O artista que entalhou cor e poesia na arte brasileira
Legado dos jogos Conquistas olímpicas inspiram novos praticantes
Podcast em pauta Reflexões das autoras Rita Palmeira e Paula Scarpin
Renato Teixeira
Oitenta anos de vida do cantador da alma caipira
Davi Ramos
Daniel Vorley
Melo GYM
Programação Gratuita
4 de janeiro a 16 de fevereiro
Bia Souza e William Lima (judô)
Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Julia Soares e Lorrane dos Santos (ginástica artística)
Ana Patrícia, Jackie Silva e Sandra Pires (vôlei de areia)
Caio Bonfim (marcha atlética)
Bruna Alexandre (tênis de mesa)
Seleção Brasileira de Ginástica Rítmica
Apresentações esportivas, aulas abertas, vivências, instalações e muito mais!
sescsp.org.br/sescverao
CAPA: Matriz da obra Briga da onça com a serpente, xilogravura do artista J. Borges que integra o Acervo Sesc de Arte Brasileira. O pernambucano José Francisco Borges (1935-2024) foi um artista, pintor, cordelista, xilogravador e poeta alçado a Patrimônio Vivo Imaterial de Pernambuco desde 2006. Conheça mais sobre a sua trajetória na seção Bio desta edição. Parte de seu acervo pode ser visitado na plataforma Sesc Digital. Saiba mais: sesc.digital/colecao/jborges
Crédito: Everton Ballardin
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Novo ano, novos começos
APP Sesc São Paulo para tablets e celulares
Legendas Acessibilidade
Em estabelecimentos de uso coletivo é assegurado o acompanhamento de cão-guia. As unidades do Sesc estão preparadas para receber todos os públicos.
O início de um ano novo é sempre um momento propício para renovar compromissos, redefinir metas e traçar planos para os próximos passos. Para avançar na construção do futuro, é essencial revisitar o passado, relembrando o que nos trouxe até aqui e o que nos impulsiona a continuar. Foi em 1945, na cidade de Teresópolis (RJ), que representantes do setor produtivo brasileiro assumiram o compromisso de colaborar com o desenvolvimento do país e promover o bem-estar social. No ano seguinte, nasceu o Sesc – Serviço Social do Comércio, com a missão de levar qualidade de vida aos trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo, suas famílias e à comunidade em geral.
Quase 80 anos depois, o Sesc mantém sua atuação, oferecendo uma ampla programação nas áreas de cultura, lazer, turismo, saúde e alimentação. Com 43 centros culturais e esportivos distribuídos por todo o estado, promove espetáculos, cursos e oficinas que estimulam encontros, enriquecem conhecimentos e fortalecem o desenvolvimento pessoal e coletivo. Que 2025 seja mais um ano para consolidar e expandir esse projeto transformador, de grande relevância para a sociedade.
Abram Szajman Presidente do Conselho Regional do Sesc no Estado de São Paulo
O legado positivo do esporte
Eventos esportivos de grande porte, como as Olimpíadas e outras competições de âmbito internacional, têm a capacidade de inspirar e mobilizar multidões. O alcance catapultado pela mídia promove engajamento e integração. Além disso, gera um senso de propósito, visto que pessoas de diferentes nações se unem, em torcida, pelo desempenho de cada atleta nas mais diversas modalidades. Trata-se de algo que transborda as fronteiras geográficas e culturais. Esses eventos são, deste modo, ao mesmo tempo um espelho e um incentivo para a prática físico-esportiva.
Uma das reportagens desta edição da Revista E reflete sobre as reverberações do esporte a partir dos resultados obtidos em competições como os Jogos Olímpicos de Paris 2024 e discute os desafios do estímulo para uma vida ativa, seguindo os passos de atletas que são referência no Brasil e no exterior. Um tema que é sempre presente na programação do Sesc São Paulo e está no cerne das ações de promoção da saúde e bem-estar, sendo intensificado no início de cada ano com as inúmeras atividades do projeto Sesc Verão. Que seja um ano mais ativo para todos e todas! Boa leitura!
Luiz Deoclecio Massaro Galina
Diretor do Sesc São Paulo
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC
Administração Regional no Estado de São Paulo Av. Álvaro Ramos, 991 – Belenzinho
CONSELHO REGIONAL DO SESC EM SÃO PAULO
Presidente: Abram Abe Szajman
Diretor do Departamento Regional: Luiz Deoclecio Massaro Galina
Efetivos: Arnaldo Odlevati Junior, Benedito Toso de Arruda, Dan Guinsburg, Jair Francisco Mafra, José de Sousa Lima, José Maria de Faria, José Roberto Pena, Manuel Henrique Farias Ramos, Marcus Alves de Mello, Milton Zamora, Paulo Cesar Garcia Lopes, Paulo João de Oliveira Alonso, Paulo Roberto Gullo, Rafik Hussein Saab, Reinaldo Pedro Correa, Rosana Aparecida da Silva, Valterli Martinez, Vanderlei Barbosa dos Santos. Suplentes: Aguinaldo Rodrigues da Silva, Antonio Cozzi Junior, Antonio Di Girolamo, Antônio Fojo Costa, Antonio Geraldo Giannini, Célio Simões Cerri, Cláudio Barnabé Cajado, Costabile Matarazzo Junior, Edison Severo Maltoni, Omar Abdul Assaf, Sérgio Vanderlei da Silva, Vilter Croqui Marcondes, Vitor Fernandes, William Pedro Luz.
CONSELHO EDITORIAL | Revista E Adriana Yuri Tashima, Ana Cristina Feitosa de Pinho, Ana Paula Neves Cabral de Vasconcellos, André Luiz Santos Silva, Anna Luisa de Souza, Beatriz da Silva Nunes, Camila Freitas Curaca, Caroline da Silva Mariano, Cinthya de Rezende Martins, Cristina Balland, Danilo Cava Pereira, Danilo Lima da Silva, Davi dos Santos Ferreira, Deborah Dias Matos, Diego Polezel Zebele, Diego Vinicius Teixeira Ferreira, Douglas Marcelo Bianchi Ramachotte, Edmar Rodrigues de Fátima Júnior, Eliana Kameoka, Eloá de Paula Cipriano, Fabia Lopez Uccelli dos Santos, Felipe Campagna de Gaspari, Fernanda Porta Nova Ferreira da Silva, Fernanda Rochitti Soler, Flavio Aquistapace Martins, Francisca Meyre Martins Vitorino, Frederico Vieira Dias, Gabriela Camargo das Graças, Gabriela Carraro Dias, Gabriela Grande Amorim, Gabriella Pereira Rocha, Geraldo Soares Ramos Junior, Gleiceane Conceição Nascimento, Gloria Rodrigues Ramos, Graziela Delalibera, Guilherme de Oliveira Gottsfritz, Gustavo Nogueira de Paula, Indiara Fernanda da Cunha Duarte, Ivan Lucas Araujo Rolfsen, Ivy Beritelli Jose de Souza, Jade Stella Martins, Jair de Souza Moreira Júnior, Janete Bergonci, Jean Guilherme Paz, Jose Mauricio Rodrigues Lima, Julia Parpulov Augusto Dos Santos, Juliana Neves dos Santos, Karen Cristine Pimentel dos Santos, Ligia Azevedo Capuano, Luana Brito Lima, Marcel Antonio Verrumo, Marcela Pagani Calabria, Marcos Afonso Schiavon Falsier, Marcos Vinicius Fonseca, Maria Elaine Andreoti, Maria Rizoneide Pereira dos Santos, Marina Borges Barroso, Marina Reis, Michael Anielewicz, Monique Mendonça dos Santos, Norma Tami Maruyama Tchalian, Octavio Weber Neto, Olivia Tamie Botosso Okasima, Rafaela Ometto Berto, Raphael Cutis Dias, Raphael Viana Morata Valverde, Rejane Pereira da Silva, Renata Barros da Silva, Renata Zanin Covizzi, Renato Diego Alves de Jesus, Rodrigo Marcel Bezerra Machado, Samara Fernanda Rosa Baptista, Sandra Ribeiro Alves, Sergio Gouveia Spinola, Suamit Marques Barreiro, Talita Ferreira dos Santos, Tamara Demuner, Teresa Maria da Ponte Gutierrez, Thais Cristina Kruse, Thais Ferreira Rodrigues, Thamires Magalhaes Motta, Thiago da Silva Costa, Vivianne de Castro, Wendell de Lima Vieira.
Coordenação-Geral: Ricardo Gentil
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Jornalista responsável: Adriana Reis Paulics (MTB 37.488)
A Revista E é uma publicação do Sesc São Paulo, sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social
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A alma sertaneja de Renato Teixeira, violeiro, cantor e compositor que completa 80 anos de vida dedicada à música caipira
Entre os destaques de janeiro, o projeto Oba! Bora passear! reúne circuitos, passeios e outras atividades que estimulam a cultura de viagem
As vitórias e as lições olímpicas de atletas brasileiros que encorajam nova geração de esportistas e praticantes
Mestre da xilogravura e da literatura de cordel, J. Borges imortalizou a natureza, os sonhos e a oralidade do povo nordestino em seu legado artístico
Diferentes perspectivas e estéticas atravessam as obras de jovens artistas presentes na 31ª edição da MAJ –Mostra de Artes da Juventude
Obras literárias são adaptadas para os palcos, transmutando a letra escrita para a construção cênica
dossiê entrevista esporte bio gráfica teatro
Alexandre Loureiro / COB (Encontros); Alexis Prappas (Depoimento); Cidades sem Fome / Divulgação (Almanaque)
Textos de Paula Scarpin e Rita Palmeira refletem sobre alcance, temáticas e engajamento dos podcasts
Duas vezes medalhista nos Jogos de Paris 2024, judoca Bia Souza fala sobre o encontro com o esporte e como aprendeu a lidar com expectativas sobre o pódio
Reconhecida por uma voz que mimetiza o som dos pássaros, Tetê Espíndola celebra 50 anos de carreira cativando nova geração de admiradores
Conheça seis hortas e viveiros urbanos que preservam o verde na capital paulista, atraindo pessoas para conhecer, aprender, cultivar, colher e inspirar
Hada Maller (conto) e Izabela Bombo (ilustrações)
em pauta encontros inéditos
Eduardo
Garcia
Voltado ao público de 7 a 12 anos, o programa Curumim oferece oficinas, jogos, vivências, passeios e atividades ambientais que estimulam o desenvolvimento integral das crianças.
PRÉ-INSCRIÇÕES 2025
14 a 19/1 Credencial Plena
28 e 29/1 Público geral
• 2 DIAS POR SEMANA
• MANHÃ OU TARDE
• GRATUITO
VAGAS LIMITADAS
Procure a Central de Relacionamento das unidades que oferecem o programa ou acesse o site e saiba mais. sescsp.org.br/curumim
O cantor, compositor e multi-instrumentista baiano Carlinhos Brown se apresentou no ginásio do Sesc Franca, em novembro, como parte da programação de inauguração da nova unidade do Sesc, no interior paulista. No repertório, o fundador do grupo Timbalada apresentou repertório em celebração à sua carreira de mais de quatro décadas.
Bruna Damasceno
Uma oportunidade de explorar sons, ritmos e instrumentos – não importa a idade ou nível de conhecimento.
Venha participar de atividades em grupo, cursos de curta duração, oficinas, vivências e espetáculos.
De 18/1 a 2/2
Nas unidades Consolação , Vila Mariana e Guarulhos .
sescsp.org.br/feriasnocentrodemusica
DOSSIÊ
O passeio Odisséia- Navegar pelo Tietê é uma das atividades que integra o projeto Oba! Bora passear!, realizado pelo Sesc São Paulo neste mês.
Viajo, logo me divirto!
Ao longo deste mês, o projeto Oba! Bora passear! realiza circuitos a pé, passeios de um dia e ações turísticas que estimulam a cultura de viagem para crianças e famílias
Astronomia, natureza, história, gastronomia, teatro. Uma diversidade de temas inspira as atividades do Oba! Bora passear!, ação de Turismo Social do Sesc São Paulo que oferece roteiros de passeios e excursões voltados ao público infantil ao longo do ano. Neste mês de férias escolares, o Sesc amplia essa programação, com mais de 30 atividades realizadas em unidades na capital, interior e litoral de São Paulo. O objetivo é estimular a descoberta de novos lugares, o olhar sobre a própria cidade por outros ângulos, a convivência familiar e o diálogo entre gerações. Denise Baena, gerente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo, destaca que o projeto do programa de Turismo Social "incentiva as crianças a se divertirem e aprenderem durante
os passeios, despertando o interesse pela cultura de viajar e promovendo a valorização de espaços culturais e naturais."
As atividades turísticas do Oba! Bora passear! contemplam oficinas, vivências, bate-papos e ações educativas. Em Mochila do Paleontólogo, no dia 11/1, as crianças terão a oportunidade de conhecer e manusear objetos paleontológicos como crânios, ovos e dentes de dinossauros.
Já a atividade Conexão Raízes: Afroturismo para Crianças, dia 25/1, promove a valorização e o reconhecimento das influências africanas e indígenas na cultura brasileira por meio de um passeio pelo Grajaú, em São Paulo, incluindo a Ilha do Bororé, focando nas brincadeiras, culinária e artes ancestrais. Em Odisséia-
Navegar pelo Tietê, dia 26/1, os participantes acompanham o barco Odisseia, que navega pelo rio Tietê e faz o traslado do lago para o rio, em um desnível de 32 metros, por meio de elevadores movidos com a própria água.
Os roteiros do Oba! Bora passear! são elaborados para participação de crianças até 12 anos. Consulte as orientações para as inscrições, que se iniciaram em dezembro, e a programação completa em sescsp.org.br/obaborapassear
O projeto Oba! Bora passear! incentiva as crianças a se divertirem e aprenderem durante os passeios, despertando o interesse pela cultura de viajar e promovendo a valorização de espaços culturais e naturais
Denise Baena, gerente da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo
DOSSIÊ
Neste mês, o Circuito Sesc de Corridas dá início à edição de 2025 com uma prova no Sesc Itaquera: a primeira de 12 etapas até o fim do ano.
FOI DADA A LARGADA
A temporada 2025 da edição paulista do Circuito Sesc de Corridas começa no dia 18/1, com uma prova que ocupa o Sesc Itaquera, na zona Leste da capital, em percursos de 3,5km (caminhada) e 8km (corrida). As inscrições já estão encerradas, mas os corredores de plantão têm pela frente outras 11 etapas até o fim do ano: Sorocaba, que estreia no Circuito com uma prova noturna em 15/2 (inscrições a partir de 22/1) e Florêncio de Abreu, que promove, também pela primeira
Nos versos de Chico
vez, uma corrida no Centro antigo de São Paulo, no dia 23/3 (inscrições a partir de 26/2). Além dessas, outras etapas completam o Circuito Sesc de Corridas no estado de São Paulo ao longo deste ano: Campo Limpo (abril), Bertioga (maio), São José do Rio Preto (junho), Catanduva (julho), Interlagos (agosto), Presidente Prudente (setembro), Santos (outubro), São Carlos (novembro) e Araçatuba (dezembro). Saiba mais em sescsp. org.br/circuitosescdecorridas
Um épico íntimo que narra os dramas, desejos, conquistas, frustrações, afetos e (des)amores de três gerações familiares, tudo isso embalado por uma trilha sonora composta por 50 clássicos da MPB. Essa é a proposta do espetáculo musical Nossa história com Chico Buarque, que mescla capítulos da recente memória política do país com versos do compositor e cantor carioca que traduzem sentimentos do inconsciente coletivo nacional. Em cartaz no teatro do Sesc Pinheiros, de 23/1 a 23/2, a obra marca os 80 anos de vida do autor de “Roda viva”, “Construção” e “Apesar de você”. A peça é escrita por Vinicius Calderoni e Rafael Gomes, tem direção musical e arranjos de Alfredo Del-Penho, e conta com elenco formado por nomes como Laila Garin, Soraya Ravenle, Artur Volpi e Ju Colombo. Assista: sescsp.org.br/pinheiros
ELAS POR ELAS
Uma celebração às vozes femininas marca a programação musical do Sesc São Paulo neste início de ano. Ao longo do mês, projetos especiais ocupam os palcos de três unidades da capital paulista com homenagens de cantoras para cantoras. O Sesc 24 de Maio apresenta, nos dias 11 e 12/1, o show Belezas são Coisas Acesas por Dentro, no qual a artista Filipe Catto celebra o repertório de Gal Costa (19452022), resgatando canções lançadas nos últimos anos de vida da cantora baiana. No dia 17/1, o Sesc Avenida Paulista recebe o espetáculo Both Sides Now, em que a cantora e compositora Luíza Villa comemora os 80 anos de vida da canadense Joni Mitchell, interpretando canções como “Coyote”. E nos dias 18 e 19/1, é a vez do Sesc 14 Bis sediar duas apresentações do show Fabiana Cozza canta Rita Lee, que convida a sambista paulistana a revisitar canções emblemáticas da rainha do rock. Confira: sescsp.org.br
Sesc 14 Bis.
Evelson de Freitas (Foi dada a largada); Marcos Hermes (Elas por elas)
A sambista Fabiana Cozza interpreta clássicos de Rita Lee em show no
Sato do Brasil
DOSSIÊ
Para o aniversário de São Paulo, uma programação especial nas unidades do Sesc na capital: o espetáculo infantil Opereta das traças, inspirado em obra de Ruth Rocha, será apresentado no Sesc Consolação.
VIVA SP!
Já sabe o que fazer no feriado de 25/1, quando a capital paulista completa 471 anos? Que tal programar um passeio pelas unidades do Sesc, seguindo um roteiro cultural gratuito e diverso ao longo do dia? Anote na agenda: às 10h, a pedida é aprender passos de k-pop em uma oficina da dança coreana no Sesc Interlagos. Às 11h, no Sesc Consolação, o espetáculo infantil Opereta das traças se inspira na obra de Ruth Rocha para contar a história de insetos que invadem uma biblioteca para devorar clássicos da
literatura. Entre 14h e 17h, a feira Bora trocar livros!, com participação do Sebo Pura Poesia, incentiva o hábito da leitura no Sesc 14 Bis. Quem é fã de tecnobrega e música paraense, pode se mexer ao som de Gaby Amarantos, que se apresenta às 15h, na área externa do Sesc Itaquera. Meia hora depois, a partir das 15h30, dá para entrar no clima do carnaval no Sesc Belenzinho, onde acontece um desfile da Escola de Samba Uirapuru da Mooca e uma aula de samba com Jefferson Costa. Às 16h, o pioneiro da black
music brasileira Tony Tornado se junta à Banda Funkessência para o show Soul & Emoção, na tenda do Sesc Campo Limpo. Na zona Sul da capital, o Sesc Santo Amaro oferece aula de forró seguida por show com Adriano Salhab & Forró Xique Xique, a partir das 17h30. E para encerrar o feriado, que tal assistir a um filminho? É o último dia para ver o clássico Boogie Nights (1997), disponível no Sesc Digital, plataforma de streaming do Sesc São Paulo. Acompanhe a programação: sescsp.org.br
FAÇA SUA CREDENCIAL PLENA
Pessoas que trabalham ou se aposentaram em empresas do comércio de bens, serviços ou turismo podem fazer gratuitamente a Credencial Plena do Sesc e ter acesso a muitos benefícios. São aceitos registro em carteira profissional (com contrato de trabalho ativo ou suspenso), contrato de trabalho temporário, termo de estágio e de jovem aprendiz, e pessoas desempregadas dessas empresas até 24 meses.
