CARTILHA DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA

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COMISSÃO DE DIREITO SISTÊMICO

CARTILHA DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA


COMISSÃO ESTADUAL DE DIREITO SISTÊMICO OAB/ES - GESTÃO 2019-2021 DIRETORIA Elseana Maria Valim de Paula

Paula Maria P. R. Schmildt

Presidente

Vice-Presidente

Ludmila Moura de Abreu Almeida Gustavo Nascimento Moreschi Secretária geral

Secretário adjunto

COORDENADORES DO PROJETO Ludmila Moura de Abreu Almeida Yulli Roter Maia Juiz de Direito do TJAL

COLABORADORES Bruna Garcia Carvalho

Geovana Gomes R. Lourenzini

Danielly Martins Viquetti

Ivana Noriko M. Winckler

Elissandra Dondoni

Roberto Ailton E. de Oliveira

Gustavo Nascimento Moreschi

Vanderlei Ferreira Arruda

PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÕES Gabriela Sufiati Turra


SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 2. JUSTIFICATIVA DA CARTILHA 3. DO PARADIGMA CARTESIANO PARA O SISTÊMICO 4. PRINCÍPIOS SISTÊMICOS 5. A VISÃO SISTÊMICA DO CONFLITO 6. O QUE É DIREITO SISTÊMICO? (ABRANGÊNCIA) 7. O QUE É ADVOCACIA SISTÊMICA? 8. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DA ATUAÇÃO DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA 9. LIMITES LEGAIS E ÉTICOS DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA 10. ATENDIMENTO JURÍDICO SISTÊMICO 11. CONTRATO DE HONORÁRIOS 12. CONHECIMENTOS SUGERIDOS PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA SISTÊMICA 13. CONCLUSÃO


1 INTRODUÇÃO Há estudos indicando que, em toda a história da humanidade, as pessoas nunca tiveram tanto acesso ao conhecimento como possuem hoje, após o advento e popularização da internet. Contudo, diferente do que preconizou o filósofo Francis Bacon, em 1600, o conhecimento não parece estar empoderando, menos ainda ajudando a maioria dos (as) advogados (as) a levar uma carreira plena, feliz e satisfatória. A realidade que se apresenta à advocacia, ao judiciário, no dia a dia, cada vez está cheia de obstáculos, desafios e problemas, por vezes, sem aparente solução, ou que pelo menos de difícil resolução para os envolvidos no conflito. E é sob esse contexto, que a Comissão de Direito Sistêmico apresenta esta Cartilha do Advogado com Postura Sistêmica à Ordem dos Advogados do Espírito Santo e a toda Classe dos profissionais da Advocacia do Brasil como um marco orientador de possibilidades, além das existentes, para se cumprir com o papel constitucional de contribuir para a administração da justiça, no Estado Democrático de Direito. A Comissão de Direito Sistêmico pretendeu demonstrar neste trabalho uma nova forma de pensar o direito, através do pensamento sistêmico, em que todas as áreas fazem parte do mesmo sistema, e estão interligadas entre si. Inicialmente, frisa-se que o Direito Sistêmico não é um ramo do direito, mas sim uma nova postura do advogado e demais operadores do direito aplicável aos seus diversos ramos, abrangendo ainda a mediação, conciliação, arbitragem, advocacia colaborativa, posturas sistêmicas e outros métodos adequados de solução de conflitos.


Novos contextos geram novos conflitos. E novos conflitos nos exigem novas visões e posturas para os solucionar. Nesse sentido, Capra e Mattei [1] afirmam: “Na vanguarda da ciência, verifica-se o surgimento de uma mudança radical de paradigmas – de uma visão de mundo mecanicista para uma visão sistêmica e ecológica”. Também é na adversidade que, “a partir desta reconexão com essa força maior, tirando o foco do conflito e colocando na solução, muitas alternativas inovadoras e criativas emergem e se concretizam”. [2] Por ser um tema relativamente novo para à Advocacia, sobretudo para o Espírito Santo, buscou-se tratar de forma sucinta estes tópicos: O Paradigma Cartesiano para o Sistêmico Princípios Sistêmicos O que é Direito Sistêmico? (Abrangência) Fundamentação Constitucional e Legal da atuação do Advogado com Postura Sistêmica Limites Legais e Éticos do Advogado com Postura Sistêmica Atendimento Jurídico Sistêmico Contrato de Honorários Para elaborar esses tópicos a equipe da Comissão de Direito Sistêmico fez estudo bem aprofundado em bibliografias relacionadas ao tema “Abrangências Sistêmicas”, desde Teoria do Sistema do biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy, passando pela A Revolução Ecojurídica: O Direito Sistêmico em Sintonia com a Natureza e a Comunidade do físico e o pensador sistêmico Fritjof Capra e o jurista Ugo Mattei; bem como Comunicação NãoViolenta na visão de Marshall Rosenberg; Gestão de Conflitos no espectro do Professor Ricardo Goretti e Tânia Almeida; estudo de ferramentas da constelação de acordo com os Professores Franz Ruppert; Guillermo Echegaray e Bert Herlling, dentre outros. [1] [2] CAPRA, FRIJOT; MATTEI, UGO. A REVOLUÇÃO ECOJURÍDICA: O DIREITO SISTÊMICO EM SINTONIA COM A NATUREZA E A COMUNIDADE. TRADUÇÃO POR JEFERSON LUIZ CAMARGO. SÃO PAULO. EDITORA CULTRIX. P. 133/134, 2020.


Sem dúvida, que é uma proposta ousada, pois na sua essência, o Direito é Sistêmico, por ser uma ciência humana não se confunde com Constelação Sistêmica Familiar. Este foi um estudo profundo, que não se findou pela sua dinâmica evolutiva, como a própria a vida, e cumpriu de forma simples e objetiva com a proposta de indicar uma alternativa humanizada para se lidar com as questões das demandas. Os estudos, até onde se deu um corte metodológico para concluir a Cartilha, têm mostrado a necessidade de o (a) profissional do direito se abrir cada vez mais para as infinitas possibilidades de atuação, a se iniciar por perceber as suas próprias qualidades e as limitações humanas, estendendo aos seus clientes. Para tanto, é importante se observar e trabalhar o seu próprio comportamento, eminentemente beligerante, pois todos podem e têm direito de viver de modo mais leve, mais harmonioso. Isso prepara o (a) profissional do direito para atender o cliente que lhe procura. Cliente este que é um ser humano com todas as condições e recursos internos necessários a solucionar seus conflitos, porém quando procura pelos serviços advocatícios está enxergando apenas as suas limitações. Portanto, caso se deseje ter um comportamento Sistêmico, com todo respeito a quem pensa e age diferente, a caixa de ferramentas da advogada e do advogado precisa ser sistêmica, ter várias possibilidades de abordagem. A começar pela clareza do real papel do (a) advogado (a) que é de apoio, de coadjuvante, seguida da habilidade da escuta. Ou seja: Sistêmico é o todo observando o ser humano integral, inteiro que somos nós e nossos clientes.


