inexistência de videoteipes, e que exigiam muita improvisação do elenco. Sem referências, mas aberta a encarar o desafio, disse “sim” ao convite e iniciou sua jornada na televisão.

Ao lado de outras pioneiras, como Fernanda Montenegro, Nathalia Timberg e Léa Garcia (1933-2023), Laura Cardoso forjou o que é ser atriz de televisão no país e contribuiu para criar as bases da teledramaturgia brasileira. “Começamos praticamente da mesma maneira, na rádio, TV e, depois, veio o palco. A cultura é a nossa vida e sabemos que ela é fundamental para a formação de uma nação”, ressalta Fernanda Montenegro no documentário Tributo

Matheus
José Maria

Entre os papéis mais lembrados de sua carreira, estão a matriarca Sinhana, da telenovela Irmãos Coragem (TV Globo, 1995), mãe dos personagens que dão nome à trama; também representou Isaura no remake de Mulheres de areia (TV Globo, 1993), mãe das gêmeas Ruth e Raquel (Glória Pires); e a avó Carmem, de Chocolate com pimenta (TV Globo, 2003-2004), como a verdureira que mora em um sítio e precisa se acostumar ao luxo quando a neta Ana Francisca (Mariana Ximenes) fica rica. Ainda é rememorada por seus papéis nas telenovelas A Viagem (1994), Meu bem querer (1998), Vila Madalena (1999), A Padroeira (2001), Caminho das Índias (2009), dentre outras produções.

Em mais de 100 trabalhos, entre telenovelas, radionovelas, filmes, dublagens, apresentações de circo e peças de teatro, inspirou gerações de público e também de artistas que a seguiram.

“Eu aprendi a fazer televisão com Laura Cardoso e essa referência ficou no meu DNA de atriz”,

revela no documentário Tributo a atriz Dira Paes, que atuou com a veterana em Irmãos Coragem Na homenagem, a atriz Deborah Secco, que dividiu o set com Laura Cardoso em A Padroeira, enfatiza que ela é uma das maiores atrizes que a televisão já teve: “é uma das nossas grandes damas, uma dessas atrizes que vão ser inesquecíveis”, sintetiza.

Além de aclamada pelo público, sua carreira profícua é celebrada pela crítica. Exemplo disso são as dezenas de prêmios e reconhecimentos que recebeu ao longo dessas sete décadas, entre os quais o Troféu Roquette Pinto (1956 e 1963), APCA (1977; 1995; 2001 e 2015), Shell (1990 e 1993), Mário Lago (2002), Aplauso Brasil de Teatro (2015), Guarani de Cinema Brasileiro (2021) e Festival de Cinema de Gramado (2023), além da Ordem do Mérito Cultural (2006).

Hoje, Laura Cardoso mora em Itu, no interior de São Paulo, e segue ativa. Lançou, em 2025,

um novo filme, Dona Rosinha, no qual interpreta uma idosa abandonada pela família em um ponto de ônibus, tema que ela diz ter sido difícil de enfrentar pela crueldade. “O abandono é ruim, é sempre feio, é sempre mau. Abandonar um idoso, pegar uma pessoa pela mão e levá-la para uma esquina, deixá-la ali. A pessoa que faz isso precisa ser punida”, defende. O longa-metragem tem produção de Marcelo Gomes e direção de Kk Araújo.

No último dia 12 de fevereiro, a artista participou do evento de lançamento do filme em São Paulo, no Sesc Consolação, em um momento de rara aparição pública. A ocasião reuniu centenas de pessoas no Teatro Anchieta que, por minutos a fio, a ovacionaram.

“Quando eu olho para tudo o que fiz, no palco do teatro, na televisão, no rádio, no cinema, eu vejo uma história que foi boa, foi bonita, foi gratificante de trilhar”, avalia a atriz. Neste Depoimento, Laura Cardoso compartilha memória, trajetória e projetos.

Ao lado da atriz Bianca Rinaldi, Laura Cardoso interpreta uma senhora que é abandonada pela família num ponto de ônibus, em seu mais recente filme, Dona Rosinha (2025).

ESTREIA

É uma felicidade muito grande poder lançar o filme Dona Rosinha hoje, neste momento da minha vida. Eu amo cinema. Amo assistir e fazer cinema. É um grande prazer. Estou muito feliz de estar aqui no palco do Sesc Consolação, lançando esta obra e vendo esta planteia lotada. É uma felicidade estar diante de tanta gente que está sorrindo após assistir a esta obra. Representar uma mulher idosa abandonada foi algo muito difícil, doloroso. O abandono é sempre ruim, é sempre feio, é

sempre mau. Abandonar um idoso, pegar uma pessoa pela mão e levá-la para uma esquina, deixá-la ali. A pessoa que faz isso precisa ser punida. Esse não é um caminho que devemos seguir. O que precisamos valorizar nas relações humanas é o amor, é a busca pela compressão do outro, pelo diálogo.