Para fazer ou renovar a Credencial
Plena de maneira online e de onde estiver, baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento.sescsp. org.br. Se preferir, nesses mesmos locais é possível agendar horário para ir presencialmente a uma das Unidades (compareça com a documentação necessária).
A Credencial Plena é o acesso para trabalhadores e dependentes ao uso dos serviços e programações nas Unidades do Sesc.
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Tudo o que você precisa saber sobre
a Credencial Plena do Sesc
Sobre a Credencial Plena:
• É gratuita
• Tem validade de até dois anos
• Pode ser utilizada nas Unidades do Sesc em todo o Brasil
• Prioriza os acessos às atividades do Sesc
• Oferece descontos nas atividades e serviços pagos
Faça a sua Credencial Plena online!
Baixe o app Credencial Sesc SP ou acesse centralrelacionamento. sescsp.org.br
PARA FAZER OU RENOVAR A CREDENCIAL PLENA DO SESC SÃO PAULO
Ricardo Ferreira
CURSO SESC DE GESTÃO CULTURAL 2025
Trovador caipira
Conhecido por compor, há mais de cinco décadas, histórias que exaltam a cultura interiorana, Renato Teixeira traduz em verso e melodia a alma sertaneja
POR LÍGIA SCALISE
Quando cheguei a São Paulo, no final dos anos 1960, para profissionalizar minha carreira na música, eu ainda estava em busca do meu estilo. Foi uma conversa despretensiosa com Paulinho da Viola que mudou o rumo da minha arte. Na Galeria Metrópole, ouvi Paulinho tocando seu samba ‘Coisas do mundo, minha nega’. Naquele instante, caiu minha ficha: eu precisava cantar quem eu sou e reverenciar o cotidiano e a alma das pessoas e dos lugares de onde venho”, relembra Renato Teixeira. A partir daquele momento, o músico, cantor e compositor encontrou sua essência e identidade musical. Tornou-se a nova voz do sertanejo raiz, traduzindo o sentimento do caipira em versos e melodias que atravessam gerações.
Dessa reconexão com suas raízes nasceu, em um só fôlego, “Romaria” (1978). A canção, eternizada na voz de Elis Regina (1945-1982), tornou-se um dos maiores clássicos da carreira de Renato Teixeira e da própria Música Popular Brasileira. Inspirada na fé e devoção dos romeiros que cruzavam o Vale do Paraíba rumo a Aparecida (SP), “Romaria” representa, para Teixeira, o orgulho de um Brasil interiorano que, até então, era subestimado. “O povo perdeu a vergonha de dizer que é ‘caipira, pirapora’. Isso fortaleceu nossa identidade cultural”, reflete o artista, que dá voz às faixas do álbum Relicário: Renato Teixeira (ao vivo no Sesc 1978), recém-lançado pelo Selo Sesc com o resgate da gravação de um show realizado por Teixeira há 47 anos, no palco do Sesc Consolação, com repertório inspirado pelo disco Romaria (1978).
Prestes a completar 80 anos, em 20 de maio, ele revisita sua trajetória com orgulho. Em mais de cinco décadas de
carreira, compôs tantas canções que já perdeu a conta, mas reconhece o impacto e o legado de seu trabalho no cancioneiro popular. Ao falar sobre a trajetória, o artista faz questão de homenagear seus familiares, que não puderam viver da música, mas pavimentaram o caminho que ele percorreu e com o qual se consagrou. Nesta Entrevista, um dos maiores compositores da MPB revisita memórias, enquanto segue firme na arte de compor e cantar aquilo que lhe toca a alma.
Você está comemorando 80 anos, sendo 50 deles dedicados à música. Quantas canções você calcula ter feito em todo esse período? Confesso que me perco nas contas. Eu deixo o tempo me levar e nunca me preocupei em contar quantas músicas fiz ou quantos discos gravei. Aliás, eu procuro não saber. Primeiro, porque é difícil fazer essa contabilidade e, segundo, porque aprendi com o sogro do meu irmão que a contabilidade da nossa carreira vai ser feita por outros depois que a gente partir. Não vejo sentido em me preocupar com isso agora. Uma vez, alguém contou 500 músicas gravadas, mas acredito que seja mais. O que me importa é ter construído uma carreira longa e permanente na música. Nunca me desviei dela. Agora, em relação ao meu tempo de vida, não perdi as contas, mas acho estranho completar 80 anos. Eu não me sinto velho, como imaginava que seria nessa idade. Faço academia duas vezes por semana, 10 shows por mês, componho diariamente, toco, canto e apresento um programa de TV. Estou vivendo intensamente, seguindo o conselho genial do Zeca Pagodinho, que diz: “deixa a vida me levar, vida leva eu”.
Adriana Vichi
Premiado três vezes com o Grammy Latino, Renato
mantém acesa a criatividade para novos projetos, no ano em que completa 80 anos de idade.
Teixeira
Sua história na música começou muito cedo. Como sua família teve influência nessa escolha? Gosto de me descrever como um “caiçara-caipira-urbano”, uma mistura dos mundos por onde passei. Eu nasci em Santos (SP), vivi minha infância em Ubatuba (SP), e por volta dos 10 ou 11 anos, minha família se mudou para Taubaté (SP). Esses lugares, assim como minha família, me influenciaram completamente. Comecei a tocar aos nove anos, de forma autodidata, porque meus parentes, apesar do talento para a música, não tinham o perfil de professores. Meu único caminho foi aprender sozinho, e assim segui, tocando e compondo. Desde então, nunca mais parei. A música faz parte de quem sou e sempre esteve presente em casa. Sou fruto das minhas referências familiares e dos artistas que eles me apresentaram, como Noel Rosa (1910-1937), Luiz Gonzaga (1912-1989) e outros grandes nomes que moldaram o músico que sou hoje. Mas foi só quando me mudei para São Paulo, por volta dos 22 anos, que minha carreira tomou forma profissional.
Seus filhos também são artistas. Acredita que esse talento para a música esteja no DNA?
Acredito que sim, o talento é algo genético. Claro, a técnica pode ser aprendida, mas o talento em si é algo que a pessoa já traz consigo. Meu neto caçula, por exemplo, com menos de um ano de vida, já passa os dedinhos pelas cordas do violão de uma maneira que impressiona. Vejo que ele já nasceu com esse talento, eis aí a nossa continuidade. Mas existe também algo inexplicável na música que me instiga muito. Chegando aos 80 anos, começo a enxergar a complexidade desse inexplicável em tudo. Uma folha de árvore, um grão de areia, uma música... Talvez Deus esteja justamente nesse inexplicável que não conseguimos decifrar. Dizem que Deus está em todas as coisas, e eu acredito que todas as coisas são Deus. Tomo como exemplo minha música “Tocando em frente”, que compus com Almir Sater. Essa canção nasceu tão rápido, em menos de meia
hora, que chegamos a pensar: “Será que plagiamos algo sem querer?”. Mas o que aconteceu depois foi ainda mais surpreendente. Jamais imaginamos que ela teria o impacto que tem até hoje no cancioneiro popular. Isso é algo que não dá para explicar, só sei que é uma música com alma.
Você queria ser famoso?
O que eu realmente queria era sobreviver da música, para não precisar fazer qualquer outra coisa. A ideia de fama, de ver meu nome nos cartazes, nunca passou pela minha cabeça. Só em um momento, talvez, eu tenha pensado que a fama poderia me salvar. Eu tinha 19 anos, tinha servido o exército, mas não queria saber de estudar, só queria tocar meu violão. Meu pai estava muito preocupado com o meu futuro e conversou com um amigo que era diretor do departamento comercial da Ford. Ele me ofereceu uma vaga de escriturário na empresa mas, para isso, eu teria que fazer um teste psicotécnico. Nesse meio tempo, um amigo se ofereceu para apresentar uma fita cassete com as minhas músicas ao seu tio, Renato Consorte (1924-2009), que trabalhava com teatro brasileiro e conhecia muita gente do ramo, inclusive o Walter Silva, o famoso Pica-Pau (1933-2009), que foi um produtor musical muito importante. Então, no mesmo momento em que eu fazia o teste psicotécnico para a Ford (e errei tudo de propósito), estava esperando a resposta do tio desse meu amigo sobre as minhas músicas. O dia fatídico foi quando meu pai soube do meu teste e ficou uma fera. Ele interrompeu o seu expediente de trabalho, coisa que nunca acontecia, para vir brigar comigo. Mas, no mesmo momento em que escutei o carro dele se aproximando, apareceu o carro da Dona Cidinha, a cunhada do Renato Consorte, que trouxe a notícia: “Renatinho, o Walter te chamou!”. Logo me mudei para São Paulo para iniciar minha carreira profissional na música, com total apoio e incentivo dos meus pais. Nunca busquei o glamour do músico, mas quero ser referência quando o assunto é música bem-feita.
Nunca quis ser famoso. O que eu realmente queria era sobreviver da música, para não precisar fazer qualquer outra coisa.
Você também é reconhecido por ajudar a repaginar a música caipira. Cantar o sertanejo raiz foi uma escolha consciente? Quando cheguei a São Paulo, no final dos anos 1960, ainda estava à procura do meu estilo e identidade musical. Até que entra na minha história um encontro com Paulinho da Viola, que mudou minha vida definitivamente. Eu estava com Marcus Pereira (1930-1981), um grande amigo e pesquisador da música brasileira, na Galeria Metrópole, quando chegou o compositor Sidney Miller (1945-1980) e Paulinho da Viola. Quando Paulinho tocou “Coisas do mundo, minha nega”, minha ficha caiu imediatamente. Ao ouvir aquela
canção que narrava tão bem o cotidiano do sambista carioca, percebi que eu tinha de cantar quem eu sou, e reverenciar as pessoas e os lugares de onde venho. Logo depois, compus “Romaria” numa sentada só. A música ficou engavetada por três anos, até que Elis Regina quis gravá-la e, em 1977, se tornou um grande sucesso. Paulinho nem sabe, mas ele me deu a direção que eu tanto procurava. Havia um preconceito com o sertanejo raiz no país. Foi difícil enfrentá-lo, mas aos poucos fomos mostrando às pessoas a beleza desse estilo que já deu tantas glórias ao Brasil.
Uma passagem importante da sua trajetória foi o período em que trabalhou com publicidade, compondo jingles. Como foi esse momento? Nunca pensei em desistir da música. Mas houve um momento em que precisei conciliar as duas coisas. Durante a ditadura militar, o mercado musical estava praticamente estagnado, muitos artistas precisaram deixar o país, e quem ficou enfrentou grandes desafios. A publicidade me deu estabilidade financeira que me
permitiu continuar ligado à música. Além disso, foi uma porta para me manter informado, conseguindo driblar a censura para entender o que estava acontecendo no mundo. Criei jingles que marcaram época, como “Tão bonitinho”, dos calçados infantis Ortopé, e “Roda baleiro”, do Drops Kids Hortelã. Até que “Romaria” estourou e tive que tomar uma atitude. Mas boa parte do que conquistei na vida devo à publicidade.
Sobre a sua parceria com Almir Sater, são mais de 30 anos de trabalho e amizade. Que fatores respondem pela longevidade desse encontro?
Parceria não é algo que se força, ela surge naturalmente, como um casamento. Há mais de 30 anos, eu e Almir temos uma sintonia maravilhosa: ele é um mestre dos arranjos musicais, enquanto eu amo escrever. Ele cria a melodia, eu componho a letra, e nos permitimos dar uns pitacos no trabalho um do outro. É curioso que o Almir, quando quer mudar algo na letra, ajusta a melodia e me obriga a procurar a palavra certa. Brinco que isso é um “golpe métrico”. Mais do que parceiros de trabalho, somos
O artista em espetáculo da turnê Estrada eu sou, em fevereiro de 2024, no Sesc Santana, zona Norte da capital paulista.
Meu legado são as músicas que fiz e que, de alguma forma, tocaram o coração das pessoas.
Quando vejo que minha música teve esse efeito, me sinto vaidoso.
grandes amigos. Quando nos conhecemos, ele já era um dedicado estudioso da viola, batalhando para viver da música. Durante muito tempo, seguimos nossas carreiras individualmente, até que surgiu a ideia de gravarmos um disco juntos. As pessoas já esperavam por isso, inclusive nossas famílias faziam pressão. E como não encontrávamos quem quisesse gravar nossas músicas, acabamos nós mesmos cantando. Eu nunca imaginei ser cantor, e não me tornei um Milton Nascimento, mas descobri que sou um cantor razoável. Em 2015, lançamos nosso primeiro álbum conjunto, AR, uma referência às iniciais dos nossos nomes. Gravado em Nashville, nos Estados Unidos, o disco mistura a música caipira raiz com influências do folk. O sucesso foi tão grande que ganhamos o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música de Raízes Brasileiras. Na sequência, lançamos o segundo disco, +AR, e repetimos o feito, conquistando outro Grammy Latino na mesma categoria, em 2018. Nossos discos e nossa parceria são poderosos.
O que busca no momento de compor?
Aprendi com Noel Rosa que meu encanto é falar sobre o comportamento humano. Eu busco observar e escrever sobre a alma do povo. Não se trata de algo superficial, mas de explorar o cotidiano, o que se sente e o que diz o coração. “Tocando em frente”, por exemplo, é uma canção cheia de referências sobre a vida. Não contei isso para o Almir mas, quando a compus, minha intenção era criar algo parecido com aquelas frases motivacionais que costumamos ver em plaquinhas na parede. Nunca me esqueci de uma que vi na casa de um amigo: “Em algum lugar do coração, terei sempre 20 anos”. Não usei essa frase, mas outras começaram a surgir, e assim nasceu a letra. Comecei com: “ando devagar porque já tive pressa”, uma plaquinha; “e
levo esse sorriso porque já chorei demais”, outra; “cada um de nós compõe a própria história”, mais uma; e “cada ser em si carrega o dom de ser feliz”, outra plaquinha. “Tocando em frente” ficou cheia dessas frases que falam sobre a vida, sobre as alegrias e tristezas do ser humano. Quando perdi o medo das palavras, comecei a compor a partir do que estava no meu coração e diante dos meus olhos.
E quais temas e vivências motivam suas composições hoje?
Estou vivendo um momento intenso como letrista, e isso é algo que me agrada muito. Continuo nos palcos, mas também estou muito dedicado a criar letras para outros artistas. Fico o dia todo procurando a palavra certa para cada canção. Atualmente, estou colocando letras nas músicas de Fagner, Antônio Adolfo, Cezinha do Acordeon e Yamandu Costa. A tecnologia tem sido uma grande aliada nesse processo, pois agora posso fazer parcerias com artistas que estão em qualquer lugar do mundo. Fagner e eu, por exemplo, tentamos ser parceiros desde o começo dos anos 1970, mas só agora, graças ao WhatsApp, conseguimos finalmente trabalhar juntos. Estou de olho nos artistas da região amazônica, onde se está fazendo a melhor música do Brasil, e na África portuguesa, onde há artistas geniais.
A mesma tecnologia que ajuda a quebrar barreiras geográficas e facilita novas parcerias, lhe preocupa quanto ao futuro da música dada a intervenção da inteligência artificial?
A inteligência artificial tem muitas qualidades, mas não tem alma. É por isso que não tenho medo dela. Ela pode criar coisas incríveis, inclusive para a música, mas é uma inteligência sem carne, sem alma, sem inteligência humana. A Elis [Regina] dizia que não é a voz que canta, porque por trás da canção tem o espírito humano. A máquina até pode criar, mas nunca terá aquele conteúdo humano que chamamos de alma. Não é a voz que canta, quem canta é a alma. Na hora da nossa morte, quando a natureza nos transforma de volta, o que fica é o nosso legado. Pra mim, legado é sobre o que se faz com a alma.
E qual o legado gostaria de deixar?
Meu legado são as músicas que fiz e que, de alguma forma, tocaram o coração das pessoas. Quando vejo que minha música teve esse efeito, me sinto vaidoso. Penso no que vou deixar, mas também penso no meu pai, na minha mãe e em todos os meus familiares apaixonados pela música. O meu legado é o legado de todos eles também. Olha onde chegamos! Fizemos canções que ajudaram a construir a identidade cultural de um país. Também
entrevista
80 anos não é uma idade que se comemore muito, sabe? É apenas uma constatação do tempo.
O mais importante é saber o que a gente é.
penso nos meus filhos e netos, que vão lembrar de mim de um jeito legal. Imagino como devem se sentir os filhos do Tom Jobim (1927-1994), por exemplo. É sobre isso.
Depois de sua participação como ator no remake da novela Pantanal, vem aí uma nova possibilidade de carreira?
Essa foi uma experiência única e divertida. Talvez eu até conseguisse ser ator se tivesse memória para decorar textos, mas sei que não tenho essa habilidade. Fui interpretar o violeiro Quim, numa cena dele mais velho –personagem que meu filho Chico Teixeira estava fazendo – e sofri bastante para decorar um mísero texto. Me deu um branco danado. O diretor foi muito gentil e ditava o texto para eu repetir. A minha cena era bem curta, só de um minuto e meio, mas o resultado foi algo que eu nem sei explicar como aconteceu. A cena atingiu o maior índice de audiência no dia em que foi ao ar. Foi um estouro. Sem contar que minha filha, Isabel Teixeira, também estava fazendo um sucesso estrondoso. Por conta dela, me tornei o pai da Bruaca, sua personagem. Teve até um dia em que eu estava almoçando com Martinho da Vila, no Rio de Janeiro, e ouvi duas senhorinhas cochichando ao nosso lado: “olha, o pai da Bruaca com o pai da Mart'nália”. Sou um artista que fiz e faço muitas coisas, mas a atuação eu deixo para os meus filhos, que são muito talentosos.
Com tantas histórias vividas, como lida com a nostalgia? Eu gosto de revisitar minhas memórias. Mas acredito que cada vez que relembramos algo, acabamos inventando um pedacinho. Ainda mais eu, que adoro contar e inventar histórias. Sempre imagino que deva haver um departamento no cérebro que registra tudo: quantas vezes tossimos, olhamos para o céu etc. Tudo fica armazenado, mesmo que não tenhamos acesso direto. Então, sim, gosto da nostalgia, mas aprendi que ela não pode nos machucar. Falo isso com a experiência de quem já enfrentou momentos muito difíceis. Tive um filho, João Lavraz, que infelizmente partiu antes do combinado. Ele acabou tirando a própria vida por conta de uma depressão. Como
entender algo assim? Não tem como. A vida se impõe e segue viagem, e eu terei que viver o que me resta, tentando lembrar com carinho e consolar meu coração. O que posso fazer é aprender a lidar com as memórias difíceis de forma que elas não interfiram na minha vida presente.
