Revista E - agosto/24

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Revista E | agosto de 2024 nº 02 | ano 31

Guardiãs da palavra

Autoras indígenas ocupam novos territórios literários

Potência paralímpica

Desafios e incentivos para atletas chegarem a Paris

Sou um poema dele

Texto inédito de Elisa Lucinda dedicado ao pai

IA e criatividade

Artigos de Dora Kaufman e Diogo Cortiz

Sesc Mesa Brasil

30 anos de combate à fome e ao desperdício

Desde 1994, o Sesc Mesa Brasil conecta doadores e instituições sociais, distribuindo alimentos e promovendo ações educativas sobre alimentação.   Em 2024, o programa completa três décadas de atuação e te convida a fazer parte desta rede de solidariedade e cidadania.

SEMINÁRIO INTERNACIONAL

Sistemas Alimentares:

Oportunidades para Combater a Fome e o Desperdício no Brasil

Realizado pelo Sesc em parceria com The Global FoodBanking Network (GFN), o Seminário acontece no dia 6 de agosto no Sesc Belenzinho e terá a participação de pesquisadores da Food Law and Policy Clinic (FLPC), da Harvard Law School e de outras instituições.

Festival Sesc Mesa Brasil

Nos dias 10 e 11 de agosto, shows e espetáculos convidam ao encontro, à celebração e à doação de alimentos. A programação é gratuita e acontece em todas as unidades do Sesc na capital, grande São Paulo, interior e litoral.

DOE ALIMENTOS NÃO PERECÍVEIS E PARTICIPE! sescsp.org.br/festivalsescmesabrasil

Ações Educativas

sescsp.org.br/ sescmesabrasil30anos

Nos meses de agosto e setembro, as atividades educativas sobre alimentação adequada e saudável, voltadas às instituições sociais atendidas pelo programa, estarão abertas à participação do público em geral.

#VemDoar

A partir de 12 de agosto, todas as unidades do Sesc São Paulo na capital, grande São Paulo, interior e litoral tornam-se pontos de arrecadação de alimentos não perecíveis, que serão destinados a instituições sociais atendidas pelo programa Sesc Mesa Brasil.

CAPA: Cena do documentário UÝRA - A Retomada da Floresta (Brasil/EUA, 2022), com direção de Juliana Curi, que será exibido em três unidades do Sesc durante a programação do Agosto Indígena: Santana (6/8), Santos (7/8) e Registro (28/8). Na produção, Uýra Sodoma, artista trans indígena que se apresenta como “uma árvore que anda”, viaja pela floresta amazônica e interage com jovens indígenas e ribeirinhos, guardiões das mensagens ancestrais da mata.

Crédito: Thiago Moraes (diretor de fotografia do filme)

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Legado sociocultural

APP Sesc São Paulo para tablets e celulares

Legendas Acessibilidade

Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.

A garantia da valorização das relações interpessoais, da promoção do bem-estar social e da qualidade de vida dos trabalhadores do comércio, serviços e turismo, de seus familiares e de toda a comunidade, está no cerne das ações do Sesc – Serviço Social do Comércio. Desde sua criação, em 1946, a entidade está presente na vida de seus públicos por meio de centros culturais e esportivos espalhados pelo estado e, de maneira cada vez mais ampliada, no ambiente digital, transgredindo as fronteiras geográficas.

O legado cultural do Sesc se mantém, há quase 80 anos, como um instrumento norteador, expandindo cada vez mais seu alcance e seguindo o propósito de motivar e possibilitar experiências múltiplas. Gerando, dessa forma, o encontro de ideias, a ampliação de repertório e o contato com o novo, seja por meio de uma ação permanente nos campos da cultura, do lazer, do turismo, dos esportes, da saúde e alimentação, em projetos itinerantes e parcerias institucionais.

Como testemunha e, ao mesmo tempo, parte integrante das mudanças socioculturais nas últimas décadas, o Sesc São Paulo considera o cuidado e a parceria com os diversos públicos a sua principal ação permanente.

Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo

Palavras-semente

Exaltar identidades, registrar e disseminar práticas, preservar sabedorias, construir novos imaginários e nos alfabetizar com poéticas múltiplas. O período em que vivemos solicita um contraponto à perspectiva ocidental do conhecimento. E a força criadora da produção cultural dos povos originários, da manualidade ao digital, do ancestral ao contemporâneo, da oralidade à escrita, vem florescendo em novos horizontes.

No mês em que se celebra o Dia Internacional dos Povos Indígenas, o Sesc realiza o projeto Agosto Indígena, que se dedica aos processos de educação provenientes de diversas culturas originárias. Nessa travessia, uma das reportagens desta edição da Revista E celebra a crescente produção literária de escritoras indígenas. Em prosa e poesia, a palavra feminina reverbera outras cosmovisões a partir da transmissão do conhecimento, da defesa do rico legado de centenas de etnias e da criação de narrativas originais.

É o caso da poeta Eliane Potiguara, que semeia suas rimas há décadas, provando que “não se seca a raiz de quem tem sementes espalhadas pela terra pra brotar”*. Essa “inquieta mulher das águas correntes”, como já disse Ailton Krenak, junta-se a outras autoras indígenas que, por meio de uma literatura plural, vêm assumindo espaços inéditos, criando tramas diversas e escrevendo novas páginas na História do país. Boa leitura!

Luiz Deoclecio Massaro Galina

Diretor do Sesc São Paulo

* Verso do poema “Oração pela libertação dos povos indígenas”, presente no livro Metade cara, metade máscara (Mazza, 2004), de Eliane Potiguara.

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho

CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO

Presidente: Abram Abe Szajman

Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina

Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos.

Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.

REPRESENTANTES JUNTO AO CONSELHO NACIONAL

Efetivos: Abram Abe Szajman, Ivo Dall’Acqua Júnior, Rubens Torres Medrano

Suplentes: Álvaro Luiz Bruzadin Furtado, Marcelo Braga, Vicente Amato Sobrinho

CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adenor Serrano Domiense, Alessandra Aparecida da Guia, Amanda Martins Jacob, Ana Carolina Padua Machado, Andrea de Oliveira Rodrigues, Andressa Kelly Ribeiro Ivo, Barbara Caroline da Silva Ramos de Freitas, Barbara Duarte Camilotti, Caio Wallerstein Ferreira Gomes, Camila Amaral Tavares, Camila Freitas Curaca, Camila Vitale Nascimento, Caroline Figueira Zeferino, Cinthya de Rezende Martins, Clara Hokama, Danilo Cymrot, Danny Abensur, Davi dos Santos Ferreira, Diego Ferreira Valladares Soares, Elder Regis Deorato Marques, Elmo Sellitti Rangel, Felipe Campagna de Gaspari, Flavia Teixeira S Coelho, Gabriela Camargo das Graças, Giulia Maria de Campos Manocchi, Gleiceane Conceição Nascimento, Graziela Delalibera, Guilherme Luiz De Carvalho Souza, Guilherme Ocampo Monteiro, Henrique Vizeu Winkaler, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Granata Delalibera, Jade Stella Martins, Jailton Nascimento Carvalho, Joana Carolina Teixeira Mota, Jose Mauricio Rodrigues Lima, Jucimara Serra, Julia Parpulov Augusto Dos Santos, Juliana Neves dos Santos, Kelly Dos Santos, Lilian Vieira Ambar, Luana Ligero Greve, Lucas Moura Barboza, Marcos Afonso Schiavon Falsier, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Mariana Martelli da Costa, Marina Burity Francisco, Marina Claudia Alves Pereira, Michel Enrique dos Santos, Mirele Carolina Ribeiro Correa, Monique Mendonça dos Santos, Natalia Bonicontro Fonsati, Olivia Tamie Botosso Okasima, Priscila dos Santos Dias, Rachel Amoroso Gonsalves, Rachel D Ipolitto De Oliveira Scire, Rafael Castori de Andrade, Rafaela Ometto Berto, Rejane Pereira da Silva, Renan Cantuario Pereira, Ricardo Carrero da Costa, Sandra Ribeiro Alves, Sandro Luiz Casarini, Sara Maria da Silva, Silvia Cristina Garcia, Silvia Gomes, Silvio de Assis Gomes Basilio, Sofia Calabria Y Carnero, Stephany Tiveron Guerra, Talita Ferreira dos Santos, Tamara Demuner, Tatiana Amaral Sanches Ferreira, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thais Amendola, Thais Cristina Kruse, Thais Ferreira Rodrigues, Thamires Magalhaes Motta, Thiago Da Silva Costa, Tommy Ferrari Della Pietra, Vinicius da Silva Souza, Vivianne de Castro, Zulaie L. Breviglieri da Silva.

Coordenação-Geral: Ricardo Gentil

Coordenação-Executiva: Lígia Moreira Moreli e Silvio Basilio

Editora-Executiva: Adriana Reis Paulics • Projeto Gráfico e Diagramação: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Edição de Textos: Adriana Reis, Guilherme Barreto, Maria Júlia Lledó e Rachel D'Ipolitto de Oliveira Sciré • Revisão de Textos: Pedro P. Silva • Edição de Fotografia: Adriana Vichi • Repórteres: Lucas Rolfsen, Luna D’Alama, Manuela Ferreira, Maria Júlia Lledó e Matheus Lopes Quirino • Coordenação Editorial Revista E: Adriana Reis Paulics, Guilherme Barreto e Marina Pereira • Propaganda: Edmar Júnior, Janete Bergonci, Jefferson Santanielo, José Gonçalves Júnior • Arte de Anúncios: Cesar Albornoz, Humberto Vieira Mota, Ian Herman Lins e Silva, Leandro Henrique da Silva Vicente, Nilton Andrade Bergamini e Pablo Perez Sanches • Supervisão Gráfica: Rogerio Ianelli • Finalização: Bruno Thofer e Larissa Ohori • Criação Digital Revista E: Rodrigo Losano • Circulação e Distribuição: Nelson Soares da Fonseca

Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)

A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social

Distribuição gratuita Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios

Esta publicação está disponível para retirada gratuita nas unidades do Sesc São Paulo e também em versão digital, em sescsp.org.br/revistae e no aplicativo Sesc SP para tablets e celulares (Android e IOS).

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Aos 93 anos, a escritora Ruth Rocha segue cativando gerações com personagens e enredos que marcam a história da literatura infantojuvenil Entre os destaques de agosto, Sesc Mesa Brasil celebra 30 anos com seminário internacional, festival, ações educativas e campanha de arrecadação de alimentos

Em prosa e poesia, escritoras indígenas ocupam novos horizontes com narrativas que ressoam uma diversidade de saberes ancestrais e visões de mundo

Passeio por imagens que celebram a atuação de mulheres cientistas e artistas de diferentes períodos e partes do mundo

Relembre vida e obra libertárias da pantaneira Helena Meirelles, dama da viola caipira que completaria um século de vida

Os desafios e incentivos na trajetória dos atletas brasileiros em busca do pódio nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024

dossiê entrevista literatura bio gráfica esporte

Laura Rosenthal (Dossiê); José Bispo (Bio); Coleta (2023), de Thatiana Cardoso; fotografia cedida pela artista (Gráfica)

Eduardo Tolentino, diretor e fundador do TAPA, celebra 50 anos do grupo teatral

Textos de Dora Kaufman e Diogo Cortiz refletem sobre usos da inteligência artificial e suas implicações sobre a criatividade

Elisa Lucinda (poesia) e Aline Bispo (ilustrações)

Compositor e pianista, Amaro Freitas compartilha processo criativo, sons da floresta amazônica, relação com o público e rotina de turnês brasileiras e internacionais

em pauta encontros inéditos

Conheça a origem dos nomes de cinco lugares de São Paulo cujas raízes provêm de línguas dos povos indígenas

Ariane Carvalho

MAIS DE 30 ESPETÁCULOS

ATIVIDADES FORMATIVAS

PONTO DE ENCONTRO

PERU [país homenageado]

ARGENTINA

BOLÍVIA

BRASIL

CHILE

COLOMBIA

ESPANHA

MÉXICO

PORTUGAL

URUGUAI

INGRESSOS

VENDA ON-LINE E PRESENCIAL

A partir das 17h do dia 15/8, pelo aplicativo Credencial Sesc SP, portal Sesc SP e nas bilheterias das unidades.

SESCSP.ORG.BR/MIRADA 5–15

Fernanda Montenegro no camarim do Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis, antes de subir ao palco para a leitura de trechos da obra A Cerimônia do Adeus, de Simone de Beauvoir (1908-1986). A apresentação Fernanda Montenegro lê Simone de Beauvoir, que ficou em cartaz até 21 de julho, celebra os 80 anos de carreira da atriz e aborda o pensamento libertário da escritora, filósofa e feminista francesa, além de sua vida ao lado do filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980).

Matheus

DOSSIÊ

Nos dias 10 e 11/8, o Festival Sesc Mesa Brasil lança campanha de arrecadação de alimentos não perecíveis.

OSesc Mesa Brasil, programa que conecta empresas doadoras e instituições sociais para combater a fome e o desperdício de alimentos, completa 30 anos em 2024. Para marcar a data, o Sesc São Paulo realiza um seminário internacional, além de festival, diversas ações educativas e campanha de arrecadação de alimentos. Ao longo das últimas décadas, somente no estado de São Paulo, o programa já arrecadou mais de 106 mil toneladas de alimentos, entregues a milhares de instituições sociais que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Diretor do Sesc São Paulo, Luiz Deoclecio Massaro Galina ressalta a importância do Sesc Mesa Brasil na redução das desigualdades e na promoção da alimentação adequada e saudável. “Além de coletar e distribuir alimentos que fazem a diferença na mesa de muitas pessoas, o programa tem um caráter educativo, com ações para orientar o preparo, armazenamento, aproveitamento integral e a diversidade de cardápio”, explica.

Para iniciar as comemorações, o Sesc Belenzinho sedia, em 6/8, o Seminário Internacional Sistemas Alimentares: Oportunidades para Combater a Fome e o Desperdício no Brasil, com a presença de pesquisadores da Harvard Law School e de profissionais de outras instituições estrangeiras e brasileiras. A atividade é realizada em parceria com The Global FoodBanking Network (GFN) e discute temas como fome e insegurança alimentar, desperdício e bancos de alimentos. Na ocasião, será apresentado o Atlas Global de Política de Doação de Alimentos, resultado da pesquisa desenvolvida pela Universidade de Harvard.

Nos dias 10 e 11/8, unidades do Sesc no Estado também realizam um festival que inaugura uma campanha de arrecadação de alimentos não perecíveis. Neste fim de semana de celebração, o público pode acessar gratuitamente algumas atividades do Sesc e exercer a solidariedade, ao doar alimentos não perecíveis. Além disso, nos meses de agosto e setembro, as atividades educativas

Em ação contra a fome

A partir deste mês, programa Sesc Mesa Brasil celebra 30 anos com seminário internacional, festival, atividades educativas e campanha de arrecadação de alimentos

gratuitas do Sesc Mesa Brasil voltadas a instituições sociais atendidas pelo programa também serão abertas ao público, com temas relacionados ao Guia Alimentar para a População Brasileira, à elaboração de cardápios saudáveis, e a técnicas de preparo e aproveitamento integral dos alimentos.

Saiba mais em sescsp.org.br/ sescmesabrasil30anos

Além de coletar e distribuir alimentos que fazem a diferença na mesa de muitas pessoas, o programa Sesc Mesa Brasil tem um caráter educativo, com ações para orientar o preparo, armazenamento, aproveitamento integral e a diversidade de cardápio

Luiz Deoclecio Massaro Galina, diretor do Sesc São Paulo

DOSSIÊ

AMOR À CIDADE

Neste mês, 13 unidades do Sesc São Paulo participam da Jornada do Patrimônio, que reúne diversas atividades, como bate-papos, vivências e roteiros turísticos, propondo uma reflexão sobre o papel do patrimônio cultural na construção de uma cidade sustentável. Organizado, desde 2015, pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o evento chega à sua 10ª edição, entre 17 e 18/8, com o tema “Patrimônio e Sustentabilidade”, em alinhamento aos debates internacionais sobre o assunto, como os compromissos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU. Entre as ações realizadas no Sesc São Paulo, há vários circuitos a pé, como Conhecendo as áreas verdes na cidade e na avenida, promovido pelo Sesc Avenida Paulista; Ruas que narram histórias, do Sesc Bom Retiro; Mulheres viajantes e expedições científicas: visita ao Museu de Zoologia da USP e aos

Entre as atividades desta edição da Jornada do Patrimônio, o Sesc Ipiranga realiza o roteiro Mulheres viajantes e expedições científicas: visita ao Museu de Zoologia da USP e aos jardins do Museu do Ipiranga

jardins do Museu do Ipiranga, que sai do Sesc Ipiranga. Além dos passeios a pé, há outros roteiros, como a visita guiada Rino Levi, traços do arquiteto, no Sesc Florêncio de Abreu; Memórias e patrimônio do

Memórias póstumas

José de Souza Martins, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), costumava levar os alunos de sociologia para percorrer as quadras do Cemitério da Consolação, como em uma visita a um museu a céu aberto. Agora, esse passeio também poderá ser acompanhado por quem assistir à série Vestígios da eternidade, dirigida por Ugo Giorgetti e produzida pelo SescTV e pela SP Filmes, que estreia em 20/8, às 22h, e depois ficará disponível sob demanda. Nos cinco episódios, o sociólogo José de Souza

Lageado e Guaianases, do Sesc Itaquera; e Trilha interpretativa pelo Rio Pinheiros, partindo do Sesc Pinheiros.