ARTE

Eu amo representar, então para mim é sempre uma festa poder atuar, é um acontecimento bom. Amo o teatro, a televisão e todo lugar

depoimento

onde há a representação. A arte tem o poder de transformar. Uma peça, um filme, uma telenovela, uma radionovela mostram os problemas de nossa sociedade. Às vezes, apontam soluções. Acredito que tudo o que está relacionado à arte e à comunicação é sagrado.

REPRESENTAR

Para fazer teatro, cinema, televisão, rádio, é necessário amor. Para representar, você precisa se despir de você e se vestir do outro, se entregar. É preciso amar. Quando subo neste palco, eu faço isto: deixo quem eu sou lá fora e, aqui dentro, represento o outro. Faço isso com a maior boa vontade, com amor. Amo representar e esse amor é o que me move.

JORNADA

Eu tive muita sorte na minha carreira. Encontrei só gente boa. Só tenho boas recordações. Não tenho um senão para falar. Quando eu olho para tudo o que fiz, no palco do teatro, na televisão, no rádio, no cinema, eu vejo uma história que foi boa, foi bonita, foi gratificante de trilhar.

SONHO

Qual é meu maior sonho? Hoje, aos 97 anos, eu acho que já realizei uma boa parte de tudo o que eu sonhava em minha vida. Sou uma mulher muito realizada por tudo o que fiz. Meu maior sonho hoje é continuar representando. Até ir embora deste mundo, eu quero representar.

Lyvia Garmec

ALMANAQUE

Dance, dance, dance!

Conheça cinco espaços da cidade de São Paulo que oferecem aulas gratuitas de diversos estilos de dança

Samba-rock, charme, hip-hop, tango, dança do ventre, zumba, k-pop, voguing, dança circular, forró, dança afro, dentre tantos outros estilos desta sequência ritmada de passos e movimentos chamada dança estão presentes no dia a dia de uma cidade dinâmica como São Paulo. Basta saber encontrá-los. Espaços públicos como parques, instituições culturais ou até mesmo a rua servem de palco para o compartilhamento de vivências, técnicas e aprendizados, seja para iniciantes ou iniciados na dança. Práticas que contribuem e incentivam trocas entre comunidades diversas dessa expressão artística. O local? Pode ser um ícone do Centro da capital paulista, como o Vale do Anhangabaú, ou uma instituição cultural como o Sesc Campo Limpo, na periferia da zona Sul da cidade. Lugares onde o público tem acesso a aulas, oficinas, encontros de grupos ou ensaios abertos para entrar em contato com a dança. Neste Almanaque, conheça cinco espaços da cidade que oferecem diferentes formas de mexer o corpo, e manter a saúde física e mental em dia. Deixe o ritmo te levar e entre nessa dança!

Na programação noturna e diária, o Vale do Anhangabaú se transforma em uma pista de danças brasileiras e do mundo.

RITMOS DO VALE

Local que abrange uma intensa e democrática programação cultural e de lazer diária, considerado um importante espaço de convivência da cidade, o Vale do Anhangabaú está situado no Centro histórico de São Paulo, entre a Praça da Bandeira e o Viaduto Santa Ifigênia. Desde a sua reinauguração, em 2022, o Novo Anhangabaú, como é conhecido, tornou-se um polo de ocupação. E uma das grandes incentivadoras é a programação noturna de danças brasileiras e do mundo, que atrai cada vez mais participantes. As aulas de charme acontecem às segundas e propõem uma sequência de passos ao som de soul e funk dos anos 1970 e 1980. Às terças e quartas é a vez do hip-hop, que explora estilos de dança urbana, como breakdance e popping. Quinta é dia de forró para todas as idades – o Forrozinho do Bom introduz o ritmo às crianças. Na sequência, as aulas são voltadas ao público adulto. As sextas são dedicadas ao resgate da cultura do samba-rock paulistano, com aulas conduzidas pelo projeto Groove 011. Aos sábados e domingos, a programação varia conforme o mês. As atividades estão sujeitas a alterações e, em caso de chuva, poderão ser canceladas.

