SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: UM PARAÍSO AFRICANO NO MEIO DO MUNDO
SIMÃO DE MIRANDA
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SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: UM PARAÍSO AFRICANO NO MEIO DO MUNDO
SIMÃO DE MIRANDA Simão de Miranda reside no Distrito Federal, é Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano e Mestre em Educação na área de Formação e Trabalho Pedagógico, ambos pela Universidade de Brasília, realiza Pós-Doc em Educação; Especialista em Didática do Ensino Superior e em Administração Escolar e Professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal. É autor de diversos trabalhos científicos publicados em revistas como Ciência Hoje (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e Linhas Críticas (Faculdade de Educação da Universidade de Brasília) e de contribuições nas Revistas Profissão Mestre e Capricho. Publicou trinta e oito livros, três traduzidos para Portugal, México e toda a América Latina), é Cidadão Honorário de Brasília e alcançou recente a marca de meio milhão de livros vendidos. Ministrou cursos, oficinas e palestras para instituições como UnB; Unicamp-SP; Universidade do Estado de Goiás-GO; Universidade Federal do Tocantins-TO; Prefeitura de Praia Grande-SP; Secretaria de Educação do Goiás-GO; Colégio Sagrados Corações, Formosa-GO; Secretaria de Educação do DF; Sindicato dos Professores no DF; Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo-SP; Estudos, Consultoria e Planejamento Educacional de São PauloSP; Business & Business Consultoria Educacional de Maceió-AL; Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de Salvador-BA; Rotary Clube de Natal-RN; Colégio Contemporâneo, Natal-RN; Prefeitura de Morrinhos-CE; Papirus Editora, Campinas-SP; Editora Autores Associados, Campinas-SP; Associação de Ensino Novo Ateneu, Curitiba-PR; Prefeitura Municipal de Arinos-MG; Colégio Santa Maria Goretti, Teresina-PI; Universidad Catolica de Santa Fe-Argentina; Associação Brasileira de Psicopedagogia, Florianópolis-SC; Centro de Ensino Superior Peniel, Manaus-AM. Viveu e trabalhou em São Tomé e Príncipe-África na implantando projeto de iniciativas comunitárias e de formação de professores para a ampliação do acesso de crianças à educação infantil no país. Para saber mais, buscar no Google “Simão de Miranda” e/ou: www.simaodemiranda.com.br, www.professorsimaodemiranda.blogspot.com, www.facebook.com/simaodemiranda, www.youtube.com/simaodemiranda. Contatos: simaodemiranda@globo.com, telefone: 61-81549892. Sinopse: O livro São Tomé e Príncipe: Um Paraíso Africano no Meio do Mundo, de Simão de Miranda é uma proposta que vem atender aos estudos da temática História e Cultura Afro-Brasileira, que é obrigatória nas escolas. 3
Em 2003 o Governo Brasileiro editou a Lei nº 10.639/03 que alterou a Lei nº 9.394 de novembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e obriga a incluir na Rede de Ensino pública e privada a temática História e Cultura AfroBrasileira. Em 2004 o Conselho Nacional de Educação publicou o Parecer número 003 de 10/03/2004 e a Resolução 001 de 17/07/2004, que instituíram e normatizaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Tal iniciativa visa à valorização da sociedade negra, o reconhecimento de um Brasil profundamente caracterizado pela cultura africana, reconhecer as intensas matrizes africanas nos hábitos, costumes e manifestações culturais brasileiras, reconhecimento da nossa ancestralidade, isto é, compreender nossas origens enquanto humanidade ao conhecer a história, a geografia, a cultura africana; proporcionar a discussão da diversidade e da nossa identidade étnica, a reparação de alusões errôneas que temos da África e dos africanos. O livro São Tomé e Príncipe: Um Paraíso Africano no Meio do Mundo, de Simão de Miranda trata todas estas questões e muito mais: propõe-se servir como ferramenta indispensável nas escolas para uso de alunos e professores no sentido de possibilitar estudos inter e multidisciplianares, com penetrações no ensino das artes, do português, da história, da geografia, do ensino religioso, etc. O continente africano tem 30 milhões de metros quadrados, 850 milhões de habitantes e 53 países. A imagem que nos venderam da África é a de mundo selvagem, de savanas, safáris e pelejas tribais. Contradizendo este imaginário, há um paradisíaco pedacinho da África não-continental, de tão somente mil quilômetros quadrados e 160 mil habitantes, capaz de encher-nos os olhos e perder-nos o fôlego: mar azul, vegetação abundante, relevo impressionante e um intenso e aprazível cheiro de verde! É São Tomé e Príncipe! Abra este livro e faça esta viagem inesquecível!
