CENAS CENTRÍFUGAS: ENTREATO com Cia. do Flores, Cia. do Tijolo, Coletivo MENELÃO e Núcleo de Experimentos em Dramaturgia Enquanto a segunda edição do projeto Cenas Centrífugas permanece suspensa, os grupos convidados se encontram para refletir sobre o teatro no contexto atual e para experimentar possibilidades do fazer teatral no meio digital. Agora, de outras formas e por outros caminhos, cada grupo vai apresentar suas propostas estéticas e políticas, e, juntos, vão realizar uma residência coletiva on-line sob orientação do NED. O público segue convidado a mergulhar no universo artístico particular de cada um dos grupos, mas sem perder de vista as intersecções e os espaços comuns criados pelo encontro.
ATELIÊ COLETIVO ON-LINE: ENCONTROS com Cia. do Flores, Cia. do Tijolo, Coletivo MENELÃO e Núcleo de Experimentos em Dramaturgia
Sob orientação do Núcleo de Experimentos em Dramaturgia, a Cia. do Flores, a Cia. do Tijolo e o Coletivo MENELÃO participarão de uma residência artística coletiva on-line. O objetivo é compartilhar referências, experiências e, quem sabe, criar colaborativamente experimentos cênico. Os registros textuais do processo pelo NED serão apresentados ao público nas redes sociais do Sesc Santo André.
FLORES AMARELAS: PÍLULAS POÉTICAS com Cia. do Flores
Tendo a obra “Flores Amarelas” como disparador, os atores e atrizes da Cia. do Flores apresentam suas investigações cênicas por meio de pílulas poéticas em vídeo produzidas desde suas casas, seus locais de isolamento. O conjunto de vídeos reúne as perspectivas individuais de uma obra tão coletiva e representam experimentações teatrais possíveis no contexto de distanciamento social. Ficha técnica original
DRAMATURGIA E DIREÇÃO Claudia Jordão | ELENCO Alef Barros, Alessandra Moreira, Fran Rocha, Josy Santana, Lucas Vedovoto, Osni Rossi | COMPOSIÇÃO MUSICAL Alef Barros | FIGURINO Josy Santana | CENÁRIO Mauro Martorelli | CONCEPÇÃO E OPERAÇÃO DE LUZ Claudia Jordão | MAQUIAGEM E CABELO Cia do Flores | PRODUÇÃO Cia. do Flores
De 6 a 27/10. Terças /sescsantoandre
DESMONTAGEM: LEDORES NO BREU com Cia. do Tijolo
Numa espécie de caminho inverso, que pretende desmontar o espetáculo, os atores e atrizes da companhia apresentam suas questões, motivações e opções enquanto criadores. Suas falas serão acompanhadas por um debate direto com a missionária Maria Valéria Rezende, que dedicou sua vida à educação popular no Brasil. Sinopse: Inspirado no texto "Confissão de Caboclo" do poeta Zé da Luz e no pensamento e prática do educador Paulo Freire, o espetáculo Ledores no Breu trata das relações entre o homem sem leitura e sem escrita com o mundo ao seu redor. Histórias entrelaçadas que acompanham analfabetos em pleno século XXI, homens percorrendo distâncias para elucidar suas dúvidas, seus erros e seus crimes. Há o homem que não lê, habitante do breu, que por isso mesmo é capaz de assassinar o bem maior de sua vida. Há também outro homem que lê, mas não consegue interpretar o texto, perdendo- se num mar de palavras sem sentido. Há ainda aqueles que leem as palavras, mas não leem o mundo: são muitos os Ledores no Breu. Ficha técnica
ATUAÇÃO Dinho Lima Flor | DIREÇÃO Rodrigo Mercadante | ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO Thiago França | DRAMATURGIA Dinho Lima Flor, Rodrigo Mercadante | PREPARAÇÃO ATOR E CORPO Joana Levi | PROJETO DE LUZ Milton Morales, Thiago França e Dinho Lima Flor | TRILHA SONORA Dinho Lima Flor | PRODUÇÃO EmCartaz Empreendimentos Culturais e Cris Raséc | CONTRA REGRA Cida Lima
Dia 10/10. Sábado, 19h /santoandresesc
DESMONTAGEM: O AVESSO DO CLAUSTRO com Cia. do Tijolo
Numa espécie de caminho inverso, que pretende desmontar o espetáculo, os atores e atrizes da companhia apresentam suas questões, motivações e opções enquanto criadores. Suas falas serão acompanhadas por um debate direto com Ivone Gebara, uma das fundadoras da Teologia Feminista e referência no campo de luta de mulheres religiosas. Sinopse: Missa profana e poema, celebração da utopia e da canção. O Avesso do Claustro revela um pouco do legado de Dom Helder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife. Três personagens que se juntam para visitá-lo, fazer-lhe perguntas, por vezes discordar de suas ideias, outras vezes concordar com elas, mas principalmente ouvir de novo a voz do Bispo Vermelho, do Bispo poeta. Junto com ele, atores, personagens, palco e plateia buscam reaprender a imaginar novos mundos possíveis em tempos obscuros. Ficha técnica
ATORES Dinho Lima Flor, Karen Menatti, Rodrigo Mercadante e Lilian de Lima | CONVIDADA ESPECIAL Ivone Gebara | VIDEOARTE E PLATAFORMA AO VIVO Flávio Barollo | PRODUÇÃO Suelen Garcez
Dia 11/10. Domingo, 19h /santoandresesc
FLORES VERMELHAS: PÍLULAS POÉTICAS com Cia. do Flores
Tendo a obra “Flores Vermelhas” como disparador, os atores e atrizes da Cia. do Flores apresentam suas investigações cênicas por meio de pílulas poéticas em vídeo. O conjunto de vídeos reúne as perspectivas individuais de uma obra tão coletiva e representam experimentações teatrais possíveis no contexto de distanciamento social. Ficha técnica
ELENCO Alef Barros, Alessandra Moreira, Denise Hygino, Josy Santana, Lucas Vedovoto e Osni Rossi | DRAMATURGIA Claudia Jordão | ROTEIRO E DIREÇÃO DE ELENCO Alef Barros e Claudia Jordão | DIREÇÃO DE CENA, MONTAGEM E COR Paulo Trajano | DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA E OPERAÇÃO DE CÂMERA Petterson Andrey | PRODUÇÃO E MIXAGEM Caroline Varani | FIGURINO Josy Santana | REALIZAÇÃO Cia. do Flores | PRODUÇÃO Berenice Filmes | APOIO CULTURAL Sesc Santo André
De 3 a 24/11. Terças /sescsantoandre
A CIGANA, O PALHAÇO E O ASTRONAUTA com Coletivo MENELÃO