Sendo assim, diante dos estudos que temos realizado, pode-se afirmar que ao restringir o olhar apenas para dinâmicas das constelações sistêmicas familiares, deixa-se a postura sistêmica e volta-se a atuar com postura e olhar cartesiano, fragmentado. Afinal, o ser humano tem características herdadas, mas muitas características construídas por suas escolhas conscientes e inconscientes. Essas últimas abrem as portas para as influências do meio em que se vive. Se não se abrir o espectro para essa análise sistêmica, deixa-se de trazer um importante aspecto que é a autorresponsabilidade. Essa habilidade diferencia o ser humano dos seres irracionais. Ou seja, confirma-se que a natureza jurídica de solução para conflitos, do Direito Sistêmico, implica desenvolver as soft skills, deixando assim de culpar as circunstâncias adversas pela inexistência de paz. Afinal, só estamos começando. Essa abordagem sistêmica é objeto de estudo da biologia há séculos. No direito é um bebê, quando se pensa em estudo acadêmico e aplicado. Porém, em essência somos sistêmicos e muitos profissionais do direito em suas ações têm visão e comportamento sistêmicos, em suas atuações. Uma questão que ficou bem clara, neste modesto estudo, é de que a abordagem do Direito Sistêmico, como foi inicialmente concebido, já está sendo ampliada. Portanto, a atuação no campo da advocacia deve ser uma construção contínua e coletiva de toda a classe. E isso é o intuito e o desejo da equipe da Comissão de Direito Sistêmico e demais membros (as), desta Gestão 2021, com esta Cartilha.


2 JUSTIFICATIVA DA CARTILHA A forma sistêmica de se atuar na advocacia se tornou mais conhecida a partir da instalação da Primeira Comissão de Direito Sistêmico da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina. Essa foi uma iniciativa da Dra. Eunice Schlieck, pioneira do movimento no âmbito da OAB, bem como coordenadora Nacional do Núcleo de Direito Sistêmico da ESA Nacional, Escola Superior da Advocacia, triênio 2019/2022. Destaca-se também sua coordenação e contribuição para a publicação da Primeira Cartilha sobre Direito Sistêmico da OAB, seccional Santa Catarina. Hoje já há mais de cem outras comissões de Direito Sistêmico espalhadas pelo Brasil. Segue abaixo o mapeamento das Comissões de Direito Sistêmico espalhadas pelo Brasil [3]:

[3] A Expansão das Comissões de Direito Sistêmico no País. Disponível em: https://ibdsist.com.br/aexpansao-das-comissoes-de-direito-sistemico-no-pais. Acesso em: 24 de agosto 2021.


Em novembro de 2019, os professores Luciano Alves, Eunice Schlieck e Yulli Roter participaram de um evento promovido pela OAB/ES, trazendo várias abordagens de como exercer a Advocacia Sistêmica. Em fevereiro de 2020, a Dra. Eunice lançou primeira cartilha de Direito Sistêmico voltada para advogados, como acima já tínhamos mencionado. Neste ano de 2021, inspirados pelo evento de 2019, os integrantes da Comissão de Direito Sistêmico pensaram em elaborar um documento que trouxesse uma forma ampliada de ver a Advocacia Sistêmica, em decorrência do que haviam vivenciado no campo de experimentação de suas atividades profissionais, respeitando, evidentemente, formas diversas de percepção do tema. Portanto, esta Cartilha não tem a pretensão de ser definitiva e, desde já, pensa-se em revisões periódicas. Esta edição teve a coordenação de Yulli Roter e Ludmila Abreu, com a participação e colaboração de membros e membras da comissão de direito sistêmico da OAB/ES. Durante o período de preparação, foi-se percebendo que a Advocacia Sistêmica não é: a) Direito Sistêmico b) Método Adequado de Solução de Conflitos c) Uso de constelações familiares, estruturais ou da intenção d) Advocacia terapêutica e) Ter necessariamente uma postura de “bonzinho” f) Uma postura que indica acordo a qualquer custo


3. DO PARADIGMA CARTESIANO PARA O SISTÊMICO Professor Yulli Roter Maia 3.1. Introdução: Ser cartesiano ou sistêmico tem relação com a forma como se adquire o conhecimento, de como se experimenta a realidade. Se a experimentação da realidade não for verdadeira, como se fazer para alcançá-la? Os paradigmas cartesiano e sistêmico são formas distintas de como se percebe o que ocorre e de como se atua nela. 3.2.Paradigma Cartesiano sob enfoque do Conflito: O paradigma racional tem por seguintes características: 1) o conhecimento racional ou a percepção da realidade pela racionalidade pura, capaz de eliminar as emoções, o que torna o comportamento e a comunicação empáticas dificultosas, aumentando ainda mais a escalada do conflito; 2) a compreensão da verdade se faz através da divisão do que se vê, no intuito de simplificar, o que acaba por excluir variáveis que podem ser relevantes para a solução do conflito; 3) por racionalismo impõe o isolamento entre os envolvidos do conflito através do raciocínio do certo ou errado, do bem ou mal, baseado nos julgamentos e conclusões; 4) mesmo no âmbito das relações humanas, o paradigma cartesiano aponta a causalidade como princípio, o que importa dizer, uma busca de culpados e inocentes, o que torna as relações mais conflituosas ainda.


3.3. O que é Sistêmico? O que é sistêmico? “segundo Hall e Fagen, sistema é ‘um conjunto de objetos com as relações entre objetos e entre os atributos’, em que os objetos são os componentes ou partes do sistema, os atributos são propriedades dos objetos e as relações dão coesão ao sistema todo”. [4] 3.4. Elementos de um Sistema: 1) Objetos (ser humano); 2) Atributos (aspectos intrapsíquicos); 3) Relações. 3.5. Vetores do Pensamento Sistêmico: O paradigma sistêmico possui os seguintes vetores: (1) Globalidade: Aquele em que as pessoas possuem uma visão do todo. Portanto, numa ação de divórcio, por exemplo, o cônjuge não pensará apenas em seu proveito, mas sim no bemestar de todos do sistema familiar. Deixar a esposa com bens suficientes para a continuidade saudável de sua vida, será oportuna para os filhos do casal. Numa organização, os colaboradores podem perceber que sua atividade deve ser compreendida dentro de um todo, ou seja, fazer uma boa prestação de serviço para o cliente, a fim de que a empresa possua ganhos suficientes para as suas receitas. (2) Interdependência: Há uma interdependência entre as relações dos elementos do todo. Assim, numa família, não se pode entender que a conjugalidade e a parentalidade são independentes. No divórcio de um casal, a dificuldade de comunicação entre os pais pode prejudicar o exercício tanto da paternidade, quanto da maternidade. Como assim? o intenso conflito entre os pais ou a distância entre eles podem ser aprendidas pelos filhos. [4] WATZLAWIICK, Paul. Pragmática da Comunicação Humana: um estudo dos padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Cultrix, 2007.


(3) Corresponsabilidade: Na perspectiva sistêmica, o ser humano faz parte do sistema e, portanto, influencia e é influenciado pelo sistema. Ele participa efetivamente da realidade que se apresenta, ou seja, de alguma forma, também possui uma responsabilidade pelo que ocorre. Por exemplo: numa família, uma pessoa recebe uma função para o equilíbrio do sistema familiar: o filho que protege a mãe do pai agressivo. Quando cresce, ainda pode possuir esta função influenciado pelo sistema. Porém, agora, ele também influencia o sistema com a sua atividade protetora, ainda mais por receber da mãe mérito por isso. Portanto, se trata de um sistema de feedback em que se envolve mérito, culpa, responsabilidade, expectativa e autossacrifício. (4) Finalidade: Este todo possui uma finalidade e as regras de organização serão fixadas de acordo com esta direção. Por exemplo: famílias e empresas se organizam de formas diversas, de acordo com as suas finalidades. Um grupo familiar que tem como valor o estudo para o crescimento profissional de seus integrantes, se organizarão para que os filhos estudem em bons colégios e façam boas faculdades. Por outro lado, se há uma família que tem por prioridade fazer viagens, os pais poderão não desistir de viajar para que os filhos estudem e colocá-los em colégios que não os oportunizem bom ensino. (5) Não-Somatividade: o sistema não é mera soma dos seus objetos, atributos e relações. O sistema se manifesta através da qualidade emergente que se extrai da relação entre os objetos com seus atributos. Por exemplo, um sistema familiar pode ter como qualidade inerente às suas relações: a) a exigência; b) abusividades ou c) ter relações saudáveis em que cada pessoa possui sua autonomia mantendo conexões emocionais com as demais pessoas do sistema sem que perca sua singularidade.