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SUMÁRIO
CHEGANDO À ILHA ......................................................................................................................... 8 UM MUNDO DE FASCÍNIOS E SURPRESAS .............................................................................. 10 SEU POVO, SEU MEIO AMBIENTE, SUA CULTURA ................................................................ 13 SUA GASTRONOMIA, SEUS COSTUMES ................................................................................... 19 SEU TURISMO ................................................................................................................................. 26 SUA ECONOMIA, SUA EDUCAÇÃO ............................................................................................ 29 DEIXANDO A ILHA ........................................................................................................................ 36
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Eterna na perenidade do tempo É a alavanca do reconstruir Desmontando tronos seculares Injustiças cavadas nas montanhas Levantando das ruínas dos pântanos Um povo em marcha que avança. Alda Espírito Santo, Poetisa santomense, do seu livro É o Nosso Solo Sagrado da Terra, 2010.
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CHEGANDO À ILHA O avião sobrevoava o território africano e o pouso dar-se-ia em cerca de vinte minutos. Já àquela altura, com os olhos fixos no relevo e na vegetação que desfilavam no pequeno retângulo da janela da aeronave, como se fora um monitor de TV, o coração arrítmico tropeçava entre sístoles e diástoles e um fio de lágrima deslizou mansamente na face. Era indescritível a emoção de assistir de tão perto o solo que serviu de berço único para toda a humanidade e seu desenvolvimento civilizatório. Os pelos dos braços se eriçavam ante a expectativa de que em minutos pisaria aquele chão, respiraria aquele ar, como a inalar a história. O avião iniciou os procedimentos de pouso para o Aeroporto Internacional de São Tomé e Príncipe, com sua mínima pista de dois quilômetros de extensão. Aquele solo sagrado se aproximava velozmente e, por algum momento, ficou a intensa sensação de que não havia espaço suficiente para aquela grande águia de aço parar, mas pouso mais sereno não poderia existir. Pisar aquele chão ancestral de onde há milhões de anos saímos para povoar a Europa e a Ásia me colocava um nó na garganta e me deixava extasiado. Tentava demonstrar naturalidade, mas aquilo soava falso. Era falso. A verdade era que eu estava lá. E não estava em qualquer lugar da África. Em mundo de 30 milhões de metros quadrados e 850 milhões de habitantes, eu estava em um arquipélago, dentre os seus 53 países, de tão somente mil quilômetros quadrados e 160 mil habitantes. Contradizendo meu imaginário, que certamente não é só meu, de uma África como mundo selvagem, de savanas, safáris e pelejas tribais, eu fazia parte agora de uma África não-continental de encher os olhos e perder o fôlego: mar azul, vegetação abundante, relevo impressionante e um intenso e aprazível cheiro de verde! Eu estava em São Tomé e Príncipe!
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Figura 1 - Situação de São Tomé e Príncipe no mundo e no Golfo da Guiné. Fonte: http://atlas.saotomeprincipe.eu/index.htm
Há um único lugar no mundo onde a linha do Equador cruza-se com o marco zero do meridiano de Greenwich, por isso diz-se situar-se realmente no meio do mundo. Este paradisíaco lugar é o encantador país africano chamado São Tomé e Príncipe, cuja capital é a cidade de São Tomé, onde se concentra ¼ da sua população, de belíssima arquitetura colonial que remonta, sobretudo ao século XVI. São Tomé e Príncipe é constituído por um conjunto de dezenas de ilhéus e rochedos situados no Golfo da Guiné, a cerca de 300 quilômetros da costa ocidental africana, sobretudo do Gabão, da Guiné Equatorial, de Camarões e da Nigéria. São Tomé tem área de apenas 1.000 km² e a Ilha do Príncipe tão somente 142 km². Ou seja, é possível atravessar São Tomé do extremo norte ao extremo sul em um dia de carro, como eu fiz. São Tomé e Príncipe é um lugar de clima equatorial quente e úmido, sendo que o período das chuvas vai de setembro a maio e o das secas de junho a agosto. É decorado por vegetação tropical, belíssimos vales, rios e riachos de inenarrável beleza. Segundo a teoria da deriva continental, na era Paleozoica há cerca de 250 milhões de anos a terra era formada por apenas uma massa continental, denominada Pangéia, ou seja, não havia ainda a separação dos continentes. África e Brasil, portanto, formavam um só mundo. Alguns românticos brasileiros e santomenses defendem que quando os 9
continentes puseram-se a se deslocar horizontalmente, o Oceano Atlântico interpôs-se entre eles. Entretanto, São Tomé e Príncipe, querendo ser Brasil e querendo ser África, ficou entre os dois.