Neste experimento cênico on-line, o Coletivo MENELÃO apresenta para o público o seu projeto mais recente. Mais do que uma adaptação, a proposta dialoga diretamente com os limites e possibilidades do meio digital. Por meio de inscrições no Portal do Sesc São Paulo, o público será convidado a transitar por diversos canais, como WhatsApp, Instagram e YouTube. Sinopse: PAR. TI. DA. Ato de sair de um lugar, geralmente em direção a outro. Local ou momento de início de um percurso. Jogo, ida, adeus, objetivo, chegada, desvincular de algo ou alguém, mesmo que doa, e você não queira. Se as partidas são infinitas, também infinitos são os possíveis destinos. E se tudo é uma questão de escolha, qual é o seu destino? Qual é a sua partida? Ficha técnica
ELENCO Caroline Varani, Denise Hyginio e Raffael Santos | DRAMATURGIA Carina Murias | MUSICISTA Mica Matos | ILUMINAÇÃO Acid Queiróz | PRODUÇÃO GERAL Coletivo MENELÃO de Teatro | APOIO ProEC (PróReitoria de Extensão e Cultura da UFABC)
Dias 21 e 28/11. Sábados, 21h Inscrições nos dias 20 e 27/11 pelo portal do Sesc SP
ATELIÊ COLETIVO ON-LINE: RELATOS Com Núcleo de Experimentos em Dramaturgia
Por meio de relatos textuais, o NED apresenta para o público perspectivas sobre a experiência de realização do Ateliê Coletivo On-line. Ao longo dos dois meses de encontros, o Núcleo, que orientará a Cia. do Flores, a Cia. do Tijolo e o Coletivo MENELÃO, produzirá semanalmente um relato sobre essa aventura cênica no campo digital. De 9/10 a 27/11 www.sescsp.org.br/cenascentrifugasentreato
PARA LER EM 09 DE OUTUBRO, DE 2030 – ÀS 16H21 "O homem não vive apenas 'no' tempo, mas é tempo, tempo não cronológico. A nossa consciência não passa por uma sucessão de momentos neutros, como o ponteiro de um relógio, mas cada momento contém todos os momentos anteriores. Em cada instante, a nossa consciência é uma totalidade que engloba, como atualidade presente, o passado e, além disso, o futuro, como um horizonte de possibilidades e expectativas." Anatol Rosenfeld.
Vou começar contando sobre um futuro que não aconteceu. Era março de 2020. Na velocidade da luz, as faixas: de vias e rodovias, de pedestres, dos trilhos, e dos sons, guiavam o cotidiano do tempo subjetivo de cada um. Farol. Buzina. Para. Atravessa. Sobe. Desce. Escada. Estação. “Olha o chocolate, paga três e leva 10!” Das certezas do que eu estava fazendo da minha vida, estava estruturando a logística do tempo para dar conta de uma agenda, que de março a maio me colocaria em estado de investigação, de difusão, de fruição, e de vivências artísticas intensas, dentro do Sesc Santo André. Na sequência das certezas, junto aos meus pares do teatro, preparávamos cenas, laboratórios de dramaturgia, propostas de investigação coletiva acerca da poesia que queremos pro mundo. Seguíamos a narrativa que nos cabia de acordo com o fluxo das urgências, das potências, e daquilo que o planejamento do tempo estava nos oferecendo como possível. Atrair os olhares do centro à margem! Este era o intuito do evento Cenas Centrífugas, que realizaria sua segunda edição no primeiro semestre de 2020. Coletivos do ABC Paulista – Cia do Flores, Coletivo Menelão e NED - Núcleo de Experimentos em Dramaturgia – colocariam luz a esta geografia resistente e resiliente no fazer teatral. Teriam a responsabilidade de representar o Teatro do ABC e se tornariam anfitriões não só da Cia do Tijolo, estabelecida na capital paulista, mas de todo o público, apresentando esta margem como um lugar que se estabelece, há anos, como um território de criação e fruição do teatro.
Três meses. Aproximadamente 30 apresentações. Três Instalações de repertório dos coletivos. Um Laboratório de Dramaturgia. Um Ateliê de Criação Colaborativa. Tudo pronto. Ensaios realizados. Público à espera. Inscrições de oficinas contabilizadas. Vara de luz no lugar. Estruturas posicionadas. Detalhes acertados.
Todas as certezas me levavam para o dia 20 de março. Sexta-feira. Imprensa. Cortejo. Abertura Oficial. Celebração! Respira. Terça-feira. 17 de março de 2020. Respira. Portões semiabertos. Teatro fechado. Palco vazio. Plateia desocupada. Cabine. Coxia. Camarim. Silêncio. Covid-19. Fecharam-se as portas do teatro e eu fui pra casa. Fomos pra casa! Res-pira. Cenário desconhecido. Tempo desconfigurado. Espaço limitado. Fomos invadidos pelas incertezas de todas as narrativas conhecidas até então. Um Dois Três Quatro Cinco Seis Sete meses. Há mais de 200 dias, eu sigo desconstruindo certezas, criando embate com o tempo, ou melhor, tentando concatenar-me subjetivamente com o tempo, com as minhas narrativas e com as narrativas do outro. São sete meses negociando a vida. Pelo que vale a pena viver? Pelo que vale a pena morrer?
Acredito, que das angústias que vivemos é pela arte que ela se esvai. Das dores que sofremos é pela arte que ela se esvai. Daquilo que não foi tempo futuro, o passado não registrou. Tudo fica flutuando em minha memória do não acontecimento. Tudo é parte da história que teria sido. Mas foi preciso seguir, porque a resiliência é prerrogativa para o exercício da arte. E numa tentativa desonesta com a minha capacidade de assimilar o agora, eu vou te contar um recorte deste tempo:
É outubro de 2020. Estou aqui! Estamos aqui! Cenas Centrífugas 2 – Entreato! Como as esculturas que povoam o Sesc Santo André, neste momento de hiato, sentadas nos mesmos lugares, compondo os mesmos cenários, tenho a sensação de que estivemos aqui o tempo todo. De que nós, artistas do Cenas Centrífugas 2, não arredamos o pé. Ficamos em estado de espera, ancorados aqui, para que aquilo que teria sido, encontrasse lugar para ser. E chegamos a este entremeio com a pretensa prerrogativa de refletir o aqui e agora, de investigar este hiato e transformá-lo em material artístico A você que lê este texto em 2030, antecipo meu pedido de desculpas sobre possíveis equívocos que possamos cometer, mas penso que nossas reflexões encontrarão muitos vazios pelo caminho, pois olhando pro horizonte não vejo nada, mas olhando pro chão, vejo muitos pés cansados, mas resistentes, desejosos de encontrar a poesia no meio do caos.