(6) Funcionamento do Sistema: As regras podem prevalecer além das gerações. Por exemplo, o pai exige do filho o que lhe foi exigido, como, por exemplo, a escolha profissional, por entender que esta é uma forma adequada de educação. Tais regras são fixadas por quem possui maior mérito no sistema, geralmente, o fundador da empresa, patriarca (ou, matriarca) da família, as quais tendem a prevalecer sobre a autonomia das outras pessoas, a fim de promover a sobrevivência do sistema. Este vetor não é absoluto, pois, em contextos diversos, pode um elemento que possui maior perícia estabelecer regras, como um filho médico na doença da mãe. (7) Evolução do Sistema: As interações entre os elementos do sistema são dinâmicas e projetam a sua evolução e autoorganização, por exemplo, numa família em que todos são preconceituosos, ter uma filha com ideias feministas pode levar a uma oxigenação na família, no sentido de trazer novas perspectivas. (8) Retroalimentação: as relações são circulares, ou seja, uma via de mão dupla. Exemplo: Maria influencia José e José influencia Maria. (9) Visão Sistêmica do Conflito: O conflito numa visão sistêmica, não é visto como algo ruim e, assim, pode ser compreendido como uma possibilidade da evolução do sistema. Uma esposa que sofreu violência doméstica, pode ter sido também agredida por seu pai em sua infância e, seu inconsciente identificou o amor masculino como alguém que a protegesse com violência. Haverá a necessidade de reistorizar a sua biografia infantil, a fim de lograr bons relacionamentos afetivos. Sob o enfoque da lealdade familiar, pode se perceber que a mãe dessa esposa também pode ter sofrido violência doméstica e, assim, também se identificou com a mãe na questão de sofrer abusos por parte do marido e reproduzir sua história.


3.6. Algumas Particularidades dos Sistemas Familiares: (1) Homeostase: pode-se identificar como um equilíbrio relacionado a um estado de estabilidade de retroalimentação negativa, a fim de manter a coesão do sistema. Por exemplo, o filho que fica doente para manter a relação conjugal dos seus pais. A homeostase do sistema se alcançou com a doença do filho. Ocorre que, em algumas situações, há necessidade de uma evolução no sistema e, assim, se opera uma retroalimentação positiva, como, por exemplo, no caso acima mencionado, o filho se ver livre de sua doença ao perceber que os pais conseguiram harmoniosamente se divorciar e sua genitora não sofreu na partilha de bens. (2) Homeostase e Controle Dual: quando um elemento se autossacrifica através de um sintoma para a homeostase do sistema. Por exemplo: um marido que não quer ter contato com as pessoas, pois tem como um de seus atributos intrapsíquicos o distanciamento de sua mãe, ou seja, um desamor e medo de ser rejeitado. Com o desenvolvimento de seu matrimônio, a esposa fica depressiva, que é um sintoma que justifica para o marido ter que cuidar de sua consorte e não ter contatos sociais. É claro que esta não é a única causa, mas que pode contribuir substancialmente para o sintoma. (3) Função Escalonada: por vezes, o sistema necessita de alterações, tendo em vista que a retroalimentação não será capaz de manter o sistema coeso, como por exemplo, no crescimento dos filhos, no casamento de um dos filhos, no falecimento de um dos pais, dentre outros eventos. Nestes casos, haverá necessidade de um rompimento dos padrões anteriores para a reconstrução de uma outra estrutura: as funções exercidas por aquele que deixou o sistema deverá ser absorvida por outro ou, caso seja impossível, advém a visão escalonada em que haverá o fortalecimento nos aspectos intrapsíquicos dos elementos, capaz de haver uma reestruturação funcional do sistema, por exemplo, no divórcio, a esposa divorciada passar ao mercado de trabalho. Os vetores acima mencionados estão baseados no estudo de Paul Watzlawick, que, juntamente com Gregory Bateson e Virginia Satir, fundaram o Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, na Califórnia/EUA. [5] [5] Paul, Watzlawick. Pragmática da Comunicação Humana: estudo de padrões, patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Cultrix, 2007.


4. PRINCÍPIOS SISTÊMICOS Professor Yulli Roter Maia Os princípios sistêmicos foram reunidos pelo professor Bert Hellinger, que propiciam uma forma de agir saudável tanto para o sistema quanto para seus membros. Trata-se de princípios inerentes ao próprio funcionamento de um sistema. O Professor Guillermo Echegary [6] ensina que os princípios sistêmicos nos guiam para entender e dar a solução às situações que todos conhecemos e sabemos identificar, porém que não conseguimos corrigir ou sanar. 1.Princípio do Pertencimento: O pertencimento relaciona-se à completude de um sistema e, uma vez excluído uma pessoa deste, na lição de Bert Hellinger, “seja porque o desprezam ou temem o seu destino, seja porque não reconhecem que ele cedeu lugar a outros da família ou que ainda lhe devem algo, então alguém mais novo, pressionado pelo sentido de compensação, identifica-se com o mais velho sem que tenha consciência disso e sem que possa evitá-lo”. [7] O Professor Matthias Varga leciona que esse princípio requer maior atenção considerando que tem a função de assegurar a própria existência do sistema. Divide o pertencimento em quatro níveis: pleno, vinculação, pertencimento formal e excluídos. Quanto ao pertencimento pleno, pode-se dizer que há uma verdadeira complexidade de funções, obrigações, expectativas e mérito entre aqueles que contribuem para o funcionamento do sistema e, via de regra, fazem parte dele: filho e seus irmãos; os pais e seus irmãos; os avós e, algumas vezes os seus irmãos; eventualmente, um ou outro dos bisavôs; parceiros anteriores dos pais ou dos avós. [8]

[6] ECHEGARY, Guillermo. Empresas com Alma, Empresas com futuro. Madrid: Pirâmide, 2020. [7] HELLINGER, Bert. O Amor do Espírito. Belo Horizonte: Atman, 2015. p.40. [8] HELLINGER, Bert. O Amor do Espírito. Belo Horizonte: Atman, 2015. p. 39.


Nos processos de inventário, quando o pai falece, por exemplo, um filho tende a assumir as suas funções para assegurar o funcionamento do sistema. Esta assunção conecta o filho ao princípio reitor do sistema familiar recebendo, portanto, um mérito por isso. Por outro lado, se nenhum filho assume as funções do pai falecido, o sistema deverá se utilizar de muita energia para funcionar, e com isso tende a perder sua força ou operar uma evolução, que poderá ser até através de conflitos. Contudo, o sistema pode se valer de uma pessoa que formalmente não pertence, ou seja, atendem funções que garantam o seu funcionamento, como, por exemplo, uma filha única cujos pais trabalham muito e se vale de um amigo da família para lhe propiciar afeto e, também pode-se acrescer, todos aqueles que cuja desgraça ou morte tenha resultado em vantagem para outras pessoas do grupo familiar. Este último exemplo é extraído de Bert Hellinger. Por fim, há de se mencionar quanto ao pertencimento formal que ocorre quando a pessoa pertence, mas não se vincula, como nos casos de divórcio emocional em que os nubentes não mais possuem conexão ou ressonância entre eles, vivendo isolados em conjunto, mantendo apenas formalidades como residir no mesmo domicílio, dividirem despesas, vínculos sociais mantidos, mas o afeto é recebido por amigos, filhos, colegas de trabalho e animal de estimação. Também podemos falar sobre os exilados que chegam a um país, estão formalmente vinculados, mas são discriminados.


