Henrique IV

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“É conveniente a alguns que considerem certas pessoas como loucas para terem a desculpa de mantê-las presas. Sabe por quê? Porque é difícil escutar o que os loucos dizem.” (Henrique IV, de Luigi Pirandello)


Dramaturgia Luigi Pirandello Direção Gabriel Villela

de 28 de abril a 5 de junho de 2022

quinta a sábado, 21h • domingos, 18h sessões acessíveis em libras nos dias 1, 2, 3, 4 e 5 de junho

14 ANOS


Loucura e inspiração Constituindo-se faces de uma mesma moeda, a loucura e a lucidez são diferenciadas por convenções sociais e tratados médicos. Tais características podem ser encontradas em diversas sociedades e nomeadas distintamente, variando em grau e aceitabilidade, com limiares sujeitos às lógicas locais. Afinal, quem pode determinar categoricamente o limite entre lucidez e loucura? E, mais, a que propósitos atende tal delimitação? No século XXI, ao observar em retrospectiva os pretensos usos da razão, ao lidar com comportamentos e modos de vida desconhecidos ou considerados inapropriados, é possível identificar que muitas das avaliações feitas no passado consideraram loucura atitudes que afrontavam, em alguma medida, o status quo, evidenciando a fragilidade de suas regras. Para aqueles que outrora ocupavam posições de poder, tais afrontas – propositais


ou espontâneas – figuravam como desrespeito aos padrões rigidamente estabelecidos e, dessa forma, eram propícias a punições exemplares, para que não se repetissem. De acordo com a conveniência, em geral, a loucura foi atribuída aos indivíduos que incomodavam, seja por expressarem livremente seus pensamentos, muitas vezes desconexos, ou por seus discursos portarem, potencialmente, verdades desconfortáveis para a prática inautêntica dos bons costumes. Mediante as livres interpretações da realidade desenvolvidas pelos loucos, podiam ser descortinados os mecanismos de construção das narrativas dominantes, elaboradas de acordo com as circunstâncias e interesses de determinada época e classe social. A indeterminação da loucura a fez objeto de vários estudos, da medicina à filosofia, com presença marcante no universo das artes e da literatura.


Personagens e autores, que ainda carregam os estigmas de serem, alguma vez, considerados loucos, intempestivos ou absortos, contribuíram significativamente para o repertório cultural de seus apreciadores, com reverberações atemporais. Nesse cenário, de coexistência entre sanidade e loucura, encontra-se a peça Henrique IV, de Luigi Pirandello, importante nome da literatura ocidental laureado com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1934. No espetáculo, sob direção do encenador Gabriel Villela, a loucura é traduzida não apenas como ausência da razão, havendo também uma recorrência aos elementos da estrutura discursiva proposta por Pirandello: o jogo de aparências, o artifício das máscaras sociais e a construção de si mesmo pelo olhar do outro. Obra lançada originalmente em 1922, na esteira das inovações da modernidade e ainda sob os efeitos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), esta dramaturgia continua a fazer sentido por


iluminar um tema caro ao Ocidente – a loucura e sua antítese, a lucidez. Em 2022, os cem anos de lançamento de Henrique IV veem-se marcados por outras situações históricas, como o recrudescimento do autoritarismo, as guerras, o aquecimento global, o fenômeno das notícias falsas, a tragédia da fome e uma pandemia. Diante deste momento, abordar temas como a loucura, nos convida a exceder as fronteiras individuais ao refletir sobre acontecimentos recentes. Considerando as convenções sociais como tácitos pactos coletivos, as obras artísticas têm licença para rompê-los e, assim, nos proporcionar possibilidades antes impensadas. Ao apresentar tais produções, o Sesc espera contribuir para ampliação de um repertório sociocultural e humanístico de seus públicos, sob a égide da loucura sã, inventiva e transformadora da arte. Danilo Santos de Miranda Diretor do Sesc São Paulo