Você completa 80 anos em maio de 2025.
Quais são seus planos para o futuro?
Quero fazer um espetáculo memorável com todas as minhas músicas e muitos convidados especiais. Também gostaria de gravar com a Orquestra de Heliópolis e tocar de novo na Sala Cultura Artística. Mas 80 anos não é uma idade que se comemore muito, sabe? É apenas uma constatação do tempo. O mais importante é saber o que a gente é. Quando se chega à minha idade, é preciso lidar com a presença da finitude, esse é um exercício diário. Por outro lado, é também uma vitória chegar aos 80, superando as intempéries da vida, com saúde. Tudo isso significa vitória. Na melhor das hipóteses, vou ficar bem velhinho mas, em algum lugar do meu coração, sempre serei um jovem de 20 anos. E vivo agradecido.
SELO SESC
Relicário: Renato Teixeira (ao vivo no Sesc 1978)
Na sexta edição do projeto Relicário, ouça o registro da apresentação ao vivo realizada por Renato Teixeira no Sesc Consolação, em 1978, com repertório composto por canções como “Madrasta” e “Romaria”. relicario.sescsp.org.br
Assista a trechos da entrevista com Renato Teixeira, gravada no Sesc Belenzinho, em novembro de 2024.
esporte
Recordes, equidade de gênero e medalhas: atletas olímpicos apontam como o Brasil pode aproveitar o legado dos Jogos para formar uma nova geração de esportistas e praticantes
O QUE fica?
POR LUCAS VELOSO
Júlia Soares, Rebeca Andrade, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Flávia Saraiva (da esquerda para a direita) conquistaram a medalha de bronze por equipes nas Olimpíadas de Paris 2024, pódio inédito para a ginástica artística brasileira.
Miriam Jeske / Comitê Olímpico do BrasilCOB
Terça-feira, 30 de julho de 2024, foi um dia histórico para o esporte brasileiro. Pela primeira vez, a seleção feminina de ginástica artística conquistou uma medalha por equipes. O feito foi protagonizado pelas atletas Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Lorrane Oliveira, Júlia Soares e Jade Barbosa, durante os Jogos Olímpicos de Paris, na França. Mas a vitória não foi apenas delas. A cerca de nove mil e quinhentos quilômetros de distância, em uma casa na Comunidade Anita Garibaldi, em Guarulhos (SP), Sara Cristina, de sete anos, assistia à competição pela televisão e, encantada pelos movimentos das ginastas, disse à mãe: “Quero fazer igual a elas. Me coloca em um curso de ginástica?”. Dias depois, a família conseguiu atender ao pedido de Sara. A cena exemplifica o impacto transformador que eventos como as Olimpíadas podem exercer em quem quer se dedicar aos esportes, mas está fora dos holofotes.
Participante da conquista olímpica na ginástica, Flávia Saraiva acredita que o resultado inédito é a prova de que “quando a gente trabalha muito, se dedica e leva o esporte a sério, é possível, sim, conseguir realizar um sonho dessa dimensão”, comenta. Para a atleta carioca, uma marca como essa é um incentivo para mostrar aos jovens que “todos eles também podem chegar lá”.
Além de sair dos Jogos Olímpicos de Paris 2024 como uma potência na ginástica, o Brasil também se destacou com outras conquistas históricas. Entre elas, Raíssa Leal, a Fadinha, tornou-se medalhista olímpica no skate street pela segunda vez, reafirmando seu lugar entre as maiores do esporte, enquanto Gabriel Araújo e Carolina Santiago brilharam na natação paralímpica, reforçando o impacto do esporte adaptado brasileiro no cenário mundial.
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro, divulgada em julho de 2024, revela que o futebol foi o esporte mais aguardado para as Olimpíadas de
Paris 2024, com 68% das preferências. Vôlei (61%) e ginástica artística (55%) completam o pódio. Entre os 15 esportes mais populares, foram destacados, entre outros, natação, atletismo, vôlei de praia e judô. A ginástica artística, o atletismo e a natação são os que mais concentraram o interesse do público, com um aumento de 16% a 55% na preferência. O interesse em acompanhar essas modalidades também pode gerar aumento na procura pela prática esportiva, o que pode ser percebido por alguns projetos que atendem crianças e jovens com a oferta de esportes olímpicos nas periferias de São Paulo, e que registraram, neste ano, crescimento na busca por aulas de skate, ginástica, natação e atletismo.
TRANSFORMAR REALIDADES
Pesquisadores e atletas concordam que o alcance do esporte olímpico, quando aliado a políticas públicas consistentes, tem o poder de estimular mudanças sociais, como o aumento do interesse por algumas modalidades. Além disso, atletas olímpicos e paralímpicos podem se tornar ícones que incentivam a prática esportiva.
Mas, para que esse impacto inicial se transforme em um legado duradouro, é fundamental enfrentar desafios estruturais. A criação de espaços acessíveis para treinamento, o aumento de investimentos em projetos sociais e a ampliação de políticas públicas esportivas são passos cruciais para democratizar o acesso ao esporte. Iniciativas que oferecem suporte técnico e financeiro para atletas em potencial, especialmente em áreas periféricas, aumentam a chance de transformar realidades e consolidar a prática esportiva no cotidiano de milhões de brasileiros.
Na opinião de Nara Rejane Cruz de Oliveira, professora do Departamento de Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os Jogos Olímpicos de 2024 foram marcados
esporte
Ouro na natação, Gabriel Araújo ganhou a primeira medalha do Brasil nos Jogos Paralímpicos de Paris.
QUANDO A GENTE TRABALHA MUITO, SE DEDICA
E LEVA O ESPORTE A SÉRIO, É POSSÍVEL, SIM,
CONSEGUIR REALIZAR UM SONHO DESSA DIMENSÃO
Flávia Saraiva, ginasta e medalhista olímpica
esporte
por compromissos sociais importantes, como a responsabilidade com a sustentabilidade. “Os jogos buscaram olhar de maneira mais ampla não só para o esporte, mas para como o esporte pode estar inserido na sociedade e no meio ambiente”, afirma. Para a professora, outro ponto relevante foi o avanço na equidade de gênero, com uma participação mais equilibrada no número de atletas homens e mulheres, pela primeira vez na história.
Apesar da celebração, a especialista diz que é preciso atenção, pois mudanças mais drásticas ainda devem ser colocadas na mesa. “A maior presença feminina nos Jogos gera um efeito positivo, no entanto precisamos entender que o esporte feminino enfrenta barreiras históricas e sociais profundas, especialmente no Brasil, onde questões de gênero ainda limitam o acesso de meninas e mulheres à prática esportiva”, observa.
Publicado pela revista científica The Lancet, em 2021, um estudo liderado pelo pesquisador Adrian E. Bauman investigou os reais impactos sociais dos Jogos ao longo das últimas décadas. Com o título “Uma avaliação baseada em evidências do impacto dos Jogos Olímpicos nos níveis de atividade física da população” (em tradução livre para o português), o artigo alerta que sem um planejamento estratégico robusto, incluindo políticas nacionais de incentivo ao esporte, infraestrutura comunitária e campanhas educacionais antes dos jogos, o evento pode permanecer como uma “oportunidade perdida” para promover a saúde global.
Na conclusão do trabalho, a equipe de pesquisadores alerta que as ações devem ser acompanhadas por políticas integradas e esforços a longo prazo por parte do Comitê Olímpico Internacional, de governos e de comunidades locais, além de campanhas educativas que promovam a prática física no dia a dia da população.
A INCLUSÃO NO PÓDIO
Paris 2024 também confirmou que o Brasil é uma potência nos esportes paralímpicos. Contudo, somente a visibilidade de atletas com deficiência não é, por si só, suficiente para promover inclusão. Segundo a professora da Unifesp, ainda há um longo caminho para garantir acesso equitativo a incentivos esportivos básicos para essa população. “Precisamos de políticas públicas que olhem tanto para o alto rendimento quanto para a base, pois a inclusão deve começar desde cedo e ser constante”, pontua.
A judoca Ketleyn Quadros é a única brasileira a conquistar duas medalhas com intervalo de 16 anos:
A mulher brasileira com mais medalhas douradas em Paralimpíadas, e uma das principais nadadoras paralímpicas do país, se chama Carol Santiago. Portadora da síndrome de Morning Glory, que afeta a retina e reduz o campo de visão, ela se destacou em Paris, na classe S12 (para deficientes visuais), trazendo três medalhas de ouro e duas de prata para casa. Em toda a sua carreira, já são dez medalhas, sendo seis de ouro, três de prata e uma de bronze.
Nos Jogos de 2024, a nadadora se consagrou como a maior atleta paralímpica brasileira na modalidade. “Foi incrível ouvir o hino nacional com toda a torcida comemorando”, recorda, referindo-se ao dia 31 de agosto, quando competiu nos 100 metros costas e levou seu primeiro ouro. Mesmo com todos os feitos, Carol enfatiza que suas conquistas vão além
bronze em Pequim 2008 e bronze em Paris 2024.
PRECISAMOS DE
POLÍTICAS PÚBLICAS QUE OLHEM TANTO PARA O ALTO RENDIMENTO QUANTO
PARA A BASE, POIS A INCLUSÃO DEVE COMEÇAR DESDE CEDO E SER CONSTANTE
Nara Rejane Cruz de Oliveira, professora da Unifesp
das medalhas. “Elas são um estímulo para crianças e adolescentes, mostrando que, independentemente das limitações, é possível alcançar grandes sonhos”, destaca.
Carol também acredita que o esporte paralímpico ajuda na transformação social e econômica de famílias, promovendo dignidade e oportunidades Vista como exemplo para os jovens, a atleta defende o poder do esporte “não apenas para criar grandes atletas, mas grandes pessoas”. Seu contato direto com crianças, no Centro de Treinamento Paralímpico Brasileiro, na capital paulista, reflete seu compromisso em inspirar as próximas gerações a sonharem alto e trabalharem duro para realizar seus sonhos.
Como legado dos Jogos, a nadadora elogia a infraestrutura do CT Paralímpico, na capital paulista,
que, segundo ela, é comparável aos melhores do mundo. Além disso, destaca a crescente valorização do esporte paralímpico no Brasil, tanto pelo aumento de patrocínios quanto pelo interesse de clubes. Além dos resultados esportivos, Carol emenda que atletas paralímpicos carregam histórias inspiradoras de superação e realização, o que torna a modalidade ainda mais relevante.
PIONEIRA NO TATAME
Considerada pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB) como a primeira mulher brasileira a conquistar uma medalha olímpica em esporte individual (em Pequim 2008), a judoca Ketleyn Quadros foi outro nome de destaque em Paris 2024. Ela ajudou a seleção brasileira a conquistar
esporte
uma medalha de bronze por equipes mistas no judô, o que trouxe outro título: entre homens e mulheres, é a primeira atleta brasileira a ter 16 anos de separação entre o primeiro e o segundo pódio olímpico. O bronze de Pequim 2008, com 20 anos de idade, e o outro, aos 36.
Foi em meio à rotina de aulas no Sesi (Serviço Social da Indústria) da Ceilândia, região administrativa no Distrito Federal (DF), que uma menina curiosa encontrou no tatame o que viria a ser sua forma de expressão. Apesar de praticar natação na infância, Ketleyn Quadros viu seu interesse ser roubado por outro esporte: o judô. “Chegava em cima da hora na aula de natação, porque ficava assistindo às aulas de judô. Minha mãe até estranhou, mas depois perguntou se eu queria fazer uma aula experimental. Eu disse que sim”, recorda. Apesar de um começo despretensioso, a paixão foi imediata. “Minha família nem comprou quimono na época, achavam que seria fogo de palha”, brinca.
O caminho até ali foi marcado por oportunidades e incentivos. A judoca não apenas apostou em um esporte ainda dominado por homens, mas também enfrentou preconceitos. “Na época, eu nem sabia se mulheres podiam treinar judô. Não tinha outras meninas no tatame para eu me espelhar.” Mesmo assim, o apoio incondicional de sua família, em especial das mulheres, foi crucial. “Minha avó estava sempre comigo nos treinos, assim como minhas tias. Minha mãe, cabeleireira, fazia o possível para me apoiar, mesmo com a rotina ocupada.”
Inspirada por filmes de artes marciais, como Karatê Kid (1984-1994), a jovem Ketleyn admirava os movimentos e a dinâmica das aulas. Três décadas depois, a judoca se destaca não apenas por suas vitórias, mas também por inspirar gerações e fomentar debates sobre equidade, inclusão e legado social. “A responsabilidade de ser espelho para outras pessoas é enorme. Quando ganhei a medalha em Pequim, percebi o impacto que uma conquista pode ter, especialmente para meninas e mulheres negras”.
LEGADO COLETIVO
Os resultados em grandes competições, como os Jogos de Paris, são catalisadores de mudanças, assim como as campanhas esportivas podem despertar o interesse de crianças e jovens para se tornarem futuros atletas. “Você percebe o aumento de procura pelo esporte quando vê tantas mensagens dizendo:
NA ÉPOCA, EU NEM SABIA SE MULHERES PODIAM TREINAR JUDÔ. NÃO TINHA OUTRAS MENINAS NO TATAME
PARA EU ME ESPELHAR.
Ketleyn Quadros, judoca medalhista olímpica
‘Você me inspira, quero ser como você'", conta Ketleyn. Porém, para manter o legado esportivo e garantir mais acesso, há uma série de desafios e necessidades.
A judoca aponta a importância da ampliação nos investimentos em infraestrutura e políticas públicas. “É fundamental ter centros de treinamento nas principais cidades e políticas que garantam continuidade, permitindo que jovens descubram seu potencial no esporte”. A judoca também defende a inclusão do esporte em escolas e a criação de iniciativas para que mais jovens tenham acesso às modalidades, destacando a importância de parcerias entre entidades públicas e privadas.
Para a professora Nara Rejane Cruz de Oliveira, a edição de Paris mostrou, de várias formas, que o esporte pode ser uma ferramenta poderosa para discutir e enfrentar desafios globais. No entanto, para que esses legados se traduzam em mudanças concretas no Brasil, é essencial o investimento em políticas públicas contínuas, inclusivas e adaptadas às realidades locais.
“A mensagem é clara: o esporte deve ser tratado como um bem cultural indispensável, capaz de transformar vidas e sociedades”, resume a especialista.
Os Jogos Olímpicos de Barcelona 92 são frequentemente citados como um exemplo
bem-sucedido de legitimação de legado. A cidade espanhola é conhecida por ter mantido uma infraestrutura esportiva e urbana duradoura pós-Olimpíadas. Porém, a professora ressalta as diferenças entre os contextos e a complexidade de replicar tal feito no Brasil. Para Oliveira, a chave está em políticas públicas esportivas que se adaptem à realidade de cada contexto geográfico e social, e que sejam sustentáveis a longo prazo. A professora cita programas como o Bolsa Atleta e a Lei de Incentivo ao Esporte como iniciativas fundamentais, mas alerta que é preciso expandir esse alcance, integrando o esporte à educação e à saúde.
Nos Jogos de Paris 2024, Raíssa Leal, a Fadinha, tornou-se medalhista olímpica no skate street pela segunda vez.
Em sua melhor campanha em quatro Jogos, Caio Bonfim conquistou a prata em Paris-2024, tornando-se o primeiro brasileiro a levar uma medalha olímpica na marcha atlética.
TALENTO NAS BASES
Aos 33 anos, Caio Bonfim é o principal nome da marcha atlética no país. As últimas Olimpíadas ficarão marcadas em sua trajetória, já que foi em Paris que ele conseguiu seu melhor resultado da carreira, depois de quatro participações, com uma medalha de prata na modalidade de 20 quilômetros. “Competir nas Olimpíadas é sempre muito bom, é algo fantástico. O desafio é tentar transformar seu talento, treino e dedicação em medalhas”, disse, enfatizando como o aprendizado e as experiências o prepararam para ir mais longe.
Uma das grandes transformações no cenário esportivo, segundo o atleta, é a existência das redes sociais como espaço de visibilidade. Diferentemente do passado, quando a cobertura dependia exclusivamente das mídias tradicionais, hoje essas plataformas ampliam
a visibilidade de modalidades pouco conhecidas. “Hoje você consegue ver o esporte que deseja, o atleta brasileiro que quiser. Isso dá oportunidade para modalidades que não são tão conhecidas serem mais divulgadas e crescerem”, explica.
Além das políticas e estruturas, o impacto humano das vitórias é inegável. Ele lembra que “os atletas com bons títulos já geram inspiração”, destacando como suas conquistas são capazes de inspirar jovens talentos. Mas ele alerta para a importância de que exista uma cadeia que integre desde a iniciação à alta performance. “Na iniciação, é preciso oferecer lugar para treinar, treinadores capacitados e oportunidades para mostrar talento. A gente precisa fazer algo a longo prazo. O verdadeiro legado do esporte está na capacidade de inspirar, estruturar e garantir que os sonhos de hoje se tornem as vitórias de amanhã”, arremata o atleta.
Miriam Jeske / Comitê Olímpico do BrasilCOB
Movimente-se com a programação do Sesc Verão, composta por ações gratuitas, como demonstrações esportivas, vivências, recreações e bate-papo.
NINGUÉM FICA PARADO
Uma estação inteira de movimento, novos hábitos, diversão e atividades esportivas marca a programação do Sesc Verão 2025
Entre janeiro e fevereiro, o Sesc Verão comemora sua 30ª edição com o tema “Segue o Jogo!”, celebrando o incentivo a práticas esportivas e de atividades físicas ao longo de todas as fases da vida. A programação, com mais de mil ações gratuitas em todas as unidades do Sesc no estado de São Paulo, prioriza o convívio social, a inclusão e a diversidade, buscando não apenas promover um estilo de vida ativo, mas também criar experiências duradouras que incentivem a prática do esporte na rotina diária.
Realizada entre 4/1 e 16/2, a programação do Sesc Verão 2025 é composta por uma ampla variedade de atividades físico-esportivas para todos os públicos. Durante esse período, as unidades do Sesc São Paulo oferecem aulas
abertas, festivais, apresentações com atletas, vivências e recreações esportivas, criando oportunidades para as pessoas se conectarem, experimentarem novas modalidades e escolherem quais integrar ao dia a dia.
Para Carol Seixas, gerente da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo, o propósito do Sesc Verão é contribuir para a construção de legados positivos a partir de experiências em momentos de lazer e bem-estar. “O poder transformador da criação do legado do hábito, do prazer e da alegria do corpo em movimento pode gerar adesão e permanência na prática esportiva como rotina de vida”, destaca.
Confira destaques da programação:
para ver no sesc / esporte
FLORÊNCIO DE ABREU E CARMO
"Praia do Centro"No Centro, dá praia!