2. Princípio do Equilíbrio entre Dar e Receber: Há uma conexão entre os princípios do pertencimento e do equilíbrio entre dar e receber, considerando que quando alguém se sente pertencendo, advém um impulso de precisar fazer algo para continuar tendo o mérito de pertencer. Um casal feliz se mantém assim quando há uma reciprocidade de afetos. Este equilíbrio propicia a segurança para continuarem juntos, ou seja, pertencendo. Esta dinâmica de dar e receber propicia as relações vivas entre os integrantes de um sistema, a forma como se relacionam e interagem, as expectativas, obrigações e os méritos que existem entre si, dependentes que são do próprio princípio reitor do sistema. 3. Princípio da Ordem: A ordem de um sistema relaciona-se com o seu funcionamento, como também, se ocupa com as seguintes perguntas: quais, como e por quem as regras implícitas e explícitas são trazidas ao sistema? Este princípio dá a sensação de segurança e previsibilidade aos integrantes do sistema. Como traz Jan Jacob Stam, “ordem não é o mesmo que hierarquia, mas é bom quando a ordem e a hierarquia coincidem”. [9] Saber quem elabora essas regras tem relação com a hierarquia. Passa-se a expor flexibilizações do princípio hierarquia, segundo o Professor Matthias Varga, a fim de evitar conflitos. Geralmente, estabelecem as regras aqueles que possuem maior experiência ou cronologia no sistema. Por exemplo, os pais estabelecem regras para os filhos. Os filhos mais velhos possuem precedência sobre os mais novos. Este é o princípio da cronologia direta. Por outro lado, uma criança recém-nascida ou uma filial de uma empresa precisa de maior atenção. Neste caso, essa atenção despendida visa, inclusive, a própria propagação e crescimento do sistema, cabendo lhe propiciar prioridade. Trata-se da hierarquia inversa.

[9] STAM, Jan Jacob. Coaching Sistêmico: o trabalho sistêmico sem a constelação. Divinópolis: Atman, 2018, p. 51.


O princípio da cronologia direta sofre outra ponderação: quando, por exemplo, o avô já muito idoso, fundador de uma empresa, em função de sua idade não está mais conectado com as funções do sistema, deixando essas responsabilidades e obrigações para aqueles que estão com mais energia, capazes de contribuir e proteger o sistema das incertezas do meio ambiente, como no caso de uma pandemia. Este é o princípio da precedência ou contribuição maior. Por fim, cabe expor o princípio da precedência, do desempenho, da capacidade ou perícia em que as regras são estabelecidas por aquele que possuir maior destreza e habilidade para o desenvolvimento de certas competências necessárias ao bom funcionamento do sistema. Por exemplo, um filho médico em caso de doença na família poderá estabelecer regras do funcionamento familiar. Em empresas, que necessitam de desempenho em caso de riscos no ambiente poderá se valer de pessoas que tragam inovações.


5. A VISÃO SISTÊMICA DO CONFLITO O conflito na visão sistêmica precisa ser abordado para além da racionalidade, compreendendo-o como dinâmicas relacionais decorrentes, muitas das vezes, de processos inconscientes, as quais podem ter origens tanto no aspecto interpessoal, quanto biográfico. Numa abordagem psicanalítica, segundo Freud, o conflito é inerente ao ser humano, pois sempre estará entre o desejo e a realização da sua conformação, entre o querer e as regras sociais que o acomodam (ou não). Na visão sistêmica, uma pessoa possui obrigações, responsabilidades e expectativas para com as outros integrantes de um sistema, as quais nem sempre estão em consonância com o seu querer e com as suas necessidades individuais. Daí vem o conflito. Quando continua atendendo a estas demandas familiares, afastando de si mesmo, necessitará reprimir suas próprias emoções e necessidades. Na fase conflituosa, as emoções reprimidas quando não vistas e não validadas permanecem no inconsciente dos conflitantes, que pode gerar sucessivas e intermináveis demandas jurídicas. Por vezes, os litigantes continuam com a necessidade inconsciente de permanecer no conflito, até como uma forma de manter um vínculo. Nesse sentido, mesmo que ocorra o julgamento da ação, que sejam esgotados os recursos cabíveis e prolatada a decisão final, o conflito continua e pode gerar inseguranças e sofrimentos para os envolvidos. Isso porque o conflito tem natureza socioemocional. [10]

[10] MAIA, Yulli Roter. O que é o Direito Sistêmico? Maceió/AL, 22 de junho de 2020. Instagram: @yulliroter.


Essa emoção aflitiva provocada pelo conflito, que não teve o devido tratamento entre os conflituosos, pode permanecer em seus inconscientes e, em seguida, ser captada pela geração posterior e, com isso, torná-lo transgeracional. Trata-se de um processo inconsciente e não-verbal em que gerações posteriores, por obrigação e culpa, se enredam nos conflitos de seus antepassados. Tal tema é tratado em Ivan Boszormenyi-Nagy, Anne Anelin Schutzenberger e Bert Hellinger. Por fim, esclareça-se que nem sempre se irá aconselhar ao cliente um acordo, apenas para que se tenha uma solução consensual. Isso porque, a evitação do conflito não pode ser entendida como uma solução adequada para o cliente, por exemplo, se uma pessoa que sofre violência patrimonial do ex-marido, em sede de partilha de bens, aconselhar aceitar o acordo nestas condições, é concordar com o abuso, o não se amolda a uma postura sistêmica.

CONFLITO


6. O QUE É DIREITO SISTÊMICO? Como a intenção desta cartilha é trazer um enfoque ampliado sobre o Direito Sistêmico, abaixo se colaciona os diversos posicionamentos sobre o tema: Segundo a Dra. Eunice Shclieck, presidente da primeira Comissão de Direito Sistêmico do país, na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, “é um campo de conhecimento, revelado pela observação fenomenológica de que todas as manifestações de vida são rede formadas por subjetividades e necessidades singulares, que oferece elementos para o exercício de uma Justiça mais humana e pacificadora”. [11] Para Sami Storch, precursor da aplicação das Leis do Amor no Judiciário, Direito Sistêmico é “uma visão sistêmica do Direito, pela qual só há direito quando a solução traz paz e equilíbrio para todo o sistema”. [12] Para Amilton Plácido da Rosa, o Direito Sistêmico é definido como “um método sistêmico-fenomenológico de solução de conflitos, trazendo à tona o conhecimento e a compreensão das causas ocultas de uma desavença”. [13] Portanto, originalmente, o Direito Sistêmico foi pensando como aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger no campo da solução de conflitos, mas que com o tempo foi-se percebendo a possibilidade de se utilizar novas formas que também corroboram com o viés fraternal estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil.

[11] OLDONI, Fabiano. LIPPMANN, Márcia Sarubbi. GIZARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville, Santa Catarina: Manuscritos Editora, 2017. [12] OLDONI, Fabiano. LIPPMANN, Márcia Sarubbi. GIZARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville, Santa Catarina: Manuscritos Editora, 2017. [13] OLDONI, Fabiano. LIPPMANN, Márcia Sarubbi. GIZARDI, Maria Fernanda Gugelmin. Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao Direito de Família e ao Direito Penal. Joinville, Santa Catarina: Manuscritos Editora, 2017.