É 06 de outubro, de 2020. Parafraseando Wislawa Szymborska, em “A vida na hora”, não foi possível “praticar uma quarta-feira antes” e nem “ao menos repetir uma quinta-feira outra vez!” Mas nos foi dada a terça-feira e nós, do NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia, abrimos a sala virtual. Tocamos Raul, e demos início ao jogo “Antes de tudo isso começar eu achei que ia...” – “Neste momento em que eu vivo uma vida que eu não imaginava a minha âncora é...” – “Quando tudo isso passar eu vou...” Nesta sala, eram eu, elas, nós, em linhas horizontais, junto a eles: Cia do Flores, Coletivo Menelão e Cia do Tijolo, olhando pra trás, refletindo o agora e desejando o depois, dando início ao primeiro encontro do Ateliê de Criação Coletiva do Cenas Centrífugas 2 Entreato, em formato online, pelo Sesc Santo André. Ninguém chegou de trem. Não houve luz. Farol. Trilho. Via ou rodovia. Não houve presença física, não houve abraço, olho no olho, porque tem sido necessário ressignificar, redescobrir, reinventar o encontro. Mas estávamos juntos, não mais como seria em março, mas como pode ser agora: em casa, por uma tela, porém conectados para além da rede! Para uns, o tempo fez hiato. Para outros ele nunca parou. Para uns, a âncora deste momento é a espiritualidade, a respiração, a terapia,
o suor do corpo, mas todos seguem ancorados no desejo de que o teatro continue sendo um acontecimento que nos movimenta para refletir e ressignificar este mundo, que cria suas estruturas dentro de uma “disputa de narrativas”. Este primeiro encontro se estabeleceu pelo tom do acolhimento, que depois da espera pelo tempo possível, estávamos carentes de poesia, de prosa, de deslocamentos da vida real, e fomos nos acolhendo pela escuta, pela transversalidade de saberes, pela diversidade de olhar pro mundo, e pelo desejo de encontrar respostas para questões subjetivas, que depois de compartilhadas, tornaram-se nossas. Sigo narrando sobre o tempo, sobre um futuro próximo, pois neste aqui-agora, desejamos construir, coletivamente, uma cápsula do tempo, que imprima uma narrativa acerca deste nosso ser-estar artista-cidadão-gente neste cenário de isolamento social, por conta de uma Pandemia, num país com recortes tão específicos artísticopolítico-social e com rupturas tão evidentes. O NED tem como desafio criar um registro de passagem por este cenário, criando uma dramaturgia que revele o pensar subjetivo e coletivo deste grupo de artistas. Um material artístico, que com o passar dos anos possa revelar o pensamento crítico de quatro coletivos de teatro, que se debruçaram numa investigação crítica e poética sobre o seu tempo. O tempo? Tão explorado neste primeiro encontro, e que ditou o tom deste texto, seguiu o curso e me trouxe até aqui, nos trouxe até aqui. E neste tempo, em que nada mais sabemos sobre nada, no meio do caos, encontrei pessoas para caminhar lado a lado e imaginar um futuro possível. Claudia Jordão NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia 09/10/2020 – 16h21
PARA LER QUANDO TUDO PASSAR! “É ilusório pensar que esta é só uma prova rápida feita em acomodações provisórias. Não. De pé em meio à cena vejo como é sólida. Me impressiona a precisão de cada acessório... Ah, não tenho dúvida de que é uma estreia. E o que quer que eu faça, vai se transformar para sempre naquilo que fiz.” A vida na hora. Wislawa Szymborska
Dia 06 de outubro de 2020. A estreia. Encontro 1. Que a entrada na cápsula do tempo com a Cia do Flores, o Coletivo Menelão e a Cia. do Tijolo, fique marcado em nossos corpos como o registro de tempos que nos afastaram dos palcos, mas nos proporcionaram um tributo virtual a Dionísio e ao Teatro! As conexões de uma estreia virtual. Às 18:45 liguei o computador e aguardei a conexão. Conectados estávamos por mensagens desde a semana anterior. Não havia conexão via Wi-Fi. O celular estava ao lado com as mensagens que não foram enviadas. Eram 18:55 e eu ainda buscava conexão para o computador nos demais cômodos da casa. Desconectar era algo impensado. Não conseguir conectar de forma alguma era mais doloroso ainda. E foi então que, não desvendando os mistérios do Wi-Fi sem sinal algum, recorri ao cabo azul perpassando a mesa do escritório improvisado. Recurso antigo. Recurso esquecido. Recurso do desespero. 18:57. Computador ligado. 18:59. Acesso ao Meet, aplicativo da reunião. 19:00. Iniciamos “Cenas Centrífugas Entreato”. Estreamos! Abrimos a cortina, ou melhor, a sala virtual! “Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém
O empregado não saiu pro seu trabalho Pois sabia que o patrão também não tava lá Dona de casa não saiu pra comprar pão Pois sabia que o padeiro também não tava lá... O dia em que a terra parou!” Oi. Todos ouviram o Raul? Ah!! A terra parou... O tempo parou! Vocês me ouvem? Ouvem? Estão me ouvindo? Para quem o tempo não parou? Estão me ouvindooooooooooooooooo? Sim. Sim. Sim. Sim. As reconexões afetivas de um trabalho coletivo. Dramaturgia! Para o NED, o respiro! O que nos une como um coletivo! O que nos movimenta! Pensar uma dramaturgia possível de ser construída em três, dos quatro encontros que teremos, nos exigiu criar procedimentos para que tivéssemos materiais diversos. A proposta era uma grande roda afetiva virtual, para a quebra de um gelo de meses de espera. Assim, talvez, conseguiríamos compreender o antes, o presente e o que estes artistas vislumbravam para o futuro. E assim foi. Inícios de frases completadas com nossas angústias, âncoras e o que mais considerássemos necessário. Antes de tudo isso começar eu...pensava logísticas de trânsito para vida. Pensava que quanto mais tempo eu ficasse fora da minha casa, mais eu estava construindo algo para o mundo. Eu nunca tinha feito uma reunião online e simplesmente respirava! Nesse momento, quando eu vivo uma vida que não imaginava, minha âncora é ... família, doces, espiritualidade, dança, corrida, massas, ansiolíticos, café, imaginação! Quando tudo isso acabar eu...vou dar um mergulho no mar e na vida. Vou viajar, vou ao parque!