Mais detalhes em sescsp.org.br/ jornadadopatrimonio

Martins tece reflexões sobre fatos históricos do Brasil e do Cemitério da Consolação, já que nessa necrópole foram sepultadas figuras históricas, como o ex-presidente Washington Luís (1869-1957), o conde Francesco Matarazzo (1854-1937) e a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973). O professor e o cineasta também ministram a palestra História e Arte no Cemitério da Consolação, no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, em 16/8, às 19h.

As inscrições são gratuitas em: sescsp.org.br/ cpf. Assista à série em: sesctv.org.br/vestigios

Julia Parpulov

DOSSIÊ

Um corpo que ginga

A palavra “ginga” é uma marca da corporeidade brasileira, influenciadora do nosso repertório motor e, também, reveladora de fundamentos afrodiaspóricos relacionados à flexibilidade, mutabilidade, agilidade e destreza. A partir desse múltiplo conceito, o Seminário Ginga: Corporeidades negras na educação física, realizado entre 27 e 30/8 no Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc, constrói um repertório técnico e afetivo para educadores a partir de reflexões sobre a presença da cultura corporal negra no esporte e nas aulas de educação física. Entre os educadores e pesquisadores que participam da atividade, estão Julio Cesar de Tavares, Josiane Clímaco e Ellen Lima. Inscreva-se em sescsp.org.br/cpf

INTERCÂMBIO CÊNICO

O Palco Giratório, um dos maiores projetos de circulação artística do Brasil, homenageia, em sua 26ª edição, dois importantes criadores dos tablados: o ator e diretor Amir Haddad, criador do Grupo Tá na Rua, e o ator, músico e capitão de congado Maurício Tizumba. Depois de percorrer vários estados brasileiros, desde abril, com uma seleção de espetáculos de teatro, dança e circo, a edição 2024 do Palco Giratório chega a São Paulo, neste mês, ocupando 13 unidades do Sesc com 18 trabalhos. No palco, questões em debate na sociedade, como a intergeracionalidade, negritude, acessibilidade e inclusão. Entre os destaques, estão o musical Leci Brandão – Na palma da mão (Vila Mariana, de 2 a 4/8), a dança PROCEDIMENTO #6 (Avenida Paulista, dias 23 e 24/8) e o espetáculo teatral Zaratustra: uma transvaloração dos valores (Sesc Consolação, dias 30 e 31/8). Confira a programação completa em sescsp.org.br/palcogiratorio

Festa literária no interior

Com o tema “Cotidianos poéticos: do épico de Camões às batalhas de rua”, a 23ª edição da FIL – Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto, que acontece de 1º a 11/8, reúne mais de 400 atividades realizadas, simultaneamente, em 20 locais da cidade do nordeste paulista. Organizada pela Fundação do Livro e Leitura, e com participação do Sesc São Paulo, a Feira será aberta com o bate-papo O papel do Sesc na requalificação do centro da cidade de Ribeirão Preto, com a presença do diretor do Sesc São Paulo, Luiz Deoclecio Massaro Galina. Além disso, o evento conta com a presença de diversas editoras e livrarias, como as Edições Sesc São Paulo, com uma programação de diversos bate-papos literários, entre eles: Renan Quinalha e Amara Moira falam sobre Direitos LGBTI+ no Brasil (3/8, às 17h) e Raquel Gouveia e Daniela Arbex, sobre Loucura na civilização (7/8, às 17h).

Saiba mais em sescsp.org.br/sescnafil

Entre os dias 2 e 4/8, o espetáculo musical Leci Brandão –
Na palma da mão, com a atriz Tay O'Hanna (foto) e grande elenco, homenageia a cantora, compositora e atriz no Sesc Vila Mariana.

FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA

Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.

Para fazer ou renovar a Credencial

Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).

A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.

Acesse o texto

Tudo o que você precisa saber sobre

a Credencial Plena do Sesc

Sobre a Credencial Plena:

• É gratuita

• Tem validade de até dois anos

• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil

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PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
Ricardo Ferreira

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Viver Gonzaguinha

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Sons e Tons

RICARDO BREIM

DISPONÍVEL EM

Relicário: Dona Ivone Lara (Ao Vivo no Sesc 1999)

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Deixa a Viola Me Levar

MESTRE MANELIM

DISPONÍVEL EM

Sessões Selo Sesc #12

DEVOTOS

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Integrais

EDELTON GLOEDEN

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Trago

TULIPA RUIZ, GUSTAVO RUIZ, RICA AMABIS, ALEXANDRE ORION

DISPONÍVEL EM

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O jardim de Ruth

Aos 93 anos, Ruth Rocha, um dos grandes nomes da literatura brasileira, segue plantando histórias que nutrem a imaginação de crianças e jovens

Ainfância é um território cultivado pela imaginação. Por isso, é no faz de conta que, há mais de meio século, a escritora paulistana Ruth Rocha semeia centenas de livros dedicados aos pequenos jardineiros. Num abrir de páginas, saltam Marcelo, Pedro, Gabriela, Catapimba e outros personagens prontos para viver aventuras. Inúmeros são os assuntos que servem de matéria para esses enredos: futebol, reciclagem, matemática, poesia, macacos, ciências, sonhos… A lista é grande! Isso porque a escritora, desde menina, queria ler todos os livros do mundo. Esse sonho atravessou o tempo, transformando Ruth Rocha em uma leitora voraz e escritora incansável — em 2024, renovou por mais 15 anos a parceria com a editora Salamandra. Há poucos anos, a visão de Ruth quis pregar-lhe uma peça, mas ela não se dobrou e segue lendo pela voz do neto Pedro ou da irmã mais velha, Rilda – “juntas, ela e eu lemos 60 livros por telefone”, comemora. "E com Pedro, estamos lendo os do Ítalo Calvino (1923-1985), estou gostando muito."

Aos 93 anos, a escritora tem mais de 200 títulos publicados, já foi traduzida para 25 idiomas, além de ter feito a tradução de uma centena de títulos

infanto-juvenis. Ela também adaptou obras clássicas para jovens leitores, como Ilíada (2004) e Odisseia (2001), de Homero. Mas, antes de se dedicar profissionalmente à literatura, Ruth se formou em ciências políticas e sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e foi orientadora educacional do Colégio Rio Branco. Quis o destino que sua amiga Sonia Robato, quando diretora da revista Recreio, extinta publicação da editora Abril voltada ao público infantil, a convidasse para escrever um texto na década de 1970. Assim nasceu Romeu e Julieta, a primeira de uma série de narrativas publicadas na revista e que, posteriormente, ganharam as páginas de obras literárias.

Seu primeiro livro, Palavras, muitas palavras, é de 1976, mas foi com Marcelo, Marmelo, Martelo, lançado no mesmo ano, que a autora teria um best-seller. Em sua carreira, recebeu diversos prêmios – Academia Brasileira de Letras, Associação Paulista dos Críticos de Arte, oito prêmios Jabuti, da Câmara Brasileira de Letras – e a Comenda da Ordem do Mérito Cultural.

Em entrevista à Revista E, uma das principais escritoras da literatura brasileira compartilha seu enredo particular: brincadeiras da infância, a “fome” pelos livros, os laços com a família e a ciranda do tempo.

Em seu apartamento, na zona Oeste da cidade de São Paulo, Ruth Rocha costuma receber jornalistas, amigos e familiares para uma tarde de prosas literárias.

Em outras entrevistas, você disse que teve uma infância muito feliz junto aos pais e quatro irmãos, na Vila Mariana, e que sua casa era uma espécie de “reinado”. Como foi essa fase? Eu tive pais excepcionais. Meu pai era um homem sério, bom, era um homem trabalhador, honesto. Minha mãe era um doce de coco. Boazinha, amorosa. Ela não era mole não. Aliás, os dois eram disciplinados, sabe? Mas, eles eram bons e tratavam os filhos muito bem, com muito carinho. Eu morava na Vila Mariana, numa rua que não tinha calçamento. Era uma rua de terra, mas onde a gente podia brincar porque não passava carro, e quando passava, a gente parava surpreso: “Olha, um carro!”. Então, era uma rua perfeita para as crianças. A gente brincava de corredor, de pega-pega, de pular corda e amarelinha. A gente jogava bola, brincava de roda na rua. Eu tinha um tio que morava no quarteirão seguinte, então aquele pedaço da rua, um quarteirão até o meio do outro, era nosso. Tinha um primo que era mais velho, seus amigos, a minha irmã que era mais velha também, um pouquinho, tinha uns amigos da minha irmã e meus amigos. A gente vivia em bandos, correndo para cima e para baixo. Então, eu tive uma infância ótima, uma infância feliz com pais compreensivos. Minha casa sempre foi uma casa alegre, desde que eu era pequena, a gente ria muito. Eu tinha apenas uma irmã mais velha até eu ser mocinha, depois, tive mais três irmãos.

Na sua casa, havia o costume de se contar muitas histórias? Como foi seu primeiro encontro com a literatura? Quando entrei na escola, logo aprendi a ler e eu gostava de ler. Mas, minha mãe contava muita história também. E ela leu Monteiro Lobato (1882-1948) enquanto nós não aprendemos a ler. Ela lia, lia... E quando saía para ir ao dentista, por exemplo, trazia um livro. Se ia fazer compras, trazia um livro. Eu também tinha um avô, o vovô Ioiô, que era o maior contador de histórias do mundo. Era ótimo, ele sabia todas as histórias e contava muito bem. Ele morava no

Rio de Janeiro, mas vinha muito a São Paulo. Eu acredito que isso influenciou muitíssimo na escolha da minha profissão. Meu pai também contava muita história e histórias verdadeiras. Ele contava, por exemplo, que ele foi, não me lembro onde foi isso, mas ele morava no Rio, e ele foi ver o Santos Dumont (1873-1932) subir com o avião. Era um acontecimento. Isso foi mais ou menos em 1905. Mas, no dia, o avião não subiu. Ele contava muita história desse tipo e a gente se divertia.

Hoje, você e Rilda leem muitos livros juntas, mas essa paixão pela literatura começou antes, quando ela a levou para conhecer a Biblioteca Circulante, projeto criado por Mário de Andrade, quando diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. Como foi esse período? Eu tinha 13 anos e ela, que tinha 15, estava no ginásio, que seria hoje o Ensino Médio. O professor da Rilda recomendou que ela fosse à Biblioteca Circulante tirar os livros que ele mandava ler, e ela me levou. Eu ia para todo lado com ela. Cheguei lá, entrei no depósito – era enorme, cheio de livro –, olhei para aquilo e falei: “Gente! Eu tenho que ler todos”; “Eu tenho que andar depressa porque eu tenho que ler todos”. Comecei a ler bastante, um por um. Lembro que li um autor que estava na moda naquele tempo, chamado Paulo Setúbal (1893-1937). Li todos do Paulo Setúbal. Depois, li todos do [Saul] Steinberg (19131999), e quando faltava um, eu ficava danada, mas aí depois parei com isso. Fui ler outros e descobri que podia tirar dois livros: um de ficção e um que se chamava de “classificados” – de história, geografia, poesia, várias matérias. Então, comecei a ler poesia. Levava um de ficção e outro de poesia. Gostava de poesia, aliás, gosto até hoje. Nesse tempo, eu era bem conservadora, gostava de Olavo Bilac (1865-1918) e Castro Alves (1847-1871), que é meu primo em quinto grau, mas é meu primo (risos). Até hoje adoro sonetos

Quando me perguntam assim: "As crianças mudaram muito?".
Eu digo: "Olha, eu não sei. Mas eu publiquei Marcelo, Marmelo, Martelo há 50 anos e esse é o livro que eu mais vendo até hoje".

e procuro sonetos mesmo nos autores modernos. Adoro um livro do meu genro, Fabrício Corsaletti, que ganhou o prêmio de melhor livro do ano, o Jabuti, em 2023. É um livro de sonetos louquíssimo e eu adoro esse livro: ele imaginou o Bob Dylan na Argentina [Engenheiro fantasma (2023)]. É muito bom. Então, eu tinha que ler aqueles livros todos. Eu lia, lia, lia, lia que não parava. Depois eu fiz o clássico, porque antigamente o colegial tinha científico e clássico, e li bastante literatura portuguesa, francesa e inglesa, embora ache que não li muito literatura inglesa naquele tempo, eu li depois. Li muita literatura estadunidense também, Ernest Hemingway (1899-1961), Scott Fitzgerald (1896-1940).

E o que atrai sua atenção nesses livros?

Como você escolhe sua leitura?

Ah… é muito variado. O livro que eu mais gostei na minha vida é Cem anos de solidão [obra de 1967, do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez (1927-2014)]. Esse livro eu li quando era mocinha, gostei muito. Os anos se passaram e agora meu neto Pedro vem duas vezes por semana aqui em casa e lê para mim. Ele leu Cem anos de solidão e eu continuo gostando. Como é que eu poderia classificar? Outro livro que adorei e que Pedro leu para mim foi Dom Casmurro [obra de 1899, de Machado de Assis (1839-1908)], e os outros livros que ele tem lido para mim são do Ítalo Calvino. Dele já lemos, parece que, seis livros. Nós adoramos o Ítalo Calvino. Esse último foi O barão nas árvores (1991). É muito engraçado. Tem outros dele, também: O cavaleiro inexistente (1993) e O visconde partido ao meio (1996). São muito interessantes, eu gosto muito. Gosto de poesia e já falei um pouco de poesias mais clássicas, mas hoje, adoro Fernando Pessoa (1888-1935), Manuel Bandeira (1886-1968), Vinícius de Moraes (1913-1980), Cecília Meireles (1901-1964), entre outros.

Com tanto gosto pela literatura, pela leitura, pelos livros, quem vê de fora pensaria: por que não fazer uma faculdade de letras?

No entanto, sua escolha foi graduar-se em ciências sociais e políticas. Por quê?

Por que que a gente faz as coisas, né? Eu não sei por que é que eu fiz. Comecei um cursinho para letras, mas briguei com o professor de latim que não gostava de mim. Minha irmã o adorava, tanto que ela entrou em segundo lugar na faculdade de letras da USP. E eu acabei desistindo e fui fazer sociologia. Achei bonito. Sei lá… pior que a sociologia não é a minha. Mas, eu ainda sou muito influenciada pela faculdade, porque, claro, fui aluna de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), fui aluna do Alexandre Kafka (1917-2007), que foi diretor do Banco Mundial, fui aluna de Virgínia Bicudo (1910-2003), que era uma psicanalista muito famosa. Ou seja, fui aluna de gente muito boa. Fiz um curso que me marcou como pessoa que não tem preconceitos. Na minha família não tinha preconceito.

Assim que você se formou, havia a possibilidade de trabalhar no campo da sociologia ou você migrou para outra área?

Eu fui trabalhar em um colégio imediatamente, mas fui trabalhar na biblioteca. E como eu era muito amiga dos leitores, as crianças vinham em volta de mim e queriam saber: “Dona, me dá um livro de aventura?”. E eu dava. Aí eu fui convidada para ser orientadora educacional. Eu fiz uma pós-graduação em orientação e fui orientadora por dez anos no Colégio Rio Branco. Engraçado, porque eu peguei uma tese de uma psicóloga e pedagoga que era muito conhecida, Ana Maria Poppovic (1928-1983), e apliquei a tese dela no jardim de infância do colégio. Contava para meus amigos: “Eu fiz e deu certo, foi assim, foi assado”. Nessa mesma época, uma amiga minha foi

Depois de lançar, em 2023, O grande livro dos macacos, a escritora renovou o contrato com a editora Salamandra por mais 15 anos.

fazer uma revista na editora Abril, a Recreio, e ela me chamou para fazer uns “brinquedos”, porque a revista tinha umas tirinhas com “brinquedos” e ela me chamou para fazê-los, pois eram educativos. Quando eu fiz isso, fiquei muito perto do pessoal da Recreio, minha amiga saía comigo e me ouvia contar histórias para minha filha. Eu contava histórias que ela pedia, e ela não queria a história do Patinho Feio. Ela queria a história do cinzeiro. E eu ficava inventando coisas. Lá pelas tantas inventei Romeu e Julieta, era sobre uma borboleta azul e uma borboleta amarela que não podiam brincar, porque eram de cores diferentes. A história toda é contra o preconceito. Foi minha primeira história. Aí, essa minha amiga me pediu para escrever e ela publicou. Depois, ela pediu outro e outro, outro... Eu fiz mais de 50. Saíram todas na Recreio

Seu primeiro livro é publicado logo depois desse período na revista Recreio? Meus livros, eu publiquei bem depois. O primeiro saiu em 1976, Palavras, muitas palavras. Como eu já tinha muitas histórias, publiquei 13 livros de uma vez. Fizeram muito sucesso, inclusive, também em 1976, Marcelo, Marmelo, Martelo fez um sucesso muito grande, mas não fez muito sucesso na banca. Foram vendidos cinco a dez mil na banca. Mas, logo depois, o clube do livro da Abril, que se chamava Círculo do Livro, publicou e vendeu 800 mil exemplares em seis meses. Então, esse foi o meu grande sucesso. E quando me perguntam assim: “As crianças mudaram muito?”. Eu digo: “Olha, eu não sei. Mas eu publiquei Marcelo, Marmelo, Martelo há 50 anos e esse é o livro que eu mais vendo até hoje”.

Inclusive, Marcelo, Marmelo, Martelo se tornou um best-seller e foi adaptado para o audiovisual, exibido como série numa plataforma de streaming. Você gostou do resultado? É muito estranho para você ver o seu personagem pular do livro e de repente falar por conta própria?