Nosso Henrique IV Pirandello apresenta um desequilíbrio curioso entre duas questões distintas: a ideia e a forma, disputa esta que é iluminada pela sua obra de dramaturgia quando personagens e atores entram em confronto no palco diante da plateia. A ideia é o território da coisa pura, que é a personagem que não precisa de esforço nenhum para vir à luz porque ela já é o que é: Hamlet é Hamlet, figura impalpável e evanescente que morre de rir das imperfeições dos intérpretes que tentam lhe dar vida (Shakespeare e Pirandello são parentes muito próximos!). A tragédia humana para Pirandello é coisa corriqueira e cotidiana, basta haver nascido para conviver o tempo inteiro com o tombo que nos avizinha. Não é preciso feito heroico algum para galgar o degrau da tragicidade já que viver é uma corrida alucinada atrás de uma ideia pronta de quem somos, o que evidentemente nunca conseguimos realizar porque diferente da pureza cristalina da


obra acabada o homem é inconstante e vários ao mesmo tempo. Somos atores sem o perceber, revezamos máscaras enquanto cremos em alguma espécie de caráter inviolável, e, mais do que isso, inventamos toda uma cena imaginária na esperança de que nossos interlocutores compreendam todo o teatro armado que só existe dentro da cabeça de cada um. Falhamos indecorosamente, é claro. Perecíveis e nada eternos, tentamos perseverar neste picadeiro da vida onde encenamos a comedia que nos cabe representar, todos ‘palhaços involuntários quando, sem saber, nos fantasiamos daquilo que pensamos ser.’ Henrique IV certamente não é a obra mais conhecida de Pirandello, mas desconfio de que seja a que mais apresenta ao espectador o sumo da filosofia do autor: tudo é um jogo de espelhos onde o limiar entre loucura e realidade é quase sempre esfumaçado para não deixarnos concluir nada. Henrique IV é uma peça


de conjunto, feita para uma trupe teatral que compreende a força das personagens envolvidas. O protagonista aqui é a palavra que é empregada de maneira estrondosamente verborrágica, e que desemboca também em silêncios deliciosamente constrangedores. E é aqui, neste nosso Henrique IV que nos encontramos todos com nosso diretor Gabriel Villela, ele mesmo um mago da poesia artificiosa de uma cena sempre encantada e imantada por cores e bordados, melodias e timbres vocais, tudo direcionado generosamente à intelecção da fábula emitida por nós, atores. Pirandello e Gabriel Villela (assim como Shakespeare!) são pilares que reafirmam a importância poética do teatro que sobrevive ainda hoje como uma assembleia pública formada entre quem sobe ao palco e quem assiste da plateia. Sejam todos bem vindos à experiência de acreditar duvidando, de construir só para lá adiante tornar


a desmoronar e fazer desse intervalo entre uma coisa e outra um movimento de consciência, de atenção em relação ao mundo. Um viva à moldura da cena, aos cabos do urdimento, aos refletores, às rotundas, às indumentárias, ao picadeiro do circo, aos adereços, à maquiagem, aos trecos e pandarecos... a tudo o que é material e distante da afetação ensimesmada da alma! Chico Carvalho Ator que interpreta o personagem Henrique IV


FOTO: DIVULGAÇÃO

JC Serroni e a maquete da cenografia


O galope da loucura

Uma cavalgada perturbadora pelo universo Pirandelliano Gabriel Villela sempre nos surpreende com suas leituras radicais dos textos clássicos. Não é diferente em Henrique IV de Luigi Pirandello. Ao assistir um dos ensaios, com tudo ainda em andamento, muito no início, confesso que saí dele profundamente perturbado numa confusão mental avassaladora com as falas do texto, especialmente na voz de Henrique IV, a partir do que elas provocam. A loucura e a lucidez, que ao mesmo tempo é trazida pelo personagem nos leva a um estado, que senão também de loucura, a uma espécie de embriaguez, de tontura. Parece que não dominamos mais nosso corpo, nossa fala, nossa mente. Parece que caímos de um cavalo e batemos a cabeça numa pedra, passando a confundir nossas memórias.


E foi nesse estado que comecei a pensar num espaço que pudesse abrigar os personagens dessa aventura e que pudesse receber os fantasmas que rondam todo tempo esse rei, que não sabemos se é rei. Esses seres que não sabem ao certo quem é esse rei. Tudo é um ser ou não ser. Um estar e um não estar. Uma mentira ou uma verdade. Uma loucura ou uma sanidade. Isso tudo justificava, e muito, os primeiros conceitos básicos, o labirinto. A procura por caminhos tortuosos e de difíceis saídas. Escher entrava muito bem como inspiração. Mas depois vi mais uma vez o poder transformador do teatro através dos atores. Nos ensaios de agora, os três conselheiros do rei ao se tornarem palhaços, deram a Henrique IV a possibilidade de, também, brincar, já que o tempo todo a sua atuação é um jogo. E Gabriel Villela, um pouco insano, mas em repleta