Uma quadra de areia fica disponível para o público curtir, jogar, experimentar e vivenciar esportes e atividades físicas.
De 11/1 a 23/2. Segunda a sexta, das 11h às 19h. Sábados e domingos, das 10h às 18h. No Vale do Anhangabaú. GRÁTIS.
INTERLAGOS
Vôlei de areia
Apresentação esportiva e vivência com as campeãs olímpicas Ana Patrícia (ouro em Paris-2024) e Jackie Silva (ouro em Atlanta-1996).
Dia 4/1. Sábado, às 10h. GRÁTIS.
SANTANA E GUARULHOS
Ginástica artística com Flávia Saraiva
Bate-papo e vivência com Flávia Saraiva, que compartilha sua trajetória e desafios da carreira.
Dia 12/1. Domingo, às 10h30 (Santana) e às 15h30 (Guarulhos). GRÁTIS.
VÁRIAS UNIDADES
Marcha atlética
Bate-papo e treino coletivo com Caio Bonfim. Medalhista de prata em Paris-2024, o atleta fala sobre a carreira e os desafios da modalidade.
Dia 12/1. Domingo, às 10h (Araraquara) e às 15h30 (Franca). Dia 2/2. Domingo, às 10h30 (Casa Verde) e às 15h30 (14 Bis). GRÁTIS.
Saiba mais: sescsp. org.br/sescverao
MESTRE da MADEIRA
O talento múltiplo do xilogravurista e cordelista
J. Borges, que entalhou sua poesia, cor e rima na história da arte popular brasileira
POR MANUELA FERREIRA
A obra Aves Sertanejas, xilogravura que propõe uma representação da diversidade da fauna sertaneja, compõe o Acervo Sesc de Arte.
Um dos mais criativos narradores dos modos de vida no Nordeste foi um homem que frequentou a escola por apenas dez meses.
Ali, José Francisco Borges (1935-2024) aprendeu a ler, escrever e fazer contas. Tinha doze anos e, até aquele momento, entrar numa sala de aula era um sonho distante para o menino, acostumado com a labuta na zona rural do município de Bezerros, no agreste pernambucano. De tanto pedir para ir à escola, convenceu o pai pelo cansaço, mas não pôde seguir estudando – o único professor do povoado foi chamado, da noite para o dia, para trabalhar na capital, Recife. De tão marcante, aquele período escolar agrandou alguns desejos de José, entre os quais, o de aprimorar a recém-desenvolvida caligrafia. Queria ter uma letra bonita.
As aulas também fizeram dele um garoto ainda mais curioso. Na ausência de rádios e televisores, as notícias chegavam a Bezerros somente por folhetos de cordel, vendidos nas feiras e mercados da região. Assim, foi tomando gosto por ler os versos que encontrava cada vez que partia, com o pai, para vender tudo o que podiam nas feiras das redondezas: panelas, colheres de pau, moringas, brinquedos de barro, farinha, feijão, algodão, milho. De história em história, José passaria a assinar, pouco tempo depois, suas próprias narrativas, sob a alcunha J. Borges. Já a arte da xilogravura (gravura em relevo sobre madeira que permite uma impressão tipográfica) viria paralela à escrita, de forma autodidata, motivada pela necessidade de ilustrar suas criações em cordel. Dessa forma, emergiu um dos mais renomados xilogravuristas e cordelistas do país, reconhecido internacionalmente como um dos ícones da arte popular brasileira.
FORÇA CRIATIVA
As obras entalhadas pelas mãos de J. Borges são adornadas por registros de cenas da vida sertaneja: lendas, festas, costumes, paisagens, personalidades emblemáticas e fantásticas, flores e frutas, santos e animais, seca e fartura. Um universo tão autêntico quanto grandioso em cor e encanto, construído em seis décadas de produção artística. “Quando fui para a escola, já levei cordel na bolsa, que era para aprender a ler. Eu escrevia nas pedras com carvão, lia jornal velho, papel velho que era para ampliar a minha leitura (...) Fiquei batendo a vida toda na mesma tecla e, graças aos amigos e também ao povão que gosta do meu trabalho, eu tenho meu ateliê grande, eu tenho um conhecimento do mundo inteiro e vivo bem satisfeito com a minha arte”, afirmou o artista no livro J. Borges: Entre fábulas e astúcia (Cepe Editora, 2019), da jornalista, poeta e pesquisadora Maria Alice Amorim.
Foi o pai do artista, Joaquim Francisco Borges, que o fez se encantar, ainda criança, pelas histórias em forma de rima, cheias de musicalidade. O patriarca da família era um agricultor com leitura, que gostava de declamar as aventuras, notícias e toda sorte de assuntos que lia nos folhetos. Reunia família e vizinhos para os recitais improvisados com certa frequência, às portas de casa – seguindo, assim, a tradição oral que acompanha as narrativas de cordel, fomentada pelos trovadores medievais e também pelos contadores de histórias da tradição afro-diaspórica.
“O cordel é, antes de tudo, fruto da oralidade, pois foi através das narrativas orais, contos e cantorias que
Além de grande artista, poeta e contador de histórias, meu pai também era grande como pessoa. Ajudava muito os demais, e era alguém muito simples e humilde – por mais que sua fama o engrandecesse. Uma das frases que eu tenho comigo, e que ele sempre repetia
nas palestras que dava: ‘aprenda a viver para poder
aprender uma profissão’.
Pablo
Borges, xilogravurista, artista plástico e filho de J. Borges
surgiram os primeiros folhetos, tendo a métrica, o ritmo e a rima como seus elementos formais essencialmente marcantes. No entanto, um pouco semelhante ao cordel português, sob a perspectiva da poesia, o folheto nordestino é uma literatura popular impressa, conhecida como poesia de bancada”, escreveu o professor e pesquisador Josivaldo Custódio da Silva, do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), na dissertação Literatura de cordel: um fazer popular a caminho da sala de aula, de 2007.
CHÃO NORDESTINO
Antes de ser artista, J. Borges foi marceneiro, carpinteiro, pintor de paredes, mestre de obras, anotador de jogo do bicho e oleiro (quem trabalha com barro para produzir peças de cerâmica). Até que, em 1956, comprou um lote grande de folhetos de cordel para negociar nas feiras. Com o tempo, animou-se a escrever, sendo
autor de 300 cordéis. O primeiro, O encontro de dois vaqueiros no sertão de Petrolina, de 1964, foi ilustrado por José Soares da Silva, o Mestre Dila (1937-2019), lendário xilógrafo, tipógrafo e cordelista caruaruense. Entusiasmado com o sucesso de vendas, J. Borges partiu para a segunda história, O verdadeiro aviso de Frei Damião sobre os castigos que vêm, que foi ilustrada por sua primeira xilogravura, uma representação em preto e branco da igreja matriz de sua terra natal.
O cordel foi outro êxito de vendas e, com dois acertos em menos de um ano, a fama de J. Borges correu por toda a região. A partir dali, economizou para comprar as máquinas tipográficas com as quais editaria seus folhetos em larga escala e garantiria seu meio de vida nos anos seguintes. Como autor, A chegada da prostituta no céu, de 1981, é seu carro-chefe – são mais de 100 mil cópias vendidas até hoje. O prestígio alcançado pelo xilogravurista ganhou maiores contornos a partir dos anos 1970, quando seu nome recebeu visibilidade fora do Nordeste, impulsionado por intelectuais e colecionadores de arte de todo o país.
GUARDIÕES DA MEMÓRIA
Suas gravuras, descobertas por um público ainda maior, foram expostas em diferentes partes do Brasil e em países como França, Itália, Alemanha, Suíça, Japão, México e Estados Unidos. Mas coube ao escritor Ariano Suassuna (1927-2014) parte significativa da difusão do trabalho de J. Borges. Eles se conheceram por intermédio do artista plástico Ivan Marchetti e do escritor Liêdo Maranhão (1925-2014), outros dois apreciadores do artista pernambucano. Nas entrevistas e aulas-espetáculos que fazia em teatros e universidades pelo país, Suassuna sempre dividia com os ouvintes a admiração pela arte do mestre J. Borges, com quem compartilhava o humor afiado e o olhar satírico.
“Nos anos 1970, (Suassuna) andou espalhando ser Jota o melhor do Nordeste e o melhor do Brasil. Entre orgulhoso e galhofeiro, Borges diz que um dia os dois se encontraram e ele, então, decidiu acrescentar a si mesmo o título de melhor do mundo. ‘Você já está ficando é meio doido, não sabe nem o que é que diz’, disparou Ariano. Os dois riram muito e sempre se divertiam ao lembrar essa história”, escreveu Maria Alice Amorim em seu livro. Para celebrar a amizade e a gratidão que nutria pelo autor de O Auto da Compadecida (1955), o xilogravurista deu o nome de Ariano a um de seus 24 filhos. Dedicou ao amigo, ainda, um cordel em que narra a chegada de Suassuna ao céu.
Matriz em madeira da obra Aves Sertanejas, xilogravura de J. Borges.
ENTALHAR A VIDA
Outro grande amigo de J. Borges foi Eduardo Galeano (1940-2015). No verão de 1990, o jornalista e escritor uruguaio desembarcou no Recife decidido a conhecer o ateliê onde Borges passava seus dias entalhando madeira e esculpindo imagens. A oficina estava a 100 quilômetros de distância da capital, às margens da BR-232, em Bezerros, base do artista até o fim da vida. Do encontro nasceu uma amizade duradoura, e aquela primeira visita impactou o escritor de tal forma que ele a descreve em um dos capítulos de As palavras andantes (1993), obra que conta com quase 200 ilustrações do pernambucano, produzidas ao longo de dois anos.
“Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado. A oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do Nordeste do Brasil. O ar cheira à tinta, cheira à madeira. As pranchas de madeira, em pilhas altas, esperam que Borges as talhe, enquanto as gravuras frescas, recém-impressas, secam dependuradas no arame de um varal. Com o rosto esculpido em madeira, Borges me olha sem dizer uma palavra. (...) Vim ao seu ateliê para convidá-lo a trabalharmos juntos. Explico meu projeto: imagens dele e minhas palavras. Ele está em silêncio. E eu falo e falo, explicando. E ele, nada”, escreveu Galeano.
O uruguaio só conseguiu convencer J. Borges ao trabalho em parceria depois de narrar, em detalhes, as histórias que havia imaginado publicar, ainda que parte delas fosse, naquele momento, meras ideias. “Conto-lhes as histórias de horrores e encantamentos que quero escrever, vozes que recolhi nas estradas e meus sonhos de caminhar acordado, realidades delirantes, delírios realizados, palavras ambulantes que encontrei – ou fui encontrado por elas. Conto-lhe as histórias; e este livro nasce”, relatou o autor de As veias abertas da América Latina (1971).
RISCOS E VERSOS
“Além de grande artista, poeta e contador de histórias, meu pai também era grande como pessoa. Ajudava muito os demais, e era alguém muito simples e humilde – por mais que sua fama o engrandecesse. Uma das frases que eu tenho comigo, e que ele sempre repetia nas palestras que dava, era: ‘aprenda a viver para poder aprender uma profissão’. Ou seja, ele visava muito a arte para viver, e ele soube viver, teve uma vida muito bem vivida”, contou o xilogravurista e artista plástico Pablo Borges. Além dele, outros quatro
Por seu legado artístico, J. Borges colecionou condecorações ao longo da vida, como o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, registrado em 2005, pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural.
filhos seguiram os passos do pai no campo da xilogravura: Ivan, J. Miguel, Manassés (1968-2017) e Bacaro Borges.
J. Borges transmitiu o ofício aos herdeiros na lida diária no ateliê, hoje sede do Memorial J. Borges & Museu da Xilogravura. Gostava muito de ministrar oficinas pelo mundo. Apenas no Museu de Arte Popular do Novo México, nos Estados Unidos, esteve sete vezes ensinando o que sabia. Colecionou condecorações, como a comenda da Ordem do Mérito Cultural do Brasil, em 1999, um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, registrado em 2005 pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural daquele estado.
O próprio artista refletiu sobre seu legado no livro J. Borges: Entre fábulas e astúcia. “De tudo o que existe no mundo tem escrito no cordel, e por isso aprendi uma série de coisas. Hoje, tenho amigo no mundo inteiro, trabalho espalhado pelo planeta, boa morada, a família bem-criada, uma vida tranquila, não devo nada a ninguém e tudo o que consegui foi com o próprio suor. Vivo muito alegre no meu terreno, em minha casa, esperando o povo que vem.”
Fotos: Everton Ballardin
Uma mesa remendada, velhas letrinhas móveis de chumbo ou madeira, uma prensa que talvez Gutenberg tenha usado. A oficina de José Francisco Borges na cidadezinha de Bezerros, no interior do nordeste do Brasil. O ar cheira à tinta, cheira à madeira.
Eduardo Galeano (1940-2015), escritor uruguaio
para ver no sesc / bio
IMAGINÁRIO ETERNIZADO
Reproduções de xilogravuras de J. Borges estão presentes em coleção da Loja Sesc, enquanto trabalhos originais do artista compõem o Acervo Sesc de Arte
Reconhecido, em 2018, como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o cordel não se restringe à literatura, já que reúne tradições da oralidade, da poesia e das narrativas em prosa, além da presença importante dos elementos iconográficos, como a xilogravura. A fim de aproximar o público das criações de um dos maiores mestres dessa arte, a linha de produtos Sesc em Obras: J. Borges, à venda na Loja Sesc, apresenta uma coleção de objetos desenvolvida com a assinatura do xilogravurista e cordelista J. Borges. Em camisetas, bolsas, cadernos e outras peças, coloridas ou em preto e branco, estão presentes ilustrações do cotidiano nordestino, danças, pássaros, anjos e dragões.
Os trabalhos originais de J. Borges também estão ao alcance do público que frequenta as unidades do Sesc. Uma série de 41 gravuras do artista compõe o Acervo Sesc de Arte, com obras instaladas em unidades da capital, litoral e interior do estado, e podem ser apreciadas, via registro fotográfico, na plataforma Sesc Digital. Entre as xilogravuras e matrizes disponíveis estão representações folclóricas, como as telas Bumba-Meu-Boi e Cavalo Marinho, personagens populares, entre os quais violeiros e ba-
Briga da onça com a serpente é uma das obras de J. Borges presentes no Acervo Sesc de Arte.
camarteiros, além de cenas do imaginário borgeano, a exemplo da xilogravura Briga da onça com a serpente, cuja matriz ilustra capa desta edição da Revista E
SESC DIGITAL
Coleção J. Borges
Reprodução fotográfica de 41 obras do artista pernambucano presentes no ao Acervo Sesc de Arte. sesc.digital/colecao/jborges
LOJA SESC
Sesc em Obras: J. Borges
Linha de produtos desenvolvidas com a assinatura do xilogravurista. sescsp.org.br/editorial/linhasesc-em-obras-j-borges
Produção criativa das juventudes aponta para um horizonte com diversidade de narrativas, poéticas e estéticas
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
DA ARTE FLECHAS
Flavio
Versatilidade (2023), de Donatinho (SP). Pontilhismo.
OBrasil é lar de quase 50 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, que vivem diferentes realidades sociais. Como descreve a plataforma de dados e pesquisas Atlas da Juventude, grande parte dos jovens brasileiros habita os centros urbanos e áreas periféricas, concentrando-se em ruas, vielas e morros das regiões metropolitanas do país. “Ainda que, enquanto geração, compartilhem um mesmo momento histórico, há muitas juventudes em nosso país. Assim, para apoiar as juventudes é preciso entender a diversidade que existe dentro dela”, informa a plataforma. O campo das artes visuais lança-se como uma lupa poética voltada a compreender e dar visibilidade a parte desses jovens, permitindo-nos enxergar mais de perto as camadas que compõem esse complexo tecido populacional.
Desde 1989, a Mostra de Artes da Juventude – MAJ, realizada pelo Sesc Ribeirão Preto, assume esse exercício de aproximar-se da produção artística de jovens, ampliando o alcance do público a diferentes narrativas, estéticas e formatos por eles produzidos. Em sua 31ª edição, dos mais de 700 inscritos, 46 foram selecionados para a exposição coletiva, em cartaz até 8 de junho na unidade do Sesc no interior paulista [leia mais em Abrir janelas]. Sob curadoria de Tiago Gualberto e Camila Fontenele, a MAJ dispensa qualquer tentativa de rótulos às obras, por ser, segundo Gualberto, um espaço que oferece condições para a reflexão crítica. “Isso se dá à medida em que o conjunto de trabalhos rejeita agendas prescritivas, que definiriam conjuntos de obras por semelhanças ou pontos de intersecção únicos – seja raça, gênero, tema, regionalidade etc. O que esses e
Performance Me leve com você, da série “Não Separe a Arte da Artista” (2023-2024), de Diez (SP). Impressão gráfica em faixa de lona e ziplock.
essas jovens artistas demonstram de forma vigorosa é a confiança na capacidade do público acessar nuances, sutilezas e vinculações nada óbvias”, ressalta o curador.
Entre os pontos de fricção das obras selecionadas, a corporeidade em sua natureza, identidade e condição social se faz presente. “O corpo se afirma na exposição como uma dessas poderosas conexões – não apenas o corpo humano, mas também o corpo em descanso, em gozo, o corpo dos animais, dos cursos d'água, o corpo etérico dos espíritos”, descreve Gualberto. A curadora Camila Fontenele dá como exemplos algumas das produções selecionadas pela mostra. “A obra Um homem chamado cavalo é meu nome (2024), de Lorre Motta, funde-se ao cavalo para fabular sobre a construção de uma masculinidade trans não-binário possível e, acima de tudo, sobre os modos de ser e existir. Além disso, os trabalhos Não separe a arte da artista (2019-) de Diez, Me agarro ao pouco que ficou: memórias de um receptáculo (2023), de Isabella Motta, e Travesti Amada (2022), de Níke Krepischi, constroem e se reconstroem diante de um corpo fragmentado.”
Também é possível observar que esses jovens artistas apontam uma flecha para outros amanhãs. “De forma paradoxal, esse futuro possível já se faz presente quando observo a consulta realizada por esses jovens artistas a estratégias de sonhar e coexistir herdadas de seus antepassados. Essas obras nos informam não apenas sobre a vitalidade do que é produzido fora dos regimes de validação acadêmicos, mas, sobretudo, sobre as alternativas encontradas por essas poéticas para continuar existindo”, arremata Gualberto.
Sem título (2024), de Isabela Picheth (PR). Silicone e madeira.
Flavio
Coreografias da contemplação artística-institucional, da série "Museum Sutra" (2023), de Diego Rocha (SP). Impressão em cores sobre papel (Fotoperformance).
Todo dia a mesma coisa (2024), de Mariana Simões (SP). Óleo sobre tela.
gráfica
Comunhão (2023), de Vitor Alves (SP). Serigrafia sobre papiro.
Flavio Freire
Um homem chamado cavalo é o meu nome (2022-2023), de Lorre Motta (RJ). Vídeo-performance.
delícia!
Assemblage.