UM MUNDO DE FASCÍNIOS E SURPRESAS São Tomé e Príncipe foi “descoberto” pelos portugueses em 1470, portanto trinta anos antes que o Brasil. Foi o primeiro produtor africano de açúcar, em função do clima favorável. Todavia, do século XVII ao XIX a produção brasileira de açúcar acaba arruinando o comércio santomense, que começa a cultivar o cacau e o café. Assim como o Brasil, STP também sofreu invasões francesas e holandesas e mais tarde motivado pela revolta popular, um escravo de nome Amador transforma-se em um símbolo de luta nacional pela independência, que só vem a ocorrer em 1975. Vejam que o Brasil, tornando-se independente de Portugal em 1822, ficou sob o domínio lusitano por 322 anos. O povo santomense ficara 505 anos sob o jugo de Portugal. Foram colônia portuguesa de 1470 a 1975. João de Santarém e Pedro Escobar estão para eles como Pedro Álvares Cabral está para nós. De relevo surpreendente, alterna elevações de até 2.000 metros de altitude, como o Pico de São Tomé, o ponto mais alto de STP e o famoso Pico Cão Grande, resultado de erupção vulcânica com 700 metros de altura, e vales luxuriantes.
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Figura 2 - Pico Cão Grande. Foto do meu álbum pessoal.
São Tomé e Príncipe, carinhosamente tratada por eles mesmos pelo acrônimo STP, é uma República Democrática semi-presidencialista de regime parlamentar, no qual o presidente é o chefe de estado e o primeiro-ministro é o chefe de governo, escolhidos em eleições livres. O país, membro de várias organizações internacionais, funciona com um sistema de multipartidarismo, representado por quatro partidos políticos e há uma lúcida garantia dos direitos humanos e civis do seu povo, assim como o respeito à liberdade de manifestações e de imprensa. Assisti muitas passeatas nas quais o povo disparava palavras de ordem e ostentava faixas com dizeres assim: “povo põe, povo tira!”, “fora corruptos!”. Em STP sobra urbanidade e cortesia. É, talvez, o único lugar do mundo onde o interlocutor responde: “- Muito obrigado!”, a um “- Bom dia!”. É organizado administrativamente em sete distritos, sendo seis na Ilha de São Tomé e um na Ilha do Príncipe. Em São Tomé, estão Água Grande, Cantagalo, Caué, Lembá, Lobata, Mé-Zóchi; no Príncipe, está Pagué.
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Figura 3 - Divisão político-administrativa de STP. Fonte: http://atlas.saotomeprincipe.eu/index.htm
Figura 4 - Palácio Presidencial. Foto do meu álbum pessoal.
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Figura 5 - Mapa de STP, obra em madeira de um artesão da ilha. Foto do meu álbum pessoal.
SEU POVO, SEU MEIO AMBIENTE, SUA CULTURA Assim como sua dimensão territorial é reduzida, o é igualmente seu contingente populacional. No aspecto demográfico, São Tomé acolhe cerca 160 mil habitantes, dos quais 60% estão na área urbana e os demais nas áreas rurais, conhecidas como “roças”. Na Ilha do Príncipe habitam pouco menos de 5 mil pessoas. Descendem de grupos étnicos diversos que para lá emigraram desde 1470, oriundos do Golfo da Guiné, Angola, Cabo Verde e Moçambique. Tendo sido ex-colônia de Portugal, sua população foi se constituindo de um caráter luso-africano. É um dos cinco países africanos de língua oficial portuguesa, embora ainda se encontre quem fale algum dialeto, como o crioulo. São Tomé e Príncipe não possui indústrias poluentes, não há transporte pesado (nem ônibus existem), assim como não há usinas de energia. Os rios rumorejam calmos sem represamentos artificiais. A energia elétrica do país é provida por geradores abastecidos com diesel angolano. São Tomé tem o meio-ambiente praticamente intocado: selvas virgens, paisagens bucólicas praias lindas e ar puríssimo.