Gostei muito! Ficou muito engraçada, muito boa, e fez sucesso na América do Sul toda. Mas, infelizmente, a Paramount parou de fazer (séries) para criança. Então, desmanchou, porque as crianças também crescem, se não fizessem [uma segunda temporada] logo. Agora, eu sei que o pessoal que fez está querendo fazer o filme. Vamos ver. Acabei de publicar Marcelo, Marmelo, Martelo em Portugal e publiquei nos Estados Unidos, há pouco tempo. Eu já tinha publicado esse livro na Argentina, mas por lá não fez sucesso. Engraçado, né?

Sobre seu processo criativo, como você escolhe as palavras que vão pousar nas suas histórias? A escritora Nélida Piñon (1934-2022) já disse à Revista E que as palavras passavam a galope. E com você? Palavras para mim são uma coisa muito séria. Eu gosto muito de palavras, eu gosto de tudo que é brincadeira com palavras. Faço no meu tablet uma que chama Termo. Você tem que adivinhar uma palavra de cinco letras sem saber nenhuma letra. Tem lá um método e faço todo dia. Também faço uma outra que é Palavras soltas, em que você tem que achar um nexo de quatro em quatro. Por exemplo, hoje saiu uma que só acertei porque eu pedi uma dica, eram marcas de chocolate. Palavra cruzada, então, eu gosto muito. Agora palavras favoritas, eu não tenho. Eu sei as feias (risos): não gosto de fronha – é feia, né? Mas eu não sei como é meu processo de escrita. As palavras não vêm na minha cabeça feito um cavalo

(risos). Eu tenho vontade de escrever aquilo e fico com três, quatro ideias correndo na cabeça. Eu não tenho um processo. Eu me sento, já tenho uma ideia? Escrevo.

Além dos seus próprios livros, você tem uma centena de traduções e, também, adaptações, como Ilíada (2004) e Odisseia (2000). Como foi adaptar essas duas obras clássicas para os jovens leitores?

A Odisseia foi premiada pela Academia Brasileira de Letras em 2001: eu ganhei pelo texto e meu marido [Eduardo Rocha (1956-2012)] ganhou por ilustração. Eu gosto muito de fazer adaptação. Olha, vou falar uma coisa: eu só faço o que eu acho fácil. Quando eu começo a achar muito difícil, começo a desistir. Porque é trabalhoso, é uma coisa a que você se dedica, não é como andar de bicicleta, que é bom. Eu gosto muito de fazer. Fiz, por exemplo, uma adaptação de O barba azul (2010), que até não vende muito porque é uma história terrível. Então, minha filha, que trabalha comigo, falou que ia vendê-la para uma editora de livros de terror. Achei ótimo porque fiz um texto que eu acho ótimo, mas é de pavor.

Sua mais recente obra, O grande livro dos macacos, lançado em 2023, reúne um extenso material de pesquisa que você já tinha na gaveta. O que lhe fascina para escrever uma história como essa? Eu escrevo sobre o que eu gosto, sobre o que eu quero e o que eu tenho vontade de falar. Não fico muito à vontade para escrever sobre morte de mãe, morte de pai. Não faço. Agora eu tenho várias histórias de macaco e, às tantas, resolvi fazer um livro de macacos. Tinha provérbios, brincadeiras, versinhos… uma porção de coisas. Juntei tudo isso e fiz um livro. Quando vi, não gostei e falei: “Ai, que livro chato”. Aí, encostei. Me esqueci dele. Na pandemia, comecei a dar uma olhada nos arquivos, coisas antigas que eu tinha, e tive essa ideia de falar sobre a evolução. Eu acho que conto uma história, algo difícil da área da ciência, mas que eu conto e fica fácil de entender. Tenho uma sobrinha que é doutora em biologia e ela falou que eu consegui tornar fácil o assunto.

Neste ano, o tema da censura permeou a literatura brasileira, a exemplo do escritor Jeferson Tenório, cuja obra O avesso da pele (2020) chegou a ser retirada de escolas do Centro-Oeste e Sul do país. Durante a ditadura no Brasil, você escreveu livros que apontavam para o autoritarismo, como

Você tem que conversar com a criança desde pequenininha. Cantar para ela, falar versinhos e contar histórias.

O reizinho mandão (1973), e que, felizmente, não foram censurados. Como foi esse período? Ninguém percebeu. E naquela ocasião, eu tenho um amigo que era um grande escritor de jovens, o João Carlos Marinho (1935-2019), que fez um livro e uma professora do ensino público o levou à classe e ele foi detido. Ele e ela foram detidos, interrogados, mas ela perdeu o emprego dela, que era concursada. Hoje, andaram tentando mexer nos meus livros, não deixei e consegui. Teve gente que queria que eu tirasse o Saci da história porque ele fumava cachimbo. Eu falei: “Quem sou eu para modificar o folclore?”. Entre outras coisas. A Ana Maria Machado botou um banho demorado na história. “Não pode banho demorado, porque gasta água”.

No livro O menino que quase virou um cachorro (Global, 2021), você provoca uma reflexão sobre a relação entre adultos e crianças e a disputa de atenção com as telas (celular, tablet, tv etc.). Você acha que hoje as crianças são mais ouvidas pelos adultos? E qual o papel dos pais na formação desses jovens leitores? Quando escrevi esse livro, comecei a achar que eu exagerei. Tem pais assim? Eu acho que os adultos têm que ouvir mais as crianças. Contar histórias, conversar, cantar, para entender, para dominar as palavras. Por que que a pessoa que lê muito sabe muitas palavras? Porque ela entra em contato com diferentes palavras, então a criança tem que ter esse contato para aprender a ler. Você tem que conversar com a criança desde pequenininha. Cantar para ela, falar versinhos e contar histórias. Responder as perguntas, perguntar as coisas para a criança.

Então, quando ela lê, ela entende e gosta do que está lendo. Isso é uma coisa que eu acho importantíssima. A criança tem que ter livros, sejam comprados, sejam de biblioteca, sejam trocados com os amigos.

Aos 93 anos, como é sua relação com o tempo? Não estou de mal com ele, não. Estou de bem com o tempo, afinal, me trouxe até aqui, né? Tenho uma velhice muito feliz. Tive pais muito bons, tenho uma filha que eu me dou muito bem, dois netos que eu adoro. Fui muito bem-casada e muito feliz no casamento. Depois que eu perdi meu marido, perdeu um pouco a graça. Mas, sou uma pessoa feliz e tenho o suficiente. Não sou rica, mas tenho conforto, saúde, não tenho doença grave. Nós cinco [irmãos], nenhum tem doença grave. Somos todos saudáveis e somos muito amigos até hoje. Eu tenho 93 anos, minha irmã mais velha, Rilda, tem 95, meus irmãos mais novos são: um irmão de 79 anos, uma moça de 80 (risos) e um irmão de 84. Tenho dez sobrinhos que eu adoro, um deles é da turma que trouxe a Madonna para o Brasil. Foi ele, também, que me levou para ver o Paul McCartney [em 2023, na capital paulista]. Eu tenho outro sobrinho que acabou de inaugurar uma sorveteria em Paris e uma sobrinha doutora em biologia, que é famosa porque se dedica a perturbar gente que caça bichos para vender. Eu tenho muitos parentes interessantes, uma família ótima.

Assista a trechos da entrevista realizada com a escritora Ruth Rocha, realizada em maio de 2024.

A g OSTO

IND íg ENA

Programação que convida à valorização da diversidade dos povos originários no Brasil e amplia reflexões sobre o Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto.

Nesta edição, o projeto aborda os diferentes modos indígenas de educar e promover a circulação de saberes e fazeres.

Com participação de diversas etnias, as atividades passam por questões como a conservação da biodiversidade e a luta por direitos.

1 a 31 de agosto

Em unidades do Sesc na capital, grande São Paulo, interior e litoral.

sescsp.org.br/agostoindigena

escrita GUARDIÃS DA

escrita

Em prosa e poesia, a crescente produção de autoras indígenas, como Eliane Potiguara, Trudruá Dorrico e Auritha Tabajara, alcança novos territórios literários

POR MATHEUS LOPES QUIRINO

Mauricio Negro / Originárias: Uma antologia feminina de literatura indígena / Companhia das Letrinhas

Aliteratura indígena vai além do cotidiano dos povos. Ela abrange uma diversidade de conhecimentos ancestrais, visões de mundo e narrativas que refletem sobre questões estéticas, políticas e sociais, ultrapassando qualquer tipo de senso comum a respeito dos povos originários. Diversas autoras indígenas, inspiradas pela múltipla rede de práticas e saberes, vêm assumindo espaço e compartilhando, em prosa e poesia, a riqueza cultural de cada etnia.

“Nas comunidades indígenas, as mulheres desempenham um papel fundamental como transmissoras de conhecimento e responsáveis pela educação. Elas são as guardiãs das tradições e da cultura, e repassam ensinamentos para as novas gerações”, conta a escritora Eliane Potiguara, uma das integrantes da geração que lutou para ocupar espaços culturais e literários tradicionalmente dominados por não indígenas.

Ainda é muito recente a presença dos povos originários no mercado editorial. Foi na década de 1980 que saiu pela primeira vez, no Brasil, um livro (nos moldes do mercado editorial) de autoria indígena: Antes o mundo não existia, dos escritores Umúsin Panlõn e Tolamãn Kenhíri, pertencentes ao povo Desana, do Alto Rio Negro (AM). No final da década de 1990, foi publicado Histórias de índio (Companhia das Letras, 1996), de Daniel Munduruku, que se tornaria um best-seller. De lá para cá, a literatura indígena vem se destacando com mais vozes, e alcançando novos públicos.

Mauricio Negro / Originárias: Uma antologia feminina de literatura indígena / Companhia das Letrinhas

“Essa mudança é, em parte, atribuída ao fortalecimento da Constituição Federal e à Lei 11.645 [de 2008], que estabeleceu a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena, africana e afro-brasileira nas licenciaturas das ciências humanas, marcando uma virada significativa na forma como o estado brasileiro se relaciona juridicamente com os povos indígenas.” A explicação é da pesquisadora e escritora Trudruá Dorrico que, ao lado de autoras como Eliane Potiguara, Auritha Tabajara, Chirley Pankará e Aline Pachamama, vem fazendo a escrita indígena ocupar territórios no horizonte literário contemporâneo.

“Hoje há uma procura maior das editoras por autoras indígenas. Chega um momento em que entendemos que a presença do corpo indígena em espaços editoriais comprometidos com os ideais e as lutas do movimento indígena é necessário”, destaca Dorrico.

ENSINAMENTOS ANCESTRAIS

Para entrar em contato com parentes na Paraíba por meio de cartas, a escritora e ativista indígena Eliane Potiguara, nascida no Rio de Janeiro (RJ), em 1950, aprendeu a ler e a escrever aos sete anos. A família havia saído do estado nordestino em meados do século passado devido a uma antiga perseguição que envolvia a exploração de mão de obra indígena. Inspirada pelas matriarcas do povo Potiguara, Eliane teve seu amor pelas narrativas despertado pela avó, Maria de Lourdes. Sem nunca ter recebido educação formal, dona Lourdes esbanjava sabedoria e tino para transmitir memórias e histórias – uma figura de grande influência para a neta e para a comunidade.

Uma voz da nova geração de autoras indígenas é Auritha Tabajara, que enfatiza a importância de manter

Primeira cordelista indígena do Brasil, Auritha Tabajara teve seu livro de estreia, Magistérios indígenas em verso e poesia (2004), adotado como material didático nas escolas indígenas do Ceará.
Mauricio Negro / Originárias: Uma antologia feminina de literatura indígena / Companhia das Letrinhas

NAS COMUNIDADES INDÍGENAS, AS MULHERES

DESEMPENHAM UM PAPEL FUNDAMENTAL

COMO TRANSMISSORAS DE CONHECIMENTO

E RESPONSÁVEIS PELA EDUCAÇÃO.

ELAS SÃO AS GUARDIÃS DAS TRADIÇÕES

E DA

CULTURA,

REPASSAM ENSINAMENTOS PARA AS NOVAS GERAÇÕES.

Eliane Potiguara, escritora

a oralidade viva por meio do cordel, carregando a força ancestral de sua avó, Dona Francisca, hoje com 95 anos. “É minha conselheira”, resume a autora, que publicou diversos livros, abrangendo diferentes gêneros, desde literatura de cordel até infantojuvenis e acadêmicos. Seu primeiro título, Magistérios indígenas em verso e poesia, publicado em 2004 pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará, tornou-se material didático utilizado pelas escolas indígenas na região.

Primeira cordelista indígena do Brasil, Auritha explica o título que ostenta com orgulho: “Eu ganhei por conta de Coração na aldeia, pés no mundo (Uk’a Editorial, 2018). O livro traz uma força de representatividade das duas cores do meu povo, o jenipapo e o urucum, o preto e o vermelho, a força de equilíbrio do universo em duas modalidades do cordel, que é a sextilha, septilha e décima. No Brasil, ainda não existia um livro nesta modalidade do cordel trazendo a representatividade indígena. Fui a primeira a publicar uma obra do gênero”, destaca a autora,

que lança, nos próximos meses, o livro Tuiupé e o Maracá mágico (Companhia das Letrinhas), escrito em parceria com Paola Torres e com ilustrações de Tai.

TRAVESSIAS LITERÁRIAS

Auritha Tabajara conta que enfrentou desafios no início da carreira, como a competição e a descrença por parte de alguns cordelistas. “Sobre o cordel ser conhecido pelos autores homens e mais velhos, eu percebi que havia, no começo da minha carreira, certo medo de alguns homens cordelistas. Hoje, eu acredito que sou uma palha do trançado da grande cestaria”, reflete a escritora. Em 2021, ela alcançou um marco importante: teve sua obra Coração na aldeia, pés no mundo incluída no acervo da biblioteca do Congresso de Washington D.C., nos Estados Unidos, após ser lida por uma bibliotecária da instituição. “Este livro foi um experimento que foi encontrando pessoas. Comecei a escrevê-lo quando eu tinha nove anos. Na época,

Trudruá Dorrico, escritora e pesquisadora

eu era a única aluna indígena na minha turma na escola regular. Sofria bullying quando o termo nem existia.”

Auritha fez parte da primeira turma de magistério indígena no Ceará, e hoje é professora na região metropolitana de São Paulo. Seu primeiro contato com a literatura indígena foi por meio de um livro de Eliane Potiguara, Metade cara, metade máscara (Global, 2004). “Uma referência na literatura”, enfatiza a autora, que conheceu Potiguara no Rio de Janeiro, no lançamento da obra, durante um encontro de autores indígenas.

Naquele ano, Metade cara, metade máscara teve uma recepção calorosa não só dentro do movimento indígena, como na imprensa. Ao evocar memórias pessoais, os escritos de resistência política e poesia colocaram o nome de Eliane ao lado dos cânones da literatura escrita por povos originários. “Sempre fui uma pessoa panfletária. Fiz parte da poesia marginal, mas não tive visibilidade”, relembra a autora, formada em letras e educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e especialista em educação ambiental pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Em 2021, Eliane Potiguara recebeu o título de doutora honoris causa pela UFRJ, o primeiro concedido a uma indígena.

DE MÃOS DADAS

Ao frequentar o círculo da geração mimeógrafo [grupo de artistas brasileiros inseridos no contexto da poesia marginal], onde conheceu os poetas Antonio Carlos de Brito (1944-1987), o Cacaso, e Chacal, Eliane Potiguara divulgava suas próprias poesias utilizando cartazes e lambes espalhados pela cidade. Com essa experiência, a escritora aprendeu, desde a juventude, a importância de caminhar, no percurso da literatura, junto a autores e apoiadores de suas lutas. Ao redor de si, formou uma rede de afeto que batalha pela educação.

O Grupo Mulher-Educação Indígena (Grumin) é o projeto de vida da escritora Eliane Potiguara. As atividades começaram em 1982, com o objetivo de defender a integridade física e psicológica de mulheres indígenas. A organização também se dedica à criação de materiais educativos e de conscientização. Ao longo de quatro décadas, Potiguara publicou um jornal pelo Grumin e, hoje, mantém uma editora vinculada à rede, pela qual publica seus livros.

Formada em letras e educação, e especialista em educação ambiental, a escritora Eliane Potiguara recebeu, em 2021, o título de doutora honoris causa pela UFRJ, o primeiro concedido a uma indígena.

Se no começo da carreira, ela espalhava sua literatura pelas ruas da cidade, conforme a sociedade se digitalizou, a autora incorporou as novas tecnologias e promoveu grupos para a divulgação de literatura indígena em comunidades nas redes sociais. “Comecei no Orkut, depois, seguimos no Facebook, agrupando leitores de todos os cantos do Brasil”. A troca entre gerações pela internet é bem-vinda e se tornou um método cotidiano na vida da autora, hoje com 75 anos. É pelas redes sociais que acompanha o trabalho de jovens escritoras, como Trudruá Dorrico, a pesquisadora de literatura indígena organizou a antologia Originárias, no ano passado, que apresenta ao público a obra de 12 autoras.

Trudruá também ressalta a diversidade de temas na literatura indígena, que abrange desde narrativas espirituais até políticas, com uma

intersecção constante desses temas. Ela observa que, historicamente, o estado brasileiro tratava os povos indígenas como sujeitos a serem integrados, o que implicava no abandono dos direitos das comunidades e na adoção de uma cidadania brasileira pautada pelos costumes ocidentais não indígenas – o que contribuiu para a tentativa de apagamento de saberes e fazeres dos povos originários.