Quatro mola (2024), de O Tal do Ale (SP). Papelão, papel pardo e cola quente.
Viver é hmm-ma
Ifood (2024), de Nat Rocha (MG).
Fotos: Flavio Freire
Herdades (2022-2023), de Mar Yamanoi (SP). Grãos de arroz gravados com nanquim sobre madeirite.
Flavio Freire
Me agarro ao pouco que ficou: memórias de um receptáculo (2023), de Isabella Motta (SP). Fotografia sobre papel offset com intervenções em linha de algodão e pregos galvanizados.
Flavio Freire
Amar, cuidar e admirar (2024), de MAVINUS (PE).
Acrílica e bordado sobre tela.
Flavio Freire
Epítome da domesticidade para meninas (2023), de Giovanna Camargo (SP). Tinta PVA e imagens transferidas sobre MDF.
Flavio Freire
para ver no sesc / gráfica
Otimismo por influência, Subtítulos: “Sim, dá tempo.”, “Você consegue!”, “Claro, quatro é uma boa quantidade.”, e “O importante é tentar!” (2024), de Kelly Pires (SP). Xilogravura em MDF e pintura acrílica.
ABRIR JANELAS
Mostra de Artes da Juventude – MAJ celebra 35 anos com número recorde de inscritos e seleção de obras de 46 novos nomes das artes visuais
Território de visibilidade da produção de artistas com idade entre 15 e 30 anos, a Mostra de Artes da Juventude – MAJ promove o incentivo desses novos talentos desde 1989. Realizada pelo Sesc Ribeirão Preto, em parceria com o Centro de Comunicação e Artes da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), a MAJ busca facilitar o acesso ao universo das artes, além de difundir e projetar novos artistas para o cenário nacional e internacional.
A equipe curatorial, composta por Camila Fontenele e Tiago Gualberto, selecionou 46
entre mais de 700 inscritos, número recorde na história da mostra. “A MAJ é um projeto de formação e reconhecimento de artistas jovens, extremamente importante porque oferece a oportunidade para pesquisas em estágio de desenvolvimento, de amadurecimento. É uma mostra que se organiza em torno do aprendizado coletivo, desde o educativo, a expografia, a curadoria e, claro, das ações formativas que envolvem a profissionalização do fazer artístico”, explica o curador.
Aberta para visitação até 8 de junho, a exposição coletiva
é composta por distintas manifestações artísticas, como pinturas, gravuras, esculturas, intervenções e performances. A diversidade étnica e regional também fez parte do processo curatorial, que incluiu artistas brancos, pardos, pretos, amarelos e indígenas de nove estados e do Distrito Federal. Ao longo de mais de três décadas, a MAJ também atuou como um trampolim para esses jovens, caso da artista plástica e visual Vulcanica Pokaropa, poeta e performer travesti indicada ao Prêmio PIPA 2024, um dos principais de arte contemporânea no país.
RIBEIRÃO PRETO
MAJ – Mostra de Artes da Juventude
Até 8/6. Terça a sexta, das 13h30 às 21h30. Sábados, domingos e feriados, das 9h30 às 18h. GRÁTIS. sescsp.org.br/ribeiraopreto
Flavio Freire
teatro
Coletivo Ocutá adaptou O Avesso da Pele, do escritor Jeferson Tenório, em peça homônima.
Do livro para o
PALCO
Textos literários ganham adaptações teatrais que transpõem para as artes cênicas as diversas histórias, estruturas narrativas e personagens
POR LUNA D’ALAMA
Publicada em livro em 1933, por Oswald de Andrade (1890-1954), a peça O Rei da Vela só foi encenada, pela primeira vez, três décadas depois, quando José Celso Martinez Corrêa (19372023) decidiu resgatar o texto modernista e adaptá-lo para os palcos do Teatro Oficina. Foi quando o público pôde ver, de fato, a estreia dessa obra dramatúrgica, um manifesto satírico sobre as relações de poder entre o Brasil e as nações do Norte global. Ao longo de sua carreira, Zé Celso levou para os palcos diversos autores, dos clássicos aos contemporâneos, como Eurípedes, William Shakespeare, Anton Tchekhov, Máximo Gorki, Bertolt Brecht e Tennessee Williams. Adaptou, inclusive, Os Sertões, livro-reportagem escrito por Euclides da Cunha (1866-1909) sobre a Guerra de Canudos, na Bahia.
As intersecções entre literatura e teatro perfazem a biografia de outros diretores brasileiros.
Fundador do Centro de Pesquisa Teatral (CPT), no Sesc Consolação, Antunes Filho (1929-2019) trabalhou com textos de Nelson Rodrigues, Shakespeare, Mário de Andrade e tragédias gregas de Eurípedes e Sófocles. Já Bia Lessa transformou a obra-prima Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1908-1967), em exposição, peça e filme – este último, intitulado O Diabo na Rua no Meio do Redemunho (2024). Na cena atual, destaca-se, ainda, o diretor Gabriel Villela e suas narrativas criadas a partir dos universos de Shakespeare, Luigi Pirandello, Albert Camus, Samuel Beckett, Arthur Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna e Chico Buarque.
Uma das mais recentes transmutações de palavras impressas em diálogos e cenas teatrais é Torto Arado: O Musical, que estreou em Salvador (BA) e esteve em cartaz no Sesc 14 Bis, em São Paulo (SP), entre novembro
e dezembro de 2024. Com dramaturgia de Aldri Anunciação, Fábio Espírito Santo e Elísio Lopes Jr. – que também assina a direção artística –, o espetáculo transforma as 264 páginas do premiado livro homônimo de Itamar Vieira Jr. em duas horas e quarenta minutos de interpretações vigorosas e canções inéditas (compostas por Jarbas Bittencourt), com 16 artistas e seis instrumentistas ao vivo. Além disso, a divindade Santa Rita Pescadeira, que narra uma das partes do livro, cede espaço, na peça, para uma terceira protagonista: Donana, avó das irmãs Bibiana e Belonísia.
“Daria para contar essa história de diversas formas, a partir de muitos personagens e perspectivas. Elegeu-se, então, Donana, que nega aos encantados seu papel de curadora e traz consigo uma maldição. Assim, a peça se torna ainda mais feminina, com três mulheres fortes em primeiro plano”, destaca o dramaturgo Aldri Anunciação, que também é baiano (como a maioria dos músicos e atores, a exemplo de Larissa Luz, uma das protagonistas) e analisou o livro a fundo. A própria decisão de contar Torto Arado (2019) por meio de um musical pareceu ousada, à primeira vista, para Itamar Vieira Jr., que não participou da concepção da peça, mas a aprovou.
“Se para que Bibiana e Belonísia existissem eu precisei imaginá-las com palavras, os grandes atores desse espetáculo se servem de seus corpos, suas mentes e subjetividades para interpretá-los, pulsando de vida”, resume o autor no livreto do espetáculo.
Anunciação, que já escreveu Namíbia, Não!, adaptado por ele para os cinemas (filme Medida Provisória, 2022), explica que muitos temas presentes em Torto Arado – que se passa em uma fazenda no sertão da Chapada Diamantina (BA) – foram mantidos em cena, como ancestralidade, fé, disputa por terras, questões raciais e identitárias, desigualdades sociais, patriarcado rural, trabalho análogo à escravidão, insubordinação, resistência e redenção. “O palco é elevado, como uma rampa ou um jirau, porque tudo está sob risco: da perda de sustentação e equilíbrio à perda da terra, do chão. Além disso, os músicos não ficam num fosso, como em muitos musicais, porque fazem parte do ritual, estão todos na mesma roda, no jarê”. Em 2024, Anunciação ainda adaptou e dirigiu Pequeno Manual Antirracista (2019), de Djamila Ribeiro.
Segundo o diretor soteropolitano
Elísio Lopes Jr., a adaptação de Torto Arado mantém a fidelidade da narrativa e a essência dos(as) personagens, traduzindo em diálogos as falas em primeira pessoa do original. “É um musical essencialmente brasileiro, em sua construção estética e gênese dramatúrgica. Tem o nosso sotaque, e mostra a Bahia para além do litoral dos escritores Jorge Amado (1912-2001) e João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), com sua chapada, matas, sincretismo religioso, rios e cachoeiras”, descreve. Além disso,
a obra conecta ritmos como forró, tambores e percussões da cultura jeje, além de arranjos de Angola. E utiliza canções tradicionalmente entoadas em giras da umbanda e do candomblé. “Com tantas mortes e tragédias presentes no livro, o musical ajuda a tornar a narrativa cênica mais palatável. As canções contribuem para as viradas, as passagens de tempo, a expressão de sentimentos. E a última delas diz: ‘vamos fazer um final depois do final’. O público sai com esperança, com a possibilidade de refazer e reconstruir caminhos”, conclui Lopes Jr.
AVESSO DO TEXTO
Lançado em 2020, O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório – ganhador do Jabuti em 2021 –, foi adaptado para os palcos pelo Coletivo Ocutá, e fez sua estreia no Sesc Avenida Paulista, em 2023. A peça mantém as temáticas do livro, como a relação entre pai e filho, o racismo estrutural, o luto, o sucateamento da educação pública no Brasil e a violência policial, mas vai além: introduz o funk, a dança e a interatividade com o público durante uma “aula”. “Há muitos atravessamentos pessoais, exercícios autobiográficos feitos a Caio
Lirio
A peça Torto Arado: O Musical, baseada na obra de Itamar Vieira Jr., estreou em São Paulo no Sesc 14 Bis, onde esteve em cartaz de novembro a dezembro de 2024.
partir das nossas próprias vivências e memórias. Meu pai era professor da rede municipal no Rio de Janeiro (RJ), dava aulas de química, biologia, geologia. Cresci nesse ambiente de sala de aula, vendo-o chegar tarde da noite em casa. E ele faleceu em 2010, quando eu ainda era adolescente. Por tudo isso, o livro me trouxe um universo muito íntimo. Senti vontade de falar as palavras do Jeferson em voz alta”, conta o ator, codramaturgo e assistente de direção Vitor Britto.
O artista decidiu, então, contatar o escritor, que lhe respondeu e aceitou conhecer o coletivo. Hoje,
Tenório já viu o espetáculo mais de 20 vezes. De acordo com a diretora Beatriz Barros, seu desejo inicial era organizar uma linha cronológica de todos(as) os(as) personagens do livro. “Perguntei ao Jeferson se ele tinha isso, mas ele escreve em fluxos. Não reinventamos nada, apesar de ser outra linguagem. Realizar uma adaptação literária é, basicamente, fazer escolhas. Escutamos a obra, que tem muito para dar, montamos na sequência dos capítulos, e os atores trouxeram materialidades de suas próprias narrativas e experiências. Em cena, exploramos
a música, a luz, os corpos e a plasticidade”, elenca Barros.
Depois de apresentar o espetáculo mais de 150 vezes para cerca de 25 mil pessoas em dois anos de circulação, a diretora Beatriz Barros acrescenta que o livro de Tenório é muito imagético e sedutor para o teatro, com seu jogo narrativo que alterna a história entre a primeira e a segunda pessoas do singular e do plural e a terceira do singular. “Esse embaralhamento de perspectivas é bastante provocador. Portanto, não é uma obra que se fecha, mas que dispõe de
inúmeras possibilidades de criação. O livro enquanto materialidade, objeto, também permeia toda a dramaturgia do espetáculo, como algo que permanece”, finaliza.
DE CLARICE A JOÃO UBALDO
Na visão do diretor e encenador teatral André Paes Leme, as artes cênicas têm um grande coração, capaz de acolher as mais diversas estruturas narrativas ou literárias, ainda que a obra original não tenha sido feita com o propósito de ser encenada. “Todo tipo de material textual pode servir ao teatro, ou se integrar a ele. A leitura se materializa na imaginação, enquanto o teatro é a arte do efêmero, da presença e do presente. Precisa de um tempo, espaço e corpo para acontecer”, explica Leme, que adaptou A Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector (1920-1977), e Viva o Povo Brasileiro (1984), de João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), para os palcos. O primeiro fez temporada no Sesc Santana e o segundo, no Sesc 14 Bis, em 2023.
Leme começou adaptando contos de Mário de Andrade (1893-1945), e não parou mais. “O livro Viva o Povo Brasileiro tem quase 700 páginas, que organizei em quatro espetáculos. Montei apenas o primeiro, com três horas de duração, mas ainda assim não abarca nem um quarto da obra. Tentei achar um fio condutor –neste caso, a trilha de Chico César, que também compôs para A Hora da Estrela. O livro é musical, tem a sonoridade de João Ubaldo. Mas, se toda tradução é uma traição, o que se dirá de uma transposição”, compara o diretor. Segundo Leme, é preciso abrir mão de certas coisas
e priorizar eixos temáticos. Em Viva o Povo Brasileiro, por exemplo, ele trabalha questões como a religiosidade, a ancestralidade e o feminino. Tanto esse musical quanto A Hora da Estrela têm banda ao vivo, que se integra à cena. “Textos consagrados retornam de tempos em tempos porque se mantêm atuais e necessários. Viva o Povo Brasileiro aponta para a nossa identidade afro-brasileira e indígena, que precisa ser reparada. Já o livro de Clarice aborda as pessoas socialmente invisíveis, injustiçadas. É o abandono completo do ser humano”, enfatiza.
CLÁSSICO ATUALIZADO
E não são apenas textos em prosa que rendem bons espetáculos teatrais. Escrito para ser encenado, o livro de poesias Também guardamos pedras aqui (2021), pelo qual a autora Luiza Romão ganhou o Prêmio Jabuti de Livro
do Ano e Melhor Livro de Poesia, em 2022, trata da Guerra de Troia em Ilíada, poema épico de Homero (928 a.C.-898 a.C) a partir de diferentes personagens, sobretudo as femininas (como Helena, Andrômaca, Cassandra, Pentesileia, Hécuba etc). “Lancei o livro junto com uma videoperformance na pandemia. Então, fui para os palcos. Venho do slam, do sarau, da poesia falada, em que a poesia é indissociável da performance artística. Tudo que compõe os poemas (a forma, o ritmo, o grito ou o sussurro, o ritmo lento ou rápido) é levado também para a cena. Desde o início, eu já pensava em como traduzir o suporte do papel para o palco”, conta Romão.
Também guardamos pedras aqui já foi traduzido para vários idiomas, virou audiolivro e conquistou prêmios em outros países, como o 10º Festival Internacional de Videopoesia, em 2022, em Atenas. Segundo o diretor da peça, DJ e MC Eugênio Lima, personagens que em Homero são secundárias, sem voz, ressurgem potentes, como uma possibilidade de reconstruir a memória coletiva. Para chegar a essa transcriação, Luiza Romão fez uma pesquisa de campo de 20 dias na Grécia, visitando museus de arqueologia, sítios históricos e ruínas. “A literatura ocidental começou com uma guerra. E não bastava matar, era preciso dilacerar os corpos, despojá-los das armas, jogá-los aos animais para serem comidos. É um ideal masculino viril e violento, e foi esse projeto colonial que chegou às Américas. E esse massacre sistemático continua acontecendo na contemporaneidade, com tecnologias mais modernas. Ser Troia, hoje em dia, é resistência”, destaca a autora.
Daniel Barboza
A atriz Laila Garin no musical A Hora da Estrela, baseado na obra homônima de Clarice Lispector.
para ver no sesc / teatro
Clássico de Tchekov, O Jardim das Cerjeiras ganha concepção teatral, direção e encenação de Ruy Cortez, no Sesc Consolação.
DO CLÁSSICO AO
CONTEMPORÂNEO
Programação cênica do Sesc São Paulo aposta na diversidade de estéticas, poéticas, corpos, pesquisas e formatos
A linguagem teatral se manifesta nos palcos das unidades do Sesc São Paulo, com um olhar curatorial voltado para a diversidade de narrativas, formatos, estéticas, poéticas e corpos. Textos clássicos e consagrados, assim como dramaturgias contemporâneas, estão presentes na programação ao longo do ano. Da mesma forma, diretores e companhias com décadas de trajetória convivem com produções de jovens artistas, recém-saídos das escolas de teatro.
O Sesc também foca na formação e na renovação do público, com a oferta de espetáculos para todas as idades. A partir de um
viés educativo, a programação é composta, ainda, por ações formativas, que ajudam na reflexão sobre as obras e sobre o fazer artístico para todas as pessoas que manifestem o desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre as artes cênicas.
Segundo Adriana Macedo, que integra a Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo, o teatro tem o poder de desenvolver a imaginação e a sensibilidade, de ler o mundo pelos olhos da subjetividade e de colaborar para uma reflexão crítica das questões sociais da contemporaneidade. “Levamos a linguagem teatral para diversos
espaços. Além das unidades que dispõem do palco italiano, oferecemos salas alternativas, auditórios, áreas de convivência e até praças e ruas para que os(as) artistas encontrem seus públicos e façam a magia acontecer”, ressalta.
Confira destaques da programação:
BOM RETIRO
Um Grito Parado No Ar
Um ato-espetáculo musical baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), mais de cinco décadas após sua estreia. Com Teatro do Osso. De 17/1 a 16/2. Sextas e sábados, às 19h30. Domingos e feriados, às 18h.
CONSOLAÇÃO
O Jardim das Cerejeiras
Encenação do clássico texto de Anton Tchekhov (1860-1904) como foi concebido originalmente. Com Cia. da Memória. Direção, concepção e encenação de Ruy Cortez. De 18/1 a 2/3. Sextas e sábados, às 20h. Sábados, domingos e feriados, às 18h.
SANTANA
Furacão
Uma mulher marcada pela segregação racial enfrenta a fúria do furacão Katrina. Com um discurso marcado pela música popular do sul dos Estados Unidos, o espetáculo é uma cena ritual em que contemporaneidade e ancestralidade dialogam para trazer uma África em diáspora. Com Amok Teatro. De 17/1 a 16/2. Quinta a sábado, às 20h. Sábados, domingos e feriados, às 18h. Dia 31/1. Sexta, às 15h.
SO NO RA S narrativas
Galileu está de cama e sem dinheiro. Uma maravilhosa invenção surge em Veneza e se transforma em uma chance para ele mudar de vida”, descreve o episódio “Mensageiro das estrelas”, do podcast Vinte Mil Léguas, criado e apresentado por Leda Cartum e Sofia Nestrovski. Para os ouvintes, a narração dessa imagem inusitada do astrônomo, físico e matemático italiano Galileu Galilei (1564-1642) desperta curiosidade: afinal, que reviravolta está reservada ao pai da ciência moderna?
Enganchado pela trama de um podcast como este, dedicado à ciência e à literatura, ou a tantos outros voltados a diferentes gêneros e assuntos, o Brasil se tornou o segundo país do mundo em consumo e criação de podcasts, segundo levantamento do tocador de áudios Spotify. Ao disseminar histórias, sensibilizar ouvintes e construir vínculos, os podcasts conquistaram um território próprio, com direito ao Dia Nacional do Podcast (21/10), que remete à veiculação do pioneiro no país, em 2004, em formato já extinto.