Vale do Anhangabaú

Av. São João, Rua Formosa – Centro. novoanhangabau.com.br

PASSOS AO AR LIVRE

Fundado em 2007, o Parque Linear Tiquatira, localizado na zona Leste da capital, entre os bairros da Penha e Cangaíba, é considerado o primeiro parque linear da cidade de São Paulo, implantado ao longo do córrego Tiquatira, habitada por mais de três quilômetros de extensão. Além de uma área verde habitada por mais de 40 espécies de aves, o parque possui uma estrutura para a prática de esportes, como pista de cooper e caminhada, skate e bicicross, quadra poliesportiva, quadra de areia, playground e campo de futebol. O centro esportivo do espaço ainda oferece aulas de jazz, às segundas, às 17h, e de terça a sexta, aulas de balé, também às 17h. Já as aulas de zumba e ritmos acontecem às segundas, 19h30 e às quartas, às 9h. As práticas são gratuitas, basta fazer o cadastro no site da secretaria do centro esportivo do parque.

Parque Linear Tiquatira – Eng. Werner Eugênio Zulauf

Av. Dr. Assis Ribeiro; Av. Cangaíba; Av. Governador Carvalho Pinto – Penha. Aberto 24h. instagram.com/parquetiquatirasp

ALMANAQUE

o mês

CAMPO DAS EXPRESSÕES

Localizado numa área de aproximadamente 20 mil metros quadrados, o Sesc Campo Limpo, na zona Sul da capital, tem como característica arquitetônica ser um espaço horizontal que conta com instalações adaptáveis para o atendimento ao público. Sua estrutura contempla quadras poliesportivas, de areia, áreas para a prática de slackline, patins e patinete, além de espaços para práticas de dança, uma linguagem que já entrou no calendário anual da programação da unidade. Durante o mês de abril, os professores Arthur Marques e Marcela

Ramos realizam a oficina Samba no pé, aos domingos, das 10h30 às 12h, além de forró e gafieira, com a oficina Dança de salão, às quartas-feiras, das 19h às 20h30. Todas acontecem na Tenda Praça e são abertas ao público.

Sesc Campo Limpo

Rua Nossa Senhora do Bom Conselho, 120 –Campo Limpo. Terça a sexta, das 12h às 21h, e sábados, domingos e feriados, das 10h às 19h. sescsp.org.br/campolimpo

Durante
de abril, a Tenda da Praça do Sesc Campo Limpo convida o público a experimentar diferentes tipos de dança.

JUNTOS E MISTURADOS

Criado com a intenção de ser um centro cultural de multilinguagem artística, inspirado em outros espaços presentes no mundo, como o Centro Georges Pompidou, fundado em 1977, em Paris (França), o Centro Cultural São Paulo (CCSP) oferece acesso às mais variadas linguagens artísticas em seus quatro pavimentos. São áreas expositivas, jardins, restaurante, salas de cinema, teatro e bibliotecas com arquitetura de dimensões amplas e múltiplas entradas, o que proporciona a ocupação espontânea do prédio. A convergência de linguagens artísticas se reflete na dança que, além de compor a programação de aulas realizadas no CCSP, abrange um espaço já considerado como seu: o Corredor da Dança, utilizado por praticantes amadores e profissionais de diversas expressões, do tango ao break, do k-pop ao voguing, passando por dança contemporânea e forró. Tudo no mesmo lugar. Toda segunda-feira, às 19h30, o professor de forró Romeu Assunção realiza aulas para todos os públicos. Mesmo sendo um dia em que o espaço fica fechado, seu grupo, Forró Comum, está sempre por lá, próximo ao café, para receber novos participantes. Já o grupo Nárnia Zouk ministra treinos de zouk, também às segundas-feiras, das 18h às 21h50, no mesmo espaço.

Centro Cultural São Paulo (CCSP)

Rua Vergueiro, 1000 –Liberdade. Terça a sexta, das 10h às 21h. Sábado, domingo e feriados, das 10h às 20h. centrocultural.sp.gov.br

Aulas de forró e de outros ritmos ocupam os corredores do

INFLUÊNCIAS ESTRANGEIRAS

Dos 46 Centros Esportivos que a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer da cidade possui, dez oferecem aulas de dança gratuitas de diferentes ritmos e para todas as idades. Com 55 mil metros quadrados, o Centro Esportivo Vila Manchester, na zona Leste da capital, conta com uma infraestrutura para que os moradores da região possam praticar esportes ao ar livre. Além de disponibilizar campo de futebol, estação de alongamento, quadras poliesportivas, piscinas, playground infantil e espaço para pets, o centro também oferece uma variedade de oficinas de dança. Ao longo da programação de 2024, o público teve contato com a dança contemporânea, a dança do ventre, além de aulas de ritmos diversos. Neste mês, aos sábados, às 18h, é a vez da dança cigana, prática artística que recebeu influências da travessia dos povos ciganos por distintos lugares no mundo.

Centro Esportivo Vila Manchester - CEE Vicente Ítalo Feola

Praça Haroldo Daltro, s/n - Vila Nova Manchester. Segunda a sexta, das 7h às 22h, e sábados, domingos e feriados, das 7h às 18h. instagram.com/cevilamanchester

Centro Cultural São Paulo.