Principalmente depois da implementação da Lei nº 11.645, de 2008, que tornou obrigatório o estudo da história e da cultura indígena, diferentes povos originários conquistaram espaços na educação para afirmarem suas identidades e seus direitos. No campo da literatura, reverberaram resultados dessa legislação, o que vem contribuindo para uma representação mais autêntica e diversa dos povos indígenas.

Eduardo Fujise e Gideoni
Junior / Itaú Cultural

Escritora e pesquisadora de literatura indígena, Trudruá Dorrico organizou, em 2023, a antologia Originárias, que apresenta ao público a obra de 12 autoras indígenas.

TERRITÓRIO LIVRO

Mesmo assim, ainda há um abismo que engole boa parte de livros de autores indígenas que não conseguem ser lançados por falta de apoio, patrocínio e fomento. Para a escritora e pintora Aline Pachamama, a solução foi criar a própria casa editorial. Fundada há nove anos, a editora Pachamama nasceu pelas mãos de mulheres indígenas. “A ideia era publicar livros bilíngues, para que as pessoas pudessem entender a dinâmica das línguas indígenas”, conta Aline. O primeiro título, Guerreiras: mulheres indígenas na cidade, mulheres indígenas da aldeia, foi concebido por meio de um edital.

Em quase uma década, Aline publicou mais de 40 títulos e recebeu prêmios, como o Rio de Leitores, por sua obra A poesia é a alma de quem escreve (2023). “O livro, para mim, é vivo. Cada livro que publico é um projeto, um território, uma floresta”, conta a editora.

Em um acervo que reúne livros de pano, e-books gratuitos e edições convencionais de brochura, a editora Pachamama reúne títulos que questionam as noções de território e exploram as possibilidades do texto por meio de obras pautadas nas pesquisas e poéticas de autoras de diferentes povos. “A história oral é o lugar da vivência, que fala da terra, do rio, do processo de formação das montanhas”, define Aline, graduada em história. “Falar de linguagem é falar do território, da ancestralidade. Eu sempre quis falar da história de meu povo, o povo Puri.”

Assim como Aline Pachamama, a ativista e escritora pernambucana Chirley Maria Pankará também conhece a realidade que enfrentam os autores independentes. Pankará, autora da obra infantojuvenil Nãna e os potes de barro (2019), afirma que “há uma ciência e toda uma atenção na arte de [fazer os moldes em] barro, que requer muita conversa”. O livro versa sobre a arte da cerâmica, ofício que sustentou sua família em Floresta (PE).

A autora precisou adaptar a história de Nãna para a prosa mirando a antologia Originárias, organizada por Trudruá Dorrico. “Realizar este livro foi um processo de cuidados, trocas e aprendizados”, ressalta a editora do livro, Gabi Tonelli, do selo Companhia das Letrinhas. Pankará, que foi a primeira deputada indígena a integrar um mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, pela Bancada Ativista (PSOL), viu sua obra chegar a públicos diversos.

“Minha história de luta, na vida, é que o homem e a mulher caminhem juntos. Meu objetivo é furar as bolhas para afirmar a influência das mulheres. Esse lançar para o mundo [por meio da literatura] é mostrar que nós, mulheres indígenas, somos capazes. Porque tem vários momentos em que somos escritoras: desde a marcação em árvores até a publicação de livros. A gente nasce escritora para marcar os momentos”, reflete Pankará.

Arquivo
Pessoal

para ver no sesc / literatura

CIRCULAR SABERES E PRÁTICAS

Agosto Indígena reúne mais de 250 ações, como cursos, vivências e apresentações, que aproximam o público dos múltiplos modos de educação de diferentes etnias

Dar visibilidade à crescente presença indígena em diversos espaços da sociedade, como escolas, universidades, centros culturais e redes sociais. Esse é um dos objetivos do projeto Agosto Indígena, realizado pelo Sesc São Paulo, com cerca de 250 ações, como apresentações, exibições, bate-papos, cursos, oficinas e vivências.

A partir do tema "Educação", a programação acontece em 40 unidades do Sesc em todo o estado de São Paulo, convidando diversos representantes dos povos originários, como Priscila Poty, Karai Tiago, Uýra Sodoma, Brisa Flow, Moara Tupinambá, João Paulo Tukano, Auritha Tabajara e Souto MC, entre outros. A intenção é aproximar o público dos múltiplos modos indígenas de educação, e refletir sobre a relevância do protagonismo indígena e seu impacto positivo em âmbitos educativos, políticos e sociais.

Tatiana Amaral, técnica da Gerência de Estudos e Programas Sociais do Sesc São Paulo, destaca que a compreensão de educação que inspira o projeto está vinculada às perspectivas indígenas, abrangendo variadas formas de circulação de saberes e práticas, tanto nas aldeias quanto em espaços de educação formal e não formal, incluindo as unidades do Sesc São

Paulo. “Cultura e educação operam como noções indissociáveis”, afirma Tatiana, ressaltando a ideia de configurações plurais e particulares desses conceitos.

Ela reforça ainda que, ao focar na educação, esta edição do Agosto Indígena busca provocar reflexões sobre a natureza coletiva dos processos de aprendizagem. “Só é possível viver bem quando se sabe conviver com a alteridade”, conclui Tatiana.

Conheça destaques da programação:

CONSOLAÇÃO

Abre caminho

ENCONTRO A abertura do Agosto Indígena reúne Sandra Nanayna, Edson Kayapó, Gustavo Caboco, Samantha Terena, Juliana Xucuru e Gean Ramos Pankararu, que compartilham diferentes modos de cuidar e compartilhar conhecimentos entre os povos originários. Concepção: Naine Terena. Direção artística: Otávio Oscar. Dia 1º/8. Quinta, das 20h às 21h30. GRÁTIS

CATANDUVA

Somos aquelas por quem estávamos esperando

EXPOSIÇÃO Obras de arte de oito mulheres indígenas apresentam a força que emerge de suas ancestralidades.

São elas: Arissana Pataxó, Povo Kaingang, Évelin Hekeré Terena, Yucunã Tuxá, Kaya Agari, Mulheres Kadiwéu, Clara Idioriê e Miguela Guarani. Curadoria de Naine Terena. De 8/8 a 9/2/25. Terça a sexta, das 13h30 às 21h30. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h. GRÁTIS

CASA VERDE E AV. PAULISTA

Etno-oficina de cordel: o fazer literário indígena de Auritha Tabajara

CURSO Imersão na cosmologia da primeira cordelista indígena do país. Filha do povo Tabajara, do Ceará, Auritha compartilha sua história e fala sobre a importância do cordel em sua trajetória, propondo um exercício de criação poética. Avenida Paulista. De 13 a 21/8. Terças e quartas, das 19h30 às 21h30.

Casa Verde. De 15 a 22/8. Quintas, das 14h30 às 17h30. GRÁTIS

Programação completa: sescsp.org.br/agostoindigena

Compositora e violeira, Helena Meirelles foi incluída, em 2012, na lista dos 30 maiores ícones brasileiros da guitarra e do violão, na categoria "Raízes Brasileiras", da revista

Rolling Stone Brasil

diamante PANTANEIRO

Os acordes libertários da vida da compositora e violeira Helena Meirelles, que completaria 100 anos neste mês

Foi na fazenda Jararaca, na antiga Estrada Boiadeira, embarcadouro de gado localizado na margem direita do rio Paraná, leste de Mato Grosso do Sul, que desabrochou artisticamente a violeira, cantora e compositora Helena Meirelles (1924-2005). Nascida numa época em que eram raras as mulheres que tocavam qualquer que fosse o instrumento, ela desafiou tal impedimento ainda criança, quando aprendeu a dedilhar suas primeiras “modas” com um tio, em festas familiares. Anos mais tarde, uma nova afronta: para seguir tocando, já adolescente, Helena fugiu de casa, em mais um dos episódios que marcaram uma vida cheia de escolhas que conduziram seus futuros passos e que tornaram, ela e sua viola, inseparáveis.

“Desde pequenininha, já nasci com aquilo. Eu via tocarem violão e ficava doidinha, queria tocar. Ficava olhando

os paraguaios, na afinação, no solo, e fui gravando. Minha cabeça era um gravador (...) eu já queria ser eu como eu sou até hoje. Só Deus e mais ninguém para me escorar. Ninguém manda em mim. Eu sou a dona do meu nariz e da minha direção”, afirmou a artista no documentário Dona Helena (2006), de Dainara Toffoli.

O espírito rebelde só não foi maior que o extraordinário dom para os acordes, refletido na técnica desenvolvida de forma autodidata e internacionalmente reconhecida. “A eficiência instrumental de Helena resultava de uma vida dedicada a tocar, com exceção de períodos em que trabalhou na roça, foi lavadeira, empregada doméstica, e quando viveu em fazendas no Mato Grosso do Sul. E isso aliado ao seu talento natural”, analisa o músico e jornalista Mário de Araújo. Sobrinho da artista, ele conta que Helena tocava bem com qualquer violão ou viola à mão.

REVESES E VITÓRIAS

“Por mais pau-velho que fosse [o instrumento], desde que tivesse cordas, mas conseguia dedilhar com cordas quebradas também. Ela tinha um ouvido musical extremamente sensível. Não era uma compositora prolífica, mas tocava um grande número de músicas do cancioneiro regional entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai, as quais conhecia desde a infância”, comenta Mário de Araújo. Ao lado da tia, ele atuou como violonista, produtor artístico e discográfico, empresário, fotógrafo e assessor de imprensa.

Coube a ele incentivá-la a resgatar seu repertório após as três décadas em que Helena esteve distante da carreira artística e da família, sobrevivendo com dificuldade [leia mais em A dama da viola].

Tal resgate levou a violeira à fama, de forma mais notória, a partir de 1993, depois de Mário enviar para a revista estadunidense Guitar Player um material que reunia gravações caseiras da violeira, junto a um texto, no qual apresentava Helena para o renomado crítico e editor Jas Obrecht. Na edição seguinte, a publicação destacou a artista, junto a outros instrumentistas, como um dos talentos recém-descobertos pela revista. Na Guitar Player circularia, ainda, um pôster com as palhetas dos 101 melhores artistas nas cordas – e lá estava a palheta de chifre de boi da pantaneira.

O reconhecimento da trajetória de Helena Meirelles, cabocla e analfabeta, serviu como um incentivo para que seu país passasse, também, a enaltecê-la. O renascimento social da instrumentista, no entanto, aconteceu anos antes, em meados da década de 1980, sem alarde, mas repleto de força e sentimento, como um roteiro de filme.

BAILES DA VIDA

“Recordo-me da última vez em que tinha visto Helena, eu deveria ter cinco anos. Foi em 1956, em Alvares Machado, na região de Presidente Prudente (SP), quando morávamos com minha avó, Ramona, e meu avô, Ovídio. Ela chegou para visitar meus avós, mas ficou na rua, acompanhada de um grupo de mulheres, aparentemente suas colegas de algum bordel da região. Helena era persona non grata para os pais desde que havia decidido frequentar e viver em casas de meretrício”, relembra Mário de Araújo. Pouco depois, já afastada dos familiares, e sem dar notícias, a tia foi considerada morta. No entanto, a esperança de revê-la jamais abandonou os parentes.

Até que, em 1986, Helena foi avistada pela irmã, Natália, vivendo na rua. Segundo o sobrinho da violeira, o reencontro foi emocionante. “Depois de Helena me dizer que ainda tocava um pouquinho, eu e meu irmão Milton [o músico Milton de Araújo, que também acompanhava a artista nos palcos] lhe demos uma viola que tínhamos em casa e pedimos que tocasse algo. Creio que ela tocou ‘Chuita’, a primeira música que ela tocara em público, na Fazenda Jararaca, em 1932, aos oito anos de idade, acompanhada pelo tio Leôncio Meirelles. Minha reação foi de querer chorar, diante da sensibilidade e destreza que vi naquele momento”, compartilha o sobrinho.

NARRATIVAS DA MEMÓRIA

Para Mário, a sensação era idêntica a de muitos boiadeiros, rudes e rústicos, que “ou choravam de tristeza ou davam tiros de alegria”, quando Helena animava a farra nos bordeis do interior sul-matogrossense ao ritmo de polcas,

Renato Yakabe
Depois de um longo período de muitas dificuldades, o reconhecimento da instrumentista aconteceu em meados dos anos 1980.

chamamés e fandangos. O retorno da instrumentista aos palcos, no entanto, teve alguns empecilhos, sendo o etarismo um deles – Helena Meirelles contava com quase 70 anos à época. Trazia as marcas de uma mulher que dera à luz onze crianças, mas só pôde criar duas, enquanto as outras foram deixadas com diversas famílias, pois não poderiam acompanhá-la em muitas das curvas de seu caminho. Como parteira, Helena também trouxe à vida outros tantos. Era franzina, de poucos sorrisos e tinha o semblante sério, sempre portando o genuíno chapéu pantaneiro.

“Achavam que ela era talentosa, mas que não tinha o perfil desejado pela mídia”, comenta Mário de Araújo. Entretanto, a artista foi apresentada como contraponto ao sertanejo moderno que dominava as rádios do país e uma autêntica representante da música caipira de raiz. Logo, tornou-se um rosto conhecido pela imprensa cultural antes mesmo de gravar seu primeiro disco de estúdio, Helena Meirelles – A grande dama da viola, de 1994. No repertório, composições como “Fiquei sozinha” e “Quatro horas da madrugada”,

entre outras canções de domínio público, como “Araponga” e “Chalana”, clássicos do cancioneiro popular.

Em 1996, a artista lançou o álbum Flor da Guavira, com músicas instrumentais de sua autoria. No ano seguinte, mais uma produção: Raiz pantaneira, com outras composições suas. Nos palcos, o sobrinho atuava sempre à esquerda da artista, acompanhando o rasqueado [ritmo sul-matogrossense] executado por Helena, e também operando como “âncora” do espetáculo, contando histórias, uma vez que Helena preferia a música às palavras.

Tais relatos, contados nos espetáculos e entrevistas, narravam experiências que, ainda assim, não dão conta da imensa força artística e personalidade peculiar de que a artista dispunha. Como o fato de ter parido sozinha, todos os filhos. Um deles, Sebastião, nasceu em um pasto, em meio ao gado. “Outro nasceu num baile onde ela se apresentava. Helena dizia que fez uma pausa, pariu, e voltou a tocar, e costumava dar de mamar ao bebê colocando-o entre ela e o violão”.

Nesse registro de 1992, a violeira está acompanhada (da direita para a esquerda) dos músicos: Milton Araújo, Mário de Araújo e Cidinho Araújo.

para ver no sesc / bio

A DAMA DA VIOLA

Para celebrar a obra de uma das maiores violeiras do país, Sesc 24 de Maio realiza o projeto Viva Viola! Centenário Helena Meirelles

No mês que marca os 100 anos de nascimento da violeira, cantora e compositora pantaneira Helena Meirelles, o Sesc 24 de Maio celebra o legado da “dama da viola caipira” com o projeto Viva Viola! Centenário Helena Meirelles, com uma programação que inclui apresentações musicais, oficinas, saraus, exibições de filmes e bate-papos. No dia 13/8, aniversário de Helena, o trio de violeiras Mirian Cris, Letícia Leal e Adriana Farias conversam sobre o

legado da artista centenária, além de refletirem sobre a presença de mulheres na cena musical atual. Na mesma noite, roda de viola com o músico Milton de Araújo, sobrinho de Helena, e as violeiras Fabiola Beni, Flor Morena e Karoline Violeira.

Duas oficinas também compõem a programação que se estende até dia 1º/9: uma de lutheria ecológica, com Eddie Luthier e assistência de Lucia Maria Ferreira Rosa Eid, e outra de ritmos fronteiriços

executados no sertanejo raiz –como guarânia, chamamé, polca paraguaia e chamarrita –, conduzida por Vitória da Viola. Para encerrar o projeto, a cantora Tetê Espíndola se apresenta, dias 31/8 e 1º/9, com um repertório inspirado pela obra de Helena Meirelles.

O SescTV também homenageia o centenário da artista com o documentário Mulheres violeiras, episódio da série “Coleções” que celebra a paixão que leva mulheres a enfrentar os preconceitos para se dedicar às tradições da viola caipira. Com direção de Belisário Franca, o filme é exibido dias 5, 10 e 23/8, e conta com depoimentos da Orquestra Viola de Saia, além das artistas Inezita Barroso, Helena Meirelles e Mirian Cris.

24 DE MAIO

Viva Viola! Centenário Helena Meirelles

De 10/8 a 1º/9.

Vários dias e horários. sescsp.org.br/24demaio

SESCTV

Coleções: Viola no Brasil – Mulheres violeiras

Direção de Belisário Franca Exibições nos dias 5/8, segunda, às 15h; 10/8, sábado, às 17h30; e 23/8, sexta, às 10h30. Também disponível sob demanda em sesctv.org.br

Neste mês, o Sesc 24 de Maio dedica a programação Viva Viola! a atividades que celebram o centenário de Helena Meirelles.