O que pode contribuir também para o Direito Sistêmico? a) Pensamento Sistêmico; b) Constelações Estruturais; c) Método IoPT; d) Comunicação Não-Violenta; e) os estudos da Conflitologia e da Negociação Jurídica; f) Psicanálise, dentre outras. Portanto, não se pode confundir direito sistêmico com constelações, ademais, podese utilizar uma atitude profissional investida nos saberes acima mencionados sem a necessidade do uso de constelação. O Direito Sistêmico propõe uma quebra de paradigma do cartesiano para o sistêmico. O Sistema de Justiça vivencia um momento de transição de uma postura beligerante para colaborativa e comprometida com a singularidade das pessoas, pois a maneira de lidar com os conflitos, de forma meramente racional, é ineficiente e insustentável. O alcance de uma decisão impositiva por um terceiro nem sempre é capaz de colocar fim ao conflito e, por vezes, aumenta a escalada do conflito. Portanto, pode-se dizer que a jurisdição precisa ser exercida de forma fraternal, não apenas gerando uma estrutura suficiente que acolha a singularidade de cada jurisdicionado, como também viabilize a propagação da cultura da paz. Para o professor Yulli Roter Maia, “a simples atividade de declarar, constituir, condenar (não esquecendo das sentenças mandamentais e executivas) não leva em consideração a real estrutura de um conflito, o qual envolve não apenas questões relacionais de satisfação de seu direito subjetivo em consonância com as regras e princípios vigentes (direito de ação material), de ter sido dada a efetiva oportunidade de o conflitante participar ou não do processo que conduz à prestação jurisdicional (devido processo legal) , mas sim como é tratado o real conflito, levando em conta as emoções e necessidades existenciais envolvidas e, assim, evitar retraumatizações, a desvalidação humana, a perpetuação e a escalada do conflito, quer seja entre os envolvidos, quer a sua transferência para outras pessoas. Ao não se atentar para estas questões, o número de processos judiciais em curso no país só aumenta". [14] [14] MAIA, Yulli Roter. O que é o Direito Sistêmico? Maceió/AL, 22 de junho de 2020. Instagram: @yulliroter.


7. O QUE É ADVOCACIA SISTÊMICA? Não há como mencionar a Advocacia Sistêmica sem referenciar a precursora da Advocacia Sistêmica no Brasil, Dra. Eunice Schlieck, fundadora da Primeira Comissão de Direito Sistêmico da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina, e pioneira do movimento no âmbito da OAB, bem como coordenadora Nacional do Núcleo de Direito Sistêmico da ESA Nacional, Escola Superior da Advocacia, triênio 2019/2022. Destaca-se também sua coordenação e contribuição para a publicação da Primeira Cartilha sobre Direito Sistêmico da OAB, seccional Santa Catarina. Sobre a Advocacia Sistêmica, cumpre trazer o entendimento referente ao lugar do advogado na visão sistêmica, que está estampado na Cartilha sobre Direito Sistêmico mencionada acima: “Portanto, a partir do conhecimento sistêmico o (a) advogado (a) tem condições de auxiliar o cliente a acessar o que está implícito na demanda e consequentemente encontrar a melhor solução técnica para o caso. Independentemente da diversidade de formações e experiências pessoais que enriquecem o olhar e a percepção desse profissional, ao atuar como advogado(a) ele deve ter clareza do seu LUGAR naquela questão, qual seja, proporcionar ao cliente uma solução técnico-jurídica pacificadora. Nessa atuação, o(a) advogado(a) se posiciona como alguém que está “fora” da situação apresentada, e por isso é tão fundamental que esteja constantemente se autoconhecendo. Com efeito, o papel do(a) advogado(a) vai muito além do encaminhamento de processos ao judiciário. No contexto do Direito Sistêmico, ele assume o lugar de agente atuante na construção da melhor solução, acolhendo as leis universais, que atuam nas relações humanas, ampliando a compreensão da origem do conflito. Considerando que o Direito Sistêmico traz uma releitura do conflito e sua abordagem é transformativa, todas as áreas podem ser contempladas sob esse olhar que nos permite alcançar uma nova consciência jurídica”. [15] Outra visão importante é da Advogada Bianca Pizzatto, a qual destaca que: “(...) Se os advogados são indispensáveis à administração da Justiça, que façam da sua profissão o exercício do direito, começando com a sua postura com o cliente e depois com a cooperação e respeito à própria estrutura judiciária. Através desse novo olhar para a advocacia e das novas possibilidades de solução de conflito inseridas nas normas jurídicas, abre-se para os profissionais um novo modelo de advocacia, mais humanizada e consensual". [16] [15] Cartilha de Direito Sistêmico da OAB/SC. Disponível em: https://www.oab-sc.org.br/noticias/cartilha-comissaodireito-sistemico-ja-esta-disponivel-para-download/17300. Acesso em: 22 de agosto de 2021. [16] PIZZATO, Bianca. Constelações Familiares na Advocacia: uma prática humanizada. Joinville, SC: Manuscritos, 2018.


Cumpre destacar que o advogado com postura sistêmica possuirá ou terá uma relação profissional com seu cliente que viabilizará não apenas solução adequada para o conflito, como também uma posição mais saudável para o próprio exercício da advocacia. Isso porque, conseguirá lidar melhor com as questões emocionais trazidas por seu cliente, eis que terá uma visão ampliada do conflito em consonância com os princípios sistêmicos, investido de uma postura saudável e, assim, não se confundirá com o conflito, sem deixar de ser empático. Não se pode confundir a advocacia sistêmica com a necessidade de solução consensual do conflito, tendo em vista que cabe ao advogado proporcionar condições de soluções saudáveis para o conflito. Por exemplo, lidar com conflitos em que um dos envolvidos possui postura narcisista, envolve a necessidade da proteção do cliente, o qual muita das vezes está num lugar de vítima. Saliente-se que, proteção não significa salvação, mas sim o uso adequado das normas jurídicas que viabilize a dignidade da pessoa humana. A Advocacia Sistêmica também se presta a orientar a relação do advogado com outros profissionais na formulação das suas petições, no emprego de comunicação não-violenta, na postura cooperativa, como também a urbanidade com serventuários da justiça, defensores públicos, promotores de justiça e magistrados. Portando, não se pode confundir advocacia sistêmica com mediação com abordagem sistêmica, pois a primeira visa formular saberes e posturas ao advogado para que lhe proporcione condições de exercer sua atividade de forma saudável, se relacionando melhor com outros profissionais do direito e lidar de forma saudável com seu cliente; já a mediação com abordagem sistêmica é um método adequado para solução de conflitos.


8. FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DA ATUAÇÃO DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA O Direito Sistêmico possui sua fundamentação constitucional em seu Preâmbulo e nos Princípios Constitucionais (artigos 1°, inciso III; 3º, inciso I e 4°, inciso VII), como também fundamento legal: o Novo Código de Processo Civil (arts. 3º, § 3º; 5°; 6º; 7º e 165 e seguintes); a Lei de Mediação, n° 13.140/2015, (art. 1°, parágrafo único; art. 2°, incisos 6° e 8°); a Resolução n° 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (arts. 1º; 6º, inciso VI; 11 e 19, parágrafo único) e o Código de Ética da OAB (art. 3° e 6°). A Constituição Federal, em seu art. 3º, inciso I, preceitua o princípio da fraternidade. Ser fraternal pressupõe que as pessoas são diferentes e há uma necessidade de comprometer-se com a solução pacífica das controvérsias, a fim de promover respeito e harmonia nas relações. Assim, o constituinte ao mencionar solidariedade como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil se referiu ao tratamento humano pelo qual o Estado deve direcionar os indivíduos, não bastando a liberdade e igualdade. Como “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável, por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133, caput da CRFB), também deve atender ao princípio da fraternidade e da solidariedade.