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Figura 6 - Menino navegando no rio. Foto do meu álbum pessoal.
A vida em São Tomé e Príncipe não corre, anda sem qualquer pressa. É realmente uma questão cultural. Há uma expressão popular que traduz bem tal cultura: “- Leve-leve!” Quando, por algum motivo, intencionamos apressá-los eles respondem com um largo sorriso, como recomendação de prudência. - Leve leve! Incorporei uma frase que define bem o espírito do povo santomense. Reinterpretando a máxima “a pressa é inimiga da perfeição”, eles dizem: “A força é inimiga da perfeição.” Aprendi importantes lições: domesticar minha pressa e adestrar minha ansiedade. O otimismo deste povo maravilhoso é contagiante. Ouvi de muitas bocas a frase respondida à pergunta: - Como vai? - Com muito gosto e alegria! Sua religião majoritária é a católica romana, mas convivem em um admirável sincretismo com outros credos e rituais místicos, como o D’Jambi, que é um rito cujo objetivo é curar os enfermos, sobretudo os vitimados por mau olhado, loucura, 14
perseguição e feitiços, assim como acalmar os espíritos. Realizado apenas por mestres curandeiros, lembra-nos o Candomblé e a Umbanda.
Figura 7 - Catedral da Santa Sé. Foto do meu álbum pessoal.
Figura 8 - Catedral da Santa Sé. Foto do meu álbum pessoal. 15
Suas moradias são as mais diversas, conforme as classes sociais, como em qualquer lugar do mundo. Há casebres rústicos, habitações medianas, há palafitas, palacetes e palácios.
Figura 9 - Moradias santomenses. Fotos do meu álbum pessoal.
Como o espaço urbano é reduzido, é um local ideal para se caminhar. Resolve-se quase tudo sem o uso de automóvel, nem mesmo das famosas “motas”, que é como se chamam as motocicletas. Que, aliás, compõe quase majoritariamente o transporte público da ilha.
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Figura 10 - Ruas do centro de STP. Fotos do meu álbum pessoal.
Figura 11 - Prédio do Banco de STP, Centro da Cidade. Foto do meu álbum pessoal.
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Figura 12 - Feira livre no centro de STP. Foto do meu รกlbum pessoal.
Figura 13 - Mercado Municipal de STP. Foto do meu รกlbum pessoal.
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São Tomé e Príncipe orgulha-se de uma cultura rica e diversificada, representada fortemente pela pintura, escultura, centros de artesanatos, onde sobressaem as máscaras tribais em madeira, eventos de música e danças regionais. Esta, especialmente, é representada pelo Socopé, a Dança Congo, entre outras.
SUA GASTRONOMIA, SEUS COSTUMES A gastronomia é marcante. Destaca-se, especialmente, o Calulu. Um prato deleitoso preparado com peixe seco e fresco, tomate, alho, quiabo, batata, espinafre e abobrinha, servido com arroz e purê de banana. Isso mesmo: delicioso purê de banana! Há a variável de se usar também a carne seca ou camarão. A banana é bastante representativa na culinária, seja cozida, frita, assada ou na forma de purê. Provei, também muitas vezes, o suculento polvo ensopado, preparado com molho de legumes e ervas, servido com arroz branco. É comum também encontrar nos cardápios deleitáveis ovas temperadas. Com sua abundância em pescados, é um dos maiores exportadores do atum para o mundo. A abundância de peixes é tanta que ouvi de diversas bocas a frase: “- Peixe, aqui, morre de velhice!”
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Figura 14 - Pescadores descarregando. Foto do meu ĂĄlbum pessoal.
Figura 15 - Polvo ensopado. Este prato tambĂŠm comi. E lambi os dedos. 20
Transportar os bebês amarrados às costas é um costume das mães santomenses. Literalmente, carregam seus filhos nas costas. Na verdade, é como se fizessem parte de seus próprios corpos. “- Eles adoram ficar nas nossas costas!” Disseram-me várias mães. Pelas faces felizes dos bebês a verdade transparece! E é um costume transferido de geração a geração. Com uma destreza impressionante elas se inclinam para a frente, colocam o bebê sobre as costas, o cobrem com o tecido, apanham as pontas e as atam sobre o abdômen. O contato corporal permanente, além de transferir sentimentos de segurança e afeto, permite à criança participar intensamente do dia-a-dia da mãe, em uma cumplicidade total. E isso, aprendido, é torna-se uma herança cultural desde cedo.