Vou ter dificuldade de sair do casulo... Vou ter que me parir de novo... Você pode repetir? Cortou pra mim. Vou ter dificuldade de sair do casulo... Vou ter que me parir de novo... Perdemos tudo que você falou. Não ouviram? Virammmmmmm? Acho que ela entrou na capsula do tempo. Tem um eco. Saia da reunião e entre novamente. Vou ter dificuldade de sair do casulo... Relatos pessoais, misturados a vídeos performáticos, textos, poemas de Carlos Drummond, Wislawa Szymborska, Viviane Mozé! As vozes e corpos dos artistas, nos atravessaram, para além das perguntas que cada grupo preparou como um disparador para nossa escrita. Os diferentes olhares artísticos nos trouxeram dores, incertezas e novas descobertas do momento caótico em que vivemos. Você tá congelada. Eu faço tudo pra não pirar. Vixi...Cadê? Eu caíiiiiiiiiiiiiiiiiii. Eu caí algumas vezes. A gente cai e se der, levanta. Eu caíiiiiiiiiiiiiiiiiii. Caíiiiiiiiiiii. Caíiiiiiiiiii. Outro eco! Ecos e questionamentos nos fizeram repensar estes dias pandêmicos e traçar possíveis trilhos das nossas escritas para o segundo encontro. Falamos sobre continuidade, rupturas, diferentes realidades. “Como eu tenho a certeza de que a minha realidade é a realidade? “No que se baseia o sentido disso que a gente chama de realidade?...Se essa realidade não passa de disputa de narrativas...em que eu sustento as minhas certezas?...O que me faz decidir o que é certo, errado? Justo, injusto?” Ecos de Rodrigo! Ecos de muitos de nós! E a solidão destes dias? Qual a solidão de estar vivo numa vida que já morreu? Pelo que vale a pena viver ou morrer? Ou ainda a pergunta
do poema do Drummond “Como pode o homem sentir-se a si mesmo, quando o mundo some?”. O tempo parou? Se rompeu? O tempo parou pra quem? As rupturas sociais nos fazem crer que o tempo não parou para alguns. A marca da morte do pai por Covid-19. A ruptura do fim. Do fim de um tempo. É possível, nesta criação dramatúrgica coletiva que o NED almeja, fazer uma narrativa de continuidade, apesar da ruptura de tempo. É possível falar da brusca interrupção das atividades artísticas que todos nós tivemos. É possível mencionar também a ruptura que sofremos com as quedas de conexão dos encontros online. É possí...E...travou... Conversa. Escuta. Provocação e pesquisa na nossa cápsula do tempo. Cápsula da vida. Estreamos com o sentimento de que estamos fazendo algo que nunca imaginamos fazer, mas que, como diz Wislawa em seu poema, vai se transformar pra sempre naquilo que fizemos. No Entreato. Para o futuro próximo, últimos dias de 2020, ou 2030, talvez, deixo ecos de Karen “Qual será a nossa conduta cotidiana? O que é que vai mover as multidões? Vai continuar sendo o ódio?” Às 21:00 nos despedimos. Reunião encerrada. Computador desligado. Apesar da sensação de hiato. Da sensação de não movimento. Muita coisa está acontecendo. O tempo todo. Que Dionísio esteja conosco, virtualmente! Juliane Pimenta NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia 16/10/2020 – 16h46
PARA LER DURANTE AS PRÓXIMAS PRIMAVERAS Dia 20 de outubro de 2020. Processo criativo. Encontro 2. Algo foi semeado e agora começa a germinar. Quinze dias se passaram desde a última vez que nos vimos e quase oito meses desde que nos encontramos. Não há certeza de que tenha sido tempo suficiente para nos reconhecermos enquanto um coletivo criador ou coletivo criatura. Será que é possível conhecer a pessoa com quem estou criando, mesmo através de uma janelinha do Google Meet? Eu não consigo perceber uma ruga, uma cicatriz ou uma mancha sequer no rosto do outro. Os pixels me confundem, a falta de nitidez da câmera... Alguns segundos de frustração: Pixels não contam uma história viva como contam as rugas, manchas e cicatrizes. Dentre as tantas dificuldades do cotidiano digital ao qual já estamos até que bem acostumados, está a chegança que nos prepara para o fazer teatral. Não tem olho no olho, só olho na tela. Não tem abraço que faça registro prévio da temperatura do corpo que cruzará com o seu durante a cena. Aliás, nem corpo tem... só tem ombro e cabeça, recortados pela janelinha. Não tem caminhada pelo espaço, percepção do espaço de criação. Tem percepção da plataforma online, das janelas, móveis, escadas e portas da casa do outro. É isso o que temos para hoje. Nosso espaço de criação é impalpável e talvez essa seja a coisa mais bizarra a qual jamais poderíamos imaginar. Nós, gente de teatro, somos absolutamente materiais e essencialmente não-cibernéticos. A matéria é a nossa ferramenta primordial e o encontro é o que antecede a nossa existência. Reinvenção! É isso que dizem sobre estes tempos, não é? Imagine só! Se pudéssemos dizer algo para nossos eus do passado, fazedores de teatro, certamente diríamos: “você já imaginou fazer teatro pela internet? Já imaginou um processo criativo online? Pois é, esse dia vai chegar” Talvez nossos eus do passado gargalhariam, em desespero. Então é essa a chegança pela qual optamos. Vamos mergulhar em perguntas abismo, dessas complexas e difíceis de responder de prontidão, cujas respostas talvez nos deem alguma pista sobre quem
o outro, a outra criatura que criará comigo. Se eu pudesse dizer algo para o meu eu do passado, eu diria... - Não precisava se preocupar tanto... vai dar tudo errado! - Faça um mestrado - Continue com a homeopatia e os ansiolíticos - Saiba dosar o quanto você se doa para as situações. - Faça tudo de novo... - Divirta-se mais... - Tenha vergonha na cara e faça uma reserva financeira! - Não diria nada. Coletamos as pistas sobre nós e seguimos. Há quinze dias o grupo havia levado poesias, indagações, angústias e relatos ao qual o Núcleo de Experimentos em Dramaturgia tentou tecer textos-resposta. Quatro textos-resposta que condensavam uma tentativa de digerir e regurgitar o caos do não-saber que nos acompanha nestes tempos. Os textos-resposta, por sua vez, transformaram-se em novo material poético pelos olhares do grupo. Esta troca faz parte do pacto que foi selado coletivamente: criaremos alguma coisa, alguma coisa que sirva para comunicar. Arte, poesia, teatro do agora, do tempo presente, de 2020. Guardaremos isso em uma cápsula do tempo, que será enviada ao nós-futuro. Talvez a próxima primavera possa ser tão surpreendente e inimaginável quanto a que estamos vivendo agora. Hora do compartilhamento de cenas: - Será que consigo compartilhar a minha tela? - Vocês conseguem escutar? - Estou tentando mandar o vídeo no grupo. - Eu não sei, tá travando... - Vou compartilhar a minha tela aqui, ver se eu consigo... - Compartilha o link com a gente depois? - Agora sim! Vocês tão vendo? - Eu não estou vendo... - Agora vocês estão vendo? - Sim - Sim - Eu continuo não vendo.