lucidez, joga a encenação num circo teatro, não de cores vivas como de costume, já que ali habitam os fantasmas que rondam a cabeça do nosso Henrique, o que me trás um caminho claro para a encenação: um circo em desconstrução de uma trupe itinerante com sua carroça encenando por castelos medievais. Henrique IV e suas alucinações se protegem dentro da carroça da trupe, que acompanha seus passos, seja espiando do picadeiro, ou das arquibancadas que o circundam. Vez ou outra, esse rei sai de seu trono confundindo a todos com suas falas, em meio a canções que nos remetem a tempos passados. Pensando em todas essas questões se torna fundamental a criação de um espaço que crie planos, fugas, caminhos, alturas, labirintos, espirais, com movimentos que deem dinâmica ao jogo de cena tão bem realizado pelos atores e muito


bem conduzidos pela direção de Gabriel Villela que também veste seus atores de forma absolutamente radical e Felliniana. Embarquemos nessa viagem de grandes atuações, de esmerada qualidade vocal, de uma dramaturgia poderosa, conduzida com maestria pela direção, e dentro de uma visualidade de figurinos, cenografia e luz, que sem dúvida emolduram de forma lúdica e perturbadora um espetáculo que nos provoca profundas reflexões. J C Serroni Cenógrafo


Sinopse Em Henrique IV, Pirandello explora os limites entre a loucura e a lucidez, a partir da história de um homem que, após uma queda do cavalo e uma pancada na cabeça, vive (ou finge viver) o personagem que representava no carnaval numa festa a fantasia.


“Digam se podemos ficar quietos sabendo que existe alguém que tenta convencer os outros que você é como ele o vê, que tenta, conforme o julgamento que faz de você, enquadrá-lo em um conceito que não é o seu?” (Henrique IV, de Luigi Pirandello)


Saiba mais sobre as características do teatro de Luigi Pirandello, a estética popular e o texto de Henrique IV. Assista ao bate-papo O Teatro de Pirandello, com o diretor, cenógrafo e figurinista Gabriel Villela e o ator Chico Carvalho.

Clique aqui e assista


Elenco


Chico Carvalho henrique iv


Rosana Stavis matilde Spina


Helio Cicero psiquiatra


Regina França frida


André Hendges tito belcredi


Jonatan Harold Pianista


Rogério Romera carlo di nolli


Breno Manfredini sonho


Artur Volpi S

oracao


“Todos os dias, a cada momento, essa gente pretende que os outros sejam como os outros querem! E eles se aproveitam disso, fazendo com que vocês aceitem o pensamento deles, que vejam e julguem como eles!” (Henrique IV, de Luigi Pirandello)


Ficha Técnica Autor Luigi Pirandello Tradução Claudio Fontana Direção, adaptação e figurinos Gabriel Villela Elenco Chico Carvalho, Rosana Stavis, Helio Cicero, André Hendges, Regina França, Rogério Romera, Jonatan Harold, Breno Manfredini e Artur Volpi. Cenografia J C Serroni Iluminação Caetano Vilela Diretores Assistente Ivan Andrade e Douglas Novais Direção Musical, canto e arranjos vocais e instrumentais Babaya Morais e Jonatan Harold Assistente de Figurinos José Rosa Adereços de arte Jair Soares Jr Costureira Zilda Peres Assistentes de cenografia Nathalia Campos, Priscila Soares e Samara Pavlova


Cenotecnicos José Alves, José da Hora e Wagner de Almeida Pintura e texturização Camila Bueno, Caroline Batista, Cynthia Cirqueira e Priscila Chagas Coordenação equipe cenografia Samara Pavlova Maquiagem Claudinei Hidalgo Fotografia João Caldas Fº Assistência de Fotografia Andréia Machado Diretor de Palco Tinho Viana Operador de luz PH Moreira Camareiras Ana Lucia Laurino e Maria Helena Arruda Produção Executiva Augusto Vieira Direção de Produção Claudio Fontana Apoio Só Dança


Sesc Vila Mariana Rua Pelotas, 141, CEP 04012-000 TEL.: +55 11 5080 3000 /sescvilamariana

sescsp.org.br


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