Figura 16 - Santomenses carregando seus bebês às costas. Fotos do meu álbum pessoal.
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A canoa é um instrumento essencial quando se habita uma ilha, além disso, cortada por rios e riachos. A arte e o ofício de construí-las a partir de portentosos troncos é transferida de gerações a gerações.
São Tomé mantém viva a tradição das lavadeiras de rio a colocar as roupas a quarar e a secar sobre as pedras.
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Figura 17 - Lavadeiras de rio. Foto do meu álbum pessoal.
A tranquilidade é tanta que ao meio dia à sombra de uma pequena copa de árvore o pescador santomense senta-se na mureta da Avenida da Zona Costeira, na Baía de Ana Chaves, aguarda pacientemente o peixe do seu almoço vir morder a isca. Leve-Leve.
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Figura 18 - Pescador do meio-dia. Do meu álbum pessoal.
Havendo sombra e água fresca ou não o momento é sempre privilegiado para uma parada estratégica. Leve leve.
Figura 19 – O descanso do guerreiro. Do meu álbum pessoal.
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Em um país cercado de peixes, estes são a natural inspiração para o artesanato.
Figura 20 - Jovem artesão santomense. Foto do meu álbum pessoal.
Nas roças fazem proveito de casarões coloniais que foram abandonados para abrigar várias famílias, vivendo em comunidade, compartilhando inclusive o espaço de lavar as roupas.
Figura 21 - Habitações coletivas nas roças. Foto do meu álbum pessoal. 25
Figura 22 - Entreposto de peixes. Foto minha.
SEU TURISMO Tem-se uma ampla gama de alternativas turísticas como o mergulho, a pesca, a navegação e a observação de golfinhos, tartarugas marinhas e baleias, além das suas cinquenta e sete convidativas e exuberantes praias de águas tépidas. Isso mesmo: cinquenta e sete! São elas: Praia Grande, Praia dos Tamarinos, das Conchas, Guegue, Samérica, Angobó, Capitango, Capito, Congo, Còracòra, da Azeitona, da Colónia Açoriana, da Cruz, da Lança, da Mandioca, da Moça, da Mutamba, da Nazaré, da Palma, da Pipa, da Piscina, das Furnas, das Plancas, das Pombas, de Algés, de Angra Toldo, de Diogo Afonso, de Monte Mário, de Rosema, de Santa Catarina, do Almoxarife, do Amador, do Fogo, do Gato, do Lagarto, do Melão, do Morrão, do Portinho, do Rei, Fernão Dias, Gamboa, Inhame, Ió Grande, Ponta Baleia, Ponta 26
Cavingui, Jalé, Martins Mendez, Micoló, Micondo, Mussacavu, Pesqueira, Picão, Sambangombe, Sete Ondas, Vá Inhá, Xixi, Zongonhin. Ecoturismo e sustentabilidade são conceitos que os santomenses entendem bem. Desde a Educação Infantil a questão da sustentabilidade é trabalhada nas escolas, mesmo porque têm a consciência da fragilidade de seus ecossistemas e que é tão somente daquela ilha que retiram sua subsistência. Às vezes, é claro, a natureza precisa ensinar duras lições. Contaram-me que alguns sujeitos estavam retirando areia das praias para utilizar na construção civil. Alguns anos depois as edificações ruíram, pois o sal contido na areia corroera as ferragens! Ensinamento dos bons!
Figura 23 - Praia das Pombas. Foto do meu álbum pessoal.
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Figura 24 - Praia Grande. Foto do meu álbum pessoal.
Descendo ao sul há um fenômeno natural resultado do duelo do mar contra os rochedos, de nome macabro, mas de espetáculo sem igual: a Boca do Inferno. A água em fúria é canalizada por canais naturais para uma formação cavernosa e de lá ela é expulsa violentamente formando esguichos e cascatas que a fazem retornar dramaticamente para o mar.
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Figura 25 - Boca do Inferno. Foto do meu álbum pessoal.