Para a jornalista e pesquisadora Paula Scarpin, diretora de criação da produtora Rádio Novelo, ainda que o podcast se inspire na produção radiofônica, ele apresenta diferenciais, principalmente, nas
formas de consumo. “Quando um produto é criado para ser exclusivamente veiculado como podcast, é seguro extrapolar que este conteúdo pode exigir mais atenção do ouvinte – além, é claro, da possibilidade de se criar produtos voltados para públicos específicos, criando canais para discussões que muitas vezes não encontram espaço na mídia de massa. Mas, talvez, a conclusão mais importante do consumo individual, com fones de ouvido, seja o enorme potencial dos podcasts de criar uma relação íntima entre produtor e ouvinte”, analisa.
Doutora em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP) e apresentadora do podcast Livros no Centro, Rita Palmeira credita o sucesso de público dos podcasts à possibilidade das pessoas se reconectarem com a história narrada. “Me parece que a resposta para o sucesso dos programas narrativos em áudio residiria antes no prazer milenar de escutarmos histórias. E, sublinhe-se, as mais variadas histórias: os tocadores oferecem histórias de mistério, de terror, de amor, de ficção científica etc. Com isso, atraem um público sortido”, observa.
Neste Em Pauta, Scarpin e Palmeira equalizam o debate sobre formatos, modos de consumo e desafios dessa jornada sonora.
Podcasts e os desafios de Brecht
POR PAULA SCARPIN
Entre 1927 e 1932, o dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956) escreveu uma série de ensaios que, mais tarde, compilaria em Teoria do rádio. Nesses ensaios, Brecht chama a atenção para o fato de que o novo meio – então, com poucas décadas de existência e menos ainda de popularização – vinha se desenvolvendo sem muita reflexão, e limitando-se a imitar instituições que o antecederam. Por exemplo: em vez de pensar o radiojornalismo, ia-se pouco além de ler notícias do jornal impresso. No lugar de se pensar um teatro radiofônico, popularizaram-se as transmissões ao vivo de peças de teatro.
O rádio, assim como a TV, o jornal – e, mais tarde, o blog, o podcast – não é um gênero, mas um meio. Uma peça de teatro transmitida pelo rádio não é menos rádio do que uma peça de teatro produzida especialmente para os ouvidos. Nada mais natural do que aproveitar, num novo meio, o conteúdo que foi produzido para outros. Quando a Apple lançou o iPod, em 2001, o aparelho logo foi lido como uma miniatura de walkmans, de fitas cassetes ou CDs –agora com a possibilidade de se fazer download de conteúdo em áudio direto para o aparelhinho. Tudo o que estivesse disponível online poderia ir parar no seu bolso. O conteúdo, óbvio, era música. Talvez aulas de idiomas… Mas – por que não? – clipes de programas de rádio também. Eram os podcasts.
Em pouco tempo, no entanto, assim como o YouTube revolucionou e democratizou a produção de conteúdo em vídeo, os podcasts fizeram o mesmo pelo conteúdo em áudio. E, mesmo quando o gadget que deu o nome aos podcasts, o iPod, foi descontinuado em 2022, os smartphones já tinham absorvido e popularizado ainda mais esse mercado. Pode-se dizer ainda que, assim como o que era transmitido na TV serviu
de modelo para o que era produzido no YouTube, a rádio, inevitavelmente, inspira o que é feito em podcast. É preciso levar em conta ainda que a produção televisiva e radiofônica de cada país é resultado de muitas variáveis, de incentivos financeiros a referências culturais. De novo: são meios, não gêneros.
Mas a provocação de Brecht de quase cem anos atrás ainda faz sentido na seguinte medida: será que cada meio – pela especificidade de suas técnicas de produção e pelas características de seus hábitos de consumo – não oferece possibilidades singulares de comunicação? Vamos focar, daqui em diante, nos podcasts e tomando o rádio como meio de comparação. Primeiro ponto: ambos os meios se prestam a transmitir tanto conteúdo ao vivo quanto material gravado e editado. No entanto, considerando o consumo sob demanda dos podcasts, se ele não exige, necessariamente, a edição caprichada dos conteúdos, ao menos oferece condições que propiciam isso.
Mesmo podcasts veiculados várias vezes por dia gozam de mais tempo para revisão, checagem de fatos e edição mais cuidadosas do que conteúdo veiculado em tempo real. E por mais que seja possível e desejável circular no dial produtos bem trabalhados – pesquisados e investigados por meses a fio, roteirizados, com pós-produção dedicada a desenho de som e mixagem –, essas peças encontram lugar ideal nas plataformas de áudio sob demanda (como Spotify, Apple Podcasts, Deezer etc.), onde podem ser consumidas como produto perene.
O segundo ponto desta comparação também tem estreita relação com a forma de consumo. Por um lado: sim, o consumo de conteúdo em áudio, seja rádio, seja podcast, não poderia ser mais favorável para o multitasking – informar-se ou entreter-se ao mesmo tempo em que se executa outras tarefas, como o transporte, a limpeza da casa etc. – por não exigir a atenção dos olhos e oferecer mais liberdade de movimento. Por outro lado, em geral, enquanto a escuta de rádio se dá em alto-falantes – em casa, no carro, em estabelecimentos comerciais etc. – e muitas vezes de forma coletiva, pesquisas apontam que ouvintes de podcasts costumam usar fones de ouvi-
Talvez, a conclusão mais importante do consumo individual, com fones de ouvido, seja o enorme potencial dos podcasts de criar uma relação íntima entre produtor e ouvinte
do. Essa pode parecer uma diferença pequena, mas é possível fazer algumas inferências importantes a partir dela. Por exemplo: como o consumo coletivo abre espaço para distrações, o conteúdo veiculado no rádio precisa ser mais claro, mais reiterativo e voltado para um público mais abrangente.
Quando um produto é criado para ser exclusivamente veiculado como podcast, é seguro extrapolar que este conteúdo pode exigir mais atenção do ouvinte – além, é claro, da possibilidade de se criar produtos voltados para públicos específicos, criando canais para discussões que muitas vezes não encontram espaço na mídia de massa. Mas, talvez, a conclusão mais importante do consumo individual, com fones de ouvido, seja o enorme potencial dos podcasts de criar uma relação íntima entre produtor e ouvinte. Se os fones forem intra-auriculares, então, estamos falando de emitir informação, literalmente, dentro da cabeça do ouvinte.
Se reduzirmos ainda mais o foco, quando falamos em podcasts narrativos, essa conexão estreita se alia à mais antiga das tradições comunicacionais: a da contação de histórias. Quando criamos a Rádio Novelo, há cinco anos, queríamos apostar nessa fórmula. Com a série Praia dos Ossos, nosso primeiro original, não poupamos os recursos que tínhamos disponíveis para experimentar como seria produzir conteúdo jornalístico narrativo em áudio com tempo indeterminado de pesquisa e apuração, com captação de som, roteiro e mixagem de cinema, com longos debates sobre o que aquele conteúdo tinha a informar para além da fórmula de sucesso do true crime
Mais recentemente, criamos um desafio: como seria se combinássemos essa fórmula do podcast narrativo e alguns dos aspectos que marcam a
eficiência comunicacional centenária do rádio: a constância, a abrangência do público-alvo, a clareza na comunicação? Queríamos oferecer um produto que os ouvintes pudessem criar o hábito de ouvir, que se encaixasse em suas rotinas. Um canal plural, onde jornalistas de todas as partes do país pudessem publicar suas reportagens. Essa aposta, que acaba de cumprir dois anos no ar, se chama Rádio Novelo Apresenta, e se tornou nosso laboratório de fé no jornalismo em áudio. Isso sem abrir mão dos princípios que nos estimularam a criá-lo – inclusive monitorando a diversidade regional, racial e de gênero – e tentando alcançar a sustentabilidade financeira do projeto.
O resultado, que superou nossas expectativas, é de crescimento consistente da audiência, que hoje gira em torno de 150 mil ouvintes semanais: ouvintes que participam ativamente, repercutindo os temas, pedindo mais detalhes, elogiando ou criticando a abordagem e, principalmente, propondo novas histórias. Em sua teoria do rádio, entre os muitos desafios que Bertolt Brecht lançou para o novo meio, estava: “o rádio deve deixar de ser um meio de distribuição para se transformar num aparato de comunicação”. Talvez estejamos chegando lá.
Paula Scarpin é diretora de criação da produtora Rádio Novelo. Jornalista formada pela Universidade de São Paulo (USP), estudou teoria da narrativa radiofônica no mestrado entre Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Sorbonne Paris Cité 7. Foi repórter da revista Piauí por 12 anos, onde criou e dirigiu os podcasts da revista até idealizar a Rádio Novelo, com Branca Vianna e Flora Thomson-DeVeaux.
De volta à era do rádio?
POR RITA PALMEIRA
O surgimento e o fortalecimento dos podcasts no Brasil poderia ensejar a questão que nomeia este texto, de que estaríamos de volta à chamada “era do rádio”. Bom, seria falsa, porque o rádio nunca caiu exatamente no ostracismo por aqui. A despeito da força e popularização da TV, o rádio se manteve como meio de informação e entretenimento tanto nas capitais e maiores cidades do Brasil, como em suas localidades mais distantes. Que uma nova forma de comunicação por áudio se dissipe pelo país diz mais, me parece, de uma nova forma de organização de conteúdos vários (agora descentralizada, quando deixa de ser exclusividade das grandes empresas de rádio) que são, ao mesmo tempo, personalizados (os famosos “customizados”).
Em vez de seguir a programação de uma estação de rádio, o ouvinte pode selecionar, nas plataformas de podcast, os programas que deseja escutar. Esse comportamento curatorial, que se espraia por aí, é bem desses tempos, o que faz cair por terra, de uma vez, a ideia de um retorno à era do rádio. Em primeiro lugar, porque o rádio continua firme e forte, sem permitir que a mera ideia de retorno ganhe espessura, e em segundo lugar, porque podcast não é rádio, em sua acepção mais ampla, porque personaliza seu conteúdo.
Esse preâmbulo serve como premissa para o que se segue aqui – um conjunto de impressões sobre os podcasts, e particularmente os podcasts narrativos. Faço isso não como especialista na área (que não sou), mas como narradora e coeditora de roteiros de um podcast narrativo. Faz dois anos que mergulhei no universo dos podcasts. Até então era uma ouvinte ocasional, mais ou menos fiel, de um ou outro podcast de notícias, e bastante interessada em programas que contassem histórias – os tais podcasts narrativos. Isso, claro, não é à toa.
Trabalho há 25 anos com livros – editando-os, resenhando-os ou dando aulas sobre eles. Eu gosto, portanto, de narrativa. E prefiro sempre as peripécias de uma boa história à objetividade (quase sempre fria) do noticiário. Trato então de minhas impressões quando, digamos, mudo de lugar na cadeia: passo da ouvinte ocasional para a de apresentadora de um programa quinzenal que em agosto de 2025 entrará em sua terceira temporada.
Interrompo para explicar melhor de onde falo. Quando decidimos criar um podcast da livraria onde sou curadora – Livraria Megafauna, em São Paulo –, a primeira ideia que nos ocorreu foi transformar em programas as várias mesas que acontecem regularmente na livraria, como os tantos e ótimos programas de entrevistas com autores de livros que há por aí. Seríamos mais um programa de entrevistas e, posso apostar, bom e interessante, como costumam ser os debates na livraria. Esse seria, talvez, o caminho mais fácil, porque mais à mão. Foi preciso que, aí sim, uma especialista em rádio e em podcast (que se tornaria a idealizadora do Livros no Centro) nos mostrasse que uma rota mais trabalhosa combinaria mais com um espaço de contar histórias, como é uma livraria. Por que não narrar as histórias de leitores? E dos livreiros que trabalham lá? E de ouvintes que tiveram a vida mexida por algum episódio envolvendo um livro em especial ou livros em geral?
Tinha uma ideia que animava esse caminho – dessacralizar o universo da literatura, no sentido de aproximá-la de quem a consome. Os livros, obviamente, não existem sem as pessoas – quem escreve, quem traduz, quem edita, quem vende, quem lê. Transformar, porém, essa gente em protagonista de uma história era tirar a literatura de uma espécie de pedestal, e isso parecia uma boa aposta e estava de acordo com o que pensávamos. Assim fizemos. Começamos a recolher histórias de leitores inusitados, de livreiros com trajetórias romanescas e de livrarias importantes, e a transformá-las em roteiros de áudio.
Num roteiro de podcast, o espaço é narrado, as sensações são narradas, os gestos são narrados. Vai-se além quando as palavras se juntam à trilha e
aos efeitos sonoros – por ali, você conduz o ouvinte. Constrói-se com o encadeamento de palavras o que uma imagem revela num átimo. Na comunicação em áudio, o visual se forma na cabeça do ouvinte; a supremacia da imagem está enterrada. Seria fácil arriscar que estamos todos tão tomados pelo excesso de tela que descansamos os olhos com os ouvidos. Pode ser.
Mas me parece que a resposta para o sucesso dos programas narrativos em áudio residiria antes no prazer milenar de escutarmos histórias. E, sublinhe-se, as mais variadas histórias: os tocadores oferecem histórias de mistério, de terror, de amor, de ficção científica etc. Com isso, atraem um público sortido. Quem escuta as histórias que narro, por exemplo, dificilmente será alguém que não se interessa por livros. Não precisa ser um frequentador de livrarias – faltam livrarias nesse país de poucos leitores – nem mesmo de bibliotecas, apenas alguém que goste de ler e que goste do objeto livro, sem (volto a isso) a fetichização ou a sacralização do livro ou da literatura.
Quando contamos a história de um jogador de futebol que se refugiava no chuveiro do vestiário para terminar um capítulo e depois dedicava o gol que fez a um personagem de Victor Hugo [1802-1885, romancista francês do século 19, autor de Os Miseráveis, entre outras obras]. Ou quando contamos a trajetória de um livreiro que saiu do Piauí para São Paulo, num caminhão pau-de-arara, ainda criança, e conseguiu, sem nunca ter feito faculdade, se estabelecer como livreiro em uma das maiores universidades do país. Ou a vez em que contamos de uma mulher centenária, refugiada do nazismo, que no exílio, por causa de um livro, se casa com um tradutor. Quando contamos tudo isso, estamos também contando às pessoas que os livros são, e devem ser,
parte da vida cotidiana de todos nós; que a leitura e o acesso aos livros é um direito, não um privilégio; que os livros promovem encontros, às vezes, os melhores da vida.
Narrar esses encontros em áudio deixa ao ouvinte a imaginação das cenas, assim como acontece com o leitor e seu livro. Se o leitor tem seus escritores favoritos, o ouvinte tem sua voz preferida, aquela que diária, semanal ou quinzenalmente o acompanha, o conduz através de uma narrativa. Essa voz, a menos que o ouvinte recorra ao Google, não tem rosto definido – ela é parte do conjunto de imagens criadas pelo podcast. E, no entanto, o ouvinte espera o momento de reencontrá-la em seu tocador como faziam os ouvintes das histórias dos velhos narradores, quando reunidos em sua aldeia.
Cada podcast é uma espécie de aldeia, em que são transmitidas histórias de assuntos da predileção do ouvinte, que as escuta no momento de sua preferência e do jeito que lhe aprouver – um episódio por vez, vários em sequência ou segmentando cada episódio em várias partes. Essa possibilidade de personalizar a forma de escutar sem perder a conexão com o outro, que está, afinal, narrando histórias, é talvez uma pista de porque não estamos de volta à era do rádio, mas testemunhando novas formas de consumir novos programas de áudio – o áudio que, contudo, sempre nos acompanhou.
Rita Palmeira é editora e crítica literária, doutora em literatura brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em teoria literária pela Universidade de Campinas (Unicamp), curadora de livros da Livraria Megafauna e apresentadora do podcast Livros no Centro.
Cada podcast é uma espécie de aldeia, em que são transmitidas histórias de assuntos da predileção do ouvinte, que as escuta no momento de sua preferência e do jeito que lhe aprouver
Alexandre Loureiro / Comitê Olímpico do BrasilCOB
Inspiração para jovens atletas, a judoca Bia Souza conquistou duas medalhas olímpicas em um período de 24 horas nos Jogos de Paris 2024: ouro no torneio individual e bronze por equipes.
encontros
Além doTATAME
Primeira atleta brasileira a vencer uma prova individual como estreante olímpica, judoca Bia Souza celebra as conquistas de pioneiras e encoraja
nova geração
de mulheres no esporte
POR MARIA JÚLIA LLEDÓ
Foi na infância que Bia Souza, medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, descobriu uma forma de extravasar a peraltice que chamava a atenção dos pais. Ainda menina, matriculou-se em aulas de dança e natação, mas foi no tatame que encontrou seu lugar. Seu pai, o judoca aposentado Poscedônio José de Souza, foi quem levou Bia para assistir às lutas e entender as regras e a disciplina exigidas pelo esporte. Natural de Itariri, no interior de São Paulo, e criada em Peruíbe, litoral sul do estado, Bia iniciou sua trajetória no judô aos sete anos, em um projeto social da sua cidade.
Em 2012, ela decidiu se mudar para a capital paulista e passou a integrar a equipe do Palmeiras. No final do ano seguinte, depois de ser convidada para se juntar ao Esporte Clube Pinheiros – onde permanece até hoje –, começou a colher os frutos de uma carreira profissional que alcançou seu auge em 2024, em Paris. Reconhecida por seu sorriso
e tranquilidade nas competições, Bia conquistou, aos 26 anos, a primeira medalha de ouro do Brasil nas Olimpíadas, e ainda trouxe para casa o bronze junto ao time brasileiro, na disputa por equipes.
A judoca reveza horas de descanso e treino, mas desvia de qualquer pressão sobre os próximos resultados. Com maturidade conquistada após anos de tatame, apoio de técnicos, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, pais, amigos e do marido, o ex-atleta de basquete Daniel Souza, a ela se prepara para os Jogos Olímpicos de Los Angeles 2028. “Pode parecer demorado, mas para a gente passa voando. São quatro anos de uma nova preparação e vou batalhar em cima disso, porém não vou criar expectativa de resultados. Eu já tenho minhas próprias cobranças, e é com isso que eu vou lidar”, assegura a atleta.
Neste Encontros, Bia Souza celebra sua trajetória, encoraja
novas mulheres a aderir à prática esportiva e fala sobre os desafios que enfrentou na carreira, como o processo de aceitação do próprio corpo, a forma de lidar com pressões e a conquista de confiar no seu talento.
SONHO DE CRIANÇA
A Bia Souza fora dos tatames é uma eterna menina sonhadora, que na infância aprontava demais. Sou a típica criança que, se a mãe piscasse, botava fogo na casa e aprontava horrores. Já cheguei a fazer natação e dança, mas não tinha nada que realmente pudesse me acalmar um pouco. Meu pai é um judoca aposentado e um dia ele me levou para assistir a um treino de judô. Foi amor à primeira vista: o pessoal lutando, caindo, levantando-se. Virei para o meu pai e disse que queria fazer judô. Depois de uma semana, já estava de quimono e, desde então, não saí mais de cima do tatame. Eu sempre me destaquei,
desde nova, nas competições, sempre viajei bastante, e conheci muitos técnicos. Um deles me chamou para o Palmeiras, no final de 2012, quando vim para a capital.