AS PIONEIRAS

Reconhecimento da atuação das mulheres tem ajudado a reescrever a história das ciências e das artes no Brasil e no mundo

O patriarcado é um saco (2023), de Camila Soato. Óleo e barro sobre tela.
Camila
Soato

Oque descobertas científicas como o wi-fi, o GPS, a estrutura do DNA, a matéria escura, a fissão nuclear, a trajetória do homem à Lua, o vírus HIV e os cromossomos X e Y têm em comum? Todas elas foram feitas por (ou com a colaboração de) mulheres como, respectivamente, Hedy Lamarr (1914-2000), Gladys Mae West, Rosalind Franklin (1920-1958), Vera Cooper Rubin (1928-2016), Lise Meitner (1878-1968), Katherine Johnson (1918-2020), Françoise Barré-Sinoussi e Nettie Stevens (1861-1912), entre outras cientistas pioneiras. No entanto, em meio a uma sociedade patriarcal, na qual o machismo e a misoginia ainda se fazem presentes, muitas delas foram invisibilizadas, marginalizadas ou tiveram seus legados apagados de registros oficiais e da memória coletiva.

Segundo a PhD em história e filosofia da ciência Magali Romero Sá, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e vice-diretora de pesquisa e educação da Casa de Oswaldo Cruz, diversas mulheres tiveram, ao longo da história, papel fundamental em avanços científicos, tecnológicos e culturais. Porém, seus nomes foram esquecidos, ou suas contribuições relegadas a segundo plano. “Nos últimos séculos, a relevante atuação das mulheres foi considerada apenas um ‘suporte’ de seus pais, maridos ou colegas de trabalho. Eram figuras à frente de estudos que, na hora de assiná-los ou apresentá-los publicamente, ficavam nos bastidores, muitas vezes não entrando nem nos agradecimentos. Outras tinham que se posicionar ou se vestir como homens para realizar viagens de circum-navegação ou assistir a aulas de medicina”, explica Sá, que prestou consultoria para a exposição Nós – Arte e Ciência por Mulheres [leia mais em Tramas pela equidade], em cartaz no Sesc Interlagos a partir de 22 de agosto.

A pesquisadora da Fiocruz destaca que, felizmente, a história da ciência e das artes está sendo reconstruída e reescrita a todo momento. Ela cita a cientista polonesa naturalizada francesa Marie Curie (1867-1934), que se tornou a primeira pessoa do mundo a ganhar dois prêmios Nobel em áreas diferentes (física e química). Até hoje, Curie ainda é a única mulher a ter conquistado esse feito. “Devemos lembrar também que o primeiro sequenciamento genético do vírus da Covid-19 no Brasil, feito em

tempo recorde, foi liderado pela biomédica e doutora em patologia humana Jaqueline Goes de Jesus. Já conseguimos muitos avanços, mas ainda temos muito o que lutar em termos de cargos, salários, espaço, respeito, oportunidades e reconhecimento, para que a mulher exerça seu papel pleno na sociedade e haja participação feminina em todas as áreas do conhecimento”, aponta Magali Romero Sá.

Segundo a produtora cultural e curadora Isabel Seixas, sócia-fundadora do Estúdio M’Baraká, coletivo carioca responsável pela concepção da exposição Nós, a revolução feminista tem sido uma das mais longas, pois o movimento começou na década de 1960 e ainda está longe de alcançar a equidade entre gêneros. “Como canta Rita Lee (1947-2023) em 'Pagu', mexemos e remexemos na inquisição. Ainda que algumas mulheres possam gozar de liberdade, autonomia e empoderamento, de modo geral, ainda estamos muito atrasadas e submissas aos privilégios e às engrenagens patriarcais. Há uma dívida histórica imensa e uma necessidade de reparação de injustiças, sobretudo quando pensamos nas interseccionalidades de raças e classes sociais”, aponta Seixas.

A linguista Letícia Stallone, também do Estúdio M’Baraká, acrescenta que, antes de tudo, o conceito de ciência como algo ocidental, hegemônico, androcêntrico e excludente precisa ser questionado. “A ciência moderna impôs uma visão de mundo única, ignorando culturas, línguas, civilizações, cosmovisões, filosofias e saberes tradicionais. Isso resultou na invisibilidade de várias formas de existir e de compreender a realidade”, destaca. Além disso, como dizia a filósofa e ativista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. “Isso significa que avanços conquistados por nossas ancestrais estão, constantemente, ameaçados por retrocessos e desafios. Portanto, ao valorizarmos a representatividade e os feitos de mulheres nas ciências e nas artes, prestamos homenagem a seus legados e inspiramos as atuais e futuras gerações a buscar equidade no reconhecimento do trabalho feminino e a lutar por um mundo mais justo e inclusivo”, ressalta Stallone.

Dona Josefa (2006), de Arissana Pataxó. Carvão sobre papel - releitura da fotografia de Marcelo Buainaim.
Série Espécies híbridas (2012), de Laura Gorski. Serigrafia.
Aechmea ornata (sem data), de Margaret Mee.
Thatiana Cardoso

Pequenas tarefas diárias (2020), de Thatiana Cardoso. Impressão sobre papel algodão.

gráfica

Bióloga, educadora, diplomata e líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras, Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976) se empenhou pela aprovação da legislação que outorgou o direito às mulheres de votar e de serem votadas: na foto, Lutz está em Natal (RN), uma das cidades onde fez campanha pelo voto feminino, em 1928.

A socióloga e psicanalista Virgínia Leone Bicudo (1910-2003), uma pioneira nos estudos sobre o racismo na sociedade brasileira.

Arquivo
Nacional (Bertha Maria Júlia Lutz); CEDOC / FESPSP (Virgínia Leone Bicudo)

Nesta foto de 1921, Irène Joliot-Curie (1897-1956) e sua mãe Marie Curie (1867-1934) trabalham no Instituto de Rádio de Paris, centro de pesquisas pioneiro em física e química.

Acervo
Vicente Melo
Comandanta Ramona tecedora de sonhos (2020), de Marcela Cantuária. Óleo e acrílica sobre madeira.

TRAMAS PELA EQUIDADE

A partir de 22/8, Sesc Interlagos recebe exposição

Nós – Arte e Ciência por Mulheres, destacando o legado de cientistas e artistas de diversas épocas e origens

Instalada em um espaço de 500 metros quadrados, a exposição

Nós – Arte e Ciência por Mulheres entra em cartaz no Sesc Interlagos, zona Sul da capital paulista, a partir de 22/8, evidenciando a vida e a obra de 55 cientistas e 23 artistas de diferentes períodos e lugares do mundo. A mostra, que iniciou sua itinerância pelo Paço das Artes, em 2023, apresenta cerca de 300 obras, entre pinturas, esculturas, fotografias, serigrafias, videoinstalações e reproduções de gravuras. A narrativa expográfica atravessa distintos períodos históricos, mostrando a trajetória de mulheres da Suméria e da Mesopotâmia até personalidades contemporâneas.

Entre as cientistas brasileiras, destacam-se Mestra Japira, Sueli Carneiro, Niède Guidon, Mayana Zatz, Beatriz Nascimento (1942-1995) e Nise da Silveira (1905-1999). Já nas artes, aparecem representantes de todas as regiões do país, como Arissana Pataxó, Antonia Dias Leite, Laura Gorski e Efe Godoy.

Sob curadoria do Estúdio M’Baraká, a exposição reúne obras dos acervos do Museu dos Povos Indígenas, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), Instituto Butantan e do Museu de Ciências da Terra, do Rio de Janeiro. Segundo

a cocuradora Letícia Stallone, muitas das mulheres presentes em Nós foram pioneiras em suas áreas, desenvolvendo inovações que impactam a sociedade até hoje. “Porém, várias dessas mulheres foram negligenciadas pela história oficial, que priorizou e validou o conhecimento produzido para e por homens”, ressalta.

De acordo com a cocuradora Isabel Seixas, o título Nós refere-se ao entrelaçamento de diferentes formas de opressão que se relacionam de forma interseccional. “Enquanto pronome pessoal, ‘nós’ acolhe as mulheres como protagonistas. É também um convite à coletividade, para incluir todos os envolvidos, sejam mulheres ou não, em um senso colaborativo. Queremos, ainda, fazer um chamamento à criação de laços e à participação ativa e contínua, entendendo que nossas escolhas podem desatar nós”, explica. Segundo Seixas, a exposição faz um resgate desde os tempos antigos e medievais, enaltecendo figuras como parteiras, curandeiras e benzedeiras, muitas vezes consideradas criminosas e bruxas – milhares delas, inclusive, condenadas à fogueira.

Sobre a intersecção da arte com a ciência, a cocuradora Isabel Seixas acredita que essa é uma

para ver no sesc / gráfica

Híbridas hídricas (2021), de Efe Godoy. Aquarela sobre papel montval.

forma interessante de apresentar o mundo, produzir conhecimento e compartilhar significados. Algo com o qual a pesquisadora Magali Romero Sá, da Fiocruz, concorda: “ciência e arte andam juntas. Representações artísticas são fundamentais para dar visibilidade ao que se faz na ciência, para materializar conceitos e interagir com o público”.

INTERLAGOS

Nós – Arte e Ciência por Mulheres Concepção e curadoria do Estúdio M’Baraká De 22 de agosto a 30 de março de 2025. Quarta a domingo e feriados, das 10h às 16h30. GRÁTIS. sescsp.org.br/interlagos

POTÊNCIA paralímpica

A velocista Jerusa Geber dos Santos e seu guia Gabriel Garcia nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020: medalhista em três Paralimpíadas chega a Paris 2024 como a atleta cega mais rápida do mundo.
Iniciativas públicas, legislação e redes de apoio alavancam a carreira de milhares de jovens atletas brasileiros em busca do pódio

Amaior delegação brasileira convocada para as Paralimpíadas, sem contar a edição Rio-2016, chega neste mês à Cidade Luz. Ao todo, 251 atletas brasileiros preparam-se para entrar em campo, no tatame, nas quadras, nas pistas e em outros espaços esportivos, disputando um lugar no pódio dos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, que acontecem entre 28 de agosto e 8 de setembro.

As convocações incluem o velocista Petrúcio Ferreira, que busca o seu tricampeonato paralímpico; Jerusa Geber dos Santos, medalhista em três Jogos (Pequim 2008, Londres 2012 e Tóquio 2020) que chega a esta edição como a atleta cega mais rápida do mundo; e Alana Maldonado, primeira mulher medalhista de ouro do Brasil no judô, terceira modalidade que mais trouxe medalhas para o país na história paralímpica. Por trás da trajetória de cada atleta, desafios – como a falta de patrocínio e o capacitismo –, mas também a força de suporte e incentivos em diferentes esferas da sociedade.

Antes de chegar à arena olímpica, no entanto, a trajetória de cada atleta começa em um espaço mais afetivo, onde o contato com os esportes se dá na infância, muitas vezes, na rua, brincando. “Eu sempre gostei de tudo que

era atividade física: jogava bolinha de gude, rodava pião, jogava bola, soltava pipa, já lutei taekwondo e andei de skate. A minha aptidão para o atletismo, possivelmente, se deu em função da minha vivência, por meio dessas brincadeiras de criança. Nunca enxerguei a deficiência como algo que me impedisse de fazer atividades. Para mim, o esporte veio para somar”, recorda o medalhista paralímpico de atletismo Yohansson Nascimento, vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Naquela época, ele não imaginava que poderia se tornar um atleta. Não por desconhecer outros meninos que, assim como ele, gostavam de correr, mas porque desconsiderava a possibilidade de dedicar-se a uma rotina de treinos e competições que o levaria a 15 anos de carreira no atletismo.

REDE DE APOIO

No caso da judoca paulista Alana Maldonado, foi a avó sua grande incentivadora – e aquela que sempre a acompanha, mesmo que de longe, em todas as competições. Nascida na cidade de Tupã, no noroeste do estado, Alana passava o dia com a avó Marlene, que trabalhava na secretaria de uma academia de judô. “Ela entrava às duas horas da tarde e saía às

dez horas da noite. Eu ficava o dia inteiro com minha avó, correndo no tatame e atrapalhando os treinos, porque só podia entrar na academia a partir dos seis anos. De tanto atrapalhar a turma, o professor me deixou praticar. Eu tinha quatro anos”, conta a judoca.

Nas primeiras competições, mesmo quando a jovem chorava bastante, Marlene incentivava a neta a persistir. O sonho de ser judoca era algo latente, mas houve um tempo em que Alana deixou o tatame para se dedicar ao futsal. Até que, aos 14 anos, foi diagnosticada com a doença de Stargardt, que provoca a perda da visão, e decidiu seguir no judô, esporte em que se sentia segura e confiante. A carreira na modalidade paralímpica veio depois. Na faculdade de educação física, professores viram as dificuldades que a jovem enfrentava para treinar, e a apresentaram a uma associação de esportes inclusivos.

“Passados alguns meses, me ligaram da associação e falaram que ia ter uma competição em Campo Grande (MT). Lá, eu fui campeã em 2014. Um mês depois – lembro como se fosse hoje –, quando eu ia entrar no ônibus para ir ao treino, meu celular tocou e eu li um e-mail de convocação para a seleção brasileira. Foi uma surpresa. Vim para São Paulo em

2015, convocada para os jogos mundiais na Coreia do Sul – a garotinha que nunca tinha andado de avião estava embarcando para fora e participando dos jogos”, lembra a judoca.

INCENTIVO AO ESPORTE

Uma das poucas iniciativas públicas voltadas à inclusão da pessoa com deficiência na sociedade por meio do esporte, e à visibilidade ao esporte paralímpico, é o Centro Paralímpico Brasileiro (CPB), fundado em 1995. A instituição teve um papel central na promulgação da Lei n° 10.264, em 2001, conhecida como Lei Agnelo/Piva, fundamental para o desenvolvimento do esporte adaptado no Brasil. Ao estabelecer o repasse de parte da arrecadação das loterias federais para os comitês olímpico e paralímpico, a lei permitiu ações permanentes da CPB em todo o país, e ampliou o incentivo à trajetória de atletas.

Na sede do CPB, onde está o Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, localizada na Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo (SP), também se encontra a Escola Paralímpica de Esportes, com atividades gratuitas, voltada para a iniciação de crianças com deficiência física, visual e intelectual, na faixa etária de 7 a 17 anos, em 14 modalidades. Além da escola, outros programas realizados pelo CPB fomentam o primeiro contato e uma relação contínua com o esporte. É o caso do Meetings, série de competições que acontecem em todos os estados, com modalidades como vôlei sentado, basquete em cadeira de rodas e futebol de cegos. Quem compete e quem assiste amplia seu

Atual vice-presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro

o medalhista Yohansson Nascimento está ao lado de Petrúcio Ferreira (à esquerda) e Washington Jr., no Campeonato Mundial de Atletismo em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2019.

repertório de modalidades, e pode vislumbrar uma possível carreira como atleta de alto rendimento.

“Me lembro do depoimento de uma mãe com o filho em uma cadeira de rodas, que não devia ter mais de 10 anos. Ela estava emocionada porque nunca ninguém tinha dado aquela oportunidade para seu filho. Eu sou uma pessoa com deficiência e sei que a população brasileira ainda enxerga, primeiro, a deficiência e, depois – se enxergar –, a potencialidade daquele indivíduo. Eu olhei nos olhos daquela mãe e falei: ‘O seu filho é um campeão. Nunca deixe ninguém falar o contrário. Ele está voltando para casa com uma medalha de ouro no peito’. Para mim, isso é gratificante: ver quantas pessoas mudam a vida por meio de uma competição”, ressalta o vice-presidente do CPB.

ATRAVESSAR DESAFIOS

É a soma de redes de apoio e iniciativas de incentivo que movimenta a formação de futuros atletas, mas alguns desafios ainda se impõem como fortes adversários: o capacitismo, a falta de patrocinadores e a pressão, que muitas vezes resulta em quadros de ansiedade e depressão. “É difícil uma grande empresa patrocinar um atleta que acabou de iniciar a sua jornada esportiva. Eu tive que mostrar, primeiro, meu potencial e me destacar cada vez mais no cenário nacional e internacional. Quando eu não tinha material para treinar, tive que fazer uma rifa de um ventilador para comprar uma sapatilha de atletismo. A cidade de Maceió (AL) também não tinha uma pista de atletismo oficial, de borracha, e eu treinava numa pista de barro”, recorda Yohansson Nascimento.

(CPB),
Daniel Zappe / Exemplus / CPB

Medalhista paralímpica e recordista sul-americana, Verônica Hipólito, que aos 14 anos sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) responsável por paralisar todo o lado direito do corpo, reforça a necessidade de a sociedade enxergar a deficiência apenas como uma parte da pessoa, e não como o todo. “Eu tenho uma paralisia, a Rosinha Santos [medalhista paralímpica no arremesso de peso e lançamento de disco], por exemplo, tem uma amputação da perna esquerda. Somos assim, da mesma forma que outras pessoas têm cabelos cacheados, são ruivas, altas ou baixas, gordas ou magras, usam óculos. Não ter uma perna ou um braço, ou ter alguma paralisia no corpo, é apenas uma característica. Tenho certeza de que existem muitas pessoas

com deficiência no Brasil que poderiam bater nossos melhores competidores. Só que não as encontramos, porque a maioria é marginalizada, esquecida”, disse Verônica, em entrevista à Revista E, na edição de novembro de 2023.

Para a judoca Alana Maldonado, também é preciso que se desfaça a crença de que o atleta é um corpo-máquina de alta performance. “Acho que no esporte é mais complicado falar sobre saúde mental, porque há julgamentos, como se o atleta fosse uma máquina para os técnicos, para as comissões, instituições etc. Eu costumo falar que a gente consegue se recuperar das lesões, mas do esgotamento mental é bem complicado. Faço um acompanhamento com a minha psicóloga, que está comigo

desde quando eu entrei no judô de alto rendimento, e também gosto de passear com a minha esposa, vou a parques para ficar perto da natureza. Hoje eu dou importância para tudo isso”, conta a judoca.