- Agora vejo, agora vejo! - Não estou conseguindo, tá dando como arquivo incompatível. - Coloca seu celular na câmera! - Se a gente fixar a tela dele, a gente consegue ver melhor - Aproxima mais da câmera - Um pouco mais pra lateral... - A outra lateral - Vai, agora “play” - Pera, sobe um pouquinho... Ih, travou tudo, congelou, caiu. Mesmo em frames cortados e entre silêncios de conexão de rede, atravessamos a dificuldade que a tecnologia impõe ao tão analógico teatro. Telas compartilhadas, cenas rodando. Assistimos uma cena e inevitavelmente assistimos às nossas próprias reações também, olhares atentos nas janelinhas. Cena espelho. Assistir à cena já é, por si só, um ato de criação de uma nova cena paralela, espontânea e sem pretensão alguma. “o vídeo não apareceu aqui para mim, então fiquei assistindo vocês enquanto assistiam ao vídeo. Tentei captar alguma coisa pelo rosto de vocês...” Ainda assim, resistentes que somos, as cenas mostraram: pássaros nos pés, chuveiro, cama-fogueira, folha amarela, janela, cidade, primeiro dia do ano, máscara, metrô, música, violão, poesia. Um emaranhado que nos levará a mais perguntas e respostas para a próxima estação. Daqui quinze dias nos vemos de novo pelas janelinhas. Até lá, seguimos olhando através de janelas maiores que possam nos provocar novos horizontes. Há que se reinventar, que se recriar alguma coisa de tudo isso que está acontecendo. Seguimos plantando, regando, podando, adubando e observando os ciclos de alguma coisa que esperamos colher na próxima primavera. GLOSSÁRIO: TRA.VAR (verbo transitivo direto): Agarrar algo de modo firme; segurar, tomar ou... SER INTERROMPIDE PELA FALTA DE CONEXÃO COM ALGO OU ALGUÉM. CON.GE.LAR (verbo transitivo direto/indireto/pronominal): Transformar(-se) um líquido em gelo; gelar ou... PARALISAR POR UM PERÍODO NO TEMPO, HIATO FORÇADO.
CA.IR (verbo intransitivo): Descer no espaço, em virtude da gravidade, quando libertado da suspensão ou suporte; ir de cima para baixo; ser levado de cima para baixo pelo próprio peso; tombar ou... ESTAR AUSENTE OU IMPEDIDE DE PRESENCIAR AQUILO QUE GOSTARIA. Denise Hyginio NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia 24/10/2020 – 2h17
SERÁ QUE ALGUÉM VAI LER ESSE TEXTO? Esse é um meta-texto, ou um texto sobre o texto que eu escrevo. Texto sobre os textos que nós escrevemos. E sobre todas as tentativas escritas e descartadas antes deste texto que você lê agora. Dentro do projeto Cenas Centrífugas - Entreato, realizado pelo Sesc Santo André, o NED - Núcleo de Experimentos em Dramaturgia foi convidado a conduzir um Ateliê de Criação Compartilhada, junto aos grupos Cia do Flores, Cia do Tijolo e Coletivo Menelão. O coletivo NED é formado por quatro mulheres trabalhadoras do teatro, que nesta iniciativa se dedicam à pesquisa e escrita de dramaturgia contemporânea. Um Ateliê Compartilhado é um espaço de criação e experimentação cênica, local de exercer a prática do fazer teatral - sala de ensaio (online) co-habitada por esses três grupos e mediada por nós, o quarto grupo participante, que tem como objeto de trabalho a dramaturgia. Quando compreendemos a natureza da experiência que estamos sendo convidadas a mediar, torna-se evidente a expectativa de criação colaborativa, por um lado. Porém, por outro lado, como realizar isso a partir do nosso viés de pesquisa, a dramaturgia, justamente sabendo que este não será um processo que nasce a partir do texto escrito? Qual a singularidade de um processo que é mediado/conduzido por quatro dramaturgas, sem que o foco do trabalho seja textocêntrico? O processo começa, então, antes de começar - começamos as conversas e planejamentos entre nós antes que os encontros se iniciem - tentando compreender internamente quais procedimentos podemos propor para a pesquisa, qual o tipo de mediação que temos interesse em realizar, como ao mesmo tempo conduzir um experimento cênico e nos colocar em prática de escrita. Estabelecemos outro processo, o nosso, dentro do processo compartilhado, e caminhamos duplamente. É processo dentro do processo, assim como este, texto dentro de texto. É tentativa de trilhar caminhos para aquilo que nunca se fez, ou que nunca fizemos nós. Em conversa prévia, em comum acordo entre os grupos, propusemos que o processo criativo do Ateliê gerasse material cênico (ou cênico em vídeo?) que fosse potencial para uma cápsula do tempo - lançada por nós agora e recebida e revisitada por nós mesmos no próximo
ano, se tudo der certo, presencialmente. Então, começamos assim: no primeiro encontro os grupos trouxeram materiais provocadores, disparadores para o início do processo criativo: poemas, ideias, memórias, depoimentos. O ponto de partida tornou-se o compartilhar do sentimento presente, das dúvidas e suposições inéditas que vivenciamos nesta nova realidade imposta. Junto aos materiais, os participantes trouxeram perguntas norteadoras, que pretendemos responder juntes durante o processo. A estas perguntas, respondemos com textos, que foram enviados aos participantes antes do encontro seguinte, para que selecionassem trechos que gostariam de experimentar. Como resposta aos textos, experimentos em vídeo. Como resposta aos vídeos, outro texto agora. Perguntas disparam textos, que disparam cenas, que disparam outros textos, que disparam outras cenas, e o resto não sabemos ainda. Ou: cenas respondem a textos, que respondem a cenas, que respondem a textos, que respondem às perguntas iniciais. Porque todo material é disparador e resposta, ao mesmo tempo, em retroalimentação. Compartilhamos, aqui, alguns pequenos trechos que ilustram este processo… Pergunta recebida: Como eu tenho certeza que a minha realidade é a realidade? Trecho do texto criado: O chão é concreto e o fato de sentir meus pés pisarem nele é o que ainda me faz ter certeza de que tudo isso aqui é real. E é apenas isso. Mas o que realmente me preocupa neste momento é essa fenda que se abre, veloz, e que nos separa definitivamente. Dizem que foi assim, no início, quando tudo ainda era Pangeia. E parece que está acontecendo de novo. Então não temos tempo a perder. Ei, me parece que se não tomarmos alguma atitude agora, essa fenda se alargará e não seremos capazes de nos encontrar nunca mais. Nunca mais, sabe? Eu sei, nunca mais é muito forte, mas precisamos de sua urgência para que nos movamos. Pula pra cá, pula! Pergunta recebida: O que é que a gente precisa esquecer pra continuar vivendo?
