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A INTERNET FOI CRIADA SOB
ESSA ÉGIDE [DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO], UM LUGAR ONDE [NA TEORIA] TODOS SÃO IGUAIS, TÊM O MESMO DIREITO DE ACESSAR, FALAR, SE EXPRESSAR.
É um conceito tão amplo quanto complexo. A internet foi criada sob essa égide [da liberdade de expressão], um lugar onde [na teoria] todos são iguais, têm o mesmo direito de acessar, falar e se expressar. Só que a realidade mostrou que não é bem assim. Inclusive, nas plataformas, essa estrutura de poder é bastante evidente. Não vamos conseguir avançar na definição de liberdade de expressão sem ter a lei do nosso lado. A gente tem no Brasil o Marco Civil [da Internet], que é modelo para o mundo inteiro. Não estamos desgovernados nem desamparados, só que temos visto um uso das redes para fins que não são éticos nem cidadãos. Então, é preciso que isso seja regulado de alguma maneira.
Longu Ssimo Prazo
O professor [inglês] David Buckingham [autor do livro Manifesto pela Educação Midiática (Edições Sesc São Paulo, 2022)] não acredita em solução simples para a educação midiática. Educar meninos e meninas a ler notícias e interpretar informações e fatos é uma ação a longo prazo, eu diria a longuíssimo prazo. Você não torna uma pessoa consciente e crítica, não forma um repertório leitor, senão numa vida toda. A educação midiática começa desde a mais tenra idade, quando você lê para uma criança, quando ela aprende a escrever, e a gente vai exercitando essa formação de repertório. Quanto mais textos essa criança lê e escreve, mais exposta estará a situações comunicativas e, com isso, vai saber distinguir um texto de ficção de um factual. Nessa idade, a gente espera que já exista um repertório leitor, se não formado, pelo menos em formação. Nunca vivemos antes uma epidemia de desinformação, que literalmente matou pessoas. Não temos precedentes nem receita, mas não podemos desistir, porque temos visto os danos que o uso inadequado desses sistemas informacionais tem causado à saúde, à democracia, a todas as áreas. Então, precisamos agir.
Pol Ticas P Blicas
Estamos todos imersos neste mundo mediatizado. [Isto é], conhecemos o que acontece ao nosso redor por meio do que a mídia escolhe nos mostrar. Então, a gente precisa criar um repertório leitor que faça com que a gente também selecione as informações de que necessita. Porque a gente se informa para tomar decisões boas, úteis ou funcionais. E, se a gente não sabe que tipo de decisão quer tomar, o que interessa, não consegue ser um consumidor de mídia consciente. Esse não é um trabalho para um governo, mas para todos nós, para a sociedade. Deve ser uma política pública constante, consistente e a longo prazo, para que isso se torne, de fato, parte do nosso cotidiano. Se todo dia a gente acorda, abre o celular ou o jornal para se informar, a gente tem que começar a refletir sobre essa atitude. Somos seres que buscamos informação, mas informação não é conhecimento. Conhecimento é aquela informação que é degustada, selecionada, e que tem utilidade.
Novas Tecnologias
Não sou futuróloga, mas acho que assim como tudo que é novo, a gente já viu esse filme. O cinema iria acabar com o rádio, depois a televisão chegou para acabar com o cinema, e está tudo aí, inclusive o jornal. Então, acho que a gente vai conviver com o ChatGPT e se adequar. Ele não precisou chegar para acabar com profissões como a de taquígrafa [profissional capaz de escrever em alta velocidade, reproduzindo com abreviações as palavras de um orador] ou datilógrafa, por exemplo. As coisas vão evoluindo, é natural, e não acho que isso deva ser motivo para a gente se desesperar. O que vejo que o ChatGPT traz é a questão da pesquisa e da autoria. Essa é uma geração que não suporta a dúvida e, por isso, copia e cola o primeiro resultado do Google. Então, acho que a gente precisa recuperar uma prática muito importante da escola, que é a pesquisa. Ter uma hipótese, ir atrás, traçar um caminho. É algo que a gente faz muito em trabalhos acadêmicos, mas que, antigamente, se fazia na escola, até porque só havia enciclopédia. Existia uma alegria do conhecimento, um prazer da descoberta, o próprio exercício de construir perguntas, que se perdeu neste imediatismo. Tem também a questão da autoria, de você escrever, se expressar. Isso máquina alguma vai fazer. Além disso, nossa juventude nunca escreveu tanto, mas posta num determinado formato, com número de caracteres [preestabelecido]. Até que ponto isso é criativo? Se a gente seguir esse caminho, o ChatGPT poderá ser usado de outra maneira, como uma referência, e não como a única saída para a gente produzir textos e conhecimento.
Conte Dos Infantis
A gente sabe que tudo migrou muito para o digital. Os próprios jornais quase não têm mais edição impressa. No caso da Folha de
S.Paulo, eles ressuscitaram a Folhinha num outro formato, dentro do jornal, que a meu ver não tem que separar [em suplemento], até para a criança se habituar e conhecer toda essa arquitetura informacional, como é que o jornal se organiza. Então, tem sido interessante ver como estão tratando as matérias, acho que está muito adequado. A gente tem também a revista Qualé?, para crianças do [Ensino] Fundamental I, vendida por assinatura – basicamente para as escolas. Há o jornal Joca e algumas outras tentativas de se fazer jornal ou conteúdo jornalístico para crianças. Não é fácil, porque o conteúdo acaba muito escolarizado. Mas, o texto jornalístico está nas diferentes mídias, e é sempre possível conversar sobre qualquer assunto com uma criança, desde que você vá construindo esse caminho de leitura com ela. Todas as iniciativas são válidas, e acho muito bacana essa leitura em conjunto, tanto de livros como de informativos, porque isso vai formando o repertório do leitor.
Ouça, em formato de podcast, a conversa com a educomunicadora e escritora Januária Cristina Alves, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de maio de 2023. A mediação é de Marina Pereira, jornalista e editora de conteúdos digitais da Revista E