PARTE DO CLUBE
Uma coisa é praticar um esporte morando em casa de pai e mãe, com comida feita, cama arrumada, tudo certo e organizado. Outra coisa é aprender a se virar por si: acordar cedo, ir para a escola, lavar uniforme, roupa de treino, arrumar quimono. Tudo isso sem contar a maturidade que eu precisei ter muito cedo em relação aos problemas: lidar com dor, estar longe da família, sentir saudade. No final de 2013, quase para completar um ano no Palmeiras, eu fiz uma seletiva para o Esporte Clube Pinheiros, onde estou até hoje. Assim que entrei no clube, com 15 anos, comecei a me destacar nas categorias de base e a conquistar meus títulos mundiais. Desde nova, sempre tive muitas inspirações, não só na minha família, que é minha maior base e apoio, mas também no tatame, espaço que eu dividi com campeões como Leandro Guilheiro, Tiago Camilo e Rafael Silva. Isso foi extremamente inspirador, porque eles contavam suas histórias e isso me animava a escrever a minha também.
SONHO OLÍMPICO
Foi aí [no Esporte Clube Pinheiros] que eu comecei a busca pelo sonho olímpico. Nos Jogos do Rio 2016, fui como sparring (a pessoa que ajuda o atleta titular). Eu ia lá para simular treinos e golpes de lutadores adversários. Ali, eu tive meu primeiro contato com uma Olimpíada, nos
bastidores. Vi que era o sonho de todo atleta de alto rendimento. No ciclo dos Jogos de Tóquio 2020, briguei pela vaga, mas infelizmente não consegui. Coisas da vida. Depois, eu queria garantir a vaga o mais rápido possível para Paris, e foi quando conversei com Leandro Guilheiro, que me ajudou muito. Durante o ciclo, eu conquistei minhas três medalhas de campeonato mundial e, com isso, garanti a vaga para Paris. A preparação foi extremamente forte, sobrevivi e conquistei minha grande medalha de ouro e o bronze por equipe.
SAÚDE MENTAL
Faço um trabalho psicológico que considero extremamente importante não só para quem é atleta de alto rendimento, mas para todos. Por muito tempo, foi considerada uma questão de fraqueza buscar esse tipo de ajuda, mas é fundamental, ainda mais no caso do alto rendimento. É muita cobrança externa e interna. Ainda mais porque temos que lidar com questões de dor, lesões, perdas. Esse acompanhamento me preparou mentalmente e me fez evoluir não só como atleta, mas como ser humano: aprender a lidar com outras pessoas, a ter mais empatia, a me tratar melhor e a reconhecer meus limites. Principalmente nesse último ciclo [de Paris 2024], que teve altos e baixos. Um mês e meio antes das Olimpíadas, por exemplo, eu lutava no campeonato mundial e perdi na segunda luta. Houve muitas críticas na internet, mas na Olimpíada fui campeã. A gente fez um trabalho antes, durante e depois de cada competição, com um acompanhamento muito rígido em relação a isso. Falo com o meu coach, Jean
Patrick, não só sobre judô, porque a mesma pessoa que é atleta, também é filha, esposa, amiga.
GRANDES ALIADOS
Sempre falei que para ser campeã olímpica, a gente tem que ganhar de qualquer pessoa, independentemente de quem seja. Nessas Olimpíadas de Paris, eu peguei o lado mais forte da chave, só que eu estava muito bempreparada. Além disso, tive uma grande aliada ao meu lado, que foi a Maria Suelen [importante nome da história recente do judô], com quem disputei a vaga de Tóquio 2020. Isso fez total diferença, porque pude treinar exatamente com a realidade. Eu estava extremamente forte, no meu melhor momento, na minha melhor composição corporal, questão nutricional alinhada e psicológico também. Então, estava bem assegurada de todo o trabalho que eu tinha feito. Era minha primeira Olimpíada. Deixei para sofrer dentro dos treinos, no meu dia a dia, e fui lá para ser feliz. Sempre levo as competições como um dia divertido, para aproveitar. Eu não entrei no tatame com a cabeça em ser campeã, só estava ali querendo fazer o que fiz durante todos os treinos. Acho que estar muito bem-preparada foi o que trouxe toda a tranquilidade que vocês viram em cima do tatame.
CORPO INTEIRO
Essa chave [da aceitação do corpo] mudou no ciclo para os Jogos do Rio 2016. Sempre fui destaque na minha turma: todo mundo pequenininho, e eu era alta e muito grande. Isso me constrangia muito. Não gostava do meu corpo,
sempre falava: “por que não sou igual às outras meninas?”. E no Rio, conversando com a [judoca] Maria Suelen, ela disse: “Cada um tem seu jeito. Você tem um corpo lindo, você é forte, seu corpo é o seu material de trabalho. Você quer conquistar grandes coisas, mas como vai fazer isso se não cuidar do seu corpo?”. Foi algo que carreguei comigo: sou assim e está tudo bem. Minha família e meus amigos me amam, e eu sou dessa maneira. Sou uma mulher muito forte, preciso ser desse tamanho para conquistar tudo que eu quero. Antes, eu tinha vergonha de falar que eu era gorda. Hoje não: eu sou uma mulher preta, sou gorda, faço um esporte de luta e sou campeã olímpica. Amar o meu corpo me fez chegar aonde eu
queria. Quero passar para todos os jovens que eles precisam se amar antes de querer o amor dos outros ou de conquistar qualquer coisa.
ELAS LUTAM
Sou muito grata a todas que vieram antes de mim, principalmente a Soraia André [pioneira na prática do judô durante a ditadura militar, período em que as artes marciais eram proibidas para as mulheres no Brasil], que sempre me inspirou. Essas mulheres precisaram abrir todas as portas, precisaram correr para a gente poder andar no tatame hoje. Essa é uma luta diária na qual estamos sempre batalhando para mostrar o quanto
somos fortes e capazes.. Uma luta que ainda vai durar, mas que já evoluiu. Entre as Olimpíadas do Rio 2016 e de Paris 2024, o número de meninas inscritas no judô aumentou muito. O judô é, sim, um esporte para mulher. A gente está mostrando a nossa força e isso está fazendo com que as meninas comecem a se enxergar em nós e a querer, cada vez mais, praticar.
A judoca e medalhista olímpica Bia Souza participou da reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 22 de novembro de 2024. A mediação do bate-papo foi de Ruth dos Santos, integrante da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.
Vitória de Bia Souza por waza-ari (segunda maior pontuação no judô) contra Kim Hayun, da Coreia do Sul, nas quartas de final de Paris 2024.
inéditos
O JORNALISTA, A FREIRA E O BANCO
POR HADA MALLER
ILUSTRAÇÕES IZABELA BOMBO
Goioerê, uma cidade pequena no interior do noroeste do Paraná, tinha 30 mil habitantes reunidos em um ambiente tão pacato quanto as novidades no jornal que Suzano distribuía religiosamente às 5h pelo comércio. Quem morreu, quem nasceu, quem se casou, quem viajou. Qual empresa precisa de novos funcionários e qual decretou falência. Como anda o comércio e quantas safras de milho já foram doadas para a festa da cidade. Quando será a próxima corrida beneficente. Como pode o prefeito não se pronunciar sobre os presos que invadiram a escola. Tudo estava lá.
Se tudo desse certo, ele terminaria os estudos e ingressaria na graduação de jornalismo. O plano era muito simples: estudar, estagiar no jornal do seu Bento como escritor e fotógrafo, se formar e se tornar o editor do periódico. Mas, para isso, ele precisava terminar de entregar os papéis do dia antes que os comerciantes chegassem nas lojas.
A cidade tinha quatro ruas principais: a das farmácias, a do mercado grande, a das lojas de roupa e a dos bancos. Só faltava a última para que seu trabalho do dia estivesse completo. Depois, voltaria para casa, tomaria um banho e seguiria para a escola. Quando a bicicleta virou a esquina, ele freou. Uma movimentação esquisita no Banco do Brasil o fez parar para olhar, juntos aos curiosos.
– Que é que tá acontecendo ali? – perguntou para uma senhora que se apoiava em uma vassoura em frente à sua casa.
– Tem uns bandidos fazendo um povo de refém lá dentro. – Essas horas? – disse olhando o horário no celular.
– Tá desde madrugada, mas o cara que faz a negociação tava dormindo até agora há pouco. Acho que ele já deve estar chegando, olha lá o carro da polícia –apontou para uma viatura a toda velocidade.
Rapidamente, o menino sacou o celular e fez algumas fotos da movimentação. Largou a bicicleta na frente da casa da senhora e começou a caminhar em direção ao banco. Um segurança fez menção de barrar a aproximação do menino:
– Pode não, menino, tá maluco?
– Mas eu tenho que entregar seis jornais aí senão não recebo meu pagamento – respondeu segurando a resma que continha as folhas.
Enquanto o segurança pensava, o menino pôde enxergar melhor a situação. A entrada principal do banco dava para dois acessos: à esquerda, um vidro possibilitava a visão dos caixas eletrônicos, e à direita, as persianas fechadas obstruíam a vista de outra sala. E do sequestro.
– Deixa comigo e rapa daqui – concluiu o segurança tomando os jornais da mão de Suzano.
Durante todo o seu trajeto de volta para a bicicleta, não desgrudou os olhos da persiana. Até que uma delas foi levemente abaixada e surgiu um olho. Coisa de segundos, e sumiu.
A viatura já havia estacionado e de dentro saíram quatro policiais armados, um deles segurava um megafone. Por ele, tentava comunicação com os bandidos, em busca de um acordo. Além disso, pediu para que os sequestradores anotassem um número de telefone, ato muito comum na época, para que a negociação seguisse via ligação.
Suzano pegou sua bicicleta, terminou de entregar os jornais que faltavam na rua e voltou à sede para receber seu pagamento. Chegando lá, contou tudo que viu ao seu Bento. Ofegante, disse que estava acontecendo o sequestro do ano, do século, do milênio. O chefe prontamente
lhe entregou uma câmera e um crachá de credencial de imprensa, e o mandou voltar ao local do crime.
– Mas eu tenho que ir para a escola – contestou Suzano. – Você vai aprender muito mais com isso. Bora lá que o Jonas tá de atestado, você me ajuda e a gente faz essa matéria – disse o editor já saindo em direção ao carro.
Quando chegaram, a multidão já havia se aglomerado. Rapidamente, seu Bento foi falar com o chefe da polícia, aquele que estava com o megafone, e voltou com as informações principais: havia três bandidos e quatro reféns. O que os sequestradores queriam? Uma forma de escapar com armas e dinheiro de forma segura. Assim, todos os reféns seriam liberados. Enquanto Suzano tirava as fotos, dessa vez com câmera profissional, pensava em como aquilo seria bom para seu portfólio. Logo, conseguiria o estágio com seu Bento e poderia fazer aquilo todo dia – claro que demorou algum tempo até Suzano perceber que aquela situação era atípica na cidade.
Após algumas horas, os bandidos já tinham tudo que precisavam: um carro, capas que cobririam eles e os dois reféns e gasolina extra no porta-malas. O objetivo era que eles se cobrissem para evitar que a polícia os enganassem e atirassem no percurso até o veículo, afinal, eles não arriscariam a vida dos reféns remanescentes. Amarraram os outros dois inocentes dentro da agência, se vestiram com as capas passadas
pela janela e, no percurso, os policiais reconheceram um dos bandidos pelos calçados: um par de chuteiras coloridas. Quando ouviram o ecoar da bala, rapidamente voltaram para a agência do Banco do Brasil.
Os curiosos, que até então prendiam a respiração, soltaram murmúrios e lamentações.
– Mas esse policial é muito burro mesmo, né?
– Tava na cara que isso ia acontecer.
– Tem que ser muito otário para acreditar em polícia. – Tem que ser muito otário para acreditar em bandido, isso sim.
Suzano ouvia tudo sem prestar atenção, afinal, estava absorto demais em sua própria felicidade: aqueles cliques poderiam ir até para o Jornal Nacional! Sua mãe ficaria tão orgulhosa. Esfregaria na cara do irmão.
O que poderia ter durado algumas horas se transformou no sequestro mais longo que o Brasil já presenciou. Os bandidos não confiavam mais na palavra da polícia, que estava sendo pressionada pelos políticos para acabar logo aquele circo. Já passavam cinco dias sem novidades, exceto uma freira que se compadeceu com os reféns e se disponibilizou para levar água e comida para os que estavam dentro do banco. Irmã Letícia fazia esse vaivém com suplementos, produtos de higiene, comidas e bebidas, sempre com um sorriso no rosto.
No sexto dia, perguntou ao ladrão se poderia rezar para ele. Em voz alta, começou o Pai Nosso com todos os presentes, que já tinham se dissipado após as incontáveis horas. Suzano, que já havia arranjado briga com a mãe por estar plantado dia e noite em frente ao banco, abaixou a cabeça em sinal de respeito, pois a família nunca foi de ir à igreja. No fim da oração, o bandido entregou uma pistola à Irmã Letícia, como sinal de paz. Poderiam dar um fim naquilo. E Suzano tinha o clique de seus sonhos: a freira com uma arma na mão. Com certeza sairia em todos os jornais do país, afinal, se o leitor não se atentasse, poderia interpretar de maneira equivocada.
Com isso, o plano estava orquestrado: trocaria os dois reféns por Irmã Letícia, que levaria um carro blindado até a porta do banco. Ela mesma guardaria o dinheiro roubado e as armas, e ajudaria os criminosos
a entrarem no veículo. Em seguida, seguiriam até um helicóptero, pilotado por alguém de confiança da freira, que os levaria até um lugar que eles decidissem na hora, sem chances de a polícia alcançar. A religiosa os acompanharia em todo o trajeto, e se os policiais sequer pensassem em fazer algo, sua vida estaria em risco.
Como o combinado não sai caro – exceto para o banco –, tudo foi feito de acordo com o trato. Irmã Letícia e o piloto voltariam logo em seguida, jurando por Deus e o mundo que nunca contariam o paradeiro dos homens.
– Nós confiamos em Deus e na salvação dos nossos irmãos – disse a freira aos jornalistas do local, antes de embarcar no helicóptero.
Após a decolagem, Suzano finalmente foi para casa descansar. Mas sabia que logo pela manhã deveria estar no jornal para saber das novidades que a freira traria para casa. Depois de um bom banho e uma lasanha à bolonhesa que sua mãe havia preparado para o jornalista mirim, ele mostrou a toda a família as fotos em sua câmera.
Na manhã seguinte, seu Bento o abordou assim que chegou ao emprego. Contou que foi até a igreja colher mais informações sobre Irmã Letícia. Acontece que ninguém lá a conhecia. Nem sequer o padre, que era próximo de todos. A freira não voltou, nem naquele dia, nem nunca mais.
Foi assim que Goioerê ficou nacionalmente conhecida como a cidade enganada por uma freira.
*esse texto foi baseado em uma história real, mas não se compromete com a verdade.
Hada Maller é escritora e designer. Formada em comunicação e multimeios pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), foi finalista do Prêmio Jabuti, na categoria contos, com seu livro A ilha dos sentimentos perdidos (Selo Jovem, 2018).
Izabela Bombo é artista visual dedicada à ilustração, com trabalhos que exploram a essência do cotidiano. A simplicidade de detalhes e o minimalismo são o eixo de sua obra, percorrendo temas que vão desde a cultura pop até política, identidade e gênero.
PÁSSAROS NA
NA GARGANTA
Conhecida por sua voz singular e experimental, Tetê Espíndola comemora o alcance de novos públicos ao celebrar 50 anos de carreira
POR LÍGIA SCALISE
Dona de um dos agudos mais marcantes da música brasileira, Tetê Espíndola voltou a ocupar as paradas musicais de maneira surpreendente. Recentemente, a canção “Escrito nas estrelas”, gravada por ela em 1985, entrou para o “TOP 100 Brasil” e alcançou o topo da playlist “Viral 50”, ambas listas do tocador de áudio Spotify que ranqueiam as tendências musicais do momento. A redescoberta do hit da “cantora que tem pássaros na garganta”, como a definiu o poeta Augusto de Campos, se deu após a ex-jogadora de vôlei Marcia Fu entoar os versos da canção durante um reality show na TV. Nas redes sociais, a artista sul-mato-grossense comemorou o sucesso inesperado, atribuindo à força dos algoritmos o fato de sua voz poder alcançar novas gerações e dar holofote à sua já consolidada carreira.
Agora, Tetê celebra o resgate de sua música e revisita as lembranças musicais que a trouxeram até aqui, como as serenatas de grupos paraguaios em sua casa, na infância, e a voz da mãe nas noites estreladas sem energia elétrica. Foi em casa, com os pais, que Tetê recebeu o maior incentivo para seguir pelo caminho da música, cantando, compondo e tocando sua craviola (instrumento musical de seis, dez ou doze cordas, cujo nome vem da junção de “cravo” e “viola”). Ainda adolescente, ela formou o grupo Luz Azul, com seus irmãos, tocando em palcos de Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT). Aos 14 anos, venceu seu primeiro festival e, em 1977, deixou a faculdade de pedagogia
e migrou para a capital paulista com os irmãos, em busca de oportunidades. Foi então que lançou seu primeiro disco, Tetê e o Lírio Selvagem, em 1978.
O tom singular de sua voz, algo que Tetê alcançou escutando o som dos pássaros pantaneiros, fez dela uma sensação, principalmente depois de vencer o “Festival dos Festivais”, da Rede Globo, em 1985, quando interpretou “Escrito nas estrelas” no palco do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro (RJ). O sucesso do hit inspirado na história de amor entre Tetê e Arnaldo Black [coautor da canção junto a Carlos Rennó] fez com que ela dominasse rádios e programas de TV, fincando sua presença na MPB.