Trecho do texto criado: É consciência estômago. Apartamento estômago. Cidade estômago. A gente sempre sendo digerida em massa. Aí eu fujo mesmo, tento me esquivar, me esconder, tento passar ilesa, mas me leso toda. É tudo lesão que não passa, ferida que não seca, pele morta que não sai de mim. Eu preciso esquecer de mim! Pelo menos um pouco. Será que é possível sentir outra dor que não a minha, outra ansiedade que não a minha, outra obsessão, outro pesar, outra palpitação, outra irritação, outro sonhar, outro pulsar, outro respirar, outro arder, outro ar, será que é possível me afogar no outro ainda? Eu vejo minhas veias saltadas, escancaradas, vejo meu tempo, meus músculos, meu tempo, o fluido da minha bile, meu tempo, meu tempo, meus ossos, meu tempo, minhas células, meu tempo, meu tempo, meu tempo… É tudo temporal. Temporário. Overdose acidental de mim mesma. Pergunta recebida: Qual a solidão de estar vivo numa vida que já morreu? Trecho do texto criado: Um corpo nu! Um saco impermeável. Um metro e meio de distância. Sua história por estes olhos, vai partir num corpo nu… Você está na lista dos que vão existir na solidão de estar viva numa vida que já morreu. É o que diz aqui, nesta folha amarela. “Não podemos prescrever ansiolíticos, mas podemos dopá-la e quando você acordar nada mais disso estará acontecendo. Fica à sua escolha, criar ou não memória de hoje!” Diz uma voz distante. Quase um eco que vem de longe. Sinto a estranheza de lugares deixados pra trás. Seguro a folha amarela: Visto-me de astronauta e vejo a menina que eu fui, a mulher que eu sou e as narrativas contadas sobre mim, irem embora junto a uma série de protocolos. Minha história está morrendo antes de mim e eu não fui capaz de impedir. Pergunta recebida: Quantas vezes você também pensou não estar aqui?
Trecho do texto criado: A minha única certeza é a de que amanhã, às sete, eu preciso apertar aquele botão e fazer a sereia apitar. Mais café. Eu já pensei em não estar aqui. Já pensei em tomar doses homeopáticas de sumiço. No modo presencial eu pensava em fugir por um dia. Depois de uns meses, por dois. Até que finalmente desaparecia por uma semana. Neste modelo online tenho pensado seriamente em não aparecer em algumas reuniões. Até me desligar um dia inteiro. Dois. Até que, de tão ausente, eu não seja mais lembrada. Meu desejo de não estar aqui sempre entrou em conflito com as minhas possibilidades de permanecer. Quem acordará essa cidade? Acabo de perceber que a flor amarela do Ipê nasceu. Então é setembro. Eu perdi a noção do tempo! Esses trechos apresentados compõem textos maiores que nesta primeira rodada de escrita foram desenvolvidos individualmente por cada dramaturga do NED. A relação direta entre as perguntas levadas e os textos escritos não foi, porém, apresentada aos participantes. Mesmo que um texto tenha sido escrito a partir de uma pergunta específica, ele pode ser fruído peles participantes de forma autônoma. Cada participante pode construir suas pontes entre os materiais apresentados. Outro ingrediente que não revelamos é quem escreveu qual texto - é tentativa nossa de experimentar essa possibilidade de escrita compartilhada e, portanto, a apresentação de um material que represente o coletivo, e não cada dramaturga individualmente. Mas, para além do material textual levado ao Ateliê de compartilhamento, há, neste outro processo interno, o processo dentro do processo, tantos outros materiais criados - tentativas que abandonamos pela metade, escritos que experimentamos e compreendemos não se encaixar, ruas sem saída, atalhos que nos desviam, estradas que nos levam a lugar nenhum, voltas sem sair do lugar. É um certo tatear no escuro, tentando encontrar direção. Como um coletivo que volta sua pesquisa à escrita da dramaturgia, nossa relação com os textos criados se torna intensa e imersiva. Muitos ajustes, reescritas, sugestões, questionamentos, muitas versões de cada texto antes do compartilhamento. - O que você quer dizer com esta frase? - Quem está dizendo este texto? - Eu não sei como expressar essa ideia. - Por que você não tenta reescrever isso sob outro ponto de vista?
- Eu acho que meu texto não responde à essa pergunta. - Como essa metáfora se relaciona ao tema? Um texto, quando usado como disparador à criação cênica, não precisa necessariamente ser material de investigação ou análise profunda. As primeiras leituras já são, muitas vezes, propulsoras de sensações e impressões, já possibilitam ideias e inspirações que podem ser testadas em cena (ou em vídeo). Temos consciência de que as textualidades criadas por nós são materiais-ponte, materiais temporários, parte do processo colaborativo, materiais permeáveis e permeados por outras criações; não finalidades. Ainda assim, no processo dentro do processo, esses questionamentos fazem nossa escrita individual mais potente, mais coesa. Seguimos então, na pesquisa, na tentativa-erro-tentativa, tentando dosar os pesos e dispêndios de tempo e esforço entre os dois processos em paralelo, nos arriscando entre os trilhos da condução e criação concomitantes - se nos mantivermos atentas em escuta e olhar, o trem que corre não nos atropela. Carina Murias NED - Núcleo de Experimentos em Dramaturgia 01/11/2020
PARA LER QUANDO O IPÊ-AMARELO ESTIVER FLORIDO Terceiro encontro. Terceira parte da construção de uma cápsula do tempo. A Cia. do Flores, Coletivo Menelão, Cia. do Tijolo e NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia seguem como construtores de um projeto que vem se erguendo por meio de um processo colaborativo entre artistas, com a pretensão de registrar este tempo e revisitá-lo num tempo futuro. Música. Zoom. Sala. Artistas dançantes. Corpos em movimento em frente às câmeras balançam meio corpo ao som da música, que embala o hall de entrada da sala do zoom. Dancemos enquanto ficamos à espera. O tempo ainda segue um fluxo de urgências diferente pra cada um de nós! Esta não foi uma sugestão em palavra falada, mas um inconsciente coletivo que nos colocou num movimento de diálogo entre a música e o início efetivo dos trabalhos. Faço um parêntese aqui para falar sobre as “intempéries” virtuais, que têm sido tão recorrente neste tempo cibernético. Penso que logo este tema se tornará irrelevante para as narrativas, mas, enquanto estão em processo de irrelevância, acredito que ainda há especificidades que merecem espaço para serem narradas. Vamos começar? Gostaríamos de convidar vocês para que pudéssemos ler juntos o texto que vocês já receberam… Espere um momento, alguém não está conseguindo ouvir. Tem um botão que você precisa acessar… Ah! Agora consegui. Estou no celular. Eu peço desculpas por estar no escuro. Estou no Uber, pois meu computador quebrou e eu precisei levar ao técnico e estou voltando pra casa. Tudo certo... Tudo bem... Ok... Seguimos juntos… Gostaria de fazer um convite a todos vocês para que possamos ler o texto que vocês receberam durante a semana. Tem umas marcações no texto como sugestão de passagem de leitura para outra pessoa. Assim todos nós poderemos nos apropriar das palavras. Você que está no Uber, caso não consiga ler, está tudo bem, ok?