Lugar de encantamentos

Eram os últimos dias de dezembro de 2018 quando cheguei por aqui. Tenho em mim vívidas emoções daquele encontro, afloradas pelo ineditismo da minha primeira gerência. Os sentimentos eram muitos: expectativas, um pouco de ansiedade, o coração aos pulos, o desejo genuíno dentro do peito e a vontade imensa de que tudo fosse bom.

O primeiro impacto aconteceu cênica e sinestesicamente: ao longo de todo trajeto fui acompanhada pela Mantiqueira que, ao longo desses anos, em cada um dos dias, apresentou-se em uma paleta diferente. Às vezes azulada, outras coberta por nuvens e seus cinzas e, nos dias de calor, em tons verdes vibrantes. Para se chegar à unidade, há que se atravessar a linha férrea, despir-se da pressa e, como um flâneur, estar atento às crianças descalças em suas bicicletas, aos velhos nas janelas e aos grupos de homens que nas tardes pachorrentas reúnem-se para o carteado na praça da Estiva.

Naquele tempo havia um muro que circundava a unidade, território do encontro, da diversidade. Local de sonhos. Fui aprendendo sobre a convivência entre pessoas e calangos disputando um lugar ao sol em meio ao trânsito das alamedas. Acostumei-me à algazarra das crianças no solário das piscinas e das abelhas invadindo o caramanchão, e me vi aguardando ansiosamente a visita do saruê, meu chapa, que durante muitas noites vi passear nos jardins da unidade.

O Sesc Taubaté é assim, espaço de natureza pulsante e de encantamentos. Mas o que ele tem de melhor são as pessoas e sua incrível capacidade de sonharem e de realizarem. Quantos momentos incríveis e emoções vivenciamos sob a lona do Circo! E nesse espírito meio mambembe, em meio ao risco e improviso, fomos criando afeto, memória e repertório. E assim seguimos, expandindo os desejos e concretizando novos espaços antes somente imaginados; porém foi chegada a hora em que os muros não foram mais possíveis, porque queríamos mais.

Queríamos a formalização, em excelência e técnica, de um novo equipamento, que pudesse receber à altura as manifestações, saberes e fazeres da cultura do povo daqui e de povos de lá. E que bonito e grande desafio

foi esse. Tivemos que conciliar uma unidade ativa e pulsante com uma rotina de obras. Nosso horizonte foi, por algum tempo, encoberto por tapumes; o canto dos pássaros foi abafado pelo som de pesadas máquinas, e tivemos que adaptar caminhos para nossos deslocamentos. Os muros deram lugar à transparência e ao convite para a comunidade ocupar esse lugar de ser e estar.

Gerenciar um equipamento de cultura, sustentabilidade, lazer e saúde, identificando os diferentes e singulares públicos, desenvolvendo estratégias à luz de uma cultura para todos, é tarefa com muitos desafios que se tornam maiores quando encontramos tanta riqueza nessa importante cidade do Vale do Paraíba, reconhecida por sua gente forte e valente, com identidade marcante. Monteiro Lobato, Amácio Mazzaropi, Celly Campello, Sigesfredo Camargo, Hebe, Félix Guisard, mas também, Dona Maria da Conceição Frutuoso e Maria Cândida Alves nos deixaram um legado histórico que se mistura ao desenvolvimento industrial e cultural da cidade.

Aqui encontramos o maior mercado da região e a feira da Breganha aos domingos; ao meio-dia, ouvimos o apito na Torre do Relógio chamando os trabalhadores fantasmas das ruínas da Companhia Taubaté Industrial; podemos voltar no tempo nas locações dos filmes de Mazzaropi e vibrar com as disputas do Burrão da Central. Reconhecemos o cotidiano caipira retratado pelas mãos das figureiras, incorporamos o “arma eu” em nosso vocabulário, e ainda comemos o bolinho caipira nos meses de junho... Mas essa já é outra história.

Renato Teixeira, santista que morou em Taubaté, canta que: “Amanhecer é uma lição do universo, que nos ensina que é preciso renascer. O novo amanhece”. Nessa aurora, vemos o antigo dar boas-vindas ao que chega, somando e criando a identidade deste lugar. Tem uma linha férrea que você atravessa e logo mais uma Serra que muda de cor a cada dia. Tem também um novo teatro, e você é nosso convidado!

Bem-vindo!

Daniela Savastano é cidadã do Vale do Paraíba e atua como gerente do Sesc Taubaté.

sescsp.org.br

CONHEÇA O SESC TAUBATÉ
Nilton Fukuda (foto); Estúdio Thema (colagem)

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