Alcançar a fraternidade significa reconhecer e lidar com as diferenças existentes entre as pessoas. Ser fraterno é considerar que cada ser possui a sua identidade, com as suas singularidades, as suas próprias emoções e que, ainda assim, é possível haver um relacionamento respeitoso e saudável, garantindo o alcance dos mais natos direitos humanos. Assim, a postura do advogado sistêmico enaltece o princípio da fraternidade que está presente também em normas infraconstitucionais, ressaltando que a projeção deste princípio no plano processual se faz através de normas e estruturas estatais que possibilitem que os envolvidos no conflito percebam-se em suas singularidades e reconheçam-se afetiva, legal e fraternalmente. No que tange ao relacionamento com o seu cliente, o advogado com abordagem sistêmica terá condições de apoiá-lo adequadamente, pois sabe lidar com suas emoções aflitivas e necessidades desatendidas que conduziram à contenda, não no lugar do terapeuta, mas identificá-las como elementos integrantes do conflito como forma de desenhar sua comunicação e suas estratégias na condução da solução. Essas posturas fraternais conduzem ao respeito à singularidade de cada ator do conflito e para com outros profissionais.


9. LIMITES LEGAIS E ÉTICOS DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA A finalidade deste tópico é indicar posturas para o exercício do advogado com abordagem sistêmica que não violem o Código de Ética da OAB. Em que pese o advogado poder exercer outra profissão, em função de que não há vedação legal neste sentido, deve-se levar em conta que o artigo 2°, inciso VIII, alínea “b” do Código de Ética da OAB estabelece limites na atuação da segunda profissão do advogado, com intuito de que não haja vinculação entre tais práticas laborais. Uma das práticas que é vedada ao advogado realizar é a vinculação com uma outra atividade, como, por exemplo, contador. Neste caso, indica-se que deve possuir dois estabelecimentos distintos para as suas atividades laborais, assim, como não divulgar as práticas concomitante no mesmo documento. Outro ponto a se ressaltar seria o limite da prática sistêmica na advocacia para não configurar terapia, a saber: a) dar uma única direção na solução do conflito, ao invés de dar possibilidades em que o próprio cliente mantenha a sua liberdade de escolha; b) usar seus atendimentos jurídicos para trabalhar especificamente com seu cliente ansiedade, depressão, estresse, luto, autoestima baixa, dentre outros processos psíquicos; e c) realizar acompanhamento emocional em seus atendimentos jurídicos visando tratar de processos de somatização de seu cliente.


10. O ATENDIMENTO JURÍDICO SISTÊMICO O advogado que almeja prestar um atendimento sistêmico precisará se utilizar de ferramentas que serão mais bem explicados a seguir em um rol exemplificativo. Que são:

1.

PERCEPÇÃO SISTÊMICA

Em atenção aos métodos adequados de resolução de conflitos e ao sistema multiportas, deve o profissional do direito, adredemente, se ater à percepção do conflito apresentado por seu cliente. Caberá ao advogado explorar cuidadosamente o ator do conflito, no que tange às informações e forma como são passadas no processo de escuta ativa. Nas palavras do Professor Ricardo Goretti, o exercício interpretativo realizado pelo advogado permitirá “[...] identificar os elementos constitutivos do quadro conflituoso, ou seja: aquilo que o caso concreto vela (os elementos ocultos do conflito, que devem ser trazidos à tona) e revela (as informações manifestadas espontaneamente pelas partes)". [17] A percepção do conflito não deve levar ao profissional do direito à julgamentos das pessoas envolvidas na dinâmica conflituosa, sob pena de seu envolvimento pessoal no caso e, assim, dificultar a sua resolução. Deve prevalecer que a percepção de que os conflitantes não são da forma como se apresentam, mas estão assim, em razão de elevado estresse em decorrência da contenda. O que se quer dizer é que na atividade de resolução de conflitos, se espera que as pessoas se superem e se modifiquem e, eventual rotulação ou categorização poderá prejudicar muito na dinâmica do encontro da solução, pois pode-se ficar com a imagem rotulada de algum dos conflitantes.

[17] GORETTI, RICARDO. GESTÃO ADEQUADA DE CONFLITOS. EDITORA JUSPODIVM; SALVADOR; 2019. P. 61.


2.

EMPATIA

A empatia é uma capacidade que a pessoa desenvolve de olhar o mundo com os olhos do outro, como ponto de partida; tendo como ponto de chegada, a possibilidade de dar um espaço para a visão do outro em si, sabendo que este acolhimento, de alguma forma, apoiará aquele emocionalmente. Esse contato empático é de extrema importância para que o ator do conflito encontre seu estado saudável e perceba a situação conflituosa de uma forma construtiva. Tal atitude viabiliza que o conflitante possa se conectar com seu real interesse ou necessidade desatendida, como também, assim o fazer com o outro conflitante. Logo, a atitude empática do profissional do Direito, em sede de acordo, não se direciona apenas ao seu cliente, mas sim à contraparte, ou ainda, este comportamento é dotado de maior neutralidade possível. Essa postura ativa é explicada por Donald Calne: “A diferença essencial entre a emoção e a razão é que a emoção leva à ação, enquanto a razão leva a conclusões”. [18] A ativa postura empática é o pressuposto do reconhecimento afetivo necessário para que as partes se reconciliem. E assim, a empatia viabiliza a mudança da postura dos envolvidos perante o conflito: de competitivos para cooperativos e, com o acordo firmado, de cooperativos para compromissados. A empatia é a porta de entrada para o rapport, que ocorre quando se estabelece a confiança necessária entre os envolvidos do conflito, a fim de mudar a relação conflituosa de competitiva para cooperativa. [18] RIBEIRO, JAIME: EMPATIA. POR QUE AS PESSOAS EMPÁTICAS SERÃO OS LÍDERES DO FUTURO? 1 ED. SÃO PAULO: INTELÍTERA EDITORA, 2018. P. 135.


3. POSTURA COLABORATIVA Uma das missões do profissional do direito é a pacificação do conflito; por isso, ao se tomar ciência da existência de uma contenda, precisa partir do pressuposto que os próprios conflitantes podem construir um acordo, ao invés de se buscar uma solução impositiva. Se as próprias partes podem chegar ao acordo, há de se promover a atitude cooperativa entre os contendores, saber que a validação recíproca, notadamente no que se refere à necessidade desatendida, deve ser levada em consideração para a solução do conflito. Portanto, colaboração pressupõe uma comunicação própria para a percepção de necessidades, seu reconhecimento afetivo e, somente após, o reconhecimento legal. O comportamento colaborativo permite que contendores entrem em contato com o conflito sem violência, inclusive no que tange ao uso adequado da comunicação, a fim de viabilizar conexões saudáveis recíprocas e a promover a transformação da relação conflitiva.


4. ESCUTA ATIVA A escuta ativa é um instrumento que possibilita uma comunicação adequada para a percepção e acolhimento dos elementos do conflito. A capacidade de escutar o outro permite que a comunicação seja realizada em diversos níveis, ou seja, a interação não se atém apenas ao que expressamente se está comunicando, como também, ao que não é dito. Por exemplo: numa escuta ativa, uma dos envolvidos do conflito relata que o marido nunca a “reconheceu”, com ênfase melancólica. O receptor, neste caso, não conflui, não sugere, não dá sugestão, mas apenas acolhe em si a emoção e as necessidades desatendidas expressadas pelo emissor. Como que aquela emoção ou a necessidade desatendida encontrasse um espaço, agora, também no receptor, com o conhecimento deste que a emoção por ele percebida não é dele. Após a fase do acolhimento e da percepção da emoção e/ou necessidade desatendida do emissor em si, o receptor terá condições de ver o conflito com os olhos do emissor, não apenas de forma racional.