Prestes a embarcar para os Jogos

Paralímpicos de Paris 2024, Alana deixa um conselho para meninos e meninas que aspiram um lugar no pódio: “Eu sempre falo: a caminhada não é fácil. Mas, se você tem muita determinação, não desanime mesmo quando ouvir algumas coisas que acabam te fazendo desanimar. Você precisa olhar para dentro e ver o que você tem, como você é, do que é capaz. Claro que todos nós temos dificuldades no dia a dia, e a minha é visual, mas precisamos nos adaptar e achar a melhor forma de superar. Acredite e siga de cabeça erguida”, conclui.

A judoca Alana Maldonado na luta final com Ina Kaldani, da Geórgia, nos Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020: primeira campeã paralímpica brasileira de judô.

ver no sesc / esporte

MOVIMENTO ESPORTIVO

Ao longo de agosto, vivências, oficinas e mostra virtual convidam o público a conhecer novas modalidades e atletas, além de entrar no clima dos Jogos de Paris 2024

No mês em que Paris recebe atletas de diferentes partes do mundo para as Olimpíadas (até 11/8) e Paralimpíadas (entre 28/8 e 8/9), o Sesc São Paulo aproxima o público de vivências, oficinas e outras atividades dedicadas às diversas modalidades em competição. O projeto Se Joga nos Jogos, que começou em julho, segue com o objetivo de incentivar a prática de atividades físicas para todas as idades e níveis de habilidade, trazendo novas perspectivas sobre os diversos esportes.

Outra ação que destaca os atletas olímpicos e paralímpicos é a reativação da mostra Ser Atleta, de 2021, dessa vez em formato permanente na plataforma Sesc Digital. No acervo, 30 produções audiovisuais, cada qual dedicada à trajetória de um atleta olímpico e paralímpico. Sob curadoria da jornalista e pesquisadora Katia Rubio, e o apoio institucional do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a mostra abrange a relação entre esporte e questões contemporâneas como: diversidade étnico-racial, de gênero e sexualidade, identidade e pertencimento.

Na modalidade esgrima em cadeira de rodas, a brasileira Monica da Silva Santos em competição durante a fase classificatória para os Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020.

“O Sesc São Paulo tem um carinho e um cuidado com o esporte e a atividade física, proporcionando cursos para as pessoas que querem aprender uma modalidade e se exercitar nos nossos espaços de prática. Também oferecemos ao público a experiência de estar perto dos atletas, dos nossos ídolos, que representam o país nos Jogos e que só vemos pela televisão. Além disso, a mostra Ser Atleta aproxima o público dos esportistas e de todas as questões que atravessam as modalidades”, explica Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.

Destaques da programação:

POMPEIA

Esgrima paralímpica

Apresentação esportiva e vivência de esgrima em cadeira de rodas, modalidade presente nos Jogos Paralímpicos de Paris 2024, com os atletas Monica Santos, primeira brasileira a conquistar um torneio de esgrima

internacional, e Vanderson

Chaves, que lidera o ranking nacional no sabre e foi o primeiro brasileiro a conquistar medalha no mundial sub-23, em 2014. Dia 3/8. Sábado, às 15h. GRÁTIS.

VILA MARIANA

Vila esportiva – Basquete em cadeira de rodas

Vivência da modalidade paralímpica com a participação de atletas da Associação Desportiva para Deficientes (ADD) Dias 10 e 11/8. Sábado e domingo, das 14h30 às 16h. GRÁTIS.

SESC DIGITAL

Ser Atleta

Curadoria de Katia Rubio. Mostra virtual que apresenta a trajetória de 30 atletas olímpicos e paralímpicos, como o lutador de taekwondo Diogo Silva, a judoca Alana Maldonado e o nadador Bruno Fratus. Visite em sesc.digital

Fabio
Chey / CPB

1 a 7 de agosto

Na Semana Mundial do Aleitamento Materno, atividades reforçam a importância da alimentação adequada e saudável nos dois primeiros anos de vida, reconhecendo-a como decisiva para a saúde nesta faixa etária e com reflexos por toda a vida.

Em 27 unidades do Sesc na capital, grande São Paulo, interior e litoral.

sescsp.org.br/dopeitoaoprato

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E criatividade

Entre as recentes discussões sobre os impactos éticos, culturais e cognitivos da inteligência artificial (IA), há um consenso quanto ao fato de que a IA pode ser vista como uma poderosa ferramenta a amplificar a imaginação humana, permitindo que criadores explorem novas fronteiras e realizem suas visões artísticas de maneiras, antes, inimagináveis. Dessa forma, a sinergia entre a inteligência humana e a IA generativa (criada para gerar novos conteúdos) é capaz de transformar o atual panorama criativo. Pesquisadores têm defendido que, embora a IA generativa demonstre uma notável capacidade de produzir textos, áudios, imagens e vídeos, a subjetividade humana continua indispensável para o exercício de uma genuína expressividade artística e criativa.

Assim como qualquer outra ferramenta tecnológica, a IA deve ser utilizada pela sociedade de maneira a auxiliá-la a encontrar soluções em um determinado processo. No entanto, são muitos, e controversos, os usos da IA generativa. “As pessoas podem usar a mesma IA de maneiras distintas. Um escritor pode entender o chatbot como uma fonte de insights para ajudar na escrita de uma obra,

por exemplo, enquanto outro pode optar por pedir todo o conteúdo pronto”, observa Diogo Cortiz, professor, escritor e palestrante especializado em tecnologia, ciência cognitiva e inovação.

Fato é que, por enquanto, o protagonismo humano segue essencial, uma vez que a criatividade incorpora nuances, emoções e contextos culturais que as máquinas ainda não conseguem elaborar. Como o primeiro parágrafo deste texto, que foi escrito pelo Chat GPT, após comandos (prompts), mas precisou ser editado por humanos. Para Dora Kaufman, professora do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), as soluções de IA generativa não são ameaças, mas aliadas da criatividade humana. “Não existe ‘terceirização da criatividade humana’, pelo contrário, no estágio de desenvolvimento atual da inteligência artificial, o ato criativo permanece na esfera dos seres humanos”, destaca.

Neste Em Pauta, Cortiz e Kaufman trazem exemplos e propõem reflexões sobre os usos da IA e os desafios na incorporação dessa ferramenta tecnológica à produção criativa contemporânea.

Coautoria ou preguiça?

Quando eu era criança, sempre imaginava duas invenções para me ajudar nos momentos de apuro: uma capa da invisibilidade para quando eu aprontasse, e uma máquina que fizesse minhas redações nas aulas de português. A primeira ainda está confinada ao universo fantástico de Harry Potter, mas a segunda se materializou como em um passe de mágica. No dia 30 de novembro de 2022, a empresa OpenAI revelou ao público sua nova criação: o ChatGPT. Pela primeira vez, a população teve acesso a uma inteligência artificial que domina a linguagem de maneira surpreendente – ainda que à sua própria maneira –e que é capaz de responder perguntas e criar conteúdos inéditos em poucos segundos.

Essa situação reacendeu o debate se uma IA pode ou não ser criativa. Para conversar sobre esse assunto, é importante lembrar que tudo vai depender do conceito e das definições com as quais estamos trabalhando. Uma definição clássica de criatividade, por exemplo, diz que algo é criativo quando apresenta duas principais características: ser uma novidade e ser útil. A partir dessa perspectiva, podemos, então, dizer que a IA generativa cria produtos criativos, afinal, o conteúdo que produz é inédito e pode ser útil a depender do contexto.

No entanto, existem outras perspectivas filosóficas que afastam de vez a hipótese de uma máquina como um ente criativo. Para ser sincero, não estou muito preocupado com isso. Parece-me que ainda vamos levar um bom tempo para atingirmos um nível de maturidade de entendimento sobre a essência da tecnologia. Neste momento, o que me deixa motivado para continuar minhas pesquisas é entender como a tecnologia vai mudar nosso processo criativo e quais serão os efeitos sobre a criatividade humana.

Estamos diante de um momento único na História. Apareceu uma caixinha tecnológica que cria conteúdos (textos, imagens, vídeos etc.) a partir de um simples comando, o que chamamos de prompt. O resultado da máquina é sempre inesperado e surpreendente. Sabemos mais ou menos o que a IA vai nos entregar, mas sem muita certeza e pouco controle. Se não gostarmos do resultado, podemos melhorar nosso pedido, detalhando-o ainda mais para maior precisão.

Ainda assim, não temos garantia de que o resultado da máquina será exatamente o que está na nossa mente. É bem possível que não. Mas isso também não é um grande problema, porque o mesmo acontece quando interagimos com outros humanos. Eu trabalho com pesquisas em design, porém não desenho e prefiro não comentar sobre habilidades em design gráfico. Então, sempre que preciso criar uma peça gráfica, trabalho com designers super competentes que tentam materializar o que está na minha mente. O resultado não fica exatamente como idealizei, pois, nesse processo de cocriação, a subjetividade do outro interfere.

Essa interação dinâmica entre humanos e uma máquina que materializa nossas ideias transforma o paradigma da criatividade e da autoria. É a forma como as pessoas interagem com a IA que vai ditar as diferentes possibilidades e consequências para o processo criativo humano. A funcionalidade mais interessante da IA generativa é aceitar qualquer tipo de comando para gerar respostas. Por ter sido treinada para conversar com os usuários, a máquina vai sempre tentar cumprir a tarefa enviada, independentemente da complexidade do comando. Ao mesmo tempo em que isso cria uma ótima experiência de uso para os usuários, também se torna um perigo para a criatividade humana por não exigir necessariamente um pedido mais complexo que demandaria mais imaginação e criatividade dos usuários.

As pessoas podem usar a mesma IA de maneiras distintas. Um escritor pode entender o chatbot como uma fonte de insights para ajudar na escrita de uma obra, por exemplo, enquanto outro pode optar por pedir todo o conteúdo pronto. A autora japonesa

Rie Kudan surpreendeu a comunidade literária ao declarar que usou o ChatGPT quando recebia um prêmio de melhor livro. Em um primeiro momento, a confissão chocou, mas, assim que conhecemos a estratégia de Kudan, entendemos que ela expediu a sua capacidade criativa com a máquina. Ela não pedia apenas textos prontos para a IA, mas usava-os em um processo de cocriação. Ela explicou que muitas vezes conversava com a máquina e, assim, conseguia ideias para a trama e diálogos.

Esse é um tipo de uso do qual emerge uma simbiose criativa entre humanos e máquinas, um cenário que, na minha opinião, é de ganha-ganha. Eu trabalho muito com escrita e assumi a IA generativa como minha companheira. Gero insights, uso para correções e edições, mas nunca peço o primeiro rascunho de um texto de minha autoria para a máquina. Isso implica muitos desafios éticos, criativos, e também cognitivos.

O problema de pedir para a IA criar a primeira versão de um conteúdo é que o resultado da máquina ancora nossa cognição. Todo o nosso processo criativo para editar o conteúdo será guiado por esse primeiro texto. Fica muito difícil se livrar dos argumentos, pontos de vista e estilo apresentados pela IA. É por isso que prefiro o caminho contrário e utilizo a máquina para me ajudar a melhorar minha própria criação.

No entanto, alguém pode facilmente pedir para a máquina gerar todo o conteúdo a partir de um simples comando. Por exemplo, um autor pode pedir para a IA escrever um capítulo de um livro. A máquina irá cumprir o seu papel e entregará um conteúdo pronto. A qualidade, com as tecnologias atuais, será de um texto mediano, é bem verdade, porém o suficiente para satisfazer a necessidade da maioria das pessoas. Afinal, tudo foi gerado em alguns segundos e poupou horas e horas de gasto cognitivo humano.

A nossa natureza busca economizar energia, e a IA vira uma armadilha quando mal utilizada. A linha tênue entre o que é coautoria com a máquina e o que é preguiça humana depende do uso das pessoas. E isso tem até uma implicação legal. Uma obra precisa ser considerada criação do espírito humano para ter a proteção legal de direitos autorais, por exemplo. Hoje, as obras criadas pela IA não podem ser registradas porque o papel humano não é considerado na equação.

Devemos distinguir conceitual, técnica e legalmente o que é "feito pela IA" do que é "feito com IA". A primeira assume protagonismo da máquina enquanto a segunda a define apenas como uma ferramenta em um processo criativo em que o humano está no controle. Assim, podemos fortalecer o argumento de que o "feito com IA" é a visão de futuro que queremos. Criar algo é uma atividade que demanda um esforço cognitivo que muitas vezes é desconfortável, mas que exercitá-lo é fundamental para que a nossa intencionalidade nas criações não seja comprimida por uma máquina.

A IA generativa é um caminho sem volta. Cada vez mais ela se entrelaça no nosso processo criativo, oferecendo possibilidades. Devemos, então, buscar uma colaboração saudável com a tecnologia para amplificar nossas habilidades. Não sejamos preguiçosos, porque o futuro da criatividade deve ser construído com a IA, e não pela IA.

Diogo Cortiz é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pesquisador do NIC.Br e colunista do UOL. Palestrante especializado em tecnologia, ciência cognitiva e inovação. Doutor em tecnologias da inteligência e design digital pela PUC-SP.

Não sejamos preguiçosos, porque o futuro da criatividade deve ser construído com a IA, e não pela IA

Inédito x Criativo

A decisão do júri da edição 2023 do Prêmio Jabuti sobre desclassificar as ilustrações de Vicente Pessôa no livro Frankenstein, inicialmente indicado ao prêmio, por terem sido criadas usando a solução de IA generativa Midjourney, gerou polêmica na mídia e nas redes sociais. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), organizadora do Jabuti, as obras geradas por IA não são elegíveis para o prêmio, embora esse entendimento não esteja explicitado no regulamento.

Primeiramente, a IA não é neutra, mas ela, igualmente, não é autônoma. As ilustrações do livro Frankenstein, por exemplo, não derivam de um mero preenchimento de prompts, mas de um processo interativo entre o ilustrador e a tecnologia. Da mesma forma que uma câmera fotográfica de última geração não transforma ninguém em fotógrafo, a IA generativa não torna ninguém criativo.

A interação entre criadores e tecnologia é histórica. Tradicionalmente, criamos com o suporte de uma tecnologia, como computador, câmera fotográfica, filmadora, recursos de edição, para citar as mais recentes. A interação com a inteligência artificial não é nova. O jornalista americano Mark Anderson, em artigo na revista Wired de dezembro de 2001, atribui a Ray Kurzweil o pioneirismo ao patrocinar os estudos de Harold Cohen. Como pesquisador visitante no Laboratório de Inteligência Artificial da Universidade de Stanford, em 1973, Cohen desenvolveu um programa de criação de arte chamado AARON, capaz de desenhar e pintar naturezas-mortas estilizadas e retratos. Algumas dessas obras estão em coleções de impor-

tantes museus – o Museu Whitney de Arte Americana, em Nova York, exibiu, de 3 de fevereiro a 19 de maio de 2024, um conjunto de pinturas e desenhos do AARON. Pamela McCorduck, no livro Aaron’s Code, de 1991, considerou Cohen como o pioneiro de uma nova geração de criadores de estética ou “meta-artistas”.

O Alan Turing Institute (ATI), de Londres, pondera que um número crescente de artistas está experimentando a IA no aprimoramento, simulação ou réplica de suas criatividades. O AI & Arts Group, atuando como uma plataforma, é uma comunidade científica interdisciplinar criada no âmbito do Alan Turing Institute com o propósito de facilitar colaborações, formar consórcios de pesquisa e hospedar iniciativas de divulgação (seminários, workshops e eventos). A complexidade dos sistemas de IA requer intensa cooperação entre especialistas de IA e artistas, colaboração concretizada em incubadoras, residências artísticas e até coletivos. O desafio é aproximar linguagens e lógicas distintas, definindo a propriedade intelectual da obra final.

A plataforma AIArtists.org, com curadoria de sua cofundadora Marnie Benney, aparentemente é a maior comunidade global de artistas envolvidos com IA. Para esse grupo de artistas, a IA não está apenas transformando a capacidade de criar, mas igualmente propondo questões críticas sobre a relação humano-tecnologia, tais como: a IA expande a criatividade humana? Como usar a IA para espelhar nossa humanidade e aprender sobre nós mesmos? Como navegar em intimidade e privacidade com máquinas inteligentes? A IA pode ser autonomamente criativa de uma forma significativa? Parte dessas questões implicam em dilemas éticos, alguns extrapolando o âmbito das artes.

Retomando o tema da criatividade, uma vez que não existe uma definição universal, estamos considerando que criatividade é o ato de agregar uma contribuição inovadora ao que já existe. Com a IA generativa, é importante distinguir “inédito” e “criativo”. Imagens e textos produzidos pelos modelos de IA generativa são inéditos porque não

Da mesma forma que uma câmera fotográfica de última geração não transforma ninguém em fotógrafo, a IA generativa não torna ninguém criativo

existiam antes, contudo, não são criativos porque a técnica de inteligência artificial que permeia esses modelos – redes neurais profundas, em inglês deep learning – extrai padrões de grandes conjuntos de dados: é como se fizesse um “resumão” de tudo que já foi publicado.

Vlad Glaveanu e Constance de Saint Laurent, professores na Escola de Psicologia da Dublin City University, na Irlanda, ponderam que a IA generativa não substitui a criatividade humana, mas a transforma. Para os autores, o debate atual sobre criatividade concentra-se em aspectos associados à autoria (detecção de plágio, direito autoral), e não se a utilização extensiva de um sistema baseado em previsão e reconhecimento de padrões pode ser considerado um ato criativo.