Aqui, retomarei o segundo encontro para falar sobre o terceiro. O coletivo NED, mediador do Ateliê Colaborativo do Cenas Centrífugas - Entreato, propôs textos provocadores que reverberassem em processos de criação cênica. Os atores escolheriam trechos dos textos recebidos, para serem trabalhados e apresentados no segundo encontro, estas escolhas poderiam acontecer de acordo com os atravessamentos que tivessem pulsado para se revelar como cena. Desde o primeiro encontro nos tornamos um grupo de “provocantes”, pois entre perguntas, respostas, réplicas e tréplicas os materiais textuais e cênicos apresentados se tornariam provocações para a cena e consequentemente para a dramaturgia em processo. Os materiais cênicos apresentados no segundo encontro geraram muitas imagens. Tudo era importante, as referências, as perguntas, os depoimentos, as cenas em vídeo, as cenas de improviso, as citações, os impedimentos virtuais... tudo, tudo era importante! Porém, quando se tem um processo a ser realizado em tão pouco tempo, com tão poucos encontros, o desejo é de não se desperdiçar nada, mas é preciso fazer recortes, promover uma curadoria de materiais e entender como eles podem se encaixar e se estruturar dentro da premissa pela qual se constitui o Ateliê: uma cápsula do tempo, que ao ser revisitada conte para nós, conte a quem possa interessar, sobre hoje, sobre este tempo em que foi preciso reconstituir fazeres e pensamentos artísticos, reconstituir o futuro que poderia ter sido, reconstituir relações em distanciamento, reconstituir-se para seguir. Os materiais reverberaram em nós como sementes lançadas para o amanhã. Talvez por estarmos ainda atravessadas pela metáfora do ipê-amarelo que surgiu durante o primeiro encontro enquanto texto/ metáfora do tempo: “Acabo de perceber que a flor amarela do ipê nasceu. Então é setembro. Eu perdi a noção do tempo! Eu perdi... e já me perdi em sonhos de lugares melhores mesmo acreditando pouco.” E se transformou em imagem no segundo encontro. O tempo é uma senhora sentada embaixo de um ipê-amarelo. Alguém trouxe outra percepção sobre a mesma imagem: Pra mim, o tempo é uma criança sentada embaixo de um ipêamarelo. Fomos atrás do ipê e foi nele que fincamos o pé. “É da experiência de quase morte, de seu flagelo frente às severidades do clima que vem
a beleza dos ipês. A planta entende o estresse como sinal de que seu fim pode ser iminente – e, como resposta, busca produzir o máximo de sementes para deixar descendentes.” * Retomo aqui o terceiro encontro. Todos deram voz à dramaturgia. Uns leram de seus quartos, outros de suas salas, e um dos trechos do texto foi lido no banco traseiro de um carro de aplicativo. Para ser mais específica: o banco traseiro de um carro de aplicativo conduzido por uma mulher acolheu a leitura de uma das participantes do ateliê. Hoje, foi um dia bem complexo como costuma ser a vida, com coisas incríveis e coisas muito difíceis, e eu tava no Uber voltando pra casa, com vocês na reunião e lendo. E foi muito curioso porque eu estava em silêncio ouvindo vocês (...) e ai de repente eu comecei a ler, ou seja, tinha um silêncio no banco de trás e eu comecei a ler. Quando eu parei de ler, a motorista disse: “Nossa!” Antes de ler ela estava com uma música sertaneja e eu perguntei se ela poderia abaixar porque eu ia entrar numa reunião, então eu só falei isso e comecei a ler o texto e quando eu terminei, ela estava surpresa e extasiada. A motorista foi espectadora de um processo que tem colocado a escuta coletiva para se tornar palavra escrita, palavra falada. Ela foi público de um processo que mira o futuro, que nos projeta para o amanhã, esperançados de que sejamos capazes de tirar poesia do caos. A espectadora do Uber foi atravessada por nossa poesia-caos, porque a ela também é cara a esperança de que pelo estresse e sofrimento deste tempo, estejamos soltando sementes para que logo venham as flores e toda beleza que elas nos oferecem. Da realidade do ipê encontramos semente-esperança para plantar na cápsula do tempo. Seguimos semeando expectativa de que a flor da dor nos ensine a renascer floridos. Estamos aprendendo juntos que o “amanhã será pra sempre uma história a ser dançada embaixo de um ipê amarelo, até o fim dos tempos”. O jogo seguiu por mais uma hora em meia de encontro, mas aqui dou por fim este primeiro relato sobre o terceiro encontro. Claudia Jordão NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia
PARA LER QUANDO NÃO MAIS PRECISARMOS DE ENCONTROS VIRTUAIS Encontro 3. Do Teatro ao Zoom. Do Zoom ao Teatro. O Teatro, com a sua experiência de portas fechadas - uma quase morte - tal qual uma árvore como o ipê, tenta produzir o máximo de sementes para se manter vivo. São várias as sementes que coletamos no processo do Entreato. Uma delas é a dramaturgia escrita para essas janelas do Zoom. É preciso deixar registros sementes do que vivemos. Sementes para voltar a florir. Florir em um palco, nas ruas, nas telas de um computador, ou onde mais o teatro ocupar. Os experimentos cênicos e as reflexões que nos foram apresentadas anteriormente eclodiram as metáforas que foram fonte de linhas e linhas de uma dramaturgia. A dramaturgia deste momento. A dramaturgia das janelas do Zoom. A dramaturgia do Entreato. Dramaturgia semente. Percorremos o caminho nada linear das metáforas ao texto, e, do texto às metáforas. “O apartamento segue fechado há meses. Tudo está em seu lugar, e há meses não saio de casa. Não sinto cheiro das ruas. Não sinto cheiro de nada que não seja de mim mesma. Nua, eu me levanto da cama, ajeito o escafandro, busco o chinelo com os pés, que estão dançando perdidos pelo chão. Neste tempo de solidão tenho me perdido inteira. Num tempo de meses anteriores Eu, escafandrista, reclusa, mergulho profundamente na minha história. Desço às profundezas de um armário emperrado de tanta coisa guardada dentro dele há tanto tempo. Imersão profunda. Desencontros de mim levaram-me ao encontro da sereia.” As nossas janelas virtuais mais pareciam pequenos aquários acolhendo a leitura coletiva desta Dramaturgia semente. No texto, uma escafandrista, um menino, um pai sereia, sirene, relógio, rachadura e um ipê. Os escritos das quatro dramaturgas na boca dos nossos oito atores. Cada um a seu tempo.