Tetê não fez história somente na música, mas também no cinema, tendo atuado nos filmes Mônica e a Sereia do Rio (1987), de Maurício de Sousa, e Caramujo-Flor (1988), de Joel Pizzini, com Almir Sater, Aracy Balabanian, Ney Matogrosso e artistas conterrâneos. Hoje, com quase cinco décadas de carreira, 20 álbuns lançados e um histórico de parcerias e coletâneas, Tetê continua a produzir suas inquietações artísticas. Nos palcos, apresenta shows que celebram seus 70 anos de vida e a consagração de uma trajetória de sucesso. Neste Depoimento, Tetê Espindola resgata recordações e aproveita para dar seu recado: “Quero fazer muitos shows até meus 80. E quem vai ao meu show, vai me escutar cantando “Escrito nas estrelas” no meu tom original, isso eu garanto”.
depoimento
disquinho
Nasci em Campo Grande (MS) e, em casa, a conexão com a natureza e a música sempre foi muito forte. Meu pai recebia serenatas de grupos paraguaios, e minha mãe passava os dias cantando para os oito filhos. Lembro bem a cena: sem eletricidade, mamãe colocava todos sentadinhos à luz de velas e a gente cantava junto. Ela adorava as cantoras de rádio, como Dalva de Oliveira (1917-1972), e Elis Regina (1945-1982), e isso me marcou profundamente. Outra lembrança forte são as férias na casa da minha avó, em São Paulo (SP), quando eu me escondia debaixo do piano para ouvir meus tios trigêmeos tocarem. Segundo minha mãe, eu cantei pela primeira vez ainda na barriga dela. Reza a lenda que ela ouviu um som forte vindo de dentro, o que a assustou e a alertou de que era hora de eu nascer. Quando bebê, me apelidaram de Disquinho, porque eu chorava sempre no mesmo tom. “Vira o disco”, diziam, mas parece que eu já gostava de soltar meus agudos. pássaros
Decidi ser cantora depois de conhecer Elis Regina em uma visita que ela fez aos meus tios. Eu tinha 10 anos e já adorava brincar de fazer dublagens e pequenos shows para a família, mas ao ver Elis de perto, fiquei completamente impressionada com sua presença e aquele sorrisão que só ela tinha. Foi ali que decidi: queria ser cantora, queria ser como Elis Regina. Meus primeiros passos na música começaram dando voz às composições do meu irmão, Geraldo Espíndola. Aos 14, ganhei o prêmio de melhor intérprete em um festival em Campo Grande. Continuei fazendo shows com meus irmãos enquanto estudava pedagogia, planejando ser
em 2009, ao lado de Ná Ozzetti e Virgínia Rosa.
CANTAR,
PARA MIM, SEMPRE FOI
UMA ALEGRIA IMENSA, E ISSO NUNCA MUDOU. OUTRA COISA QUE PERMANECE INTACTA É MINHA CONEXÃO COM AS MINHAS RAÍZES E,
CLARO,
COM A NATUREZA E OS PÁSSAROS.
professora. Mas antes de terminar a faculdade, resolvi arriscar a carreira musical em São Paulo. Fiz da natureza minha escola e, escutando o som dos pássaros e tocando minha craviola, comecei a compor e a explorar minhas notas mais agudas. Eu carregava uma vontade imensa de mostrar ao Brasil o meu tom e jeito de cantar.
vozes
Eu estava tocando minha craviola e comecei a improvisar ao som dos pássaros, tentando emitir os sons que eles faziam. Com uma escuta atenta, tentava alcançar uma oitava acima (mesma nota, mas em uma região vocal mais aguda). Quando minha voz chegou lá, nunca mais saiu. Foi assim,
Roberto Assem
Tetê Espíndola celebrou os 30 anos de fundação do espaço cultural Lira Paulistana em uma série de shows no Sesc Consolação,
ouvindo os pássaros, que encontrei meu caminho musical, de maneira totalmente intuitiva, sem estudo formal de técnicas. Acho que tive sorte. Agora, com quase 50 anos de carreira e aos 70, é que comecei a estudar a técnica, fazendo sessões com uma fonoaudióloga. Curiosamente, minha voz mais grave, a oitava abaixo, descobri durante minha primeira gravidez. Fazendo exercícios de RPG para cuidar do corpo, consegui relaxar o diafragma e, com isso, encontrei meu tom mais grave. Então, sim, continuo cantando no agudo, mas estou explorando muito o outro lado da minha voz.
flecha
Minha voz causava uma certa estranheza e acho que isso foi maravilhoso, porque chamou atenção e me abriu portas. Sinto que meu tom agudo chegou como uma flecha, desbravando caminhos no início da minha carreira. Uma flecha importante, não só para mim, mas também para outros artistas com vozes consideradas diferentes ou que queriam ousar. Eu, uma soprano, surgindo na música popular e música raiz, era algo incomum. Quando subi no palco do Festival dos Festivais para cantar “Escrito nas estrelas”, levei muito mais do que a minha voz: levei minha personalidade, meu figurino diferente, meus sonhos e minha alegria. Outra coisa que permanece intacta é minha conexão com as minhas raízes e, claro, com a natureza e os pássaros.
balança
Sinto que construí uma trajetória cheia de altos e baixos – algo natural para uma carreira longa e diversa. Aquela explosão de sucesso na época em que ganhei o festival era impossível de manter por muito
tempo. Ninguém permanece no mesmo lugar, a menos que faça o mesmo sempre. E eu nunca fui assim. Sou inquieta, curiosa e gosto de experimentar. Ao longo da minha jornada, tive a chance de transitar entre ser intérprete, compositora e instrumentista. Em tudo o que faço, o lado emocional e intuitivo sempre está presente. Eu poderia imaginar o impacto de “Escrito nas estrelas” naquela época, mas nunca teria apostado que seu sucesso se reacenderia 38 anos depois, como está acontecendo agora.
viralizou
Depois que a Márcia Fu cantou “Escrito nas estrelas”, a música simplesmente explodiu na internet. Além disso, a cantora sertaneja Lauana Prado também contribuiu para essa nova onda ao regravar a canção e apresentá-la ao público jovem. Foi surpreendente ver meu hit pegar fogo 38 anos depois de seu lançamento. Fui inundada por mensagens nas redes sociais, convites para shows e um aumento bem significativo no número de seguidores. Aproveitando esse sucesso repentino e a celebração dos meus 70 anos, resolvi dar uma agitada na minha carreira. Tenho feito vários shows e, para mim, isso é uma forma de homenagem e realização como artista. O mais especial é que, com tudo isso, ganhei um novo público – jovens que foram atrás de descobrir quem era a voz aguda daquela canção. Estou aprendendo a aproveitar o alcance da internet. Voltar aos palcos e cantar “Escrito nas estrelas”, a pedido do público, é uma grande honra para mim. Aliás, nem posso pensar em fazer um show sem incluir essa canção. E faço questão de cantá-la no mesmo tom da apresentação no festival, isso eu garanto para o meu público.
setenta
Dizem que entre os 70 e os 80 anos é quando sentimos os sinais do envelhecimento com mais intensidade. Estou apenas no começo dessa fase, atenta à passagem do tempo e cuidando da minha saúde, tanto física quanto mental. Sinto que a terapia tem me ajudado a aceitar o envelhecimento, um tema importante, pois, no fundo, acho que ninguém se conforma com essa transição. Envelhecemos tanto por dentro quanto por fora, e aos poucos percebemos que as coisas não são mais como antes. Para mim, o que mais me preocupa é a voz; ela não tem mais a mesma vitalidade. O mesmo acontece com a energia para cantar e dançar, e até mesmo a memória. Por outro lado, envelhecer também traz uma sabedoria incrível. O tempo ensina o que realmente queremos ou não, e o que devemos ou não dizer. Hoje, tenho consciência da trajetória que construí e aprendi a valorizar isso, o que considero fundamental. Mas não quero viver de nostalgia. Atualmente, estou realizando um projeto que sempre sonhei, ao lado do meu grande amigo e parceiro de trabalho Arrigo Barnabé, chamado Sertanejo Lisérgico. É um projeto, que mistura teatro e música, e está lindo. Estou no auge dos 70, cheia de projetos. Meu maior aprendizado foi sempre me manter em movimento.
Acesse o QR Code e assista a trechos da entrevista com Tetê Espíndola.
ALMANAQUE
Hortas urbanas
Espaços de plantio e cultivo promovem alimentação saudável, geração de empregos e educação ambiental na capital paulista.
POR LUNA D’ALAMA
Acidade de São Paulo reúne uma variedade de viveiros, hortas e outros espaços para cultivo orgânico de alimentos, manejo agroflorestal, promoção da biodiversidade e da segurança nutricional, além de geração de trabalho e renda e incentivo à educação ambiental. Segundo dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, só em número de hortas comunitárias, são mais de 440, das quais quase 300 ocupam espaços públicos cedidos pelo município, e muitas delas concentram sua produção em PANCs (Plantas Alimentícias não Convencionais), ervas medicinais, temperos, frutas e hortaliças. Neste Almanaque, conheça, seis projetos inspiradores de hortas e viveiros urbanos que ajudam a tornar a cidade mais verde e nutritiva.
zona leste
COMIDA ACESSÍVEL
Ao longo de duas décadas, a ONG Cidades sem Fome já contabiliza 40 hortas urbanas e 55 hortas escolares em periferias de diversas capitais, como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS), Salvador (BA), Maceió (AL) e outras cidades brasileiras, gerando centenas de empregos e incentivando a agricultura orgânica e sustentável. No bairro de São Mateus, zona Leste paulistana, o projeto mantém uma horta de 10 mil metros quadrados, recebendo visitas da comunidade e de escolas da região, que podem conhecer diversas espécies cultivadas, como alface, repolho, espinafre, almeirão, couve, couve-flor, brócolis, beterraba, rabanete etc. O projeto promove, ainda, mutirões de plantio e colheita, com a participação de colaboradores e voluntários. Por meio de suas atividades, a instituição busca estimular e disseminar uma cultura sustentável e atuar no combate à fome por meio da inclusão social.
Rua Professor José Décio Machado Gaia, 20-A, São Mateus, São Paulo (SP). Segunda a sexta, das 8h às 15h. Sábados, das 8h às 12h. @cidadessemfome
No bairro de São Mateus, a ONG Cidades sem Fome promove, há duas décadas, mutirões de plantio e colheita, além de atuar no combate à fome por meio de ações de inclusão social.
zona sul
NO CORAÇÃO DO IPIRANGA
Criada em 2018 por Cesar Bisconti, a Urban Farm Ipiranga utiliza o sistema agroecológico para cultivar alimentos orgânicos numa área de seis mil metros quadrados. O projeto também faz a compostagem de resíduos orgânicos – só em 2024, foram cerca de 145 toneladas – para transformação em adubo, e vende cestas de frutas, legumes, raízes, hortaliças e temperos. Além de apostar na biodiversidade, na produção de alimentos sem agrotóxicos e na entrega de itens frescos, o projeto ainda amplia seu impacto
social ao revitalizar áreas degradadas, empregar pessoas em situação de vulnerabilidade e promover visitas guiadas sobre educação ambiental e práticas sustentáveis. Neste mês, aos sábados, o projeto promove um café da manhã orgânico, ao ar livre, além de uma feira com produtos colhidos diretamente da horta.
Rua Cipriano Barata, 2441, Ipiranga, São Paulo (SP). Segunda a sexta, das 9h30 às 17h. Sábados, das 8h às 14h. @urbanfarmipiranga
A Urban Farm Ipiranga cultiva alimentos orgânicos em uma área de seis mil metros quadrados na zona Sul da capital paulista.
ALMANAQUE
centro
CURA PELAS PLANTAS
A Horta Comunitária do Bixiga, na região central da capital paulista, é uma iniciativa idealizada por Denúzia Pedreira Bastos, neta de indígenas que sonhava com um viveiro de ervas medicinais. A área de cultivo já existia, mas estava abandonada. Em 2019, Denúzia – que faleceu em 2022 – se juntou a outras pessoas da comunidade para limpar o terreno, onde são cultivadas espécies de ervas, temperos, PANCs e raízes. Voluntários do projeto colaboram no plantio e na colheita dos alimentos, e moradores
também contribuem com a doação de mudas. Segundo Romilda Almeida Correia, presidente da Associação Mulheres Unidas Venceremos e cocriadora da horta, as atividades desenvolvidas ajudam a transformar modos de ver o mundo e permitem olhar para uma etnografia de multiespécies.
Rua Maria José, 223, Bela Vista, São Paulo (SP). Segunda a sexta, das 10h às 16h. Sábados, das 10h às 12h. Aos domingos, só abre mediante agendamento. @hortacomunitariadobixiga
zona sul FAZENDA COLETIVA
Em 2007, o casal Valéria Maria Macoratti e Vania Maria Ferreira Santos se mudou para Parelheiros, no extremo sul paulistano, para cuidar de cães resgatados nas ruas. Hoje, elas abrigam animais (como cachorros, gatos, coelhos, jumentos, galinhas e gansos), mas sua atividade principal, realizada desde 2010 em uma propriedade de quase 5 mil metros quadrados, é produzir frutas nativas, PANCs e ervas medicinais e aromáticas. O nome inicial, Minha Fazenda, deu lugar a Nossa Fazenda, para incluir o sentido de compartilhamento e aprendizagem coletiva. As companheiras trabalham como agricultoras familiares, educadoras e consultoras. No local, as duas (que ajudaram a fundar a Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo – Cooperapas) cultivam frutas e vegetais nativos, além de incentivarem o Turismo de Base Comunitária (TBC), recebendo grupos de estudantes para vivenciar um dia no campo.
Rua sem nome, 10 (travessa da Avenida Kayo Okamoto, 701), Chácara Santo Amaro, Parelheiros, São Paulo (SP). Referência: Bar dos Corintianos. @nossafazenda.parelheiros
Fruto do sonho de Denúzia Pedreira Bastos, neta de indígenas, a Horta Comunitária do Bixiga planta uma nova forma de ver o mundo.
Criada pelo casal Valéria Macoratti e Vania Santos, a Nossa Fazenda inclui em suas atividades o sentido de compartilhamento e aprendizagem coletiva.
zona sul EDUCAÇÃO
AMBIENTAL
A Horta Agroecológica do Sesc Interlagos foi criada inicialmente para abastecer os funcionários da unidade. Com o passar dos anos, passou a oferecer alimentos para o programa Sesc Mesa Brasil e, desde 2010, recebe visitantes e promove cursos e oficinas. Com uma diversidade de espécies alimentares, aromáticas e medicinais, a horta prioriza os cuidados com o solo e o controle natural de pragas, sem o uso de pesticidas ou fertilizantes sintéticos. Em 2021, a plataforma Sampa+Rural reconheceu o espaço como uma iniciativa da
sociedade civil que trabalha pelo desenvolvimento rural sustentável e solidário, pela agroecologia, pela segurança alimentar e nutricional da população, e pela educação ambiental. Durante a semana, a horta recebe visitas de grupos agendados pelo Projeto Viva o Verde (PVV) e, aos finais de semana, de frequentadores da unidade.
Av. Manuel Alves Soares, 1100, Parque Colonial, São Paulo (SP). Quarta a domingo e feriados, das 9h às 17h. @sescinterlagos
zona leste
UNIÃO FEMININA
O coletivo Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana) foi fundado em 2014, por imigrantes nordestinas que se tornaram responsáveis pelo plantio, cultivo, colheita e manejo agroflorestal no Viveiro Escola União de Vila Nova, em São Miguel Paulista, zona Leste da cidade. A iniciativa apoia a geração de renda, o resgate da alimentação saudável e a educação ambiental em escolas, além de promover cafés, almoços e oficinas de aproveitamento total de alimentos orgânicos. Em
uma área de 2 mil metros quadrados, que inclui horta, estufa, cozinha e salas de trabalho, as líderes do GAU plantam PANCs, frutas e temperos. Neste mês, o projeto fez parte da programação do projeto Oba! Bora passear!, com o passeio Cores & sabores: Da horta à mesa
Rua Papiro-do-Egito, 100-B, Vila Jacuí, São Paulo (SP). Segunda a sexta, das 9h às 16h. Sábados, das 9h às 14h. @mulheresdogau
Há 10 anos, o coletivo Mulheres do GAU (Grupo de Agricultura Urbana) é responsável pelo Viveiro Escola União de Vila Nova, em São Miguel Paulista.
Meu jogo, meus legados
A minha relação com o esporte começou na infância vivida no verde da roça. Naquele contexto, o esporte era livre de regras formais. Correr, saltar, brincar de taco, pega-pega, subir em árvores: tudo era movimento e diversão. Era simples e cheio de prazer, sem a necessidade de competições estruturadas.
Com o passar do tempo, o futebol entrou na minha vida pelo meu pai, que eu acompanhava nos campos de várzea. Eu o admirava e queria fazer parte daquele universo, mas sentia que não havia espaço para mim. Havia barreiras invisíveis e uma forma de jogar que reforçava um modelo de masculinidade que me afastava. Eu sabia que buscava algo diferente, embora não soubesse exatamente o quê.
Na escola, minha relação com o esporte continuava complicada. Sem aulas de educação física, os meninos jogavam futebol enquanto as meninas brincavam de roda. Eu não me identificava com nenhuma das opções, até que uma professora me mostrou uma nova perspectiva. Com sensibilidade, ela me disse: “você pode fazer outra atividade”. Essa fala, tão simples, me mostrou que eu tinha escolhas e que podia criar meu próprio jeito de jogar.
Na adolescência, comecei a lidar com o peso de não me encaixar nos padrões esperados. O ambiente esportivo, que deveria incluir e acolher, parecia me empurrar para fora. Isso me afastou do esporte e confesso que passei mais tempo sentado na escada da quadra da escola do que participando dos jogos. Eu sentia que o esporte me observava de longe, mas não me convidava a entrar.
Já adulto, enquanto buscava meu caminho profissional, o esporte continuava distante. Meu único contato vinha de jogos na TV, que despertavam admiração e nostalgia, mas também tristeza. Foi então que, por meio de uma bolsa de estudos, a educação física surgiu como uma oportunidade de reconciliação. Sem grandes expectativas, aceitei
o desafio e iniciei a faculdade, marcando, assim, meu reencontro com a prática esportiva.
Durante a graduação, aula após aula, descobri que o esporte podia ser muito mais inclusivo do que eu imaginava. Não precisava ser rígido ou inflexível. Nos estágios, vivenciei o esporte em academias, escolas e clubes, aprendendo que cada um poderia encontrar sua própria forma de jogar. Curiosamente, até o futebol, que antes parecia tão distante, tornou--se parte da minha trajetória. Foi nesse momento que percebi: o jogo podia ser meu também.
Ao concluir a faculdade, novas dúvidas surgiram. Que tipo de esporte eu queria promover? Ele era para mim? Velhas dores voltaram à tona, mas foi nesse momento que o Sesc entrou na minha vida e me permitiu ressignificar minha relação com o esporte, criando espaços mais acolhedores para outros que, assim como eu, sentiam que não pertenciam. Cada experiência reforçou que o esporte não precisa se ajustar a padrões impostos, mas pode abraçar a diversidade e as singularidades de cada jogador.
Hoje, carrego comigo esses legados como parte de quem sou. Refletir sobre o que o esporte deixou em mim é revisitar memórias e emoções que marcaram minha história e definiram meu modo de “jogar”. Passei a enxergar a prática esportiva como uma ferramenta transformadora que só cumpre seu papel quando respeita as histórias e os caminhos individuais. É com essa perspectiva que convido você a refletir sobre suas memórias e a redescobrir – ou criar – sua própria maneira de jogar, porque o esporte também é seu. Que tal seguir o seu jogo?
Eduardo Garcia é graduado em educação física e especialista em gestão esportiva. Integra a equipe da Gerência de Desenvolvimento Físico-Esportivo do Sesc São Paulo.