O argumento a favor da “IA criativa” baseia-se em dois equívocos: a) antropomorfizar a IA, supondo como “inteligência” comportamento meramente mecanicista, estatístico ou aleatório; e b) supor que criatividade consiste, em sua essência, na geração de novas ideias ou conteúdos, ignorando dois aspectos básicos da criatividade: significado e valor (são os humanos que os atribuem às produções dos sistemas de IA).

Na mesma perspectiva, o manifesto Artificial Intelligence & Creativity: A Manifesto for Collaboration, criado em 2023 no departamento de psicologia da Universidade de Nebraska, nos EUA, admite a capacidade da IA de se envolver na criação de conteúdo, no entanto contesta considerar criativa a IA generativa. Esses sistemas criam conteúdos

inéditos a partir de imagens pré-existentes disponíveis nas bases de dados, apenas assemelhando-se à criatividade humana.

O manifesto ressalta a “intencionalidade criativa”, o desejo e impulso de um indivíduo de querer criar algo como elementos críticos do ato criativo, elementos presentes exclusivamente nos humanos. O processo criativo pressupõe identificar, definir, explorar os objetos da criatividade e estimar a potencial originalidade do resultado. Portanto, segundo os autores, enquanto a espécie humana não conseguir (se conseguir) dotar as máquinas de uma apreciação consciente da realidade e dos futuros imaginados, a criatividade artificial limitar-se-á a cobrir apenas uma parte do processo criativo.

Pelos argumentos apresentados, não existe “terceirização da criatividade humana”. Pelo contrário: no estágio de desenvolvimento atual da inteligência artificial, o ato criativo permanece na esfera dos seres humanos. As soluções de IA generativa são aliadas da criatividade humana.

Dora Kaufman é pesquisadora dos impactos sociais e éticos da inteligência artificial. Doutora em mídias digitais pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), é também escritora, colunista da Época Negócios e professora do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (TIDD/PUC-SP).

REINVENÇÃO em cena

Fundador e diretor do grupo teatral TAPA, Eduardo Tolentino reflete sobre a longeva trajetória da trupe, encontros de gerações e experimentações artísticas

Ronaldo Gutierrez
Eduardo Tolentino na plateia do Teatro Paiol Cultural, na Vila Buarque, um dos espaços da cidade de São Paulo onde o grupo TAPA apresenta seu repertório.

Apaixonado por cinema e música brasileira desde a adolescência, o carioca Eduardo Tolentino de Araujo optou pela faculdade de economia, nos anos 1970. Enquanto seus colegas estudavam estatística e cálculo, ele lia obras de dramaturgos do leste europeu. No meio do curso, resolveu pedir transferência para o curso de comunicação social, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Foi dentro do campus que, em 1974, Tolentino e outros alunos fundaram o Grupo TAPA – acrônimo de Teatro Amador Produções Artísticas. Quando a trupe se profissionalizou, cinco anos mais tarde, seu nome completo perdeu o sentido, mas a sigla permaneceu. Em 1986, Tolentino e alguns atores se mudaram para São Paulo, onde ocuparam o Teatro Aliança Francesa até 2001.

Ao longo de meio século de carreira, o premiado diretor teatral trabalhou com atores do quilate de Aracy Balabanian (1940-2023), Beatriz Segall (1926-2018), Laura Cardoso, Nathalia Timberg, Walderez de Barros, Paulo Autran (1922-2007) e Sérgio Britto (1923-2011). No repertório, montou clássicos de Nicolau Maquiavel (1469-1527), William Shakespeare (1564-1616), Oscar Wilde (1854-1900), George Bernard Shaw (1856-1950), Anton Tchekhov (1860-1904), Luigi Pirandello (1867-1936) e Tennessee Williams (1911-1983). Entre os autores nacionais, encenou Nelson Rodrigues (1912-1980), Artur de Azevedo (1855-1908) e Jorge Andrade (1922-1984). Mas, também acha importante destacar autores contemporâneos. “A gente

tem uma prevalência de textos brasileiros no nosso repertório e a qualidade das obras é uma regra fundamental”, destaca.

A mais recente montagem do TAPA é Tio Vânia, clássico de Tchekhov, que fez temporada entre maio e junho deste ano no Sesc Santana. Até setembro de 2024, no Teatro Ruth Escobar, o grupo estará em cartaz com Freud e o visitante, texto do belga Éric-Emmanuel Schmitt. De lá, a peça segue para o Teatro Itália, onde ficará entre outubro e novembro. Na sede do TAPA, um galpão na Barra Funda, também tem sido apresentado Credores, de August Strindberg (1849-1912). Neste Encontros, Tolentino relembra o caminho trilhado do amadorismo à profissionalização, a mistura criativa entre diferentes gerações de atores, o papel do público e a experimentação de novas linguagens cênicas durante a pandemia.

INSPIRAÇÕES ARTÍSTICAS

Ingressei no universo teatral na adolescência, como espectador dos festivais de Música Popular Brasileira (MPB), que eram comandados por grandes diretores de teatro, como Fauzi Arap (1938-2013) e Bibi Ferreira (1922-2019). Fiquei apaixonado pela MPB. Meu segundo atravessamento artístico foi o cinema, via até três filmes por dia. Ganhei uma câmera Super 8, mas não pensava na arte profissionalmente. Era atleta, nadador, e fui para a Rússia, em 1973, para participar de uma olimpíada universitária. Quando voltei, minha turma estava querendo montar uma peça de teatro para apresentar no fim do

ano. Quando fiz aquilo, mesmo sendo algo completamente amador, percebi que era o que queria da vida. No ano seguinte, escrevi uma peça infantil chamada Apenas um conto de fadas. E, com aquela turma, fiquei por quatro ou cinco anos. A gente ensaiava duas ou três vezes por semana, na casa de alguém, na sede de algum clube, onde arranjava. E apresentava de três a cinco dias apenas. Nessa época, eu já havia sido infectado pelo “vírus do teatro”. Ia para as aulas de economia, de cálculo, lendo livros do diretor russo Constantin Stanislavski (1863-1938) e do polonês Jerzy Grotowski (1933-1999). Foi quando vi que era incompatível ficar na economia, então mudei para comunicação social, que era o mais próximo do que eu queria.

PARA VALER

Em 1979, Apenas um conto de fadas foi produzida e encenada no Teatro Vannucci, no Rio. Foi um sucesso retumbante, ficou um ano e meio em cartaz. Todo mundo foi ver: filhos de artistas, de jornalistas. E aí não teve mais volta. No começo da minha trajetória teatral, eu ainda pagava para trabalhar, mas estava em cartaz nos roteiros dos teatros, as peças receberam críticas muito boas, tivemos indicações a prêmios. A gente se colocou diante de um panorama teatral, claro que ainda longe de viver disso. Nossa estreia para o público adulto foi com Uma peça por outra, do autor francês Jean Tardieu (1903-1995). E assim fomos caminhando. Tem uma frase do Goethe (1749-1832), escritor alemão e autor de Fausto, que acho maravilhosa: “A vida é essa estranha mistura

do que ela faz conosco e do que dela fazemos”. Então é isto: você vai tocando e, quando vê, construiu um projeto de vida pelo qual não esperava no início.

MARCOS FUNDAMENTAIS

Um ponto determinante na nossa trajetória foi o encontro com a obra de Nelson Rodrigues (1912-1980). A peça Viúva, porém honesta nos colocou em outro lugar no meio teatral. Esse era um texto do Nelson considerado menor, e nós éramos um grupo desconhecido. Segundo alguns críticos, nós resgatamos uma peça do repertório rodriguiano, assim como o autor nos colocou em outro patamar. Fomos para fora do Brasil pela primeira vez, ganhamos prêmios importantes. O segundo marco do TAPA foi a vinda para São Paulo. Foi um périplo até conseguirmos um teatro e encontrarmos a Aliança Francesa. Por 15 anos, de 1986 a 2001, essa foi a nossa sede, um lugar que já tinha uma história importante. Por lá, havia passado diretores e dramaturgos como Antunes Filho (1929-2019), Plínio Marcos (1935-1999), Leilah Assumpção e Consuelo de Castro (1946-2016). Antônio Fagundes fez sua grande estreia lá também. Como o teatro ficava na Boca do Lixo, ninguém queria ocupar a região. Na época, encenávamos no Rio de Janeiro

O tempo e os Conways, de J.B. Priestley (1894-1984), com Aracy Balabanian (1940-2023), mas ela ia ser contratada pela TV Manchete. Então, convidei Beatriz Segall (1926-2018) para a temporada paulistana. Foi um estouro: ficamos vários meses em cartaz. Fizemos coisas importantíssimas nesse período da Aliança Francesa.

ENCONTRO DE GERAÇÕES

A gente achava que só cresceria ao se confrontar com atores de maior experiência. Isso gerou um pouco de descrédito num certo momento. Diziam: “Ah, são os coadjuvantes de ouro”. Eu, particularmente, devo muito da minha carreira a atores mais experientes, de gerações anteriores, com quem aprendi demais sobre o ofício. Devo também a atores mais jovens, porque tive que me reinventar para traduzir o ofício a eles. E devo, ainda, à turma da minha geração, que teve a paciência de ir me ver, de me esperar ficar pronto, porque eu não sabia nada. O teatro permite esse encontro quando a gente fala da longevidade do TAPA, é exatamente por causa dessa mistura de gerações. Em São Paulo, também lidamos com todos os tipos de atores: havia desde herdeiros de propriedades rurais até filhos de boias-frias. Essa diversidade colocou verdades em xeque. E o teatro se faz dessa mescla. Quanto mais eclético e diverso for um elenco, mais interessante será o produto final.

TODA TURMA

Eu, pessoalmente, não acho que o TAPA seja um grupo, mas uma turma única. Quando a gente começou, boa parte da inspiração veio do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone [criado na década de 1970, de estilo cômico e formado por atores como Regina Casé, Evandro Mesquita, Luiz Fernando Guimarães e Patricya Travassos]. O Asdrúbal mudou os meios de produção, trabalhava de forma cooperativada, o que gerou um boom de coletivos nesses moldes. Não somos uma

companhia, porque não temos financiamento do Estado ou de empresários. Então, fomos criando um modelo próprio. Essa ideia de turma nos leva à imagem de um porto [em movimento], não de um conjunto parado. É um lugar de confluência, de encontros, de momentos. E, para aproveitar ao máximo as pessoas, começamos a usar um modelo europeu de alternância de repertório, com mais de uma peça em cartaz ao mesmo tempo. Tínhamos um elenco fixo, além de atores contratados por montagem. Numa única temporada, chegamos a fazer seis peças simultâneas. Minha responsabilidade como diretor artístico é ouvir as pessoas democraticamente, fazer um apanhado e decidir. Alguém tem que se responsabilizar pelo fracasso ou sucesso de um projeto, pelos acertos ou erros de uma escolha.

PASSADO E PRESENTE

Geralmente, o que nos inspira a fazer determinada peça são os elementos mais próximos do TAPA. É um repertório feito para um grupo de pessoas, com a possibilidade de convidar atores de fora. Do meu ponto de vista, é fundamental ter o conjunto à sua volta e adequar os temas tratados ao momento que estamos vivendo. Isso tem que ser levado em consideração. Às vezes, acontece por intuição, porque não é um cálculo matemático. O TAPA não tem autores. Eu costumava escrever, mas parei. A gente tem uma prevalência de textos brasileiros no nosso repertório e a qualidade das obras é uma regra fundamental. Além de ser um bom texto, ele deve tratar de questões que queremos discutir, ter um DNA próximo da gente. Quando fazemos clássicos,

como O jardim das cerejeiras, de Tchekhov, abrangemos um público muito grande, porque todo mundo, de algum jeito, já perdeu o seu jardim, nem que tenha sido um vaso de flores. Em suma, buscamos identificações.

RESPEITÁVEL PÚBLICO

Atualmente, por trás de uma ideia de democracia, temos visto inúmeros espetáculos precários, sem condições mínimas de infraestrutura. Não existe teatro sem público. E a plateia precisa ser respeitada, chegar a um lugar onde as portas abram na hora certa, onde as pessoas possam se sentar decentemente, ter facilidade

de compra de ingresso e ver um espetáculo profissional. O terreno do teatro amador é legal, bacana, era o que eu fazia no início. Mas, o teatro, para ser qualificado como profissional, requer tempo de trabalho, profissionais preparados. O espectador pode passar anos sem voltar ao teatro, ou até desistir de vez. Também não é bom para os atores quando há um grande despreparo técnico. O mais importante é você conquistar o direito de estar em cena, e isso requer muito trabalho. Fiz sete anos de aulas de corpo, aulas de voz, estudamos Ópera de Pequim, tai chi chuan, história da arte. Tudo isso nos preparou e continua preparando. Sou, acima de tudo, um espectador teatral.

Ouça a íntegra da conversa com o diretor teatral Eduardo Tolentino, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 20 de junho de 2024. A mediação do bate-papo é de Camila

Amaral Tavares, que integra a equipe de teatro na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo.

Da esquerda para a direita: Brian Penido Ross, Zécarlos Machado, Camila Czerkes, Anna Cecília Junqueira, Bruno Barchesi, Tato Fischer; sentadas: Walderez de Barros e Lilian Blanc. Os artistas integram o elenco de Tio Vânia, espetáculo encenado no teatro do Sesc Santana, entre maio e junho deste ano. Ronaldo Gutierrez

AMARO amar

Em seu quarto álbum, Y'Y, lançado neste ano, o pianista mergulha nos sons da floresta amazônica.

Pianista e compositor pernambucano Amaro

Freitas trilha sólida carreira mundo afora, oferecendo intercâmbios e descobertas

sonoras em um Brasil diverso e profundo

POR LUCAS ROLFSEN

Como definir e explicar esse artista e seu caminho na música, que começou em Sangue negro (2016), ganhou o universo com Rasif (2018) e Sankofa (2021), e agora deságua nas profundezas amazônicas em Y'Y (2024)? Essa alma nascida em Recife (PE), no dia três de setembro de 1991 nunca deixou de acreditar no seu potencial, aliando técnica e intuição, sempre com a intenção de celebrar a música ancestral dos povos que cá já existiam antes da colonização. Imerso na Floresta Amazônica, Amaro deu vida a muitas atmosferas musicais no atual trabalho. “Não parece com Recife, não parece com São Paulo. Você está de frente para um gosto, uma comida, uma cultura e um rio que não é comum”, explica o artista.

O menino que queria tocar bateria, hoje, apresenta uma madura experimentação musical e sensorial. Seja utilizando-se da técnica de piano preparado – que surge com John Cage (1912-1992) na década de 1940, e que, no caso de Amaro, pode fazer com que o instrumento ganhe apitos de madeira, sementes, pregadores de roupa, simulando ruídos entre um acorde e outro –, seja trazendo suas

reflexões mais íntimas. “O público que vai para o meu show não vai só para celebrar, mas também, curioso, quer viver uma experiência”, resume.