“Meu pai esteve lá, acompanhando todo o trabalho de parto. Nadando, subindo a superfície e respirando. Matematicamente calculando a dilatação e contração. Não me viu sair das entranhas de minha mãe. Não me viu espirrando para fora do casulo, ovo. Foi acordar a cidade. Não era possível perder o fio do tempo. Ele tempo. Ele relógio. Ele pai. Ele a sirene que acorda a cidade que dorme. Ele o homem do tempo que aperta o botão do despertar às sete horas. Ele homem da sereia que canta. Ele sereia.” Oito vozes devorando nossas palavras, criadas após a observação dos pequenos experimentos em vídeo de cada ator, no encontro anterior. Somados à exercícios de escrita, reflexão, reescrita e opção. A opção muitas vezes não nos dá a certeza de que necessitamos. Literatura ou dramaturgia? As duas coisas? Talvez. “Oi, você diz, e sorri. Não te escuto palavra, mas te vejo dizer. Oi. E me estende uma flor amarela, como essa folha amarela clandestina que chegou por debaixo da porta e que eu não tenho coragem de ler. Oi. E ergue no ar essa flor amarela de ipê, pequena, e tão amarela, e que eu não alcanço daqui. Uma flor amarela entre os seus pequenos dedos enrugados. Uma criança de oitenta anos, à sombra de uma árvore que floresce depois do inverno que a maltrata.” Das certezas que temos e não abrimos mão: flertamos com a poesia! “Eu dancei, preenchi meus dias num compasso três por quatro, em andamento moderado, que era para não tropeçar. Eu convidei o tempo para uma valsa mas não o deixei me conduzir quem guiou a dança fui eu...”
Nós, artistas de Teatro, ansiamos por florir nos palcos! Este texto semente, em cena com plateia ao vivo, colheria frutos, certamente. Explodi-lo no Zoom, por meio de um jogo rápido, nos permitiria perceber sua potência cênica online. Foi então que, com apenas alguns minutos de preparação, as vozes dos atores atreladas aos seus corpos, nas janelas aquários, nos revelaram cenas possíveis com o texto. As apresentações aconteceram na ordem da dramaturgia. Tal qual uma colcha de retalhos, os experimentos sem fala, foram se costurando aos que propunham texto e movimento, luzes desenhadas, ou aos que traziam sons diversos do ambiente. Teve quarto, cozinha, banheiro, quintal, câmera desligada. Espelho, planta, flor, máscara e música! Teve escuta das nossas palavras! Sim. Esses coletivos nos leram e se entregaram ao jogo das palavras que trouxemos. Dramaturgia tão nossa! O que esperar para um próximo encontro? Que os atores, tendo um pouco mais de tempo de se entregarem ao jogo já começado, se divirtam e tragam um experimento cênico com o texto, que consideramos finalizado, para, assim, encerrarmos esse processo bonito. Nossa cápsula do tempo terá muita história pra contar! Juliane Pimenta NED- Núcleo de Experimentos em Dramaturgia
PARA LER QUANDO PUDERMOS SUJAR OS PÉS NA RUA NOVAMENTE Encontro 4. O último. O fim é o começo? Às dezoito e cinquenta, alguns de nós já estávamos em frente às telas, à espera. Nosso quarto e último encontro estava marcado para acontecer das dezenove às vinte e uma horas. Ciclo breve, denso e cheio de sensações mistas às quais tentamos dar conta em oito horas espaçadas ao longo de dois meses. À nossa maneira, que também tentamos descobrir qual era, juntes. Em meio a uma avalanche de compromissos, afazeres cotidianos, reuniões online e tudo o mais daquilo que tem engolido nosso tempo através das telas, em nossas próprias casas, conseguimos fazer o pacto de encontrar uma brecha para criar coletivamente. Uma pequena revolução talvez, ainda que isso possa soar demasiado romântico ou ingênuo. A parte que cabia ao Núcleo de Experimentos em Dramaturgia neste pacto era a escrita de um texto. Buscamos transpor em palavras toda a potência poética que o coletivo depositou por meio de seus corpos-vídeo e vozes-áudio ao longo destes encontros. Isso não é uma guerra, mas parece. Não é o fim do mundo, mas às vezes parece. Na dúvida, passamos oito horas metralhando poesia, palavra, música, dança, teatro e silêncio. Um texto, então, foi parido. No encontro três, o texto foi divido em partes e cada pessoa tornouse responsável por experimentar uma delas ao vivo, numa espécie de improviso surpresa. Pouco tempo para extrair uma cena e lançá-la na câmera via Zoom, com aquilo que há ao seu redor, sem grandes construções ou pré-julgamentos artísticos. Para o encontro quatro, o último, cada pessoa teria tempo para pensar e elaborar uma cena sobre sua parte do texto. Uma série de vídeos-cenas foram produzidos e então iniciamos nosso encontro final apresentando-as em sequência: nosso grande espetáculo virtual. Plateia vazia. Nossa coxia é o desligar de câmeras e microfones. Cada vídeo-cena revelava um ponto de vista muito particular, individual, mas cheio de intenção de se fundir ao todo. A distância e falta de generosidade do tempo não foram impedimentos para que encontrássemos uma forma de contar uma história única. Nesta história, as personagens e imagens narradas são representações daquilo que tentamos elucidar até aqui:
Uma escafandrista mergulhada em seu apartamento, a janela emperrada, um ipê amarelo que sente dor no processo de floração, um menino sereia de pés sujos, a sirene que não toca mais para acordar a cidade e o tempo, sempre o tempo, senhor de todas as coisas e para o qual oferecemos toda nossa poesia. Vídeos-cenas, produzidos tão artesanalmente quanto apenas o encontro entre teatro e tecnologia poderia produzir. Ao fundo dos áudios podemos escutar os ruídos cotidianos das casas de cada um e cada uma. Tentamos falar, dizer aquilo que precisa ser dito, mas estamos todes mergulhades, assim como a escafandrista. Nossas vozes ecoam debaixo d'água de dentro ou debaixo da cidade que retoma seu caos do lado de fora da janela? A janela foi personagem ou cenário de muitas das cenas apresentadas. Mais uma vez tentamos dizer, na esperança de que a voz alcance as ruas. Os vídeos-cenas ainda não compõem um espetáculo, mas, sim, um ensaio. Nossos pés ensaiam o dia em que poderão se sujar nas ruas sem medo novamente, eles ensaiam o dia em que nos reencontraremos. Ensaios sobre as tantas dúvidas, angústias e esperanças que regem o momento presente. Depois deste grande ensaio para o amanhã apresentado via Zoom, ao qual realizamos e contemplamos simultaneamente, os próximos passos tinham de ser planejados e definidos pelo coletivo. Eis que chega o momento das conclusões e encaminhamentos de qualquer projeto. Nosso pacto inicial é a construção de uma cápsula do tempo, a qual pretendemos revisitar em um futuro ainda desconhecido. E o que deixamos gravado para este futuro, então? No futuro, o que significará um grupo de artistas de teatro que se encontrou para construir uma cápsula do tempo durante dois meses no ano de dois mil e vinte? Relembro aqui algo que foi dito por um participante do ateliê: eu não deixo o tempo me devorar. Quando pausamos o tempo para dançar, cantar, escrever e ser poesia: ele não nos devora. Estivemos resistindo, à nossa maneira. Re-existindo. Pelo menos essa é a busca. Denise Hyginio NED – Núcleo de Experimentos em Dramaturgia