SUA ECONOMIA, SUA EDUCAÇÃO Sua economia, com base forte no turismo e na pesca, tem como moeda o Dobra, cuja sigla é STD (Dobra de São Tomé). Nas taxas cambiais um Dólar equivale a 18.600,00 Dobras e um Euro equivale a 24.500,00 Dobras, tem um Produto Interno Bruto (PIB) de 50 milhões de dólares. Para finalidades comparativas o PIB do Brasil gira em torno de 1,5 trilhões de dólares. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2009 o país figurava na 165º posição, com o índice de 0,651. Neste mesmo ano o Brasil ocupava a 75ª posição, com IDH de 0,813. É importante lembrar que este índice considera a escala de 0,0 a 1,0, sendo que 1,0 é o topo de qualidade de vida. Aliás, este IDH se mantém o mesmo há quase 10 anos. O cálculo deste índice é muito rigoroso, visto que sua variação ocorre na casa dos centésimos. Portanto, deve-se considerar uma relevante qualidade de vida gozada pelos irmãos santomenses. Noventa por cento da subsistência local vem da pesca, por isso Organizações Não-Governamentais trabalham no sentido de conscientizar e qualificar os pescadores.
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Figura 26 - Dobra, moeda local. Foto do meu álbum pessoal.
No aspecto educacional, sua taxa de alfabetização é relevante, e está entre as mais elevadas da África sub-sariana. No ensino básico cerca de 93% das crianças estão na escola, segundo ouvi do Ministério da Educação. São Tomé e Príncipe investe intensamente na formação continuada dos seus professores, que ainda é o nó a ser desatado pois mais de 60% deles não possuem formação adequada para a função. O estado se esforça na consolidação da universalização do acesso ao ensino básico de seis anos praticamente alcançado em 2012 (94,9%, segundo dados do Ministério da Educação do país1), antecipando a meta a ser atingida até 2015. E foi esta a minha missão ao chegar em STP: desenvolver um programa de implantação de iniciativas comunitárias para a Educação Não Formal e Projetos Educativos e de formação/sensibilização de professores, gestores e integrantes do Terceiro Setor do país. STP tem 86 escolas de ensino básico, com cerca de 34 mil alunos, totalizando 442 salas de aula e três instituições de educação superior. Claro, há muito a se fazer. Mas está a caminho. E a educação transforma. Aliás, a educação é uma das grandes marcas deste país desde quando se libertou das garras da opressão, em 1974. Paulo Freire, o mais importante pedagogo brasileiro, esteve por lá. Esta história quero contar-lhes com detalhes. 1
Disponível em: http://www.portal.mecf.gov.st/index.php/features/88-politicas-e-estrategias/192-ensino-basico 30
Uma determinada manhã em que eu saíra para lecionar em STP me reservou uma surpresa (pois não a considero “coincidência”, penso que estar na hora certa, no lugar certo) daquelas que marcam definitivamente a história de um homem. Era minha última aula da etapa de formação e como o auditório do Liceu, onde eu trabalhava, seria utilizado por outro evento, minha aula foi transferida para o Arquivo Histórico Nacional. Um prédio histórico, com auditório aconchegante.
Figura 27 - Arquivo Histórico de STP com o busto do Rei Amador, herói nacional. Foto do meu álbum pessoal.