Acompanhado pelo baixista Jean Elton e pelo baterista Hugo Medeiros, amigos de longa data, ou sozinho no palco com seu piano – formato de seu show atual –, Freitas colhe os frutos de seu reconhecimento profissional. Até outubro deste ano, ele já terá passado por diversos estados do Brasil, além do Japão, Estados Unidos e continente europeu. Antes de sair em turnê internacional do Y'Y, Amaro Freitas falou de suas múltiplas experiências neste Depoimento, durante apresentações nas unidades do Sesc Campo Limpo e Piracicaba, em junho. “Em um momento, era evangélico e estava tocando na igreja, no outro, conectado com o candomblé, e em outro, com o jazz. Tudo isso foi me formando”, destaca.

memória

Ouvia música de igreja, meus pais cantavam para mim. Participei do coral infantil. Isso soava como um ambiente de acolhimento. Ter uma base religiosa é importante para minha identidade como cidadão, e com a família que tive,

foi muito bom. É uma lembrança que me faz sentir seguro, é parte da minha autoestima. Me trouxe um senso de coletividade, porque eu sempre fazia tudo em grupo.

princípio

Quando comecei a ganhar um salário, pude dizer: "agora, vivo de música". Dava aula em um projeto social. Em seguida, comecei a tocar em clube de jazz, era um dinheiro que nunca tinha recebido. Podia me organizar, ajudar minha família e estudar. Depois, em 2016, gravei Sangue negro, álbum extremamente importante para tudo o que acontece hoje. O disco Rasif já tinha a gravadora em Londres, e foi lançado com turnê na Europa, além de vários shows no Brasil. O fluxo foi só aumentando.

identidade

Desde Sangue negro, a ideia é fazer discos que tenham a ver com o momento que estou vivendo, eles falam muito mais sobre um território e uma figura representativa, a identidade brasileira. O rompimento [estético] do Sankofa para o Y'Y foi arriscado, mas nunca pensei nessa lógica de mercado. Acho que esse trabalho de piano solo surge da necessidade de querer fazer algo que caminhasse só, e pudesse chegar em outra sonoridade.

depoimento

Acreditei muito nisso. Agora, já estou pensando em uma orquestra, uma banda gringa. Enquanto ouvir o meu coração, posso não ter o público de um milhão de pessoas, mas sempre existirá gente interessada em se conectar com essa música extremamente verdadeira, fresca e que fala sobre a minha experiência no agora.

brasis

A identidade de um povo, principalmente nesse momento atual, em que venho passando tanto tempo fora do Brasil, que nos identifica e representa culturalmente é nossa culinária, nossa música, nossa língua. Todas essas coisas traduzem o nosso território. Vamos a um restaurante brasileiro no exterior e a primeira coisa que vai ter é uma feijoada, uma coxinha, uma picanha. Também tem muitos grupos de forró, de samba e de maracatu. Minha busca é se conectar com um país mais profundo, que vem antes de tudo isso.

florestar

para o processo de construção [de Y'Y]. Essa conexão Pernambuco-Amazônia já tinha rolado com ele. Fazendo esse show, na minha cabeça estou sempre revivendo esse momento. O brasileiro, em geral, está muito distante da Amazônia. Temos uma floresta com a maior biodiversidade do mundo, um povo originário que traz lições milenares através da oralidade, costumes que nem todos os lugares vão ter. Essa sonoridade da floresta tem um sentimento de brasilidade, desse território totalmente diferente. É dizer: "através desse som que você vai escutar agora, vamos imaginar as lendas e os encantamentos amazônicos".

inspiração

Às vezes, estou caminhando e vem uma melodia na minha mente, ou me sento ao piano, começo e não consigo terminar, preciso de um tempo. E caminhando de novo, vem a outra parte. Ou estou escutando uma coisa e pronto! Tem uma música, que estou fazendo para o meu próximo disco, que deve sair em 2026, e que comecei a criar no piano há mais ou menos

cinco meses. Eu estava querendo fazer a outra parte, mas passei uma semana sem estudar, isso é muito raro. Quando me sentei ao piano, comecei a desenvolvê-la, e se encaixou perfeitamente. O distanciamento, o pensar, o viver outras coisas e, então, voltar, traz uma novidade. Mas, geralmente, é a prática que faz com que eu consiga chegar a lugares inimagináveis. Sempre gostei, também, do desafio de tocar de um jeito que não tocava antes, de me provocar a desenvolver uma melhor técnica aliada à percepção e ao coração aberto.

retorno

Muita gente me diz coisas como: "Muito obrigado por me levar à Amazônia"; "Me senti dentro da floresta"; "Queria morar dentro desse show"; "Foi tão bonito poder ver a nossa conexão". São frases que eu escuto no término do show, porque ele fala sobre a Amazônia, que é a parte A do disco, pensando na estrutura do vinil, mas também sobre o encontro de uma diáspora pulsante mundial. Tem conexão com vários músicos que representam essa sonoridade diaspórica, em diferentes lugares do globo. Por

Amazonas [1973], de Naná Vasconcelos, foi importantíssimo ENQUANTO OUVIR O MEU CORAÇÃO, POSSO NÃO

No primeiro semestre, Amaro Freitas apresentou o show de lançamento do disco Y'Y em três unidades do Sesc São Paulo: Pompeia, Campo Limpo e Piracicaba.

exemplo, na canção Gloriosa, fiz uma homenagem à minha mãe, e chamo as pessoas para solfejar a melodia comigo. A gente cria um ambiente ali, de conexão plena entre plateia e palco. Essa dinâmica toda acaba deixando o público muito envolvido.

sonoridades

É um processo longo: as experiências, o estudo, a dedicação e se manter focado. A oportunidade de encontrar outras pessoas também vai enriquecendo, trazendo outros olhares e perspectivas para a música. Ao mesmo tempo em que estou preocupado com temas que falam sobre ancestralidade, algo natural que a vida vai proporcionando, também estou atento ao acaso. Tem momentos em que penso o piano como um instrumento melódico, com esse lirismo que vem da Europa e os hinários da igreja, ou como percussão, por conta do território de onde eu venho: maracatu, coco, baião, ciranda, xaxado, frevo, caboclinho, bumba meu boi. É sobre se permitir

esses vários mundos, e trazer isso de uma forma complexa, como o nosso próprio território é. Não queria que soasse apenas como uma experimentação.

dedicação

O encontro com [os músicos]

Jean Elton e Hugo Medeiros veio de uma amizade que só existiu porque havia em comum a obsessão pelo estudo do instrumento. Celebramos um certo vício de querer tocar e estudar a partir da perspectiva da análise. "Pô, isso é muito difícil. Então, vou voltar para casa, estudar, e quando a gente voltar, vemos o resultado". Tudo para criar uma liga e intimidade no palco. O Chick Corea (1941-2021), pianista estadunidense, é um grande exemplo disso. Gravei um programa na Itália [Via Dei Matti n°0, comandado por Stefano Bollani e Valentina Cenni, na RAI, rede pública de rádio e TV] e o apresentador me falou que quando acabavam as apresentações que faziam juntos, Chick Corea voltava para o hotel, e Bollani ia tomar uma

cerveja, perguntando-se o porquê. Ele respondia: "Amanhã tenho que acordar cedo, estou estudando um pianista do século 20". Isso é uma coisa que me excita muito: a provocação à criatividade.

caminho

Tive muita gente maravilhosa ao meu lado, mas vi várias pessoas que não tiveram força para conseguir. Não sei dizer exatamente se é algo espiritual. Sempre tive uma autoestima muito boa, acho que isso vem da minha mãe. Queria aproveitar tudo ao máximo. Sempre enxerguei as coisas como grandes oportunidades: tocar num teclado melhor, numa banda melhor, estudar. Tantas pessoas poderiam alcançar muitas coisas se tivessem oportunidade. Meu maior aprendizado foi saber manter o pé no chão e a cabeça no céu. Gosto de viajar o mundo, estar em trânsito, e de voltar para casa, Recife. Então, acho que não me perder no caminho é uma das maiores virtudes. E o privilégio hoje é poder me manter para só estudar e viver de música.

ALMANAQUE

Raiz indígena

Conheça a origem dos nomes de cinco lugares de São Paulo que são provenientes das línguas dos povos originários

Em 9 de agosto é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas, representados, aqui no Brasil, por uma população de 1,7 milhão de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mais de 266 povos, e metade deles habita a Amazônia Legal. No estado de São Paulo, o Censo mais recente contabilizou 55 mil pessoas autodeclaradas indígenas, principalmente das etnias Tupi-Guarani, M’byá, Kaingang, Krenak e Terena. Povos que moram no litoral, no Vale do Ribeira, no Oeste paulista e na região metropolitana da capital.

Diante da influência cultural dos indígenas em território paulista – que no passado já foi muito mais diversa, com grande concentração das etnias Tamoios, Guaianazes, Carijós, Tupinambás, Goianas, Puri, Kaiapó e Xavante –, há palavras de origem indígena que permanecem no nosso vocabulário e batizam topônimos (nomes geográficos, como ruas, avenidas, bairros e distritos). Na capital paulista, não faltam exemplos: Mooca, Tatuapé, Moema, Jabaquara, Cambuci, Ibirapuera, Sapopemba, Tietê, Anhanguera, Ipiranga, Itaquera. E a lista continua: Turiassu, Carandiru, Jaraguá, Jaguaré, Pari, Canindé, Jaçanã, Congonhas, Morumbi, Grajaú, Tremembé, Tamanduateí.

A maioria desses nomes faz menção a elementos da natureza, como árvores, rios e animais. Neste Almanaque, conheça a origem dos nomes de cinco lugares da cidade de São Paulo que têm raízes em famílias linguísticas de povos originários.

Patricia do Prado Oliveira / USP Imagens

Na zona Norte de São Paulo, está o distrito de Pirituba, onde é possível localizar, a partir da vista das antenas do Pico do Jaraguá, as bacias hidrográficas dos ribeirões Vermelho e São Miguel, e o córrego Santa Fé.

NORTE PIRITUBA

A origem do nome desse distrito da capital paulista, próximo à Marginal Tietê e às rodovias dos Bandeirantes e Anhanguera – todas essas, aliás, palavras indígenas –, vem da justaposição dos vocábulos pi’ri (junco) e tyba (ajuntamento), em Tupi. O junco é uma planta encontrada às margens de rios e lagos, em regiões de clima tropical ou subtropical. Essa era uma região onde havia muitas dessas espécies vegetais – e ainda hoje é considerada uma das áreas mais arborizadas da cidade. A presença de árvores, aliás, batiza vários outros lugares da capital paulista, como Ibirapuera (“árvores velhas”), Sapopemba (“raiz angulosa, com protuberâncias”) e Cambuci (planta da família das Mirtáceas usada na produção de geleias, sucos e cachaças). Um marco da ocupação de Pirituba foi a inauguração de uma estação de trem, em 1885. Hoje, a Subprefeitura de Pirituba/Jaraguá reúne mais de 437 mil habitantes, que vivem em bairros como Piqueri, Jardim Íris, Chácara Inglesa, Vista Verde e Jardim Felicidade. Previsto para ser inaugurado em 2029, em uma área total de 47,5 mil metros quadrados, o Sesc Pirituba se tornará a terceira unidade da instituição na zona Norte, que já abriga as unidades Santana e Casa Verde.

O nome que batiza o rio canalizado e o vale que separa o Centro velho do Centro novo da capital, situado entre a Praça da Bandeira e a Avenida São João, significa “rio/água do mau espírito”, em Tupi . Outra tradução possível para a palavra “anhangabaú” é “rio dos malefícios do diabo”. Essa alcunha negativa vem de doenças físicas e espirituais que, segundo os indígenas, o ribeirão lhes causava. Também pode ser atribuída à violência dos

bandeirantes. Anhangaba, no Tupi, remete a “feitiço” ou “malefício” causado pelo demônio ou, ainda, a uma entidade maligna capaz de se transformar em qualquer coisa, enlouquecer pessoas e desviar almas desencarnadas. Segundo o tupinólogo Eduardo de Almeida Navarro, da Universidade de São Paulo (USP), a tradução mais correta para Anhangabaú seria “água da face do diabo” (anhanga = diabo, obá = face e 'y = água). O deputado federal Teodoro Sampaio (1855-1937) também compilou possíveis origens dessa palavra e chegou a “bebedouro de assombrações”, por conta das águas salobras e contaminadas do rio, que transbordava em enchentes e espalhava doenças entre a população. Reinaugurado em julho de 2021, o Vale do Anhangabaú passou por diversas reformas e, nos dias de hoje, é composto por fontes de água e quase sem árvores.

Depois de um longo processo de reforma, o Vale do Anhangabaú abriga eventos como a Virada Cultural, entre outras atividades.

CENTRO ANHANGABAÚ

ALMANAQUE

OESTE PACAEMBU

O nome deste bairro da capital paulista significa, em Tupi, “atoleiro” ou “terras alagadas”. Pertencente aos distritos da Consolação e de Perdizes, a região começou a ser ocupada pelos portugueses no século 16, quando Martim Afonso de Souza (1500-1564), administrador da Capitania de São Vicente, cedeu suas terras para que jesuítas catequizassem indígenas de povoados vizinhos. Essas terras ficavam em volta de um rio, sofrendo

inundações frequentes – daí a expressão paã-nga-he-nb-bu. Outra interpretação etimológica aponta para “rio dos pacamãos”, uma espécie de peixe (Lophiosilurus alexandri) conhecida popularmente como pacamão, pacumã ou bagre-sapo.

Já na tradução do tupinólogo Eduardo de Almeida Navarro, Pacaembu quer dizer “córrego das pacas”. O processo de urbanização do bairro teve início em 1925, e a

região se tornou famosa por abrigar a Praça Charles Miller, o Museu do Futebol, o Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho e a Casa Sérgio Buarque de Holanda.

Imagem do projeto do futuro Estádio do Pacaembu, que terá capacidade para 26 mil pessoas.

De origem Tupi, esse topônimo batiza a estrada e a subprefeitura homônimas, localizadas na zona Sul da capital paulista, próximo à divisa com a cidade de Itapecerica da Serra. Mboîa quer dizer “cobra”, enquanto mirim significa “pequena”. O rio que cruza a região se chama Embu (variação de M’Boi) Mirim, e essa palavra também está presente no nome de cidades como Embu Guaçu (“cobra grande”) e Embu das Artes. A partícula mboi também deu origem a vocábulos em português, como “boitatá”, “jiboia”, “boiçucanga” e “boipeba”. A região de M’Boi Mirim concentrava diversos povoados indígenas, e o local começou a ser ocupado pelos portugueses em

De raiz indígena, o nome M'Boi Mirim, que batiza uma estrada e uma subprefeitura paulistana, quer dizer "cobra pequena".

1607, com a instalação do Engenho de Nossa Senhora da Assunção de Ibirapuera e o início da extração de minério de ferro – a primeira da América Latina. No século 19, a região foi ocupada por imigrantes alemães, incentivados por Dom Pedro I a colonizar aquelas terras. Mais tarde, chegaram também italianos. A partir da década de 1950, o local passou por um processo mais intenso de povoamento e, em 1974, ganhou o Parque Ecológico do Guarapiranga. Hoje, a Subprefeitura de M’Boi Mirim é composta pelos distritos do Jardim Ângela e do Jardim São Luís, abriga o Centro Empresarial de São Paulo e concentra mais de 550 mil habitantes.

LESTE

ARICANDUVA

Assim como Pirituba, o nome desse distrito – que também batiza um rio, uma avenida e uma subprefeitura homônimos – também faz menção a espécies de árvores. Em Tupi, Aricanduva significa “local onde há palmeiras da espécie airi” (Astrocaryum aculeatissimum). Nativa da Mata Atlântica, essa planta também é conhecida como iri, coco-de-iri

ou brejaúva. Chega a sete metros de altura, tem sementes oleosas, e crianças indígenas costumam aproveitar seus frutos ou caroços para fazer piões. Há menções históricas ao riacho Aricanduva desde o século 17, e portugueses fundaram oficialmente o bairro na década de 1940, seguidos por imigrantes japoneses ligados à

agricultura. A construção da Radial Leste aproximou o lugar do Centro e, em 1976, foi inaugurada a Avenida Aricanduva sobre o leito do córrego homônimo, que foi canalizado. Entre os 20 bairros do distrito, que reúne mais de 90 mil habitantes, estão: Vila Antonieta, Vila Rica, Vila Nova York, Jardim Tango, Jardim das Rosas e Jardim Noé.

Irene... memória e poesia

eu sou feito rio, de superfícies e internalidades distintas há em mim lugares tão rasos que até uma criança pode molhar seus pés mas há lugares tão profundos que poucos não temem mergulhar quando a tempestade se faz em minha cabeceira eu transbordo e invado leitos de um lado, arrasto margens que se opõem ao meu passar dou a elas novas formas do outro, deposito novas existências...

Esse é um trecho de um dos meus primeiros poemas, não o primeiro a ser escrito, mas um dos primeiros a não ser rasgado. Sim, escrever e jogar fora era meu rito particular. Eu passei a guardar o que escrevo quando minha avó materna ancestralizou, há pouco mais de cinco anos. Ela teve oito netos, mas na minha infância, éramos cinco, todos muito próximos dela. Tudo parecia girar em torno dela, estar e fazer por ela. Quando não havia mais ninguém além de nós, tínhamos nossos momentos, nossos segredos. Ela gostava de escovar o meu cabelo longo e dividí-lo em duas tranças, que caíam pelos ombros, enquanto dizia o quanto se pareciam com as tranças de sua mãe. E lá começavam as histórias que repetiu por anos, e eu gostava de ouvir.

A literatura chegou cedo à minha vida, por urgência da memória. Os momentos a sós com ela foram diminuindo, e aprender a ler contos era minha maneira, inconsciente, de ouvir histórias e ter aquela sensação que só hoje percebo que sentia. Como minha avó sabia ler bem poucas palavras, deixei de apenas ouvir e passei a ler para ela. Quando saí da casa dos meus pais, eu esperava meu avô ir trabalhar e ia vê-la no jantar, sem contar para ninguém, apenas para comer sua comida e ouvir suas histórias. Sim... as mesmas que eu ouvia na infância. Foram suas inúmeras e repetidas histórias

que me acenderam uma chama, a da ancestralidade: entender de onde viemos e quem somos. Após sua partida, busquei e busco saber sobre nosso povo. Minha avó era nascida no Oeste paulista, e descobri que minha bisavó, aquela de quem puxei as mesmas tranças, era uma filha Kaingang. Nesse período, esbarrei com o poema "Consciência Indígena", de Márcia Kambeba, em que a primeira estrofe diz: “Consciência, cadê você / Onde está que não te vejo? / Como tu és, qual a tua cor? / Quero te conhecer (...)”.

A literatura indígena se tornou uma conexão com memórias que não vivi, base das minhas buscas e do meu conforto, base da minha pesquisa acadêmica hoje.

As escritoras indígenas me reacenderam a memória, ensinando sobre uma cosmovisão de mundo, de cuidado e de afeto que está para além de dizer sobre culturas e povos; é uma intersecção entre todas elas. Hoje, lendo mulheres indígenas, eu leio minha própria memória, eu as leio e leio a mim mesma. Minha avó nunca contou sobre afetos românticos entre pares, ela falava da infância, de sua mãe, da comida e do campo. Falava sobre memórias, alegrias e tristezas, que eu via saltarem de seus olhos, às vezes suas mãos tremiam e seus olhos lacrimejavam. Foram as escritas de Eliane Potiguara que me fizeram entender e memorizar essas emoções. Ler e escrever me ajudam a transformar a saudade em poesia, e as parentes escritoras me ensinam a atravessar o luto e a transformá-lo em luta e afeto. Auritha Tabajara apresenta a contação de histórias. “Minha avó me contou e eu gosto de contar". E eu... eu escrevo porque minha avó me contou e eu quero para sempre lembrar.

Ariane Carvalho é mestranda em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e atua como técnica de programação no Sesc Bom Retiro.

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Daniel Ducci (foto); Nortearia (colagem)
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