Em resumo, a comunicação ativa, em sua primeira fase, visa a percepção e acolhimento das necessidades desatendidas e emoções aflitivas do emissor para, em seguida, promover o reconhecimento afetivo entre os conflitantes. Numa segunda fase, se aterá à busca de informações pertinentes, suficientes e necessárias para a formulação do acordo legal (reconhecimento legal). E, por fim, numa terceira fase, já com o acordo formulado, a escuta será realizada para que os envolvidos do conflito cooperem entre si para a sua efetividade (reconhecimento da solidariedade entre os conflitantes). A primeira fase da escuta, porém, possui três níveis: 1º nível) Acolhimento ou conexão: quando que o receptor recebe, através da escuta, as necessidades desatendidas e emoções aflitivas subjacentes; 2º nível) Diferenciação ou separação: quando o receptor percebe em sua fisiologia, as necessidades desatendidas e as emoções aflitivas subjacentes, diferenciando-as de suas próprias. É exatamente esta diferenciação que permite com que o receptor não emita qualquer juízo de valor, conclusão e sugestão; 3º nível) Reconhecimento afetivo: quando o receptor tem condições de perceber o conflito de acordo com as emoções e necessidades desatendidas do emissor.


5. PERGUNTAS ABERTAS As perguntas são formas comunicativas que se destinam a fazer com que o conflitante entre em contato com suas emoções e necessidades desatendidas que contribuíram para o conflito. Tocar as necessidades desatendidas e emoções não acolhidas subjacentes ao conflito é de suma importância, pois estas contribuem intensamente na construção da realidade conflituosa. Ou seja, tais perguntas se destinam eminentemente para que os conflitantes percebam as dinâmicas que os levaram ao conflito. Então, por exemplo: uma esposa que se dedica inteiramente ao filho e deixa de lado totalmente a conjugalidade, pode-se perguntar da seguinte forma: “Para que se dedicar de forma intensa ao filho?” Várias são as possibilidades de respostas, as quais devem ser acolhidas sem julgamentos. Portanto, no contexto da solução de conflitos, não se deve fazer perguntas que importem em conteúdo moral, muito menos as que já induzem uma resposta fechada do tipo “sim” ou “não”. Por exemplo, ainda se valendo do exemplo acima: “Você não acha que dar atenção demais para seu filho, não atrapalhou o casamento?” Esta é uma pergunta conclusiva, com conteúdo de julgamento. Outra questão importante, no uso das perguntas, é a comunicação não-violenta. Portanto, devem ser feitas num tom de voz que não inculque acusação, ameaças, julgamentos, conclusões e menosprezo ao outro. É importante destacar que as perguntas precisam ser realizadas de forma leve, tendo em conta que, em regra, estas necessidades desatendidas são permeadas de emoções aflitivas.


11. CONTRATO DE HONORÁRIOS O contrato de prestação de serviços advocatícios é um instrumento de formalização da relação cliente e advogado, objetivando estabelecer as regras pertinentes ao trabalho desempenhado e as responsabilidades do contratante e do contratado. Assim, a formalização do contrato de honorários é uma segurança para garantir a relação cliente e advogado de forma equilibrada. As consequências de um contrato realizado sem equilíbrio entre cliente e advogado pode gerar inúmeras dinâmicas nessa relação contratante e contratado, dentre elas: a) o cliente que entrega os seus conflitos para o advogado, sem assumir sua responsabilidade para uma adequada solução, até por vezes, querer permanecer no conflito; b) pode ocorrer de um advogado atrair clientes que se colocam numa posição de vítima, tornando a relação tensa e pesada. Nestes casos, pode ocorrer que o advogado assuma um lugar de salvar o seu cliente; c) outra dinâmica é o advogado que tem um desvalor, ou seja, não valoriza o seu trabalho. Nesse contexto, o profissional cobra valor irrisório para uma demanda custosa em tempo, por exemplo. Ou seja, o advogado precifica seus serviços de forma irrisória e entrega o seu serviço em excesso. Neste caso específico, também há os clientes que querem pagar muito pouco e exigir demais. Desse modo, entender a abordagem sistêmica como essencial para a construção de contratos de prestação de serviços advocatícios é compreender o papel ou o lugar do advogado na solução de conflitos, as dinâmicas relacionais possíveis existentes entre cliente e advogado, bem como delinear as obrigações e deveres do contratante e do contratado para, assim, estabelecer um contrato de honorários com equilíbrio entre dar e receber.


O advogado deve validar-se, tendo em conta que sua atividade laborativa precisa ser remunerada na proporção de seu esforço e tempo dispendido na causa, quer seja no âmbito extrajudicial como judicialmente. O uso de critérios objetivos é bem-vindo, como o uso da tabela de honorários da OAB e a estipulação do valor da hora trabalhada. Para que o contrato de prestação de serviços advocatícios seja equilibrado é necessário avaliar e considerar muitos aspectos envolvidos na causa no momento de precificar, cobrar e cumprir com o serviço contratado, tais como: o grau de complexidade do conflito em questão; o tempo que será destinado para o trabalho específico; quais os serviços advocatícios serão prestados; possíveis tarefas futuras que poderão ocorrer no deslinde da demanda; dentre outros. Deve o contrato tratar do objeto, no sentido de qual a ação que se está promovendo, assim como indicar que o trabalho a ser realizado envolve, se for o caso, o uso de metodologias sistêmicas que não se identificam com um processo terapêutico. A avença deve trazer, também, de forma clara, que possui natureza de contrato de meio, ou seja, que o trabalho a ser realizado pelo advogado é no sentido de viabilizar os interesses de seu cliente, não garantindo um resultado específico. O objeto do contrato deve ser bastante compreendido pelas partes, tendo em vista que o advogado não tem o condão de salvar seu cliente do outro envolvido do conflito, mas sim patrocinar seus interesses, usando de um conhecimento que propicie melhores condições de vida, qual seja, o uso das abordagens sistêmicas, dentre outras. É muito importante o profissional do direito perceber que está promovendo os interesses e, assim, não confundir as questões do cliente com as suas próprias, ou seja, a solução a ser assumida por seu cliente, muitas das vezes é diferente da solução que daria para si mesmo. Por fim, é conveniente ao advogado se proteger, no sentido, por exemplo, de estipular qual o horário que deve estar disponível para atender seu cliente; como também, ter cláusula expressa que poderá renunciar ao contrato, caso os interesses perseguidos pelo cliente não correspondem eticamente aos seus.


12. CONHECIMENTOS SUGERIDOS PARA O EXERCÍDIO DA ADVOCACIA SISTÊMICA a) Pensamento Sistêmico: possibilita a percepção da interdependência entre as diversas variáveis que existem no conflito, assim como, a dinâmica conflituosa. Essa forma de ver e se comunicar com os conflitantes permite com que o advogado sistêmico tenha uma visão ampliada e tenha condições de, não apenas se posicionar, como também de orientar seu cliente para que este tome a sua decisão; b) Atitude Fenomenológica: propõe-se que a pessoa se coloque disponível para a experimentação da realidade com a suspensão de seus próprias preconceitos (pré-conceito) sobre o que se está experimentando, a fim de apreciar o conflito de acordo com as Leis do Amor de Bert Hellinger. É bem importante saber que o advogado não precisa ser constelador familiar. c) Percepção Sistêmica: conhecimento próprio das constelações estruturais de Matthias Varga, é a possibilidade que o advogado se utilizando do uso da comunicação empática, de perguntas abertas, dentre outras ferramentas com base em estruturas, viabilizem soluções para os envolvidos do conflito, já que possui seu foco voltado para solução. d) Teoria do Trauma: este conhecimento pode ser adquirido no Método IoPT (Terapia e Teoria do Psicotrauma voltada para a Identidade), elaborado por Franz Ruppert, que permite a percepção das necessidades desatendidas e de emoções traumáticas reprimidas, assim como as estratégias de defesa elaboradas pela psique como forma de lidar com o trauma. Pode-se dizer que o conflito decorre de uma atitude de a pessoa prevalecer a si mesma e, na medida que a sua escalada aumenta, maiores serão as partes traumáticas envoltas neste processo. Portanto, tocar nesta parte da pessoa conflituosa é, metaforicamente, apagar o fogo do conflito.