Ao final da aula, a cerimônia de encerramento: ao tomar a palavra para meus agradecimentos, lhes falei de Paulo Freire, resumindo sua passagem pela África e, especialmente, por São Tomé e Príncipe. Eu já falava com muita emoção sobre o pensador da educação que, tendo se tornado persona non grata à ditadura militar brasileira nos anos 1970, dedicou sua pedagogia aos nossos irmãos africanos que haviam recém-saído para as luzes, após décadas nas trevas da opressão, como GuinéBissau, Cabo Verde, Angola e São Tomé e Príncipe, onde morou em 1975. Já com a voz embargada disse-lhes que meu desejo maior seria que os ensinamentos de Freire, focado para uma educação humanista e libertadora nos inspirasse desta vez a olhar para a educação das crianças santomenses, que têm nesta ferramenta talvez sua única esperança de romperem a bolha da exclusão, talvez suas derradeiras réstias de sonhos 31
de construir um porvir frutuoso, de mobilidade social, de cidadania, e de preservação dos valores mais fundamentais para a convivência em um mundo mais justo, mais afetivo e mais solidário. Aqui eu larguei o microfone, pois a voz não mais saía. Eu chorava como menino. E chorava sem uma mínima vergonha de fazê-lo. E chorara mais ainda, porque o auditório chorava junto! A coordenadora geral do Programa apanhou o microfone e convidou a autoridade do Ministério da Educação que estava na primeira fila para proferir sua fala de encerramento. Este senhor, igual e visivelmente emocionado, foi ao meu lado, abraçou-me e se dirigiu ao público dizendo: - Tenho uma informação a dar-lhe, professor Miranda! Aqui onde estás, nesta mesma sala, neste mesmo lugar de onde falas, Paulo Freire dava suas aulas! E aqui eu fui seu aluno! Neste momento, vi histórias inteiras passarem em imagens aceleradas diante dos meus olhos e a entranharem-se na minha alma, a de Freire, a minha como educador e fiel seguidor das lições freirianas, a minha como sujeito que também se construiu graças a crença na educação transformadora. Arrepiei-me, mostrei os pelos do braço eriçados ao senhor do Ministério e a alguns da primeira fila. Tentei dizer mais alguma coisa, mas foi impossível! Voltei a chorar, simplesmente. Felizmente muitos braços me acolheram… e um pouco depois lhes disse: - Devo confessar que desde que entrei logo cedo, senti muitas vibrações positivas e inspiradoras… E não estava no meu roteiro falar de Freire… Vejam como o universo só conspira a favor! O restante da manhã terminou com celebrações… e uma marca daquelas que se eternizam no lugar mais preciso da alma! Em São Tomé e Príncipe há escolas de ensino básico privados de pequeno porte, algumas em residências adaptadas. Há instituições públicas, onde salas de aula atendem até 60 crianças e a cozinha funciona à lenha; noutras, professores dão aula com megafone, o estado oferece a estrutura física e os professores, mas, segundo a Diretora, são de responsabilidade das famílias a mobília e os gêneros alimentícios e a lenha. Mas, acima de tudo, os professores trabalham com motivação e esperança.
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Figura 28 - Escola Infantil de Pequeno Porte. Foto do meu álbum pessoal.
Figura 29 - Escola Pública. Foto do meu álbum pessoal.
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Há escolas privadas para a elite, na relação de uma criança para cada professora, a um custo de 30 euros mensais por criança. Na que visitei, com o luxo de um ambiente climatizado, logo na entrada me pediram para calçar protetores de sapato, nada de pozinho da rua no chão da escola.
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Figura 30 - Escola Infantil Privada de Grande Porte, recebendo protetores de sapatos. Foto do meu álbum pessoal.
Figura 31 - Escola da ONG Portuguesa Fundação da Criança e da Juventude. Foto do meu álbum pessoal.
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DEIXANDO A ILHA Dezembro avança e as decorações natalinas nos estabelecimentos comerciais anunciam a chegada do Pai Natal, que é como chamam o “bom velhinho”. Sinto a cidade já esvaziar-se. Os abonados vão para a Europa, os nem tanto vão para Cabo Verde e outros países do continente africano. Já estou com muita saudade de São Tomé e Príncipe, mesmo viajando somente nos próximos dias. Em São Tomé há uma fruta chamada “Safú”, da qual dizem que o visitante que a come, sempre volta. Eu comi uma bacia cheia! Nunca me senti tanto em casa como em São Tomé, penso que o espírito ancestral pode explicar melhor tal sensação. Reafirmo: veio para cá um homem, volta outro, marcado para sempre por todas as aprendizagens que podem caber em uma pessoa, todas as sensibilidades, ternuras, dores e delícias de uma beirada do Brasil na África. Meu povo africano organizou uma festa de boa viagem para mim amanha à noite, comprei roupa nova. O avião iniciou os procedimentos de decolagem e eu não sabia se queria mesmo ir embora ou render-me à vontade de ficar. Talvez a vontade de estabelecer-me entre Brasil e África, como São Tomé e Príncipe o fez nos tempos da deriva continental. A aeronave decolou e, com os olhos fixos no pequeno retângulo da janela da aeronave, a pequena grande ilha sagrada ia se tornando um ponto cinza na imensidão azul do oceano atlântico, mas dentro de mim haverá sempre de ficar.
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