e) Comunicação não-violenta: A CNV também conhecida como comunicação empática, compassiva foi desenvolvida pelo psicólogo americano Marshall Rosenberg. A CNV é considerada a linguagem do coração e possui quatro componentes (a observação, os sentimentos; as necessidades e o pedido). É ouvir além das palavras; além dos julgamentos e enxergar a sua própria humanidade e do outro atrás dos comportamentos. Os sentimentos de raiva, culpa e vergonha estão muito presentes nos nossos conflitos. Na raiva, se julga o outro. Na culpa, se julga os meus comportamentos passados. Na vergonha, se julga quem se é. Estes sentimentos são ancorados nos julgamentos; nos pensamentos moralizantes que bloqueiam e paralisam. É importante destacar que o advogado com abordagem sistêmica que faz uso de CNV não está no lugar de “bonzinho”, mas sim que tenha condições de perceber as necessidades e emoções desatendidas dos envolvidos do conflito, através de uma escuta empática e que se expresse assertivamente. f) Conflitologia: O conflito pode ser visto através de camadas, em que a parte mais externa corresponde aos episódios, que podem se manifestar em diferentes contextos, com roupagens diferentes. Portanto, o que se indica é adentrar no cerne conflituoso com o intuito de sua exteriorização deixar de acontecer, ou seja, enquanto não se trata o epicentro da contenda, episódios irão ocorreram. Os elementos do episódio do conflito estão relacionados aos comportamentos que os envolvidos possuem e que os conduzem ao embate. Muitas das vezes, estes comportamentos estão relacionados com aprendizagens culturais e lealdades relacionais que os fazem lutar ou evitar a contenda. Estes comportamentos podem os levar a se manterem ou ainda aumentarem a escalada do conflito, com tendência de os levar ao caos. Porém, no episódio não está o cerne conflituoso. As causas são mais profundas e precisam ser vistas e acolhidas através de uma escuta transformativa e, por vezes, será necessário renegociar com memórias traumáticas, as quais produzem o encapsulamento de emoções aflitivas e necessidades desatendidas.


Os traumas são respostas no presente às situações do passado e, portanto, estes são revividos em situações conflitivas no presente. Como a psique possui uma premente seletividade, faz com que as necessidades desatendidas do passado são experienciadas no presente com o intuito de suas resoluções e, assim, o conflito pode ser visto como uma oportunidade de autopercepção. Nem sempre a resolução do conflito precisará ir tão profundamente nos contendores; porém, o certo é que as disputas são eminentemente emocionais e a tentativa de as racionalizar faz com que o seu cerne não seja visto. Mesmo uma simples cobrança, pode ter causas profundas como nos casos da pessoa com compulsão ao consumismo sem a sua correspondente condição financeira. O que se precisa fazer é a regulação emocional dos contendores, a fim de que suas emoções não sejam impedientes para perceberem as causas conflitivas. O núcleo conflitivo se protege através de modos de defesa ou de estratégias de sobrevivências que são tendências que as pessoas possuem para não sentir suas dores. Portanto, a estratégias levam a pessoa ao uso de álcool e outras drogas, se entregar à excessos ao invés de visitar suas maiores dores. Enfim, as marcas das emoções aflitivas, das necessidades desatendidas, dos traumas, das imagens mentais fantasmagóricas, das defesas da psiquê, das dinâmicas sistêmicas familiares e suas correspondentes lealdades são projetadas nos mais diversos contextos em que a pessoa vive e são experienciadas através de conflitos. O mapeamento estratégico permite a visão do todo e a atuação local, podendo ir à raiz conflituosa e encontrar ferramentas que tornem a solução saudável, elegante e efetiva.


O “Mapeamento Estratégico do Conflito”, elaborado por Yulli Roter e Ludmila Abreu, inspirada em diversas fontes e com sua aplicabilidade testada e aprovada na prática conflitiva, é uma ferramenta voltada para resolução de contendas com o intuito de sugerir ao gestor de conflitos formas precisas e eficazes de atuação, através da percepção dos diversos elementos e suas interdependências, que formam a estrutura do conflito.


g) Negociação Jurídica: A Negociação Jurídica significa saber como chegar a um bom acordo acolhendo e satisfazendo os interesses dos conflitantes; alcançando uma comunicação efetiva e assertiva entre os conflitantes; construindo um relacionamento respeitoso com a outra parte; dentro outras. A Negociação Jurídica não é fazer qualquer acordo, também não é ficar satisfeito com um acordo qualquer. Negociação Jurídica é uma habilidade de solucionar conflitos de forma criativa, gerando opções de ganhos mútuos. É importante que o advogado dentro de uma negociação compreenda os fatores psicológicos da pessoa, pois, por vezes, as dinâmicas emocionais do cliente travam as negociações. Destaca-se a Negociação baseada em Princípios (Método Harvard), que possuí quatro pontos de definição: (i) Pessoas: Separe as pessoas do problema; (ii) Interesses: Concentre-se nos interesses, não nas posições; (iii) Opções: Antes de decidir o que fazer, criar diversas opções com possibilidades de ganhos mútuos; (IV) Critérios: Insiste em que o resultado se baseia em critérios objetivos". [19] Este método apresenta as seguintes vantagens: opções satisfatórias para todas as partes; critérios justos; acordos sensatos; consenso gradual; decisão conjunta de forma eficiente, sem todos os custos transacionais. h) Círculos da paz: possuem por finalidade criar um espaço seguro em que as pessoas que vivenciem situações semelhantes possam contar sua experiência, sem que seja julgada por isso. Sendo assim, as pessoas, manifestando suas necessidades desatendidas e suas emoções aflitivas, alcançarão suas autenticidades e, portanto, conseguirão ser féis a si próprios. Kay Pranis que a pessoa precisa ter “liberdade para expressar a verdade pessoal, para deixar de lado as máscaras e defesas, para estar presente como um ser humano inteiro, para revelar nossas aspirações mais profundas, para conseguir reconhecer erros e temores e para agir segundo nossos valores mais fundamentais”. [20] i) Programação Neurolinguística: abordagem criada por Richard Bandler e Jon Grinder, propõe o estudo das conexões entre os processos neurológicos, a linguagem e padrões comportamentais incorporados através da experiência, nomeados como programação. Desta forma, a PNL se propõe a modelar as habilidades pessoais e, no caso da solução de conflitos, visam a modelação do comportamento conflitivo, desenvolvendo potencialidades direcionadas à solução do conflito. [19] URY, William; FISHER, Roger; PATTON, Bruce. Como Chegar ao Sim: como negociar acordos sem fazer concessões. Rio de Janeiro: Sextante, 2018. [20] PRANIS, Kay. Processos Circulares de Construção de Paz. São Paulo: Palas Athena, 2010.


13. CONCLUSÃO Com esta Cartilha, a Comissão de Direito Sistêmico da OAB/ ES teve por objetivo difundir a Advocacia Sistêmica e estimular o estudo do Direito Sistêmico na sua perspectiva humanizada e ampliativa

do

conflito,

analisando

sua

permissividade

constitucional e legal, a estrutura do conflito, a postura ética do advogado com abordagem sistêmica, princípios gerais do pensamento sistêmico. Essas são ferramentas que podem ser usadas no atendimento jurídico com abordagem sistêmica e proposta de conhecimentos para o exercício da advocacia sistêmica. Este estudo compartilhado não exaure o conteúdo do tema e, via de consequência, os aportes do direito sistêmico. Portanto, é importante

a

aprendizagem

contínua

no

do

campo

de

experimentação dos profissionais da advocacia em suas atividades laborativas e, assim, novas indagações e atualizações sobre o conteúdo serão alcançados.


COMISSÃO DE DIREITO SISTÊMICO

CARTILHA DO ADVOGADO COM POSTURA SISTÊMICA


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